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Como Austrália desbancou sul-

americanos e se tornou maior


produtora de lítio do mundo
Royce Kurmelovs
BBC Future
22 novembro 2022

https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-63712106
Visão geral

A cerca de três horas de carro ao sul de Perth, na Austrália


Ocidental, atrás da histórica cidade mineira de
Greenbushes, o terreno além da escola primária revela
uma cicatriz cinza e profunda.

Ali ficava uma antiga mina de estanho, conhecida como


Cornwall Pit. Com cerca de 265 metros de profundidade,
sua parede com desníveis representa um século de
trabalho que começou em 1888, quando meio quilo de
estanho foi retirado de um riacho próximo.

Quando o metal da superfície se esgotou na região, os


métodos de extração acabaram dando lugar à mineração
a céu aberto do veio de pegmatito - uma rocha com
textura áspera, similar ao granito.
Hoje, a mina de estanho de Cornwall está fechada e
Greenbushes tornou-se a maior mina de lítio do mundo

Em menos de dois anos, os preços do espodumênio australiano -


a matéria-prima rica em lítio que pode ser refinada para uso em
baterias de laptops, telefones e veículos elétricos - subiu mais de
dez vezes

Segundo a empresa especializada Benchmark Mineral


Intelligence, com sede em Londres, o espodumênio atingiu US$
4.994 (cerca de R$ 26,8 mil) por tonelada em outubro de 2022,
contra US$ 415 (cerca de R$ 2,2 mil, em valores de hoje) em
janeiro de 2021.

E, em 2040, a Agência Internacional de Energia prevê que a


demanda por lítio cresça mais de 40 vezes sobre os níveis atuais,
se o mundo pretender atingir os objetivos do Acordo de Paris.
O aumento da extração

Em 2021, somente o lítio extraído em Greenbushes representou mais de um


quinto da produção mundial e espera-se que o volume cresça ainda mais.

Em 2019, a empresa dona da mina, a Talison Lithium, foi autorizada a dobrar o


seu tamanho. A expansão custará 1,9 bilhão de dólares australianos (US$ 1,2
bilhão, cerca de R$ 6,4 bilhões).

Quando completa, a mina irá cobrir uma área de 2,6 km de comprimento, 1 km


de largura e 455 m de profundidade. O prédio mais alto de Londres, The Shard,
poderia ser confortavelmente enterrado na mina, com seus 310 metros de
altura - bem como os prédios mais altos do Brasil.

Greenbushes é a maior mina de lítio da Austrália, responsável por 40% das 55


mil toneladas do metal extraídas no país em 2021. Mas existem diversas outras
minas logo atrás dela.

Ao todo, há outras quatro operações de extração de lítio de rocha bruta nas


regiões mineradoras da Austrália Ocidental, perto de Kalgoorlie, no leste, e de
Pilbara, no extremo norte do Estado.
Riscos ambientais

Da mina, o lítio - tanto na Austrália quanto na América do Sul - precisa ser processado para poder ser utilizado. O carbonato de lítio
retirado dos tanques de salmoura no Chile precisa ser transformado em hidróxido de lítio, que é o material preferido pelos
fabricantes de baterias

Já a rocha escavada do solo na Austrália precisa ser moída e torrada para produzir espodumênio. Esse material contém cerca de 6%
de lítio e é então embarcado da Austrália para a China, que refina 60% do lítio do mundo e 80% do hidróxido de lítio do planeta.

Mas isso pode estar mudando. Como parte dos esforços para diversificar a cadeia de fornecimento, o governo da Austrália Ocidental
está trabalhando para construir instalações locais de refino, perto das suas próprias minas de lítio.

Existem três propostas de novas instalações de refino de lítio na Austrália. E essas instalações enfrentarão seus próprios desafios
ambientais.

Torrar espodumênio para criar o concentrado exige quantidades significativas de energia e de ácido sulfúrico. Ao final, os resíduos
também precisarão ser descartados - um processo que precisa ser monitorado para evitar que cause poluição.
A mineração australiana de lítio ainda está nos seus primórdios, mas Maggie Wood, diretora-executiva do
Conselho de Conservação da Austrália Ocidental (uma organização sem fins lucrativos que representa mais
de 100 grupos ambientais em todo o Estado), afirma que a indústria está sendo cuidadosamente
acompanhada.

"Por um lado, sabemos que precisamos reduzir a pegada de carbono o mais rápido possível e minérios
fundamentais, como o lítio e uma série de outros, são parte desse caminho", afirma Woods. "Mas também
sabemos que a mineração destrói o meio ambiente."

Os ambientalistas já levantaram preocupações, por exemplo, de que o sedimento da mina do Projeto de Lítio
de Finniss, na Austrália Meridional, pode ter contaminado um riacho próximo. A BBC entrou em contato
com a Core Lithium, dona do Projeto de Lítio de Finniss, para responder a essas afirmações, mas não
recebeu resposta.
É preciso reciclar

Outra forma de reduzir ainda mais esses impactos é diminuir a necessidade de novas minas de lítio, ampliando
as taxas de reciclagem. Atualmente, a Austrália recicla apenas 10% das suas baterias de íons de lítio usadas.

Libby Chaplin, executiva-chefe do Conselho de Gerenciamento de Baterias (BSC, na sigla em inglês), uma
organização criada para supervisionar a reciclagem de baterias usadas onde, de outra forma, seria caro demais
para a indústria privada, afirma que a reciclagem irá se tornar uma questão premente no final da década, quando
as baterias dos veículos elétricos começarem a atingir o final da sua vida útil.

"Se não cuidarmos deste assunto, em um futuro não muito distante, teremos um problema muito sério de
baterias usadas e pilhas de baterias de lítio de veículos elétricos estocadas", afirma Chaplin". "É a última coisa
que queremos, pois a armazenagem de baterias de veículos elétricos pode ser problemática."

Para Chaplin, se começar agora em pequena escala, a Austrália pode construir a infraestrutura adequada para
impedir que isso se torne um problema, particularmente porque a distância é uma dificuldade. A necessidade de
coleta, transporte e seleção de materiais através de um país continental é algo caro e difícil, mas a Austrália tem
bons exemplos a seguir.

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