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Sequência Didática: o ensino da produção de texto no material de Língua Portuguesa do

6º ano
Valdir Vitorino de Souza 1
Karolaine Claudia dos Santos 2
Gislene Aparecida da Silva Barbosa 3

RESUMO:

Este artigo apresenta resultados parciais do projeto de iniciação científica “Língua Portuguesa
na escola: reflexões sobre a leitura e a produção textual”, vinculado ao curso de Letras da
Faculdade de Presidente Prudente e desenvolvido para análise dos materiais didáticos
ofertados às escolas pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE). O objetivo é
constatar em que medida o material Caderno do Professor/Caderno do Aluno apresenta a
concepção de escrita indicada nas diretrizes educacionais, destacando o processo de
planejamento, revisão e reescrita do texto. Com as análises feitas, percebe-se que o material
apresenta o planejamento e a reescrita, contudo não é explícita a etapa de revisão calcada em
estudos das dificuldades dos alunos. É possível concluir que as atividades estão espalhadas ao
longo do material e nem sempre evidenciam as etapas de uma Sequência Didática, assim se
faz essencial a intervenção autônoma do docente: profissional capaz de dar sentido às
atividades para atender às necessidades de sua turma.

Palavras-chave: Sequência Didática; Produção de Texto; Materiais Didáticos.

Didactic Sequence: The teaching of the production of text in the material of Portuguese
Language of the 6th year

ABSTRACT:

This article presents the partial results of the scientific initiation Project “Portuguese
Language in School: reflections on reading and writing text”, related to the Language and
Literature career in FAPEPE (Presidente Prudente College), and developed in order to
analyze the learning materials provided to schools by the São Paulo State Educational System
(SEE). The aim is to ascertain to what extent the teacher´s resources and student´s notebook
presents the conception of writing pointed by the Educational Guidelines, which highlight text
planning, reviewing and rewriting. With the analyses done so far, it is perceived that the
materials present planning and rewriting, though they do not make explicit the stage of
reviewing based on the students´ difficulties. It is possible to conclude that the activities are
scattered throughout the materials and not always make the stages of a Didactic Sequence
evident, thus it is demanded from the teacher an autonomous intervention, a professional able
to bestow sense upon the activities in order to attend to the class´s needs.

Keywords: Didactic Sequence; Writing Text; Teaching Materials.

1
Aluno do curso de Letras da Faculdade de Presidente Prudente – FAPEPE.
2
Aluna do curso de Letras da Faculdade de Presidente Prudente – FAPEPE.
3
Professora da Faculdade de Presidente Prudente. Doutoranda em Educação pela Faculdade de Ciências e
Tecnologia (UNESP- Presidente Prudente), mestre em Educação, graduada em Letras e em Pedagogia.
1. Considerações iniciais

Desde que o “Programa São Paulo faz escola” foi criado pela Secretaria Estadual de
Educação (em 2007), materiais didáticos começaram a ser disponibilizados aos educadores
das escolas estaduais. Nos anos de 2008 e 2009, teve início a distribuição, respectivamente, de
“Cadernos do Professor” e “Cadernos do Aluno”, nos quais constam situações de
aprendizagem a serem desenvolvidas nas aulas das diferentes disciplinas, segundo conteúdos,
temas e habilidades listados no Currículo do Estado de São Paulo. Este artigo tem como
objetivo analisar os materiais “Caderno do Professor” e “Caderno do aluno” (visto que são
complementares) de Língua Portuguesa do 6º ano do ensino fundamental (edição dos anos
2014-2017) no que se refere à organização e conceituação das atividades de produção textual,
amparando-se nas etapas de produção escrita propostas no referencial teórico do
procedimento Sequência Didática de autoria de pesquisadores da Universidade de Genebra:
Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004).
A análise do material ao qual nos propusemos a pesquisar foi objeto de discussão ao
longo do segundo semestre de 2015 e primeiro semestre de 2016, caracterizando-se como
umas das atividades desenvolvidas ao longo do projeto de iniciação científica “Língua
Portuguesa na escola: reflexões sobre a leitura e a produção textual”, vinculado ao curso de
Letras da Faculdade de Presidente Prudente. Essencialmente relevante é o estudo da produção
textual pelos futuros docentes de Língua Portuguesa, uma vez que ensinar a escrever requer
ampliação do repertório teórico e prático do educador, portanto conhecer em que medida os
materiais ofertados aos professores das redes públicas dialogam ou não com os conceitos e
propostas mais atuais da linguística aplicada e da educação ajuda na tomada de decisão
quando se está em sala de aula, ensinando. Os materiais “Caderno do Professor” e “Caderno
do Aluno” vêm sendo construídos e caracterizados como um documento orientador do
currículo para todas as escolas da rede estadual, sendo também por este motivo objeto de
nossa pesquisa, para avaliar a eficácia das metodologias propostas para ampliação das
capacidades de escrita dos estudantes da escola básica, articulando a reflexão sobre a
linguagem em diferentes situações e contextos às práticas escolares.
Este artigo apresenta uma breve definição teórica da Sequência Didática, dos autores
genebrinos, seguida pela análise de algumas situações de aprendizagem do material em foco
e, por último, traz as considerações finais, com uma síntese do que foi observado no material
quanto à produção de texto.
2. O que é a Sequência Didática de produção de texto?

A Sequência Didática é um processo encadeado de passos, visando à elaboração de um


gênero textual oral ou escrito, de forma organizada, para tornar mais eficiente o ensino e a
aprendizagem da produção de textos na escola. Para isso, a Sequência Didática propõe
atividades segmentadas (construídas a partir da identificação das dificuldades da turma) para
que os estudantes possam, com a mediação do professor, realizar aquilo que ainda não eram
capazes de produzir sozinhos.

O saber-escrever, em todas as suas dimensões, se desenvolve progressivamente em


todos os níveis da escola obrigatória e é constituinte do êxito escolar de todos os
alunos, sem falar no importante papel que desempenha na sua socialização.
Aprender a produzir uma diversidade de textos, respeitando as convenções da língua
e da comunicação, é uma condição para a integração na vida social e profissional
(DOLZ, 2010, p. 13).

No Brasil, grande tem sido a difusão da teoria da Sequência Didática, como exemplo,
desde 2008, acontece, por ação do Ministério da Educação e parceiros, a Olimpíada de Língua
Portuguesa Escrevendo o Futuro, que utiliza tal metodologia para formar professores e alunos
em todas as escolas públicas que aderirem à competição.
De acordo com a Sequência Didática postulada por Dolz, Noverraz e Schneuwly
(2004, p. 97), o processo de ensino da produção de texto engloba quatro etapas: apresentação
da situação; produção inicial; módulos; produção final.

Quadro 1: Esquema da Sequência Didática:

Fonte: Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p.98)


A apresentação da situação é o momento em que será exposto e definido um projeto
de comunicação, bem como a forma e o conteúdo que tal projeto assumirá, visto que ele se
realizará verdadeiramente na produção final, por se tratar de um momento crucial envolverá
duas ações distintas.
A primeira dimensão trata-se do projeto e a escolha de um gênero oral ou escrito, esse
será o caminho a ser seguido, para que os alunos compreendam o melhor possível a situação
de comunicação que será trabalhada. Para ajudar na primeira ação, é importante responder às
seguintes questões: Qual gênero textual será abordado? A quem se dirige a produção? Que
forma assumirá a produção?
A segunda dimensão refere-se aos conteúdos, tema e subtemas que serão abordados, o
aluno deverá conhecer bem as peculiaridades desses conteúdos com quais irá trabalhar para
ser explicado a outrem. Significa dizer que os conteúdos são os “alimentos” do texto, as
ideias-chave, as informações etc.
Apresentação da situação é, portanto, o momento em que a turma constrói uma
representação da situação de comunicação e da atividade de linguagem a ser
executada. Trata-se de um momento crucial e difícil no qual duas dimensões
principais podem ser distinguidas: a) apresentar um problema de comunicação bem
definido; b) preparar os conteúdos dos textos que serão produzidos (DOLZ,
NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 99-100).

A segunda etapa da Sequência Didática é a da primeira produção ou produção inicial.


Nela, os alunos elaboram um texto oral ou escrito correspondendo ao gênero escolhido. Esse
momento é importante ao aluno, pois saberá o quanto conhece sobre o gênero e se entende a
situação de comunicação proposta, já o professor tem a possibilidade de analisar e avaliar, na
prática, o que os alunos sabem, sem visar à atribuição de nota, e, com isso, (re)direcionar o
caminho a ser percorrido ao longo dos módulos da Sequência Didática. A produção inicial
atua como um diagnóstico dos saberes dos estudantes e orienta a tomada de decisão do
docente.
Escrever é também um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem
desde simplesmente escrever o próprio nome até escrever uma tese de doutorado...
uma pessoa pode ser capaz de escrever um bilhete, uma carta, mas não ser capaz de
escrever uma argumentação defendendo um ponto de vista, escrever um ensaio
sobre um determinado assunto... Assim: escrever é também um conjunto de
habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo
continuum (SOARES, 2002, pp. 48-49).

A próxima etapa da Sequência Didática é a dos módulos. Neles serão trabalhados os


problemas que apareceram na primeira produção. Cada módulo trata de problemas
específicos do gênero a fim de garantir melhora dos alunos na compreensão e na produção
oral ou escrita. Três questões são levantadas: Que dificuldades da expressão oral ou escrita
abordar? Como construir um módulo para trabalhar um problema particular? Como
capitalizar o que é adquirido nos módulos?
É durante a etapa dos módulos que os estudantes entram em contato com as
características pormenorizadas do gênero textual em foco e também leem exemplares do
gênero, retomam os textos produzidos, estudam os aspectos linguísticos diretamente
relacionados às dificuldades que demonstraram na primeira produção, ou seja, estudam a
língua a partir de um objetivo que é a melhoria da própria produção textual que de fato
circulará socialmente após a finalização da Sequência Didática.
A última etapa é a produção final. Esta “dá ao aluno a possibilidade de pôr em prática
as noções e instrumentos elaborados separadamente nos módulos” (DOLZ, NOVERRAZ e
SCHNEUWLY, 2004, p. 106). Na produção final, os alunos realizam a reescrita e revisão do
texto produzido na primeira produção e colocam em prática noções e instrumentos aprendidos
nos módulos. Enquanto nos módulos eles estudam passo a passo os aspectos que menos
dominavam na produção do gênero textual em pauta, agora eles organizam os saberes
ampliados e manifestam as aprendizagens na nova escrita ou reescrita do texto, a qual ainda
pode passar por uma correção antes de ser divulgada socialmente.
O professor pode utilizar a produção final como uma avaliação somativa do trabalho
desenvolvido, para isso convém estabelecer critérios de correção expressos em uma grade, a
qual contemple não apenas aspectos ortográficos, mas sim (e especialmente) aspectos de
forma, conteúdo, estilo do gênero, bem como elementos próprios da língua escrita
(parágrafos, pontuação etc).
Em linhas gerais, a Sequência Didática de produção de texto, de autoria dos
genebrinos, nasce de uma necessidade de aprendizagem e domínio de um gênero textual oral
ou escrito, para que se determine com a turma de alunos uma situação de comunicação a ser
realizada; em seguida, os estudantes demonstram tudo o que sabem ao elaborarem uma
primeira versão do gênero. Com esta manifestação de saberes, o docente pode planejar as
ações de estudos que servirão para analisar aspectos da produção de textos e aspectos
linguísticos, a fim de ampliar o repertório dos alunos; assim os alunos estudam isoladamente
cada elemento que ainda precisam aprender. Por último, os alunos voltam ao primeiro texto e
aplicam tudo o que aprenderam ao longo das atividades modulares, reescrevendo-o e
submetendo-o a nova revisão, para finalmente divulgá-lo socialmente.
3. Análise da produção de texto no “Caderno do Professor e do Aluno”– material
de apoio ao currículo do Estado de São Paulo de Língua Portuguesa – 6º ano (2014-
2017)

O “Caderno do Professor” e o “Caderno do Aluno” são materiais disponíveis em todas


as escolas estaduais, portanto de fácil acesso a todos os docentes e estudantes. A versão
disponível atualmente nas escolas (2014-2017) é dividida em dois volumes, que
correspondem, respectivamente ao 1º e ao 2º semestres letivos. No caso do material do 6º ano
(objeto desta pesquisa), há, no volume 1, 11 situações de aprendizagem e, no volume 2, 9
situações de aprendizagem. O volume 1 é subdividido em bimestres, sendo as situações de
número 1 a 6 destinadas ao 1º bimestre, enquanto as de número 7 a 11 voltam-se ao 2º
bimestre. O volume 2 apresenta as situações de 1 a 5 para o 3º bimestre e as de 6 a 9 para o 4º
bimestre.
A tipologia textual predominante no material do 6º ano é a narrativa. Os gêneros
textuais mais presentes nas situações de aprendizagem são: conto, crônica narrativa e letra de
música. Ao longo das situações, em geral, há atividades de leitura de textos narrativos, as
quais envolvem a oralidade e a escrita; há também atividades de produção de texto, que
enfatizam a escrita de textos narrativos; há atividades de análise linguística, articuladas às
ações de leitura e/ou de escrita. Neste artigo, são exclusivamente mencionadas as propostas de
produção escrita explícitas nos Cadernos, haja vista a intencionalidade maior de verificar em
que medida elas se organizam como uma Sequência Didática.
Quanto ao número de produções escritas, o volume 1 do material apresenta 9
momentos de elaboração textual; o volume 2 também apresenta 9 propostas. Nas situações
relativas ao 1º bimestre, o enfoque está na aprendizagem sobre os elementos da narrativa,
portanto as solicitações de escrita são, em geral, paráfrases de textos lidos com continuidade
do enredo; criação de personagem; construção de diálogo para personagens; alteração de foco
narrativo; alteração de espaço. Quanto aos gêneros textuais presentes no 1º bimestre, não há
estabilidade, a não ser na tipologia, haja vista a existência de conto, conto de fadas, fábula,
filme, crônica. As atividades deste bimestre não enfatizam as noções de planejamento, revisão
e reescrita textuais, tampouco destacam o processo de reflexão do aluno acerca do texto que
acabou de escrever, portanto não podem ser compreendidas à luz da teoria da Sequência
Didática.
No 2º bimestre, segue o estudo sobre os elementos da narrativa, acrescido por aspectos
da organização textual, como: paragrafação, uso dos verbos para a sequência narrativa, uso de
vocábulos em sentido conotativo, ampliação dos recursos de pontuação/coesão textuais.
Assim, as produções escritas são pautadas na reescrita de crônica (com alteração de foco
narrativo); transformação de letra de música em narrativa em prosa; alteração de enredo de
letras de música (com manutenção de melodia).
O gênero textual que mais aparece nesse momento é a letra de música. Embora, na
situação de aprendizagem 8 (volume 1), haja a ideia de escrever a 1ª versão de uma narrativa
e trocá-la entre os colegas para que vejam se há organização do texto no foco narrativo
solicitado, essa ação não alimenta a construção de intervenções docentes, pois não existe
referência ao papel do professor no levantamento das fragilidades para atuar diante das
necessidades reais de sua turma. Dessa maneira, a 1ª versão do texto, sugerida no material,
não dialoga com a Sequência Didática, porque, no caso desta, há sempre de promover a
construção de atividades docentes para superação das dificuldades de escrita dos alunos.
No volume 2 do material, o 3º bimestre é organizado em forma de projeto de escrita,
enquanto o 4º bimestre se sustenta na elaboração e realização de uma gincana literária. No
último caso, as atividades de escrita dizem respeito à elaboração de um regulamento para a
gincana; à escrita de um final para um conto que faz parte da competição; à escrita de uma
letra de música a partir de imagens e, finalmente, à escrita de um texto curto sobre as
impressões acerca das narrativas de enigma lidas pela turma. Significa dizer que o 4º bimestre
é uma retomada dos gêneros textuais vistos anteriormente, com destaque para a inserção do
gênero regulamento, cuja tipologia não é narrativa. Nesse bimestre inexiste a ideia de
planejamento de escrita, reescrita e revisão, assim, não há pontos articuladores entre as
situações de aprendizagem mencionadas e a Sequência Didática.
Já no 3º bimestre, todas as situações de aprendizagem compõem um projeto de escrita,
no qual a turma parte de uma situação fictícia para elaborar um texto narrativo, passando pelo
planejamento, escrita, revisão, avaliação da revisão e escrita final. Portanto, as 5 situações de
aprendizagem desse bimestre são objeto de análise em relação com a Sequência Didática.

Esta Situação de Aprendizagem será desenvolvida tendo como pressuposto três


objetivos : apresentar aos estudantes uma situação fictícia com base na qual eles
possam refletir sobre o papel da leitura de textos literários na vida real; acompanhar
as ações das personagens dessa situação fictícia, utilizando-as como referência para
a escrita de uma coletânea de textos narrativos; aprender a organizar um projeto
coletivo de leitura e escrita, cujo produto final deve ser apresentado para toda a
comunidade escolar. (SÃO PAULO, 2014, p. 13)

Referente à apresentação de situação, encontramos, na situação de aprendizagem 1


(volume 2), como justificativa social, primeiro para o aluno como parte de sua formação de
estudante e como pessoa inserida em uma sociedade com valores, uma apresentação à
comunidade escolar de um projeto coletivo de leitura e escrita, portanto, os alunos são
convidados a participar de um projeto de escrita para, no final, divulgar os textos para as
demais turmas da escola. Quanto ao gênero textual, são apresentados aos alunos alguns textos
narrativos para leitura e interpretação: conto, crônica. Ainda nessa situação, é solicitado ao
aluno um planejamento de um texto narrativo, definindo o gênero que melhor atender à
necessidade de escrita do estudante. Uma situação fictícia está proposta no material,
sugerindo um concurso literário.
O estudo de contexto para a produção do gênero, de certa forma, é feito na situação de
aprendizagem 2 (volume 2), quando a turma prepara fichas de leituras com informações
gerais sobre diferentes livros lidos em um momento de roda literária. Há um projeto de
comunicação definido, uma produção de uma coletânea de textos narrativos elaborados pelos
alunos que pode fazer parte de um pequeno livro, como no projeto fictício ou uma publicação
virtual em um blog ou mural da escola, para que outros alunos possam ver. Para o
levantamento do conhecimento prévio dos alunos, há uma roda de conversa, sob a orientação
do docente, como algumas questões, como saber se eles têm lido ou escrito textos narrativos,
onde podem encontrar tais textos além dos solicitados nos materiais didáticos, se gostam de
ler e escrever histórias, se alguém em sua casa conta histórias etc.
Ao relacionarmos o planejamento proposto pelo material em análise à teoria da
Sequência Didática, percebemos que a primeira parte do projeto se aproxima da Sequência
Didática quando define um objetivo comum de escrita para a turma, propõe um desafio e
combinados quanto ao uso da escrita. Por outro lado, tal primeira parte (que corresponderia à
etapa da apresentação da situação) se distancia do referencial teórico genebrino em dois
momentos: o primeiro, quando parte de uma situação fictícia, a qual pode não fazer sentido
para o aluno e não se relacionar ao uso social – real da escrita; o segundo, quando o gênero
textual não fica definido coletivamente, pois a ideia de o aluno poder optar por um conto ou
uma crônica fragiliza a futura possibilidade de o professor intervir nos módulos com as
características do gênero que porventura o aluno não demonstrar domínio. Tratar de dois
gêneros textuais ao mesmo tempo pode não facilitar a aprendizagem dos alunos.
Além disso, há poucos exemplares dos gêneros textuais para serem lidos como
“modelos” pelos alunos. O material traz, por bimestre, a média de 3 textos, alguns
apresentados apenas como trechos de produções maiores. Dessa maneira, são poucas as
ofertas de ampliação de repertório de leitura para colaborar com a ampliação das ideias dos
estudantes e também são escassas as oportunidades de comparar gêneros e definir melhor as
características do gênero textual alvo da produção.
O planejamento do texto que será produzido se realiza a partir da discussão das
notas tomadas pelas crianças no curso das situações de leitura, discussão que obriga
a reler partes do texto para verificar ou rejeitar interpretações e permite chegar a um
acordo acerca dos aspectos que devem ser incluídos na resposta. Discute-se também
sobre a organização do texto e se elabora um apontamento, ordenando os subtemas
que serão tratados (LERNER, 2002, p. 84).

Quanto à produção inicial há na situação de aprendizagem 3 (volume 2) um texto a ser


produzido pelo estudante, a partir do planejamento que ele fez na situação 1. Há também a
sugestão de produção de uma história com elementos da narrativa a partir de imagens e fotos.
A produção é para ser feita individualmente. Não é proposta ao professor nenhuma grade de
correção, apenas para aluno como autoavaliação com os seguintes aspectos: atividades
realizadas, dificuldades encontradas, como resolveu o problema e se ainda precisa de ajuda do
professor. Esse quadro é sugerido como instrumento de avaliação pelo professor.
Considerando os estudos genebrinos, a etapa de produção inicial é prevista nos
Cadernos do 6º ano, porque há menção ao fazer do aluno, ao momento de criação dele,
amparado pelo planejamento que realizou previamente. Assim, existe diálogo, neste item
entre o material em análise e a Sequência Didática.
Partimos agora para a terceira etapa: os módulos. Conforme apontam Dolz, Noverraz e
Schnewly (2004), os módulos são momentos isolados de estudo das principais dificuldades
que os alunos manifestaram na primeira produção, ou seja, um momento de intervenção
docente personalizada à turma. Aqui, portanto, cabe a autonomia docente na preparação de
atividades significativas capazes de ajudar os alunos na reflexão e ampliação do domínio da
produção textual, tanto no que diz respeito ao gênero textual, quanto aos elementos da língua
escrita. Contudo, o material do 6º ano é uma publicação que, de certa forma, já vem “pronta”,
com sugestões de atividades e estudos linguísticos ao longo de todos os bimestres. Dessa
forma, não há no material do professor uma indicação explícita que aponte a necessidade de o
educador mudar atividades a partir de resultados da produção de texto dos alunos. De certa
maneira, a intencionalidade dos módulos (conforme define a Sequência Didática) fica perdida
nos materiais.
Em cada módulo, é muito importante propor atividades as mais diversificadas
possíveis, dando, assim, a cada aluno a possibilidade de ter acesso, por diferentes
vias, às noções e aos instrumentos, aumentando, desse modo, suas chances de
sucesso. Três grandes categorias de atividades e de exercícios podem ser
distinguidas: as atividades de observação e de análise de textos – [...] podem ser
realizadas a partir de um texto completo ou de uma parte de um texto, podem
comparar vários textos de um mesmo gênero ou de gêneros diferentes; as tarefas
simplificadas de produção de textos – [...] podem ser citadas as seguintes tarefas:
reorganizar o conteúdo de uma descrição narrativa para um texto explicativo, inserir
uma parte que falta num dado texto, revisar um texto em função de critérios bem
definidos, elaborar refutações encadeadas ou a partir de uma resposta dada, encadear
uma questão etc; a elaboração de uma linguagem comum para poder falar dos
textos, comentá-los, criticá-los, melhorá-los, que ser trate de seus próprios textos ou
dos de outrem. (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 105).

Por outro lado, existe análise linguística articulada a grande parte das produções
escritas nos Cadernos, em todos os bimestres, fato este que pode servir como apoio às
intervenções docentes e aos alunos no ato de escrita dos textos. No 6º ano, são estudados: os
elementos da narrativa; a pontuação nos textos narrativos; os elementos de coesão textual;
paragrafação; uso dos verbos na narrativa; ortografia; planejamento textual etc. O repertório
de leitura de algumas narrativas é manifesto em projetos de leituras, pesquisa de livros e
autores em roda de leitura e internet.
A quarta etapa e última do procedimento Sequência Didática refere-se à produção
final. Esta dá ao aluno a possibilidade de pôr em prática as noções e instrumentos elaborados
separadamente nos módulos, ou seja, o aluno autoavalia sua aprendizagem, reconstrói seu
texto, melhora o que precisa de revisão, escreve o que falta, atua sobre a própria produção. Ao
professor são oferecidas oportunidades de avaliar o que foi ensinado, bem como, se assim
desejar, valer-se dos resultados para uma avaliação somativa. A produção final é um
momento importante porque sintetiza tudo o que foi trabalhado ao longo da Sequência
Didática e evidencia os avanços dos alunos e fragilidades que ainda mereçam ser objeto de
estudo.
Nas situações de aprendizagem 4 e 5 (volume 2), há explicitamente um momento de
revisão do texto pelos próprios alunos e pelo professor, seguida de uma avaliação da revisão
e, por fim, pela escrita final do texto. Tal reflexão sobre a produção inicial, destacando o que
pode ser mantido ou que requer alteração, uma revisão dos textos com base nas observações
do professor, depois o professor pode organizar uma roda para que reflitam sobre a produção
desse primeiro texto, retomem os enredos escritos na parte 1, façam uma autoavaliação das
atividades realizadas, por fim uma revisão dos textos solucionando problemas. Nesse
momento, há uma atuação mais ativa do estudante, visto que os enunciados das atividades
pedem que o aluno se posicione frente ao que o colega escreveu, para que avalie a escrita,
levando em conta o objetivo de divulgar socialmente o texto.

Trata-se de que os alunos não apenas conheçam os propósitos que norteiam uma
atividade, mas que os tornem seus, que participem [...], o que não supõe unicamente
que façam, que atuem, que realizem; também exige que compreendam o que estão
fazendo, que se responsabilizem por isso, que disponham de critérios para avaliar e
modificar isso se for necessário (SOLÉ, 2009, p.51).
O compromisso com a circulação social é trabalhado no projeto de apresentação do
produto final para à comunidade escolar e no blog. Articulando a análise dos materiais à
metodologia de ensino de produção de texto selecionada nesta pesquisa, identificamos que a
etapa da produção final ocorre relativamente próxima ao que é proposto no referencial
teórico, uma vez que os estudantes têm a oportunidade de revisarem seus escritos e refazê-los
aproveitando tudo o que estudaram ao longo das aulas de Língua Portuguesa. Fato que causa
dúvida é se a oferta “pronta” de atividades de reflexão sobre a língua é suficientemente capaz
de substituir a autoria dos módulos pelos docentes que ministram aulas para as mais distintas
turmas de 6º ano nas escolas estaduais. Seria o material suficiente para suprir as necessidades
formativas desses alunos? Lançamos aqui a proposta de prosseguimento da pesquisa, com
vistas ao acompanhamento de aulas em distintas escolas (projeto para estudos de pós-
graduação).
Por ora, compete-nos refletir sobre a organização sobre a produção de texto nos
materiais do 6º ano, a qual não contempla todas as etapas de uma Sequência Didática.

4. Considerações finais

O ensino de Língua Portuguesa deve contemplar um conjunto de Situações de


Aprendizagem que tem como objetivo central contribuir para que os estudantes aprendam a
lidar, linguística e socialmente, com diferentes textos, nas mais diferentes situações de uso,
como objeto do conhecimento e meio para se chegar a ele. A produção textual é uma
necessidade social e cabe à escola encontrar meios para ensiná-la eficazmente aos alunos.
Para que se possa alcançar este objetivo, Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) propuseram
uma forma de trabalhar com os gêneros por meio de uma Sequência Didática. Assim, no
presente estudo, apresentamos uma breve análise dos materiais “Caderno do Professor” e
“Caderno do Aluno” de Língua Portuguesa – 6º ano, a fim de constatar se as propostas de
produção de texto se articulam com a teoria da Sequência Didática.
Investigamos: 1) a justificativa social para a escrita, a definição de um projeto
comunicativo e de um gênero textual – planejamento; 2) a proposta de elaboração de uma
versão inicial de texto, com vistas ao levantamento dos saberes dos alunos e à avaliação
inicial do professor para identificar as dificuldades deles; 3) a oferta de atividades de análise
linguística, para sanar as dificuldades dos alunos - permitindo a revisão; 4) a solicitação de
reescrita do texto, garantindo, ao final, a circulação social do texto. Com as análises feitas,
percebemos que o material apresenta o planejamento e a reescrita, contudo não é explícita a
etapa de revisão calcada em estudos das dificuldades dos alunos. O planejamento está apenas
relacionado a um gênero de texto e não a uma necessidade social real; as atividades de análise
linguística não se vinculam intencionalmente aos erros do aluno – expressos na produção
inicial; a reescrita, na maioria das vezes, não é subsidiada por uma grade de autoavaliação do
aluno.
É possível concluir que as atividades estão espalhadas ao longo do material e nem
sempre evidenciam as etapas de uma Sequência Didática, assim se faz essencial a intervenção
autônoma do docente: profissional capaz de dar sentido às atividades para atender às
necessidades de sua turma.

REFERÊNCIAS

DOLZ, J. Produção escrita e dificuldades de aprendizagem. Campinas: Mercado de Letras,


2010.

DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequências didáticas para o oral e a escrita:
apresentação de um procedimento. In: DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. (org.). Gêneros orais e
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LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre:
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SÃO PAULO (ESTADO) Secretaria da Educação. Caderno do Aluno: língua portuguesa,


ensino fundamental – 5ª série/6º ano, v. 1 -2. São Paulo: SEE, 2014.

SÃO PAULO (ESTADO) Secretaria da Educação. Caderno do Professor: língua portuguesa,


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SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

SOLÉ, Isabel. Disponibilidade para a aprendizagem e sentido da aprendizagem. In: COLL,


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