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Alfabetização I
Alfabetização I
Alfabetização I
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Tuiuti do Paraná (1993) e Mestrado em Administração pela
Universidade Federal de Santa Catarina (2001). Foi aluna especial do Programa de Doutorado em Marketing Global,
FEA/USP. Aluna do Programa de Doutoramento da European University (Lisboa/Portugal).
Atualmente, é professora adjunta e coordenadora do Curso de Pedagogia da Universidade Paulista. Tem experiência
na área de Educação, Administração e Marketing. Atua com os seguintes temas: Alfabetização, Leitura e Escrita,
Magistério Superior, Administração e Marketing de Produtos.
Aluna ouvinte do Mestrado de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento pela Universidade de São Paulo – USP.
Formada no curso de Extensão Universitária – O socioconstrutivismo: planejamento e Analisando a sala de aula
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC). Pós-graduada, lato sensu, em Educação a Distância pela
Universidade Paulista (UNIP). Formou-se em Pedagogia pela Faculdade Teresa Martin (Pinheirense).
É professora do curso de Pedagogia EAD da Universidade Paulista (UNIP). Acumula, ainda, outras atividades.
Atualmente, é professora convidada da Escola Paulista de Negócios UMC, no curso de pós-graduação de Didática e
Metodologia do Ensino Superior. Coordena o setor de Estágio Supervisionado de Educação a Distância da Universidade
Paulista (UNIP). Também é concursada pela prefeitura de São Paulo, onde ministra aulas como professora de Educação
Infantil.
CDU 37.01
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Janandréa do Espírito Santo
Amanda Casale
Sumário
Alfabetização e Letramento
Apresentação.......................................................................................................................................................7
Introdução............................................................................................................................................................7
Unidade I
1 O pensamento dos principais representantes do socioconstrutivismo...............9
1.1 Perspectiva histórica...............................................................................................................................9
1.2 Leitura e escrita...................................................................................................................................... 18
1.3 Jean Piaget............................................................................................................................................... 20
1.4 Descobertas feitas a partir das ideias de Piaget....................................................................... 27
1.4.1 O desenvolvimento nas demais idades........................................................................................... 27
2 A Epistemologia genética...................................................................................................................... 29
2.1 Os esquemas............................................................................................................................................ 29
2.2 Síntese do pensamento piagetiano............................................................................................... 31
3 Lev Semënovic ˇ Vygotsky......................................................................................................................... 32
4 Emília Ferreiro............................................................................................................................................. 34
4.1 Concepções que a criança possui e os níveis conceituais linguísticos........................... 37
4.1.1 As fases da escrita infantil................................................................................................................... 37
4.1.2 Níveis conceituais linguísticos........................................................................................................... 37
Unidade II
5 ler e escrever é mais que codificar e decodificar textos ............................................ 49
5.1 O fim das cartilhas em sala de aula............................................................................................... 49
5.2 A concepção piagetiana de criança............................................................................................... 57
5.3 Comunicação e linguagem................................................................................................................ 61
5.4 Sondagem da escrita infantil ......................................................................................................... 64
5.5 Ao desenhar, a criança escreve........................................................................................................ 65
5.6 Concepções que a criança adquire sobre os símbolos linguísticos antes da
alfabetização................................................................................................................................................... 68
6 A novidade na alfabetização com Emilia Ferreiro..............................................................71
6.1 A linguagem escrita............................................................................................................................. 76
6.2 Textos e Jogos......................................................................................................................................... 76
Unidade III
Caro aluno,
Vamos ver isso através de textos explicativos sobre a importância do estudo e aprofundamento das
questões do mundo letrado, vamos também aproveitar para fazer um comparativo entre o que aconteceu
em outros tempos e o que acontece hoje com as questões de alfabetização. Esse percurso histórico o
auxiliará a compreender e estabelecer reflexões sobre este livro e sobre o seu processo de alfabetização.
Temos como objetivo que você, aluno, elabore, execute e avalie os planos de ação pedagógica
que expressem o processo de planejamento desenvolvido na área do conhecimento. Também é muito
importante que se saiba incorporar as ações pedagógicas à diversidade cultural, tema comum hoje em
sala de aula e que deve ter o seu lugar de importância reconhecido e trabalhado neste ambiente.
E como não podia deixar de ser, analisar as recentes contribuições das teorias educacionais para a
aquisição da língua escrita.
Introdução
Esta disciplina caracteriza-se por ser prática e por mostrar casos vividos em sala de aula. Também
vamos apresentar comentários de professores e suas práticas no contexto educacional brasileiro.
Você participará de uma vivência que poderá possibilitar o resgate dos conceitos aprendidos em sua
infância e que você hoje utiliza como passaporte para o entendimento do pensamento infantil. Além
disso, assumirá responsabilidades e presenciará as emoções do processo de ensinar uma criança a ler e
a escrever, utilizando o código como função social.
Este material apresentará a teoria que fundamenta o conceito de construtivismo, com seus aspectos
metodológicos e as habilidades requeridas para o processo de aprendizagem do código escrito, além das
descobertas da psicogênese da língua escrita efetuadas por Emilia Ferreiro.
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Unidade I
Este livro é composto por três unidades. Na primeira, temos a introdução aos conceitos com que vamos
trabalhar. Na unidade I, serão apresentados os diferentes enfoques no estudo da alfabetização. Na unidade II,
apresentamos as conquistas das crianças de seis anos e o trabalho com a área do conhecimento. Damos
especial atenção ao conceito de Letramento e sua relação com o conceito de Alfabetização. Na unidade III,
você encontrará uma breve explanação sobre os conteúdos trabalhados em Língua Portuguesa do 1º ao 5º ano
do Ensino Fundamental I.
Esse livro foi elaborado para mostrar a você casos vividos em sala de aula, além de comentários de professores,
corriqueiros no contexto educacional. Você resgatará e utilizará esses conceitos para entender o pensamento
infantil, além de compreender o processo para ensinar uma criança a ler e escrever como função social.
Vamos apresentar para você, aluno, um pouco sobre a teoria que fundamentou o conceito de
construtivismo, com seus aspectos metodológicos e as habilidades requeridas para o processo de
aprendizagem do código escrito, as descobertas da psicogênese da língua escrita efetuadas por Emilia
Ferreiro e os diferentes enfoques no estudo da alfabetização.
O objetivo específico, neste caso, é que o aluno adquira conhecimento sobre como:
Por fim, esperamos que você consiga comparar algumas experiências vividas em sala de aula com
comentários de professores. No contexto abordado, fizemos uma relação entre a teoria e a situação real.
Você irá aprender um pouco mais sobre a realidade escolar na unidade III, com o resgate de conceitos
aprendidos e os conteúdos do processo de ler e escrever, utilizando o código como função social. Nesta
mesma unidade, você irá ler um texto sobre as pesquisas que fundamentam a ideia de letramento
e também aprender a relação do conceito de alfabetização e os conteúdos trabalhados em língua
portuguesa do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental I.
Agora, você aprenderá como alfabetizar usando as situações diárias de escrita como aliadas na arte
de ensinar a ler e escrever.
• elaborar, executar e avaliar planos de ação pedagógica que expressem o processo de planejamento
desenvolvido na área do conhecimento;
• desenvolver metodologias e materiais pedagógicos adequados às diferentes práticas
educativas.
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Alfabetização e Letramento
Unidade I
1 O pensamento dos principais representantes do
socioconstrutivismo
Foi na antiga Mesopotâmia que a escrita foi criada e elaborada. Por volta de 3500 a.C., os sumérios
desenvolveram uma escrita cuneiforme. Apenas para relembrar, a Mesopotâmia fica entre os rios
Eufrates e Tigre, onde hoje está a cidade de Bagdá, capital do Iraque. Cuneiforme significa em forma de
cunha, ou em outras palavras, na forma de pequenos triângulos. Os sumérios usavam placas de barro,
onde cunhavam esta escrita. Hoje, conseguimos, com o auxílio de computadores, decifrar o que eles
escreviam.
Já naquela época, a escrita era usada para narrar fatos cotidianos, enviar cartas para outras pessoas,
escrever contratos, editar leis, além do registro da própria história. Acredita-se que a escrita dos
sumérios teria influenciado a criação de outras formas de escrever, tanto no Egito quanto na Pérsia. Na
Mesopotâmia, talvez por uma questão de facilidade tecnológica, o material que servia para se escrever
era pequenas placas de barro. Escrevia-se enquanto o barro estava úmido e, depois de seco, era enviado
aos seus destinatários. Isto facilitou sua conservação, razão pela qual encontramos milhares destas
placas até hoje em escavações arqueológicas.
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Unidade I
No nosso caso, é interessante notarmos que as primeiras formas de escrita eram representações
gráficas, tais como os desenhos que as crianças modernas acabam criando quando estão aprendendo
a narrar. Portanto, esta representação era limitada e os escribas abandonaram o sistema pictográfico.
Assim, os sumérios foram desenvolvendo valores fixos, figuras que significavam alguma coisa e deviam
ser gravadas sempre da mesma forma. Hoje, sabemos que eles acabaram por desenvolver uma escrita
com aproximadamente seiscentos signos, da mesma forma que hoje utilizamos as letras do alfabeto.
Com isso, os sumérios conseguiram evoluir para o mesmo estágio que temos hoje na escrita da nossa
língua: eles criaram a fonetização. Fonetização é o uso de signos representativos de uma palavra para
representar outra palavra.
Vamos estudar mais a fonetização nas unidades seguintes, mas, por ora, vamos a um exemplo bastante
simples: quando aprendemos a formação dos fonemas, muitas vezes somos obrigados a decorar que a
letra C e a letra A formam o fonema CA. Da mesma forma, S e A formam SA. Depois, se evolui para o
aprendizado da representação de figuras, e o desenho de uma casa evolui para a redundância da palavra
CASA. Como estamos aprendendo a linguagem oral sempre antes de aprendermos a grafia, o segundo
sentido desta palavra CASA, por exemplo, em Papai casa com mamãe é percebido, antes mesmo que nos
demos conta que eventualmente a palavra CASA seja responsável pela ideia de casamento.
Saiba mais
<www.cipedya.com/web/FileDownload.aspx?IDFile=154152>
10
Alfabetização e Letramento
Saiba mais
Caso você ainda não tenha entendido, veja, no endereço abaixo, uma
introdução aos silabários japoneses. Você vai ver o que estamos tentando
explicar. Os japoneses ainda utilizam uma escrita pictórica, mas transformam
os ideogramas em fonemas.
<http://www3.nhk.or.jp/lesson/portuguese/syllabary/index.html>
Os egípcios antigos desenvolveram sua escrita um pouco depois que os sumérios. Todas as construções
egípcias tinham palavras gravadas: nas paredes, dentro das pirâmides, existem textos que contam a
vida dos faraós. Também nesta civilização, foram utilizados papiros, uma espécie de papel mais fácil
de guardar e de transportar do que as placas de barro dos sumérios. A fabricação do papiro era muito
semelhante à fabricação do papel moderno, porém, o papiro era fabricado com a planta do mesmo
nome, que crescia originariamente na beira do Rio Nilo. Não apenas os egípcios utilizaram o papiro,
como também os gregos e os antigos romanos.
Atribui-se a invenção do papel aos chineses, por volta do ano 150 a.C. O segredo da fabricação
do papel acabou se espalhando pelo Japão, Coreia e Índia e, através dos muçulmanos, acabou
chegando à Europa, por volta do século VIII, em plena Idade Média.
11
Unidade I
Durante o império de Carlos Magno, justamente no século VIII, um monge e pedagogo inglês
chamado Alcuino de York inventou uma nova maneira de escrever: a diferença entre as letras maiúsculas
e minúsculas. Durante sete séculos, a grafia desenvolvida por ele foi a forma padrão de se escrever.
Lembramos aqui que, naquela época, todos os documentos ainda eram escritos em latim, mesmo depois
de quinhentos anos do fim do Império Romano.
Com o passar do tempo, esta forma de escrita também passou por modificações. Ludovico Vicentino
Degli Arrighi, um calígrafo que trabalhou para o Papa em Roma, criou uma nova forma de escrever,
inspirada nos manuscritos de então. Esta forma permitiu que ele criasse um caderno de caligrafia em
1522, além de tipos para imprensa que, mais tarde, foram chamados de itálicos. Até hoje, a letra cursiva ou
manuscrita é influenciada pelo seu trabalho. Além disso, surgiu uma infinidade de tipos que são utilizados
inclusive nos computadores e programas de edição de texto atuais.
Saiba mais
Vale a pena ler O menino que aprendeu a ver, pois o livro encanta em
cada virada de página. É uma imperdível história de Ruth Rocha, que aborda
aspectos pedagógicos relacionados à aprendizagem da leitura e da escrita
infantil. Este material serve de reflexão para quando você estiver diante de
uma criança em situação de aprendizagem.
Atualmente, não temos mais dúvidas de como escrever, apesar de sabermos que toda língua é viva
e sofre modificações com o tempo. Nos últimos anos, as discussões sobre o conhecimento das crianças
têm se multiplicado. As críticas da sociedade em relação ao que é ensinado na alfabetização das crianças
estão presentes, principalmente quando muitos jovens não conseguem se expressar por meio de um
texto escrito ou entender uma escrita quando leem.
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Alfabetização e Letramento
Muitas empresas têm dificuldade em seus processos seletivos por não encontrarem pessoas que
apresentem habilidades de leitura e escrita. Estudiosos, principalmente de outras áreas profissionais,
têm criticado ou mesmo buscado culpados para a dificuldade do país, já que a 9ª economia do mundo
está em 71º lugar em desempenho escolar, numa lista de 121 países, segundo a Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – Unesco (cf. Ribeiro, 2009).
A Unesco aponta o Brasil como um dos doze países que concentram um grande número de pessoas
com idade acima de quinze anos que não sabem ler nem escrever. Isto significa que, ao todo, 75% das
pessoas que moram no Brasil têm dificuldades em ler e escrever. A Unesco denuncia que o país tem
1,9% dos analfabetos do planeta. Responsabilizar este ou aquele governo, ou pôr a culpa na história,
não ajuda em nada a resolver o problema. Precisamos encontrar formas de solucionar este problema
e atingir a tão almejada qualidade de ensino. Portanto, é preciso lembrar que a educação é construída
pela sociedade, em um contexto sociopolítico, econômico, histórico e cultural.
Devemos lembrar que as barreiras cognitivas podem vir a impedir o avanço dos grupos sociais das
camadas mais pobres da população. A linguagem falada pode ser uma barreira, hoje muito discutida
entre nós, de aquisição da cidadania plena do cidadão.
Por outro lado, a linguagem escrita é uma necessidade para que a cidadania plena venha ser exercida.
Lembramos aqui que, cada vez mais, existe a necessidade da aquisição da leitura e da escrita para que a
pessoa se aproprie da utilização plena dos computadores e dos telefones celulares.
Quando um cidadão não consegue entender o código escrito de sua língua, ele tem nitidamente
maiores dificuldades de socialização, pois se sente constrangido e muitas vezes não se vê como parte
daquele contexto por conta desta falta de entendimento da leitura. Atualmente, quase tudo tem uma
boa parcela de tecnologia e, para acessá-la, é necessário ler e só então se consegue executar o que é
pedido. Assim, como um cidadão que não domina o código de leitura escrita vai ter acessibilidade a
todos os campos da sociedade se encontrar sempre em sua frente uma ferramenta da tecnologia que
ele, ao menos, saberá ler para dizer que não consegue seguir aquele comando?
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Unidade I
Por outro lado, a população brasileira se modificou muito desde o século passado. A população
passou a ter menos filhos (ibidem, p. 11), viver mais tempo, e também a se miscigenar. Cada vez mais,
existem brasileiros que admitem não pertencer a nenhuma raça, mas serem fruto de uniões inter-raciais.
Vejamos o que perceberam os autores:
Neste sentido, com uma população se modificando e, nos últimos dez anos, também se tornando
mais rica e incluída nos segmentos de consumo, precisamos pensar nos recortes contextuais.
Vamos relembrar um pouco o que são estes recortes contextuais: o contexto sociopolítico é a
realidade social, espelhada pela qualidade de vida que uma população usufrui dentro de um determinado
sistema político. Em outras palavras, se vivemos dentro de uma democracia e podemos eleger nossos
governantes, estes políticos são responsáveis por zelar pela qualidade de vida da população. O contexto
econômico é a realidade de produção e bem-estar das pessoas. O contexto histórico é as dificuldades
ou facilidades com que o tempo permite que uma população tenha acesso a determinadas coisas. Por
exemplo, hoje, todos nós temos acesso à internet. Há quarenta anos, no Brasil, um telefone custava mais
caro do que um computador atualmente. Também antigamente, muitas cidades com uma população
pequena jogavam o lixo no mar ou no rio e as águas davam conta de decompor este lixo. Hoje, com
a quantidade de gente e de consumo das populações, estamos poluindo as águas. O contexto cultural
também determina mudanças muito fortes. No passado, era comum que uma família tivesse muitos
filhos e era esperado que alguns desses filhos morressem porque não havia remédios que curassem a
maioria das doenças. Hoje, fazemos de tudo para mantermos os filhos vivos e bem cuidados e, portanto,
há uma grande preferência dos casais por poucos filhos.
Vamos falar da alfabetização dentro do contexto atual. Nesse contexto, você aprenderá um pouco
sobre a alfabetização com um recorte dessa realidade. Recorte da realidade é quando escolhemos
apenas alguns elementos que são importantes para a compreensão daquilo que estamos falando. Vamos
ver também os instrumentos reconhecidamente fundamentais para a inserção da criança na cultura
letrada da sociedade. Alguns questionamentos induzem à reflexão sobre a realidade educacional da
alfabetização dos brasileiros. Estas questões dizem respeito aos conhecimentos que adquiriram em sua
atuação na sociedade, e também sobre a forma como as pessoas utilizam esses conhecimentos para
reforçar o que existe ou transformar a educação, de forma a proporcionar melhores condições de vida
para todos.
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Unidade I
Observação
Quando alfabetizamos as crianças, acabamos por nos deparar com situações inusitadas. Algumas
crianças copiam textos com uma letra muito bonita, mas não conseguem ler o que escrevem. Muitas
leem, mas não conseguem escrever. Há, ainda, as que recitam as letras de A a Z, mas não conseguem ler
nem escrever. Talvez o maior problema, cada vez mais identificado, é que, mesmo depois de alfabetizadas,
a maioria das pessoas não consegue compreender o que está escrito no texto.
Muitos equívocos são cometidos durante os anos iniciais da criança na escola. Um deles é pressupor
que a aprendizagem se dá ao mesmo tempo e da mesma forma para todas as crianças. O fato de o
professor ensinar, apresentar estratégias modernas, atividades recreativas de conteúdos, com certeza,
não significa que o aluno aprenderá. O professor tem um papel considerável na alfabetização, mas não é
o único. A criança traz consigo experiências, formas de pensar e hipóteses sobre a realidade. Não é uma
pessoa vazia que espera que coloquemos nossas impressões e pensamentos em sua mente. A criança
tem uma história: está inserida dentro de um contexto social e familiar de onde ela traz para sala de
aula suas impressões e suas experiências vivenciadas com essa família e com tudo o que está fora dos
muros da escola. Sendo assim, cabe ao professor refletir cotidianamente sobre quem são os seus alunos
e o que para eles é, de fato, importante e faz sentido.
Observação
O professor não pode parar de ser um pesquisador. Ele precisa estudar o seu aluno, buscar saber
como a criança pensa e apreende os conhecimentos que sua realidade traz, para que possa atuar nesse
contexto. Não há receitas prontas, fórmulas de sucesso a serem transplantadas em uma realidade
multifacetada, rica e diversa da outra, com pessoas distintas e diferentes. Mas sabemos que um professor
que reflete diariamente sobre a sua prática percebe que os seus alunos são seres heterogêneos e que,
acima de tudo, seres sociais, seres históricos que trazem uma “bagagem” que deve ser estudada e levada
em conta. Esses professores terão a possibilidade de maior sucesso no seu trabalho com os alunos, além
de uma percepção maior para ajudar aqueles que têm dificuldades nas suas construções.
16
Alfabetização e Letramento
Aprender a ler e a escrever significa adquirir uma tecnologia: a de codificar em língua escrita
(escrever) e de decodificar a língua escrita (ler). Porém, somente adquirir não é o suficiente, é necessário
se apropriar dela. Isto significa fazer uso das práticas sociais de leitura e de escrita, articulando-as ou
dissociando-as das práticas de interação oral, dependendo de cada situação vivida. Dito de outra forma,
não basta uma criança saber ler as palavras, ela precisa entender o contexto na qual elas estão escritas.
Isso quer dizer que não basta uma criança ser alfabetizada, ela precisa se tornar letrada, precisa saber
dar significado àquela palavra que lê.
Lembrete
A escola precisa considerar a língua como um processo de interação entre os sujeitos construtores
de sentidos e significados. Entender que os sentidos e significados se constituem segundo as relações
que cada um mantém com a língua, com o tema sobre o qual fala ou escreve, ouve ou vê, com seus
conhecimentos prévios, atitudes e conceitos, segundo a situação específica em que interagem e o
contexto social em que ocorre a tal comunicação. Portanto, são muitas as operações que uma pessoa
faz para poder entender tanto o que está sendo dito, quanto o que está escrito.
Você, quando ensinar, precisará saber: para quem é o seu discurso pedagógico? Ensinar: o que? Por
quê? Para quem? Onde?
Figura 6 – O aprendente
17
Unidade I
Se você não responder a essas perguntas considerando quem é o aprendente, a criança que aprende,
para que aprende, como aprende e onde está no momento em que aprende (contexto), provavelmente,
você depare com a situação do diálogo a seguir.
– Mais ou menos.
– Por quê?
– Eu já sei tudo o que a professora ensina. Então eu finjo que não sei, ela
pensa que me ensina e fica feliz.
Por outro lado, sabemos que cada população numa região geográfica acaba desenvolvendo
uma forma própria de falar. Por exemplo, em São Paulo, quando usamos a expressão “A Fiel”,
sabemos que está se falando da torcida do Corinthians. Em Porto Alegre, se estamos sentados à
mesa e dizemos “passa a faca, por favor.” os gaúchos riem e perguntam “quer que eu passe a faca
onde?” A expressão que eles usam é: “Me alcance a faca, por favor.” Portanto, é preciso considerar
a interação pedagógica. Essa questão implica saber que a criança imagina, pensa e antecipa
informações. Você precisa saber quem é a criança com quem você fala. Precisa sentir e avaliar o
que ela pensa a respeito do mundo, entender que imagens fazem parte do contexto estabelecido
entre o professor e o aluno.
Cócco e Hailer (1996) descrevem a leitura e a escrita como instrumentos básicos de ingresso
e participação do cidadão na sociedade letrada. Isto quer dizer que a leitura e a escrita exercem
função social. São ferramentas facilitadoras da compreensão e realização da comunicação do
homem na sociedade contemporânea. É a chave para a apropriação dos saberes conquistados pela
humanidade.
18
Alfabetização e Letramento
Conforme a declaração da Unesco, de 1958 (apud Ribeiro, 2006), uma pessoa sabe ler e
escrever quando consegue ler ou escrever compreensivamente um pequeno texto relacionado à
sua vida diária. Tempos depois, a Unesco adotou outra definição, mais funcional; uma pessoa sabe
ler e escrever quando o sabe o suficiente para inserir-se em seu meio e quando seu desempenho
envolve tarefas de leitura, escrita e cálculo.
Isabel Cristina Alves da Silva Frade (2003), mestre e doutora em Educação pela UFMG,
relata como a concepção do ensino das primeiras letras tem se modificado ao longo dos
tempos. Ela ressalta que não é suficiente decifrar o código linguístico, mas que é fundamental
ter habilidades que possibilitam os saberes envolvidos no ler e escrever, além de participar
dos benefícios envolvidos na cultura escrita e construir atitudes e representações dessa
participação. Em outras palavras, quando uma pessoa consegue saber decifrar o que está
escrito e sabe responder a isso.
Observação
Pense um pouco...
O(a) alfabetizador(a):
Alguns pesquisadores e estudiosos ajudaram a compreender não só como a criança pensa, mas
como o seu pensamento se desenvolve na aprendizagem da leitura e da escrita. Agora, você irá conhecer
um pouquinho de cada um.
19
Unidade I
Jean Piaget nasceu em Neuchâtel, Suíça, em 1896. Começou os seus estudos em uma época em
que Deus era identificado com a vida e a biologia, tida como a ciência da vida. Sendo assim, a religião
era a ciência que explicaria todas as coisas. Piaget estudou biologia, psicologia, filosofia, áreas que lhe
deram o suporte necessário para a formulação de sua teoria: a epistemologia genética. Seu problema de
pesquisa, no qual fundamentou sua tese era: quando é que uma criança passa de um estágio menor de
conhecimento para um estágio maior de conhecimento? Ou seja, quando ela avança no conhecimento?
Para buscar as respostas, propôs uma perspectiva construtivista: o sujeito aprende por meio da ação.
Tudo passa a girar em torno do equilíbrio – o conceito-chave de sua teoria. Neste sentido, o ser humano
busca constantemente o equilíbrio em sua vida por meio de dois fatores básicos: assimilação (aceitar a
novidade) e acomodação (transformar a informação em conhecimento).
Os quadros teóricos resultantes de cada fase de pesquisa são muito diferentes uns dos outros, o que
muitos autores classificam como fases muito diferentes de Piaget.
20
Alfabetização e Letramento
Piaget queria observar o que ele chamou de “convicção espontânea” e, para tanto, costumava fazer,
aos filhos, perguntas que não eram esperadas nem previstas. Em seus estudos, ele percebeu que havia
uma progressão gradual de respostas intuitivas que eram aceitáveis tanto científica quanto socialmente.
Piaget teorizou que as crianças faziam isso por causa da interação social, respondendo ao desafio vivido
pelas crianças menores, pelas ideias das crianças que estavam mais avançadas. Por este trabalho, Piaget
recebeu um título de doutorado honoris causa de Harvard em 1936.
Saiba mais
<http://tvescola.mec.gov.br/index.php?item_id=7031&option=com_
zoo&view=item>.
A adaptação tem duas partes: a assimilação e a acomodação. Para testar sua teoria, Piaget observou
os hábitos dos seus próprios filhos. Ele argumentou que as crianças estavam se envolvendo em um ato
de assimilação quando chupavam tudo ao seu alcance. Ele alegou que os bebês transformam todas as
coisas em um objeto a ser sugado. As crianças vão assimilando os objetos dessa forma, até que estejam
em conformidade com as suas próprias estruturas mentais. Piaget, em seguida, supôs que sempre que
alguém transforma a compreensão do mundo para atender às necessidades individuais ou concepções,
está, de certa forma, assimilando-o. Piaget também observou que seus filhos não só assimilavam objetos
para atender suas necessidades, mas também para modificar algumas de suas estruturas mentais a
fim de atender às demandas do ambiente. Esta é a segunda divisão de adaptação conhecida como
acomodação.
Para começar, as crianças só se engajam em ações reflexas primárias como a sucção, mas, logo
depois, eles pegam objetos reais e para colocá-los em suas bocas. Quando fazem isso, eles modificam sua
resposta reflexa (espontânea) para acomodar os objetos externos às suas ações reflexas. Como as duas
coisas muitas vezes entram em conflito, elas fornecem o impulso para o desenvolvimento intelectual.
A constante necessidade de equilibrar as duas posições mentais desencadeia o crescimento intelectual.
Ou, em outras palavras, quando uma criança experimenta alguma coisa, ela primeiro faz aquilo que
nasceu sabendo: a sucção com a boca para se alimentar. Depois, ela experimenta esta mesma ação com
todos os objetos para ver como ela vai se relacionar com os demais objetos. Cada vez que o objeto não
21
Unidade I
responde como o seio da mãe, ou tem uma textura específica, ela cria uma nova relação mental com
aquele objeto, para poder catalogá-lo. Isto cria o crescimento intelectual.
Na quarta fase, Piaget estudou o pensamento figurativo. Ele pesquisou áreas da inteligência,
como a percepção e memória, que não são inteiramente lógicas. Conceitos lógicos são descritos
como sendo conceitos completamente reversíveis, porque eles sempre podem ser reduzidos de
volta para o ponto de partida. Piaget percebeu que os conceitos criados a partir da percepção
não podem ser manipulados. Para descrever o processo figurativo, Piaget usou as imagens como
exemplos. As imagens não podem ser desmembradas porque seus contornos não podem ser
separados das formas que elas apresentam. A memória funciona da mesma maneira. Ela nunca é
completamente reversível. Durante este último período de trabalho, Piaget, juntamente com seu
parceiro, Inhelder, publicou livros sobre a percepção, a memória e outros processos figurativos,
tais como a aprendizagem.
Ele acreditava que podia encontrar as respostas para as questões epistemológicas do seu tempo ou,
pelo menos, uma proposição mais correta, se alguém pesquisasse o aspecto genético das mesmas; daí
a razão para suas experiências com crianças e adolescentes. Piaget considerava o desenvolvimento de
estruturas cognitivas como a possibilidade de fazer uma diferenciação dos regulamentos biológicos.
Isto quer dizer que, à medida que podemos fazer a construção dessas estruturas cognitivas, podemos
também desenvolver a inteligência e o conhecimento.
• reflexos simples;
• hábitos iniciais e reações circulares primárias;
• reações circulares secundárias;
• coordenação das reações circulares secundárias;
• reações circulares terciárias, que incluem a percepção da novidade e da curiosidade;
• internalização de esquemas.
Os reflexos simples acontecem desde o nascimento até o primeiro mês. Até este momento, as
crianças usam seus reflexos naturais (ou inatos, que existem desde o nascimento) como a sucção. O
bebê relaciona-se com o mundo através dos seus sentidos e da ação. Os reflexos inatos compõem um
repertório mínimo de condutas, que são suficientes para assegurar sua sobrevivência. O comportamento
é organizado por uma série de condutas reflexivas, que entram em ação quando são estimuladas. Por
exemplo, todo objeto novo que a criança encontra, ela põe na boca e começa a sugar. Com isso, ela está
descobrindo se aquele objeto novo também proporciona alimento. Ao mesmo tempo, a sucção fornece
um padrão de comparação entre o novo objeto e o seio da mãe. Este subestágio é caracterizado pela
repetição dos esquemas motores inatos, ou, em outras palavras, da repetição dos comportamentos de
movimento com os quais nascemos.
A assimilação tem três aspectos, que são: a repetição, a generalização e o reconhecimento. A repetição
é a assimilação funcional que acontece quando o bebê é estimulado. O exemplo mais importante é que
a criança sempre suga o seio da mãe quando encostado em sua boca. A generalização acontece quando
novos objetos são trazidos à sua boca: o bebê suga fraldas, chupetas, bicos de mamadeira, brinquedos
e assim por diante. Por fim, surge o reconhecimento, à medida que o bebê percebe cada objeto tem
características diferentes. Dessa forma, podemos dizer que o indivíduo reconhece o objeto quando
diferencia coisas que pode chupar e que alimentam, das coisas que ele chupa e não alimentam.
23
Unidade I
As reações circulares primárias acontecem entre o primeiro e o quarto mês de vida, período
do segundo subestágio de desenvolvimento. Neste período, os bebês aprendem a coordenar suas
sensações com seus movimentos. Desta forma, ele começa a adquirir hábitos próprios. O motivo de
darmos o nome a estas reações como sendo reações circulares é porque existe um mecanismo que
chamamos de contágio condutual. Esta expressão significa que a conduta, ou comportamento,
é estimulado por um contágio, ou seja, por uma interação que é induzida externamente. Mesmo
que um estímulo aconteça por acaso da primeira vez, a repetição deste estímulo acaba por ensinar
ao bebê uma forma de comportamento como resposta a este estímulo. Então, neste período dos
quatro meses, os bebês aprendem a criar seus hábitos e a desenvolver a interação através das
reações circulares.
No terceiro subestágio, entre os quatro e oito meses de idade, a criança só consegue imitar o adulto
se o comportamento que ela deve imitar já existe no seu repertório. As ações que ela pode reproduzir
são aquelas já contidas no seu repertório, fruto da sua própria experimentação com seu próprio corpo.
Então, um bebê consegue reproduzir um fonema dito por um adulto, se este fonema for primeiro dito
por ela mesma. O movimento que acontece é que a criança produz um som, o adulto imita este som,
a criança percebe (ou assimila) que o som é o mesmo, ou parecido, e então repete também o mesmo
som. À medida que a própria criança experimenta fazer sons diferentes e estes sons são imitados pelos
adultos, ela ouve e associa estes sons e assim consegue expandir seu repertório.
Nesta terceira etapa, que ocorre entre o quarto e o oitavo mês de vida, o bebê descobre as coisas
que existem além do seu próprio corpo. Eles se tornam conscientes de que as coisas existem e, neste
sentido, começam a desenvolver as reações circulares secundárias. As crianças se tornam conscientes
das suas ações e condutas; mesmo que elas comecem a fazer alguma coisa por acaso, como balançar
um chocalho, elas continuam a balançar este chocalho pela satisfação de conseguir produzir um som
novo, que não é produzido por seu corpo.
Surge, então, o momento da criança promover a coordenação das reações circulares secundárias,
entre o oitavo e o décimo segundo mês de vida. Ao longo deste subestágio, elas começam a fazer
as coisas intencionalmente. As crianças começam a combinar e recombinar os esquemas para tentar
alcançar um objetivo. É neste estágio que elas começam a aprender a usar os martelinhos e a bater. Elas
também passam a entender o que é a permanência do objeto. Em outras palavras, elas aprendem que,
mesmo quando elas não estão olhando, o objeto continua existindo.
24
Alfabetização e Letramento
Neste quarto subestágio é quando mais percebemos as interações dos bebês com os adultos. As
crianças começam a exibir sinais de intencionalidade de suas ações. Ela começa a prestar atenção no
que acontece a sua volta. Sua coordenação passa a exibir uma intencionalidade e as reações passam
a se coordenar em função de metas não imediatas. Por exemplo, ela começa a mostrar a língua. Além
disso, a criança passa a perceber como alcançar os resultados com suas ações. Apesar do bebê ainda não
ter a coordenação necessária para reproduzir regularmente todos os seus movimentos, ele consegue
aprender a bater palmas, também a coordenar o piscar dos olhos com abrir e fechar as mãos.
A quinta etapa ou subestágio ocorre a partir dos 12 meses de idade e segue até os dezoito meses.
Neste estágio, as crianças exploram as novas possibilidades de lidar com os objetos e começam a tentar
fazer coisas diferentes com os objetos conhecidos para tentar obter resultados diferentes. É o momento
das reações circulares terciárias, quando a assimilação deixa de ser apenas uma repetição, porque os
esquemas sensório-motores são integrados por vários elementos variáveis à medida que as condições
das ações de repetição são modificadas.
A criança já sabe que, dependendo da força com que ela joga um brinquedo longe, a distância
entre ela e o brinquedo será diferente. Assim, a intenção começa a se tornar importante. Por causa da
intencionalidade, a criança passa a ensaiar todos os comportamentos, para conseguir fixar, através da
repetição, a forma correta de fazer um movimento. Neste momento, podemos perceber que a criança
está utilizando sua inteligência para fazer as coisas. Ela passa a utilizar um objeto comprido, como uma
pazinha, para alcançar um objeto mais distante. Ela tenta passar um brinquedo pela grade do cercado e
gira o brinquedo na intenção de conseguir fazer passar pelas grades.
Ela já sabe que, se a bola que ela estava usando rolou para debaixo da mesa, ela deve procurá-la por
ali e não em outro lugar. Mas caso a bola não esteja onde ela imaginou, ela ainda não sabe olhar em volta
para identificar se não está por perto em outro lugar. Ela só percebe e entende aquilo que ela pode ver.
O último subestágio vai dos dezoito aos vinte e quatro meses de idade, ou seja, até entre um ano e
meio e dois anos. Nesta fase, surgem evidências do pensamento simbólico. Começam as invenções de
novos esquemas a partir das combinações e experiências que as crianças fazem. Mas também surgem
invenções a partir de formas de representação.
As representações permitem que a criança opere num nível simbólico. Isto ocorre por causa
da seguinte evolução: os esquemas servem para que as crianças aprendam a lidar com os objetos.
25
Unidade I
Aprendendo a utilizar os objetos, a criança aprende que existe um mundo para além de si, e de
seu próprio corpo. Ela aprende o que pode ser feito com os objetos até mesmo como extensão de
seu próprio corpo.
Com a combinação dos esquemas, a criança vai elaborando o seu conhecimento dos próprios objetos
e das relações espaciais e causais que a colocam em contato com os objetos, além dos acontecimentos
com as outras pessoas. Isto, de alguma forma, requer uma reflexão prévia, um raciocínio. A criança
aprende a subir nas coisas para alcançar objetos que estão no alto, empurrar carrinhos na curva e
guardá-los em caixas. É também neste período que ela aprende a falar. A aquisição da linguagem
transforma as relações da criança com os adultos e com o mundo exterior.
Assim, o sistema de reações circulares permanece atuando e, de certa forma, podemos afirmar que
se mantém como o principal sistema de aprendizado do ser humano. Isto significa que aprendemos
a falar repetindo o que ouvimos. Significa também que damos o sentido àquelas palavras aquilo que
conseguimos entender que significam. Porém, a evolução e o desenvolvimento intelectual passam a
perceber coisas que são condicionais: as crianças podem brincar com uma caixa como se fosse uma
casinha, podem fingir que estão andando de motocicleta ou dirigindo um automóvel. É a fase do faz de
conta. Isto acontece por causa da evolução da inteligência sensório-motora, designando significantes a
símbolos e, posteriormente significados.
Os símbolos nascem dos próprios objetos. Assim como uma mão é uma mão, um copo é um copo, a
percepção da representação de uma mão ou de um copo é entendida pela criança. Não é por acaso que
as escritas antigas começaram como coleções de desenhos. Os símbolos passaram a ter determinados
sentidos significantes, decorrentes das reações circulares que todas as pessoas adultas tinham ao lidar
com estes objetos.
À medida que a criança imita os comportamentos adultos, os significantes são determinados por
práticas sociais que são adotadas apenas por convenção (por exemplo, não cuspir no chão) e, portanto,
são diferidas; ou, por então, são internalizadas.
Os significantes surgem por causa das práticas sociais das quais o indivíduo se apropria através da
imitação: isto acontece através de comportamentos diferidos (adiados) ou internalizados (manejo de
imagens mentais). A diferença entre um comportamento diferido e um comportamento internalizado
é que o comportamento diferido faz com que você faça alguma coisa por imitação sem saber por que
motivo. Por exemplo, quando você lava as mãos antes de comer sem saber por que tem de lavar as mãos.
No comportamento internalizado, você sabe que tem de lavar as mãos, porque as mãos sujas podem
levar bactérias para dentro do seu corpo.
Os significados surgem quando conseguimos atribuir valores qualitativos tanto aos objetos quanto
às ações. À medida que atribuímos valores às reações circulares e percebemos que o mesmo gesto tem
resultados diferentes em situações diferentes, criamos os significados.
No estágio inicial de aprendizado sobre si mesmo e sobre o mundo, a criança faz o movimento
de assimilação e depois, acomodação. Por exemplo, uma bola serve para rolar e pode ser jogada. Se
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Alfabetização e Letramento
exercitarmos nosso braço com a bola, ela vai voar e depois rolar até parar. Isto vai nos dizer quanto de
força precisamos para jogar a bola a uma determinada distância. Quando a criança aprende o significado,
ela vai perceber que jogar a bola no rosto de outra pessoa resulta numa reação de raiva. Por outro lado,
jogar a bola para perto de outra pessoa, vai significar um convite para a interação entre as duas pessoas.
Estes são os valores que acabam criando um novo repertório para a criança e sobre o qual ela pode
refletir e tomar decisões antes de realmente jogar uma bola.
Os psicólogos descobriram que os bebês têm, na verdade, mais capacidade de entender o mundo do
que Piaget verificou. A coordenação intersensorial (entre os sentidos) aparece desde os primeiros dias
de vida. E, se o objeto constitui algo significativo para a criança, ela percebe este objeto mais cedo do
que Piaget supunha.
O que Piaget imaginava que acontecia em função da competência cognitiva foi verificado,
posteriormente, que acontece por causa do desenvolvimento das execuções motoras. Piaget afirmou
que as crianças não procuram um objeto, pois não formaram ainda uma representação do mesmo.
Outros pesquisadores afirmam que isto acontece porque a criança não desenvolveu ainda a habilidade
motora para pegar o objeto. Por exemplo, bebês de nove meses conseguem levantar um obstáculo para
buscar um objeto escondido debaixo dele, mas um bebê de cinco meses não consegue fazer a mesma
coisa porque ainda não desenvolveu a habilidade motora para tal.
Por outro lado, os estudos de Piaget sobre a função simbólica foram confirmados com dados
de pesquisas mais recentes. A construção da função simbólica é a elaboração do conhecimento
sobre a realidade. Seus dois aspectos principais são a representação e a comunicação. Os
símbolos são instrumentos criados para facilitar a relação interpessoal. A permanência do objeto,
ou simplesmente a ideia de uma coisa, acontece quando o objeto é, na verdade, uma pessoa
relacionada à criança. O final desta fase acontece ao mesmo tempo em que acontecem os ajustes
entre a comunicação pré-linguística da mãe e seu filho. O momento em que ela começa a falar
chamamos de aquisição da linguagem.
Piaget ainda escreveu sobre a evolução da criança até a adolescência. Ele sugeriu que, entre
os dois anos e os onze anos, aconteciam três estágios distintos. Entre os dois anos e os sete
anos acontece o estágio pré-operacional. Neste estágio, predomina o pensamento mágico e as
habilidades motoras se desenvolvem. As crianças parecem ainda não conseguir realmente ter
27
Unidade I
um pensamento lógico. Mesmo que eles entendam operações lógicas, não conseguem realmente
formular ideias lógicas. Durante esta fase, o egocentrismo se faz ainda muito presente, mas com
o tempo começa a diminuir.
Aos sete anos de idade começa o estágio operacional concreto. As crianças começam a desenvolver
o pensamento lógico, mas ainda são muito concretos em seu pensamento. Isto significa que o
pensamento mágico é contraposto pela verificação de coisas que realmente existem e podem ser
comprovadas. As crianças já conseguem abrir mão de seu egocentrismo e atuar mais socialmente.
Esta fase dura aproximadamente até os onze anos de idade. Entre os onze e dezesseis anos, o jovem
começa a desenvolver o pensamento abstrato. Também durante estes anos, desenvolvem uma
forma lógica de pensar.
Piaget não forneceu uma descrição concisa do processo de desenvolvimento como um todo.
De uma forma geral, ele descreveu o desenvolvimento como ciclos. Primeiro a criança realiza
ações com os objetos, em seguida aprende a organizar os objetos. Ela é capaz de observar as
características da ação e seus efeitos. Através de ações repetidas, eventualmente com algumas
variações ou em contextos diferentes, ou até mesmo com diferentes tipos de objetos, a criança
aprende a diferenciar e a integrar os efeitos de suas ações. Este processo foi denominado por
Piaget como de “refletir sobre abstrações”. Isto significa que a criança não só consegue identificar
a propriedade de um objeto, mas também percebem como as ações conseguem afetá-las. A isto
ele deu o nome de “abstração empírica”.
Repetindo esse processo de experimentação com uma grande variedade de objetos e muitas ações,
a criança acaba por estabelecer um novo nível de conhecimento e percepção interna – a internalização.
Isto permite a evolução para um novo “estágio cognitivo”. Assim, a criança consegue construir novas
formas de lidar com os objetos e com os novos conhecimentos sobre estes objetos. Depois que a criança
construiu os novos tipos de conhecimento, ela começa a utilizá-los para realizar ações ainda mais
complexas, usando objetos mais complexos.
A criança começa a reconhecer padrões cada vez mais complexos e perceber novamente objetos
ainda mais complexos. Este processo de construção do conhecimento evolui até que ela atinja uma
etapa superior de percepção do mundo. Porém, este processo de construção do conhecimento não
é gradual. Quando um novo nível de conhecimento, organização e visão de mundo prova ser eficaz,
a criança generaliza para outras áreas. Como resultado, as transições entre os estágios tendem a ser
rápida e radical. A maior parte do tempo gasto no processo da construção de uma nova etapa consiste
em refinar esse novo nível de cognição. Quando acontece a passagem entre um nível de conhecimento
e o próximo, Piaget sugeriu que existe a formação de uma gestalt. Gestalt é uma palavra alemã que
significa originalmente forma. Porém, a ideia da gestalt é que existe uma forma organizada a partir da
cognição de ideias, imagens e experiências.
Como este processo de construção do conhecimento acontece de uma forma dialética, a cada nova
etapa a criança consegue distinguir mais e melhor as coisas. Assim, surge a integração e a síntese
de ideias contidas nas estruturas anteriores de percepção cognitiva. Cada nova etapa surge porque a
criança assume para si as realizações da cultura da sociedade em que vive.
28
Alfabetização e Letramento
O modelo de Piaget explica não apenas a forma como adquirimos o conhecimento, mas também como
refletimos sobre o que aprendemos, por isso é que ele se tornou tão importante para o desenvolvimento da
educação. Demonstrando como as crianças evoluem na sua compreensão das coisas, agindo e refletindo
sobre os efeitos que seu próprio conhecimento anterior proporcionava para o entendimento, é que
elas são capazes de seguir organizando seus conhecimentos em estruturas cada vez mais complexas.
Assim, quando uma criança consegue reconhecer os animais precisamente, ela adquire a capacidade de
organizá-los em diferentes tipos e grupos como “pássaros”, “peixes”, e assim por diante. Isto é importante
porque elas se tornam capazes de saber coisas sobre um animal desconhecido, simplesmente baseadas
no fato de que aquele animal é um pássaro – e que todo pássaro bota ovos.
Ao mesmo tempo, refletindo sobre suas próprias ações, a criança desenvolve uma consciência
cada vez mais sofisticada das “regras” que governam as coisas. É assim que Piaget explica a crescente
consciência da criança das noções como “direita”, “válido”, “necessário”, “adequada”, e assim por diante.
Em outras palavras, é através do processo de objetivação, reflexão e abstração que a criança constrói os
princípios onde a ação não é apenas eficaz ou correta, mas, principalmente, justificada.
2 A Epistemologia genética
De acordo com Jean Piaget, a epistemologia genética constitui-se das tentativas de explicar
o conhecimento, e do conhecimento científico em particular, com base na sua história, na sua
sociogênese e, especialmente, nas origens psicológicas das noções e operações sobre as quais elas
se baseiam. Piaget acreditava que ele poderia testar as questões epistemológicas, estudando o
desenvolvimento do pensamento e da ação com as crianças. Como resultado, ele criou um campo
novo de estudo conhecido como epistemologia genética. Ele definiu este campo como o estudo do
desenvolvimento da criança como um meio de responder a questões epistemológicas (da construção
do conhecimento).
2.1 Os esquemas
Piaget foi, sem dúvida, um dos mais influentes psicólogos do desenvolvimento e do comportamento,
influenciando não apenas o trabalho de Lev Vygotsky e de Lawrence Kohlberg, mas gerações inteiras
29
Unidade I
de acadêmicos. Embora suas ideias tenham sido investigadas por centenas de cientistas em todo
mundo, gerando novos conhecimentos, a qualidade do seu modelo original é indiscutível. Durante
os anos 1970 e 1980, seus trabalhos também inspiraram a transformação da educação nos países
europeus e americanos, inclusive no Brasil. Com uma abordagem mais “centrada na criança”, Piaget
afirmava:
A influência de Piaget é mais forte na educação infantil e na educação moral. Sua teoria do
desenvolvimento cognitivo pode ser usada como uma ferramenta na sala de aula da primeira infância.
De acordo com Piaget, as crianças se desenvolvem melhor em sala de aula a partir da interação. Ele
acreditava em dois princípios básicos relativos à educação moral: que as crianças desenvolvem ideias
morais em etapas e que as crianças criam suas concepções do mundo.
De acordo com Piaget, “a criança é alguém que constrói sua própria visão de mundo moral, que
forma ideias sobre o certo e errado, justo e injusto, que não são o produto direto do ensinamento dos
adultos e que muitas vezes são mantidos para responder aos desejos adultos” (GALLAGHER, 1978, p. 26).
Piaget acreditava que as crianças fazem julgamentos morais com base em suas próprias observações do
mundo.
A teoria de Piaget sobre a moral foi tão radical quando o seu livro, O juízo moral da criança,
publicado em 1932. Ele utilizou critérios filosóficos para definir a moralidade (como critérios
universais, generalizáveis e aplicáveis) e rejeitou a equivalência das normas culturais com as normas
morais. Piaget, com base na teoria kantiana, propôs que a moralidade se desenvolveu a partir da
interação entre pares e que era autônoma de mandatos de autoridade. Em outras palavras, são
pessoas que se acreditam como iguais (pares), que criam as regras de convivência, que servem de
forma igual para eles e incluem todos aqueles que se entendem como pares uns dos outros. Os
pares, e não os pais, são a principal fonte de onde derivam os conceitos morais como a igualdade,
a reciprocidade e a justiça.
Piaget atribuiu diferentes tipos de processos psicossociais a diferentes formas de relações sociais.
Ele introduziu uma distinção fundamental entre os diferentes tipos de relacionamentos: quando um
dos participantes tem mais poder do que o outro, ele cria restrições e a relação se torna assimétrica
(desigual). O que acontece é que o conhecimento que poderia ser adquirido por todos acaba assumindo
uma forma fixa e inflexível pelo participante dominado. Só permitem a ele aprender determinadas
coisas e alguns conceitos. Piaget refere-se a este processo como o de transmissão social, ilustrando-o
através da referência ao modo pelo qual os mais velhos de uma tribo iniciam os membros mais jovens,
com o intuito de fazê-los respeitarem as crenças e as práticas do grupo. Da mesma forma que os adultos
exercem uma influência dominante sobre a criança que cresce, é através da transmissão social que as
crianças podem adquirir conhecimento.
30
Alfabetização e Letramento
Por outro lado, nas relações de cooperação, o poder é mais uniformemente distribuído entre os
participantes, de forma que surge uma relação mais simétrica. Com essas condições, as formas autênticas
de intercâmbio intelectual tornam-se possíveis, pois cada parceiro tem a liberdade de exibir seus próprios
pensamentos e levar em consideração as opiniões dos outros, além do poder defender o seu próprio
ponto de vista. Piaget acreditava que, nessas circunstâncias, quando o pensamento das crianças não é
limitado por uma influência dominante, existem condições favoráveis para o surgimento de soluções
construtivas para os problemas. Então, o conhecimento que emerge é aberto, flexível e regulado pela
lógica do argumento, ao invés de ser determinado por uma autoridade externa. Em suma, as relações
de cooperação fornecem o campo para o surgimento de operações, o que para Piaget exige a ausência
de qualquer influência restritiva.
Saiba mais
A preocupação de Jean Piaget foi tentar explicar como a criança pensava e interagia com o mundo
e com as pessoas, para adquirir conhecimento. Ele definiu que o conhecimento é construído a partir da
interação do sujeito com o objeto de aprendizagem. Ele ensinou a observar a maneira como a criança
adquire o conhecimento, para que seja possível entender o conhecimento humano. Seus estudos da
psicologia do desenvolvimento e a epistemologia genética tinham o objetivo de entender como o
conhecimento evolui.
Piaget formulou uma teoria: o conhecimento evolui progressivamente por meio de estruturas de
raciocínio que se superpõem, criando assim estágios do conhecimento. Portanto, é preciso entender que
a lógica e a forma de pensar da criança são completamente diferentes da lógica de um adulto. À medida
que cresce, a criança constrói seu conhecimento. Daí o nome construtivismo.
Jean Piaget identifica quatro estágios da evolução mental da criança: cada estágio marca um
período em que o pensamento e o comportamento infantil são caracterizados por uma forma de
raciocínio.
As autoras Telma Weisz e Ana Sanches (1999) reafirmam a contribuição de Piaget para a mudança
de concepção e de olhar sobre a aprendizagem, existentes até a sua época. Até o início do século XX,
acreditava-se que as crianças eram miniadultos e que somente depois de crescidas chegariam ao nível
dos adultos, que eram considerados superiores mentalmente. Acreditava-se também que seus processos
cognitivos eram iguais aos do adulto, mas em proporção menor por serem pequenas.
31
Unidade I
Piaget concluiu, por meio de suas pesquisas, que as crianças pensavam muito diferente dos adultos,
pois o que faltava para elas era certas habilidades. Sua contribuição foi explicar a maneira como a
criança interage com o mundo e com as pessoas para chegar ao conhecimento. É, portanto, a interação
do sujeito com o objeto de aprendizagem que produz o conhecimento.
Lembrete
Lev S. Vygotsky nasceu em 1896, graduou-se em Literatura pela Universidade de Moscou. Foi
professor, pesquisador e palestrante de literatura, pedagogia e psicologia. Ele era contemporâneo de
Piaget, e viveu na Rússia até os 37 anos de idade, quando faleceu de tuberculose.
Para Vygotsky (1984), a relação do homem com o mundo não é direta, mas mediada. O professor
é um mediador entre o aluno e o conhecimento. Ele investigou o desenvolvimento das capacidades
intelectuais superiores do homem e identificou a linguagem como o principal fator do crescimento.
Definia a linguagem como um conjunto de símbolos que mantinha seu caráter histórico e social.
Simpatizante da Revolução Russa, ele acreditava na possibilidade de uma sociedade mais justa e sem
conflito social ou exploração. Sua teoria estava fundamentada no desenvolvimento do indivíduo como
resultado de um processo sócio-histórico. Ele enfatizava o papel da linguagem no desenvolvimento e,
portanto, sua tese foi considerada histórico-social.
Vygotsky também enfatizava o papel da formação escolar, quando a criança, segundo ele, recebe
informações que foram socialmente construídas (experiências pessoais no contexto social) e transforma
as situações do presente, ou adquire consciência a respeito da situação do presente.
Seu ideal era que, se uma transformação social pode conseguir alterar o funcionamento cognitivo,
ela pode reduzir o preconceito e os conflitos sociais. Os processos psicológicos são de natureza social
e, portanto, precisam ser analisados e trabalhados por meio de ações socialmente elaboradas. O
sustentáculo da concepção de Vygotsky está no conceito de mediação, que é o processo de intervenção
de um elemento intermediário numa relação, que passa de direta (sujeito x objeto) para indireta (sujeito
x mediador x objeto) (Rosa, 2003).
No contexto escolar, tais ideias modificaram a perspectiva da relação entre professor e aluno.
32
Alfabetização e Letramento
Observação
Nessa concepção, também defendida por Marta Koll de Oliveira (1993), a relação adulto x criança
não é binária, não envolve somente aluno-professor. Também não existe domínio de um sobre o outro,
pois muitas “coisas” (informações) circulam nesse espaço relacional. A socialização, que é a troca de
significados aprendidos e transformados, dialoga construindo saberes e dizeres. A intersubjetividade, a
simpatia e a oposição gerada pelos conflitos se transformam em relações que mudam o paradigma da
situação professor-aluno.
Não se nega que existam as reações biológicas defendidas por Piaget, mas entende-se que a
redução destas é uma condição para os eventos psicológicos defendidos por Vygotsky no conceito
da percepção:
33
Unidade I
Acredita-se que, para o bem da evolução educacional dessas propostas, o ideal é não diferenciá-
las, nem privilegiar uma ou outra em função dos dois teóricos (Piaget e Vygotsky). Bom é entender
que cada um deles se aprofundou em aspectos específicos do desenvolvimento humano. Piaget
dedicou seus estudos na pesquisa do sujeito cognoscente, e Vygotsky estudou o sujeito social
(histórico).
Hoje, se fala muito em propostas pedagógicas que sejam capazes de ver a criança como ser integral,
global. Assim, não se pode negar que ambos trazem contribuições para a criança biopsicossocial, ou
seja, a criança real.
4 Emília Ferreiro
Ela foi uma referência no Brasil e seu nome ficou ligado ao conceito do construtivismo. Sua influência
atingiu as normas governamentais para a alfabetização, incorporadas nos Parâmetros Curriculares
Nacionais.
Lembrete
34
Alfabetização e Letramento
O termo psicogênese, cujo significado precisa ser relembrado no desmembramento da palavra (psico
= psicológico e gênese = nascimento), deveria ter a seguinte interpretação: como nasce na criança o
interesse pela escrita? Como seu pensamento evolui a cada conquista? Ela pensa para escrever? Levanta
hipóteses? Quais seriam essas hipóteses?
O ponto forte da caminhada construtivista foi a obra Reflexões sobre a alfabetização (1985). As
concepções piagetianas traziam severas críticas aos métodos tradicionais (cartilhas), fato que gerou
muito tumulto na escola brasileira. Ferreiro disse que a escola prestava atenção no aspecto gráfico da
escrita, ignorando aspectos construtivos, ou seja, era mais importante ter letra bonita do que interpretar
a escrita. O que deveria interessar seria, na sua visão, o que a criança quis representar, os meios utilizados
para a representação e as diferenças entre uma primeira e uma segunda tentativa, para que se possa
perceber a evolução de cada passo durante a rotina de escrita escolar. Os processos de construção e
aprendizagem das crianças levaram a conclusões que abalaram os métodos tradicionais de ensino da
leitura e da escrita.
A trajetória da alfabetização pode ser dividida em antes e depois de Emilia Ferreiro. Ela se tornou
o modelo no ensino brasileiro, fundamentada pelas descobertas do biólogo suíço Jean Piaget (1896-
1980), na investigação dos processos de aquisição e elaboração de conhecimento pela criança – ou seja,
o modo pelo qual ela aprende. Suas pesquisas concentram-se nos mecanismos cognitivos relacionados à
leitura e à escrita. De maneira equivocada, muitos consideram o construtivismo um método, ou seja, não
entenderam que a escola deveria dar oportunidade para a criança aprender. A criança vive em mundo
letrado e está submersa em um processo de letramento muito forte. Ela se vê continuamente envolvida
e observadora desse mundo letrado.
35
Unidade I
assimilação, com base nos seus conhecimentos prévios. Depois de assimilado o conhecimento,
o sujeito é transformado pelo objeto – a acomodação – porque construiu novos conhecimentos e,
consequentemente, (re)construiu aqueles já existentes. Como parte dessas concepções relativas ao
ensinar/aprender, emergiram do discurso de professoras, quatro subcategorias:
Figura 9 – Desenho
36
Alfabetização e Letramento
Emília Ferreiro (1996) realizou pesquisas científicas que deixaram nítida a trajetória de
pensamento da criança enquanto constrói o código linguístico, aprende o que a escrita representa
e como se estrutura. A partir das suas investigações, a educação começou a tomar novos rumos,
ao perceber o processo de conhecimento infantil e, especificamente a escola, ao entender a
reconstrução do processo de alfabetização. Consciente de sua função, a escola pode realizar um
trabalho pedagógico enfatizando a construção da linguagem (gesto, som, imagem fala e escrita).
Emília Ferreiro, quando estudou as concepções que as crianças apresentam sobre a escrita,
demonstrou estas etapas, chamadas de fases ou níveis de desenvolvimento na construção do
pensamento em relação à linguagem escrita:
Nível 1 – Pré-silábico
A fase pictórica: é o registro feito pela criança com garatujas, desenhos sem figuração e, mais
tarde, desenhos com figuração. Inicia-se aos dois anos de idade se a criança vive em um ambiente
urbano que a estimula desde cedo ao uso de caneta ou lápis e papel.
37
Unidade I
A fase gráfica primitiva: a criança mistura símbolos e pseudoletras, com letras e números em seus
desenhos. Costuma representar o que a criança conhece do meio e o representa desenhando bolinhas,
riscos e pedaços de letras.
A fase pré-silábica: nesta fase, a criança começa a diferenciar as letras dos números, os desenhos
dos símbolos e reconhece o papel da letra na escrita. Sabe que as letras servem para escrever, mas não
sabe como ocorre, ainda. Não associa o fonema com o grafema. A criança acredita que a ordem das
letras e as vogais não têm importância. Ela não percebe variações quantitativas ou qualitativas dentro
da palavra. A leitura que a criança realiza do que é escrito é sempre de uma forma global deslizando o
dedo pelo registro escrito.
38
Alfabetização e Letramento
Nível 2 – Intermediário I
Essa fase é a dos conflitos, em que a criança não tem resposta para alguns questionamentos e diz
que “não sabe escrever”. Ela apresenta e usa alguns valores sonoros convencionais, por exemplo, diz que
seu nome começa com determinada letra e a conhece pelo som, mas não sabe onde fica na palavra que
escreve.
Nível 3 – Silábico
A criança conta os “pedaços sonoros” (sílabas) e os associa com um símbolo (letra). Essa associação
pode acontecer com ou sem valor sonoro convencional. Ela aceita palavras monossílabas, palavras
com uma ou duas letras com certa hesitação. Escreve uma frase utilizando uma letra para cada
palavra.
Este é mais um momento de conflito entre uma fase e outra, em que a criança precisa desconsiderar
o nível silábico para pensar segundo o nível alfabético. Nessa fase, o professor deve instigar a criança no
sentido de reflexão sobre o sistema linguístico pela observação da escrita alfabética.
39
Unidade I
Nível 5 – Alfabético
Quando a criança chega nessa fase, já reconstrói o sistema linguístico e compreende como ele
funciona, consegue ler e expressar seus pensamentos e falas. Forma sílabas e palavras juntando as
letras e consegue distinguir letra, sílaba, palavra e frase. Pode acontecer de a criança dividir a frase não
gramaticalmente, e sim conforme o ritmo frasal.
Com o conhecimento científico na área educacional, o professor tem condições de elaborar aulas de
forma a chamar a atenção do aluno, com propostas significativas, com jogos e atividades que instiguem
o aluno a pensar e a reformular suas hipóteses. Não podemos ignorar o papel do professor em ser o
mediador e o organizador da ação educativa, da construção e reconstrução dos conhecimentos de seus
alunos em sala de aula.
Além desses pensadores, nas últimas duas décadas, outro termo tem gerando inconstância na prática
pedagógica quando o assunto é alfabetização. O chamado letramento, como você viu no início desta
unidade de estudo, é definido como possibilidades sociais de uso da escrita, como sistema simbólico, em
contextos específicos. A vivência escolar, quando utilizada como parâmetro de prática social segundo
a qual as crianças se alfabetizam, desenvolve estas habilidades para utilizar o conhecimento sobre a
escrita. Você saberá mais sobre esse conceito na unidade II.
40
Alfabetização e Letramento
Exemplo de aplicação
Para que você possa estudar um pouco mais esse assunto, fica a sugestão de fazer uma pesquisa
sobre o interrogatório clínico piagetiano, utilizado por Emilia Ferreiro em suas pesquisas. O método
consiste no uso de lâminas com imagem e textos. Palavras organizadas em sete pares, com textos e
figuras, ou seja, objetos familiares da criança e texto motivador. A escrita é vista como objeto substituto
do objeto. O objetivo desse estudo era compreender as interpretações da criança a respeito da relação
imagem/texto escrito.
Hipótese:
A escrita serve como objeto substituto específico de algo evocado, que é diferente do desenho.
Exemplo 1:
Imagem: um carro.
Texto em letra de imprensa minúscula:
automóvel (objeto total: habitual).
Exemplo 2:
Imagem: um guarda de trânsito.
Texto em letra de imprensa minúscula:
guarda (objeto total não habitual).
41
Unidade I
Exemplo 3:
Imagem: menina lendo livro; perfil do rosto.
(dois objetos e uma sugestão de ação)
Texto em letra cursiva:
livro (nome de um objeto).
Para todas as crianças, é possível ler tanto no desenho como no texto. O texto é predizível
a partir da imagem e se orienta na relação entre símbolo escrito e objeto desenhado (unidade
indissociável).
Segundo a classificação das respostas (das crianças), o texto e o desenho estão indiferenciados.
Quando perguntado à criança: “onde há algo para ler?”, ela assinala tanto o desenho como o
texto.
Na interpretação dos fragmentos de um texto, a separação entre palavras da nossa escrita apresentou
dois problemas diferentes, mas vinculados entre si:
• na escrita, além das letras e sinais de pontuação, usa-se outro elemento gráfico: o espaço
em branco entre grupos de letras (palavras) e, na locução, separam elementos de caráter
abstrato.
Do ponto de vista da criança o conflito se deu em: precisa ou não precisa separar?
2. Ler e discutir.
Oração:
OURSOCOMEMEL
(em letras de imprensa e cursiva).
No exemplo acima, a criança das pesquisas de Emília Ferreiro, chamada Alejandra, respondeu a
perguntas específicas.
Como você pode ver no quadro a seguir, um exemplo de outra criança também de interpretação da
pesquisa de Ferreiro:
42
Alfabetização e Letramento
*FERREIRO, E.; TEBEROSKY. A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
Lembrete
Saiba mais
Resumo
43
Unidade I
Piaget
Partiu de uma concepção de desenvolvimento A criança interage com o objeto para
que envolve processos de contínuas trocas construir o código linguístico.
entre o indivíduo e o ambiente.
Vygotsky
A fala antecede a escrita, funciona
Defende a ideia entre as condições sociais e a como um elemento mediador.
base biológica do comportamento humano.
45
Unidade I
Saiba mais
Bibliografia extra:
Exercícios
46
Alfabetização e Letramento
Afirmativa I: é verdadeira porque muitos teóricos da educação, dentre eles Piaget, Vygotsky
e Emilia Ferreiro, realizaram pesquisas na área da psicologia a fim de desvendar a aprendizagem
tanto do ponto de vista da biologia e da estrutura cerebral, quanto dos fatores emocionais,
afetivos e motivacionais.
Afirmativa III: é falsa porque Piaget partiu de uma concepção de desenvolvimento que envolve
processos de contínuas trocas entre o indivíduo e o ambiente, portanto, a capacidade de aprendizagem
não é inata e imutável.
Afirmativa IV: é verdadeira porque, segundo Emilia Ferreiro, para que alguém aprenda é preciso:
motivo + ação = motivação, ou seja, fatores que influenciem determinados comportamentos. No caso
da cognição, fatores que levem o indivíduo a aprender.
Questão 2: (ENADE 2005) A professora Maria Amélia, que atua no Ensino Fundamental,
trabalha a literatura infantil como uma das possibilidades de alargamento dos horizontes
cognitivos do leitor iniciante. Com essa abordagem, deseja ir além com o seu grupo da
“alfabetização”, entendida como o processo de codificação/decodificação de sons e letras
visando ao letramento.
A FESTA
Renata está noiva do amigo Rodrigo. No dia da festa de noivado, Rodrigo dá um baile para os
seus convidados. O baile está muito animado. Mas vejam só que confusão! No meio da festa, Rodrigo
tropeça, cai de cara no bolo e se estatela no chão!
A seguir, solicitou às suas crianças da 1ª série a criação de outra história. José Gil escreveu, então, o
texto O Noivado.
O NOIVADO
– Eu vou embora dessa festa e nunca mais quero ver o bobalhão do Rodrigão.
Todo mundo confiou na Renata.
José Gil, 1ª série do Ensino Fundamental.
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