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O GÊNERO EPISTOLAR

Para alguns estudiosos, o ato de escrever/ receber cartas é um processo


em extinção. Para outros, com o advento da internet, as cartas adquiriram uma
nova apresentação e nova linguagem, adaptadas aos formatos de emails,
blogs e páginas pessoais.

O gênero epistolar é tão antigo quanto o aparecimento das primeiras


sociedades com domínio da escrita. Antes do surgimento da imprensa
jornalística, as cartas exerciam a função de informar sobre os fatos que
ocorriam no mundo.

Na Antiguidade, ficaram famosas as cartas de Horácio, Varrão, Plínio,


Ovídio, Sêneca e, sobretudo, de Cícero. O gênero também está presente na
Bíblia com as Epístolas de São Paulo destinadas às comunidades cristãs. (Na
verdade, vinte e um dos vinte e sete livros que formam o Novo Testamento
pertencem ao gênero epistolar. São cartas escritas com a finalidade de dirigir,
aconselhar e instruir nos seus primeiros desenvolvimentos às igrejas recém-
formadas ou para ajudar os responsáveis por pastoreá-las e administrá-las).

Na Literatura, as epístolas são estudadas através da epistolografia, que


reúne os textos que não seguem, necessariamente, o objetivo de tornarem-se
correspondência. Pode ser um prólogo de um autor introduzindo e justificando
sua obra, ou um recurso ficcional para narração de personagens através de
cartas. As epístolas reunidas de um autor podem vir a ser publicadas devido a
seu interesse histórico, literário, institucional ou documental.

Alguns autores usam do recurso “carta” para forjarem personagens ou


estruturarem seus romances, contos ou novelas.

Para exemplificar, citamos:

• Cartas Persas (1721), de Charles de Montesquieu


• Pamela (1740), de Samuel Richardson
• Os Sofrimentos do Jovem Werther (1774), de Johann Wolfgang von
Goethe
• As Ligações Perigosas (1782), de Choderlos de Laclos (transformado
em filme em 1988)
• Dracula (1897), de Bram Stoker
• A Cor Púrpura (1982), de Alice Walker (transformado em filme em 1984)
• A Caixa Preta (1987), de Amos Oz
Sobre o livro de Goethe, um detalhe surpreendente: quando lançado na
Alemanha, Os sofrimentos do jovem Werther causou uma onda de suicídios
entre os jovens, influenciados pelas desventuras amorosas do romântico
Werther.

Este recurso (o uso de cartas para armar a estrutura de um livro) chegou


ao auge do sucesso nos séculos 17 e 18, mas mesmo no nosso mundo
moderno esta técnica continua a seduzir a imaginação e o talento de muitos
escritores. O livro A bolsa amarela, de Lygia Bonjuga Nunes, desde o seu
lançamento (1976) mantém aceso o interesse dos leitores e já superou a marca
de 30 reedições. Cartas de um sedutor, de Hilda Hilst, tornou-se uma
referência na literatura erótica feita no Brasil. E no presente ano (2009) o livro
Para sempre - 50 cartas de amor é um dos destaques do mercado editorial,
reunindo cartas de famosos como Beethoven, Dom Pedro I, Fernando Pessoa,
Henrique VIII, Machado de Assis, entre outros.

A publicação de cartas entre pessoas conhecidas, aliás, é sempre


motivo de interesse para historiadores e leitores comuns. Aqui no Brasil
podemos citar os livros que reúnem correspondência entre Drummond e Mário
de Andrade, Oscar Niemeyer e o engenheiro Carlos Sussekind, Mário de
Andrade e Fernando Sabino, Fernando Sabino e Clarice Lispector etc.

Como apresentação escrita e de gênero, as cartas podem ser formais e


informais. Seus conteúdos são diferentes – como as cartas comerciais, as
dirigidas às autoridades, as cartas entre amigos, entre namorados etc.

No atual século que vivemos, e com o avanço da tecnologia, a carta vem


perdendo uma das suas principais características: a lenta construção do
diálogo entre remetente e destinatário. Mesmo assim, o domínio de sua técnica
pode trazer benefícios no que concerne à construção de textos.

Mesmo com a rapidez dos emails, não podemos esquecer que muitas
empresas já exigem de candidatos a empregos cartas de intenções
acompanhando seus respectivos currículos. O que antes era testado “de
próprio punho” hoje é avaliado através da coerência e do domínio do idioma,
mesmo que essas aptidões sejam apresentadas através de um simples clique
de “escrever email” e “enviar”.

Pesquisa e texto Raimundo de Moraes


raimundodemoraes@interpoetica.com

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