Você está na página 1de 16

Educação como plataforma da construção, desenvolvimento e inclusão no mundo lusófono em Dom Alexandre

Resumo

O Trabalho aborda o projeto educativo de Dom Alexandre, fundador da Universidade São Tomás de
Moçambique, primeiro padre negro em Moçambique, bispo e cardeal católico, enquanto exemplo
paradigmático de uma educação inclusiva virada para o desenvolvimento, cujas raízes são hauridas do
ideário educativo do Estado Novo Português que é transportado para as chamadas províncias ultramarinas
portuguesas. Analisa o percurso intelectual de um homem ancorado na ética e na dignidade humana que
aponta para o desenvolvimento inclusivo do ponto de vista racial e espelha um modo de ser, estar e fazer,
apelidado de lusotropicalista por Gilbert Freire.

Donde se segue que as palavras chaves sejam: Escola, Educação, Desenvolvimento, Pátria, Ética e
Moral.
Introdução

Com efeito, pretende-se trazer à lume, as ideias e práxis de um líder, que ensinou e viveu sob o lema,
servire non serviri (servir e não ser servido), produto da lusofonia e das políticas lusotropicalistas do
Estado Português, defendidas por Gilbert Freire. Trata-se de mostrar, com este exemplo, que existiram
outros percursos que contribuíram, de forma decisiva, para a construção dos Estados Africanos, para além
daqueles forjados nas lutas pelas independências africanas, nem por isso menos meritórias. E no caso
vertente de Dom Alexandre, o seu contributo, embora essencialmente tenha sido no campo pastoral, como
bispo, acabou por transbordar para o campo da educação, onde deixou obra feita e princípios
metodológicos e didáticos relevantes para uma educação inclusiva e nessa medida contribuiu para a
ciência feita em português.
Objetivos

O Objetivo geral do trabalho, centra-se na discussão de uma didática que prioriza os elementos práticos da vida e
releva para o saber fazer, sem descurar o saber ser e estar, imbuído pelo carácter transformador da educação. O
trabalho analisa o contributo de alguém que se deixou impregnar e contagiar pelas ideias republicanas portuguesas
que dominaram o seu tempo, sem com isso perder a sua autenticidade africana, nem desmerecer da sua fé cristã e
católica.

Objetivos Específicos

Daqui se depreende que o objetivo específico a destacar, seja a análise do projecto pedagógico de Dom Alexandre
haurido do seu percurso intelectual.
Problematização

O grande problema é que está firmada na mundividência africana actual, de modo particular nos países africanos de
expressão lusófona, vulgo PALOPs, que só os que se revoltaram contra o Estado Colonial, regra geral por via armada,
tiveram um contributo significativo para a construção da África moderna, subalternizando deste modo, todos os que
contribuíram para o desenvolvimento de África por outras vias.

Mas hoje, com a tragédia que alguns líderes independentistas protagonizaram e atraíram para os seus próprios países,
começa a emergir outras leituras que destacam outras personalidades como tendo tido também, um contributo
assinalável naquilo que África é hoje. É o caso de Dom Alexandre José Maria dos Santos, Primeiro Cardeal, Arcebispo
e padre negro em Moçambique.

Donde surge, a seguinte pergunta de pesquisa:

Que trajetória formativa, pressupostos epistemológicos e doutrinários transformaram o Jovem Mussone de Djô, de
Mavila, em Alexandre José Maria dos Santos, líder carismático, educador e fundador de uma das maiores universidades
moçambicanas? E qual foi o seu contributo para a educação em Moçambique.
Hipótese

Religião, Civilização e Pátria, é a tríplice axiológica que esteve na base da educação de Dom Alexandre e do mundo
português em que viveu, estudou, se formou e trabalhou. Com efeito, a religião, a tradição, os bons costumes, o
serviço à comunidade e à Pátria, a solidariedade humana numa perspetiva cristã, o apego à terra, eram as
características basilares do Estado Novo Português que atravessa meio século de vida em que Dom Alexandre se fez
homem, cristão e padre.

Postula-se também que o trinómio Religião, Civilização e Patriotismo é a base do seu projeto educativo, emancipador
e denominado pela Universidade São Tomás que fundou, de Educação Integral e Integrada. Integral no sentido de ser
abrangente e integrada na medida em que implica a pessoa toda, sobretudo, na dimensão de integração de valores
humanísticos.

Metodologia

O método preconizado é, evidentemente, o histórico comparativo, baseado na consulta documental.


Ensino Primário

Dom Alexandre frequentou, no território da antiga Missão de Mocumbi, na Província de Inhambane, distrito de
Zavala, a escola Senhora de Fátima de Mavila que fora fechada pelo administrador colonial, por não ser de
alvenaria, cito Félix Lopes, em 1932 abriu a de S. José de Madovele, pedida pelo régulo de Inhanombe e
fechada em 1933 por falta de professor, e também , a 1 de Julho, a de S. Miguel de Mangorro, em 1933 as de S.
João Baptista de Inhacane, S. Ana de Cande e Senhora de Fátima de Mavila, estas duas fechadas por ordem
do administrador de Zavala em 1935, pelo facto de não serem de alvenaria.

Com efeito, segundo os padrões republicanos da época, escola era escola se era de alvenaria, se denotasse também
pelo seu exterior, o ideário de progresso e civilização, apregoado pelos republicanos portugueses da época. Longe
ainda estávamos dos tempos em que haveria de se erguer escolas em choupanas, sem carteiras nem condições
mínimas de higiene.
Assim, foi parar a escola de Chambal, que era de alvenaria, como exigiam os padrões republicanos do
administrador colonial da época, onde concluiu a terceira classe, para depois rumar para a Sede da Missão de
Mocumbi frequentar a quarta classe, última do ensino primário, essencial para fazer o curso de professor ou
ingressar nas escolas de artes e ofícios. Posto que o ensino que fez era sempre profissionalizante: Ou estudava
para ser professor, ou estudava para ter alguma arte qualquer, desde curso de pedreiro, carpinteiro, enfermeiro,
por aí em diante.

Portanto, ao passar no exame da terceira classe elementar em Mocumbi, para ingressar e frequentar a quarta
classe na sede missionária, Dom Alexandre estava a atravessar uma fronteira importante para tudo o que veio a
acontecer mais tarde, a começar pela sua ida ao Seminário de Amatongas.
Patrióta e Fiel à Coroa Portuguesa

E a propósito da Missão de Mocumbi, escreve o missionário franciscano Padre Alberto Teixeira de Carvalho,
1948:38ss, em https://archive.org/details/missoesfranciscaOOunse, citado no dia 2 de Agosto de 2022, esta Missão,
situada na margem esquerda — do rio que lhe deu o nome, fica perto da povoação do régulo Mocumbi, antigamente o
maior potentado preto em terras de Inhambane e sempre fiel à soberania da coroa portuguesa, que desde os seus avós
nunca se humilhou às prepotências dos reis vátuas, que por vergonha nossa dominavam…

Fiel à soberania portuguesa, ou seja, patriota nos padrões da época. E no mesmo trecho explica Padre Alberto Teixeira
de Carvalho, 1948:38ss, em https://archive.org/details/missoesfranciscaOOunse, citado no dia 2 de Agosto de 2022:

Regulado poderoso, com densa população e guerrilheiros destemidos, repeliu sempre as mangas dos vátuas para fora
das suas terras, quando elas, na cobiça da rapinagem, queriam atravessar essas terras e cobrar o imposto de
vassalagem, como faziam noutros régulos por eles dominados.

Portanto, Dom Alexandre é do grupo étnico e linguístico, Chope, vista como fiel a coroa portuguesa que colabora com
os poderes coloniais da época. Fiel a coroa portuguesa, isto é, patriota, aspirante, portanto, a assimilação da civilização
portuguesa, importante para perceber que tipo de educação primária teve Dom Alexandre.
Civilizado/Desenvolvido/Evoluído

Inserido no seu tempo, fica claro que as ideias que comandaram a vida de Dom Alexandre e o moveram para realizar os
seus grandes projetos e atos que marcaram o país, encontram uma explicação lógica e deixam de assumir o carácter
milagreiro que pareciam ter. Como qualquer jovem português ou de colónia portuguesa desse tempo, aprendeu, acreditou
e praticou a simples ideia de que desenvolvimento e educação andam juntos, ou seja, que não há desenvolvimento sem
educação e valores, nem uma verdadeira educação que não gera desenvolvimento.

É por demais conhecida a ideologia republicana e o seu desprezo pelo analfabeto, como reitera Inês Simão, Educação na
primeira república, http://www.publico.pt/temas/jornal/ analfabetismo-e-educacao- popular-19905476 http://repositorio.ul.pt/bitstream/
10451/10732/1/Experi%C3%AAncias %20republicanas.pdf:

O discurso então difundido, em particular pelos republicanos, dramatizou ao limite esse problema, pressupondo um
olhar acentuadamente desvalorizador sobre a figura do analfabeto, colocado na antecâmara da "civilização" e a quem
era atribuída uma espécie de menoridade cívica. O analfabeto, pela sua incapacidade de aceder à cultura escrita, não
estaria em condições de ser o cidadão-eleitor, consciente e participativo, almejado pela República. Em artigo da
Educação Nacional constata-se que o homem sem instrução "pouco difere dos irracionais" e noutro artigo, desta vez n"A
Federação Escolar, compara-se o homem sem instrução a "um selvagem que o professor precisa civilizar".
Aliás, a Professora juniveva Sitóe é da mesma opinião, como defendeu, durante a Conferência Dom Alexandre, 2022, que
o sonho de infância do Cardeal Dom Alexandre era ser civilizado, querendo com isso dizer, que queria ser um homem
culto, estudado, enfim, motor do desenvolvimento.

Aliás, durante a sua infância, segundo suas próprias palavras, se debatia com duas escolhas: ser professor ou motorista.
Com efeito, o professor era o grande agente do desenvolvimento e o motorista era, na aldeia, a encarnação viva de
tecnologia e do conhecimento, capaz de encurtar distâncias, ligar aldeias em poucas horas, enfim, era mesmo a encarnação
do desenvolvimento tecnológico da época, como referimos em outro lugar, Silvério Ronguane, 2008: Não admira,
portanto, que na cabeça de Mussone, se digladiassem duas ideias: ser professor ou mestre em ofícios? Saber conduzir um
carro por exemplo.

Assim, pode se concluir, sem medo de errar, que Dom Alexandre se deixou impregnar e contagiar pelas ideias republicanas
que dominaram o seu tempo, posto que estes, em discursos, mensagens e leis, defendiam e difundiram a simples ideia de
que, como se pode ler no Preâmbulo do Decreto de 29 de Março de 1911:
Educar uma sociedade é fazê-la progredir, torná-la um conjunto harmónico e conjugado das forças individuais, por
seu turno desenvolvidas em toda a sua plenitude. E só se pode fazer progredir e desenvolver uma sociedade fazendo
com que a acção contínua, incessante e persistente de educação atinja o ser humano sob o tríplice aspecto: físico,
intelectual e moral
Muitos autores são unânimes em asseverar que a educação republicana, aquela que vigorava no tempo de Dom Alexandre, de modo
particular na escola primária, cimentava o patriotismo, o civismo e a alfabetização como factores fulcrais da formação do Homem, cito
de novo Inês Simão, Educação na primeira república, http://www.publico.pt/temas/jornal/ analfabetismo-e-educacao- popular-19905476
http://repositorio.ul.pt/bitstream/ 10451/10732/1/Experi%C3%AAncias %20republicanas.pdf :

A escola, em particular, a escola primária, passou a ser vista como o lugar privilegiado para a formação do cidadão;
daí a importância que a educação moral e cívica desempenhava no currículo escolar, tanto no que se refere à sua
dimensão formal como no que diz respeito a todo um vasto conjunto de símbolos e rituais. No centro dessa verdadeira
religiosidade cívica estava o culto da pátria, da sua história e dos seus heróis. Para além de consciente dos direitos e
deveres correspondentes, o cidadão a formar devia ser, ainda, exemplar do ponto de vista da sua moralidade.
Educação/Ciência/Técnica

Mais, o aludido sistema de ensino, apesar de ancorado na formação humana, patriótica e moral, tinha um cunho prático
bastante acentuado, cito de novo, Inês Simão, Educação na primeira república, http://www.publico.pt/temas/jornal/ analfabetismo-e-
educacao- popular-19905476 http://repositorio.ul.pt/bitstream/ 10451/10732/1/Experi%C3%AAncias %20republicanas.pdf :

O que se aprendia, leitura, escrita e noções básicas da língua portuguesa, operações fundamentais da aritmética, noções do
sistema métrico decimal, leitura e conversação, escrita e composição, noções gerais da língua portuguesa, desenho e
modelação, fotografia, canto coral e recitação, noções elementares de aritmética, geometria e conhecimentos básicos de
ciências físico-químicas..., estenografia, oficinas, campos experimentais, matemáticas elementares, geometria, álgebra e
agrimensura.
Dom Alexandre, portanto, teve uma educação baseada nos pressupostos epistemológicos defendidos pelos republicanos.
E, como foi dito, os republicanos, colocavam a escola no centro do almejado desenvolvimento, sem a qual, para eles,
seria impossível qualquer tipo de avanço civilizacional e tecnológico. Cito um destacado Escritor da Época, também ele
paladino fervoroso dessas ideias, Eça de Queirós, 1922, citado por Inês Simão, Educação na primeira república,
http://www.publico.pt/temas/jornal/ analfabetismo-e-educacao- popular-19905476 http://repositorio.ul.pt/bitstream/
10451/10732/1/Experi%C3%AAncias %20republicanas.pdf :

A mais imperiosa das necessidades, no momento presente, é criar escolas, desenvolver a instrução, combater o
analfabetismo... Não tenhamos, pois, dúvidas e preparemo-nos todos para a famosa cruzada em prol do povo português,
reclamando com toda a nossa energia que se criem escolas, muitas escolas por essas ignoradas aldeias, onde mal
vislumbrou ainda a luz do progresso . ! O ABC - o segredo da cultura de um povo! O ABC abre as portas do futuro. Esse
futuro é de luz, amor e felicidade!... O ABC é iluminado e vivificado pela grandeza dum ideal... O ABC é o símbolo da
Humanidade."
Conclusão

Cito o próprio Dom Alexandre em https://ustm.ac.mz/index.php/a-fundacao, citado no dia 26 de maio de 2023:

Desde cedo se manifestou em mim um desejo profundo de contribuir de forma pessoal para o desenvolvimento do
Povo Moçambicano, considerando o homem no seu todo. A formação humana nas suas diferentes vertentes, a cultural,
académica, técnica, mas sobretudo a moral e cívica, foi um dos objectivos maiores traçados desde sempre. Em
diversas ocasiões manifestei esta preocupação de que o nosso País não se pode considerar totalmente livre e
independente enquanto não alcançar níveis superiores na educação e formação para os seus cidadãos, quer em
quantidade quer em qualidade. A luta contra o atraso no desenvolvimento, a vários níveis, a proliferação de doenças
cuja cura só se torna difícil apenas por falta de domínio da ciência e da técnica, a dependência em relação ao
exterior, nos ramos económico, político, cultural e outros, são, dos mais importantes factores que determinaram que
eu me envolvesse pessoalmente na criação de condições de educação e ensino para o povo moçambicano, sobretudo
para as camadas mais desfavorecidas.
Não admira portanto, que em Dom Alexandre, educado neste ambiente, o binómio educação e desenvolvimento tenha
se traduzido depois numa práxis e crença. O que permite afirmar, com segurança, que em Dom Alexandre, um dos
primeiros intelectuais moçambicanos, a educação é vista como o único e inadiável caminho para o desenvolvimento,
assimilação e integração dos povos e não há uma verdadeira educação que não conduza ao progresso e a transformação.
Mais, a educação era em língua portuguesa, língua de todos, brancos e negros, colono e colonizado.

Com efeito, afirmar que Dom Alexandre é paladino e defensor acérrimo da díade: educação versus desenvolvimento, é
enxerta-lo no seu tempo, o tempo do republicanismo português, é inseri-lo no fervor e espírito missionário, franciscano
e português da época, em que missão evangelizadora e missão civilizadora e por essa via, missão desenvolvimentista,
eram apenas facetas de uma mesma moeda, de uma mesma ideologia, a ideologia republicana portuguesa.

Você também pode gostar