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MAPEAMENTO INICIAL DAS CAPACIDADES DE LINGUAGEM NO

PROCESSO DE AVALIAÇÃO FORMATIVA

Liliane Pereira
Prof. Elvira Lopes Nascimento (Orientadora)

Introdução

Nas escolas públicas, é comum ouvirmos dos professores


reclamações quanto às produções dos alunos, seja quanto a aspectos
relacionados ao uso da gramática, seja quanto à organização interna dos
textos, nos aspectos relacionados aos objetos de ensino no enfoque em
textos prototípicos da tipologia tradicional, em que se desconsidera o
gênero textual que configura uma prática discursiva. E flagrante a
frustração do professor diante da “incapacidade” do aluno de produzir
textos de forma socialmente significativa, que se prestem a objetivos
comunicativos e que o ajudem a expressar pensamentos, intenções,
enfim, que lhe possibilitem interagir em qualquer esfera de atividade
humana ou domínio discursivo (VOLOSHINOV, 2003).

Nesse sentido, muito professores, acreditando que vão fazer o


aluno produzir mais e melhor, enchem os textos com correções
assinalando problemas de pontuação, no uso da norma culta, e os alunos
recebem o texto “corrigido” e, simplesmente, o descartam, sem qualquer
preocupação com a revisão/refacção. Esse procedimento, ao invés de
despertar no jovem o desejo de aprimorar o texto que produziu, pode
criar o desânimo e o sentimento de incapacidade.

1259
Como o nosso interesse maior de pesquisa se concentra nas
atividades de ensino desenvolvidas no Ensino Médio - lócus do nosso
métier profissional - desperta a nossa atenção os baixos resultados
obtidos nas avaliações nacionais e nos vestibulares nos últimos anos, o
que pode ser confirmado nos dados publicados no site Paraná Online:

Mais uma vez o Exame Nacional do Ensino


Médio (Enem) revela a disparidade entre o
ensino das escolas públicas e particulares. Os
alunos de unidades públicas obtiveram nota
39,43 na prova objetiva, ficando bem abaixo
das particulares que atingiram nota de 58,21
no Paraná. Mas a diferença cai em relação às
notas da prova de redação. Os alunos de
escolas públicas ficaram com 57,02 e as
particulares com 62,24. O resultado foi
divulgado na noite de quinta-feira pelo
Ministério da Educação.

(...) Outra análise que é possível fazer


observando os dados do Enem é que, apesar
de o sistema particular de ensino ter diversos
fatores a favor, ainda não conseguiu atingir a
nota 60. Essa média é considerada a mínima
aceitável pelo Programa Internacional de
Avaliação de Alunos (Pisa), que tem a
finalidade de produzir indicadores sobre a
efetividade dos sistemas de ensino em todo o
mundo. (acesso: 20 de julho de 2010)

Assim, muito mais que corrigir um texto, é preciso despertar no


aluno o interesse pela escrita. É fazer com que esse conheça as inúmeras
possibilidades que estão postas culturalmente e ter a capacidade de
selecionar o gênero no qual se discurso se realizará, escolhendo aquele
que for apropriado aos seus objetivos e à circunstância enunciativa em
questão.

Dessa forma, tomando como modelo a perspectiva do


Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 2003; 2006; 2008), o nosso

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objetivo, neste artigo, é apresentar um recorte de uma pesquisa maior,
focando a importância do mapeamento das capacidades de linguagem dos
alunos em sala de aula, tendo em vista o procedimento de avaliação
formativa (NASCIMENTO, 2010). Para isso, levando em consideração que
o pré-requisito para a elaboração e desenvolvimento de uma sequência
didática é o mapeamento das capacidades de linguagem (DOLZ, GAGNO;
DECANDIO, 2009) na produção escrita dos alunos, ilustraremos esse
processo, a partir da produção inicial de alunos do 3 º do Ensino Médio de
uma escola pública, apresentando dados de análise que confirmam a
nossa hipótese de que uma sequência didática implica diferentes
instrumentos de mediação entre os elementos dos três pólos do trabalho
escolar: a)o professor; b) o aluno; c) o objetos de ensino.

Primeiramente, realizaremos o mapeamento das capacidades de


linguagem e, em seguida, abordaremos as deficiências de aprendizagem
em relação ao gênero artigo de opinião. Para tal, faremos uma lista de
constatações (cf. NASCIMENTO, 2005) como ferramenta didático-
metodológica para, em momentos posteriores, realizarmos a refacção
textual.

1. O dispositivo didático adotado: a sequência de atividades


didáticas

O dispositivo didático denominado sequência didática (doravante,


SD) é encarado como um conjunto de atividades pedagógicas,
organizadas de maneira sistemática em torno de um gênero textual, em
que há o objetivo de oferecer ao aluno instrumentos importantes para
melhorar sua capacidade de ler e escrever (DOLZ, NOVERRAZ &
SCHNEUWLY, 2004). A sequência didática visa ajudar o aluno a dominar
um gênero de texto, contribuindo, de certa forma, para que o aluno
consiga adequar o seu discurso a uma determinada situação de
comunicação.

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Dolz (2010), em entrevista publicada no portal da Olimpíada
Nacional de Língua Portuguesa, alerta que, apesar da riqueza de
ferramentas inseridas nesse dispositivo didático, é preciso termos cuidado
na elaboração de sequências didáticas com os gêneros, já que podemos
promover uma pedagogia superficial e apresentarmos situações de
comunicação, sem focalizarmos as capacidades de linguagem requeridas
para a produção do gênero trabalhado.

Com base nisso, focamos, neste artigo, uma proposta de trabalho


que se inscreve no quadro teórico do ISD. Esta vertente teórica estabelece
uma relação entre o conhecimento, o psiquismo e o desenvolvimento
humano, podendo gerar, dessa forma, novas atividades psíquicas
essenciais para o professor, seja em formação inicial ou continuada
(NASCIMENTO, 2009), uma vez que articula a base de orientação do
agente produtor (o contexto de produção) à configuração da arquitetura
textual (BRONCKART, 1999), o que implica procedimentos didáticos que
compreendem o registro e a reflexão não apenas do texto empírico como
produto, mas de toda a situação de produção que lhe deu nascedouro.

O interesse neste trabalho se justifica também por: a) permitir


integrar as atividades de leitura, escrita e conhecimento da língua; b) por
considerar tanto os conteúdos de ensino prescritos pelos documentos
oficiais quanto os objetivos de aprendizagens de alunos; c) por
contemplar a necessidade de se trabalhar atividades e suportes variados
de exercícios; d) por facilitar a construção de programas em continuidade
uns com os outros; e) por propiciar a motivação dos alunos na medida em
que traz diferentes objetivos que os da aula (MACHADO e CRISTÓVÃO,
2006).

Antes, porém, da construção de uma sequência didática (DOLZ E


SCHENEUWLY, 1998; 2004), é imprescindível a construção de um modelo

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didático522 (cf. BARROS e SAITO, 2007) que pode nos fornecer as
dimensões ensináveis do gênero, nos orientando sobre as capacidades de
linguagem que devem ser desenvolvidas (capacidade de ação, discursiva e
linguístico-discursiva) ou construídas para as práticas de uso da
linguagem escrita, assim como para as atividades de reflexão sobre a
língua e linguagem e funcionamento.

Com a construção do modelo didático do gênero, chegamos a um


modelo de SD, conforme Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), que é
constituída pelos seguintes passos: a) apresentação da situação; b)
produção inicial; c) módulo 1; d) módulo 2; e) módulo 3; f) produção
final, conforme o modelo genebrino apresentado por Dolz e Scheneuwly
(2004) e já muito difundido no Brasil.

a) Apresentação da situação
A apresentação da situação “tem por finalidade explicitar o
projeto a ser desenvolvido com a turma” (NASCIMENTO e
HILA, 2009, p.71). Nesse momento é importante os alunos
perceberem a importância dos conteúdos que vão trabalhar.

b) Produção inicial
“É o momento em que o professor realiza um diagnóstico ou
uma primeira produção oral/escrita do gênero” (NASCIMENTO
e HILA, 2009, p.71).

c) Os módulos
“Os módulo ou oficinas têm a função de trabalhar com os
problemas observados na produção inicial dos alunos, dando-
lhes instrumentos” (NASCIMENTO e HILA, 2009, p.71). Nesta
522
O modelo didático pode ser considerado, de acordo com Dolz e Scheneuwly (1998), como uma modelização
explicativa um conjunto de hipóteses, baseadas em resultados de aprendizagem advindos de documentos oficiais;
nos conhecimentos linguísticos (funcionamentos dos gêneros para os especialistas) e psicológicos (operações e
procedimentos implicados no funcionamento e na apropriação dos gêneros) (PEREIRA, 2007, p.25).

1263
etapa, o professor trabalha problemas de níveis diferentes, tal
como o contexto de produção, foco do artigo, e varia as
atividades e os exercícios.

d) Produção final
“A produção final revela ao professor os ganhos, as
capitalizações em torno daquilo que se ensinou durante as
oficinas, lembrando que é importante respeitar as fases da
escrita: planejamento, revisão e reescrita” (NASCIMENTO e
HILA, 2009, p.71).

Dado que para elaboração da sequência didática, é indispensável


uma produção inicial como maneira de mapear as dificuldades dos alunos,
o que se pretende mais adiante, neste artigo, é apresentar o mapeamento
de um artigo opinativo de um aluno do Ensino Médio.

2. A importância do mapeamento das capacidades de linguagem


para a posterior refacção textual

Saber escrever é muito mais que a compreensão do sistema de


escrita, implica também em produzir gêneros discursivos adequados em
função da situação de interação social. Assim, a apropriação, bem como a
ampliação dos conhecimentos sobre a escrita por parte do aluno pode
acontecer em vários momentos e de forma mediada pelo professor: a
leitura, a produção do texto, a revisão e a reescrita, que pode ser vista
como um momento de reflexão.

Muitas vezes o que se constata no ensino é uma preocupação do


professor, quanto à produção escrita, apenas com os desvios da gramática
normativa, em que para isso faz apontamentos, nem sempre de fácil
compreensão (Ruiz, 2001). Entretanto, pesquisas têm demonstrado que
estes tipos de intervenção nem sempre são eficazes, já que os avanços
são pequenos.
1264
Na verdade o texto inicial do aluno deve ser encarado como o
ponto de partida e de chegada, ele deve estar articulado a uma proposta
de ensino voltada para as suas necessidades reais. Na prática de refacção,
os textos escritos podem se constituir numa atividade discursiva que
abandona a ideia de reescrita como uma maneira de ensinar normas
gramaticais, ou ainda como apenas uma higienização do texto (BRITO,
2003). A reescrita faz parte de um processo em que os alunos devem
voltar várias vezes ao texto para observar certas questões e não apenas
passar a limpo. A refacção vai possibilitar aos alunos ajustar o que se tem
a dizer, vai facilitar a sua constituição como sujeito que diz o que diz para
quem diz, vai ajudar o sujeito a escolher, enfim, as estratégias para
realizar a sua tarefa e, obviamente, ter para quem dizer o que tem a dizer
(GERALDI, 1995).

Nesse sentido, para que isso venha, de certa forma, acontecer, é


importante um bom planejamento das atividades. Assim, acreditamos que
com as sequências didáticas é possível criar contextos eficazes de
comunicação. E para que a transposição da sequência, a partir de um
modelo didático, venha ocorrer é importante uma produção inicial, a fim
de que seja feito o mapeamento das dificuldades dos alunos. Tais
dificuldades vão gerar, no que se refere à metodologia de avaliação dos
textos, a partir da lista de constatações (cf. NASCIMENTO, 2005), a
refacção dos textos (GONÇALVES,2009).

No que se refere à importância do mapeamento das capacidades


de linguagem, para uma posterior transposição didática de um gênero,
nem sempre é necessário o trabalho com todas as categorias, já que vai
depender do contexto de ensino, no qual o aluno se insere. Dessa
maneira, como sugerem Dolz & Scnheuwly (2004), devemos partir da
produção inicial de um gênero, mapear as dificuldades de linguagem
dominadas pelos aprendizes e, em seguida, atuar como mediador no

1265
processo de ensino aprendizagem, produção da sequência didática para
intervenção.

3. Mapeamento das capacidades de linguagem para a regulação


da aprendizagem

Em trabalhos anteriores523, defendemos a necessidade de haver


no Ensino Médio um planejamento de atividades que contemple literatura
e língua portuguesa. Assim, com a finalidade dar prosseguimento a esta
proposta inicial, que é a elaboração de uma sequência didática e,
posteriormente a refacção, abordaremos, neste tópico, a importância do
mapeamento nas produções iniciais.

Os sujeitos da pesquisa são 20 alunos do 3º do Ensino Médio de


um colégio estadual, localizado na Zona norte de Londrina, que se
configuraram como informantes para a elaboração do artigo. Como corpus
de pesquisa, utilizamos as produções escritas do gênero artigo de opinião
destes alunos, no total foram 18 textos, já que alguns alunos faltaram no
dia da produção inicial. A escolha do público alvo se deu por alguns
motivos. Primeiramente, por se tratar de uma escola estadual que
trabalha com o ensino por blocos, em que os alunos têm seis horas-aulas
semanais de Língua Portuguesa, com uma carga horária que fica
concentrada apenas em um semestre. O outro motivo ocorreu por se
tratarem de alunos do 3 º do Ensino Médio,em que se espera que tenham
desenvolvido, pelo menos em partes, as capacidades necessárias para a
participação em diferentes atividades linguageiras existentes na
sociedade.

Para o mapeamento das capacidades de linguagem de uma


produção inicial, torna-se necessário, levar em conta os seguintes

523
Artigo apresentado no CIELLI, 2010, Maringá. Neste trabalho, em que a finalidade era a elaboração de uma
sequência didática do gênero artigo de opinião, foi elaborado um planejamento de atividades no Ensino Médio,
que contemplou literatura e língua portuguesa. O livro usado como tema a ser trabalhado na sequência didática
foi o Bom Crioulo, de Adolfo Caminha.

1266
elementos: capacidade de ação, discursiva e linguístico-discursiva (DOLZ,
PASQUIER, BRONCKART, 1993). Tais elementos servirão de parâmetros
para os professores efetuarem análises e fazerem intervenções
pedagógicas.

Assim, para uma melhor compreensão sobre as aptidões


requeridas por um sujeito no momento de produção e recepção de um
gênero numa situação de interação, vejamos o quadro abaixo, que
procurar fazer uma sinopse das capacidades a serem observadas:

Quadro1: Capacidades a serem observadas no gênero artigo de opinião


Gênero Capacidade de Capacidade Capacidade linguístico-
ação discursiva discursiva

ARTIGO DE a) Exercendo o a) Quanto ao a) O texto apresenta


OPINIÃO papel de plano textual organizadores lógicos que
enunciador, global, o seu texto guiam o leitor, organizando
você pode ser o discurso e estabelecendo
conseguiu considerado um relações entre as frases e
passar a ideia exemplar do entre os parágrafos? Há
de alguém que gênero? elementos identificando
leu e b) Conseguiu relações
compreendeu a passar a ideia de sintático-semânticas de
coletânea de alguém que causa, consequência,
textos defende suas conclusão, concessão, etc.?
apresentadas próprias ideias e
na SD? as defende por b) Conseguiu evitar
b) Está meio de repetições desnecessárias
adequado a argumentos usando elementos de
pessoa a quem fundamentados? coesão nominal (anáforas
você destina e, c) Conseguiu nominais e pronominais,
posteriormente, mobilizar o referenciação dêitica
ao veículo a ser “esquema por meio de este, esse,
publicado, argumentativo”: etc.)?
jornal da premissa/ tese,
escola, revistas, argumentos e

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etc., ou seja, a conclusão? Você c) Há vozes sociais trazidas
destinatários conseguiu para
múltiplos? antecipar e avaliação do agente-
c) Conseguiu refutar teses produtor, bem como a
passar a quem opostas, isto é, avaliação do agente
você destina o elaborar contra- produtor?
objetivo argumentos?
principal da d) Os argumentos
produção de utilizados são
determinado coerentes com o
gênero? tema? Eles são
convincentes?
Estão organizados
hierarquicamente,
isto é, do mais
importante para o
menos importante
ou vice-versa, a
depender do
efeito de sentido
pretendido? De
outro modo, como
eles foram
hierarquizados?
e) O artigo
apresenta
progressão
temática?

A partir das capacidades a serem observadas no gênero artigo


opinativo, selecionamos um artigo, quadro 2, entre os 18 feitos pelos
alunos do 3 º ano do Ensino Médio, e elaboramos uma lista de
constatação com as capacidades de linguagem iniciais dos alunos.

Após a leitura do livro Bom Crioulo, de Adolfo Caminha, e do


surgimento de um problema comunicação, união entre homossexuais,

1268
temática presente na obra, os alunos tiveram que elaborar um artigo
opinativo, a ser publicado no mural escolar sobre o seguinte tema -
Casamento entre homossexuais: sim ou não?

Quadro 2: Mapeamento das capacidades de linguagem na produção inicial


Primeira produção – Lista de constatação Capacidades de
Casamento entre inicial linguagem
homossexuais: sim ou iniciais
não?
O homossexualismo é um 1)Expressou a sua opinião,
1) Capacidade de ação
assunto muito polêmico, e no entanto, como não tinha
ainda há muito o que se conhecimento sobre o que * Apresenta o seu objetivo
discutir. era artigo de opinião, “contra casamento entre
Sei que vivemos em um tentou aproximar o texto homossexuais”, mas como
país democrático em que mais da dissertação escolar, tem dificuldade em
todos têm o mesmo direito que era o gênero que eles progredir com as ideias no
perante a sociedade. diziam conhecer. texto, o artigo apresenta-se
Não tenho preconceito com 2) O texto não se mostra repetitivo e confuso.
a pessoa em si, quanto ao adequado a destinatários * Tenta enviar o texto a
casamento legal, sou múltiplos,já que em alguns destinatários múltiplos,
contra, a partir da genética momentos mostra-se ainda que se mostre, em
e anatomia humana, que na preconceituoso e faz uso da algumas passagens,
minha concepção é inviável, religião para justificar a sua preconceituoso.
pois a anatomia masculina opinião.
foi feita para ser compatível 3) Defende suas idéias,
2) Capacidade discursiva
com a feminina. fazendo uso da
Quanto a adoção de filhos argumentação, mas *Quanto à planificação o
também sou contra, pelos mostra-se confuso. Tenta texto mostrou-se
mesmos motivos, pois se fazer uso da contra desorganizado e confuso,
fosse para eles terem filhos argumentação ao dizer que assim vejamos: No primeiro
a genética humana todos vivemos em uma parágrafo, apresentação do
permitiria isso. sociedade democrática. assunto. No segundo, há a
Acho que uma família deve 4) Os argumentos são tentativa de fazer uso da
ser constituída de pai, mãe coerentes com a temática, contra-argumentação, mas
e filhos, pois a criança embora, tenha abordado a idéia fica jogada no meio
precisa destas referências mais sobre a questão da do texto, sem ter nada que
para construir um bom adoção. a complete.

1269
psicológico, já que tem 5) A informação não se No terceiro parágrafo,
todas as chances de serem renova a cada aparece o ponto de vista
influênciadas pela opção parágrafo,tornando o texto “contra”, fazendo para isso
sexual dos pais. repetitivo, já que o tempo o uso de argumentos
Deus fez Adão, e viu que volta na questão da “genética e anatomia”. No
ele estava só, então, fez genética e anatomia. quarto e quinto parágrafo,
Eva para lhe fazer 6) No texto há expressões aborda outro assunto, a
companhia e não outro como “não tenho”, questão da adoção, em que
homem, e foi atravéz de “Acho”,etc., que tornam o mostra ser contra. No
Adão “homem”e Eva texto mais subjetivo. último parágrafo, faz
“mulher” que se deu origem 7) Dificuldade no uso de menção à religião para
a humanidade. organizadores lógicos, já defender sua opinião e
(Vileide, 3º ano do que pela falta deles ou pelo volta, novamente, na
Ensino Médio) uso indevido, o texto questão da anatomia.
mostra-se confuso. *Defende uma tese,
8) Tenta fazer uso de argumenta em favor da sua
anáforas nominais e opinião, mas acaba fugindo
pronominais (família/pais, da temática principal,
homossexuais/eles, etc), casamento entre
ainda que de maneira bem homossexuais, ao passar
tímida. boa parte do texto
9)No texto há alguns abordando sobre a questão
problemas de ortografia e da adoção. No artigo, ele
acentuação (atravéz, refuta ideias opostas ao
influenciadas, quanto a dizer que “vivemos em um
adoção) e também de país democrático”.
pontuação. * A sequência
predominante é a
argumentativa e faz pouco
uso dos outros tipos de
sequência (explicativa,
narrativa, descritiva, etc.)

3) Mecanismos
linguísticos discursivos
* Dificuldade em
estabelecer a conexão entre
os organizadores lógicos, o

1270
que torna o texto, algumas
vezes, confuso. Entre os
organizadores lógicos,
encontramos (e, que, pois,
já que).
*No que se refere à coesão
anafórica, observou-se
pouco uso, vejamos: eles /
homossexuais; pais/família;
elas (elipse) /crianças;
ele/Adão; lhe/Adão;
homem/Adão; mulher/Eva.
*Não há vozes sociais no
texto. Aparece apenas a
avaliação do agente
produtor marcada pela 1ª
pessoa do singular em “não
tenho, acho, minha
concepção, etc”.

A estudante, não conhecedora do gênero artigo de opinião,


realiza a ação escrita, mas mostra ter dificuldades, já que diz não ter
conhecimento sobre o gênero. O lugar de produção é a sala de aula, logo
após abordar as temáticas do livro bom Crioulo e ter surgido uma questão
problema, casamento entre homossexuais.

No contexto sociosubjetivo, temos a aluna que aparece no papel


social do produtor. Através da produção escrita, ela expressa seu ponto de
vista e as defende por meio de argumentos internalizados por ela, levando
em conta suas impressões dos mundos formais (BRONCKART, 2003). O
objetivo da aluna, levando em conta a proposta “Casamento entre
homossexuais: sim ou não?” é expressar sua opinião sobre este assunto e
enviar essa produção, não apenas para o professor, mas para a circulação
externa (mural escolar). No entanto, pela produção, constatamos que a
estudante tem dificuldade de levar para a produção o que foi discutido em

1271
sala de aula. O produtor procura utilizar conhecimentos vindos de seu
arquivo pessoal, o que nos leva a concluir que ele tem pouco
conhecimento sobre este assunto e fez poucas leituras sobre o mesmo, já
que as informações não se renovam no artigo.

Quanto ao planejamento textual, a estudante tem dificuldade em


organizar o texto, assim, vejamos: No primeiro parágrafo, apresentação
do assunto. No segundo, ela tenta fazer uso da contra-argumentação,
mas a idéia fica jogada no meio do texto, sem ter nada que a complete.
No terceiro parágrafo, aparece o ponto de vista “contra”, fazendo para
isso o uso de argumentos “genética e anatomia”. No quarto e quinto
parágrafo, aborda outro assunto, a questão da adoção, em que mostra ser
contra. No último parágrafo, faz menção à religião para defender sua
opinião e volta, novamente, na questão da anatomia. Dessa forma, o que
vemos é um texto que não evolui, fica o tempo todo discutindo a mesma
questão “anatomia e genética” e que ao usar a religião, acaba não sendo
adequado a destinatários múltiplos.

A sequência predominante no artigo é argumentativa, mas faz


pouco uso dos outros tipos de sequência (explicativa, narrativa, descritiva,
etc.), o que acaba por tornar o texto pobre.

Referindo-se aos aspectos linguísticos-discursivo, observamos a


predominância de frases declarativas. As formas verbais predominantes
estão no presente, fazendo afirmações de caráter universal. A linguagem
utilizada, predominantemente, é a de registro culto.

No artigo, ainda há, por parte do produtor, uma certa dificuldade


em estabelecer a conexão entre os organizadores lógicos, o que torna o
texto, algumas vezes, confuso. Entre os organizadores lógicos,
encontramos (e, que, pois, já que). Há pouco uso da coesão anafórica:

1272
eles / homossexuais; pais/família; elas (elipse)/crianças;ele/Adão;
lhe/Adão; homem/Adão; mulher/Eva.

Talvez pela insuficiência de conhecimentos prévios sobre o tema


(que poderia ter sido ampliado por mais leituras e pesquisas sobre o
tema), o autor do texto não conseguiu gerenciar “vozes sociais” no
sentido de provocar o debate, a polêmica, a confrontação. Temos apenas
a apreciação valorativa (BAKHTIN, 2003) do agente produtor marcada
pela 1ª pessoa do singular em “não tenho, acho, minha concepção”, etc.

Considerações finais

A partir da produção inicial de estudantes do 3º ano de um


colégio estadual, procuramos mapear as dificuldades referentes às três
capacidades a serem desenvolvidas numa SD: ação, discursiva e
linguístico-discursivas. O mapeamento das capacidades de linguagem é
uma fase muito importante, já que sem ela o professor não poderá
conhecer o nível de desenvolvimento real do aluno sobre a tarefa que
propõe (produzir um artigo argumentativo). Sem diagnóstico das
dificuldades dos alunos, torna-se quase tarefa impossível a elaboração de
uma sequência didática que ofereça atividades e ferramentas didáticas
para ajudar os alunos a transpor as suas dificuldades. Sem diagnóstico de
uma produção inicial o professor não poderá tomar decisões sobre as
capacidades já desenvolvidas (e que não necessitam de mais
ensinamento) e aquelas que necessitam ser desenvolvidas por atividades
bem direcionadas , sobretudo para a regulação dos retornos aos objetos
de ensino que serão construídos na sala de aula.

Devido ao curto espaço, abordamos apenas as dificuldades de


uma estudante do 3 ºano que representa as capacidades da turma.
Através das dificuldades observadas neste grupo, há o objetivo, em
etapas posteriores, de construir uma SD e aplicar nesta mesma turma.

1273
Além disso, através das listas de constatações, pretende-se realizar um
trabalho de refacção.

A presente pesquisa, ainda, com base no mapeamento das


capacidades de linguagem, vem reforçar a necessidade de intervimos o
quanto antes no Ensino Médio das escolas públicas com propostas de
trabalhos bem direcionadas para auxiliar os alunos a transpor obstáculos e
dificuldades nas práticas discursivas que implicam capacidades de
argumentação, orais e escritas.

1274
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