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Art20190207 07
Art20190207 07
Senhores Deputados,
Brasil, de 2000 até 2016, sendo que 62% (sessenta e dois por cento) delas foram
presas em razão de crimes associados ao tráfico de drogas ilícitas.5
É certo que a solução dos problemas de nosso sistema prisional não é uma
só. Porém é necessário um novo olhar com relação aos custos e benefícios dessa
política estatal sobre drogas ilícitas, que encarcera em massa, não dissuade o uso
problemático nem consegue combater, de forma eficaz, as organizações
criminosas ligadas ao tráfico.
O presente trabalho oferecido ao Parlamento Brasileiro, com o objetivo de
principiar a discussão legislativa para a revisão da Lei de Drogas, foi construído
após 6 (seis) meses de intensos estudos, ricos debates, diversas oitivas de expertos
e audiências públicas de inúmeras entidades e instituições públicas da área, e tem
por intenção adaptar o tratamento legal da questão às novas realidades sociais,
adotando por balizas não apenas os estudos científicos e os comportamentos em
sociedade, mas também as experiências internacionais de rigorismo ou de
flexibilidade quanto ao uso, e de práticas estatais quanto ao usuário dependente
ou não em drogas ilícitas, seja ele problemático ou de vida social normal.
A primeira parte da proposta apresentada cuida da atualização de alguns
conceitos necessariamente inseridos na norma e também da compatibilização do
Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas Ilícitas com os tempos que
correm.
É possível verificar na proposta a utilização de conceitos já solidificados
no discurso jurídico que se interpola com o tratamento científico do objeto drogas
ilícitas, modernizando a linguagem legislativa e adaptando-a aos consensos
discursivos científicos.
O dano à saúde pública foi inserido com o objetivo de delimitar o bem
jurídico penal que autoriza e limita a criação de norma penal.
Levando em consideração as inúmeras críticas ao conceito de saúde
pública como bem jurídico-penal, geralmente apontando para a insuficiência do
seu conteúdo material,6 é que se estabeleceu a necessidade de objetivo e
verificável dano à saúde de terceiro a fim de evitar presunções de lesões que
habilitem indevidamente o uso da pena de prisão. Com tal disposição buscou-se,
portanto, conferir referente material ao bem jurídico, ao mesmo tempo em que se
reconhece a alteridade como pressuposto legal da intervenção penal.7
No mesmo sentido, utilizou-se o conceito de uso problemático elaborado
a partir das Methodological Guidelines to Estimate the Prevalence of Problem Drug Use,
especificamente a partir da análise que fizeram do Regional Drug Misuse Databases
5 http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopenmulheres/infopenmulheres_arte_07-
03-18.pdf Acesso em 05.09.2018.
6 Apresentam reservas nesse sentido: BECHARA, Ana Elisa Liberatore Silva. Discursos de
emergência e política criminal: o futuro do direito penal brasileiro. In Revista da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo. vol. 103. Jan./dez, 2008. p. 411-436. ROXIN, Claus. A proteção de
bens jurídicos como função do Direito Penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.09-36.
SCHÜNEMANN, Bernd. O direito penal é a ultima ratio da proteção de bens jurídicos – Sobre os limites
invioláveis do direito penal em um Estado de Direito liberal. In: Revista brasileira de ciências criminais,
n. 53, p. 9-37, mar.-abr. 2005.
7 BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007,
p. 95.
3
8 Como ressaltado pelo Conselho Federal de Psicologia, não se pode resumir a discussão de
dependência química como se fatores socioculturais não entrassem em jogo, insistindo nos efeitos
das drogas no sistema nervoso central, de forma dramática e generalizada. CFP. Drogas, Direitos
Humanos e Laços Sociais. pág. 123. Disponível em:
https://site.cfp.org.br/wpcontent/uploads/2013/07/Drogas-Direitos-Humanos-e-Laco-
Social.pdf
9 Cf. MUYS, M. and DECORTE, T. (2005). "Problematic Use" of (ilegal) drugs: a study of the
operationalisation of the concept in a legal context in Belgium. In: KRAUS, L.; KORF, D. J. (eds).
Research on Drugs and Policy from a European Perspective. Lengerich: Pabst Science Publishers,
p.62-77.
10 O reconhecimento da dependência como um estado agravado e, portanto, mais restrito que o
uso problemático já foi reconhecido inclusive pela própria Senad. Ver o conceito de dependência
em: https://www.supera.senad.gov.br/@/material/mtd/pdf/SUP/SUP_Mod3.pdf (p. 16/17)
4
11 Nesse sentido: REN, Yanhua (et al). Cannabidiol, a Nonpsychotropic Component of Cannabis,
Inhibits Cue-Induced Heroin Seeking and Normalizes Discrete Mesolimbic Neuronal Disturbances. In:
Journal of Neuroscience, 2009, p. 14764-14769; SOCÍAS, M. Eugenia et al. Intentional cannabis use to
reduce crack cocaine use in a Canadian setting: A longitudinal analysis. In: Addictive Behaviors. vol.
72, 2017, p. 138-143; HURD, Yasmin L. et al. Early Phase in the Development of Cannabidiol as a
Treatment for Addiction: Opioid Relapse Takes Initial Center Stage. In. Neurotherapeutics,vol. 12, 2015,
p. 807- 815.
12 SCHEERER, Sebastian. Dominação ideológica versus lazer psicotrópico. In: RIBEIRO, MM; SEIBEL,
mais importante que outras medidas comumente mais prestigiadas no campo da epidemiologia
para a prevenção do HIV e da Hepatite entre usuários de drogas. Ver mais em: BOURGOIS,
Phillippe. Anthropology and epidemiology on drugs: the challenges of crossmethodological and theoretical
dialogue. In: International Journal of Drug Policy, 2002, p. 259-269. Disponível em:
https://pdfs.semanticscholar.org/63a1/e8ec3ad4836fecbc125cc4351e1c87fe9e29.pdf. Acesso em:
18-08-2018.
16 Referimo-nos ao estudo paradigmático desenvolvido por NUTT, David et al. Drug harms in the
UK: a multicriteria decision analysis. Lancet, vol. 376, 2010, p. 1558–65. Disponível em:
https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(10)61462-6/abstract.
Acesso em 16-08-2018.
6
17 Todos esses critérios correspondem ao que foi estipulado na Figura 1 do estudo. Para ver mais
sobre o caráter científico e imparcial do grupo de pesquisa ver em: NUTT, David et al. Drug harms
in the UK: a multicriteria decision analysis. Lancet, vol. 376, 2010, p. 1558-1559. Disponível em:
https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(10)61462-6/abstract.
Acesso em 16-08-2018.
18 BOURGOIS, Phillppe. Crack and the Political Economy of Social Suffering. In: Addiction Research
de danos. Psicologia: Ciência e Profissão. Print version ISSN 1414-9893. Psicol. cienc. prof. vol.33 no.3
Brasília 2013. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932013000300006. Acesso em 05.09.2018.
8
Não há, por óbvio, unanimidade quanto ao total acerto das políticas
descriminalizantes, mas o pensamento que prevalece é o de que os riscos e os
aspectos negativos dessas políticas são menores do que a manutenção do clássico
modelo de criminalização total do uso de drogas ilícitas.
Merece enfático registro, sem embargo, que eventual descriminalização do
consumo pessoal de pouca quantidade de drogas ilícitas não implica qualquer
apoio, pensamento ou ação favorável a tal prática, pois são inquestionáveis os
danos que o consumo delas – como de resto o de tabaco ou álcool - causa à saúde
física e psíquica do usuário, como também à saúde pública, com reflexos numa
infinidade de pessoas, próximas dele ou não.
Daí por que devem ser cada vez mais intensificados os programas
desenvolvidos junto à comunidade – especialmente entre jovens –, para o
honesto esclarecimento acerca dos efeitos nocivos das drogas em geral, como
também deve haver maciça publicidade contrária ao seu consumo, como foi feito
em relação ao álcool e ao tabaco, cujos índices de consumo deste último
reduziram-se drasticamente nas últimas décadas mercê de uma forte ênfase dada
à informação e à publicidade negativa.
De todo modo, devem-se reconhecer como ainda mais danosos os efeitos
causados pelo maciço encarceramento e pela estigmatização produzida em quem
ingressa no sistema de justiça criminal por uma ocorrência que, em boa parte dos
casos, poderia receber outro tipo de abordagem pelo Estado e pela sociedade.
De fato, a exposição dos usuários e dos pequenos traficantes ao sistema
prisional, impingindo-lhes o convívio com criminosos experientes e violentos, e
oferecendo-os às facções criminosas que em muitos países – como é o caso do
Brasil – dominam o ambiente carcerário, não se mostra a alternativa mais
inteligente, mesmo para o pequeno operário do tráfico, visto que os desfalques
na linha de produção, distribuição e comercialização das drogas ilícitas são
incontinenti repostos, com o recrutamento de mais jovens da periferia, que, ante
a ausência de oportunidades e de perspectivas, encantam-se com promessas de
ganhos fáceis que a mercancia ilícita de drogas parece proporcionar.
Como alerta o pesquisador, sociólogo e professor do Departamento de
Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Gabriel Feltran,
entrevistado sobre seu livro Irmãos – Uma História do PCC, o modelo atual de
segurança e combate ao tráfico no Brasil “produz crime”, tirando um vendedor
de droga ilícita da rua e colocando-o na cadeia. “O lugar que ele ocupa no
mercado, vai ser ocupado no dia seguinte por outro. Então você passa a ter um
preso e um aqui esperando pra ser preso, pra você ter dois presos e outro aqui.”
A par dos efeitos deletérios causados pelo uso abusivo ou problemático
das drogas ilícitas, afirma-se que o tratamento institucionalizado pelo sistema de
justiça criminal produz uma identidade negativa do usuário e do pequeno
traficante com o mundo do crime, causando-lhes, amiúde, a exclusão social, a
perda de saúde, a redução de habilidades e potencialidades individuais e o
distanciamento do mercado de trabalho formal.
O debate, portanto, sobre a criminalização ou não do uso de drogas ilícitas
e a maneira como lidar com essa questão precisa, por óbvio, considerar a
realidade brasileira, com todas as nuanças e singularidades que caracterizam
nosso povo e nossos costumes.
10
CHILE
Desde 2005, pessoas surpreendidas na posse de drogas ilícitas destinadas
a "uso pessoal exclusivo e consumo em um futuro próximo" passaram a não mais
ser objeto de processo criminal.
Como não existem critérios de distinção sobre uso e tráfico, o juiz deve
determinar se os entorpecentes são destinados ao uso privado, quando a prova
não permitir inferir a sua finalidade, ao mesmo tempo em que o ônus legal de
provar que a posse era para uso pessoal recai sobre a pessoa.
Se o indivíduo for preso por uso ou posse em local público, o juiz poderá
impor multas, tratamento forçado, serviço comunitário e/ou suspensão de sua
carteira de habilitação. Isso também se aplica ao consumo na esfera privada, se
dentro de um grupo reunido com esse propósito.
Embora a maioria dos casos de posse termine em uma sentença suspensa
ou em sanções administrativas, um número elevado de detenções ainda é
realizado para delitos de pequena monta, com alguns resultando em prisão.
Recentemente, o ímpeto para descriminalizar totalmente as drogas no
Chile cresceu, sobretudo em relação à maconha. A Câmara dos Deputados
aprovou em julho de 2015 um projeto de lei que descriminaliza a posse para
consumo privado até o limite de 10 gramas de cannabis, bem como o cultivo
privado até 6 plantas. Todavia, antes de o Senado aprovar o texto, o Poder
Executivo recomendou que os limites fossem reduzidos para apenas 2 gramas e
1 planta. O processo legislativo permanece pendente de conclusão.
COLÔMBIA
A posse de drogas para uso pessoal foi inicialmente descriminalizada na
Colômbia em 1994, quando o Tribunal Constitucional determinou que as
penalidades pela posse de uma dose pessoal violavam os artigos 16 e 49 da
Constituição de 1991. Após a decisão judicial, a posse de quantidades até certos
limites – 20 gramas de cannabis, 5 gramas de haxixe e 1 grama de cocaína – não
foi proibida até 2009, quando o governo do então Presidente Álvaro Uribe
aprovou uma emenda constitucional ao artigo 49, restabelecendo um modelo de
proibição.
As sanções por posse para uso pessoal após 2009 limitaram-se, em grande
parte, a sentenças administrativas, incluindo encaminhamentos para vários
serviços de tratamento e prevenção, o que resultou em algum grau de
insegurança jurídica entre autoridades judiciárias e policiais, que careciam de
orientação clara sobre como proceder com delitos de posse. Após a promulgação
da Lei 1453, em junho de 2011, as pessoas passaram a enfrentar prisão de 64 a 108
meses e multa de 2 a 150 meses de salário mínimo quando surpreendidas com
até 1.000 gramas de cannabis, 100 gramas de cocaína ou 20 gramas de derivados
de ópio.
De todo modo, uma decisão do Supremo Tribunal, de agosto de 2011,
determinou que o conceito de dose pessoal, como estabelecido em 1994, ainda
era vigente. O Tribunal Constitucional deu seguimento a essa decisão em junho
de 2012, restabelecendo a descriminalização da posse para uso pessoal, a partir
dos limites de dose pessoal estabelecidos em 1994.
ALEMANHA
13
exemplo, nas escolas e nos transportes públicos. Cabe às autoridades locais – não
ao governo nacional – regulamentar isso.
A posse de pequenas quantidades de drogas para uso pessoal não está
sujeita a investigação policial. Qualquer pessoa flagrada com menos de 0,5g de
drogas geralmente não será processada, embora a polícia confisque as drogas e
encaminhe o indivíduo a um serviço de tratamento.
A quantidade limite para a maconha é de 5g. No entanto, em 2012, a
Diretriz da Lei do Ópio foi revisada para que, em vez de dizer "que a polícia pode
deixar de autuar a pessoa apanhada com menos de 5 gramas de cannabis”, agora
declara que isso poderá ocorrer “em princípio”. Isso deixa em aberto a
possibilidade de prender e processar indivíduos com menos de 5g de cannabis em
determinadas circunstâncias.
A Lei do Ópio estabelece que o fornecimento de drogas (posse, cultivo ou
fabricação, importação ou exportação) é punível, dependendo da quantidade e
do tipo de droga envolvida, com até 12 anos de prisão.
No entanto, a Diretriz da Lei do Ópio define condições estritas em que as
vendas de cannabis e os pontos de consumo, conhecidos como coffee shops, podem
ser tolerados pelas autoridades locais. Em 2014, havia 591 desses cafés na
Holanda.
PORTUGAL
Portugal é visto como um país exemplar no enfrentamento dos problemas
derivados das drogas ilícitas. Em 2001, inovou ao revogar as sanções penais pela
posse e uso de pequenas quantidades de qualquer droga ilícita, estabelecendo,
em paralelo, uma série de medidas de saúde pública nessa área.
A posse de qualquer droga é considerada ilegal, mas não resultará em
processos criminais se o montante possuído for inferior ao que um usuário médio
consumiria por dez dias. Quantidades limítrofes são definidas na lei para cada
substância. Quando a polícia encontra um indivíduo na posse de uma pequena
quantidade de entorpecente, ele é encaminhado a uma Comissão de Dissuasão,
cuja principal preocupação é avaliar as circunstâncias pessoais do indivíduo e
encaminhá-lo a serviços apropriados, que pode incluir tratamento médico.
Os resultados dessa política pública são controversos. Sem embargo, em
relação aos jovens estudantes com prevalência de uso de drogas em 2011, houve
uma redução na faixa entre 13 e 15 anos de idade, comparativamente a 2001, antes
da descriminalização. Além disso, a idade mediana de iniciação ao uso de drogas
subiu de 18 anos em 2001 para 20 anos em 2012.
Algumas das mudanças mais significativas em Portugal ocorreram na área
da saúde pública. Desde a descriminalização, Portugal experimentou um
tremendo aumento no número de indivíduos dependentes de drogas que
acessam o tratamento, mas tem visto reduções significativas na transmissão do
HIV e da tuberculose.
URUGUAI
Segundo a lei uruguaia, qualquer pessoa encontrada na posse de uma
"quantidade razoável destinada exclusivamente ao consumo pessoal", conforme
determinado por um juiz, está isenta de punição, tanto criminal quanto
administrativa.
15
punível com uma multa de até US$ 100,00 – o estado economizou US$ 1 bilhão
com o sistema de justiça criminal e policiamento.
O estado diminuiu as penalidades associadas à posse de cannabis em 2011,
por meio da aprovação do Projeto de Lei do Senado n. 1449, que tornou a posse
de até 28,5 gramas infração administrativa em vez de delito de menor potencial
ofensivo. Por consequência, as detenções por consumo indevido de maconha
caíram drasticamente, passando de quase 55.000 em 2010 para 6.411 em 2014.
Embora a cannabis seja atualmente a única droga ilícita descriminalizada
em muitos estados nos EUA, a Califórnia está entre as jurisdições que fizeram
maiores avanços no sentido de reduzir, de modo geral, as sanções punitivas
associadas a alguns delitos envolvendo drogas ilícitas. Em 2000, os eleitores da
Califórnia aprovaram a mudança da lei estadual para impor tratamento
comunitário e condicional, em lugar de uma sentença privativa de liberdade, aos
infratores não violentos condenados por posse de drogas ilícits, na primeira ou
na segunda vez. Após o início da implementação dessa lei, em 2001, centenas de
milhares de indivíduos foram encaminhados para tratamento e evitaram entrar
no sistema de justiça criminal, com economia para o estado de US$ 5.836,00 para
cada infrator que completou com sucesso o tratamento.
Em novembro de 2014, quase 60% dos eleitores aprovaram a Proposição
47, que rebaixou seis crimes não violentos – incluindo o simples porte de drogas
para todas as substâncias – para a categoria de infração criminal de menor
potencial ofensivo. Nos 12 meses após a votação da Proposição 47, a população
carcerária da Califórnia caiu 3,8% e milhares de presidiários foram libertados.
Washington D.C.
Os legisladores agiram para resolver o problema das prisões por posse de
cannabis, por meio da aprovação de uma lei (“Marijuana Possession
Decriminalization Amendment Act”) em março de 2014. Segundo essa lei, a posse
de uma onça (28,3g) ou menos de cannabis passou a configurar apenas ilícito
administrativo, punível com multa de U$ 25,00, além do possível confisco da
droga e de petrechos relacionados, se visíveis quando da abordagem policial.
Presentear alguém com até 28,3 gramas de cannabis – ou seja, sem transação
financeira – passou a ser, da mesma forma, uma infração não criminal, embora o
consumo público permanecesse criminoso. Os indivíduos tinham 14 dias para
pagar a multa e, se não o fizessem, o dobro da penalidade seria cobrado.
Porém, essa via de descriminalização durou apenas sete meses na prática,
pois, em novembro de 2014, 69,4% dos eleitores aprovaram a Iniciativa Ballot 71,
para legalizar o porte de cannabis para uso pessoal, abrangendo pessoas com mais
de 21 anos que possuam até 2 onças (56,7g) de cannabis ou que cultivem até seis
plantas de cannabis em suas casas licitamente. O consumo em local público
continua sendo crime, embora, no início de 2016, o conselho da cidade estivesse
começando a explorar a regulamentação de espaços públicos onde os adultos
poderiam usar cannabis.
Em levantamento mais recente, publicado em 24/7/2018 por Marcelo
Tuvuca, constatou-se que mais da metade dos norte-americanos já têm acesso à
maconha de forma regularizada, para fins medicinais ou mesmo recreativos. Dez
estados (incluindo o Distrito de Colúmbia, da capital Washington) permitem este
último tipo uso, que coloca a erva no mesmo status de outras drogas permitidas
17
no país (álcool e tabaco, por exemplo). Entre esses estados está o mais importante,
a Califórnia, que concentra 12% da população. Outros 20 locais, incluindo Nova
York, Flórida, Pensilvânia e Illinois, já regularizaram a maconha estritamente
para fins medicinais. A soma desses 30 estados representa 62% da população do
país.
Confira-se a imagem ilustrativa dessa situação:
https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2018/07/24/de-vila-
a-terapeutica-maconha-e-regularizada-em-ritmo-acelerado-e-ja-atinge-62-dos-
eua.htm
Geral das Nações Unidas de 2016 (UNGASS 2016 on the World Drug Problem: focus
on people, public health and human rights).
No Brasil, embora não tenha havido alterações legislativas de relevo nos
últimos 12 anos, desde a entrada em vigor da Lei 11.343/2006, a jurisprudência
dos Tribunais Superiores (e de alguns tribunais e juízes) tem sinalizado,
claramente, para uma abordagem cada vez mais flexível e menos ortodoxa na
interpretação da lei e sua aplicação aos casos concretos.
Eis alguns exemplos ilustrativos dessa jurisprudência:
• HC n. 143.798/SP (DJe 22/5/2017), em que o Ministro Luís Roberto
Barroso deferiu a liminar para suspender o trâmite de processo instaurado contra
acusado de importar 14 sementes de maconha.
• HC n. 118.533/MS, Relatado pela Ministra Cármen Lúcia (j. em
23/6/2016 pelo Pleno), em que se reconheceu que o tráfico “privilegiado” a que
alude o § 4º do art. 33 da LAD (na verdade, se trata de causa especial de
diminuição de pena) não possui natureza hedionda, do que decorrem diversas
consequências, i.e., a progressão de regime (requisito objetivo) passa a ser de 1/6
da pena (art. 112 da LEP); o livramento condicional se obtém com 1/3 da pena
cumprida, se não reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes, ou 1/2,
se reincidente em crime doloso (conforme art. 83 do CP); possibilidade de anistia,
graça e indulto, desde que cumpridos os demais requisitos.
• Possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, com declaração de inconstitucionalidade da vedação legal
consubstanciada no art. 44 da LAD (HC n. 97.256/RS, de relatoria do Ministro
Ayres Britto), com expedição da Resolução nº 5, do Senado Federal, para a
eficácia erga omnes;
• Reconhecimento da inconstitucionalidade do Art. 2º, § 1º, da Lei n.
8.072/1990: “A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente
em regime fechado”, por ofensa à individualização da pena (inciso XLVI do art.
5º da CF/88), sendo exigida a fundamentação (CP, art. 33, § 3º, c/c o art. 59), nos
termos do acórdão proferido no HC 111840 ES, da Relatoria do Min. Dias Toffoli
(DJe-249 p. 17-12-2013).
O Supremo Tribunal Federal, chamado a julgar a constitucionalidade do
art. 28 da Lei Antidrogas, no Recurso Extraordinário nº 635.659/SP, avançou na
discussão do tema, com o placar parcial de três votos pela inconstitucionalidade
(em amplitudes distintas), estando o RE com vista, atualmente, ao Ministro
Alexandre de Moraes.
Dos votos já colhidos, resumidamente se pode dizer o seguinte:
O relator do Recurso Extraordinário, Ministro Gilmar Mendes, considera
inconstitucional o art. 28 da L. 11.343/2006 sobretudo pela violação ao direito à
personalidade e ao princípio da desproporcionalidade do trato jurídico-penal
conferido ao usuário, cuja esfera de liberdade e de intimidade hão de merecer
proteção legal, e não sua estigmatização por uma opção, de usar substância
psicoativa, que somente a ele diz respeito.
Propõe que, na ponderação dos interesses envolvidos nessa discussão – a
liberdade individual e a saúde pública –, seja levado em conta que não é qualquer
grau de lesividade individual que justifica a intervenção do direito penal para
regular a vida, conforme, aliás, ocorre em relação ao tabaco e ao álcool, cujos
21
ilícitas e mesmo das drogas em geral, mesmo aquelas lícitas e de uso social
aprovado, como álcool e tabaco, entre outras.
Chega-se a dizer que quem defende alguma medida de liberalização do
uso privado de pequenas quantidades de drogas ilícitas está defendendo as drogas,
quando obviamente não é disso que se trata.
Há receio de que ainda não estejamos preparados, enquanto nação, a
seguir os mesmos passos de nações mais alinhadas ao pensamento atual em
expansão no mundo ocidental. É é nosso dever firmar uma posição e deixar o
registro histórico de um trabalho que, independentemente dos resultados
concretos, terá sua importância no futuro processo legislativo e no
amadurecimento das instituições.
A partir de todos os debates já desenvolvidos pela Comissão, nos
encontros presenciais e virtuais, inclusive com a explanação de especialistas, fez-
se a opção por uma proposta de descriminalização do uso privado de pequenas
quantidades de drogas ilícitas. E de quaisquer drogas, não apenas da maconha,
por conseguinte, como fizeram alguns países.
Sabe-se da miríade de drogas que já está no mercado, bem como de outras
que estão surgindo e se popularizando. Segundo informa o EMCDDA (European
Monitoring Centre for Drugs and Drugs Addiction) foram identificadas na Europa,
em 2017, mais de 670 novas substâncias psicoativas, ainda não abrangidas pelos
controles internacionais. Variam sobretudo entre canabinoides sintéticos,
estimulantes, opiáceos e benzodiazepinas. Na maioria dos casos, são
comercializadas como substitutos “legais” de drogas ilícitas; noutros, são
destinadas a pequenos grupos que querem experimentá-las em busca de novos
efeitos. Algumas dessas substâncias podem ter origem em medicamentos, que
são desviados da cadeia de abastecimento legítima ou obtidos ilegalmente
(http://www.emcdda.europa.eu/system/files/publications/8585/20181816_T
DAT18001PTN_PDF.pdf).
Escolher apenas a maconha como droga ilícita que permite a não
responsabilização penal do usuário não se mostrou, ao ver da Comissãao, o
melhor caminho a trilhar. A uma, porque parte da ideia de que a maconha é a
mais leve das drogas ilícitas, premissa que somente é correta se o grau de
Tetraidrocanabinol (THC) presente na composição da dose não for elevado. A
duas, porque o isolamento da maconha como única droga ilícita de uso permitido
manteria a política criminalizante e, consequentemente, menor possibilidade de
abordagem terapêutica e médica em relação aos usuários de mais baixa renda,
que têm no crack a droga de mais fácil acesso.
De outra banda, há consenso quanto à necessidade de, na hipótese de
aceitar-se a não criminalização do ato de consumo próprio do usuário de drogas
ilícitas, indicarem-se parâmetros objetivos para auxiliar na tarefa judicial de
separar usuário de traficante.
Acerca do critério previsto na atual Lei Antidrogas, o Relatório Final de
Pesquisa sobre as Sentenças Judiciais por Tráfico de Drogas na Cidade e Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, realizado pela Defensoria Pública do Rio de
Janeiro, assinala que
“A subjetividade do critério adotado tem sido alvo de diversas críticas por
meio daqueles que operam e estudam o sistema de justiça criminal
brasileiro. Uma pesquisa sobre o perfil do condenado por tráfico de drogas,
23
22 https://www.gazetaonline.com.br/noticias/mundo/2015/01/veja-os-paises-que-
adotam-a-pena-de-morte-por-trafico-de-drogas-1013886681.html
23 https://libros-revistas-derecho.vlex.es/vid/penas-trafico-drogas-paises-653583277
24 http://www.emcdda.europa.eu/countries/drug-reports/2018/france/drug-laws-and-
drug-law-offences_en
25 http://www.emcdda.europa.eu/countries/drug-reports/2018/norway/drug-laws-
and-drug-law-offences_en
26 http://www.emcdda.europa.eu/countries/drug-reports/2018/portugal/drug-laws-
and-drug-law-offences_en
27 http://www.emcdda.europa.eu/countries/drug-reports/2018/united-kingdom/drug-
laws-and-drug-law-offences_en
28 http://www.emcdda.europa.eu/countries/drug-reports/2018/united-kingdom/drug-
laws-and-drug-law-offences_en
29http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/mundo/2018/06/24/interna_mundo
, 755749/uruguai-legalizou-maconha-e-elevou-penas-para-trafico-de-outras-drogas.shtml
25