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José Luiz Machado Rodrigues
e
Nilza Cantoni
Outubro de 2010
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Atualização de artigo publicado em 2001
2
Fotografia da área urbana de Piacatuba na primeira metade do século XIX, cedida por Carmen Tassari.
A Masorca
Nos últimos dias do ano de 1899, quando Silviano Brandão governava Minas
Gerais, ocorreram graves fatos em Carangola, em virtude de disputas políticas. No
último dia do ano seriam realizadas eleições para a Câmara Federal e o candidato da
oposição em Carangola era João Baptista Martins. O Dr. Joaquim Dutra era candidato
pelo Partido Republicano Mineiro.
O líder político do município, Francisco José da Silva Novais, residia em Faria
Lemos e consta que teria deflagrado uma campanha de desmoralização de João
Baptista Martins, que revidou em sua coluna no jornal Imprensa. No dia 24 de
dezembro haveria eleição para vereador no distrito de São Sebastião do Carangola,
com duas candidaturas. Pela oposição concorria Antônio Cândido de Almeida Rosa e a
situação estava com o médico Olympio Teixeira de Oliveira. Ânimos acirrados, Novais
entra na cidade, dia 23 de dezembro, acompanhado de doze carabineiros. As famílias
se recolhem, alguns saindo da cidade em direção a propriedades rurais.
Os partidários da situação ocuparam pontos estratégicos das estradas para
impedir que a oposição tivesse contato com os pequenos proprietários dos sítios
próximos. Cuidaram, também, de revistar o trem da Leopoldina Railway na estação de
Faria Lemos, última antes da sede municipal. Havia um desequilíbrio de forças, já que
a oposição contava com pequeno número de homens armados, cerca de 10% do total
do “exército” da situação. Apesar de ter sido informado, Silviano Brandão não tomou
providências.
O Dr. Joaquim Dutra deliberou ir até a cidade com o objetivo de pacificar os
adversários. Na véspera do Natal lá estava ele, apresentando proposta aos adversários
de que se desarmassem e voltassem para suas casas. Francisco Novais não queria
acordo.
No dia seguinte foi a vez de chegar Luiz Eugênio (ou Fulgêncio) Monteiro de
Barros, morador do estado do Rio e como o Dr. Joaquim Dutra também candidato nas
eleições do dia 31. Colocou-se ao lado de Francisco Novais, oferecendo-lhe recursos e
forças bélicas.
Na manhã do dia 26 de dezembro irrompeu a luta, não se sabendo quem a
iniciara. Na tarde daquele dia chegaram as forças prometidas por Luiz
Eugênio/Fulgêncio. Impotentes para fazer frente a tamanha agressão, os
oposicionistas abandonaram seus postos e dispersaram-se, o que não chegou a ser do
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2
MERCADANTE, Paulo. Crônica de uma Comunidade Cafeeira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1990. p 75-76
3
CARELLI, Rogério. Efemérides Carangolenses 1827-1959. Viçosa, MG: Folha de Viçosa, 2002. pag.
561-562
4
MARTINS, Rodrigo Baptista. A masorca: o coronelismo e a violência no processo político
brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1977. pag. 99
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idem
5
6
BARRETO, Abílio. Bello Horizonte: memoria historica e descriptiva. 2 volumes. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1928 e Editora Rex,1936
6
O Regime Republicano
Outra passagem da vida de Joaquim Antonio Dutra refere-se ao seu
posicionamento diante da mudança de regime, em 1889. Neste caso, não localizamos
controvérsias. Segundo George Boehrer7,
Nos últimos meses da monarquia, os republicanos interessaram-se
particularmente em várias eleições. Para a vaga no Senado foram escolhidos
como candidatos do Partido Joaquim Antonio Dutra (pag. 141)
No Almanak Republicano de 18898 encontramos:
1888 – O Dr. Joaquim Dutra Nicacio, deputado provincial pelo 9º districto de
Minnas, declara-se republicado e organisa o partido na Piedade. (pag. 132)
Importante destacar que o distrito de Piacatuba é mencionado pelo nome que
então detinha, ou seja, era o Distrito da Piedade da Leopoldina.
O fato de organizar o Partido Republicano Mineiro no distrito da Piedade é
significativo. Além de mostrar sua representatividade no âmbito municipal, faz supor
que tenha havido debates e argumentação para convencer seus eleitores. E o fez de
forma adequada, como demonstra o fato de ter sido reeleito.
Na memória de antigos moradores de Leopoldina e de Piacatuba, o nome do Dr.
Joaquim Dutra está profundamente ligado às duas atividades que exerceu. De um lado,
o médico humanista que socorria os necessitados. Por outro, o político que obteve
benefícios para o distrito, a cidade e a região.
Segundo Estevam de Oliveira9, coube a Joaquim Antonio Dutra defender o
governo Bias Fortes em contenda com o jornal Correio de Minas que o atacara. Teria
demonstrado, em carta, seus profundos conhecimentos da alma humana e das
possibilidades de atuar em benefício do povo.
Parece que em outros momentos de sua vida teria agido sempre
comedidamente em prol de todas as pessoas que dele precisaram.
7
BOEHRER, George C. A. Da monarquia à república: história do Partido Republicano do Brasil
(1870-1889). Rio de Janeiro: MEC, 1954
8
ALMANAK REPUBLICANO BRAZILEIRO para o Anno de 1889 em Homenagem ao Centenario da
REVOLUÇÃO FRANCEZA. Anno 1. Rio de Janeiro: Imprensa Montalverne, 1889.
9
OLIVEIRA, Estevam de. Notas e Espístolas: páginas esparsas da campanha civilista. Juiz de Fora:
Typographia Brasil, 1911
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Dificuldades da Agricultura
Na época em que vivia em Leopoldina, Joaquim Antonio Dutra participou
ativamente dos anseios dos produtores locais que buscavam solução para a
dificuldade de mão de obra em suas lavouras. Assim como quase todos os políticos e
médicos da época, era também um produtor rural. E parece que desenvolveu uma
percepção bastante coerente com os caminhos possíveis naquele momento. Não teria
sido, como querem alguns, o herói da política de imigração. Deixemos esta
denominação no passado e analisemos a realidade sobre outro prisma.
Conforme declaramos em nossas publicações sobre a Colônia Agrícola da
Constança10, fundada em Leopoldina em 1910, a região buscou alternativas que
mantivessem o colono europeu na terra, não só nas propriedades cafeicultoras como
também na agricultura de subsistência. São frequentes as menções à atuação do Dr.
Joaquim Dutra não só em Leopoldina como também nas cidades vizinhas. Fazendo
uma ponte entre o poder central e sua base política, arrebanhou um grande número de
partidários que deram curso a uma de suas propostas.
Em fevereiro de 1894 era registrada, no Cartório do 2º Ofício de Cataguases 11,
uma das transações realizadas pela empresa Dutra & Companhia, constituída por volta
de 1890. Segundo este registro, Antonio David Alves Ferreira e sua mulher Altina Maria
dos Prazeres vendem a Dutra & Companhia, sociedade agrícola sediada em Itamarati,
a fazenda Boa Vista, com 60 alqueires de terras em cafezais, 20 alqueires em matas,
31 alqueires em culturas diversas, além de 119 alqueires de terras ocupadas por
pastos, cafezais e capoeiras. Localizava-se à margem do rio Novo, local que hoje
pertence ao município de Cataguases e marca o encontro entre as divisas de
Cataguases, Itamarati de Minas e o distrito de Piacatuba, município de Leopoldina.
Quem eram os sócios da Dutra & Companhia? A resposta, obtida no mesmo
livro, folhas adiante, demonstra que em setembro de 1895 foi dissolvida a empresa que
era então constituída por Joaquim Gomes de Araújo Porto e sua mulher Teresa Maria
de Araújo; Joaquim Antonio Dutra e sua mulher Eugência Murgel Dutra; João Antonio
de Araújo Porto e sua mulher Florentina Dias de Araújo; Joaquim Fajardo de Melo
Campos e sua mulher Guilhermina Balbina de Melo Campos; Francisco de Paula
Ladeira e sua mulher Francisca de Paula Ribeiro; José Henriques Pereira da Mata e
10
RODRIGUES, José Luiz Machado e CANTONI, Nilza. Centenário da Colônia Agrícola da
Constança. Leopoldina, MG: Leopoldinense, 2010
11
Cartório do 2º Ofício de Notas Cataguases, Livro 21, fls 53 e 60
8
sua mulher Maria Celestina de Almeida; Mariano Pereira de Almeida e sua mulher
Maria Faustina de São José; Porfírio Henriques Valente e sua mulher Ana Isabel de
Araújo; Francisco Fajardo de Melo Campos e sua mulher Ambrosina Esméria de Melo
Campos; José Fajardo de Melo Campos e sua mulher Maria Esméria de Melo Campos;
Maria Balbina Soares; e, João Teodorico de Araújo Porto e sua mulher Maria Carolina
de Araújo.
Esta fazenda Boa Vista, que pertenceu à Dutra & Companhia, veio a constituir a
Colônia Agrícola Major Vieira, estadual, oficializada em 1911. Recebeu inúmeros
imigrantes que deixaram sua terra natal para virem construir uma nova história em
terras brasileiras, trazendo novas práticas agrícolas e sociais.
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Carreira Política
A mais antiga referência encontrada sobre a atuação de Joaquim Antonio Dutra
nas hostes políticas é de 188012:
A 30 de Novembro de 1880 é que foi creado o municipio de S. João
Nepomuceno, até então, com existencia meramente legal. [...] A 25 de Outubro
de 1881 foi elevada a cathegoria de cidade a villa de S. João Nepomuceno.
A 25 de Setembro de 1882 procedeu-se a eleição para vereadores, sendo
eleitos em 1º escrutinio: [...] Joaquim Antonio Dutra. (pag. 571-572
Empossado no dia 7 de janeiro do ano
seguinte13, em julho de 1885 foi substituído naquela
Casa Legislativa por ter transferido residência para
Piacatuba. Em Leopoldina foi Vereador, Presidente
da Câmara e Agente Executivo, cargo equivalente
ao atual Prefeito. Em 1887 foi eleito Deputado da
Assembléia Provincial de Minas Gerais, sendo
membro da 27ª legislatura, 1888-1889.
Em 1893 foi “encarregado de verificar e
extremar os limites do município de Leopoldina”14 e
atuou em diversas outras frentes de trabalho,
especialmente no que diz respeito à higienização do espaço público. Sobre este
aspecto, lembramos que o final do século XIX representou um momento específico no
desenvolvimento da urbanização. Conforme destacou Heloiza Manhães15, engenheiros
e médicos ocuparam-se do planejamento urbano, promovendo mudanças que
estirpassem os focos de contaminação que chegaram a causar número elevado de
óbitos em diferentes cidades. No caso de Leopoldina, temos notícias em jornais da
época citando os trabalhos realizados pelo Dr. Joaquim Dutra no sentido de evitar que
ocorressem novamente epidemias como a que assolou o município no início da década
de 1890. Por essa época, transferiu a sede da administração municipal provisoriamente
12
REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Notas Chorograficas: municipio de S. João
Nepomuceno. Imprensa Oficial de Minas Gerais, v. 04, ano 1899, pag. 569-573
13
Revista do Instituto de Estudos Genealógicos, vol. 4, p. 572.
14
GUIMARÃES, Joaquim Custódio. História da Medicina em Leopoldina. Leopoldina: s.n., 1987. pag.
1.
15
ALVES, Heloiza Manhães. A sultana do Paraíba. Rio de Janeiro: APRJ, 2009
10
16
APM, Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, vol 1 pags. 90-91.
17
Livro de Atas de Eleições Municipais de Leopoldina - 1897, fls 3.
18
BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Annaes do Parlamento Brazileiro. 1900, vol.
2
11
19
MORETZSOHN, Joaquim Affonso. História da Psiquiatria Mineira. S.l: Coopmed, 1989
20
Revista do Arquivo Público Mineiro de 2007, vol. 43, O Artífice da Memória, de Marisa Ribeiro Silva,
página 89
12
desenvolvimento por uma vasta região de Minas ao sul do Espírito Santo e talvez em
outras paragens. Para nós, leopoldinenses, o sobrenome remete mais diretamente a
Joaquim Antonio Dutra, médico e político que viveu em nosso município durante cerca
de 20 anos.
13
Sua Família
O pai do Dr. Joaquim Dutra foi homenageado com o nome em logradouro de
São João Nepomuceno: Rua Coronel José Dutra. É destaque na história daquele
município. Segundo pudemos apurar, a Serra dos Dutras, na divisa entre São João
Nepomuceno e Piacatuba, é uma referência ao local onde a família se estabeleceu.
Naquela cidade há uma ponte denominada Dr. Murgel, sogro do Dr. Joaquim
Antonio Dutra. Em Leopoldina a família do médico é lembrada pela rua no distrito de
Piacatuba.
Piacatuba e Joaquim Antonio Dutra são indissociáveis porque ali se
desenrolaram muitos episódios que marcaram
a vida de uma e de outro. Casado aos 17 de
janeiro de 1881 com Eugenia Murgel, filha de
um médico e político atuando em São João
Nepomuceno, em Piacatuba batizou os filhos
Omar (1888) e Consuelo (1894). No município
de Leopoldina também nasceram os filhos
Margarida (1895), Oroncio (1896), Agenor
(1898) e Maria (1900).
Dos demais filhos, e foram 14, não
sabemos locais nem datas de nascimento.
Todos, entretanto, guardavam boas
lembranças de Leopoldina, como demonstram
os documentos que guardaram em seus
arquivos e que os netos Eugênio e Eunice nos forneceram.
Por acreditarmos que trajetórias individuais se cruzam todo o tempo, refletindo
as singularidades no espaço comum, buscamos as relações de nosso personagem
com o momento social, político e cultural do qual participou. O pequeno logradouro de
Piacatuba é um monumento à memória de um homem que representa uma parte da
história local e que não foi construída exclusivamente por ele, mas por todos os que ali
habitavam.
Quando abordamos uma individualidade, é importante que a situemos no
contexto, oferecendo informações que permitam localizá-lo no tempo e no espaço. Não
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nos sentimos capazes de integrar, no nosso relato, uma análise mais completa das
forças sociais, econômicas, culturais e religiosas que permearam aquele período.
Esperamos ter atingido o objetivo de justificar nossa convicção de que Joaquim
Antonio Dutra não pode ser esquecido.
Que nossos textos reencontrem o tempo perdido, que chamem à cena os
fantasmas da história, que tenham capacidade de conversar com os mortos.
Que permitam a magia de entrar na vida de outrem e que façam dos
historiadores, caçadores de almas capazes de encantar os leitores graças às
biografias históricas.21
21
PRIORE, Mary del. Biografia: quando o indivíduo encontra a História. In: Topoi, v. 10, n. 19, jul.-dez.
2009, p. 7-16.
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