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Avaliação da exposição

humana ao chumbo

Eduardo De Capitani
Faculdade de Ciências Médicas
UNICAMP
Chumbo (Pb)
• Metal mais antigo manipulado pelo
homem
• ferramentas e vasos egípcios de 3.500 AC
• romanos:
– vinhos e cidras adoçados ou conservados
com Pb
– taças e copos de Pb
– aquedutos
– provável contribuição para a queda do império
– (Gilfillan, 1965)
História da intoxicação por Pb
• Hipócrates descreveu cólicas por Pb em
mineiros em 370 AC
• Plínio (o velho) descreve intoxicações em
construtores de navios que usavam tintas
com Pb (79 DC)
• Epidemias de saturnismo na idade média
devido ao costume romano de adicionar
PbO ao vinho
• 1723, no EUA = proibição de uso de
alambiques com ligas a base de Pb
História da intoxicação por Pb
• 1767 - George Baker: epidemia de
saturnismo em Devonshire por
contaminação de Cidra
• 1839 - Tanquerel des Planches: descrição
de 1217 casos clínicos de intoxicação
• 1899 - Thomas Legge: primeiro médico de
fábrica inglês a notificar saturnismo como
doença profissional
• 1910 - Alice Hamilton: investigação
epidemiológica em empresas dos EUA
Características físicas e químicas
• NA = 82
• PA = 207,2
• maleável, cinza
• T fusão = 327o C
• T ebulição = 1620o C
• minério com maior concentração =
galena - PbS
Galena

Sulfeto
pirita de Pb
Características físicas e químicas

• Forma ligas com Zn, Sn, Cu, Ni, (As)


– bronze = 85-5-5-5 (%Cu-Zn-Sn-Pb)
– latão = 60-35-4,5 (%Cu-Zn-Pb)
• Forma compostos inorgânicos como
pigmentos coloridos
• Forma compostos orgânicos
Compostos inorgânicos de Pb

Arsenato de Pb Pb3(AsO4)2
Carbonato de Pb 2 PbCO3Pb(OH)2
(branco básico)
Cromato de Pb PbCrO4
(cromo amarelo)
Óxido de Pb Pb3O4
(vermelho)
Monóxido PbO
Sexquióxido Pb2O3
Subóxido Pb2O
Peróxido PbO2
Compostos orgânicos de Pb

• Acetato de Pb Pb (C2H3O2)2

• Estearato de Pb Pb (C18H35O2)2

• Chumbo Tetraetila Pb (C2H5)4

• Chumbo tetrametila Pb (CH3)4


Dados de produção e consumo
• Produção mundial de Pb = 9 milhões
de toneladas / ano
• Metade da produção mundial vai
para produzir BATERIAS
• EUA
– consome 11 milhões de ton / ano
– minera 5 milhões de ton / ano
– recicla 6 milhões de ton / ano
Fontes industriais de exposição a
chumbo
• Fundições Primárias • Esmaltação de
e Secundárias cerâmicas
• Produção de ligas • Fabricação de
(bronze, latão) pigmentos e “fritas”
• Fabricação e • Fabricação de PVC
recuperação de e outros plásticos
baterias • Indústria de
borracha
Gentileza Dr. Gilmar Trivellato
z

z
Fontes industriais de exposição a
chumbo
• Fabricação de • Solda eletrônica (Sn
cabos elétricos + Pb)
• Operação de corte e • Produção de
solda de metais compostos
contendo chumbo orgânicos de Pb
• Jateamento de areia
de estruturas
metálicas (pontes,
navios)
Fontes não industriais de exposição
a chumbo
• Bebidas alcoólicas • Tinturas de cabelo
• Uso de cristais • Tiro ao alvo
finos e porcelana • Cerâmica artística
esmaltada caseira
• Utensílios de PVC • Projétil de arma de
• Fabricação caseira fogo alojado em
de “chumbadas” articulações ou
de pesca e canal medular
cartuchos • Alimentos
• Tintas em brinquedos industrializados
Toxicocinética do Chumbo
• Absorção:
– Inalatória = 60%
– Digestiva
• Adultos = não mais que 10%
• Crianças = até 50%
– Dérmica = só produtos orgânicos
• chumbo tetraetila
• acetato de Pb
Toxicocinética do Chumbo

• Liga-se bem aos eritrócitos


• Bem distribuído por todos os tecidos
• Passa bem BHE e barreira placentária
• Cinética de distribuição complexa:
– meia vida prolongada em ossos e dentina
( ~ 30 anos)
– meia vida intermediária em cérebro, rins, fígado,
baço, vísceras ocas, etc. (meses a anos)
– meia vida curta no sangue ( ~ 60 - 120 dias)
Toxicodinâmica
• Hemólise
• 1,25 hidroxi vitamina D
• ação na cadeia de formação do HEME
• ação endotelial direta (vasoconstrição)
• lesão de células tubulares
• glomeruloesclerose
• metabolismo de nervos periféricos
• altera homeostase de neurotransmissores
ALA-D

ALA-U

CPU

EP
Hb ZPP
Toxicodinâmica

• Afinidade por grupamentos SH


• Inibição enzimática geral
• Inibição do sistema enzimático na
produção do HEME:
• ALA-D
• ALA-U (ALA-S)
• CPU
• EP - ZPP
• Hb
Toxicodinâmica

• Efeitos imunológicos
– diversos
• Efeitos endócrinos
– pouco evidentes
• função tireoidiana (?)
• hormônio do crescimento
• inibição da conversão de da vitamina D em
1,24 hidroxivitamina D
Toxicodinâmica
• Efeitos reprodutivos
– masculinos:
• contagem menor e mais formas anormais de
espermatozóides
– abortamento ?
– natimortos ?
– teratogênese ?
Toxicodinâmica
• Efeitos carcinogênicos
– exposições sobrepostas a As, Cr6+,Cd,
hidrocarbonetos aromáticos
– neoplasias renais ?
– IARC:
• Pb inorgânico = 2B (provável carcinogênico)
• Pb orgânico = 3 (não classificável)
Quadro Clínico
• Agudo x Crônico
• Leve - Moderado - Grave
– Fadiga, indisposição, inapetência,
dispepsia, constipação, cólicas
– Mialgia generalizada (panturrilha)
– Cefaléia, irritabilidade, alterações de
humor, desatenção, perde de memória e
conentração, insônia, sonolência
– Perda de libido
Quadro Clínico
• Agudo grave
– cólicas intensas refratárias
– encefalopatia / convulsões
– insuficiência renal aguda
• necrose tubular aguda
– hemólise
– hipertensão arterial
Quadro Clínico

• Crônico por exposição intensa


prolongada
– hipertensão arterial
– insuficiência renal crônica
• intersticial tubular
• glomerulopatia
• hiperuricemia (GOTA SATURNíNICA)
– neuropatia periférica
• predomínio motor
Monitoramento biológico
Parâmetro VR IBE
Pb-S cças ? 10 g/dl
Pb-S adulto 40 (?) 60 g/dl
ALA-U 4,5 mg/gC 10 mg/gC
CPU 150 mg/L
EP 250 g/dl
ZPP adulto 40 g/dl 100 g/dl
Valores de Referência para Pb-S em adultos
LOCAL N Média de Pb-S Referência
(DP)

São Paulo – SP 63 14,2 (4,3) – H Fernícola &


Azevedo, 1981
37 9,3 (3,9) – M
Londrina – PR 520 5,7 (mediana) Paoliello et al,
2001
Itália (várias 2.861 15,3 (mediana) – H Morisi et al, 1989
regiões)
3806 10,0 (mediana) –M
Itália 203 13,8 (4,0) Apostoli &
Alessio, 1990
Itália (Lombardia) 959 15,7 Minoia et al, 1990
Dinamarca 100 5,6 (2,7) – H Grandjean, 1992
4,6 (2,9) - M
EUA 4.320 (20-49 2,6 (média geom) NHANES III
anos) (1988-91)
Avaliação da exposição a Pb em
crianças do Alto Vale do Ribeira, SP-PR
• Monica M.B. Paoliello UEL
• Eduardo M. De Capitani FCM-Unicamp
• Fernanda G. Cunha CPRM-RJ
• Tiemi Matsuo UEL
• M.F. Carvalho IAL
• Alice Sakuma IAL
• Bernardino R. Figueiredo IG-Unicamp

– FCM -Faculdade de Ciências Médicas - Unicamp


– IG - Instituto de Geociências -Unicamp
– UEL - Universidade Estadual de Londrina
– IAL - Instituto Adolfo Lutz - SES - SP
– Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais -RJ
Avaliação da exposição a Pb em crian-ças do
Alto Vale do Ribeira, SP-PR
• Região do Vale do Ribeira é conhecida
desde o século XVI pelos seus
depósitos de ouro, prata e chumbo
• Mineração e refino de chumbo foram
realizadas pela Plumbum SA, em
Adrianópolis, PR, por 50 anos, até
1995.
• Filtros manga foram instalados apenas
no final da década de 80.
Avaliação da exposição a Pb em crian-ças do
Alto Vale do Ribeira, SP-PR

• Junho de 1999 a outubro de 2000


• Coletadas amostras de sangue de
crianças em:
– Adrianópolis (área urbana e rural: Vila Mota,
Capelinha e Porto Novo)
– Ribeira (SP), área urbana
– Iporanga (SP), área rural, (localidade da Serra)
– Cerro Azul (PR)
Avaliação da exposição a Pb em crian-ças do
Alto Vale do Ribeira, SP-PR
• Comitê de Ética em Pesquisa da FCM-
Unicamp
• Reuniões nas escolas com pais e
professores
• Questionário com variáveis demográficas,
hábitos alimentares, ocupação, tempo de
moradia, etc..
Avaliação da exposição a Pb em crian-ças do
Alto Vale do Ribeira, SP-PR
• 345 crianças de 7 a 14 anos
• Vila Mota e Capelinha, foram colhidas
amostras de sangue de 94 crianças.
• EAA-FG c/ corretor de fundo Zeeman
no Instituto Adolfo Lutz de São Paulo
Quadro 1: Média das dosagens de chumbo (PbS) em crianças de 7 a 14 anos
conforme a localidade amostrada

Localidade n Média de PbS em


μg/dl

Vila Mota e Capelinha 94 11,9 * (1,8-37,8)

Zona urbana de Adrianópolis 67 6,1

Porto Novo (rural de Adrianópolis) 51 4,2

Zona urbana de Ribeira 40 5,4

Zona rural de Iporanga (bairro Serra) 43 5,4

Zona urbana de Cerro Azul 41 2,5

* p < 0,001 para todas as comparações desse valor .


Quadro 2: Valores de referência para PbS em grupos de crianças
não expostas.

País Faixa etária Mediana em g/dl Referência


em anos
EUA* 6 a 11 2,5 Brody et al, 1994

Alemanha ** 6 a 14 3,5 Seifert et al, 2000

Suécia 1a7 3,0 Bjerre et al, 1993

Suécia 3 a 19 2,7 # Stromberg et al, 1995

Suécia 1a7 1,9 Beglund et al, 2000

Polônia 7 7,9 Zejda et al, 1995

* VR populacional para todos os EUA obtidos pela NHAMES III fase 1, entre 1988 e 1991
** VR populacional para toda a Alemanha obtidos pela GerES II, entre 1990 e 1992
# Média geométrica em meninos na faixa etária (meninas obtiveram MG de 2,3)
Quadro 3: Evolução da plumbemia média geométrica ente crianças de 1 a
5 anos entre 1976-80 e 1991094, nos EUA, segundo
NHANES (II e III, fases I e II) e NHANES 1999.

NHANES II NHANES III NHANES III NHANES


Fase I Fase II

Crianças entre 1 e 1976-1980 1988-1991 1991-1994 1999


5 anos de idade
Média geométrica 15,0 3,6 2,7 2,0
de PbS em g/dl

PbS  10 g/dl 88,2% 8,9% 4,4% -


Evolução dos níveis de ação (action
levels) para PbS em crianças
recomendados pelo CDCP
70
60
60
PbS em mcg/dL

50
40
30
30 25
20
10
10
0
1960-70 1970-85 1985-91 1991-
presente
Quadro 4: Ações recomendadas conforme a faixa de plumbemia (PbS) em
crianças segundo CDC-EUA, 1991

Classe PbS em
μg/dl Recomendações *

I 9 Baixo risco. Repetir dosagem periodicamente no


caso de viver em área de risco elevado

IIA 10 – 14 Repetir dosagem com peridodicidade de acordo


com a faixa etária (detalhes do texto do CDC, 1991)

No caso de muitas crianças estarem nessa faixa de


resultado, avaliação e medidas ambientais devem
ser tomadas.

IIB 15 – 19 Sinal de existência de fonte importante de chumbo


no ambiente.

Verificar também possíveis fontes domiciliares,


ocupação ou hobbies dos pais, fontes alimentares,
escola, etc..

Avaliação e controle ambiental no caso de


persistência dos níveis. Orientação nutricional,
higiene doméstica e pessoal, etc..

III 20 – 44 Confirmar resultado com nova dosagem. Avaliação


médica diagnóstica. Identificar fontes e eliminá-las.

**Crianças com níveis entre 25 e 44, confirmadas


com nova dosagem, devem realizar teste de
quelação, desde que afastadas da exposição.

IV 45 – 69 Confirmar com nova dosagem. Afastamento das


fontes de contaminação. Tratamento quelante. Não
realizar teste de quelação.

V  70 Confirmar com nova dosagem urgente. Internação


e tratamento quelante imediato
* Em todas as recomendações deve-se estabelecer o controle ambiental.
Modificado de CDC, 1991.
Quadro 5: Resultados das plumbemias conforme as faixas preconizadas pelo
CDC, comparando as diversas localidades.

Vila Mota e Capelinha Todas as outras Total


localidades juntas
( 94) (201)* (295)
PbS em
N % N % N %
g/dl
< 10 38 40,4 184 91,5 222 75,2

 10 56 59,6 17 8,5 73 24,8

 20 12 12,8 01 0,5 13 4,4

* excluindo as crianças de Cerro Azul.


Quadro 6: Associação entre níveis de plumbemia em crianças e variáveis
no modelo de regressão logística

Odds Ratio
VARIÁVEIS ou Razão de Intervalo de
Chance Confiança (95%)
Ajustadas

Sexo
Feminino 1,00
Masculino 2,60 1,24 - 5,62
Idade
 11 anos 1,00
> 11 anos 1,37 0,65 - 2,94
Local de moradia atual
Outros 1,00
Vila Mota e Capelinha 10,37 4,85 - 23,25
Moradia anterior na vila operária da refinaria de Pb
Não 1,00
Sim 1,87 0,71 - 4,94
Quadro 6: Associação entre níveis de plumbemia em crianças e variáveis
no modelo de regressão logística

Odds Ratio
VARIÁVEIS ou Razão de Intervalo de
Chance Confiança (95%)
Ajustadas

Consumo diário de leite


Não 1,00
Sim 0,84 0,41 - 1,73
Consumo de verduras cultivadas em casa
Não 1,00
Sim 1,38 0,59 - 3,20
Consumo de frutas cultivadas em casa
Não 1,00
Sim 1,50 0,70 - 3,22
Pai trabalhou com mineração/refinaria de Pb
Não 1,00
Sim 4,06 1,81 - 9,23
Quadro 13: Concentração de Pb em poeira doméstica em casas de crianças
com mais de 20 g/dl de PbS

Código da Amostra Valor de PbS da criança Concentração de Pb em


g/g (ppm)
A1 37,8 1.100

A2 37,8 569

B 24,1 538

C 29,0 218

D 19,5 299

E1 24,0 994

E2 24,0 3.268

F 23,0 552

EPA-USA 400 mg/kg (ppm), valor limite guia para solo (soil screening
guidance) (ATSDR, 2000).
Concentração média de chumbo em poeira domiciliar em
três bairros de Bauru-SP

5000 4597
4500
4000
Dosagem de Pb (ppm )

3500
3000 2770 2645
2500
2000
1500 1227
1000 702
500 169 50 135
0
Dosagens de Pb em poeira superficial de quintais de casas a
800 m da empresa (amostras 1,2,3 e 4), de rua de terra
(amostra 5) e a 11 km da empresa (amostra 6) (coleta em julho
2002)

120
98
100
78
Pb em mcg/g

80
60 50 48
40 32
20 10
0
1 2 3 4 5 6
800 m da empresa rua 11 km
Quadro 2: Valores de referência para PbS em grupos de crianças
não expostas.

País Faixa etária Mediana em g/dl Referência


em anos
EUA* 6 a 11 2,5 Brody et al, 1994

Alemanha ** 6 a 14 3,5 Seifert et al, 2000

Suécia 1a7 3,0 Bjerre et al, 1993

Suécia 3 a 19 2,7 # Stromberg et al, 1995

Suécia 1a7 1,9 Beglund et al, 2000

Polônia 7 7,9 Zejda et al, 1995

* VR populacional para todos os EUA obtidos pela NHAMES III fase 1, entre 1988 e 1991
** VR populacional para toda a Alemanha obtidos pela GerES II, entre 1990 e 1992
# Média geométrica em meninos na faixa etária (meninas obtiveram MG de 2,3)
Quadro 3: Evolução da plumbemia média geométrica ente crianças de 1 a
5 anos entre 1976-80 e 1991094, nos EUA, segundo
NHANES (II e III, fases I e II) e NHANES 1999.

NHANES II NHANES III NHANES III NHANES


Fase I Fase II

Crianças entre 1 e 1976-1980 1988-1991 1991-1994 1999


5 anos de idade
Média geométrica 15,0 3,6 2,7 2,0
de PbS em g/dl

PbS  10 g/dl 88,2% 8,9% 4,4% -


Evolução dos níveis de ação (action
levels) para PbS em crianças
recomendados pelo CDCP
70
60
60
PbS em mcg/dL

50
40
30
30 25
20
10
10
0
1960-70 1970-85 1985-91 1991-
presente
Vale do Ribeira Média das dosagens de chumbo (PbS) em crianças de 7 a 14
anos conforme a localidade amostrada

Localidade n Média de PbS em μg/dl

Vila Mota e Capelinha 94 11,9 * (1,8-37,8)

Zona urbana de Adrianópolis 67 6,1

Porto Novo (rural de Adrianópolis) 51 4,2

Zona urbana de Ribeira 40 5,4

Zona rural de Iporanga (bairro Serra) 43 5,4

Zona urbana de Cerro Azul 41 2,5

* p < 0,001 para todas as comparações desse valor .

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