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Fernanda Cardoso

a essesnovos pensadores económicos, sem a pretensão de CAPÍTULOS


esgotar a riqueza da obra de cada um deles.
A cadaautor dedica-seum capítulo particular em que
são apresentados os elementos teóricos que explicam a per'
ATEORIA
DOGRANDE
IMPULSO
DE
petuação do subdesenvolvimento - ou seja, o diagnóstico
bem como as estratégiassugeridaspara romper com tal
ROSENSTEIN-RODAN
condição. Foram selecionados textos e livros semanaispara
a formação do desenvolvimentismo cláss.iconas décadas
de 1940, 1950 e 1960, além de, em alguns casos, recorrer-se
também a análises qug alguns delesrealizaram sobre suas
teorias já na {iéçaclacle 19sd{ Justamente o mC)mentoem
dize ãs e9b'atégias desenvolvimentiétas foram abandonâ-
8as e engavetadas,e e;n que o mundo efa ehEãoatingida
$Óç;ÜÚálhoV í óhdÉ :Q:$ ç,] talíÉWó.l

Economista nascido na Polõnia. Radicado intelectualmente


na Inglaterra, onde, em 1930,se tornou cidadão britânico (1902-1985)
Fonte: <https://bit.ly/2DNz6Ze>. Acesso enl: out. 2018.

Rosenstein-Rodan pode ser considerado o pioneiro dos


pioneiros dessa geração de intelectuais que se debruçou
sobre as particularidades do subdesenvolvimento de algu-
mas naçõesno contexto da Segunda Guerra Mundial e do
seu imediato pós. É justamente seu texto que se constitui
como marco temporal da economia do desenvolvimento.
Nesse capítulo, a contribuição de Rosenstein-Rodan é
sintetizada a partir de dois textos selecionados,além de
comentáriosdo próprio autor sobre sua obra. O primeiro
deles, cíatado de 1943, P70/)/eitzas (ü rndzzsfdaZízaçlü í&z Ez/z"o-

pa O71enfa/
e SaZ-O7íenfaZS,
corresponde ao texto inaugural
5. A escolha cio estudo dos países do Leste e o Sudeste europeus é explicatla
4. A principal referência para essasanálises posteriores é o livro organizado em Rosenstein-Rodan (1984). Segundo o pioneiro, a escolha não se realizou
por Gerdlc] Meier e [)ud]ey Seers en\ 1984, intitulado Plo/zeersill Dmelop/ne/if por conta cle qualquer interesse especial nessespaíses,mas porque, além cle

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Fernanda Ca rdoso Nove Clássicos do Desenvolvimento Económico

da economiado desenvolvimento. Nele, o autor discute os C) seu artigo de 1943 do EcofzonzicJotírrza/ serviu então
problemas econâtnicos er\frentados pelo Leste e Sudeste como documento básico para o grupo de estudos que se
europeus, os (duais denomina de áreas atrasadas ou de- iniciava, e é considerado o marco teórico inicial da econo-
primidas. O outro texto, de 1944, O Desemz'oZzlínenfo Infe7"-
mia do desenvolvimento do século XX.z
ttacioltd. das áreas ecoa.oltlicanten.teatrasadas, ê uma versão Rosenstein-Rodan, a respeito do tratamento teórico
expandida do primeiro. adequado do processo de desenvolvimento, define que:

Origem da economiado desenvolvimento e os limites Não é uma teoria de equilíbrio estático tradicional,
da ciência económica mas uma análise do processo de crescimento dese-
quilibrado que se mostra essencial à compreensão
Em entrevista a Gerard Meter e Dudley Seersna década dos problemas do desenvolvimento económico.8
de 1980, Rosenstein-Rodan explica sua conUibuição teórica
e participação na formação da economia do desenvolvi- Interessante notar que, apesar desse apontamento do
mento :nadécadade 1940.Naquele momento, intelectuais próprio autor, ressaltando o aspecto desequilibrado do
como Rosenstein-Rodan passam a colocar as especificida- processo de crescimento, foi associada a Rosenstein-Rodan
des do subdesenvolvimento no centro do debate, reque- a chcamadâteoria do crescimento equilibrado, assim como
rendo, para isso, uma nova postura e abordagem teórica. a Nurkse e Lewis.9A seguir, no decorrer da apresentação
Abaixo, reproduzem-se as palavras do próprio autor: da contribuição dessepioneiro dos pioneiros, ficará mais
evidente essa aparente contradição.
Durante a SegundaGuerra Mundial, propus em Por fim, antes de passar à discussão dos elementos teóricos
Londres a forn\ação de um grupo de estudosde apresentadospelo pioneiro, é válido reproduzir outra autor-
problemas dos países ecottomicamente subdesen- reflexão do autor feita na década cie 1980. Roserutein-Rodan
volvidos ao invés de um trabalho mais comum discorre a respeito do poder explicativo da teoria económica,
sobre os problemas económicos coerentes relaciona-
In: Meieç Geram; Seers,Duclley (eds.). Píazeersfl! Dez,c/op/}ie/zf.
Washington
dos à guerra. Se nós sobrevivêssen\os,não devería- Oxford Univeisity Press, 1984, p. 207, tracJução livre.
mos querer retornar ao status que prévio, mas sim 7. Arndt (1987, p. 47-48): "At Chatham House, P. N. Rosenstein-Rodam h\
formar um mundo melhor.' 1941becamesecretaiy to a Committcc on Postwar Reconstructionanel in
a private study group with EasternEuropean;economistsciiscussecl'Pro-
seus governos no exílio estarem, naquele morltento, em Lonclres, os países blems of Inclustrialization of Easternand Soutll-Eastern Europe'. An article
io Leste e do Sudeste europeus constituíana um grupo de casos shnilares, with tais title ano a mole popular lectuie, 'The Internacional Development
embora não perfeitamente idênticos. Essa observaçãoé importante porque of Econon\ícally Backwarct Áreas', may weU be regardecl as file beginning of
When one takes a group of shnilar countries, tlley cliffer from eacll olhei in moclern development economics'
one or two but not in all lespects; it is tllen easier to examine what is cause 8: Rosenstein-Rodan, 1984, p. 207, tradução livre.
and what is effect" (Rosenstein-Roclan, 1984, p. 207) 9. Hirscltman Albert Otto. T/le Sf/rlfe81/
of Eco/zo}//ic
Dcmelop//ze/il.
New Fla-
6. Rosenstein-Rodan,
Natura Fácil Saltun\:Analysis of the Disequilibrium. ven: Vale University Press, 1958.

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Fernanda Cardoso Nove Clássicos do Desenvolvimento Económico

e em que medida ela pode contribuir pala o crescimentoe C)objetivo da industrialização das áreasinternacio-
desenvolvimento econânlicos das nações. Em suas palavras: nais deprimidas é produzir equilíbrio esh'utural na
economia mundial, através da criação de emprego
[)epois de cerca de quatro décadas de atenção dire- produtivo para a populaçãoagrária excedente.
cionada ao desenvolvimento, devemos nos pergun-
tar o quanto a Economia pode explicar. A teoria eco- IndusHíalização quase que invai'iavelmente significa
nómica pode determinar as condições necessárias, urbanização. Como as zonas urbanas, comparativamente
mas não as suficientes, de crescimento. Os chamados às i'urais, possuem salários mais elevados, a industria-
fatores não económicos respondem pelo hiato entre lização acaba por se concentrar nelas. Extrapolando essa
as condições necessái'iase as suficientes. Qualquer obseivação ao nível internacional, as nações ricas seriam
avaliação do desenvolvimento pode apenas indicar as zonas urbanas, e as nações pobres, as rurais. Em outras
se as condições necessáriasao crescimento existem palavras, a industrialização se concentrou em áreas de
ou estão sendo criadas; ela não pode Prever com renda mais elevada, as nações desenvolvidas. E, caso a
certeza que o crescimento será de fato realizado.to industrialização se desenvolvesse, em alguma medida, nas
naçõessubdesenvolvidas, também estaria concentrada em
Vale notar que Rosenstein-Roclan,assim como os outros regiões específicas. Vale notar que, apesar da concentração
pioneiros a serem aqui tratados, voltou-se preferencialmen- regional também ocorrer em outros contextos, por conta da
te à discussão dos fatores económicos, o que, obviamente, própria natureza da industrialização, há uma particulari-
não invalida suas contribuições. No entanto, o importante a dade das nações subdesenvolvidas: a industrialização não
reter dessa observaçãoé que, no mesmo espírito da citação resultou de progresso técnico prévio na agricultura.
cÍo autor, há que se ter sempre em mente que o desenvol- A essatendência de concentraçãoda industrialização em
vimento, por sua própria namreza, extrapola o escopo da legiões cíe renda mais elevada, Rosenstein-Rodanatribui
economia. Desse modo, qualquer discussão que se faça so- a razão pela qual se observa o hiato crescente entre nações
bre a questão sempre será,em alguma medida, incompleta. desenvol'tidas e subdesenvolvidas.Hiato que não pode ser
contido, nem superado, pelos mecanismos de mercado re.
Industrialização não espontâneae suas duas vias
presentados pelos sistemas de preços, o qual, deixado às suas
próprias forças, capenas faria perpetuar o funcionamento dos
Antes de passarà definição da teoria do grande impul-
mecanismos cumulativos que resultam na desigualdade
so, é necessário entender porque, para Rosenstein-Rodan, a
distributiva, tanto interna quanto internacional. Sobreessa
industrialização é importante para romper com a condição
questão,vale reproduzir aspalavras do próprio pioneiro:
de atraso e porque ela não ocorre espontaneamente:
11. Rosenstein-Roclan,
Paul. Problemasde Industrializaçãocla Euiopa
Oriental e Sul-Oriental. In: Agalwala, A. N.; Singh, S. PI(eds.)..4 Eco//oil//üdo
10. Rosenstein-Roclan, 1984, p. 219, tradução livre. Sllb(/eseflz/o/pl/l/e/tfa.
Rio de Janeiro: Forense, 1969 [1943], p. 260.

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FernandaCardoso Nove Clássicos do Desenvolvimento Económico

O mecanismo de mercadonão promove o "ótimo' seja, sem recorrer ao capital internacional - objetivando
nem eln uma nação, nem entre nações,porque ele se a autossuficiênciaprodutiva. Essaescolhaimplicaria a
baseia em hipóteses tão irrea]istast-.] Isso obscure- construçãode todos os tipos de indústria, tendo como
cesse a natureza do processo de desenvolvimento, resultado um sistema econâinico estruturado numa base
bem.como os riscos envolvidos.t2 industrial verticalmenteintegrada.
Rosenstein-Rodan então aponta desvantagens do "mo-
O movimento de maquinário e capital em direção ao delo russo". A primeira delas diz respeito ao crescimento
trabalho, ao invés do movimento inverso, do trabalho em lento, pois, sem capital externo,há que se criar capital
direção ao capital, é o que define o processode industriali- internamente e, para tal, impactar o padrão de vida e de
zação. Em outras palavras..,o capital deve sedirigir para re' consumo da população. A segunda desvantagem se refere
piõesonde há trabalho excedente ou onde há desemprego à criação de uma unidade independentena economiamun-
disfarçado"' -, ao invés de se promover a imigração dessa dial, diminuindo as vantagens que poderiam decorrer da
mão de obra excedentepara regiõesmais capitalizadas. divisão internado:nal do trabalho,pois, quando essaopera
Sugere inclusive Rosenstein-Rodam que esse desemprego adequadamente, resulta numa maior produção global. Por
disfarçado "embora seja uma fraqueza, pode representar fim, poder-se-iaincorrer em geraçãode capacidadeociosa
uma fonte de desenvolvimento e vigor".:' mundial, especialmentede indústrias pesadas,implicando
Para Rosenstein-Rodan,a industrialização, em conjunto o que seria um desnecessá:riodesperdício de recursos.
com as melhorias na produção agrícola constitui o aspecto já a segunda via de industrialização,qual seja, de
mais importante a ser enfrentado para se alcançar o desen- promovê-lapor meio da inserçãodessasregiõesmais
volvimento económico dessas regiões atrasadas. E, por meio atrasadas na economia mundial, preservada as supostas
dessedesenvolvimento, seriapossível, por extensão,reduzir vantagens da divisão internacional do trabalho e estaria
o hiato de desigualdade entre as nações.Rosenstein-Rodan baseadaem um grande aporte de capital externo.
argumentaque a industrialização deve ser promovida por- A primeira vantagem dessasegunda alternativa seria
que as economias externas, ou os retornou crescentes,são permitir um progresso mais rápido, sem precisar sacrificar
muito maiores na indústli.a clo que na agricultura os níveis de consumo interno para captar poupança - uma
Com vistas a esseobjetivo de desenvolvimento, Rosens- vez que se permite recorrer ao capital exte:rno.A segunda
tein-Rodar elenco duas vias possíveis de industricalização vantagem implica que, ao respeitar a divisão internacional
das regiões atrasadas, apresentadas a seguir. do trabalho, essasregiões pautariam sua industrialização
Pela primeira via, o chamado"modelo russo", as somente em indústrias leves, com técnicas intensivas em
naçõesse industrializariam por sua própria conta - ou trabalho - ou seja, com maior capacidadede absorçãode
12. Rosenstein-Roclan, 1984, p. 209, tradução livre. mão de obra. Por fim, mesmo que se observasseuma ex-
13. Defh\ido nos casosem que a piodutividacle tlo trabalhador é pratica- pansão geral na economia mundial, as indústrias pesadas
ntente nula ou até negativa.
14. Rosenstein-Rodan, 1984. p. 208, tradução livre.
já existentes nas nações desenvolvidas seriam suficientes

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Fernanda Cardoso Nove Clássicos do Desenvolvimento Económico

para satisfazer a demanda das regiões atrasadas, não sen- -paire nunca funcionou adequadamente nesse campo".:s
do, portanto, necessário desenvolvê-las em tais regiões. Ao treinamento planejado de mão de obra se relacionam as
Pela própria construção de sua aj'gumentação, obvia- economias extemas tecnológicas. Um conjunto de firmas, por
mente que Rosenstein-Rodar advoga a favor da segunda meio de um consórcio,por exemplo, ao investe na formação
via de industrialização. Sobre esse ponto, importante ob- de trabalhoespecializado,impulsionadauma decisãoque,
servei' que Rosenstein-Rodan acredita, em alguma medida, individualmente, não seria viável Dessa atuação conjunta
na funcionalidade alocativa da divisão internacional do derivam-se as economias externas, nesse caso, tecnológicas.
trabalho. A suã sugestão--de--industrialização;-por'Conse- -Note-se que;-se unia-empresa'invest:isse-sozinha-em tal trem
guinte, refere-sepreponderantemente ao desenvolvimento namento, correria o risco de que essamão de obra não se vin-
de indústrias mais simples, além da necessidadeda for- culasse a ela, passando para outra empresa, ocorrendo o cha-
maçãode uma boa iníraesh'usura.Assim, pode-se'inferir mado "efeito cmona".lóTendoem vista tal risco, optaria pelo
do autor que a formação dos referidos setoresjá teria força não investimento no treinamento de mão de obra. De ouro
suficiente para implicar uma traJetó:riadinâmica que resul- modo, se o investimento nesse treinamento fosse realizado
taria no desenvolvimento econâinico . coletivamente ou por meio do Estado, tornar-se-ia atrativo.
Por outro lado, deixada às forças de mercado, a indus- O segundoponto destacadopor Rosenstein-Rodam diz
trialização das regiões atrasadasnão pode emergir e se respeito ao investimento em bloco, de modo a gai'antir a
sustentar espontaneamente, por conta dos mecanismos complementação das diferentes indúshias, pois "a criação
cumulativos ressaltados caHteriormente,entre nível de ren- planejada de um sistema de indústrias complementares
da e industrialização. [-.] reduziria o risco de insuficiênciade procura":'. Ao in-
vestimento em bloco se relacionam as economias externas
Como romper com essecírculo inicial, que leva à concen-
bação da indústria em áreasde renda previamente elevada? pecuniárias, asquais implicam que a realização de um con-
junto de investimentos complementareshorizontalmente
Investimento em bloco e a teoria do grande impulso resulta numa taxa cle retorno maior pa:racada um dos
investimentos tomados isoladcamente, por conta dos seus
Rosenstein-Rodam ressalta que, para a industrialização efeitos sobre a geração de demanda
das áreas menos desenvolvidas ser bem-sucedida, faz-se Como os prqetos de investimento, por conta da incer-
necessária a criação de um novo ambiente institucional, ob- teza, envolvem uma série de riscos relativos ao devir - o
jetivo ndo uma hclustrialização planejada em larga escala. que, no caso das naçõessubdesenvolvidas,é ainda mais
Com vistas a esse planejamento, suas sugestões baseiam-se evidente -, a estrcatégiacle investimento em bloco mostrar-
no conceito de economias externas, responsáveis por retor-
15. Rosenstein-Rodan,1943,p. 254-255.
nos crescentes de escala, das quais destaca duas formas.
16. Nesse caso, significaria que a empresa que não investiu no treinamento
C)primeiro ponto serefereà importância do treinamento de mão de obra poderia ter acessoà essamão de obra especializada
planejado de mão de obra, pois "0 automatismo do laissez- 17. Rosenstein-Ro(tan,1943,p. 256.

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-se-ia interessante e adequada ao contexto do subdesen- artigo de 1943 pode ser vista como repousandoso-
volvimento, pois os efeitos da operaçãodas economias bre o questionamento básico de se existirão merca-
externas pecuniárias sobre o nível de demanda efetiva e, dos futuros para todas as mercadorias no contexto
portanto, sobre as expectativas, formariam um antbiente de um futuro incerto e cujo final está em aberto.i*
mais amigável à realização e continuidade de investimen-
tos. Como resultantes, poderiam ser observadas também O planejamento seria, então, apenas uma forma de ten-
econo:n\iasexternasverticais, tanto entre firmas do mesmo ta:rdirecionar o programa de desenvolvimento industrial,
ramo, como ente'ü%mass'devamos'distintos; ermitindo- -incrementando-as:-suas chances-de-sucesso;-apesar de não
um efeito de retroalime:ntação de formação de base indus- poder garanti-la
trial, tanto horizontalmente quanto verticalmente . Ainda sobre a consecução dos projetos de industrializa-
Da geraçãode economias externas tecJIOIÓgicas e peca' ção, Rosenstein-Rodan sugere que, em seu início, o inves-
Diárias,e de sua significância dinâmica com vistas ao de- timento deveria se concentrarna formaçãode indústrias
senvolvimento, Rosenstein-Rodanderiva a importância da básicase nos serviços públicos, na medida em que ambos
coordenação dos projetos de invest:imento. Essa coordenação possuem alto potencial de fazer surgir novos canais de in-
ou planejamento,para o autor, deveria ser algo realizado vestimento, sendo, portanto, éetorescom alta capacidade
necessariamente pelo Estado. Dessa forma, por meio do pla- de geração de retroalimentações positivas para a economia
nejamento estatal da industrialização em larga escala, poder- ou região de que se trata; e, mais do que isso, a sua não
se-ia gmantir o balanceamento do processo de mudança, observaçãopoderia ser impeditiva do desenvolvimento de
entre os diversos setores,levando à transformação em bloco. outros setores.A não verificação de uma infraestrutura bá-
Por conta dessa sugestão de balanceamento de investi- sica,crucial para o investimento em outros setoresprodu-
mento entre os setores,de modo a aproveitar os efeitos de tivos, é um dos principais obstáculos ao desenvolvimento.
complementariedade dessesinvestimentos - o que poten- Derivada da estratégia de política de industrialização
cializaria o alcance e os elleitos dinâmicos das economi.as por meio da viabilização de um grande bloco de investi-
extet'nas por eles geradas -, é que se inclui a abordagem do mentos,foi formada a teoria do grande impulso, segundo
autor na chamada teoria do crescimento equilibrado, a ser a qual, para que o prqeto de desenvolvimento possa ter
criticada por Hirschman. chancede sucesso,há um nível núnimo de recursos que Ihe
É. no entanto, interessante notar,.e tendo como base um devem ser deslocados. Por isso a comparação metafórica
comentário do próprio Rosenstein-Rodan,que um plane- com a decolagem de um avião, pois, nessecaso, há u=câ
jamento perfeito, resultando numa trajetória equilibrada, é velocidade lní:Rimaclítica que Ihe permite alçar voo. Nesse
impossível, porque não há como garantir o resultado final sentido, se o que se almeja é o desenvolvimento, o qual, no
Em termos da teoria contemporânea, a essênciado caso dos paísessubcÍesenvolvidos,requer grandes e pro-
18. Rosenstein-Rodam,1984, p. 210, tl'adução livre

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fundas transformações - ou as mudanças revolucionárias Dessa maneira, idealmente, o capital internacional de-
de Schumpeteri9 -, não caberia a ideia de investimento gra- veria estar disponível aos paísesmais pobres de modo a
dativo, que, no máximo, possibilitaria um voo de galinha. auxilia-los a alcançar um nível mínimo de lenda, a partir
Concorrem para possibilitar o grande impulso, portan- do qual pudessem continuar a crescerautonomamente. En-
to, as economias externas e efeitos de complementariedade tretanto, o autor ressalta que o principal objetivo da ajuda
explicados por Rosenstein-Rodam. Assim, quanto mais internacional seria, não a promoção de igualdade de renda,
abrangente setorialmente for o investimento em bloco a ser mas da igualdade de oportunidades: "Essa igualcÍcadede
promovido, maior a chancede qüe o voo com destino ao oportunidade entre naçõesé tão importante quanto aquela
desenvolvimento se realize. entre diferentes classesdentro de uma nação; mas não é
Todavia, "Uma quantidade mínima de investimento fácil de estabelecer".2i
é uma condição necessária- embora não suâciente - de A explicação de Rosenstein-Rodan sobre porque essa
succsso"20. Mas enrtbbora não seja suficiente, ressalte-se igualdade não é fácil de estabelecer se baseia na atuação
novamente que as chancesde conseguir efetivar o grande de mecanismoscumulativos, resumida sinteticamentepor:
impulso são tanto maiores quanto mais são ge:Fadase apto' quanto mais rica for determinada nação, maior a sua ca-
veitadas as economias exteriaas - pecuniárias e tecnológicas pacidade de gerar mais riqueza; e quanto mais pobre for a
que funcionam como multiplicadores, à la Keynes, dos nação, mais difícil é deixai de sê-lo. Recon'enchoa ditados
investimentos realizados. E a possibilidade de geraçãode populares, afirma:
economias externas será tanto maior quanto mais encadea-
mentos pela cadeia produtiva os investimentos realizados Os ditos "as primeiras mil libras são as mais difí-
tiverem o potencial de estimular. ceis de juntar", e "somente os ricos podem ganhar
dinheiro", são ainda mais verdadeiros no contexto
Desigualdade entre nações das ncaçõesdo que no contexto dos indivíduos.u

Como no sistema económico internacional, em que se De modo que, sem o dilecioncamento de ações específicas
observa a perpetuação da desigualdade distributiva en- para enfrentar a condição de atraso, o subdesenvolvimento
tre as naçõesavançadase subdesenvolvidas,não há uma não será superacÍo ncâtuFal=eHtepela livre atuação das for-
contrapartida equivalenteao Estado Nacional que possa ças de mercado; pelo contrário, por conta dos referidos me-
exercer uma função redis-bibutiva entre as nações, Rosens- canismos cuímdativos, o hiato entre as naçõesricas e pobres
tein-Rodamindica a necessidadede uma açãointernacional permaneceráe, possivelmente, tornar-se-áainda maior
conjunta favorecer as áreas mais deprimidas.
19. Schumpeter Joseph. Á Teoriíi do [)ese/!ooZpf///e/l.toEcoiiótJ/íco.Os Econo-
ntistas, São Paulo: A])ri] Cu]tuia], 1985 [19L2]. 21. Rosensteht-Roclan.1944, p. 159, tradução livre
20. Rclsenstein-Rodar, 1984. p. 210-211, tradução bvl 22. Ibidem\

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Fernanda Cardoso

Conclusão: para promovem'o Big Push CAPÍTULO 2

Para superar o subdesenvolvimento, Rosenstein-Rodan


não nega a importância de promovem'memorias na agricul-
SINGER
EADISTRIBUIOAO
DESIGUAL
tura, baseprodutiva inicial principal das economiassubde-
senvolvidas; porém, principalmente, destaca a necessidade
DEGANHOSENTREAS
NAOOES
de promover a industrialização Além disso, considera de-
sêlávêl recorrência acrcapitalnxternoío-qualpossibilital.ia-
menores sacrifícios internos e um progresso mais rápido
A grande dificuldade inicial de promover a indus-
trialização em áreasatrasadasreside na causaçãocircular
cumulativa entre renda e industrialização.Ou seja,a in-
dustrialização tende a se desenvolver onde já se encontra
uma maior disponibilidade de renda, do que o autor deduz
a tendência natural à concentração industrial, tanto dentro Economista alemão, radicado intelectualmente na Inglaterra (1910-2006)
Fonte: <https://bit.ly/21wluPF>. Acesso em: out. 2018.
de uma nação como ente nações.
Para reverter essatendência, indica a necessidadede
Nessecapítulo, a apresentaçãoda contribuição do eco-
planejamento de uma industrialização em larga escala,
fazendo-se necessária a atuação do Estado, por meio da nomista Hans Singer baseia-seespecialmenteem dois de
criação de um novo ambiente institucional que a estimule seus artigos.a#$q p {meiro déléé, detida ;de í949-:i950,?' o
e da viabilização de investimentos considerados cruciais autor apresenta sua definição de tendência à deterioração
para impulsionar a industrialização. dos termos de troca das naçõesprimário-exportadoras -
Os pontos cruciais do planejamento sob a ética de Ro- compondo a chamada tese Singer-Prebisch- e discute a
senstein-Rodan, por sua vez, dizem respeito ao treinamento distribuição desigual dos ganhos entre as naçõesempresta-
planejado de mão de obra e à promoção do investimento em 23. Aléns dos dois artigos referidos, recorre-se a outras duas fontes. Em Sin-
bloco, que implicariam um melhor aproveitamento das eco- ger (1985),texto em que o autor discute a relevância cle Keynes para as eco-
nomias externas pecuniárias e tecnológicas, intensificando nomias en] desenvolvinaento,o t\utor faz referênciaa causaçõescirculares
:umulativas que frustraiian] a capaciclacle
tios paísesem desenvolvimento
os efeitos de encadeamentospositivos tra:nsformadorespela incrementaram seu investhi\eito. Os argumentos sobre essa questão estão
cadeiaprodutiva, permitindo a formaçãode um grande im- dispostos em momento oportuno cla presente seção. Por fim, assinacomo no
pulso, necessáriopara dar início e sustentar o processode caso de Rosenstein-Rodar, recorre-sea con\entários cio próprio autor à sua
desenvolvimento. Caso contrário, na ausência de um gran-
de impulso, seria observado um voo de galinha - portanto,
insuficiente para romper com o subdesenvolvimento.

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