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Código Logístico ISBN 978-85-387-3037-8

30849 9 788538 730378


Eloiza da Silva Gomes de Oliveira
Elma Correa de Lima
Márcia Souto Maior Mourão Sá

Gestão Educacional:
direção, coordenação e supervisão

2.ª edição
Edição revisada

IESDE Brasil S.A.


Curitiba
2013
© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e
do detentor dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
__________________________________________________________________________________
O46g

Oliveira, Eloiza da Silva Gomes de, 1950-


Gestão educacional : direção, coordenação e supervisão / Eloiza da Silva Gomes de
Oliveira, Elma Correa de Lima, Márcia Souto Maior Mourão Sá. - 1.ed., rev. - Curitiba,
PR : IESDE Brasil, 2012.
284p. : 28 cm

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-3037-8

1. Escolas - Organização e administração. I. Lima, Elma Correa de, 1941-. II. Sá, Már-
cia Souto Maior Mourão. III. Título.

12-5927. CDD: 371.2


CDU: 37.091

17.08.12 27.08.12 038300


__________________________________________________________________________________

Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: IESDE Brasil S.A.

Todos os direitos reservados.

IESDE Brasil S.A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Eloiza da Silva Gomes de Oliveira

Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro


(UFRJ). Mestre em Psicologia Escolar pela Universidade Gama Filho (UGF). Licen-
ciada em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Peda-
gogia pela Sociedade Unificada Augusto Motta.
Autora de material didático para Educação a Distância dos Cursos de Licenciatura
do Consórcio UERJ / CEDERJ, da Fundação Getulio Vargas e do IESDE.
Diretora da Faculdade de Educação da UERJ no quadriênio 2004 – 2007.

Elma Correa de Lima

Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro


(UFRJ), especialização em Teoria e Prática de Administração I e II pela UFRJ e
mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamen-
to e Avaliação Educacional.

Márcia Souto Maior Mourão Sá

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre


em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Graduada em Psicologia pela Universidade Santa Úrsula. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em Currículos Específicos para Níveis e Tipos de Edu-
cação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, códigos sociais,
cultura escolar, currículo e cotidiano escolar.
Sumário
Teorias da Administração
aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)................................... 11
Introdução: gestor ou administrador?................................................................................ 11
Teorias da Administração – evolução histórica e características.............................. 12

Teorias da Administração
aplicadas à Gestão Escolar (parte 2)................................... 29
Teorias modernas de gestão.................................................................................................. 29
Teorias emergentes de gestão.............................................................................................. 35

A escola como instituição aprendente:


a busca da qualidade da educação..................................... 45

Mudança institucional............................................................. 51

Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar:


Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise................ 67
A Teoria Neobehaviorista: Skinner....................................................................................... 68
A Teoria de Campo: Kurt Lewin............................................................................................. 72
O referencial psicanalítico....................................................................................................... 76

Liderança, Recursos Humanos e Gestão Escolar............ 85

Motivação na instituição escolar......................................... 97


Autoridade e poder do gestor escolar.............................111
A diferença entre governo e governamento..................................................................113
Poder e resistência...................................................................................................................114
A importância da crítica.........................................................................................................114

Gestão Escolar: consenso e conflito –


a complexidade dos processos grupais..........................121

Gestão e autonomia da escola...........................................135


O Projeto Político Pedagógico: o exercício de
responsabilidade coletiva, criatividade e autonomia da escola.............................137

Gestão Escolar e Políticas de Educação...........................145

A complexidade da gestão de sala de aula....................157


Habilidades de gestão instrucional...................................................................................162
Sequenciar e integrar atividades instrucionais adicionais........................................163

Formação do educador/
Formação do gestor (parte 1).............................................175
Quem educa o educador?.....................................................................................................175
Breve histórico da formação do educador......................................................................177
Abordagens teóricas significativas sobre a formação do professor......................179

Formação do educador/
Formação do gestor (parte 2).............................................191
António Nóvoa e os 3 As da Formação Identitária do Professor.............................191
Paulo Freire e o sonho possível da formação do educador......................................193
A importância da formação continuada..........................................................................195
Sobre a formação do gestor escolar..................................................................................197
Ação gestora na Educação Infantil e
Ensino Fundamental..............................................................207
Fundamentos norteadores (princípios)...........................................................................209

Ação gestora no Ensino Médio...........................................219


As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM).....................220
A Avaliação Nacional do Ensino Médio – ENEM............................................................222
Currículo: a imagem de uma escola..................................................................................223

Efeitos negativos da ação gestora:


estresse e burnout.................................................................. 231
1.ª parte: o estresse e a vida cotidiana..............................................................................231
2.ª parte: burnout e mal-estar docente.............................................................................237

A gestão colegiada e seus efeitos na escola..................243


As várias modalidades de gestão escolar........................................................................245

Formação e atuação da equipe


técnico-pedagógica da escola............................................257
Um perfil das atribuições específicas dos componentes
da equipe técnico-pedagógica da escola.......................................................................259
As atribuições gerais da equipe técnico-pedagógica da escola.............................263
Equipe técnico-pedagógica da escola:
Quatro aspectos da missão institucional.........................................................................264

A coordenação da avaliação institucional


da escola como atribuição do gestor...............................271
As competências do gestor escolar...................................................................................271
Gestão escolar e avaliação de sistemas educacionais................................................273
Gestão escolar e avaliação institucional..........................................................................274
Apresentação

Em se tratando da educação no Brasil, a figura do gestor educacional tem ga-


nhado destaque. Responsável por mobilizar dinamicamente o elemento humano,
sua energia e competência são condições básicas e fundamentais para a melhoria
da qualidade do ensino. A atuação desse profissional vem sendo efetiva ao pro-
pulsionar algumas transformações no âmbito da própria identidade da educação
brasileira que, com gestores mais conscientes, começa a vislumbrar um futuro de
liderança clara e competente nas escolas do país.

Para a superação das dificuldades cotidianas, o gestor escolar deve estar pre-
parado para assumir com consciência as diretrizes educacionais de seu contexto,
promovendo a mobilização e articulação de todas as condições sociais e mate-
riais para que sua gestão e medidas sejam efetivas quanto aos resultados. Esse
profissional deve destinar atenção especial aos alunos, visando, primordialmente,
tornar o educando capaz de vencer os desafios da sociedade atual, globalizada,
cuja economia tem como base o conhecimento.

Diante desse desafio, ganha corpo e importância todo o subsídio que, tal
como este livro, busca elucidar ao gestor educacional as responsabilidades que
seu papel lhe traz. Ao longo desta disciplina, você terá acesso aos fundamentos
teóricos da gestão de pessoas, que teve seu início no contexto empresarial do final
século XIX. Você compreenderá as relações sobre o comportamento humano no
ambiente organizacional e/ou corporativo, para poder entender o modo como as
relações humanas ocorrem no ambiente escolar, com seus funcionários, alunos e
a comunidade participativa. Além desse enfoque, a obra busca trazer à discussão
aspectos específicos da área educacional próprios da responsabilidade de seu
gestor, tais como: a formação da equipe político pedagógica, a elaboração de seu
projeto e diretrizes, perspectivas da gestão democrática, autonomia escolar, entre
outros.

É importante que este material o encaminhe a diferentes possibilidades de


mudança de seu contexto, fazendo com que a educação seja o gérmen de me-
lhoria do ambiente de sua escola, da realidade de seus alunos e do quadro de
desenvolvimento sociocultural da educação brasileira.
Vídeo

Teorias da Administração
aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

Introdução: gestor ou administrador?


Para iniciar a nossa aula, vamos conceituar os termos gestão e admi-
nistração. Ambos têm origem latina (gerere e administrare).

O primeiro termo (gerere) tem o sentido de governar, conduzir, dirigir. O


segundo termo (administrare), tem um significado mais restrito – gerir um
bem, defendendo os interesses daquele que o possui – constituindo-se
em uma aplicação do gerir. Para outros autores, como Wittmann e Franco
(1998, p. 27), no entanto
[...] como uma instância inerente à prática educativa, que abrange o conjunto de
normas/diretrizes e práticas/atividades que garantem, de um lado, o significado ou o
sentido histórico do que se faz e, de outro lado, a unidade do conjunto na diversidade de
sua concretização. A administração da educação engloba as políticas, o planejamento,
a gestão e a avaliação da educação.

Assim, entendida como uma ampla coordenação de esforços para rea-


lizar a implementação de políticas e planos, a gestão passa a ser uma parte
da administração.

Sem pretender aprofundar essa polêmica, quando falamos em gestão


escolar trata-se, numa visão atual, do conjunto de funções desempenha-
das pelos “atores institucionais” da escola (ou seja, toda a comunidade
escolar), com diferentes graus de complexidade e responsabilidade, co-
ordenadas pela equipe técnico-pedagógica, encabeçada pelo diretor da
escola. Já fica claro, portanto, que desvinculamos da figura do diretor da
escola todas as características de autoridade máxima, unipessoalidade,
centralização, linha hierárquica, ênfase e relevo único – e às vezes onipo-
tência – que lhe eram atribuídas há alguns anos (em especial na década
de 1970).

Na década de 1980, com a redemocratização da sociedade brasileira,


isso começa a ser questionado e a direção colegiada surge nas escolas –
falaremos dela em uma próxima aula.

11
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

O termo gestor, amplamente utilizado na atualidade, amplia as competências


exigidas deste profissional, demandando uma visão ampla, dinâmica e articula-
da, conjugando decisão e avaliação constantes. Seja qual for a concepção utili-
zada, entendemos que o conhecimento histórico das Teorias da Administração,
aplicando-as à realidade escolar, é fundamental para a formação do gestor.

Teorias da Administração –
evolução histórica e características
A feição do nosso curso pede que, em vez de apresentarmos uma sucessão
de teorias, com seus vários autores de destaque, falemos de grandes paradig-
mas que dominaram o cenário da Administração, em ordem cronológica, discu-
tindo-os brevemente e verificando, na próxima aula, alguns dos seus impactos
no cenário da escola.

Antes, porém, uma pergunta:

Você sabe o que é um Paradigma?

Kuhn (1992, p. 29) afirmou que paradigmas são “realizações reconhecidas du-
rante algum tempo por uma comunidade científica específica, proporcionando
os fundamentos para sua prática posterior”. Não é, portanto, um simples modelo,
mas uma explicação da realidade em constante reformulação, buscando fazê-lo
de forma cada vez mais clara e completa. É a evolução histórica de paradigmas
que faz a Ciência evoluir.

Então, vamos conhecer alguns desses paradigmas, expressos nas Teorias da


Administração que lhes foram contemporâneas? Optamos por apresentar três
grandes blocos históricos, como o fazem Ferreira et al. (2000). Embora eles se
refiram à Administração de Empresas, podemos adaptar estes blocos teóricos à
gestão da escola:

 Teorias Tradicionais de Gestão.

 Teorias Modernas de Gestão.

 Teorias Emergentes de Gestão.

Além do mais, a escola é uma organização e, como as demais, tem as caracte-


rísticas destacadas por Schein (1982):

12
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

 objetivos comuns, cujo atingimento é meta de todos os que transitam na


organização;

 divisão de trabalho, por meio da diferenciação de funções;

 integração, por meio de um esquema de atribuições que define a esfera


de responsabilidade de cada um;

 coordenação dos esforços e meios disponíveis, no sentido da ajuda mútua


e do atingimento dos objetivos comuns. Aqui incide, fundamentalmente,
a gestão.

Teorias tradicionais de gestão


A origem deste conjunto teórico coincide com as enormes transformações
trazidas pela Revolução Industrial. O aparecimento das fábricas fez surgir um pri-
meiro paradigma, que defendia a produção racionalizada, a supervisão estreita
e contínua, a obediência hierarquicamente estruturada e a divisão de tarefas.
Tais teorias tiveram enorme importância histórica e ganharam destaque até a
década de 1960. Sobre elas nos debruçaremos, nesta primeira aula sobre Teo-
rias da administração aplicadas à gestão escolar.

No início do século XX, dois engenheiros desenvolveram trabalhos revolucio-


nários em relação à Administração. Um deles era o americano Frederick Winslow
Taylor, criador da Escola de Administração Científica; o outro era o francês Henri
Fayol, criador da Escola Clássica de Administração.

Vamos conhecer um pouco da teoria de cada um?

Taylor e a Administração Científica


Nascido em 1856, na Filadélfia, Estados Unidos, a obra de Taylor é usualmente
dividida em duas partes. A primeira corresponde ao período de trabalho na em-
presa Midvale Steel, com estudos sobre a racionalização do trabalho dos operários,
por meio do Estudo de tempos e movimentos. Ele analisava detalhadamente
as tarefas dos operários, decompondo-as nos menores movimentos e processos,
aperfeiçoando-as e racionalizando-as. A segunda corresponde à publicação da
obra clássica Princípios de Administração Científica (1911), em que afirmava que a
racionalização do trabalho operário deveria ser acompanhada de uma reestrutu-
ração geral da empresa, de acordo com os princípios por ele propostos.

13
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

Criticava as empresas em três pontos: a vadiagem sistemática dos trabalha-


dores, o desconhecimento pela gerência das rotinas do trabalho desenvolvido e
a falta de uniformidade das técnicas e métodos de trabalho.

Assim Taylor (1962, p. 126) falava da Administração Científica:


A administração é uma ciência que não encerra, necessariamente, invenção, nem descobertas
de fatos novos ou surpreendentes. Consiste, entretanto, em certa combinação de elementos
que não fora antes realizada, isto é, conhecimentos coletados, analisados, agrupados e
classificados, para efeito de leis e normas que constituem uma ciência, seguida de completa
mudança na atitude mental dos trabalhadores e da direção, quer reciprocamente, quer nas
respectivas atribuições e responsabilidades... (1962, p. 126)

Fica claro que, neste enfoque, a improvisação dá origem ao planejamento e o


empirismo, à ciência. O objetivo desta forma de administração seria contemplar
a identidade de interesses entre patrão e empregado (o máximo de prosperi-
dade), conjugando o baixo custo da produção, desejado pelo empregador, aos
altos salários, anseio dos empregados.

Taylor separou as atividades de planejamento e supervisão (administração)


das atividades de execução (operários), propondo uma “Organização Racional
do Trabalho” (ORT), cujos princípios eram:

 Seleção científica do trabalhador: é necessário colocar o homem para de-


sempenhar a tarefa mais adequada ao seu perfil de aptidões e interesses.

 Estabelecimento de um tempo padrão para a execução de cada tarefa: isto


é obtido por meio da minuciosa análise do trabalho (desenho de cargos e
tarefas) e do estudo de tempo, movimentos e da fadiga humana.

 Plano de incentivos salariais: a remuneração do trabalhador deve ser com-


patível com a sua produção, estabelecendo-se prêmios por produção.

 Divisão do trabalho: cada tarefa deve ser dividida no maior número pos-
sível de subtarefas, pois assim o trabalhador se especializará ao máximo,
aumentando a eficiência da sua produção.

 Supervisão funcional: também especializada – por áreas – a supervisão


significa controle rígido do trabalho dos funcionários.

 Padronização das tarefas, com ênfase na eficiência: existe uma única ma-
neira de executar uma tarefa (the best way) e ela deve ser descoberta e
imposta aos trabalhadores.

14
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

 Estabelecimento de boas condições físicas de trabalho: isto influi direta-


mente na produtividade e na eficiência, em virtude do bem-estar físico e
da diminuição da fadiga do trabalhador.

Fica claro perceber que esta abordagem, embora revolucionária, sofreu inú-
meras críticas. Procuramos sintetizá-las no quadro a seguir:

 Utilização da visão do Homo economicus – visão estreita do homem


como movido apenas por interesses econômicos, preguiçoso, limita-
do e mesquinho, que precisa ser controlado por meio da racionaliza-
ção de tarefas e do tempo padrão, e vigiado pela supervisão.

 Enfoque mecanicista do homem – a organização de trabalho é vista


como uma máquina, que deve funcionar de maneira ótima; o homem
constitui-se, assim, apenas em uma engrenagem desta máquina, sen-
do desvirtuado da sua condição humana.

 Exploração dos trabalhadores – a Administração Científica contribui


para legitimar a exploração dos trabalhadores, enfatizando decisiva-
mente os interesses dos patrões.

 Superespecialização do trabalhador – a fragmentação da tarefa re-


duz a demanda de qualificação do trabalhador, tornando o trabalho
monótono e repetitivo e alienando cada vez mais o homem ao seu
trabalho.

 Abordagem fechada – desconhece o ambiente da empresa (tanto in-


terno quanto externo) e as influências que ele tem sobre todo o pro-
cesso de produção.

A Administração Científica de Taylor teve muitos seguidores, destacando-


-se Gilbreth, Gantt e Henry Ford, lançador do primeiro carro popular americano
produzido em escala industrial (o Ford T, em 1908).

Fayol e a teoria clássica da administração


Enquanto, nos Estados Unidos, Taylor desenvolvia os estudos da Administra-
ção Científica, centrada nas tarefas, o engenheiro francês Henri Fayol defendia
princípios bastante semelhantes, mas com uma ênfase maior na estrutura.

15
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

Segundo Chiavenato (1998, p. 87):


A preocupação com a estrutura da organização como um todo constitui, sem dúvida, uma
substancial ampliação do objeto de estudo da Teoria Geral da Administração [com relação à
abordagem Taylorista das tarefas]. Fayol, um engenheiro francês, partiu de uma abordagem
sintética, global e universal da empresa, inaugurando uma abordagem anatômica e estrutural,
que rapidamente suplantou a abordagem analítica e concreta de Taylor.

Fayol postulou quatorze princípios gerais da Administração. Vejam como se


assemelham, em muitos aspectos, às ideias enunciadas por Taylor.

 Divisão do trabalho: a especialização das tarefas e das pessoas conduz a


uma maior eficiência e ao aumento da produtividade.

 Autoridade e responsabilidade: o direito de dar ordens e ser obedecido


(autoridade) pertence aos supervisores, enquanto a obrigação de obede-
cer compete aos trabalhadores de escalões hierarquicamente inferiores.
Existe uma reciprocidade, pois quanto maior é a autoridade, maior a res-
ponsabilidade.

 Disciplina: existe a necessidade da existência de normas de conduta e de


trabalho, válidas para todos os trabalhadores, que devem ser obedecidas,
para que a empresa não mergulhe no caos.

 Unidade de comando: é necessário que o trabalhador receba ordens de


uma autoridade única, evitando a existência de contraordens.

 Unidade de direção: deve haver a aplicação de um plano único para cada


grupo de atividades com os mesmos objetivos.

 Prevalência dos interesses gerais: deve haver a subordinação dos interes-


ses individuais aos interesses coletivos.

 Remuneração de pessoal: deve ser justa, para garantir a satisfação dos em-
pregados e da organização.

 Centralização: deve haver a concentração da autoridade nas funções mais


elevadas da organização.

 Cadeia escalar ou hierarquia: a linha de autoridade deve estabelecer-se do


nível mais alto ao mais baixo da estrutura hierárquica.

 Ordem: mantida em toda a organização, deve ser material e humana “um


lugar para cada coisa ou pessoa e cada coisa ou pessoa em seu lugar”.

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Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

 Equidade: na empresa deve prevalecer a justiça, pois esta traz a lealdade


dos empregados;

 Estabilidade e duração do pessoal: quanto mais tempo as pessoas forem


mantidas em seus cargos, melhor, pois a rotação (turn over) possui efeito
negativo.

 Iniciativa: deve-se estabelecer um plano e cumpri-lo, assegurando o seu


sucesso.

 Espírito de equipe (sprit de corps): a comunicação entre as equipes deve


ser facilitada, garantindo um clima organizacional de harmonia e união.

Coube a Fayol enunciar as funções da gerência administrativa, como ele


mesmo chamou. Elas possuem bastante atualidade, embora, como já dissemos,
a década de 1980 tenha trazido profundas mudanças no que concerne às fun-
ções do gestor.

São cinco essas funções, a saber:

 Planejar ou prever – estabelecer os objetivos e as formas de consecução


dos mesmos, visualizando o futuro e traçando os programas de ação.

 Organizar – coordenar todos os recursos da organização, em função dos


objetivos definidos.

 Comandar – fazer com que as pessoas executem as tarefas que lhes são
atribuídas, respeitando a hierarquia existente.

 Coordenar – articulação de atitudes e esforços de toda a organização,


tendo em vista os objetivos traçados.

 Controlar – estabelecer padrões e medidas de desempenho que permi-


tam verificar que tudo ocorra de acordo com as regras estabelecidas e
com as ordens dadas.

Henri Fayol também teve seguidores, como Elton Mayo, Argirys e Likert.

Da mesma forma que a Administração Científica, a Teoria Clássica recebeu


críticas bastante pertinentes:

 Obsessão pelo comando – a visão da organização pela ótica gerencial le-


vou à centralização no comando, na autoridade e na responsabilidade.

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Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

 Empresa como sistema fechado – trata-se da mesma crítica atribuída a


Taylor, por desconhecer o contexto interno e externo à organização, o que
inviabilizaria qualquer planejamento.

 Manipulação dos trabalhadores – é outra crítica comum à Administração


Científica e à Teoria Clássica: a tendenciosidade favorável aos patrões.

Elton Mayo e a Escola de Relações Humanas


Os estudos de Kurt Lewin sobre o comportamento dos grupos sociais e as
experiências realizadas por Elton Mayo e sua equipe na fábrica da Western Elec-
tric Company (Hawthorne, Chicago) marcaram, na década de 1930, o início da
preocupação com o fator humano na administração.

Ao tentar determinar a relação existente entre a intensidade da iluminação


e a eficiência dos operários (produtividade), Elton Mayo desmentiu alguns pres-
supostos da Administração Científica e estudou as relações entre a organização
informal dos operários e a organização formal da fábrica. As conclusões do ex-
perimento definiram os princípios da chamada “Escola de Relações Humanas” da
Administração. São eles:

 Nível de produção como resultante da integração social – o nível de com-


petência e eficiência do trabalhador é estabelecido pela capacidade so-
cial do trabalhador e não pela sua capacidade de executar movimentos
eficientes dentro de um tempo previamente estabelecido. O homem não
age individualmente, mas integrado socialmente ao grupo de trabalho, e
isto amplia a sua disposição para o mesmo. A Teoria Clássica não percebeu
que não são os trabalhadores que definem sua capacidade máxima de
produção, mas os grupos com os quais eles estabelecem interação. Des-
vios de comportamento do indivíduo provocam retaliações simbólicas,
por parte do grupo do qual faz parte.

 Recompensas e sanções sociais – as pessoas são avaliadas pelos grupos de


que participam, de acordo com normas que o próprio grupo cria para si.
São consideradas boas companheiras e colegas, se o seu comportamento
se ajusta a essas normas e padrões de comportamento e são avaliadas
como más, se o seu comportamento transgride tais normas e padrões.
Embora essas recompensas sejam simbólicas e não materiais, influenciam
fortemente a motivação e a felicidade do trabalhador.

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Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

 Grupos informais – a empresa passou a ser concebida como uma organi-


zação social composta por grupos sociais informais, cuja estrutura nem
sempre coincide com a organização formal da empresa. Esses grupos in-
formais constituem a organização humana da empresa, muitas vezes em
contraposição à organização formal estabelecida pela direção. Os grupos
informais definem as suas regras de comportamento, as formas de recom-
pensas ou sanções sociais, seus objetivos, sua escala de valores sociais,
crenças e expectativas, que cada participante vai assimilando e integran-
do às suas atitudes e comportamentos.

 Relações humanas – para explicar e justificar o comportamento das pesso-


as na organização, a Teoria das Relações Humanas estudou as interações
sociais surgidas dentro da mesma, em face do grande número de grupos
e de interações necessariamente resultantes; a compreensão da natureza
dessas relações humanas permite ao administrador obter melhores resul-
tados de seus subordinados.

 A importância do conteúdo do trabalho – a maior especialização (e fragmen-


tação) do trabalho não é a forma mais eficiente de divisão desse trabalho,
pois não cria, necessariamente, a organização mais eficiente. O conteúdo e a
natureza do trabalho têm enorme influência sobre o moral do trabalhador.

 Ênfase nos aspectos emocionais – os teóricos das Relações Humanas atribuem


grande atenção aos aspectos emocionais do comportamento humano.

 Participação nas decisões – embora dependa da situação envolvida e da


posição na estrutura hierárquica, a participação de todos os trabalhadores
no processo decisório da organização estimula a produtividade e a inicia-
tiva dos mesmos.

Alguns teóricos importantes das Relações Humanas são Sheldon, Marrow,


Tead e Follett.

Sistematizando as principais críticas sofridas por este enfoque temos:

 Negação do conflito entre o trabalhador e a empresa – a teoria superfi-


cializa o tratamento do problema negando a existência de conflitos que
surgem da diferença das metas e objetivos da empresa e do trabalhador.

 Ausência de critérios inovadores de gestão – falta a esta teoria a indicação


de estratégias para o alcance de melhores resultados para a empresa e
para o trabalhador.

19
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

 Excesso de ênfase nos grupos informais – este enfoque trata como ilimita-
da a influência dos grupos, supervalorizando-as.

 Concepção utópica do trabalhador – apresenta uma visão idealizada do


trabalhador (plenamente satisfeito e integrado ao ambiente de trabalho).

 Restrição das variáveis e da amostra – esta teoria trabalhou com poucas


variáveis e com uma pequena amostra de organizações, o que torna os
seus resultados discutíveis.

 Estabelecimento de procedimentos de “espionagem“ – a abertura de um


espaço para a participação dos trabalhadores foi utilizada, com frequên-
cia, como uma forma de saber das ideias e insatisfações dos trabalhado-
res, para uso da administração.

As Teorias X e Y de McGregor
Chegamos, nesta viagem cronológica, à década de 1930. Douglas McGregor,
insatisfeito com a inadequação do modelo de relações humanas à realidade em-
presarial e influenciado pela Teoria Comportamental – ou Behaviorismo – focou
seus estudos na relação entre o sucesso de uma organização e a capacidade que
ela tem para prever e controlar o comportamento.

Ele construiu duas teorias constrastantes: a Teoria X, em que a autoridade


determina a direção e o controle, e que ele considera inadequada, e a Teoria Y,
em que é a integração que legitima a autoridade e busca-se a integração entre
os objetivos pessoais e os organizacionais.

O quadro abaixo, adaptado de Ferreira et al. (2000, p. 44), estabelece uma


comparação entre os dois modelos propostos por McGregor:

TEORIA X TEORIA Y
Concepção tradicional de Integração entre os objetivos pessoais
direção e controle e organizacionais
As pessoas são preguiçosas e indolentes, têm As pessoas são esforçadas e gostam de ter o
aversão natural ao trabalho. que fazer.
O trabalho é uma atividade tão natural quanto
As pessoas evitam o trabalho.
brincar ou descansar.
As pessoas evitam a responsabilidade a fim de As pessoas procuram e aceitam responsabili-
se sentirem mais seguras. dades e desafios.
As pessoas podem ser automotivadas e auto-
As pessoas precisam ser controladas e dirigi-
dirigidas, em relação aos objetivos que preten-
das, coagidas, para que trabalhem.
dem.

20
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

TEORIA X TEORIA Y
Concepção tradicional de Integração entre os objetivos pessoais
direção e controle e organizacionais

As pessoas são ingênuas e sem iniciativa. As pessoas são criativas e competentes.

A participação dos trabalhadores é um instru- A participação dos trabalhadores é uma forma


mento de manipulação dos mesmos. de valorização das suas potencialidades.
O ser humano é carente e se esforça para satis- O compromisso com um objetivo depende das
fazer uma hierarquia de necessidades. recompensas associadas à sua consecução.

O líder assume um estilo autocrático. O líder assume um estilo participativo.

A Teoria Y desenvolve um estilo de administração muito aberto e dinâmico,


extremamente democrático, por meio do qual administrar é um processo de
criar oportunidades, liberar potenciais, remover obstáculos, encorajar o cresci-
mento individual e proporcionar orientação quanto a objetivos.

Segundo Mc Gregor, a teoria Y é geralmente aplicada nas empresas com um


estilo de direção baseado em uma série de medidas inovadoras e humanistas,
entre as quais salienta as seguintes:

 Descentralização das decisões e delegação de responsabilidades.

 Ampliação das funções inerentes a cada cargo, para atribuir maior signifi-
cado ao trabalho.

 Participação nas decisões mais altas e administração consultiva.

 Autoavaliação do desempenho do trabalhador.

Teoria Sistêmica
Não poderíamos encerrar esta nossa aula, sobre as Teorias Tradicionais da
Gestão, sem falar da Teoria Sistêmica.

A Teoria Sistêmica, que teve destaque na década de 1960, parte do estabeleci-


mento de um paralelo entre os organismos vivos e as organizações. Trata-se de uma
teoria interdisciplinar, elaborada inicialmente pelo biólogo alemão Ludwig von
Bertalanffy, buscando transcender os problemas exclusivos de cada ciência e
proporcionar princípios e modelos gerais para todas as ciências envolvidas, de
modo que as descobertas efetuadas em cada ciência pudessem ser utilizadas
pelas demais.

21
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

Os sistemas podem ser fechados ou abertos.

 Sistemas fechados: são os sistemas que não apresentam intercâmbio com


o meio ambiente que os circunda, pois são herméticos a qualquer influên-
cia ambiental.

 Sistemas abertos: são os sistemas que apresentam relações de intercâm-


bio com o ambiente, através de entradas e saídas.

As organizações são sistemas do segundo tipo e compostas por cinco


parâmetros:

a) Entrada, insumo ou impulso (input) – é o conjunto de insumos que o


sistema extrai do ambiente fornecendo o material ou energia para a ope-
ração do sistema.

b) Saída, produto ou resultado (output) – são os produtos, serviços ou in-


formações que o sistema retorna ao ambiente, como resultado do proces-
samento.

c) Processamento – competências, procedimentos e tecnologia emprega-


dos pela organização para a transformação do input.

d) Retroação, retroalimentação ou retroinformação (feedback) – retorno


das informações para alimentar o sistema.

e) Ambiente – é o meio que envolve externamente o sistema. O sistema


aberto recebe entradas do ambiente, processa-as e efetua saídas nova-
mente ao ambiente, de tal forma que existe entre ambos – sistema e am-
biente – uma constante interação.

A Teoria de Sistemas baseia-se no conceito do “homem funcional”, que de-


sempenha um papel dentro das organizações, relacionando-se com os demais
indivíduos como um sistema aberto.

A perspectiva sistêmica trouxe uma nova maneira de ver as coisas, não so-
mente em termos de abrangência, mas principalmente quanto ao enfoque do
todo e das partes, do dentro e do fora, do total e da especialização, da integração
interna e da adaptação externa, da eficiência e da eficácia. Esta visão gestáltica
e global das coisas privilegia a totalidade e as suas partes componentes, sem
desprezar o que chamamos de emergente sistêmico (as propriedades do todo
que não aparecem em nenhuma de suas partes).

22
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

Viram, meus alunos, quantas teorias ligadas ao nosso primeiro paradigma?

Antes de concluirmos a nossa aula, porém, vamos responder a uma pergunta


que os alunos sempre fazem, quando tratamos de Teorias da Administração:

O que é burocracia?

Na linguagem corrente, burocracia é sinônimo de emperramento, de lentidão


no processo administrativo. Na sua origem, no entanto, o significado era com-
pletamente diferente. A burocracia constitui uma forma de associação humana
que se baseia na racionalidade, ou seja, na adequação dos meios aos fins, para se
alcançar com a máxima eficiência os objetivos de uma organização.

Historicamente, a “ideologia da burocracia” nasceu de um novo conjunto de


normas de comportamento e produção, que Max Weber denominou de “ética
protestante”: trabalho duro, ascetismo, poupança e objetividade (sem vaidade).
Essas ideias surgiram junto com o capitalismo, principalmente na Holanda e na
Inglaterra.

Os princípios da burocracia incluem a visão do “homem funcional” (flexível ao


desempenho de vários papéis simultâneos na organização); racionalização, com
economia de esforços; divisão do trabalho e hierarquia; promoção e seleção por
competência técnica; separação entre propriedade e administração; e indese-
jabilidade das organizações informais, porque imprevistas e pouco racionais. O
modelo burocrático de organização, quando aplicado de forma correta, mostrou-
-se bastante adequado, pois facilitou a supervisão do trabalhador, previamente
informado sobre a tarefa e sobre a expectativa em relação ao seu desempenho.

Segundo Ferreira et al. (2000, p. 37):


Provavelmente nada revoltaria mais os defensores da verdadeira burocracia, do que prever que
seus pressupostos seriam tão amplamente deturpados. Afinal, a defesa do desempenho das
tarefas da forma mais poupadora possível de esforços não é muito compatível com a visão que
se faz hoje de uma organização burocratizada. Afinal, os princípios da burocracia defendem o
cumprimento dos objetivos organizacionais de forma não apenas eficaz, mas eficiente.

Terminamos aqui a primeira parte da nossa aula. Daremos continuidade com


a abordagem dos outros dois paradigmas de que falamos no início: as Teorias
Modernas e as Teorias Emergentes de Gestão.

Estabeleceremos também algumas aplicações das teorias estudadas, à gestão


escolar.

23
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

Atividades
1. Vocês viram as Teorias X e Y das organizações, elaboradas por Mc Gregor.

a) Imagine duas escolas, X e Y, cada uma baseada em uma dessas teorias.


Escreva as características que você atribuiu a cada escola.

b) Agora fale um pouco do trabalho do gestor de cada uma destas escolas,


focalizando as principais dificuldades encontradas pelos dois.

24
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

2. A charge a seguir ilustra criticamente os aspectos negativos que o termo bu-


rocracia ganhou, ao longo da história.

a) Qual é a sua opinião sobre isto?

25
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

b) Existe uma “escola burocrática”?

Referências
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DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. 2.ed. São Paulo: Papirus,
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nossos dias: evolução e tendências da moderna administração de empresas. São
Paulo: Pioneira, 1997.

FERREIRA, A.A.; REIS, A.C.F.; PEREIRA, M.I. Gestão Empresarial: de Taylor aos
nossos dias: evolução e tendências da moderna administração de empresas. São
Paulo: Pioneira, 2000.

FERREIRA, Naura S. C.; AGUIAR, Márcia, A. de. (Orgs). Gestão da Educação, Im-
passes, Perspectivas e Compromissos. São Paulo: Cortez, 2000.

KUHN, S. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva,


1992.

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Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 1)

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1936.

MAIA, Graziela Z. A. (Org.). Administração e Supervisão Escolar: questões para


o novo milênio. São Paulo: Pioneira, 2000.

SCHEIN, H. Psicologia Organizacional. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil,


1982.

TAYLOR, W. Princípios de Administração Científica. São Paulo: Atlas, 1963.

WITTMANN, L.C.; FRANCO, Dal Pai. Situação e Perspectiva da Administração


da Educação no Brasil: relatório geral do programa de pesquisa: primeira fase.
Brasília: ANPAE, 1998.

27
Vídeo

Teorias da Administração
aplicadas à Gestão Escolar (parte 2)
Na aula anterior, conversamos sobre três teorias pertencentes ao pri-
meiro paradigma: as Teorias Tradicionais de Gestão. Estão lembrados?
Apresentamos a vocês a Administração Científica, de Frederick Winslow
Taylor, a Teoria Clássica da Administração, de Henri Fayol, a Escola de Re-
lações Humanas, de Elton Mayo, as Teorias X e Y de Mc Gregor e a Teoria
Sistêmica. Conversamos, ainda, sobre a burocracia, e sobre o fato do seu
sentido inicial ter sido muito modificado ao longo do tempo.

Nesta aula vamos abordar os outros dois paradigmas: as Teorias Mo-


dernas e as Teorias Emergentes de Gestão. São mais recentes, datando da
década de 1950, e bastante presentes na administração atual.

Teorias modernas de gestão


Este corpo teórico ganhou tal complexidade, que não estamos tratan-
do mais de modelos de organização – com a sua consequente forma de
gestão – mas de conhecimentos consistentes e muito abrangentes, en-
volvendo aspectos técnicos, humanos e estratégicos das organizações.
Muitos tomam por marco inicial desta fase a publicação da obra A Prática
da Administração de Empresas, de Peter Drucker, em 1954. Ela inaugura um
novo aporte teórico: a Administração por Objetivos.

Administração Por Objetivos (APO)


A APO tem sete princípios fundamentais:

 Mudanças ambientais – provocam intensa necessidade de mu-


danças não só na organização, mas também no comportamento
dos gestores.

 Definição e multiplicidade dos objetivos – talvez o mais impor-


tante princípio, determina que os objetivos da organização devem
ser ampliados, claramente identificados e conhecidos por todos os

29
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 2)

envolvidos no processo. Devem ter, além do mais, definidas claramente as


suas formas de medida e avaliação.

 Criação de oportunidades – considera a gestão como uma tarefa criati-


va, e não apenas adaptada ao que já existe e está definido.

 Desenvolvimento pessoal – enfatiza a ampliação e o aprimoramento


dos recursos humanos da empresa.

 Descentralização administrativa – promove o aperfeiçoamento da or-


ganização, mas deve partir de uma rigorosa avaliação diagnóstica.

 Autocontrole – “um dos maiores benefícios da administração por obje-


tivos foi o fato de ela ter permitido substituir a administração através da
dominação pela administração através do autocontrole” (DRUCKER, 1981,
p. 123-124).

 Autoridade e liderança – a gerência não é o único grupo de liderança,


pois ela deve ser descentralizada.

Embora bastante rica, a Administração por Objetivos foi muito criticada pela
falta de embasamento experimental e por desconsiderar que existe um conflito
fundamental entre os objetivos do trabalhador e da organização.

Administração contingencial
Surgiu como um aprofundamento dos estudos sobre a Teoria Sistêmica, que
vimos na aula anterior. A palavra contingência significa algo incerto ou even-
tual, que pode suceder ou não. A abordagem contingencial enfatiza que não é
possível atingir a eficácia organizacional seguindo um único e exclusivo modelo
organizacional, ou seja, não existe uma forma única para alcançar os objetivos
altamente variados das organizações, inseridas em um ambiente também alta-
mente variado.

Recentes estudos sobre as organizações complexas levaram a uma nova


perspectiva teórica: a estrutura de uma organização e seu funcionamento são
dependentes da interface com o ambiente externo.

A mais notável contribuição da abordagem contingencial consiste em verificar


as variáveis que produzem maior impacto sobre a organização, como o ambiente
e a tecnologia, para então predizer as diferenças produzidas na estrutura e no fun-
cionamento das organizações. Esta abordagem marca uma nova etapa no estudo
30
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 2)

da administração das organizações, assumindo uma abordagem eclética, compa-


rando as demais teorias administrativas existentes à luz dessas variáveis e aplican-
do seus diversos princípios em cada situação específica da organização.

Algumas dessas variáveis são:

a) relativas ao ambiente geral (o macroambiente, ou seja, o ambiente gené-


rico e comum a todas as organizações):

 condições tecnológicas;

 condições econômicas;

 condições políticas;

 condições legais;

 condições demográficas;

 condições ecológicas;

 condições culturais.

b) relativas ao ambiente da tarefa (o ambiente mais próximo e imediato de


cada organização):

 fornecedores de entradas;

 clientes ou usuários;

 concorrentes;

 entidades reguladoras.

Talvez o seu maior mérito seja tratar-se de uma abordagem eclética e integra-
tiva, absorvendo conceitos das diversas teorias administrativas, ampliando hori-
zontes e mostrando que nada é absoluto. Alguns a criticam por não ter atingido
um desenvolvimento que a diferencie verdadeiramente da Teoria Sistêmica.

Administração estratégica
Quem de nós nunca ouviu falar em planejamento estratégico? Ele surgiu na
década de 1960, e tomou de assalto o cenário da administração na década de
1980. É um processo de planejamento de longo alcance, formalizado, próprio
para a definição e a consecução dos objetivos organizacionais.
31
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 2)

A Administração Estratégica é um processo contínuo e interativo, voltado


para a manutenção da organização como um todo, integrado apropriadamente
ao seu ambiente. Envolve a realização de uma análise do ambiente, o estabele-
cimento de diretrizes organizacionais, a formulação de estratégias organizacio-
nais, a implementação das mesmas e a aplicação do controle estratégico.

Nunca é demais lembrar que os planejamentos estratégico, administrativo e ope-


racional devem ser integrados, e que o gestor deve ter papel ativo em todos eles.

O planejamento estratégico de uma organização envolve nove etapas:

 definição dos objetivos;

 identificação dos objetivos e das estratégias atuais;

 análise do ambiente;

 análise dos recursos disponíveis;

 identificação das oportunidades e das ameaças à organização;

 definição do grau de mudança necessário;

 escolha da estratégia a ser utilizada;

 implantação da estratégia;

 mensuração e controle dos resultados obtidos.

As críticas mais frequentes a essa teoria referem-se à dificuldade da previ-


são de estratégias a mais longo prazo, em um ambiente que normalmente se
apresenta turbulento e em constante mudança, e às dificuldades no processo
de estabelecimento de uma cultura organizacional e de competências para a
realização do planejamento estratégico.

Administração participativa
A participação dos trabalhadores nas decisões da empresa vem sendo um
ponto extremamente discutido nas últimas duas décadas. Este modelo de ad-
ministração consolidou-se como um catalisador da produtividade e do avanço
tecnológico de alguns países orientais.

Uma boa definição deste tipo de administração é dada por Maximiano (1995,
p. 19-20):

32
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 2)

A administração participativa é uma filosofia ou política de administração de pessoas, que


valoriza sua capacidade de tomar decisões e resolver problemas. A administração participativa
aprimora a satisfação e a motivação no trabalho. A administração participativa contribui para
o melhor desempenho e a competitividade das organizações.

A administração participativa tem como objetivos, segundo Mendonça (1987):

 ampliar a responsabilidade social das empresas;

 equilibrar os interesses dos vários setores envolvidos;

 desenvolver uma cultura organizacional democrática;

 reduzir a alienação;

 utilizar totalmente o potencial humano;

 diminuir os conflitos, estimulando a cooperação;

 aumentar a satisfação das pessoas;

 obter maior competitividade da organização.

A participação pode ser de dois tipos:

a) Participação direta – dirigida à pessoa, considerada individualmente, em


um estilo de gerência participativa.

b) Participação indireta – neste caso, a participação se dá por meio de re-


presentantes escolhidos pelos trabalhadores dos diversos setores da em-
presa. Pode assumir várias modalidades: comitês, negociações coletivas,
cogestão, até a autogestão, forma plena de exercício coletivo do poder.

Sobre a Administração Participativa incidem críticas relativas à acomoda-


ção provocada nos trabalhadores, à possibilidade de manipulação por parte
dos patrões e à dificuldade da criação de uma cultura propícia para a sua
implementação.

Administração japonesa
Fortemente alicerçada na participação direta dos trabalhadores, esse modelo
tomou conta do cenário da administração na década de 1970. A preocupação com
a qualidade fez com que os programas e iniciativas que visavam a busca da “quali-
dade total” virassem moda, muitas vezes sem o cuidado da adaptação necessária,
pois haviam sido gerados em um contexto cultural bastante diferente do nosso.

33
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 2)

Além da administração participativa e da preocupação com a qualidade total,


em relação a qual é referência a obra de Ishikawa (1981), são características da
Administração Japonesa:

 a ênfase no planejamento estratégico;

 a visão sistêmica;

 a supremacia do coletivo sobre os objetivos individuais;

 a busca intensiva da produtividade;

 a flexibilidade dos planos e estratégias;

 o incentivo ao aprimoramento dos recursos humanos e ao trabalho em


grupo;

 a sofisticação tecnológica;

 a busca da padronização no trabalho;

 o uso constante de mecanismos de manutenção, limpeza e arrumação do


ambiente de trabalho;

 o estabelecimento de uma cultura organizacional de confiança e respon-


sabilidade.

As críticas incidem, no caso da Administração Japonesa, sobre alguns pontos


bem definidos:

 a dificuldade da adaptação às culturas ocidentais;

 a dependência da cooperação quase irrestrita das pessoas, o que normal-


mente não se obtém na empresa;

 o risco de cair na lentidão e na burocratização dos processos decisórios;

 a dificuldade do desenvolvimento de processos administrativos eficientes


para apoiar a produção;

 o estabelecimento de uma visão “romântica” da administração;

 e os resultados recessivos que vêm sendo obtidos pelos países orientais


que têm utilizado essa forma de administração.

34
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 2)

Teorias emergentes de gestão


Trata-se do paradigma mais recente, correspondente às duas últimas déca-
das, e que, em alguns casos, ainda se encontra mais no universo das pesquisas
sobre administração do que na prática cotidiana das empresas. Merece desta-
que a influência, sobre ele, do enorme desenvolvimento tecnológico, vivencia-
do pela humanidade neste período. Costuma-se tomar como marco referencial
deste paradigma a publicação, em 1982, da obra O Ponto de Mutação, de Fritjof
Capra, que preconizava o Holismo ou Totalidade na Ciência.

Reengenharia
A velocidade com que as tecnologias de informação se desenvolveram, pro-
vocou a necessidade de adaptações aceleradas da empresa ao ambiente.

Para Hammer e Champy (1994, p. 21-22), reengenharia consiste em:


[...] abandonar procedimentos consagrados e reexaminar o trabalho necessário para criar
os produtos e serviços de uma empresa e proporcionar valor aos clientes. [...] é o repensar
fundamental e a reestruturação radical dos processos empresariais, que visam alcançar
drásticas melhorias em indicadores críticos e contemporâneos de desempenho, tais como
custos, qualidade, atendimento e velocidade.

O próprio termo (reengineering) significa “começar de novo”, mostrando que


consiste em uma mudança radical, buscando resultados organizacionais visíveis
e drásticos.

Segundo Abreu (1994), a Reengenharia é implementada em quatro fases:

 Estratégia: elaboração do planejamento estratégico da empresa, consi-


derando as condições e os recursos existentes.

 Ativação: ênfase nos ganhos obtidos com a reengenharia dos processos


(em termos de melhoria da qualidade, incremento da produtividade e re-
dução dos custos).

 Melhoria: é o momento da agregação de valor aos processos e aos servi-


ços oferecidos, pela empresa, aos clientes.

 Redefinição: formação de novas unidades de negócios/serviços, em fun-


ção da reengenharia.

35
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 2)

Entre as mudanças profundas provocadas pela reengenharia, podemos citar


como exemplos: os papéis dos trabalhadores ganham maior autonomia; o en-
foque de mero treinamento para as tarefas muda para educação; as estruturas
da organização mudam de hierárquicas para niveladas; os gerentes mudam de
supervisores para capacitadores; os critérios de promoção mudam de desempe-
nho para habilidade ou competência (FERREIRA et al., 1997, p. 213).

Tudo acaba, portanto, na construção coletiva de uma “cultura empreendedo-


ra”. É justamente sobre a dificuldade de se chegar a esta cultura, que incidem crí-
ticas à Reengenharia. Outras críticas se voltam para a radicalidade das mudanças
exigidas por ela e para as demissões realizadas.

Administração virtual
Este modelo revolucionário está ligado à verdadeira “revolução da informa-
ção”, ocorrida nos anos 1990.

A Administração Virtual é realizada por pessoas reais, que dominam a infor-


mação em tempo real e estabelecem relacionamentos confiáveis. Requer uma
preparação mais aprimorada dos trabalhadores e o entendimento de que o con-
trole não deixa de existir, apenas muda de configuração (realiza-se online).

Ferreira et al. (1997, p. 205) dizem, sobre a Administração Virtual: “A virtualidade


deve ser entendida sob pelo menos dois pontos de vista distintos. O cliente perce-
be como um atendimento instantâneo aos seus desejos. A empresa parece existir
a qualquer hora, em qualquer lugar, potencialmente pronta para atendê-lo.”

Essa forma de administrar sofre três críticas principais: o aumento do estresse


das pessoas, pela rapidez com que as coisas acontecem, a tendência à impesso-
alidade das relações e a desvalorização do trabalho humano.

Bem, apresentados os três grandes paradigmas teóricos – Teorias Tradicio-


nais, Modernas e Emergentes de Gestão – vamos situar algumas aplicações das
mesmas à gestão escolar. Vocês devem estar lembrados que, na aula anterior,
afirmamos que a escola também é uma organização. Há, portanto, característi-
cas que aproximam a gestão escolar da administração das empresas.

Não vamos fazer uma correspondência unívoca entre cada uma das doze es-
colas de Administração que apresentamos e a evolução da gestão na instituição
escolar. Podemos, no entanto, traçar algumas analogias entre os três grandes

36
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 2)

paradigmas – Administração Tradicional, Moderna e Emergente – e os seus im-


pactos nos processos gestionários da escola. Comecemos com uma situação his-
tórica dos paradigmas e das escolas que abordamos, para que vocês se situem.

Teorias Tradicionais Teorias Modernas Teorias Emergentes


de Gestão de Gestão de Gestão
*1911 *1954 *1982

Publicação de A Prática da Ad-


Publicação de Princípios de Ad- Publicação de O Ponto de Mu-
ministração de Empresas (Dru-
ministração Científica (Taylor) tação (Capra)
cker)

a) Adm. Científica a) Adm. por Objetivos a) Reengenharia


b) Teoria Clássica da Adminis- b) Adm. Contingencial b) Adm. Virtual
tração c) Adm. Estratégica
c) Escola de Relações Huma- d) Adm. Participativa
nas
e) Adm. Japonesa
d) Teorias X e Y
e) Teoria Sistêmica

Assim como temos um paradigma tradicional nas Teorias da Administração,


temos um modelo pedagógico tradicional, que exige um perfil de gestão e ações
correspondentes, que a ele se associam.

Se observarmos com atenção a conceituação do papel do diretor de escola


enunciado por Lück (1983, p. 16-17), veremos claramente a centralização hierár-
quica de autoridade e de decisão, características de uma abordagem tradicional.
É do diretor da escola a responsabilidade máxima quanto à consecução eficaz da política
educacional do sistema e desenvolvimento pleno dos objetivos educacionais, organizando,
dinamizando e coordenando todos os esforços nesse sentido, e controlando todos os recursos
para tal.

Devido à sua posição central na escola, o desempenho de seu papel exerce forte influência
(tanto positiva como negativa) sobre todos os setores e pessoas da escola.

E do seu desempenho e de sua habilidade em influenciar o ambiente que depende, em


grande parte, da qualidade do ambiente e clima escolar, do desempenho do seu pessoal e da
qualidade do processo ensino-aprendizagem.

Tomemos como ilustração os relatos de professores, sobre um fato bastante


comum: a ação de controle do diretor da escola, ao exigir os planos de aulas dos
professores, para examinar e avaliar. Enquanto em algumas escolas os diretores
utilizavam essa prática de forma autoritária e até arbitrária, em outras o diretor
tentava orientar e subsidiar os professores, para o aprimoramento das aulas.

37
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 2)

Estas e outras práticas provocaram muitas críticas como a de Antunes (2003),


que indaga em um artigo: “Você trabalha em uma grande ou pequena escola?”. O
autor apresenta o seguinte ponto, para diferenciar grandes e pequenas escolas:

(ANTUNES, 2003, p. 170)


Pequena escola Grande escola
O poder decisório centraliza-se nas mãos de Existe um poder decisório, mas este funda-
uma pessoa ou de um grupo restrito que o menta-se na opinião coletiva e consensual,
exerce de maneira autoritária. aceitando-se a diversidade e administrando-a
O que é bom para o “mantenedor”, para o conforme o sentido de justiça que é dinamica-
“dono” ou para o seu primeiro executor deverá mente construído e reconstruído.
ser bom para todos.

A escola foi influenciada, em um momento posterior, pela Escola de Relações


Humanas de Fayol e pela Teoria Y de Mc Gregor, surgindo uma gestão preocu-
pada com a integração social, com aspectos ligados à criatividade e motivação e
com os grupos informais existentes na escola, enfatizando aspectos emocionais
em detrimento de outros, puramente objetivos. Neste modelo temos, por exem-
plo, uma cultura de confraternizações e dinâmicas integradoras dos grupos, en-
volvendo técnicas de sensibilização. O diretor busca apoio na ação do Orientador
Educacional, valorizando o que era chamado, na época, “aulas de SOE” (Serviço
de Orientação Educacional).

A década de 1970 e o tecnicismo, que dominou o cenário educacional bra-


sileiro, marcaram a influência da Teoria Sistêmica sobre a gestão escolar. Utiliza-
va-se fartamente planilhas sofisticadas para a elaboração dos planejamentos, e
nestas abundavam a citação dos inputs, outputs (comportamentos de saída) e do
feedback obtido por meio da avaliação.

Infelizmente, isto não tornou a gestão escolar mais dinâmica, eficaz e demo-
crática. Ao contrário, o diretor tornou-se mais impessoal e friamente técnico, às
vezes, perdido em uma infinidade de fluxogramas e papéis que pouco aprimo-
raram a qualidade da educação no Brasil.

Uma outra vertente do tecnicismo, no entanto, apontou para uma mudança


paradigmática na gestão escolar. Trata-se da ênfase nos objetivos, na sua for-
mulação e hierarquia. Estas questões taxonômicas perpassaram a escola e a
sua gestão, embora de uma maneira não tão significativa. Merece destaque, no
entanto, pelos indícios de descentralização administrativa e de autoridade que
permitiu prenunciar.

38
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 2)

Já em plena vivência do Paradigma Moderno de Gestão, os meados da década


de 1970 demarcaram uma forte ênfase na ação gestora sobre o planejamento.
Ela está presente na Administração Estratégica, que acentuou alguns aspectos
da Administração por Objetivos, agora falando de estratégias institucionais.

Oliveira (2002, p. 47-48) fala de três níveis de planejamento na organização: o


operacional, o tático e o estratégico. Destes, é o terceiro que abrange a organi-
zação como um todo e, embora esteja apoiado nos outros dois níveis – respon-
sáveis pela operacionalização/execução – fica afeito aos escalões mais elevados
da empresa.

Assim define o planejamento estratégico:


[...] é o processo administrativo que proporciona sustentação metodológica para se estabelecer
a melhor direção a ser seguida pela empresa, visando ao otimizado grau de interação com o
ambiente e atuando de forma inovadora e diferenciada. [...] diz respeito tanto à formulação
de objetivos, quanto à seleção dos cursos de ação a serem seguidos para sua consecução,
levando em conta as condições externas e internas à empresa e sua evolução esperada.
Também considera as premissas básicas que a empresa, como um todo, deve respeitar para
que o processo estratégico tenha coerência e sustentação decisória.

Quanto à Administração Participativa, teve um forte impacto no cenário edu-


cacional brasileiro e nas características da gestão escolar. O movimento de reto-
mada democrática no país fortaleceu os processos de delegação e participação,
assim como o saudável hábito de discutir e decidir democraticamente, há tantos
anos impedido. Com isto, a gestão precisou adaptar-se a ações como colegiar e
delegar, praticamente incompatíveis com os modelos componentes do Paradig-
ma Tradicional de Gestão.

Entre as características destacadas por Guiomar Namo de Mello (1993) para as


“escolas que dão certo“, temos o compartilhamento de decisões entre os agen-
tes internos da escola e a comunidade.

Silva (2001. 161-162), após constatar que “as teorias, com o passar do tempo,
vão cedendo lugar a novas teorias sempre que a realidade histórica exige [...]”,
afirma:
Dentro desta tendência de mudança nos padrões gerenciais, situa-se o esforço generalizado
de adoção de técnicas oriundas do chamado “modelo japonês”, no Brasil, com ênfase nos
programas de gerência da qualidade total. [...] A tentativa de implantar formas de gerenciamento
mais flexíveis no Brasil e, por decorrência, a adoção de técnicas que favoreçam a participação
na gestão tem sido feita pelos chamados programas de qualidade total. (p. 162)

39
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 2)

Isso nos permite ver, portanto, um entrelaçamento entre as duas últimas mo-
dalidades emergentes de gestão – a Administração Participativa e a Japonesa.
Esta última trouxe os já conhecidos Programas de Controle da Qualidade, com
ênfase na Qualidade Total.

Esse gestor voltado para qualidade, coordenando a realização dos rituais do


CQT (Controle de Qualidade Total) nascidos do sistema japonês de produção da
Toyota Motor Co, não é encontrado na Educação. Temos, na verdade, a apropria-
ção, muitas vezes oportunista, de alguns conceitos da Administração Japonesa
e dos resultados da avaliação da qualidade (chancela ISO). Isso acontece prin-
cipalmente por parte de instituições particulares de ensino, desejosas de atrair
alunos.

Finalizando, falemos dos modelos de gestão ligados ao Paradigma Emergen-


te de Gestão. Já dissemos que, por serem extremamente recentes, ainda não
temos impactos significativos destes modelos sobre a gestão escolar. Começa-
mos a ouvir falar, por exemplo, em uma “reengenharia do Projeto Pedagógico”,
expressão que se refere a mudanças aceleradas e profundas neste projeto, per-
mitindo à escola uma adaptação ativa e rápida ao ambiente que a cerca.

Outros termos como “mapeamento da instituição escolar”, “mudança da


cultura organizacional”, “racionalização organizacional” e “reengenharia psicos-
social” também vêm associar a moderna administração das empresas à gestão
escolar.

A verdadeira revolução causada pelo desenvolvimento da Tecnologia de


Informação e Comunicação (TIC) é outro fator que afeta fortemente tudo que
foi historicamente estabelecido quanto à gestão da escola, mesmo que não te-
nhamos, ainda, a “administração virtual”. Não falamos apenas da informatização
dos processos, mas ao fluxo de inovação e informação que invadiu as nossas
escolas.

Concluindo, podemos afirmar que a gestão escolar evoluiu historicamente


ao longo destes últimos cem anos – como tentamos mostrar nestas duas pri-
meiras aulas – assumindo variadas formas, algumas mais semelhantes e outras
totalmente opostas.

Esperamos que vocês consigam agora detectar, na gestão das escolas que
conheceram até hoje, traços e características dos paradigmas de que falamos,
assumindo posicionamento crítico em relação a elas.

40
Teorias da Administração aplicadas à Gestão Escolar (parte 2)

Atividades
Agora, que a nossa aula terminou, é hora de enriquecer o que aprendemos.

Acesse, na internet, a página <http://novaescola.abril.uol.com.br>.

Você vai encontrar, no índice de temas, o link Gestão Escolar.

Acesse o texto de Heloísa Lück intitulado: “A evolução da mudança educacio-


nal, a partir da mudança paradigmática”.

A autora fala sobre as mudanças de paradigma na gestão escolar, destacan-


do cinco aspectos de evolução:

Antes Depois
Ótica fragmentada. Ótica globalizadora.
Limitação de responsbilidade. Responsabilidade expandida.
Ação episódica. Processo contínuo.
Hierarquização e burocratização. Coordenação.
Ação individual. Ação coletiva.

1. Observando estes cinco aspectos, procure fazer uma análise do paradigma


em que se encontra a sua escola, ou alguma escola que você conhece.

Referências
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de Empresas, v. 34, n. 5, set./out. 1994.

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TAYLOR, W. Princípios de Administração Científica. São Paulo: Atlas, 1963.

43
Vídeo

A escola como instituição aprendente:


a busca da qualidade da educação
Bem, caros alunos, primeiramente darei atenção ao complemento
do tema principal desta aula – a busca da qualidade na educação – para
então, referi-la à escola e especialmente situá-la no contexto de uma Ins-
tituição Aprendente.

Meu ponto de partida é a constatação de que a maioria da população


não se sente atendida pelo ensino que lhe é fornecido pelas instituições
de ensino, ainda que os princípios educacionais pontuados na Lei 9.394/96
em seu título II, artigos 2.º e 3.º enfatizem, entre outros: a igualdade de
condições para o acesso e a permanência na escola, a gestão democrática
do ensino e a garantia do padrão de qualidade. A lei assinala ainda, como
fins da educação: o pleno desenvolvimento do educando; o seu preparo
para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho.

Sustentando o fato da ineficiência dos aspectos relacionados à política


e à organização do sistema educacional, e agregando-se a ele os dados de
qualidade de vida da população, a moldura do cotidiano brasileiro, então,
passa a contornar o seguinte cenário:

 o desvio de verbas públicas, o prejuízo e a redução dos percentuais


destinados à educação, à saúde e aos bens básicos da população;

 atribuir-se ao descaso com a educação a dificuldade de inserção do


país na economia global;

 a falta de investimento em pesquisa e no desenvolvimento de no-


vas tecnologias;

 a concentração de renda: o PIB per capita dos 20% (US$18.563)


mais ricos, trinta e duas vezes maior, do que o dos 20% mais pobres
(US$578), de acordo com o PNUD (Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento 2000);

 um dos piores índices de desigualdade de renda atribuído ao Brasil,


com 20% da população mais pobre ficando com 2,5% da renda, en-
quanto os 20% da população mais rica detendo 63,4% (PNUD, 2000);

45
A escola como instituição aprendente: a busca da qualidade da educação

 o desprezo das autoridades pelo meio ambiente e o uso inadequado dos


recursos naturais;

 o poder estar ainda centralizado “nas mãos” de políticos populistas e de


doutrinas oportunistas;

 a força do corporativismo de determinados segmentos sociais sobrepujar


“a qualquer custo” os demais, em benefício próprio;

 os índices de desemprego, jamais alcançados, disseminado pelas diversas


classes sociais. A este respeito, ocorre-nos a frase do sociólogo e profes-
sor José Pastore, da Faculdade de Economia e Administração (FEA) e Fun-
dação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP (FIPE), especialista em
relações do trabalho e desenvolvimento institucional: “O desemprego no
Brasil está sendo menos motivado pelo avanço tecnológico e mais pelo
atraso educacional. O desafio é também da escola, não apenas da empre-
sa. Para competir e ter sucesso, ou educamos mais e melhor, ou convence-
mos nossos concorrentes a deseducar os filhos e os profissionais deles!”

 o crescimento percentual pouco significativo – de 0,2% em dois anos – no


índice de vida dos brasileiros;

 a instituição definitiva da economia informal;

 a invasão crescente dos centros urbanos pela população de rua;

 o aumento da insegurança e da violência;

 a queda vertiginosa da renda dos brasileiros pelo sexto ano consecutivo,


como publicou O Globo de 11/10/2003.

No entanto, segundo o cientista político Sérgio Abranches, o país tem ainda


bons motivos para encarar o novo século com otimismo. A criatividade e a capa-
cidade de trabalho da população brasileira estão entre as principais razões que
colocam o Brasil na trilha de uma grande potência e o deixam confortável diante
dos países para os quais perdeu posição, pois fecharam o século com desempe-
nho melhor que o brasileiro. O Brasil é hoje a 15.ª nação mais rica do mundo.

Viram? Nós vivemos mesmo em um país de contrastes...

Por outro lado, há de ressalvar-se também, a nova postura assumida pelo


Brasil em diversos projetos internacionais sobre o papel estratégico da produ-
ção das informações, culminando em 1998, quando o país passou a utilizar os
indicadores educacionais. Tais indicadores, com tratamento sério e relevante,
46
A escola como instituição aprendente: a busca da qualidade da educação

são fundamentais hoje para a avaliação da eficiência e da equidade do nosso


sistema educacional. Estes são responsáveis, ainda, pela transparência das ações
realizadas na divulgação dos seus resultados e na contribuição inestimável à for-
mulação de políticas educacionais mais adequadas e eficazes.

Em recente participação na 32.ª Conferência Geral da Organização das


Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) realizada em
Paris, o Exmo. Sr. Ministro da Educação, Cristovam Buarque, sugeriu a criação
de um fundo para financiar e apoiar o Programa Educação para Todos, oriundo
do valor a ser pago pelos países pobres para saldar a dívida externa. O dinheiro
do fundo, conforme a proposta do Ministro, seria aplicado no financiamento de
três ações: na alfabetização dos jovens e adultos, na implantação e expansão do
Programa Bolsa-Escola na América Latina e na África e na continuidade dos estu-
dos de indicadores educacionais como, por exemplo, as taxas de alfabetização, o
desempenho escolar dos alunos, a formação e dedicação dos professores.

Podemos assim, a partir dos indicadores já instituídos, correlacionar alguns


traços marcantes da Educação Nacional à qualidade da educação. São eles:

 Alfabetização e taxas de analfabetismo – Segundo o relatório do Pro-


grama das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Brasil ocupa o 79.º
lugar entre cento e setenta e quatro países analisados, quanto ao IDH (Ín-
dice de Desenvolvimento Humano). Este índice mede a qualidade de vida
dos países, a partir de indicadores de educação. Apesar do índice de edu-
cação ter crescido baseado na pequena redução do analfabetismo (16,7%
para 16%) e no aumento da taxa de matrícula combinada (72% para 80%),
vinte e seis milhões de brasileiros não têm acesso às condições mínimas
de educação, saúde e serviços básicos.

 Universalização do Ensino – Após a criação do Fundo de Manutenção


e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
(FUNDEF), mesmo em regiões menos favorecidas o problema atual do
Ensino Fundamental não se situa somente no acesso à escola. Os fatores
extra e intraescolares tornaram-se preponderantes, sobre estes e outros,
na dificuldade de permanência do aluno na escola.

 Acentuada distorção série/idade – A repetência e a evasão escolares


são os principais responsáveis pela “gordura” do número de matrículas.
Há, ainda, um número significativo de alunos em idade cronológica supe-
rior à correspondente esperada a cada série. Portanto, a alternativa mais
evidente é o investimento, cada vez maior, no projeto pedagógico das es-

47
A escola como instituição aprendente: a busca da qualidade da educação

colas, na avaliação interna de sua metodologia e de seus procedimentos


educativos, na reorganização do espaço escolar, na capacitação de seus
professores, em busca da aceleração da aprendizagem. Este programa
tem chances de sucesso, se desenvolvido com a seriedade e o rigor que
o assunto exige. O Programa de Aceleração da Aprendizagem foi criado e
desenvolvido a partir dos resultados do Censo Escolar.

 Taxas de promoção e repetência – Observa-se que as duas taxas vêm


melhorando, o que retrata a melhoria do fluxo escolar. Desse modo, temos
como consequência a melhoria da autoestima do aluno e a diminuição
dos custos escolares per capita.

 Carga horária de aulas reduzida – A meta a ser alcançada pela LDB, no


que diz respeito ao número de horas/aula, ainda está longe de ser atin-
gida. No entanto precisamos, primeiramente, assegurar o cumprimento
da jornada escolar de, pelo menos, quatro horas de trabalho efetivo em
sala de aula e a carga mínima anual de 800 horas. Após esta conquista, o
regime de escolas de tempo integral, conforme preconiza a lei, deverá ser
a próxima meta a ser alcançada.

 Democratização de acesso ao Ensino Médio – A matrícula neste nível de


ensino dobrou, conforme os resultados do último Censo Escolar. Haverá,
assim, demanda por novas vagas neste segmento que agora, menos eli-
tista, concentrará a sua procura na Rede Pública Estadual. Logo, os cursos
pós-médios deverão não só expandir-se para atender a evolução do pro-
cesso de escolaridade destes estudantes, como também deverão repen-
sar os seus currículos, com práticas educativas capazes de intrumentalizar
e atender a demanda desses jovens, ávidos pela inserção no mercado de
trabalho.

 Melhoria do perfil do Magistério – Muitos professores, mais precisa-


mente 820 mil, deverão complementar a sua formação, caso queiram per-
manecer no magistério, conforme exigência da LDB, incorporada ao Plano
Nacional de Educação. Diante deste quadro, torna-se indispensável a valo-
rização e o reconhecimento deste profissional, com a criação de políticas
públicas que contemplem a formação de professores e a sua formação
continuada em serviço.

 Avaliações externas – A intenção destas avaliações é que os seus resulta-


dos apontem para a importância dos processos internos da escola quanto
à construção de um projeto pedagógico singular, que atenda às expecta-

48
A escola como instituição aprendente: a busca da qualidade da educação

tivas da comunidade escolar. Há, neste novo governo, perspectivas dife-


rentes no encaminhamento destas avaliações.

 Sistemas de Ensino Superior – À medida que o Ensino Básico tem rece-


bido maior atenção e tem demonstrado indicadores de melhoria em sua
eficiência e qualidade, espera-se a comprovação destes dados com um
maior número de concluintes no Ensino Médio. Sendo assim, a médio pra-
zo há a possibilidade de reflexos positivos no Sistema de Ensino Superior
que, por sua vez, deverá organizar-se para recepcionar, com qualidade,
uma quantidade maior de novos alunos.

Dessa forma, a retratação do cenário de qualidade de vida dos brasileiros,


que passa pela qualidade da educação, impressa pelo conjunto de políticas
educacionais e posturas educativas, desafia, mais uma vez, a sociedade – e es-
pecialmente os educadores – à urgente necessidade da busca da qualidade da
educação, levando-os a repensarem a Escola sob a ótica de um novo modelo de
referência, ou seja, à luz de um novo paradigma.

Referências
DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. 2.ed. São Paulo: Papirus,
1996.

MAIA, Graziela Z. A. (Org.). Administração e Supervisão Escolar: questões para


o novo milênio. São Paulo: Pioneira, 2000.

49
Vídeo

Mudança institucional

Hoje o nosso assunto é mudança institucional, termo muito utilizado


atualmente nos estudos sobre gestão. Quando vocês ouvem falar em mu-
dança, o que lhes vem à cabeça? Apenas uma troca de coisas dos seus
lugares originais, como quando mudamos os móveis de lugar por que não
podemos, naquele momento, trocá-los por novos? Uma alteração maior
de ambiente, como quando mudamos para uma nova casa, e precisamos
decidir quais as coisas que colocaremos no caminhão, as que daremos a
alguém, ou aquelas que jogaremos fora? As famosas “resoluções de ano
novo”, famosas por habitualmente não serem realizadas? Ou uma altera-
ção profunda de vida, de atitudes, de ambientes, de metodologias, que
realmente transforma aquilo que existia anteriormente?

Aliás, esta é a diferença fundamental entre transformação e reforma:


a primeira refere-se à mudança profunda, de que falamos no parágrafo
anterior, enquanto a reforma implica apenas mudanças superficiais, que
não alteram a estrutura, o âmago dos processos.

Este é o nosso objetivo principal da aula de hoje: discutir a importância


da ocorrência de mudanças (transformações) na organização escolar, mos-
trando a importância da ação do gestor neste processo.

Schein (1982, p. 3-4), conhecido autor da área da Psicologia nas organi-


zações, afirma que existem seis coisas que cada gestor deve saber:
[...] (1) o que, em essência, está tentando realizar; (2) como organizar o trabalho para
atingir os objetivos escolhidos; (3) como recrutar, treinar, distribuir o trabalho e gerir
os recursos humanos (funcionários e dirigentes disponíveis para o trabalho); (4) como
criar condições de trabalho e sistemas de recompensas e punições capazes de fazer
com que os funcionários e os dirigentes mantenham elevada eficiência e um moral
suficiente para se manterem eficientes por longos períodos de tempo; (5) como operar
mudanças na organização em resposta a pressões que têm origem nas modificações
tecnológicas e sociais ocorridas tanto no ambiente externo como dentro da própria
organização; (6) como manejar a competição e outras forças que derivam de outras
organizações, de unidades situadas dentro da organização, como os sindicatos de
entidades reguladoras e, por fim, das suas próprias “dores de crescimento”.

51
Mudança institucional

Quero pedir a atenção especial de vocês para dois aspectos citados por
Schein: a quinta “competência” do gestor, focada na realização de mudanças ins-
titucionais, e o fato citado no último item, de que não ocorrem mudanças sem
algum “sofrimento”, ansiedade ou desconforto.

Vale a pena lembrar, quanto à questão da ansiedade frente às mudanças, que


ficamos tensos mesmo diante de expectativas positivas (uma festa ou diante
de uma ascensão profissional, por exemplo) e que o termo que o autor utili-
zou – “dores de crescimento” – é muito usado para falar da adolescência, perío-
do de grandes e férteis desenvolvimentos e transições para o futuro e o estado
adulto.

Para Boog (1994) as organizações, da mesma maneira que os seres vivos,


apresentam duas tendências opostas: a conservação, que as leva a manter a
sua cultura e tudo que dela faz parte, e a diferenciação, que pressupõe mudan-
ça e expansão. Estas duas tendências manifestam-se ao longo de toda a vida da
organização e em todos os aspectos que dela fazem parte.

O autor associa às mudanças o fenômeno da crise, que provoca o movimento


e a desestabilização necessários à mudança. É importante compreender o termo
crise, no entanto, fora do seu contexto de significado negativo. O que leva à
“morte” da organização não é a crise, mas sim a crise que, não resolvida, se insta-
la e torna-se crônica, minando os alicerces da instituição.

Podemos falar, então, de uma crise normativa, necessária para criar uma tensão
suficientemente forte para deflagrar o processo de mudança, mas impulsionadora
do alcance de estratos mais elevados de desenvolvimento e de “normalidade”.

Boog (op. cit.) realiza uma abordagem bastante aprofundada do processo de


mudança institucional e apresenta o esquema que reproduzimos a seguir, e que
comentaremos com mais detalhes.

52
Mudança institucional

(BOOG, 1994, p. 52)


Identidade Habilidades
conceituais
Missão
Caráter
Filosofia
Biografia
Transformação

“Crise espiritual”

Relações
Ambientes
Sentimentos
Motivação Habilidades
Liderança sociais ou

Arte
Comunicação interpessoais

“Crise estratégica” Desenvolvimento

Excelência
Processos
Ciência
Fluxos de:
Material
Informação
Dinheiro
Documentos etc.
Habilidades
administrativas

“Crise de resultados”

Eficácia
Inovação/melhoria

Recursos
Prédios/
Instalações
Equipamentos Habilidades
Ferramentas técnicas
Eficiência

Dinheiro
Capital/Resultado
Manutenção
“Crise de liquidez”

Vemos, neste esquema, que existem quatro níveis de mudança institucional,


que passamos a comentar em relação à instituição escolar:

 Nível dos recursos – Inclui tudo que tem uma existência física, material (o
prédio, as instalações, equipamentos, recursos humanos e financeiros, por
exemplo). Consequentemente, tudo que pertence a este nível é palpável,
mensurável.

53
Mudança institucional

 Nível dos processos – Trata-se dos fluxos vitais da organização, realizados


por meio das metodologias escolhidas e práticas desenvolvidas na escola.
Embora não tenha uma existência material, como o nível anterior, os pro-
cessos são lógicos, calculáveis, previsíveis.

 Nível das relações – É constituído pelo chamado “clima” ou “ambiente” da


instituição. Envolve interação entre pessoas, as suas expectativas, motiva-
ções, emoções, simpatias e antipatias. Neste nível estão os processos de
comunicação, liderança, prestígio, poder. É, portanto, bastante mais com-
plexo que os dois anteriores.

 Nível da identidade – Não estamos falando, aqui, das identidades indivi-


duais das pessoas que transitam na organização, mas de uma “identidade
institucional”, composta pela cultura, valores e missão da mesma.

Em cada um destes níveis, a mudança se processa de uma forma, em um ritmo


e com intensidade de resistência diferentes. As mudanças quantitativas, que se
situam muitas vezes como reformas, já comentadas anteriormente, são razoavel-
mente mais fáceis de serem implementadas. À medida que subimos de estrato na
figura apresentada, no entanto, o processo de mudança vai ficando mais comple-
xo. Cada uma delas requer, do gestor, habilidades ou competências diferentes.

Observem o quadro a seguir:

Nível Efeitos Principais Competências exigidas do gestor

Manutenção e/ou ampliação rotineira


dos já existentes, depende com fre-
Recursos quência de orçamentos externos à es- Técnicas
cola e sofre influência intensa do am-
biente externo à escola.

Melhoria constante (inovação), requer


Processos uma atualização contínua de informa- Técnicas organizativas
ções, por parte da escola.

Desenvolvimento progressivo, o ideal é


Pessoais (sensibilidade, ponderação,
Relações que o nível de interação entre os atores
equilíbrio emocional) e sociais
institucionais seja aprimorado.

Transformação, pois as mudanças


Técnicas, organizativas, pessoais (as
neste nível sempre modificam profun-
Identidade anteriores e mais sabedoria, intuição),
damente a instituição e os três níveis
sociais, conceituais, holísticas etc.
anteriores.

54
Mudança institucional

Afirma Boog (1994):


A empresa que não logra sucesso nos seus processos de qualidade total ou de reengenharia
não o faz porque só tem conceitos e ferramentas no nível dos recursos e dos processos. Não
é que esses instrumentos estejam errados ou que lhes falte algo. É que não consideram na
sua essência as qualidades dos níveis da identidade e das relações. Os processos de mudança
eficazes têm como característica a atuação com ênfase simultânea e equilibrada no limiar da
ciência e da arte.

A partir disso, pode-se afirmar que a forma como é feita a gestão das mudan-
ças indica três modelos diferentes de escola:

 A escola eficiente – dá atenção especial aos níveis dos recursos e dos proces-
sos, desenvolvendo mudanças no sentido da manutenção e da melhoria.

 A escola eficaz – cuida dos recursos e dos processos, mas também está vol-
tada para as relações, desenvolvendo as pessoas e a própria instituição.

 A escola excelente – chega a trabalhar com o nível da identidade institu-


cional, desencadeando o verdadeiro processo de transformação.

Como as Teorias da Administração, o conceito de mudança institucional


também evoluiu com o tempo.

Até a década de 1970, falar em mudança organizacional, significava falar em


projeto ou desenho organizacional. A ideia de mudança estava centrada no concei-
to de alteração de organogramas, na criação, modificação ou extinção de cargos e
funções. Nos anos 1980, porém, esta abordagem vai ganhar uma nova forma. Isso
decorreu, em grande parte, do fato de que, após operar vários tipos de mudanças
em suas empresas, muitos administradores perceberam que ainda era necessário
mudar os valores e as crenças dos grupos, para que os resultados surgissem.

Segundo Herzog (apud WOOD, 1992), qualquer mudança no contexto orga-


nizacional engloba alterações fundamentais no comportamento humano, nos
padrões de trabalho e nos valores vigentes, em resposta às modificações ocorri-
das – ou antecipando alterações estratégicas, de recursos ou de tecnologia.

Este autor afirma, ainda, que o segredo para enfrentar com sucesso o proces-
so de mudança é o gerenciamento das pessoas (nível das relações), mantendo
elevado o nível de motivação e evitando frustrações e desapontamentos. Para
ele, grande desafio não é a mudança tecnológica, mas mudar as pessoas e a cul-
tura organizacional, renovando os valores e “oxigenando as atitudes”.

O’toole (apud WOOD, 1992) considera que há cinco fatores fundamentais


para uma mudança cultural. São eles:

55
Mudança institucional

 a mudança deve ser construída sobre as forças e os valores já existentes


na organização;

 deve haver participação intensa de todos os escalões hierárquicos;

 a mudança deve ocorrer de forma holística, relacionando-se com a estru-


tura, com as estratégias organizacionais, com os sistemas de recompensa
e de controle;

 a alta gerência deve dar todo o apoio ao processo de mudança, e ele deve
tornar-se contínuo;

 deve ser planejada a longo prazo e executada em etapas.

A cada nível de mudança está associada uma crise que a deflagra. Assim, a
mudança no nível dos recursos é determinada por uma “crise de liquidez”, que
mostra à organização que os meios físicos de que dispõe estão defasados ou
insuficientes. Mudanças nos processos são antecedidas por uma “crise de resul-
tados”, no nível das relações, por uma “crise estratégica” e no nível da identidade
da organização, pela “crise espiritual”.

A existência dessas crises é explicada por Derrida (1999). Ele afirma que,
em período de crise “[...] a provocação para pensar reúne no mesmo instante o
desejo de memória e a exposição do futuro, a fidelidade de um guardião bas-
tante fiel para querer guardar até a sorte do futuro, em outros termos, a singular
responsabilidade pelo que ele não tem e que ainda não existe” (p. 156).

Além da busca da eficácia, da eficiência e da excelência institucional, o autor


mostra que, até o nível da eficácia, relativo aos recursos e processos, a organiza-
ção atua no nível da “ciência”. Já para o atingimento da excelência, que depende
de mudanças nas relações e na própria identidade da instituição, chega-se à uti-
lização do que o autor considera “arte”.

Penso ter ficado claro que mudanças institucionais mais profundas e dura-
douras, aquelas que ocorrem nos níveis das relações e da identidade da organi-
zação, obrigatoriamente alteram o que nós chamamos de “cultura institucional”.

56
Mudança institucional

O ponto de partida para a análise de toda a mudança estratégica é a noção de


que a formulação do conteúdo de qualquer nova estratégia implica controle do
ambiente externo. Implica antes, no entanto, alterações no contexto interno, que
é a própria cultura organizacional, por meio da qual as ideias de mudanças devem
fluir. Quando uma organização deseja entender o seu ambiente, deve entender-
-se a si mesma, à sua própria cultura, uma vez que a compreensão do ambiente é
sempre uma projeção de si própria. Criar um clima interno favorável à mudança
é indispensável à consecução de mudanças de forma positiva.

A cultura institucional consiste em um conjunto complexo de atitudes, valo-


res, crenças, pressupostos e formas de pensar e agir frente à realidade da insti-
tuição, que definem os modos pelos quais uma organização desenvolve as suas
atividades. Esse núcleo de crenças e pressupostos são manifestos nas estruturas,
sistemas, símbolos, mitos e padrões de recompensas dentro da organização. No
entanto, qualquer estratégia para modificar a cultura organizacional terá de en-
volver pensamentos e ação tanto no nível das crenças básicas como no de suas
manifestações. Ela pode apresentar-se favorável, desfavorável ou neutra quanto
à realização de mudanças institucionais.

A mudança organizacional envolve, portanto, mudanças de atitudes e va-


lores, nos processos cognitivos e na formação dos atores institucionais, na es-
trutura de poder, na gerência de recursos e de recompensas. Os envolvidos no
processo de mudança vão se comportar de acordo com a forma como definem
a nova realidade, rejeitando-a ou legitimando-a.

Ela pode ser implementada de forma planejada (adaptativa), com ciclos de


mudança realizados participativamente, ou de forma desordenada e precipitada
(catastrófica), de forma imposta.

Podemos afirmar, então, que a avaliação institucional pode constituir-se em


importante instrumento para deflagrar as mudanças nas instituições. Coorde-
nada pelo gestor, como veremos em uma próxima aula, ela fornece dados para
o estabelecimento da visão do comportamento estratégico atual da instituição,
primeiro momento do ciclo de mudança.

57
Mudança institucional

Este ciclo pode ser visto, esquematicamente, assim:

Avaliação: definição do comportamento estratégico atual e do que deve ser alterado.

Definição das alternativas e formas de mudança a serem priorizadas para implementação.


Preparação do ambiente institucional para a mudança.

Implementação progressiva das mudanças, sempre com o acompanhamento do processo.

As transformações desencadeiam, com frequência, situações de preocupa-


ção e ameaça, gerando conflitos e resistências. Precisamos destacar, então, que
uma das formas mais eficazes para minimizar estes efeitos é a comunicação.

A resistência à mudança se intensifica quando as pessoas não recebem infor-


mações suficientes sobre o que está acontecendo e sobre qual será a sua situa-
ção futura.

A comunicação constitui-se em um recurso estratégico para revigorar a cultu-


ra institucional, possibilita discussões para a solução de conflitos, aumenta a par-
ticipação do grupo – desejável em todo o processo de mudança organizacional
– permite a administração democrática do conhecimento e o compartilhamento
dos novos valores e atitudes construídos.

58
Mudança institucional

Existem quatro quadrantes na mudança institucional. Não os chamamos de


fases ou etapas, porque eles não são lineares. A organização pode evoluir em
ritmos diferentes e até mesmo ter pequenas “regressões” na passagem de um
quadrante ao outro.

Da mesma forma, diferentes setores de uma mesma instituição podem evo-


luir de maneira diferente em relação à mudança, estando cada uma delas em
quadrantes diferentes, em um mesmo momento histórico.

O fluxo dos quadrantes de mudança institucional devem ser lidos no sentido


horário, a partir do primeiro, que é a inércia.

Inércia Inadequação

Adaptação Indecisão

Percebe-se, desta forma, que qualquer mudança na instituição parte de um


momento de inércia, que precisa ser avaliado como negativo pelos atores insti-
tucionais. Esta “tensão” – positiva, porque desencadeia a motivação para a mu-
dança – é representada pelo sentimento de inadequação, de que há aspectos
que precisam ser alterados.

Logo, a seguir, dá-se um momento de indecisão quanto às estratégias e


ritmos necessários, para que as modificações já detectadas sejam realizadas.

Finalmente, após a implementação do início do processo de mudança, o


último quadrante do esquema mostra a etapa de adaptação institucional aos
novos “cenários” gerados.

Boog (op. cit., p. 60-61) apresenta um modelo esquemático de mudança que


se estratifica em três níveis:

59
Mudança institucional

Necessidade de conhecer – refere-se ao diagnóstico atual dos recursos quali-


tativos da organização: Como somos? Como queremos ser (o que queremos mu-
dar)?
Há a demanda de novos conhecimentos sobre conceitos de gestão e paradig-
mas, para todos os seus membros.

Necessidade de aprender/vivência da instituição –


ocorre o verdadeiro desenvolvimento da organização,
por meio da aquisição de habilidades e capacidades.

Necessidade de fazer – refere-se ao diagnóstico atual dos recursos quantitati-


vos da organização: Onde nós estamos? Onde nós queremos estar? Há a deman-
da de construção de projetos estratégicos, de novos conceitos e da definição
de diretrizes, metas, objetivos e planos estratégicos (novos procedimentos e
instrumentos participativos de planejamento e de avaliação).

Em todos os estratos ficou clara a importância da participação do coletivo da


instituição no processo de mudança, por meio do uso do pronome nós. Desta
forma, conclui o autor, sobre a metáfora de que, para a mudança ocorrer, todos
precisam “estar no mesmo barco”:

A passagem da situação atual para a situação futura exige passos intermedi-


ários, e o segredo para o sucesso dessa travessia é que essa ponte seja constru-
ída em conjunto, por meio da vivência e do aprendizado individual e coletivo
(BOOG, 1994, p. 62).

Quando uma escola pretende estabelecer mudanças em sua estrutura – ver-


dadeiras transformações e não apenas reformas, como falamos anteriormente
– ela precisa estabelecê-las em três níveis:

 A visão – como a escola pensa a Educação e a si mesma; como deseja re-


lacionar-se com a comunidade externa, com a prática social; que homem
pretende formar, e para que mundo; como deseja ser vista (identificada)
externamente.

 Os valores – em que esta escola acredita, o que pensa sobre qualidade na


educação, ética, equidade, criatividade, poder, justiça social; que tipo de
lideranças admite em seu interior.

60
Mudança institucional

 A missão – de que forma a escola define o seu objetivo maior; o que ela
realmente quer; que serviços pretende prestar à comunidade e ao mundo
que a envolve.

Não devemos esquecer, portanto, que a escola não pode tornar-se estática e
cristalizada, perdendo o que possui de mais dinâmico e potencialmente revigo-
rador: o olhar para o futuro, já que acolhe as gerações jovens de um país.

Não devemos desconhecer, também, a importante atuação do gestor, em


qualquer processo de mudança. Ele pode ser o catalisador ou o empecilho à
admissão, na escola em que atua, da inovação – indispensável à sobrevivência.

Atividades
O exercício da nossa aula de hoje começa com uma lenda egípcia, que caiu
no domínio público, e por isso não lhe podemos referir o autor. É a Lenda do
Peixinho Vermelho:

“No centro de um belíssimo jardim, havia um grande lago, adornado de la-


drilhos azul-turquesa. Ali vivia toda uma comunidade de peixes que elegera um
dos membros do grupo como rei, e levava uma existência de total serenidade e
satisfação.

Havia um peixinho vermelho, porém, que era menosprezado por todos. Os


outros peixes arrebatavam para si toda a comida, escolhiam os melhores lugares
para o descanso e deixavam para ele apenas as sobras.

Sem muito tempo para o descanso e as brincadeiras, voltou-se para os estu-


dos. Depois de mapear todo o lago encontrou o escoadouro e resolveu conhecer
outros mundos e peixes de outras comunidades.

Optou pela mudança...

Alcançou um grande rio e fez muitos conhecimentos.

Encontrou peixes de muitas famílias diferentes, que com ele simpatizaram,


instruindo-o quanto às dificuldades da viagem e os melhores roteiros para
prossegui-la.

61
Mudança institucional

Chegou até o oceano e ficou fascinado com o que viu: a água era salgada e as
espécies animais totalmente diferentes das que ele conhecera.

Passou a viver nos corais, com muitos outros peixinhos amigos. Descobriu
algo, no entanto, que o deixou preocupado: quando a grande seca chegasse os
animais marinhos tinham a sua sobrevivência garantida, pois o mar não secaria.
Mas, o que seria dos seus antigos companheiros, do lago em que vivera tanto
tempo na infância?

Não deveria salvá-los? O mais correto não seria informá-los da proximidade


da seca?

Desta forma, fez a longa viagem de volta pelo mar, pelo rio, até o canal que o
levou novamente ao lago.

Não encontrou, no entanto, as manifestações de surpresa e de alegria que


esperava.

Tentou comunicar a todos o risco iminente, mas ninguém lhe deu ouvidos.
Nem o rei, imerso em sua soberba, quis ouvi-lo.

Ninguém quis estudar o mapa da viagem, ou emagrecer e exercitar-se para


tanto tempo de natação. E o peixinho abandonou novamente o lago, voltando
para o mar...

Depois de alguns anos, apareceu pavorosa e devastadora seca. O nível das


águas desceu e o lago onde viviam os peixes preguiçosos tornou-se lama, fazen-
do com que a comunidade dos peixes desaparecesse.”

Esta é uma lenda sobre mudança, resistência e sobrevivência organizacional,


como vocês já devem ter percebido.

Procurem redigir um texto, estabelecendo analogias entre os conceitos que


estudamos hoje, sobre mudança nas instituições, e a história do peixinho.

Não esqueçam de comparar a atitude do rei, gestor daquela comunidade, e a


do peixinho vermelho, possível “agente de mudança”.

62
Mudança institucional

63
Mudança institucional

Referências
BOBOC, M. Content Management in the Classroom. s. n., 2000.

BOOG, G. (Coord.). Manual de Treinamento e Desenvolvimento ABTD. São


Paulo: Makron-Books, 1994.

DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. 2.ed. São Paulo: Papirus,
1996.

DERRIDA, J. O Olho da Universidade. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.

MAIA, Graziela Z. A. (Org.). Administração e Supervisão Escolar: questões para


o novo milênio. São Paulo: Pioneira, 2000.

SCHEIN, H. Psicologia Organizacional. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil,


1982.

WOOD, M. E. Vantagem Competitiva: criando e sustentando um desempenho


superior. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

64
Teorias psicológicas aplicadas à Vídeo

Gestão Escolar: Behaviorismo,


Teoria de Campo e Psicanálise
Todos sabem que a Psicologia é um dos importantes fundamentos para
o trabalho do educador. É exatamente de algumas teorias da Psicologia e
das suas aplicações à gestão da escola, que vamos falar na aula de hoje.

Em qualquer cultura organizacional, no nosso caso, a instituição edu-


cacional, as mudanças agem como significantes para os diferentes grupos
de pessoas que trabalham ou estudam nesse espaço social. Por isso, para
muitas das teorias psicológicas, os sujeitos precisam estar dispostos a se
olhar primeiro e a estar também disponíveis para mudar as suas convic-
ções, muitas vezes limitantes, mas que lhes asseguram um certo equilí-
brio nas relações interpessoais. Nesse sentido, as transformações pessoais
estão fortemente “amarradas” à gestão e a uma consequente transforma-
ção organizacional.

Para criar uma cultura nova no cenário escolar, o primeiro passo é ter
um objetivo claro e aceitar a necessidade da escola ter que mudar. Embora
seja um “lugar-comum”, vale a pena lembrar que toda a transformação é
difícil e as pessoas precisam desejá-la, para que ela aconteça. Isso pode
ser traduzido, por exemplo, em um olhar crítico aos dados objetivos exis-
tentes (frequência, taxa de evasão, taxa de reprovação) e aos dados sub-
jetivos, como a representação que o aluno tem sobre o corpo docente, a
direção e os demais funcionários que trabalham na instituição, e a forma
como os pais veem a escola. Estes dados podem ser somados e comparti-
lhados por todas as pessoas envolvidas com a instituição – muitos devem
ser colecionados e compartilhados, para convencer até o mais cético de
que há necessidade de uma mudança significante.

A segunda tarefa caminha no sentido de envolver toda a escola, de-


finindo em conjunto a nova cultura, pois um novo ideal que é formado
coletivamente pode firmar-se na colaboração e em atitudes atenciosas e
positivas. Quando microideais, que fazem parte da grande meta a ser al-
cançada, são trabalhados de forma transparente, começa um processo de
incorporação dessa meta nas atividades diárias dos funcionários gerando
uma atitude positiva.
67
Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar: Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise

Uma vez criado um compromisso pessoal, é preciso mudar o ideal. Definir o


ideal é bem diferente de construir, por meio de um compromisso pessoal que
envolve energia vital, a realidade ideal. Gestores e professores, funcionários e
alunos, têm que modelar o novo ideal e não devem deixar escapar nenhuma
oportunidade para transferir estes ideais para as atividades diárias. Há uma ex-
pectativa que o gestor da escola seja o modelador preeminente desse ideal. É
o papel ocupado pelo gestor, que consiste em apoiar e encorajar os comporta-
mentos das pessoas que as conduziram para essa posição. Também é o papel
representado pelo comportamento dos demais atores institucionais, especial-
mente os que ocupam a liderança, o que reforça o movimento de todo o grupo
para o ideal.

A Teoria Neobehaviorista: Skinner


Na abordagem behaviorista, os princípios provenientes do condicionamen-
to operante e das propostas de Skinner e de seus seguidores são aplicados aos
grupos como técnicas de modificação da conduta. Essencialmente, nos pro-
cessos de condicionamento operante, o organismo aprende a buscar ou a evitar
determinados comportamentos, de acordo com as consequências positivas ou
negativas que eles possam ter: o organismo tende a repetir comportamentos que
tenham consequências positivas ou evitem consequências negativas e abando-
na comportamentos que não geram consequências positivas ou tenham conse-
quências negativas. As respostas aprendidas permitem ao organismo operar de
modo mais efetivo sobre o seu contexto em um sentido instrumental; daí surge
o qualificativo operante na denominação desse tipo de processo.

O conceito teórico central que explica os processos de condicionamento ope-


rante é a noção de reforço. O reforço é o processo de fortalecimento de uma de-
terminada resposta1, de acordo com suas consequências; em um processo de re-
forço, portanto, uma determinada classe de respostas aumenta a probabilidade
de ocorrência no futuro. As consequências específicas que aumentam esta pro-
babilidade são denominadas reforçadores. Os exemplos mais clássicos ilustram
processos de reforço positivo – casos em que a apresentação de determinados
reforços aumenta a probabilidade da conduta. Também podemos identificar
processos de reforço negativo, casos em que, ao retirarmos um determinado
reforçador, aumentará a probabilidade de uma resposta (por exemplo, beliscar
sistematicamente uma criança quando ela chora). Nesse caso, o reforçador é um
estímulo aversivo, que provoca consequências desagradáveis ou indesejáveis
1
Resposta também tem o sentido de comportamento, pois o Behaviorismo de Skinner entende que o comportamento é uma resposta do orga-
nismo aos estímulos do meio.
68
Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar: Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise

para o organismo. A extinção é o processo complementar e contrário em rela-


ção ao reforço, que se produz sempre que se deixa de reforçar sistematicamente
uma resposta previamente aprendida por reforçamento; nesse caso, a resposta
vai diminuindo a sua frequência de maneira gradual.

O condicionamento operante propicia a aprendizagem de novos comporta-


mentos, mediante dois tipos de processos complementares: a discriminação e
a generalização. Por meio da discriminação aprendemos a dar uma resposta na
presença de um certo estímulo ou classe de estímulos, e somente na presença
desses, de modo que tais estímulos acabam por se tornar signos ou sinais es-
pecíficos que regulam o comportamento tratado (aprender a sorrir diante de
alguém nos sorrindo, por exemplo). Essa conexão funcional – entre os estímulos
discriminativos e as respostas – é obtida quando se reforça sistematicamente
a resposta diante desses estímulos e não se reforça diante de outros. Por meio
do processo de generalização transferimos a aprendizagem efetuada por um
estímulo contextual concreto para outros estímulos similares, como identificar
diferentes sinais e níveis de aceitação e não aceitação de outras pessoas em rela-
ção à nossa presença ou ao nosso comportamento.

A ação combinada dos processos de discriminação e generalização permite


estabelecer novas relações entre a atividade do sujeito, o seu meio e as suas
atividades prévias. Além disso, pode ser aplicada na aprendizagem escolar para
a formação de conceitos, na transferência de comportamentos aprendidos de
uma situação a outra, como no caso dos grupos.

Retomemos agora a gestão escolar pensada no modelo skinneriano. Imagi-


nemos o que Skinner teria a nos dizer sobre essa temática. Penso que a primeira
abordagem do autor seria no sentido de nos lembrar que o verdadeiro propósito
do grupo não é fazer com que as pessoas trabalhem. Pode ser modificar o grupo
e seus membros ou, no caso de um grupo de coordenadores pedagógicos, de-
cidir e executar programas específicos. Na designação do objetivo (ideal a ser
alcançado) devem-se indicar as modificações que terão lugar, ou o tipo de ação
que se espera do grupo e de seus membros.

Em seguida, o autor nos falaria da eficiência, lembrando que a fórmula para


que os grupos se tornem mais eficientes está assentada na escolha cuidadosa
dos complexos objetivos imediatos de meios e fins, harmonizando-os e orien-
tando-os firmemente para os intermediários e longínquos (como faz a instrução
programada). Seguindo o modelo da instrução programada, Skinner ressaltaria a
importância de especificar os objetivos do grupo, uma vez que um objetivo bem
designado indica as modificações desejadas para o grupo e seus membros, ou
69
Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar: Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise

a ação procurada. Pode-se modificar o comportamento dos membros do grupo


alterando-se o seu grau de conhecimento, a sua capacidade, interesses, aprecia-
ções e atitudes. Os objetivos do grupo gestor de uma escola devem identificar a
espécie de ação esperada e o fim específico a ser alcançado.

A melhor forma para indicar os objetivos é designá-los em termos que os iden-


tifiquem claramente: as pessoas, o grupo ou grupos interessados; a espécie de
comportamento ou ação a ser realizada; e o conteúdo ou área dos problemas em
que este comportamento ou ação deve dar resultado. Quando os objetivos são
formulados nessa base tridimensional, tornam-se um conjunto coeso de especifi-
cações que orientam o desenvolvimento posterior de programas e planos. Assim,
Skinner enfatiza o conceito de que os objetivos são orientadores e precisamos
defini-los e analisá-los, palavra por palavra, para designá-los clara e precisamen-
te. As generalidades podem até despertar, inicialmente, algum interesse, mas só
as exposições específicas estimulam o raciocínio e facilitam o planejamento e a
ação do grupo e de seus membros. Vários padrões podem ser usados para julgar
a utilidade dos objetivos. Uma organização escolar pode formular as seguintes
questões:

 São os objetivos designados em termos que identificam as pessoas ou


grupos interessados, a espécie ou a modificação do comportamento es-
perada e o conteúdo ou área da vida escolar na qual este comportamento
vai ser empregado?

 São dinâmicos os objetivos (em condições de provocar a ação do grupo)?

 São eles compatíveis com os fins gerais do grupo ou da escola?

 São realizáveis os objetivos, considerando o nível de maturidade do grupo


ou da escola e os recursos à disposição?

 Conduzem os objetivos ao desenvolvimento, levando o grupo continua-


damente a níveis mais altos de realização?

 São eles suficientemente variados, para fazer face às necessidades indivi-


duais dentro do grupo?

 São em número suficientemente limitado, para evitar a indevida disper-


são de esforços, dentro da escola?

 Podem os objetivos ser avaliados, de modo a ficar evidente o verdadeiro


grau de progresso do grupo?

70
Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar: Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise

 Foram os objetivos determinados em colaboração – o grupo esteve, como


um todo, envolvido na sua determinação e aceitação?

Skinner nos adverte que, em geral, os grupos não reservam nenhum tempo
para definir seus fins e objetivos. Apresentam um comportamento de resistên-
cia à mudança, expresso em frases, como por exemplo: “Não precisamos perder
tempo com objetivos, vamos trabalhar...” ou “bem, todos sabem o que queremos
fazer...”

Às vezes, no início de um novo projeto e antes de pensar claramente nos


seus objetivos, o grupo é levado pelo entusiasmo. Por essa razão, o autor nos
forneceria mais algumas estratégias que garantissem a determinação dos fins e
objetivos:

 dar tempo ao grupo para estudá-los;

 explorar e discutir as ideias, interesses e necessidades dos membros do


grupo;

 garantir o consenso nas ideias, áreas de interesse e necessidades sobre as


quais serão formulados os fins e objetivos do grupo;

 formular exposições que sigam explicitamente as três condições necessá-


rias para montar uma boa designação desses fins e objetivos;

 assegurar o conhecimento e a aceitação comum dos membros do grupo.

O grau em que os motivos e fins dos membros do grupo estão incorporados


aos fins e objetivos grupais, influencia diretamente a fidelidade e a participação
dos membros no programa e atividade da organização.

Enfim, todo o programa de gestão escolar está estrategicamente formulado


para garantir o máximo de eficiência de todos os membros do grupo escolar,
divididos em suas áreas de ação. Como se fôssemos máquinas, Skinner sugere
uma configuração ótima para os nossos comportamentos, não levando em
consideração sentimentos, emoções, desejos e conflitos que inevitavelmente
surgem nas relações interpessoais. Os objetivos institucionais ganham estatuto
de entidades poderosas, que pairam sobre nossas cabeças, e tal qual os deuses
do Olimpo grego determinam nossas ações e comportamentos. Como os deuses
são, às vezes, generosos, nos premiam (reforços positivos) ao longo da trajetó-
ria de execução do projeto. O risco que se corre com esse modelo de gestão é
a centralização de objetivos e fins do projeto escolar nas mãos do gestor que,
“com a faca e o queijo nas mãos”, pode liderar autoritariamente todo o projeto
71
Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar: Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise

institucional, distribuindo tarefas para os diferentes subgrupos que compõem o


universo de cada escola. Na Teoria de Campo, proposta por Kurt Lewin, o grupo
e as pessoas são pensados de outra forma.

A Teoria de Campo: Kurt Lewin


Em seus trinta anos de atividade profissional, Lewin dedicou-se à área am-
plamente definida da motivação humana. Suas pesquisas enfatizaram o “estudo
do comportamento humano em seu contexto físico e social total” (LEWIN, 1936,
1939).

A característica notável da psicologia social de Lewin é a dinâmica de grupo,


a aplicação de conceitos relativos ao comportamento individual e grupal. Assim
como o indivíduo e o seu ambiente formam um campo psicológico, também o
grupo e seu ambiente compõem um campo social. Os comportamentos sociais
ocorrem no interior de entidades sociais simultaneamente existentes, como sub-
grupos, membros de grupos, barreiras e canais de comunicação, e delas resul-
tam. Assim, o comportamento do grupo é uma função do campo total existente
em qualquer momento dado.

Lewin foi também fundamental na promoção do treinamento da sensibi-


lidade, que tem sido aplicado em muitas situações no campo da educação e
no mundo dos negócios para reduzir os conflitos intergrupais e desenvolver o
potencial individual. Seus grupos de treinamento da sensibilidade (grupos T)
formam o começo do movimento mais tarde popularizado pelos grupos de en-
contro. Vejamos agora como Lewin caracteriza a estrutura, organização e o fun-
cionamento dos grupos.

Estrutura
Define-se pelo padrão de relacionamento interno do grupo e seu arranjo ou
desenho e representa a maneira pela qual as pessoas – e seus papéis – podem
estabelecer esse relacionamento no plano formal e informal.

Sabe-se que tanto o tamanho dos grupos organizacionais, bem como sua ri-
gidez hierárquica podem dificultar o relacionamento interno. Da mesma forma,
a ausência de uma estrutura interna, ou mesmo a total informalidade num grupo
podem atrapalhar a administração dos próprios limites pessoais.

72
Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar: Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise

Características pessoais dos membros


As pessoas levam o seu universo pessoal ao grupo, composto pelas caracte-
rísticas de personalidade, vivências pessoais e experiência profissional. Por isso,
Lewin afirmava que o resultado de um grupo representava um todo totalmen-
te diferente do que a soma de suas partes. Ao se encontrarem numa situação
grupal, os indivíduos reagirão diferentemente em função deste background, e
é sobre estas características, focadas num processo de interação, que as ações e
reações individuais influirão e serão influenciadas pelo grupo. Em função disso,
constatamos que indivíduos com uma estrutura de personalidade comprometi-
da, apresentam sérias dificuldades de se inserirem num grupo. Da mesma manei-
ra, só que não com a mesma intensidade, pessoas que compõem grupos minori-
tários socialmente discriminados, também apresentam dificuldades de inserção.
Ao trabalhar com um grupo, um coordenador deve levar em consideração estas
características pessoais dos membros de grupo, sejam elas características de
personalidade, características físicas, econômico-sociais ou profissionais.

Composição do grupo
Uma vez observadas as características pessoais dos membros de um grupo,
outra variável decorrente desta é a de como se comporá este grupo. A composi-
ção está diretamente relacionada com as variáveis homogeneidade e hetero-
geneidade. A experiência mostra que grupos homogêneos apresentam maior
dificuldade de troca na inter-relação, enquanto os grupos mais heterogêneos,
pela própria diversidade, apresentam maior dificuldade em seu funcionamen-
to, porém o processo de crescimento torna-se mais eficaz em função das trocas
interpessoais.

Objetivos
A existência de um grupo ou de uma equipe deve ser fundamentada numa
razão de ser que justifique a sua própria existência. Essa razão de ser é deno-
minada: objetivos. A definição clara dos objetivos de um grupo, por si só, não
garante o seu sucesso. Ao trabalhar com o desenvolvimento de grupos, deve-se
ter o entendimento aprofundado de como os objetivos grupais estão em inte-
ração com os motivos e objetivos individuais dos membros de grupo. Quando
os motivos que levam os indivíduos a fazerem parte de um grupo são muito

73
Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar: Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise

discrepantes entre si, o campo de força grupal tende a assumir um vetor nega-
tivo, gerando insatisfações, angústias, possibilidades de estresse e, até mesmo,
estimulando o baixo comprometimento dos participantes. Por outro lado, os
objetivos individuais e grupais podem sofrer alterações ao longo do processo
do grupo. Dessa maneira, é necessária a revisão constante desses objetivos, por
meio de acompanhamento sistemático, no sentido de redirecionar os interesses
coletivos, de maneira a atender não só os motivos individuais, como também a
proposta coletiva.

Estilo de liderança
A liderança exerce papel fundamental no processo de produção do grupo
podendo ser de natureza formal ou informal. As equipes de trabalho apresen-
tam, inevitavelmente, lideranças formais, geralmente delegadas em função da
estrutura organizacional. O que se pretende, ao desenvolver grupos, é verificar
em que grau a efetividade da liderança impacta a tarefa do grupo e, quanto o
grupo absorve e aceita a liderança formal. Por outro lado, sabe-se que, durante
o seu processo, o grupo abre espaço para emergirem lideranças que terão um
papel de canalizador das tensões grupais. Estas lideranças podem estar voltadas
para o plano da tarefa ou da emoção. Ou seja, ao encontrar-se com dificuldades
de soluções de problemas ou de realizações de ações concretas, poderão emer-
gir, do grupo, pessoas com maior facilidade de lidar com esta área e que auxi-
liarão o grupo na transposição desta dificuldade. Da mesma forma, no plano da
emoção, o grupo apresenta o mesmo procedimento, autorizando em um plano
pré-consciente alguns membros a assumirem uma liderança momentânea, no
sentido de facilitar o processo de trocas emocionais dentro do grupo.

Rede de comunicações
O processo de comunicação reflete como o grupo está estruturado e como
os papéis, assumidos pelos participantes, atuam a serviço da manutenção ou da
mudança destes padrões. A meta final no desenvolvimento de grupos é propi-
ciar condições para que se atinja um nível de comunicação autêntica entre os
participantes e isso inclui lidar com diferenças e conflitos, até que se atinja um
nível de comunicação que atenda as expectativas do grupo.

Usualmente, o padrão de comunicação existente é o verbal e, por meio dele,


o coordenador de grupo encontra uma porta de entrada para trabalhar com

74
Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar: Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise

outros níveis de comunicação, como o corporal e a comunicação verbal infor-


mal. Para isso, o ponto fundamental no trabalho de grupo é atentar para o que
se chama de metacomunicação, ou seja: estar atento à comunicação que não
é falada, mas é sentida e está presente no clima do grupo. Um grupo que não
apresenta espaço interno para que seus participantes possam ser autênticos e se
comunicarem em todos os níveis, tem alta incidência de redes informais e para-
lelas externas ao grupo, esvaziando com isso sua força interna e a predisposição
dos participantes de interagirem.

Papéis funcionais
Quintana (1988), expande a abordagem proposta por Lewin contribuindo
com a teoria dos papéis, acrescentando que “o homem é um ser social e por isso
atua em forma de conduta, na coletividade, desempenhando papéis impostos
e outros escolhidos que se acham limitados pelas normas de funcionamento de
um grupo”. Portanto, segundo Quintana, “um papel é uma exigência social de
conduta organizada”. Desta forma, ao trabalhar com grupos, deve-se conside-
rar fundamentalmente que papéis os participantes estão assumindo e como o
grupo lida com os papéis formais e informais na relação interpessoal. O que se
observa, no entanto, é que a saúde mental de um grupo reside no fato dele ser
capaz de intercambiar papéis entre os membros, tornando possível o fluxo de
experiências e trocas no interior do grupo. Portanto, um grupo onde as pessoas
assumem papéis rígidos, sejam eles formais ou informais, tende a ser um grupo
com alto nível de conflito e pouca troca. O trabalho com grupos auxilia os par-
ticipantes a exercitarem novos papéis e/ou reverem papéis atuais, no sentido
de avaliar o quanto estes papéis facilitam ou dificultam o desenvolvimento do
próprio grupo.

Códigos, normas e valores


Os participantes de grupo tendem a se associar ou escolher companheiros
que compartilhem seus valores. Sempre que um grupo se forma, as pessoas logo
aprendem que devem enquadrar-se em padrões de funcionamento estabeleci-
dos para atender as finalidades do grupo. As normas são obedecidas por meio
de processos de identificação, incorporação, aprendizado, sanções e controles.
Se uma pessoa deseja continuar a pertencer ao grupo enquadra-se, ou pelo
menos se comporta como se estivesse dentro das normas, a menos que seja
aceita como divergente ou inovadora. As normas e códigos têm a função de pro-
75
Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar: Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise

teger o grupo quanto às variáveis externas e internas que possam vir a ameaçar
o seu funcionamento, seja este funcionamento saudável ou não.

Cultura
Segundo Schein (1986), cultura é “um padrão de pressupostos básicos, inven-
tados, descobertos, ou desenvolvidos por um determinado grupo à medida que
ele aprende a lidar com seus problemas de adaptação externa e integração inter-
na”. Portanto, todo grupo formará, a partir dos códigos implícitos e explícitos, pa-
drões de comportamento que formarão e sustentarão sua cultura. Desta forma,
uma Organização conterá as diversas culturas dos grupos por ela formada.

Clima
Refere-se à atmosfera do espírito do grupo, resultante da cultura, e que
denota a maneira de sentir e de agir das pessoas. Mailhiot (1985) aponta que o
fator preponderante no processo de mudança grupal e organizacional, está rela-
cionado ao clima do grupo dominante. Considera, ainda, que os grupos podem
ser caracterizados, em função do seu clima, como grupos conformistas e grupos
não conformistas. Por conformistas, entende-se aqueles grupos que não acei-
tam qualquer tipo de mudança e que assumem atitudes contrárias às mesmas.
Isto pode ocorrer de maneira consciente ou inconsciente. Estes grupos oferecem
grande foco de resistência, que pode inviabilizar um processo de mudança, caso
haja um predomínio destes grupos nas organizações, ou ainda que não tenha o
predomínio, se for o grupo que concentre poder decisório.

Já os grupos não conformistas, segundo Mailhiot, se caracterizam pelo desejo


de mudança e a consciência de que tal processo deva ocorrer pelo grupo, com
vistas a modificações que tragam gratificação e desenvolvimento para as pesso-
as, para os grupos e para a organização em que estão inseridos.

O referencial psicanalítico
Os grupos ou equipes, ao interagirem, inserem em si uma ou várias razões
que justificam sua existência. Portanto, sempre haverá, no plano da ação dos
mesmos, atitudes relacionadas diretamente com o plano da tarefa para a qual o

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Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar: Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise

grupo se volta no momento e o plano da emoção, referindo-se a todos os senti-


mentos que norteiam a execução dos objetivos e/ou tarefas.

Bion, ao formular a teoria dos supostos básicos, apresentou também a moda-


lidade trabalho-tarefa. Esta modalidade remete à maneira racional e consciente
do grupo buscar soluções para suas dificuldades. É no plano da emoção, porém,
que os grupos se defrontam com as suas maiores dificuldades, e os reflexos disto
recaem sobre o plano da tarefa, impedindo, muitas vezes, sua evolução. É nesse
plano que se inserem as necessidades interpessoais acima citadas e, é também
o plano da emoção que baliza os movimentos do grupo quanto à sua fase de
desenvolvimento.

Na prática, esse fenômeno se refere àquelas instituições que possuem os técni-


cos e executivos mais brilhantes em suas equipes, e ainda assim, o resultado não
flui. A competência interpessoal e a habilidade de trabalhar em grupo estão di-
retamente relacionadas com o aspecto de como os indivíduos e os grupos lidam
com sua área da emoção e de como a mesma impacta o plano da execução das
tarefas.

Objetivos do grupo e motivação individual


Por trás do que o sujeito diz e considera importante estão o seu sistema de
valores e suas atitudes. Esses valores e motivações variam de pessoa para pessoa.
Quando estas trabalham em conjunto, como um grupo, precisa haver certa uni-
dade de interesses, objetivos e propósitos, necessariamente definidos, para que
consigam explorar seus interesses e problemas individuais – base comum sobre
a qual repousa o trabalho coletivo. Pessoas com expectativas, capacidades e for-
mações diferentes encontram dificuldade para se transformarem em um grupo
de funcionamento suave.

As características básicas das finalidades dos grupos e dos indivíduos não


são fundamentalmente diferentes. As atividades são motivadas pelas necessida-
des e orientadas para os objetivos. Os objetivos dirigem o comportamento dos
membros, impulsionando-os para certas tarefas particularizadas. Assim é impor-
tante reconhecer que os objetivos do grupo podem ser fontes de real influência
sobre os membros.

Depois que o objetivo particular do grupo tenha sido fixado, espera-se que os
membros “bons” trabalhem para a sua consecução, mesmo quando não tenham

77
Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar: Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise

sido aceitos aqueles que tinham preferido. São eles, em geral, influenciados de
diversas maneiras pelos objetivos do grupo. A intensidade desta influência varia
de membro para membro e de objetivo para objetivo. Quando todos, ou a maio-
ria, possuem os mesmos objetivos, é quase certo que estes se tornarão os do
grupo e que será feito um esforço conjunto para realizá-los. É evidente que os
objetivos grupais devem estar intimamente relacionados com os interesses e
necessidades dos membros. A mútua manifestação e a identificação dos interes-
ses e necessidades dos membros estabelece a base verdadeira para a formação
do grupo e a formulação de seus fins e objetivos.

Os membros que mais aceitam os objetivos do grupo são os que demonstram


maiores impulsos e motivações; os que meramente os aceitam estão menos mo-
tivados; aqueles que os rejeitam preocupam-se apenas com interesses e obje-
tivos particulares. Há casos em que poucos conhecem e compreendem os ob-
jetivos do grupo. Se estes não forem totalmente aceitos pelos membros, não
concorrem para impulsionar as atividades que levam à sua realização criando, ao
contrário, baixo nível de motivação, fraca coordenação de esforços e incidência
relativamente alta de comportamento egoístico.

Objetivos de longo e curto prazos


A maioria dos grupos precisa de fins e objetivos de longo prazo para orien-
tar as suas atividades. Esses fins são expressos de maneira mais geral que os de
curto prazo. Dentro da estrutura dos objetivos finais deve haver, entretanto, ob-
jetivos intermediários e imediatos. Para a eficiente planificação de um programa
é importante que sejam estabelecidos os objetivos de uma reunião específica
ou, até mesmo, de parte dela. Os objetivos de curto prazo e intermediários pre-
cisam harmonizar-se com os de longo prazo, estar logicamente relacionados e
integrados entre si, para permitir paulatino progresso na direção dos objetivos
longínquos.

Todos os grupos precisam de objetivos imediatos específicos e exequíveis. A


consecução de qualquer objetivo resulta numa sensação de bem-estar e satis-
fação, ajuda os grupos a prosseguir de maneira organizada nos seus propósitos,
assegurando as realizações e identificando os dados que permitirão a respectiva
avaliação.

78
Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar: Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise

Tipos de objetivos
É útil conhecer a classificação dos objetivos em vários tipos. No ensino, têm
sido agrupados pela passagem dos anos letivos e a formatura. Ao considerarmos
os objetivos dos grupos e seus membros, é sempre bom classificá-los pela forma
agora estudada.

Papéis e lideranças
Qualquer grupo cria, desde o seu inconsciente grupal, um sistema de papéis.
Quando, por um exercício de memória, por exemplo, nos lembramos de qual-
quer de nossas diversas turmas de colegas de escola, sempre houve alunos que
assumiram e se destacaram ora no papel de “puxa-saco”, ora no de alvo de “goza-
ção”, ou no de “geniozinho”, ou de “burro”, ou de “líder”, e assim por diante, sendo
que a imagem que guardamos do grupo de professores também está pautada
nesse mesmo nível.

Assim, há sempre, em qualquer grupo, um permanente jogo de adjudicação


e de assunção de papéis. Um indicador de que está havendo uma boa evolução
grupal é percebermos que os papéis deixaram de ser fixos e estereotipados e ad-
quiriram uma plasticidade intercambiável. À medida que os papéis forem sendo
reconhecidos, assumidos e modificados, as pessoas foram adquirindo um senso
de sua própria identidade, assim como uma diferenciação com os outros.

A experiência com grupos comprova que os papéis que mais comumente


costumam ser adjudicados e assumidos pelos seus membros são os seguintes:

 Bode expiatório: toda a “maldade” do grupo fica depositada em uma pes-


soa que, se tiver uma tendência prévia, servirá como depositário, até vir a
ser expulsa, o que, aliás, é comum. Nesses casos, o grupo sairá em busca
de um novo “bode”. Decorre daí a enorme importância de que o gestor
reconheça e saiba manejar tais situações. Também é comum que o grupo
crie um bode expiatório sob a forma de um “bobo da corte” que diverte a
todos e que, por isso, o grupo faz questão de conservá-lo.

 Porta-voz: cabe ao portador deste papel mostrar mais manifestamente


aquilo que o restante do grupo pode estar, latentemente, pensando ou
sentindo. A comunicação do porta-voz não é feita somente por meio da

79
Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar: Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise

oralidade (reivindicações, protestos, verbalização de emoções etc.), mas


também por meio da linguagem extraverbal das dramatizações, silêncios,
actings etc.

 Contestador: nesses casos, é imprescindível que o gestor (da mesma for-


ma que os pais, numa família e os professores numa sala de aula) saiba dis-
criminar quando a contestação é sistematicamente obstrutiva, ou quando
mostra-se necessária, corajosa e construtiva.

 Radar: geralmente esse papel cabe ao indivíduo mais regressivo do gru-


po. Ele capta os primeiros sinais das ansiedades que estão emergindo.
Esse papel também é conhecido como caixa de ressonância: por não ter
condições de poder processar simbolicamente o que captou, este mem-
bro do grupo expressa essas ansiedades em sua própria pessoa por meio
de somatizações, abandono do grupo, ou de crises explosivas etc.

 Instigador: apesar de não se encontrar na literatura uma referência explí-


cita a este papel, ele é muito comum e importante nos grupos. Sua função
consiste em provocar uma perturbação no campo grupal, por exemplo,
por meio de um jogo de intrigas, mobilizando os outros.

 Atuador pelos demais: consiste no fato de a totalidade do grupo dele-


gar a um determinado indivíduo a função de executar aquilo que lhes
é proibido como, por exemplo, infidelidade conjugal, aventuras teme-
rárias, hábitos extravagantes, sedução ao gestor etc. Em tais casos, o
restante do grupo costuma emitir dupla mensagem: subjacente à bar-
ragem de críticas que eles dirigem às “loucuras” desse membro, pode-se
perceber um disfarçado estímulo e uma admiração pelo executor dos
desejos proibidos.

 Sabotador: por meio de inúmeras estratégias de resistência, procura


obstaculizar o andamento da tarefa grupal. Em geral, o papel é assumido
pelo sujeito que é portador de uma excessiva inveja e defesas narcisís-
ticas.

 Vestal: da mesma forma como é regra nas instituições, também nos pe-
quenos grupos é muito comum que alguém assuma o papel de zelar pela
manutenção da moral e dos bons costumes. A tão conhecida figura do “pa-
trulheiro ideológico” que obstrui qualquer movimento no sentido de uma
criatividade inovadora, é um bom exemplo desse papel. Há um sério risco,
bastante frequente, de que o papel seja assumido pelo próprio gestor.

80
Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar: Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise

 Líder: o papel de líder surge em dois planos: um é o que, naturalmente,


foi concedido ao gestor. Outro é o que surge, espontaneamente, entre os
membros do grupo. Nesse caso, a liderança adquire matizes muito dife-
renciados, desde os líderes construtivos, que exercem o importante papel
de integradores e de construtores do espírito de corpo, até os líderes ne-
gativos, nos quais prevalece um excessivo narcisismo destrutivo.

Atividade
Ao tomar posse dos conceitos psicológicos que compõem as teorias de gru-
pos, em qual desses modelos de organizações grupais você pode se identifi-
car? Por quê?

81
Teorias psicológicas aplicadas à Gestão Escolar: Behaviorismo, Teoria de Campo e Psicanálise

Referências
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York: McGraw-Hill, 1961.

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MAIA, Graziela Z. A. (Org.). Administração e Supervisão Escolar: questões para


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SKINNER, B.F. Science and Human Behavior. Nova York: Macmillan, 1953.

______. Verbal Behavior. Nova York: Appleton, 1957.

82
Vídeo
Liderança, Recursos Humanos e
Gestão Escolar

[...] Do mesmo modo que um pintor que desenha uma paisagem, de baixo observa o
contorno das montanhas e de tudo o que está no alto, enquanto do alto observa tudo o
que está embaixo, da mesma forma, para conhecer bem a natureza do povo, é necessário
ser príncipe, para conhecer a natureza do príncipe, é necessário pertencer ao povo.

(Maquiavel, 1999, p. 10)

Nada melhor, para começarmos a nossa aula, que a citação de uma


obra que é considerada clássica para os estudos sobre liderança: O Prínci-
pe. Escrito em 1513, compõe-se de uma série de escritos para um jovem
príncipe – Lourenço de Médicis – ensinando-o a manter o poder e o con-
trole sobre o seu Estado. O autor conjuga conselhos sobre como agir com
sutileza, dureza, astúcia e até crueldade, definindo variadas nuances da
liderança.

Se afirmarmos que o gestor escolar exerce uma liderança, certamente


estaremos sendo repetitivos. Quando nos debruçamos sobre o assunto,
no entanto, ele se apresenta bastante mais complexo e atraente para o
nosso estudo.

O termo liderança é utilizado, normalmente, com três significados


diferentes:

a) Atributo de uma posição – trata-se da liderança hierárquica em


que, dependendo da posição que o indivíduo ocupa na escala hie-
rárquica, tem maior ou menor “dose” ou quantidade de liderança.
Assim, o fato de ser “diretor” dá ao educador o direito de exercer
uma determinada forma de poder ou liderança sobre o grupo que
transita na escola.

b) Conjunto de características de uma pessoa – refere-se às caracte-


rísticas de personalidade que tornam uma pessoa mais apta a exer-
cer a liderança. Algumas delas, comumente detectadas, são fluên-
cia, simpatia, assertividade, senso de justiça, equilíbrio emocional,
entre outras.

85
Liderança, Recursos Humanos e Gestão Escolar

c) Categoria de conduta – consiste em um conjunto de fatores, específicos


para a situação em que a liderança é exercida. Este conjunto de caracte-
rísticas pode ser desenvolvido por meio de treinamentos (é comum ouvir-
mos falar em “treinamentos para a formação de líderes”).

Nunca foram tão importantes os chamados “atributos de liderança” como no


momento em que vivemos, em um ambiente em acelerada mudança. Este con-
junto é muitas vezes chamado de “poder de influência”.

Seguindo Katz e Kahn (1976, p. 343), a definição de liderança é geralmente


relacionada ao exercício de influência ou poder social, e afirmam: “considera-
mos a essência da liderança organizacional como o incremento influencial além
e acima do cumprimento mecânico das diretivas rotineiras da organização. Tal
incremento influencial decorre do fato de que os seres humanos, ao invés de
computadores, é que se acham em posições de autoridade e poder”.

A influência é uma força psicológica, uma decorrência da interação entre pes-


soas, em que uma age de maneira a modificar o comportamento das outras, de
maneira intencional.

Ela envolve três conceitos correlatos:


 Controle – Se uma pessoa possui controle sobre outra, a influência é su-
ficientemente forte para que o ciclo de mudança de comportamento seja
completado, vencendo resistências ou influências em sentido diferente.
 Poder – É a capacidade potencial para o exercício da influência, em sen-
tido mais geral, não dizendo respeito a atos pontuais, como no caso do
controle.
 Autoridade – Trata-se de poder legítimo, poder que uma pessoa tem em
virtude do seu papel, da sua posição hierárquica; é o poder legal e social-
mente aceito.

Voltando à questão da influência, podemos afirmar que existem quatro tipos


de poder social que um líder pode exercer sobre o grupo e vamos exemplificá-
los em relação à atuação do gestor escolar.

Tipo de Poder
Caracterização Exemplo
Social
É a capacidade de reforçar positi- Este poder social é muito comum
vamente ou punir os membros do em instituições em que predomina
De recompensa e
grupo, de acordo com a desabilida- a liderança autoritária, e em que o
coação
de ou não do comportamento que gestor é tido como alguém acima
apresentem. dos demais membros do grupo.

86
Liderança, Recursos Humanos e Gestão Escolar

Tipo de Poder
Caracterização Exemplo
Social
É aquele que emana de valores in- Bastante validado em grupos mais
ternalizados pelo grupo (aceitação conservadores, ou onde a eleição
Legítimo
da hierarquia e da liderança por ela do diretor da escola é realizada e
determinada, por exemplo). bem aceita.
Acontece quando a liderança está
vinculada a um complexo de rela-
Vem da identificação de membros ções interpessoais (grupo informal
De referência do grupo com o líder, da interação da organizaçtão). É a situação do
entre pessoas. diretor “gostado” pela comunidade
escolar, que se identifica positiva-
mente com ele.
Marcante nas situações em que o
Fundamentado na percepção que
gestor é reconhecido, pelo grupo,
De especialista ou o grupo tem em relação ao conhe-
como um educador experiente e
de competência cimento, à competência, à perícia
competente, uma referência nesta
do líder.
área de conhecimento.

Estas modalidades de poder social não ocorrem isoladamente, de forma al-


ternativa, mas podem coexistir em um mesmo gestor escolar. Ele pode acumu-
lar – o que é bastante desejável – o poder que lhe é outorgado pela hierarquia,
com o que é referendado pelo afeto e com o da sua reconhecida competência
profissional, por exemplo.

Já podemos conceituar líder, portanto, como aquele que dirige, influencia,


coordena, desperta a motivação de um grupo, contando com a participação es-
pontânea do mesmo.

Também já sabemos que o chefe – muitas vezes nomeado e imposto – não é


obrigatoriamente um líder. Segundo Williams (1972, p. 93):
Evidentemente, a liderança é baseada na autoridade, porém não são necessariamente a
autoridade de status e aquela do cargo que possibilitam a um homem realmente liderar. É
possível respeitar um título e, ao mesmo tempo, desprezar seu titular, ainda que faça tudo o
que ele nos ordenar.

Vejamos, agora, quatro formulações importantes sobre liderança e autorida-


de, feita por psicanalistas.

O primeiro deles é Erich Fromm, que considera a existência de duas moda-


lidades de autoridade: a racional ou estimulante e a irracional ou inibidora. O
que as distingue claramente são os métodos e objetivos. Na autoridade racional
os interesses entre as pessoas que se relacionam são os mesmos, enquanto nas
relações de autoridade inibidora os interesses são contrários, antagônicos. Na
autoridade racional, a superioridade serve como auxílio à pessoa sujeita a esta

87
Liderança, Recursos Humanos e Gestão Escolar

autoridade. Na autoridade inibidor, a superioridade de um é condicionada à infe-


rioridade do outro, não existindo objetivos iguais, nem direções convergentes.

Na relação interpessoal também há diversidade: na autoridade racional ela


está baseada no aprendizado superior, em busca de uma igualdade futura, na ine-
xistência de parâmetros diferenciados. Na autoridade inibidora, a distância entre
quem comanda e quem é comandado vai aumentando ao longo da sua duração.

Na autoridade racional, o que se tem de primordial é a identificação com o


outro, a essência da relação se baseia no amor, gratidão e admiração. O ser humano
busca ao outro como seu referencial, seja ele em algum perfil ou no seu todo.

Na autoridade inibidora a essência dos sentimentos desencadeados é a de


hostilidade e ressentimento. O liderado percebe os seus interesses como anta-
gônicos aos do líder.

A análise psicológica de Erich Fromm supera a dimensão individual, cons-


truindo uma “teia” histórica e social, contextualizada e crítica.

Fromm não foi o único psicanalista preocupado com liderança. Freud, Bion e
Pichon-Rivière também desenvolveram estudos sobre o assunto.

Freud, em seu importante trabalho de 1921, Psicologia das Massas e Análise


do Ego (1981), descreveu o processamento de três tipos de formação de lideran-
ças: em turbas primitivas, na igreja e no exército.

Freud evidenciou a possibilidade de um sujeito vir a perder a sua identidade


individual, sempre que estiver absorvido por uma massa, perdendo os referen-
ciais de seus princípios e valores habituais para seguir aqueles ditados pela lide-
rança, de características carismáticas.

Na Igreja temos uma liderança que se processa por meio do fenômeno in-
trojetivo, ou seja, todos os fiéis incorporam a figura de um mesmo líder abstra-
to, formando-se uma identificação generalizada. Isso mantém a unificação de
todos os fiéis. Quanto ao exército, Freud mostrou que a liderança se processa
por meio da projeção, na pessoa do comandante, das aspirações e ideais dos
comandados.

Outro psicanalista é o inglês Bion, que afirma que todo o grupo tem necessi-
dade implícita de uma liderança, que emerge do grupo. Ele descreve três tipos
de inconsciente grupal:

88
Liderança, Recursos Humanos e Gestão Escolar

 de dependência, em que o grupo se reúne à espera de ser sustentado por


um líder, de quem depende para a sua alimentação material, espiritual e
proteção (neste caso, o líder tem natureza carismática);

 de luta e fuga, em que o grupo está reunido para lutar contra algo ou dele
fugir (líder terá características caudilhescas);

 de acasalamento (pairing), em que existe no grupo uma espécie de “es-


perança”, de que acontecimentos futuros (casamento, nascimento de fi-
lhos, chegada de novos membros) salvarão a todos das suas dificuldades
e incapacidades.

O terceiro autor da Psicanálise é o argentino Pichon-Rivière, criador do con-


ceito de “grupos operativos”. Ele fala de quatro tipos de liderança: autocrática,
democrática, laissez-faire, demagógica.

 Autocrática, habitualmente exercida por pessoas de características ob-


sessivo-narcisistas e própria de grupos compostos por pessoas inseguras,
que não sabem usar de modo pleno a sua liberdade.

 Democrática, que implica uma hierarquia, com a definição de papéis e


funções, em reconhecimento dos limites e das limitações de cada um.

 Laissez-faire, que nos remete a um estado de negligência, sendo o seu


maior risco a falta de um limite para as angústias, dúvidas e inseguranças,
acarretando o risco de desagregação do próprio grupo.

 Demagógica, em que o líder tem uma caracterização do tipo “falso self”,


e a sua ideologia é construída mais sobre frases retóricas e promessas de
impacto, do que de ações reais. Isso provoca decepções e desânimo por
parte dos liderados.

É necessário que, dando continuidade a nossa aula, voltemos à ideia de que


a liderança não é patrimônio de uma única pessoa, ou está situada em um único
escalão institucional.

É interessante apresentar a vocês uma adaptação do quadro mostrado por


Katz e Kahn (1976, p. 354). Nele os autores mostram os tipos de liderança, de
acordo com o escalão hierárquico em que se situam, e as capacidades ou com-
petências necessárias ao exercício da mesma.

89
Liderança, Recursos Humanos e Gestão Escolar

Capacidades e Perícias
Tipos e processos Nível organizacio-
de liderança nal apropriado
Cognitivas Afetivas
Originação: mudança, Escalões da cúpula da Perspectivas de siste- Carisma.
criação e eliminação instituição. ma.
de estruturas, formu-
lação de políticas.
Interpolação: suple- Níveis intermediários Perspectivas de sub- Perícia de relações hu-
mentação e prolonga- da hierarquia. sistema (orientação manas.
mento da estrutura. de duas vias, entre o
nível superior da hie-
rarquia).
Administração: uso da Níveis mais baixos. Conhecimento técni- Interesse pela igual-
estrutura existente. co e compreensão de dade no uso de re-
sistema de regras. compensas e sanções.

Isso nos leva a aprofundar as funções do líder, e vamos buscar a mais completa
abordagem deste ponto, feita por Krech e Crutchfield (1961). Estes autores falam
de treze funções da liderança, que achamos importante que vocês conheçam:

 Coordenar as atividades do grupo, atuando de forma centralizadora.

 Planejar buscando, individual e coletivamente, as melhores formas de al-


cance dos objetivos do grupo.

 Definir políticas, sempre que possível de forma participativa com o grupo.

 Atuar como especialista, utilizando conhecimentos específicos da sua


função.

 Representar externamente o grupo, tornando-o “visível” e comunican-


do-se com outros grupos.

 Controlar as relações internas, com a finalidade de promover um clima


grupal propiciador à consecução dos objetivos do grupo.

 Distribuir recompensas e sanções, considerando-se que elas são de di-


versas naturezas, materiais e não materiais.

 Servir como exemplo do grupo, já que ele é tomado como modelo pelos
seus membros.

 Simbolizar o grupo, representando-o, como já dissemos, e conservando--


-lhe a unidade.

90
Liderança, Recursos Humanos e Gestão Escolar

 Substituir certas responsabilidades individuais, que lhe são investidas


pelo grupo.

 Definir a ideologia grupal, constituindo-se em fonte de valores, crenças


e normas.

 Substituir a figura paterna, centrando em si identificações, transferên-


cias dos membros do grupo.

 Constituir-se em “bode expiatório” (scapegoat), pois o grupo canaliza


para ele, além dos sentimentos positivos, desilusões e frustrações.

Embora seja muito complicado afirmar que há “tipos de liderança”, existe um


estudo clássico, realizado por White e Lippitt (1960), sobre o que chamaram de
“atmosferas sociais”.

O quadro que se segue, adaptado por Aguiar (1989, p. 202), ilustra bem estas
três atmosferas ou climas de liderança.

(Adaptado de Ralph White e Ronald Lippitt, Autocracy and Demo-


cracy. Harper & Row, Publishers, Incorporated, 1960, p. 26-27)
Autoritária Democrática Laissez-faire
A fixação das diretrizes cabe Todas as diretrizes são objeto Liberdade completa para as
unicamente ao líder. de debate e decisão do grupo, decisões grupais ou individuais
estimulado e assistido pelo com participação mínima do
líder. líder.
As técnicas e as providências A atividade ganha novas pers- A única participação do líder
para o serviço são determina- pectivas durante o período do debate sobre o trabalho é
das pela autoridade, uma por de debates. Esboçam-se pro- apresentar ao grupo materiais
vez, de maneira que em gran- vidências gerais para atingir variados e deixar claro que
de parte as medidas por vir o alvo do grupo e, quando há poderá fornecer informações,
são sempre imprevisíveis. necessidade de aconselha- quando solicitadas.
mento técnico, o líder sugere
duas ou mais alternativas para
o grupo escolher.
Habitualmente, o líder deter- Os membros têm a liberdade Absoluta falta de participação
mina qual é a tarefa a ser exe- de trabalhar com quem quiser do líder.
cutada por cada membro, e o e a divisão das tarefas é deixa-
companheiro que lhe cabe. da ao grupo.
O líder inclina-se a ser “pesso- O líder é “objetivo” e limita-se Comentários espontâneos e
al” nos elogios e críticas ao tra- aos “fatos” em suas críticas e irrgulares do líder sobre as
balho de cada membro; ele só elogios; procura ser um mem- atividades dos membros, a
não fica fora da participação bro normal do grupo, em es- não ser quando perguntado, e
ativa do grupo quando faz de- pírito, sem encarregar-se de nenhuma tentativa de avaliar
monstrações. muito serviço. ou regular o curso dos aconte-
cimentos.

91
Liderança, Recursos Humanos e Gestão Escolar

Ainda no bojo da discussão sobre a não existência de tipos puros de liderança,


vamos apresentar um quadro, elaborado por Tannenbaum, Weschler & Massarik
(1970, p. 94), que mostra a existência de um continuum do comportamento do
líder, e que ele pode situar-se em diversos pontos da escala, inclusive de acordo
com a situação defrontada.

Uso de autoridade
pelo líder

Área de liberdade
dos subordinados

1 2 3 4 5 6 7

 O líder toma as decisões e apenas as anuncia ao grupo.

 O líder “vende” a decisão, convencendo o grupo a aceitá-la.

 O líder apresenta as suas ideias e solicita que o grupo apresente pergun-


tas.

 O líder apresenta ao grupo um ensaio de deliberação, sujeito a modifica-


ções.

 O líder apresenta o problema a ser resolvido ao grupo, obtendo suges-


tões, e então decide.

 O líder define os limites de cada problema e pede ao grupo que tome a


decisão.

 O líder permite e solicita ao grupo que trabalhem, todas as etapas da solu-


ção dos problemas, atuando como mais um membro do mesmo.

Já afirmamos, anteriormente, que não existem os tão conhecidos “líderes na-


turais”, aqueles que “nasceram com um dom especial”, e têm absoluto domínio
sobre os grupos de que fazem parte. Isso combina melhor com os “heróis”, ou
com líderes eminentemente carismáticos.

Atualmente trabalhamos com o conceito de liderança situacional, que pode


ser ocupada por variados membros do grupo, dependendo da situação a ser en-
frentada. Trata-se, então, de um conjunto de líderes, com uma visão de alcance

92
Liderança, Recursos Humanos e Gestão Escolar

dos objetivos, de realização do que é melhor para o seu grupo. Eles exercem, de
forma rotativa, o papel de coach, mentor, treinador e quaisquer outros, que o
líder possa assumir.

É também uma falácia a afirmação de que pessoas bastante aprimoradas em


sua competência dispensam lideranças. Isso é falso, todos nós necessitamos, em
situações diversas, de diferentes tipos de lideranças.

Daniel Goleman, autor do bestseller Liderança Emocional, afirma, em obra


mais recente (2002, p. 36): “Na situação de coaching executivo, líderes podem
falar sobre assuntos apaixonantes ou penosos – e realmente aprofundar-se em
questões críticas para si mesmos, para suas equipes e para a organização”.

E prossegue, mais adiante, falando do perfil do líder que desenvolveu a sua


inteligência emocional:
Líderes precisam equilibrar aprendizagem – que por definição significa tornar-se vulnerável
– com o gerenciamento da própria imagem enquanto líder. Uma boa forma de fazer isso é
trabalhar com um coach executivo, um relacionamento onde é seguro debater, explorar, buscar
novas soluções e onde líderes têm a oportunidade de falar mais livremente do que jamais
fizeram com qualquer pessoa, sobre seus sonhos, seus desafios, seus negócios. (GOLEMAN et
al., 2002, p. 50)

Finalizando, vale a pena ler o que dizem Micklethwait e Wooldridge (1998,


p. 140), sobre a gestão das organizações de aprendizagem:
No entanto, os problemas dos chefes com as organizações voltadas para o aprendizado não
são apenas problemas do ego. Trazer à tona o que os outros têm de melhor (principalmente
quando se trata de milhares de pessoas) é mais difícil do que apenas absorver informações e
dar comandos. É extremamente difícil definir uma estrutura que estimule a geração de ideias
entre as pessoas e ao mesmo tempo dê à organização um propósito comum. Toda a conversa
atual sobre a importância de atuar como instrutor, e não como um general, tende a fazer vista
grossa para as dificuldades de atuar como instrutor. ‘Gerenciar é como segurar um pombo nas
mãos’ argumentou Tommy Lasorda, dos Los Angeles Dogers. ‘Se o apertamos com muita força,
o matamos. Se abrirmos demais a mão, ele foge.’

Atividades
Observem estes três perfis de líderes, tomando como exemplo o treinador
de futebol, em um momento em que o jogo se apresenta muito difícil para
o seu time. Transfiram essa situação para a situação da gestão da escola, co-
mentem cada atuação e apontem qual dos três será mais bem-sucedido, jus-
tificando a resposta.

93
Liderança, Recursos Humanos e Gestão Escolar

1.º treinador – Chama os jogadores, eles largam a bola e vão até a lateral do
campo, para falar com o treinador. Enquanto isso, o time adversário marca o
gol.

2.º treinador – Já ouviu falar que é importante focar a atenção no cliente.


Assim, quando chama os jogadores para informar a mudança de tática, per-
mite que eles primeiro acabem a jogada e, então, larguem o jogo e se dirijam
até a beirada do campo, para falar com o treinador.

3.º treinador – Entendeu que, para focalizar o cliente, é importante ir mais


fundo, ver o jogador e suas jogadas como mais importante que ele próprio.
Assim, quando o treinador chama os jogadores, estes esperam uma parada
de bola para, só então, ir até a beirada do campo para falar com ele.

94
Liderança, Recursos Humanos e Gestão Escolar

Referências
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dução à psicologia organizacional. São Paulo: Atlas, 1989.

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WILLIAMS, Michel. Relações Humanas. São Paulo: Atlas, 1972.

95
Vídeo

Motivação na instituição escolar

Sem motivação nada se faz na vida . É uma espécie de “tensão” interna


que inicia, dirige e mantém o comportamento orientado para um deter-
minado fim, impedindo-nos de desistir. Quando se trata de associar a ela
sentimentos e estados de espírito, logo aparece uma longa lista: disposi-
ção, envolvimento, persistência, combatividade, disponibilidade, alegria,
paixão...

Em relação a este último sentimento, afirma Gaudencio (1995, p. 148):


“Não conheço sentimento mais rico. A paixão mobiliza todas as pulsões.
Nem o ódio – equiparável a ela em intensidade e carga emocional – é tão
poderoso, porque ele só mobiliza a agressividade.”

Esta tempestade de pulsões tem sua função. Como ponto de partida,


garante a pole position.

É inegável que, quando falamos da realização de qualquer tarefa, a


motivação com que o indivíduo a ela se dedica determina a qualidade
do produto da mesma e a eficiência com que é realizada. Na área da Edu-
cação muitas vezes só nos preocupamos com a motivação do aluno para
a aprendizagem. Preferimos, no entanto, abordar nesta aula o termo de
forma mais ampla.

Freitas (1998, p. 112) afirma que a motivação é a predisposição (fator


interno) com que o indivíduo trabalha (atua). E continua: “Refere-se ao
estado de espírito, às condições psicoemocionais com que enfrenta o tra-
balho no dia a dia.”

O termo motivação tem, portanto, diversos significados. Podemos falar


em motivação para estudar, trabalhar, viajar e sair de férias. Vamos focar
as organizações, entre as quais incluímos a escola, pois nenhuma organi-
zação funciona adequadamente se as pessoas que por ela transitam não
estiverem motivadas.

97
Motivação na instituição escolar

Outras indagações surgem: o que leva realmente as pessoas a estarem moti-


vadas e a serem mais produtivas? Qual a atuação do gestor, em relação à motiva-
ção do seu grupo? Motivação, o que é isso? O que faz com que uma pessoa saia
de casa animada com o dia que tem pela frente e outra se arraste para fora da
cama só pensando em como vai ser duro chegar ao trabalho e em como o tempo
custa a passar quando está lá?

Para ilustrar o sofrimento causado pela baixa motivação, costumo contar o


diálogo que tive, há pouco tempo, com um professor. Ele dizia que, ao acordar
pela manhã, e pensar que iria para a escola trabalhar, lembrava daqueles filmes
de guerra em que os soldados são levados, por um helicóptero, para a frente de
batalha, de onde não sabiam se retornariam com vida.

O que faz com que um local de trabalho seja um lugar estimulante onde se
aprende coisas novas, trabalha-se e o resultado aparece, enquanto o outro é o
purgatório por onde se tem que passar até chegar o bendito fim de semana?

Atualmente, muitas pessoas questionam o fato de que o dinheiro seja o


principal fator de motivação. As pessoas têm sentimentos, desejos e ambições.
Ninguém pode negar que luta pela estabilidade econômica e financeira, mas as
pessoas também se esforçam para alcançar a realização profissional. Talvez isso
seja tão ou mais importante que o pagamento no final do mês, a satisfação do
seu desempenho reconhecido.

Prêmios, aumento de salário, viagens e até distribuição de sorvete, vale para


deixar o funcionário motivado. Ou seria estimulado? Ou seria incentivado a tra-
balhar? São várias as teorias de endomarketing; no entanto, o gestor deve ficar
atento para não confundir incentivo ou estímulo com motivação que, ao contrá-
rio do primeiro, perdura a médio e longo prazos.

Segundo o dicionário Aurélio, estimular é sinônimo de encorajar, animar. Já


motivar é equivalente a despertar o interesse, o entusiasmo.

A motivação é intrínseca ao indivíduo. Quando o empresário distribui brindes


e gratificações não está motivando seus profissionais, mas estimulando-os, in-
centivando-os. Recebido o incentivo, todos são tomados pela euforia, mas esse
efeito logo passa, se a motivação não se estabelecer.

Quando um professor utiliza recursos para despertar o interesse dos alunos,


deve cuidar para que a proposta das atividades seja estruturada de forma a sus-

98
Motivação na instituição escolar

citar e manter a motivação para a aprendizagem, além daquele primeiro mo-


mento. As recompensas intrínsecas ao seu trabalho consistem nas avaliações
subjetivas feitas com relação ao engajamento no trabalho e somente são visíveis
à própria pessoa. Alguns exemplos deste tipo de recompensa são: a chance de
se relacionar com os alunos, a aprendizagem dos mesmos e o crescimento pes-
soal e profissional por meio do ensino.

As recompensas extrínsecas são normalmente associadas com os benefícios


percebidos: salário, status e poder. São definidas pela organização e existem in-
dependentemente do indivíduo que ocupa a função.

Existem recompensas suplementares, que têm uma dimensão objetiva e sub-


jetiva. Embora estejam disponíveis para todos, podem ser percebidas como re-
compensas apenas por alguns indivíduos. Estas recompensas estão associadas
com a segurança no emprego, férias prolongadas, estabilidade no salário etc.

Vamos observar agora algumas das principais abordagens teóricas sobre mo-
tivação, dando um suporte teórico à nossa discussão.

Bergamini (1982) destaca quatro grandes abordagens da motivação humana:

 Teorias cognitivas – concebendo o homem como um ser racional, privi-


legiam o conceito e as manifestações da “vontade”. Isto torna os motivos
humanos diferentes do pensamento e dos outros processos cognitivos.
São as representações do ambiente, internalizadas pelo homem, que o
impelem à ação.

 Teorias hedonistas – afirmam que o comportamento humano é basi-


camente orientado para o prazer, buscando sempre evitar o sofrimento
e a dor. A motivação seria constituída por um conjunto de expectativas
aprendidas ao longo da vida, e que teria por finalidade antecipar reações
emocionais positivas ou negativas.

 Teorias do instinto – influenciadas pelos trabalhos de Darwin, acreditam


que comportamentos mais simples – como os reflexos incondicionados –
são herdados, mas que outros mais complexos – os instintos – objetivam
a preservação da espécie. Freud está neste grupo de teóricos, propondo a
existência de forças internas poderosas (instintos ou pulsões) que deter-
minam o comportamento do homem, mesmo que ele não tenha consci-
ência de que elas existem.

99
Motivação na instituição escolar

 Teoria do impulso – vê a personalidade humana como um reduto de forças


básicas, com energia própria, que determina e orienta o comportamento hu-
mano em uma ou em outra direção. Alguns teóricos ligados a esta corrente
dizem que estes impulsos são sempre orientados para que o homem recu-
pere o estado de equilíbrio, quebrado pelo surgimento das necessidades.

A estas acrescentaríamos uma quinta, a abordagem behaviorista, que enfa-


tiza aprendizagem e afirma que o comportamento humano é motivado pelas
consequências ou efeitos por ele produzidos.

Passemos a apresentar algumas teorias importantes sobre a motivação


humana para refletirmos depois sobre a ação referente a sobre alguns desses
fatores. Entre as muitas teorias da motivação que existem, escolhemos duas:

 a) Classificação dos principais motivos humanos, organizados sob os ob-


jetivos gerais de sobrevivência e segurança, satisfação e estimulação, feita
por Krech.

Sobrevivência e segurança Satisfação e estimulação


Motivos
(motivos de deficiência) (motivos de excesso)
Evitar conflitos e hostilidade interpes- Conseguir amor, identificação positi-
Referentes soal; manter participação, prestígio e va com as pessoas e grupos; ter pra-
às relações status nos grupos; obter cuidado dos zer na companhia de outras pessoas;
com as outras outros; conformar-se aos valores e auxiliar a compreender os outros; ser
pessoas padrões do grupo; conseguir poder independente.
e domínio sobre os outros etc.

Evitar sentimentos de inferioridade Obter sentimentos de autorrespei-


e fracasso na comparação com ou- to e autoconfiança; exprimir-se; ter
Referentes ao tros ou com o eu ideal; evitar perda sentido de realização, sentir-se de-
eu de sentimentos de vergonha, gula, safiado, estabelecer valores morais e
medo, angústia, tristeza etc. outros; descobrir lugar significativo
do eu universo.

Evitar fome, sede, falta de oxigênio, Obter experiências sensoriais agra-


excesso de calor e frio, fadiga, mús- dáveis de gosto, cheiros, sons etc.;
Referentes ao culos supertensos, doenças e outros prazer sexual; conforto físico: exercí-
corpo estados desagradáveis ao corpo. cio dos músculos, movimentos rítmi-
cos do corpo etc.

Evitar objetos perigosos, feios, cho- Obter posses agradáveis; construir


Referentes às cantes e desagradáveis; buscar ob- e inventar objetos; compreender o
relações com o jetos necessários para a segurança ambiente; resolver problemas; jogar,
ambiente e sobrevivência futuras; manter um buscar novidades e mudanças am-
ambiente estável, claro e seguro etc. bientais etc.

100
Motivação na instituição escolar

 b) Hierarquia motivacional, elaborada por Maslow.

Abraham Maslow, psicólogo americano e grande pesquisador de compor-


tamento, propôs – em 1948 – uma Classificação de Motivos ou Hierarquia das
Necessidades mais conhecida como a Pirâmide de Maslow, na qual ele explica
os cinco níveis de necessidades do ser humano.

Segundo o próprio Maslow (1970, p. 53)


A progressão motivacional gera individuação, em que as necessidades básicas são
completamente satisfeitas, uma por uma, antes de surgir na consciência a necessidade
seguinte e mais elevada. Assim o crescimento é visto não só como a satisfação progressiva
de necessidades básicas, até o ponto em que elas desaparecerem, mas também na forma
de motivações específicas do crescimento, além de acima dessas necessidades básicas,
por exemplo, talentos, capacidades, tendências criadoras, potencialidades constitucionais.
Dessa maneira, somos também ajudados a compreender que as necessidades básicas e a
individuação não se contradizem entre si mais do que a infância e a maturidade. Uma pessoa
transita de uma para a outra e a primeira é condição prévia e necessária para a segunda.

Vejamos, então, as necessidades apresentadas por Maslow, em sua pirâmide:

autorrealização

estima

social (afiliação)

segurança

fisiológicos

Segundo a teoria de Maslow, portanto, motivação é interna e não externa; as


necessidades são hierárquicas (seguem uma ordem de prioridade); uma neces-
sidade, uma vez satisfeita, não é mais uma força motivadora; e cada um de nós
ascende nesta hierarquia motivacional, de acordo com o seu ritmo e a sua histó-
ria de vida (pode-se observar que cada pessoa tem um grau de interesse, desejo,
habilidade, aptidão para realizar suas atividades pessoais e profissionais).

101
Motivação na instituição escolar

Vejamos agora as escalas hierárquicas ou segmentos desta “pirâmide”, como


apresentamos no desenho anterior:

 Necessidades fisiológicas: aparecem na base da pirâmide e são básicas


para a sobrevivência (alimento, repouso, reprodução). As organizações
procuram satisfazer essa necessidade oferecendo: refeições, horários ade-
quados, intervalos de descanso, transporte etc.

 Necessidades de segurança: constituem o segundo nível da pirâmide. Tra-


ta-se da autopreservação, proteção, ausência de medos, ameaças e ansie-
dade, ou seja, de evitar o perigo físico, evitar a privação das necessidades
fisiológicas, buscar a estabilidade. Algumas organizações oferecem seguro
de vida e de acidentes, planos de saúde, cursos de preparação para a apo-
sentadoria etc., visando minimizar a insegurança de seus empregados.

 Necessidades sociais: as pessoas sentem necessidades de serem aceitas e


de pertencerem a grupos estabelecendo relações de amizade, intimidade,
afeto e amor. Quando não satisfeitas, tornam-se hostis, solitárias e depri-
midas, sofrendo uma dor “quase física”. O papel da instituição é de desper-
tar no colaborador a importância do trabalho em equipe e aprimorar as
relações humanas.

 Necessidades de estima: nesta modalidade, as pessoas passam a sentir


necessidade de estima, ou seja, tanto de autoestima quanto de reconhe-
cimento por parte dos outros. Querem prestígio, status e consideração;
adequação, capacidade e competência; liberdade e identidade. À orga-
nização cabe reconhecer os esforços do trabalhador por meio de elogios,
promoções, premiação (não necessariamente com dinheiro) etc.

 Necessidades de autorrealização: trata-se do predomínio da necessidade de


realizar aquilo de que se é capaz e que realmente se gosta de fazer, além de
construir um sistema de valores. São as necessidades mais elevadas, estão
no alto da pirâmide de Maslow. As instituições podem atender a satisfação
desta necessidade possibilitando ao trabalhador o uso de sua criatividade,
da liberdade de expressão, de trabalhar naquilo que gosta etc.

Mais tarde, Maslow acresceu mais um estrato à pirâmide, o mais elevado: as


necessidades estéticas. Trata-se da busca do belo, do estético, do que oferece
plenitude à vida humana.

Katz e Kahn (1976, p. 437) apresentam três comportamentos que consideram


fundamentais para a consecução da efetividade organizacional:

102
Motivação na instituição escolar

 ingressar e permanecer na organização;

 desempenhar satisfatoriamente os papéis que são atribuídos a cada indi-


víduo;

 desenvolver comportamento inovador e cooperativo.

Falam de quatro padrões de motivos específicos:

 cumprimento legal, evocado pelo uso de símbolos claros quanto à au-


toridade;

 satisfação instrumental, evocada pelo uso de recompensas imediatas,


constantes e adequadas;

 autoexpressão, que varia de acordo com as características da atividade


desenvolvida;

 internalização das metas organizacionais, provocando baixo absenteís-


mo e alta produtividade, além de espontaneidade e propensão para a
inovação.

Falta-nos, agora, destacar a importância da ação gestora, para intensificar a


motivação do grupo.

Segundo Aguiar (1989, p. 183) “a forma de organizar o setor ou área, de modo


a possibilitar o desenvolvimento do potencial humano, deveria ser uma preocu-
pação constante dos que detêm a responsabilidade de chefia”.

Shein (1982) destaca a importância da visão que o gestor tem, sobre a natu-
reza e as motivações do homem. Assim, fala de quatro formas de visão gestora
da motivação:

Hipóteses gestoras sobre a Motivação


Visão do gestor Características da motivação
Homem econômico O homem, egoísta e interesseiro, não gosta de trabalhar. O salário e o
medo de perder o emprego são os melhores incentivos para aumentar
a motivação.
Homem social A motivação no trabalho não é apenas econômica, mas socia.l Existe uma
forte motivação para obter afiliação e pertecimento aos grupos infor-
mais.
Homem autorreali- Além da econômica, existe uma forte motivação para o alcance da autorre-
zador alização no trabalho, da expressão plena das capacidades e aptidões.
Homem complexo As motivações variam de acordo com a pessoa, com a situação, com a
organização de trabalho.

103
Motivação na instituição escolar

Principalmente nas duas últimas visões, que contemplam a autorrealização


e a complexidade das motivações, algumas ações gestoras têm impacto junto à
motivação dos membros do grupo:

 Credibilidade: comunique que você, líder, acredita que a equipe pode


alcançar as metas da organização e aprimorar a performance.

 Encorajamento: informe a toda a organização o resultado das avaliações


realizadas, solicitando apoio para as equipes que vêm encontrando difi-
culdades.

 Reconhecimento: não economize elogios, valorizando a equipe.

 Premiação: utilize a premiação de forma coerente e democrática, minimi-


zando os conflitos que normalmente surgem.

 Envolvimento de todos: crie programas que permitam a participação de


todos.

Embora este não seja o objetivo da nossa aula de hoje, as questões especí-
ficas da motivação do professor para o exercício do magistério são de enorme
importância. Como afirmam Telfer e Swan (1986, p. 42):
O problema da motivação do professor se situa no preenchimento de necessidades de alta
ordem em uma profissão onde os padrões de carreira podem ser limitados. O estabelecimento
de metas em termos de resultados quantificáveis é difícil e o grau de manutenção dos
procedimentos nas atividades rotineiras da escola podem ser uma verdadeira fonte de
frustração. O resultado, portanto, é que a natureza do trabalho do professor em si próprio
pode emergir como a principal fonte de satisfação no trabalho.

As pesquisas existentes na área da motivação do professor têm sido conduzi-


das a partir de duas abordagens:

 a abordagem psicológica que emprega vários conceitos como a satisfação


no trabalho, a satisfação ocupacional e a satisfação com a vida;

 a abordagem sociológica que se concentra na socialização e na carreira


do professor.

Ambas têm revelado que a motivação dos professores está sendo severa-
mente ameaçada nos últimos anos. Vejamos de que forma: a maioria das insa-
tisfações intrínsecas dos professores relacionam-se à indisciplina dos alunos e
ao fato deles não apresentarem motivação para a aprendizagem. Os fatores de
natureza extrínseca são: os baixos salários, o aumento do trabalho administrati-
vo, a queda do status da profissão etc.

104
Motivação na instituição escolar

Para concluir essas reflexões sobre a motivação do homem, nada melhor que
uma imagem que expressa de forma clara a perplexidade e o desinteresse viven-
ciado, quando as nossas motivações não são, minimamente, atendidas.

Observe este menino, em uma sala de aula:

(TONUCCI, 1993)
Atividade
Leia com atenção a crônica de Rubem Alves, publicada no jornal A Folha de S.
Paulo.

A seguir, reflita sobre a nossa aula, cujo tema foi a Motivação, e tente estabe-
lecer relações entre elas.

A parábola que Rubem Alves conta sobre os macacos e as bananas faz refle-
xões apresentadas ao final, sobre a escola.

Não esqueça as perguntas fundamentais


Rubem Alves

Vou contar para vocês uma estória. Não importa se verdadeira ou imagi-
nada. Por vezes, para ver a verdade, é preciso sair do mundo da realidade e
entrar no mundo da fantasia...

Um grupo de psicólogos se dispôs a fazer uma experiência com macacos.


Colocaram cinco macacos dentro de uma jaula. No meio da jaula, uma mesa.
Acima da mesa, pendendo do teto, um cacho de bananas.

105
Motivação na instituição escolar

Os macacos gostam de bananas. Viram a mesa. Perceberam que, subindo


na mesa, alcançariam as bananas. Um dos macacos subiu na mesa para apa-
nhar uma banana. Mas os psicólogos estavam preparados para tal eventuali-
dade: com uma mangueira deram um banho de água fria nele. O macaco que
estava sobre a mesa, ensopado, desistiu provisoriamente do seu projeto.

Passados alguns minutos, voltou o desejo de comer bananas. Outro macaco


resolveu comer bananas. Mas, ao subir na mesa, outro banho de água fria.
Depois de o banho se repetir por quatro vezes, os macacos concluíram que
havia uma relação causal entre subir na mesa e o banho de água fria.

Como o medo da água fria era maior que o desejo de comer bananas,
resolveram que o macaco que tentasse subir na mesa levaria uma surra.
Quando um macaco subia na mesa, antes do banho de água fria, os outros
lhe aplicavam a surra merecida.

Aí os psicólogos retiraram da jaula um macaco e colocaram no seu lugar


um outro macaco que nada sabia dos banhos de água fria. Ele se comportou
como qualquer macaco. Foi subir na mesa para comer as bananas. Mas, antes
que o fizesse, os outros quatro lhe aplicaram a surra prescrita. Sem nada en-
tender e passada a dor da surra, voltou a querer comer a banana e subiu na
mesa. Nova surra. Depois da quarta surra, ele concluiu: nessa jaula, macaco
que sobe na mesa apanha. Adotou, então, a sabedoria cristalizada pelos po-
líticos humanos que diz: se você não pode derrotá-los, junte-se a eles.

Os psicólogos retiraram então um outro macaco e o substituíram por


outro. A mesma coisa aconteceu. Os três macacos originais mais o último
macaco, que nada sabia da origem e função da surra, lhe aplicaram a sova
de praxe. Este último macaco também aprendeu que, naquela jaula, quem
subia na mesa apanhava.

E assim continuaram os psicólogos a substituir os macacos originais por


macacos novos, até que na jaula só ficaram macacos que nada sabiam sobre
o banho de água fria. Mas, a despeito disso, eles continuavam a surrar os
macacos que subiam na mesa.

Se perguntássemos aos macacos a razão das surras, eles responderiam:


é assim porque é assim. Nessa jaula, macaco que sobe na mesa apanha...

106
Motivação na instituição escolar

Haviam se esquecido completamente das bananas e nada sabiam sobre os


banhos. Só pensavam na mesa proibida.

Vamos brincar de “fazer de conta”. Imaginemos que as escolas sejam as


jaulas e que nós estejamos dentro delas... Por favor, não se ofenda, é só faz de
conta, fantasia, para ajudar o pensamento. Nosso desejo original é comer ba-
nanas. Mas já nos esquecemos delas. Há, nas escolas, uma infinidade de coisas
e procedimentos cristalizados pela rotina, pela burocracia, pelas repetições,
pelos melhoramentos. À semelhança dos macacos, aprendemos que é assim
que são as escolas. E nem fazemos perguntas sobre o sentido daquelas coisas
e procedimentos para a educação das crianças. Vou dar alguns exemplos.

Primeiro, a arquitetura das escolas. Todas as escolas têm corredores e salas de


aula. As salas servem para separar as crianças em grupos, segregando-as umas
das outras. Por que é assim? Tem de ser assim? Haverá uma outra forma de or-
ganizar o espaço, que permita interação e cooperação entre crianças de idades
diferentes, tal como acontece na vida? A escola não deveria imitar a vida?

Programas. Um programa é uma organização de saberes numa deter-


minada sequência. Quem determinou que esses são os saberes e que eles
devem ser aprendidos na ordem prescrita? Que uso fazem as crianças desses
saberes na sua vida de cada dia? As crianças escolheriam esses saberes? Os
programas servem igualmente para crianças que vivem nas praias de Alago-
as, nas favelas das cidades, nas montanhas de Minas, nas florestas da Amazô-
nia, nas cidadezinhas do interior?

Os programas são dados em unidades de tempo chamadas “aulas”. As


aulas têm horários definidos. Ao final, toca-se uma campainha. A criança tem
de parar de pensar o que estava pensando e passar a pensar o que o pro-
grama diz que deve ser pensado naquele tempo. O pensamento obedece às
ordens das campainhas? Por que é necessário que todas as crianças pensem
as mesmas coisas, na mesma hora, no mesmo ritmo? As crianças são todas
iguais? O objetivo da escola é fazer com que as crianças sejam todas iguais?

A questão é fazer as perguntas fundamentais: por que é assim? Para que


serve isso? Poderia ser de outra forma? Temo que, como os macacos, concen-
trados no cuidado com a mesa, acabemos por nos esquecer das bananas...
Disponível em: <www.rubemalves.com.br>.

107
Motivação na instituição escolar

108
Motivação na instituição escolar

Referências
DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. 2.ed. São Paulo: Papirus,
1996.

FREUD, S. Psicología de las Masas y Análisis del Yo. Madrid: Biblioteca Nueva,
1974. (En Obras Completas, v. 7).

KATZ, Daniel; KAHN, Robert L. Psicologia Social das Organizações. São Paulo:
Atlas, 1976.

MAIA, Graziela Z. A. (Org.). Administração e Supervisão Escolar: questões para


o novo milênio. São Paulo: Pioneira, 2000.

109
Vídeo

Autoridade e poder do gestor escolar

Introduzimos brevemente este assunto na aula sobre liderança. Como


este tema é de grande importância na formação do gestor escolar, vamos
abordá-lo com mais profundidade, na aula de hoje.

Naquela ocasião estabelecemos a diferença entre poder e autoridade.

Os dois confluem, portanto, para a capacidade de influir no comporta-


mento dos membros do grupo de que se faz parte.

Um gestor escolar dispõe e pode exercer quatro tipos de poder social,


que apresentamos no quadro abaixo, contextualizados por exemplos
concretos.

Tipo de Poder
Exemplo
Social
De recompensa e O gestor da instituição escolar, mesmo quando ela é pública e não
coação pode manipular recompensas financeiras, sempre detém um poder
social quanto a distribuição das recompensas (melhores horários,
acesso a oportunidades de capacitação, por exemplo) e à aplicação
de determinada sanções.

Legítimo O gestor está situado no topo da estrutura hierárquica da escola.


Fica isolado nesta posição, se não é prática uma gestão colegiada
ou participativa. Quando existe uma eleição para diretor da esco-
la, esse poder legítimo é referendado pelo voto dos membros do
grupo.

De referência É comum – e desejável – que o diretor estabeleça boas relações


interpessoais com os demais “atores institucionais” e com a comu-
nidade externa à escola, exercendo uma liderança realmente refe-
renciada pelo grupo.

De especialistas ou Também bastante positivo, este poder social do gestor emana do


de competência seu reconhecimento, pelo grupo, como detentor de conhecimento
sólido, como um educador com experiência ampla e bem-sucedida
em sala de aula (vindo do “chão da escola”, e não como alguém que
desenvolveu apenas experiências administrativas).

A crítica mais forte ao poder social legítimo ou hierárquico, quando


exercido de forma tradicional e autoritária – como acontece nas escolas
muito tradicionais – é expressa pelo chamado “organograma dos corvos”:

111
Autoridade e poder do gestor escolar

uma árvore de vários galhos, em que os corvos estão pousados em ramos de


elevação diferente. Cada um representa um escalão hierárquico, mas eles não
“conversam” entre si, denotando o exercício arbirtrário do poder, verticalmente
estabelecido.

Escolhemos duas abordagens teóricas de poder e autoridade, para apresen-


tar na aula de hoje. A primeira é de Hannah Arendt. A autora destaca que, entre
as instituições sociais, a escola tem uma função fundamental: de articular as ge-
rações em seus conceitos, valores e culturas, preparando-as para um mundo que
possa melhor acolhê-las, pois são as novas gerações que têm o poder de mudan-
ça ou de manutenção do que vivemos em nossa sociedade.
A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo bastante para assumirmos
a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse
a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se
amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las
a seus próprios recursos, e tampouco de suas mãos a oportunidade de empreender alguma
coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa
de renovar um mundo comum. (ARENDT, 1997, p. 274)

As instituições escolares são constituídas por pessoas que se relacionam de


forma hierárquica, ao menos entre os que detêm o conhecimento universal,
sistematizado, e os que recebem este mesmo saber. Esta hierarquia pressupõe
posições, funções e tarefas desiguais, diferenciadas, e a existência e a prática da
autoridade. As relações de autoridade atravessam os diversos níveis da escola:
Secretaria de Educação e direção da escola, direção da escola e professores, pro-
fessores e alunos, entre outros.

Modelo destas relações, estabelecidas de forma democrática, é a polis grega.


Sobre ela, afirma Arendt:
De fato, os gregos procuraram estabelecer um fundamento para a vida pública que não fosse
apenas a argumentação ou a forca, mas tanto Platão quanto Aristóteles se utilizaram de
conceitos pré-políticos para análise do problema ao transferirem, por analogia, para o campo
da política as relações de pais e filhos, senhor e escravo, pastor e rebanho etc. que não eram
relações entre iguais como as que devem nortear a vida política.

Após analisar a evolução da autoridade, através da história, a autora conside-


ra que ela está “desaparecendo” no mundo moderno. A crise da autoridade que
desembocou em nosso século, perdendo os referenciais que denunciavam o seu
conceito e a sua prática específica.
Essa crise, manifesta desde o começo do século e política em sua origem e natureza. O ascenso
de movimentos políticos com o intento de substituir o sistema partidário, e o desenvolvimento
de uma nova forma totalitária de governo, tiveram lugar contra o pano de fundo de uma
quebra mais ou menos geral e mais ou menos dramática de todas as autoridades tradicionais.
(ARENDT, 1997, p. 128)

112
Autoridade e poder do gestor escolar

Um sintoma característico dessa crise de autoridade é ela ter se espalhado


para as áreas denominadas de pré-políticas, como a criação dos filhos nas famí-
lias e na educação em geral.

Arendt situa a perda da autoridade na sociedade moderna conectada com


o crepúsculo da hegemonia da tradição e da religião. A perda da tradição acar-
retou um profundo corte com o passado, que nos guiou com segurança e nos
conduziu ao presente com referenciais e dogmas.

Vista por outro prisma, no entanto, essa crise de autoridade libertou as futu-
ras gerações de um destino pré-estabelecido por parâmetros rígidos e autoritá-
rios. Segundo a análise de Hannah Arendt sobre a autoridade, as mais recentes
e principais revoluções como a francesa, a independência americana ou a revo-
lução soviética não concederam rupturas radicais com a tradição. Em todas elas,
os homens se inspiraram na origem da tradição, terminando os seus processos
revolucionários em restauração ou tirania.
A autoridade tal como a conhecemos outrora, e que se desenvolveu a partir da experiência
romana e foi entendida à luz da filosofia política grega, não se restabeleceu em lugar nenhum,
quer por meio de revoluções ou pelos meios ainda menos promissores da restauração, e muito
menos através do clima e tendências conservadoras que vez por outra se apossam da opinião
pública. (ARENDT, 1997, p. 187)

O segundo autor que queremos citar é Michel Foucault, conhecido filósofo


francês. O tema poder é constante na obra do autor, e vamos abordá-lo sob três
enfoques:

A diferença entre
governo e governamento
Alguns autores sugerem que o termo governo seja substituído, quando fa-
lamos de Foucault, pela palavra governamento, quando estivermos falando da
ação ou ato de governar.

Justificam isto, por exemplo, pelo uso dos conceitos que Foucault faz, ao falar
da arte de governar:
[...] os governantes, as pessoas que governam, a prática de governo são, por um lado, práticas
múltiplas, na medida em que muita gente pode governar: o pai de família, o superior do
convento, o pedagogo e o professor em relação à criança e ao discípulo. Existem, portanto,
muitos governos, em relação aos quais o do príncipe governando seu Estado é apenas uma
modalidade. Por outro lado, todos esses governos estão dentro do Estado ou da sociedade.
(FOUCAULT, 1992, p. 280)

113
Autoridade e poder do gestor escolar

Discutindo O Príncipe, obra de Maquiavel, e os saberes que o autor propõe


para que o soberano exerça a sua autoridade, diz Foucault (1999, p. 151): “Trata-
-se do conjunto de conhecimentos sobre o Estado, o governo, o país, necessário
a quem vai ser chamado, dentro de alguns anos, quando Luís XIV tiver morrido,
a dirigir esse Estado, esse governo e esse país.”

Temos, dessa forma, a ação de governar – governamento, como propõem


estes autores – expressa na primeira citação, e a instância administrativa, respon-
sável pelo governo, na segunda.

Utilizando esta ótica, o gestor escolar realiza o “governamento” da escola,


utilizando saberes para isso necessários e recebendo uma “dose” de autoridade
necessária, o que vai constituir o “governo” da instituição escolar.

Poder e resistência
Foucault vê o poder não apenas como uma força negativa, mas também pro-
dutiva, e afirma que, quando há o exercício do poder, há resistência. Isso extrapola
a situação das prisões, embora Foucault tenha se debruçado muitas vezes sobre o
tema dos presos e dos loucos internados. Afirma que, mesmo nestas situações ex-
tremas, sempre somos “livres”, em virtude do exercício da resistência. Ela transcen-
de o ato de dizer não – forma primeira de resistência – mas constitui a manutenção
e o exercício do direito de dizê-lo. É a resistência que define a relação de poder,
rompendo com o continuum da obediência e mudando esta relação.

A importância da crítica
O pensamento recebe posição de destaque na abordagem de Foucault. É
algo que nem sempre está claramente presente, mas se desvela nos comporta-
mentos cotidianos.

Em entrevista concedida na ocasião da eleição de François Miterrand para a


presidência da república da França, Foucault (1994, p. 180) afirmou:
A crítica consiste em caçar esse pensamento e ensaiar a mudança: mostrar que as coisas não
são tão evidentes quanto se crê, fazer de forma que isso que se aceita como vigente em si,
não o seja mais em si. Fazer a crítica é tornar difíceis os gestos fáceis demais. A crítica radical
é absolutamente indispensável para toda transformação. Pois uma transformação que
permaneça no mesmo modo de pensamento, uma transformação que seria apenas uma certa
maneira de melhor ajustar o pensamento mesmo à realidade das coisas, seria apenas uma
transformação superficial.

114
Autoridade e poder do gestor escolar

Instado a falar sobre reformas e transformações, em virtude da ascensão de


um presidente de esquerda ao poder, Foucault afirma que “Uma reforma não é
nunca mais do que o resultado de um processo no qual há conflito, afrontamen-
to, luta, resistência...” (1994, p. 181).

E sobre a ação do intelectual (neste caso o gestor) neste processo de


transformação:
Trata-se de tornar os conflitos mais visíveis, de torná-los mais essenciais que os simples
afrontamentos de interesses ou simples bloqueios institucionais. Desses conflitos, desses
afrontamentos devem sair uma nova relação de forças do qual o contorno provisório
será uma reforma. Se não houve na base o trabalho do pensamento sobre ele mesmo e se
efetivamente os modos de pensamento, isto é, dos modos de ação não foram modificados,
qualquer que seja o projeto de reforma, sabe-se que será fagocitado, digerido pelos modos
de comportamentos e de instituição que serão sempre os mesmos. (FOUCAULT, 1994,
p. 181-182)

Para concluir este mosaico teórico, vamos discutir um pouco o conceito de


autoridade na abordagem do grande educador brasileiro Paulo Freire. Tomamos
como referência o texto de Gomercindo Ghiggi publicado na revista virtual Cur-
rículo sem Fronteiras. (2001). Afirma o autor:
A autoridade em Freire é conceito que provoca demarcação epistemológica, política e ética.
O autor é exigente com o modelo responsável pela produção social da educação, com os
sistemas de ensino e com o corpo docente atuando num mundo desigual, o que o torna
conceito provocador de novos conceitos e comportamentos: políticos, éticos, epistemológicos
e pedagógicos. Freire, em diálogos formativos [...] transgride códigos culturais do capitalismo,
quando o que ensina objetiva produzir solidariedades, com novas orientaçõe simbólico-
-culturais, pela crítica radical à ordem social exaurida, crítica esta não pouco descartada
pela pós-modernidade. Os critérios de prestígio, boa aparência e domínio cultural amplo,
estão, em Freire, desautorizados à legitimação da autoridade, novamente em franca posição
transgressiva em relação a códigos capitalistas. Freire trabalha para que a gramática da
vida faça parte da cultura escolar. Trabalha pela superação do individualismo solitário e do
critério do mercado quando autorizam-se à organização da vida, mas que fragilizam, pela
globalização, individualidades, responsabilizando-as por fracassos, descontextualizando-as
de suas histórias e conjunturas. Trabalha pela lógica emancipatória onde a reinvenção da vida
é condição. (GHIGGI, 2001, p. 167)

O autor destaca a utilização do conceito de autonomia por Freire, relacionan-


do-o à questão da liberdade e afirma:
A relação entre liberdade e autoridade, portanto, considera a condição histórica atual, negadora
da liberdade de ser sujeito a muitas pessoas [...] Mulheres e homens, seres histórico-sociais,
nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper,
por tudo isso, nos fizemos seres éticos negando-se a aceitar as teses da inevitabilidade, da
inexorabilidade ou da fatalidade históricas, posturas derivadas, também, da descrença no
Estado, na família, na imprensa e na escola. E como agir para que a liberdade criativa dos
excluídos da vida seja respeitada? Como admitir a presença da autoridade no campo da
construção de alternativas para a vida digna a todos? [...] A reinvenção das diferentes formas
de poder deve gerardiscussões que conduzam à produção de alternativas para mudanças. [...]
Portanto, a liberdade é dimensão essencial e exclusivamente humana porque envolve campo
de decisão. (GHIGGI, p. 161-162)

115
Autoridade e poder do gestor escolar

Paulo Freire desenvolveu, portanto, um conceito de autoridade pedagógi-


ca que demanda a retomada de conceito correlatos, de autoridade epistêmica,
moral, pedagógica e política:

 autoridade epistêmica – efetivada a partir da dimensão básica da ativi-


dade pedagógica. A relação dá-se sempre entre pessoas que trazem um
capital cultural de origem. Dá-se, a partir daí, a sistematização deste capi-
tal, a investigação e o confronto permanente com outros saberes.

 autoridade pedagógica – deve garantir a todos moral efetiva sobre um


universo de valores e princípios, tomando como meta o projeto de socie-
dade para todos condições a todos para a oportunidade de expor e aplicar
o que sabem, exigindo o máximo de cada um.

 autoridade política – organiza as relações estabelecidas entre educação e


comunidade, tornando visível e disponível, em sala de aula, elementos con-
textuais que originam referências com as quais a sociedade organiza-se.

Em síntese, para Paulo Freire, “a posição dialética e democrática implica [...]


a intervenção do intelectual como condição indispensável à sua tarefa. E não
vai nisto nenhuma traição à democracia, que é tão contraditória pelas atitudes
autoritárias quanto pelas atitudes e práticas espontaneístas, irresponsavelmente
licenciosas” (FREIRE, 1994, p. 107).

Podemos concluir que realmente gestor escolar possui uma autoridade, ali-
cerçada em mais de uma forma de poder social. É importante, no entanto, que
ela não seja aplicada de forma arbitrária, como muitos indícios apontam nas es-
colas. O que sobressai deles são vícios (autoritarismo, burocracia, privatização do
cargo, cargo como fardo etc.) mais do que virtudes (paciência, tato no exercício
da autoridade, diálogo, distribuição de atribuições, partilha de autoridade etc.).

Não é este o gestor escolar que pretendemos formar, mas aquele que Paulo
Freire falou ao delinear um perfil voltado para a o incremento da autonomia e da
liberdade, nas escolas em que atua.

Atividade
Vocês encontram na internet vários links interessantes sobre Educação. Um
deles é o da Revista Nova Escola – <www.novaescola.abril.com.br>.

116
Autoridade e poder do gestor escolar

O texto que utilizaremos neste exercício é Quando o Diretor é a alma da equi-


pe. Ele focaliza muito claramente a importância e o contorno da autoridade
do gestor escolar.

Observem este trecho, retirado do texto citado:

Um diretor capaz de exercer liderança educacional pode determinar a


diferença entre uma escola estagnada e uma escola em movimento.

O problema é encontrar esta figurinha difícil. Não só no Brasil, mas


no mundo inteiro, são raros os diretores que atuam como professores
de professores e agentes dinâmicos de mudança. A boa notícia é que
liderança educacional não é um dom que ou você tem, graças a Deus,
ou não tem e acabou-se. Ao contrário, é uma habilidade que pode ser
desenvolvida e exercitada a cada dia.

Prosseguindo, o texto apresenta algumas características desse “diretor – lí-


der”, aquele que tem plena consciência do seu poder e exerce a autoridade
de forma esclarecida e democrática.

Comente cada uma delas, procurando ligá-la a algum conceito da nossa aula
de hoje.

 O diretor-líder vai além do gerenciamento e coloca as pessoas em primei-


ro plano.

 O diretor-líder está em contato permanente com os docentes.

 O diretor-líder constrói um sonho e faz com que sua equipe embarque


nele.

 O diretor-líder faz com que sua equipe sinta que tem poder para realizar
e transformar.

 O diretor-líder transforma a escola em oficina de trabalho, onde profissio-


nais aprendem uns com os outros, cooperando para solucionar problemas
pedagógicos.

 O diretor-líder é visto, todos os dias, por professores, alunos e pais.

 O diretor-líder sabe fazer alianças, buscando promover mais e melhor


aprendizagem na escola.

117
Autoridade e poder do gestor escolar

 O diretor-líder faz com que sua equipe sinta que tem poder para realizar
e transformar.

 O diretor-líder transforma a escola em oficina de trabalho, onde profissio-


nais aprendem uns com os outros, cooperando para solucionar problemas
pedagógicos.

 O diretor-líder é visto, todos os dias, por professores, alunos e pais.

 O diretor-líder sabe fazer alianças, buscando promover mais e melhor


aprendizagem na escola.

 O diretor-líder, enfim, é capaz de trazer à tona o potencial de cada pessoa


ou instituição e criar aquela certa magia que faz cintilar as escolas felizes,
onde ninguém pára de aprender. E, sempre que o seu trabalho é coroado
de êxito, todos dizem: “Nós fizemos isso!”

118
Autoridade e poder do gestor escolar

Referências
ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 1997.

DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. 2. ed. São Paulo: Papirus,
1996.

FOUCAULT, Michel. A governamentalidade. In: ______. Microfísica do Poder.


Rio de Janeiro: Graal, 1992.

FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1977.

FREIRE, P. Política e Educação. São Paulo: Cortez, 1993.

FREIRE, P. Professora Sim, Tia Não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho
D’Água, 1993a.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

GHIGGI, Gomercindo. Paulo Freire e o conceito de autoridade em programas de


formação de professores. Currículo sem Fronteiras, v. 1, n. 2, p. 151-170, jul./
dez. 2001. Disponível em: <www// curriculosemfronteiras.org>.

MAIA, Graziela Z. A. (Org.). Administração e Supervisão Escolar: questões para


o novo milênio. São Paulo: Pioneira, 2000.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

119
Vídeo
Gestão Escolar: consenso e conflito – a
complexidade dos processos grupais
Começaremos esta aula com uma poesia extraída do livro de Moacir
Carneiro (2002), intitulada: O outro eu da escola.

Quando entro, Não sou eu inteiro, integral.


A escola, pronta Quem está ali
As aulas, prontas É o outro, o que entrou
As atividades, prontas Nas estatísticas da escola
Os programas, prontos Mas não em suas aulas.
A avaliação, pronta A escola não me recebeu
Percebo, então Deixou entrar um outro
Que um outro está ali Estranho, desconhecido
Não eu! Parecido comigo
Ao ingressar nessa escola Mas bem distante de mim.
Ao entrar nessa sala Eu o entrevejo
Ao aterrissar nesse currículo Nos registros da escola
Descubro-me apenas isto: Nas atividades da escola
Um estranho, um hóspede Mas não o vejo em meus registros
Em qualquer hotel. Nem o encontro em minha vida.
Nessa escola, a matrícula Que bom seria se a escola
Não é a minha radiografia Não me impusesse uma segunda natureza
É a ficha de hóspede Me assistisse para eu mesmo me recriar.
Do hotel em que ingressei Que bom seria se a escola
Como se fosse uma escola. Deixasse o outro lado
Por isso, quem está ali E me abraçasse, eu mesmo
Não sou eu Em minha identidade inelidível.

121
Gestão Escolar: consenso e conflito – a complexidade dos processos grupais

Muitos dos conflitos que acontecem na escola originam-se da imposição de


novas identidades para os protagonistas da cena educativa, sejam eles profes-
sores, alunos, supervisores etc. Não importa a função ou o papel que cada um
exerce dentro da escola, o que precisamos atentar é para a questão do reconhe-
cimento e respeito às diferenças entre as pessoas.

Acontece que atualmente, de maneira análoga ao movimento ocorrido


nas décadas de 1960 e 1970 na Europa, um movimento que visava encontrar
o método pedagógico que provocaria a aprendizagem desejada – assistimos
a uma busca (exagerada?) por eficiência na instituição escolar, uma eficiência
que vem engolindo as singularidades e promovendo o agravamento das crises
institucionais.

Parece necessário superar a tendência empresarial que reduz os fatores or-


ganizativos da instituição a mecanismos mágicos de eficiência dos resultados,
porque, em primeiro lugar, como nos aponta Pérez Gómez (2001, p. 155):
[...] quanto mais interessantes e ricos do ponto de vista educativo mais imprevisíveis são, e, em
segundo lugar, porque sua influência real está condicionada pela peculiar cultura institucional
que se forma num espaço e tempo concretos de interação, que, em certa medida, é sempre
específica de cada contexto escolar e, portanto, não transferível automaticamente para outros
cenários.

Tais fatores organizativos devem ser considerados, mas como hipótese de tra-
balho que ajudam os professores em seu processo cooperativo de deliberação,
avaliação e tomada de decisões para cada contexto e cada situação particular. Por-
tanto, quando nos propomos a favorecer o enriquecimento da instituição escolar,
a ênfase não pode se situar exclusivamente na presença desses fatores, mas na fa-
cilitação do processo aberto de deliberação reflexiva entre docentes e no acesso
que consideraremos necessário em cada caso. Os fenômenos educativos pautam-
-se na qualidade dos processos de interação entre indivíduos, ideias, experiên-
cias e artefatos num contexto social e culturalmente facilitador e estimulante.
Por isso, sua natureza comporta, entre outras características, uma dimensão
aberta e criadora, significativa e relevante.

Resultados pontuais, como é o caso do denominado rendimento acadêmico,


precisam ser considerados como elementos parciais e provisórios desse mesmo
complexo e longo processo, e é por meio da interpretação desse processo que
podemos dimensionar o seu valor e a sua significação. Assim, sem identificar
e compreender as características, a natureza e a qualidade dos processos de
ensino e de aprendizagem, não poderemos, de forma alguma, interpretar ade-
quadamente o valor do produto pontual.

122
Gestão Escolar: consenso e conflito – a complexidade dos processos grupais

Em síntese, na prática educativa a decisão e a ação pedagógica supõem e


emergem de um exercício de prudente escolha entre alternativas morais (ELLIOT,
1996; CARR, 1990; HAMILTON, 1994). Em outras palavras, na prática educativa a
opção ética é inevitável. Como consequência, nos defrontamos sempre com a
necessidade de escolher entre várias alternativas em um cenário moralmente
complexo e carregado de dilemas e conflitos. A decisão pedagógica supõe “um
processo em que a reflexão sobre a ação correta (os meios) é inseparável da re-
flexão sobre suas finalidades morais” (ELLIOT, 1996, p. 218). A qualidade da prá-
tica educativa depende, então, basicamente da qualidade do julgamento e da
deliberação reflexiva dos docentes nas aulas quando tomam decisões, intervêm
e avaliam. E é essa deliberação reflexiva que desaparece magicamente, ou por
interesses não confessados, no enfoque das escolas eficazes.

Por último, precisamos comparar a eficácia das escolas com as finalidades e


funções que a sociedade, em geral, e o projeto pedagógico, em particular, atri-
buem a estas instituições. Assim, constamos, de imediato, a grave contradição que
está sendo produzida entre as finalidades políticas que se atribuem à escola nas
sociedades democráticas (equidade, igualdade, solidariedade e desenvolvimento
humano) e as exigências do mercado de trabalho (excelência, formação vocacio-
nal, competitividade individual). Em vez de ficarmos só teorizando sobre o tema,
vamos entrar no cenário de uma escola real e lermos sua história, pois nada é com-
parável a um estudo de caso para nos fornecer as dimensões reais da teoria.

Em meados de 1988, Ghani foi convidado a assumir, com urgência, o cargo


de diretor da Escola Técnica de sua cidade. A escola havia vivido sua época de
glória e excelência e, com o passar do tempo, transformou-se em descaso total.
Professores desmotivados, desempenho acadêmico dos alunos baixo, proble-
mas de disciplina etc., faziam parte do seu quadro de colapso, que tendia a se
agravar com a publicidade da mídia. Foi exatamente no auge da publicidade ne-
gativa sobre a escola que Ghani foi convidado a assumir a direção. O que fazer?
Convocou uma primeira reunião com os funcionários e se deparou com uma as-
sembleia fria, silenciosa e hostil. Soube que o anterior diretor havia dirigido, au-
toritariamente a escola, decidia tudo sozinho e não consultava ninguém. Cada
sala de aula refletia as mãos de ferro da direção: alunos enfadados e intimidados
por seus professores. “A criatividade e o prazer em aprender estavam completa-
mente ausentes da sala de aula. Em outras palavras, o clima na escola não era
adequado nem para o ensino, nem para a aprendizagem” (LÜCK, 2002, p. 33).

Ghani foi tomando pé da situação e percebendo que o primeiro passo era


conquistar a confiança dos professores. Para tanto, precisava construir nova-

123
Gestão Escolar: consenso e conflito – a complexidade dos processos grupais

mente o compromisso da comunidade escolar com a aprendizagem. Era impe-


rativo conhecer e entender a escola. Marcou mais encontros com professores,
funcionários e alunos para escutar, como se fosse um jogo amigável, as suas
reclamações.

Nas reuniões com professores, solicitava a revisão e o exame do plano da


escola. Em todos os momentos mostrava-se disponível para todos. Demonstrava
a sua preocupação, entrando frequentemente nas salas de aula. Além disso, co-
meçou a agendar reuniões sobre disciplinas específicas, nas quais os professores
tinham a oportunidade de discutir o currículo escolar, diagnosticar problemas
comuns ao ensino e compartilhar as soluções encontradas. De forma sistemáti-
ca, Ghani solicitava a opinião dos professores sobre as atividades pedagógicas
realizadas em outras escolas e, a partir de suas sugestões, agia.

Pouco a pouco o espírito da escola foi revivendo. A autoconfiança dos pro-


fessores foi aumentando assim como o desempenho dos alunos. No final do ano
seguinte a escola conquistou, em um importante exame externo, um índice de
100% de aprovação e, por isso, recebeu uma doação significativa do governo,
destinada ao seu desenvolvimento.

Ao nos situarmos no terceiro milênio e vivendo a “terceira onda“ em admi-


nistração, os dirigentes de escolas no mundo vêm descobrindo que os mode-
los convencionais de liderança estão obsoletos. As escolas do mundo de hoje
necessitam de líderes capazes de facilitar a resolução de problemas em grupo,
capazes de trabalhar junto com os professores e colegas, ajudando-os a identi-
ficar suas necessidades de capacitação e a adquirir as competências e habilida-
des necessárias ao aprimoramento do ensino e da aprendizagem, e ainda mais,
“serem capazes de ouvir o que os outros têm a dizer, delegar autoridade e dividir
o poder” (LÜCK, 2002, p. 34).
Os líderes são os responsáveis pela sobrevivência e pelo sucesso de suas organizações.
Chamamos de liderança a dedicação, a visão, os valores e a integridade que inspira os
outros a trabalharem conjuntamente para atingirem metas coletivas. A liderança eficaz
é identificada como a capacidade de influenciar positivamente os grupos e de inspirá-
-los a se unirem em ações comuns coordenadas. Os líderes reduzem as nossas incertezas
e nos ajudam a cooperar e trabalhar em conjunto para tomarmos decisões acertadas.
(CHIAVENATO, 1994)

Vamos, agora, analisar o estudo de caso relatado por meio da Psicologia Social
criada por Pichon-Rivière. Comecemos por dois conceitos que tratam da ques-
tão da filiação e da pertença dos indivíduos aos grupos. Para Pichon, os grupos,
as organizações e as distintas formas da sociedade humana originam-se de uma
necessidade universal que leva os homens a se associarem. A importância para

124
Gestão Escolar: consenso e conflito – a complexidade dos processos grupais

os seres humanos de se autossustentarem por seus próprios meios, durante um


longo tempo de sua existência, condiciona essa pauta que marcará todas as suas
atitudes de criança e de adulto. O modelo de relação positiva com o mundo é
fornecido pelo primeiro vínculo, estabelecido com a mãe, já que é por meio dela
que as necessidades vitais são satisfeitas.

Toda e qualquer trajetória posterior do homem se pautará na busca de outros


vínculos positivos que reiterem esse modelo inicial. O processo de socialização
só começa quando a aliança com a mãe se parte, o que permite a busca de
outros seres semelhantes, que lhe permitirão, ao integrá-lo ao seu grupo, recu-
perar a segurança. O impulso para a filiação tem, como pano de fundo, dois
medos básicos que motivam a conduta humana: o temor da perda e do ataque,
que só podem ser resolvidos em sociedade com outros semelhantes. Assim,
“surge o comportamento social, essa inter-relação de encontros, reencontros e
desencontros, essa infinita trama de relações interpessoais na qual todos nós
estamos comprometidos”. (PICHON-RIVIÈRE, 1988, p. 79). Dessa forma começa a
se esclarecer esta necessidade de “estar em companhia“, este sentimento que já
experimentamos tantas vezes em nossas vidas.

Nesta complexa rede de filiações a grupos, que nós realizamos, é possível dis-
tinguir algumas que têm por meta um objeto determinado – uma associação ‘di-
recional’ – como é o caso, por exemplo, da filiação a um sindicato para conseguir
trabalho, entrar como sócio de um clube, porque isso confere prestígio, brilho
social e permite fazer bons contatos. Os grupos proporcionam a seus membros
prestígio e segurança, o que permite ao sujeito adquirir um sentimento de au-
toestima, “que é retransmitido como ‘boa imagem’ para aqueles que entram em
contato com ele. Em consequência deste tipo de filiação direcional, aparecem
nele novas pautas de conduta, como o afã do poder, a avidez de conhecimentos,
os impulsos solidários dirigidos ao próximo” (PICHON-RIVIÈRE, 1988a, p. 80).

A articulação de uma pessoa a um grupo acontece por meio de um meca-


nismo complexo que se sustenta fundamentalmente na comunicação. Todo um
verdadeiro sistema de sinais, um código, do qual a linguagem verbal seria apenas
um dos elementos, vai permitir ao sujeito expressar seu desejo de se incorporar
a uma determinada sociedade, ser avaliado pelos demais membros e receber o
veredicto de aceitação ou rejeição. Em cada ato de filiação social repete-se, de
forma tácita, o complicado ritual de iniciação, próprio das sociedades secretas.
Contudo, a filiação é apenas o primeiro passo para a integração em um grupo.
Logo, o impulso inicial é substituído pelo sentimento de pertença que surge da
adoção de atitudes e normas que regem a vida dessa comunidade: “como um

125
Gestão Escolar: consenso e conflito – a complexidade dos processos grupais

bilhete de ingresso, garante a incorporação definitiva”. (PICHON-RIVIÈRE, 1988,


p. 80). Cada entrada em um novo grupo, seja este uma família, uma empresa,
uma escola ou um clube, sempre tem o sentido de uma mudança, uma modifica-
ção de comportamento e, por isso, constitui-se como uma experiência, das mais
ricas, que o homem pode viver.

A pertença não se apresenta com características idênticas em todos os mem-


bros de um grupo. Existem diferenças quanto à intensidade, dependendo do
grau de aceitação real, por parte do novo filiado, das normas do grupo. A inter-
relação entre grupo e sujeito está configurada em três pautas: o status do indi-
víduo dentro da sociedade em que se integra; a valorização que faz de sua per-
tença e o grau de autenticidade na filiação, percebido pelos demais integrantes
do grupo.
A força desse sentimento de pertença mantém uma relação direta com o montante de
dificuldades que teve que tecer para conseguir sua incorporação. O grupo não satisfaz somente
a necessidade de pertença da maioria de seus membros, colocando-os a salvo da insegurança,
mas desperta, em alguns deles, um impulso orientado para a liderança (grifo nosso). O fato de
pertencer a um grupo determina uma mudança de desejos e aspirações, proporciona novas
experiências. A sobrevivência do grupo converte-se no objetivo primordial de seus membros, e
esta necessidade é depositada nos chefes ou cabeças do núcleo. (PICHON-RIVIÈRE, 1988, p. 81)

Por vivermos em uma cultura complexa, cada um de nós pertence a vários


grupos diferentes, nos quais aprendemos comportamentos adequados aos
papéis que desempenhamos. No decorrer de um dia, uma mulher pode ter o
papel de esposa, mãe, filha, amiga, professora e membro de uma academia de
ginástica. Apesar da multiplicidade de papéis ou de funções, são raros os casos
de conflitos entre os diversos papéis assumidos. Isso é devido ao caráter sucessi-
vo e não simultâneo dos membros, já que o sujeito dispõe de chaves situacionais
que lhe ajudam a diferenciar um do outro. “Quando as funções são simultâneas e
incompatíveis, aparecem o conflito e a neurose” (PICHON-RIVIÈRE, 1988, p. 81).

Pichon contribuiu com uma proposta de Psicologia Social que nos permite
compreender o processo de elaboração do conhecimento no intercâmbio dia-
lético entre o sujeito e seus contextos. A dialética pichoniana é uma estratégia
destinada não só a transmitir conhecimento, mas a desenvolver e modificar ati-
tudes. A Psicologia Social investiga o sujeito e seu comportamento, a interação
entre o intrassubjetivo e o intersubjetivo; torna-se significativa, operativa, ao
orientar-se para uma prática.
O grupo operativo é um instrumento de intervenção nesta prática. É uma técnica para ajudar
os membros do grupo a enfrentar os conflitos e a resistência à mudança. A prática é uma
experiência crítica que se assemelha a uma espiral contínua, que permite realizar a mudança e
que consiste no desenvolvimento pleno da existência humana, através da modificação mútua
dos homens entre si e com a natureza. (GAYOTTO, 1991, p. 13)

126
Gestão Escolar: consenso e conflito – a complexidade dos processos grupais

O ponto de partida para a libertação do homem e a transformação da re-


alidade (dialética constante entre os homens) é a elaboração de um conheci-
mento crítico que origina-se, segundo Pichon, no conhecimento de si mesmo,
mais pontualmente de como é sua configuração psíquica, como se comunica e
aprende, como interpreta a realidade e intervém nela. Tanto os grupos operati-
vos como os círculos de cultura (Paulo Freire) mostram-se como instrumentos
eficazes para os desafios da transformação. Portanto, a técnica do Grupo Opera-
tivo é mais uma valiosa ferramenta de trabalho social para ser utilizada na gestão
escolar, pois consiste na busca e criação de condições para que as mudanças
ocorram no interior das pessoas, nas relações e nos grupos onde essas pessoas
estão engajadas.

O Grupo Operativo centra sua dinâmica no fazer dos sujeitos, nas tarefas que
os indivíduos realizam para atingir os objetivos comuns a que se propõem e
que constituem o projeto (político pedagógico) pelo qual estão interligados. Ao
centrar-se na tarefa do grupo, tal qual fez o diretor do estudo do caso apresen-
tado anteriormente, o Grupo Operativo leva as pessoas a pensarem a ação que
desenvolvem juntas e, com isso, a compreenderem os obstáculos que emergem
à luz do que cada um é e de como as pessoas se comprometem com a ação
coletiva – como elas se relacionam no grupo para satisfazer as necessidades das
pessoas, como as necessidades das pessoas se articulam e se constituem em
necessidades coletivas.

Ao conviverem no grupo, os sujeitos vão internalizando formas de pensar e


de sentir dos companheiros de trabalho, e também como essas dimensões estão
articuladas à sua própria maneira de ser. As relações do grupo vão sendo inter-
nalizadas e vão permitindo que as pessoas repensem várias questões:

 Como agem em grupo e como os outros vão descobrindo novas formas


de ação.

 Como sentem e o quanto isso facilita ou não o relacionamento com os


membros do grupo em relação às tarefas. Como as tarefas vão sendo ou
não realizadas, e como envolvem ou não o desenvolvimento da ação co-
letiva.

 Como pensam. Quando expressam os seus pensamentos e ouvem os pen-


samentos dos outros, as pessoas vão descobrindo novas formas de ver o
mundo. Assim, abrem-se novas perspectivas das coisas, das pessoas e da
realidade, o que propicia aos sujeitos repensarem sua maneira de ser, suas
concepções e a maneira como administram suas vidas.

127
Gestão Escolar: consenso e conflito – a complexidade dos processos grupais

As pessoas que desenvolvem trabalhos coletivos procuram, com seus cole-


gas, entender a realidade e suas ações no real. Essa compreensão é imprescindí-
vel para que possam perceber com mais clareza e profundidade os problemas e
descobrirem como intervir para facilitar o processo de transformação social – o
que foi feito pelo novo diretor ao assumir a Escola Técnica.

A transformação social dos grupos envolve mudanças ligadas ao objetivo a


ser atingido, no caso que vimos, era necessário retomar a vida da escola. E isto
implica alterar a estrutura e a dinâmica de alguns grupos, a postura ideológica
(maneira de pensar e sentir) das pessoas que se unem e se comprometem em
um trabalho coletivo, assim como com a superação das dificuldades que são
inerentes à ação que está sendo desenvolvida. Envolve, também, um novo tipo
de relacionamento entre as pessoas e com o trabalho coletivo. Sem a atuação
de um líder de mudança a transformação social corre o risco de perder o rumo,
objetivos e metas e, tudo voltar à estaca zero. É o líder de mudança que se tor-
nará, em certos momentos, o porta-voz da tarefa do grupo. Quando isso ocorre
e o grupo consegue trabalhar a tarefa proposta, temos o seguinte significado: as
dificuldades1 foram superadas.

Quando as dificuldades se cristalizam, – foi este o cenário escolar de deso-


lação que Ghani encontrou na Escola Técnica – impedem que outras formas de
agir e pensar sejam construídas pelos grupos. Forma-se um círculo vicioso que
somente o líder de mudança consegue romper. No entanto, os elementos para
romper o círculo vicioso já preexistiam no grupo, o líder de mudança foi capaz
de percebê-los. Na medida em que o grupo, que é operativo, passa a oferecer
espaço para que todos os seus membros aprendam a pensar diferente e a agir de
maneira mais consciente, são criadas as condições para um envolvimento mais
criativo das pessoas. Isso provoca a construção de novas competências, tomada
de decisões e um novo leque de opções se abre para as pessoas. Os papéis que
os participantes do grupo começam a desempenhar têm ligações com a tarefa
coletiva do grupo e lhes permite descobrir seus modos de ação nessa tarefa.

O líder de mudança não pode ignorar que trabalho de transformação sempre


se depara com situações difíceis de serem superadas e que, frequentemente,
geram grandes contradições2. No início da tarefa coletiva é muito difícil esta-
belecer um relacionamento que permita aos sujeitos internalizarem modelos

1
As dificuldades se constituem como verdadeiras barreiras para o relacionamento do grupo e para a realização das tarefas, ou seja barreiras para
a tranformação.
2
Entre o conjunto de contradições, a mais corriqueira é contar que, de um lado, a comunidade escolar deve compreender quais são as necessidades
comuns do grupo, e como elas devem ser trabalhadas de forma a levar o grupo a efetuar as mudanças necessárias para atingi-las; de outro lado,
a força de uma educação pautada em modelos autoritários e inibidores de uma participação efetiva e criativa engessa o processo de tomada de
decisões.

128
Gestão Escolar: consenso e conflito – a complexidade dos processos grupais

diferentes de sentir e pensar, de agir e de desejar. Os sujeitos, por não possu-


írem ainda a clareza necessária para agir diante da nova situação, geralmente
se perdem. Assim, um tempo de confusão se instala e é bastante comum que
surjam mal-entendidos, acusações, exigências individuais e defesas de identida-
de. Quando o clima dos relacionamentos piora é também comum a expulsão de
pessoas que melhor representam a perspectiva de transformação e, como esta
é muito ameaçadora à situação conhecida e segura (embora contenha aspectos
negativos), os sujeitos encontram motivos para expulsar os membros que dese-
jam a mudança, que passam a ser considerados perigosos. O líder de mudança
não está imune a esse risco.

Essas situações relatadas podem comprometer, e muito, o trabalho do líder de


mudança, pois a força de resistência de alguns participantes pode encaminhar
o grupo para a paralisação. Dessa forma, o que é feito hoje, amanhã é desfeito;
qualquer sinal de dificuldade é motivo suficiente para paralisações maiores.

Pela falta, nas pessoas do grupo, de um modelo internalizado de um líder não


autoritário,um líder democrático como Ghani, ficam esperando um tipo “chefão”
que lhes dê ordens, o que é garantia de que não haverá confusão, ou seja, fogem
da saudável discussão que encaminha os conflitos de opiniões a um consenso
de ideias similares. Em termos psicológicos, a confusão gera dois sentimentos
opostos: querer e não querer ser comandado. Não querem o comando, porque
já começaram a perceber que são capazes de trabalhar e de se envolver na ação
coletiva, mas querem o comando para se livrarem da ansiedade gerada pela au-
tonomia que ainda está em processo de construção interna e, portanto, ainda
não se sentem suficientemente instrumentados para ela.

Começa a fazer sentido para os sujeitos a maneira nova de conhecer a reali-


dade, de pensar e sentir de forma integrada e criativa, de um agir crítico. Contu-
do todas essas novas dimensões ainda exigem um enorme esforço de realização.
Nesta situação, a ação coletiva tem tudo para se constituir (e instituir, também)
como algo que ajudará os sujeitos a superarem suas dificuldades pessoais. E é
em nome da superação das dificuldades que as pessoas se arriscarão a experi-
mentar algo novo em seus cotidianos. Ou seja, a superação representa o princí-
pio e o fim de uma participação consciente e a motivação do processo árduo e
difícil que precisa ser vivido para que os objetivos coletivos sejam atingidos.

A ação coletiva está umbilicalmente ligada à transformação em amplo sentido,


pois tudo muda: as tarefas do grupo, as pessoas e os objetivos. A própria ação co-
letiva é um processo em transformação em que cada ponto de chegada já contém
a semente de um novo ponto de partida, ou como nos mostra Guimarães Rosa:
129
Gestão Escolar: consenso e conflito – a complexidade dos processos grupais

“Digo: o real não está nem na saída nem na chegada, ele se dispõe para a
gente é no meio da travessia.”

Atividades
A história de Ghani, narrada nesta aula, ilustra muito claramente quanto são
complexos os processo grupais, e o quanto o gestor precisa estar apto a ma-
nejar os conflitos que surgem no cotidiano da escola.

Conte novamente a história, enriquecendo-a com a sua experiência, fazendo


com que o narrador seja:

a) o próprio Ghani.

130
Gestão Escolar: consenso e conflito – a complexidade dos processos grupais

b) um professor da escola.

c) um funcionário.

131
Gestão Escolar: consenso e conflito – a complexidade dos processos grupais

d) um dos alunos da escola em que Ghani era diretor.

Referências
CARR, W. Quality in Teaching. Londres: Falmer, 1990.

CHIAVENATO, I. Teoria Geral da Administração. São Paulo: Mc Graw-Hill, 1994.

DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. 2. ed. São Paulo: Papirus,
1996.
132
Gestão Escolar: consenso e conflito – a complexidade dos processos grupais

ELLIOT, J. School effectiveness research and its critics: alternative visions of scho-
oling. Cambridge Journal of Education, v. 26, n. 2, p. 199-224, 1996.

FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz
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Research Association, 1994. (Trabalho apresentado na BERA Conference).

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MAIA, Graziela Z. A. (Org.). Administração e Supervisão Escolar: questões para


o novo milênio. São Paulo: Pioneira, 2000.

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PICHON-RIVIÈRE, E. Psicologia da Vida Cotidiana. São Paulo: Martins Fontes,


1998.

______. O Processo Grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1998a.

133
Vídeo

Gestão e autonomia da escola

A nossa aula de hoje vai tratar da temática gestão, que “é administração,


é tomada de decisão, é organização, é direção” no processo de aprendiza-
do e de luta política, ela implica concordando com Cury (2002, p. 165) “um
ou mais interlocutores, com os quais se dialoga pela arte de interrogar e
pela paciência em buscar respostas que possam auxiliar à educação”.

Nesse sentido, propomos na aula um passeio pelos campos da gestão e


autonomia da educação dando ênfase à proposta pedagógica, que pode
ser lida aqui como projeto político pedagógico.
Autonomia, como entendê-la?

A autonomia está sempre associada à ideia de liberdade, que é um


princípio constitucional. A autonomia e a liberdade fazem parte da pró-
pria natureza do ato pedagógico. Além de associarmos a autonomia à li-
berdade, podemos ligá-la à temática da democracia, da independência e
da participação.
E qual seria o papel da autonomia referente à escola/família?

O papel da autonomia, nessa perspectiva, seria o de aproximar escola e


família, permitindo uma participação mais efetiva da comunidade e colo-
cando na escola a responsabilidade de prestar contas do que faz ou deixa
de fazer. Está intimamente ligada à identidade da escola: sua missão, seus
princípios e valores, seus clientes e os resultados a que deseja chegar. É
preciso deixar claro que conquistar a autonomia não acontece de um dia
para o outro. As mudanças ocorrem gradativamente.
E como seriam essas mudanças?

O primeiro passo seria de uma gestão mais democrática em todos os


níveis: diretores eleitos, abertura à participação através dos conselhos e
colegiados, além de um fluxo de comunicação constante entre as diferen-
tes esferas dos setores. Em seguida, seria dotar as unidades escolares de
boa infraestrutura, recursos pedagógicos e inovações tecnológicas. Nesse
sentido, as escolas precisam estar adequadas ao quantitativo de alunos
que recebem, tendo como referência mobiliário, espaço físico, profissio-
nais etc.
135
Gestão e autonomia da escola

É preciso saber que autonomia e recursos financeiros também estão inter-


ligados. Assim, aplicar os recursos com qualidade é um aprendizado que deve
contar com a participação coletiva. Concluindo e sonhando, eu diria que a au-
tonomia da escola está inserida numa luta maior, pela autonomia da própria
sociedade.

Em seguida apresentamos o novo modelo de autonomia das escolas, corres-


pondente à passagem de uma condição tutelada para a de autorregulação.

(CEAE / UFRJ - Capacitação em projetos pedagógicos. Rio


de Janeiro - Apoio CAPES / Fundação FORD / FUJB - 1999)
Modelo Antigo Modelo Novo
Controle Externo Autonomia
O governo é o responsável direto pela oferta de O governo descentralizada para a diretoria das
educação básica: controla orçamento, pessoal, escolas o controle direto da oferta de educa-
merenda, materiais etc. ção: orçamento, pessoal, merenda, materiais
etc.
Fiscalização/controles burocráticos Avaliação
O papel da escola é cumprir normas, prestar O governo avalia resultados, por exemplo o
informações, executar procedimnetos, e ações desempenho pedagógico das escolas através
planejadas fora dela. do SAEB, taxas de evasão e retenção pelo Cen-
so escolar etc.

Centralização Participação/gestão colegiada


A escola é um elo de longa hierarquia de car- A diretoria da escola é eleita e a gestão é co-
gos e funções comandada pela autoridade legiada, com participação da equipe escolar,
municipal, estadual e federal. pais de alunos, alunos e a comunidade.

Sistemas de informação para controle


Sistemas de informação para a gestão
externo
Remessa de informações, processos, memo- Produção de informações para serem usadas
randos etc., para o uso indeterminado de auto- pela comunidade escolar para acompanhar re-
ridades externas à escola. sultados e processos de mudança, para identifi-
car problemas para apoiar a tomada de decisões,
para atender alunos e suas famílias etc.

E quais seriam os resultados deste modelo?

Esse modelo sinaliza que:

 A educação é de interesse de toda a sociedade de um país. Ela é responsa-


bilidade do Estado e dos profissionais do ensino, mas também é dos pais
em relação aos seus filhos.

 As escolas tuteladas não desenvolvem responsabilidades sobre os seus re-


sultados e nem capacidade para se administrar com agilidade e eficiência.

136
Gestão e autonomia da escola

 A qualidade das escolas não constitui uma definição única para todas as
escolas.

 Há o aumento da responsabilidade de todos os integrantes da equipe, de


cada escola, pelos resultados alcançados.

 Há o desenvolvimento da capacidade administrativa, de forma que a escola


busque a sua identidade. Esta identidade deve refletir, sobretudo, o perfil de
sua clientela e as funções sociais que cumpre junto à comunidade.

Assim, a busca da autonomia exige que a unidade escolar seja dinâmica, e


que o diálogo esteja permanentemente presente.

Falamos, na primeira parte de nossa aula, sobre a Gestão e Autonomia da


Educação. Falamos de gestão, de autonomia, do papel da autonomia referente
à escola/família, de mudanças que ocorrem , e apresentamos um modelo de au-
tonomia das escolas.

Agora vamos conversar sobre o Projeto Político Pedagógico , uma forma de


organização do trabalho pedagógico da escola.

O Projeto Político Pedagógico:


o exercício de responsabilidade coletiva,
criatividade e autonomia da escola
Com o desenvolvimento crescente das sociedades, a educação vem sendo
repensada a cada movimento da história, tendo em vista a sua relação com os
objetivos da sociedade vigente. Temas como a pluralismo político, a emergência
do poder local e a diversidade cultural passam a ser dominantes, o que exige
maior autonomia e novas formas de participação social.

Como tudo isso se traduz na escola?

A escola em nosso país vem de uma tradição de saber enciclopédico e aca-


dêmico, sendo que a educação propicia mais um símbolo de status do que um
mecanismo de redução de desigualdades sociais. Ela vem também acompanha-
da de uma tradição autoritária e de centralização administrativa. Mesmo não
tendo ainda concretizado a universalização do acesso, já está sendo instigada a
implementar a autonomia e a gestão colegiada.

137
Gestão e autonomia da escola

Hoje questões como autonomia, cidadania e participação no espaço escolar


se tornaram temas marcantes no debate educacional brasileiro. Vamos colocar
algumas perguntas significativas, que nos remetem ao tema, e que são feitas
com frequência, quando discutimos este assunto.

Como essa preocupação


vem se traduzindo na prática?
Ela vem se traduzindo pela reivindicação de um projeto político pedagógico
próprio de cada escola.

Qual o papel que exerce na escola o


Projeto Político Pedagógico?
Compreendemos que o projeto político pedagógico é um instrumento de
significativo valor para a escola. Ele é compreendido como o plano global da
instituição ou o projeto educativo, um instrumento teórico-metodológico, cuja
finalidade é contribuir para a organização do conhecimento escolar. Sua cons-
trução deve articular todos os partícipes da realidade escolar (corpo docente,
discente, comunidade), de forma que estes pensem, com base na própria reali-
dade, sobre a singularidade que a caracteriza, sua autonomia, os objetivos das
ações desenvolvidas e a maneira de operacionalizá-las de forma mais política,
crítica e criativa.

Em relação a este projeto, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei


Darcy Ribeiro) – Lei número 9.394 de 1996 – no seu artigo 12, inciso I, propõe,
como um dos objetivos dos estabelecimentos de ensino, a elaboração e a exe-
cução de sua proposta pedagógica. Em relação aos docentes, encontramos no
Artigo 13 – incisos II e V outras referências normativas, que sugerem a sua par-
ticipação na elaboração e no cumprimento dos planos de trabalho, segundo a
proposta pedagógica do estabelecimento, o que inclui a sua participação inte-
gral nos períodos dedicados ao planejamento. Essa tarefa exigirá também, de
todos os professores, o exercício do trabalho interdisciplinar, um maior envolvi-
mento com a realidade do aluno e com a realidade institucional, maior tempo
para pensar os objetivos, o currículo, os métodos e a avaliação da escola. Enfim,
maior envolvimento na discussão sobre os fins e os métodos educativos da ins-
tituição em que exercem suas atividades docentes.
138
Gestão e autonomia da escola

Por que este projeto se chama


político pedagógico?
Porque infere-se que todo projeto pedagógico é por excelência político. Isso
porque não se deve construir um projeto sem um rumo político. Daí, todo proje-
to pedagógico da escola é também político.

Implementar e desenvolver o Projeto Político Pedagógico exige a qualificação


dos profissionais da escola, tanto em relação aos técnico-pedagógicos quanto
aos técnico-administrativos.

Nesse sentido qual é a importância da


construção do Projeto Político Pedagógico?
Ele organiza o trabalho pedagógico da escola, sempre observando a sua inte-
ração com o trabalho administrativo.

Assim, o Projeto Político Pedagógico, é um instrumento de conquista de es-


paços, que serve para:

a) evitar a fragmentação do trabalho pedagógico;

b) minimizar a rotina de tarefas improdutivas;

c) contrapor-se à dependência e aos efeitos negativos da burocracia e do


poder autoritário/centralizador dos setores da administração superior.
(CEAE/UFRJ – Capacitação em projeto pedagógico-Módulo 2, Rio de Janeiro, 1999)

O Projeto Político Pedagógico visa a qualidade de todo o processo vivido pela


escola. Por meio dele busca-se alcançar:

 democratização do processo de planejamento;

 melhoria da qualidade de ensino;

 incentivo às atividades culturais;

 desenvolvimento da avaliação institucional da escola;

 qualificação e desenvolvimento funcional do pessoal técnico-administra-


tivo e técnico-pedagógico;

139
Gestão e autonomia da escola

 agilização da prática administrativo-pedagógica e

 provimento de condições facilitadoras para o efetivo cumprimento dos


fins da escola.

Para Gadotti (2002, p. 37) o êxito do projeto implica sobretudo uma noção de
tempo:

 Tempo político – o da oportunidade política de um determinado projeto;

 Tempo institucional – cada escola encontra-se num determinado tempo


de sua história. Um projeto que é inovador e contagiante para uma escola,
pode não ser para outra;

 Tempo escolar – o período do calendário da escola no qual o projeto é


elaborado pode ser também decisivo para o seu sucesso;

 Tempo para amadurecer as ideias – só os projetos burocráticos chegam


prontos e, por isso, se revelam ineficientes à médio prazo. Ideias novas
precisam de tempo para serem sedimentadas e amadurecidas, para serem
discutidas e para persuadirem.

Nesse sentido que elementos


facilitadores poderíamos destacar
para se ter êxito em um projeto?
Concordando em Gadotti (2002), eu diria que as sete temáticas abaixo elen-
cadas são fundamentais para a elaboração e implantação de um projeto Político
Pedagógico. Vejamos quais são elas:

 Comunicação eficiente. O projeto deve ser factível e seu enunciado facil-


mente compreensível.

 Adesão voluntária e consciente ao projeto. A corresponsabilidade é um


fator decisivo no êxito de um projeto. Todos, ou pelo menos uma grande
maioria das pessoas que transitam na escola, precisam estar envolvidas.

 Suporte institucional e financeiro, que significa vontade política. Todos –


principalmente os dirigentes – devem ter pleno conhecimento e os recur-
sos financeiros devem estar claramente definidos.

140
Gestão e autonomia da escola

 Controle, acompanhamento e avaliação. Um projeto que não envolva


constante avaliação, não permite que se saiba se os seus objetivos estão
sendo atingidos.

 Atmosfera ou ambiente favorável. Não se deve desprezar o componente


mágico-simbólico, que contagia e cimenta a confiança de todos os que se
envolvem no design e concretização de um projeto.

 Credibilidade. As ideias podem ser boas, mas se os que as defendem não


têm prestígio, comprovada competência e legitimidade, o projeto não
pode deslanchar.

 Referencial teórico que respalde os principais conceitos e a estrutura do


projeto.

É bom saber que a falta desses sete elementos dificulta a elaboração e im-
plantação de um projeto Político Pedagógico, novo para a escola.

Na sua construção o Projeto Político Pedagógico deve levar em conta:

 Finalidade da escola;

 Estrutura organizacional;

 Currículo;

 Tempo; calendário da escola;

 Processo decisório;

 Relações de trabalho;

 Avaliação.

Encerrando a nossa aula de hoje, eu gostaria de deixar registrado que o Pro-


jeto Político Pedagógico da escola deve ser um processo de recuperação da
importância e da necessidade do planejamento na Educação. Acompanhá-lo e
avaliá-lo é, por excelência, avaliar os resultados da própria organização do traba-
lho pedagógico.

Espero que vocês tenham tido, através da aula de hoje, uma compreensão
clara sobre gestão e autonomia da educação com ênfase no Projeto Político Pe-
dagógico, que é um organizador de todo o trabalho pedagógico da escola.

141
Gestão e autonomia da escola

Atividade
Então, gostaram da aula? Para a leitura complementar sugerimos o livro Pro-
fessores Reflexivos em uma Escola Reflexiva, Isabel Alarcão, Coleção Questões,
da Editora Nossa Época (2003).

Leia o trecho a seguir e comente-o, à luz do que discutimos na aula de hoje.

Maria do Pilar

Um projeto político pedagógico surge a partir do registro e das experiên-


cias e práticas de cada escola. Ninguém muda por decreto, mas se a escola
parte da reflexão do que foi transformador na sua vivência, ela passa a res-
significar o que, às vezes, fazia de maneira automática e superficial.

A elaboração dos conhecimentos se faz num campo de batalhas, cheio


de interesses de classe e de grupos. Nenhuma escolha na história é ingênua
ou desprovida de intenções. Ao escrever o seu projeto pedagógico, a escola
e seus profissionais estarão escolhendo um tipo de escola, uma forma de
educação. Estas opções, quando refletidas e estudadas, são formadoras.

O professor precisa adquirir consciência de que deve continuamente es-


tudar e construir sua autoformação para, através dessa postura, derrubar a
crença nos modelos. Estes só serão factíveis se construídos a partir da an-
siedade do professor em resolver os problemas que enfrenta no cotidiano
escolar.

Por isto, escrever o projeto pedagógico é formador quando leva o grupo


de educadores da escola ao estudo e busca de novos conhecimentos, ou de
teorias que ajudem a explicar as opções que fizeram/fazem/farão. E, funda-
mentalmente, um projeto de escola só será realmente inovador e transfor-
mador se não desconhecer a história e experiências de seus profissionais.

Fonte: O Projeto Político Pedagógico da escola a partir do saber/fazer dos seus educadores
Disponível em: <www.portalcpp.com.br>.

142
Gestão e autonomia da escola

Referências
BRASIL. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei Federal 9.394). Brasília, 1996.

BRASIL. MEC. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Determina as diretrizes e


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CURY, C. R. J. A educação básica no Brasil. Educação e Sociedade, v. 23, n. 80, p.


169-201, 2002.

DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. 2. ed. São Paulo: Papirus,
1996.

GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José E. Autonomia na Escola: princípios e propostas.


5. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

MAIA, Graziela Z. A. (Org.). Administração e Supervisão Escolar: questões para


o novo milênio. São Paulo: Pioneira, 2000.

UFRJ. Centro de Estudos em Avaliação Educacional (CEAE). Capacitação em


Projeto Pedagógico. Rio de Janeiro, 1999. (Módulo 2).

UFRJ. Centro de Estudos em Avaliação Educacional (CEAE). Programa de apoio


à melhoria do ensino municipal. Capacitação em Gestão Colegiada. Rio de Ja-
neiro, 1999. (Módulo 4). Disponível em: <www.race.nuca.ie.ufrj.br/ceae/modu-
lo4.htm>. Acesso em: 10 dez. 2003.

143
Vídeo

Gestão Escolar e Políticas de Educação

O nosso tema de hoje é bastante instigante, pois trata da gestão e das


políticas de educação.

Para entender a temática em questão se faz necessário compreender as


profundas e aceleradas mudanças pelas quais o mundo moderno passa.
E que transformações seriam essas? Seriam transformações políticas e so-
ciais, que têm, entre outras causas, a globalização da economia.

Observem este quadro sobre globalização:

Globalização supõe interação funcional de atividades econômicas


e culturais dispersas, bens de serviços gerados por um sistema com
muitos centros, no qual é mais importante a velocidade com que se
percorre o mundo do que as posições geográficas a partir das quais
está agindo.
(Cancline, 1999)

Nessa perspectiva, a educação torna-se uma necessidade para a exis-


tência efetiva do cidadão e para enfrentar as transformações que o mundo
atravessa. Podemos dizer então que:

A globalização nos leva a refletir sobre as relações interpessoais, já


que a necessidade de viver e negociar com pessoas de diversas cul-
turas requer tolerância, ética, cooperação, solidariedade e, sobretudo,
respeito às diferenças.

Assim, é preciso lembrar que o homem moderno vive num tempo em


que deve saber lidar, também, com as contradições, nas quais suas ideias
são condicionadas por necessidades de variações e avanços da sociedade.

145
Gestão Escolar e Políticas de Educação

Nesse panorama, as discussões sobre gestão e políticas de educação assumem


crescente interesse, seja nas discussões acadêmicas, seja no que tange às políticas
públicas implementadas no país, nos estados e municípios.

E o que é Gestão? Gestão é administração, tomada de decisão, organização e


direção. Ela está relacionada à atividade de impulsionar uma organização a atin-
gir seus objetivos, cumprir sua função e desempenhar seu papel.

Para Sacristán (1995, p. 15),


A gestão escolar constitui uma dimensão da instituição cuja prática põe em evidência o
engajamento de intenções reguladoras e o exercício do controle por parte da administração
educacional, as necessidades sentidas pelos professores de enfrentar seu próprio
desenvolvimento profissional no âmbito mais imediato do seu desempenho e as legítimas
demandas do cidadão de terem interlocutor próximo, que lhes dê razão e garantia de qualidade
na prestação coletiva deste serviço educativo.

Neste sentido, concordo com Ferreira (2001) quando diz que gestão demo-
crática da educação constrói coletivamente, por meio da participação, a cidada-
nia da escola, de seus integrantes e de todos que dela, de alguma forma, parti-
cipam, possibilitando o desenvolvimento de uma consciência de participação
mais ampla do mundo.

Como o governo vem trabalhando as políticas de educação? O governo vem


investindo, entre outras demandas, em propostas curriculares e programas de
avaliação, objetivando a garantia e manutenção do sistema.

Assim, por trás de um discurso que tem como objetivo a qualidade do ensino,
os neoliberais puderam formular propostas curriculares que vêm sendo utiliza-
das para associar a educação aos interesses do capital, onde a melhor propa-
ganda é a consolidação de um currículo comum para ser divulgado em âmbito
nacional.

E qual seria o propósito deste currículo? O seu propósito maior seria determi-
nar as diretrizes da educação nacional.

Observem este quadro em que a LDB 9.394/96 explicita, nos artigos 9.°,
26.°, 27.°, padrões curriculares, que devem ser seguidos em todo o território
nacional.

No que se refere às diretrizes curriculares nacionais, o Conselho Nacional de


Educação – CNE, tem caráter deliberativo para a questão.

146
Gestão Escolar e Políticas de Educação

No artigo 9.º, a União terá a incumbência de:

IV – estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os


Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino
fundamental e o ensino médio que nortearão os currículos e seus conteú-
dos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum.

Já no artigo 26,

Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base na-


cional comum, a ser complementada em cada sistema de ensino e esta-
belecimento escolar, por uma parte diversificada da cultura, da economia
e da clientela.

Analisando o contido no artigo 27, percebe-se que

Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as se-


guintes diretrizes:

I. A difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos di-


reitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem
democrática;

II. Consideração das condições de escolaridade dos alunos em cada


estabelecimento;

III. Orientação para o trabalho;

IV. Promoção do desporto educacional e apoio às práticas desporti-


vas não formais.

Ainda sobre políticas educativas e o papel que exerceria o Banco Mundial,


podemos dizer que é importante registrar a forte intervenção dessa instituição
na definição das nossas políticas educativas a partir dos anos oitenta. Nesse sen-
tido, a importância do Banco Mundial hoje, segundo Soares (2000, p. 15) deve-
-se não apenas ao volume de seus empréstimos e abrangência de suas áreas de
atuação, mas também, ao caráter estratégico que vem desempenhando no pro-
cesso de reestruturação neoliberal dos países em desenvolvimento, por meio de
políticas de ajuste estrutural.

147
Gestão Escolar e Políticas de Educação

No Brasil, segundo Soares (apud WARDE; HADDAD, 2000, p. 9) a “cooperação


técnica e financeira” do Banco Mundial ao setor educacional não é nova: data
dos anos 1970. A novidade, porém, diz respeito à natureza e à dimensão de sua
influência, tanto pelo volume de recursos aplicados, quanto, e especialmente,
pelo impacto das suas orientações nas reformas educacionais.

Nessa perspectiva, seguindo as diretrizes do Banco Mundial, os princípios da


ideologia neoliberal têm sido utilizados no campo educacional para sinalizar me-
didas com o objetivo de fazer com que a educação seja mais competitiva, mais
produtiva e mais sintonizada com as demandas das empresas e das indústrias.

Falamos até agora, na primeira parte de nossa aula, das transformações polí-
ticas, sociais e econômicas que influenciam a educação. Falamos sobre transfor-
mações ocorridas no mundo moderno, conceituamos Globalização e Gestão, bem
como sinalizamos currículo como uma política educativa. A partir de agora vamos
visualizar currículo como estratégia nas mudanças do cenário educacional.

Atualmente, na maioria dos países ocidentais, as políticas educativas têm


tomado como objeto eixos diferenciados, como parte de uma estratégia comum
nas tentativas de mudança radicais na educação. (CONTRERAS, 1999, p. 74). Essas
mudanças se referem, por exemplo, à política sobre currículo, à política sobre
escolas, à política sobre avaliação e à política sobre o magistério, todas conside-
radas significativas no cenário educacional.

A reforma de ensino implementada pela Lei 9.394/96 refere-se à questão cur-


ricular, por meio do estabelecimento de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),
adotados inicialmente para as quatro primeiras séries do ensino fundamental.

Segundo Moreira e Macedo (2000, p. 107), ainda que as políticas curriculares


adotadas no Brasil apresentem características próprias, que as distinguam das
que se realizam noutros países, não se pode deixar de inscrevê-las num marco
global de reformas que atribuem ao currículo um papel de relevo na transforma-
ção dos sistemas educacionais. Conforme os autores (ibidem), a comparação de
recentes reformas realizadas nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Brasil e Argen-
tina evidencia aspectos comuns, que podem ser vistos, portanto, como tendên-
cias internacionais em cujo âmbito elas se situam. São elas:

 adoção de um modelo centralizado de currículo coexistente com proces-


sos de desregulação de outros aspectos da educação;

 recurso às equipes de notáveis para a definição do conhecimento oficial;

148
Gestão Escolar e Políticas de Educação

 elaboração de propostas detalhadas, extensas e complexas;

 associação do currículo com um sistema nacional de avaliação.

(TERIGI, 1997, apud MOREIRA; MACEDO, 2000, p. 12 - 13)

Percebe-se, diante de tal quadro, que o currículo tem como principal parcei-
ro um sistema de avaliação que objetiva a eficiência na busca da hegemonia
ideológica.

No final da década de 1940, o Brasil implementou um projeto curricular edu-


cacional com projeção nacional baseado nas ideias do educador Ralph Tyler
(1974), explicitadas no texto Princípios básicos de currículo e ensino. O autor
propõe quatro grandes questionamentos que, segundo ele, permitem elaborar
qualquer currículo ou plano de ensino se forem respondidos adequadamente.
Quais seriam esses questionamentos? Seriam os seguintes:

 Que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir?

 Que experiências educacionais podem ser oferecidas, para que tenham


probabilidade de alcançar esses propósitos?

 Como organizar efetivamente essas experiências educacionais?

 Como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados?

Nesse sentido, percebe-se que a estrutura básica de Tyler está centrada em


objetivos, conteúdos, orientações básicas e critérios de avaliação, passos consi-
derados pelo autor muito importantes na elaboração de projetos curriculares.

Refletindo um pouco mais, é interessante notar que, ainda hoje, os questio-


namentos propostos por Tyler vêm servindo aos administradores e supervisores
na elaboração de projetos curriculares em seus respectivos sistemas educacio-
nais. Nesse sentido, ainda que estejamos em um novo milênio e, consequente-
mente, sob um novo paradigma, pode-se observar a atualidade desse grande
educador.

A influência de Tyler está presente na proposta de César Coll? A resposta seria


afirmativa, levando-se em conta que a estrutura curricular dos PCN está basea-
da nas propostas do psicólogo espanhol César Coll. É preciso deixar claro que
Coll, mesmo sendo defensor do construtivismo, fundamentou sua proposta em
bases muito semelhantes às ideias de Ralph Tyler.

149
Gestão Escolar e Políticas de Educação

No modelo de Coll (1996) pode-se observar uma estrutura com componen-


tes curriculares do ensino obrigatório, que apresentamos a seguir:

Fontes do currículo: análise socioantropológica,


Âmbito legal básico psicológica, pedagógica e epistemológica.

Componentes curriculares do ensino obrigatório


Finalidades do sistema educacional

Objetivos gerais do ensino obrigatório

Objetivos Objetivos Objetivos Objetivos Objetivos


gerais da gerais do gerais do gerais do gerais do 1.º ciclo
pré-escola ciclo inicial ciclo-médio ciclo-superior secundário

Áreas Áreas Áreas Áreas Áreas


curriculares e curriculares e curriculares e curriculares e curriculares e
O. G. de área O. G. de área O. G. de área O. G. de área O. G. de área

Componentes organizativos do ensino obrigatório

É preciso lembrar que a visão de conjunto dos componentes curriculares do


ensino obrigatório parte do âmbito legal englobando, também, as finalidades do sis-
tema educacional, definidas na LDB – Lei 9.394/96, objetivando definir as unidades
de tempo do currículo – ciclos – e as áreas em que esse currículo está organizado.

Um segundo aspecto que se sobressai no modelo apresentado anteriormen-


te, diz respeito às fontes do currículo. Para Coll, a elaboração curricular deve ter
em conta a análise da realidade operada com referenciais específicos.

Observem os aspectos referentes à análise da realidade.

 Socioantropológico: que considera os diferentes aspectos da realidade


social em que o currículo será aplicado.

 Psicológica: que se volta para o desenvolvimento cognitivo do aluno.

 Epistemológica: que se fixa nas características próprias das diversas áreas


do saber tratadas pelo currículo.

 Pedagógica: que se apropria do conhecimento gerado na sala de aula


em experiências prévias. (Capacitação em Projeto Pedagógico Modelo – 2
CEAE/ UFRJ – 1999).

150
Gestão Escolar e Políticas de Educação

Dentro do modelo apresentado por Coll, o que se pode perceber? Percebe-


mos que esse modelo apresenta três níveis de concretização ou níveis decisórios
sobre questões curriculares:

 O primeiro nível compete à autoridade central na qual são definidas as


finalidades da educação; os objetivos gerais do ensino obrigatório, do ci-
clo e da área; os conteúdos e as orientações didáticas para as atividades
de ensino e avaliação.

 O segundo nível de concretização é referente à temporalização e sequen-


ciação dos aprendizados, também ao cargo de grupos responsáveis pela
administração da educação.

 O terceiro nível refere-se aos “diferentes programas de ação didática em


função das características concretas das diversas situações e educativas”
(p. 177). Para Coll, esse nível de concretização é de responsabilidade de
centros escolares (que para nós se refere a escolas ou grupos de escolas).
Assim, esse 3.º nível, apesar de não estar inserido concretamente no Proje-
to Curricular Básico, funciona como uma ilustração da maneira de utiliza-
ção do projeto dentro da realidade de cada escola.

Falando de Parâmetros Curriculares Nacionais – (PCN), quais seriam as contri-


buições do modelo de César Coll?

Com base nesse modelo, os PCN são norteados pelos objetivos gerais do ensino
fundamental, em consonância com as diretrizes gerais estabelecidas pela LDB:

 Compreender a cidadania com participação social e política, assim como


exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando no dia a
dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respei-
tando o outro e exigindo para si o mesmo respeito.

 Posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes


situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e
de tornar decisões coletivas.

 Conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais,


materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção
de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao país.

 Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem


como os aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se
contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe so-
cial, de crença, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais.
151
Gestão Escolar e Políticas de Educação

 Perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambien-


te, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo
ativamente para a melhoria do meio ambiente.

 Desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de


confiança em suas capacidades afetivas, físicas, cognitivas, éticas, estéti-
cas, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseve-
rança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania.

 Utilizar as diferentes linguagens – verbal, matemática, gráfica, plástica e


corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias,
interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e
privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação.

 Saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para


adquirir e construir conhecimentos. (MACEDO; LIMA, 2001, p. 106).

Atividades
Para concluir a nossa aula, estamos colocando alguns pontos essenciais para
a sua reflexão.

Leia com atenção, reflita e procure redigir um pequeno texto sobre a gestão
escolar, no contexto delineado pelas afirmações apresentadas.

1.ª Os anos 1990 contaram efetivamente na América Latina, e em especial


o Brasil, com a participação do Banco Mundial, buscando orientar global-
mente as políticas educativas, mediante a assistência ao governo durante o
processo de elaboração.

2.ª As políticas públicas brasileiras incorporaram este projeto econômico,


subordinando o setor da educação à racionalidade do universo econômico.

3.ª Alguns princípios, estabelecidos de acordo com o Banco Mundial, têm


sido utilizados no cenário educacional, para tornar a educação mais compe-
titiva, mais produtiva, mais sintonizada com as demandas das empresas e
das indústrias.

4.ª Esses princípios podem se refletir, por exemplo, na adoção de Parâme-


tros Curriculares Nacionais (PCN) propostos pelo MEC, tendo como consultor
César Coll, adepto do construtivismo, e também consultor da Reforma Curri-
cular Espanhola.
152
Gestão Escolar e Políticas de Educação

5.ª A reflexão sobre gestão democrática da educação requer mais do que


simples mudanças nas estruturas organizacionais; requer mudança de para-
digmas que fundamentem a construção de uma nova Proposta Educacional
e o desenvolvimento de uma gestão diferente da hoje vivenciada.

6.ª É na escola que a gestão educacional tem o seu campo primordial de


repercussão, considerando ser nesta instituição que se materializam as polí-
ticas e programas governamentais para a Educação, dela retornando para a
sociedade.

153
Gestão Escolar e Políticas de Educação

Esperamos que possam refletir sobre tudo que foi dito na aula de hoje e, em
especial, sobre a importância da escola para uma efetiva mudança nesse pano-
rama e sobre a participação do gestor escolar neste processo.

154
Gestão Escolar e Políticas de Educação

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lo4.htm>. Acesso em: 10 dez. 2003.
155
Vídeo

A complexidade da gestão de sala de aula

Esta aula tem como objetivo ver o professor como gestor não somente
do processo de ensino, o que pode parecer óbvio, mas que lamentavel-
mente não está ainda incorporado à tarefa, que este profissional da edu-
cação deve tomar para si, mas do ofício de administrar as relações que
estão embutidas no complexo microcosmo da escola e da sala de aula.
Vamos então empreender essa viagem teórica pela escola e analisar as
várias dimensões presentes nesse cenário educacional que se apresentará
aos nossos olhos curiosos.

A consideração de que os comportamentos humanos não podem ser


interpretados à margem do âmbito em que se manifestam, teve uma
enorme repercussão na Psicologia e, por isso, vem influenciando, de ma-
neira considerável, tanto a conceituação quanto o estudo do psiquismo
humano. Frente às perspectivas dominantes durante longo tempo, que
fizeram da Psicologia uma ciência fundamentalmente “acontextual”, o en-
foque ecológico vem exigindo a análise dos contextos e das relações que
se estabelecem entre esses contextos como uma condição imprescindível
para a compreensão e a interpretação do funcionamento e desenvolvi-
mento das pessoas.

Segundo Bronfenbrenner (1987, p. 19), o representante mais conhe-


cido e atuante da psicologia ecológica, “as capacidades humanas e sua
realização dependem em grande parte do contexto mais amplo, social e
institucional, da atividade individual”. Nesta perspectiva, e nos colocando
no âmbito da educação formal, a aprendizagem dos alunos, o comporta-
mento docente e as decisões de ensino que os professores assumem não
podem ser entendidas em toda a sua complexidade sem considerar os
contextos em que ocorrem. Portanto, o conceito de contexto, peça-chave
nesta reflexão teórica, merece algumas considerações.

Em primeiro lugar, destaco que esse conceito nos remete à ideia de


multiplicidade. Como as Matrioskas, aquelas bonecas russas que vão se
encaixando umas nas outras, o âmbito da atividade individual que o aluno
realiza em um tempo determinado é formado por um conjunto de estru-
turas seriadas.
157
A complexidade da gestão de sala de aula

A primeira estrutura é o contexto imediato no qual a atividade é realizada


– a aula. O contexto aula está encaixado no contexto escola e esse no contex-
to sistema educacional. Entre esses dois últimos podemos distinguir, também,
alguns outros contextos intermediários: o contexto social e comunitário em que
a escola está inserida, o contexto administrativo imediato, o contexto da política
educacional em geral etc. A atividade do aluno, que é objeto de nossa atenção,
faz parte simultaneamente de outros contextos: o contexto familiar, o contexto
do grupo de amigos etc.

Em segundo lugar, por apresentar um caráter múltiplo e inter-relacionado, o


conceito de contexto desdobra-se em várias implicações. Parece óbvio que, por
um lado, compreender as capacidades humanas e a sua realização nos exige a
adoção de uma abordagem contextual. Isso significa que para compreender a
aprendizagem escolar tal como é produzida e os seus resultados, precisamos
analisar o contexto imediato em que a atividade de aprendizagem se desenvol-
ve; ou seja, o contexto da aula, assim como os contextos de nível superior nos
quais o contexto-aula se encaixa, o que necessariamente nos remete ao contex-
to da instituição escolar e ao contexto do sistema educacional.

Por outro lado, para compreender de forma adequada a aprendizagem esco-


lar, precisamos levar em conta os diferentes contextos em que habitualmente o
aluno está imerso. As relações entre família e escola adquirem também valor e
potencial educativo. Por fim, quando nos atemos ao caráter múltiplo e inter-re-
lacional dos contextos em que se produz a atividade, podemos concluir que “as
capacidades humanas e sua realização mantêm intensas relações com os con-
textos imediatos em que se encontra o homem”. No nosso caso, a aprendizagem
do aluno, em se tratando da educação formal.

Assim, seria um equívoco considerar o contexto em que se realiza a atividade


individual como uma realidade predefinida e imutável. Na perspectiva da psico-
logia ecológica, o conceito de contexto transcende uma descrição objetiva. O
que interessa é a forma como é percebido, a maneira como o sujeito que realiza
a atividade efetivamente percebe e interpreta o contexto.

As tarefas concretas em que o aluno participa com as outras pessoas (profes-


sores, colegas e demais atores institucionais) e as atividades que essas pessoas
realizam na presença do aluno, constituem os elementos ou aspectos do contex-
to imediato que mais incidem nas capacidades humanas e na sua realização.

158
A complexidade da gestão de sala de aula

Portanto, para analisar, compreender e explicar os processos de aprendiza-


gem nesse microssistema que é a escola, é preciso estudar também os padrões
de atividade que podem ser traduzidos pelas condutas verbais e não verbais
dos participantes (professores e alunos). Para isso é necessário focar nossa
atenção nas “atividades, nos papéis e nas relações em que a pessoa intervém”.
(BRONFENBRENNER, 1987, p. 30). Agora, vamos ver em que consistem esses três
elementos.

As atividades escolares de ensino e de aprendizagem que professores e


alunos praticam na escola possuem uma série de características comuns: são
planejadas e intencionais; desenvolvem-se em intervalos de tempo amplos, ou
relativamente amplos, visando provocar mudanças duradouras e profundas no
comportamento dos alunos; e são orientadas para a obtenção de resultados.

Entretanto, sabemos que tais atividades podem apresentar importantes dife-


renças entre elas e que, portanto, repercutem de formas diversas sobre a aqui-
sição de novas capacidades entre os alunos. Essas variações afetam um extenso
conjunto de dimensões – objetivos que perseguem, complexidade estrutural,
maior ou menor adequação às suas reais possibilidades de aprendizagem e de
desenvolvimento, maior ou menor sentido que tais atividades têm para os alunos
etc. –, que configuram as atividades concretas das quais os alunos participam.

O enfoque ecológico explica a repercussão potencialmente diferente das ati-


vidades sobre o desenvolvimento humano por meio de uma hipótese que, apli-
cada ao microssistema escola, pode ser enunciada assim: a aquisição de novas
capacidades por parte dos alunos dependerá, em grande parte, do significado
ou intenção que as atividades de ensino e aprendizagem tenham para esses
alunos e, também, da variedade substantiva e a complexidade estrutural dessas
atividades.

O segundo elemento ou fator que precisamos considerar, para estudar os


padrões de atividades que caracterizam qualquer microssistema, é constituído
pelos papéis dos participantes. Distinguimos com facilidade, em uma situação
educacional formal, os papéis de gestor escolar, de professor ou professora, de
aluno ou aluna; como também no microssistema familiar, no qual os papéis de
pai e mãe mostram-se associados aos papéis de filho e filha.

Hargreaves (1977) usa o conceito de papel para referir-se às expectativas


de comportamento associadas com a posição que uma pessoa ocupa em um

159
A complexidade da gestão de sala de aula

âmbito determinado – o que implica a existência de algumas adequadas previ-


sões sobre o comportamento que são, também, adequadas para a pessoa que
ocupa uma posição específica.

Exemplificando o que acabei de expor, nas situações escolares de ensino e de


aprendizagem, um dos protagonistas, o ensinante, dedica grande parte de seu
tempo para formular aos outros, os alunos, perguntas cujas respostas já conhece
previamente. Trata-se de um comportamento esperado nessa situação e para
esse microssistema escola, porém, seria considerado bizarro em uma situação
diferente da escolar. Um outro exemplo é o desconforto que os alunos podem
sentir, e sentem, quando um professor decide não se sujeitar ao que se espera
dele quando reduz ou muda, de forma drástica, as medidas disciplinares, ou seja,
quando propõe deixar de explicar e sugere aos alunos que preparem, por sua
conta e risco, a apre “expectativas de papel”, que incluem desde as ações mais
diretas até aspectos ligados a valores, ética, equidade.

Voltando ao conceito de posição, é preciso destacar que algumas posições já


estão previamente determinadas, como raça, idade e sexo, outras são adquiridas,
como as que são produtos do trabalho ou da função que as pessoas exercem. Os
papéis e as expectativas do comportamento humano e no espaço escolar – mi-
crossistema escola, em termos da abordagem ecológica – são objetos de estudo,
em profundidade, da Psicologia Social.

A importância do papel reside nas associações com as expectativas sobre o


comportamento da pessoa que o assume: como essa pessoa se relacionará com
os outros e como espera que se relacionem com ela. No microssistema escola, é
costume esperar de um professor que ele exerça um determinado tipo de con-
trole sobre a gestão da aula, que desenvolva com competência as suas funções
de instrutor e que promova a aprendizagem dos alunos. Ao mesmo tempo,
tem-se a expectativa de que os alunos aceitem a autoridade do professor, que se
adaptem às regras e normas da escola e das práticas pedagógicas, que mostrem
interesse, dedicação, atenção e envolvimento nas tarefas escolares etc.

Cabe esclarecer ainda que o papel é, ao mesmo tempo, um elemento do mi-


crossistema e um exemplo claro da influência ou incidência do macrossistema.
As expectativas associadas ao papel de gestor, professor, aluno ou funcionário
estão, em grande parte, condicionadas e parcialmente determinadas por fato-
res ideológicos e institucionais. Por um lado, isso explica a pressão e o controle
social e ideológico que sempre é exercido junto com as expectativas do papel.

160
A complexidade da gestão de sala de aula

Por outro lado, compreendemos a dificuldade de comportar-se quando se


exerce um papel em oposição aberta às expectativas associadas que esse papel
carrega. Por fim, podemos entender que as expectativas de papel submetam-
-se a uma mudança constante, de acordo com a evolução das ideias sociais e as
mudanças ideológicas.

Os papéis não são um modelo rígido e inflexível, como um roteiro totalmente


predeterminado que as pessoas que o exercem devem seguir ao pé da letra. O
conceito de exercício de papel nos fornece a ideia precisa de que, mesmo que
haja certas expectativas de comportamento e de relacionamento associadas
com o papel, cada pessoa tem uma maneira singular e idiossincrática de exercê--
-lo. Por isso, o exercício do papel sempre representa, com menor ou maior in-
tensidade, uma certa tensão entre as expectativas que estão associadas a ele e a
sua interpretação por uma pessoa em particular. Assim, por exemplo, enquanto
para um professor exercer o papel de gestor da aula pode representar assumir
um controle bem grande sobre as tarefas que essa gestão comporta (transcrever
diariamente as atividades, proporcionar o material necessário, supervisionar a
tarefa de cada aluno etc.), um outro professor pode garantir os mesmos procedi-
mentos ao encarregar os alunos de assumir essas tarefas, elegendo um secretá-
rio encarregado de distribuir o material, utilizando instrumentos que permitam
que os próprios alunos controlem as atividades realizadas etc.

Em relação ao conceito de papel, vale a pena apontar, também, que é bas-


tante comum que as pessoas exerçam papéis diferentes nos diversos microssis-
temas em que participam. Assim, o professor faz o papel de professor na aula;
o de colega entre os demais professores; o de pai de família; o de cidadão na
atividade política; o de amigo no seu grupo social etc. Experimente refletir sobre
alguns papéis que são acrescidos a estes, quando o professor assume a condição
de gestor escolar.

O mesmo ocorre com o aluno: papel de aluno na aula, o de filho em casa, o


de colega com seus companheiros etc. Porque as pessoas não funcionam como
compartimentos estanques, o exercício do papel em cada um dos microssiste-
mas é influenciado por outros microssistemas e pelos papéis que elas ocupam,
influenciando, por sua vez, todo o conjunto. Além de influenciar o conjunto de
microssistemas, de acordo com as contribuições da psicologia ecológica e seus
estudos sobre desenvolvimento humano, este é favorecido pela participação
em um amplo repertório de papéis e também pela interação entre as pessoas
que ocupam papéis diferenciados.

161
A complexidade da gestão de sala de aula

Do ponto de vista do microssistema escola, de que nos ocupamos agora, isso


significa que devemos levar em conta que professores e alunos exercem outros
papéis em diferentes microssistemas, os quais incidem sobre o exercício dos
mesmos. Por tudo o que foi exposto, é importante considerar o mesossistema1 e
as relações estabelecidas entre os diferentes sistemas em que o aluno participa
e em que está se formando para poder analisar, compreender e explicar a apren-
dizagem escolar, suas capacidades e realizações.

Para Bronfenbrenner, o terceiro e último fator ou elemento que precisa ser


considerado para estudar os padrões de atividades que caracterizam um mi-
crossistema, são as relações que os participantes estabelecem no decorrer das
atividades que realizam. Por entender que a gestão da sala de aula é um padrão
de atividade que requer uma outra maneira do professor se relacionar com os
alunos, é preciso introduzir o enfoque teórico da psicologia ecológica para que
possamos nos situar melhor no microssistema escola. Comecemos pela possibi-
lidade de gestão do conteúdo.

A gestão do conteúdo ocorre quando os professores gerenciam espaços, ma-


teriais, equipamentos, o movimento de pessoas, e aulas que são parte de um
currículo ou programa de estudos. (FROYEN; IVERSON, 1999, p. 128). Os autores
sugerem um conjunto de habilidades que os professores precisam desenvolver
ou aperfeiçoar para gerenciar cada uma das várias dimensões presentes no mi-
crossistema sala de aula. Assim, temos:

Habilidades de gestão instrucional


1. Administrar o ritmo e movimento da aula e dos conteúdos apresentados:

 Evitar os movimentos bruscos: empurrões, penduras, saltos, trunca-


mentos.

 Evitar a lentidão: discursos excessivos, excesso de tarefas, excesso de


ações, uso excessivo de recursos físicos e fragmentação dos conteú-
dos.

1
A ecologia do desenvolvimento humano entende o meio ou contexto em que as pessoas se desenvolvem como uma série de sistemas funcionais
ou estruturas concêntricas e encaixadas, denominadas micro, meso e macrossistemas. Tais estruturas definem-se formalmente: um microssistema é
um padrão de atividades, papéis e relações inter-pessoais que a pessoa em desenvolvimento experimenta em um determinado meio, com caracte-
rísticas físicas e materiais particulares. Um mesossistema compreende as inter-relações de dois ou mais meios em que a pessoa em desenvolvimento
participa ativamente (por exemplo, para um menino, as relações entre o lar, a escola e o grupo do bairro; para um adulto, entre a família, o trabalho e
a vida social). Um sistema refere-se a um ou mais contextos que não incluem a pessoa em desenvolvimento como participante ativo, mas nos quais
são produzidos fatos que afetam o que ocorre no contexto em que ela se encontra, ou que se veem afetados pelo que ocorre nesse meio. Um ma-
crossistema refere-se às correspondências, em forma e conteúdo, dos sistemas de menor ordem (micro, meso e exo) que existem ou poderiam existir,
ao nível da subcultura ou da cultura em sua totalidade, junto com qualquer sistema de crenças ou ideologias que sustenta essas correspondências.
(BRONFENBRENNER, 1987, p. 41- 45).

162
A complexidade da gestão de sala de aula

2. Focar o Grupo:

 gerenciar o formato do grupo.

 gerenciar o grau de responsabilidade.

 gerenciar a atenção.

3. Evitar a saturação:

 progresso.

 variedade.

 estimulação.

Sequenciar e integrar atividades


instrucionais adicionais
1. Gerenciar sessões de revisão diárias.

2. Gerenciar sessões de preleção/apresentação.

3. Gerenciar o estudo individual:

 apresentar as tarefas/exercícios;

 monitorar o desempenho;

 selecionar as tarefas/exercícios;

 avaliar as tarefas/exercícios.

4. Gerenciar o dever de casa.

5. Gerenciar sessões de debate.

6. Gerenciar projetos e sessões de solução de problemas.

7. Lidar com problemas disciplinares relacionados à instrução:

 O aluno ocupa-se de atividades não relacionadas à tarefa/atividade;

 conversando sem permissão (durante aulas expositivas ou palestras de


professores convidados);

163
A complexidade da gestão de sala de aula

 conversando sem permissão (durante a aula);

 o aluno esquece sempre de levantar a mão;

 escuta desatenta e desobediência às instruções verbais;

 tarefas incompletas ou atrasadas;

 atraso ou absenteísmo;

 pouca motivação/não estar fazendo nada;

 colando;

 ansiedade na hora da prova.

Para enriquecer a nossa aula de hoje, vamos “mergulhar” no cotidiano da


gestão da sala de aula, apresentando alguns exemplos concretos que irão con-
textualizar o que falamos, quanto às habilidades de gestão instrucional:

1. A gestão do movimento refere-se à capacidade do professor de organizar


e dirigir o fluir de atividades instrucionais na sala de aula, como:

 evitar movimentos bruscos:

a) empurrões (quando o professor subitamente interrompe, sem avi-


sar, uma atividade que já está acontecendo e dá instruções para
uma outra atividade);

b) penduras (quando o professor deixa uma atividade “pendurada” e


solta no ar, vai a outra, e depois volta à primeira, prejudicando a
continuidade da aula);

c) saltos (uma variação das penduras, quando o professor aparente-


mente termina uma atividade, começa outra e então, surpreenden-
temente, retorna à primeira);

d) truncamentos (quando o professor deixa uma atividade, vai a outra


e nunca retorna à primeira).

 evitar lentidão:

a) discursos excessivos (quando o professor é ponderado em dema-


sia);

b) excesso de explicações (quando o professor gasta tempo demais


dando instruções e explicando);
164
A complexidade da gestão de sala de aula

c) detalhamento demasiado (quando o professor é dominado por de-


talhes ao invés da ideia principal);

d) uso excessivo de recursos físicos (quando o professor concentra-se


em demasiado nos recursos físicos);

e) fragmentação (ocorre quando uma atividade é dividida em partes


menores, mesmo quando isso não é necessário).

2. Focar o grupo – refere-se à habilidade do professor de manter a concen-


tração do grupo durante uma atividade educacional em sala de aula:

 gerenciar o formato do grupo:

a) os professores podem usar uma variedade de estratégias para con-


seguir a concentração do grupo durante a instrução em sala de aula.
Algumas técnicas do professor e reações dos alunos incluem a distri-
buição igualitária de oportunidades de resposta aos alunos (“Eu vou
ser escolhido pelo professor para fazer algo durante essa aula”);

b) ajuda individual (“O meu professor se preocupa comigo e quer que


eu tenha sucesso”);

c) latência ou moratória (“Eu tenho tempo para pensar”);

d) buscar (“O meu professor está fazendo um esforço especial para


ajudar-me a responder”);

e) perguntas de alto nível intelectual (“O meu professor realmente es-


pera que eu pense”);

f ) afirmação ou correção do trabalho do aluno (“O professor vai me


dizer se o meu trabalho escolar é aceitável ou não”);

g) elogiar (“O meu professor está especialmente satisfeito com o meu


trabalho escolar”);

h) dar motivos para elogios (“O meu professor vai me dizer porque
gosta do que eu faço em sala de aula”);

i) dar ouvidos ao que os alunos têm a dizer (“O meu professor está
realmente interessado no que eu tenho a dizer”);

j) aceitar os sentimentos dos alunos ou empatia (“O meu professor


entende como eu me sinto e respeita isso”);

165
A complexidade da gestão de sala de aula

k) estar próximo dos alunos (“O meu professor está perto e isso não
me perturba, gosto da sua presença”);

l) respeito/cortesia com os alunos (“O meu professor me respeita”);

m) interesse pessoal pelos alunos (“Eu sou mais que simplesmente um


aluno para o meu professor; o meu professor me elogia”);

n) desistir (“O meu professor está chateado com o que eu estou fazen-
do, mas não comigo pessoalmente”).

 gerenciar o grau de responsabilidade: criar um sentimento de que to-


dos são responsáveis pelo que acontece no grupo por meio do aumen-
to das interações e da quantidade de feedback dada aos alunos. Eles,
então, irão experimentar um sentimento de satisfação e responsabili-
dade, ao mesmo tempo que percebem estar se tornando mais recep-
tivos.

 gerenciar a atenção por meio do andamento rítmico da aula, entona-


ção da voz, gestos e olhares.

3. Evitar a saturação – refere-se às habilidades do professor de reduzir o tédio


que pode ocorrer durante uma atividade instrucional em sala de aula. Isso
pode ser feito por meio do progresso contínuo da atividade da sala de
aula, criando uma variedade de temáticas acerca do conteúdo e estimu-
lando os alunos:

 Progresso: reestrutura o planejamento, já que este é flexível, quando o


progresso é interrompido ou pela resistência dos alunos à matéria, ou
por outras circunstâncias;

 Variedade: aumenta o interesse e envolve os alunos em atividades que


convidam à investigação e ao entusiasmo;

 Estimulação: oferece materiais e atividades que instigam os alunos a


quebrar a rotina escolar.

Sequenciando e integrando atividades instrucionais adicionais:

1. Gerenciar sessões de revisão diárias: sessões de revisão da instrução do


dia anterior preparam os alunos para um novo aprendizado. Elas são uma
boa forma de medir responsabilidade, mas não devem ser entediantes ou
repetitivas. Para manter uma sessão de revisão interessante, os professores

166
A complexidade da gestão de sala de aula

podem considerar o tipo de material a ser aprendido e adaptar a sessão


de revisão àquele material. Por exemplo, a recitação de informação factual
pode ser feita como uma teatralização; um jogo, por meio do trabalho em
grupo; um relato breve em dupla de alunos etc.

2. Gerenciar as exposições orais e sessões de apresentação: os professores


podem ajudar os alunos a aprender como escutar e tomar notas, usando
várias estratégias:

 conectar uma nova lição a um conhecimento prévio ajuda os alunos a


manter a atenção concentrada por mais tempo;

 o professor também pode incrementar uma exposição por meio do


uso de mídia audiovisual e suplementos escritos (como, por exemplo,
cartazes), movendo-se pela sala de aula para variar a distância entre ele
e os alunos, e intercalando os nomes dos alunos na exposição. (“Supo-
nha que Maria tenha comprado...”). Vale a pena ir checando a compre-
ensão dos alunos durante a exposição do conteúdo.

3. Gerenciar o estudo individual:

 apresentar as tarefas: explicar explicitamente o propósito da atividade


e as estratégias cognitivas que serão usadas, para ajudar os alunos a
concentrarem-se no trabalho.

 monitorar o desempenho: depois da apresentação da tarefa de estudo


individual, deixar todos os alunos na sala para que comecem a ativida-
de. Enquanto realizam a atividade, o professor pode circular entre eles,
ajudando aqueles que estejam tendo dificuldade e fazendo perguntas
para dirigir a atenção deles. Deve-se fornecer a ajuda necessária sem
dar as respostas prontas.

 selecionar as atividades: em algumas tarefas, o professor pode intervir


psicopedagogicamente, auxiliando um pequeno grupo enquanto o
resto da sala completa o estudo individual.

 avaliar as tarefas: dar ênfase às tarefas que possam fornecer ao profes-


sor informações sobre os processos de pensamento e compreensão,
e não somente à criação de habilidade nos alunos para completar a
tarefa com exatidão.

4. Gerenciar o dever de casa: conversar com os alunos sobre as expectativas


do professor para o dever de casa passado, dando exemplos do mesmo
167
A complexidade da gestão de sala de aula

dever de casa bem feito por outras turmas. A quantidade de deveres de


casa varia com a série e com os objetivos da aula. Contudo, tarefas regula-
res que requerem menos tempo são preferíveis, tanto quanto tarefas que
são criadas tendo como primeiro objetivo o interesse do aluno.

5. Gerenciar sessões de debate: o debate em sala de aula será estimulado


com um arranjo das carteiras que permita que todos possam se ver du-
rante os debates. Os professores devem promover a criação de regras co-
letivas que pautem as atividades de debate em sala de aula. Algumas for-
mas de promover este debate envolvem a apresentação e demonstração
da necessidade da existência de habilidades para essa atividade: permitir
que os alunos determinem o propósito do debate para aumentar-lhes a
atenção, definir quem fala, a duração alocada a cada pessoa, a ordem para
falar, o tipo e quantidade de assistência a ser prestada aos alunos que são
relutantes para falar ou que tenham dificuldades em se expor e como de-
cidir quando o tópico do debate deve terminar. Os debates acontecerão
mais facilmente se os professores derem aos alunos instruções que estru-
turem a atividade e que forneçam uma checagem de progresso durante
o mesmo; encorajarem a turma a respeitar as contribuições dos alunos
por meio de escuta respeitosa, usando-as como um prefácio a alguns co-
mentários ou contribuições do professor; ou pedindo a outros alunos que
façam um resumo dos comentários de um outro colega, antes de começa-
rem os seus próprios comentários.

6. Gerenciar projetos e sessões de solução de problemas: para a resolução de


problemas, os alunos devem se beneficiar de momentos de silêncio para
pensar. A duração do silêncio e o nível de demanda intelectual podem ser
maiores durante o ano escolar. Durante o tempo para pensar, os alunos
podem anotar os seus pensamentos na forma de notas abreviadas. O pro-
fessor pode sugerir os passos deste processo, para que os alunos saibam
como funciona, permitindo que eles percebam as várias questões de di-
ferentes ângulos e incluindo algum tipo de fechamento ao final da sessão
de solução de problemas.

7. Lidar com problemas disciplinares relacionados à instrução: durante o es-


tudo individual, é possível e provável que os alunos comecem a ocupar-se
de atividades não relacionadas à tarefa/atividade. Para ajudar a gerenciar
tais atividades não relacionadas, o professor pode:

168
A complexidade da gestão de sala de aula

 dar um lembrete a toda a sala de aula para continuar com a atividade;

 “passar os olhos” pela sala e não se deixar absorver em outras ativida-


des;

 ensinar aos alunos como continuar estudando enquanto esperam pela


assistência do professor.

 conversando sem permissão: para combater este problema, o profes-


sor deve buscar, junto com a turma, as diretrizes para o comportamen-
to dos alunos durante as exposições (por exemplo, nenhuma conversa
sem levantar a mão):

a) converse com o aluno sobre um plano que objetive manter silêncio


quando necessário;

b) defina “tempo quieto” como tempo de atenção e concentração em


uma tarefa (a exposição de um conteúdo e/ou seminário deve ser
considerada como uma tarefa);

c) faça, no máximo, uma reprimenda verbal e um aviso por aula:

d) se a conversa sem permissão se repetir, a turma deverá decidir o


tipo de punição que o colega deverá ter pelo transtorno causado
(como, por exemplo, o aluno passa a dever tempo à turma – antes
ou depois da escola – pela conversa durante o “tempo quieto”).

 Falta de levantar a mão: é útil designar os momentos nos quais é es-


perado dos alunos que eles levantem a mão, aguardando para falar, e
momentos em que não é necessário fazê-lo. Depois de promover essas
distinções, uma boa estratégia é ignorar os alunos que interrompem
sem levantar a mão e escolher os alunos que levantaram-na;

 escuta desatenta e não seguimento das instruções verbais: primeiro


estabeleça com a turma uma regra de sala de aula sobre o escutar, que
deve incluir consequências negativas e positivas tanto para aqueles
que se mantiveram dentro do acordo estabelecido, como para os que
não o seguiram;

 tarefas incompletas ou atrasadas: planeje com antecedência como li-


dar com o dever de casa. Apresente aos alunos um sistema de notas

169
A complexidade da gestão de sala de aula

bem definido, de forma que saibam as exigências acadêmicas que pre-


cisam ser cumpridas. Informe os pais sobre a rotina de dever de casa e
explique a eles e aos alunos como o dever de casa será passado, reco-
lhido, anotado e devolvido. Dê aos alunos um pouco de tempo em sala
de aula, para tentar resolver a tarefa todas as vezes que o dever de casa
for novo ou difícil;

 atraso ou absenteísmo: a chamada pode ser feita ao cumprimentar os


alunos, enquanto eles entram na sala de aula. Comece a aula imedia-
tamente. Construa, junto com a turma, diretrizes sobre os frequentes
atrasos e faltas, e suas consequências no rendimento acadêmico;

 pouca motivação/apatia: para resolver esse problema, é preciso obter


informações sobre os níveis de competências e habilidades dos alunos,
já que esta pode ser a grande causa de desmotivação. A solução para a
apatia pode surgir da seleção, junto com os alunos, de metas e passos
para o sucesso escolar;

 ocorrência de “cola” nas avaliações: para evitar esse problema, sempre


que possível dê aos alunos treinamento em habilidades básicas, ajuda
mútua, e gestão do tempo. Provas, testes e deveres de aula com con-
sulta aos livros minimizam bastante o hábito da cola, além de favorece-
rem a aprendizagem significativa;

 ansiedade na hora da prova: alguns alunos ficam ansiosos quando fa-


zem prova. Os professores podem ajudá-los, observando e tomando
nota de suas estratégias ao fazerem prova e, então, sugerir o uso de
algumas outras formas de estudo e de realização das mesmas.

A psicologia ecológica proposta por Bronfenbrenner nos fornece mais um


instrumento teórico para auxiliar a gestão escolar, pois, na medida que nos
aponta os diferentes sistemas, suas interligações e interações, mostra-nos novas
possibilidades para pensar o todo institucional, seus entornos e os intercâmbios
reais e necessários que precisam ser praticados no processo de gestão. Como
nos aponta Lück (2002, p. 15):
O entendimento do conceito de gestão já pressupõe, em si, a ideia de participação, isto é, do
trabalho associado de pessoas analisando situações, decidindo sobre seu encaminhamento
e agindo sobre elas em conjunto. Isso porque o êxito de uma organização depende da ação
construtiva conjunta de seus componentes, pelo trabalho associado, mediante reciprocidade
que cria um “todo” orientado por uma vontade coletiva.

170
A complexidade da gestão de sala de aula

A gestão da sala de aula pelos docentes está inserida nesse “todo” escolar, ou
no conceito de Bronfenbrenner, é um microssistema inserido dentro de outro
microssistema. A complexidade dessa gestão está diretamente vinculada à com-
plexidade do ofício de ser professor, um profissional que precisa atender simul-
taneamente o fluxo de intercâmbios e seus efeitos na construção de conheci-
mentos e significados pelos alunos, intervir para garantir a aprendizagem e a
vivência democrática nesse microespaço ecológico: a sala de aula.

Atividade
A nossa aula de hoje, ao falar sobre a gestão da sala de aula, apresentou di-
versas “habilidades de gestão instrucional”. Escolha três e elabore exemplos
de situações do cotidiano escolar para ilustrá-las.

171
A complexidade da gestão de sala de aula

Referências
BRONFENBRENNER, U. La Ecología del Desarrollo Humano. Barcelona: Paidós,
1987.

DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. 2. ed. São Paulo: Papirus,
1996.

FROYEN, L.; IVERSON, A.M. Schoolwide and Classroom Management: the re-
flective educatorleader. 3th. ed. Upper Saddle River, NJ: Prentice-Hall, 1999.

______. Em Defesa da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

______. Dits et Ecrits. Paris: Gallimard, 1994.

HARGREAVES, D. H. Las Relaciones Interpersonales en la Educación. Madrid:


Narcea, 1977.

LÜCK, H. Ação Integrada: administração, supervisão e orientação educacional.


Petrópolis: Vozes, 2002.

MAIA, Graziela Z. A. (Org.). Administração e Supervisão Escolar: questões para


o novo milênio. São Paulo: Pioneira, 2000.

172
Vídeo
Formação do educador/
Formação do gestor (parte 1)
Eu “brinquei” tanto de professor quando era adolescente que quando dei minha
primeira aula na Escola Oswaldo Cruz do Recife, nos anos 1940, tive dificuldade em distin-
guir entre o professor imaginário e o real e era feliz nos dois mundos.

(Freire. In: McLaren, 1999, p. 16)

Quem educa o educador?


Olá, que bom encontrar vocês para mais uma aula!

Desta vez, vamos conversar, nesta e na próxima aula, sobre a formação


do gestor escolar. Para isso, no entanto, começaremos falando da forma-
ção do educador, de forma mais ampla.

Escolhemos este depoimento de Paulo Freire – lírico como muitos


deste admirável educador – para iniciar a nossa primeira conversa sobre a
formação do educador.

Quanto à pergunta marxista que dá título a este tópico – Quem educa


o educador? – vamos tentar, pelo menos em parte, respondê-la.

Em uma visão tradicional, apenas as agências formadoras – instituições


de ensino – seriam as responsáveis por esta formação. Em uma aborda-
gem atual, o educador se forma nos cursos – e a formação continuada,
uma necessidade premente, será abordada em um tópico da aula – mas
também na prática social, no cotidiano da ação, no “chão da escola”.

Reiteramos que, se o trabalho é um princípio educativo, isso se aplica


também à educação do educador. O trabalho envolve, em sua dinâmica,
dois polos que se articulam contraditoriamente: teoria e prática; concep-
ção e realização; saber e fazer. Em uma abordagem sócio-histórica da for-
mação humana não pode faltar como referencial teórico. Também o traba-
lho educativo, com a sua dimensão pedagógica, e a formação do educador,
como a de um cidadão-intelectual, serão incluídos neste enfoque.

Outra questão pertinente para esta introdução, e que merece uma re-
flexão por parte de vocês, é a dicotomia entre ciência e arte, no trabalho
do educador.
175
Formação do educador/Formação do gestor (parte 1)

Vamos apresentar a vocês o trecho de uma palestra do educador Anísio Tei-


xeira, proferida por ocasião da inauguração, em 1957, do Centro Regional de
Pesquisas Educacionais de São Paulo, dirigido por outro pioneiro da Escola Nova,
Fernando de Azevedo.
Com o desenvolvimento das ciências físicas e matemáticas e depois das ciências biológicas,
as artes da engenharia e da medicina, obedecendo em suas “práticas” às regras científicas
da observação, da descoberta e da prova puderam frutificar nos espantosos progressos
modernos. Algo de semelhante é que se terá de introduzir na arte de educar, a fim de se lhe
darem as condições de desenvolvimento inteligente, controlado, contínuo, e sistemático, que
caracterizam o progresso científico.

[...] A ciência oferece, assim, a possibilidade de um primeiro desenvolvimento tecnológico,


fornecendo à arte melhores recursos para a investigação dos seus próprios problemas e, deste
modo, sua melhor solução. Num segundo desenvolvimento também tecnológico, oferece
recursos novos para o tratamento e a cura, mas, a arte clínica continua sendo uma arte de
certo modo autônoma, a ser aprendida à parte, envolvendo métodos próprios de investigação
e análise, de registro dos casos, de comparações e analogias, de experiência e tirocínio, em
que, além de um conteúdo próprio mais amplo do que os puros fatos científicos, sobressaem
sempre o estilo pessoal do médico, a sua originalidade e o seu poder criador. A ciência, aliás,
longe de mecanizar o artista ou o profissional, arma a sua imaginação com os instrumentos e
recursos necessários para seus maiores voos e audácias.

Ora, o mesmo é o que há de ocorrer no domínio da educação – da arte de educar. Neste,


o campo precípuo ou específico – “atelier”, laboratório ou oficina – é a sala de classe, onde
oficiam os mestres, eles próprios também investigadores, desde o jardim de infância até a
universidade. São as escolas o campo de ação dos educadores, como o dos médicos são os
hospitais e as clínicas. (TEIXEIRA, 1957, p. 12-17)

Em linguagem de fácil entendimento, Anísio Teixeira fala da ciência e da arte de


educar, estabelecendo algumas comparações entre a medicina e a educação.

Tardiff (2002, p. 206) faz eco ao que diz Teixeira, afirmando que os professo-
res, como profissionais que são, produzem saberes específicos em seu próprio
trabalho e são capazes de objetivar, aperfeiçoar e deliberar sobre as próprias
práticas, tornando-as algo mais que um mero campo de aplicação das teorias
elaboradas externamente a elas. A prática profissional do educador é, portanto,
“um espaço de produção de saberes e de práticas inovadoras pelos professores
experientes”.

Concluindo essa introdução, voltamos ao discurso de Anísio Teixeira que


afirma a importância de uma boa formação para o educador, já que
[...] a situação educativa é muito mais complexa do que a médica. O número de variáveis da
primeira ainda é mais vasto do que o da segunda. Embora já haja médicos com o sentimento
de que o doente é um todo único e, mais, que esse todo compreende não só o doente, mas
o doente e o seu “meio”, ou o seu “mundo”, o que os aproxima dos educadores, a situação
educativa ainda é mais permanentemente ampla, envolvendo o indivíduo em sua totalidade,
com todas as variáveis dele próprio e de sua história e de sua cultura e da história dessa cultura,

176
Formação do educador/Formação do gestor (parte 1)

e mais as da situação concreta, com os seus contemporâneos e os seus pares, seu professor e
sua família. A prática educativa exige que o educador leve em conta um tão vasto e diverso
grupo de variáveis, que, provavelmente, nenhum procedimento científico poderá jamais ser
rigorosamente nela aplicado.

Ainda o mais perfeito método de aquisição, digamos, de uma habilidade, não poderá ser
aplicado rigidamente. O educador terá de levar em conta que o aluno não aprende nunca
uma habilidade isolada; que, simultaneamente, estará aprendendo outras coisas no gênero
de gostos, aversões, desejos, inibições, inabilidades, enfim que toda a situação é um complexo
de “radiações, expansões e contrações”, na linguagem de Dewey, não permitindo nem
comportamento uniforme nem rígido. (TEIXEIRA, 1957, p. 20)

Assim, o educador necessita de uma aprimorada formação, condizente com a


complexa tarefa que assume na sociedade: a formação de toda a geração jovem
que irá delinear a conformação do futuro de uma nação e do mundo.

Cabe a este educador, segundo Grossi (2000, p. 223), a sublime tarefa de “rein-
ventar a escola”. Esse processo, segundo a autora, “não será fruto de uma mera
introdução de novos métodos em questões didáticas ou mesmo pedagógicas.
Ela tem suas raízes numa revisão filosófica que abarca o homem, como sujeito
de sua identidade e das condições da existência coletiva. Ela também não será
fruto da militância nos movimentos sociais dissociados da revolução no âmago
da sala de aula”.

Breve histórico da
formação do educador
Vamos tomar como marco inicial a década de 1970, estendendo esta aborda-
gem até a atualidade. Acreditamos que o conhecimento destes momentos da
formação do educador será de grande valia para entender como este processo
evoluiu no nosso país, nos últimos anos.

Nos anos 1970, influenciada pela visão funcionalista da Educação, pela Psico-
logia comportamental e pela Tecnologia educacional, a ênfase na formação do
educador recaía sobre a dimensão técnica. A preocupação era com os melhores
métodos de treinamento. O professor era o organizador dos componentes do
processo ensino – aprendizagem (objetivos, conteúdos, estratégias de ensino,
avaliação, entre outros). A partir da metade desta década, severas críticas foram
impostas a este modelo, exigindo um maior envolvimento do educador com a
prática social.

177
Formação do educador/Formação do gestor (parte 1)

Na década de 1980, estas críticas ganham força e a tecnologia educacional


sofre severas críticas do marxismo. Ganham destaque dois aspectos: o caráter
político da prática pedagógica e a necessidade do compromisso do educador
com as classes populares. Cresce a denúncia da crise da educação brasileira e o
movimento de defesa de melhores condições para ela.

A segunda metade da década de 1980 é marcada pelas críticas não apenas


à formação do educador, mas à própria concepção do magistério como um sa-
cerdócio, à ideologia da vocação e à desvalorização e descaracterização – assim
como à pauperização e feminização – do magistério. Tudo isso faz com que o
educador da década de 1980 se oponha ao especialista em conteúdo, ao facili-
tador da aprendizagem, ao organizador das condições de ensino-aprendizagem
e ao técnico em Educação, dos períodos anteriores. Vê-se o educador situado na
confluência do técnico com o político. Questiona-se: “formar o professor ou edu-
cador?”, “desenvolver a competência técnica ou o compromisso político?”.

No final da década de 1980, Donald Schön, um dos teóricos que observare-


mos com mais detalhes na nossa aula, propõe a articulação entre a teoria e a prá-
tica, na formação do educador, valorizando o enfoque de que este deve refletir
na sua ação e tornar-se um pesquisador no contexto prático.

Nos anos 1990, a formação do educador reflete os efeitos da chamada “crise


de paradigmas” da Educação. Passa-se a postular a necessidade da articulação
intensa entre a teoria e a prática pedagógicas, entre a pesquisa e o ensino, entre
a reflexão e a ação didática, formando o “professor investigador”. Crescem os es-
tudos sobre os “saberes escolares” como entidades culturais próprias, criações
didáticas originais, e não como um saber único, derivado e transposto, inferior
ao saber científico. É intensa a ênfase na Educação continuada e o professor
passa, de intelectual orgânico, a detentor do saber docente.

Fica nítida nessa abordagem, portanto, a evolução da formação docente, de


objetivar a criação de um mero transmissor de conhecimento, neutro, preocupa-
do apenas com o aprimoramento técnico, para a formação de um agente políti-
co, compromissado com a transformação social das classes populares.

Santos (1995) apresenta seis grandes questões que norteiam, na atualidade,


o debate sobre a formação do educador. São elas:

 A formação do professor começa antes da formação acadêmica e prosse-


gue durante a sua vida profissional.

178
Formação do educador/Formação do gestor (parte 1)

 É preciso analisar a tensão interna à profissão, entre profissionalização e


proletarização.

 É importante trabalhar, nestes estudos, com as categorias de etnia e gênero.

 Deve-se analisar os modelos que orientam os cursos de formação de do-


centes, por meio do exame dos seus currículos.

 Deve-se considerar a formação em serviço (como é formado o professor


durante a sua atividade profissional).

 É necessário incluir, nesta discussão, alguns aportes das teorias pós-estru-


turalistas sobre poder, conhecimento e linguagem.

A autora afirma, em relação ao modelo contemporâneo de formação do edu-


cador, que:
[...] nesta perspectiva, o professor não pode ser visto como uma categoria abstrata, por
intermédio da qual se reproduzem os interesses do capital, ou como um agente poderoso na
manutenção ou mudança da realidade escolar. É na tensão entre determinações estruturais da
sociedade e exigências próprias do sistema de ensino que se concretiza a prática educacional.
Neste contexto, a formação do professor precisa ser analisada com base em teorias que
estabeleçam relações entre o pessoal e o social, o coletivo e o individual ou entre agência e
estrutura. (SANTOS, 1995, p. 25)

Considerando a pertinência desta definição de teorias, para construir uma


base de análise da formação docente, escolhemos quatro: a de Donald Schön, a
de Philippe Perrenoud, a de António Nóvoa e a de Paulo Freire.

Abordagens teóricas significativas


sobre a formação do professor
Como dissemos há pouco, é difícil abordar qualquer assunto, sem um mínimo de
suporte teórico. Isso diz respeito, logicamente, também à formação do educador.

Vamos apresentar a vocês, de forma breve, quatro dessas abordagens.

Donald Schön e o professor reflexivo


Na apresentação da evolução histórica das concepções da formação do edu-
cador, situamos o trabalho de Schön na década de 1980 e reconhecemos que a
sua abordagem revolucionou os estudos sobre a formação docente.

179
Formação do educador/Formação do gestor (parte 1)

Vamos começar com alguns conceitos do autor sobre o assunto. Esperamos


que vocês não se impressionem com os termos utilizados em inglês, mas trata-
-se da fidelidade à teoria e da explicitação mais clara das ideias do teórico, sobre
a citada formação. Inspiramo-nos na obra de Schön, especialmente em La for-
mación de profesionales reflexivos. Hacia un nuevo diseño de la enseñanza
y aprendizaje en las profesiones (1992).

O objetivo da formação é desenvolver uma atuação inteligente e flexível, si-


tuada e reativa, produto de uma mistura de ciência, técnica e arte, caracterizada
pela criatividade (artistry).

É necessário criar um saber – fazer sólido, teórico e prático, inteligente e cria-


tivo, que permite ao profissional agir em contextos instáveis, indeterminados e
complexos. Exige reflexão e atenção dialogante com a realidade (back talk).

O formando deve praticar, sob a orientação de um profissional formador –


treinador, companheiro e conselheiro (coach).

Este delineamento de formação ajuda a compreender a realidade totalmente


nova, que se apresenta inicialmente como um caos (mess).

Trata-se de uma formação profissional prática (practicum) em situação oficial,


real ou simulada. Busca a construção ativa do conhecimento na ação – aprender
a fazer fazendo (learning by doing).

Schön fala de quatro momentos na formação docente, que confluem para a


construção do perfil do professor reflexivo e crítico:

Conhecimento Reflexão
na ação na ação

Reflexão sobre Reflexão sobre a


a ação reflexão na ação

180
Formação do educador/Formação do gestor (parte 1)

 Conhecimento na ação – espontaneidade com que uma ação é desem-


penhada (é difícil para o profissional descrevê-la).

 Reflexão na ação – desenvolvida ao longo da prática, à medida que é


executada.

 Reflexão sobre a ação – há a reconstrução mental da ação, para que ela


seja analisada.

 Reflexão sobre a reflexão na ação – leva o profissional a progredir, a de-


senvolver-se, a construir a sua forma própria de aprender.

Schön apresenta também três estratégias de formação reflexiva:

 Experimentação em conjunto (joint experimentation), em que o formador


sugere variadas formas de realizar uma ação e as experimenta, conjunta-
mente com o formando, tendo como meta o que este – e não o formador
– tem como meta de performance.

 Demonstração acompanhada de reflexão (follow me), que consiste na de-


monstração, pelo formador, da maneira correta de desempenhar uma ação;
o formando a executa e ambos analisam e refletem sobre o processo.

 Experiência e análise de situações homológicas (play in a hall of mirrors),


que permite ao formando vivenciar e analisar situações semelhantes às
que ocorrem na sua prática (as que o formando experimenta como apren-
diz, por exemplo), criando uma situação especular para a observação e a
análise crítica das ações.

Só nos falta, meus alunos, “ouvir” a palavra do próprio Schön, relativamente à


formação docente:
À medida que os professores tentam criar condições para uma prática reflexiva, é muito
possível que se venham a confrontar com a burocracia escolar. [...] A burocracia de uma escola
está organizada à volta do modelo do saber escolar. [...] Uma iniciativa que ameace esta visão
do conhecimento também ameaça a escola. Quando um professor tenta ouvir os seus alunos e
refletir – na – ação sobre o que aprende, entra inevitavelmente em conflito com a burocracia da
escola. Nesta perspectiva, o desenvolvimento de uma prática reflexiva eficaz tem que integrar
o contexto institucional. (SCHÖN, 1995, p. 87)

Philippe Perrenoud e as competências do professor


Poucas teorias tiveram, nos últimos anos, impacto tão forte sobre o cenário
educacional, que a do professor da Universidade de Genebra Philippe Perenoud.

181
Formação do educador/Formação do gestor (parte 1)

O conceito de competência tornou-se indissociável dos estudos sobre for-


mação e aprendizagem. Em entrevista à Revista Nova Escola, em setembro de
2002, Perrenoud assim conceituou o termo “competência”:

Competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos


(saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar com pertinência e eficá-
cia uma série de situações. Três exemplos:

 Saber orientar-se em uma cidade desconhecida mobiliza as capacidades


de ler um mapa, localizar-se, pedir informações ou conselhos; e os seguin-
tes saberes: ter noção de escala, elementos da topografia ou referências
geográficas.

 Saber curar uma criança doente mobiliza as capacidades de observar si-


nais fisiológicos, medir a temperatura, administrar um medicamento; e os
seguintes saberes: identificar patologias e sintomas, primeiros socorros,
terapias, os riscos, os remédios, os serviços médicos e farmacêuticos.

 Saber votar de acordo com seus interesses mobiliza as capacidades de sa-


ber se informar, preencher a cédula; e os seguintes saberes: instituições
políticas, processo de eleição, candidatos, partidos, programas políticos,
políticas democráticas etc.
Esses são exemplos banais. Outras competências estão ligadas a contextos culturais,
profissionais e condições sociais. Os seres humanos não vivem todos as mesmas situações. Eles
desenvolvem competências adaptadas a seu mundo. A selva das cidades exige competências
diferentes da floresta virgem, os pobres têm problemas diferentes dos ricos para resolver.
Algumas competências se desenvolvem em grande parte na escola. Outras não. (Disponível
em: <http://novaescola.abril.com.br>.)

Autor de vários livros atuais, e de grande vendagem, é em 10 Novas Compe-


tências para Ensinar (1999) que Perrenoud aplica a abordagem por competên-
cias à formação docente, relacionando o que é imprescindível saber para ensinar
bem numa sociedade em que o conhecimento está cada vez mais acessível:

 Organizar e dirigir situações de aprendizagem.

 Administrar a progressão das aprendizagens.

 Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.

 Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho.

 Trabalhar em equipe.

 Participar da administração escolar.

182
Formação do educador/Formação do gestor (parte 1)

 Informar e envolver os pais.

 Utilizar novas tecnologias.

 Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão.

 Administrar a própria formação.

Um grande mérito dos trabalhos do autor é chegar, em uma linguagem bas-


tante acessível, ao cotidiano do trabalho do professor na sala de aula, utilizan-
do exemplos bastante concretos. Se vocês observarem as dez competências
docentes listadas, verificarão que a função gestora está presente. Ela vai desde
a gestão da sala e aula (do cotidiano do processo ensino-aprendizagem) até a
participação na administração da instituição, propriamente dita.

Em obra que discute a formação dos professores para o exercício profissional


no século XXI, o autor afirma:
Não é possível formar professores sem fazer escolhas ideológicas. Conforme o modelo de
sociedade e de ser humano que defendemos, não atribuiremos as mesmas finalidades à escola
e, portanto, não definiremos da mesma maneira o papel dos professores. [...] As finalidades
do sistema educacional e as competências dos professores não podem ser dissociadas tão
facilmente. Não privilegiamos a mesma figura do professor se desejamos uma escola que
desenvolva a autonomia ou o conformismo, a abertura ao mundo ou o nacionalismo, a
tolerância ou o desprezo por outras culturas, o gosto pelo risco intelectual ou a busca de
certezas, o espírito de pesquisa ou o dogmatismo, o senso de cooperação ou o de competição,
a solidariedade ou o individualismo. (PERRENOUD, 2002, p. 12-13)

Bem, vamos encerrar essa nossa primeira aula sobre a formação do educador,
sabendo que, na próxima, trabalharemos as ideias de Nóvoa e de Paulo Freire
sobre esta formação, além de discutirmos a aplicação destes conceitos à forma-
ção do gestor escolar.

Atividade
Leia, com atenção, os dois a seguir abaixo. O primeiro foi escrito por Anísio
Teixeira, e pertence ao mesmo discurso que citamos no início da aula. O se-
gundo é de Paulo Freire. Os dois falam da formação do educador.

1.º texto

Como a medicina, a educação é uma arte. E arte é algo de muito mais com-
plexo e de muito mais completo que uma ciência. Convém, portanto, deixar
quanto possível claro de que modo as artes se podem fazer científicas.

183
Formação do educador/Formação do gestor (parte 1)

Arte consiste em modos de fazer. Modos de fazer implicam no conhecimento


da matéria com que se está lidando, em métodos de operar com ela e em um
estilo pessoal de exercer a atividade artística. Nas belas-artes, ao estilo pesso-
al chegamos a atribuir tamanha importância que, muitas vezes, exagerando,
consideramos que a personalidade artística é tudo que é necessário e suficien-
te para produzir arte. Não é verdade. Mesmo nas belas-artes, o domínio do
conhecimento e o domínio das técnicas, se por si não bastam, são, contudo,
imprescindíveis à obra artística.

A educação pode, com alguns raros expoentes, atingir o nível das belas-artes,
mas, em sua generalidade, quase sempre, não chega a essa perfeição, con-
servando-se no nível das artes mecânicas ou práticas, entendidos os termos
no sentido humano e não no sentido de maquinal, restritivo apenas quanto
a belo e estético.

O progresso nas artes – sejam belas ou mecânicas – se fará um progresso


científico, na medida em que os métodos de estudo e investigação para este
progresso se inspirem naquelas mesmas regras que fizeram e hão de manter
o progresso no campo das ciências, ou sejam as regras, para usar expressão
que não mais se precisa definir, do “método científico”.

(TEIXEIRA, 1957, p. 1)

2.º texto

O que me interessa agora, repito, é alinhar e discutir alguns saberes funda-


mentais à prática educativo – crítica ou progressista e que, por isso mesmo,
devem ser conteúdos obrigatórios à organização programática da formação
docente. Conteúdos cuja compreensão, tão clara e tão lúcida quanto pos-
sível, deve ser elaborada na prática formadora. É preciso, sobretudo, e aí já
vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio
mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também
da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou
a sua construção.

Se, na experiência de minha formação, que deve ser permanente, começo


por aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem me considero o
objeto, que ele é o sujeito que me forma e eu, o objeto por ele formado,
me considero como um paciente que recebe os conhecimentos – conteú-

184
Formação do educador/Formação do gestor (parte 1)

dos – acumulados pelo sujeito que sabe e que são a mim transferidos. Nesta
forma de compreender e de viver o processo formador, eu, objeto agora,
terei a possibilidade, amanhã, de me tornar o falso sujeito da “formação” do
futuro objeto de meu ato formador. É preciso que, pelo contrário, desde os
começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferen-
tes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado
forma–se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é trans-
ferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito
criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não
há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das
diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do
outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao apren-
der. Quem ensina ensina alguma coisa a alguém. Por isso é que, do ponto de
vista gramatical, o verbo ensinar é um verbo transitivo-relativo. Verbo que
pede um objeto direto – alguma coisa – e um objeto indireto – a alguém.
Do ponto de vista democrático em que me situo, mas também do ponto de
vista da radicalidade metafísica em que me coloco e de que decorre minha
compreensão do homem e da mulher como seres históricos e inacabados e
sobre que se funda a minha inteligência do processo de conhecer, ensinar
é algo mais que um verbo transitivo-relativo. Ensinar inexiste sem aprender
e vice-versa e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e
homens descobriram que era possível ensinar. Foi assim, socialmente apren-
dendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam que em
possível – depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensi-
nar. Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na
experiência realmente fundante de aprender. Não temo dizer que inexiste
validade no ensino de que não resulta um aprendizado em que o aprendiz
não se tornou capaz de recriar ou de refazer o ensinado, em que o ensinado
que não foi apreendido não pode ser realmente aprendido pelo aprendiz.

Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-apren-


der participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gno-
siológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar–se de
mãos dadas com a decência e com a seriedade.

Às vezes, nos silêncios em que aparentemente me perco, desligado, flu-


tuando quase, penso na importância singular que vem sendo para mulhe-
res e homens sermos ou nos termos tornado, como constata François Jacob,
“seres programados, mas, para aprender”. É que o processo de aprender, em

185
Formação do educador/Formação do gestor (parte 1)

que historicamenre descobrimos que era possível ensinar como tarefa não
apenas embutida no aprender, mas perfilada em si, com relação a aprender,
é um processo que pode deflagrar no aprendiz uma curiosidade crescen-
te, que pode torná-lo mais e mais criador. O que quero dizer é o seguinte:
quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se
constrói e desenvolve o que venho chamando “curiosidade epistemológica”,
sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto.

É isto que nos leva, de um lado, à crítica e à recusa ao “bancário”, de outro,


a compreender que, apesar dele, o educando a ele submetido não está
fadado a fenecer; em que pese o ensino “bancário”, que deforma a necessária
criatividade do educando e do educador, o educando a ele sujeitado pode,
não por causa do conteúdo cujo “conhecimento” lhe foi transferido, mas por
causa do processo mesmo de aprender, dar, como se diz na linguagem po-
pular, a volta por cima e superar o autoritarismo e o erro epistemológico do
“bancarismo”.

O necessário é que, subordinado, embora, à prática “bancária”, o educan-


do mantenha vivo em si o gosto da rebeldia que, aguçando sua curiosidade
e estimulando sua capacidade de arriscar-se, de aventurar-se, de certa forma
o “imuniza” contra o poder apassivador do “bancarismo”. Neste caso, é a força
criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a repetição, a cons-
tatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que supera
os efeitos negativos do falso ensinar. Esta é uma das significativas vantagens
dos seres humanos – a de se terem tornado capazes de ir mais além de seus
condicionantes. Isto não significa, porém, que nos seja indiferente ser um
educador “bancário” ou um educador “problematizador”.

(FREIRE, 1997, p. 23-28)

Agora estabeleça comparações entre ambos, remetendo-se aos conceitos


que discutimos na nossa aula.

186
Formação do educador/Formação do gestor (parte 1)

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188
Vídeo
Formação do educador/
Formação do gestor (parte 2)

Bem, vamos continuar, na nossa aula de hoje, a tratar da formação do


educador e da formação do gestor escolar.

Elaboramos uma pequena sinopse histórica da formação do educador


no nosso país, da década de 1970 até os dias atuais. Concluímos que ela
evoluiu da busca por um “mero transmissor de conhecimento, neutro, pre-
ocupado apenas com o aprimoramento técnico para a formação de um
agente político, compromissado com a transformação social das classes
populares”.

Escolhemos quatro teóricos para a construção da nossa base teórica:


Donald Schön, Philippe Perrenoud, António Nóvoa e Paulo Freire. Os dois
primeiros foram abordados na aula anterior e os dois últimos serão “visita-
dos” no nosso encontro de hoje.

António Nóvoa e os 3 As da
Formação Identitária do Professor
O conhecido educador português António Nóvoa vem alcançando
destaque no cenário atual, principalmente por sua abordagem da forma-
ção docente. Segundo ele, existe uma crise de identidade do professor,
acentuada pela maneira como a sua formação vem se desenvolvendo, ex-
pressa pela separação entre o eu pessoal e o eu profissional.

Segundo Nóvoa (2003, p. 31), o percurso da investigação pedagógi-


ca sobre o magistério passou por três fases, e todas elas acentuaram esta
crise de identidade:

1.ª fase – Busca da caracterização intrínseca do “bom professor”.

2.ª fase – Procura do melhor método para ensinar.

3.ª fase – Importância concedida à análise do contexto real da sala de


aula, com base no chamado paradigma processo produto.

191
Formação do educador/Formação do gestor (parte 2)

[...] no professor, não é possível separar as dimensões pessoais e profissionais; a forma como
cada um vive a profissão de professor é tão (ou mais) importante do que as técnicas que aplica
ou os conhecimentos que transmite; os professores constróem a sua identidade por referência
a saberes (práticos e teóricos), mas também por adesão a um conjunto de valores etc. Donde a
afirmação radical de que não há dois professores iguais e de que a identidade que cada um de
nós constrói como educador baseia-se num equilíbrio único entre as características pessoais e
os percursos profissionais. E a conclusão de que é possível desvendar o universo da pessoa por
meio da análise da sua ação pedagógica. “Diz-me como ensinas, dir-te-ei quem és”. (NÓVOA,
2003, p. 33)

Nóvoa (1995) destaca três eixos na chamada “formação contínua” de profes-


sores: em vez da acumulação de conhecimentos, cursos e técnicas, a reflexivida-
de crítica; a necessidade de considerar-se a “práxis como lugar de produção do
saber”; e a consideração de mudanças, interativamente estabelecidas, no profis-
sional e nos contextos em que ele atua. Fala-se de uma formação “em serviço”,
complementar à obtida na agência formadora inicial.

E os chamados 3 As da formação identitária do professor? Eles são apresen-


tados por António Nóvoa (1991, p. 7), como imprescindíveis à constituição da
identidade do professor: adesão (a princípios, valores, projetos coletivos), auto-
nomia (de julgamentos e decisões) e autoconsciência (atitude reflexiva sobre
a própria ação).

O autor conclui que a identidade profissional “... não é um dado adquirido,


não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de
conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão.”
(NÓVOA, 1991, p. 132).

O autor aponta a pertinência de três eixos, na formação dos educadores:

 A pessoa do professor e a sua experiência.

 A profissão e os saberes a ela relacionados.

 A escola e seus projetos.

Com esta forma de articulação, a identidade pessoal e a identidade profissional


do professor serão contempladas, diminuindo o hiato existente entre as duas.

Em outro texto, Nóvoa (2003, p. 40) diz, com pertinência:


O amanhã da profissão docente – o amanhã que organize o hoje – não está certamente numa
visão idílica do papel da escola e dos professores, cuja ilusão não é mais possível nos dias de
hoje (lembre-se, no entanto, que denunciar a ilusão é renunciar a ter esperança). Os professores
não são certamente os salvadores do mundo, mas também não são “meros agentes” de uma
ordem que os ultrapassa. Só por meio de uma reelaboração permanente de uma identidade
profissional, os professores podem definir estratégias de ação que não podem mudar tudo,
mas que podem mudar alguma coisa. E esta alguma coisa não é coisa pouca.

192
Formação do educador/Formação do gestor (parte 2)

Paulo Freire e o sonho


possível da formação do educador
É preciso ousar, no sentido pleno desta palavra, para falar em amor sem temer ser chamado
de piegas, de meloso, de a-científico, senão de anticientífico. É preciso ousar para dizer
cientificamente que estudamos, aprendemos, ensinamos, conhecemos com nosso corpo
inteiro. Com sentimentos, com as emoções, com os desejos, com os medos, com as dúvidas,
com a paixão e também com a razão crítica. Jamais com esta apenas. É preciso ousar para
jamais dicotomizar o cognitivo de emocional. (FREIRE, 1993, p. 10)

Paulo Freire nasceu no Nordeste, em Pernambuco, no dia 19 de setembro de


1921, e viveu apaixonadamente pela educação até 2 de maio de 1997. Ele não
apenas teorizou sobre Educação, mas viveu-a como professor de Português e
alfabetizador.

Em sua primeira experiência, em 1963, Freire ensinou trezentos adultos a ler


e escrever em quarenta e cinco dias. Esse método foi adotado em Pernambuco,
um estado produtor de cana-de-açúcar. O trabalho de Freire com os pobres, in-
ternacionalmente aclamado, teve início no final da década de 1940 e continuou
de forma ininterrupta até 1964, quando o golpe revolucionário o levou ao exílio
por dezesseis anos.

Isto não significou, no entanto, afastar-se da Educação. Uma estadia de


cinco anos no Chile como consultor da UNESCO no Instituto de Capacitação e
Investigação em Reforma Agrária; uma nomeação, em 1969, para trabalhar no
Centro para Estudos de Desenvolvimento e Mudança Social da Universidade de
Harvard; uma mudança para Genebra, na Suíça, em 1970, para trabalhar como
consultor do Escritório de Educação do Conselho Mundial de Igrejas, no qual
desenvolveu programas de alfabetização para a Tanzânia e Guiné Bissau, que se
concentravam na reafricanização de seus países; o desenvolvimento de progra-
mas de alfabetização em algumas ex-colônias portuguesas pós-revolucionárias
como Angola e Moçambique; ajuda ao governo do Peru e da Nicarágua em suas
campanhas de alfabetização. De volta ao Brasil e a São Paulo, foi Secretário Mu-
nicipal de Educação, de 1989 a 1991.

Paulo Freire propõe, para a formação do educador, uma educação crítica,


contemplando interesses e conhecimento científico, considerando as noções de
teoria, cultura e ideologia, contextualizando a emancipação e relacionando o
processo educacional-escolar com a superação de qualquer deficiência da for-
mação no campo socioeducativo.

193
Formação do educador/Formação do gestor (parte 2)

Trata-se da formação do educador e da educadora num agir comunicativo,


construindo a descolonização do mundo como tarefa educativa, por meio de
um projeto de construção e reconstrução de uma educação emancipadora.

A formação do profissional da educação, na perspectiva crítico-dialógica, de-


manda o desenvolvimento da capacidade discursiva como condição para a for-
mação de um professor crítico, competente e para a superação da fragmentação
do saber.

Na obra Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários à prática educativa


(1997), Paulo Freire escreve sobre a importância da prática para se confirmar,
modificar ou se ampliar os saberes. Sabemos que um profissional competente
se faz elaborando, estudando, observando, registrando. Portanto, ensinar exige
rigor metódico e pesquisa.

São muitos os desafios que se apresentam ao professor diante da atualidade,


na investigação da própria ação educativa como uma das prioridades na cons-
trução de currículos impregnados de vida.

O entendimento dos limites da prática educativa demanda, indiscutivel-


mente, a visão política dos educadores em relação ao seu projeto. Demanda,
também, que o educador assuma a política de sua prática. Não basta dizer que
a educação é um ato político, assim como não basta dizer que o ato político
é também educativo. É preciso assumir realmente a política da educação. “Não
posso reconhecer os limites da prática educativo-política em que me envolvo, se
não sei, se não estou claro, em face de, a favor de quem pratico” (FREIRE, 1993,
p. 46-47).

O grande educador brasileiro propõe, como características básicas do


educador:

 Amorosidade – profundo amor pelo aluno e pelo conhecimento.

 Tolerância – capacidade de aceitar a diferença e conviver com ela como


um valor, numa postura totalmente contrária às formas de discriminação.

 Aceitação – de todos aqueles que não possuem o “trato” esperado pela


escola, porque eles certamente são maltratados pela vida.

 Coerência – o grande testemunho de lealdade e “profissionalismo”, que é


reconquistar o direito de “brigar”.

194
Formação do educador/Formação do gestor (parte 2)

Temos que mudar o nosso jeito de brigar, para ganhar “menos imoralmente
para viver menos imoralmente”; “lutar por um país menos feio”, porque ninguém
nasce para ser feio; a gente se torna feio ou bonito, na medida em que a gente
luta com alegria e esperança. E, por fim, o legado da esperança: o educador deve
arranjar um jeito de regar todos os dias sua esperança como se rega uma planti-
nha (trechos de uma das últimas entrevistas de Freire dada ao CENPEC-SP).

Freire sugere a existência constante de uma dimensão pedagógica em todo o


encontro entre pessoas, um momento de interação de saberes, de imaginários,
de ideias ou de valores, do qual eu saio sempre aprimorado, por compartilhar o
mundo com o outro, e isto se constitui em um momento de ensino e de aprendi-
zagem. Logo, um momento próprio da pluralidade da educação.

Para definir o profissional da educação, Paulo Freire sempre se recusou a se-


parar o professor do educador. Podemos distinguir o treinador do educador; o
comunicador de massas e o especialista em propaganda do educador. Podemos
até mesmo opor o missionário e o pregador de uma crença religiosa política ao
educador e, também, o repetidor de palavras e números a serem memorizados
nas aulas, do educador.

Em uma entrevista a Moacir Gadotti, publicada no site <http://novaescola.


abril.com.br>. Paulo Freire sintetiza a sua concepção de formação do educador:
Uma das coisas que a professora deveria fazer, por exemplo, para compreender a cultura
multiculturalmente é comentar com os alunos as diferenças e dizer que, quando você discute tal
coisa do conteúdo do programa, essa coisa não é universal, ela tem suas dimensões regionais,
até de família, e entra aí o problema de classe. A cultura de classe existe. A linguagem de classe
existe. Há uma sintaxe que é da classe trabalhadora e outra que não é. É preciso saber como
você reinventa a linguagem, compreendendo a diversidade dessas sintaxes, como consegue
recriar a linguagem de forma correta. E como professor você pode testemunhar diariamente
a sua postura e aí compreender muito bem a relação dialética entre tática e estratégia. Quer
dizer, você tem o sonho estratégico, que é o da multiculturalidade, mas tem que ter táticas para
falar dele, porque você pode cair nos exageros do discurso – que são idealistas, voluntaristas
– e você pode perder o emprego. E a questão sua não é perder o seu emprego; é manter o
emprego e ajudar o seu sonho. Acho que não há fórmulas para isso. Você tem que recriar todo
dia as suas táticas para superar o exclusivismo de uma compreensão cultural estreita.

A importância da formação continuada


Na aula anterior, quando iniciamos a discussão da formação do educador,
falamos que a ênfase na formação continuada foi uma característica dos anos
1990, no nosso país.

195
Formação do educador/Formação do gestor (parte 2)

Dentro da imprecisão e da multiplicidade de definições de formação conti-


nuada do educador, da mesma forma que Candau (1997), compreendemos a
formação em serviço como as atividades de formação continuada realizadas no
próprio local do trabalho escolar, além de outras atividades, organizadas por
instâncias superiores dos sistemas de ensino, e oferecidas aos profissionais que
deles já fazem parte.

Preferimos considerá-la, como atualmente se vem fazendo, sob a ótica da re-


flexão crítica sobre as práticas desenvolvidas (esta reflexão conduzirá, natural-
mente, ao descortinamento de um universo de conteúdos de aprimoramento
da formação recebida anteriormente e da prática até então realizada).

Compartilharmos com Mediano (1997) a convicção de que a escola é o melhor


local para se trabalhar a formação em serviço dos profissionais da educação,
na medida em que todos passam pelo mesmo processo, discutem as mesmas
questões e se capacitam coletivamente para as transformações que se fazem
necessárias.

Ousamos dizer, a título de contribuição para o estabelecimento deste concei-


to, que a formação continuada é decorrente da construção, desde a formação
inicial de uma abrangente competência – a de buscar constantemente a atuali-
zação e o aprendizado em relação ao exercício profissional – exercida em varia-
dos loci, instituições ou instâncias formadoras (escolas, cursos livres, partidos,
associações de classe, sindicatos, por exemplo).

É necessária, no nosso entendimento, a criação de Programas de Formação


Continuada – presenciais ou na modalidade a distância – para professores. Estes
Programas, em relação aos cursos isolados de Especialização, têm vantagens: a
de poder incluir, além destes, atividades de extensão; a de poderem ser realiza-
dos em convênio com os sistemas públicos de ensino; e a de abrangerem ativi-
dades variadas, como congressos, seminários e até mesmo a oferta de discipli-
nas isoladas nos seus cursos de graduação, por exemplo.

Nóvoa (1995) destaca três eixos na chamada “formação contínua” de


professores:

 em vez da acumulação de conhecimentos, cursos e técnicas, a reflexivida-


de crítica;

 a necessidade de considerar-se a “práxis como lugar de produção do saber”;

196
Formação do educador/Formação do gestor (parte 2)

 a consideração de mudanças, interativamente estabelecidas, no profissio-


nal e nos contextos em que ele atua.

O autor fala de uma formação “em serviço”, complementar à obtida na agên-


cia formadora inicial.

Não há como negar, concluindo este tópico da nossa aula e concordando


com Oliveira (2003, p. 16), que:
A formação docente – inicial e continuada – precisa ser enfrentada em termos da geração de
políticas públicas, da constituição de uma “cultura valorizadora da formação”, da construção
de atitudes, nos vários níveis da estrutura educacional, de valorização desse aprimoramento
profissional.

Não consistirá, certamente, apenas em aulas de conteúdos “pedagógicos” para os professores;


não será bastante, por outro lado, treinamento e simulações do “fazer” docente. Torna-se
necessário, paralelamente a isto, o desenvolvimento de habilidades ou competências que
possibilitem ao professor dar continuidade a essa formação – o tão falado, atualmente,
“aprender a aprender” – e que lhe permitam desenvolver uma identidade profissional sólida,
incluindo a feição de pesquisador ou investigador do cotidiano escolar. Além dos chamados
“conteúdos pedagógicos” e do aprimoramento da competência técnica, outras coisas deverão
constituir, em nossa opinião, esse aprofundamento da formação inicial. Trata-se de uma
formação de cunho político e humanista, abrangendo um maior conhecimento da realidade
educacional brasileira e o desejo de intervir nesta realidade, além do estabelecimento da
postura de educador, que transcende a atitude paternal ou amistosa diante dos alunos, por
exemplo.

Sobre a formação do gestor escolar


Tudo que dissemos até agora, sobre a formação do educador, aplica-se a do
gestor. Vamos apenas desdobrar e especificar algumas questões.

A primeira diz respeito aos principais impedimentos encontrados por esta


formação. Recorremos de novo a Nóvoa (2003), que apresenta quatro impedi-
mentos à construção do saber emergente da prática, que não negue as con-
tribuições teóricas das variadas ciências sociais e humanas, integrando-os com
base em reflexões sobre a experiência pedagógica concreta – e isto é o cerne da
formação docente.

Vamos observar os quatro impedimentos:

 O excessivo controle político a que os docentes sempre estiveram subme-


tidos.

197
Formação do educador/Formação do gestor (parte 2)

 A ausência de condições favoráveis, na sociedade, para a explicitação dos


saberes docentes (os professores sofrem, segundo o autor, de um isola-
mento social, semelhante ao dos padres, além da feminilização da catego-
ria profissional, em uma sociedade sexista).

 A forma como as ciências da Educação se desenvolveram, privilegiando os


“saberes teóricos”, em detrimento dos “saberes práticos”.

 A falta de um espaço institucional, em que os professores pudessem reali-


zar uma reflexão coletiva sobre a prática.

Em função dessa análise conjuntural dos desafios, o autor propõe quatro


grandes desafios que se apresentam à sobrevivência do magistério. Adaptamos
estes desafios à condição do gestor escolar, da seguinte forma:

 Superar a restrição representada, pelas políticas atuais, ao atendimento da


reivindicação de maior autonomia e para a definição das novas “territoria-
lidades” da gestão escolar, “constrangida” entre o nível macro – dos siste-
mas de ensino – e o nível micro, representado pela gestão da instituição e
da própria sala de aula.

 Alcançar maior visibilidade social, construindo saberes específicos da ges-


tão escolar, distintos dos que possuem os demais atores do cenário edu-
cacional.

 Estabelecer relações com as comunidades científicas, permitindo interlo-


cução e cooperação, e articulando a teoria e a prática do gestor.

 Construir lugares de compartilhamento e reflexão coletiva com os demais


professores, apontando sempre para uma “autoformação participada e
contínua”.

Buscando algumas abordagens menos conhecidas sobre as capacidades ou


competências docentes, e que possam contemplar a função gestora da escola,
temos: a formação da “pessoa responsável”, segundo Escámez e Gil. Ao falar do
“protagonismo” na Educação, os autores desenvolvem um belo estudo sobre au-
tonomia e responsabilidade docente. Ele se aplica perfeitamente aos estudos
sobre a formação gestora para a escola e fala da aquisição de três grupos de
capacidades (2003, p. 30-31):

198
Formação do educador/Formação do gestor (parte 2)

Capacidades de deliberação; de avaliar as próprias ações, aten-


tando às circunstâncias em que foram produzidas; de analisar
Âmbito cognitivo as ações, como expressões de valores; de compreeender que as
ações repercutem sobre o mundo e sobre os outros, afetando o
futuro.

Capacidade de autonomia ou domínio sobre si mesmo; de resis-


tência às pressões internas e externas à escola; de assumir as con-
Âmbito avaliativo-afetivo sequências das próprias decisões; de valorizar e comprometer-
-se com a tarefa de construir um mundo melhor.
Capacidade de realizar, na comunidade concreta em que se vive,
Âmbito comportamental as ações pretendidas; de articular eficazmente os meios disponí-
veis com as metas pretendidas.

Tavares (1997, p. 132-133) postula uma concepção de formação docente


que valorize mais que o domínio de conhecimentos, mas possa abranger três
domínios:

 competências científicas – conhecimento científico e domínio de conte-


údos específicos da área de atuação (no caso do gestor escolar, princípios
de administração, liderança, motivação, planejamento, avaliação e dinâ-
mica dos grupos).

 competências pedagógicas – saber operacionalizar os conhecimentos


citados no domínio anterior, levando em conta os aspectos e as pessoas
envolvidas, selecionando metodologias estratégicas mais adequadas.

 competências pessoais – estão diretamente relacionadas ao desenvolvi-


mento interpessoal e intrapessoal do gestor, implicando saber se relacio-
nar, comunicar, compartilhar, entre outros.

Concluindo, vamos buscar as ideias de Richards (1990), que destaca a impor-


tância da observação, em especial da auto-observação, para o aprimoramento
da formação do docente e do gestor em especial.

O autor fala que ela incide sobre quatro dimensões do eu, as mesmas sobre
as quais incide o processo de formação:

 o “eu conhecido” (the open self) – o comportamento que é conhecido pelo pró-
prio gestor, conscientemente, e pelos demais atores da instituição escolar.

 o “eu secreto” (the secret self) – informações sobre o comportamento que


o gestor conhece, mas que não deseja que sejam compartilhados com os
demais.

199
Formação do educador/Formação do gestor (parte 2)

 o “eu desconhecido” (the blind self) – aqueles aspectos que as pessoas que
convivem com o gestor conhecem, mas dos quais ele não tem consciên-
cia.

 o “eu escondido” (the hidden self) – os aspectos do comportamento que


são totalmente inconscientes para o gestor e desconhecidos dos demais.

Assim sendo, as competências do gestor escolar – e dos demais docentes –


devem abarcar estas quatro dimensões. Devem, portanto, ser alvo das capacita-
ções e formações continuadas.

Atividades
1. Comente a proposta de António Nóvoa, dos 3 As da formação identitária do
educador, especificando-a em relação ao gestor escolar.

200
Formação do educador/Formação do gestor (parte 2)

2. Leia o texto que se segue, reflita sobre ele à luz do que estudamos nestas
duas aulas sobre a formação do educador e discuta-o com os seus colegas
professores, sistematizando as conclusões em um pequeno texto.

A quem educa
Artur da Távola

Educa quem educará. E quem aprender a perder. Quem, ou cuja obra per-
manecer muito depois do momento de educar.

Educar é perder as batalhas do imediato. Menos a do amor. É abrir mão da


pretensão do reconhecimento e saber que quando vier – se vier – já tempo
não haverá para receber o agasalho de sua manifestação. É aceitar perdurar
apenas na lembrança. É perder porque, em qualquer sistema, o verdadeiro
educador estará ameaçando algo, até mesmo tudo em que acredita.

O verdadeiro educador é o que acompanha as mutações da vida, dos


tempos, dos comportamentos. É quem logo vê o abismo de imperfeições
implícito no próprio educar.

Sabe que educar é educar-se a cada dia. E é ser capaz de equidistância


de esquemas, sistemas ou fórmulas infalíveis, ilusões da verdade última das
coisas.

201
Formação do educador/Formação do gestor (parte 2)

Educo hoje, com valores adquiridos ontem, pessoas que são o amanhã. Os
valores de ontem, conheço-os. Os de hoje, percebo alguns. Dos de amanhã,
não sei. Educo com os de ontem (os de minha formação)?

Perderei os hojes e os amanhãs. Educo com os de hoje? Perderei o que


havia de sólido nos de ontem e nada farei pelos de amanhã, que já serão
outros? Educo com os de amanhã? Em nome do quê? De adivinhações? Da
minha precária maneira de conceber um amanhã que escapa pelos desvãos
do meu cérebro?

“Se não morre aquele que escreve um livro ou planta uma árvore, com
mais razão não morre o educador que semeia a vida e escreve na alma”. (BER-
TOLD BRECHT)

202
Formação do educador/Formação do gestor (parte 2)

Referências
CANDAU, V. M. Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1997.

DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. 2.ed. São Paulo: Papirus,
1996.

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2003.

FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. 7.ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1977.

FREIRE, P. Política e Educação. São Paulo: Cortez, 1993.

FREIRE, P. Professora Sim, Tia Não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho
D’Água, 1993a.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.

203
Formação do educador/Formação do gestor (parte 2)

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

GAYOTTO, Maria Leonor Cunha (Org.). O Processo Educativo Segundo Paulo


Freire e Pichon-Rivière. Petrópolis: Vozes, 1991.

MAIA, Graziela Z. A. (Org.). Administração e Supervisão Escolar: questões para


o novo milênio. São Paulo: Pioneira, 2000.

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polis: Vozes, 1997.

NÓVOA, A. Para o estudo sócio-histórico da gênese e desenvolvimento da profis-


são docente. Teoria & Educação, n. 4, p. 109-39, 1991.

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(Coord.). Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Publicações Don Quixote,
1995.

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Ivani Catarina A. (Org.). A Pesquisa em Educação e as Transformações do Co-
nhecimento. Campinas: Papirus, 2003.

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missão a ser definida pela Universidade. Interagir: pensando a extensão, Rio de
Janeiro, n.3, p. 15-22, jan./jul. 2003.

RICHARDS, J. The Language Teaching Matrix. Cambridge: CUP, 1990.

Schön, D. A. La Formación de Profesionales Reflexivos: hacia un nuevo diseño


de la enseñanza y aprendizaje en las profesiones. Barcelona: Paidós, 1992.

Schön, D. A. Formar professores como profissionais reflexivos. In: nóvoa, António


(Coord.). Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Don Quixote, 1995.

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sional. Porto: Porto, 1997.

204
Vídeo
Ação gestora na Educação Infantil
e Ensino Fundamental

O tema de nossa aula de hoje é a gestão e a ação gestora na educação


infantil e no ensino fundamental. Como escrevi em texto anterior, gestão
“é administração, é tomada de decisão, é organização, é direção” no pro-
cesso de aprendizado e luta política, e implica, concordando com Cury,
em “um ou mais interlocutores com os quais se dialoga pela arte de inter-
rogar e pela paciência em buscar respostas que possam auxiliar a educa-
ção” (2002, p. 165).

Nessa perspectiva indagamos: como caracterizar a educação infantil


pós-LDB (Lei 9.394/96)? Qual a sua relação com o ensino fundamental? E
qual é o papel dos ciclos no ensino fundamental? Essas indagações, penso,
são temáticas importantes para o entendimento da gestão na educação
infantil e no ensino fundamental.

Uma lei é um ordenamento jurídico de aplicação universal que deve


ser obedecida por todos os membros de uma sociedade, inclusive as ins-
tituições que a compõe. Nesse sentido, qual a importância da Constitui-
ção Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei de Diretri-
zes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) em relação à educação
infantil?

Esse conjunto de normas – Constituição Federal, o Estatuto da Criança


e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – veio
instituir e reforçar o dever do Estado em assegurar a educação da criança
desde o seu nascimento, em complementação ao papel da família nessa
atribuição. Esses dispositivos legais são fruto de um crescente processo de
conscientização determinado pelo avanço do conhecimento científico sobre
o desenvolvimento da criança, pelo incremento da participação da mulher
na força de trabalho e pelo reconhecimento social do direito da criança à
educação, desde os seus primeiros anos de vida (MEC/SEE/COEDI, 1993).

A Lei 9.394/96 afirma, em relação à educação infantil:


Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade
o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

207
Ação gestora na Educação Infantil e Ensino Fundamental

Art. 30. A educação infantil será oferecida em:

I – creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;

II – pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade.

Art. 31. Na educação infantil, a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro


do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino
fundamental.

Assim, a educação infantil é a primeira etapa da educação básica e, por ter como
finalidade o desenvolvimento integral da criança de 0 a 6 anos, em seus aspectos
físico, psicológico, intelectual e social, demanda que, nesta área de formação do
curso de Pedagogia, haja a preocupação com um pedagogo-professor:

 Que seja capaz de elaborar, desenvolver e avaliar projetos em creches para


as crianças de 0 a 3 anos de idade, em articulação ou não com outros pro-
fissionais, além de familiares das crianças.

 Que atue em projetos pedagógicos de escolas e centros de educação in-


fantil governamentais e comunitários, que atendam a crianças de 0 a 6
anos em suas manifestações lúdicas e artísticas, integrando os aspectos
físicos, emocionais, cognitivo-linguísticos e sociais das crianças.

 Que busque continuamente a sua própria atualização profissional, por


meio de leituras e da participação em cursos, seminários e pesquisas da
sua área de atuação.

 Que se conscientize de seu papel político na defesa dos direitos da criança


expresso no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nessa perspectiva, ainda que haja questionamento sobre o papel da edu-


cação infantil apresentado pela lei – que utiliza o termo ensino para referir-se
à educação da pequena infância, afirmando seu caráter escolar – configura-se
um grande avanço legal, pois a lei assegura o direito da criança de 0 a 6 anos de
frequentar essas instituições e o dever do Estado em proporcioná-las.

Referente a esta modalidade de ensino-educação infantil – são elabora-


das as Diretrizes Curriculares, certamente uma inovação. Sendo assim, como
caracterizá-las?

208
Ação gestora na Educação Infantil e Ensino Fundamental

Poder-se-ia dizer que a sua publicação em 1998, estabelecida pelo Conselho


Nacional de Educação (Parecer CEB 022/98), configurou um novo paradigma,
fundamentado na concepção de que cuidado e educação são funções comple-
mentares e indissociáveis na educação infantil. O documento orienta sobre a
organização, a articulação, o desenvolvimento e a avaliação das propostas peda-
gógicas das instituições de educação infantil dos sistemas de ensino, estabele-
cendo, assim, as bases para o atendimento à infância.

As Diretrizes Curriculares Nacionais, portanto, têm força de lei e estabelece-


ram oito grandes diretrizes para nortear as propostas pedagógicas das creches
e pré-escolas. A primeira delas e a mais significativa refere-se aos fundamen-
tos da educação infantil, que devem levar em conta princípios éticos, políticos
e estéticos.

Esses princípios englobam temáticas importantes, como se pode ver no es-


quema a seguir.

Fundamentos norteadores (princípios)

Disponível em: <www.pr.gov.br/def/edinf/edinf.html>.


Éticos Políticos Estéticos

Autonomia Direito e deveres de Sensibilidade


cidadania
Responsabilidade Criatividade
Exercício da criatividade
Solidariedade Ludicidade
Respeito à ordem
Respeito ao bem democrática Diversidade das mani-
comum festações artísticas e
culturais

E quais são as outras sete diretrizes norteadoras das propostas pedagógicas


das creches e pré-escolas?

209
Ação gestora na Educação Infantil e Ensino Fundamental

Temáticas Desdobramentos / ênfase


Ser e conviver Professores, alunos e unidade escolar.
Proposta pedagógica Integração dos aspectos: físicos, emocionais,
afetivos, cognitivo/linguísticos e sociais.
Atividades intencionais Atividades estruturadas e espontâneas livres.
Avaliação Acompanhamento e registro de etapas alcan-
çadas.
Proposta pedagógica + direção = educador Ênfase nas atividades criadas, supervisionadas
e avaliadas.
Ambiente Gestão democrática e liderança responsável.
Proposta pedagógica + regimentos Clima de cooperação; uso do espaço físico, do
horário, do calendário.

Concluindo essa reflexão sobre a educação infantil, eu diria que ela não pode
deixar de lado a preocupação com uma articulação com o ensino fundamental,
especialmente para as crianças mais velhas, que logo mais estarão na escola, e
que se interessam por aprender a ler, escrever e contar.

Falamos, na primeira parte de nossa aula, sobre ação gestora na educação


infantil, enfocando o aspecto legal traduzido especialmente pela Lei 9.394/96 e
as Diretrizes Curriculares para a educação infantil.

Ao discutir o ensino fundamental destacamos, como aspectos importantes


da Lei 9.394/96:
Art. 32. O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na
escola pública, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:

I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio


da leitura, da escrita e do cálculo;

II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e


dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de


conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância


recíproca em que se assenta a vida social.

§1º. É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental em ciclos.

§2º. Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino
fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de
ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino.

210
Ação gestora na Educação Infantil e Ensino Fundamental

As Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental fixadas pelo Parecer


CEB 04/98, determinam, no Art. 3.º:
IV – Em todas as escolas deverá ser garantida a igualdade de acesso para alunos a uma base
nacional comum, de maneira a legitimar a unidade e a qualidade da ação pedagógica na
diversidade nacional. A base comum nacional e sua parte diversificada deverão integrar-se em
torno do paradigma curricular, que vise estabelecer a relação entre a educação fundamental e
a vida cidadã através da articulação entre vários dos seus aspectos como:

 a saúde

 a sexualidade

 a vida familiar e social

 meio ambiente

 trabalho

 a ciência e a tecnologia

 a cultura

 as linguagens

As áreas de conhecimento:

 Língua Portuguesa

 Língua Materna, para populações indígenas e migrantes

 Matemática

 Ciências

 Geografia

 História

 Língua Estrangeira

 Educação Artística

 Educação Física

 Educação Religiosa, na forma do Art. 33 da Lei 9.394, de 20 de dezem-


bro de 1996.

211
Ação gestora na Educação Infantil e Ensino Fundamental

Vamos agora conversar sobre os ciclos previstos na Lei de Diretrizes e Bases.

Inserindo-se em uma das flexibilidades que a Lei de Diretrizes e Bases 9.394/96


permite, os PCN sugerem a organização dos anos escolares por ciclos, numa ten-
tativa de “superar a segmentação excessiva produzida pelo regime seriado e de
buscar princípios de ordenação que possibilitem maior integração do conheci-
mento” (PCN, p. 59).
A respeito da organização dos tempos e dos espaços escolares, sinaliza que “a organização dos
tempos e dos espaços da escola reflete a concepção pedagógica adotada pelo coletivo. Ela
permite situar a escola em um espaço de trabalho mais rico, flexível e democrático, abrindo
novas possibilidades pedagógicas de interação, com o envolvimento de alunos, professores e
da própria comunidade”. (MIRANDA, 2000, p. 51)

É interessante notar que, nesta organização curricular, o fator tempo fica mais
flexível, possibilitando a elaboração de planejamentos/projetos/atividades que
anteriormente eram inviáveis.

E qual é o papel da escola neste processo? Ela deveria oferecer a todos a possi-
bilidade de efetivar a capacidade de aprendizagem que os indivíduos possuem.

Alves e Garcia (1999, p. 59), comentando “A organização da escolaridade em


ciclos”, afirmam que ela tem:
[...] como princípio orientador a flexibilização da seriação, o que abriria a possibilidade de o
currículo ser trabalhado ao longo de um período de tempo maior e permitiria respeitar os
diferentes ritmos de aprendizagem que os alunos apresentam.

Desse modo, a seriação inicial deu lugar ao ciclo básico com a duração de dois anos , tendo
como objetivo propiciar maiores oportunidades de escolarização voltada para a alfabetização
das crianças. As experiências, ainda que tenham apresentado problemas estruturais e
necessidades de ajustes da prática, acabaram por mostrar que a organização por ciclos
contribui efetivamente para a superação dos problemas do desenvolvimento escolar.

E mais, concordando com Leal (1998, p. 26), a escola deveria ser efetivamente
um local de construção de conhecimentos elaborados e acumulados historica-
mente pela humanidade, oportunizando um trabalho pedagógico menos frag-
mentado, respeitando as etapas de desenvolvimento de cada aluno e preten-
dendo superar os índices de evasão e repetência.

Nesse sentido, a não fragmentação ano a ano, presente na proposta de se tra-


balhar em ciclos, reflete a preocupação com a totalidade na formação do edu-
cando, onde o professor deve perceber as necessidades dos alunos no momento
em que vai definir o que e quando propor determinados conceitos, habilidades
e valores.

212
Ação gestora na Educação Infantil e Ensino Fundamental

Assim, trabalhando em ciclos, quando a formação do aluno é mais global, o


contato com cada professor tende a ser maior do que na organização seriada,
principalmente se for atendida a recomendação de que o professor siga com a
mesma turma durante dois ou três anos.

Nesta perspectiva, cabe uma pergunta: em que a organização em ciclos favo-


rece os alunos em seu processo de aprendizagem? Os alunos, nesta organização
curricular, têm mais tempo para construir conceitos, habilidades e valores, de
acordo com o seu ritmo de aprendizagem.

Assim, é importante lembrar que a organização do Ensino Fundamental em


ciclos está amparada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96,
em seu artigo 32. E que esta organização em ciclos deve seguir alguns princí-
pios, considerados básicos, em sua implementação, conforme os sinalizados no
quadro a seguir:

 Desenvolvimento cognitivo, afetivo, moral, cultural e físico contínuo


e sequencial.
 Aprendizagem e desenvolvimento crescentes por meio de reestrutu-
ração contínua, que modifica e aprofunda a forma de ver, agir e enten-
der o organizar o mundo.
 Organização do desenvolvimento humano em etapas ou períodos de
formação, que se constituem de processos e aquisições essenciais.
 Várias possibilidades de desenvolvimento/aprendizagem, inclusive
na escola.
 Importância das práticas sociais e culturais, articuladas ao processo
de amadurecimento biológico, para o crescimento global do ser hu-
mano.
 Necessidade das experiências vividas na escola atenderem aos níveis
real (funções mentais já amadurecidas) e potencial (funções mentais
em processo de amadurecimento).
 Organização curricular mais plástica e flexível, que considere as carac-
terísticas, as singularidades e os crescimentos já construídos e os que
ainda precisam ser.

Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Educação. Departamento Geral de


Educação. 1.º Ciclo de Formação. Documento Preliminar, Fascículo 1, 2000.

213
Ação gestora na Educação Infantil e Ensino Fundamental

Para a implementação dos princípios anteriormente relacionados, os profes-


sores que atuam nos ciclos precisam, efetivamente, saber:

 observar diferentes pontos de vista;

 que a escola tem como finalidade garantir a aprendizagem;

 que o aluno e o professor aprendem interagindo;

 que o tempo dos alunos é individual e o professor deve respeitar e cola-


borar;

 que a criança é um ser em desenvolvimento, passando, assim, por manei-


ras próprias de pensar e de agir.

Concluindo a nossa aula, gostaria de registrar que organização curricular em


ciclos tem demonstrado interesse em garantir o direito à escolarização, em valo-
rizar a diversidade cultural e flexibilizar o tempo escolar, que decorre das novas
descobertas da ciência sobre o desenvolvimento humano, possibilitando aber-
tura de canais para a implementação de novas políticas educacionais.

Espero que vocês tenham tido, com a aula de hoje, uma compreensão clara
sobre gestão da educação infantil e ensino fundamental com ênfase nas Diretri-
zes Curriculares da educação infantil e na organização curricular em ciclos para
o ensino fundamental.

Atividades
1. Reflita sobre a Gestão Escolar na educação infantil e no ensino fundamental,
estudada na aula de hoje.

2. Elabore uma situação do cotidiano de cada uma das modalidades de ensino


e caracterize a ação gestora em cada uma delas. Faça isto preenchendo o
quadro a seguir.

214
Ação gestora na Educação Infantil e Ensino Fundamental

Local Descrição da Situação Aspectos da Ação Gestora

Centro de Educação
Infantil (CEI)

Escola de Ensino
Fundamental

215
Ação gestora na Educação Infantil e Ensino Fundamental

Referências
ALVES, N.; GARCIA, R. L. Atravessando fronteiras e descobrindo (mais uma vez)
a complexidade do mundo. In: ALVES, Nilda; GARCIA, Regina L. O Sentido da
Escola. Rio de Janeiro: DP& A, 1999.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


(Lei Federal 9394). Brasília, 1996.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de


1988. Brasília, 1988.

BRASIL. MEC. Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.


Resolução 4, de 7 de abril de 1988. Institui as diretrizes nacionais para o ensino
fundamental. Brasília, 1988.

Brasil. MEC. Conselho Nacional de Educação. Parecer CEB 022/98. Brasília,


1998.

Brasil. MEC. Conselho Nacional de Educação. Parecer CEB 04/98. Brasília, 1998.

BRASIL. MEC. Lei 8.096, de 13 de julho de 1990. Estatuto da criança e do ado-


lescente. Brasília, 1990.

BRASIL. MEC. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Determina as diretrizes e


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CURY, C. R. J. A educação básica no Brasil. Educação e Sociedade, v. 23, n. 80, p.


169-201, 2002.

DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. 2. ed. São Paulo: Papirus,
1996.

LEAL, E. S. Ciclos de Formação: uma reorganização do tempo escolar. São Paulo:


GEHD, 1998.

MAIA, Graziela Z. A. (Org.). Administração e Supervisão Escolar: questões para


o novo milênio. São Paulo: Pioneira, 2000.

MIRANDA, G. V. Um olhar sobre a organização do espaço e do tempo. In: Um


Olhar sobre a Escola. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação à
Distância, 2000. p. 51-60.

RIO DE JANEIRO (Cidade). Secretaria Municipal de Educação. 1º Ciclo de Forma-


ção: documento preliminar. Fascículo 1. Rio de Janeiro, 2000.
216
Vídeo

Ação gestora no Ensino Médio

Nossa aula de hoje será sobre Gestão e ação gestora no ensino médio.
Enfocaremos a Gestão Democrática como recurso importante de partici-
pação humana e de formação para a cidadania.

Falaremos, também, nas Diretrizes Curriculares do ensino médio, evi-


denciando um novo olhar para esse tipo de clientela e discutindo o papel
do educador – e do gestor, em especial – nesse processo.

Isso não significa, no entanto, que a ação gestora no ensino médio seja
totalmente diferente do que vimos na aula anterior, que falava da ação
gestora na educação infantil e no ensino fundamental.

Primeiro, vamos delinear brevemente o contexto do ensino médio no


nosso país, cenário em que o gestor irá atuar.

O ensino médio consiste na etapa final da educação básica – inicia-


da com o ensino fundamental – para os que a tenham concluído, e ha-
bilita ao prosseguimento dos estudos, visando preparar o aluno para o
nível superior, desenvolvendo procedimentos e hábitos de estudo e pes-
quisa científica para garantir maior autonomia e o desenvolvimento da
autoaprendizagem.

Na introdução das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino


Médio – DCNEM (1998), encontramos:
O ensino médio no Brasil está mudando. A consolidação do Estado democrático, as
novas tecnologias e as mudanças na produção de bens, serviços e conhecimentos
exigem que a escola possibilite aos alunos integrarem-se ao mundo contemporâneo
nas dimensões fundamentais da cidadania e do trabalho.

Partindo de princípios definidos na LDB, o Ministério da Educação, num trabalho


conjunto com educadores de todo o país, chegou a um novo perfil para o currículo,
apoiado em competências básicas para a inserção de nossos jovens na vida adulta.
Tínhamos um ensino descontextualizado, compartimentalizado e baseado no acúmulo
de informações. Ao contrário disso, buscamos dar significado ao conhecimento
escolar, mediante a contextualização; evitar a compartimentalização, mediante a
interdisciplinaridade; e incentivar o raciocínio e a capacidade de aprender.

219
Ação gestora no Ensino Médio

Nesse contexto seria interessante conceituar a Gestão Democrática. Assim,


concordando com Ferreira, (2001, p. 305): “A Gestão Democrática da educação é
hoje, um valor já consagrado no Brasil e no mundo, embora ainda não totalmen-
te compreendido e incorporado à prática social global e à prática educacional
brasileira e mundial. É indubitável sua importância como um recurso de partici-
pação humana e de formação para a cidadania.”

Vocês podem estar se questionando: nessa perspectiva, é tão importante a


participação humana? É uma questão simples de responder, pois é evidente que
sim, para que essa consciência de participação cidadã se torne verdadeiramente
uma realidade.

Vejamos como vem acontecendo a participação do governo.

Como já afirmamos em uma outra aula, o governo vem investindo, entre outras
demandas, em propostas curriculares e programas de avaliação, objetivando a
garantia de uma educação de qualidade. Assim, o seu propósito maior seria que
essas propostas curriculares determinassem as diretrizes da educação nacional.

As Diretrizes Curriculares Nacionais


para o Ensino Médio (DCNEM)
Os artigos 9 e 26 da LDB 9.394/96 explicitam claramente a competência do
Governo Federal, quanto às Diretrizes Curriculares que devem ser seguidas em
todo o território nacional:

No Art. 9, a União terá a incumbência de:


IV – estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal, e os Municípios,
competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio,
que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica
comum.

Já no Art. 26, temos:


Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser
complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e da clientela.

As Diretrizes Curriculares Nacionais são normas obrigatórias que orientarão o


planejamento curricular das escolas e sistemas de ensino, fixadas pelo Conselho
Nacional de Educação por meio da Câmara de Educação Básica.

220
Ação gestora no Ensino Médio

O ponto de partida para a formulação das Diretrizes para o ensino médio foi o
primeiro artigo da LDB – Lei 9.394/96. Esse artigo afirma que a “educação escolar
deverá estar vinculada ao trabalho e à prática social” (MELLO, 1999, p. 1).

É interessante assinalar nessa nova perspectiva proposta pela LDB que:


 Toda a educação escolar será vinculada ao trabalho e à prática social, em
todas as suas manifestações escolares.
 Nos artigos 35 e 36 (referentes ao ensino médio) a lei, explicitamente, abre
portas para um currículo voltado para competências e não para conteúdos.
 A relação entre a teoria e prática deverá estar presente em cada disciplina
do currículo.
 Ao sair do ensino médio, o aluno deverá ter compreensão do significado
das ciências, das artes e das letras.

As Diretrizes Curriculares para o ensino médio apresentam um núcleo comum


de conhecimentos, estruturado em três grandes áreas, as três áreas do conheci-
mento, com tratamento metodológico que evidencie a interdisciplinaridade e a
contextualização:
 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.
 Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias.
 Ciências Humanas e suas Tecnologias.

Nesse sentido, há um novo olhar para o aluno do ensino médio, em razão do


aumento contínuo da taxa de conclusão do ensino fundamental, bem como da
redução, também contínua, da idade média dos concluintes.

Para Mello (1999, p. 2) este é um indicador muito seguro de que o esforço


para resolver alguns problemas básicos de qualidade no ensino fundamental
(repetência, abandono e evasão) começou a produzir efeitos. Por exemplo, em
dez anos cresceu em cerca de 30 % o número dos jovens que completam as oito
séries do ensino fundamental em menos tempo. Os jovens equivalentes a estes,
dez anos atrás, tinham expectativa de permanecer onze anos no sistema, em vez
dos oito regulares. Atualmente, estamos em 9,7 anos. Essa afirmativa da autora
nos mostra que quanto mais cedo o aluno termina a 8.ª série, mais disposição
ele terá em buscar o ensino médio. Isso é muito bom em se tratando de políticas
públicas para tal modalidade de ensino, já que este novo aluno “precisa ter um
projeto de vida, que inclua o trabalho e a continuidade dos estudos ou, pelo
menos, o trabalho” (MELLO, 1999, p. 3).

221
Ação gestora no Ensino Médio

A Avaliação Nacional do
Ensino Médio – ENEM
Não se pode falar em gestão escolar do ensino médio, sem fazer referência ao
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), já que sobre a sua realização incidirão
algumas importantes ações gestoras.

Trata-se de um procedimento de avaliação do desempenho do participante


ao término da escolaridade básica, para aferir o desenvolvimento de competên-
cias fundamentais ao exercício da cidadania.

A participação no exame é de caráter voluntário, a ele podendo submeter-se,


mediante inscrição, os concluintes do ensino médio, também, os egressos deste
nível de ensino, em qualquer de suas modalidades.

Ele permite aos alunos realizar uma autoavaliação dos conhecimentos e das
habilidades adquiridas ao longo da educação básica, com o objetivo de saber
como está sua formação para integrar-se efetivamente à sociedade. Além disso,
serve para orientar as escolhas futuras em relação à continuidade dos estudos e
à participação no mercado de trabalho.

Os resultados do Enem também são utilizados nos vestibulares de mais de


quatrocentas instituições de ensino superior.

O Exame visa, ainda, subsidiar o Ministério da Educação, as Secretarias Esta-


duais e Municipais de Educação e as escolas nas ações que buscam melhorar a
qualidade do ensino, avaliando cinco competências fundamentais:

 Dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens


matemática, artística e científica.

 Construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a


compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos,
da produção tecnológica e das manifestações artísticas.

 Selecionar, organizar, relacionar e interpretar dados e informações repre-


sentados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-
-problema.

 Relacionar informações, representadas de diferentes formas, e conheci-


mentos disponíveis em situações concretas, para construir argumentação
consistente.

222
Ação gestora no Ensino Médio

 Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na Escola para a elaboração


de propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os direi-
tos humanos e considerando a diversidade sociocultural.

Compreende, ainda, a competência de ler, compreender, interpretar e pro-


duzir textos no sentido amplo do termo, envolvendo todas as áreas e disciplinas
que compõem a atividade pedagógica da Escola.

Falamos, anteriormente, sobre a Gestão Democrática como um recurso im-


portante de participação humana e de formação para a cidadania. Destacamos
a importância da participação do governo e das políticas públicas para o ensino
médio, enfocando as diretrizes curriculares para essa modalidade de ensino.

Agora, meus alunos, vamos visualizar a continuidade desses estudos, impli-


cando em um currículo que não enfoque apenas o conhecimento escolar, mas
que privilegie os diferentes aspectos da cultura.

Pode-se afirmar que a continuidade dos estudos implica num currículo que
não lide apenas com o conhecimento escolar mas que lide, sobretudo, com dife-
rentes aspectos da cultura, já que: “todo currículo é um processo de seleção, de
decisões acerca do que será e do que não será legitimado pela escola. A existên-
cia de um conjunto de culturas negadas pelo currículo cria nos alunos perten-
centes a essas culturas um sentimento de não pertencimento, de alijamento do
que é socialmente aceito.” (MACEDO; LIMA, 2001, p. 11).

Na medida em que se entende o que é currículo, já se pode olhar as Diretrizes


Curriculares de maneira diferenciada. Percebemos que elas pretendem moldar
aquilo que acontece no cotidiano escolar a partir de um posicionamento ide-
ológico, em que os mecanismos de poder, sejam do Estado, sejam de grupos
culturalmente hegemônicos, são bastantes atuantes.

Currículo: a imagem de uma escola


Precisamos, portanto, conhecer as diretrizes que pretendem definir a escola-
rização brasileira. Na realidade, ao nos referirmos ao currículo, estamos lidando
com uma variada gama de dimensões – ele é legal e institucional; é escrito e
vivido; é explícito e oculto – presentes nas tensões do dia a dia curricular.

Vamos definir estas tensões?

223
Ação gestora no Ensino Médio

A primeira tensão que precisamos ter em mente, se estabelece entre o currí-


culo formal ou escrito, que se configura nas políticas institucionais e legais, e o
currículo em uso ou em ação, vivido no cotidiano das salas de aula e dos demais
espaços escolares. Frequentemente, análises sobre currículo têm reduzido esta
tensão à consideração de apenas um de seus polos, ou consideram currículo
como aquilo formalmente estabelecido, desvalorizando o que é praticado nas
salas de aula, ou valorizam apenas o que é vivido nas salas de aula, tornando as
propostas curriculares como algo fadado a ser esquecido pelos professores em
seu trabalho diário.

Existe, no entanto, um currículo escrito. Ele é a materialização, num deter-


minado nível, tanto de políticas públicas para a educação nacional, quanto de
propostas da comunidade científica, ou de parte dela, para a forma como deve-
riam ser tratadas as ciências nas escolas do ensino fundamental e médio (LIMA;
MACEDO, 2001, p. 2).

Nesse sentido, tomaremos o currículo escrito, não como retrato do que se


passa nas escolas, mas como a materialização de um consenso que, embora es-
tabelecido em condição de desigualdades entre os atores que dele participam,
passa a constranger de alguma forma aquilo que pode ser pensado e feito.

Existe um papel específico do educador neste contexto, e nós precisamos


observá-lo com cuidado. Em princípio, é o de observação, seguindo-se a ação e
a avaliação contínua da própria ação e do conhecimento que produz com a sua
prática.

Assim, Gutierrez (2003, p. 43) nos alerta para a preocupação do educador


que não será tanto a de ensinar, mas a de promover, provocar, facilitar, criar e
recriar experiências de aprendizagem. No entanto, para que essas experiências
promovam eficazmente a aprendizagem, elas têm que preencher as seguintes
características:

 Têm que acontecer na vida, na realidade, no processo vital: vivências, su-


cessos, fatos, relatos, partes da própria vida.

 Elas precisam implicar-se em todos os sentidos, quanto mais melhor, em


uma dimensão multidisciplinar.

 Têm que despertar interesse, adesão, relação significativa.

224
Ação gestora no Ensino Médio

 Têm que gestar, criar e recriar relações com o contexto, com os outros e
consigo mesmo.

 Têm que despertar o desejo de intrometer-se na temática estudada por


meio de implicações pessoais, comunitárias e sociais.

 Têm que empurrar a vontade de se colocar em processo, em movimento, em


ação, para conhecer a realidade em seu porvir, para poder transformá-la.

Trata-se, assim, de um conhecimento produtivo e transformador. Concor-


damos com Gutierrez e Prado (1999), quando sinalizam que dar sentido a essa
forma de educar não é um problema nem de conteúdo, nem de metodologia.
O sentido se faz na vida cotidiana; é, em consequência, o resultado da vivência
pedagógica desses espaços cotidianos.

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino médio (1988) temos:

Pensar um novo currículo para o ensino médio coloca em presença estes dois
fatores: as mudanças estruturais que decorrem da chamada “revolução do co-
nhecimento”, alterando o modo de organização do trabalho e as relações sociais;
e a expansão crescente da rede pública, que deverá atender a padrões de quali-
dade que se coadunem com as exigências desta sociedade.

Espero que possam refletir sobre o que foi dito na aula de hoje, em especial
o papel do educador neste contexto, delineando uma ação gestora que alie três
grandes áreas de competências:

 Âmbito cognitivo – competências relativas aos conhecimentos sobre le-


gislação, currículo, políticas de Educação, Diretrizes Curriculares Nacionais
para ensino médio, metodologias, avaliação e outros tantos, que desen-
volvemos nas nossas aulas.

 Âmbito avaliativo-afetivo – trata-se, aqui, de uma série de competências


ligadas à postura gestora, envolvendo atitudes e valores.

 Âmbito comportamental – são as competências que apontam mais di-


retamente para as estratégias de gestão. No caso do ensino médio, em es-
pecial, é conveniente lembrar que os alunos, em uma parcela pelo menos,
já são adultos, requerendo ações bastante específicas.

225
Ação gestora no Ensino Médio

Atividades
1. Leia com atenção o artigo da resolução CEB N.º 3, de 26 de junho de 1998,
que define as Diretrizes Nacionais para o ensino médio:
Art. 5º: Para cumprir as finalidades do ensino médio previstas pela lei, as escolas organizarão
seus currículos de modo a:

I – ter presente que os conteúdos curriculares não são fins em si mesmos, mas meios básicos
para constituir competências cognitivas ou sociais, priorizando-as sobre as informações;

II – ter presente que as linguagens são indispensáveis para a constituição de conhecimentos


e competências;

III – adotar metodologias de ensino diversificadas, que estimulem a reconstrução do conheci-


mento e mobilizem o raciocínio, a experimentação, a solução de problemas e outras competên-
cias cognitivas superiores;

IV – reconhecer que as situações de aprendizagem provocam também sentimentos e requerem


trabalhar a afetividade do aluno.

Agora, defina algumas ações do gestor da escola de ensino médio, para al-
cançar estas finalidades.

226
Ação gestora no Ensino Médio

2. Reflita sobre a situação a seguir e sugira, como gestor da escola, algumas


alternativas para solucioná-la.

Os alunos da escola de ensino médio que você dirige vêm alcançando resul-
tados muito ruins no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), e isso vem se
acentuando nos dois últimos anos. O deficit mais acentuado refere-se a duas
das competências avaliadas:

227
Ação gestora no Ensino Médio

 Dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens


matemática, artística e científica.

 Selecionar, organizar, relacionar e interpretar dados e informações repre-


sentados de diferentes formas para tomar decisões e enfrentar situações-
problema.

228
Ação gestora no Ensino Médio

Referências
BRASIL. MEC. Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.
Resolução 3, de 26 de junho de 1988. Institui as diretrizes nacionais para o
ensino médio. Brasília, 1988.

DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. 2. ed. São Paulo: Papirus,
1996.

FERREIRA, Naura S. C.; AGUIAR, Márcia, A. de. (Orgs). Gestão da Educação, Im-
passes, Perspectivas e Compromissos. São Paulo: Cortez, 2001.

GUTIERREZ, F.; PRADO, C. Ecopedagogia e Cidadania Planetária. São Paulo:


Cortez/IPF, 1999.

MACEDO, E. F. de; LIMA, E. C. de. Currículo, Cultura e Conhecimento. Rio de


Janeiro: UERJ, dez./2001. (Cadernos Pedagógicos I).

MAIA, Graziela Z. A. (Org.). Administração e Supervisão Escolar: questões para


o novo milênio. São Paulo: Pioneira, 2000.

MELLO, G. N. de. Diretrizes curriculares para o ensino médio: por uma escola vin-
culada à vida. Revista Iberoamericana de Educación, n. 20, maio/agosto 1999.
Disponível em: <www.campusoei.org/revista/rie20a06.htm>.

229
Vídeo
Efeitos negativos da ação
gestora: estresse e burnout

Hoje vamos tratar de um tema muito atual, pois vamos discutir algumas
questões ligadas aos efeitos que a ação gestora pode causar nas pessoas.

Vamos abordá-lo em duas vertentes: a primeira trata do estresse; a se-


gunda, de um termo muito novo, mas que vem ganhando destaque nos
estudos sobre a docência, o chamado burnout.

1.ª parte: o estresse e a vida cotidiana


É muito comum, nos dias de hoje, ouvirmos as pessoas dizerem que estão
estressadas, significando que estão, nervosas, ansiosas ou angustiadas.

O estresse também é associado, com frequência, às situações de traba-


lho, principalmente as que envolvem alto grau de responsabilidade, ex-
cesso de expectativas e cobranças e grande volume de tarefas em relação
ao tempo disponível para executá-las.

Parece que os cargos situados nas posições mais elevadas da hierar-


quia, são aqueles que mais provocam estresse em quem os ocupa.

Sendo assim, o gestor escolar pode sofrer de estresse, principalmente,


em determinadas situações como greves, conflitos com a comunidade que
envolve a escola, situações de indisciplina escolar etc.

É por todas estas razões que este tópico é o mote da nossa aula de hoje.
Espero que ela seja interessante e traga muitos ensinamentos para vocês.

O que é estresse?
São muitos os conceitos encontrados na literatura específica sobre o
tema. Escolhemos alguns para discutir com vocês.

231
Efeitos negativos da ação gestora: estresse e burnout

O estresse foi estudado pela primeira vez pelo médico austríaco Hans Selye,
na década de 1920. Comparando sintomas semelhantes, em paciente que so-
friam de doenças diferentes, concluiu que eles não estavam ligados diretamente
à doença, e chamou-os de “síndrome de estar apenas doente”, ou “síndrome de
adaptação geral”.

O termo “estresse” surgiu depois, importado da engenharia em que significa


peso que uma ponte pode suportar até que ela se parta. O próprio Selye, prefa-
ciando um livro de Albrecht (1988, p. 8) sobre o assunto, afirma:
O estresse desempenha um papel decisivo e integrante de todo empreendimento e de toda a
negociação da empresa. Como a hereditariedade, a alimentação com alto teor de gordura e a
falta de exercício, o estresse pode contribuir para as doenças cardíacas e das coronárias, para
as úlceras pépticas, para o suicídio, para os distúrbios nervosos, enxaquecas, insônia, abuso de
tranquilizantes, problemas com bebidas, brigas conjugais, violência contra crianças, agressão
a si mesmo, falta de confiança, alergias, greves, piquetes e violência no trabalho.

Para Couto “estresse pode ser definido como um estado em que


ocorre um desgaste anormal da máquina humana e/ou uma diminuição da
capacidade de trabalho, ocasionados basicamente por uma incapacidade
prolongada do indivíduo tolerar, superar ou se adaptar às exigências de
natureza psíquica existentes no seu ambiente de vida” (1987, p. 16).
Baccaro, em conhecida obra sobre o tema, assim o conceitua: “o estresse é
toda a capacidade de adaptação do indivíduo frente a um novo desafio, isto é,
que pode deixar o organismo em tensão e inquietude, não só a nível de suas
forças físicas, mas principalmente psíquicas” (1990, p. 16). Mais adiante, comple-
menta: “o estresse é uma reação emocional com componentes psicológicos e
físicos, que ocorre na presença de qualquer evento que confunda, amedronte
ou excite a pessoa” (p. 18).

Existe um outro termo associado ao estresse, que é o eustresse, conceito também


criado por Hans Selye, para designar o estresse positivo, da realização, do triunfo e
do contentamento, causado por sentimentos e situações positivos e agradáveis.

A evolução histórica do conceito de estresse


Quando se diz que o estresse é a “doença deste início de século”, trazemos
à lembrança que houve outras época, em que certas doenças eram pontuais.
Assim temos, segundo Baccaro (1990), que a Idade Média teve a peste bubônica;
o Renascimento, a sífilis; a era romântica do século XIX, a tuberculose; e o século
XX, o estresse.

232
Efeitos negativos da ação gestora: estresse e burnout

O estresse como doença representa o insucesso do organismo para adaptar--


-se às situações particularmente ameaçadoras. E olhem que o homem é dotado
de uma boa dose de recursos fisiológicos para enfrentar ameaças. Querem ver?

Algumas reações fisiológicas do homem frente ao estresse

 Açúcar e gordura armazenados são lançados na corrente sanguínea,


garantindo “combustível” para energia imediata.

 A respiração se acelera, proporcionando mais oxigênio.

 O coração “dispara” e a pressão sanguínea se eleva, assegurando sufi-


ciente abastecimento de sangue às áreas necessitadas.

 Os músculos se retesam, preparando para o esforço.

 Aumentam a transpiração e a salivação.

 O sistema endócrino intensifica a produção de hormônios.

 A adrenalina é “despejada” no organismo.

 As pupilas dilatam-se, assegurando maior entrada de luz.

 Todos os sentidos se avivam.

(Baccaro, 1990, p. 30-31)

Fica claro, a partir disto, porque o estresse é chamado, com frequência, de


“reação de alarme para lutar ou fugir”, tal é a prontidão fisiológica do organismo
para enfrentar tais situações ameaçadoras.

Talvez o que tenha acontecido é que o homem mudou o ambiente com tal
velocidade, que não conseguiu mudar a si próprio para acompanhar estas mu-
danças. Estamos nos referindo às situações como violência e aglomeração ur-
banas, poluição de várias modalidades, mudanças de vida e de papéis sociais,
solidão, aumento do fluxo de informação e de responsabilidade, entre outras.

Estresse do tipo A e do tipo B


Dois cardiologistas americanos – Meyer Friedman e Ray Rosenman –, estu-
dando a relação entre comportamento humano e doença cardíaca, definiram

233
Efeitos negativos da ação gestora: estresse e burnout

variáveis de personalidade e de comportamento que indicavam a existência de


duas modalidades bem distintas de lidar com a vida e com o estresse.

As pessoas do tipo A estão envolvidas em uma luta incessante para realizar


cada vez mais em menos tempo, uma espécie de “doença da pressa”, exigindo-se
compulsivamente para isto. As do tipo B raramente se mortificam nesta “roda”
incessante de cobranças e ansiedades.

Os estudiosos do tema listaram algumas características do tipo A de persona-


lidade, que apresentamos a vocês. Para caracterizar as do tipo B, basta pensar-
mos na versão oposta de cada um destes traços.

 Fixação em números e horários, com sentimento de premência do tempo.

 Hostilidade e agressividade muito frequentes.

 Insegurança constante quanto ao status alcançado.

 Impetuosidade verbal e necessidade de dominar as conversas.

 Tendência a fazer várias coisas ao mesmo tempo.

 Competição frequente e intensa, mesmo em situações em que ela não se


justifica.

 Preocupação acentuada com o “ter”, com bens materiais.

 Sentimento de culpa quanto ao ócio.

 Agitação motora, ocasionando movimentação constante.

 Programação para realizar várias coisas ao mesmo tempo, cada vez desti-
nando a isto menores intervalos de tempo.

É conveniente notar que, na vida real, não existem tipos A ou B “puros”. Todos
nós temos traços de cada tipo, mas com predominância de um dos dois, e isso
determina uma maior ou menor predisposição ao estresse e às suas consequên-
cias físicas e emocionais.

234
Efeitos negativos da ação gestora: estresse e burnout

Algumas soluções para o manejo do estresse


Nós não vamos, aqui, apresentar um programa de controle do estresse, mas
consideramos interessante citar os quatro pilares para se proteger do estresse
excessivo, propostos por Lipp & Novaes (1996):

 Alimentação.

 Relaxamento.

 Exercícios físicos.

 Automanejo (significa uma conjugação de autoconhecimento e autocon-


trole).

Baccaro (1990, p. 47-49) apresenta um decálogo de medidas para prevenir e


diminuir o estresse. Prestem atenção:

 Fale com alguém.

 Afaste-se por algum tempo.

 Descanse.

 Faça uma coisa por vez.

 Liberte-se da agressividade.

 Descarregue a sua agressividade.

 Modere seus anseios de superioridade.

 Ceda algumas vezes.

 Faça alguma coisa por alguém.

 Faça algum exercício físico.

Ainda nesta linha, de prevenção e cuidado do estresse, concluímos com


Couto (1987), que afirma ser a nossa vida controlada por oito partidos:

235
Efeitos negativos da ação gestora: estresse e burnout

PFA – Partido Familiar

PTP – Partido do Ter e do Poder

PP – Partido Profissional

PI – Partido da Individualidade

PS – Partido Social

PEE – Partido da Ética e da Espiritualidade

PCR – Partido da Criatividade

PC – Partido Cultural

O autor destaca que o estresse ocorre quando predomina, na vida de alguém,


o mando de dois partidos – PTP – Partido do Ter e do Poder e PP – Partido
Profissional – em detrimento dos demais. É necessário, na nossa vida, que essa
ditadura seja substituída por um equilíbrio saudável entre os oito partidos, já
que cada um representa uma parte fundamental da mesma.

236
Efeitos negativos da ação gestora: estresse e burnout

2.ª parte: burnout e mal-estar docente


Segundo Kyriacou & Sutcliffe o estresse docente é “uma resposta do professor
com efeitos negativos (tais como cólera, ansiedade ou depressão) acompanha-
da de mudanças fisiológicas potencialmente patogênicas (tais como aceleração
cardíaca ou a descarga de hormônios adenocorticotróficos na corrente sanguí-
nea) como resultado das demandas feitas ao professor em tal papel” (1977, p.
299).

Em conhecido estudo sobre a sala de aula e a saúde dos professores Esteve


(1999) levantou os fatores responsáveis pelo mal-estar docente:

 Fatores principais: os recursos materiais e as condições de trabalho, a vio-


lência atual nas instituições escolares, e a acumulação de exigências sobre
o professor, levando-o ao esgotamento.

 Fatores secundários ou contextuais: as modificações trazidas, pela moder-


nidade, ao papel do professor; as contradições e contestações atuais, que
fazem parte do papel docente; a alteração da forma como o contexto so-
cial lida com a docência; o avanço rápido do conhecimento e as alterações
dos objetivos dos sistemas de ensino; e as transformações negativas da
autoimagem do professor.

As consequências da ação destes fatores são drásticas: aumento do absente-


ísmo e do abandono da profissão docente, alterações da saúde física e emocional
dos professores, queda da qualidade da performance profissional dos mesmos,
entre outras.

Mais recentemente, surgiram estudos, que se multiplicam a cada ano, sobre


a Síndrome Burnout. Ela é uma resposta ao estresse ocupacional crônico e se
caracteriza pela desmotivação, pelo desinteresse, pelo mal-estar interno ou in-
satisfação ocupacional que parece afetar, em variados graus, profissionais que
lidam com outras pessoas, que resolvem problemas dos outros, como médicos,
carcereiros, assistentes sociais, comerciários, pessoas que atendem o público,
enfermeiros, funcionários de departamento pessoal, telemarketing, bombeiros
e, principalmente, professores.

Trata-se de um conjunto de condutas negativas, como a deterioração do ren-


dimento, a perda de responsabilidade, atitudes passivas ou agressivas com os

237
Efeitos negativos da ação gestora: estresse e burnout

outros e perda da motivação. Alguns autores descrevem um quadro evolutivo


com quatro níveis de manifestação:

 1.º nível – Falta de vontade, ânimo ou prazer de trabalhar. Dores nas cos-
tas, pescoço e coluna. Diante da pergunta “O que você tem?”, normalmen-
te a resposta é “não sei, não me sinto muito bem”.

 2.º nível – Início da deterioração do relacionamento com os outros. Pode


haver uma sensação de perseguição (“todos estão contra mim”), aumenta
o absenteísmo e a rotatividade de empregos.

 3.º nível – Diminuição sensível da capacidade ocupacional. Surgem do-


enças psicossomáticas como alergias, psoríase, picos de hipertensão etc.
Nesta etapa, às vezes ocorre automedicação que tem efeito placebo no
início, mas logo em seguida requer doses maiores. Neste nível verifica-se
também um aumento da ingestão alcoólica.

 4.º nível – Nesta etapa, ocorrem o alcoolismo, a drogadição, as ideias ou


tentativas de suicídio, podendo surgir doenças mais graves, tais como
câncer, acidentes cardiovasculares etc.

Maslach e Jackson (1981) conceituam a Síndrome Burnout como uma reação


à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto e excessivo com
outros seres humanos, particularmente quando estes estão preocupados ou
com problemas. A tensão emocional constante, derivada do cuidar, termina por
levar ao desgaste extremo e ao burnout. Envolve três aspectos: exaustão emo-
cional, despersonalização e falta de envolvimento pessoal no trabalho, levando
à perda da atribuição de significado ao trabalho e à sensação de inutilidade.

O termo burnout corresponde, em português, aos significados “perder o fogo”,


“perder a energia”, “consumir-se em chamas”, “queimar completamente” (até a in-
cineração completa).

Reinhold (2002) descreve cinco fases do burnout do professor, a saber:

 Idealismo – fase em que a energia e a motivação para o trabalho parecem


ilimitados.

 Realismo – percepção de que os projetos inicialmente pretendidos não


serão concretizados, visão das reais condições de trabalho.

 Estagnação e frustração – o entusiasmo inicial se transforma em fadiga


crônica e irritabilidade, com o crescimento da frustração.

238
Efeitos negativos da ação gestora: estresse e burnout

 Apatia e burnout total – desesperança, frustração e perda da autoestima,


desejo de abandonar o magistério.

 Fenômeno fênix – embora, infelizmente, nem sempre esta fase ocorra, o


professor pode recuperar-se e recobrar o prazer no trabalho, como uma
fênix que renasce das cinzas.

Atividades
1. Elabore uma situação da vivência escolar, facilmente identificável como cau-
sadora de estresse no gestor.

Agora comente a atuação de dois gestores escolares, caracterizando o pri-


meiro como um modelo de comportamento de Tipo A e o segundo como um
modelo de comportamento de Tipo B, como estudamos na aula de hoje.

2. Observe o seguinte inventário. Ele objetiva auxiliar em uma autoavaliação


do estresse. Complete-o e observe o resultado que você obteve.

No entanto, atenção! Não se trata de um teste de personalidade, mas apenas


de uma autoavaliação, cujo principal objetivo é levar você a prestar atenção
ao seu próprio nível de estresse.

Quantas vezes experimenta qualquer uma das situações seguintes?

239
Efeitos negativos da ação gestora: estresse e burnout

Consiga o seu resultado final completando o


questionário a seguir, utilizando a escala à direita

1 Estar cansado Por favor usar


a escala abaixo
2 Sentir-se deprimido
3 Ter um bom dia
4 Estar fisicamente exausto
Estar emocionalmente exaus- Nunca 1
5 to Muito raramente 2
6 Estar feliz Raramente 3
7 Estar arrasado Às vezes 4
8 Não aguentar mais Muitas vezes 5
9 Estar infeliz Habitualmente 6
10 Sentir-se esgotado Sempre 7
11 Sentir-se encurralado
12 Sentir-se sem mérito
13 Sentir-se sem forças
14 Estar preocupado
Sentir-se desiludido e ranco-
O seu resultado final
15 roso 7,0 –|
Estar fraco e suscetível a do- 6,0 –|
16 enças 5,0 –|
17 Sentir-se sem esperança
4,0 –|
18 Sentir-se rejeitado
19 Sentir-se otimista
3,0 –|
20 Sentir-se com energia 2,0 –|
21 Sentir-se ansioso 1,0 –|

Resultado:

 Se o seu resultado ficar entre 42 e 63, você está bem. A única sugestão que
fazemos é que volte a ver as suas respostas, para ter a certeza de que foi
sincero ao responder.

 Se o seu resultado está entre 63 e 84 seria bom que examinasse a sua vida
de trabalho, avaliasse as suas prioridades e pensasse em fazer algumas
mudanças.

240
Efeitos negativos da ação gestora: estresse e burnout

 Se o seu resultado está acima de 84, você está experimentando um des-


gaste grande sendo necessário fazer alguma coisa em relação a isso.

 Um resultado acima de 105 indica um estado grave e a necessidade de


ajuda imediata.

(PINES; ARONSON, 1989, p. 38. Adaptado.)

Referências
BACCARO, A. Vencendo o Estresse: como detectá-lo e superá-lo. Petrópolis:
Vozes, 1990.

COUTO, H. de A. Stress e Qualidade de Vida do Executivo. Rio de Janeiro: COP,


1987.

DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. 2. ed. São Paulo: Papirus,
1996.

KYRIACOU, C.; SUTCLIFFE, J. Teacher stress: a review. Educational Review, v. 29,


n. 4, p. 299-306, 1977.

LIPP, M. N.; NOVAES, L. E. Mitos & Verdades Sobre o Stress. São Paulo: Contexto,
1996.

MAIA, Graziela Z. A. (Org.). Administração e Supervisão Escolar: questões para


o novo milênio. São Paulo: Pioneira, 2000.

MASLACH, C.; JACKSON, S. The measurement of experience Burnout. Journal of


Occupational Behavior, 1981.

PINES, A.; ARONSON, E. Why managers burn out. Sales & Marketing Manage-
ment, n. 4, Feb., 1989.

REINHOLD, H. H. O Burnout. In: LIPP, Marilda (Org.). O Stress do Professor. Cam-


pinas: Papirus, 2002.

SELYE, H. Prefácio. In: ALBRECHT, Karl. O Gerente e o Estresse: faça o estresse


trabalhar para você. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.

241
Vídeo
A gestão colegiada
e seus efeitos na escola

Caros alunos, o nosso assunto de hoje é o conceito de gerir e as di-


ferentes modalidades que ele assume no cotidiano da prática escolar.
Se formos simplesmente ao dicionário, o verbete nos mostra sinônimos
como: administrar, dirigir, regular, gerenciar, orientar.

Em nenhum momento vemos referências a um ato que não seja exercido


solitariamente, mas democraticamente, de forma compartilhada. Em aulas
anteriores, no entanto, vimos que a gestão vem evoluindo, de acordo com o
contexto histórico, social, político e econômico que envolve as instituições.

Ela partiu da centralização absoluta, característica da teoria Clássica


da Administração e tornou-se progressivamente distribuída entre uma
equipe – ou colegiado-gestor, sem que isto signifique que o papel do di-
retor, administrador, gerente ou coordenador – qualquer que seja o termo
utilizado – tenha desaparecido.

Costumamos considerar que o gestor tem cinco funções fundamen-


tais: iniciar, comunicar, motivar, desenvolver pessoas e decidir. Vamos ver
brevemente cada uma delas:

a) Iniciar

Cabe ao dirigente a tomada de decisões, entre elas a do início da


tarefa. Esse início não deve ser dado de forma precipitada, mas de
maneira a chegar ao objetivo no menor tempo e com o mínimo de
desgaste. Para isso, faz-se necessário ter uma equipe devidamente
preparada e aperfeiçoamentos técnicos que devem ser usados.

 Para iniciar qualquer ação, costuma-se:

 Analisar os precedentes ou o contexto prévio à ação.

 Encorajar o grupo em relação à iniciativa.

 Ouvir e dar ideias e sugestões.

243
A gestão colegiada e seus efeitos na escola

 Empenhar-se na ação.

 E repassar decisões superiores, se for o caso.

b) Comunicar

Uma das tarefas do gestor é prover condições para que o fluxo comunica-
cional se realize de modo efetivo. A mensagem pode ser transmitida de
várias formas, como panfletos, circulares, sistema de som ou vídeo, con-
versa direta, avisos e cartazes etc. A efetividade dependerá muito mais do
conteúdo da mensagem e do modo como está sendo transmitida, do que
do meio utilizado.

c) Motivar

Cabe ao gestor motivar as pessoas que lidera para que sintam vontade de
fazer algo e de fazer bem feito. Trata-se do trabalho de inspirar e encorajar
estas pessoas a agirem e do uso correto e apropriado dos incentivos dis-
poníveis.

d) Desenvolver pessoas

Compete ao gestor incentivar os membros do grupo a buscarem a con-


tinuidade da formação. Isto, além de ter um efeito muito positivo sobre
os liderados, é extremamente benéfico para a organização. O desenvol-
vimento de pessoal compreende o aprimoramento das atividades, do
conhecimento e das competências dessas pessoas. É uma ação que não
possui resultados a curto prazo, mas é a semente para uma organização
forte no futuro.

Este desenvolvimento incide sobre os aspectos cognitivos (conhecimen-


tos), mas também sobre os fatores comportamentais ou atitudinais dos
membros da equipe.

e) Decidir

Uma verdadeira decisão torna-se necessária quando cada uma das alterna-
tivas que se apresenta envolvem um certo grau de incerteza, e é por isso
que poucas pessoas gostam de tomar decisões. Evitam decidir para não
assumir os riscos do caminho seguido, mas se esquecem que a omissão
também envolve riscos, muitas vezes maiores que o das alternativas.

As decisões podem ser programadas ou não programadas. As primeiras,


pelo seu caráter repetitivo e previsível, permitem a padronização e são
244
A gestão colegiada e seus efeitos na escola

mais “confortáveis”. As últimas surgem como respostas aos problemas


inesperados ou às situações não rotineiras.

Pela complexidade e responsabilidade que envolve, esta função vem, pro-


gressivamente, deixando de ser exercida solitariamente pelo gestor, e ganhando
o status de função compartilhada com os demais membros da equipe, ou com
representantes da mesma.

As várias modalidades de gestão escolar


Dissemos, na introdução da nossa aula, que a gestão escolar pode assumir
variadas modalidades. Tradicionalmente, era a gestão centralizadora e solitária,
marcada por traços de autoritarismo, que predominava nas nossas escolas. A evo-
lução dos nossos paradigmas educacionais trouxe outras modalidades, como a
gestão participativa ou colegiada, o cooperativismo e a autogestão, entre outras.
Estes termos se multiplicaram e acabaram, de certa forma, por confundir-se no
entendimento das pessoas.

Hora (1997), ao falar da democratização das relações organizacionais no inte-


rior da escola, destaca o compromisso sociopolítico do gestor com esta demo-
cratização. Afirma que a administração, na perspectiva coletiva, exige participa-
ção de toda a comunidade escolar. Para isso, o administrador deve compreender
a dimensão política de sua administração e estar sensível à necessidade de uma
nova prática, que insira a escola em seu contexto mais social, político e econô-
mico, para fortalecer a classe trabalhadora, possibilitando a construção do saber
e o desenvolvimento da consciência crítica.

Optamos por apresentar nesta aula, duas formas de gestão: a cooperativada


e a participativa.

Gestão cooperativada
Para formar uma cooperativa, devem existir, no mínimo, vinte pessoas inte-
ressadas. Após todos os esclarecimentos e uma decisão positiva, o grupo deve
eleger uma comissão responsável pelas providências necessárias, que redige
uma proposta, adequando-a às necessidades específicas do grupo. O estatuto
deve expressar os interesses e necessidades da sociedade, incluindo as regras de
funcionamento, podendo ser alterado quando a maioria julgar necessário. Ele é
a lei orgânica de uma cooperativa.
245
A gestão colegiada e seus efeitos na escola

A proposta elaborada é distribuída a todos os interessados que, após estudá-


-la, realizam várias reuniões até chegarem à forma final da cooperativa. A comis-
são convoca, com ampla divulgação e antecedência, todos os futuros associados
para a assembleia geral de fundação da cooperativa. De posse da ata da assem-
bleia, assinada por todos os associados fundadores da cooperativa, e de outros
documentos solicitados, a comissão realiza o registro da sociedade na Junta
Comercial. Esse registro define, perante a lei, um contrato de responsabilidades
entre os sócios.

Os associados são os donos da empresa cooperativa. Reunidos em assem-


bleia geral, órgão máximo de decisão, definem pelo voto os objetivos e o fun-
cionamento do negócio. As decisões tomadas nestas reuniões gerais devem ser
respeitadas e cumpridas pela diretoria e demais associados, quer estejam ou
não presentes às assembleias. Trata-se, portanto, de uma gestão democrática,
sob a forma cooperativada.

Para administrar a cooperativa, os associados elegem uma diretoria e um


conselho fiscal. É importante que os dirigentes sejam escolhidos por apresenta-
rem real expressão de liderança, conhecimento e vivência dos princípios básicos
do cooperativismo. Devem conhecer a legislação vigente e se empenharem no
exercício das atividades de planejamento, organização, direção e controle da
empresa.

A maioria das cooperativas, para o bom desenvolvimento de seus trabalhos,


utiliza a seguinte estruturação:

 Assembleia Geral:

É uma reunião de todos os associados e constitui o principal fórum de


decisão da cooperativa.

 Diretoria ou Conselho de Administração:

Órgão superior na administração da cooperativa, formado por cooperan-


tes eleitos pelos demais associados, responsável pela execução das pro-
postas aprovadas pela Assembleia Geral.

 Conselho Fiscal:

Órgão independente dentro da cooperativa, cabe-lhe fiscalizar, em nome


dos demais associados, a administração do patrimônio e das operações
da cooperativa.

246
A gestão colegiada e seus efeitos na escola

É fácil perceber, portanto, que as decisões tomadas pela Assembleia Geral são
superiores às de qualquer membro cooperativado, e que o processo de represen-
tatividade por meio de eleições é a que predomina na gestão cooperativada.

Gestão participativa ou colegiada


Em uma aula anterior vimos que a administração participativa é um dos mo-
delos modernos de gestão, que vem sendo discutido nas duas últimas décadas
e visto de forma positiva, principalmente porque valoriza a capacidade das pes-
soas de tomarem decisões e resolverem problemas. Ela contribui para o melhor
desempenho e para a competitividade das organizações, tendo, entre os seus
objetivos, o desenvolvimento de uma cultura organizacional democrática, o au-
mento da satisfação das pessoas e a diminuição dos conflitos, estimulando a
cooperação e a criação do conceito de coletividade, eliminando o binômio diri-
gente e dirigido.

Como já vimos, a participação pode ser de dois tipos:

 Participação direta – dirigida à pessoa, considerada individualmente, em


um estilo de gerência participativa.

 Participação indireta – neste caso a participação se dá por meio de re-


presentantes escolhidos pelos trabalhadores dos diversos setores da em-
presa. Pode assumir várias modalidades: comitês, negociações coletivas,
cogestão, até a autogestão, forma plena de exercício coletivo do poder.

Não significa, no entanto, que não caiba ao gestor a liderança política, cultural e
pedagógica, no caso da instituição escolar. Nesta, existem diversas possibilidades
para a construção de uma administração participativa, como o Regimento escolar,
o Calendário escolar a própria Organização curricular e o Conselho da escola.

Faz-se necessária uma primeira reflexão, que diz respeito ao clima escolar que
dá suporte à gestão participativa. Segundo Sacristán (1999), ele tem que envol-
ver a crença no Estado democrático como aquele em que todos, sem discrimi-
nação, têm direito aos conhecimentos e aos valores sociais, como forma efetiva
de inserção ativa e transformadora na sociedade. O autor propõe que o ato de
educar requer um projeto guiado por uma racionalidade, por argumentos que
o tornem plausível perante seus atores, além de uma vontade pactuada que o
impulsione. Mostra a necessidade de tornar a educação transparente, de forma
que expresse a consciência e os desejos de uma sociedade.

247
A gestão colegiada e seus efeitos na escola

A experiência acumulada nos últimos cinquenta anos mostra que a escola


pública tem que ser preservada como “direito do cidadão e dever do Estado”.
Uma escola forte, que seja o local privilegiado de construção do diálogo na di-
versidade dos atores, da participação e da justiça. Para isso é preciso o investi-
mento do poder público na qualidade social da escola pelos níveis de inovação
que sejam propiciados, pela preservação do espaço escolar, pela valorização do
professor, harmonizando liberdade e igualdade.

Todo o processo que tem como base uma filosofia participativa traz, como
consequência, a necessidade do exercício da negociação e administração de
conflitos, quer entre os líderes e colaboradores, quer seja entre os pares. Tal fi-
losofia mostra as relações de interdependência e sinergia, e os desafios de cada
componente do processo, ajudando no atendimento das necessidades de asso-
ciação, reconhecimento e autorrealização do ser humano.

Muitos autores, como Saraiva (2001), criticam o uso excessivo e disseminado


dos conceitos de democratização, gestão participativa, cidadania e outros, nas
organizações modernas. Falando em uma “pseudodemocracia”, o autor afirma
que estes mecanismos vêm sendo utilizados como práticas sedutoras, no senti-
do de obter o consentimento dos atores institucionais em relação ao que se pra-
tica – ainda retrógrada e autoritariamente – nestas organizações. Sem negar os
avanços alcançados, denuncia a existência de intenções associadas ao aumento
do controle e à sofisticação da dominação. Afirma que
Por enquanto, a ascensão, de fato, do empregado ao status de cidadão, no contexto de uma
organização democrática, amplamente aberto à discussão e redefinição, levando para isso em
consideração as opiniões dos diversos autores envolvidos no processo, permanece como ideal
a ser perseguido, o que, evidentemente, estimula a busca por soluções que tornem o ambiente
organizacional mais humanizado. (SARAIVA, 2001, p. 139)

Existe uma relação intrínseca entre a construção de um modelo colegiado ou


participativo de gestão e a própria autonomia da escola.

Vocês devem estar lembrados que, em uma aula anterior, falamos do con-
fronto entre a escola como instituição tutelada e como instituição autorregula-
da, consequentemente, tanto quanto possível autônoma e apoiada na gestão
colegiada. Isto aumenta a responsabilidade de todos os integrantes da comuni-
dade escolar pelo funcionamento da mesma e amplia a participação de todos os
segmentos na gestão escolar. Decisões tomadas com a participação de todos os
segmentos são mais elaboradas, mais legítimas e possuem mais força, no senti-
do de provocar efeitos concretos.

248
A gestão colegiada e seus efeitos na escola

A escola como instituição autorregulada pressupõe quatro princípios:

 Autonomia e responsabilidade.

 Gestão colegiada e sintonia.

 Avaliação e transparência.

 Sistemas de informação” ou “gestão apoiada em informação”.

A gestão colegiada implica a existência do Colegiado ou Conselho da escola,


que não só aproxima a escola de seu “ambiente externo”; como a ajuda a desen-
volver as suas “capacidades internas”, melhorando a administração e ensinando
a instituição a pensar estrategicamente.

Entre os grandes benefícios do Colegiado da escola temos:

 facilitar a integração da escola, aumentando a comunicação interna entre


a sua equipe e entre esta e a comunidade externa;

 trazer opiniões e perspectivas diferentes, que contribuam para a resolu-


ção de problemas e para a relevância social da escola;

 oferecer experiência de primeira mão a pais e representantes da comuni-


dade externa, quanto às realizações alcançadas pela escola, suas dificulda-
des e necessidades, e os problemas que enfrenta internamente;

 propiciar a divulgação de uma imagem externa mais realista do que a es-


cola é e do que faz, criando um ambiente externo mais sintonizado e pro-
pício a colaborações e ações conjuntas.

O Colegiado da escola é um espaço de discussão e deliberação, onde se pode


analisar problemas, obter ideias e sugestões, discutir coletivamente propostas
alternativas e votar decisões por maioria.

Há métodos de encaminhamento de votação e de “administração” de reu-


niões deste tipo. Há também situações de desigualdade de participação entre
os seus participantes, já que os segmentos (docentes, discentes, funcionários e
comunidade) desenvolvem estilos distintos de participação.

O Colegiado deve propiciar espaço e ambiente para que novas lideranças se


revelem e, também, para que a perspectiva de todos os seus membros seja ma-
nifestada e levada em consideração.

249
A gestão colegiada e seus efeitos na escola

Desigualdades sociais e individuais existirão sempre, mas o Colegiado é um ambiente especial


de convívio inclusivo, que precisa da plena manifestação da opinião de todos. A forma de
preparar as reuniões pode fazer muita diferença (encaminhando-se a pauta de assuntos com
antecedência ou buscando consultar previamente os membros menos atuantes). O modo de
condução da discussão e das decisões também (eventualmente, o voto secreto pode oferecer
maior liberdade e obter maior honestidade dos participantes). (CEAE/UFRJ, 1999)

Não devemos pensar, no entanto, que o Colegiado se instala por milagre, de


uma hora para outra, solucionando todos os problemas. Ele é construído pro-
cessualmente, precisa definir os seus modos de funcionamento e ser renovado
parcial e periodicamente.

O Colegiado escolar corresponde a um Conselho de administração presidido


pelo Diretor da escola e composto por representantes dos professores e funcio-
nários, dos pais de alunos e dos alunos com 16 anos ou mais, além de represen-
tantes da comunidade, se houver interesse.

Normalmente, metade de seus membros é composta por representantes


dos professores e funcionários e a outra metade, por representantes dos pais de
alunos, alunos maiores de 16 anos e líderes da comunidade. O Colegiado tem
funções consultivas (de assessoria à Direção da escola) e deliberativas (de deci-
são) sobre matérias financeiras, administrativas e pedagógicas.

São exemplos de funções consultivas: analisar e opinar sobre os termos dos


convênios a serem celebrados pela unidade de ensino; apreciar o desligamen-
to de membros do Colegiado; propor a expansão do atendimento escolar e a
organização da unidade de ensino; emitir parecer sobre movimentação e afas-
tamento de pessoal docente, técnico e administrativo; manifestar-se sobre a
proposta curricular da unidade de ensino; analisar os resultados de avaliação do
desempenho do pessoal e da avaliação institucional da escola, quanto ao mérito
e resultados.

São exemplos de funções deliberativas: aprovar o orçamento anual da unida-


de de ensino; aprovar a proposta de aplicação dos recursos de custeio e inves-
timento recebidos e administrados pela Unidade Executora/Caixa Escolar; apro-
var planilhas de despesas para reparos, reformas e ampliações do prédio escolar;
aprovar a prestação de contas; aprovar o Regimento Escolar e apresentá-lo em
Assembleia no início do ano letivo; recomendar providências para a melhor uti-
lização do espaço físico, do material escolar e do pessoal da unidade de ensino;
avaliar e aprovar o Projeto Pedagógico da unidade de ensino; aprovar o Calen-
dário Escolar; inteirar-se da avaliação da escola e aprovar planos de melhoria da
qualidade do ensino; avaliar estratégias que viabilizem o aumento do tempo de
permanência do aluno na escola, entre outras.
250
A gestão colegiada e seus efeitos na escola

O Colegiado é um fórum democrático e suas decisões devem ser aprovadas


pela maioria dos membros. Ele deve ter uma programação de reuniões ordiná-
rias, quer dizer, reuniões regulares, previstas, e pode também ter reuniões extra-
ordinárias, especiais e convocadas por motivos e segundo regras de convocação
previstas no Estatuto do Colegiado.

A implantação da gestão colegiada, pela qual o diretor divide responsabili-


dades e compartilha decisões, torna muito importante os Editais de Convocação
das reuniões e o registro em Atas das discussões, sugestões e resoluções toma-
das pelo Colegiado da Escola.

O Edital de Convocação deve conter a data, o local e o horário da reunião,


além do objetivo e assuntos a serem tratados. A Ata, por sua vez, é o registro
resumido, porém claro e fiel, das opiniões, votações e resoluções de uma reunião
convocada com antecedência de pelo menos vinte e quatro horas.

As Atas são importantes porque permitem consultar fatos e decisões toma-


das em reuniões, esclarecendo seu contexto e dúvidas que podem surgir poste-
riormente. Ela é um registro formal e oficial das reuniões do Colegiado.

Silva (2001, p. 167-168), concordando com pesquisadores da área, afirma que


[...] é muito cedo, pelo menos em termos de Brasil, para afirmar que a flexibilização, sob a
forma de administração participada, como uma nova trajetória de organização da produção
de bens ou serviços, seja o modelo que vem fomentando a democratização nas relações
sociais no interior das instituições. [...] há que se acrescentar a permanência de uma cultura
gerencial historicamente autoritária e conservadora, por decorrência, resistente às mudanças
que impliquem cessão de poder aos subordinados hierarquicamente.

Atividades
Leia o texto Assembleia na carpintaria e redija um texto, relacionando as ques-
tões nele apresentadas com os pontos discutidos na nossa aula de hoje.

Assembleia na carpintaria
(Autor desconhecido)

Contam que na carpintaria houve uma vez uma estranha assembleia.


Foi uma reunião de ferramentas para acertar as suas diferenças. O martelo
exerceu a presidência, mas os participantes lhe notificaram que teria que re-

251
A gestão colegiada e seus efeitos na escola

nunciar. A causa? Fazia barulho demais e, além disso, passava todo o tempo
golpeando.

O martelo aceitou sua culpa, mas pediu que também fosse expulso o pa-
rafuso, dizendo que ele dava muitas voltas para conseguir algo. Diante do
ataque, o parafuso concordou, mas por sua vez, pediu a expulsão da lixa.
Dizia que ela era muito áspera no tratamento com os demais, entrando
sempre em atritos. A lixa acatou, com a condição de que se expulsasse o
metro que sempre media os outros segundo a sua medida, como se fora o
único perfeito.

Nesse momento entrou o carpinteiro, juntou o material e iniciou o seu


trabalho. Utilizou o martelo, a lixa, o metro e o parafuso. Finalmente, uma
rústica madeira se converteu num fino móvel.

Quando as ferramentas ficaram novamente a sós, a assembleia reativou a


discussão. Foi então que o serrote tomou a palavra e disse: “Senhores, ficou
demonstrado que temos defeitos, mas o carpinteiro trabalha com nossas
qualidades, com nossos pontos fortes. Assim, proponho um trato, não vamos
mais ressaltar nossos pontos fracos e vamos passar a valorizar nossos pontos
fortes”.

A assembleia aprovou a proposta, todos tinham entendido que se o mar-


telo era barulhento, também era forte, se o parafuso dava voltas também
unia e dava força, se a lixa era áspera era também especial para limar e afinar
asperezas e se o metro sempre media os outros era também preciso e exato. E
que todas estas habilidades eram necessárias para o trabalho em conjunto.

Sentiram-se, então, como uma equipe capaz de produzir móveis de qua-


lidade. Sentiram alegria pela oportunidade de trabalhar juntos. Ocorre o
mesmo com os seres humanos. Basta observar e com­provar. Quando uma
pessoa busca defeitos na outra, sempre encontra algo para criticar, tornan-
do o clima tenso e negativo, mas se, ao contrário, busca com sinceridade os
pontos fortes de todos, as melhores conquistas humanas florescem.

252
A gestão colegiada e seus efeitos na escola

253
A gestão colegiada e seus efeitos na escola

Referências
DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. 2. ed. São Paulo: Papirus,
1996.

HORA, D. L. da. Gestão Democrática na Escola. Campinas: Papirus, 1997.

MAIA, Graziela Z. A. (Org.). Administração e Supervisão Escolar: questões para


o novo milênio. São Paulo: Pioneira, 2000.

SACRISTÁN, J. G. Poderes Instáveis em Educação. Porto Alegre: Artmed, 1999.

SARAIVA, L.A.S. Consenso ou consentimento? A pseudodemocracia na organiza-


ção contemporânea.In: PIMENTA, S.M.; CORRÊA, M.L. Gestão, Trabalho e Cida-
dania: novas articulações. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

SILVA, M.A. da. Educação e administração participada. Revista Brasileira de Po-


lítica e Administração da Educação. Porto Alegre, v. 17, n. 2, p. 161-170, jul./
dez. 2001.

UFRJ. Centro de Estudos em Avaliação Educacional (CEAE). Capacitação em


Projeto Pedagógico. Rio de Janeiro, 1999. (Módulo 2).

UFRJ. Centro de Estudos em Avaliação Educacional (CEAE). Programa de apoio


à melhoria do ensino municipal. Capacitação em Gestão Colegiada. Rio de Ja-
neiro, 1999. (Módulo 4). Disponível em: <www.race.nuca.ie.ufrj.br/ceae/modu-
lo4.htm>. Acesso em: 10 dez. 2003.

254
Vídeo
Formação e atuação da equipe
técnico-pedagógica da escola

Estamos terminando a nossa disciplina, e está na hora de conhecermos


um pouco mais a equipe técnico-pedagógica da escola.

O que é a equipe técnico-pedagógica da escola? Ela não é um órgão


gestor colegiado, como o Conselho da escola, um espaço de discussão e de-
liberação, onde se pode analisar problemas, obter ideias e sugestões, discu-
tir coletivamente propostas alternativas e votar decisões por maioria. Trata-
-se de uma equipe – geralmente formada pelo Diretor, pelo Supervisor
Educacional e pelo Orientador Educacional (ou pelo Orientador Pedagó-
gico, como veremos mais adiante) – responsável pela implementação do
Projeto Político Pedagógico da escola, pela consecução dos aspectos pe-
dagógicos da “missão institucional”, pela realização das decisões de cunho
pedagógico, tomadas pelo Conselho da escola.

Como toda a equipe, o que a caracteriza são os objetivos comuns, e


não a uniformidade de formações ou de temperamentos. Pelo contrário,
a diversidade é geradora de conflito – entendido no seu viés positivo – de
criatividade e de crescimento da mesma.

Moscovici (1994, p. 39) estabelece a distinção entre grupos e equipes:


Os especialistas em desenvolvimento humano têm afirmado que GRUPOS caminham
juntos, mas não se afinam. EQUIPES compreendem seus objetivos e engajam-se
em alcançá-los de forma compartilhada. Numa equipe, portanto, há comunicação
verdadeira, as opiniões divergentes são estimuladas de forma sadia, existe confiança
mútua entre os seus membros, os riscos são assumidos juntos, as habilidades de uns
possibilitam o complemento das habilidades dos demais... enfim, há respeito, mente
aberta e cooperação.

257
Formação e atuação da equipe técnico-pedagógica da escola

A importância do trabalho em grupo pode ser ilustrada por uma antiga histó-
ria, de autor desconhecido, mas que corre de geração em geração:

Um fazendeiro muito rico estava doente e, preocupado com a desarmo-


nia que reinava entre os quatro filhos, resolveu dar-lhes uma lição. Chamou--
-os e disse que havia resolvido propor-lhes uma prova, para decidir para
qual dos quatro deixaria todos os seus bens. Apontou um feixe de gravetos
de lenha, encostado à parede e disse que aquele que conseguisse quebrar o
feixe ao meio, usando apenas as mãos, seria o herdeiro dos bens paternos.

Cada um teve uma chance, mas por mais que se esforçassem não conse-
guiram partir o feixe de lenha. Ficaram indignados e reclamaram com o pai,
pois esse havia proposto uma missão impossível.

O pai disse que ele mesmo iria realizar a tarefa e, diante dos filhos in-
crédulos, quebrou os gravetos um por um, até que todo o feixe estivesse
partido.

O pai concluiu dizendo que não pretendia em nenhum momento deser-


dar três filhos, deixando a fortuna apenas para um, mas que gostaria que
eles formassem uma equipe unida, coesa, para dar seguimento ao seu tra-
balho e manter a família unida e amorosa.

Esta era a lição que o fazendeiro queria passar aos filhos:

Quando trabalhamos em equipe, somos como feixe de lenha, os grave-


tos dão suporte uns aos outros e ninguém consegue quebrá-los. Separados
e trabalhando individualmente, no entanto, nos tornamos frágeis diante de
qualquer dificuldade ou ameaça.

Existem algumas características que definem uma equipe. Vamos conhecê-las:


 Interação – a equipe apresenta uma dinâmica interna própria de relacio-
namento, as pessoas que a compõem se “afetam” mutuamente, de forma
mais ou menos duradoura e singular.
 Estrutura – cada equipe tem uma espécie de “hierarquia” entre os seus
componentes.
 Coesão – trata-se do sentimento de pertencimento à equipe, que faz com
que cada membro se reconheça – e goste de ser reconhecido – como tal.

258
Formação e atuação da equipe técnico-pedagógica da escola

 Objetivos comuns – embora os objetivos individuais (quando são confli-


tantes) não desapareçam, os objetivos comuns passam a predominar so-
bre eles; o alcance das metas da equipe passa a trazer enorme satisfação
individual aos componentes.

 Padrão de conduta – a convivência na equipe faz com que certos padrões


de conduta e normas sejam criados e compartilhados por aqueles que a
compõem, funcionando como uma “marca” ou identidade da mesma.

Um perfil das atribuições específicas


dos componentes da equipe técnico-
-pedagógica da escola
Antes de começarmos este delineamento de funções, é necessário que vocês
entendam que não se trata de um estabelecimento rígido de áreas de compe-
tência, em que cada profissional trabalha no seu “quadradinho”, sem interação e
interpolação com os demais. Isto seria o oposto de tudo que dissemos até agora
sobre a formação de equipes...

Não quer dizer, no entanto, que na equipe técnico-pedagógica da escola


todos façam as mesmas coisas, sem especificidade de funções.

Resumidamente, vamos ver as principais atribuições de cada um dos compo-


nentes da equipe: diretor, supervisor educacional e orientador educacional.

Diretor
A atribuição primordial do gestor da escola talvez possa ser comparada à do
maestro em uma orquestra: imaginem uma orquestra com os músicos retirando
dos diversos instrumentos musicais melodias sonoras e belas. Sozinho, nenhum
deles consegue obter o som que se ouve; quando, juntos, fazem a leitura das
partituras e transformam sinais gráficos em sons harmoniosos, de intensidades e
ritmos que se completam na melodia. É a importância de um grupo na elabora-
ção de um processo e na produção de um produto final. Nessa metáfora falta, no
entanto, a presença do maestro, que coordena o grupo e garante que a melodia
seja produzida.

259
Formação e atuação da equipe técnico-pedagógica da escola

Dirigir é “dar direção a”. Portanto, a principal função da Direção é a de projetar


e planejar, prover meios e recursos, prever tempos, avaliar. Mas, acima de tudo,
significa formar e liderar equipes, sensibilizar pessoas, mobilizá-las para objeti-
vos comuns.

Atualmente, essa é uma função multidisciplinar, envolvendo aspectos de


natureza pedagógica, educacional, administrativa e econômico-financeira. Um
campo vastíssimo, necessitando contar com um apoio técnico preciso e eficien-
te para coordenar todos os setores da escola, além de preocupar-se com as rela-
ções com a comunidade externa à escola.

Responsável pela articulação do processo decisório da instituição escolar,


verbos como projetar, planejar, organizar, controlar, elaborar, responsabilizar-se,
decidir, dirigir e avaliar fazem parte do seu cotidiano.

Algumas atribuições do Diretor:

 Coordenar a execução do projeto político pedagógico da escola, acom-


panhando as ações nos diferentes setores pedagógicos e administrativos.

 Participar das questões referentes aos aspectos pedagógicos da escola,


conjugando-os com os administrativos.

 Representar a escola junto aos órgãos oficiais, associações de classe, pais


e comunidade em geral.

 Administrar os recursos humanos, financeiros e materiais, obedecendo à


legislação compatível.

 Elaborar a proposta de previsão orçamentária e tributária da escola.

 Assegurar o cumprimento dos dispositivos legalmente estabelecidos, de


acordo com o sistema de ensino a que a escola pertence.

 Acompanhar os processos de seleção, admissão e demissão de professo-


res e funcionários técnico-administrativos (se for o caso).

 Presidir (ou delegar) as reuniões realizadas na escola, que tenham a abran-


gência de vários segmentos, como as reuniões do Conselho da escola e os
Conselhos de classe.

 Planejar e coordenar as reuniões com a equipe técnico-pedagógica.

 Articular as relações internas e externas da instituição escolar.

260
Formação e atuação da equipe técnico-pedagógica da escola

Supervisor educacional
Este profissional recebe diversos nomes, dependendo do sistema e da escola
em que atua. Pode ser chamado de Supervisor Escolar, de Orientador Pedagó-
gico ou receber outras denominações. Geralmente é quem trabalha mais dire-
tamente com os professores e luta contra uma avalanche de tarefas rotineiras
e burocráticas que lhe são imputadas, como preencher intermináveis fichas e
planilhas, substituir professores em sala de aula, fiscalizar a realização de provas,
ministrar aulas de recuperação ou cuidar da disciplina na escola, entre outras.

Isso o afasta de ações mais importantes, junto ao currículo da escola, a pro-


moção da reflexão crítica do professor sobre a própria prática e ao desenvolvi-
mento da inovação educacional.

Algumas atribuições do Supervisor Educacional:

 Participar da definição da concepção de educação adotada pela institui-


ção escolar e da forma como ela trabalha com o conhecimento e com o
processo ensino-aprendizagem.

 Comprometer-se com o aprimoramento do processo ensino-aprendiza-


gem, em especial com os aspectos didáticos e metodológicos.

 Elaborar, de forma participativa, o Projeto Político Pedagógico da escola,


acompanhando e avaliando as ações que lhe são compatíveis.

 Planejar e coordenar as reuniões pedagógicas realizadas com o corpo do-


cente.

 Avaliar periodicamente o trabalho pedagógico desenvolvido, observando


os critérios estabelecidos.

 Orientar o processo de planejamento realizado pelos professores.

 Elaborar um plano de ação de Supervisão Educacional.

 Trabalhar de forma integrada com o Orientador Educacional.

 Desenvolver estudos sobre temas relacionados ao currículo escolar, con-


teúdos, metodologia, avaliação, entre outros.

Este profissional, “cúmplice político pedagógico dos professores”, depara-


-se constantemente com impasses e perplexidades na sua prática. Uma delas,
bem definida por Fernandes (1997, p. 121) é:

261
Formação e atuação da equipe técnico-pedagógica da escola

A competência a ser construída pelos supervisores, em qualquer nível em que atuem, deve
se revelar primeiro na sua capacidade de visualizar claramente qual pode e deve ser o papel
da supervisão exercida por um educador. Essa competência compartilhada precisa, em cada
momento e espaço, assumir, na ação, a dimensão técnica e o compromisso político do saber-
-fazer.

O compromisso com a mudança para nós, define o olhar voltado para os fins da educação,
para o ensino, para o aluno e não a “fidelidade” ao sistema. A coerência com esse compromisso
impulsiona a ação para vivência de valores que rompam efetivamente com o vínculo de
submissão, com a relação estabelecida com a função reguladora e normativa, que impõe um
saber vindo de fora, em vez de auxiliar a construção de um saber coletivamente refletido e
autoconstruído.

Orientador educacional
O papel fundamental do Orientador Educacional é conhecer o sujeito com o
qual trabalha, interagindo com ele, objetivando facilitar o seu desenvolvimento
cognitivo, social e emocional. Ele é o mediador, quando necessário, da relação
entre o professor e o aluno, e das relações entre os alunos, auxiliando a superar as
divergências que acontecem durante os momentos de ensino e aprendizagem.

A prática do orientador deve procurar auxiliar o aluno na construção do co-


nhecimento, promover as interações do aluno com o meio em que está inserido,
com os variados saberes e fazeres, e no processo de construção da identidade.

Algumas atribuições do Orientador Educacional:

 Acompanhar os alunos no seu desempenho escolar, atendendo-os em


grupo ou individualmente em caso(s) de dificuldades na aprendizagem e/
ou no relacionamento, buscando uma ênfase preventiva na sua ação.

 Realizar atendimento grupal às turmas, sempre que necessário.

 Trabalhar em conjunto com o Supervisor Educacional.

 Elaborar o seu próprio plano de ação.

 Oferecer informação profissional e orientação vocacional aos alunos.

 Elaborar perfis de turma e espelhos de classe.

 Atender aos pais, sempre que necessário.

 Discutir, com os professores, questões relativas ao desenvolvimento e à


aprendizagem dos alunos.

262
Formação e atuação da equipe técnico-pedagógica da escola

As atribuições gerais da equipe


técnico-pedagógica da escola
Não gostaria que vocês terminassem a nossa aula de hoje pensando que as
ações desenvolvidas pela equipe técnico-pedagógica são assim individualizadas.
Isto seria o oposto da integração da equipe, que tanto defendemos. Em função
disto, vamos falar das competências comuns a toda a equipe técnico-pedagógica
e de quatro ações gerais e importantíssimas que ela desenvolve na escola.

Algumas atribuições gerais da Equipe Técnico-Pedagógica:

 Comprometer-se com o aprimoramento do processo ensino-aprendizagem.

 Desenvolver na escola o processo de pesquisa – reflexão – ação.

 Garantir o cumprimento, pela escola, da legislação vigente.

 Realizar, participativamente, o planejamento, implementação e avaliação


do projeto político pedagógico da instituição escolar.

 Divulgar e estimular a participação dos vários segmentos profissionais


que compõem a escola, em atividades de atualização / aperfeiçoamento.

 Elaborar, de forma participativa, o diagnóstico socioeconômico-cultural


da escola.

 Elaborar/participar de projetos especiais, de caráter técnico-pedagógico.

 Atuar na organização e realização dos Conselhos de Classe e demais ativi-


dades avaliativas.

 Levantar e analisar, junto com a comunidade escolar, os índices de repe-


tência e evasão, buscando alternativas para minimizá-los.

 Promover, junto com a comunidade escolar, a elaboração, implementa-


ção, avaliação e replanejamento do currículo.

 Coordenar, acompanhar e avaliar o sistema de avaliação do rendimento


escolar.

 Acompanhar o desempenho escolar dos alunos, identificando os aspectos


que podem ser trabalhados pela própria escola e encaminhando aqueles
casos que necessitem de atendimento específico.

263
Formação e atuação da equipe técnico-pedagógica da escola

 Coordenar o processo de avaliação institucional da escola.

 Promover e participar de reuniões com os pais e demais representantes


da comunidade, estimulando o aprimoramento das relações externas da
escola.

Equipe técnico-pedagógica da escola:


Quatro aspectos da missão institucional
Como dissemos anteriormente, vamos encerrar a nossa aula falando de
quatro atribuições muito amplas e fundamentais, da equipe técnico-pedagógi-
ca da escola.

Coordenar a realização do
Planejamento Participativo da Escola
O Planejamento Participativo constituiu-se nos últimos anos, junto com o
Planejamento Estratégico e o Gerenciamento da Qualidade Total, em uma das
importantes ferramentas institucionais de intervenção na realidade. As três cor-
rentes incorporam ideias fundamentais do planejamento, entendido de forma
ampliada: participação, qualidade e missão. Em artigo publicado em 2001,
Danilo Gandin estabelece, por meio de exemplos, as características gerais e a
adequação de cada uma das três correntes.

Elaboramos um quadro, que sintetiza as ideias do autor.

Corrente Situação – alvo da aplicação do planejamento


Gerenciamento da Qualidade Exemplos: conserto de um automóvel; trabalho de um médico;
Total administração de um aeroporto; órgãos governamentais.
Meta = satisfação do cliente Envolve a compreensão da máquina, sistema ou organismo, a
Planejar = solucionar proble- realização de um diagnóstico e a tomada de decisão quanto às
mas que surgem. ações necessárias. Tudo isto varia em graus de complexidade e
abrangência, de acordo com a situação em que vai ser aplicado
e o tipo de “cliente” atendido.

264
Formação e atuação da equipe técnico-pedagógica da escola

Planejamento Estratégico1 Exemplos: fábrica de sapatos (ou outras indústrias e empresas


Meta = permanência no mer- complexas de serviços); órgãos governamentais. Determina a
cado. necessidade de posições estratégicas mais claras e de ampla
análise da realidade social, incluindo na “missão” institucional
Planejar = analisar oportunida- o bem-estar de pessoas e grupos (às vezes nem diretamente
des, descobrir pontos fortes e ligados à organização).
fracos, compatibilizar o resulta-
do com os objetivos ou metas
da organização.
Planejamento Participativo2 Exemplos: escolas, partidos políticos; sindicatos; órgãos gover-
Meta = transformação da socie- namentais.
dade, na linha da justiça social. Apresenta grande abrangência social, é mais que uma ferra-
Planejar = desenvolver um pro- menta para a administração, tem uma visão própria do que
cesso técnico para contribuir é participação (colaboração, decisão e construção coletiva) e
para um projeto político. incorpora uma visão estratégica, mas situacional.

As três correntes implicam a existência de etapas que se articulam, em um


fluxo contínuo:

Elaboração

Implementação

Avaliação

Gandin destaca que existem muitos escritos sobre o planejamento participa-


tivo (muitos com enfoque filosófico e doutrinário), mas destituídos de operacio-
nalidade, o que dificulta a sua aplicação à prática.
1
“[...] é o processo administrativo que proporciona sustentação metodológica para se estabelecer a melhor direção a ser seguida pela empresa,
visando ao otimizado grau de interação com o ambiente e atuando de forma inovadora e diferenciada.” (OLIVEIRA, 2002, p. 47-48).
2
“[...] o Planejamento-Participativo assume uma visão estratégica que não está direcionada apenas a “como empresas vencedoras dominam seus
concorrentes” [...]. Ela avança para questões mais amplas e complexas, como a de ver como se contribui para interferir na realidade social, para
transformá-la e para construí-la numa direção estabelecida em conjunto, num pé de igualdade fundamental, mas com a contribuição própria de
cada um, por todos os que participam da instituição, grupo ou movimento ou, mesmo, de uma cidade, de um estado e de uma nação.” (GANDIN,
2001, p. 91).

265
Formação e atuação da equipe técnico-pedagógica da escola

Participar da formação
continuada dos profissionais da escola
Trata-se da promoção do desenvolvimento profissional dos professores e
funcionários técnico-administrativos que transitam no espaço escolar. Esta for-
mação inclui duas ideias: a aquisição de saberes diretamente ligados à prática
profissional e ao desenvolvimento de atividades que conduzam a uma compre-
ensão nova da relação saber – fazer e do próprio contexto institucional.

Inclui obrigatoriamente aspectos como:

 Conjunto de atividades formativas, visando ao aperfeiçoamento dos co-


nhecimentos, aptidões ou competências e atitudes profissionais.

 Confrontação reflexiva e crítica do saber teórico com os modos de agir.

 Corresponde à ampla ideia de desenvolvimento profissional, em vez de


treinamento ou reciclagem.

Pacheco e Flores (1999, p. 132) falam de três critérios de formação contínua:

 Pessoal, que responde à necessidade de desenvolvimento.

 Profissional, que procura responder às demandas da profissão e do pró-


prio mercado de trabalho.

 Organizacional, que não se restringe às necessidades contextuais da es-


cola, mas busca uma adequação às mudanças sociais, econômicas e tec-
nológicas.

Segundo os autores, a formação continuada – sobre a qual a equipe técnico-


-pedagógica atua diretamente – pode ser desenvolvida de acordo com três
modelos:

 Modelo administrativo – formação planificada, realizada predominante-


mente para atender as necessidades organizacionais, de que falamos.

 Modelo individual – envolve dois sentidos: o da autoformação e o da he-


teroformação, em que um grupo de docentes elabora projetos formativos,
dinamizado por um formador também docente.

 Modelo de colaboração social – desenvolvido em parceria pelas escolas e


por instituições de ensino superior.

266
Formação e atuação da equipe técnico-pedagógica da escola

Coordenação e articulação dos projetos técnico-


-pedagógicos aprovados pelo conselho da escola
Para Charlot (1994, p. 42) projeto é “... a arte de adaptar a ação pedagógica
e administrativa à diversidade e heterogeneidade do público [...] de avaliar e
ajustar as ações à medida que se desenvolvem, um meio de organizar e gerir
recursos, uma forma de articular a política nacional com o trabalho local. [...] um
ensejo de renovação constante”.

Isto não significa que, obrigatoriamente, a escola esteja trabalhando com a


metodologia de projetos. Não significa, também, que estejamos falando apenas
do projeto curricular da escola, mas de todos os projetos por ele circunscritos.

Tais projetos, coordenados pela equipe técnico-pedagógica da escola, apon-


tam para a mudança e a inovação, para a flexibilização curricular. Esclarecem o
conceito, assumido pela escola e de conhecimento escolar e das formas da sua
apropriação. Delineiam a abrangência da autonomia da instituição escolar.

Atuação na construção do
sistema de avaliação da escola
A equipe técnico-pedagógica é responsável pela articulação do sistema de
avaliação, que engloba a avaliação da aprendizagem e a avaliação institucional
(interna e externa), e define o paradigma de avaliação adotado pela escola. O
pano de fundo desse sistema é constituído pela legislação e pelos projetos sistê-
micos de avaliação, desenvolvidos pelos órgãos governamentais.

Resumindo, podemos dizer que o gerenciamento do sistema de avaliação


leva a Equipe Técnico-Pedagógica a algumas ações:

 Construção do sistema de avaliação do rendimento escolar.

 Divulgação e discussão dos resultados das avaliações externas sofridas


pela escola.

 Deflagração e gerenciamento do processo de avaliação institucional inter-


na permanente da escola.

267
Formação e atuação da equipe técnico-pedagógica da escola

Atividade
1. Pesquise e faça uma análise comparativa das atribuições de cada membro
da equipe técnico-pedagógica da escola, discutindo as possibilidades de
interfaces entre eles, na instituição escolar.

2. Qual é a sua opinião sobre o movimento atual de existência, nas escolas, de


um Coordenador Pedagógico que, de certa forma, acumula as competências
e funções do Supervisor Educacional e do Orientador Educacional, em um
único profissional?

268
Formação e atuação da equipe técnico-pedagógica da escola

3. Leia o texto As regras de ouro do trabalho em equipe e comente-o, criando


situações que exemplifiquem cada uma das regras, na atuação da equipe
técnico-pedagógica escolar.

As regras de ouro do trabalho em equipe


As seis palavras mais importantes: admito que o erro foi meu.

As cinco palavras mais importantes: você fez um bom trabalho!

As quatro palavras mais importantes: qual a sua opinião?

As três palavras mais importantes: faça o favor...

As duas palavras mais importantes: muito obrigado.

A palavra mais importante: nós.

A palavra menos importante: eu.

Referências
DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. 2. ed. São Paulo: Papirus,
1996.

MAIA, Graziela Z. A. (Org.). Administração e Supervisão Escolar: questões para


o novo milênio. São Paulo: Pioneira, 2000.

OLIVEIRA, P. R. Planejamento Estratégico: conceitos, metodologias, práticas.


São Paulo: Atlas, 2002.

269
A coordenação da avaliação institucional
Vídeo
da escola como atribuição do gestor

As competências do gestor escolar


Antes de especificarmos a atribuição do gestor escolar frente à ava­
liação institucional – objeto central da nossa aula de hoje – é conveniente
conversamos um pouco sobre as competências deste ator institucional
tão importante.

Alguns autores falam de três áreas de competência do gestor escolar:

Competências da área técnico-pedagógica


Trata-se da coordenação, planejamento, implantação, acompanha­
mento e avaliação das políticas de educação infantil, ensino fundamen­
tal, contemplando a educação de jovens e adultos, educação especial e
projetos especiais de educação como Alfabetização Solidária, Educação
Contextualizada e utilização da Tecnologia aplicada à Educação.

Competências da área de gestão


Criação, fortalecimento, capacitação e acompanhamento de organis­
mos escolares de participação (Conselho da Escola, Congregação de Pro­
fessores, Grêmios, Conselho de Lideranças, Organizações Comunitárias);
orientação, acompanhamento do processo de construção ou de adequa­
ção às novas legislações, do projeto político pedagógico da escola; coor­
denação da Avaliação Institucional da escola; inspeção, escrituração esco­
lar, vida escolar do aluno; implementação do Censo Escolar; coordenação
do planejamento participativo da escola; lotação de professores, coorde­
nadores pedagógicos e professores coordenadores.

271
A coordenação da avaliação institucional da escola como atribuição do gestor

Competências da área de monitoramento e controle


Gestão de recursos humanos, financeiros e materiais; responsabilidade pelo
patrimônio da escola; controle da lotação de pessoal.

Outro enfoque contempla da seguinte forma as funções do gestor escolar:

1.ª função – Participação na “cadeia de formação”.

O diretor faz parte da equipe técnico-pedagógica da escola, atuando em uma


posição intermediária entre as agências de formação de educadores, os próprios
docentes e os alunos, atuando efetivamente na formação continuada dos pri­
meiros e na aprendizagem dos últimos.

Esta ação formadora do gestor escolar deve efetivar-se segundo cinco prin­
cípios básicos:

 Enfoque no sujeito.

 Enfoque nos processos de formação do caráter.

 Problematização do saber.

 Integração teoria – prática.

 Introspecção metacognitiva (reflexão sobre os processos de pensamento,


modificando o seu conteúdo).

2.ª função: Supervisão/Orientação Pedagógica.

Sem assumir as funções destes outros participantes da equipe técnico-peda­


gógica da escola, o gestor escolar atua nesta direção, sem uma visão prescritiva,
mas na visão colaborativa: alguém com experiência e conhecimen­to, receptivo
aos demais, que orienta e ajuda o desenvolvimento da equipe e se corresponsa­
biliza pelas ações realizadas na escola.

Esta ação supervisora do diretor não tem o sentido de dirigismo, autoritaris­


mo ou imposição, mas sim de visão do todo, do processo. Nela está incluída a
coordenação da avaliação institucional da escola.

Cabe aqui a divertida afirmação de Stones (1984):


Estava um dia sentado em frente à máquina de escrever, a tomar notas sobre supervisão,
quando a máquina soluçou e produziu “super – visão”. De repente, percebi do que se tratava.
A qualificação necessária para se ser supervisor era a “super – visão”. O meu pensamento

272
A coordenação da avaliação institucional da escola como atribuição do gestor

prosseguiu uma análise da super – visão. Quais as capacidades que a constituíam?


Naturalmente, pareciam estar todas relacionadas com a visão. Em primeiro lugar, alguém
com “super – visão” teria de possuir uma visão apurada para ver o que acontece na sala de
aula. Depois, necessitaria de “introvisão” para compreender o significado do que lá acontece,
“antevisão” para ver o que poderia estar a acontecer, “retrovisão” para ver o que deveria ter
acontecido mas não aconteceu e “segunda – visão” para saber como fazer acontecer o que
deveria ter acontecido, mas não aconteceu. Como se pode concluir, considero a supervisão
uma atividade bastante complexa. (apud VIEIRA, 1993, p. 27)

É necessário, portanto, que esta função supervisora do gestor escolar não se


distancie da sala de aula, do próprio processo ensino-aprendizagem.

3.ª função: Administração.

Aqui ficam situadas as competências mais diretamente ligadas à estrutura


administrativa da instituição escolar, associadas, por exemplo, à implementação
de políticas educacionais, à documentação e às rotinas administrativas, entre
outras.

Gestão escolar e avaliação de


sistemas educacionais
Uma das competências essenciais do gestor escolar é o conhecimento sobre
avaliação de sistemas educacionais, embora ela não seja realizada pela própria
instituição escolar.

Estas avaliações incidem sobre redes de escolas e buscam aferir o desempe­


nho dos alunos, por meio de testes de conhecimentos, e levantar informações
– utilizando questionários especificamente criados para tal – com os diretores
e professores. Coleta, ainda, um sistema de informações sobre as escolas (ins­
talações e equipamentos, matrículas, taxas de promoção, evasão e repetência,
entre outras) e sobre os alunos e suas famílias, por meio de um questionário
socioeconômico.

Um exemplo de avaliação de sistemas, realizado em nível nacional é o Siste­


ma Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), realizado pelo INEP (Ins­
tituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais), com apoio das Secretarias
Estaduais e Municipais de Educação, desde 1990. Avaliando alunos de 4.ª e 8.ª
séries do ensino fundamental e da 3.ª série do ensino médio, nas áreas de Língua
Portuguesa, Matemática e Ciências – e a partir de 1999, História e Geografia –, o
SAEB é realizado bianualmente.

273
A coordenação da avaliação institucional da escola como atribuição do gestor

Uma crítica frequente às iniciativas de avaliação de sistemas de ensino é bem


expressa pelo professor José Dias Sobrinho, em debate ocorrido em 2002, na
Faculdade de Educação da UNICAMP:
[...] não percebo a avaliação como uma questão meramente técnica; vejo a avaliação como algo
também político, que tem efeitos sociais muito sérios. É evidente que a avaliação também é
técnica, mas é preciso não despolitizá-la; é preciso ressaltar as suas dimensões ético-políticas
– o que ela representa do ponto de vista ético, o que ela significa também do ponto de vista
epistemológico e político. [...] A avaliação, hoje, é vista pelos educadores a partir de uma certa
perspectiva, mas ela é implementada pelos políticos, pelos economistas, enfim, por pessoas de
distintas origens, com outras intencionalidades e com usos distintos. (SOBRINHO, 2003, p. 39)

Compete ao diretor da escola, portanto, resgatar a dimensão educa­cional


destas avaliações, sejam o SAEB ou iniciativas no âmbito estadual. Isto se dá, em
nosso entendimento, em três momentos:

 Discutindo com a comunidade escolar a importância e o significado de


tais avaliações.

 Garantindo a participação efetiva de todos os segmentos da escola, no


momento da realização da avaliação.

 Criando espaços de discussão na escola, envolvendo os vários ­segmentos


escolares, dos resultados – gerais e específicos da escola – recebidos dos
órgão responsáveis pela realização da avaliação do sistema educacional.

Gestão escolar e avaliação institucional


Entre a multiplicidade de conceitos de avaliação, optamos pelo de Aquilar
et al. (1994, p. 31-32), que assim a define:
A avaliação é um forma de pesquisa social aplicada, sistemática, planejada e dirigida; destinada
a identificar, obter e proporcionar de maneira válida e confiável dados e informação suficientes
e relevantes para apoiar um juízo sobre o mérito e o valor dos diferentes componentes de um
programa (tanto na fase de diagnóstico, programação ou execução), ou de um conjunto de
atividades específicas que se realizam, foram realizadas ou se realizarão, com o propósito de
produzir efeitos e resultados concretos; comprovados a extensão e o grau em que se deram
as conquistas, de forma tal que sirva de base ou guia para uma tomada de decisão racional e
inteligente entre cursos de ação, ou para solucionar problemas e promover o conhecimento e
a compreensão dos fatores associados ao êxito ou ao fracasso de seus resultados.

A avaliação institucional – uma das modalidades da avaliação – é concebi­


da como um processo sistemático de busca de subsídios para a melhoria e o
aperfeiçoamento da qualidade institucional, incidindo sobre processos, fluxos,

274
A coordenação da avaliação institucional da escola como atribuição do gestor

resultados e estruturas. Dá suporte ao processo de planejamento institucional


por meio da identificação de insuficiências e de vantagens relativas, da sugestão
de diretrizes e critérios para as políticas e metas e da produção de informações
para a tomada de decisões.

Em resumo, o eixo da avaliação institucional é promover as condições para


que a instituição consiga identificar suas práticas, refletir sobre seus limites e
possibilidades e explicitar quais são as suas políticas, os seus objetivos e o seu
projeto para o futuro.

Belloni (1989) define esta avaliação como uma maneira de esti­­mular o apri­
moramento de uma atividade, evitando que a rotina descaracterize os objetivos
e as finalidades da mesma. É, portanto, um processo de tomada de consciência,
visando efetivar “correções de rumo”, sem qualquer ­intenção punitiva.

Podemos afirmar, de maneira abrangente, que os objetivos da avaliação ins­


titucional são:

 Desencadear um processo de avaliação institucional, como atividade per­


manente de autoconhecimento das próprias potencialidades e dificulda­
des da instituição.

 Criar e difundir a cultura da avaliação permanente, como meio de infor­


mações para repensar e replanejar constantemente as atividades da es­
cola, tendo como meta o reconhecimento pela busca da excelência aca­
dêmica.

 Buscar, por intermédio da avaliação institucional, instrumentalizar a ges­


tão escolar em suas diversas instâncias, com vistas à melhoria da eficiência
e eficácia administrativa.

 Identificar, por meio da avaliação institucional, os pontos fortes e fracos


das relações da escola com a sociedade, tendo em vista a sua relevância
pública e social.

Existem alguns indicadores, que não podem faltar em nenhuma avaliação


institucional. Vamos ver quais são?

 Missão, objetivos e vocação da instituição.

 Qualidade do ensino oferecido.

275
A coordenação da avaliação institucional da escola como atribuição do gestor

 Relações externas estabelecidas pela escola.

 Formação e qualificação do corpo docente da escola.

 Perfil, características e demandas do corpo discente.

 Formação e qualificação do corpo técnico-administrativo.

 Administração acadêmica (estrutura organizacional) da instituição escolar.

 Controle da inserção social e empregabilidade dos egressos, resultados


obtidos nas avaliações externas (de sistemas educacionais) e internas, já
realizadas.

 Processos de planejamento e acompanhamento e sistema de avalia­ção


desenvolvidos pela escola.

 Recursos de informação existentes na escola.

 Recursos de infraestrutura física da instituição escolar.

 Recursos financeiros de que a escola dispõe.

Uma forma mais geral, mas muito rica, de organizar os indicadores de avalia­
ção institucional foi apresentada em documento aprovado pelo Comitê Asses­
sor do PAIUB – Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras
– em 8 de novembro de 1999. Ele propõe três grandes grupos de indicadores de
avaliação:

 Relações com a sociedade.

 Produção do conhecimento.

 Relações institucionais (internas e externas).

Talvez o maior mérito deste documento, no entanto, seja destacar a impor­


tância da relação entre os resultados da avaliação institucional e a construção do
que o Comitê chama de Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da insti­
tuição e o Projeto Pedagógico Institucional (PPI), que nada mais são que o nosso
tão conhecido projeto político pedagógico da escola. É para isto que servem os
resultados de uma avaliação institucional da escola: para alimentar a construção
e a reconstrução periódica do Projeto Político Pedagógico.

276
A coordenação da avaliação institucional da escola como atribuição do gestor

Não é perda de tempo recordar, embora este seja o objeto de outras aulas,
que a construção do Projeto Político Pedagógico de uma escola, segundo Veiga
(1995), passa pela autonomia da escola e pela sua capacidade de delinear sua
própria identidade. Ele organiza o trabalho pedagógico da escola como um todo
na busca de melhoria da qualidade do ensino. Essa organização se dá em em
dois níveis: o da escola como um todo, sem perder de vista sua relação com o
contexto social imediato; o nível da sala de aula, incluindo as ações do professor
na dinâmica do cotidiano escolar.

Na construção do projeto estará sempre presente uma relação recíproca


entre a dimensão política e a dimensão pedagógica da escola. Ele tem relações
intensas com a organização da sociedade. Nesta perspectiva, a escola é vista
como uma instituição social, que reflete sobre as determinações e contradições
a sociedade, na qual esta inserida.

O Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), em 2001, propôs


que os indicadores da avaliação institucional fossem organi­zados em três eixos,
aplicáveis a toda as instituições de ensino, e não apenas às universidades:

 Eixo I: O Planejamento Estratégico – que define a capacidade da uni­


versidade em se adequar às suas vocações, peculiaridades e inserções
locais. As universidades são instituições de natureza e rele­­­­­­­­­vân­­­­­cia social e
o Planejamento Estratégico, que incorpora o Plano de ­Desenvolvimento
Institucional, pode ser interpretado como um “contrato de gestão” entre a
universidade e o poder público, no ato de sua ­autorização.

 Eixo II: As atividades acadêmicas – que caracterizam a efetiva inte­gração


institucional nas prioridades estabelecidas para a educação superior, cen­
tradas no ensino, na pesquisa e na extensão.

 Eixo III: Infraestruturas de pessoal, instalações e laboratórios – desti­


nadas a assegurar o perfeito atendimento da missão institucional e tam­
bém compatível com a dimensão, com a vocação e com as peculiaridades
da universidade.

Tomemos agora, para concluir a nossa aula de hoje, as etapas da avaliação


institucional da escola, tentando delinear as principais atribuições e competên­
cias do gestor, em cada uma delas.

277
A coordenação da avaliação institucional da escola como atribuição do gestor

Etapas da avaliação
Ações do gestor escolar
institucional da escola
a) Criação de uma cultura Compete ao gestor estimular a criação de atitudes positivas
institucional avaliativa. frente à avaliação institucional, diminuindo medo e preconcei­
tos, comuns nas escolas. Ele é um líder e, como tal, formador de
opiniões do grupo. O gestor escolar pode, por exemplo, divulgar
experiências bem-sucedidas em avaliação institucional, levando
o grupo a conhecê-las e discuti-las, participando, desta forma,
da rede de formação da equipe técnico-pedagógica da escola,
como dissemos no início da nossa aula.
b) Diagnóstico. O gestor escolar pode, por meio da sua competência de monito­
ramento e controle, subsidiar o grupo com informações neces­
sárias ao diagnóstico da instituição.
c) Análise dos dados obtidos O gestor exerce, nesta etapa, funções técnico-pedagógicas, ao
por meio do diagnóstico. coordenar a análise dos resultados do diagnóstico, garantindo a
participação e o envolvimento de representações – quando não
da totalidade – dos segmentos envolvidos, por meio de reuni­
ões de grupos focais, por exemplo. Isto permite a identificação
dos pontos críticos e a indicação das medidas de correção dos
desvios percebidos ou de aprimoramento do Projeto Político Pe­
dagógico da escola.
d) Tomada de decisão. Nesta etapa, exerce-se, mais efetivamente, a função de gestão
de recursos humanos (ou de grupo) do diretor da escola. Ele
deve liderar o amplo processo de realização de reuniões com os
membros dos setores envolvidos, buscando a solução para os
problemas apontados. Essas discussões devem ser objetivas e as
decisões precisam ser apresentadas de forma clara e exequível,
definindo os prazos de realização, responsabilidades e recursos
a serem empregados.
e) Divulgação. O gestor precisa comprometer-se com a ampla divulgação, entre
a comunidade institucional (interna e externa) dos resultados do
diagnóstico e das decisões tomadas na etapa anterior. Só assim
a comunidade escolar ficará envolvida com as mudanças institu­
cionais desejadas. Nunca é demais lembrar que esta divulgação
tem função fortemente motivadora, em realção à continuidade
do processo.
f ) Meta-avaliação. É necessário que parta do gestor escolar a iniciativa de convocar
o grupo para analisar a própria avaliação institucional realizada,
as estratégias utilizadas, as etapas vencidas e a eficácia das ações
desenvolvidas. Isto garante a continuidade da avaliação institu­
cional, talvez uma das questões mais complexas da mesma.

Atividades
Em conferência proferida em 2001, a professora Célia Maria Ribeiro compara
a avaliação institucional a vários bichos, desenvolvendo uma linha de racio­
cínio profundamente interessante.

Vamos ler a transcrição de um trecho da conferência:


278
A coordenação da avaliação institucional da escola como atribuição do gestor

[...] a avaliação pode nos lembrar vários bichos. Ela é, muitas vezes, iden­
tificada com uma fera ameaçadora, mortal, que, na espreita, espera o nosso
menor deslize para saltar sobre nós, dando-nos o golpe fatal. A avaliação
tem sido vista desse modo por alguns, que a definem como instrumento de
punição, de seleção para o covil. O cenário atual de crise, turbulências, priva­
tizações, desemprego etc., reforça essa visão, marcada pela apreensão.

Mas a fera mortal não é o único bicho associado à avaliação. Há também


a associação aos bichos considerados asquerosos, que não causam medo
mas causam um desconforto quase insuportável. O expressivo número de
questionários de avaliação a que somos submetidos todo dia, só amplia essa
visão. A escolha deste animal é bastante particular. A cobra para alguns, o
sapo para outros, o “mandruvá” para um terceiro, a formiguinha do açúcar
para um outro, não importa. Importa que qualquer que seja, ele provoca
asco ou irritabilidade. Nesse caso não se pode nem ouvir falar de avaliação.
Reagem dizendo: “ai, meu Deus!”... “essa avaliação de novo!”....

Nesse mesmo grupo podem ser enquadrados os que acham que toda
avaliação é coisa de inquisidores, de chefes autoritários, de invasores, de
neoliberais etc.

Outro bicho que pode ser lembrado num processo de avaliação é o bi­
cho-preguiça. Aqui temos o caso daquelas pessoas para quem a avaliação
não é nem fera, nem bicho asqueroso, mas são elas próprias muito parecidas
com esse bichinho vagaroso. Estão sempre a dizer: “ah!, não! Tô no final de
carreira”.... “isso não leva a nada, é pura perda de tempo”... “meus colegas não
sabem avaliar, não têm objetividade, não usam métodos científicos”... “não
estão preparados para isso”..., ou qualquer outra frase de puro desânimo,
descrença, cansaço, descompromisso, desmotivação, falta de humildade,
medo, arrogância ou de puro comodismo.

Outras vezes a avaliação pode ser vista como um reles inseto, uma coisi­
nha de nada (como a barata, por exemplo), mas que incomoda uns, enoja
outros, amedronta alguns. Por razões diversas e em diferentes graus, todo
esse grupo deseja o fim desse inseto.

Não importa tanto com qual dessas visões e/ou expressões nossa ins­
tituição conviva, mais importante é que expressam resistência ao proces­
so de avaliação e superar estas resistências é trabalho de toda equipe de
avaliação.

279
A coordenação da avaliação institucional da escola como atribuição do gestor

Mas há aqueles que veem a avaliação como uma coruja, um bicho que
representa a capacidade de pensar, refletir, olhar para si e buscar o olhar do
outro, procurando encontrar a melhor explicação possível e o verdadeiro
sentido para o trabalho, para a vida, para o crescente desenvolvimento insti­
tucional, profissional e pessoal.

A verdade irrefutável é que todos estamos sempre expostos a avaliações


e que se nós não a assumimos na perspectiva da coruja, ficamos dependen­
do somente da avaliação do outro e aí corremos o risco de nos defrontarmos
com uma fera de fato.

Por outro lado, quem se avalia está preparado ou se preparando para


compreender que a avaliação não é um bicho de sete cabeças. É somente
um instrumento de gestão, uma radiografia, um diagnóstico que pode nos
permitir criar, agilizar, produzir saídas eficientes, eficazes e efetivas em favor
de nosso próprio desenvolvimento.

(Avaliação Institucional: Uma questão de desenvolvimento... humano. Conferência apre­


sentada no IV Encontro Goiano de Avaliação Institucional, realizado em Goiânia, de 14 a 16
de junho de 2001).

Agora, colocando-se na posição de um gestor escolar, escolha o bicho que


melhor representa a avaliação institucional da escola, explicando o porque
da sua escolha.

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A coordenação da avaliação institucional da escola como atribuição do gestor

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Anotações

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Código Logístico ISBN 978-85-387-3037-8

30849 9 788538 730378

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