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Como Deixei de Ser Judeu
Como Deixei de Ser Judeu
0800-0117875
ISBN 978-85-8240-224-5
Sand, Shlomo
Como deixei de ser judeu / Shlomo Sand; tradução de Eveline Bouteiller. – São
Paulo : Benvirá, 2015. 136p.
ISBN 978-85-8240-224-5
Título original: Comment j’ai cesse d’etre juif
CDD-305.8924
CDU-304.2 (=411.16)
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem
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547.656.001.001
ROMAIN GARY
O judaísmo não é uma questão de sangue, 1970
I. Direto ao assunto
Um judeu não poderia renunciar à sua essência
Uma configuração etnocrática
Pressão determinista, cega e ilusória
V. Imigração e judeofobia
A figura de Bernard Lazare
Os judeus da Europa Central no final do século XIX
Da identidade
O iídiche e o hebraico
Diálogo de surdos
A carroça sionista
Os fundamentos da criação do Estado de Israel foram instaurados em
sua essência por socialistas nacionalistas do Leste Europeu. Laicos,
eles haviam se rebelado contra o judaísmo, mas tiveram que adotar
de uma única vez marcadores centrais da tradição judaica, da qual a
Vítimas exclusivas
Um incidente ilustra o surgimento dessas fissuras: quando eu era
estudante de doutorado em Paris, na École des Hautes Études en
Sciences Sociales (EHESS),[25] foi organizado um colóquio
Evolução da memória
No final dos anos 1940 e ao longo das décadas de 1950 e 1960, a
lembrança vergonhosa do extermínio dos judeus permaneceu à
margem da cultura e do pensamento no Ocidente. Em Israel, apesar
do processo de Eichmann,[28] o genocídio não figurava nem mesmo
nos programas escolares até 1970. O assunto permanecia muito
impopular nas instituições judaicas do mundo, que de maneira
prudente não o abordavam por várias razões — mas, na pressa,
mencionarei apenas duas.
A primeira razão eram os caprichos da história mental:
imediatamente após o término da guerra, aquele que escapou dos
campos de concentração não tinha uma boa imagem junto ao público.
A diferença entre uma alma de Israel, com sua autenticidade, seus desejos
interiores, sua aspiração, sua qualidade e sua visão, e a alma de todos os não
judeus, em todos os níveis, é maior e mais profunda que a diferença entre a alma
qualitativa específica.
Vocação universal?
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No Ocidente, os princípios éticos dos dez mandamentos expostos na
Bíblia se tornaram o bem comum de todos os crentes em um Deus
único. Eles surgiram no monte Sinai e foram consagrados pelas três
religiões ocidentais: o judaísmo, o cristianismo e o islã; e são
considerados o fundamento do monoteísmo tornado fé universal —
mas será preciso ver aí a base ética universal do judaísmo?
Neste mesmo lugar mitológico onde aparece Moisés, Deus se
engaja igualmente em exterminar todos os habitantes de Canaã para
dar livre lugar na Terra Prometida aos filhos de Israel. Assim, um
assassinato em massa é prometido três breves capítulos da Bíblia
depois dos dez mandamentos, particularmente o “Não matarás”: “O
meu anjo irá à frente de vocês e os fará chegar à terra dos amoraítas,
dos hititas, dos ferezeus, dos cananeus, dos heveus e dos jebuseus, e
eu os exterminarei” (Êxodo, 23:23). Ao longo da história, os judeus
conheceram a promessa, sua cruel concretização e, como crentes
consequentes, foram obrigados a santificar a lei divina cuja lógica não
podia ser contestada.
Essa tradição de genocídio javista foi transmitida, ao mesmo
tempo que os dez mandamentos, às duas outras crenças monoteístas
que encorajaram a eliminação dos idólatras que se recusavam
obstinadamente a reconhecer a superioridade de um deus único
onipotente. Apenas no século XVIII, com o Iluminismo, essas terríveis
prescrições foram criticadas. Foi preciso esperar que Jean Meslier,
Thomas Chubb, Voltaire e outros filósofos evidenciassem a moral
religiosa antiuniversal característica da Bíblia da qual se alimentaram
indiretamente todos aqueles — judeus, cristãos e muçulmanos — que
Demissão
Utopia?
Tive um sonho utópico e evanescente: o palestino-israelense se sentia
em Tel Aviv como um judeu-americano se sente em Nova York. Eu
Não renunciar
Cada vez mais, parece já ser muito tarde; qualquer abordagem séria
de uma solução política está trancafiada. Israel se acomodou e é
incapaz de se libertar da dominação colonial que exerce sobre um
outro povo. O mundo externo não faz o que deveria: seus remorsos e
sua má consciência o impedem de convencer Israel a se retirar das
fronteiras que obtivera em 1948. Israel também não está pronto para
anexar oficialmente os territórios conquistados, pois, nesse caso,
deveria dar uma cidadania igual à população conquistada e, assim, se
transformar em Estado binacional. Parece que a serpente mitológica
que engoliu sua presa prefere sufocar a renunciar.
Então também devo renunciar? Vivo em uma verdadeira
contradição: sinto-me um exilado diante da etnicização judaica
crescente que nos fecha, mas falo, escrevo e sonho essencialmente em
hebraico. No exterior, sinto nostalgia dessa língua, receptáculo de
minhas emoções e de meus pensamentos. Quando estou longe de