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TEORIAS

ANTROPOLÓGICAS DA
RELIGIÃO
Artigo de STEWART E. GUTHRIE
Jhony Barbosa
Introdução
• Há uma diversidade de teorias antropológicas da
religião. Baseiam-se ora em ideias de estruturas
humanas sociais, emoções ou cognição. A maior
parte concentra-se numa delas, mas algumas
combinam mais de uma.
• Algumas olham para lá da natureza humana, para
os outros animais, procurando análogos ou
precursores da religião.
• Algumas teorias são próprias da antropologia,
mas muitas foram tomadas de empréstimo.
• Assim, qualquer exame tem de ser também
abrangente e de incluir material que não seja
apenas antropológico.
Características comuns
são centrais

o humanismo
evolucionismo
comparações interculturais.
HUMANISMO
O humanismo na antropologia quer
simplesmente dizer que as explicações da
religião (como os outros aspectos do
pensamento e ação humanas) são
seculares e naturalistas.
Explicam as religiões como produtos da
cultura e natureza humanas, e não como
manifestações de algo transcendental,
sobrenatural ou sui generis em qualquer
aspecto.
O EVOLUCIONISMO
DARWINISTA
• O evolucionismo darwinista — a perspectiva de que
todas as formas de vida são produtos da seleção
natural — é também básico na antropologia,
distinguindo-a de algum modo de outras disciplinas
que estudam a religião.

• O evolucionismo não é surpreendente, é claro, na


antropologia biológica, uma das suas grandes
subdisciplinas. Mas mesmo na antropologia cultural,
fundada pouco depois de Darwin, a seleção natural é
fundacional. Na verdade, o evolucionismo cultural foi
a "perspectiva com a qual a antropologia veio à vida"
(Carneiro 2003: 287).
O EVOLUCIONISMO
DARWINISTA
• Parcialmente em consequência disso, uma procura das
origens e tendências de longo prazo caracterizou a disciplina
desde o seu início e persiste ainda hoje.

• Uma dessas tendências de longo prazo, por exemplo, é as


sociedades estratificadas, ao contrário das que não o são,
atribuírem os seus sistemas morais a mandatos religiosos.

• Outra consequência parcial do evolucionismo é um certo


apoio ostensivo do funcionalismo, a explicação das
características dos organismos e das sociedades pelos seus
efeitos positivos. Assim, explica-se por vezes a religião, por
exemplo, pela coesão social que lhe é atribuída.
COMPARAÇÃO
INTERCULTURAL
• A terceira e última característica principal da teoria
antropológica da religião é a comparação intercultural.
Apesar de o método comparativo não ter origem na
antropologia, tornou-se aí especialmente importante.
• Da perspectiva intercultural, o objeto de estudo último
não é a religião em qualquer lugar ou momento do
tempo particular, mas a religião em todo o lado e em
qualquer momento do tempo.
• Tal estudo revela uma tal gama de crenças e práticas
que quase exclui qualquer denominador comum
(Saler 2000 [1993]). A diversidade parece excluir o
ecumenismo, assim como qualquer "filosofia perene"
comum (Huxley 1990 [1945]).
A RELIGIÃO É UNIVERSAL?
• Dada a grande diversidade de pensamentos e
ações a que se chama religião, e dado que as
linguagens não têm, na sua maior parte,
palavra para tal coisa, levanta-se a questão
de saber se a religião é universal.

• A resposta depende, é claro, da nossa


definição. Quanto mais abstrata for a
definição, mais difundido será aquilo que é
definido.
A RELIGIÃO É UNIVERSAL?
• Se aceitarmos uma definição tão abstrata como a de Tillich
(1948: 63), segundo a qual a religião é um comprometimento
com um "cuidado último," então presumivelmente as
pessoas são religiosas em todo o lado, dado todas
considerarem que um dado cuidado é mais importante do que
outros.

• Se, contudo, se estipula a crença em Deus, juntamente com


a moralidade sancionada por uma vida depois da morte, então
os religiosos constituem um grupo menor.

• Em qualquer caso, os antropólogos pensam, na sua maior


parte, que a religião pode ser definida de modo tão amplo que
seja virtualmente universal (Rappaport 1999; Crapo 2001;
Atran 2002: 264).
BREVE HISTÓRIA
É útil dividir as teorias antropológicas da
religião em três grupos: teorias da
solidariedade social (ou da coesão social),
teorias do sonhar alto e teorias
intelectualistas (ou cognitivistas).
TEORIAS DA SOLIDARIEDADE
SOCIAL
As teorias da solidariedade social tomam
as necessidades da sociedade como
primárias e explicam a religião em termos
do modo como esta as satisfaz,
especialmente pela sua suposta promoção
da harmonia e coesão.
TEORIAS DO SONHAR ALTO
As teorias do sonhar alto tomam como
primárias as emoções dos indivíduos e
explicam a religião em termos do mitigar
de sentimentos negativos, como o medo e
a solidão, e da promoção da confiança ou
da serenidade.
TEORIAS
INTELECTUALISTAS
As teorias intelectualistas tomam como
primária a necessidade humana de
compreender o mundo. Desta perspectiva,
a interpretação religiosa do mundo é,
antes de tudo e principalmente, uma
tentativa de compreensão.
A SOLIDARIEDADE SOCIAL E O
SIMBOLISMO
• A teoria da SOLIDARIEDADE SOCIAL tem sido a abordagem
principal na antropologia desde a fundação desta última nos finais
do séc. XIX.

• É uma forma de funcionalismo, dado explicar a religião pelo incutir


nominal de fidelidade a uma sociedade. A religião consegue-o por
meios simbólicos, usando roupas especiais, arquitetura, canto,
dança e fórmulas verbais para aumentar sentimentos comunais.

• Na verdade, chama-se por vezes simbolismo à teoria da


solidariedade social, querendo dizer que sustenta que a religião é
uma atividade inteiramente simbólica que não se envolve com o
mundo como um todo (como os seus executantes ou observadores
poderiam pensar), mas apenas com as relações sociais humanas. Os
seus símbolos podem estar ocultos e ser apreendidos apenas
inconscientemente.
A SOLIDARIEDADE SOCIAL E
SIMBOLISMO
• Que o simbolismo religioso unifica a sociedade não é uma ideia nova. Na
Ásia oriental, por exemplo, o uso da religião pelo estado remonta pelo
menos a 1027 a.C., quando a nova dinastia Chou citou a sua conquista dos
povos subjugados como um sinal de que tinha recebido o mandato do Céu.
As dinastias posteriores continuaram a fazer a mesma afirmação.

• Além disso, integraram Confúcio como uma figura quase religiosa que
apoiava o estado, como fizeram os governos do Japão e da Coreia. No
Japão tanto o culto de Shinto como o dos antepassados servia a unidade
nacional.

• No ocidente ocorreu o mesmo: a perspectiva (e uso) da religião como


forma de solidariedade social surgiu cedo e tem persistido. Começando
pelo menos com Políbio, no séc. I a.C., e seguido por Bodin, Vico, Comte
(Preus 1987) e Freud (e.g., 1964 [1927]), entre outros, e mais recentemente
Wilson (2002) e Roes e Raymond (2003), muitos estudiosos sustentaram
que a religião mantém a ordem social.
EMILE DURKHEIM
• A teoria da coesão social, contudo, deve muito a Durkheim
(1965 [1915]), que procurava saber como as sociedades
mantêm a coesão.

• Afirmou que o conseguem em grande medida por meio da


religião, que inclui crenças e práticas que são "relativas às
coisas sagradas" e que organizam os seguidores em grupos de
solidariedade.

• As coisas sagradas não têm de incluir deuses (o budismo,


escreve Durkheim, é uma religião sem deuses): são seja o que
for que represente os elementos essenciais da sociedade. As
coisas profanas, pelo contrário, constituem uma categoria
residual de tudo o que não é sagrado. A distinção feita pela
religião entre o sagrado e o profano é o seu sinal
característico.
EMILE DURKHEIM
• Baseando-se em etnógrafos da religião aborígene australiana,
Durkheim concluiu que o objeto principal de culto dos
membros dos clãs australianos, o "totem," representa na
verdade o próprio clã, e que é o clã que é sagrado.

• O mesmo princípio se aplica nas sociedades modernas


complexas. O objeto explícito de culto, seja um totem, uma
bandeira ou Deus, representa tudo o que é vital, é portanto
sagrado na sociedade.

• Ao formular e exprimir o sentimento de dependência mútua


dos membros de uma sociedade, sentimento que de outro
modo é apenas esporádico, a religião consolida-o e aumenta-
o. Isto ajuda a fazer os membros comportar-se eticamente
relativamente aos seus semelhantes e arregimenta-os em
defesa da sociedade.
PONTOS FORTES E FRACOS
• A teoria da solidariedade social tem vários pontos
fortes, sobretudo o fato de as religiões parecerem
muitas vezes ter produzido solidariedade (Wilson
2002) e de os líderes de várias sociedades terem
usado esta capacidade.

• Contudo, a teoria tem também pontos fracos. A


tese de Durkheim de que a característica central
da religião é a sua dicotomia entre sagrado e
profano, por exemplo, foi imediatamente alvo de
objeções de etnógrafos que relataram que nas
culturas que estudaram não encontraram tal
distinção (Guthrie 1996).
A RELIGIÃO UNE?
• Outro problema é que se a tese de que as religiões
unem as sociedades é mais do que a tautologia de
que as religiões unem os seus membros, então é
preciso mostrar que as religiões emergem de
grupos que têm outra base qualquer, que depois a
religião fortalece. Mas na verdade há muitos tipos
de grupos — famílias, aldeias, comunidades
étnicas, estados — que a religião divide em vez de
unir. Um corolário é que ao passo que os grupos
sociais são alegadamente preservados pela
religião, muitos têm ao invés sido destruídos por
ela. Exemplos disso são os T'ai-p'ing Tao da
China do séc. II a.C. e o Templo do Povo de
Jonestown.
Visão Crítica
A teoria da coesão social de Durkheim e de outros
não parece resistir às objeções a um conceito
nuclear (a distinção sagrado-profano), aos contra-
exemplos nos quais a religião não é um fator de
coesão mas de dispersão, e por fim não consegue
fornecer uma dinâmica credível da gênese e
transmissão da religião. Apesar de a religião
muitas vezes unir os grupos e poder ser
deliberadamente usada para esse propósito, não é
por essa razão que as pessoas a adotam. Além
disso, a religião também separa muitas vezes os
grupos.
SONHAR ALTO
Segundo estas teorias, a religião serve de
paliativo para a ansiedade e
descontentamento humanos, imaginando
uma condição mais satisfatória, seja no
presente, seja no futuro.

Ao postular um mundo no qual podemos


melhorar apelando-nos a deuses, ou no qual
o sofrimento da vida será compensado por
uma vida melhor por vir, a religião torna a
vida suportável.
Autores
 Vários autores têm observado que a religiosidade está
correlacionada com a ansiedade, pelo menos desde a
observação de Eurípides de que a tensão nos conduz,
devido à "nossa ignorância e incerteza," a prestar culto
aos deuses (Hécuba 956, in Hume1957 [1757]: 31).

 Analogamente, Diodoro Sículo escreveu que o


desastre nos disciplina, fazendo-nos ter "reverência
pelos deuses" (Hume 1957 [1757]: 31). Espinosa
(1955), Feuerbach (1957 [1873]), Marx (Marx e
Engels 1957: 37-38), e os antropólogos do séc. XX
Malinowski (1955 [1925]) e Kluckhohn (1942)
fizeram observações comparáveis.
SIGMUND FREUD
O defensor da teoria do sonhar alto mais
amplamente lido, contudo, é sem dúvida Freud.
Antropólogos que seguem Freud incluem
Kardiner e Linton (1945), Spiro (1966), Wallace
(1966) e La Barre (1972).

Para Freud, as religiões são delusões, "nascidas da


necessidade de o homem tornar o seu desamparo
tolerável" e são "ilusões, realizações dos desejos
mais antigos, fortes e urgentes da humanidade“.
As suas características particulares são
"projeções" de emoções e experiências.
Crítica
 Muitas religiões, não se adequam bem a qualquer
teoria da realização dos desejos por terem
características que é improvável que alguém deseje.
As divindades de algumas são cruéis ou coléricas, e
têm muitas vezes como complemento demônios ou
fantasmas assustadores.

 Noutras, a vida depois da morte ou não existe ou é


efêmera, ou é um Hades ou outro lugar desagradável.
Tais religiões podem ser tão ameaçadoras quanto
promissoras. Como um antropólogo comentou
(Radcliffe-Brown), poder-se-ia igualmente sustentar
que as religiões provocam "medos e ansiedades que de
outro modo não existiriam."
INTELECTUALISMO / COGNITIVISMO /
NEO-TYLORIANISMO
Estas defendem que a religião é primariamente
uma tentativa de entender o mundo e de agir de
acordo com esse entendimento.

Uma dessas teorias, a de Tylor (1871), era a mais


importante das primeiras teorias antropológicas da
religião.

Tylor, que é um humanista clássico, evolucionista


e comparativo, descreve a religião como uma
tentativa universal de explicar certas experiências
humanas enigmáticas.
TYLOR
A teoria de Tylor, como acontece com as teorias anteriores da
solidariedade social e do sonhar alto, tem predecessores.

 O seu comparativismo e aparentemente o seu humanismo


recuam a Xenófanes (séc. VI a.C.), cujos fragmentos relatam
que os seres humanos formam os seus vários deuses às suas
diferentes imagens (Freeman 1966: 22). Os etíopes, por
exemplo, fazem os seus deuses negros, ao passo que os
trácios lhes dão cabelo vermelho.

 Muito depois, Espinosa (1955) e Hume (1957 [1757]), a que


Tylor atribui a formação da opinião moderna sobre a religião,
anteciparam melhor Tylor ao escrever que a religião popular,
pelo menos, consiste em atribuir características humanas ao
mundo inumano, para interpretar o que nos rodeia e que de
outro modo seria enigmático.
TYLOR
 Tylor acrescentou a estas ideias mais antigas uma ênfase na evolução
cultural que, combinada com um comparativismo mais abrangente,
reforçou a perspectiva naturalista da religião como mais um produto
da atividade mental humana.

 Como comparativista, baseou-se sistematicamente nos relatos de


viajantes, administradores, missionários e primeiros etnógrafos para
ter descrições de crenças e práticas por todo o mundo, para encontrar
um denominador comum das religiões.

 Via as diferenças culturais, incluindo religiosas, como um reflexo não


da genética mas de formas de sociedade, dado que uma "unidade
psíquica" de processos mentais comuns existe em todos os seres
humanos. Estas ênfases tornaram-se parte do cânone antropológico.
O ANIMISMO EM TYLOR
 Tylor concluiu que a religião se pode definir como animismo, uma crença
em seres espirituais, e que esta crença emerge universalmente de duas
experiências: sonhos e a morte de outras pessoas.

 Os sonhos são interpretados em todo o lado, afirmou, como visitas do que é


objeto do sonho (Tylor chamou "fantasma" ao visitante).

 A morte, em contraste, é em quase todo o lado concebida como a partida de


algo (a "vida").

 O fantasma e a vida são então concebidos como uma só coisa, o "espírito."


O que é o “Espírito” (TYLOR)
 É uma imagem humana diáfana e insubstancial, sendo por natureza
um gênero de vapor, película ou sombra;

 A causa da vida e do pensamento no indivíduo que anima;

 Possuindo independentemente a consciência pessoal e a volição do seu


dono corpóreo, do passado ou do presente;

 Capaz de deixar o corpo para trás, de fulgurar subitamente de lugar


para lugar;

 Sendo na sua maior parte impalpável e invisível, manifesta contudo


também poder físico, aparecendo especialmente aos homens,
acordados ou a dormir, como um fantasma. (1979:)

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