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ANTROPOLOGIA Teorico 4
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Antropologia
Material Teórico
Antropologia e Diversidade étnica: raça, etnia e racismo
Co-auto:
Prof. Pietro Henrique Delallibera
Revisão Textual:
Profa. Ms. Rosemary Toffoli
Antropologia e Diversidade étnica:
raça, etnia e racismo
• Raça e racialismo
• Raça e etnia
Para realizar seus estudos, primeiro acesse o item Documentos da Disciplina, no qual
você encontrará o Referencial Teórico, ou seja, o texto que fundamentará todas as demais
atividades da unidade.
Em seguida, para verificar se houve uma suficiente compreensão do conteúdo, responda às
perguntas das Atividades de Sistematização, que tratam de problemas fundamentais sobre
o assunto abordado. Foram disponibilizados, ainda, Materiais Complementares, para o caso
de você desejar se aprofundar em algumas questões trabalhadas no conteúdo.
Finalmente, realize a Atividade de Reflexão da unidade.
Lembre-se de que um professor tutor estará à sua disposição; você pode contatá-lo a qualquer
momento neste ambiente web-class.
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Unidade: Antropologia e Diversidade étnica: raça, etnia e racismo
Contextualização
Caro(a) aluno(a),
No dia 20 de julho de 2010, o governo brasileiro sancionou a Lei n.º 12.288, que
instituiu o Estatuto da Igualdade Racial. De acordo com o próprio texto legal, o objetivo
dessa lei é “garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a
defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às
demais formas de intolerância étnica”. O documento pode ser lido na íntegra pelo seguinte
link: http://migre.me/eDxnq
Como você pôde perceber, o Estatuto mobiliza conceitos como “etnia”, “racismo”, “minoria”
e “igualdade racial”. Mas o que exatamente cada um desses termos significa? A Antropologia
lida há pelo menos um século com cada uma dessas categorias e, nesta unidade do curso,
poderemos compreendê-las melhor e entender como seus sentidos e cargas valorativas mudaram
ao longo do tempo.
Também continuaremos a discussão sobre a diversidade e os Direitos Humanos iniciada na
Unidade VII, dessa vez focalizando um caso particular e extremamente relevante: a questão dos
negros e do racismo na sociedade brasileira. É interessante que você leia o Estatuto da Igualdade
Racial antes de iniciar esta unidade. Dessa forma, certamente algumas das questões tratadas
pelo documento ficarão mais claras, bem como seus pontos de convergência e de divergência
com aquilo que diz a teoria antropológica.
Bons estudos!
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Etnia e minoria étnica
A palavra “etnia” deriva do grego ethnos, que designa um grupo humano portador de um
mesmo conjunto de traços lingüísticos, culturais e/ou “raciais” determinantes de sua identidade.
É interessante notar que o moderno sentido do termo permaneceu muito semelhante àquele
que lhe atribuiu pioneiramente Heródoto, ainda no século V a.C.: de acordo com o “pai da
História”, aquilo que definia o grego era ter o mesmo sangue, falar a mesma língua e compartilhar
os mesmo hábitos e costumes.
Embora o significado do ethnos antigo tenha sido preservado em essência, as ciências
humanas do século XX, especialmente por meio da Antropologia Cultural, foram responsáveis
por agregar ao conceito de etnia a importante noção de autoconsciência. Portanto, nossa
disciplina entende que não basta que determinada população compartilhe uma cultura, uma
língua e uma ancestralidade para que se tenha uma etnia. É preciso, acima de tudo, que esse
grupo se enxergue como parte de um mesmo povo.
O debate em torno da questão étnica é complexo e remete a problemas filosóficos e
epistemológicos que em muito extrapolam o escopo da Antropologia. Isso porque o conceito
está ligado a ideias como identidade, sentimento de pertença, mobilização política e, em última
instância, às discussões sobre os motivos elementares que levam o homem a ser um animal
necessariamente social. De forma extremamente genérica e resumida, poderíamos dizer que
há duas abordagens principais para o tema. Por um lado, pode-se tomar a etnia como algo
primordial, um laço ancestral que, independentemente de fatores externos e circunstâncias
históricas, une determinada população. Esse ponto de vista está identificado com as teorias
chamadas essencialistas. Atualmente, tal posição enfrenta sérias resistências, já que desde a
década de 1980 estudos ligados à História Cultural e à Etimologia nos mostram que tradições
e mentalidades aparentemente longevas podem ser construções culturais recentes, por vezes
animadas pela pura vontade política. O caso dos nacionalismos é paradigmático: embora
saibamos que o moderno conceito de nação não tem mais do que 150 anos de idade, e que a
maioria dos atuais países tiveram seus contornos territoriais e repertórios culturais definidos há
pouquíssimo tempo, o discurso oficial veicula a ideia de que ser britânico, francês, americano ou
brasileiro remete a um sentimento de pertença que une a população desde tempos imemoriais.
Outra abordagem possível para o problema consiste em assumir que a etnia é uma construção
histórica, política e social, ou seja, que a identidade étnica, o laço que une determinado povo,
não é algo natural ou essencial, mas uma invenção coletiva. Essa posição, que podemos
classificar genericamente como construtivista, suscita diversos outros problemas, como o do
caráter coercitivo da identidade étnica: até que ponto a etnia é uma construção espontânea
de uma sociedade e até que ponto ela responde a interesses políticos e discursos de poder por
vezes xenófobos e intolerantes? Pelo primeiro ponto de vista, o foco da análise recai sobre o
caráter naturalmente dinâmico da cultura; pelo segundo, destacam-se os aspectos ideológicos
do discurso da pertença étnica.
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Unidade: Antropologia e Diversidade étnica: raça, etnia e racismo
Em Angola, praticamente toda a população descende de membros do tronco linguístico bantu, grupo que naquele país se subdivide em etnias
como Ambundu (esq.) e Nyaneka-Nkhumbi (dir.), entre outras.
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Matéria publicada no site Vírgula, do portal de notícias UOL: exemplo
do uso cotidiano que o termo antropológico “etnia” adquiriu na
nossa sociedade.
Além de revelar uma profunda ignorância por parte do enunciador – tendo em vista
que a África, aludida pelo exemplo, acolhe uma infinidade de tradições culturais e estéticas
completamente distintas –, essa acepção de etnia carrega traços de exotismo e primitivismo que
remetem, em última instância, a um ponto de vista etnocêntrico e culturalmente hierarquizante.
Trata-se, portanto, de uma definição que não faz parte do vocabulário antropológico, mas que
deve ser levada em conta para que se compreenda melhor o peso das questões étnicas no
interior das sociedades contemporâneas.
Outro ponto importante a ser destacado é a costumeira associação entre etnia e minoria
(ou, mais precisamente, minoria étnica). A Antropologia nos ensina que todo grupo humano
que se reconhece dono de uma tradição cultural singular e diferente das demais pode ser
considerado uma etnia. Ocorre que, no caso das sociedades ocidentais, o uso dessa noção
para designar, como acabamos de ver, grupos em geral minoritários que destoam da norma
cultural de um país ou comunidade faz parecer que etnia se refere sempre a comunidades
“exóticas”, como as indígenas, ou restritas a guetos, como no caso dos imigrantes. Embora
corriqueira, essa associação não é obrigatória. Cumpre lembrar que uma minoria sociológica
não se define pela quantidade de indivíduos que dela participam, mas pela condição –
marginal, subordinada, excludente – com que eles se inserem na totalidade social. Um dos
exemplos mais flagrantes de como uma minoria pode ser numericamente majoritária é o dos
negros: em países como Brasil, Estados Unidos ou África do Sul, cuja população é composta
por uma enorme parcela de afro-descendentes, é possível classificar a comunidade negra,
sob vários aspectos, como uma minoria.
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Unidade: Antropologia e Diversidade étnica: raça, etnia e racismo
O caso dos negros, diga-se, é forma mais evidente que a questão étnica assumiu na nossa
cultura. Tanto pelo número expressivo de africanos trazidos ao país durante séculos quanto
pela forma particularmente perversa com que eles foram inseridos na sociedade brasileira –
diferentemente, por exemplo, das ondas imigratórias europeias, que nunca vivenciaram situações
de escravidão –, o racismo contra indivíduos de pele escura constitui o mais expressivo embate
étnico de nossa história. Mas antes de refletirmos sobre esse problema, precisamos entender
melhor a ideia de raça, suas semelhanças e diferenças com a noção de etnia e sua importância
política ao longo dos últimos séculos.
Raça e racialismo
A palavra “raça” deriva do latim ratio, que, apesar de possuir mais de uma acepção,
pode ser traduzido como “categoria” ou “espécie”. O uso do termo é antigo e pode
ser encontrado, por exemplo, nos escritos do viajante veneziano Marco Polo, que no
século XIII relatou seu encontro com a “raça persa”. Como se pode notar, o sentido
original da palavra se aproxima muito daquilo que hoje entendemos como nação ou
povo. Seu significado atual, intimamente ligado às diferenças físicas observáveis entre os
grupos humanos, ganhou força somente no início da era moderna, quando as Ciências
Naturais, especialmente a zoologia e a botânica, procuravam segmentar e classificar os
diferentes seres vivos que habitam o planeta.
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Curiosamente, a noção moderna de raça, que assume sua face mais trágica com a opressão
das populações negras, não coincide com a época de ouro do tráfico negreiro e da escravidão.
Muito pelo contrário: o ideário racialista ganhou força justamente na segunda metade do século
XIX, quando essas práticas estavam em declínio, criticadas duramente e abolidas em boa
parte do globo. Isso ocorreu em parte porque a escravatura foi uma instituição plenamente
aceita no Ocidente até meados da Idade Moderna, o que tornava dispensável um intricado
aporte teórico como o do racialismo para sustenta-la moralmente. Com o advento dos ideais
iluministas – aquele homem universal do qual tratamos na unidade anterior, dotado de direitos
fundamentais inalienáveis – e do capitalismo como modo de produção hegemônico (o que
alterou profundamente as relações de trabalho), a ideia de que um ser humano pode ser objeto
de posse passou a ser repudiada, e a ideologia racista surgiu para justificar a continuidade da
situação de opressão e desigualdade tanto dos negros fixados em países ocidentais quanto
das próprias sociedades africanas, sistematicamente subjugadas por nações como Inglaterra,
França, Alemanha e Bélgica. Afinal, para o ideário racista, a desigualdade entre os homens não
advém de uma relação de dominação concreta como aquela que existe entre o senhor e seu
escravo, mas sim de uma determinação biológica que escapa de qualquer controle, posto que
ditada pela própria natureza.
Para Pensar
Mas o que, exatamente, vem a ser raça? Ao longo das décadas, diferentes pensadores tentaram
fornecer respostas precisas e “científicas” para esse questionamento. Grosso modo, há duas
concepções possíveis (e complementares). A primeira, mais grosseira, é aquela que se atém quase
que exclusivamente às características físicas das populações. É também a noção que ainda hoje está
mais profundamente disseminada em nosso inconsciente coletivo. Dois de seus teóricos pioneiros
foram Alexander Crummel (1819-1898) e Carl von Linné, ou Lineu (1707-1778). Este último, um
naturalista sueco muito influente no seu tempo e reconhecido até hoje por suas contribuições (de fato
louváveis) às ciências naturais, elaborou uma classificação que ilustra como poucas o rigor científico
com que se tratou a questão das raças humanas e a associação ideológica entre características físicas
e traços comportamentais. De acordo com Lineu, o Homo sapiens se subdivide em quatro grupos,
sendo eles:
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Unidade: Antropologia e Diversidade étnica: raça, etnia e racismo
Originalmente, essa classificação é muito mais completa, com descrições detalhadas das
características físicas de cada uma das subespécies. Procuramos destacar somente algumas
dessas atribuições, com atenção especial à forma com que Lineu relaciona a organização
política de cada sociedade aos seus traços biológicos (trechos grifados): segundo ele, temos um
homem europeu naturalmente adaptado ao Estado de Direito contraposto, por exemplo, ao
indígena, limitado a seguir a tradição, o “hábito” – uma sociedade, portanto, sem dinâmica, sem
transformação, sem história. O que mais impressiona é o quanto dessa classificação elaborada
no século XVIII permanece incutida no imaginário do Ocidente. Afinal, se olharmos atentamente
para os discursos racistas, é fácil encontrar de forma mais ou menos evidente essa velha ideia de
humanidade seccionada em quatro grandes grupos.
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A outra concepção possível de raça poderia ser chamada de “histórico-cultural”, pois
ela considera não só os elementos fenotípicos das populações humanas, mas também suas
ancestralidades e práticas culturais. Seu principal teórico foi William Edward B. Du Bois (1868-
1963), defensor da ideia de que existem, no mínimo, oito grandes raças humanas. Para essa
vertente, a definição de uma raça deve levar em conta também as similaridades culturais entre
os povos e, especialmente, sua procedência geográfica. Isso permitiu a Du Bois falar tanto de
uma “raça negra”, composta pelos habitantes da África Subsaariana e por seus descendentes
espalhados pelo mundo, quanto das raças “eslava” ou “românica”, ambas brancas.
Atenção
É importante que deixemos claro o significado de racialismo, para que ele não seja confundido com racismo. O
termo se refere simplesmente à aceitação da ideia de raça como paradigma teórico, sem hierarquias ou juízos
de valor a priori. Crummel e Du Bois – eles próprios negros – foram, como vimos, racialistas, mas ambos se
engajaram num movimento político e intelectual chamado Pan-Africanismo, defensor da união e do fortale-
cimento da raça negra justamente contra o racismo e a subjugação do continente africano pelas potências
ocidentais. Essa ideia pode parecer estranha hoje, haja visto que o conceito de raça humana já foi desacredi-
tado pelas pesquisas científicas e que, após experiências traumáticas como o Holocausto judeu ou o apartheid
sul-africano, sabemos que a crença nas diferenças biológicas entre os homens pode levar a caminhos políticos
temerários. Mas no século XIX, período em que o conceito moderno de raça ganhou força e legitimidade, tal
noção era perfeitamente aceita nos meios científicos mais sofisticados, e sua utilização não atendia necessaria-
mente à ideologia da inferiorização.
Raça e etnia
Nesse momento já devem estar mais claras as diferenças existentes entre etnia e raça. De um
modo geral, pode-se dizer que a raça se define sempre, embora não exclusivamente, com base
em aspectos biológicos, fenotípicos, enquanto a etnia está ligada a aspectos culturais, sociais,
históricos e até psicológicos. É por isso que uma suposta raça – como, por exemplo, a negra
– pode abarcar uma série de etnias diferentes. É também notável que a etnia só se concretize
a partir do auto-reconhecimento de certo povo enquanto unidade cultural. Isso significa que,
diversamente da raça, uma identidade étnica não pode ser impositiva.
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Unidade: Antropologia e Diversidade étnica: raça, etnia e racismo
Mas ainda é preciso analisar melhor a questão do racismo. Isso porque a noção corrente nos
dias de hoje é muito diferente daquela empregada há, digamos, meio século. É sintomático que
atualmente chamemos de “racismo” preconceitos que se voltam, na verdade, contra etnias, tais
quais indígenas, migrantes ou estrangeiros. Embora possa parecer um erro conceitual grosseiro,
esse vocabulário costuma ser consciente e politicamente orientado, pois reflete as configurações
particulares que o racismo adquiriu historicamente na nossa sociedade. É sobre esse percurso,
especialmente com relação ao caso brasileiro, que nos ateremos agora.
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O caso do racismo no Brasil carrega algumas peculiaridades que merecem nossa atenção. À
semelhança dos Estados Unidos, nosso país viveu o trauma da escravidão e recebeu quantidades
massivas de africanos cativos entre os séculos XVI e XIX. Por isso, a identidade da comunidade
negra nacional não se funda em traços étnicos, remetidos a antepassados vindos de diferentes
regiões da África e portadores de tradições culturais diversas, mas sim sobre o elemento concreto
da cor de pele: o escravismo e a segregação não atingiram bantos ou iorubas, mas simplesmente
negros. Isso também explica porque a questão étnica brasileira adquiriu majoritariamente o
caráter de luta contra a discriminação racial. Embora o preconceito contra práticas culturais e
linguísticas também exista em nosso país, a forma mais evidente de discriminação ao longo da
nossa história foi propriamente racista, voltada ao enorme contingente de afrodescendentes que
compõe a população.
No entanto, diferentemente da grande maioria das nações com passado escravista, o Brasil
nunca teve leis de segregação racial como as americanas ou sul-africanas. Isso significa que,
embora os negros tenham sido sistematicamente excluídos de fato da economia nacional e
dos processos de decisão política, embora o país tenha adotado políticas deliberadas de
“embranquecimento” da população com a “importação” de imigrantes europeus após o
término da escravidão, e embora várias de nossas instituições tenham sido (e ainda sejam)
discriminatórias em relação à comunidade negra, o racismo nunca foi uma prática oficial.
Isso alimenta, por um lado, ideias como a de democracia racial, ideologia ancorada na crença
de que o Brasil e as demais regiões colonizadas pelas nações ibéricas (Portugal e Espanha)
foram mais tolerantes com os cativos trazidos da África do que, por exemplo, a sociedade norte-
americana, na qual houve leis raciais. Prova disso seria a prática corriqueira da miscigenação
entre europeus, negros e indígenas nos tempos coloniais, um elemento supostamente basilar da
cultura nacional. Por outro lado, essa ideia interdita o debate sobre o racismo no país, já que,
via de regra, nossas práticas discriminatórias são veladas, não-oficiais e obscurecidas pelo mito
da “cultura mestiça” que não abriga preconceitos de cor.
A partir aproximadamente da década de 1970, os estudos científicos de ponta, especialmente
aqueles protagonizados pela genética, derrubaram progressivamente a ideia de raça,
demonstrando a irrelevância das diferenças biológicas entre os seres humanos e, acima de tudo,
a inexistência de qualquer conexão entre biologia e cultura ou capacidade intelectual. Com isso,
o racismo “clássico”, ancorado na velha ideia de raça, entrou em franco declínio. No entanto
– e esse é o ponto central para a discussão que se faz no âmbito das ciências humanas –, seus
mecanismos de funcionamento sobrevivem e continuam presentes nas práticas sociais até os
dias de hoje.
A regra básica do velho racismo dependia da associação direta entre biologia e
comportamentos coletivos. Quando a ciência provou a inexistência de tais aspectos
biológicos, o “racismo contemporâneo” entra em cena para biologizar determinados setores
sociais, isto é, a considerá-los membros de um grupo específico de homens, portadores de
uma humanidade própria e distinta das demais, para então, como antes, atribuir-lhes traços
comportamentais coletivos. É por isso que se pode falar em racismo contra estrangeiros,
migrantes, membros de grupos religiosos distintos e, no limite, mulheres, jovens, idosos,
homossexuais. Embora a ideia de raça não esteja necessariamente em jogo em nenhum
desses casos, o mecanismo de exclusão que ela carrega – isto é, a crença de que os homens
são desiguais por natureza – continua a ser mobilizado.
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Unidade: Antropologia e Diversidade étnica: raça, etnia e racismo
Esse uso do conceito de racismo pode ser problemático. Em primeiro lugar, ele não faz parte
de um vocabulário conceitual mais rigoroso, como o da Antropologia, pois recorre a analogias
e metáforas, além de costumeiramente confundir noções como raça e etnia. Ele também pode
contribuir para banalizar a experiência das populações verdadeiramente estigmatizadas em
termos racistas, tirando a especificidade histórica de eventos traumáticos como o apartheid na
África do Sul ou os regimes escravistas nas Américas, e relegando o signo do racismo a qualquer
experiência de rejeição ou injustiça social.
Mas esse uso não pode ser ignorado, pois ele evidencia o principal desafio teórico enfrentado
hoje por aqueles que combatem o racismo, a saber: essa forma de preconceito não depende
mais da crença na raça para ter funcionalidade social. Essa é uma ideia que ajuda a entender,
inclusive, a permanência de condutas preconceituosas contra populações estigmatizadas no
passado pelo racismo “clássico”, como os negros, mesmo que o conceito de raça tenha perdido
completamente sua validade.
O racismo contemporâneo se baseia numa essencialização que não é mais racial-biológica,
mas, acima de tudo, histórica e cultural. É sensato supor que parte considerável (se não
majoritária) dos atuais racistas não acredite na velha noção de raça, mas a associação entre
modelos de comportamento e determinados grupos sociais, como se estes fossem donos de
uma essência inescapável, transmitida hereditariamente, permanece corriqueira. Se antes eram
os aspectos fenotípicos que determinavam os limites de cada grupo, hoje é a cultura, a história
ou a procedência que mais contribuem para a estigmatização. Curiosamente, os vários racismos
contemporâneos se voltam, muitas vezes, contra as minorias étnicas, e não contra as raças.
Os exemplos desse tipo de comportamento são inúmeros. Basta pensarmos, para usar um
caso já “clássico”, no racismo presente hoje nos países da Europa Ocidental contra árabes,
africanos e, a partir dos anos 80, contra imigrantes vindos de países do chamado Terceiro
Mundo e da antiga Europa Oriental.
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Ao que tudo indica, nosso século será marcado pela luta contra esse novo racismo, baseado nas
diferenças culturais e identitárias, que emerge após o declínio da ideologia racialista elaborada
entre o fim do século XVIII e o início do XX. Alguns dos desafios políticos e também teóricos
(especialmente importantes, portanto, para os cientistas sociais) já se desenham no horizonte: a
luta pelo respeito às diferenças culturais e pela construção de políticas públicas multiculturalistas
pode ser protagonizada tanto por anti-racistas quanto por racistas. Os primeiros pedem o
reconhecimento de sua identidade cultural particular ou, em outras palavras, a afirmação das
diferenças para que se possa construir verdadeiramente uma situação de igualdade e respeito à
diversidade. Já os segundos, fortemente organizados na Europa, podem reivindicar esse mesmo
tipo de proteção para a sua cultura, que já é hegemônica, numa tentativa de viver separados de
árabes, africanos, hispânicos... enfim, dos “não-ocidentais”.
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Unidade: Antropologia e Diversidade étnica: raça, etnia e racismo
Material Complementar
Racismo e diversidade
Antonio Sérgio Alfredo Guimarães COMBATENDO O RACISMO: Brasil, África do Sul e
Estados Unidos* http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v14n39/1724.pdf
GUIMARAES, Antonio Sérgio Alfredo. Preconceito de cor e racismo no Brasil. Rev. Antropol.,
São Paulo, v. 47, n. 1, 2004 . Available from http://migre.me/eI85A access on 19 Feb. 2013.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-77012004000100001.
OLIVEIRA, Luís R. Cardoso de. Racismo, direitos e cidadania. Estud. av., São Paulo, v. 18, n.
50, Apr. 2004 . Available from http://migre.me/eI81K. access on 19 Feb. 2013. http://dx.doi.
org/10.1590/S0103-40142004000100009.
DIVERSIDADE: Avanço Conceitual para a Educação Profissional e o Trabalho – Ensaios e
Reflexões http://migre.me/eI80C.
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Referências
BENEDICT, Ruth. O crisantemo e a espada. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.
BOAS, Franz. Antropologia cultural. Seleção de Celso Castro. 6. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 2010.
COMTE, A.; MORAES FILHO, E. (org.). Auguste Comte: sociologia. 3. ed. São Paulo:
Ática, 1989.
______. As regras do metodo sociologico. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
FOUCAULT, M. Les mots et les choses : une archeologie des sciences humaines. Paris:
Gallimard, 1966.
______. Antropologia estrutural dois. 4. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993.
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Unidade: Antropologia e Diversidade étnica: raça, etnia e racismo
Francisca Cordelia Oliveira da Silva. Etnia, cor e raça: aspectos discursivos do uso institucional.
http://www.fflch.usp.br/dlcv/enil/pdf/64_Francisca_Cordelia_OS.pdf
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Anotações
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