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«É preciso estar sempre bêbado. Tudo reside nisso: eis a questão. Para não sentirdes o
horrível fardo do Tempo que esmaga os vosso ombros e vos inclina para a terra,
precisais embriagar-vos sem tréguas.
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa vontade. Mas embriagai-vos.
E se às vezes, nos degraus de um palácio, na erva verde de uma vala, na morna
solidão do vosso quarto, acordardes, a bebedeira leve ou curada, perguntai ao
vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme,
a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são; e o
vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: “São horas de embriagar-
se! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos; embriagai-
vos sem parar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa vontade.”
Charles Baudelaire
O Spleen de Paris, trad. Jorge Fazenda Lourenço, Reló gio D’Á gua, p. 97
Todo o pensamento moderno, de Descartes a Hegel e a Nietzsche é uma
exaltação do querer, um esforço para fazer o mundo, para o acabar,
para o dominar. O homem é a grande potência soberana, capaz do
universo e, graças ao desenvolvimento da ciência, graças à
compreensão dos recursos desconhecidos que há nele, capaz de
fazer tudo e de fazer o todo.
Bibliografia Principal:
Bibliografia Auxiliar:
— DANTO, Arthur C., Nietzsche as Philosopher, Columbia University Press, New York, 1980.
— DELEUZE, Gilles, Nietzsche e a Filosofia, trad. António J. Magalhães, RÉS-Editora, Porto
— FERRY, L., Homo Aesteticus : L’Invention du Gout à l’Age Démocratique, Grasset, Paris, 1990.
— JIMENEZ, Marc, Qu’Est-Ce Que l’Esthétique ?, Éditions Gallimard, Paris, 1997.
— ROCHA PEREIRA, Maria Helena, Estudos de História da cultura Clássica, Volume I -Cultura Grega,
Fundação Calouste Gulbenkian.
— NIETZSCHE, F., (…) Obras Escolhidas de Nietzsche, Relógio D’ Água, Lisboa, 1997 (…)
— SCHAEFFER, Jean-Marie, L’art de l’Âge Moderne: L’Esthétique et la Philosophie de L’Art du XVIII Siècle à
Nos Jours, Éditions Gallimard, Paris, 1992.
O “Filósofo da suspeita”
↓
— relativismo gnosiológico (questionamento da noção de verdade).
perspectivismo:
não se trata apenas de afirmar que cada sujeito possui do real uma
perspectiva distinta e de algum modo incompatível com as dos
outros sujeitos, mas de afirmar que aquilo que se entende por facto
ou realidade é sempre o resultado de uma interpretação.
Pluralismo e Perspectivismo c)
• A “vontade de poder” não deve ser entendida como um desejo de domínio sobre o
outro, mas como uma definição do homem não face à proibição e ao limite, mas face
ao ilimitado, face ao excesso:
• aquilo que confere vida não é o limite da lei moral, mas a hybris, (Húbris) o
excesso dionisíaco e criador.
Sermão das bem-aventuranças.
Nietzsche acusa de Niilista toda a cultura de raiz metafísica ,como por exemplo o
“ideal ascético” que caracterizaria a moral ocidental de raiz cristã:
“Não pode negar-se a natureza desta direcção do asceta: este ódio a tudo
quanto era humano, quanto era animal, a tudo quanto era material, aos
sentidos, à razão, à felicidade, à beleza, à forma, à mudança, ao movimento,
ao esforço, ao desejo; tudo isto significa uma vontade de aniquilação, uma
hostilidade à vida, uma negação das condições fundamentais da existência.
(...)”
É este nada de realidade, esta ficção de uma realidade construída sobre a negação da
realidade, que Nietzsche caracteriza como niilista.
Embora nasça de uma vontade de conferir sentido à vida, o niilismo inerente à religião
ou à metafísica só consegue conferir sentido à vida à custa de uma negação da
própria vida.
Contra este modelo, Nietzsche pretende afirmar o valor da vida como tal, sem
estar dependente de nenhum sentimento de culpa ou de menoridade.
A “morte de Deus” e crítica ao absoluto a)
“O louco. Nunca ouviram falar daquele louco que, à luz clara da manhã, acendeu
uma lanterna, correu para a praça do mercado e se pôs a gritar
incessantemente: «Ando à procura de Deus!». Estando reunidos na praça
muitos daqueles que, precisamente, não acreditavam em Deus, o homem
provocou grande hilaridade. «Será que se perdeu?», dizia um. «Será que se
enganou no caminho, como se fosse uma criança?», perguntava outro. «Ou
estará escondido?» «Terá medo de nós?» «Terá embarcado?» «Terá partido
para sempre?», assim exclamavam e riam todos ao mesmo tempo. O louco
saltou para o meio deles e trespassou-os com o olhar. «Quem vos vai dizer o
que é feito de Deus sou eu», gritou! «Quem o matou fomos todos nós, vós
mesmos e eu! Os seus algozes somos nós todos! E como o fizemos? Como
conseguimos engolir todo o mar? Quem nos deu a esponja para a apagar todo
o horizonte? Que fizemos nós, quando soltámos a corrente que ligava esta
terra ao seu sol? Para onde se dirige ela agora? Para onde vamos nós? Para
longe de todos os sóis? Não estaremos a precipitarmo-nos para todo o
sempre? E a precipitarmo-nos para trás, para os lados, para a frente, para
todos os lados? Será que ainda existe um cima e um baixo? Não andaremos
errantes através de um nada infinito? Não estaremos a sentir o sopro do
espaço vazio? Não estará agora a fazer mais frio? Não estará a ser noite para
todo o sempre, e cada vez mais noite? Não teremos de acender lanternas em
pleno dia?
• (…)
A “morte de Deus” e crítica ao absoluto b)
Será que ainda não estamos a ouvir o ruído que fazem os coveiros a enterrar Deus?
Ainda não nos terá chegado o cheiro da decomposição divina? Porque até os
Deuses se decompõem! Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou
fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que
o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e poderoso sucumbiu exangue aos
golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos
lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados teremos de inventar? A
grandiosidade deste acto não será demasiada para nós? Não teremos de nos
tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas digno dele? Nunca existiu
acto mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte,
mercê deste acto, de uma história superior a toda a história até hoje.» Aqui o louco
calou-se e fitou de novo os seus ouvintes; também eles se calaram e o olharam
espantados. Ele, por fim, lançou ao chão a lanterna, que se desfez em pedaços e se
apagou. «Cheguei cedo de mais», disse então, «o meu tempo ainda não é este. Este
acontecimento extraordinário há-de vir ainda, transita ainda, não chegou ainda aos
ouvidos dos homens. O relâmpago e o trovão levam o seu tempo, a luz dos astros
leva o seu tempo, os actos, mesmo depois de executados, levam o seu tempo a ser
vistos e ouvidos. Este acto está ainda mais longe dos homens do que os astros
mais longínquos. E, no entanto, foram os homens que o praticaram!» Conta-se
ainda que o louco entrou nesse mesmo dia em várias igrejas e aí cantou o seu
requiem eternam deo. Expulso dos templos e interrogado, ripostou sempre apenas
isto: «Que são agora ainda estas igrejas senão os túmulos e os monumentos
funerários de Deus.
Nietzsche, A Gaia Ciência, p. 139-141.
A “morte de Deus” e crítica ao absoluto c)
- Não será possível pretender que existam critérios estéticos de carácter universal, ou
obras de arte passíveis de serem entendidas como eternas.
- deve ser o próprio niilismo a constituir-se como elemento de superação das suas
aporias:
- A relação do sujeito com o real não é neutra, nem tão-pouco o é a relação do sujeito
com a obra de arte: ela é, ao contrário, empenhada.
A arte como afirmação
a arte é aparência que o é como tal, sem que por isso a sua realidade seja
diminuída.
Arte e verdade b)
.
Apolo versus Dioniso
«Em quase todos os lados, o centro dessas festas residia num deboche sexual
exagerado, cujas ondas transbordavam por sobre todo o mundo da família
e os seus respeitáveis estatutos; precisamente as instâncias mais
bestialmente selvagens da natureza eram aqui libertas, até se atingir
aquela repugnante mistura de volúpia e crueldade que sempre me pareceu
ser a verdadeira “poção mágica “.»
Nietzsche, O Nascimento da Tragédia, p. 30-31
Contra o logos a)
«(...) a essência do elemento dionisíaco, que nos ainda é dada do modo mais
aproximado pela analogia do êxtase. Seja sob a influência da bebida narcótica,
de que falam em hinos todos os homens e povos originários, seja com a
poderosa aproximação da Primavera, que penetra plena de prazer, despertam
aquelas agitações dionisíacas, em cuja progressão desaparece o que é
subjectivo, até atingir um pleno esquecimento de si próprio.
(...)
Sob a magia do elemento dionisíaco estreita-se não apenas a união entre um ser
humano e outro: também a natureza alienada, hostil ou subjugada volta a
celebrar a festa da reconciliação com o seu filho pródigo, o ser humano.»
- a arte deve ser expressão e motor deste excesso irredutível a qualquer ordem
moral, estética ou epistémica:
«O ser mais rico da plenitude da vida, o deus e homem dionisíaco, pode entregar-
se não só à contemplação do terrível e do duvidoso como até às próprias acções
terríveis e a todos os luxos de destruição, decomposição e negação; o mal, a
irracionalidade e a fealdade parecem-lhe igualmente permitidos, em
consequência de um saldo positivo de forças criadoras e fecundas, que
consegue até fazer de qualquer deserto um terreno viçoso e fértil.»
o valor de um artista ou de uma obra de arte é tão mutável quanto o de qualquer outra
experiência humana. O valor da arte reside na sua capacidade de questionar a própria
noção de um valor universal.
«(...) Por exemplo, se vigorar a crença em que o carácter é imutável e que a essência do
universo se manifesta continuamente em todos os caracteres e acções: então, a obra
do artista torna-se a imagem do eternamente permanente, enquanto que, para a
nossa maneira de ver, o artista só pode dar validade à sua imagem por um tempo,
porque o homem em geral resulta de uma evolução e é mutável, e o próprio homem
individual não é nada de firme e permanente.»
F. Nietzsche, Humano, Demasiado Humano, p. 203.