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UNIJUI - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL
ANDERSON AMARAL DE OLIVEIRA

A ALQUIMIA DA PALAVRA:
YEATS, PESSOA E AS CIÊNCIAS OCULTAS.

Ijuí, RS
2009
2

ANDERSON AMARAL DE OLIVEIRA

A ALQUIMIA DA PALAVRA:
YEATS, PESSOA E AS CIÊNCIAS OCULTAS.

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como requisito parcial para a
obtenção do título de Licenciado em
Letras – Língua Inglesa e Respectivas
Literaturas da Universidade Regional do
Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí.

Orientador: Prof. Me. Larry Antônio Wizniewsky

Ijuí, RS
2009
3

DEDICATÓRIA:

À minha dedicada e carinhosa esposa,


pelo amor incondicional e pela paciência
incomensurável, dedico essa conquista.
4

AGRADECIMENTOS:

Agradeço aos meus pais pelo apoio,


carinho e fortaleza de sempre;
À Dominique pela luz em minha vida;
Agradecimento especial ao grande
amigo Paulo Ivan da Costa por sempre ter
acreditado em mim e ter tornado tudo
possível;
Agradeço à Dione Ester da Costa pela
paciência maternal;
Agradeço a todos os meus
professores, colegas e amigos pelo
estímulo e pelos “puxões de orelha”;
“Last but not least”, agradeço ao meu
mentor Larry Antônio Wizniewsky pelo
apoio e inspiração profissional.
5

RESUMO

Foi realizada, no presente trabalho, uma pesquisa de cunho bibliográfico-


comparativa, apontando a ligação entre a vida e obra dos poetas William Butler
Yeats e Fernando Pessoa, motivados pela falta ou inexistência de pesquisas neste
campo. Pela perspectiva da literatura comparada, os dados biobibliográficos foram
analisados levando em consideração os elementos relativos às ordens místicas e
esotéricas das quais esses importantes escritores do século XX fizeram parte e que
tiveram influência na sua formação discursiva. Dentre as diversas ordens abordadas,
darei ênfase a Hermetic Order of Golden Dawn, ou apenas Golden Dawn Society.
Dentre as influências comuns que possuíram, Aleister Crowley foi considerado como
uma forma de se estabelecer uma ligação da poesia de Pessoa e Yeats, apesar do
fato de nunca terem conhecido a obra um do outro, assim como pessoalmente.
Considerados os maiores poetas de seus respectivos países, Fernando Pessoa e
William Butler Yeats são responsáveis pelo desenvolvimento de novos pontos de
vista estéticos dentro do movimento modernista. Assim a magia se torna além de
uma abordagem química e filosófica, um importante elemento de construção
artística.

Palavras-chave: Fernando Pessoa, William Butler Yeats; Golden Dawn; Alquimia da


palavra.
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ABSTRACT

It is done, in this paper, a comparative bibliographical research, pointing out


a connection between William Butler Yeats and Fernando Pessoa’s life and work,
motivated by the lack of studies in this field. Through comparative literature’s
perspective, bibliographical data were analyzed, considering elements of mystic and
esoteric orders, in which these important 20th century writers participated and were
influenced in their discourse formation. Among different orders approached, I will
emphasize the Hermetic Order of Golden Dawn, or Golden Dawn Society. Among
common influences, Aleister Crowley was considered a way to establish Pessoa and
Yeats poetry’s connection, although they never met each other’s work not even
personally. Considered as better poets ever in their countries, William Butler Yeats
and Fernando Pessoa are responsible for the development of a new esthetic point of
view inside Modernism movement. Thus, magic theories became more than chemical
and philosophical approaches, being an important artistic building element.

Key words:

Fernando Pessoa, William Butler Yeats; Golden Dawn; Word’s Alchemy


7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................7

1. FERNANDO ANTÔNIO NOGUEIRA PESSOA.......................................................9

2. WILLIAM BUTLER YEATS....................................................................................22

3. PESSOA, YEATS E AS CIÊNCIAS OCULTAS.....................................................30

4. CONCLUSÃO........................................................................................................42

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................44

OBRAS CONSULTADAS..........................................................................................46
8

INTRODUÇÃO:

Um dos aspectos mais interessantes dos Estudos Comparados em


Literatura reside na possibilidade de aproximação estética e intelectual de artistas
que, a rigor, desconheciam um a obra do outro, mas dedicavam-se a projetos
intelectuais e artísticos muito semelhantes - este é o caso dos dois escritores que
são o tema deste trabalho pois ambos têm enorme importância na cultura de seu
país e desenvolveram obras literárias preocupadas com a questão da identidade
nacional, da identidade individual e de suas relações com o universo da magia e do
esoterismo. Desta forma, torna-se possível fundamentar um estudo literário, desde
que exista um elemento comum aos trabalhos dos dois artistas. Este elemento
comum é a Hermetic Order of Golden Dawn, sociedade esotérica extremamente
influente na cultura do século XX bem como a figura controvertida de Aleister
Crowley, conhecido pelos dois poetas, que por sua vez não se conheciam.

Fernando Pessoa e W. B. Yeats estão entre os maiores poetas de suas


respectivas culturas e nacionalidades. Nunca se encontraram pessoalmente e, até
prova em contrário, desconheciam a obra um do outro. Ambos no entanto
mantiveram extensa e complexa relação com a Golden Dawn Society. Este terceiro
elemento, ao mesmo tempo simbólico, concreto e social, é o elo que permite
analisar dentro do mesmo paradigma a obra destes dois autores.

Neste trabalho pretende-se, através da análise comparada e da pesquisa


histórica, evidenciar que Pessoa e Yeats podem ser considerados poetas-gêmeos,
se colocarmos como ponto de referência Aleister Crowley e a Golden Dawn. A
contribuição maior deste trabalho está na abertura de uma linha de pesquisa ainda
inédita nos estudos comparados, mas que se encontra autorizada e justificada pela
existência de um ponto comum entre esses dois autores e cuja consistência pode
ser amplamente estabelecida. Trata-se também de um estudo comparado na área
9

da cultura e das influências interculturais da língua inglesa, uma vez que Fernando
Pessoa valia-se do inglês como língua franca na elaboração de sua obra.

Desta forma, este trabalho tem por objetivos estabelecer um estudo


comparado entre as obras de Fernando Pessoa e William Butler Yeats, tomando por
base ampla de relações, a visão mística e esotérica que ambos defendiam em
relação ao fazer poético. Ao mesmo tempo, o trabalho busca evidenciar as relações
estabelecidas pelos dois autores com a Golden Dawn mostrando que os elementos
utilizados na criação literária correspondem aos rituais e principalmente, aos
princípios que organizavam o modo de ser desta organização. Serve também como
um diálogo de referências simbólicas e literárias entre duas culturas, mostrando que
Fernando Pessoa e William Butler Yeats foram dois poetas visionários e cuja obra
ainda não foi igualada no âmbito das literaturas em língua inglesa e portuguesa.

O primeiro e o segundo capítulo, trazem elementos que fizeram parte da


formação psíquica e estilística de Fernando Pessoa e William Yeats
respectivamente. O terceiro capítulo trás a análise de obras poética destes autores e
como pode se estabelecer à relação entre eles.
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1. FERNANDO ANTÔNIO NOGUEIRA PESSOA

Nascido em Lisboa em 13 de junho de 1888, filho de Joaquim de Seabra


Pessoa e Maria Madalena Pinheiro Nogueira, Fernando Pessoa é considerado um
dos maiores poetas da língua portuguesa, (BLOOM, 2003 p. 610) sendo segundo
este, apenas menor que Camões, viveu boa parte de sua infância na sua terra natal,
indo posteriormente morar em Durban, na África do Sul. Sua vivência em Portugal,
compreende o período de seu nascimento até o segundo casamento de sua mãe em
1895, que se deu, cerca de três anos após o falecimento de seu pai. A mudança,
deve-se ao fato de seu padrasto ser nomeado cônsul interino de Portugal naquele
país (CRESPO, 1988, p. 26-28). Diante dos ares de mudança, cogitava-se a
possibilidade de Fernando permanecer em Portugal, vivendo com suas tuas, o então
pequeno poeta escreve a sua primeira obra como forma de influenciar sua família:

À minha querida Mamã


Eis me aqui em Portugal,
Nas terras onde eu nasci,
Por muito que goste delas,
Ainda gosto mais de ti
(FERNANDO PESSOA apud CRESPO 1988, p. 27)
Se a poesia foi fator determinante para a ida a Durban, não se sabe, o fato é
que seu padrasto, o comandante João Miguel Rosa, sempre apoiou a idéia dos
filhos acompanharem D.Maria Madalena.

O gosto pela poesia em Pessoa obviamente não se iniciou de forma mágica


ou misteriosa, tendo profundas raízes no seu próprio convívio familiar, sua Tia Maria
Xavier escrevia versos de considerável qualidade, assim como sua mãe, segundo
Crespo (1988, p. 19, 25 e 26). Além disso, a erudição de seus pais era certamente
notável, “[sua mãe] falava com fluência o francês, inglês e alemão, lia latim, e
quando era solteira havia se entretido a escrever versos.” O pai de Fernando,
também era um homem culto, sendo além de poliglota, funcionário público e redator
do jornal Diário de Notícias.

Apesar de pouco dinheiro a família de Fernando possuía hábitos


requintados, aspersões aristocratas e acreditavam na monarquia, seguindo uma
linhagem de família na qual as pessoas possuíam grandes cargos e títulos. Para se
ter uma idéia, o nome “Fernando” foi escolhido em homenagem a Fernando de
11

Bulhões, nome de batismo de Santo Antônio, o qual a família acreditava ter ligação
genealógica. Dentro deste ambiente familiar e mais tarde nas escolas de freiras
irlandesas de West Street e na Durban High School, se deu à instrução de nosso
poeta, seguindo os padrões britânicos de educação.

Pessoa destacou-se dentre seus colegas, obtendo quase sempre grandes


resultados, sendo contemplado com prêmios por diversas vezes em reconhecimento
ao seu empenho e sua notória inteligência. Apesar disso, não concluiu sua
graduação no curso de Letras que iniciou ao retornar definitivamente para Portugal,
passando a atuar como correspondente estrangeiro e tradutor em escritórios
comerciais pois, possuía domínio do inglês e francês além de paralelamente atuar
também como escritor e crítico literário, produzindo artigos para diversas revistas e
outros periódicos.

Do seu trabalho nos escritórios, Pessoa dedicava dois dias da semana, que
lhe geravam rendimentos suficientes para suas despesas, de homem de hábitos
simples. No restante do tempo, dedicava-se às obras literárias, principalmente a
poesia, além de passeios e outras atividades. Apesar das diversas ocasiões em que
salários tentadores foram lhe ofertados, Pessoa nunca abriu mão de sua liberdade,
não se submetendo ao trabalho em tempo integral. Antes de entrar no mercado de
trabalho, tentou a sorte se lançando como empresário, montando uma tipografia
chamada “Empresa Íbis”, que adquiriu com o dinheiro herdado da avó. Contudo não
muito tempo depois o empreendimento malogra (SIMÕES, in COUTINHO, 2006 P.
33.).

No tempo que restava livre, Pessoa aproveitava a beleza de todas as coisas,


o que lhe fazia na realidade pensar e refletir sobre seu mundo, auxiliando na sua
obra como insumo para a sua visão poética do mundo

(...) Há poesia em tudo – na terra e no mar, nos lagos e margens dos rios.
Também há na cidade – não o neguem – é evidente para mim aqui onde me
sento: há poesia nesta mesa, neste papel, neste tinteiro, há poesia na
trepidação dos carros nas ruas, em cada movimento ínfimo, trivial. (...) Há
para mim um significado mais profundo do que os medos humanos no
aroma do sândalo, nas latas velhas deitadas num monturo (...) (FERNANDO
PESSOA).
Trago aqui uma poesia Chamada “Os Castelos” datada em 08 de dezembro
de 1928 publicada na primeira parte do livro “Mensagem” em que é possível verificar
a influencia extremamente simbolista na descrição imagética, mas basicamente de
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caráter nacionalista e monarquista como o próprio Pessoa defendia ser. As obras de


“Mensagem” possuem por trás de seu significado primeiro de exaltação a Portugal, a
busca pelo Supra-Camões como sendo o grande poeta nacional. Esta busca era na
realidade parte de uma corrente de pensamento da nata intelectual da época no
movimento de “Renascença Portuguesa”.

OS CASTELOS

A Europa jaz, posta nos cotovelos:


De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar sphyngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.
Nos primeiros versos vemos a Europa em uma forma humanizada, a Europa
como se fosse uma criatura viva ou algo corpulento, na forma descrita da disposição
dos cotovelos, lembra a imagem de uma criança ou uma mulher, preguiçosamente
deitada de bruços, com as pernas dobradas e voltadas para cima, mas com um
olhar vago e distante. No segundo verso temos a dimensão da totalidade deste
continente “De Oriente a Ocidente”, e fitando como se estivesse de prontidão, de
sentinela, no mínimo observador e inquiridor, mas este tom sério ameaçador e
quebrado pelo verso seguinte que se refere aos cabelos “românticos”. Os “olhos
gregos” citados no último verso da primeira estrofe, são a origem do ponto de vista
português, uma espécie de parâmetro grego para a avaliação situacional, social e
nacional, uma forma conservadora de julgar o restante do mundo mesmo com a
figura claramente jovial descrita. Apesar de Pessoa ter sido conservador político
monárquico, é considerado como um dos representantes do movimento modernista
português.

Na segunda estrofe, temos a descrição da Europa antropomórfica, que apóia


a cabeça com a mão num tom quase infantil, doce e vago que encobre todo o
continente corroborado com as descrições da primeira. Esta criatura que cobre todo
o continente e que ao mesmo tempo lho é, demonstra uma imagem de unidade
européia. A exata localização e a disposição das mãos e dos braços, estando o
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cotovelo está apoiado na Itália, relacionamos facilmente com a base da civilização


européia, a Grécia portanto que reforça a idéia dos “olhos gregos”. Temos aqui uma
adição de detalhes da expressão ilustrada anteriormente, no segundo verso da
terceira e última estrofe, no qual o ar vago de antes, dá lugar ao mistério e
voracidade da esfinge. Podemos relacionar a então corpulenta “esfinge européia”,
com aquela que aterrorizava Tebas na peça Édipo Rei, escrito por Sófocles no
século V a.C., que devoradora se tornava se não desvendados seus enigmas. Quem
poderia ser nosso Édipo na condição de salvador senão D. Sebastião que viria para
concretizar a profecia do quinto império? Ou o Supra-Camões através da superma
poesia colocar por terra os segredos de uma poesia complexa? Como o próprio
Fernando Pessoa escreve (apud CRESPO, 1988, p. 68) “Meu intenso sofrimento
patriótico, o meu desejo de melhorar o estado de Portugal, provocam em mim (...)
um sofrimento horrível que, afirmo-o, me mantém constantemente nos limites da
loucura”. Vale ressaltar que além defensor da monarquia, Pessoa, era militante do
movimento de Renascença Portuguesa, cujo porta-voz era a revista “A Águia”, na
qual foi um dos fundadores. Além de europeísta, esta poesia lembra os feitos e as
conquistas das grandes navegações lusitanas, pois, o ocidente descoberto/
invadido, mas enfim dominado por Portugal era a perspectiva de um futuro,
exploratório talvez, mas era uma nova esperança. Nacionalista por excelência,
Pessoa encerra, dando um rosto a esta esfinge, ora inquiridora, ora doce e infantil.
Portugal é o rosto da Europa, nesta perspectiva nacionalista e saudosista, assim
como os movimentos literários que a pesar de sofrerem grandes influências do
decadentismo e do simbolismo da linha francesa, eram defendidos por ele.

Além de possuir em sua extensa produção literária, material poético de


excelente qualidade, Fernando Pessoa foi adiante nas temáticas épicas lusitanas do
seu livro “Mensagem”, se destacando de outros poetas de sua geração pela curiosa
obra assinada por outras diversas “vozes” contidas no seu imaginário, tendo
algumas destas “vozes” inclusive o acompanhado pelo restante da vida: É a
chamada produção heteronímica.

Produz inúmeras obras sob o nome de Álvaro de Campos, Alberto Caieiro,


Ricardo Reis, relacionando ao todo 72 heterônimos (URBAN, 2007) que o se
iniciaram na infância (Chevalier de Pás) seguindo na adolescência (Alexander
Search) e na fase adulta (os anteriormente citados entre tantos outros). Pessoa
14

possuía a habilidade de criar bem mais que meros personagens, criando na vida
heteronímica dos diversos “outros” poetas, suas biografias, profissões, estilos de
escrita peculiares, preferências, além de outras características que os permitiram ter
uma vida literária à parte da vida do poeta ortônimo, assim chamada à obra
assinada por Fernando Pessoa sendo “ele mesmo”, e não Caieiro, Reis, ou nenhum
outro heterônimo.

A visão quase mítica e errônea que se tem de Fernando Pessoa, sendo um


poeta solitário, de limitada vida pública e social, é esclarecida por Crespo, (1988, p.
87, 89) que nos remete a uma vida de participação ativa nos meios intelectuais e
culturais de Portugal, colaborando no corpo editorial da revista A Águia, Orpheu e
posteriormente na revista Presença. Pessoa colaborou também em diversos
periódicos com seus artigos políticos, ensaios e críticas literárias. Pessoa era
discreto quanto a seu lado pessoal, de forma que buscava não se intrometer na vida
dos outros, inclusive de seus amigos, como uma forma de ter sua vida e sua
intimidade preservadas.

Segundo Urban (2007) o espólio de Fernando pessoa conta com exatos


27.543 textos em verso e prosa, contemplando textos sobre os mais diversos temas.
Pessoa participou também do movimento literário chamado “Renascença
Portuguesa”, que se iniciou no ano de 1912, (data esta em que nosso poeta se torna
oficialmente escritor e crítico literário), desta forma a revista a “A Águia” se torna
veículo de publicação de artigos que defendiam estas aspersões. A sua participação
ativa no reduto cultural português fez com que a qualidade de seus textos e a sua
competência fosse elogiada, passando a ter destaque neste espaço, no qual era
discutido o futuro e as tendências da literatura portuguesa e mundial. (CRESPO,
P.72).

Por trás da pacata figura pessoana, temos grande interesse em apontar os


aspectos religiosos dos quais nosso poeta se interessava.

Desde cedo o poeta direciona sua alma a espetacular qual o


‘sentido da vida’, enquanto procura decifrar o enigma de sua própria
origem. E nos confessa ser de sua poesia fruto de seu estado de
‘participação mística’. (URBAN, 2007).
Fernando Pessoa era um grande entusiasta dos estudos das ciências
ocultas, pois sua personalidade complexa não encontrava as respostas para seus
dilemas particulares na religião estabelecida, procurando a si mesmo nos aspectos
15

transcendentes dos sistemas esotéricos. Possuía em sua biblioteca particular,


muitas obras relacionadas além do sebastianismo português com magia, alquimia e
ordens iniciáticas. Alguns exemplos são A. E. Waite, MacGregor Mathers (um dos
fundadores da Golden Dawn sobre a qual iremos falar posteriormente), João
Antunes, entre outros. Além de ler, traduziu muitas obras da Ordem Rosa Cruz e
Sociedade Teosófica, foi também iniciado na ciência da astrologia, que segundo
Crespo (1988, p. 150) tenha sido por influência de seu amigo Augusto Ferreira.
Porém a origem de seus interesses provém de uma era mais remota, tendo
presenciado seções espíritas na casa de sua tia Anica (Ana Luisa Pinheiro
Nogueira). O aprofundamento dos estudos místicos se dá após a tradução dos livros
da russa Madame Helena Blavatsky fundadora da Sociedade Teosófica de Londres,
que foi por algum tempo mestra do poeta Irlandês William Butler Yeats, segundo
Crespo (1988 pg. 149).

O espólio de Fernando Pessoa contém entre outras, diversas obras e


tratados filosóficos, alquímicos e herméticos, revelando uma faceta ocultista do
poeta à medida que é publicada. Aventurou-se como filósofo alquímico descrevendo
suas teorias sobre diversos assuntos tocados pela metafísica criando seus próprios
conceitos sobre a vida e sobre o próprio ocultismo: Reservemos esta passagem
descrita por Pessoa para compreender a outro fato posterior

Há três caminhos para o oculto: o caminho mágico (...),


extremamente perigoso, em todos os sentidos; o caminho místico, que não
tem perigos, mas é incerto e lento; e o que se chama o caminho alquímico,
o mais difícil e o mais perfeito de todos, por que envolve a transmutação da
própria personalidade que a prepara, sem grandes riscos, mas antes com
defesas que os demais caminhos não têm. (CENTENO e RECKERT, 1978,
p. 118).
Os estudos místicos vão muito além. Pessoa começa então a escrita
automática, ou seja, passa a psicografar cartas ditadas por espíritos, transcrever
símbolos, sinais cabalísticos e maçônicos, recebendo inclusive uma mensagem de
seu tio através destas ligações. Se objetivarmos constituir ainda que brevemente
uma base do pensamento poético de Pessoa, devemos ter o correto discernimento
que ele ao mesmo tempo era uma pessoa única no plano material e no campo
literário “vários”, através de seus heterônimos.

A Heteronímia é uma sistematização e uma quase superstição,


frustradas, como que uma sobreposição a um Deus negado, mas criador na
hipótese de o haver, uma nostalgia do verbo construtor, magicamente
interrogadas na transmutação dos símbolos ocultos nos seus versos e
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desoladoramente inatingidas na conclusão com que comenta inoperante o


desejo inscrito na sua poesia. (GALHOZ apud COUTINHO, 2006, p. 20).

Podemos compreender que o poeta através destas outras vozes, consegue


exprimir seus pontos de vista distintos, não possuindo compromisso com uma
verdade única, podendo lutar por uma causa, atacando-a de diversos lados, tendo o
direito de se contradizer e possuir discussões intrínsecas entre seu ser. Se numa
voz Fernando tem uma opinião, Alberto Caieiro pode muito bem discordar, sem que
nenhum dos dois seja prejudicado. Fernando Pessoa tem a possibilidade de “dizer e
desdizer” sobre ele mesmo ou sobre qualquer assunto que lhe convenha. Contudo,
seria simples demais se fosse somente isso.

Retomamos a passagem anterior na qual Pessoa descreve os caminhos


para o “oculto”. Podemos compreender sua aventura alquímica, (segundo ele, o
caminho mais perfeito) trazendo a fragmentação de sua personalidade nas diversas
vozes heteronímicas podendo ser na realidade mais que apenas poetas discursando
sobre diversos assuntos, mas sim peças de uma grande obra esotérica e alquímica
de Fernando Pessoa que se eleva a um legado extremamente complexo que vai
além das fronteiras da obra de arte.

Desde cedo Pessoa já possuía preocupações com questões filosóficas e


metafísicas como no trecho abaixo:

Mas que é o próprio homem senão um insecto cego e inane,


zumbindo contra uma janela fechada? Instintivamente pressente, para além
da vidraça, uma grande luz e calor. Porém é cego e não pode vê-la; nem
pode ver que algo se interpõe entre ele e a luz (...) mas não consegue
chegar mais perto desta do que a vidraça o permite. Como irá a Ciência
ajuda-lo? (...) E todavia acredito que o homem de gênio, o poeta, consegue
de algum modo atravessar a vidraça e sair para a luminosidade exterior;
sente calor e satisfação por ter ido tão mais longe do que todos os homens,
mas mesmo ele não continua cego? Estará mais próximo de conhecer a
Verdade Eterna? (FERNANDO PESSOA apud URBAN 2007).
O excerto acima é comentado por Urban da seguinte maneira:

Neste vislumbre de um jovem, revela-se uma alma muito velha,


sábia o bastante para perceber o panorama comportamental de uma
humanidade acostumada a viver fechada em seu cotidiano mecanicista,
teimosamente cega, alienada das possibilidades transcendentes. A
angústia que pulula no trecho, a fazer do poeta um atormentado visionário,
equivalente ao grande dilema universal: “de onde vimos, quem somos, para
onde vamos?” (URBAN, 2007).
Os ensaios filosóficos e ocultistas de Fernando Pessoa compreendem
sistemas místicos e ocultistas de diversas ordens outrora estudadas por ele, aliando
17

a sensibilidade típica do poeta, que se preocupa com a evolução da humanidade


como um todo, sendo a sua iniciação nos grandes mistérios, uma forma de
aprofundar sua visão, percebendo uma realidade paralela, que pode ter uma
intersecção com a realidade física em que vivemos e que, de uma forma ou de
outra, acaba por nos influenciar. Seria algo como uma conspiração astral, ou partes
de um sistema cósmico que está em funcionamento. O poeta parte então ao aspecto
transcendente com sua poesia, e no caso da alquimia heteronímica, o ritual se dá ao
seu modo.

Contudo, uma grande dúvida que paira no aspecto metafísico de Pessoa é o


ato da sua iniciação em si. Em sua nota autobiográfica que possui dados muito
vagos sobre o poeta, nos é revelado seu grau de iniciação: “Iniciado, por
comunicação directa de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da
(aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal.” Vale observar, que o poeta
era muito discreto enquanto sua vida pessoal, então é extremamente compreensível
que as revelações contidas nesta nota sejam apenas superficiais. Crespo (1988, pg.
356) apesar de se eximir de opinar de forma mais incisiva, trás à tona a
possibilidade de um processo de auto-iniciação nos grandes mistérios por parte do
próprio poeta, sendo ele grande estudioso das ciências ocultas. Ainda que passível
de discussão, a criação heteronímica considerada como parte de um ritual de
produção alquímica. Mas a discussão da forma da iniciação de Pessoa é certamente
um assunto mais profundo que necessitaria um embasamento de maior vigor das
tradições iniciáticas, além de que tendo Pessoa participado, mesmo sendo apenas
como estudante, fez contato certamente com as mais diversas ordens dentro das
quais podemos encontrar opiniões controversas sobre o assunto. Outra
possibilidade é a participação de Crowley neste ato de iniciação, que será relatado
posteriormente.

Dentro da extensa produção poética de Fernando Pessoa, há que destacar


a poesia “No túmulo de Christian Rosencreutz” escrita em vocabulário altamente
hermético, retrata um pouco da influência da Ordem Rosa Cruz na formação e
desenvolvimento de seu pensamento esotérico. A Ordem Rosa Cruz foi uma das
bases teóricas para a fundação da Golden Dawn.
18

No Túmulo de Christian Rosencreutz

Não tínhamos ainda visto o cadáver do nosso Pai prudente e


sábio. Por isso afastamos para um lado o altar. Então pudemos
levantar uma chapa forte de metal amarelo, e ali estava um belo
corpo célebre, inteiro e incorrupto…, e tinha na mão um pequeno
livro em pergaminho, escrito a oiro, intitulado T., que é, depois da
Bíblia, o nosso mais alto tesouro nem deve ser facilmente subme-
tido à censura do mundo.
Fama Fraternitatis Rosas Crucis
I
Quando, despertos deste sono, a vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda até Corpo, essa descida
Até à Noite que nos a Alma obstrui,
Conheceremos pois toda a escondida
Verdade do que é tudo que há ou flui?
Não: nem na Alma livre é conhecida…
Nem Deus, que nos criou, em Si a inclue.
Deus é o Homem de outro Deus maior.
Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,
Foi criado, e a Verdade lhe morreu…
De além o Abismo, Sprito Seu, Lha veda;
Aquém não a há no Mundo, Corpo Seu.
II
Mas antes era o Verbo, aqui perdido
Quando a Infinita Luz, já apagada,
Do Caos, chão do Ser, foi levantada
Em Sombra, e o Verbo ausente escurecido.
Mas se a Alma sente a sua forma errada,
Em si, que é Sombra, vê enfim luzido
O Verbo deste Mundo, humano e ungido,
Rosa Perfeita, em Deus crucificada.
Então, senhores do limiar dos Céus,
Podemos ir buscar além de Deus
O Segredo do Mestre e o Bem profundo;
Não só de aqui, mas já de nós, despertos,
No sangue atual de Cristo enfim libertos
Do a Deus que morre a geração do Mundo.
III
Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.
Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.
Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
Calmo na falsa morte a nós exposto,
19

O Livro ocluso contra o peito posto,


Nosso Pai Rósea-cruz conhece e cala.
O prefácio do poema é um excerto do manifesto Rosa Cruz denominado
Fama Fraternitatis, publicado em Kassel, na Alemanha em 1614, segundo Urban
(2007). Segundo seu Site Oficial,

A Ordem Rosacruz, AMORC é uma organização internacional de


caráter místico-filosófico, que tem por missão despertar o potencial interior
do ser humano, auxiliando-o em seu desenvolvimento, em espírito de
fraternidade, respeitando a liberdade individual, dentro da Tradição e da
Cultura Rosacruz.¹
É oportuno trazer outro conceito básicos que auxiliará na compreensão
deste trabalho, sendo,

O Hermetismo, em sentido estrito, surgiu no final da época


helenística, afirmando-se como uma revivescência de um legado egípcio.
Compunha-se, como seu antepassado, de um complexo de conhecimentos
em que se destacavam a Astrologia, a Alquimia e a Magia.(COSTA, 2008).

O hermetismo se inclui na constituição estrutural do poema, pois possui três


partes, que pode ser relacionado com o grau de evolução mística do poeta,
referindo-se ao grau de adepto (CRESPO, 1988, p. 375). Christian Rosencreutz
citado nos remete a uma suposta personagem a quem é atribuída uma compilação
de escritos ocultistas. Fundou um mosteiro chamado Sanctus Spiritus. O Corpo de
Christian foi encontrado e segundo o mito, intacto, possuindo entre seus braços um
livro contendo tais postulações.

Tomando partido disso, Pessoa segue com seu hermetismo e suas


considerações teóricas sobre a vida após a morte e o encontro de uma verdade
suprema. Esta sucinta análise não tem por pretensão ser definitiva, mas trás
algumas observações pessoais embasadas em diversos artigos lidos, pois trata de
um assunto que por mais que seja discutido, nunca terá uma conclusão, a própria
religião. A metafísica pessoana parte de preceitos religiosos para suas ponderações
como o compromisso de ir além, ou seja, buscar através dos estudos ocultistas uma
verdade maior que o dogmatismo e a plasticidade das religiões conservadoras
permitem, apesar das ordens místicas não se constituírem religiões, mas sim
organizações que buscam respostas mais profundas em ensinamentos e discussões
que não se prendem a nenhum ortodoxismo.

Na primeira parte temos a descrição de que a vida seria apenas uma etapa,
para Pessoa, um sono que terá um despertar, sendo este, a própria morte. Contudo
20

o grande questionamento é quanto à descoberta da Verdade: Seria acessível a nós


homens? Categoricamente Pessoa diz que nem mesmo, Deus que a criou, a ela não
se inclui. Contudo, vejamos a terceira estrofe e o primeiro verso da quarta:

Deus é o Homem de outro Deus maior:


Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,

Foi criado, e a Verdade lhe morreu...

A Bíblia diz (1 Timóteo, 2: 5): “Pois há um só Deus, e um só Mediador entre


Deus e os homens, Cristo Jesus, homem (...)”. Desta forma, sendo mesmo os
estudos místicos de uma ou de outra forma embasados na Bíblia, acredito que
Pessoa esteja apenas relatando a passagem de Jesus Cristo pela terra, pois a
queda pode se referir ao fato do mesmo ter passado do estado espiritual ao carnal,
na qual tudo o que lhe condiz com a Verdade fica em no primeiro plano, não lhe
sendo posse enquanto não seja crucificado e retorne ao plano espiritual.

Na segunda parte temos no primeiro verso: “Mas antes era o Verbo, aqui
perdido”, se tratando o Verbo à segunda pessoa da Santíssima Trindade, “o Filho”,
temos claramente que Fernando pode ter apenas trocado as figuras de nome em um
jogo simbólico, ou seja, não tendo um Deus acima de Deus, e sim, apenas o Verbo
que se tornou Carne, portanto, tendo após a queda, se reconstituindo como Verbo
novamente, perante a sua morte, e nas palavras de Pessoa, “despertou deste sono,
a vida”. Isso se reforça quando pensamos em “Adam Supremo” referenciado no
décimo verso, pois segundo a Cabala, à qual nosso poeta também era adepto,
teríamos o “Adam Kadmon” ou seja, a base primordial de toda a criação do universo.
Ou seja, neste caso, a queda de Deus, assim como a queda de Adam Kadmon, se
refere à transmutação, pois se o progresso é de fato para toda a alquimia e toda a
ciência oculta, a purificação do ser através das evoluções transcendentais do
espírito através dos ciclos reencarnatórios, a queda vem a ser a materialização
destes espíritos superiores, podendo ser interpretada como o caminho inverso do
que buscavam. Não acredito portanto que Pessoa se refira a um Deus superior a
outro Deus, pois cairia certamente na principal questão da teoria Cosmogônica de
criação do universo que é: “se um ser é gerado de um ser precedente, como surgiu
o primeiro ser?”.
21

O desfecho deste poema nos leva a visão de Pessoa, que tange a busca da
verdade como sendo algo inacessível aos homens, assim como o trecho anterior em
que compara o homem a um inseto batendo na vidraça. Fica subentendido que o
conhecedor da verdade, neste caso Christian Rosencreutz, leva o grande
conhecimento consigo, uma vez grande parte das revelações vêm com a morte, não
toda a verdade, e que na realidade nossa incompletude é uma grande sombra, que
terá luz. O fato de “ouvirmos para além da sala” nos remete a dimensão de uma
antecâmara, termo muito utilizado pelos místicos rosacruscianos.

Fernando Pessoa, apesar de não viver às custas de sua poesia, a levava


muito a sério, abrindo mão entre outras coisas, de se casar (pois segundo ele, teria
que trabalhar mais dias por semana a fim de obter uma situação financeira mais
confortável) para ter tempo de dedicar-se a ela, sua obra. Mesmo tendo um longo
caso amoroso com Ophélia Queiroz que descambou num envolvente noivado, optou
por se dedicar ao seu grande trabalho. Fernando recusou segundo Crespo (1988,
pg. 64) convites de trabalho em diversos escritórios comerciais que ofereciam
excelentes salários, recusando inclusive uma proposta para dar aula de literatura
inglesa na faculdade de letras de Coimbra. Uma das frases famosas de pessoa
inspirada em navegadores antigos é de que: “Viver não é necessário; o que é
necessário é criar” “(PESSOA, apud COUTINHO 2006, pg.17)”.

Em Fernando Pessoa a possessão de uma voz poética


amassa-se-lhe da vivência íntima da poesia e da luta por uma tradução
verbal dela. A vivência da poesia era-lhe um mundo inquietante, apertado e
estreitamente numa concentração obscura do ilimitado e do desconhecido,
e que ele tenta penetrar inventando as portas rigorosamente racionais que
julga a condição mais alta do seu espírito...(Id. p. 19).
Desta forma é possível verificar ao longo da vida e obra de Pessoa este
esmagamento e fragmentação de seu “eu” que se torna ao mesmo tempo no
aspecto pessoal um tormento, é transformado dentro de seu processo criativo e
intelectual na vida independente de seus heterônimos.

Fernando Pessoa deixa bem clara a relação de interdependência de si


próprio, com seus heterônimos em “Ficções do Interlúdio” e esclarece sua relação
com seus outros “eus”:

Um exemplo: escrevi com sobressalto e repugnância o poema


oitavo do ‘Guardador de rebanhos’, com a sua blasfêmia infantil e o seu
antiespiritualismo absoluto. Na minha pessoa própria (...) nem uso da
blasfêmia, nem sou antiespiritualista. Alberto Caieiro, porém como eu o
22

concebi é assim (...).(FERNANDO PESSOA, apud COUTINHO 2006. Pg.


168).

Pessoa vai além, dizendo:

Assim têm esses poemas de Caieiro, os de Ricardo Reis e os de


Álvaro de Campos que ser considerados. Não há que buscar em quaisquer
deles idéias ou sentimentos meus, pois muitos deles exprimem idéias que
não aceito, sentimentos que nunca tive. (id).

A pesar da intensa produção poética de Fernando Pessoa ortônimo e


heterônimo, apenas teve publicado em vida o livro “Mensagem” em dezembro de
1934 (COUTINHO 2006, pg. 40) e poemas que escrevera em inglês além, de artigos
e outros poemas esparsos publicados nas diversas revistas e periódicos dos quais
fez parte. Após a sua morte em 30 de novembro de 1935, Luis de Montalvor e João
Gaspar Simões, publicam a grande parte da obra de Pessoa em 1942 em prosa em
poesia (segundo a Encyclopaedia Britannica do Brasil). Em 2003 é lançado pela
editora Assírio e Alvim, sob supervisão do Editor Ricardo Zenith, o livro “Fernando
Pessoa, Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal” que contém
muitos escritos que nosso poeta psicografou entre 1916 e 1917.

O aspecto transcendental almejado por Pessoa na sua produção poética, foi


alcançado com tal primor, que toda vez que o espólio é consultado, novas
revelações são feitas da vida e obra deste fantástico pensador. No próximo capítulo,
encontraremos o decorrer sobre outro importante poeta contemporâneo a Pessoa, o
irlandês, W.B. Yeats.
23

2. WILLIAM BUTLER YEATS

“O autor é um personagem moderno, produto sem dúvida, da nossa


sociedade, na medida em que, ao sair da Idade Média, com o empirismo
inglês, o racionalismo francês, e a fé pessoal da Reforma, ela descobriu o
prestígio do indivíduo, ou como se diz mais nobremente, da ‘pessoa
humana’.” (BARTHES apud COMPAGNON, 2006, pg; 50).

Nascido em 13 de junho de 1865 em Dublin, Irlanda William Butler Yeats foi


um dos principais poetas de língua inglesa do seu século, trazendo em sua obra
retratos de sua vida pessoal e de seus ideais políticos, religiosos, metafísicos e
filosóficos. Faz-se imprescindível que nos valhamos da forte influência da sua vida
pessoal para que se possa compreender a complexidade de seu legado cultural. O
fato de misturar o eu lírico de Yeats com o ego do próprio poeta dá-se á medida em
que as frustrações e os anseios da vida pessoal atingiram grandes porções da sua
obra, apresentando-se na forma de conflitos amorosos, culturais, religiosos, sociais
e econômicos.

Os primórdios de sua biografia, já revelam fortes influências ao mundo


artístico, iniciando sua carreira na pintura, recebendo a influencia primeira de seu pai
John Butler Yeats, que era um pintor com difusão local. Yeats freqüentou a Escola
Metropolitana de Artes, em Dublin e logo descobriu suas vocações literárias,
dedicando-se principalmente à poesia, ao folclore, à crítica literária. Vale lembrar
que participou da edição das obras de William Blake 1893. Yeats, assim como o
português Fernando Pessoa, teve uma educação basicamente britânica, vivendo em
Londres com a família no período de 1867 a 1880. Apesar do peso que a cultura
britânica exercia sobre a sua formação, tanto no idioma quanto nos costumes,
preservava as questões essencialmente nacionais na sua obra e no seu discurso,
utilizando-se na fase inicial das fortes influências da mitologia gaélica sendo
considerado então um poeta nacionalista. O reflexo do nacionalismo de Yeats pode
ser expresso pela representação da paisagem característica da Irlanda,
especialmente da região do Silgo onde passou parte da infância.
24

Desta primeira fase podemos compreender que além amor regionalista que
sua poesia é carregada, William Yeats enquanto pessoa pública, lutou em
movimentos pela autonomia irlandesa, na esfera política e cultural, sendo também
um poeta sonhador que levava para sua obra o encanto das paisagens naturais,
ricas em sentidos místicos característicos típicos irlandeses assim como seus
conflitos pessoais e esteticistas, na tentativa de encontrar a beleza ideal recorrente
ao seu apaixonado mundo de sonhos que constantemente entravam em conflito com
a realidade. A exploração dos limites do sonho e da realidade dá o tom
predominante da sua obra principalmente nesta fase.

No poema “A criança roubada” (The stolen child), lançado originalmente no


volume “Encruzilhadas” de 1889, a dicotomia do sonho e realidade fica claramente
definida assim como o esforço do poeta de remeter o leitor a uma visualização do
seu conceito de beleza ideal, que novamente nos remete à deslumbrante paisagem
do condado de Silgo.

Dialeticamente o sonho da beleza ideal irlandesa da sua infância entra em


choque com a seriedade da realidade inglesa que encontra na sua juventude. Estes
conflitos internos de sonho infantil, numa paisagem bucólica estão em oposição a
um mundo real com sérios problemas que a “criança” citada no poema ainda não
entende. As fadas levam o menino para o mundo de magia e beleza, antes que o
sonho da infância termine e o menino tenha que acordar e enfrentar os problemas
da realidade. As fadas representam além da magia, um aparato cultural mais
profundo simbolizando a religião nativa e tradicional da Irlanda, em oposição ao
catolicismo e o puritanismo que se instalava com o domínio Inglês.

O trecho do poema a seguir, tem tradução de Vizioli (2001, p. 35.)

A CRIANÇA ROUBADA

Onde na água mergulha a rochosa


Montanha de Sleuth Wood deserta,
Lá se acha uma ilhota frondosa
Onde a garça ruflando desperta
Dos torpores os ratos dos lagos;
Deixamos ali nossas tinas de fadas
Cheias de bagos
E as mais vermelhinhas cerejas roubadas.
25

Vem, humana criança, ao folguedo!


Para as águas e para o arvoredo
Uma fada te traz pela mão,
Pois no mundo há tristeza demais para a tua compreensão.
Desta primeira fase da obra de Yeats são lançados os seguintes livros:
“Encruzilhadas” (Crossroads) de 1989, “A Rosa” (The Rose) de 1983 e “O vento
entre os caniços” (The Wind among the reeds). Dentre as publicações acima, Vizioli
(2001, pg. 11) descreve a existência de três ciclos literários menores distintos entre
si, sendo: o “mitológico” (com os deuses Lir, Aéngus, Danu e outros), o “heróico” ou
do “Galo Vermelho” (com histórias como as de Cuchulain, da invejosa rainha Meve,
de Deirdre das Dores ou de Férgus), e o “ossiânico”, mais perto da fase histórica
(com Finn e se filho Oisín).

A fase seguinte de Yeats possui características que ultrapassam a dimensão


anterior do sonho, demonstrando as preocupações de um poeta e de um homem
mais maduro, como por exemplo, a sua relação de desapontamento com a
burguesia católica irlandesa e o seu fracasso amoroso com a ativista política e atriz
Maud Gonne, cujo sentimento é posto de forma transcendental em toda a sua obra,
mesmo após o seu casamento. Maud seria a personalização do conceito de beleza
ideal vivido por Yeats, ou apenas um ídolo cercada de amor platônico que era
apenas valorizado por não poder ser alcançado? De qualquer forma, a poesia de
Yeats é fortemente influenciada pelos acontecimentos da sua agitada esfera pessoal
em todo o seu vasto sentido.

Além da conhecida e apreciada poesia passa posteriormente a escrever


diversas peças de teatro se inserindo ativamente nos movimentos literários e
nacionalistas irlandeses, fundados em parceria com Lady Gregory e Martyn, além de
escritores como John M. Synge, Sean O'Casey, Padraic Colum e James Stephens.
Todo o fervor intelectual da época, vem a se tornar o renascimento literário irlandês,
ou renascimento Celta, que estimulava a produção de obras que ressaltassem a
cultura original irlandesa que vinha se perdendo com o domínio inglês, além do
ensino da língua céltica em sala de aula.

Segundo Vizioli (2001, p. 12-16), as obras com temáticas mágicas e


nacionalistas que propusera na fase inicial, foram tomando outros rumos, tendendo
ao modernismo, devido às influências que sofria trabalhando como dramaturgo e
26

diretor teatral do teatro Abbey, inaugurado em 1904. As desilusões políticas com a


burguesia católica irlandesa, a recusa dos pedidos de casamento de Maud Gonne e
mais tarde também, da filha adotiva desta, a jovem Iseult Gonne fizeram com que
Yeats tivesse um maior contato com a vida quotidiana, abandonando a esfera do
sonho dando lugar a uma maior riqueza na descrição dos fatos reais, além de que
os conceitos de beleza ideal foram deixados de lado e os conceitos menos
profundos rebuscados nos poemas de sua fase anterior, dão lugar a um espírito
decadente, certamente influenciado pelo movimento decadentista que vinha
trazendo grandes mudanças aos artistas desta época. Um exemplo bem claro, é no
poema “A tolice que é ser consolado” no qual temos além a representação imagética
da amada do poeta que está envelhecendo, é narrada em um estilo moderno se
diferenciando do estilo anterior da sua obra. “Com o seu tom gentil ontem me disse
alguém;/ ‘Há fios brancos no cabelo de seu bem(...)’.” Contudo além do realismo,
conserva-se ainda a cortesia e a polidez burguesa.

Pertencente ao volume de poesias “Responsabilidades” de 1914, segue


abaixo trecho do poema “Setembro de 1913” na qual relata a sua grande
insatisfação com a burguesia e suas dificuldades de administração do teatro,
ressaltando problemas inerentes à gestão financeira e do mercantilismo selvagem
trazido pela Inglaterra a seu país. Obviamente que o mundo mágico e de fantasias
impregnado pela beleza ideal e rodeado pelas paisagens estonteantes do Silgo, são
muito mais interessantes que a realidade política e cultural de um país e os dilemas
do mundo dos negócios. Vemos que anteriormente, Yeats não possuía tais
preocupações, que são trazidas também pela sua querida Maud Gonne. Desta
forma é possível ter outra visão do poeta, como um homem, mais maduro e
experimentado pelas suas vivências e que parece estar dentro de um processo de
aprendizagem da vida prática, em uma realidade que as pessoas comuns vivem
todos os dias. Fica obvio o título do volume, Responsabilidades, sendo que nesta
poesia a mesquinhez da burguesia católica é retratada, assim com as suas
frustrações com a sociedade da época e o amor não correspondido. Vale lembrar,
que John O’ Leary citado no último verso, foi um líder nacionalista, admirado por
Yeats, segundo Vizioli (2001. p. 146).

Que mais querem vocês, pensando bem.


Que mexer em gaveta gordurosa
27

E somar ao vintém, meio vintém,


E reza acrescentar a reza ansiosa,
E sugar o osso até não restar mais nada?
Para rezar nascemos... e poupar:
A romântica Irlanda está acabada;
O túmulo de O’Leary é seu lugar.

Após esta fase turbulenta de desilusões, Yeats passa certo tempo com
amigos aristocratas em uma espécie de retiro, que reflete na volta do “belo” em suas
obras, como no volume “Os cisnes selvagens de Coole”. A beleza alva dos cisnes
que ruflam nos lagos irlandês, pode ser compreendida como uma visão da própria
sociedade aristocrata e a conservação de suas tradições e os princípios de beleza,
buscados anteriormente pelo poeta, que agora demonstram uma maior maturidade.

Antes de tratar a fase da síntese final da obra de Yeats, vale lembrar que
temos até aqui três fases bem delineadas, começando com os conceitos de beleza
ideal, do sonho de uma Irlanda livre, contrária às imposições da Inglaterra
opressora; A segunda fase na qual a realidade amarga é retratada através de
protestos dentro da própria poesia nas quais Yeats conflitava consigo mesmo nos
problemas do teatro Abbey, os problemas amorosos com Maud Gonne, além da
frustração com a burguesia católica irlandesa; Encerra-se esta espécie de trilogia
Yeatseana com a retomada de alguns aspectos do estilo inicial de sua poesia, o seu
reencontro em uma nova classe social, a aristocracia. Além de aspectos antes não
abordados, mas que já eram estudados citamos do misticismo e os estudos
ocultistas que resultaram em mudanças de rumo significativas na carreira de Yeats.

Passando pela primeira guerra mundial, revolução russa em 1917, guerra


civil irlandesa em 1921, além da expansão de regimes totalitários, Yeats entra num
mundo poético mais simbólico, o influenciando inclusive na compra de uma torre
normanda em 1917 que segundo Vizioli (id. p. 18) se torna seu símbolo. O
simbolismo francês além do modernismo, também irá influenciar fortemente suas
obras a partir de então, por mais que Yeats evitasse essa relação. Esta fase,
nomeada de síntese final, é o nosso maior objeto de estudo.

Desta fase, surge entre outros, o poema “A Segunda Vinda” que é


considerado por muitos sua obra prima, pela maturidade poética e seu tom profético
28

carregado de Hermetismo. Assim como outros artistas de sua época, Yeats busca
respostas aos seus dilemas pessoais no aprofundamento dos estudos místicos e
metafísicos pois os conhecimentos apenas religiosos protestantes não davam conta
de seus anseios. Dentre tais estudos, podemos relacionar aos estudos teosóficos,
de Madame Helena Petrovna Blavatsky que tinha por preceitos básicos relacionar a
filosofia, a ciência e a religião sendo de caráter inteiramente místico. Em 1887
passou a fazer parte da Sociedade Teosófica, se tornando inclusive amigo da
própria fundadora em Londres. Segundo Vizioli (2001. p. 19) desde jovem Yeats já
se interessava nos estudos ocultistas, tendo diversas influências na poesia, inclusive
a obra anteriormente citada de William Blake. Yeats se tornou um iniciado nas
ciências herméticas da Golden Dawn society de Londres, vindo posteriormente a
fundar a Sociedade Hermética de Dublin, carregando consigo também fortes
influências rosacruscianas. Devemos ressaltar que o fato de ser irlandês,
principalmente nacionalista, levava Yeats a uma atmosfera mística, pois o povo da
Irlanda possui descendência Celta, que eram politeístas e muito supersticiosos,
crendo em fadas, grandes mistérios e outras formas de expressões artísticas e
culturais que difundiram, influenciando outras culturas.

Após affairs românticos com Olívia Shakespear e com Lady Gregory, Yeats
encontra em Georgie Hyde-Lees, seu tão sonhado matrimônio. A participação desta
vem alterar o sentido da vida e da obra de nosso poeta. Descobre quatro dias após
o casamento, que sua esposa possuía o dom da mediunidade, psicografando
diversos escritos realizados de forma automática (VIZIOLI, 2001. p. 19). Com base
neste material coletado durante algum tempo, desenvolve suas teorias metafísicas
sobre o desenvolvimento da humanidade, os movimentos cíclicos da história e o
universo metafísico. Com uma gama de materiais de escrita própria com base nas
psicografias de Georgie, publica a obra “One Vision” (Uma visão), em 1925 que na
opinião de Vizioli (2001, pg. 19), principia por opor a Racionalidade à Imaginação,
sendo o grande divisor de águas de sua obra. Uma de suas constatações foi de que
a evolução do nosso mundo se dá da seguinte forma:

(...)a evolução se faz em “espiral”, em voltas que se alargam ou se


estreitam constantemente, ou na direção do pólo primário, ou na direção do
antitético. É o que Yeats chama de ‘giro vortical’ (gyre). Enquanto uma
civilização se desintegra, outra vai ao mesmo tempo se formando, de modo
que um giro vortical, fica sempre embutido em outro, com o ápice na base
do outro como dois cones invertidos. Vizioli (2001, p21).
29

E segue dizendo,

O que esse ‘duplo cone’ nos revela é que toda a civilização está
sempre entrosada com a que veio antes e com a que vem depois, pois a
cultura que nasce se nutre daquela que vem substituir (...)”(VIZIOLI, 2001,
pg. 21).
Desta forma a visão de Yeats sobre vida após a morte e o processo
reencarnatório possui grandes semelhanças com os sistemas de outros filósofos e
místicos:

Outro ponto interessante é a admissão da existência de uma


espécie de memória universal, que recolhe as lembranças e as experiências
comuns a todos os homens e que pode influenciar nossos sonhos e nossas
vidas: é o Spiritus Mundi, concepção que de certa maneira, recorda o
“inconsciente coletivo” de Jung. (VIZIOLI 2001, pg.25)
Saliento a teoria do giro vortical, que será demasiadamente útil ao
abordarmos o poema “The Second Coming” ou “A segunda vinda” posteriormente.
Há visível mudança na obra yeatseana após “Uma visão” sendo uma delas, o uso
dos símbolos deixando de escrever sobre eles, passando a escrever com eles.
Ademais segundo Pécora e Franchetti (2005), os espíritos que sua esposa tinha
contato disseram: "Nós viemos trazer-lhe metáforas para a sua poesia".

O sistema contido em “Uma visão, vem a caracterizar a obra de Yeats como


sendo uma “Síntese final” não unicamente na sua riqueza poética, mas também pela
maturidade pessoal do próprio poeta; Ganha-se no peso hermético e místico que
possui além do aspecto transcendente. É certo que por vezes o poeta se vê como
um velho, descrevendo a si, como “trapos sobre um bastão (espantalho)” em
oposição aos conceitos anteriores de beleza buscado. Podemos realizar um
contraponto com sua fase inicial pois o poeta revisita o dilema da beleza de maneira
mais madura, quase nostálgica, que parece importar menos à medida em que o
aspecto transcendente da poesia se revela. É Exatamente esta busca pela
transcendência que nos dá um “tempero” especial na obra desta última fase de
Yeats tornando a leitura muito interessante.

É oportuno lembrar, porém que os conceitos de beleza foram retratados por


outros autores contemporâneos como por exemplo Oscar Wilde (1854-1900) na sua
clássica obra “A pintura de Dorian Gray” (The Picture of Dorian Gray), escrita em
1891, que retrata o poder e a influencia da busca por padrões estéticos
extremamente elevados sendo colocados acima de outras qualidades humanas.
30

Contudo, podemos dizer felizmente, que o público leitor ganhou com uma geração
de obras de singular qualidade.

Outra característica marcante desta fase da obra yeatseana é que

(...) sua obra se tornou muito mais difícil e, às vezes, até obscura.
Esse fato, porém, não constitui inconveniente insuperável, porquanto, em
vista da coerência de todo o sistema, o leitor pode intuir o caráter simbólico
dos pormenores mesmo sem conhecer aquele texto. (VIZIOLI, 2001. p.27)

Ainda segundo Vizioli (id.) :

A segunda vantagem do sistema [One Vision] é que ele finalmente


unificou o pensamento do autor. E como se trata de uma visão mítica
fundamentada no conflito, todos os opostos encontraram lugar em seus
versos, como aspectos primários e antitéticos da mesma verdade.

Na realidade, o que vemos em caráter prático, é que Yeats pode unificar


seus pensamentos, sendo a metafísica presente no “seu” sistema apenas a matéria
alquímica que forneceu ligação entre os conceitos constitutivos já adquiridos
anteriormente pelo poeta, fazendo parte do mesmo ritual mágico. Segundo Vizioli
(2001, pg. 19) “(...) [alcança] sua fase de maior grandeza, como poeta”.

Levar em consideração todos esses elementos biográficos se faz de grande


valia para compreender a perspectiva de interpretação pessoal yeatseana que vem
se tornar parte integrante de sua produção poética, pois se dos conflitos amorosos e
pessoais surge representativa parcela da sua inspiração, as influências metafísicas
se tornam itens recorrentes em sua fase de produção mais madura, utilizando
inclusive suas próprias teorias sobre a história e sobre o universo como subsídios
para a construção de suas obras. A evolução de uma poesia que ilustrava uma
realidade de sonhos vai se tornando cada vez mais humana, levando a inclusão de
aspectos simbolistas, com caráter mais moderno e prático deixando-nos a refletir se
conhecemos Yeats pela sua obra, ou a obra por conhecê-lo. Para tanto é mister o
estudo das suas produções, aliadas ao estudo crítico de suas aspersões pessoais e
ideológicas. No próximo capítulo, estabelecerei a conexão entre os dois poetas
através da literatura comprada.
31

3. PESSOA, YEATS, E AS CIÊNCIAS OCULTAS:

Assim como William Yeats, Fernando Pessoa também possuía ligações com
estudos herméticos e ocultistas, sendo um alquimista à sua própria maneira, como
diz Coutinho (id.), “...tentou, mas para ele rigorosamente vã por sua própria maneira,
a aventura dos filósofos alquímicos”. A busca seja pela beleza ideal de Yeats, ou a
ambição dos alquímicos na busca da pedra filosofal e do elixir da juventude, fez com
que muitos artistas se lançassem nesta aventura altamente influenciada pelo
modernismo do século XIX a utilizando-se de diversos instrumentos como as artes
plásticas, a literatura entre outros métodos ritualísticos de magia.

Pessoa anuncia em no livro “Mensagem” de poesia ortônima e em tom


profético o retorno de D. Sebastião, para dar início ao quinto império português.

O jovem Dom Sebastião conduziu as forças portuguesas a um


massacre, no Marrocos, em 1578. Uma vez que o corpo do rei não foi
encontrado no campo de batalha, surgiu um mito nacional, o sebastianismo,
segundo o qual o herói continuava vivo, em uma terra misteriosa, e um dia
retornaria na condição de “O Encoberto”, a fim de estabelecer Portugal
como o Quinto Império. (BLOOM, 2003, P.610)

Profetiza também a chegada do “Supra-Camões” como sendo o supremo


poeta da língua portuguesa. Ambos os poetas eram visionários em muitos aspectos:
Pessoa a fazer suas previsões astrológicas e Yeats, através de seus contatos do
além, tentaram inovar, apesar do compromisso que a poesia possuía, Yeats realizou
previsões históricas a partir de suas manifestações teóricas de giros vorticais,
(previsões históricas que mais tarde iriam se concretizar, coincidentemente ou não),
como por exemplo o avanço dos regimes totalitários e a segunda guerra mundial.
Vale ressaltar que aos nossos poetas visionários as teorias dogmáticas das religiões
vigentes eram demais superficiais pois não dando conta de explicar tudo o que
desejavam saber nossos artistas, mergulhando eles em meios alternativos, ocultos
com seus inquietos espíritos.

Yeats e Pessoa tiveram grandes ligações através de suas obras sem ao


menos terem de fato se conhecido e acredito que nem ao menos tiveram a
32

oportunidade de ler um o trabalho do outro apesar das várias leituras de autores


clássicos e místicos em comum. Se William Blake influenciou Yeats com sua mística
temos em Fernando Pessoa grande influência de Walt Whitman na criação
heteronímica apesar da sua simbologia densa ser embutida em um sistema
hermético e alquímico mais complexo.

Embora incontestável influência poética sobre Pessoa seja Walt


Whitman, concordo com a sugestão de alguns especialistas de que, de um
modo bastante complexo, Pessoa tenha desenvolvido o esquema dos
heterônomos a partir dos monólogos dramáticos de Robert Browning
(dramaturgo Inglês). Pode-se conjecturar que Álvaro de Campos tenha sido
o Frei Lippo Lippi de Pessoa, que Ricardo Reis correspondesse a Andréa
del Sartro, Alberto Caieiro a Abt Vogler, enquanto “ Fernando Pessoa” seria
Childe Roland. (BLOOM, 2003. p.613).
Yeats em 1885 cria na sua cidade natal, a Ordem Hermética de Dublin,
assim como participa da Loja Teosófica da mesma localidade. Seus estudos
herméticos e ocultistas se iniciam um pouco antes, em Londres com a própria
fundadora da Sociedade Teosófica, Madame Helena Petrovna Blavatsky (VIZIOLI ,
p. 19). Segundo a mesma fonte Yeats fora entusiasta do rosacrucianismo e de
magia. Ainda segundo a Wikipédia, Yeats era dirigente da Ordem Hermética do
Amanhecer Dourado, ou apenas Golden Dawn, cargo que vem ocupar também em
Dublin.

Ainda em Londres, Yeats e seus irmãos místicos da Golden Dawn estavam


passando por momentos difíceis, com grandes conflitos internos, sendo o principal
deles dizendo respeito à rápida evolução de um dos membros, o qual utilizava o
nome mágico de Besta 666, Thérion, ou apenas Aleister Crowley.

A curiosa origem da denominação “Besta” se deu no seu convívio familiar,


sendo chamado pela própria mãe de “Grande Besta”, devido à sua conduta familiar
um tanto quanto turbulenta. Ao procurar na Bíblia tal significado, ao invés de
abalado, ficou maravilhado passando a se chamar assim. Nascido em 12 de outubro
de 1875, Edward Alexander Crowley conheceu a fundo o puritanismo cristão através
de seus pais tendo uma educação baseada na rigidez moral e religiosa. Obviamente
seu perfil rebelde per si, logo deixou de encontrar as respostas das quais inquieto
como era, necessitava, indo buscar nos estudos do oculto assim como Pessoa e
Yeats, o que a religião cristã não dava conta de explicar. Tendo nas mãos poder
financeiro, inteligência e status de bom atleta, possuiu acesso ao fervor da
33

intelectualidade britânica, estudando inclusive na conceituada universidade


Cambridge.

Logo conheceu Samuel Liddell McGregor Mathers, um dos fundadores da


Golden Dawn. Na opinião deste, Crowley possuía grande potencial e tinha muito a
contribuir com a magia, uma vez que era muito erudito, tendo conhecimento de
grego, latim entre outros idiomas, além de grande conhecedor da bíblia e dos rituais
considerados por sua família como pagãos. Contudo a conduta do mago fez com
que Yeats nesta época seu “Frater” se posicionasse contrario a sua iniciação nos
mistérios mais profundos da ordem, de forma que sua rápida ascensão nos degraus
evolutivos desta deveria ser realizado cautelosamente.

Além do mais à tumultuada vida particular de Crowley se incluíam


escândalos sexuais e abuso de drogas. Ainda segundo Alprim (2001), Yeats havia
dito que a Golden Dawn não era lugar para curar a rebeldia de ninguém. Apesar
desta postura de Yeats, Crowley recebe em Paris, a iniciação que lhe foi negada na
Inglaterra, vindo a causar grandes problemas para a ordem, como exemplo à
publicação de rituais e preceitos altamente secretos na sua própria revista (Equinox)
anos mais tarde.

A uma distância considerável de Londres e de todos estes acontecimentos,


estava Fernando Pessoa em 1915, dedicando-se à tradução de diversos livros das
ciências ocultas das quais era também entusiasta. Dentre seus prediletos, fica muito
impressionado com a Teosofia de Madame Blavatsky, a mesma visionária russa que
fora professora de Yeats em Londres. Pessoa por sua vez, possuía amizade com
diversos estudiosos das ciências ocultas dos quais ressaltamos Augusto Ferreira
que segundo Crespo (p. 150) “É muito possível que fosse este seu íntimo amigo que
o havia iniciado nos segredos da astrologia”

Fernando Pessoa possuía em sua biblioteca diversos livros de autores


ocultistas, se tornando também autor de muitos materiais desta estirpe.

Redigiu uma infinidade de textos esotéricos, interessou-se pelo hermetismo


clássico, pelo tarô, a cabala, a magia pagã, e por todas as ordens iniciáticas
ativas ou extintas de seu tempo. Debruçou-se sobre as principais obras da
teosofia, traduziu varias delas, e elaborou centenas de mapas astrais de
celebridades como Napoleão, Goethe, Shakespeare, Sou João III e outros
34

tantos, além de compor um detalhado estudo astrológico sobre si próprio e


seus vários heterônimos. (URBAN 2007).

Anos mais tarde em 1930 possuindo a visão de um experiente e seguro


astrólogo leu o livro “Confissões” de Aleister Crowley, então já famoso e polêmico
bruxo Inglês, e verifica que o horóscopo ali veiculado continha erros. Envia então
uma carta para a editora de Crowley, apontando as falhas e demonstrando as
correções a serem consideradas. Inicia-se então, a partir deste curioso fato a ligação
entre Fernando Pessoa e Aleister Crowley segundo CRESPO (1988, p. 357),

Sendo uma pessoa de hábitos discretos, Fernando Pessoa sente-se


desconfortável com o fato de encontrar tão sinistra (e espalhafatosa) personalidade
(CRESPO, 1988. p. 360). Crowley vai até Portugal para encontra-lo, fato que deu
origem a muitos boatos e histórias misteriosas. Uma delas é o desaparecimento do
bruxo Inglês. Cerca de um mês após a sua estada em Lisboa, são encontrados em
uma estrada que levava a um local chamado “Boca do Inferno” alguns pertences
seus e uma carta de cunho passional-suicida. Fernando afirmou em um depoimento
policial que encontrara com Crowley nos dias 22, 23 e 24 de setembro de 1930,
contudo há registros da estada do bruxo no dia 23 na fronteira espanhola (CRESPO,
p. 360). Seria um fato a se atribuir a uma farsa encoberta pelo senso de humor
negro de Pessoa, ou mágica pura com requintes de projeções astrais dos dois
ocultistas? Se houve de fato o suicídio, não se têm registros, permanecendo ligação
(espiritual ou não) de Pessoa e Crowley mesmo após o tumultuado encontro, pois o
poeta português anda traduziu para a sua língua pátria diversos materiais do bruxo
inglês. Um dos exemplos é a tradução do Hino a Pã, (Hymn to Pan), do prefácio do
livro "Magick in Theory and Practice", de Aleister Crowley. Esta tradução foi
publicada em outubro de 1931 na revista "Presença", que Pessoa colaborava.

HINO A PÃ
(de Mestre Therion *)
Vibra do cio subtil da luz,
Meu homem e afã
Vem turbulento da noite a flux
De Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Do mar de além
Vem da Sicília e da Arcádia vem!
Vem como Baco, com fauno e fera
E ninfa e sátiro à tua beira,
Num asno lácteo, do mar sem fim,
A mim, a mim!
Vem com Apolo, nupcial na brisa
(Pegureira e pitonisa),
35

Vem com Artêmis, leve e estranha,


E a coxa branca, Deus lindo, banha
Ao luar do bosque, em marmóreo monte,
Manhã malhada da àmbrea fonte!
Mergulha o roxo da prece ardente
No ádito rubro, no laço quente,
A alma que aterra em olhos de azul
O ver errar teu capricho exul
No bosque enredo, nos nás que espalma
A árvore viva que é espírito e alma
E corpo e mente - do mar sem fim
(Iô Pã! Iô Pã!),
Diabo ou deus, vem a mim, a mim!
Meu homem e afã!
Vem com trombeta estridente e fina
Pela colina!
Vem com tambor a rufar à beira
Da primavera!
Com frautas e avenas vem sem conto!
Não estou eu pronto?
Eu, que espero e me estorço e luto
Com ar sem ramos onde não nutro
Meu corpo, lasso do abraço em vão,
Áspide aguda, forte leão -
Vem, está fazia
Minha carne, fria
Do cio sozinho da demonia.
À espada corta o que ata e dói,
Ó Tudo-Cria, Tudo-Destrói!
Dá-me o sinal do Olho Aberto,
E da coxa áspera o toque erecto,
Ó Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã Pã! Pã.,
Sou homem e afã:
Faze o teu querer sem vontade vã,
Deus grande! Meu Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Despertei na dobra
Do aperto da cobra.
A águia rasga com garra e fauce;
Os deuses vão-se;
As feras vêm. Iô Pã! A matado,
Vou no corno levado
Do Unicornado.
Sou Pã! Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!
Sou teu, teu homem e teu afã,
Cabra das tuas, ouro, deus, clara
Carne em teu osso, flor na tua vara.
Com patas de aço os rochedos roço
De solstício severo a equinócio.
E raivo, e rasgo, e roussando fremo,
Sempiterno, mundo sem termo,
Homem, homúnculo, ménade, afã,
Na força de Pã.
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!

Segundo Madjarof, o Deus Pã na mitologia grega era responsável pela


guarda dos rebanhos, possuindo chifres e pernas de bode. Pã também era
36

responsável pela multiplicação dos rebanhos, sendo freqüentemente invocado para


este fim, contudo era também símbolo da obscuridade. Tomando partido de entes
mitológicos, Crowley faz uma homenagem à divindade com poesia carregada de
sentidos herméticos e mágicos.

Fernando Pessoa que se descobrira médium em dezembro de 1915


(CRESPO 1988, pg. 148) psicografando símbolos esotéricos, da ordem maçônica e
cabalística além de outros tantos em francês e inglês. Yeats, através de sua esposa,
também possuía contatos sobrenaturais. Ambos estudaram a teosofia de Madame
Blavatsky, Yeats em Londres na sociedade teosófica e Fernando Pessoa através
das suas atividades de tradutor, na qual realizou também muitos outros trabalhos
contemplando diversos autores e ordens esotéricas.

Desta forma breve, é possível relacionar a ligação de nossos dois poetas


entre si, utilizando para isso o viés da magia e das ciências ocultas. Ressalto que a
Ordem Rosa Cruz, a Golden Dawn a Cabala, a astrologia e todo o universo
Hermético, foram os principais meios para que esta ligação mística pudesse ocorrer
colocando lado a lado a obra destes dois incríveis escritores que nem se quer
tiveram a oportunidade de conhecer um ao outro. A magia cerimonial representava
na realidade um viés alternativo de se explorar todas as potencialidades do ser
humano, aliado à natureza, visando o aspecto transcendental. A morte em ambos os
casos, era vista como uma espécie de passagem para uma nova etapa, sempre
encarado como evolução. A magia alquímica a qual se propuseram, foi uma maneira
de recriar uma nova realidade, seja na sebastianita capital lusitana, ou no Silgo
irlandês, montando em palavras mais que os versos, mas sim encantamentos com
novos significados literais e não literais, que penetramos a cada leitura que por
vezes é obscura ou quase incompreensível. Para tal compreensão se faz necessário
conhecer a atmosfera na qual nossos poetas se confrontavam e as principais
correntes de pensamento, pois grande parte dos significados ficará somente visível
ao olhar crítico e amplo do iniciado.

A formação discursiva destes artistas, proporcionou que seus poemas


trouxessem grandes influências herméticas na sua construção, na escolha lexical e
semântica, resultando em muitos casos de métricas cuidadosamente trabalhadas,
formando uma obra de arte realmente importante para o legado da cultura literária,
sendo reconhecida mundialmente. Apesar de não gozar o título em vida, de melhor
37

poeta da língua portuguesa, (abaixo de Camões) o trabalho de Fernando Pessoa era


bastante apreciado pelos participantes da “nata” artística portuguesa. William Butler
Yeats, foi galardoado com o prêmio Nobel de literatura em 1926 sendo considerado
um dos maiores poetas da língua inglesa de todos os tempos também.

A superficial alquimia, apenas conhecida pela a utilização de matérias


místicas e mágicas com o intuito de buscar o elixir da juventude e a pedra filosofal,
se expande e se aprofunda violentamente como importante corrente de pensamento
místico e filosófico que nos demonstra quão amplos podem ser conceitos que
derivaram desta ambição da transcendência dos seres humanos que extravasaram
os padrões químicos e físicos para buscando novos conceitos e novas variáveis pelo
viés artístico. Tais teorias aliadas ao movimento simbolista francês, e ao
modernismo, proporcionou que os poetas em questão se utilizassem destes
“símbolos” (que também foram associados aos símbolos cabalísticos) para criar,
recriar e repovoar um universo mágico no qual se tocam as diversas facetas
heteronímicas de Fernando Pessoa com o Spiritus Mundi de Yeats. Se o espírito de
Pessoa, estava aprisionado em seu corpo, ganha vida perene e transcendente
dentro de sua plural obra poética, ao lado de Álvaro de Campos, Ricardo Reis,
Alberto Caieiro, (ao todo são 72) e outros tantos que não tiveram força suficiente
para ganhar o “status” de heterônimo.

Ligados pelos aspectos dos estudos ocultistas encontramos em ambos


autores relações estreitas com ordens iniciáticas como a Maçonaria, a
rosacrucianismo, a cabala e a Golden Dawn. Ambos poetas possuem suas
trajetórias profissionais irrigadas pelo misticismo e estudos do “oculto” como uma
característica de manifestação destes conhecimentos intersecionados nas suas
obras poéticas em uma fase consideravelmente avançada da maturidade poética.

Yeats apega-se a vida quando se vê velho e próximo à passagem desta vida


para a nova fase do ciclo reencarnatório descrito por ele mesmo. A velhice lhe
incomoda, dado que pode ser comprovado com uma leitura ainda que superficial de
sua poesia no início da carreira. A região irlandesa do condado do Silgo nos leva
através dos versos de Yeats a uma atmosfera de pura, legítima da infância vivida
pelo poeta naquele lugar, além da riqueza de imagens e a clara busca de um padrão
de beleza ideal que encontra vazia à medida que se distancia da sua metafísica. A
dialética do sonho e da realidade era fortemente povoada por elementos simbólicos
38

dos seus padrões estéticos e suas concepções políticas e sociais, como a garça
rufante e sua mitologia céltica e grega inicial revisitada na sua fase final já com a
entrada do elemento transcendental.

Quanto à Pessoa, além de escrever poesias mais densas, escreve muitos


tratados filosóficos e herméticos apenas acessados após seu falecimento. Apesar da
sua iniciação em ordens místicas ser um pouco controversa, demonstra em um
poema de dezembro de 1932 (in CRESPO, pg. 368) grande conhecimento dos
rituais da Golden Dawn:

Oscila o incensório antigo


Em fendas e ouro ornamental,
Sem atenção, absorto sigo,
Os passos lentos do ritual.

Mas são os braços invisíveis


E são os cantos que não são,
E os incensórios de outros níveis
Os que vê e ouve o coração.

No grande Templo antenatal


Antes de vida e alma e Deus...
E o xadrez do chão ritual
É o que é hoje a terra e os céus...

O mesmo autor nos trás a seguinte constatação:

(...) seria lícito pensar que o ritual evocado neste poema pode ser
o de qualquer sociedade esotérica, mas a última estrofe do poema não
deixa lugar a dúvidas (...) pois nas cerimônias da Golden Dawn (...) exige-se
a aprendizagem e a prática do jogo do xadrez enochiano.” (CRESPO, 1988,
Pg. 368)
No poema “Oscila o Incensório Antigo”, pode se visualizar o neófito (novato)
participando dos ritos que o iniciam nos diferentes graus da Golden Dawn em uma
cerimônia na qual se dá a formalização da entrada do novo membro à ordem. Pela
clareza das informações trazidas na própria poesia, não a detalharemos mais, pois
uma análise mais pormenorizada foge dos propósitos destas páginas.
39

Ainda segundo Crespo (1988, p.367) o encontro entre Aleister Crowley e


Pessoa anteriormente citado influenciou violentamente nosso poeta, uma vez que
sua produção de materiais de cunho esotérico cresceu no período que o seguiu.

Yeats por sua vez, além do seu tratado filosófico e metafísico One Vision
(1925) produziu e publicou diversas poesias contendo evidentes traços esotéricos, a
exemplo de A torre (1928) e A escada em espiral e outros poemas (1933).

Segundo Vizioli (2004, pg. 27) “os próprios títulos são simbólicos, pois tanto
a ‘torre’ quanto à ‘escada em espiral’ são emblemas – contrapartes masculina e
feminina da mesma imagem – do giro vortical e da ascensão do homem em direção
ao infinito”. Os giros vorticais na verdade dizem respeito às teorias que Yeats
possuía sobre a vida e a evolução dos seres humanos ilustrada pela figura de um
cone com a parte menor para baixo. Desta parte inferior parte uma espiral com
voltas mais largas, que representam o movimento cíclico da humanidade. Este giro
vortical yeatseano é uma concepção muito recorrente na sua vida e obra. A poesia
“A Segunda Vinda” (1921) faz referência a esses giros, sendo considerada o
prenúncio de uma nova era, ou apenas como uma profecia dos acontecimentos
bélicos que se sucederiam. A genialidade desta obra, encontra-se entre outros
elementos, na fusão da segunda vinda de Jesus Cristo e o apocalipse, profetizados
pela Bíblia cristã.

A SEGUNDA VINDA

Rodando em giro cada vez mais largo,


O falcão não escuta o falcoeiro;
Tudo esboroa, o centro não segura;
Mera anarquia avança sobre o mundo,
Maré escura de sangue avança e afoga;
Os ritos da inocência em toda parte;
Os melhores vacilam, e os piores
Andam cheios de irada intensidade.

Aí vem por certo uma revelação;


Por certo próxima é a Segunda Vinda.
Segunda Vinda! Digo as palavras,
E do Spiritus Mundi vasta imagem
Turba-me a vista: ao longe no deserto,
40

Um corpo de leão com rosto de homem,


O olhar vazio e duro como o sol,
As lerdas coxas move, enquanto em torno
Rondam sombras de pássaros coléricos.
Retorna a escuridão; mas ora eu sei
Que a vinte séculos de sono pétreo
Vexou o pesadelo de um bercinho;
E que rude animal, chegado o tempo,
Arrasta-se a Belém para nascer?

Além da metafísica recorrente na obra dos poetas analisados, muitas obras


possuem tons “premonitórios”, assim como Yeats descreve as marés de sangue e
irada intensidade, que são interpretada como a ascensão dos regimes totalitários, na
poesia anterior, Fernando Pessoa nos trás o sebastianismo português, que aguarda
o retorno de Dom Sebastião que historicamente foi morto na batalha de Alcácer-
Quibir em 1578 para livrar o império português do domínio do rei Felipe II. No livro
Mensagem de 1934, seu único livro ortônimo publicado em vida, Pessoa publica
diversos poemas cujo conteúdo inspira seus sentimentos e aspirações sebastianitas.
Apesar de toda a mística que cerca o rei-herói, nos cabe aqui ir além, trazendo outra
obra em que essa mística ocultista é retratada de maneira mais clara. A exemplo,
segue abaixo o poema iniciação de veiculado originalmente na revista presença n°
35 em maio de 1932. Vale ressaltar que o encontro de Pessoa e Crowley foi em
1930 e tais conhecimentos práticos podem perfeitamente ser uma conseqüência da
iniciação de Pessoa nos grandes mistérios pelo seu amigo igualmente ocultista.

Iniciação

Não dormes sob os ciprestes,


Pois não há sono no mundo.
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa.
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.
Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.
Por fim, na funda caverna,
41

Os Deuses despem-te mais:


Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não ’stãs morto, entre ciprestes.
Neófito, não há morte.
O sugestivo título nos remete ao ritual da iniciação ocultista, que objetiva
segundo Fortune (1930, pg. 33), “produzir a iluminação da alma por meio da Luz
Interna. (...)significa aquele em que o Eu superior, a Individualidade, se entrefundiu
com a personalidade e se encarnou realmente no corpo físico.” Assim como a
alquimia filosófica estudada pelos nossos poetas, busca da essência de todas as
coisas, os rituais iniciáticos das ordens místicas também visa um profundo
conhecimento do próprio ser humano, aproveitando as potencialidades existentes
principalmente do espírito em detrimento ao corpo carnal.

Na poesia acima, cipreste citado não pode ser visto apenas como uma
árvore, pois segundo as lendas, a cruz à qual Jesus Cristo foi apregoado, era feita
desta madeira, além de que segundo a tradição persa é a arvore do paraíso, nos
remetendo a um sentido muito além da dialética do sonho e da realidade. Temos
uma relação cíclica nesta obra, na qual a vida – morte – ressurreição (de Jesus
Cristo) – paraíso pode ser interpretada com os preceitos transcendentais
herméticos nos levando a outra dimensão que se esclarece nos versos
subseqüentes. A relação vigente no poema é a vida – morte – reencarnação, uma
vez que nos verso final temos : “Neófito, não há morte.”. Esta frase deriva do latin
“non omni moriar.”

Temos segundo Crespo (1988, pg. 369) a descrição do ritual de iniciação


praticado pela Golden Dawn. Apenas um fato pelo menos curioso, é que apesar de
ter sido iniciado na ordem, inclusive tendo presidido a loja de Dublin, Yeats não
revela na sua poesia detalhes cerimoniais ficando sua metafísica por vezes
condensada ou escamoteada entre outros versos e simbolismos. Crespo aponta o
fato de que Pessoa pode ter sido iniciado nas ciências ocultas por conta própria e
que sua poesia heteronímica o tornariam um iniciado.

Desta forma a fusão artística de Pessoa e Yeats fica clara, não sendo o
hermetismo apenas um adorno à obra, mas sim parte de estudos intensos que se
utilizaram de metodologias das mais diversas, e por vezes nada ortodoxas, incluindo
evocações de espíritos e rituais de magia. Contudo, a nós cabe apenas avaliar o
42

teor da obra e o ganho que a literatura teve com as influências tão profundas de
pessoas visionárias que sempre buscaram transcender a arte, nem que para isso
seu “eu” tivesse que ser deixado para segundo plano como Fernando Pessoa. A
riqueza da literatura se edificou de tal forma que dois artistas de lugares diferentes,
que nunca imaginaram se conhecer, tiveram uma ligação através de uma obra
poética ímpar que reforçou suas nações e a suas respectivas produções culturais,
desenvolvendo uma poética identitária nacional.
43

CONCLUSÃO:

A Golden Dawn Society foi, sem dúvida, a ordem mística esotérica de maior
influência na cultura ocidental. Sua marca se faz sentir na literatura, na pintura
chegando até o cinema e a música pop. Este elemento de influência vem
adicionando magia e mistério as artes exatamente devido ao modo como as
questões ligadas ao hermetismo e a alquimia permeiam os processos artísticos bem
como os iniciáticos. É neles e através deles que a simbolização de um mundo oculto
se revela em um segundo mistério que só o trabalho crítico e de pesquisa analítica
consegue restaurar integralmente, conforme nos propusemos a fazer neste trabalho.

Nesta pesquisa, que teve por objetivo destacar as interações de sentido


hermético e esotérico nas obras de Fernando Pessoa e W. B. Yeats, para depois
integrá-los em um denominador comum e que está relacionado com a forte
influência e as referências da Golden Dawn Society e um de seus mais conhecidos
representantes, que é Aleister Crowley. Após um exaustivo exame do material
teórico e das análises literárias, fica claro que ambos os poetas convivem com o
universo simbólico que estrutura os princípios das sociedades herméticas, ganhando
com isso expressividade e relevância. Nesse sentido o trabalho de pesquisa e
principalmente análise literária é de extrema importância para um professor de
língua e literatura inglesa. Primeiro porque permite um acesso privilegiado ao
universo da criação literária, bem como permite posteriormente que estes elementos
possam ser usados didaticamente no ensino de língua e literatura.

Pessoa é o maior gênio da literatura portuguesa porque é o criador de todo


um sistema literário baseado no hermetismo e na magia mas, principalmente, na
capacidade que deposita no leitor de ser o verdadeiro intérprete de seu universo
simbólico. Sua relação alquímica com sua obra se dá na perspectiva de uma plural
44

criação, tendo na relação do poeta ortônimo com seus diversos heterônimos a


intimidade e ao mesmo tempo o devido distanciamento. A vida mágica e
transcendente que ganha na vida de seus outros “eus” deve-se ao ritual alquímico e
mágico feito ao estilo singular do gênio Fernando Pessoa.

Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode
um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou
quando menos, os seus companheiros de espírito? (FERNANDO PESSOA)
William Butler Yeats, ganhador do prêmio Nobel, realiza em relação à cultura
de língua inglesa o mesmo processo realizado por Pessoa com a língua portuguesa
e inglesa. A grandeza de sua obra só pode ser compreendida como uma
interpretação mágica dos destinos do indivíduo, da Irlanda bucólica e em busca da
sua autonomia, da sua identidade cultural e religiosa a uma rebelião a dominação
inglesa, que opõe–se à atmosfera de sonhos trazida na sua primeira fase poética.

Ambas poéticas passam do aspecto local para o universal, interligadas com


a capacidade de decifração dos mistérios poéticos mais profundos, que remetem o
leitor a essa atmosfera, tornando a leitura e a sua interpretação o elemento
alquímico que transforma uma obra de arte em um encantamento mágico.

Para mim como futuro professor de língua e literatura inglesa e aluno de


pós-graduação em literatura comparada este trabalho representou a descoberta de
um novo universo da recriação ficcional, no qual a genialidade destes dois poetas
conseguiu transformar uma corrente de pensamento em obras de arte sem
equiparação até nossos dias. Mais que uma nova realidade, novas possibilidades de
interpretação são sempre possíveis a cada nova visita à obra poética estudada, pois
quanto mais experiência se tem como leitor, novas interpretações são possíveis e
novos níveis semânticos são atingidos.

Tendo perene capacidade de se re-inventar, a literatura em especial os


estudos comparados, podem contribuir para criação de novos paradigmas e novas
relações deste universo ficcional com a vida real, possibilitando que os estudantes
de língua e literatura tenham uma visão mais critica da sociedade que os cerca,
fazendo das obras de arte, assim como a poesia, um instrumento de
desenvolvimento de um pensamento autônomo e criador sob um olhar
especialmente crítico e mais humano.
45

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