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Olá amigo!

  

Há um bom tempo eu já tinha vontade de colocar no papel, ou numa tela 
de computador, minha experiência sobre tudo o que cercou a perda de Ayrton 
Senna.  Você  pode  até  pensar:  esse  assunto  de  novo!  Não  tenho  nenhuma 
pretensão  de  introduzir  algo  diferente  àquilo  que  já  foi  apurado  e  julgado. 
Apenas  desejo  contar  a  você,  internauta,  um  pouco  do  que  vivi  naquela  triste 
temporada  de  1994,  tão  marcante  não  só  para  a  história  esportiva  do  País.  O 
Brasil não perdeu um ídolo, mas um herói nacional. 

Acompanhei  tudo  muito  de  perto,  como  jornalista  responsável  pela 


cobertura  da  F‐1  dos  jornais  O  Estado  de  S.  Paulo,  Jornal  da  Tarde  e  Agência 
Estado. Penso que ainda hoje deve existir muita gente interessada em conhecer 
mais detalhes do que se passou antes, durante e depois daquele fatídico 1.o de 
maio de 1994. Para que se tenha uma idéia mais prática do que pretendo com 
esta iniciativa, cito o fato de ter viajado ao lado de Galvão Bueno, dentre outras 
pessoas, no avião que trouxe o corpo de Ayrton Senna para São Paulo. 

Poucos sabem: o caixão não foi no porão de carga, mas no de passageiros, 
na classe executiva do vôo da Varig Paris ‐ São Paulo, de 3 de maio. As cortinas 
que  separavam  as  classes  permaneceram  fechadas  e,  por  incrível  que  possa 
parecer, poucos passageiros se deram conta de que estavam ao lado de Senna 
morto. As conversas mantidas durante o vôo, os antecedentes do acidente, as 
investigações que se seguiram, tudo pode ser melhor contado por quem viveu 
essa incrível experiência profissional e pessoal in loco.  

De  uma  maneira  geral  irei  me  expressar  em  primeira  pessoa.  Não  me 
limitarei  apenas  a  retratar  as  imagens  captadas.  Acredito  ser  importante 
descrever  o  que  senti,  por  exemplo,  ao  conversar  com  o  médico  que  atendeu 
Senna no helicóptero, entre o circuito Enzo e Dino Ferrari e o Hospital Maggiore 
de  Bolonha.  Mais:  o  que  ouvi  dos  internados  que,  de  pijama,  deixaram  seus 
quartos  e  foram  até  a  sala  de  conferência  do  hospital  para  acompanhar  os 
boletins médicos a respeito do estado de saúde de Senna. 

Três dias depois de chegar ao Brasil trazendo o corpo do piloto retornei 
para  a  Itália,  a  fim  de  acompanhar  as  investigações  das  mortes  de  Roland 
Ratzemberger  e  Ayrton  Senna.  Quero  lhes  contar  tudo  isso,  desde  as  mais 
elementares  informações.  Não  conseguiria  expor  o  que  vi,  senti  e  penso  nos 
jornais  que  trabalho.  Temos  sérias  limitações  de  espaço.  Essa  é  apenas  mais 
uma  vantagem  da  Internet:  a  possibilidade  de  expor‐se  por  inteiro  porque 
espaço não é problema. 

Hoje você já tem o primeiro capítulo dessa história que, creio, será longa. 
Não me pergunte quão extensa. Vamos conversando, sem pressa. Toda semana 
você terá um ou mais episódios novos dessa aventura de desfecho trágico.  

A rigor, se desejarmos buscar a origem da perda de direção da Williams 
FW16 na curva Tamburello, às 14:17 do dia 1.o de maio de 1994, na sexta volta 
do GP de San Marino, em Ímola, é preciso recuar até antes do lançamento do 
carro.  Compreender  em  que  contexto  ele  foi  concebido.  É  para  lá  que 
viajaremos  nesse  primeiro  contato.  Se  você  desejar  sugerir  algum  rumo  para 
nossos  encontros,  propondo  a  abordagem  de  algo  em  particular  a  respeito  da 
perda de Senna, escreva. Estaremos sensíveis a suas reivindicações!  

Livio Oricchio 

   
Capítulo 1: Mudou tudo na F‐1 na temporada de 1994 

"Concordei  com  as  mudanças  porque  me  convenceram  de  que  elas 
seriam melhores para a Fórmula 1", afirmou Frank Williams, na apresentação do 
modelo FW16, no início de 1994. Sua equipe havia vencido os mundiais de 1992 
e  de  1993,  com  Nigel  Mansell  e  Alain  Prost,  com  enorme  facilidade.  O 
regulamento  da  F‐1  permitia  uma  série  de  recursos  eletrônicos,  como  a 
suspensão ativa e o controle de tração, dentre outros, e a organização de Frank 
Williams,  comandada  pelo  engenheiro  aeronáutico  Adrian  Newey,  fora  a  que 
melhor respondera àquela realidade da F‐1.  

Até  mesmo  os  donos  das  outras  equipes  estranharam  o  fato  de  o 
dirigente  inglês  assinar  o  documento  que  garantia  a  mudança  nas  regras 
técnicas  da  competição  para  1994.  O  Pacto  da  Concordia,  em  vigência,  exigia 
que  houvesse  unanimidade  dentre  os  proprietários  de  escuderias  para  haver 
uma alteração tão radical das regras como a que ocorreu naquele ano. Se Frank 
Williams  desejasse  manter  sua  hegemonia  bastava‐lhe  dizer  não  a  todos  que 
evocavam  uma  profunda  revisão  conceitual  em  tudo  o  que  se  fazia  na  F‐1, 
técnica e esportivamente. 

Em outras palavras, o que Bernie Ecclestone, promotor do show, e Max 
Mosley, presidente da FIA, desejavam era acabar com a superioridade absoluta 
da Williams. Tornar a F‐1 mais emocionante. Havia um agravante a mais para a 
F‐1 naquele avanço da Williams: o principal piloto do time seria, a partir de 1994, 
Ayrton Senna. "Tenho receio de que ele vença as 16 etapas do campeonato, o 
que  será  péssimo  para  a  F‐1",  disse  na  época  Flavio  Briatore,  diretor  da 
Benetton, equipe de Michael Schumacher.  

A aprovação de Frank Williams era essencial para mudar o regulamento e, 
com isso, reverter essa expectativa de sua escuderia vencer tudo. Se os recursos 
eletrônicos fossem proibidos, todos os projetistas partiriam quase que do zero 
para  conceber  seus  novos  carros.  Isso  permitiria  um  maior  nivelamento  dos 
concorrentes.  Tirariam  da  Williams  o  que  ela  tinha  de  melhor:  o  seu  super‐
eficiente  sistema  de  suspensão  ativa,  o  que  fazia  com  que  os  monopostos  da 
equipe  desfrutassem  ao  máximo  da  sua  refinada  aerodinâmica,  principal  fator 
de diferenciação nos projetos de Newey. 

A  FIA  anunciou,  em  grande  estilo,  em  meados  da  temporada  de  1993, 
depois da concordância de Frank Williams, que toda e qualquer ajuda ao piloto, 
durante a condução, estariam proibidos a partir do ano seguinte. Para surpresa 
de muitos. Foi um gesto de elevado desprendimento de Frank Williams. Assim, 
não  mais  seriam  permitidos:  a  suspensão  ativa,  o  câmbio  automático,  o 
acelerador  eletrônico,  o  controle  de  tração,  o  diferencial  autoblocante  auto‐
ajustável e os freios ABS. 

O carro deveria ser conduzido apenas pelo piloto. Os auxílios à pilotagem 
não  mais  seriam  tolerados.  O  objetivo  era  valorizar  o  homem  e  não  o 
equipamento.  Para  aumentar  a  possibilidade  de  os  times  utilizarem‐se  de 
estratégias  de  competição  para  vencer  as  corridas,  bem  como  torná‐las  mais 
atrativas,  o  reabastecimento  de  combustível,  proibido  desde  1984,  estava  de 
volta  também.  Foi  diante  desse  novo  desafio  que  Adrian  Newey  começou  a 
trabalhar no projeto do FW16, o carro que matou Senna. 

No  nosso  próximo  encontro  vamos  falar  um  pouco  mais  das 
características  desse  monoposto  revolucionário,  onde  o  semi‐eixo  funcionava 
como  elemento  da  suspensão  e  do  conjunto  aerodinâmico.  As  primeiras 
suspeitas  sobre  o  acidente  de  Senna  recaíram  na  sua  ruptura.  Enveredaremos 
mais  fundo  também  no  dia  em  que  Adrian  Newey  e  Frank  Williams  decidiram 
recuar e experimentar o modelo de 1993, adaptado ao regulamento de 1994. O 
motivo:  logo  nos  primeiros  treinos,  Senna,  profundamente  decepcionado, 
deixou claro aos dois: "Esse carro é inguiável." Meses antes, quando trabalhava 
para a McLaren, ao ver quase sempre Alain Prost conduzir o Williams FW15C na 
sua frente, Senna comentou sobre a eficiência do projeto: "O carro da Williams 
é de outro planeta." Justo o seu nascera na Terra! 

   
Capítulo 2: O porquê de o FW16 da Williams ser, segundo Senna, "um 
carro inguiável" 

Como  numa  história  de  Batman  e  Robin,  você  viu  no  capítulo  anterior 
que  a  morte  de  Ayrton  Senna,  a  rigor,  começou  a  se  desenhar  quando  o 
regulamento  técnico  da  Fórmula  1  mudou  drasticamente,  de  1993  para  1994. 
Nós combinamos de dar seqüência à idéia ao abordarmos, hoje, o carro que a 
Williams  produziu,  o  modelo  FW16,  com  o  qual  Senna  se  acidentou  na  curva 
Tamburello.  Observe  como  tudo  se  encaixa.  Veja  como  há  uma  lógica  na 
seqüência dos temas a seguir. 

GP  do  México  de  1990,  circuito  Ricardo  e  Pedro  Rodriguez,  dia  23  de 
junho.  Os  dois  carros  da  equipe  Leyton  House,  pilotados  por  Ivan  Capelli  e 
Mauricio Gugelmin, não se classificam para correr. O modelo CG901, equipado 
com motor Judd V‐8 e concebido pelo engenheiro Adrian Newey, o mesmo da 
Williams em 1994, não aceitava as muitas ondulações da pista mexicana.  

No  veloz  S  de  alta  velocidade  existente  naquele  traçado,  bem  como  na 
desafiante Peraltada, contornada em 5ª marcha, a cerca de 250 km/h, o CG 901 
não  gerava  pressão  aerodinâmica,  por  conta  da  sua  suspensão  quase  não  ter 
curso,  ser  muito  dura.  A  cada  irregularidade  do  asfalto  o  monoposto  saltava, 
variando  a  densidade  do  ar  sob  o  assoalho  e,  por  conseqüência,  não  gerando 
down force.  

Avancemos apenas quinze dias no tempo, até 8 de julho de 1990, data do 
GP  da  França,  realizado  no  circuito  de  Paul  Ricard.  Um  tapete  de  pista,  em 
oposição ao cenário da etapa anterior do Mundial. Os seus 3.813 metros eram 
planos como uma imensa mesa de bilhar. O que aconteceu? O mesmo modelo 
CG 901 permitiu que Ivan Capelli quase vencesse a prova. O italiano liderou 45 
das  80  voltas  da  corrida.  Alain  Prost  só  ganhou  porque  o  motor  V‐12  da  sua 
Ferrari 641 o empurrava mais na longa reta de Paul Ricard. Capelli terminou em 
segundo.  

O que eu quero dizer? Que os projetos de Adrian Newey, como o CG 901 
e  depois,  anos  mais  tarde,  o  FW16  da  Williams,  baseavam  sua  performance 
quase  que  exclusivamente  na  aerodinâmica.  Se  o  asfalto  permitisse  que  o 
assoalho  se  deslocasse  paralelo  ao  solo,  sem  haver  muita  variação  de  altura 
desse assoalho, o monoposto alcançava velocidades extraordinárias nas curvas, 
por conta de gerar elevada pressão aerodinâmica. Com certeza, mais que a dos 
seus adversários. Agora, se a pista fosse ondulada, o carro não fazia curva, por 
não gerar essa pressão aerodinâmica.  

Pense  o  seguinte:  se  você  encher  demais  os  pneus  do  seu  carro,  o  que 
ocorre? Em qualquer das muitas depressões e elevações do asfalto das cidades 
brasileiras  ele  irá  pular  em  demasia,  não  é?  Com  um  carro  de  Fórmula  1  sem 
suspensão,  como  eram  os  de  Newey,  para  tentar  fazer  o  assoalho  correr 
paralelo  ao  solo,  era  o  mesmo.  No  México  os  pilotos  não  se  classificaram  e 
depois,  duas  semanas  apenas  mais  tarde,  na  França,  quase  vencem  a 
competição. Dá para entender?  

Agora  vamos  entrar  no  túnel  do  tempo  de  novo  para  desembarcar  em 
fevereiro de 1994, quando Ayrton Senna já testava o modelo FW16 da Williams, 
equipado com motor Renault, e, claro, projetado pelo mesmo Adrian Newey. O 
engenheiro acabou dispensado da March, já em meados da temporada de 1990, 
em razão da instabilidade de resultados que seu monoposto gerara.  

Vale a pena eu descrever aqui uma frase dita pelo projetista que assumiu 
a March naquela época, no lugar de Newey, o competente Gustav Brunner, hoje 
na  Minardi.  "Tão  logo  vi  o  projeto  de  Newey,  o  CG  901,  disse  a  mim  mesmo, 
como ele quer que funcione?" Eu ouvi pessoalmente de Brunner, com quem até 
hoje costumo manter breves conversas. Mandado embora da March, Newey foi 
chamado por Patrick Head, da Williams, cujos dois últimos projetos, de 1988 e 
1989, não eram nem a sombra do que venceu o Mundial de 1987 com Nelson 
Piquet.  

O surrealismo das idéias de Newey em sincretismo com a praticidade, por 
vezes  exacerbada  de Head,  resultou  numa  combinação  perfeita.  Já  em  1991  o 
modelo  FW14‐Honda  da  Williams  levou  Nigel  Mansell  a  disputar  o  título  com 
Ayrton  Senna,  de  McLaren  MP4/6‐Honda,  até  a  penúltima  etapa  do 
campeonato, no Japão. A vitória final ficou mais por conta do talento de Senna. 
A Williams já havia deixado, tecnicamente, a McLaren para trás. Em 1992 e 1993 
foi  uma  covardia:  o  modelo  FW14B  com  Mansell,  e  na  temporada  seguinte  o 
FW15C, com Prost, dominaram tudo.  

Por  quê?  Na  Fórmula  1  nada  se  explica  isoladamente.  Claro  que  a 
competência  dos  pilotos  e  da  equipe  contou  muito,  a  eficiência  do  motor 
Renault  também,  mas  em  essência,  a  maior  vantagem  da  Williams  era 
exatamente na aerodinâmica. Head desenvolveu um sistema de suspensão ativa 
tão complexo quanto preciso. As irregularidades do asfalto eram absorvidas por 
ela. Tanto o FW14B como o FW15C conseguiam manter o paralelismo ao solo de 
seus assoalhos em função da incrível suspensão ativa do carro. E para alegria de 
Newey, em qualquer circuito. 

E o que é que os projetos de Newey têm, até hoje na McLaren, onde está, 
de  melhor?  A  sua  concepção  aerodinâmica.  Head  e  a  sua  suspensão  ativa 
fizeram com que, vamos chamar assim, o dois projetos da Williams corressem 
dentro de um túnel de vento, já que a maior parte das variáveis encontradas na 
pista eram anuladas, ou minimizadas, pela suspensão ativa da equipe.  

Quando  Senna  corria  atrás  do  modelo  FW15C  de  Prost,  em  1993,  mal 
podia  compreender  como  sua  velocidade  nas  curvas,  em  especial  nas  rápidas, 
era  tão  elevada.  Sua  McLaren  MP4/8,  concebida  por  Neil  Oatley,  até  hoje 
trabalha  na  McLaren,  além  de  possuir  um  motor  com  cerca  de  80  cavalos  a 
menos  de  potência,  o  Ford  V‐8  versão  cliente,  não  tinha  a  mesma  eficiência 
aerodinâmica do FW15C.  

Foi  a  partir  dessas constatações,  na  pista,  que  Senna  chamou  o  modelo 


da Williams de "carro do outro planeta." Era esse monoposto de Fórmula 1 que 
ele  sonhava  dirigir  quando  foi  para  lá.  O  que  Senna,  e  talvez  Frank  Williams  e 
Adrian Newey, imaginou foi o estrago que faria nos seus sonhos a proibição da 
suspensão ativa, a partir de 1994, quando foi contratado.  

A  Williams  retornou,  com  a  mudança  no  regulamento,  guardadas  as 


proporções,  ao  estágio  da  March  de  1990.  Newey  conceberia  um  carro  para 
funcionar  dentro  apenas  da  condição  ideal  do  túnel  de  vento.  No  asfalto 
irregular das pistas a coisa não daria certo de novo. Por esse motivo Senna ficou 
tão surpreendido logo nos primeiros testes. Como ele lembrou, o FW16, na sua 
versão original, era inguiável.  

A  preocupação  com  a  aerodinâmica  foi  tão  obsessiva  que  a  suspensão 


traseira  não  possuía  triângulo  superior.  O  semi‐eixo  de  tração  funcionava 
também  como  um  componente  da  suspensão,  além  de  ser  carenado  com  um 
perfil de asa, como se fosse um segundo aerofólio traseiro.  

No momento do acidente de Senna, no GP de San Marino, pela exigência 
a que estavam submetidos o triângulo inferior e o semi‐eixo, já que não havia 
triângulo superior, pensou‐se, em princípio, que ocorrera alguma quebra nessa 
suspensão revolucionária. A dinâmica do acidente, com o FW16 seguindo direto 
pela tangente da curva Tamburello, não sugeria o rompimento de alguns desses 
componentes. O mais natural seria que o carro rodasse e não fosse reto, como 
ocorreu,  mas  mesmo  assim  as  suspeitas  iniciais  recaíam  nesse  sistema,  tão 
avançado quanto complexo.  

Por  conta  da  dificuldade  de  pilotar  o  seu  carro,  Senna  solicitou  a  Frank 
Williams treinar também com o FW15C adaptado ao regulamento de 1994, ou 
seja,  sem  os  recursos  eletrônicos,  proibidos  pelas  novas  regras.  A  Williams  já 
tinha  o  carro  pronto,  pois  foi  usado  como  laboratório  para  as  experiências  de 
Newey, antes de conceber o FW16. Senna sentia que o carro‐protótipo era bem 
melhor, pelo menos mais previsível, que o novo. Newey bateu o pé e disse que, 
se  aquela  fosse  a  opção  da  Williams,  não  haveria  depois  como  recuperar  o 
tempo perdido com o FW16, o que deveria seguir adiante da temporada. Senna 
e Williams acabaram sendo convencidos por Newey e Head e foi com o FW16 
que Senna desembarcou no Brasil para a abertura do Mundial. Na escuderia que 
ele sempre sonhara e os brasileiros tanto aguardavam.  

O  que  pouca  gente  sabia  era  que  Senna  estava  profundamente 


desconfiado daquele carro, que ele mal cabia e mal conseguia pilotar, tal a sua 
instabilidade ao passar sobre qualquer irregularidade do asfalto. Os milhares de 
torcedores  que  foram  a  Interlagos,  naquele  27  de  março  de  1994,  no  GP  do 
Brasil,  imaginavam  ver  Senna  no  monoposto  que  fizera  tanto  Mansell  quanto 
Prost sobrarem na pista. O que Senna não faria então? Ledo engano.  

Não  perca  no  próximo  capítulo  o  desastroso  início  de  temporada  de 
Senna na equipe Williams, para surpresa de todos. Menos dele. 

   
Capítulo 3:  Depois das duas primeiras corridas, a pressão de Senna 
sobre si e da equipe sobre ele eram insuportáveis 

Faltavam 16 voltas para o encerramento do GP do Brasil de 1994, prova 
de abertura daquela temporada, quando Ayrton Senna acelerou um pouco mais 
do que o normal, na saída da curva Junção, em Interlagos, e sua Williams FW16‐
Renault  lançou  a  traseira  para  fora,  fazendo‐o  rodar  na  pista  e  abandonar  a 
competição. Michael Schumacher, com a Benetton B194‐Ford, liderava a corrida, 
menos de cinco segundos à frente de Senna. Apesar de todas as dificuldades já 
descritas  com  o  carro,  graças  a  seu  imenso  talento  Senna  estabelecera  a  pole 
position  do  GP  do  Brasil,  na  sua  estréia  na  Williams.  Não  há  dúvida  de  que  a 
maior  potência  do  motor  Renault  V‐10  da  Williams,  diante  do  Ford  V‐8  da 
Benetton  de  Schumacher,  o  ajudou,  num,circuito  de  retas  longas  e  subidas 
íngremes,  a  conquistar  o  resultado  no  treino  de  classificação.  Senna  fez 
1min15s962 e o alemão, 1min16s290. E desde a largada Senna manteve‐se em 
primeiro, com Schumacher sempre muito próximo. Os dois entraram juntos no 
pit stop para troca de pneus e, a grande novidade na Fórmula 1, reabastecer o 
carro de combustível, o que a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) 
proibira  em  1984  e  agora  estava  de  volta.  As  45  mil  pessoas  que  foram  ao 
autódromo de São Paulo acompanharam com apreensão a parada de Senna nos 
boxes, líder, e Schumacher, segundo, na 21ª volta do GP do Brasil, que teve 71 
no  total.  A  Benetton  foi  mais  "eficiente"  e  o  alemão  saiu  na  frente.  Com  um 
carro difícil de guiar, que pulava a cada ondulação do piso de Interlagos, e elas 
são muitas, Senna foi obrigado a buscar o seu elevado limite para tentar ganhar 
a posição perdida. "Corri para vencer, o segundo lugar quase não interessava, a 
mim  e  a  essa  gente  toda  nas  arquibancadas",  revelaria  Senna.  Nessa  tentativa 
de colocar sua Williams o mais próximo possível da Benetton de Schumacher na 
saída da curva Junção, Senna ultrapassou o limite do FW16 da Williams e rodou. 
Ele sabia que sua velocidade no final daquele longo trecho de aceleração plena, 
cerca de 1.200 metros, até a freada do S do Senna, era mais elevada que a de 
Schumacher,  daí  a  manobra  arriscada.  Não  deu  certo.  Eu  não  hesito  em 
acreditar,  em  nenhum  momento,  que  a  morte  de  Ayrton  Senna  decorreu,  na 
realidade, da combinação de uma série de fatores desfavoráveis. Já vimos que a 
mudança  do  regulamento  técnico  e  esportivo,  em  1994,  levou  Adrian  Newey, 
projetista da Williams, a criar um carro quase "inguiável", como o definiu Senna. 
Agora  entra  em  campo  a  questão  esportiva.  A  Fórmula  1  tinha  medo  de  que 
Senna vencesse todas as etapas naquela temporada, afinal o melhor piloto do 
mundo,  era  um  consenso,  estava  assumindo  o  que  deveria  ser  o  melhor 
equipamento do Mundial. A primeira derrota, ou decepção, daquele ano, no GP 
do  Brasil,  começou  a  desencadear  um  processo  que  terminaria  apenas  no 
impacto da Williams de Senna no muro da curva Tamburello. Oito corridas mais 
tarde, explodiria um episódio que acabou por justificar a sua perda da liderança 
na  corrida  de  Interlagos.  A  Benetton  do  companheiro  do  Schumacher,  o 
holandês Jos Verstappen, parou para o seu primeiro pit stop no GP da Alemanha, 
na 15ª volta, e de repente viu‐se envolvida pela chamas de 60 litros de gasolina 
que queimavam. A válvula de fechamento da mangueira de alta pressão usada 
pela  equipe  manteve‐se  aberta,  espalhando  combustível  para  todo  o  lado.  Ao 
encostar‐se aos canos de escape, cujos gases fluem a cerca de 700 graus Celsius, 
a Benetton se transformou numa bola de fogo.  

O  apurado  pelo  estudo  da  FIA  surpreendeu:  os  técnicos  da  Benetton 
haviam retirado um filtro do sistema de reabastecimento, a fim de aumentar a 
velocidade  de  fluxo  da  gasolina  e  tornar  os  pit  stops  mais  rápidos.  Uma 
impureza,  que  seria  facilmente  retida  pelo  filtro,  manteve  a  válvula  aberta, 
jorrando a gasolina para fora. Estava explicada, portanto, aquela eficiência toda 
dos  mecânicos  da  Benetton  no  GP  do  Brasil,  para  que  Schumacher  saísse  à 
frente  de  Senna  no  pit  stop  conjunto  da  volta  21.  O  equipamento  de 
reabastecimento na Fórmula 1 é produzido por uma empresa francesa e todas 
as  escuderias  são  obrigadas  a  usá‐lo,  sempre  sob  regras  rígidas  determinadas 
pela FIA.  

Essa perda do primeiro lugar da corrida, nos boxes, foi à causa básica do 
erro  de  Senna  na  curva  Junção,  já  que  ele  queria  de  todas  as  formas  aquela 
vitória.  Ao  longo  daquele  campeonato  também,  cresceram  muito  as  suspeitas 
de  que  a  Benetton  utilizava‐se  de  um  tão  complexo  quanto  enrustido  sistema 
de  controle  de  tração,  o  que  justificaria  em  boa  parte  o  excepcional 
desempenho do modelo B194, dotado com um motor V‐8, capaz de desenvolver 
cerca de 70 cavalos a menos que o V‐10 Renault da Williams. Só a competência 
de Schumacher como piloto não era suficiente para explicar suas seis vitórias e 
uma segunda colocação seguidas no começo do ano.  

Veremos  que  a  frustração  de  Senna  e  de  milhões  de  torcedores  se 
elevaria ainda mais na etapa seguinte do Mundial, o GP do Pacífico, no circuito 
TI,  em  Aida,  no  Japão.  Com  o  gostinho  amargo  de  não  ter  somado  nenhum 
ponto  na  sua  estréia  na  equipe  do  "carro  do  outro  planeta",  em  Interlagos, 
Senna encarava a vitória na corrida de Aida como uma obrigação. 
Já  sem  esconder  muito  sua  preocupação  com  o  modelo  FW16  da 
Williams,  Senna  disparou:  "Todo  mundo  imaginava  que  a  Williams  iria 
arrebentar de novo, ganhando tudo, mas essa não era a minha opinião". As suas 
65 poles, ao longo dos 161 GPs disputados, fazem de Senna, para muita gente, 
como  eu,  o  maior  velocista  de  todos  os  tempos  na  Fórmula  1.  Essa  sua 
capacidade de tirar tudo e mais um pouco do carro, em um única volta lançada, 
assumindo  riscos  que  poucos  ousariam,  deram  a  ele  a  pole  position  no  GP  do 
Pacífico, como já ocorrera no Brasil.  

Vimos  que  na  etapa  de  São  Paulo,  a  Benetton  de  Schumacher  tinha, 
possivelmente, o controle de tração, e depois o equipamento de reabastecer do 
seu  time,  sem  o  filtro  de  gasolina,  contribuiu  também,  ou  mesmo  foi 
determinante, para o resultado final da corrida.  

A Benetton que se apresentava para a prova de Aida era a mesma da de 
Interlagos. Apenas bem mais tarde, naquele ano, é que as suas falcatruas, como 
a retirada do filtro de combustível, viriam a ser descobertas.  

Quanto  aos  recursos  eletrônicos,  há  na  Fórmula  1  a  certeza  da  sua 
existência,  ainda  que  ninguém  conseguisse  provar.  Com  os  métodos  adotados 
hoje  pela  FIA,  não  haveria  escapatória  para  a  organização  dirigida  por  Flavio 
Briatore. A Benetton seria punida. Costuma‐se dizer nos acidentes aéreos que a 
queda de uma aeronave decorre da combinação de vários fatores. Uma pane de 
motor na decolagem, por exemplo, não deve gerar um acidente, uma vez que o 
projeto  da  aeronave  prevê  essa  situação  e  a  tripulação  é  treinada  para  agir 
conforme  a  recomendação  do  fabricante  do  aparelho.  É  preciso,  segundo  os 
especialistas,  mais  de  uma  causa  primária  para  ocorrer  o  acidente,  como  por 
exemplo,  a  não  observação  correta  dos  procedimentos  a  serem  tomados,  por 
parte do piloto, em situações de pane. Ou ainda uma pane seguida de outra e 
de outra, o que é muito raro, anulando os recursos de defesa do avião contra a 
condição difícil em que se encontra no ar.  

A morte de Senna segue o mesmo modelo. Veja só o que aconteceu no 
GP  do  Pacífico.  Sem  que  ninguém  até  hoje  compreendesse  bem  o  porquê,  o 
diretor  de  prova,  o  despreparado  belga  Roland  Bruynseraede,  impôs  que  na 
volta  de  apresentação  os  carros  seguissem  o  Safety  Car.  Senna  qualificou  a 
decisão de "absurda". Normalmente, o piloto que larga na pole dita o ritmo da 
volta  de  apresentação.  Os  seus  interesses  são  os  mesmos  dos  que  estão  atrás 
dele, e por esse motivo, nessa hora, exige dos freios, para aquecê‐los, procura 
também elevar a temperatura dos pneus, tudo sob velocidade compatível com 
as exigências de um monoposto de Fórmula 1.  

Pouco  mais  de  100  metros  depois  da  largada,  em  que  Schumacher,  por 
conta do possível controle de tração pulara à frente de Senna, o finlandês Mika 
Hakkinen freou e nada de sua McLaren MP4/9‐Peugeot parar como devia. Foi a 
traseira da Williams de Senna que o segurou. Hakkinen bateu no carro de Senna, 
lançando‐o  para  a  caixa  de  brita.  Nicola  Larini,  que  estava  substituindo  Jean 
Alesi  na  Ferrari,  porque  quebrara  uma  vértebra  cervical  num  acidente  em 
Mugello, completou o serviço de colocar Senna para fora da prova ao bater na 
sua Williams em plena brita. O italiano também ficou de fora do GP.  

Sem  adversários,  Schumacher  passou  na  pista  e  impôs  quase  uma  volta 
de vantagem para o segundo colocado, Gerard Berger, com a Ferrari 412T1. Em 
resumo:  Senna  tinha  agora  nenhum  ponto,  contra  20  de  Schumacher.  Mais: 
enquanto  a  Benetton,  apesar  das  possíveis  irregularidades  no  carro,  havia  de 
fato evoluído bastante de uma temporada para a outra, a Williams tomara rumo 
oposto. 

A massa da torcida não enxergava os imensos problemas de Senna com o 
carro e a não levava muito em conta a falta de sorte em Aida. O que importava 
era que Senna estava finalmente na Williams, seu tão decantado sonho, e não 
vencera  nenhuma  vez  diante  de  duas  vitórias  de  Schumacher,  àquela  altura, 
com o abandono de Alain Prost, no fim do campeonato anterior, o maior rival 
do brasileiro.  

A cabeça de Senna estava entrando em "tilt", bem como as pressões em 
cima  da  equipe  Williams  começavam  a  aumentar  assustadoramente.  Tudo  o 
que Frank Williams desejara da Renault e dos patrocinadores da sua equipe, em 
especial  a  Rothmans,  havia  sido  atendido.  Senna  custava  muito  caro  para  a 
época,  algo  em  torno  de  US$  18  milhões por  temporada.  Na  pista,  contudo,  a 
organização de Frank Williams não estava correspondendo. O GP de San Marino, 
em  Ímola,  apenas  15  dias  mais  tarde,  seria  a  grande  oportunidade  para  que 
todos esquecessem os pesadelos dos GPs do Brasil e do Pacífico. Desta vez não 
poderia existir falhas, de Senna ou da Williams. 

   
Capítulo 4: O médico da F‐1, Sid Watkins, pede para Senna não disputar 
o GP de San Marino 

Na quinta‐feira anterior ao GP de San Marino, terceira etapa do Mundial 
de  1994,  eu,  como  vários  outros  jornalistas,  aguardava  a  chegada  de  Ayrton 
Senna no autódromo Enzo e Dino Ferrari, em Ímola. Já passava das 15 horas e 
nada de ele aparecer na pista. Estava numa cidade próxima, parece que Carrara, 
para o lançamento de uma bicicleta com a marca Senna. Ela reunia, claro, o que 
de mais avançado existia em termos de tecnologia. 

De  repente,  uma  pequena  multidão  começa  a  se  deslocar  dentro  do 
paddock do circuito, sinal característico da aproximação de Senna. Era sempre 
assim. Onde estivesse, no mundo todo, seu carisma, sua forma de instalar‐se no 
coração  das  pessoas  o  tornava  íntimo  dos  brasileiros,  japoneses,  malaios, 
hondurenhos  e  australianos.  Senna  era  um  patrimônio  da  humanidade.  Sua 
figura tinha a extraordinária capacidade de as pessoas não se lembrarem da sua 
origem, cor ou religião. Ele bastava‐se em si. 

Quem o via manifestava a sensação de ser íntimo dele. A forma carinhosa, 
fraterna como o abordavam denunciava essa relação muitas vezes mística entre 
a  torcida  e  o  piloto.  Eram  cidadãos  de  convivência  próxima  de  Senna,  mesmo 
vendo‐o apenas através de imagens. Senna morava dentro de cada um. Milhões 
o transportavam consigo onde estivessem. Sua determinação, competência, fé, 
nunca  escondida,  em  algumas  ocasiões  zombada,  sua  elevação  como  ser,  o 
transformara  num  semi‐deus,  imortal.  A  comoção  que  se  seguiu  a  sua  morte 
decorre muito dessa conotação de imortalidade que lhe atribuíam. 

Entre atender os jornalistas de língua inglesa e italiana, Senna comunicou, 
a nós brasileiros, que em seguida falaria conosco. Esperamos alguns minutos e 
ele  entrou  no  motorhome  da  Williams.  Conversou  rapidamente  com  Frank 
Williams  e  sentou‐se para  comer.  Estava  numa  das  mesas  da  área  coberta,  ao 
lado  do  ônibus  da  equipe.  Ele  nos  convidou  para  sentarmos  também  e, 
enquanto  saboreava  um  prato  de  macarrão,  com  molho  branco,  conversou 
conosco. Não havia mais de quatro ou cinco jornalistas com ele. 

Sempre  com  o  olhar  distante,  como  se  algo  o  incomodasse 


profundamente,  respondia  às  questões  visivelmente  com  a  cabeça  em  outro 
lugar. "O carro deve melhorar aqui, nós o estamos entendo melhor, a pista não 
é das mais onduladas e terei um pouco mais de conforto agora." A seu pedido, 
Adrian  Newey  e  Patrick  Head,  projetista  e  diretor‐técnico  da  Williams, 
promoveram no pouco espaço de tempo entre a prova anterior do campeonato, 
no Japão, e aquela, apenas 15 dias mais tarde, alterações no cockpit do modelo 
FW16. Senna batia com as mãos no limite do cockpit quando pilotava. Mais para 
a  frente  veremos  que  esse  fato  acabou  por  ser  determinante  para  o  acidente 
que o matou apenas três dias depois. 

Senna  estava  visivelmente  perturbado.  Primeiro  havia  a  questão  do 


duplo abandono nas duas primeiras etapas do Mundial, no Brasil e no Japão. A 
constatação de que Michael Schumacher e a Benetton eram adversários muito 
fortes e sua Williams, FW16, "um desastre." Não é tudo. Fora da pista as coisas 
exigiam  também  de  Senna  muita  dedicação,  ajudando  a  compor  o  quadro  de 
extrema apreensão que vivia. Ele estava investindo pesado em alguns negócios 
e, naturalmente, isso o preocupava. 

Acabara  de  assinar  um  grande  contrato  com  o  fabricante  alemão  de 
automóveis Audi para representá‐lo no mercado brasileiro. Era coisa de milhões 
e  milhões  de  dólares  e  muita  responsabilidade.  Ao  mesmo  tempo  adquirira  a 
concessionária  Ford  Frei  Caneca  em  São  Paulo.  Seu  sócio,  o  Bira,  estava  em 
Ímola. Havia ainda muito o que acertar sobre essas transações. 

Durante o almoço de Senna no motorhome da Williams, já próximo das 
quatro horas da tarde, chegou Ricardo Patrese, que abandonara as pistas no fim 
da temporada anterior. A forma alegre, expansiva com que o italiano falava com 
Senna, ali no nosso lado, contrastava com a postura fria, distante do brasileiro, 
apesar do seu esforço em desejar expor a Patrese seu contentamento em vê‐lo. 

Um  outro  episódio  viria  aumentar  ainda  mais  o  já  conturbado  e  difícil 
momento  de  Senna,  em  oposição  a  tudo  que  ele  e  todos  planejaram  para 
aquele início de campeonato. E esse fato novo pesava provavelmente mais que 
todos os demais. 

Começou a circular no autódromo a informação de que o irmão do piloto, 
Leonardo,  a  quem  caberia  gerir  a  empresa  criada  em  sociedade  com  a  Audi, 
estava em Ímola, recém‐chegado do Brasil. A pedido da família, que reprovava 
sua relação com a namorada, Adriane Galisteu, Leonardo teria com ele algumas 
fitas  contendo  gravações  telefônicas  comprometedoras  de  Adriane.  Seriam 
conversas com um ex‐namorado da modelo. 

Sua  intenção  seria  a  de  provar  para  o  piloto  quem  era  na  realidade 
Adriane.  No  velório  de  Senna,  em  São  Paulo,  na  quarta‐feira  seguinte,  ficou 
claro  como  a  mãe,  o  pai,  a  irmã,  enfim  todos,  não  desejavam  ver  Senna  com 
Adriane. Ela ficou isolada da família e nem mesmo foi recebida por eles. Já Xuxa, 
a  ex‐namorada,  parecia  contar  com  a  simpatia  da  família.  Esse  era  mais  um 
tormento para o piloto: a reprovação de todos, a quem estava tão ligado, com 
relação ao namoro com Adriane. 

Veremos  mais  para  a  frente  que  o  clima  de  tensão  para  Senna  cresceu 
tanto,  depois  do  grave  acidente  de  Rubinho,  no  dia  seguinte,  sexta‐feira,  e  da 
morte de Roland Ratzemberger, no sábado, que o médico da Fórmula 1, doutor 
Sid  Watkins,  chegou  a  conversar  com  o  piloto,  sábado  à  noite,  orientando‐o  a 
não disputar o GP de San Marino, o que o matou. 

"Ele  me  disse,  o  que  é  que  eu  vou  alegar  para  a  equipe,  nessa  situação 
em que estamos, 20 pontos atrás do Schumacher na classificação? Apenas que 
não estou bem?" Watkins conta a história com mais detalhes no seu livro “Viver 
nos Limites”. No próximo capítulo, Watkins fala da sua apreensão com relação à 
participação  de  Senna  na  prova.  A  reação  do  piloto  ao  visitar  Rubinho  no 
Hospital  Maggiore  de  Bolonha,  sexta‐feira  à  noite,  onde  ele  chegaria 
praticamente morto, dois dias depois. Mais: o seu choro ao saber da morte de 
Ratzemberger no impacto do carro da Simtek no muro da curva Villeneuve e a 
incrível punição da FIA por ele ter ido até o local do acidente. 

   
Capítulo 5: Acidente de Rubinho desestabiliza ainda mais Senna 

Até agora vimos que o regulamento da F‐1 mudou radicalmente naquela 
temporada  de  1994,  que  o  modelo  FW16  da  Williams  de  Ayrton  Senna  era 
muito  difícil  de  ser  pilotado  e  que  nas  duas  primeiras  etapas  do  campeonato, 
Brasil e Aida, no Japão, o piloto, grande favorito a ser campeão do mundo, não 
havia  marcado  um  único  ponto.  Em  contrapartida,  seu  principal  adversário, 
Michael  Schumacher,  da  Benetton,  vencera  as  duas  primeiras  etapas  da 
temporada.  

Já entramos, no último capítulo, no GP de San Marino, onde procuramos 
descrever o clima de tensão que envolvia Senna. Pelas dificuldades com o FW16, 
a falta de resultados, o seu momento pessoal, assumindo a responsabilidade de 
vários  e  importantes  negócios,  e  até  a  questão  envolvendo  a  sua  família  e  a 
reprovação ao namoro com Adriane Galisteu.  

Logo depois do primeiro treino livre da prova, sexta‐feira, Senna teve um 
momento  de  menos  tensão  no  fim  de  semana.  O  carro  estava  melhor.  Adrian 
Newey, projetista da Williams, permaneceu, em regime de clausura, estudando 
o  que  poderia  fazer  para  poder  adotar  uma  suspensão  menos  rígida  no  FW16 
sem,  contudo,  perder  eficiência  aerodinâmica.  "O  aerofólio  dianteiro  está  um 
pouco mais alto e temos uma nova geometria de suspensão dianteira", explicou 
o  piloto.  Como  não  exigira  tudo  do  equipamento,  por  tratar‐se  do  primeiro 
treino livre, a avaliação não era conclusiva: "Tenho a impressão de que o carro 
está menos crítico".  

Senna  pôde  a  partir  daquele  momento,  também,  trabalhar  melhor  as 


mãos e os braços na condução. O volante do modelo FW16 havia sido abaixado 
poucos centímetros e agora ele não batia mais as mãos nas paredes do cockpit, 
ao  lado  do  volante.  "Ficou  melhor",  limitou‐se  a  dizer  Senna.  Raramente  ele 
dava detalhes do que havia sido feito no carro. Quando ele contou o que Newey 
fez no FW16 surpreendeu quem ouviu. 

Pausa para o almoço, entre a sessão livre da manhã e a classificatória à 
tarde. Senna tinha os cabelos longos naquele fim de semana, como não o havia 
visto ainda na F‐1. Sua concentração para sair daquela situação de desvantagem 
diante  de  Schumacher  e  da  Benetton  era  total.  Suas  declarações  eram  quase 
sempre  monossilábicas,  sinal  típico  de  que  estava  focado  em  algum  objetivo. 
Senna era assim: uma série de comportamentos denunciava o que ele buscava.  
Lembro‐me uma vez de ele nos contar uma história: "Quando vocês me 
virem inclinando o capacete para o lado de dentro das curvas, saibam que tanto 
eu como o carro estamos no limite naquela curva."Outra senha era a sua reação 
com  poucas  palavras.  Se  ele  dissesse  apenas  sim  ou  não,  ou  até  nem 
respondesse, então alguma coisa o incomodava. Naquele GP, especificamente, 
já vimos que eram muitas coisas que o perturbavam e não uma só.  

Desde 1987, cubro profissionalmente as corridas de F‐1 como jornalista, 
apesar  de  apenas  a  partir  de  1991  passar  a  segui‐las  de  forma  regular,  no 
mundo todo. Tive apenas duas chances de conversar com Senna de forma mais 
profunda.  Abordar  temas  que  não  fossem  relativos  ao  automobilismo.  Uma 
delas  foi  num  vôo  de  volta  de  Barcelona  para  o  Brasil,  em  1992,  e  a  outra  na 
temporada seguinte, em Miami, no escritório de um amigo dele, Tony, dono de 
uma loja de produtos eletrônicos. Regressávamos do Canadá.  

Fora  disso,  os  contatos  foram  sempre  estritamente  profissionais.  Senna 


mantinha  relações  de  amizade  mesmo,  capaz  de  dividir  suas  intimidades,  com 
pouca  gente.  Um  deles  era  Galvão  Bueno.  Um  dos  capítulos  dessa  nossa 
conversa será dedicado só a essa empatia que existia entre Senna e Galvão, o 
"papagaio", segundo o piloto, por ele "falar demais".  

Lembro‐me  do  vôo  de  volta,  de  Paris  para  São  Paulo,  o  que  trouxe  o 
corpo de Senna para São Paulo. Ao lado do seu caixão, coberto com a bandeira 
do  Brasil,  Galvão  nos  contou  muitas  histórias  engraçadas  envolvendo  os  dois. 
Por vezes as interrompia para dizer: "Olha ele aí agora, veja em que condição o 
estamos  levando  de  volta  para  casa,  dentro  de  um  caixão."  Mas  esse  é  tema 
para outro capítulo.  

O  clima  de  apreensão  para  Senna  no  GP  de  San  Marino  cresceu  ainda 
mais no começo da sessão de classificação da sexta‐feira à tarde. Logo no início 
do treino, as imagens nas TV do circuito focalizaram um carro com as rodas para 
cima,  em  um  local  ainda  não  identificável.  Quando  um  monoposto  capota,  há 
sempre  uma  tensão  natural  pelo  fato  de  a cabeça  do piloto,  apesar do  "Santo 
Antônio"  dianteiro  e  traseiro,  estar  exposta.  Não  dava  para  saber  quem  era 
ainda que se acidentara tão feio.  

Em seguida, a TV expôs o VT do que se passara. Era Rubens Barrichello, 
jovem  piloto  brasileiro  de  21  anos,  tido  na  F‐1  como  um  talento  nato  àquela 
altura, que trabalhava para a Jordan. O seu vôo na Variante Baixa foi de assustar. 
Desacordado,  nos  instantes  iniciais  do  socorro  médico,  as  conseqüências  pelo 
ocorrido  sugeriam  ser  graves.  Todo  mundo  na  F‐1  temia  o  brusco  corte  nos 
recursos  eletrônicos  naquela  temporada.  "É  um  risco  tornar  os  carros  menos 
guiáveis sem diminuir a potência dos motores", afirmou na época o ainda bem 
conceituado projetista John Barnard.  

Aquele  acidente  com  Rubinho  levantara  de  imediato  a  questão.  Senna, 


como  muita  gente  no  paddock,  foi  até  o  ambulatório  médico  instalado  muito 
próximo  de  onde  Rubinho  bateu,  antes  do  primeiro  box.  Eu  estava  a  uns  20 
metros  da  entrada  do  ambulatório,  no  limite  da  área  isolada  pelos 
organizadores, quando vi Senna passar por mim indo em direção aos médicos.  

Sua  expressão  era  muito  tensa.  Caminhava  rapidamente.  O  dono  da 


equipe  Jordan,  o  irlandês  Eddie  Jordan,  passara  por  ali  instantes  antes  e  pude 
ouvi‐lo dizer a Geraldo Rodrigues, empresário de Rubinho, para telefonar para o 
pai do piloto, a fim de avisá‐lo do acidente. Até então se imaginava que algo de 
mais sério teria acontecido com Rubinho, afinal ele bateu a cerca de 200 km/h 
num muro, com o carro voando. Não demorou muito, uns 10 minutos, e Senna 
deixou o ambulatório rapidamente. Ele tinha os olhos visivelmente marejados.  

Eu já havia vivido situação semelhante, em 1990, em Jerez de la Frontera, 
quando  Senna  foi  até  a  pista  acompanhar  a  assistência  médica  ao  irlandês 
Martin Donnely, da Lotus, que sofrera o mais impressionante acidente que já vi, 
pessoalmente,  na  F‐1.  Como  na  Espanha  em  1990,  Senna  também  chorou  em 
Ímola, por causa de Rubinho. "Por favor, me deixem passar, ele parece que está 
bem, está bem", se limitou a nos falar". 

A pista ficou interrompida 22 minutos. "The show must go on" é o lema 
da F‐1, ou seja, o "show deve continuar", e assim foi feito. Os pilotos voltaram a 
disputar a classificação. Fazia calor, 28 graus. No fim da sessão, Senna conseguiu 
ser o mais veloz, como já fora no Brasil e em Aida, no Japão: 1min21s548 diante 
de  1min22s015  de  Schumacher.  "Tivemos  um  treino  caótico,  o  acidente  do 
Rubinho  afetou  a  todos;  não  consegui  dar  uma  única  volta  bem  feita,  quando 
acertava  aqui  errava  ali",  afirmou  Senna.  "No  final,  ser  o  mais  veloz  é  ótimo, 
acima do que eu poderia esperar", completou.  

Rubinho fora transferido para o Hospital Maggiore de Bolonha, a cerca de 
50 quilômetros de Ímola, para exames mais profundos. Senna apressou as suas 
reuniões  com  a  equipe  Williams,  depois  da  classificação,  para  ir  até  o  hospital 
visitar  o  amigo.  Pouco  tempo  antes,  Rubinho  e  Senna  passaram  vários  dias 
juntos  no  Japão,  em  Tóquio,  antes  de  embarcar  para  Aida  a  fim  de  disputar  a 
segunda prova do campeonato. O Mundial começara com o GP do Brasil, depois 
o  do  Pacífico,  em  Aida,  no  Japão.  O  GP  de  San  Marino  era  o  terceiro  do 
calendário.  Até  hoje  Rubinho  descreve  o  prazer  que  teve  de  conhecer  Senna 
mais  intimamente  naquela  viagem.  "Demos  muita  risada  na  Disney  japonesa", 
recorda Rubinho. "Foi importante para mim aquele contato, o Ayrton era o meu 
maior ídolo".  

Geraldo Rodrigues, o anfitrião dos visitantes de Rubinho no hospital, me 
contou à noite, quando estive lá, que Senna se interessou em saber detalhes do 
estado  de  Rubinho  e  que  demonstrava  estar  apreensivo.  O  Hospital  Maggiore 
de  Bolonha  é  público.  Rubinho  dividiu  o  quarto  com  outros  dois  doentes. 
Quando  entrei  no  quarto,  lá  pelas  9  horas  da  noite,  fiquei  surpreso  com  a 
presença  desses  pacientes  no  mesmo  local.  Rubinho,  com  o  rosto  bastante 
inchado pela fratura do nariz, dormia.  

Imaginei,  na  hora,  como  os  europeus  reagiriam  se  no  GP  do  Brasil  um 
piloto  acidentado  fosse  levado  ao  Pronto  Socorro  do  Hospital  das  Clínicas  e 
depois permanecesse em observação na enfermaria, junto de outros doentes.  

Provavelmente  a corrida  não  mais  seria  disputada no  País. A  sexta‐feira 


terminou  para  Senna  ainda  pior  do  que  começara.  O  acidente  de  Rubinho  o 
afetara visivelmente. Pude acompanhar o seu trabalho na Williams, depois, de 
dentro  da  área  de  box,  até  onde  nos  é  permitido  chegar,  na  frente  dessas 
garagens. Com toda certeza estava abalado. Ele mesmo confessou ter cometido 
vários erros na pista. 

Mas  se  a  sexta‐feira  foi  ruim,  o  sábado  seria  ainda  pior.  Roland 
Ratzemberger  morreu  ao  colidir  a  300  km/h  com  sua  Simtek,  na  curva 
Villeneuve. Se o quadro emocional vivido por Senna já era difícil, por tudo que o 
cercava  e  o  susto  com  Rubinho  no  dia  anterior,  agora  ganhara  conotações 
psicopatológicas. Por isso, o médico da F‐1, Sid Watkins, pediu a Senna para não 
disputar  a  prova.  O  sábado  no  Circuito  Enzo  e  Dino  Ferrari  será  o  tema  do 
capítulo 6 da nossa história. 

   
Capítulo 6: Senna e os outros pilotos da F‐1 voltam a conviver com o 
pesadelo da morte nas pistas 

Talvez  o  momento  mais  marcante  para  mim,  envolvendo  Ayrton  Senna 


naquele dia 30 de abril de 1994, sábado do GP de San Marino, foi quando o vi 
abraçado, apoiado no ombro do doutor Sid Watkins, do lado de fora do centro 
médico  do  circuito  Enzo  e  Dino  Ferrari,  em  Ímola.  Era  mais  ou  menos  13:50. 
Naquele  instante  o  médico  da  Fórmula  1,  Watkins,  informou  a  Ayrton  e  o 
Charlie  Moody,  chefe  da  equipe  Simtek,  por  onde  corria  o  austríaco  Roland 
Ratzemberger,  que  não  havia  nada  o  que  se  pudesse  fazer  pelo  piloto,  ele 
estava morto.  

A Fórmula 1 estava desacostumada a recolher seus mortos. Para aquela 
geração que competia na pista, a morte representava algo possível, lógico, mas 
muito distante. O último piloto a morrer em um GP havia sido o italiano Ricardo 
Paletti,  da  Osella,  na  largada  do  GP  do  Canadá  de  1982,  em  Montreal.  Outro 
italiano,  Elio  De  Angelis,  perdera  também  a  vida  na  Fórmula  1,  em  1986, 
durante  testes  particulares  da  Brabham  em  Paul  Ricard,  na  França.  Ayrton 
Senna,  Michael  Schumacher,  Mika  Hakkinen,  Damon  Hill  nunca  haviam 
convivido com a dura realidade da morte nos autódromos.  

Senna  chorara  já  no  dia  anterior,  naquele  mesmo  local,  um  dos  mais 
freqüentados  naquele  fim  de  semana,  o  centro  médico  da  pista  de  Ímola, 
quando Rubens Barrichello também sofrera grave acidente. Agora de novo ele 
estava lá, mas desta vez para algo bem pior, a perda de um colega de profissão. 
Deu  para  perceber  de  onde  estávamos,  uns  20  metros  do  local,  que  Senna 
queria  a  todo  custo  entrar  no  minihospital  e  não  o  autorizavam.  Estava 
supertenso  em  razão  de  ter  desembarcado  de  um  carro  da  organização  da 
prova, segundos antes, proveniente da curva Villeneuve, onde Ratzemberger se 
acidentara.  

O pequeno tumulto que se formou na porta do centro médico chamou a 
atenção  de  Watkins,  lá  dentro,  que  junto  com  o  doutor  Baccarini  tentava,  em 
vão,  ressuscitar  o  piloto  austríaco.  Watkins,  neurocirurgião,  já  tinha  o 
diagnóstico  irreversível  e  deixou  o  minihospital  para  conversar  com  Senna. 
Depois,  mais  tarde,  ele  nos  diria  que  Senna  chorara  convulsivamente  no  seu 
ombro.  "Éramos  amigos,  pescávamos  juntos,  ficávamos  nas  casas  das 
respectivas famílias."  
O mais incrível foi o que se passou a seguir: o belga Roland Bruynseraede, 
delegado de segurança da Fórmula 1 e diretor de prova, mandou chamar Senna 
na torre de controle para lhe pedir explicações sobre o seu comportamento de 
solicitar a um carro oficial do GP para ir até o local do acidente de Ratzemberger. 
Não  pude  ouvir  Senna  a  respeito  porque  naquele  dia  ele  não  mais  atendeu 
ninguém. Permaneceu fechado no motorhome da Williams e não mais retornou 
à pista, apesar do treino ter prosseguido depois de o helicóptero ter decolado 
levando o austríaco para o Hospital Maggiore de Bolonha.  

Soube que Bruynseraede lhe pediu satisfações. Senna sabia que a FIA não 
brinca  e  é  dura  nessas  questões  de  manter  a  autoridade,  apesar  da  situação 
absurda  no  caso.  No  fim  de  1989  e  início  de  1990,  se  Ayrton  Senna  não  se 
recatasse publicamente das acusações ao então presidente da Fisa, Jean‐Marie 
Ballestre,  de  favorecer  Alain  Prost  na  decisão  do  último  Mundial,  no  GP  do 
Japão,  não  receberia  sua  superlicença  para  disputar  a  temporada.  Senna, 
segundo depois a assessoria da Williams, teria respondido a Bruynseraede que, 
como piloto, interessava‐se em compreender o que ocorreu na curva Villeneuve 
com Ratzemberger, daí dirigir‐se até lá.  

Bruynseraede é um belga que trabalhava no autódromo de Zolder já na 
época  em  que  Gilles  Villeneuve  morreu,  em  1982,  dirigindo  provas  locais. 
Começou  a  trabalhar  para  a  FIA  e  sem  que  ninguém  soubesse  ao  certo  como, 
atingiu o importante cargo de diretor de prova além de delegado de segurança 
da  Fórmula  1.  Eu  o  conheço  bem.  No  último  GP  da  Bélgica,  em  Spa‐
Francorchamps por exemplo, ele estava lá e conversamos.  

É sempre bastante simpático e dei muitas voltas de carro nos circuitos da 
Fórmula  1 ao  seu  lado,  com  ele  explicando‐me  muito  dos  trabalhos  realizados 
nas  pistas.  Esta  é  uma  das  áreas  que  mais  me  interessa  nessas  competições. 
Mas devo confessar: é um homem sem formação técnica, acadêmica. Aprendeu 
na  prática  e  não  raro  sua  falta  de  domínio  de  conceitos  básicos  de  física, 
química e matemática ficavam evidentes. 

Lembro‐me  do  GP  da  Hungria  daquela  mesma  temporada,  1994.  Era 
quinta‐feira,  início  da  tarde,  eu  acabara  de  chegar  ao  autódromo,  procedente 
do  Brasil.  Conversava  rapidamente  com  um  pequeno  grupo  de  jornalistas 
quando Bruynseraede se aproximou.  

Nós  o  cumprimentamos  e  em  seguida,  sem  que  esperássemos, 


perguntou:  "Vocês  também  acham  que  eu  fiz  mal  em  deixar  a  corrida  seguir 
adiante  na  Alemanha?"  Cerca  de  uma  semana  antes,  estávamos  em 
Hockenheim e ainda na primeira volta da prova nada menos de dez carros dos 
26 que largaram envolveram‐se num acidente. 

Havia  pedaços  dos  carros  para  todo  lado.  Por  sorte  ninguém  se  feriu. 
Bruynseraede  foi  bastante  criticado  por  todos  por  não  optar  pela  bandeira 
vermelha, interrompendo a corrida para depois haver nova largada. Quase em 
coro  respondemos  a  ele  que  de  fato  fora  um  erro  grave  não  paralisar  a 
competição. Eu jamais imaginava presenciar reação de tamanha insegurança de 
um  delegado  de  segurança  da  Fórmula  1.  Não  esquecerei  jamais  sua 
argumentação frágil, despreparada, exposta a seguir para justificar a decisão de 
manter  a  corrida  com  bandeira  amarela.  Mais:  ele  espontaneamente  nos 
procurou, o que bem demonstra suas incertezas.  

Era  nas  mãos  de  indivíduos  bem  intencionados  como  ele,  mas  mal 
preparados,  que  a  Fórmula  1  estava  naquela  época.  Charlie  Whiting,  um  ex‐
mecânico  inglês  da  equipe  Brabham  quando  Bernie  Ecclestone  era  o  seu 
proprietário,  o  substituiria  no  campeonato  seguinte.  Whiting  mantem‐se  na 
função até hoje.  

Senna  não  voltou  para  a  pista,  assim  como  Schumacher,  depois  da 
interrupção da segunda tomada de tempos, ocorrida aos 19 minutos de treino. 
Por  mais  que  Gerhard  Berger,  da  Ferrari,  tentasse,  não  melhorou  a  marca  de 
Senna  e  Schumacher  registradas  no  dia  anterior.  Fiquei  impressionado  com  a 
frieza  de  Berger,  já  que  Roland  Ratzemberger  era  austríaco  como  ele.  Berger 
não se deixou atingir pela perda do amigo, sentou no carro e acelerou tudo para 
ficar  em  terceiro  no  grid.  Eu  me  viria  também  impressionado  com  Jean  Alesi, 
companheiro de Berger na Ferrari. No dia seguinte à morte de Senna, segunda‐
feira,  enquanto  seu  corpo  estava  no  Instituto  Médico  Legal  de  Bolonha, 
aguardando a autópsia, o francês treinava a 60 quilômetros dali, em Fiorano.  

Alesi foi testemunha ocular do acidente de Ratzemberger. Entre o GP do 
Brasil e o do Pacífico, ele sofreu uma gravíssimo acidente em Mugello, enquanto 
treinava  com  sua  Ferrari  412T1,  e  teve  fratura  de  uma  vértebra  cervical.  Por 
muito  pouco  não  ficou  paralítico.  Aquele  era  o  seu  primeiro  treino  depois  do 
período  de  convalescença.  No  sábado  do  GP  de  San  Marino,  Alesi  estava  no 
meio  da  torcida,  na  arquibancada  da  curva  Tosa,  onde  parou  a  Simtek  de 
Ratzemberger  depois  do  impacto  da  curva  Villeneuve,  a  cerca  de  300  km/h,  o 
ponto de maior velocidade do circuito.  
"Vi  tudo  com  clareza",  disse  Alesi.  "Ratzemberger  perdeu  uma  parte  do 
aerofólio  dianteiro  antes  da  Villeneuve  e  ficou  sem  pressão  aerodinâmica  na 
frente. Quando ele iniciou o contorno da curva, seu carro seguiu reto, colidindo 
em  um  ângulo  aproximado  de  45  graus  no  muro,  praticamente  sem  reduzir  a 
velocidade  em  que  saiu  da  pista.  Deve  ter  morrido  na  hora."  O  austríaco  teve 
fraturas  múltiplas  das  vértebras  cervicais,  causadas  pela  súbita  desaceleração 
do choque, além de dilaceramento visceral, motivado pela mesma origem.  

Ninguém  conseguiu  falar  com  Senna  no  restante  daquele  dia.  Alegando 
falta  de  condições  emocionais,  ele  não  só  não  falou  com  ninguém  como  se 
recusou  a  treinar.  Frank  Williams  o  apoiou.  O  período  de  tensão  da  sua  vida 
pessoal  combinado  com  as  dificuldades  do  seu  momento  na  Fórmula  1 
transformaram  Senna  em  um  cidadão  distante  de  tudo.  Nos  poucos  minutos 
que pudemos vê‐lo naquele sábado ele parecia longe, abatido, triste, reflexivo. 
Não  creio  que  questionasse  a  validade  do  que  fazia.  Senna  amava  pilotar  e 
deixava claro isso.  

Acredito  que  ele  tentasse  apenas  encontrar  forças  para  enfrentar  as 
acusações  à  namorada  trazidas  do  Brasil  pelo  irmão,  Leonardo,  conforme  se 
falava  em  Ímola,  e  para  compatibilizar  seus  novos  e  elevados  investimentos 
empresariais, em especial a representação dos automóveis Audi no Brasil, com a 
atividade  de  piloto.  Mais:  responder  à  falta  de  resultados  nas  duas  primeiras 
etapas  da  temporada,  apesar  de  estar  na  Williams,  e  ainda  por  cima  conviver 
com desgaste da morte na Fórmula 1.  

O  dia  30  de  abril  de  1994  de  Senna  no  circuito  Enzo  e  Dino  Ferrari  não 
terminou  com  a  sua  saída  do  autódromo,  no  fim  da  tarde,  já  com  a  65.a  pole 
position  da  carreira  conquistada,  a  última.  As  horas  que  se  seguiram  foram 
terríveis.  No  próximo  capítulo  Senna  conversará  com  Frank  Williams,  dando  a 
entender que  pretendia  não  disputar  o  GP de  San Marino,  conforme  o  doutor 
Watkins lhe sugeria. A noite tensa do piloto em Doza, pequena cidade medieval 
onde ele estava hospedado. O que se comentou no dia seguinte, de manhã na 
pista,  a  respeito  das  possíveis  gravações  que  Leonardo  lhe  apresentou, 
acusando Adriane Galisteu. 

   
Capítulo 7:  Domingo de Manhã 

Caro internauta: Vamos fazer um trato? Por uma combinação de razões, 
não  seguirei  a  seqüência  cronológica  dos  episódios  de  cercaram  a  morte  de 
Ayrton  Senna.  Você  se  lembra  quando  no  capítulo  anterior  lhe  falei  que  da 
próxima  vez,  hoje  portanto,  reproduziríamos  um  retrato  do  que  foi  a  noite  de 
sábado,  30  de  abril,  em  Doza,  na  Itália,  onde  ele  estava  hospedado?  Vamos 
passar para o domingo, o trágico 1.o de maio de 1994. Prometo redigir logo o 
que se passou no sábado em Doza.  

O  domingo  amanheceu  ensolarado,  apesar  de  não  fazer  calor.  Desde 


1992  instalo‐me  numa  pequena  cidade  chamada  Riolo  Terme.  Desse  local  até 
Ímola,  onde  acha‐se  o  circuito  Enzo  e  Dino  Ferrari,  existe  algumas  pequenas 
montanhas,  em  cujas  colinas  são  cultivadas  as  uvas  que  dão  origem  ao  vinho 
San  Giovese,  típico  da  região.  Há  plantações  também  de  "plune",  que  são 
aquelas cerejas vermelhas, grandes, e kiwi.  

Logo  na  saída  do  Albergo  Serena  acha‐se  o  acesso  a  essa  bucólica  e 
sinuosa  estradinha.  Quando  ela  acaba,  11  quilômetros  adiante,  encontro‐me 
exatamente  na  curva  Rivazza  da  pista.  Depois  é  só  contornar  uma  quadra  e 
entrar  no  autódromo.  Não  sou  supersticioso,  evito  fazer  essas  associações 
porque se damos crédito a elas nossa vida passa a ser regida por mecanismos 
do  tipo:  se  eu  quiser  ter  êxito  em  alguma  coisa  devo  antes  passar  por  isto  ou 
aquilo. Ganhar a imagem de um santo de presente dá sorte, passar em baixo de 
escada ou ver gato preto dá azar. Respeito que acredita, claro, mas não gosto 
de pensar dessa forma.  

O que vou contar aqui não tem relação, ao menos na minha cabeça, com 
o que aconteceu naquela tarde de domingo, na sexta volta do GP de San Marino. 
Mas  quero  deixar  registrado.  No  caminho  de  Riolo  Terme  até  Ímola,  quase 
sempre sem ninguém na estrada, tive de reduzir a velocidade para não passar 
por cima de uma cobra. Esse animal tem sido associado a desgraças, se não me 
engano. Nos seus movimentos tradicionais, a cobra nada pequena, de uns dois 
metros, cruzou o asfalto. Também não acredito que a próxima vez que vir outra 
cobra no caminho da pista alguém irá morrer na pista.  

Pouco  antes  de  desembocar  na  Rivazza  senti  o  clima  de  corrida,  com 
muitos  motoristas  procurando  estacionar  seus  carros  nessa  estradinha  e 
milhares  de  espectadores  a  pé.  Eu  confesso  que  estava  bastante  sensibilizado 
com  tudo  o  que  ocorrera  naquele  fim  de  semana.  Primeiro  o  acidente  do 
Rubinho,  na  sexta‐feira,  depois  a  morte  de  Roland  Ratzemberger,  no  sábado. 
Tinha  comigo  a  certeza  de  que  a  proibição  de  quase  todos  os  recursos 
eletrônicos,  naquele  ano,  sem  diminuir  a  potência  dos  carros,  os  deixara 
perigosos. 

A  sensação  da  iminência  de  novos  acidentes  era  nítida  em  mim.  Jamais 
pensei,  contudo,  que  Ayrton  Senna  pudesse  estar  envolvido  em  um  deles,  ao 
menos fatal. Isso não passava pela minha cabeça. Cheguei no autódromo pouco 
antes  do  warm‐up,  próximo  das  9  horas.  Sabia  desde  o  dia  anterior  que  Niki 
Lauda  estava  programando  pré‐agendar  com  os  pilotos  uma  reunião  para  se 
discutir  a  segurança  na  Fórmula  1.  Lauda  trabalhava  como  conselheiro  da 
Ferrari e assessor especial do presidente da empresa, Luca di Montezemolo. Os 
dois  são  amigos  desde  que  Luca  era  diretor  esportivo  da  Ferrari,  em  1975  e 
1977, quando Lauda ganhou dois campeonatos com a equipe italiana. 

Lauda disse a um grupo de jornalistas em que estava presente: "Acho que 
apenas Senna pode liderar um movimento desses, só ele tem autoridade para 
falar, ser ouvido e respeitado." Senna foi para a pista pela primeira vez desde a 
sábado  pela  manhã  no  warm  up.  Ele  não  participou  da  sessão  de  classificação 
do sábado à tarde. O acidente com Ratzemberger ocorreu no início do treino e 
ele, profundamente perturbado com tudo que o cercava, não tentou melhorar 
seu tempo. Mesmo assim acabou com a pole position. 

O  treino  foi  normal.  Eu  estava  tenso,  como  fiquei  muito,  mas  muito 
mesmo em Mônaco, na corrida seguinte, depois que já na primeira sessão livre 
Karl  Wendlinger  bateu  forte  da  saída  do  túnel  e  entrou  em  coma.  Não  podia 
ouvir  o  barulho  daqueles  carros.  Achava  que  outros  iriam  morrer.  Pensei  em 
voltar para o Brasil e mudar de profissão. Estava certo da minha decisão. Afinal, 
na  sexta‐feira  em  Ímola  Rubinho  quase  se  mata  e  no  sábado  Ratzemberger 
morreu.  No  domingo  foi  a  vez  de  Senna.  E  já  no  primeiro  treino  da  corrida 
seguinte,  em  Mônaco,  Wendlinger  era  dado  como  morto.  Quer  dizer:  que 
esporte  é  esse?  Ganha  quem  sobrevive?  A  Roma  antiga,  embora  fisicamente 
perto  dali,  estava  2000  anos  atrás  no  tempo.  Bem,  isso  é  outra  história  que 
depois eu conto. 

Voltemos  ao  domingo  em  Ímola.  Vi  Lauda  conversar  com  Senna,  em 
pleno paddock do circuito Enzo e Dino Ferrari, a respeito do seu plano de talvez 
recriar a Grand Prix Drivers Association (GPDA), entidade criada e dirigida pelos 
pilotos  a  fim  de  defender  os  seus  interesses,  em  especial  os  relativos  à 
segurança. Com o abandono das pistas de Jackie Stewart, em 1973, seu principal 
líder, a GPDA acabou deixando de existir. Agora, 20 anos mais tarde, era hora de 
retomá‐la.  "Combinamos  que  na  quarta‐feira  iremos  nos  encontrar",  revelou 
Lauda, sobre a conversa com Senna.  

Contou mais: "Discutiremos não só a revisão do regulamento técnico mas 
principalmente a segurança das pistas. Alguns muros têm de ficar mais distantes 
do asfalto. Reconheço que nem sempre é possível, como no caso aqui de Ímola, 
em que o muro da Villeneuve (onde se acidentou Ratzemberger) está no limite 
do  terreno  do  autódromo,  a  saída  então  é  mexer  nos  traçados",  disse  Lauda. 
Michael  Schumacher,  da  Benetton,  o  líder  do  Mundial,  com  duas  vitórias,  no 
Brasil  e  no  GP  do  Pacífico,  no  Japão,  também  estaria  presente  no  encontro, 
segundo falou Lauda.  

Senna  não  conversou  com  nenhum  jornalista,  ao  menos  que  eu  saiba. 
Nos evitou visivelmente. Tinha a expressão fechada, mas um pouco melhor que 
a de sábado à tarde. Nos raros momentos de aparição pública assim o via. 

Ele ficou a maior parte do tempo daquela manhã dentro do motorhome 
da  Williams,  reunido  com  Adrian  Newey,  o  projetista  do  modelo  FW16,  e  seu 
engenheiro de pista, o inglês David Brown. Já que não dava para não disputar a 
corrida, como ele chegou a pensar, por tudo o que o atormentava, o jeito era 
então fazer da melhor forma possível. 

Uma  nova  vitória  de  Schumacher  deixaria  a  situação  insustentável.  O 


alemão  já  tinha  20  pontos  e  ele  nenhum.  O  doutor  Sid  Watkins,  médico  da 
Fórmula 1, chegou a orientar Senna, sábado à noite, para que ele não corresse. 
"Sim, o fiz", admitiu o médico tempos depois. "Alguém tão fora de si como ele, 
homem  tão  sensível,  com  boas  razões  para  isso,  não  poderia  submeter‐se  às 
exigências de uma corrida de Fórmula 1", revelou Watkins. 

Eu  vi  Senna  pela  última  vez  quando  ele  se  dirigia  do  motorhome  da 
Williams para o box da equipe, cerca de 40 minutos antes da largada. De novo 
trazia consigo a tensão do fim de semana e da sua vida pessoal. Normalmente 
eu caminhava pelo grid naquela meia hora em que os pilotos estacionam seus 
carros na posição em que irão largar.  

Naquele  dia  fui  direto  para  a  sala  de  imprensa.  Até  hoje,  ao  lado  da  de 
Montreal,  é  a  sala  mais  apertada  e  mal  equipada  de  todas  no  calendário  da 
Fórmula 1. Apesar da simpatia, cortezia e vontade de ser útil de seu supervisor, 
Gianni  Retti,  a  realidade  dessa  sala  não  tem  nada  a  ver  com  o  avanço  da 
Fórmula  1  e  de  quase  todos  os  outros  locais  de  trabalho  dos  jornalistas  nos 
autódromos do calendário. 

Minha  posição  na  sala  era  próxima  de  uma  janela  em  que  podia  ver  a 
passagem dos carros. Eu os via desde a saída da chicane que antecede a linha de 
chegada  até  pouco  antes  do  local  onde  Senna  perdeu  o  controle  do  carro,  na 
Tamburello.  A  maior  parte  do  tempo,  contudo,  acompanhamos  a  prova  pelas 
imagens  de  TV.  Dispomos  de  mais  ângulos  que  o  selecionado  para  chegar  na 
casa  de  quem  vê  a  corrida  de  casa.  Eu  estava  nervoso  e  podia  sentir  isso  nas 
minhas  mãos,  frias.  Até  hoje  nas  largadas  não  me  sinto  muito  à  vontade.  É  o 
instante  de  maior  risco  de  acidente  na  F‐1.  Mesmo  sabendo  que  aqueles 
rapazes  estão  lá  fazendo  o  que  desejam  e  têm  consciência  desses  riscos, 
confesso  que  temo  muitas  vezes  por  uma  pancada  violenta,  em  especial  com 
aqueles me relaciono bem profissionalmente. 

No caso do GP de San Marino havia o agravante do histórico daquele ano. 
Primeiro  o  finlandês  Jirki  Jarvilehto,  da  Benetton,  em  janeiro,  se  acidentou  na 
curva Stowe, em Silverstone, e teve fratura de vértebra cervical. Não correu as 
duas primeiras etapas do Mundial e estava de volta naquela prova. Depois foi a 
vez de ocorrer o mesmo com Jean Alesi, da Ferrari, em Mugello. Nicola Larini o 
estava  substituindo  em  Ímola.  Mais:  Rubinho  se  arrebentara  na  sexta‐feira, 
Ratzemberger  morrera  no  sábado.  O  que  não  aconteceria  então  nas  58  voltas 
do  GP  de  San  Marino,  cujo  circuito  tinha  pontos  de  altíssima  velocidade,  em 
curva, como a Villeneuve e a Tamburello? 

   
Capítulo 8:  Acidente na Tamburello, às 14:17 do dia 1º de maio de 1994 

Em 1953, o italiano Giuseppe Farina perdeu o controle da sua Ferrari 500 
na 30a volta do GP da Argentina, em Buenos Aires, e matou nove espectadores. 
Em  Monza,  em  1961,  o  alemão  Wolfgang  von  Trips  acabou  provocando  outra 
tragédia. Ele estabelecera a pole position com sua Ferrari 156. De repente, na 
saída  da  curva  Parabólica,  antes  do  fim  da  primeira  volta,  a  Ferrari  tomou  a 
direção  das  arquibancadas  matando  Trips,  que  podia  ser  campeão  do  mundo 
ainda naquela prova, e mais 13 torcedores.  

Esses são apenas dois exemplos de etapas do Mundial em que além do 
piloto,  várias  outras  pessoas  morreram.  Comparado  com  esses  momentos 
difíceis da Fórmula 1, que eu já havia lido e relido, até que o GP de San Marino 
não  representava  uma  perda  tão  grande,  ao  menos  em  número  de  vidas.  A 
largada  ainda  não  fora  dada  e  havia  um  único  morto  na  história,  Roland 
Ratzemberger, no sábado, diante de nove, em 1953 na Argentina, e 14 na Itália, 
em  1961.  A  grande  diferença  é  que  meu  conhecimento  daquelas  provas 
resumia‐se  à  literatura  específica,  enquanto  em  Ímola,  1994,  eu  vivia  sua 
tragédias pessoalmente.  

Como escrevi no capítulo anterior, Jirki Jarvilehto não disputara as duas 
primeiras etapas da temporada por ter se acidentado, com gravidade, na curva 
Stowe,  em  Silverstone,  na  pré‐temporada.  Ele  era  o  companheiro  de  Michael 
Schumacher  na  Benetton.  Jarvilehto,  o  sobrenome  dele  é  assim,  com  as  duas 
palavras juntas, ele que me ensinou, estava estreando no campeonato no GP de 
San  Marino.  No  sábado,  no  fim  da  tarde,  eu  conversava  com  ele.  O  piloto 
austríaco  Roland  Ratzemberger,  da  Simtek,  já  havia  falecido.  "Eu  tive  muita 
sorte", disse‐me Jarvilehto. Ele sofreu fratura de duas vértebras cervicais e por 
milagre  a  lesão  óssea  não  se  estendeu  até  a  medula  nervosa,  que  corre  por 
dentro das cervicais. Se tivesse ocorrido a lesão, no mínimo ele estaria paralítico 
das pernas.  

Jarvilehto  abaixou  a  cabeça,  lançou  os  cabelos  louros  para  a  frente,  e 


expôs  a  região  posterior  do  pescoço,  para  que  eu  pudesse  ver  a  cicatriz  da 
cirurgia a que foi submetido. Era um corte impressionantemente longo e largo. 
Nem  a  minha  bagagem  de  ex‐estudante  do  curso  de  Medicina  Veterinária  da 
USP e algumas cirurgias humanas que fotografei, como transplantes de rins, me 
impressionaram tanto quanto a cicatriz no pescoço de Jarvilehto. Sabia que um 
novo  impacto  poderia  matá‐lo.  E  o  fim  de  semana  vinha  cheio  de  prenúncios 
sinistros. Esse era apenas mais um dado que gostaria de registrar para explicar o 
que vem adiante.  

14  horas:  Roland  Bruynseraede  autoriza  a  largada.  Jarvilehto,  quinto  no 


grid,  não  larga.  O  motor  Ford  da  sua  Benetton  morreu.  Uma  parte  do  pelotão 
consegue desviar, mas sua posição é muito adiante no grid. O português Pedro 
Lamy, com Lotus, acerta em cheio a traseira da Benetton, parada na pista. Um 
roda da Lotus voa na direção da arquibancada e atinge vários torcedores. Com 
carros e detritos para todo lado no asfalto, o diretor de prova ordena a entrada 
do Safety Car na pista.  

Ayrton Senna lidera a corrida, seguido por Michael Schumacher. Da sala 
de  imprensa,  onde  estava,  temia  pela  vida  de  Jarvilehto  e  das  pessoas  que 
receberam o impacto da roda da Lotus. Dá para compreender como todos que 
estavam  no  autódromo  viam  seus  temores  crescer  a  cada  instante?  Desde  a 
sexta‐feira os acidentes se sucediam sem parar. De novo conversávamos entre 
nós,  jornalistas,  que  John  Barnard,  projetista  da  Ferrari,  estava  com  a  razão: 
Retiraram  a  eletrônica  embarcada  e  não  reduziram  a  potência,  deixando  os 
carros inguiáveis.  

Nós  esperávamos  por  outras  más  notícias.  E  ela  veio  mais  cedo  do  que 
supunhamos. A imagem que eu tinha na TV onde eu estava mostrou a Williams 
de Senna seguindo reto na curva Tamburello, bem distante. Passava 17 minutos 
das 14 horas, sexta volta do GP de San Marino, a primeira desde a relargada da 
prova.  Antes  mesmo  de  Senna  bater  no  muro,  eu  já  pensava  comigo:  outra 
etapa sem marcar pontos, que droga! Repare que aquele idéia de Senna‐imortal 
estava radicalmente incrustada em mim. Eu tinha consciência de que ele iria se 
chocar  em  alta  velocidade,  próximo  dos  300  km/h,  mas  Senna  não  era 
Ratzemberger. Era Senna, inconscientemente imortal para mim.  

A  imagem  seguinte  que  nos  foi  oferecida  pela  TV  italiana  era  já  a  da 
Williams  desacelerando  depois  do  impacto  no  muro.  Epa!  Pensei.  Bateu  forte 
mesmo.  Enquanto  o  carro  ainda  se  arrastava  no  cimento  branco  da  área  de 
escape  da  Tamburello  e  o  asfalto,  eu  tentava  identificar  o  estado  do  cockpit, 
verificar  se  o  santo‐antônio  estava  inteiro,  enfim,  qualquer  dado  que  me 
permitisse  formar  uma  idéia  da  gravidade  do  acidente.  Quando  a  Williams 
parou, com Senna inerte dentro, e ele deu aquela pequena mexida na cabeça, 
imaginei que não se tratava de um acidente fatal. Ao contrário, não sei se por 
desejar  que  ele  estivesse  bem,  naqueles  segundos  tinha  a  impressão  de  que 
Senna teria se ferido sem maior gravidade.  

A  desaceleração  havia  sido  elevada,  concluída  por  observar,  ainda  que 


sem  a  clareza  necessária,  o  ângulo  do  impacto  e  a  distância  percorrida  pela 
Williams desde o choque até a imobilização. Mas o cockpit parecia inteiro, bem 
como  o  santantônio.  Mas  tudo  começou  a  mudar  quando  vi  os  paramédicos 
abrirem  um  lençol  branco  a  fim  de  impedir  a  obtenção  de  mais  imagens  do 
atendimento  ao  piloto.  Isso  sempre  é  um  indicativo  de  sérios  ferimentos.  O 
quadro se complicou ainda mais para mim ao ver sangue no chão. Não estava 
certo se vinha de uma hemorragia ou de traqueotomia, para permitir que Senna 
respirasse. Mais: os pés de Senna, deitado no chão, estavam por demais abertos. 
Se  eles  fossem  os  ponteiros  de  um  relógio,  formavam  o  horário  15  para  as  3 
horas. Tinha a certeza de que ele estava inconsciente. Quando o piloto mantém 
os dois pés na posição 10 para as 2 ou cinco para a uma, em geral é um bom 
sinal,  ou  menos  ruim.  Senna  estava  no  estágio  mais  avançado  do  "relógio  da 
vida", 15 para as 3.  

Nesse instante, sai da sala de imprensa, situada sobre os boxes, e fui até 
a saída de boxe, de onde poderia atingir, cerca de 300 metros adiante, o local 
do acidente na Tamburello. Mas os comissários haviam bloqueado a passagem. 
Permaneci lá uns dez minutos, acompanhando tudo através das imagens de TV 
instaladas nos boxes da Minardi. Fiquei ali para saber se os italianos cederiam 
na proibição. Na Itália nada é absoluto, como no Brasil. 

Angelo  Orsi,  um  velho  amigo  da  família  de  Senna,  fotógrafo  da  revista 
Autosprint,  com  que  converso  regularmente,  voltava  do  local  da  batida.  "Ele 
está mal, mal, perdia muito sangue pela cabeça", foram suas primeiras palavras. 
Levei um susto. Pela primeira vez compreendi que o caso era bem mais grave do 
que  eu  pensava.  Lembro‐me  de  elevar  o  pensamento  a  Deus  e  pedir  que  o 
preservasse.  

Ao  cair  em  mim,  corri  para  a  sala  de  imprensa  a  fim  de  aprontar  meu 
computador,  minha  bolsa  e  me  dirigir,  de  novo,  para  o  Hospital  Maggiore  de 
Bolonha, um velho conhecido meu. Eu já estivera lá na sexta‐feira à noite, para 
visitar  Rubens  Barrichello,  no  sábado,  para  ter  mais  notícias  sobre  Roland 
Ratzemberger,  embora  já  soubesse  que  ele  falecera,  e  agora  no  domingo 
repetiria os cerca de 50 quilômetros que separavam o autódromo do hospital.  
Eu estava revoltado. Depois de tantas desgraças, a próxima era previsível. 
Não  sei  se  por  inocência,  comecei  a  achar  que  a  corrida  não  deveria  ser 
disputada.  Alguma  coisa  estava  errada  e  quem  sabe  Barnard  estivesse  certo 
demais.  Já de  posse das  minhas coisas, caminhei rápido  até  o  estacionamento 
da  imprensa,  ao  lado  da  curva  Rivazza.  Bem  na  hora  em  que  estava  abrindo  a 
porta do meu carro alugado, ouvi o ronco ensurdecedor dos motores dos carros, 
passando  por  ali,  próximo  de  onde  estava.  Seria  dada  uma  nova  largada,  sem 
Rubens Barrichello, Roland Ratzemberger e Ayrton Senna. 

Ainda hoje reflito no meu comportamento naquele instante: "Assassinos, 
o  que  vocês  querem?  Matar  mais  um?  Já  não  chegam  dois?  Chega!  Será  que 
vocês não viram que o erro não está nos pilotos, mas nos carros?  

Acredite: foi o que eu gritei, meio fora de controle, em protesto a tanta 
desgraça, embora eu lá no fundo ainda tivesse esperanças de chegar no Hospital 
Maggiore  e  receber  a  notícia  de  que  Senna estava  sendo  operado,  seu  estado 
era  grave,  mas  não  irreversível,  como  fiquei  sabendo  assim  que  entrei  no 
hospital.  O  médico  que  atendera  Senna  no  helicóptero  que  o  transportou  do 
autódromo  para  Bolonha  tirou  de  mim  qualquer  esperança  de  vê‐lo  vivo 
novamente.  Seu  relato  é  impressionante.  Todos  os  detalhes  das  longas  e 
sofridas horas no hospital estarão no nosso próximo capítulo. 

   
Capítulo 9: A doutora Fiandre anuncia no Hospital Maggiore de Bolonha: 
"Senna está morto" 

Faz  tempo,  reconheço,  mas  estamos  de  volta.  E  acho  que  valeu  a  pena 
esperar.  Para  quem  quer  saber  mais  detalhes  daquele  triste  1.o  de  maio  de 
1994,  o  capítulo  de  hoje,  acredito,  irá  impressionar.  Nós  viajaremos  desde  a 
minha  saída  do  autódromo  Enzo  e  Dino  Ferrari,  no  início  da  tarde,  depois  do 
acidente,  até  o  momento  do  anúncio  da  morte  de  Ayrton  Senna,  no  Hospital 
Maggiore de Bolonha, para onde ele foi transportado de helicóptero depois do 
impacto na curva Tamburello.  

A  não  ser  o  nome  dos  médicos  com  quem  conversei  naquele  dia, 
resgatados em meus arquivos, o que você lerá a seguir vem puramente do que 
ficou registrado em minha memória e até hoje não contado para ninguém, ao 
menos no nível de aprofundamento que iremos abordar. Repito: são descrições 
chocantes, que só interessam aos que, de fato, buscam conhecer os detalhes de 
tudo o que cercou a morte do maior ídolo esportivo da história do nosso país.  

Enquanto me dirigia pela terceira vez de Ímola para o Hospital Maggiore 
no fim de semana, várias vezes recordo‐me de ter recorrido a Deus, solicitando‐
lhe que preservasse a vida de Senna. No princípio eu imaginava que o impacto 
não fora fatal, mas depois de ouvir de Angelo Orsi, o fotógrafo amigo de Senna, 
uma  descrição  mais  precisa  do  que  se  passara  durante  o  atendimento  médico 
ainda na pista, tinha consciência de que o quadro era grave. Só não imaginava 
que se tratava de uma situação irreversível.  

No Brasil, era domingo de manhã, e não me lembro de ter ligado para os 
jornais que trabalhava e onde estou até hoje, Estadão, Jornal da Tarde e Agência 
Estado,  para  informar‐lhes  de  que  havia  deixado  o  autódromo.  Para  mim  a 
Fórmula 1 não interessava mais. Tudo o que eu precisava saber, como cidadão e 
jornalista, era se Senna sobreviveria. O resultado do GP de San Marino tornara‐
se irrelevante.  

Várias vezes tive de dizer a mim mesmo, nos cerca de 50 quilômetros que 
separam  o  circuito  do  hospital,  que  eu  não  estava  sonhando.  Aquilo  era 
realidade. 

Eu  me  dirigia  até  Bolonha  para  saber  se  Senna  ainda  estava  vivo.  Era  a 
minha terceira corrida como contratado da empresa para cobrir a Fórmula 1. Eu 
pensei  comigo:  se  Senna  morresse,  todas  as  atenções  estariam  lá  na  Itália,  ao 
menos  até  o  embarque  do  corpo  para  o  Brasil.  Eu  estava  sozinho,  seria  o 
responsável por levar aos leitores dos jornais de casa um painel de informações 
de tudo. Que responsabilidade! 

Isso fez eu me concentrar quase doentiamente no meu trabalho e deixar 
as  emoções,  ao  menos  as  maiores,  de  lado.  Frieza,  exigi  de  mim  mesmo,  no 
caminho  enquanto  dirigia  o  carro.  Ao  mesmo  tempo,  comecei  a  elaborar  uma 
estratégia  de  cobertura.  As  notícias  estariam  no  hospital,  mas  também  no 
autódromo.  Era  imprescindível  ouvir  também  Frank  Williams,  dono  da  equipe 
de Senna, Patrick Head e Adrian Newey, os homens que assinaram o projeto do 
modelo FW16 pilotado por Senna.  

Estacionei  o  carro  no  hospital  e  até  então  não  deparei  com  nada  de 
diferente na sua rotina. Eu imaginava que haveria gente por todo lado a fim de 
acompanhar uma eventual cirurgia em Senna. De imediato compreendi que eu 
chegara bastante cedo ao hospital, a ponto de entrar no edifício e não ver um 
único  jornalista.  No  fim  de  uma  rampa  que  dá  acesso  ao  um  saguão  central, 
para onde todos se direcionam ao entrar no hospital, vi a primeira manifestação 
de que Senna estava lá.  

Um  policial,  um  carabinieri,  estava  agitadíssimo.  Alguém  acabara  de  lhe 
dizer  que  o  piloto  se  acidentara  e  há  pouco  havia  chegado  ao  hospital, 
transportado de helicóptero. Ele tinha o chapéu na mão e gritava, sem controle: 
"Meu Deus, o que é isso, não existe mais piloto como Senna, que corre com o 
coração".  Eu  o  ouvi  e  rapidamente  entrei  no  saguão  atrás  de  notícias.  Estava 
meio  trêmulo.  Apesar  da  tentativa  de  manter‐me  tranquilo,  nunca  fui  um 
exemplo  de  equilíbrio  emocional  e  com  um  agravante,  costumo  somatizar  os 
dramas.  

Mas  ali  não  havia  jeito.  Se  eu  falhasse  estaria  desperdiçando  a  minha 
grande  chance  profissional,  que  eu  tanto  lutara  na  vida,  ou  seja,  cobrir  o 
Mundial de Fórmula 1 para a grande mídia impressa brasileira. Cada vez que me 
lembrava disso ganhava força para deixar de lado as minhas emoções. Deixei de 
pensar  também  nas  reações  que  estavam  ocorrendo  no  Brasil  por  conta  do 
acidente de Senna, o que colaborou para eu me controlar. 

Nesse  momento  vi  Roberto  Cabrini,  repórter  da  TV  Globo,  com  quem 
sempre  tive  boa  relação  profissional,  e  um  pouco  mais  tarde  Celso  Itiberê,  o 
correspondente  do  jornal  o  Globo  em  Milão  e  responsável  pela  cobertura  do 
campeonato  para  a  empresa  carioca.  Fui  informado  pela  administração  do 
hospital de que o centro de recuperação, ou a UTI, era no 11o andar do edifício.  

Não  encontrei  no  hospital  um  único  cidadão  que  tivesse  um  mínimo  de 
sensibilidade com o que estava se passando: um piloto de Fórmula 1, ídolo em 
dezenas  de  países,  lutava  para  viver  e  esses  pseudo‐profissionais continuavam 
sendo  mal‐educados,  grossos  e  desinteressados.  Mais  para  frente  vou  lhes 
contar um episódio envolvendo‐os que é de chocar. O que faltava de bom senso 
aos  funcionários  do  hospital  sobrava  aos  médicos  deslocados  para  o 
atendimento.  Todos  solícitos  e  não  escondendo  nenhuma  informação.  Nos  foi 
orientado  que  não  subíssemos  ao  11o  andar,  mas  era  impossível  atender  o 
pedido do hospital. A notícia estava lá. E eu não errei ao decidir pagar para ver. 
Logo que sai do elevador encontrei um médico com as roupas usadas no centro 
cirúrgico. O senhor veio lá de dentro, viu o Senna, pode me dizer alguma coisa? 
Perguntei,  meio  afobado,  imaginando  ouvir  um  desaforo.  Se  ele  fosse  um 
animal irracional como os outros que trabalhavam no hospital, essa deveria ser 
a sua reação.  

Para a minha surpresa, nada disso ocorreu. Descobri tratar‐se do doutor 
Servadei,  um  dos  que  atendeu  Senna  ainda  na  pista  e  o  acompanhou  no 
helicóptero até o hospital. Apesar de profissional, ele estava abalado. Com voz 
bem baixa, começou a descrever o que vivera naquela última hora. Ele é quem 
fala:  

"Antes  mesmo  de  retirar  o  capacete,  ficamos  impressionados  com  a 


quantidade  de  sangue  o  que  piloto  perdia.  Alguma  artéria  havia  sido  atingida 
com  certeza  e  minha  primeira  preocupação  era,  uma  vez  exposta  a  cabeça  de 
Senna,  tentar  conter  a  hemorragia.  Quem  orientou  a  complexa  retirada  do 
capacete foi o doutor Watkins, o médico da FIA. Mas tão logo tivemos acesso a 
sua  cabeça,  sem  o  capacete  e  a  balaclava,  compreendi  que  Senna  não 
sobreviveria.  

Vimos que toda a base craniana estava aberta e ele perdia massa cefálica, 
cérebro, pelo corte de mais de um centímetro de largura, que corria por trás das 
orelhas, de lado a lado da cabeça, aberta. Para mim ele havia batido a cabeça no 
muro  da  curva  Tamburello,  em  alta  velocidade.  Isso  explicava  aquele 
traumatismo generalizado da caixa craniana." 

Depois de ouvir aquilo, estava claro para mim que não havia mais o que 
fazer. A morte de Senna era uma questão de tempo. Pouco tempo. Lembro‐me 
de  ter  procurado  um  lugar  para  sentar  e  dizer  a  mim  mesmo  que  aquilo  era 
verdade.  Nesse  instante  passou  a  circular  a  informação  de  que  os  médicos  do 
caso falariam no centro de conferências do hospital, no térreo. Profundamente 
abatido, sem saber o que pensar, fui para lá, sempre transportando o meu bloco 
de anotações o velho computador laptop Toshiba 1000, uma peça de museu se 
comparada aos que uso hoje. 

Na mesa do centro de conferência ficaram de pé, nenhum deles sentou, 
o  doutor  Domenico  Cosco,  a  doutora  Maria  Tereza  Fiandri,  que  entrou  para  a 
história, por ter anunciado, oficialmente, às 19h05, a morte de Senna, o doutor 
Andreolli, neurocirurgião, o doutor Servadei e o doutor Gordini, anestesista.  

O  primeiro  a  falar  foi  Andreolli,  que  descreveu  o  quadro  como  o  mais 


traumático  possível,  citando  um  valor  numa  escala  desenvolvida  por  um 
medalhão  da  neurocirurgia  que  não  me  recordo.  "Não  existe  uma  área 
específica do cérebro que podemos atuar para a reparação, tudo foi danificado 
no  acidente.  O  traumatismo  é  genérico  bem  como  os  danos  a  todo  o  tecido 
nervoso", dizia ele.  

Entre eu conversar com o doutor Servadei no 11o andar e a conferência, 
passaram‐se cerca de uma hora e já havia muitos repórteres para acompanhar o 
caso. Na sala de conferência pude observar até mesmo doentes de pijama, que 
sabiam da internação de Senna em estado de emergência. A consternação pelo 
anunciado  pelo  doutor  Andreolli  foi  impressionante.  As  pessoas  tomaram 
consciência de que Senna, quase um ídolo da humanidade, aquele que parecia 
imortal,  morreria  no  máximo  em  questão  de  horas.  Entrei  em  contato  com  o 
nosso chefe de reportagem na época, coordenador do "pool" de jornalistas de 
esportes  do  Estadão  e  JT,  Castilho  de  Andrade,  hoje  editor  do  JT,  para  lhe 
informar onde estava, o que já apurara e o que viria pela frente. Como eu teria 
de escrever um volume respeitável de textos naquele dia, Castilho sugeriu que 
eu já enviasse o primeiro com o que apurara até então. Achei prudente. Sentei 
numa  das  cadeiras  da  sala  de  conferência  e  conectei  meu  laptop  em  uma 
tomada  que  descobrira  ali,  próximo  da  mesa  dos  médicos,  que  já  deixavam  o 
local. 

Nesta  hora  surge  um  cidadão,  daqueles  imbecis  que  há  pouco  citei, 
dizendo‐me  que  não  poderia  ficar  ai.  "Vou  fechar  esta  sala",  disse‐me  com  a 
maior  agressividade  pensável.  Eu  lhe  pedi  que  me  desse  uns  50  minutos  para 
redigir  um texto,  isso em  nada  alteraria a  rotina  do  hospital.  Quase  sem  olhar 
para mim o animal foi até o centro de controle de luzes da sala e me ameaçou, 
com  a  mão  nas  chaves  elétricas,  ao  me  informar  que  se  eu  não  saísse  de  lá 
naquele  instante  ele  desligaria  a  luz  do  ambiente.  Não  tive  alternativa.  Minha 
vontade era de agredi‐lo. Não disse nada e sai.  

Voltei a falar com o doutor Servadei, o do helicóptero. Ele me deu mais 
detalhes:  "A  hemorragia  que  Senna  tinha  ainda  na  pista  era  tão  violenta  que 
durante  o  vôo  até  o  hospital  nós  lhe  re‐implantamos  4,5  litros  de  sangre, 
enquanto  circula  pelo  nosso  organismo  cerca  de  6  litros  de  sangue."  Ele 
também falou da perda de liquor, líquido existente entre as camadas nervosas 
que  envolvem  todo  o  tecido  nervoso,  a  fim  de  protegê‐lo.  "Na  dilaceração 
ocorrida no seu cérebro, Senna perdia massa cinzenta e líquor, o que começou a 
deformar rapidamente suas feições."  

Toda vez que essas camadas são rompidas, o líquor, mantido sob elevada 
pressão  entre  elas,  se  espalha  pelas  cavidades  que  encontra,  causando  o 
edemaciamento  (inchaço)  de  todos  os  tecidos.  Em  outras  palavras,  o  rosto,  a 
cabeça de Senna estava se deformando rapidamente, ganhando volume. 

O  doutor  Gordini,  o  anestesista,  contou‐me  também  o  que  ocorreu  no 


helicóptero:  "Senna  teve  uma  depressão  respiratória  bastante  séria.  Nós 
administramos  drogas  que  reverteram  o  quadro,  mas  mesmo  que  ele  não 
tivesse sofrido os estragos todos no cérebro, decorrentes do impacto no muro, 
só aquela depressão já lhe teria causado danos irreversíveis no tecido nervoso. 
Ele  teria  apenas  vida  vegetativa.  Seu  cérebro  recebeu  pouco  oxigênio  durante 
alguns segundos preciosos. No centro de treinamento, Senna chegou a ter uma 
parada respiratória, quando o que restou do seu cérebro ainda exibia atividade 
elétrica. De novo nós o reanimamos."  

Observe,  amigo  internauta,  que  em  nenhum  momento  os  médicos 


falaram em afundamento do frontal, causado por algum componente do carro 
que se projetou na direção da cabeça no momento do impacto. Hoje acredita‐se 
que  a  barra  que  conecta  a  roda  do  carro  ao  conjunto  mola‐amortecedor, 
denominada  push‐rod,  é  que  perfurou  a  viseira  do  capacete,  pressionando  a 
cabeça de Senna contra a parte de trás do cockpit. Essa compressão é que teria 
causado  a  fratura  da  base  do  crânio.  Os  médicos  apenas  me  citaram  intensa 
hemorragia originada do rompimento da artéria temporal.  

Recapitulando:  pouco  antes  das  16  horas  eu  já  estava  no  Hospital 
Maggiore  e  conversava  com  o  doutor  Servadei,  na  porta  do  centro  de 
reabilitação. Às 16h30 a doutora Fiandri anunciou no centro de conferências do 
hospital que o neurocirurgião, doutor Andreoli, falaria sobre o estado de Senna. 
Ficamos sabendo que não havia como intervir cirurgicamente e que a morte era 
uma questão de horas. Depois voltei a falar com os médicos que me deram mais 
informações do atendimento. A doutora Fiandri, que se tornou uma espécie de 
porta‐voz  do  grupo  médico,  nos  avisou  que  só  se  pronunciaria  se  tivesse 
"alguma novidade."  

Às 17h55, ela surge novamente no saguão principal do hospital, na porta 
do pronto‐socorro. A esta altura o hospital não mais permitia o acesso ao 11o 
andar, onde estava Senna, no centro de recuperação. Visivelmente emocionada, 
a doutora Fiandri informou que o eletro‐encefalograma de Senna não acusava 
mais atividade elétrica. "Senna tem morte cerebral". Boa parte dos profissionais 
de imprensa que estava no autódromo, a esta altura, lotava o hospital. Para a 
maioria, aquele foi o primeiro contato com os médicos que cuidavam de Senna. 
A notícia, esperada pelos que estavam lá, novidade para eles, causou comoção 
em todos. 

Estava  difícil  falar  nos  raros  telefones  públicos  do  hospital.  A  telefonia 
celular de longa distância apenas começava. O comunicado da doutora Fiandre 
era, no fundo, a morte de Senna. Seu coração continuava batendo, mas não por 
muito tempo. Vi pessoas chorando, dentre eles jornalistas muito emocionados 
também.  Eu  ainda  não  chorara,  talvez  por  conta  daquele  preparo  a  que  me 
submeti, dizendo a mim mesmo que ao menos enquanto estivesse ali, atrás de 
informações, eu mantivesse a situação sob controle.  

Todos  nós,  jornalistas,  precisávamos  nos  comunicar  com  nossas  bases, 


para  de  novo  informar  do  andamento  das  notícias.  A  doutora  Fiandri,  por 
exemplo, disse que só voltaria a falar com a imprensa às 21 horas ou se "tivesse 
alguma novidade". Isso depois de anunciar a morte cerebral do piloto, às 18:05, 
dez  minutos  após  sair  pela  porta  do  pronto‐socorro  e  depois  que  o  empurra‐
empurra que se estabeleceu a sua volta se acalmasse.  

Sua previsão para a morte legal de Senna falhou. Às 19h05 ela surgiu de 
novo,  proveniente  do  pronto‐socorro.  Não  era  onde  estava  o  piloto.  Com  os 
olhos  marejados,  ela  falou  em  voz  pausada,  carregada  de  emoção,  enquanto 
não se ouvia um ruído sequer a sua volta, apesar da presença de centenas de 
jornalistas. Todos precisavam ouvir para acreditar: "Senhores, por favor. Desde 
as 18h40 Senna não registra mais atividade cardíaca. Ele está morto". 

 
Capítulo final: De Bolonha para o Cemitério do Morumbi 

Caro leitor: nós poderíamos ir muito além nessa história que envolveu a 
perda de Ayrton Senna. Para quem se interessa pelo tema, garanto que eu teria 
ainda bastante a contar. Por uma combinação de razões profissionais que não 
vale  a  pena  aqui  discutir,  normais  nas  relações  empresa‐colaborador,  vamos 
encerrar hoje a série. Gostaria de pedir desculpas pela minha longa abstinência 
de textos. Ela decorreu também desses problemas, na qual não posso isentar‐
me de responsabilidades. Como sempre destaquei, o objetivo deste trabalho foi 
repassar  a  vocês  um  pouco  do  que  vivi  e,  principalmente,  senti  naqueles  dias 
que antecederam e logo depois do acidente do Ayrton em Ímola.  

Se você ainda se lembra, da última vez que falamos sobre o assunto, eu 
estava  no  Hospital  Maggiore,  de  Bolonha,  acompanhando  o  minuto  a  minuto 
dos médicos até a notícia da morte do piloto. Também dei algumas informações 
do  drama  que  foi  enviar  o  material  para  o  Estadão,  o  jornal  que  trabalho  até 
hoje, e o que vi no autódromo, já tarde da noite daquele 1.º de maio de 1994. 

Nosso último capítulo começa com o fato de eu não ter dormido a noite 
seguinte.  Recordo  de  ter  chegado  ao  meu  hotelzinho  em  Riolo  Therme,  onde 
me hospedo até hoje e tenho um amigo, Angelo, o proprietário. Pouco antes do 
amanhecer  da  segunda‐feira,  dia  2,  tomei  banho  arrumei  toda  a  minha 
bagagem,  a  coloquei  no  carro,  porque  sabia  que  ficaria  itinerante,  e  fui  até  o 
autódromo.  Apenas  alguns  vales  separam  Riolo  de  Ímola.  São  cerca  de  12 
quilômetros  por  uma  linda  estradinha  cercada  de  plantações  de  "plune",  que 
são  aquelas  cerejas  vermelhas  grandes,  e  kiwi,  além  claro  das  vinheiras  que 
produzem o vinho da região, o San Giovese.  

Quando  cheguei  ao  autódromo  fiquei  espantado  com  o  abandono.  Os 


portões estavam abertos e não havia ninguém. Eram umas 6 horas da manhã. 
Entrei com meu carro na pista, já que não havia controle. Vagarosamente fui até 
a curva Tamburello, local do acidente. Eu estava bem abalado emocionalmente. 
Parei o carro metros antes de onde Senna perdeu o controle e sai para ver de 
perto as marcas no chão. O circuito tinha o seu leito de asfalto, cerca de uns 3 
metros de grama e outros 14 metros de cimento branco antes do muro. Vi com 
absoluta clareza a marca dos pneus da Williams no chão.  

Sobre o cimento branco, a trilha formada pelos pneus arrastando‐se era 
absolutamente  nítida.  Até  mesmo  o  ângulo  de  impacto  no  muro  podia  ser 
calculado  com  razoável  precisão.  Era  elevado,  algo  entre  35  e  40  graus,  o  que 
justificou  o  carro  perder  velocidade  em  tão  pouco  espaço.  Espantou‐me  o 
relatório  da  perícia  técnica,  algum  tempo  depois,  que  concluiu  que  a  Williams 
bateu  num  ângulo  de  aproximadamente  17  graus.  Ora,  se  fosse  assim,  iria 
desacelerando  aos  poucos,  quase  que  correndo  junto  ao  muro  até  perder 
velocidade.  

E  as  marcas  no  solo?  Tudo  bem  que  não  fossem  absolutamente 
conclusivas, mas eram altamente indicativas da dinâmica do choque. Ainda hoje 
desconfio com todas as minhas energias da precisão da análise técnica que se 
seguiu  ao  acidente. Nem  de  longe  pretendo  ser  o  dono  da  verdade  tampouco 
presunçoso, mas tenho convicção que o ângulo do impacto foi muito maior do 
que o relatado, o que me faz duvidar de todo o restante da apuração.  

Sai  do  autódromo  colocado  para  fora  pela  segurança  que  chegou  de 
repente. Até as 6 horas não havia viva alma no circuito Enzo e Dino Ferrari. De 
repente, o pessoal da administração e da polícia desembarcou na pista. Quase 
fui  agredido  quando  me  viram  no  local  do  acidente.  Sentei  no  carro  e  fui 
embora. O destino era bem triste de ser admitido: o Instituto Médico Legal de 
Bolonha, onde estava o corpo de Senna. Tomei consciência de que o piloto que 
eu  admirava  tanto,  por  quem  tanto  torci  inúmeras  vezes,  estava  morto. 
Emocionei‐me  enquanto  percorria  os  50  quilômetros  que  me  separavam  de 
Bolonha.  

Vocês  não  podem  imaginar  quanta  gente  existia  na  porta  do  IML. 
Ninguém podia entrar. Havia um portão de ferro entre a avenida e uma espécie 
de pequeno estacionamento, dentro do edifício. Nessa área, visível da rua, havia 
já dezenas de conjuntos de flores, mensagens, fotos, bandeiras. Vindos de todos 
os  cantos  e  das  mais  diferentes  origens,  como  torcedores,  empresas,  equipes, 
consulados  etc.  Conheci  uma  senhora  que  viajou  de  trem  da  sua  cidade, 
distante mais de duas horas de Bolonha, só para estar na porta do IML quando o 
corpo de Senna saísse. Como até liberá‐lo, o cônsul brasileiro em Milão e Celso 
Lemos,  diretor  do  Instituto  Ayrton  Senna,  precisaram  de  mais  um  dia,  esta 
senhora  voltou  para  sua  casa  na  segunda‐feira  para,  no  dia  seguinte,  estar  de 
volta. Ela conseguiu: no fim da tarde da terça‐feira retiraram o corpo do IML.  

Enquanto  o  veículo  que  o  transportava  se  dirigia  para  o  aeroporto  de 


Bolonha,  as  pessoas  iam  aplaudindo  a  sua  passagem.  Eu  queria  voltar  para  o 
Brasil no mesmo avião. Por isso corri para o meu carro e fui para o aeroporto 
também. Um avião da Força Aérea Italiana levou o corpo de Bolonha para Paris, 
a fim de ser embarcado no vôo da Varig para São Paulo. Consegui pegar um vôo 
da  Alitália  para  Paris.  Enquanto  voava  escrevi  os  meus  textos.  Naquela  época 
não se podia usar o laptop a bordo, de forma que escrevi as matérias a mão.  

Tinha pouquíssimo tempo para desembarcar em Paris, trocar de terminal, 
ditar  por  telefone  o  que  escrevi  para  alguém  no  jornal,  e  ainda  embarcar  no 
mesmo  vôo  da  Varig  de  Paris  para  São  Paulo.  Consegui,  no  limite,  porque  o 
comandante  não  aceitou  levar  o  caixão  no  compartimento  dos  passageiros, 
conforme manda a lei internacional. Ele só concordou depois de o presidente da 
Varig  ter  lhe  enviado  um  fax  assumindo  a  responsabilidade  pela  decisão. 
Retiraram  as  poltronas  da  seção  central  da  classe  executiva,  transferiram  seus 
poucos  passageiros,  por  sorte,  para  a  primeira  classe,  e  fecharam  as  cortinas 
que separam as classes do avião.  

Isso mesmo: o caixão envolvido com a bandeira brasileira veio do nosso 
lado, dentro do avião. Na classe executiva ficaram apenas os jornalistas, dentre 
eles  Galvão  Bueno,  Betise  Assumpção,  a  assessora  de  imprensa  de  Senna, 
Jofeph  Lebner,  preparador  físico,  e  Celso  Lemos.  Os  passageiros,  a  grande 
maioria,  nem  desconfiou  o  que  se  passava  por  detrás  daquelas  cortinas 
fechadas,  muito  menos  que  o  corpo  de  Senna  estava  ali  do  seu  lado.  Os 
comandantes dos outros aviões que sabiam que a bordo daquele vôo da Varig 
estava  o  corpo  de Senna,  enviavam  sinais com  os  faróis  da aeronave,  além  de 
conversar  com  os  tripulantes  do  nosso  vôo,  via  rádio.  Galvão  Bueno  veio 
contando  muitas  histórias  vividas  com  Senna.  Estávamos  sentados  ao  lado  do 
caixão do piloto. "Olha ele aí. Olha só como nós estamos trazendo ele de volta?" 
dizia Galvão, emocionado, mas muito controlado. "É... acabou", repetia ele. 

Pousamos em São Paulo enquanto o dia 4 de maio começava a clarear. Vi 
a irmã de Senna, Viviane, e seu marido entrarem no avião e levarem um choque 
ao ver o caixão. Choraram muito. Todos os passageiros haviam saído pela porta 
de trás do avião, para não terem de passar pela área da classe executiva, mas à 
frente na aeronave, onde estava o corpo. Os bombeiros entraram no MD11 da 
Varig, retiraram o caixão e o colocaram num caminhão da corporação. Pude ver 
enquanto  me  deslocava  do  aeroporto  de  Cumbica  até  a  minha  casa,  no 
Ibirapuera, a verdadeira multidão que esperava no caminho para dar seu adeus 
a Senna. O corpo foi transportado até a Assembléia Legislativa de São Paulo, no 
Ibirapuera, e de lá para o Cemitério do Morumbi. 

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