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Sebenta de Direitos Reais

DIREITOS REAIS
INTRODUÇÃO
1. ACEPÇÕES SUBJECTIVA E OBJECTIVA DA EXPRESSÃO DIREITOS REAIS
Direitos reais é uma expressão utilizada juridicamente em mais de uma acepção.
Num sentido subjectivo identifica uma categoria de direitos subjectivos. Num sentido objectivo
identifica um ramo do direito (objectivo), como divisão do Direito Civil. Nesta acepção, direitos
reais é sinónimo de Direito das Coisas.
O Direito das Coisas identifica um ramo de direito que estabelece o regime de direitos que se
referem a coisas.
A favor da expressão, «direitos reais» em sentido objectivo, sempre se poderia invocar o facto
derivado da sua raiz, tendo presente que, na origem da palavra «reais» está o vocábulo latino res,
que significa coisa.
Porém, contesta-se a utilização desta terminologia, quando aplicada a uma divisão do direito
objectivo, uma vez que a sua utilização se afastaria da nomenclatura corrente da chamada
classificação germânica do Direito Civil. No entanto, este não será um argumento decisivo para
excluir que as expressões «direitos reais» ou «direito das coisas», não sejam sinónimas.
Assim, qualquer das expressões não será isenta de reparos e verifica-se ser corrente na doutrina
portuguesa antiga e moderna o uso dela nos dois sentidos.
Como refere o Professor Oliveira Ascensão nenhuma das expressões, «direitos reais» ou «direito
das coisas», é rigorosa, tendo ambas um sentido meramente convencional, sedimentado pelo uso
corrente.
Sem nos afastarmos da prática tradicional, devemos reservar a expressão «direitos das coisas»
para identificar o ramo de direito que se ocupa dos direitos reais subjectivos.
2. CATEGORIAS DE DIREITOS REAIS
O Direito Civil é direito privado e o Direito das Coisas faz parte do direito privado comum ou geral.
Numa primeira análise ao Livro III do Código Civil, face aos restantes livros da parte especial do
C.C., detectamos a ausência de uma parte geral relativa a esta categoria de direitos (nem o
Código fornece qualquer noção desta categoria de direitos subjectivos).
Já o mesmo não se verifica relativamente aos restantes três livros relativos às demais
modalidades de relações jurídicas civis. Assim, no que respeita a este ramo do direito, estamos
perante uma dificuldade acrescida na elaboração doutrinal de uma Teoria Geral dos Direitos
Reais.
Numa análise mais aprofundada e, deixando de lado a matéria da posse, pela sua natureza
jurídica ser controvertida e, o direito de propriedade, como direito real por excelência, facilmente
se apura haver de comum entre as demais figuras reais aí compreendidas, a atribuição ao
respectivo titular de poderes de uso1 ou de fruição sobre uma coisa.
No Livro III do C.C., encontramos a chamada categoria de direitos reais de gozo. Mas, os
direitos reais não se esgotam nesta categoria. O art. 1539.º faz mesmo contraposição entre
direitos reais de gozo e de garantia, sendo esta categoria pacificamente admitida pela doutrina.
Nos direitos reais de garantia mantém-se (como no Código de Seabra de 1867) a
sistematização, que se justifica pela ligação especial com os direitos de crédito. Assim,
encontramos esta matéria regulada no Livro II do C.C. dedicado ao Direito das Obrigações (Cfr.
aa. 656.º a 761.º).
Mas, para além destas duas categorias ou modalidades de direitos reais, também no C.C. (para
não falar de legislação avulsa) há figuras caracterizadas por terem eficácia real e, atribuírem ao
respectivo titular o poder potestativo de, mediante o seu exercício, adquirirem certo direito sobre
determinada coisa. Estamo-nos a referir aos direitos reais de aquisição.Os direitos reais de
aquisição têm um tratamento disperso, em função do seu campo de aplicação, em várias partes
do C.C.
A sua fonte pode ser legal ou convencional. É caso do contrato promessa com eficácia real e do
pacto de preferência, também com eficácia real (cfr. aa. 413.º e 421.º), e ainda, múltiplos direitos
de preferência legal que têm eficácia real (cfr. aa. 1409.º e1535.º).
Os direitos reais de aquisição constituem a categoria menos bem definida de direitos reais.
Face a esta multiplicidade de figuras reais e, face à dispersão do seu tratamento jurídico, coloca-
se a questão de se saber se faz sentido falar de uma categoria unitária, Direito Real. A resposta é
afirmativa, uma vez que, para além das diferenças existentes, há algo de comum entre estas
várias categorias de direitos reais. Todos incidem sobre coisas, envolvendo uma particular
afectação das suas utilidades à realização de interesses de pessoas determinadas. Por outro lado,
todos os direitos reais se apresentam dotados de uma eficácia particular em relação a terceiros,
habitualmente identificada pela eficácia real.
3. DIREITO DAS COISAS COMO RAMO DE DIREITO PRIVADO
O Direito das Coisas é o conjunto de normas jurídicas que rege a atribuição das coisas com
eficácia real.
Não existindo dúvidas de que este ramo de direito é direito privado, não nos podemos esquecer
das projecções desta matéria jurídica no direito público.
Recordemos que, no regime dos direitos reais, se verifica a interferência de institutos próprios do
direito público, como acontece com as expropriações e a requisição. O próprio legislador civil
sentiu a necessidade de lhes fazer referência específica (cfr. aa. 1308.º e 1310.º). Também não
podemos esquecer das limitações ao conteúdo dos direitos reais decorrentes de razões de
interesse público (ex: é o caso da requisição de origem militar que permite a utilização temporária
de bens ou serviços, ou produz uma forma de extinção de direitos sobre móveis, sempre
mediante indemnização).
O direito das coisas tem marcada natureza patrimonial e constituem mesmo, ao lado dos
direitos de crédito, uma das mais importantes categorias de direitos patrimoniais.
4. ASSENTO LEGAL DE MATÉRIA. FONTES DO DIREITO DAS COISAS
O Código Civil, e nele, o seu Livro III, constituem a sede fundamental do regime dos direitos
reais. Porém, nem o C.C. nem o Livro III, constituem as únicas fontes do direito das coisas, nem
contêm todo o regime dos direitos reais.
Em primeiro lugar, é de mencionar a Constituição da República Portuguesa enquanto base de
todo o sistema jurídico e que contém a máxima protecção à propriedade privada, encontrando-se
vigentes normas que respeitam à matéria dos direitos reais, como é o caso do n.º 2 do art.º100.º,
preceito que determina a abolição da enfiteuse e da colónia.
A enfiteuse, era o contrato pelo qual o senhorio de um prédio concedia a outro o domínio útil dele,
com reserva do domínio directo. Era o desmembramento do prédio — rústico ou urbano — em
dois domínios, designados directo e útil. Ao titular do primeiro, dá-se o nome de senhorio; ao
titular do segundo, dá-se o nome de foreiro ou enfiteuta (cfr. art.º 1491.º). Enfiteuta ou foreiro é,
aquele que tem o domínio útil de um prédio, pagando foro ao senhorio directo. A enfiteuse foi
abolida em 1976 pelo DL 195-A e 233/76.
Em 1981 foi introduzido no sistema jurídico português um novo tipo de direito real: direito de
habitação periódica, que actualmente se encontra regulado pelo DL 275/ de 5 de Agosto e
alterado pelo DL 180/99 de 22 de Maio.
Refira-se ainda, para além da Constituição e do Código Civil, as leis especiais como o Código de
Registo Predial, o Código de Propriedade Industrial, etc., também são fontes do Direito das
Coisas.
Como já se referiu, o Código Civil não esgota actualmente, ficando longe disso, a regulamentação
das relações jurídicas reais.
Por exemplo, em matéria de direito de propriedade o C.C. apenas se ocupa do que tem por
objecto coisas corpóreas – (cfr. a. 1302.º).
O regime dos direitos que recaem sobre coisas incorpóreas, que o C.C. identifica sob a
designação comum de «propriedade intelectual» (Direitos de Autor/ Propriedade Industrial),
encontra-se regulado em importantes diplomas avulsos como o Código dos Direitos de Autor e
dos Direitos Conexos (DL 63/85 de 14/3 já várias vezes alterado e, Código Propriedade
Industrial ( DL 16/95 de 24 de Janeiro ) 2.
Para além dos aspectos já referidos, há a salientar vários diplomas complementares ao C.C. que
integram o regime de várias divisões deste ramo de direito.
No que diz respeito ao Direito das Coisas, o diploma mais importante de todos é sem dúvida, o
Código de Registo Predial, aprovado pelo DL 224/84 de 6 de Julho, tendo sofrido sucessivas e
múltiplas alterações.
O Registo Predial refere-se aos factos relativos aos direitos reais que incidem sobre coisas
imóveis, em particular sobre os prédios rústicos e urbanos. No que diz respeito às coisas móveis
sujeitas a registo, o regime do seu registo encontra-se, disperso em diversos diplomas que, regem
para cada uma das modalidades de coisas que integram esta categoria. Com o fim de ultrapassar
esta situação foi publicado o Código do Registo de Bens Móveis, aprovado pelo DL 277/95 de 25
de Outubro. Porém a sua entrada em vigor está dependente (como resulta do diploma
preambular), da publicação de normas complementares, que ainda não foi feito.
Para além do Código de Registo Predial e, como diploma complementar, refira-se o Código de
Notariado (aprovado pelo DL 207/95, de 14 de Agosto, e também, objecto de várias alterações),
que tem um papel importante no regime dos direitos reais, uma vez que é frequente nos negócios
relativos a estes direitos, o cumprimento de formalidades solenes, em que se exige a intervenção
notarial.
5. CONFRONTO ENTRE OS DIREITOS REAIS E OS DIREITOS DE CRÉDITO
É importante, desde já, demarcar os direitos reais da categoria dos direitos subjectivos
creditórios, com que mantém relevantes relações.
Desde logo, os direitos reais são direitos sobre uma coisa, enquanto que os direitos de crédito
traduzem-se no direito à prestação a efectuar pelo devedor, a qual pode consistir num dare,
facere e non facere.
Característica dos direitos reais é a sua eficácia absoluta (cfr. Art.º. 413.º, 421.º, 1305.º), ou seja,
os direitos reais são oponíveis a toda e qualquer pessoa que, possa interferir ou entrar em relação
com a coisa. O mesmo não se verifica nos direitos de crédito, que habitualmente são integrados
na categoria de direitos relativos, por contraposição àqueles.
Os direitos reais são absolutos e de exclusão, na medida em que, o respectivo titular pode opô-los
às restantes pessoas, impedindo-as de interferir na coisa sobre que versam. Corresponde-lhes a
chamada obrigação passiva universal, que se traduz no dever que recai sobre as restantes
pessoas de não perturbarem o exercício dos titulares dos direitos absolutos.
Ao invés, os direitos de crédito são relativos, produzindo efeitos apenas inter partes (cfr. a. 406.º
n.º2).
Como corolário da eficácia absoluta, tem o titular do direito real, o direito de sequela, ou seja, o
direito de perseguir a coisa onde quer que ela se encontre e fazer valer o seu direito,
reivindicando-a.
Porém, existem excepções a este princípio, desde logo, decorrentes do registo e dos art.º 243.º e
291.º.
Ainda como consequência da eficácia absoluta dos direitos reais, refira-se o direito de prevalência
ou preferência:
— do primeiro adquirente de um direito real (quando se adquire mediante contrato – cfr. a. 408.º
n.º1). Exemplo: A, vende a sua casa a B e, algum tempo depois, vende a C. De quem é a
propriedade?
De acordo com este princípio a propriedade é de B, uma vez que foi ele que adquiriu em primeiro
lugar o direito real de gozo, mediante contrato (cfr. a. 408.º n.º1).
— do credor com garantia real, tendo este direito a ser pago com preferência, não só sobre os
credores comuns (a. 604.º n.º2), como ainda, sobre qualquer outro credor que, sobre a mesma
coisa tenha obtido, em momento posterior, um novo direito real de garantia, p. ex., a hipoteca.
Exemplo: A para adquirir casa celebra um contrato de empréstimo com o Banco X constituindo-se
uma hipoteca sobre a mesma. Se A. pretender contrair outro empréstimo noutro Banco Y, este
poderá constituir outra hipoteca para garantia de pagamento desta outra dívida de A. Caso A não
cumpra o pagamento das dívidas, qualquer dos Bancos pode exigir o pagamento das mesmas, à
custa da venda da casa hipotecada. Porém, o Banco X tem prevalência para ser pago em primeiro
lugar, dado o seu direito real de garantia ser anterior, independentemente de o dinheiro chegar
ou não para pagar ao Banco Y.
Conclui-se que o direito real, quer de gozo quer de garantia, que primeiro se tenha constituído
prevalece sobre o posterior, que seja incompatível.
O princípio em análise admite excepções que a seguir se indicam: se a lei fizer depender de
registo a eficácia do direito real em relação a terceiro, o direito que prevalece é o primeiramente
registado e não o primeiramente constituído. Está ideia não se aplicaria ao caso da hipoteca, uma
vez que, juridicamente esta só existe depois de registada, pois neste caso, o registo tem eficácia
constitutiva entre as próprias partes e, ao mesmo tempo, eficácia em relação a terceiros.
Mas apontemos mais traços distintivos entre os direitos reais e os direitos de crédito: os direitos
reais como direitos absolutos que são, podem ser ofendidos por qualquer pessoa. Já quanto aos
direitos de créditos, os mesmos só podem ser ofendidos pelo devedor ou devedores.
Os direitos reais de gozo podem constituir-se por usucapião e, habitualmente, constituem
relações duradouras ou, até de carácter perpétuo. Os direitos de crédito constituem relações
transitórias ou, de curta duração. Em princípio, a obrigação nasce para se extinguir no mais curto
espaço de tempo.
As obrigações extinguem-se com o seu exercício, diferentemente, o uso não põe termo aos
direitos reais, antes os vivificam.
TÍTULO I
DOS DIREITOS REAIS EM GERAL
1. NOÇÃO DE DIREITO REAL
1.1. Teoria clássica e Teoria moderna ou personalista
O debate sobre a noção de direito real é uma questão dogmática que ocupa a doutrina há longo
período de tempo. Assim, iremos estudar as orientações mais importantes, nomeadamente as
assumidas pela doutrina portuguesa quanto à noção de Direito Real.
Segundo uma concepção que se pode designar por clássica, o direito real é entendido como um
poder directo e imediato sobre uma coisa (certa e determinada).
Esta teoria ou concepção desprezava o conceito de relação jurídica tal como hoje a
caracterizamos com todos os seus elementos - (sujeito, objecto facto e garantia). Ao dizer-se
poder directo está implícita a ideia de domínio ou de senhorio sobre certa coisa.
Já poder imediato significa a faculdade, atribuída ao titular do direito, de aproveitar das utilidades
da coisa sem ser necessária a colaboração de outros, como se verifica nos direitos de crédito, em
que ao credor assiste o direito de exigir do devedor a realização da prestação (cfr. a. 397.º).
Esta concepção realça a posição da coisa como objecto do direito, deixando transparecer, a ideia
da existência de relação entre o titular do direito e a coisa. Refira-se porém que, os direitos reais,
como no que respeita a todos os direitos subjectivos, envolvem uma relação entre pessoas e não
com coisas ou com uma coisa certa e determinada.
À concepção clássica contrapõe-se outra, dita moderna ou personalista, que constrói a noção de
direitos reais, partindo da ideia de relação jurídica. Esta teoria também é designada por
obrigacionista e define o direito real como o poder que tem o seu titular de excluir todas as
pessoas de qualquer ingerência na coisa, incompatível com o seu direito.
De acordo com esta teoria, existe um vínculo pessoal entre o titular do direito real e todas as
pessoas (sujeito passivo) que têm a obrigação de se abster de violar ou perturbar o titular do
direito (obrigação negativa). Recordemos, que nos direitos de crédito, o dever de prestar recai
sobre um sujeito certo e determinado ou determináveis.
Os críticos de ambas as doutrinas consideram que nenhuma destas teorias está errada e que as
mesmas não são entre si incompatíveis, porém ambas são insuficientes. Por este motivo, as
várias doutrinas eclécticas procuram construir uma teoria do direito real que concilie a doutrina
clássica com a personalista. Embora existam autores a entenderem que as duas concepções se
completam, e a aceitarem a existência de uma teoria mista, que concebe o direito real como o
poder directo e imediato sobre uma coisa certa e determinada com eficácia erga omnes, isto é,
oponível a toda e qualquer pessoa que possa interferir com a coisa. Iremos referir sucintamente, a
posição das doutrinas eclécticas para melhor compreensão desta matéria.
1.2. Doutrinas Eclécticas
Escola de Lisboa (Prof. Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro):
O direito real é um direito absoluto inerente a uma coisa e funcionalmente dirigida à afectação
dessa coisa aos fins do sujeito.
Escola de Coimbra (Prof. Mota Pinto):
No direito real existe um lado interno e um lado externo. O lado externo é a obrigação
intersubjectiva ─ o poder de exigir dos outros a obrigação passiva universal. No direito real a
intersubjectividade é estabelecida entre o titular do direito e todos os outros, enquanto que, nas
obrigações, ela se estabelece apenas entre o credor e o devedor. O lado interno é constituído
pelos poderes que o titular está legitimado a exercer sobre a coisa, objecto do direito.
2. PRINCÍPIOS CARACTERÍSTICOS DOS DIREITOS REAIS
2.1. Princípio da actualidade e Princípio da determinação ou individualização
2.2. Princípio da totalidade
2.3. Princípio da permanência
2.4. Princípio da compatibilidade
2.5. Princípio da elasticidade
2.6. Princípio da tipicidade e numerus clausus
2.7. Princípio da consensualidade ou consentimento
2.8. Princípio da inerência do direito real
2.9. Princípio da publicidade
2.1. Princípio da actualidade e Princípio da determinação ou individualização
O objecto do direito real tem que ser uma coisa certa e determinada, e como tal, existente, ou
seja, tem de existir, ser certo e determinado no momento da constituição ou da aquisição do
direito.
Por contraposição, nos direitos de crédito a prestação pode respeitar a coisas genéricas, ou seja,
individualizadas apenas pelo seu tipo ou género e quantidade, só se tornando necessário a sua
determinação no momento do cumprimento.
Em suma, para se poder exercer um poder directo e imediato sobre uma coisa, esta tem de existir
materialmente, não sendo suficiente que a coisa seja eventual ou futura, ao contrário do que
acontece nos direitos de credito (cfr. a. 408.º n.º2).
A existência deste princípio tem como consequência não se poder exercer um poder directo e
imediato sobre uma coisa que ainda não existe e consequentemente, se a coisa sobre a qual
incide um direito real se destruir ou perecer, extinguem-se de imediato os direitos reais a ela
inerentes (cfr. a. 1476.º, n.º 1 al. d), entre outros).
Os direitos reais e os negócios com eficácia real têm de incidir sobre uma coisa certa e
determinada (individualizada). Exemplo: A quer adquirir uma casa x na Rua y em Lisboa descrita
sob o n.º tal. Deste princípio se conclui e, como anteriormente já foi referido, que não podem ser
constituídos direitos reais sobre coisas genéricas, ao contrário do que sucede nos direitos de
crédito (cfr. a. 539.º). Este princípio resulta do a. 408.º n.º2, que estabelece que até à
determinação da coisa, os contratos têm eficácia meramente obrigacional e não real.
2.2. Princípio da Totalidade
Duvidosa é esta característica, segundo a qual, o direito real afecta a totalidade da coisa que tem
por objecto.
Os autores que defendem a existência deste princípio, consideram que os direitos reais, como
exclusivos que são, hão-de incidir sobre a totalidade do objecto.
Porém, o direito do condómino, refere-se na propriedade horizontal, à sua fracção e, não
necessariamente, a todas as partes comuns do edifício (cfr. a. 1421.º, n.º3) sem, que isto ponha
em causa, o carácter real do direito.
Estamos assim, perante uma característica tendencial e, não essencial, dos direitos reais, a qual
explica que, em regra, eles se estendem às coisas que no seu objecto se incorporem ou, a ela
sejam unidas.
Por outro lado, refira-se que, nada impede a constituição de direitos reais sob partes de uma
coisa. Por exemplo: hipoteca (cfr. a. 688.º), propriedade horizontal (cfr. a. 1414.º), direito de
superfície (cfr. a. 1524.º) e direito de uso e habitação (cfr. a. 1489.º).
2.3. Princípio da Permanência
Esta característica não pode ser entendida de forma absoluta. A ideia de perpetuidade dos
direitos é incorrecta, uma vez que há direitos reais que, por natureza, são temporários como é o
caso do usufruto e do uso e habitação (cfr. a. 1439.º a 1490.º).
Se com este princípio se visou significar que, os direitos reais não se extinguem pelo seu
exercício, sempre se dirá que, esta nota não é específica destes direitos, uma vez que, pode
também verificar-se nas obrigações de non facere. Acresce que, há direitos reais que se
extinguem pelo seu exercício, sendo esta, a regra dos direitos reais de garantia e de aquisição.
2.4. Princípio da Compatibilidade
Significa este princípio que, os direitos reais devem ser compatíveis entre si e que, portanto, não
se excluam uns aos outros. Resulta do que ficou dito que, não é possível existirem dois direitos de
propriedade sobre a mesma coisa ou, dois direitos de uso, uma vez que são direitos que conferem
exactamente as mesmas faculdades a pessoas diferentes (têm o mesmo conteúdo) sendo por
isso incompatíveis.
Porém, já é possível, existirem dois direitos de conteúdo diferente, como é o caso de um direito
de propriedade e um direito de usufruto, ou um direito real de gozo — a propriedade — e, um
direito real de garantia — a hipoteca.
2.5. Princípio de Elasticidade
De acordo com este princípio, o direito real tem a característica de ser elástico, isto é, tem a
capacidade de comprimir-se ou distender-se consoante exista sobre ele um outro direito real, cuja
existência determina que os poderes incompatíveis com este segundo direito real fiquem
inactivos.
O direito de propriedade é o direito real por excelência, o direito real pleno. E os vários direitos
reais foram como que recortados do direito de propriedade. Ora, quando sobre a mesma coisa
que é propriedade de alguém, é constituído a favor de outrém, um direito real menor, aquele fica
esvaziado de parte do seu conteúdo, limitando o direito de propriedade.
O direito real menor é aquele que tem um conteúdo diferente do direito de propriedade, mas com
ele é compatível. É o caso, de ser constituído a favor de alguém, um direito de usufruto sobre
uma coisa, tendo este, o poder de usar e fruir, sendo que estes poderes foram retirados ao,
agora, nu proprietário. Mas, mal se extinga o direito real menor que constitui factor de
compressão, o conteúdo do direito de propriedade retoma a sua forma inicial.
2.6. Princípio da Tipicidade ou numerus clausus
Um dos instrumentos de que o direito se socorre na regulamentação da vida económica-social é o
da fixação de certas categorias jurídicas, que ele próprio delimita, de modo directo ou indirecto.
Por exemplo, a compra e venda, o testamento, o direito de propriedade, etc.
No direito das obrigações a fixação das categorias jurídicas não assume carácter taxativo ou
exclusivo, por isso, podem os particulares criar outras que melhor entendam assegurar os seus
interesses (cfr. a. 405.º).
Existem outras áreas ou ramos em que a regulamentação jurídica de certas matérias se faz
mediante o recurso a categorias exclusivas. Quando assim acontece, apenas as realidades que
neles se enquadram são juridicamente atendíveis.
No sistema jurídico português, encontramos este modelo no direito criminal, quanto aos factos
que são considerados crimes, e no direito das coisas, quanto às situações reais.
Significa isto, que o direito só aplica o regime das situações jurídicas reais às que se enquadram
em alguma categoria que ele caracteriza.
De acordo com o princípio da tipicidade, só são admissíveis os direitos expressamente previstos
na lei e, pela forma nela regulada, ou seja, quanto ao conteúdo do direito real legalmente
previsto, não podem as partes fixar-lhe outro conteúdo, não têm como nas obrigações, liberdade
negocial. Exemplo: o direito de propriedade confere o poder de usar, fruir e dispor. Caso A, venda
a B uma casa, não pode estipular, ainda que de comum acordo, que o poder de fruir não é
transmitido com o direito de propriedade. Mas, caso exista uma cláusula nesse sentido, a mesma
teria eficácia meramente obrigacional, por força do a. 1306.º, isto é, B ficaria vinculado perante A,
a cumprir a obrigação a que se vinculou de non facere. Porém, caso B não cumpra essa promessa
por ter arrendado a C, A teria incumprido uma obrigação e, em consequência, poderia ficar
obrigado a indemnizar B, pelo incumprimento.
Em conclusão, as partes têm de limitar-se aos direitos reais identificados na lei e tal qual ela os
define, não alterando nem o nome nem o conteúdo (cfr. a. 1305.º).
Refira-se ainda que, tipicidade significa que os direitos reais têm por fonte exclusiva a lei, não
vigorando o disposto no a. 405.º.
Por numerus clausus entenda-se, que o número de tipos de direitos reais, são só aqueles que se
encontram definidos na lei. O numerus clausus é, pois, uma consequência do princípio da
tipicidade.
2.7. Princípio do Consensualismo ou Consentimento
Este princípio encontra-se ligado fundamentalmente à transmissão convencional dos direitos
reais. Estabelecido no direito francês, esta tese foi acolhida pelo nosso Código Civil no a. 408.º,
disposição que se aplica exclusivamente à aquisição derivada, seja ela constitutiva ou translativa.
Decorre do a. 408.º n.º 1 que, para se constituir ou transferir um direito real, basta o acordo entre
as partes ― consagrando-se o chamado sistema do título (justa causa).
Assim, se através do contrato de compra e venda ou de doação se transmite a propriedade (de
forma imediata e instantânea), aquele contrato é o título de aquisição do direito real, ou seja, é a
razão ou fundamento jurídico da aquisição, sendo suficiente esse título para produzir o efeito real.
Os contratos acima referidos, não constituem os únicos títulos (justa causa) possíveis. A
constituição de usufruto ou o direito de uso também são exemplos. Daqui resulta, que não é
necessário qualquer acto de entrega ou outra formalidade (como por ex: o registo), para se
adquirir o direito real.
Este princípio está intimamente ligado com o princípio de causalidade, uma vez que, se é verdade
que é suficiente a existência do título para que o direito real se transmita ou, se constitua,
também é verdade que o título tem que ser justo, isto é, a causa de aquisição tem de ser válida.
Por isso, se o contrato é nulo ou anulável, verifica-se a não produção do efeito real ( cfr. aa. 875.º,
220.º, entre outros). Se o contrato é nulo, não se transmitiu a propriedade do transmitente para o
adquirente.
2.8. Princípio da inerência do direito real
Para o Prof. Penha Gonçalves, o que de mais característico existe no direito real, é a inerência
entre o direito e o seu objecto.
Como conceito, esta inerência tem consagração legal na alínea d) do n.º1 do a. 204.º. Exemplo: A
e B possuem dois prédios contíguos, sendo o prédio de A, um prédio encravado e, necessitando
este de atravessar o prédio de B para atingir a estrada que aí passa. Para obter tal passagem A,
pode fazer uma de duas coisas:
 celebra com B, um contrato de passagem pelo qual este lhe concede o direito de atravessar o
seu prédio. A, fica assim, com um direito contratual de passagem. Imaginemos agora, que B
vende o seu prédio a C. Neste caso, C não fica obrigado perante A, a cumprir o contrato de
passagem que este havia celebrado com B, o que significa que A perde o seu direito contratual de
passagem.
 ou constitui um direito real de passagem – a chamada servidão de passagem, adquirindo o
direito de passagem. Neste caso, se B vender o seu prédio a C, o direito de passagem de A
manter-se-á sempre, porque o direito real é um direito inerente à coisa.
O direito real de passagem pode, assim, ser sempre imposto, independentemente das relações
jurídicas sobre o prédio, ou seja, o prédio pode ser vendido, arrendado, que ainda assim, o direito
de passagem persistirá.
A inerência é um nexo de intima ligação entre o direito e a coisa, podendo mesmo afirmar-se que
o direito se torna inseparável da coisa que é seu objecto. Na verdade, o seu titular pode opor o
seu direito a todos, perseguindo a coisa  consistindo nisto a chamada sequela, e ainda, devido à
inerência, o direito sofre todas as vicissitudes de coisa.
São corolários da inerência:
 a inseparabilidade do direito em relação à coisa;
 oponibilidade erga omnes;
 repercussão, no direito, das vicissitudes da coisa (sequela).
A inseparabilidade do direito em relação à coisa significa que o direito não se desanexa do
objecto. O direito nasce, vive e extingue-se com o objecto a que se encontra ligado. Exemplo: A,
proprietário da quinta X, concede o seu usufruto a B, em termos vitalícios. Entretanto, A propõe a
B que passe a ter o usufruto da quinta Y em lugar do usufruto da quinta X.
Caso B aceite a sugestão de A, e se, este último um dia vender a quinta Y a C, B não poderá opor
o seu direito de usufruto, já que o mesmo não existe. O seu direito é sobre a quinta X e o direito
não pode separar-se da coisa.
A oponibilidade erga omnes, consiste na faculdade que o titular de um direito real tem de, o
poder invocar eficazmente contra terceiros. Não é contra toda e qualquer pessoa
indiscriminadamente, mas apenas contra toda e qualquer pessoa em condições de violar o direito,
quer essa pessoa tenha somente a intenção ou, já o esteja a violar.
Muitos autores, actualmente, reconhecem que a sequela não é mais do que uma manifestação
particular da oponibilidade erga omnes do direito real. A manifestação da oponibilidade nos
direitos reais de gozo verifica-se na acção de reivindicação (cfr. a. 1311.º).
Nos direitos reais de garantia, a oponibilidade manifesta-se pela acção de execução, uma vez que
o titular do direito tem o poder de executar o bem, onde quer que ele se encontre, fazendo-se
pagar pelo valor da execução.
Relativamente aos direitos reais de aquisição a manifestação da oponibilidade verifica-se através
da acção de preferência.
Exemplos para melhor compreensão da importância da oponibilidade:
1. A vende um imóvel a B e posteriormente vende a C. B é o proprietário do imóvel e. portanto, o
seu direito é oponível a terceiros que violem o mesmo. Em princípio, a posição de B, é inatacável
dado a venda a C ser nula, como venda de bem alheio (cfr. a. 892.º).
2. A vende um imóvel a B, que não regista e posteriormente vende a C que regista.
Neste caso, a situação torna-se complicada já que verificados os requisitos dos aa. 291.º e 17.º do
Código de Registo Predial, a posição de C é inatacável — o imóvel pertence-lhe.
Não se admitindo a existência de direitos reais inoponíveis, entender-se-á que o registo feito por
C funciona como condição resolutiva do negócio celebrado entre A e B. Resolvido o contrato, o
direito de propriedade regressa à titularidade de A e como tal C, adquire o seu direito por
aquisição derivada (cfr. ainda a. 6.º do Código de Registo Predial).
3. A confiou a B certa coisa móvel, não sujeita a registo. Posteriormente, B vende a coisa a C que
a comprou de boa fé, ou seja, desconhecendo que o bem pertencia a A.
De acordo com o nosso ordenamento jurídico, a tutela de terceiros adquirentes de boa fé, só é
assegurada quando se trate de direitos reais sobre coisas imóveis ou móveis registáveis, e
mesmo assim, só dentro dos limites dos aa. 291.º e 17.º do Código de Registo Predial.
A única coisa que C tem a seu favor, é a presunção da titularidade do direito — cfr. a. 1268.º.
Porém, esta presunção legal é ilidível pelo proprietário A, que pode intentar uma acção de
reivindicação e, se conseguir provar que C obteve a coisa, a non domini, esta, ser-lhe-á restituída.
Esta solução, está de acordo com a regra nemo plus iuris (ninguém pode transmitir mais do que
aquilo que tem) e, consagra a prevalência do direito do titular verdadeiro sobre a titularidade
aparente do possuidor, sem embargo da sua boa fé.
A repercussão, no direito, das vicissitudes da coisa.
O perecimento total da coisa provoca a extinção do direito real, já que um dos pressupostos de
um direito real é a existência da coisa. Por outro lado, o direito real pode alterar-se, caso seja
alterado o regime a que a coisa está submetida. Assim, se A resolve transformar um edifício de 6
andares em propriedade horizontal, deixa de haver um direito de propriedade sobre o edifício de
6 andares, para passarem a existir vários direitos de propriedade.
2.9. Princípio da Publicidade
Com já foi referido, o direito real é um direito com eficácia absoluta e, por isso é necessário que
os terceiros saibam da sua existência para no direito não interferirem, cumprindo deste modo
dever de abstenção.
Para que seja possível a todos os sujeitos de obrigação passiva universal conhecerem a existência
dos direitos reais e igualmente para segurança do comércio jurídico (em que se tutela a posição
destes terceiros), é necessário dar publicidade à existência desses direitos. Repara-se que o
desconhecimento da real situação das coisas pode afectar terceiros, no que respeita às
consequências dos negócios que, em relação a elas se venham a praticar, contribuindo a
publicidade dos actos para estes mesmos terceiros respeitarem esta situação.
Mas, esta publicidade não constitui requisito de validade do direito real, que foi validamente
constituído, por mero efeito do contrato, apenas válido inter partes. Porém, este requisito é
condição de eficácia relativamente a terceiros. A publicidade é conseguida através do registo das
coisas imóveis (Registo Predial) e das coisas móveis de considerável valor (como os aviões,
helicóptero, automóveis, quotas de sociedade). Por exemplo: se A e B celebrarem contrato de
compra e venda (mediante escritura), B comprador torna-se proprietário do bem. Porém, este
negócio apenas tem eficácia entre A e B (cfr. aa. 406.º e 408.º n.º1). Embora, para que B se torne
proprietário, não seja necessário proceder ao registo, deverá fazê-lo, sob pena de colocar em
risco o próprio direito.
A relevância económica, social e jurídica da publicidade, neste sector, como em outros, levou o
Estado a intervir e, a organizar serviços públicos, especialmente encarregados de a promover e
organizar sistematicamente.
Em Portugal, a publicidade está há muito confiada às Conservatórias, que são serviços públicos
com competência especializada em função das matérias e das categorias de coisas a que a
publicidade respeita.
Quanto á nossa cadeira, interferem a Conservatória do Registo Predial e as Conservatórias do
Registo de Bens Móveis, ainda pendente de regulamentação.
Podemos encontrar duas modalidades de publicidade: a provocada e a expontânea.
Na realidade, há uma série de comportamentos humanos que pela sua repetitividade e tipicidade
social, implicam, por si mesmos, a revelação e publicitação de certas realidades sociais e
jurídicas. Daí que, a adopção de certos comportamentos possam envolver, a produção de certas
consequências no mundo do direito. Por exemplo, as relações estabelecidas entre pessoas que
vivem maritalmente ou, a relação entre pais e filhos, assumem uma certa feição ou, maneira de
ser — tipicidade social.
Ora, se alguém adopta em relação à pessoa do sexo oposto com quem vive ou, em relação a um
menor, com regularidade certos comportamentos, que integram a chamada posse de estado, é
natural que daí se retirem consequências quanto à existência, entre essas pessoas, de uma
relação matrimonial ou de filiação.
No plano dos direitos reais, algo de semelhante se passa. Em regra, é o proprietário dos bens
quem adopta em relação a eles os comportamentos, correspondentes ao seu uso e fruição,
fazendo-o, em regra, à vista de todos, sem reservas ou reparos de qualquer outra pessoa.
Compreende-se por isso que se veja naquele comportamento, o sinal exterior de propriedade e
que, a partir daí, se lhe dê relevância na atribuição ou reconhecimento da titularidade do
correspondente direito. De facto, resulta desses comportamentos a publicidade que se designa
por espontânea.
Contrapõe-se a esta publicidade, outra, designada por provocada, que deriva de uma actuação
intencionalmente dirigida a dar a conhecer a terceiros uma certa situação jurídica. Actualmente,
essa publicidade faz-se mediante inscrição no registo de certos factos em livros ou registo
próprios que são guardados ou conservados, por um serviço publico.
2.9.1. Publicidade Registal
Noções gerais
Nos termos do a. 1.º do C.R.Predial, a função essencial do registo predial é a de: “dar publicidade
à situação jurídica dos prédios”. Através desta função, realiza-se o fim a que o registo predial está
votado: “a segurança do comércio imobiliário”.
A lei do registo só se refere a prédios, compreendendo os rústicos e urbanos, e não a todas as
coisas móveis, abrangidas na enumeração do a. 204.º.
Porém, refira-se, que a partir dos actos de registo relativos a prédios, se consegue saber e
estabelecer a situação jurídica das demais coisas imóveis, uma vez que estas mantém sempre
uma ligação com um prédio, seja rústico ou urbano.
A publicidade da situação jurídica das coisas, organizada pelo Estado, é relativamente recente,
datando do segundo quartel do séc. XIX. O primeiro Código de Registo Predial verdadeiramente
merecedor deste nome, surgiu com a publicação do D/L n.º 42545 de 8 de Outubro de 1959,
revogado em 1967, sendo publicado outro Código, aprovado pelo D/L n.º 47611 de 28 de Março
de 1967.
O actual Código, foi já objecto de alterações, algumas importantes introduzidas pelos seguintes
diplomas : D/L n.º 355/85 de 2 de Setembro; D/L n.º 60/90 de 14 de Fevereiro; D/L n.º 80/92 de 7
de Maio; D/L n.º 30/93 de 12 de Fevereiro; D/L n.º 255/93 de 15 de Julho; D/L n.º 227/94 de 8 de
Setembro; D/L n.º 267/94 de 25 de Outubro; D/L n.º 67/96 de 31 de Maio; D/L n.º 375-A/99 de 20
de Setembro; D/L n.º 533/99 de 11 de Dezembro e D/L n.º 273/2001 de 13 de Outubro.
2.9.2. Características Gerais do Sistema de Registo Predial Português
O sistema de registo predial português tem como características, entre outras, ser um sistema de
natureza público e real.
O carácter público revela-se, desde logo, na circunstância de o Registo Predial estar a cargo de
serviços públicos — Conservatória do Registo Predial. Estas dependem, por sua vez, de um
serviço central comum, a Direcção Geral de Registos e Notariado, integrado na orgânica do
Ministério da Justiça.
E o carácter real e não pessoal, verifica-se na circunstância de assentar num acto de registo que
respeita a prédios em si mesmos e, não às pessoas que sejam titulares de direitos que os tenham
por objecto.
Os registos que assumem grande relevância na nossa ordem jurídica são:
— o registo predial;
— o registo comercial;
— o registo de propriedade automóvel;
— o registo de propriedade intelectual e,
— o registo de propriedade industrial
O registo predial assume uma particular relevância, dado que as suas normas aplicam-se
subsidiariamente aos diplomas reguladores de cada um dos restantes registos.
2.9.3. Princípios do Registo Predial
a) Princípio da Instância
Este princípio encontra-se previsto no a. 41.º do C.R.Predial e significa que, salvo nos casos
previstos na lei, o registo deve ser pedido pelos interessados.
Decorre deste princípio que os serviços estão à disposição dos interessados, mas a estes cabe a
iniciativa de requerer os registos que lhes convenham, vigorando assim um princípio equivalente
ao que rege em direito processual civil.
Cabe, em suma, o impulso inicial de registo às partes, o que se faz mediante o preenchimento e
apresentação de um impresso de modelo aprovado (requisição), acompanhada dos suportes
documentais necessários a cada acto de registo.
O Código de Registo Predial Português não estabelece, em caso algum, a obrigatoriedade do
registo, sendo neste domínio elucidativo que, o facto de a sua falta não configurar qualquer
transgressão, nem se estabelecer para ele qualquer sanção podendo, no entanto, afirmar-se uma
obrigatoriedade indirecta.
Assim, não será adequado falar-se de dever de registar mas apenas em ónus, sendo que, a não
observância do ónus de registo, acarreta consequências indesejáveis para o interessado no
registo, ou a ele desfavoráveis.
Sem prejuízo do princípio da instância, a lei prevê vários casos particulares de registo oficioso,
isto é, por iniciativa do Conservador (cfr. aa. 92.º n.º5, 97.º, 98.º n.º3 e 100.º n.º3).
b) Princípio da legalidade
Este princípio decorre, desde logo, do carácter público do registo, numa das suas manifestações.
Na verdade, tanto o Conservador como os demais servidores das Conservatórias, funcionários
públicos, todos eles estão nessa qualidade subordinados à lei que devem respeitar. Por esta
simples razão, já aqui domina uma ideia de legalidade. Contudo, o princípio em análise, tem
alcance mais vasto e que decorre do a. 68.º do C.R.P.
A este princípio pode ser-lhe atribuído um conteúdo formal ou substancial. No primeiro caso,
significa que cabe aos funcionários do registo verificarem a regularidade formal dos actos
apresentados a registo e a legitimidade dos respectivos requerentes. No segundo caso, vai-se
mais longe, impondo também ao Conservador a obrigação de se pronunciar sobre a viabilidade do
pedido de registo, tomando em conta a sua validade substancial dos actos a registar,
assemelhando-se a sua função à do juiz.
A actividade fiscalizadora do Conservador implica a apreciação dos seguintes aspectos:
— identidade entre o prédio a que se refere o acto a registar e a correspondente descrição;
— legitimidade dos interessados;
— regularidade formal dos títulos referentes aos actos a registar e a
— validade substancial dos mesmos actos.
Relativamente ao último ponto, exige-se uma observação complementar. É entendimento
corrente na doutrina que o poder do conservador restringe-se nesta matéria, aos casos de
nulidade, sendo várias as razões que impedem que a sua apreciação se alargue aos actos
anuláveis. Desde logo, porque os actos anuláveis produzem os seus efeitos enquanto não sejam
invalidados (cfr. a. 287.º n.º1).
Assim, não seria razoável atribuir ao conservador um poder que iria colocar em causa a eficácia
do acto, num campo que é deixado à disponibilidade de certas pessoas.
Por outro lado, uma vez que este tipo de invalidade não é do conhecimento oficioso do tribunal,
permitir-se a interferência do conservador nesta matéria, seria atribuir-lhe poderes mais amplos
do que os reconhecidos ao poder judicial.
No entanto, quando a anulabilidade resulte de falta de consentimento de outrem ou, de
consentimento do tribunal, impõe o a. 92.º al. e) do C.R.Predial, a realização do registo como
provisório por natureza. O mesmo regime vale para os actos praticados pelo gestor ou
representante sem poderes enquanto não forem ratificados (cfr. al. f) do a. supra citado). Em
qualquer outro caso não pode o conservador recusar o registo.
O princípio da legalidade devia conduzir, sempre que o registo se mostrasse inviável, à sua
recusa. Mas, dado que este regime poderia acarretar graves inconvenientes para os interessados,
em alternativa à figura da recusa do registo, surge a do registo provisório por dúvidas. Só nos
casos mais graves e enumerados no a. 69.º do C.R.Predial, o registo deve ser recusado.
Os meios de impugnação das decisões do conservador podem revestir carácter gracioso ou
contencioso.
A impugnação graciosa, possibilita a reclamação para o próprio conservador (cfr. a. 140.º do
C.R.P.) e o recurso hierárquico para o Director-Geral dos Registos e Notariado (cfr. a. 142.º do
C.R.P.) e, que tem lugar, no caso de a reclamação ser indeferida.
Se a pretensão do interessado não for atendida pelos meios graciosos, o mesmo ainda se pode
socorrer da via contenciosa que consiste no recurso para o tribunal de comarca (cfr. a.145.º do
C.R.P.).
Para além destes meios, o interessado dispõe ainda de outros meios, destinados à reparação dos
danos que, a conduta do conservador lhe tenha causado, por força do a. 153.º do C.R.P.,
efectivando a responsabilidade criminal e civil em que este incorre.
c) Princípio da prioridade ou prevalência
De acordo com o a. 6.º do C.R.P., o direito em primeiro lugar inscrito prevalece sobre os que se
seguirem em data.
Caso os registos sejam da mesma data, a prioridade é determinada pelo número de ordem das
apresentações.
O princípio em análise só admite uma excepção em matéria de hipoteca. As hipotecas inscritas na
mesma data, concorrem entre si, na proporção dos créditos que cada uma delas garante.
Saliente-se que o registo provisório quando convertido em definitivo, conserva a prioridade que
tinha como provisório, ou seja, a prioridade do registo é determinada segundo os critérios do nº 1
do a. 6º. Esta disposição demonstra, só por si, a importância da provisoriedade do registo, como
alternativa à sua recusa. O registo provisório que não seja renovado ou convertido em definitivo
dentro do prazo da sua vigência (6 meses), caduca.
d) Princípio do trato sucessivo
O princípio do trato sucessivo, previsto no a. 34.º do C.R.P., tem como objectivo reconstituir ou
estabelecer uma cadeia ininterrupta dos sucessivos titulares do direito. Estabelecendo-se esta
cadeia, é fácil conhecer toda a história jurídica de um imóvel, consultando os registos.
Quando, ao longo da cadeia dos sucessivos actos de transmissão, existe alguém que não regista,
dá-se aquilo a que se chama de “quebra do registo”:
1912--------B regista
1942--------C não regista
1968--------D não regista
1989--------E pretende registar.
Deslocando-se à Conservatória para registar a sua aquisição, E, constata haver um hiato no
registo, ou seja, o último registo de que há conhecimento data de 1912 e encontra-se em nome
de B. Neste caso, o Conservador vai exigir a E a justificação das sucessivas alienações que
culminaram no contrato pelo qual B adquiriu de A. Existem duas formas de reatar o trato
sucessivo: através de justificação notarial, tentando obter junto dos notários as sucessivas
escrituras de compra e venda, habilitação de herdeiros, partilha etc. ou, através de justificação
judicial pedindo ao tribunal que faça a respectiva reconstituição.
Com efeito, o a. 9.º vem permitir dar solução aos problemas colocados pelo princípio do trato
sucessivo, no que diz respeito aos imóveis que vão sendo alienados após a entrada em vigor do
Código de Registo Predial.
e) Princípio da legitimação
De acordo com o a. 9.º do C.R.P., o titular de um imóvel não pode aliená-lo nem constituir
encargos sobre ele, mediante escritura pública se esse imóvel não estiver devidamente registado.
Note-se que, o a. 9.º do C.R.P., não se dirige ao titular dos imóveis, mas sim aos notários, pois é a
estes que compete cumprir o preceito, ou seja, não realizar a escritura se não for apresentada
Certidão do Registo. O notário que o fizer será objecto de sanção disciplinar, sendo que as partes
não sofrem qualquer sanção.
Este princípio traduz um outro, o princípio de obrigatoriedade indirecta, segundo o qual ninguém
é obrigado a registar um imóvel, mas se quiser aliená-lo ou constituir encargos sobre ele, terá
forçosamente que o registar. Não há, portanto, qualquer sanção para quem não registar, mas
uma forte limitação.
2.9.4. Actos do Registo, trâmites processuais e prova de registo
São três as modalidades de actos de registo, propriamente ditos, atendendo ao seu conteúdo e à
sua função: a descrição, a inscrição e os averbamentos.
A descrição é o acto de registo dirigido à identificação física, económica e fiscal de cada prédio
(cfr. a. 79.º n.º1 do C.R.P.). As descrições são dependentes, em geral, de uma inscrição ou de um
averbamento – cfr. a. 80.º n.º1 do C.R.P.
Os averbamentos às descrições (acto complementar), servem para alterar, completar ou rectificar
os elementos delas constantes, ampliar ou inutilizar, em virtude de circunstâncias
supervenientes. Os averbamentos têm um número privativo e devem ter também o número e
data da apresentação quando dela depender (cfr. aa. 88.º n.º1 e 89.º do C.R.P.).
Diversa é a finalidade da inscrição. Esta é o acto de registo que vai revelar a situação jurídica dos
prédios descritos, consistindo num extracto dos factos jurídicos relativos a cada prédio. A
identificação da inscrição faz-se mediante uma letra, seguida do número de ordem
correspondente e o número e data da apresentação, elementos que devem constar do
correspondente extracto.
À semelhança do que passa com as descrições, os averbamentos às inscrições servem para
completar, restringir ou actualizar uma inscrição já existente, devendo ser lançados na inscrição a
que respeitam (cfr. a. 100.º n.º1 e n.º 4 do C.R.P.).
A existência do registo prova-se por meio de títulos de registo, certidões, fotocópias e notas de
registo. Uma vez efectuado o registo, dos factos legalmente sujeitos a ele, os mesmos serão
oponíveis a terceiros, depois da data do respectivo registo (cfr. a. 6.º do C.R.P.).
O a. 7.º do C.R.P., estabelece duas presunções: a de que o direito existe tal como o registo o
revela e a de que o direito pertence a quem está inscrito como seu titular. Estas presunções, são
presunções legais, ilidíveis.
3. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS REAIS
3.1. Direito Real Pleno e Direitos Reais Limitados
O critério de distinção entre direitos reais plenos e direitos reais limitados ou menores, é a
extensão dos poderes que os direitos reais atribuem ao seu titular, ou seja, existem direitos reais
que atribuem aos seus titulares mais poderes do que outros.
Exemplo: o direito de propriedade atribui poderes mais amplos, que o direito de usufruto.
Considera-se que para além da propriedade, também a posse é um direito real pleno, significando
que, por meio desta classificação, a situação possessória é colocada ao nível do direito de
propriedade.
O direito de propriedade é um direito real pleno porque abrange os mais amplos poderes de
aproveitamento, ou seja, usar, fruir e dispor. Todos os outros direitos reais são limitados, dado os
mesmos serem recortados do direito real pleno, permitindo ao seu titular o aproveitamento
parcial e não pleno da coisa.
3.2. Direitos Reais de Gozo, Garantia e de Aquisição
Esta é a classificação tradicional das categorias dos direitos reais. O seu critério de distinção
assenta no modo como se efectua o aproveitamento das utilidades da coisa, que é o objecto do
direito real.
Direitos reais de gozo
Nos direitos reais de gozo, o aproveitamento da coisa é feito de modo directo e imediato no
sentido de que, o titular do direito real de gozo pode fazer suas as utilidades que a coisa lhe
proporciona. Pode colher os frutos naturais, perceber frutos civis, consumir a coisa, alterá-la, etc.
Portanto, o titular do direito real de gozo, satisfaz o seu interesse através do aproveitamento do
valor de uso da coisa, retirando da sua substância todas as utilidades dessa coisa.
São direitos reais de gozo: a posse, o direito de propriedade (compropriedade e propriedade
horizontal), as servidões, o direito de superfície, o direito de uso e habitação, o direito de usufruto
e o direito real de habitação periódica.
Direitos reais de garantia
Nos direitos reais de garantia, as utilidades proporcionadas ao seu titular são aproveitadas de
modo indirecto, isto é, através do valor económico, do valor de troca, e não através do seu valor
de uso.
Estes direitos reais são acessórios de uma relação creditória e por isso encontram-se regulados no
Livro II, tendo a função de assegurar eficazmente ao credor, o pagamento preferencial do seu
crédito pelo valor da coisa sobre que recaiem.
Os direitos reais de garantia caracterizam-se pelo facto de incidirem sobre o valor ou os
rendimentos de bens certos e determinados, do próprio devedor ou de um terceiro.
O C.C. admite os seguintes direitos reais de garantia:
1. Consignação de rendimentos
2. Penhor
3. Hipoteca
4. Privilégios creditórios
5. Direito de retenção
1. Consignação de rendimentos
A consignação de rendimentos consiste na aplicação dos rendimentos de certos bens imóveis ou
móveis sujeitos a registo à garantia do cumprimento de uma obrigação (que pode ser condicional
ou futura), e do pagamento dos respectivos juros, se devidos, ou tão só do cumprimento da
obrigação ou do pagamento dos juros.
Dispõe o a. 657.º n.º1, que: “Só tem legitimidade para constituir a consignação quem puder
dispor dos rendimentos consignados”. É o caso do usufrutuário.
A consignação de rendimentos pode ser: voluntária, que é aquela que é instituída pelo devedor ou
por um terceiro, mediante negócio entre vivos ou testamento, ou judicial, que resulta de uma
decisão do tribunal (cfr. a. 658.º).
No que diz respeito à consignação voluntária, exige-se escritura pública ou testamento, desde
que verse sobre coisas imóveis, mas é bastante, documento particular, quando estejam em causa
bens móveis (cfr. a. 660.º n.º1).
A consignação de rendimentos encontra-se sujeita a registo, salvo se tiver por objecto os
rendimentos de títulos nominativos, como por exemplo, acções de sociedades, devendo neste
caso ser mencionado nos títulos e averbada, segundo a respectiva legislação (cfr. a. 660.º n.º2).
A consignação confere ao credor o direito de preferência em relação aos outros credores,
apenas sobre os rendimentos consignados e não sobre os bens que os produzem. A consignação
extingue-se nos termos do a.664.º.
2. Penhor
O penhor constitui um direito real de garantia, que consiste em o devedor ou terceiro se
desapossarem voluntariamente de certa coisa mobiliária, para que fique especialmente afecta à
segurança de determinado crédito, e que, por ele responde preferencialmente, no caso de não
cumprimento da obrigação por parte do devedor.
Em princípio, o objecto empenhado tem que sair das mãos do devedor ou de terceiro (a. 667.º) e
entregue ao credor, ou a terceiro fiel depositário deste (a. 669.º).
Quanto ao objecto, a lei permite que sejam dadas em penhor, coisas móveis como créditos
ou outros direitos não hipotecáveis.
Admitem-se, assim, duas modalidades fundamentais de penhor: o penhor de coisas (a. 669.º e
ss.) e o penhor de direitos (a. 679.º e ss.)
Regra geral, todas as coisas móveis podem constituir objecto do penhor sejam elas fungíveis ou
não, consumíveis ou não. Exige-se apenas, que a coisa possa ser alienada, porquanto o credor
pignoratício tem o direito de promover a sua venda para se pagar (cfr. a.675.º).
Nos termos do a. 669º, impõe-se que o autor do penhor não tenha a disposição do objecto
empenhado. A existência do penhor pressupõem a publicidade constitutiva que se traduz na
posse ou composse, decorrente do a. 669º.
Além da publicidade, torna-se necessário, à data de entrega do objecto empenhado, acordo das
partes, sobre a constituição da garantia.
3. Hipoteca
A hipoteca traduz-se no direito concedido a certos credores de serem pagos, pelo valor de
certos bens imobiliários do devedor e, com preferência a outros credores estando os seus créditos
devidamente registados. Além dos bens imobiliários, podem ser objecto de hipoteca, os
automóveis, navios e, aeronaves (bens móveis registáveis).
A hipoteca incide sobre coisas imóveis ou havidas como tais, indicadas nos ara.688.º a 691.º.
Não é requisito da hipoteca, que os bens saiam da posse do autor da garantia, diferente do
que se verifica no penhor. No entanto, compreende-se a diferença, dada a especial natureza dos
bens sobre que recaem as duas garantias: a hipoteca sobre coisas imóveis ou equiparadas que
não podem ser facilmente ocultadas ou sonegadas, como acontece com a generalidade dos
móveis.
A hipoteca carece de ser registada sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes
(cfr. a. 687.º).
Existem três modalidades de hipotecas previstas na lei (cfr. a. 703.º):
 legais (cfr. a. 704.º)
 judiciais (cfr. a. 710.º)
 voluntárias (cfr. a.712.º)
4. Privilégios creditórios
É um direito conferido a certos credores, de serem pagos, em atenção à natureza dos seus
créditos, de preferência a outros credores. Esta garantia não necessita de ser registada (cfr. a.
733.º).
O privilégio creditório constitui uma garantia mais forte do que a hipoteca, porque se
houver concurso entre credores, os privilégios imobiliários preferem à preferência, assim como
preferem à consignação de rendimentos e ao direito de retenção, ainda que estas garantias se
mostrem anteriores (a. 751.º).
Nos termos do a.734.º esta garantia, abrange os juros de crédito respeitantes aos últimos dois
anos, se forem vencidos.
Os privilégios creditórios podem ser privilégios mobiliários, é o que pode abranger o valor
de bens móveis,  de todos se, o privilégio é geral ou, de determinados se, o privilégio é especial
 do devedor, existentes à data da penhora ou de acto equivalente (cfr. aa. 736.º e 738.º) e
privilégios imobiliários, aqueles que podem abranger apenas o valor de determinados bens
imóveis (cfr. a.743.º e ss.). De acordo com a actual redacção do a. 735º nº 3, introduzida pelo DL
nº 38/2003 de 8 de Março, os privilégios imobiliários estabelecidos neste Código são sempre
especiais.
5. Direito de retenção
O direito de retenção é um verdadeiro direito de garantia e, consiste na faculdade que tem
o detentor de uma coisa, de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto esta, não cumprir
uma obrigação a que está adstrito para com aquele (cfr. a.754.º).
Este direito resulta directamente da lei e não de um negócio jurídico e a sua publicidade
encontra-se assegurada pelo próprio texto legal. Esta garantia não carece de ser registada.
O direito de retenção tem como requisitos so seguintes:
- a detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrem;
- que o detentor se apresente, por sua vez, credor da pessoa com direito à entrega;
- que entre os dois créditos exista o nexo apontado  tratar-se das despesas feitas por causa
dessa coisa ou de danos por ele causados.
O a. 755.º no seu n.º1, estabelece casos especiais de direito de retenção já conhecidos, como é o
caso da alíneas b), d) e f) da mesma disposição legal.
Direitos reais de aquisição
Os direitos reais de aquisição, constituem a categoria de direitos reais mais recente, em que o
interesse do titular é satisfeito através da aquisição de um outro direito real, isto é, a partir do
momento em que se exerce o direito real de aquisição, o seu titular é imediatamente transposto
para outro direito real de gozo.
Por exemplo: o direito que tem cada um dos comproprietários a ter preferência, na venda ou
doação, das quotas dos outros; o caso do contrato-promessa e do pacto de preferência quando se
tenha atribuído eficácia real. Também a situação jurídica do possuidor que adquire o direito de
propriedade por usucapião, cfr. a. 1287.º e; o caso de apropriação de coisa alheia, cfr. aa. 1321.º
e 1323.º, etc.
4. VICISSITUDES DOS DIREITOS REAIS
As vicissitudes dos direitos reais têm a ver com a aquisição, com a modificação e com a perda dos
direitos reais.
4.1. Aquisição dos direitos reais
A aquisição de um direito real, marca o momento em que esse direito (subjectivo) passa a fazer
parte de uma esfera jurídica.
A aquisição pode ser originária ou derivada e, esta última, ainda pode ser, constitutiva e
translativa.
Na aquisição originária, o direito adquirido surge na ordem jurídica, no exacto momento em que
se adquire, isto é, o fenómeno de aquisição e constituição do direito é simultâneo e por sua vez
não está dependente de nenhum outro direito.
Na aquisição derivada o direito adquirido está sempre dependente de outro direito. E essa
dependência exprime-se de duas formas:
 na aquisição derivada translativa: a aquisição depende do direito anterior que
fundamentalmente é o mesmo;
 na aquisição derivada constitutiva: o direito que se adquire é um direito novo, muito embora, a
sua constituição, se processe à custa de um direito pré-existente, que fica assim limitado pela
constituição desse direito.
Com efeito, os direitos reais menores surgem por aquisição derivada constitutiva e limitam o
direito de propriedade. Se eles forem transmissíveis, pode também existir aquisição derivada
translativa e, por regra, todos os direitos reais de gozo são transmissíveis. Já quanto ao direito de
propriedade, só pode ser adquirido ou, por aquisição originária ou, por aquisição derivada
translativa.
Quanto aos modos de aquisição, são eles os seguintes:
a) Contrato: mediante contrato, transmitem-se para outro titular, direitos reais já existentes, na
titularidade do transmitente e, podem ser constituídos (aquisição originária) novos direitos reais
(cfr. a. 408.º n.º1);
b) Usucapião: a posse, mais o tempo, conduz à usucapião e, é um modo de aquisição de direitos
reais de gozo;
c) Lei e decisão Judicial: a constituição em si mesma, de direitos reais, muitas vezes decorre
automaticamente da lei, ou seja, sem necessidade de intervenção das partes e
independentemente da sua vontade.
Exemplos: servidões legais (cfr. a. 1550.º), hipoteca legal (cfr. a. 704.º), os privilégios creditórios
(cfr. a. 733.º), o direito de retenção (cfr. a. 754.º) e as preferências legais.
4.2. Modificação dos direitos reais
A modificação dos direitos reais pode ser objectiva e subjectiva. Sempre que se opera uma
aquisição derivada translativa existe uma modificação subjectiva. Exemplo: A vende a B um
automóvel.
Quanto à modificação objectiva, esta verifica-se sempre que, nos encontramos perante aquisições
derivadas constitutivas. Exemplo: A constitui a favor de B um direito de usufruto.
4.3. Perda dos direitos reais
Os direitos reais extinguem-se pelas seguintes causas:
 Expropriação por utilidade pública: (cfr. a. 62.º da Constituição da República Portuguesa; a.
1308.º e a. 1536.º, n.º 1, al. f) consiste numa declaração feita pelo Estado, em que este declara a
necessidade de utilizar determinado bem para um fim específico de utilidade pública, que faz
extinguir o direito real constituído sobre tal bem e, determina a sua transferência para o
património da pessoa a cujo cargo está a prossecução desse fim (direito novo independentemente
do anterior).
 Renúncia: (cfr. aa. 731.º, 664.º, 677.º, 752.º, 761.º, 1267.º, 1476.º, 1490.º) os direitos reais são
renunciáveis, por manifestação de vontade, nesse sentido, do respectivo titular (Princípio da
renunciabilidade).
O titular do direito de propriedade de um bem móvel pode simplesmente abandoná-lo,
desligando-se da sua posse (causal), passando a coisa a ser considerada uma res nullius (coisa de
ninguém) e, fica susceptível de ser adquirida por ocupação (cfr. a. 1318.º).
O proprietário de um imóvel também pode renunciar ao seu direito, embora haja opinião diversa.
Por efeito da renúncia (que deve ser feita por escritura pública e sujeita a registo) o imóvel
integra-se ex vi lege no património do Estado, não sendo susceptível de ocupação.
 Confusão: esta figura aparece-nos como causa extintiva dos direitos reais limitados (cfr. aa.
1476.º n.º1, al. b); 1536.º n.º1, al. d), 1569.º n.º1, al. c). Quando o titular de um direito real
menor, passa a titular de um direito real maior, dá-se a confusão. Exemplo: A. usufrutuário
adquire a propriedade a B (nu proprietário).
 Extinção de um direito real pelo decurso do prazo, quando o mesmo tenha sido constituído a
termo.
TÍTULO II
DOS DIREITOS REAIS EM ESPECIAL
1. DA POSSE (aa. 1251.º a 1301.º do Código Civil)
1.1. Noções Gerais
A ideia de posse sugere imediatamente uma situação de poder sobre uma coisa e, por outro lado,
sugere também a existência de uma relação material entre uma pessoa e uma coisa.
Imaginemos as seguintes situações:
A, utiliza um automóvel em virtude de o ter roubado ou, em virtude de o ter alugado ou, ainda,
em virtude de o ter comprado, sendo o seu proprietário. Do ponto de vista factual, não há
qualquer diferença entre estas três situações.
Para compreensão da noção de posse, é forçoso uma abordagem da distinção que, a doutrina
estabelece entre posse causal, posse formal e, posse precária ou detenção.
1.2. Posse causal, posse formal e posse precária
A posse diz-se causal porque existe uma causa que a justifica, isto é, no caso do proprietário ele é
titular de um direito real em cujo conteúdo se integram os poderes que justificam o uso da coisa.
Ora, a posse é o poder de uso e, neste caso, é causal, porque tem como causa a titularidade de
um direito real, cujo conteúdo integra um poder de uso.
A posse causal não tem autonomia, é inerente à titularidade de um direito real e não é mais do
que a manifestação exterior da titularidade do direito real.
O proprietário e o possuidor embora actuem do mesmo modo perante todas as outras pessoas,
não têm o mesmo direito, dado que um é proprietário e, tais actos traduzem o exercício do seu
direito, o outro não é proprietário e, os seus actos traduzem uma mera actuação de facto.
Repare-se ainda, que o possuidor tem de praticar os actos correspondentes à titularidade de um
direito real, enquanto que o proprietário não precisa de praticar quaisquer actos para que o
direito lhe reconheça a sua qualidade.
Na posse formal, o possuidor não é titular de qualquer direito real sobre a coisa, em cujo
conteúdo se integre o poder exercido, isto é, não há qualquer causa que justifique o uso.
Face ao exposto, poderá dizer-se que na posse causal o possuidor é, enquanto que, na posse
formal, o possuidor actua como se fosse.
A posse diz-se precária (caso do comodatário), quando o sujeito tem apenas uma autorização do
titular do direito real para possuir a coisa em seu nome, isto é, em nome do titular do direito. O
possuidor precário é tão somente o possuidor em nome de outrem em cujo conteúdo se integra o
poder de uso.

A noção de posse que se encontra definida no a. 1251.º é uma noção de posse formal: “quando
alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito
real”.
De acordo com esta noção, o possuidor é aquele que actua como se fosse o titular de um direito
real e actua de tal modo, que tem poderes idênticos aos do verdadeiro titular.
Com a expressão “(…) por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de
outro direito real”, a lei visou explicitar que, a posse referida neste preceito é a posse formal,
porque não se identifica com o exercício do próprio direito real. Trata-se apenas, de actuação que
só exteriormente se apresenta parecida com o exercício do direito real e, por isso, não assimilável
à posse causal.
O a. 1268.º consagra uma presunção ilidível, (admite prova em contrário) segundo o qual: “o
possuidor goza da presunção da titularidade do direito (...)”. O simples detentor não goza desta
presunção.
A posse formal e causal podem entrar em conflito, caso existam dois sujeitos que se arrogam a
titularidade de um direito sobre a mesma coisa.
Para solucionar este conflito, a lei presume que o possuidor é o titular do direito, cabendo àquele
que se afirma como titular do direito (ex: proprietário ou usufrutuário), enquanto lesado,
apresentar prova em contrário, mediante a qual ilide a presunção legal.
1.3. Estrutura da Posse
Existem duas correntes que deverão ser consideradas para melhor compreensão
desta matéria.
A corrente objectivista perfilhada por Jhering para a qual basta o corpus, ou seja, a apreensão
material ou o poder de facto para existir uma situação possessória.
Para esta teoria existe posse, quando alguém tem a apreensão material da coisa e mostra
vontade de continuar com essa apreensão.
Para a corrente subjectivista perfilhada por Savigny, além do corpus, será também necessário o
animus, ou seja, é necessário que o possuidor deixe transparecer um poder sobre a coisa que seja
conforme à titularidade de um direito real de gozo sobre ela. Por outras palavras, o animus é a
intenção demonstrada pelo possuidor no seu modo de agir em relação à coisa, objecto da posse.
No entender da maioria da doutrina, a corrente perfilhada pelo nosso Código Civil é a corrente
subjectivista de Savigny, no sentido de que não basta a apreensão da coisa e a vontade de a
manter, mas é também necessário o animus. O Prof. Menezes Cordeiro partilha de opinião
contrária.
No entanto, leia-se o que estabelece o a. 1251.º: “actua por forma correspondente ao exercício do
direito de propriedade ou de outro direito real”, onde o animusreleva claramente. Ainda, em
justificação da tese subjectivista, o a. 1252.º pode ser invocado no sentido de que, o detentor tem
a apreensão material da coisa e pode manifestar a vontade de manter essa apreensão, mas não é
considerado possuidor.
Para que exista uma situação possessória, não se exige que o possuidor pratique directamente
actos materiais sobre a coisa possuída, dado que a mesma pode ser exercida por intermediário de
outrem, nos termos do a. 1252.º, isto é, alguém pode possuir a coisa em nome do possuidor ou,
actuando como seu representante. Esta é a chamada situação de detenção identificadas nas al.
a), b) e c) do a. 1253.º. Exemplos: a empregada doméstica que se serve do aspirador de casa
onde trabalha, como instrumento de trabalho, é detentora nos termos da al. a) do a. 1253.º,
porém, se utilizar o secador de cabelo pertencente à dona da casa, já será considerada detentora
nos termos da al. b) do a. 1253.º; O lavrador que vai a casa de um vizinho pedir uma charrua
emprestada, mas como o mesmo não se encontra em casa, leva a charrua porque sabe que
aquele não se importa – cfr. al. b) do a. 1253.º; O motorista que conduz o camião pertencente à
firma X é detentor, nos termos da al. c) do a. 1253.º;
1.4. Natureza Jurídica da Posse
Existem vários entendimentos, mas de um modo geral, e sem pretensão de aprofundar esta
questão, entender-se-á a posse como um direito real subjectivo.
No nosso Código Civil, a posse opera e releva ora, como mero facto jurídico  cfr. aa. 1252.º, nº2,
1254.º, 1257.º, nº1, 1260.º, 1287.º  ora, como situação jurídica subjectiva, fonte de importantes
efeitos jurídicos para o possuidor  cfr. aa. 1263.º, 1266.º, 1267.º, 1268.º n.º1, 1270.º e 1273.º.
1.5. Fundamento da Protecção Possessória
Na verdade, muitas das razões invocadas por várias teorias poderão ter concorrido
historicamente e, concorrem ainda hoje, para o acolhimento e fundamento do instituto
possessório nos diversos ordenamentos jurídicos.
Destaco dois dos principais fundamentos do instituto possessório:
 a paz pública
 e o valor económico e social autónomo da posse.
Vigora entre nós um sistema de justiça pública (cfr. a. 1.º do C.P.C.), a defesa da posse só pode
operar por meios processuais regulados na lei. Deste modo, havendo protecção legal da posse,
evitam-se conflitos sociais e esta pode funcionar como instrumento de conservação e de
produção de efeitos funcionais da coisa.
1.6. Objecto da Posse
O objecto material da posse corresponde há existência material da coisa.
O objecto jurídico da posse (cfr. a. 1251.º), é a forma de actuação correspondente ao exercício do
direito de propriedade e dos demais direitos reais de gozo, passíveis de serem adquiridos por
usucapião.
Portanto, o objecto da posse pode ser não só o direito de propriedade como também outro direito
real de gozo, susceptíveis de serem adquiridos por usucapião, ficando excluídos os direitos reais
de garantia e de aquisição.
1.7. Modalidades da Posse
 Posse exclusiva: é aquela que é exercida por um único possuidor.
 Posse simultânea: corresponde às situações em que, sendo alguém possuidor, por uma ou
outra razão e, sem a sua vontade, existe alguém que também adquire a posse.
 Composse: é uma situação de comunhão do direito que é a posse. Cada um dos
compossuidores exerce a posse correspondente à parte que lhe caiba na posse comum, à
semelhança da figura da compropriedade, cujas regras lhe são extensíveis com as necessária
adaptações. (cfr. a. 1404.º).
Caso as posses, que incidem sobre a mesma coisa, sejam de natureza diferente (Ex: A actua
como se fosse proprietário e, B como usufrutuário) não há composse, mas sim convergência de
posses que não são incompatíveis entre si.
1.8. Modos de Aquisição da Posse
a) Pela prática reiterada, com publicidade dos actos materiais correspondentes ao
exercício do direito (é o chamado apossamento - cfr. a. 1263.º, al. a)
Por prática reiterada entende-se a prática continuada. Esta expressão suscita a questão de se
saber, quantos actos materiais terão de ser praticados para se considerar que há prática
reiterada. Parece que não se exige a prática de muitos actos, a prática de apenas um só acto
pode dar lugar à investidura da posse, desde que esse acto tenha intensidade suficiente para
demonstrar que o sujeito tem a intenção de passar a comportar-se como possuidor nos termos do
a. 1251.º.
“(...) com publicidade (...)”, significa que a prática reiterada tem que ser realizada de modo a
poder tornar-se conhecida dos interessados.
O apossamento consiste na apropriação de uma coisa, mediante a prática sobre ela, de actos
materiais correspondentes ao exercício de certo direito real. Ora, neste momento adquire-se o
corpus. Porém, a posse só surge, quando pela prática reiterada (intensa e não necessariamente
continuada) de actos materiais, se dê publicidade semelhante aos praticados pelo titular do
direito real – animus.
Assim, se A furtar o relógio à vizinha e passar a usá-lo como se fosse proprietária, por exemplo,
colocando o relógio de forma visível no pulso, diremos que A, tem o corpus quando furta, mas ao
usá-lo publicamente como se fosse seu adquire o animus. Porém, se A, após furtar o relógio, o
guardar em casa ou, o esconder até o poder vender, adquire apenas o corpus, isto é, tem apenas
a detenção, não adquirindo a posse por falta do elemento psicológico.
O legislador ao referir-se a “(...) actos materiais (...)”, pretendeu afastar a possibilidade de se
tratarem de actos jurídicos.
Exemplo: Se A vê um determinado terreno em boa localização e, coloca um anúncio no jornal
anunciando a venda de lotes desse terreno e, se na sequência desta publicação, celebrar com
diversas pessoas, contratos-promessa, A não adquire a posse do referido prédio, porque apenas
praticou actos jurídicos e não actos materiais.
b) Pela tradição material ou simbólica da coisa efectuada pelo seu anterior possuidor
(cfr. a. 1263.º, al. b)
Neste caso, sucede que alguém que já era possuidor (“anterior possuidor”), cede a sua posse a
outrem, através da entrega material ou simbólica da coisa.
Este modo de aquisição, é um modo de aquisição derivada, ou seja, a posse é aqui adquirida
através de um acto de transmissão da posse (causal ou formal), anteriormente constituída.
A posse a que alude esta alínea, corresponde à entrega da coisa quando o possuidor pretende
que ela saía do seu poder e, que esta passe definitivamente para outrem.
A posse de alguém adquirida por tradição, material ou simbólica da coisa, tem como
consequência a perda da posse, caso esta seja formal, por parte do transmitente.
c) Constituto possessório (cfr. aa. 1263.º al. c) e 1264.º)
Na fase de aquisição da posse, a apreensão material é extremamente importante,
nomeadamente no que respeita ao constituto possessório.
A aquisição da posse por constituto possessório, verifica-se quando o possuidor em nome próprio
de certa coisa, deixar de o ser, por a ter alienado, convertendo-se por acordo com o adquirente,
em mero detentor.
Por outras palavras, alguém adquire a posse através de negócio translativo de outrem que tinha a
posse, mas que no entanto, mantêm o poder de facto sobre a coisa por consentimento ou mera
tolerância do novo possuidor.
Exemplos:
A habita a casa X que vende a B, embora continue lá a habitar por acordo entre ambos. Neste
caso, a posse transferiu-se para B, embora A continue a ter o poder de facto sobre a coisa (cfr.
n.º1 do a. 1264.º);
A vende a B um carro e combinam que, A continua a utilizá-lo. A era o possuidor formal e ao
celebrar o negócio translativo, transmite a posse para B. Assim, B é titular de uma posse sem
poder de facto, porque não há entrega da coisa, continuando esta a ser utilizada por A.
A proprietário da casa Y (possuidor causal) vende a casa a B, verbalmente ou, por documento
escrito, tendo sido convencionado entre ambos que o bem apenas seria entregue passado um
ano a contar da celebração deste contrato. B, adquire apenas a posse formal, embora sem deter
a coisa, dado que o contrato de compra e venda é inválido e portanto, não pode haver a aquisição
da posse causal.
O constituto possessório é uma modalidade de aquisição de posse e não uma modalidade de
perda da posse, por isso actua sempre do lado do adquirente e não do transmitente.Pelo
constituto possessório, o adquirente torna-se possuidor e o transmitente torna-se detentor.
O a. 1264.º n.º 2 estabelece uma outra situação, em que a coisa é detida por terceiro em nome
do titular, que aliena a mesma. Ora, a posse que tem, transfere-se para o adquirente, ainda que a
situação de detenção existente deva continuar, quer por força da lei, quer por acordo entre os
interessados.
Exemplo: Se o senhorio do prédio locado a B, o vende a C, este último não deixa de adquirir a
posse, mas B continua a ser locatário – (detentor).
Compreende-se, pois, a razão de muitos autores afirmarem, ser o constituto possessório um
afloramento do princípio do consensualismo no domínio da posse.
A posse causal não tem autonomia, é inerente à titularidade de um direito real, ou seja, a posse
causal, não é mais do que a manifestação exterior da titularidade do direito real. Em
consequência, entende-se não ser de aplicar o constituto possessório no domínio da posse causal,
quando o negócio translativo do direito real for um negócio válido capaz de transmitir o direito
real.
Em conclusão, o adquirente do direito real em causa, não passando a ter o poder de facto sobre a
coisa, é tido como seu possuidor. Se a posse anterior existia no alienante, este passa a mero
detentor em nome do adquirente. Se a detenção existia em terceiro, este mantém a detenção,
mas passa a exercê-la em nome do adquirente.
De acordo com o a. 1264.º n.º1 é indiferente a causa que justifica a manutenção da posse ou a
detenção do alienante ou de terceiro. Pode ser qualquer causa, mas tem de existir uma causa.
d) Inversão do título da posse (cfr. aa. 1263.º al. d) e 1265.º)
A inversão do título da posse traduz-se numa mudança da atitude do detentor. A inversão do
título da posse vem previsto na al. d) do a. 1263.º complementada pelo regime contido no a.
1265.º.
Nesta forma de aquisição da posse, dá-se a transformação de uma situação de mera detenção em
posse formal, isto é, o título por que se exerciam certos poderes sobre a coisa muda.
O que justifica a apreensão material (o corpus) na qual se baseia a detenção, reside na existência
de uma outra pessoa, que é possuidor.
Assim, se B é detentor, possui em nome de outrem, em nome do possuidor. É, pois, este o título
da detenção ou posse precária de B.
Ora, o detentor pode inverter o título da posse mediante duas formas:
1. por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía;
2. e por acto de terceiro capaz de transferir a posse.
Relativamente à primeira situação, suponhamos o seguinte:
B, era detentor, possuía em nome de A. Num dado momento passa a possuir em nome próprio,
opondo o seu direito a A., mediante declaração receptícia.
A oposição traduz-se numa modificação do animus do detentor, revelada pela exteriorização de
actos positivos que inequivocamente expressam a sua vontade de opor uma posse própria à
pessoa em cujo nome ou, no interesse de quem vinha actuando como detentor.
Note-se que, para que B possa inverter o título da posse, tem que ter uma pretensão lógica,
invocar argumentos credíveis, dado que A tem meios ao seu alcance para defender a sua posse.
Por outro lado, é necessário que o detentor emita uma declaração receptícia, isto é, que leve ao
conhecimento do possuidor a sua mudança de atitude em relação à coisa. É a partir deste
momento (momento em que chega ao conhecimento de A, possuidor), que se dá a inversão do
título da posse.
A exigência de uma declaração receptícia proporciona ao possuidor A, a possibilidade de reagir e
defender a sua posse.
A oposição pode ser operada por via extrajudicial ou judicial e, releva quando por essas vias for
levada ao conhecimento do possuidor ou, se os actos que traduzem a oposição, forem praticados
na presença do possuidor ou, na de quem o represente.
Conhecida a oposição, a detenção transforma-se em posse, configurando uma situação de
esbulho de quem, até aquele momento, foi possuidor. Exemplo: se o locatário de um prédio
rústico se recusar a pagar a renda, arrogando-se titular do direito ao prédio, alterar o seu sistema,
cortando por exemplo, um pinhal nele existente para passar a fazer culturas de milho.
Relativamente à segunda situação, a inversão do título da posse resulta de acto de terceiro capaz
de transferir a posse.
Repara-se que este acto de terceiro tem de sofrer de algum vício impeditivo daquele efeito
translativo.
Assim, há inversão do título da posse, por esta via, quando alguém, sem legitimidade, vende ao
detentor, por exemplo ao locatário, o prédio que lhe estava arrendado. A inversão produz-se por
efeito de um novo título — compra e venda — apto (em abstracto) a transferir a posse.
Da mesma forma, há inversão do título da posse se A, proprietário de uma caneta deposita-a a B,
sendo que, posteriormente C, terceiro de boa fé, doa essa caneta a B. Ora, o detentor B, torna-se
possuidor por inversão do título da posse.
A---------------------B----------------------C
(Possuidor) (detentor) (intitula-se perante B como sendo o possuidor)
Afirmando-se possuidor, C apresenta-se como um terceiro na relação entre A e B capaz de
transferir a posse.
1.9. Sucessão na Posse
Na sucessão na posse verifica-se um fenómeno de aquisição mortis causa.
O legislador ao afirmar, no a. 1255.º, que a posse “continua” nos sucessores do possuidor do
falecido, pretende frisar a ideia de que se verifica, um fenómeno especial de transmissão que, em
razão dos seus traços particulares, se designa por “sucessão na posse”.
De acordo com esta disposição, os sucessores ocupam, por força da lei, a posição do possuidor
falecido e, recebem a sua posse tal qual ele a tinha.
A sucessão não é considerada de entre os modos de aquisição da posse, porque quando alguém
sucede na posse em virtude da morte do anterior possuidor, não se trata de uma nova posse,
cujos caracteres tenham que ser determinados, como acontece nos outros casos, de aquisição da
posse. Neste caso, a transferência da posse verifica-se por mero efeito da lei e, com a abertura da
herança não se inicia uma nova posse, dado ela ser a mesma. A posse do sucessor forma um todo
com a do de cujus, havendo apenas uma modificação subjectiva.
A posse adquirida por morte é a mesma que já existia, no sentido de que, o seu título não é a
sucessão por morte, mas sim o título do próprio de cujus.
Assim, se se tratava de posse de má fé, continua a ser posse de má fé, se se tratava de posse não
titulada, continua a ser não titulada. Existe apenas uma excepção ao que foi referido e que reside
no carácter da posse violenta.
A posse violenta pode purificar-se transformando-se em posse pacífica. Exemplo: A adquiriu a
posse mediante coacção moral (posse violenta). Porém, se a ameaça cessar, a posse purifica-se.
Mas, embora a posse deixe se ser violenta, não deixa de ser considerada posse de má fé. (cfr. a.
1260.º n.º 3 – presunção inilidível).
No caso da sucessão, se a posse era violenta mas, com a morte do anterior possuidor, a violência
cessou, a posse transforma-se em pacífica, continuando, no entanto, a ser de má fé.
1.10. Acessão na Posse
No caso do disposto no a. 1256.º, houve uma transmissão da posse inter vivos (ex. compra e
venda).
A acessão da posse significa que aquele que adquirir de forma derivada, pode juntar à sua posse,
a posse do antecessor.
Exemplo:
A---------------------------------B---------------------------------------C
(Possuidor) (Possuidor) (Possuidor)
(5 anos) (5 anos) (10 anos)
No exemplo acima descrito, desde que C tenha adquirido a posse por uma modalidade de
aquisição derivada (por tradição da coisa pelo anterior possuidor ou por constituto possessório),
pode somar ao seu tempo, o tempo da posse de B, ou seja 5 anos. E, poderá também juntar o
tempo de posse de A, porque se considera que a lei ao falar de antecessor, no a. 1256.º se quer
referir a antecessores.
Requisitos da acessão:
— aquisição derivada das posses, ou seja, as posses só podem ser somadas se a aquisição tiver
sido derivada.
— os tempos de posses têm que ser referentes a posses contíguas.
No exemplo acima referido, C não pode ir buscar os anos de posse de A, sem ir buscar primeiro os
anos de posse de B.
— dado que a soma dos tempos possessórios é relevante para a aquisição do direito por
usucapião e para o registo da mera posse, as posses a somar têm que ser públicas (cfr. a. 1262.º)
e pacíficas (cfr. a. 1261.º).
Exemplo:
A ------------------------------------B--------------------------------C
(Possuidor) (possuidor) (possuidor)
(em termos de propriedade) (em termos de usufrutuário) (em termos de
propriedade)
(5 anos) (5 anos) (10 anos)
Nos termos do a. 1256.º n.º 2, é possível somar duas ou mais posses heterogéneas, embora
nestes casos, a acessão dá-se dentro dos limites daquela que tem menor âmbito, isto é, da posse
menos valiosa.
Neste caso, como o conteúdo do direito de propriedade é mais amplo do que o conteúdo do
direito de usufruto, a posse de B será de 15 anos.
Exemplo:
A-------------------------------B------------------------------------C
(Possuidor) (possuidor) (possuidor)
(de boa fé) (de má fé) (de boa fé)
(5 anos) (5 anos) (10 anos)
O a. 1256.º não resolve este problema de se saber se a posse de C é ou não de boa fé. Assim, a
doutrina resolve a questão de duas formas:
1º, por analogia aplicando-se o critério do âmbito (cfr. a. 1256.º n.º2), sendo que neste caso se C
fizesse a acessão ficaria com 20 anos de posse de má fé e isto porque, a posse de má fé tem
menor âmbito do que a posse de boa fé.
2º, por analogia com as regras do a. 1299.º estabelecidas para a usucapião de móveis não
sujeitas a registo. Assim, como esta disposição atribui à posse de boa fé o dobro do valor da
posse de má fé (seis anos), esta vale metade da posse de boa fé (três anos).
Partindo desta regra, antes da acessão ser feita, há que converter a posse de má fé em posse de
boa fé. Como a posse de má fé só vale metade da posse de boa fé, B não teria a posse por cinco
anos, mas apenas por dois anos e meio.
Após a acessão, resultaria que C teria a posse de boa fé por dezassete anos e meio.
1.11. Caracteres da Posse
De acordo com o disposto no a. 1258.º, a posse pode ser titulada ou não titulada, de boa fé ou de
má fé, violenta ou pacífica, pacífica ou oculta.
a) Posse Titulada e Não Titulada
O carácter da posse titulada só é relevante se a modalidade da aquisição da posse for derivada,
isto é, para estarmos perante uma posse titulada, esta tem que ter sido adquirida através de um
negócio jurídico translativo ou constitutivo.
De acordo com o a. 1259.º n.º1 “diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de
adquirir”
Entende-se por “modo legítimo de adquirir”, qualquer negócio jurídico translativo que, em
concreto, não o transmitiu ou, porque o transmitente não tem legitimidade para o transmitir ou,
porque o negócio jurídico está ferido de uma invalidade substantiva que impede a transmissão.
Exemplos:
- A, vende a B um anel pertencente a C.
Ora, neste caso, o direito de propriedade não se transmitiu porque não existia na titularidade de
A. Porém, como a compra e venda é um negócio jurídico translativo capaz de transmitir o direito
de propriedade, a posse formal de B é titulada.
- A vendeu um anel a B mediante coacção física.
O negócio celebrado é nulo, pois trata-se de uma invalidade substantiva, não produzindo
quaisquer efeitos jurídicos. Portanto, o direito de propriedade não se transmite.
Porém, esta posse é titulada porque foi adquirida por meio de negócio jurídico idóneo para
transmitir o direito de propriedade e, só o não transmitiu porque o contrato era substancialmente
inválido. Assim, B limitou-se a adquirir a posse formal.
- A é proprietário de um terreno que vende a B verbalmente ou por documento particular.
Não se verifica, pois, a transmissão do direito de propriedade porque o negócio jurídico é
formalmente inválido. B apenas adquiriu a posse formal.
Esta posse é não titulada porque se trata de uma invalidade formal e, neste caso, o negócio
jurídico translativo não se considera um modo legítimo de adquirir o direito de propriedade.
- A. proprietário celebra com B contrato promessa de compra e venda de certo bem, tendo havido
a tradição da coisa. Se o promitente comprador admitir que possui a coisa por um acto de
tolerância do promitente vendedor, ele é detentor. Se, pelo contrário, ele se assume como dono,
é possuidor formal, mas esta posse é, em si mesma, uma posse não titulada, porque não existe
um modo legítimo de adquirir o direito, dado o contrato promessa não ser um negócio jurídico
translativo ou constitutivo.
Conclui-se que, sempre que o negócio jurídico translativo seja formalmente inválido a posse é não
titulada. Pelo contrário, sempre que haja um vício que impediu a transmissão do direito por
invalidade substantiva, a posse é titulada.
Existem, porém, excepções, ou seja, existem casos em que, embora o negócio jurídico seja
idóneo para a transmissão do direito ferido de invalidade substantiva, não dá lugar à posse
titulada.
É o caso do negócio jurídico celebrado com coacção física, quando se considere que a
consequência é a inexistência jurídica.
Ora, se o negócio é inexistente, o título é meramente putativo, e de acordo com o a. 1259.º exclui
a possibilidade de se admitir a existência deste título – (título putativo é aquele que apenas existe
na convicção do possuidor). Se a ordem jurídica desconhece o título, não estamos perante um
modo legítimo de adquirir o direito.
b) Posse de Boa Fé ou de Má Fé
O critério que preside à distinção entre posse de boa ou má fé, é o do conhecimento ou
desconhecimento que o adquirente tenha ou não de estar a lesar direitos de outrem (cfr. a.
1260.º).
A boa fé a que alude o a. 1260.º, reporta-se ao momento da aquisição da posse. Mas, a posse de
boa fé pode convolar-se em posse de má fé, a partir do momento em que o possuidor tome
consciência de que está a lesar o direito de outrem (cfr. a. 1270.º n.º 1 e 2).
Nos termos do a. 1260.º o legislador entendeu conveniente fixar presunções quanto à qualificação
destas modalidades de posse.
Assim, a existência ou falta de título leva a presumir que a posse é, respectivamente de boa ou
de má fé (cfr. n.º2 do a. 1260.º).
No entanto, e por força do n.º3, ainda que a posse seja titulada, mas se tiver sido adquirida com
violência, presume-se sempre de má fé.
Estabelece-se no n.º3 uma presunção inilidível ao contrário do que se verifica no n.º 2 em que a
presunção é ilidível
Compreende-se a diferença de regimes estabelecida, uma vez que a falta de título justo não
significa que se esteja em presença de um acto ilícito, como sucede na violência. Assim, não será
necessário punir civilmente quem adquiriu a posse sem título.
Em conclusão, o possuidor sem título não está impedido de invocar e fazer prova da sua boa fé,
no momento de aquisição da posse. Se o não fizer, a posse considera-se de má fé.
c) Posse Pacífica ou Posse Violenta (cfr. a. 1260.º)
A posse é pacífica se foi adquirida sem violência. Há violência, de acordo com o n.º2 do a.1261.º,
quando a posse é obtida com coacção física ou moral
Não pode deixar de se fazer um reparo, à técnica infeliz e inadequada utilizada neste artigo, dado
que a expressão coacção física a propósito do negócio jurídico não se aplica neste âmbito.
Pretendeu o legislador referir que a violência tanto pode ser sobre as pessoas como sobre as
coisas. Só assim se compreende que o legislador apenas remeta para a noção de coacção moral
constante do a. 255.º e, não para o a. 246.º.
Refira-se que a posse violenta não serve para adquirir, isto é, não serve para a usucapião,
enquanto não se tornar pacífica (cfr. a. 1297.º)
A posse violenta é violenta enquanto se mantiver a coacção, mas passa a pacífica quando ela
cessa com relevantes consequências, nomeadamente quanto à contagem do prazo de usucapião.
Porém, a posse considerar-se-á sempre de má fé por força do a. 1260.º n.º3.
d) Posse Pública ou Posse Oculta
Tanto a posse oculta como a posse violenta não tem qualquer relevância, sendo necessário que
ela seja pública.
O a. 1262.º atende ao modo por que a posse é exercida.
Pode, porém, a posse constituir-se ocultamente, como decorre de regime do esbulho (cfr. aa.
1282.º a 1297.º) com relevantes consequências no seu regime, nomeadamente, quanto à
contagem do tempo de posse, para efeito de registo de mera posse (cfr. a. 1295.º) e de
usucapião (cfr. a. 1297.º e 1300.º n.º1).
Não significa isto, que a posse oculta não seja posse, existindo apenas inconvenientes, conforme
acima indicado.
Os efeitos negativos do carácter oculto da posse são próximos dos da posse violenta, sendo
nomeadamente fixados os mesmos artigos. Repita-se, que a posse oculta não se presume de má
fé.
Para que a posse seja pública é necessário que ela seja exercida de modo a poder ser conhecida
dos interessados. Não é necessário o conhecimento efectivo do exercício da posse, por aqueles a
quem possa interessar, bastando a possibilidade, de dele se aperceberem, aqueles a quem a
posse afectar.
Assim, se o exercício for tal que, uma pessoa de diligência normal, colocado na situação do titular
do direito daquele, se teria apercebido, a posse considera-se pública.
1.12. Exercício e Conservação da Posse
A posse pode ser exercida directamente (posse imediata) ou, por intermédio de outrem (posse
mediata).
Na posse mediata existe uma dissociação no plano subjectivo entre o animus e o corpus. O
animus encontra-se no possuidor mediato enquanto que o corpus encontra-se no possuidor
imediato. Este possuidor não é mais do que o possuidor precário.
Esta é uma situação simultânea de uma posse imediata e outra mediata sobre a mesma coisa
(cfr. a. 1252.º). Nestes casos, concebe-se uma posse sem apreensão material, recorrendo-se ao
conceito de espiritualização do corpus, ou seja, o possuidor mediato tem o corpus, mas este,
encontra-se espiritualizado, ou então, entender-se-á, que o corpus se encontra representado pelo
título que justifica a detenção do possuidor imediato.
Esta situação de posse, por intermédio de outrem, pode dar origem a conflitos, sobretudo quando
o possuidor mediato não conseguir provar a sua posse e justificar a detenção do possuidor
imediato.
Neste caso não estamos perante uma situação de inversão do título da posse, mas antes perante
uma situação, em que o detentor, nega perante o possuidor mediato ter sido alguma vez
detentor, alegando que foi sempre possuidor.
Nestes casos de conflito, quando o possuidor não consegue provar a sua posse aplica-se o n.º2 do
a. 1252.º.
A posse conserva-se pelo seu exercício, não sendo necessário que a mesma seja exercida através
de uma actuação contínua.
A partir do momento, em que se adquire a posse, esta conserva-se, ainda que, o corpus não se
manifeste claramente (cfr. a. 1257.º n.º1), se bem que seja necessário, que persista a
possibilidade de continuar a actuação correspondente ao exercício do direito.
Nestes termos, o possuidor só terá que provar ter tido início a sua posse, presumindo-se que, uma
vez adquirida, a posse persistiu até ao momento actual (cfr. aa. 1257.º n.º2 e 1254.º n.º1).
1.13. Perda da Posse
A perda da posse verifica-se:
1. por abandono, ex: a. 1318.º;
2. pela perda ou destruição material da coisa ou, porque esta foi colocada fora do comércio
(cfr. a. 202.º);
3. pela cedência, (sempre que há transmissão) – cfr. aa. 1267.º, al. c) e 1263.º, al. b).
4. pela posse de outrem, se esta durar mais de um ano.
Relativamente às três primeiras modalidades de perda da posse, não se levantam questões de
maior e, correspondem às formas gerais de perda dos direitos reais.
Já quanto à última modalidade, exige-se uma maior reflexão.
Na base desta modalidade, de perda da posse, encontramos uma situação de esbulho do anterior
possuidor.
Exemplo:
A ________ por esbulho _________B
(Possuidor) (Possuidor)
Pergunta-se: quando é que A perde a posse?
A, só perde a sua posse, decorrido um ano sobre a aquisição de B, ou seja, a posse de B. só se
concretiza ou, consolida, decorrido um ano sobre a sua aquisição.
Assim, durante um ano, coexistem duas posses divergentes, conflituantes e incompatíveis sobre o
mesmo objecto.
A razão de ser desta situação, fica a dever-se, ao facto de, caso A perdesse automaticamente a
posse com a aquisição de B, ficaria sem qualquer possibilidade de defesa, o que não faria sentido.
A tem um ano, para lançar mão, dos meios de defesa da posse que estudaremos adiante.
Qual a importância da chamada posse de um ano e um dia?
Em primeiro lugar, a consolidação da situação possessória de um determinado possuidor face a
anteriores possuidores. Decorrido um ano sobre a aquisição da nova posse, extingue-se o direito
de intentar a acção possessória.
Esta consolidação da nova posse tem como consequência a extinção das posses anteriores.
Em segundo lugar, a posse de ano e um dia releva, quando é necessário encontrar entre várias
situações possessórias, qual é a melhor posse (cfr. a. 1278.º n.º1 e 2).
Exemplo:
A __________ esbulho ______ B _____ esbulho ______________ C
(Possuidor) (Possuidor) (Possuidor há menos de 1 ano)
B é para todos os efeitos possuidor e, como tal, pode defender-se do esbulho mas, como B não
tem a posse de um ano e um dia, de acordo com as regras dos n.ºs 2 e 3 do a. 1278.º, C pode
ficar em vantagem, se tiver melhor posse.
1.14. Efeitos da posse. Conteúdo da posse
A posse, enquanto direito real, atribui ao seu titular um conjunto de faculdades que constitui o
seu conteúdo. O Código Civil ocupa-se desta matéria nos aa. 1268.º a 1275.º sob a epígrafe
“efeitos da posse”.
Efeitos da posse:
a) Presunção da titularidade do direito (a. 1268.º)
b) Direitos aos frutos (cfr. a. 1270.º, nº1 e 213.º, n.º1 e 2) e direito a indemnização por
benfeitorias (cfr. aa. 1273.º a 1275.º e 216.º)
c) Usucapião (a. 1287.º).
d) Direito às acções possessórias
a) Presunção da titularidade do direito
Estes efeitos referem-se ao lado activo, dado que no lado passivo, existe a obrigação de
responder pela perda da coisa e de suportar os seus encargos.
De acordo com o a. 1268.º, o possuidor goza de presunção de titularidade do direito.
Mas titularidade de que direito?
Quem possui, possui sempre pela referência ao conteúdo de um determinado direito real. Assim,
se o possuidor actuar por forma correspondente ao exercício de certo direito, considera-se que é
ele o titular desse direito, isto é, se o possuidor agir como proprietário, presume-se ser ele o
titular do direito de propriedade.
Se A, possuidor, age como proprietário e, anos mais tarde, B vem dizer que a coisa lhe pertence,
diremos que A tem a apreensão material da coisa e actua como se fosse o proprietário e não tem
que provar a titularidade do direito (cfr. a. 1268.º, n.º1). B se quiser, que prove o contrário,
ilidindo a presunção do a. 1268.º, n.º1.
Porém, se B tiver a certidão de registo do facto aquisitivo do direito de propriedade gozará
igualmente do direito por força do a. 7.º do Código de Registo Predial.
Existem assim duas presunções ilidíveis, uma fundada na posse e outra, fundada no registo.
Ora, nos termos do a. 1268, n.º1, o legislador vem dar prioridade à presunção fundada em
registo, o que significa que, a vantagem fica agora a favor de quem tiver o registo, no caso, B.
Logo, será A que terá de ilidir a presunção de registo provando o seu direito.
O a. 1268.º, n.º2 trata do caso de concorrência de presunções legais baseadas em registo, e aqui,
funcionam as regras da prioridade de registo fixadas no Código de Registo Predial.
b) Direito de Uso e de Fruição
O possuidor tem direito a usar a coisa, segundo o conteúdo do próprio direito possuído.
O uso da coisa pelo possuidor, enquanto se cinja ao conteúdo do direito possuído, não é
considerado ilícito e, por isso, não terá a obrigação de indemnizar. A faculdade de o possuidor
usar a coisa possuída, não se encontra explicitada pelo legislador, esta decorre da noção legal de
posse e de tutela concedida ao possuidor.
De acordo com o a. 1269.º, conclui-se que o uso é lícito, a contrario. O próprio possuidor de má-fé
só responde, embora sem culpa, pela perda ou deterioração da coisa e, consequentemente, não
responde pelo uso, se dele não decorrerem aquelas consequências.
Relativamente ao possuidor de boa-fé, só tem de indemnizar os danos que lhe forem imputados.
É corrente na doutrina, entender-se que o uso de coisa não constitui o possuidor no dever de
indemnizar.
O direito aos frutos e a indemnização pelas benfeitorias realizadas, só têm relevância quando o
possuidor venha, por alguma razão, a ter que entregar a coisa, objecto da sua posse.
Direito aos frutos quando a posse é de boa-fé
A lei reconhece ao possuidor a faculdade de fruir a coisa. Nesta matéria, só releva a modalidade
de posse, quanto à boa-fé.
Se a posse foi adquirida de boa-fé, mas se o possuidor vier, mais tarde, a ter conhecimento de
estar a lesar direito alheio, a partir desse momento está de má-fé quanto ao direito de fruição.
O direito de fruição não é reconhecido ao possuidor de má-fé (a. 1271.º). Se a posse for de boa-fé,
domina como princípio geral, o direito de o possuidor adquirir os frutos da coisa, sejam elas
naturais ou civis (a. 1270.º, n.º1).
Quanto aos frutos naturais, há a distinguir os frutos colhidos e os frutos pendentes e, por outro
lado, o ter havido ou não, alienação de frutos, ainda pendentes.
Assim, se os frutos estão já produzidos, mas não colhidos e, caso o possuidor nesta altura, saiba
que lesa o direito de outrem, cessa a sua boa-fé. O direito aos frutos pertence ao titular do direito,
tendo o possuidor direito a ser indemnizado, pelo titular do direito, a todas as despesas feitas pela
sua produção (a. 1270.º, n.º2).
Caso o possuidor de boa-fé, antes da colheita, tiver alienado os frutos como coisa futura, para
além dos interesses deste e do titular do direito, há que analisar os interesses do terceiro
adquirente. Ver o a. 1270.º, nº3  ao adquirente interessa-lhe que a alienação subsista e, é esta
a solução na lei.
Assim, o titular do direito não pode fazer seus os frutos em si mesmos, a titulo sucedâneo, é-lhe
atribuído o direito ao produto de alienação.
Quanto ao possuidor é reconhecido o mesmo direito que lhe cabe quanto aos frutos pendentes
não alienados, isto é, indemnização das despesas de produção com os limites referidos (a. 1270º,
nº2).
Os frutos podem denominar-se pendentes, que são aqueles em que ainda não se fez a sua
separação da coisa (a. 215.º, n.º2 do C. C.); percebidos, aqueles que já se separaram da coisa (aa.
213.º, n.º1 e 215.º, n.º 1 do C. C.); maduros, aqueles que, quando separados, reúnem condições
para sobreviver por si mesmos (a. 214.º do C. C.) e percipiendos, aqueles que podiam ter sido
colhidos e, por uma qualquer razão, não o foram (a. 214.º do C. C.).
Direito à indemnização por benfeitorias (aa. 216º e 1273º do CC)
Estando em causa benfeitorias necessárias, tanto o possuidor de boa-fé, como de má-fé, tem o
direito a ser indemnizado do seu valor (1ª parte do n.º1 do a. 1273.º).
Relativamente, às benfeitorias úteis, o possuidor, tanto de boa –fé como de má-fé, têm direito a
levantá-las, isto é, de as separar da coisa. Porém, o direito ao levantamento cessa, se a separação
não puder ser feita materialmente ou, se implicar danos para a coisa principal.
Se o levantamento implicar detrimento para a coisa, tem o possuidor, em sua substituição, o
direito a ser indemnizado, pelo titular do direito, do valor das benfeitorias, calculado, neste caso,
segundo as regras do enriquecimento sem causa (a. 1273º, nº2 e n.º 1, 2ª parte).
Por fim, e quanto às benfeitorias voluptuárias, só ao possuidor de boa-fé, são reconhecidos
direitos em relação às mesmas e, apenas limitadas ao seu levantamento, desde que esta possa
verificar-se sem o detrimento da coisa principal.
Havendo detrimento, o possuidor não as pode levantar e não tem direito ao seu valor. Portanto,
se o possuidor estiver de má-fé, nenhum direito lhe é reconhecido, nem mesmo o de as levantar.
O exposto está regulado nos n.ºs. 1 e 2 do a. 1275.º.
Se o possuidor for obrigado a indemnizar as deteriorações, porque seja responsável, pode
compensar essa obrigação com a que lhe seja devida para benfeitorias por ele feitas.
Por outro lado, havendo lugar à indemnização, o possuidor de boa-fé goza, nos termos gerais do
a. 754.º, de direito de retenção. Quanto aos encargos (a. 1272º)  estes são repartidos, em
relação ao período a que respeitam, na mesma medida dos direitos do possuidor e do titular do
direito sobre os frutos.
c) Usucapião
A usucapião é o instituto através do qual se adquirem direitos reais de gozo. É pois, uma
capacidade que o possuidor tem de adquirir um direito real de gozo, desde que tenha possuído
por determinado lapso de tempo.
A usucapião tem como requisitos a posse e o decurso do tempo. Não pode adquirir por usucapião
um sujeito que não seja possuidor, isto é, que não tenha adquirido a posse por uma das
modalidades do a. 1263.º do C. C., posse essa, que se mantenha por determinado lapso de
tempo.
Como já foi referido, a posse oculta e a posse violenta não servem para a usucapião (a. 1297.º do
C. C.). Já a posse de má-fé e a posse não titulada servem a usucapião. No entanto, a melhor posse
para a usucapião é a posse titulada e de boa-fé, uma vez que, o título e a boa-fé da posse, são
factores importantes, na medida em que fazem variar o lapso de tempo para adquirir por
usucapião o direito que possuído. Caso a posse fosse menos boa, mais tempo seria preciso para
se verificar a usucapião.
Quanto ao decurso do tempo, ou seja, há quanto tempo se possuí, é elemento necessário para se
adquirir o direito possuído. Este, também varia, conforme se trate de coisas móveis ou imóveis.
Para as coisas móveis, o prazo é de 3 ou 6 anos, em função da boa-fé e do título da posse (cfr. a.
1298.º e 1299.º). Relativamente aos imóveis, o prazo pode ser de 10, 15 ou 20 anos, consoante a
posse seja titulada ou não titulada, de boa-fé ou de má-fé e, ainda, de existir ou não registo de
mera posse (aa. 1294.º, 1295.º e 1296.º)
Justo título e registo
Para aplicação da al.a) do a. 1294.º é necessário que se verifiquem os seguintes requisitos:
- a existência de título de aquisição e
- o registo deste.
Relativamente aos conceitos de título e de boa-fé, veja-se respectivamente os aa. 1259.º; e
1260º.
Registo de mera posse
A mera posse é a posse não apoiada em título  trata-se de um facto sujeito a registo, nos
termos do a. 2º, nº 1, al. e) do C. R. P. Por ex.: A é possuidor há 5 anos, sendo a posse não
titulada, mas pública e pacífica. Nesta situação A pode obter uma sentença que declare que este
possuidor possuí há 5 anos e, que a sua posse é pública e pacífica. Com esta sentença, o
possuidor regista a mera posse, pois é ele que comprova os factos a registar. A finalidade do
registo de mera posse é, no fundo, equiparar a posse não titulada à posse titulada, para efeitos
de usucapião. Podemos afirmar que a sentença e o registo valem como título de posse. A
usucapião é uma modalidade de aquisição originária de direitos reais de gozo.
O art. 1295.º tem a redacção dada pelo D.L. nº 273/2001 de 13 de Outubro e entrou em vigor em
01/01/2002, não se aplicando aos processos pendentes. E é apenas aplicável a bens imóveis,
Como se exerce a usucapião?
Depois de decorrido o prazo necessário, a usucapião não faz adquirir automaticamente o direito
correspondente. O direito possuído só se adquire potestativamente. Decorrido o prazo, o
possuidor adquire a faculdade de vir a adquirir o direito real, faculdade esta que consiste num
direito real de aquisição.
Este direito de aquisição pode ser exercido por duas vias:
 por acção (judicial) e,
 por excepção (em sede de defesa judicial)
O possuidor exerce o seu direito de aquisição por acção se, sabendo que estão preenchidos os
requisitos de usucapião, intenta uma acção de simples apreensão, a fim de ser declarado titular
do direito.
A declaração de aquisição do direito por usucapião faz extinguir direitos incompatíveis com o
direito assim adquirido. Os efeitos de usucapião retroaem-se à data do início da posse (a. 1288.º).
O possuidor defende-se por excepção e exerce o direito de aquisição, também por excepção se,
face a uma acção de reivindicação de um proprietário, o possuidor se defende invocando a
usucapião.
d) Direito às acções possessórias
O possuidor formal pode defender o seu direito através das chamadas acções possessórios, tema
que a seguir se aborda.
1.15. Meios de defesa da posse
A posse pode ser exercida judicialmente ou extrajudicialmente.
Relativamente a esta última, a defesa exerce-se através dos meios legais comuns a todos os
direitos (acção directa, legitima defesa, etc.) O a. 1277.º contempla apenas expressamente como
meio de tutela privada da posse, a acção directa.
Esta matéria relativamente à defesa da posse encontra-se regulada nos aa. 1276.º a 1286.º do C.
C. (via judicial e extrajudicial).
A defesa judicial de posse exerce-se através de uma acção de:
 prevenção (a. 1276.º);
 manutenção (a. 1278.º, n.º 1);
 restituição da posse (a. 1278.º, n.º 1) e,
 embargos de terceiro (a. 1285.º)
 restituição provisória da posse (a. 1285.º)
As acções de prevenção, manutenção e restituição da posse são actualmente acções declarativas
de condenação, que seguem o processo comum, contendo algumas especialidades. Manteve-se
no Código Civil, que não foi totalmente alterado, os artigos 1276.º, 1278.º, 1281.º e 1282.º, a
designação tradicional destas acções.
Foi eliminada da grande reforma processual de 1995, a «posse ou entrega judicial avulsa», antes
regulada nos artigos 1044º a 1055º, agora revogados.
A defesa judicial da posse, pode ser ainda exercida através de meios cautelares. Assim, quando
haja esbulho violento, pode o esbulhado intentar um procedimento cautelar especificado: a
restituição provisória da posse (a. 395.º do C.P.C.). Não havendo violência, o esbulhado poderá
socorrer-se do procedimento cautelar comum (a. 395.º do C.P.C.). Esta via processual está aberta
aos casos de mera perturbação da posse.
a) Acção de prevenção
Esta acção tem pouca relevância prática, porque a posse ainda não foi atingida e, porque é um
meio pouco eficaz. Através desta acção, não fica assegurada a efectiva abstenção de terceiro
uma vez que, de acordo com o a. 1276º, a procedência deste pedido gera apenas a aplicação de
uma multa e indemnização pelos prejuízos causados, não sendo por conseguinte dissuasor de
terceiros que pretenda levar a efeito o seu contento.
Por ex., A odeia B e ameaça-o verbalmente que em breve invadirá a sua casa e a fará sua.
Este meio é activado quando o possuidor tenha «justo receio» de ser esbulhado 3. O pressuposto
de facto desta acção é a ameaça.
A finalidade desta acção, é a de que seja intimado o autor de ameaça, de se abster de fazer
agravo ao exercício da posse, sob pena de multa ou indemnização pelo prejuízo que causar.
Apenas o possuidor tem legitimidade para intentar esta acção (a. 1276.º).
b) Acção de manutenção da posse (a. 1278.º)
Pode recorrer-se a este meio, se houver perturbação da posse, sem que contudo, chegar a haver
esbulho.
A finalidade desta acção é a de manter a posse e a de condenar o réu a não perturbá-la. É
pressuposto desta acção a perturbação, ou seja, qualquer acto material de terceiro que, sem
privar o possuidor da sua posse, afecte o seu normal e pleno
3 De acordo com a doutrina dominante é necessário tratar-se de um receio consistente e não
vago.
exercício, reduzindo o gozo da coisa possuída e, independentemente de lhe causar dano.
Exemplos: A, todos os dias passa com o carro pelo terreno de B, sem o seu consentimento. A
estende a roupa no terraço de B, por ser mais salheiro.
Por vezes, é difícil distinguir um direito de mera perturbação, dos de verdadeiro esbulho. Por força
do a. 661.º, n.º3 do C.P.C., se o autor recorrer indevidamente à acção de manutenção, quando ao
caso se justificava um pedido de restituição, nem por isso a acção deixará de seguir, podendo o
tribunal decretar a restituição ou vice-versa. Esta possibilidade fica facilitada pelo facto das duas
acções seguirem os mesmos tramites processuais.
O pedido na acção de manutenção é o da condenação do perturbador, no reconhecimento da
posse do autor e, na cessação dos actos que a perturbem.
Nos termos do a.1281.º, n.º1, têm legitimidade para intentar a acção, o possuidor perturbado e os
seus herdeiros. Quanto à legitimidade passiva, a lei limita-a ao próprio perturbador, não
estendendo aos seus herdeiros, que porém, respondem com a herança, pela indemnização, a que
o possuidor perturbado tenha direito (a. 1281.º, nº1.º).
A acção de indemnização não pode ser intentada a todo o tempo, pois caduca no prazo de um
ano, a contar do acto de perturbação, se esta for pública.
Se tiver sido praticada de forma oculta, o prazo só começa a contar, quando o perturbado dela
tenha conhecimento (a. 1282.º). O tempo enquanto existiu a perturbação não prejudica a
contagem do tempo da posse, pois tudo se passa como se não tivesse havido perturbação (a.
1283.º).
Tem ainda o perturbado direito a ser indemnizado de todos os danos que a perturbação lhe tenha
causado (a. 1284.º, n.º1). É importante notar que o possuidor só poderá manter a sua posse
contra quem não tiver melhor posse (a. 1278.º, n.º1 e 3).
c) Acção de restituição (a. 1279º)
A ofensa à posse pode não se limitar a meros actos turbativos e assumir contornos mais graves.
Esta acção está reservada para os casos em que tenha havido esbulho, independentemente de
este ser violento ou não (a. 1279.º).
Se o esbulho foi violento, o possuidor pode, com dependência da acção principal de restituição,
intentar providência cautelar com vista à restituição provisória, sem audição prévia do esbulhador
(a. 1279.º).
Têm legitimidade para intentar a acção, o possuidor e os seus herdeiros. A legitimidade passiva
do réu esbulhador, nesta acção, estará assegurada ainda que nela figurem os seus herdeiros ou
um terceiro (para quem o esbulhador tenha transferido a posse) que esteja na posse da coisa
esbulhada e, tenha conhecimento desse esbulho (ou seja, um terceiro de má-fé, cfr. a.1281.º,
n.º2).
Quanto ao prazo para intentar a referida acção, é de um ano a contar do esbulho público ou, do
conhecimento deste, quando tenha sido oculto (cfr. a. 1282.º e a. 1267.º, al. d)).
d) Embargos de terceiro
Os embargos de terceiro, actualmente, integram-se processualmente na «intervenção de
terceiros», como incidente da instância, constando o seu regime nos aa. 351.º a 359.º do Código
de Processo Civil. Constituem um meio especial de restituição da posse, em reacção contra actos
judiciais de apreensão de bens (coisas). Este meio funciona também, preventivamente, uma vez
que, nos termos do a. 359.º do C.P.C. se admite que, o possuidor possa recorrer a ele
relativamente a diligências de apreensão já ordenadas, mas ainda não realizadas.
O a. 1285º tem a redacção dada pelo D.L. nº 38/2003 de 8 de Março.
e) Acções de restituição provisória da posse
O possuidor pode socorrer-se do instituto da restituição provisória da posse, quando tenha havido
esbulho violento da sua posse (cfr. aa. 1279.º e 393.º do C.P.C.).
Este meio tem em vista a reconstituição da situação anterior à verificação do esbulho, enquanto
não se decide a título definitivo, a quem a posse deve ser atribuída. É pois uma medida de
natureza cautelar. A decisão proferida é meramente preliminar, cujo regime é justificado pelo
carácter violento do esbulho.
Esta providência fica dependente de ser intentada, posteriormente, a acção principal (de
restituição da posse) pelo esbulhado, nos termos do a. 383.º. Assim, cabe ao esbulhado alegar
factos que qualifiquem os correspondentes requisitos de procedência, a saber: a posse anterior, o
esbulho e a violência (a. 393.º). O ónus da prova desses factos recaí, nos termos gerais sobre o
esbulhado. Feita a prova dos requisitos acima indicados, o juiz deverá condenar na restituição
provisória, sem necessidade de audiência prévia do esbulhador (a. 1279.º e a. 394.º do C.P.C.),
manifestando-se assim, uma das particularidades mais importantes deste meio processual de
defesa, ao ser afastado um dos princípios fundamentais do processo civil, o do contraditório.
2. DIREITO DE PROPRIEDADE
2. 1. Noção legal
O nosso Código Civil não fornece uma definição de direito de propriedade, porém o a. 1305.º
enumera alguns poderes que integram o conteúdo do direito de propriedade. Refira-se que o
direito de propriedade não se esgota nos poderes enumerados no a. 1305.º do C. C., pelo que, se
conclui, que tal enumeração é meramente exemplificativa.
O direito de propriedade, permite todos os poderes susceptíveis de se referirem a uma coisa,
incluindo o poder de destrui-la, desde que, não colidam com os limites impostos pela lei,
limitações essas que podem ser de direito público ou de direito privado.
Entre as restrições de direito público refira-se desde logo, a possibilidade de expropriação para
utilidade pública (a. 1308º) mas, existem também limitações ao direito de construir por motivos
ambientais, de higiene, estéticos, etc.
As restrições de direito privado são as que resultam das relações de vizinhança. A generalidade
destas restrições, encontram-se previstas e reguladas, no capítulo relativo à propriedade de
imóveis, que estudaremos mais adiante.
2. 2. Conteúdo do direito de propriedade
De acordo com o a. 1305.º, o proprietário tem poderes de usar, fruir e dispor, de modo pleno e
exclusivo. Isto não significa que, o direito de propriedade seja o único direito real, em cujo
conteúdo se incluam tais poderes, de modo geral, todos os direitos reais de gozo permitem «usar
e fruir» dentro dos limites fixados na lei para cada um deles, ou seja, qualquer direito real de gozo
implica os poderes de usar e fruir, porém a amplitude destes poderes é definido por cada um
deles de acordo com o especificado pela lei.
No que diz respeito à propriedade, os poderes de usar e fruir são plenos, no sentido de que,
permitem ao seu titular, retirar do objecto de que é proprietário, tudo aquilo que ele é susceptível
de dar.
Além dos poderes de usar e fruir, o titular do direito de propriedade tem o poder de disposição,
que compreende quer o poder de praticar actos jurídicos de alienação ou oneração da coisa, quer
o de realizar actos materiais de transformação, incluindo o de poder destruir o objecto do seu
direito.
2. 3. Características do direito de propriedade
As características que foram estudadas a propósito de todos os direitos reais aplicam-se
plenamente ao direito de propriedade. Além destas, o a. 1305.º, refere duas outras características
essenciais do direito de propriedade: plenitude ou absolutidade e exclusividade.
A plenitude é a possibilidade de aproveitamento, que o direito de propriedade permite, tendo
apenas como limite as previsões normativas de restrição e limitações. Este poder de
aproveitamento, tanto significa aproveitamento material como jurídico.
Quanto às restrições e limitações do direito de propriedade, refira-se que, muitas delas, constam
de legislação avulsa e, não apenas do Código Civil.
Além das restrições e limitações impostas pela lei, que são as mais comuns, o direito de
propriedade também sofre restrições e limitações resultantes de cláusulas gerais, como é o caso,
p. ex. do abuso de direito.
A exclusividade  como já foi referido , os direitos reais pressupõem a existência do direito de
propriedade, ocupando este uma posição sempre oposta à do titular de outro direito, que sofre a
concorrência do direito de propriedade. Ora o direito de propriedade, por existir, não tem de
concorrer com nenhum outro e neste sentido o direito de propriedade é exclusivo.
2. 4. Objecto do direito de propriedade
O objecto do direito de propriedade encontra-se regulado nos aa. 1302º e 1303º do C.C., ou seja,
serão as coisas corpóreas e incorpóreas. Quanto à noção de coisa, cfr. a. 202.º e ss. do C.C.
2. 5. Modalidades de propriedade
O Código Civil contempla o regime da propriedade (a. 1302.º e ss); da propriedade de imóveis
rústicos e urbanos (a. 1344.º e ss); da propriedade das águas (a. 1385.º e ss); da compropriedade
(1403.º e ss) e da propriedade horizontal (a. 1414.º e ss). Outras modalidades de propriedade,
como a propriedade agrária, a propriedade de navios e, outras, encontram-se reguladas noutros
ramos do direito.
2. 6. Modos de aquisição do direito de propriedade
O a. 1316.º enuncia os modos de aquisição do direito de propriedade e, onde se distinguem, os
modos de aquisição genéricos, ou seja, os modos de aquisição comuns a todos os direitos reais,
como p. ex., o contrato translativo, a sucessão por morte e a usucapião, dos modos de aquisição
específicos, ou seja, os modos de aquisição próprios do direito de propriedade, como seja a
ocupação e a acessão. Veja-se, ainda, os aa. 1345.º e 1370.º do CC, onde se encontram outros
modos de aquisição da propriedade.
a) Ocupação
A ocupação dá-se pela apreensão material de coisas móveis sem dono, isto é, consiste na
apropriação ou, tomada de posse, de uma coisa móvel, sobre a qual não recaiam quaisquer
direitos. O a. 1318.º do C.C. não nos dá uma noção de ocupação, limitando-se a enumerar as
coisas susceptíveis de ocupação.
Desta forma podemos enumerar: a res nullius, coisas que nunca tiveram dono, dando direito à
aquisição imediata do direito de propriedade; as coisas abandonadas, que consiste na extinção do
direito de propriedade, por uma declaração de vontade, do seu anterior proprietário (res
perelictae); as coisas perdidas (sem intenção de desprendimento) ou escondidas pelo anterior
proprietário (tesouros enterrados), que não são propriamente uma res nullius, na medida em que,
o direito de propriedade sobre elas, não se extingue; os animais (cfr. aa.1319.º e 1322.º).
A formulação do a. 1318.º merece uma crítica, uma vez que estende a ocupação às coisas
perdidas ou escondidas pelos seus donos. Nos casos referidos nos aa. 1314.º a 1322.º, estamos
perante uma situação de verdadeira ocupação, o mesmo não sucede quanto ao achamento de
coisas perdidas (a. 1323.º) ou de tesouros (a. 1324.º).
A aquisição da propriedade sobre coisas e animais que nunca tiveram dono ou que foram
abandonadas, opera-se no próprio momento da ocupação, sem haver necessidade de se invocar o
reconhecimento desse direito.
Porém, quanto às coisas móveis perdidas, escondidas ou enterradas, o momento do achamento
destas coisas não origina imediatamente a aquisição do direito de propriedade.
Fora do instituto da ocupação, estão as coisas imóveis como resulta do a. 1318.º, em conjugação
com o a. 1345.º.
A ocupação para existir é necessário reunir três elementos: o elemento pessoal (ocupante), o
elemento real (a coisa) e, por fim, o elemento formal (tomada de posse ou apropriação).
O elemento pessoal: o ocupante só tem que ter capacidade de gozo para ocupar validamente,
não se exige a capacidade de exercício, pelo que, as crianças e os dementes podem ocupar. A
ocupação consiste num simples acto formal, bastando a vontade de ocupar. A ocupação pode
realizar-se através de representante legal ou, por órgão de pessoa colectiva, aplicando-se, por
analogia, o a. 1252.º, n.º 2.
O elemento real: é constituído por coisas móveis nullius. As coisas imóveis nunca podem ser
nullius, por força do a. 1345.º, que afirma que estas são património do Estado.
Assim, só podem ser ocupadas coisas abandonadas, perdidas ou escondidas, que nunca tiveram
dono. Essas coisas têm forçosamente que ser coisas no comércio, já que as coisas fora do
comércio, não são reguladas no Direito Privado (cfr. a.202.º).
O elemento formal: é a própria tomada de posse com a intenção de «querer para si a coisa». O
momento da aquisição é o momento a que se refere o a. 1317.º, al. d), isto é, o momento que, no
caso da ocupação, é o momento de tomada de posse (cfr. aa. 1319.º a 1324.º).
b) Acessão
A acessão dá-se quando a coisa que é propriedade de alguém, se una e incorpora outra coisa, que
não lhe pertencia (cfr. a. 1325.º).
Existem duas espécies de acessão, a acessão natural que, consiste em atribuir ao dono de uma
coisa (p. ex. um prédio), tudo quanto, por acção de forças naturais, a ela acrescer (a. 1326.º). A
união ou incorporação de uma coisa noutra coisa, pertencente a outrem, é feita unicamente pelas
forças da natureza.
Ainda, como acessão natural, distingui-se a acessão por aluvião (a. 1328.º) e por avulsão (a.
1329.º). A diferença entre estas duas formas de acessão reside no facto de na acessão por
aluvião, a união ou incorporação, é feita de modo lento e imperceptível, enquanto que na acessão
por avulsão é feita de modo violento e brusco.
A aluvião é uma aquisição que se opera imediatamente e automaticamente, independentemente
da vontade do adquirente. A avulsão é uma aquisição diferida, embora automática.
O proprietário da coisa que, por alvulsão, for levada para prédio alheio, tem um prazo (legal) para
as recolher, caso o não faça, perderá a favor do dono do prédio, onde a coisa se depositou.
Os aa. 1330.º e 1331.º do C.C. referem-se, também, a outras duas espécies de acessão natural,
que é a mudança de leito e a formação de ilhas ou mouchões (terreno arborizado nas Lezírias ou,
ilhota que se forma no meio de um rio ou à beira do mar). Entende a maioria da doutrina, estas
não serem, verdadeiras formas de acessão natural, uma vez que não se verifica qualquer união
ou incorporação, característica essencial da acessão.
A acessão natural é sempre imobiliária, uma vez que se verifica a incorporação ou união de coisas
móveis a coisas imóveis.
Já a acessão industrial poderá ser mobiliária ou imobiliária, consoante a natureza das coisas que
se unem ou incorporam. A acessão industrial pode, por vezes, confundir-se com a figura jurídica
de benfeitorias.
Porém, estas situações são distintas, dado que se alguém constrói, com materiais seus uma obra,
num terreno pertencente a outrem, e que o construtor não detém com base num direito real ou
pessoal (por usufruto, arrendamento, etc.), estamos perante uma situação de acessão. Caso
houvesse poderes e autorização do dono do terreno para o construtor fazer a obra, então
estaríamos perante um caso de benfeitorias.
A acessão industrial pode ser mobiliária (união ou incorporação de coisa móvel a coisa móvel) e
imobiliária (união ou incorporação de coisa imóvel a coisa imóvel)
Na acessão industrial mobiliária distinguimos dois institutos: a união ou a confusão; e a
especificação. Apesar da lei (a. 1333.º e o a. 1334.º) tratar a confusão ou a união como
sinónimos, estes distinguem-se.
Na união, as coisas podem ser separadas não perdem a sua identidade; na confusão, a união das
coisas é de tal forma íntima, que a sua separação é impossível ou, se possível, causadora de
prejuízos às partes, titulares das coisas confundidas. Apesar desta diferença, a lei trata ambas as
realidades de igual forma, e, a determinação de quem fica com a coisa, o valor atribuído à coisa e
quem tem de indemnizar quem, quando não é possível a separação, é obtida pela boa-fé ou má-
fé do autor da acessão e, não por as coisas, objecto da acessão estarem unidas ou ligadas.
Análise do artigo 1333.º, n.º 1 a 3:
Estando o titular (ou dono) da coisa incorporante de boa-fé, o critério da acessão industrial é o do
maior valor das coisas unidas ou confundidas. Quem for dono da mais valiosa, faz seu o objecto
adjunto, e indemniza o dono da coisa com valor inferior ou, entrega-lhe coisa equivalente.
Haverá licitação, se as partes não acordarem quem fica com as coisas unidas ou incorporadas
pela acessão, adjudicando-se àquele que maior valor der por elas. A licitação é só aberta entre os
donos das coisas. Caso não queiram licitar, procede-se à venda da coisa, sendo o produto da
venda, dividido pelos donos das coisas unidas na proporção do valor destas.
Artigo 1334.º:
Se o adjuntor ou incorporante estiver de má-fé e, a coisa alheia puder ser separada, esta será
restituída ao seu dono e, este indemnizado com os danos que sofreu com a acessão. Se a coisa
não puder ser separada, o autor da união ou confusão, deve restituir o valor da coisa e,
indemnizar o seu dono. Mas, a lei dá também oportunidade ao dono da coisa incorporada, de
este, ficar com as duas e pagar ao dono adjuntor ou, da coisa incorporante, o valor que for
calculado pelas regras do enriquecimento sem causa.
A boa-fé ou a má-fé, do autor da união ou confusão, deve ser avaliada segundo os critérios do a.
1260.º, n.º 1.
Artigo 1335.º:
Verifica-se uma situação de confusão ou adjunção casual e de as coisas não se poderem separar.
Neste caso, a coisa fica pertencendo ao dono da mais valiosa, que pagará o justo valor da outra.
Se este não quiser, assiste o mesmo direito ao dono da menos valiosa.
Caso as partes não se usarem deste direito, aplica-se o disposto no n.º 2 deste artigo. Se as
coisas unidas tiverem igual valor, aplica-se o disposto no a. 1333.º, n.º 2 e 3.
Ainda dentro da acessão mobiliária, se estuda a especificação, que é uma forma de acessão, em
que não há união ou confusão das coisas, como vimos atrás, mas existe sempre que alguém, pelo
seu trabalho dá forma diferente à coisa móvel pertencente a outrem (cfr. a.. 1336.º, n.º 1).
Casos de especificação: a escrita, a pintura, o desenho, a fotografia, a impressão, etc (cfr. a.
1338.º).
Na especificação, há uma coisa móvel, pertencente a certa pessoa, em que se incorpora o
trabalho de outra que, transforma essa coisa, criando uma nova, apta a desempenhar uma função
sócio-económica diferente da desempenhada pela coisa original.
Claro que se, a coisa nova for produto do trabalho do próprio dono da coisa original, não estamos
perante uma acessão mobiliária específica. O mesmo se passa, quando alguém transforma uma
coisa pertencente a outrem, mas com o acordo deste.
O instituto da especificação também se rege pelas regras da boa-fé e da má-fé, quanto a saber,
quem fica com a coisa transformada e, quais os valores a atribuir à parte que não fica com a
coisa. Para estas questões remetemos o leitor para o disposto nos aa. 1336.º e 1337º.
Acessão imobiliária, é a acessão que diz respeito aos imóveis. Exemplo: A é proprietário de um
terreno e B, edifica aí uma cabana. De quem é a cabana?
Pelas regras gerais, do direito de propriedade, pertence ao dono do solo tudo o que está sobre
ele. E o dono da cabana não tinha direito nenhum? A resposta legal viria com o direito da
superfície, que estudaremos mais à frente, mas que vem permitir uma separação de domínios
entre uma superfície e o que nela se encontre ou implante.
O nosso código regula diferentes espécies de acessão imobiliária:
- obras, sementeiras ou plantações feitas pelo dono do terreno, sendo as sementes e as plantas
de outrem (cfr. a. 1339.º);
- obras feitas com materiais próprios, em terreno alheio (a.1340.º);
- obras feitas em terreno alheio com materiais alheios (a. 1342.º) e,
- parcela de terreno alheio ocupada de boa-fé, por prolongamento de edifício construído em
terreno alheio (a. 1343.º)
Neste último caso, a acessão imobiliária só funcionará com as regras dispostas no a. 1343.º se, a
maior parte da construção, estiver em terreno próprio e, só um prolongamento (parte menor da
construção) se fizer em terreno alheio.
Se, a maior parte da construção, estiver em terreno alheio, aplicam-se as disposições gerais da
acessão imobiliária (cfr. a. 1340.º), sendo necessário determinar o valor do solo e do edifício, na
parte em que ocupa o terreno alheio para determinar a quem ficará a pertencer.
• Modo de actuar da acessão
De acordo com o a. 1317.º, al. d) a aquisição da propriedade por acessão tem lugar no momento
da verificação do respectivo facto, é o mesmo que dizer, que a acessão opera automaticamente,
no sentido de, a aquisição do direito de propriedade, ter lugar ipso facto e, imediatamente,
verificado o correspondente facto.
2. 7. Extinção do direito de propriedade
Parece resultar do regime do direito de propriedade a não regulamentação da extinção deste
direito. Para alguns autores, fica-se a dever ao facto do direito de propriedade não se poder
extinguir.
Porém, não nos podemos esquecer que o direito de propriedade não é perpétuo, mas
tendencialmente perpétuo e, como tal, extingue-se por todas as formas de extinção dos direitos
reais, em geral e em especial pela perda e pela destruição da coisa.
Conforme foi dito, o direito de propriedade não se extingue pelo não uso (cfr. a. 298.º) O não uso
é uma causa de extinção de direitos reais como consequência do seu não exercício prolongado e,
só opera nos casos especialmente regulados na lei.
Assim, ao contrário do que acontece com o direito de superfície (a. 1536.º, n.º 1, al. b) e e); nas
servidões (a. 1569.º, n.º 1, al. b) e, no usufruto (a. 1476.º, n.º 1) não existe nenhuma disposição
que, em geral, submeta o direito de propriedade à extinção pelo não uso.
Resulta assim, que o direito de propriedade é insensível às omissões de exercício da parte do seu
titular, por mais prolongadas que sejam.
Porém, a referência que o a. 298.º faz à propriedade não é totalmente irrelevante, uma vez que,
tal preceito existe no domínio do direito de propriedade das águas (cfr. a. 1397.º).
Relativamente à ideia da extinção do direito de propriedade, por vontade do seu titular, a mesma,
não é isenta de dúvidas.
Existem, autores que entendem que, face à renúncia não se extingue o direito de propriedade
sobre imóveis, uma vez que, tal direito, passa a pertencer à esfera jurídica do Estado (cfr. a.
1345.º).
Esta aquisição do estado, não é uma aquisição originária, nem uma aquisição que dependa da
vontade das partes, é uma aquisição por força da lei e, como tal, opera automaticamente.
2. 8. Meios de defesa do direito de propriedade
O regime estabelecido nos aa. 1311.º a 1314.º para além de admitir o recurso à acção directa,
limita-se a referir alguns aspectos da chamada acção de reivindicação.
a) Acção de reivindicação
Na acção de reivindicação, o titular do direito real pode exigir do possuidor ou, detentor da coisa
sobre a qual, o seu direito incide, o reconhecimento desse direito e a restituição da coisa (cfr. a.
1311.º).
No contexto processual de defesa da propriedade, a acção de reivindicação é a mais importante.
A expressão reivindicação nasce de dois vocábulos latinos: vindicatio e rei (genitivo de res), que
no seu conjunto significam «trazer de volta a coisa». O pressuposto de facto da acção de
reivindicação é o esbulho, isto é, o proprietário só pode intentar esta acção de reivindicação,
quando seja esbulhado (acto pelo qual alguém priva outrém, total ou parcialmente, da posse de
uma coisa, in Ana Prata, Dicionário Jurídico, Coimbra, 31990.), não sendo bastante a perturbação
ou ameaça de esbulho.
Quanto à legitimidade activa, é ao proprietário esbulhado que cabe intentar a acção contra
qualquer possuidor ou detentor da coisa (legitimidade passiva), independentemente da sua boa-
fé ou má-fé.
Esta acção é uma acção de duplo pedido — o proprietário esbulhado, pede ao juiz que, reconheça
o direito de propriedade a seu favor, mediante prova desse mesmo direito (1.ª parte do a.
1311.º).
Uma vez reconhecido o direito de propriedade a favor do requerente, pede-se a condenação do
réu, na entrega da coisa, na sua restituição (2.ª parte do a. 1311.º).
Quando o primeiro pedido (reconhecimento do direito de propriedade) requerido judicialmente é
procedente, não significa forçosamente, que o segundo (restituição da coisa esbulhada), o seja. A
recusa da restituição da coisa, demonstrada a titularidade do direito de propriedade, só pode
justificar-se se, o possuidor ou detentor, for titular de algum direito real ou pessoal sobra a coisa,
oponível ao reivindicante (cfr. a. 1311, n.º 2 do C.C. Casos especiais: aa 754.º; 1323.º, n.º 4 do
C.C. e 929.º do C.P.C.).
É também de referir a dificuldade de prova do direito de propriedade, quando o seu proprietário
não tem uma escritura pública, nem registo, já os romanos chamavam à dificuldade de prova do
direito de propriedade diabolica probatio.
Probatoriamente facilitada é a acção de restituição. É certo que, a acção de restituição serve,
exclusivamente, para defesa da posse.
Aqui, o proprietário esbulhado, alega posse casual da coisa e, não o direito sobre a mesma, sendo
mais fácil ao titular do direito real, a prova da posse do que a prova da titularidade do direito real.
A acção de reivindicação é imprescritível, ou seja, a acção pode ser intentada a todo o tempo,
independentemente do decurso do tempo (a. 1313.º). A imprescritibilidade da acção de
reivindicação é uma consequência lógica da imprescritibilidade do direito de propriedade, v. Pires
de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. III, Coimbra, 21987.
Este regime vale para o direito de propriedade e, tem que ser aplicado em termos hábeis para os
restantes direitos reais, que em alguns casos são temporários.
Distinção entre acção de reivindicação e acção de restituição
A acção de restituição da posse é uma acção possessória, nos termos da qual, o possuidor
esbulhado pode, fazer-se restituir à sua posse. A acção é intentada contra o esbulhador, seus
herdeiros ou, contra quem tiver a posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho. Esta acção
tem que ser intentada no prazo de 1 ano, a contar da data em que se verificou o esbulho ou, do
conhecimento dele (cfr. a. 1282.º). Se o possuidor tiver a posse da coisa há menos de um ano, só
poderá intentar esta acção, contra quem não tiver melhor posse (a. 1278.º, n.º 2 e 3).
A acção de reivindicação, de que dispõe o proprietário ou, o titular de outro direito real, serve
para exigir do possuidor ou detentor da coisa, o reconhecimento do seu direito e a respectiva
restituição da coisa de que foi privado. Esta acção é imprescritível e, pode ser intentada, contra
qualquer possuidor ou detentor.
2.9. Direito de Propriedade em especial: COMPROPRIEDADE
2.9.1. Noção legal
De acordo com o disposto no a. 1403.º existe uma situação de compropriedade ou de propriedade
em comum quando, duas ou mais pessoas detêm simultaneamente o direito de propriedade sobre
a mesma coisa.
A situação jurídica de cada um dos comproprietários é, qualitativamente igual, sendo indiferente
que, o sejam ou não, sob o ponto de vista quantitativo.
A situação de comunhão pode existir relativamente aos vários direitos reais, mas quando surge, a
propósito do direito de propriedade, denomina-se compropriedade.
Na compropriedade, existe apenas, um só direito de propriedade, que tem vários titulares, a que
corresponde as faculdades de aproveitamento e encargos qualitativamente iguais, em proporção
da respectiva quota, podendo assim serem quantitativamente diferentes (cfr. aa. 1403.º e
1405.º).
Apesar de, os direitos dos vários consortes, serem qualitativamente iguais, podem ser
quantitativamente diferentes, como estabelece o a. 1403.º, n.º 2. Ora, embora o aspecto
quantitativo, não interfira com a natureza dos poderes que, cabem a cada um dos
comproprietários, a realidade é que, já interfere em aspectos relevantes do seu exercício.
De acordo com o a. 1405.º, n.º 1, o conjunto de poderes de cada comproprietário,
corresponde aos poderes do proprietário singular, isto sob o ponto de vista qualitativo. Mas, como
na actuação desses poderes, interfere o aspecto quantitativo, os comproprietários só participam
nas vantagens da coisa e só suportam os correspondentes encargos na “proporção das suas
quotas”.
Admite-se, no entanto, a hipótese de um ou mais comproprietários, se eximirem das despesas
decorrentes da conservação da coisa comum, desde que renunciem ao seu direito. (cfr. a. 1411.º,
n.º 1, 2.ª parte e n.º 3).
2.9.2. Natureza jurídica da compropriedade
A tese maioritariamente acolhida pela doutrina portuguesa, entende a compropriedade, como um
conjunto de direitos de propriedade, qualitativamente iguais, sobre a mesma coisa.
De acordo com esta concepção, cada um dos direitos em concurso, incide sobre a coisa comum e
não sobre uma parte especificada da mesma.
2.9.3. Modos de constituição da compropriedade
O modo mais frequente de constituição de compropriedade é o negócio jurídico, a que o a.
1403.º, n.º 2 se refere, sob a designação de “título constitutivo”.
Assim, se A. e B. compram, em conjunto um terreno a C., ou se D., E. e F. herdam em conjunto a
totalidade do bem que H. deixou em testamento, todos os adquirentes se tornam
comproprietários do bem que recebem.
Também a lei pode, em certos casos, operar como fonte directa de constituição da
compropriedade. Assim, p. ex., em caso de achamento de tesouro, a coisa móvel achada, fica a
pertencer ao achador e, ao proprietário da coisa móvel ou imóvel, onde ela estava escondida ou
enterrada, na proporção de metade para cada um (a. 1324.º, n.º 1). Registe-se ainda, os casos
em que, a compropriedade assenta em presunções, legalmente estabelecidas, como ocorre com
paredes ou muros divisórios entre edifícios ou, com muros entre prédios rústicos ou, entre pátios
e quintas de prédios urbanos, tudo nos termos do a. 1371.º.
2.9.4. Regime jurídico da compropriedade
O mais importante do regime jurídico da compropriedade é o modo de exercício deste direito.
Assim, identificam-se três modalidades de poderes exercidos no direito de compropriedade:
 poderes de exercício isolado;
 poderes de exercício maioritário e,
 poderes de exercício unânime.
Poderes de exercício isolado
A lei atribui aos comproprietários legitimidade para exercerem, cada um por si, certas faculdades
que, integram o conteúdo do direito de propriedade. As mais relevantes respeitam, ao uso da
coisa (a. 1406.º), à disposição e oneração da quota (a. 1408.º) e à reivindicação da coisa comum
(a. 1405.º, n.º 2).
Relativamente ao uso da coisa comum, cada um dos comproprietários pode usar a coisa, na sua
totalidade, isto é, os diversos consortes podem, individualmente, usar toda a coisa sem a
presença dos restantes.
Porém, o uso da coisa comum tem que forçosamente respeitar os fins a que a coisa se destina,
sob pena de se considerar ilegal. O comproprietário que utiliza a coisa comum, não pode impedir
o exercício de igual direito pelos restantes comproprietários, sendo que, neste caso, o uso
exclusivo pelo comproprietário de coisa comum, na sua totalidade, confere a este, a qualidade de
mero detentor, relativamente às quotas dos demais comproprietários.

Ressalva-se, no entanto, o caso de ter havido inversão do título, situação em que, a nova posse
decorre de outro facto, apto a produzir a inversão e, não do simples uso de coisa comum (cfr. aa.
1406.º, n.º 2, 1263.º, al. d) e 1265.º).
A lei atribui ainda, a cada um dos comproprietários, legitimidade para alienar a totalidade ou
parte da sua quota na comunhão (a. 1408.º, n.º 1, 1.ª parte).
Na verdade, de acordo com o a. 1408.º, n.º 1 e, o a. 1409.º confirma-o, cada comproprietário não
depende, na prática de tais actos, do consentimento dos demais.

Contudo, se a alienação for feita a terceiro, mediante acto oneroso (compra e venda e dação em
cumprimento), o n.º 1 do a. 1409.º atribui direito de preferência aos restantes comproprietários.
Estamos perante um verdadeiro direito de preferência legal, dotado de eficácia legal, regido pelos
aa. 416.º a 418.º CC.
O direito legal de preferência ocupa o primeiro lugar, no conjunto das preferências legais. Assim,
se o comproprietário pretende, alienar a título oneroso, a sua quota a terceiro, deve dar a
conhecer aos seus consortes, o projecto de alienação e as condições do negócio em causa.
Sublinhe-se mais uma vez, que o direito de preferência limita-se à compra e venda e à dação em
cumprimento da quota.
Caso sejam, dois ou mais comproprietários preferentes, estabelece o a. 1409, n.º 3 que, será
adjudicada a quota alienada a todos eles, na proporção das suas quotas.
Se o direito legal de preferência for violado, tem o preferente, o direito de fazer sua, a quota
alienada, em acção judicial, proposta contra quem seja parte no acto de alienação, no prazo de 6
meses, contados da data em que tomou conhecimento dos elementos essenciais de alienação.
Ainda, o preferente terá que depositar o preço nos 15 dias subsequentes à propositura da acção,
de acordo com a redacção dada pelo D/L n.º 68/96, de 31 de Maio, do a. 1410.º, n.º 1.
Os principais fins que justificam a concessão da preferência são:
- fomentar a propriedade exclusiva e mais pacífica dos bens;
- no caso de não ser possível alcançar a propriedade exclusiva, pelo menos, diminuir o número de
consortes e,
- por fim, impedir o ingresso, na contitularidade do direito, de pessoas estranhas à mesma.
No caso de existir direito de preferência, o obrigado deve notificar o preferente, para este,
querendo, exercer o ser direito (a. 416.º).
Após receber a notificação, o preferente, pode assumir uma de três atitudes:

- declarar que não pretende exercer o seu direito;


- nada declarar no prazo que tem para o efeito, deixando caducar o seu direito ou,
- declarar que pretende preferir.
Note-se que a notificação ao preferente deve conter todos os elementos essenciais ao contrato a
realizar (preço, condições de pagamento, etc.).
Nenhum comproprietário pode renunciar antecipadamente ao seu direito de preferência, uma vez
que tal equivaleria a modificar o regime legal da compropriedade.
Poderes de exercício maioritário
Verifica-se quanto à gestão ou administração da coisa comum (cfr. a. 1407.º). Entende-se por
administração, os actos de fruição de coisa comum, da sua conservação ou beneficiação e ainda,
actos de alienação de frutos. Os actos acima mencionados, dependem primeiramente de,
convenção dos comproprietários nesta matéria, podendo estabelecer-se regras específicas, para a
administração da coisa comum. Não havendo acordo entre os comproprietários, a regra é a de
que à administração cabe, por igual, a todos os consortes
.
Conjugando o n.º 1 do a. 1407.º com a norma subsidiária, por ele invocada (a.985.º), resulta
deverem as deliberações ser tomadas por maioria.
Assim a maioria só se forma se, mais de metade dos consortes, votarem no mesmo sentido e,
estes representarem metade do valor total das quotas (a. 985.º, n.º 3 e 4). Não se formando
maioria, cabe ao tribunal resolver, a requerimento de qualquer dos comproprietários se, o acto de
administração, deve ou não ser praticado. Neste caso, o tribunal pode recorrer a juízos de
equidade (cfr. a. 1407.º, n.º 2).
Se algum dos comproprietários, praticar actos de administração, contrários à vontade
representada pela maioria legal, são os mesmos anuláveis, nos termos gerais do direito. Para
além desta invalidade, o n.º 3 do a. 1407.º estabelece responsabilidade pelos danos, decorrentes
da sua prática.
Relativamente ao arrendamento e enquanto acto de administração da coisa comum, o mesmo só
é válido com o consentimento de todos os consortes (a. 1024.º). São assim afastadas, as regras
gerais de deliberação (a. 1407.º), de maioria do capital, isto é, o voto de cada um dos consortes, é
medido em função do valor da sua quota e não em função da maioria numérica.
Poderes de exercício unânime
Como já se referiu, por acordo entre todos os condóminos, podem os consortes exercer todas as
faculdades que integram os seus direitos de propriedade.
São poderes de necessário exercício unânime, os de disposição e de oneração de coisa comum ou
de parte específica dele.
Quanto à validade dos actos de disposição ou de oneração praticados por algum dos consortes,
em violação da norma, contida no n.º 1 (2ª. parte) do a. 1408.º, e no n.º 2 do mesmo artigo,
resulta que, tais actos são havidos como de disposição ou, de oneração de coisa alheia.
Assim, se um comproprietário, sem consentimento dos restantes, alienar parte específica de coisa
comum, ou toda ela, como alheia, estabelece o a. 893.º valer o acto como venda de coisa futura,
com eficácia obrigacional, nos termos do a. 408., n.º 2.
Porém se, o comproprietário proceder à venda, como se de coisa própria se tratasse, prevê a 1.ª
parte do a. 892.º, a nulidade do acto, por falta de legitimidade do alienante.
Esta nulidade é restrita às relações entre as partes, pois no que concerne aos restantes
proprietários, a alienação é ineficaz.
Por fim, refira-se que os actos de administração das partes comuns podem ser ordinários, e estes
são os actos praticados para prover à conservação dos bens e extraordinários, que promovem a
realização de benfeitorias ou melhoramentos no prédio.
2.9.5. Extinção da compropriedade
A compropriedade pode extinguir-se por via negocial, se um dos comproprietários adquirir as
quotas dos restantes comproprietários.
Como forma especial de extinção da compropriedade pode referir-se, a extinção por força da
divisão da coisa comum, nos termos do disposto nos aa. 1412.º e 1413.º
No entanto, o n.º 2 do a. 1412.º permite que os comproprietários realizem um pacto de indivisão
entre si, por um prazo máximo de 5 anos.
Mais se acrescenta, que esta cláusula de indivisão, só obriga terceiros, se for registada (cfr. a.
1412.º, n.º 3). Se, a cláusula não for registada e, antes de prefazer 5 anos, um dos
comproprietários vender a sua quota a terceiro, este adquire-a validamente.
2.10. PROPRIEDADE HORIZONTAL

2.10.1. Noção legal A propriedade horizontal é a propriedade que incide sobre as várias
fracções componentes de um edifício, fracções essas que, constituem unidades independentes,
distintas e isoladas entre si, com saída para uma parte comum do prédio ou, para a via pública
(cfr. a. 1414.º do C.C.).
A propriedade horizontal assenta na existência de um edifício dividido em fracções
autónomas, cada uma delas, exclusiva dos diferentes condóminos e de partes comuns, que
pertencem em compropriedade, a todos os condóminos.
O a. 1421.º indica quais as partes comuns e quais as partes do edifício, que se presumem
comuns.
De acordo com a disposição legal acima indicada, as partes comuns, referidas no n.º1, não o
podem deixar de ser, por vontade das partes, enquanto que as referidas no n.º 2, podem ser
afectadas ao uso exclusivo de algum dos condóminos, desde que por decisão unânime destes.
A afectação de, uma parte comum, ao uso exclusivo de um condómino, pode constar do próprio
título constitutivo (a. 1421.º, n.º 3) ou, pode ser, posteriormente, deliberada por unanimidade dos
condóminos, alterando-se assim, o título constitutivo (a. 1419.º, n.º 1).

A propriedade horizontal caracteriza-se pela propriedade em geral, isto é, a propriedade que cada
condómino tem sobre a sua fracção e, pela compropriedade que, todos os condóminos têm sobre
as partes comuns do prédio. Esta compropriedade dura, enquanto durar a compropriedade
horizontal e é uma propriedade forçada, pois não é possível sair da indivisão.

2.10.2. Modos de constituição e conteúdo do título constitutivo


Como se poderá constituir a propriedade horizontal num edifício?
A sua constituição pode fazer-se, por negócio jurídico, por usucapião ou por decisão judicial.
Por negócio jurídico
É necessário que, seja lavrado um título constitutivo de propriedade horizontal, por escritura
pública que posteriormente é registado. A escritura pública da propriedade horizontal tem,
obrigatoriamente, que especificar e individualizar as fracções autónomas do edifício, com o
respectivo valor, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio (1418.º, n.º
1).
Também consta do título constitutivo, o fim a que as fracções se destinam, apesar de não ser
obrigatório que dele conste. Já atrás verificámos que, a atribuição do uso exclusivo de certas
partes comuns, a um ou mais condóminos, deve constar do título constitutivo.
São documentos necessários para a constituição de um prédio em propriedade horizontal os
seguintes:
- documento emitido pela Câmara Municipal da área em que se situa o prédio, com menção de
que as fracções autónomas satisfazem as exigências legais;
O documento acima indicado pode ser substituído pela exibição do projecto aprovado pela
Câmara Municipal;
- caderneta predial ou certidão de teor da inscrição matricial.
Por usucapião
A propriedade horizontal pode também ser constituída por usucapião, que pressupõe a existência
de uma situação de posse.
Por decisão judicial
Como resulta do a. 1417º. A propriedade horizontal pode ser constituída por várias formas, entre
elas, por decisão judicial proferida em acção de divisão da coisa comum ou, em processo de
inventário, desde que, seja requerida a constituição da propriedade horizontal.
Qualquer consorte pode requerer a constituição da propriedade horizontal desde que se
verifiquem os requisitos do a. 1415º.
Exemplo: A. e B. são co-herdeiros de um prédio, em que cada um deles tem direito a uma quota
ideal do prédio. A., pode intentar uma acção de divisão de coisa comum e requer a constituição
da propriedade horizontal, sendo que a sentença proferida é constitutiva do regime de
propriedade horizontal desse mesmo prédio, tal como é definida no a. 1414º.
Depois de constituída a propriedade horizontal, por qualquer das formas previstas na lei, é
necessário proceder-se ao respectivo averbamento na Repartição de Finanças e Conservatória do
Registo Predial competentes.
2.10.3. Direitos e deveres dos condóminos
a) Direitos dos condóminos
O condómino, é antes de mais, proprietário exclusivo, da fracção que lhe pertence e
comproprietário das partes comuns do edifício, não podendo alienar estes direitos separadamente
pois eles são incindíveis. (cfr. a. 1420.º).
Enquanto proprietário, o condómino tem o direito pleno da propriedade sobre a sua fracção, e
portanto pode usá-la, fruí-la e dispor dela como entender, dentro das limitações próprias,
decorrentes das relações com os outros condóminos (cfr. a. 1420.º e, as constantes do disposto
nos aa. 1346.º e 1349.º e 1406.º, n.º 1).
Assim, pode um condómino alienar a sua fracção ou mesmo a sua garagem ou arrecadação ainda
que separadamente desde que estas últimas constituam fracções autónomas. E pode fazê-lo
ainda que o adquirente seja um terceiro, uma vez que os condóminos não gozam do direito de
preferência na alienação das fracções. Cfr. a. 1423º.º

O condómino pode ainda, usar e fruir das partes comuns do edifício, desde que respeite os limites
referidos no a. 1422.º
b) Deveres ou encargos dos condóminos
Os condóminos estão obrigados (salvo disposição em contrário) a suportar os encargos,
decorrentes das despesas necessárias, à conservação e fruição das partes comuns, bem como, as
despesas necessárias, ao pagamento dos serviços de interesse, como (p. ex. água, luz das
escadas, limpeza, manutenção dos elevadores).
Acrescenta o a. 1424.º, n.º 1 que, estas despesas serão pagas pelos condóminos, na proporção do
valor atribuído às suas fracções, no título constitutivo. E, o n.º 2 da mesma disposição legal
estabelece, a possibilidade do pagamento dos serviços de interesse comum, serem pagos em
partes iguais, pelos condóminos ou, em proporção à respectiva fruição.
As despesas relativas aos lanços de escadas ou, às partes comuns do prédio que, sirvam
exclusivamente alguns dos condóminos, ficam a cargo destes (cfr. a. 1424.º, n.º 3) — o mesmo
espírito legislativo se estende aos condóminos que se sirvam dos elevadores. As despesas,
relativas ao uso destes, são suportadas pelos condóminos, a cujas fracções os elevadores servem
(cfr. a. 1424.º, n.º 4).
Os condóminos não podem renunciar às partes comuns do prédio, com o fim de se desonerarem
destas despesas (a. 1420.º, n.º 2).
Também não gozam de direito de preferência na alienação das suas fracções, nem podem
requerer a divisão das partes comuns.
2.10.4. Administração das partes comuns do edifício
A administração das partes comuns do edifício compete a dois órgãos: à assembleia de
condóminos e ao administrador (a. 1430.º).
A assembleia é um órgão colegial de deliberação que, exprime a vontade dos condóminos, em
reuniões ordinárias ou extraordinárias (aa. 1431.º e 1433.º n.º 2).
Só a assembleia, que se realiza todas as primeiras quinzenas de Janeiro de cada ano, é ordinária;
reunida essencialmente para discutir e aprovar as contas do ano anterior e, eleger novo
administrador (cfr. a. 1431.º, n.º 1 e 1435.º). Todas as outras são extraordinárias.
Os condóminos são convocados pelo administrador que é a entidade que gere e representa o
condomínio, por meio de carta registada, enviada com 10 dias de antecedência, ou mediante
aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que comprovado por recibo de
recepção assinado pelos condóminos. Cfr. a. 1432.º
A convocatória deve indicar o dia, a hora, o local e ainda a ordem de trabalhos da reunião,
devendo fazer ainda menção dos assuntos cujas deliberações só podem aprovados por
unanimidade.
O administrador tem funções executivas, como as que, estão indicadas no a. 1436.º. A
administração de um condomínio pode ser exercida, por um condómino ou, por terceiro (a.
1435.º, n.º 4) e, tem a duração de um ano, renovável. Geralmente o administrador só é pago,
quando a administração é exercida por terceiro. É eleito e exonerado pela assembleia de
condóminos.
Numa assembleia geral de condóminos podem votar:
- qualquer condómino pessoalmente ou por intermédio do seu representante legal ou voluntário;
- os comproprietários;
- o usufrutuário e o nu proprietário, sendo que será admitido a votar aquele que tiver o poder
legal de decidir sobre a matéria em discussão.
a) Como são tomadas as decisões na assembleia?
Em regra, as decisões são tomadas, maioria dos votos representativos do capital investido no
edifício.
Exemplo: se um prédio tiver 10 pisos iguais, cada um dos quais representa 10% do valor total do
prédio, as deliberações da assembleia, serão tomadas validamente, desde que subscritas por seis
ou mais condóminos (cfr. a. 1432.º, n.º 3).
A regra acima enunciada contém excepções das quais se destacam as seguintes:
- há deliberações que são tomadas por unanimidade dos condóminos presentes como é o caso de
se pretender modificar o título constitutivo, cfr. a. 1419.º,
- para deliberar sobre obras que constituem inovações ou melhoramentos para o prédio é
necessária um quorum representativo de 2/3 do valor total do edifício;
Por inovações entende-se as alterações introduzidas na substância ou forma das partes comuns
de um edifício em propriedade horizontal. De entre as obras mais frequentes destacam-se, a
instalação de elevador, o alargamento da porta de entrada, a transformação de uma garagem em
lojas, a instalação de ar condicionado etc.
b) Consequências de se tomarem deliberações sem respeitar a maioria necessária
Uma deliberação ilegal pode ser anulável, nula ou ineficaz.
De acordo com o a. 1433.º, nº1, as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos
anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha
aprovado.
Assim, no prazo de 10 dias contados da deliberação, para os condóminos presentes, ou contados
da sua comunicação para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a
convocação de uma reunião extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das
deliberações inválidas ou ineficazes. Cfr. a. 1433.º, nº2.

A invalidade de uma deliberação não afecta tudo o mais que, então, se tenha deliberado.
De acordo com o a. 1437.º é ao administrador que compete estar em juízo, quer como autor quer
como réu, nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
De acordo com o a. 6º al. e) do C.P.C., o condomínio tem personalidade judiciária, caso se trate de
acção que se insira no âmbito dos poderes do administrador. Assim, para que esteja assegurada a
legitimidade passiva basta intentar a competente acção contra o condomínio, que será, contudo,
citado e notificado na pessoa do seu representante, ou seja, o administrador.
Saliente-se que o título constitutivo da propriedade horizontal ou no regulamento do condomínio
pode conter uma cláusula compromissória, através da qual se defira à decisão de árbitros
eventuais litígios emergentes da relação de condomínio. Cfr. a. 1434.º.
c) Seguro obrigatório
De acordo com o a. 1429º é obrigatório o seguro contra o risco de incêndio do edifício, quer
quanto à fracções autónomas, quer relativamente às partes comuns. O seguro deve ser celebrado
pelos condóminos; o administrador deve, contudo, propor à assembleia o seu montante.
A actualização anual do seguro é obrigatória, competindo à assembleia de condóminos deliberar
sobre o montante de cada actualização.
d) Regulamento do Condomínio
Havendo mais de quatro condóminos, e caso não faça parte do título constitutivo, dever ser
elaborado um regulamento de condomínio disciplinado o uso, a fruição e a conservação das
partes comuns. Dever ser elaborado pela assembleia de condóminos, ou pelo administrador, se
aquela o não tiver elaborado. Cfr. a. 1429-A.º.
3. USUFRUTO
3. 1. Noção legal
De acordo com o disposto no a. 1439.º, o usufruto é o direito de gozar temporariamente e
plenamente uma coisa ou, um direito alheio, sem alterar a sua forma ou, substância.
Nesta noção legal, encontram-se as características essenciais ao usufruto, a saber:
 temporariedade;
 plenitude de gozo;
 obrigação de conservar a substância e a forma da coisa e,
 respeito pelo destino económico da coisa.
Estas características, permitem distinguir o usufruto de outros direitos reais de gozo, como p. ex.
do direito de propriedade.
3. 2. Características do direito de usufruto
A temporariedade (a. 1443.º) limita o usufruto à vida do usufrutuário e, no caso de pessoas
colectivas a 30 anos. Portanto, o usufruto extingue-se, quando o usufrutuário morre, caso seja
uma pessoa singular e, no caso de o usufrutuário ser uma sociedade, este extingue-se, decorridos
30 anos. Também se pode extinguir, caso não seja vitalício, chegado o termo do prazo pelo qual o
direito de usufruto foi conferido (a. 1476.º, n.º 1). Esta característica atribuída por lei ao usufruto
torna-o um direito transitório.
A plenitude de gozo (a. 1446.º), é outra das características do usufruto e que faculta ao titular do
usufruto, um gozo da coisa bastante amplo. Assim, o usufrutuário pode gozar de todas as
utilidades de que a coisa é susceptível de proporcionar. O a. 1446.º dá-nos uma ideia desta
amplitude, definindo os poderes que integram o direito do usufrutuário: “O usufrutuário pode
usar, fruir e administrar a coisa ou o direito (...)”. No entanto, esta norma legal, é supletiva em
relação à existência de um título constitutivo que, fundamente o usufruto.
Mas, esta plenitude de gozo, não é arbitrária, o usufrutuário tem que gozar da coisa, mas,
acrescenta a mesma disposição legal, “(...) como faria um bom pai de família (...)”. É caso para
perguntar: pode o usufrutuário destruir a coisa gozada, como por exemplo o pode fazer o
proprietário?
A resposta é necessariamente negativa, porque o usufrutuário tem que agir diligentemente,
enquanto que o proprietário usa e frui a coisa com total liberdade, podendo até destrui-la.
Também temos que excluir desta plenitude de gozo, o direito de dispor da coisa, mas mesmo
aqui, o usufrutuário pode dispor do seu direito de usufruto, como mais à frente se verá. Por outro
lado, convém não esquecer que o usufruto não é um direito exclusivo, pois pressupõe sempre a
existência de outro direito  a propriedade de raiz.
Antes de continuarmos a análise sobre as características do usufruto, é importante fazer uma
nota quanto, aos direitos e obrigações do usufrutuário, regulados no Código Civil.
O a. 1445.º dispõe que os direitos e obrigações são regulados pelo título constitutivo do usufruto,
e supletivamente se aplicam as regras do Código Civil, se o título constitutivo for insuficiente ou,
não existir. Claro que, não podemos entender que, o título constitutivo possa ir contra a lei. Se
não imaginemos academicamente, uma cláusula inserta no título que determine que o
usufrutuário não pode administrar a coisa. Esta cláusula é nula, não tem eficácia real, porque
retira ao usufruto uma das suas principais características. O mesmo se verificaria se, o título
constitutivo contivesse uma norma que, permitisse ao usufrutuário, o poder de destruir a coisa.
Tratar-se-ia de uma cláusula nula, porque o usufrutuário está obrigado a entregar a coisa ao seu
proprietário, findo o usufruto (a. 1482.º).
Obrigação de conservar a forma e substância da coisa (a. 1439.º). A ela se referem também os
aa. 1446.º; 1468.º; 1475.º; 1482.º.
A doutrina demonstra alguma divergência quanto à essencialidade desta característica, como é o
caso do prof. Menezes Cordeiro que entende que, o usufrutuário pode alterar a forma e
substância da coisa; O contrário é perfilhado pelo Prof. Penha Gonçalves, considerando esta
característica imperativa, ou seja, não pode ser afastada pelas partes no título constitutivo. Mas,
de facto, a lei admite o usufruto de coisas consumíveis e de coisas deterioráveis (aa. 1451.º,
1452.º).
O destino económico da coisa usufruída, é uma característica não essencial, deste instituto, na
medida em que, o usufrutuário pode alterar o destino económico desta, ainda que com
autorização do proprietário de raiz.
3.3 Constituição do direito de usufruto (a. 1440.º)
O usufruto pode, constituir-se, nos termos do disposto do a. 1440.º, por contrato; testamento;
usucapião e, por disposição legal.
O contrato tanto pode ser per translationem, como per deductionem:
O contrato será per translationem, quando o proprietário constituir o direito de usufruto sobre a
coisa a favor de outrem e não transmitir a propriedade a terceiro.
No contrato per deductionem, o proprietário transmite a propriedade, mas conserva para si o
direito de usufruto.
No testamento, o proprietário deixa o usufruto a uma pessoa e a nua propriedade a outra.
Também se pode constituir por usucapião, aplicando-se as regras da aquisição de um direito por
usucapião, tendo como pressuposto a posse da coisa.
A disposição legal é, outra das modalidades, de constituição de usufruto que, melhor se entende,
ilustrada com exemplos. O primeiro exemplo é fornecido pelo a. 1481.º “seguro da coisa
destruída”: B é usufrutuário de um automóvel. Tem um acidente e o carro fica destruído, sem
culpa de B.. B. paga um seguro do automóvel contra todos os riscos. Neste caso, o proprietário
terá direito a uma indemnização, mas é o usufrutuário quem vai recebê-la.
O direito do usufrutuário deixa de ser um direito real, ou seja, um direito sobre a coisa, para
passar a ser um direito sobre um crédito, neste caso, a indemnização que, a seguradora vai pagar
ao proprietário do veículo usufruído. Esta disposição legal cria este novo usufruto, no fundo
transfere-o.
Outro exemplo, é aquele que consta do a. 1482.º sobre o mau uso da coisa usufruída. Caso o
usufrutuário dê um mau uso à coisa usufruída, o proprietário pode exigir que, a coisa lhe seja
entregue, mas tem que pagar ao usufrutuário, anualmente o produto líquido dela. O usufrutuário
não deixa de ser o usufrutuário, mas agora, o seu direito de usufruto é, sobre a prestação, por
força da própria lei.
3. 4 Modalidades de usufruto
O direito de usufruto pode ser singular, quando seja constituído a favor de uma só pessoa; plural,
quando constituído a favor de duas ou mais pessoas.
A lei (a. 1441.º) estabelece como única restrição, a existência dos usufrutuários ao tempo em
que, o direito do primeiro usufrutuário, se torne efectivo. O mesmo é dizer que, os concepturos e
os nascituros não podem ser usufrutuários. O usufruto, a favor de vários titulares, pode ser
constituído a todos ao mesmo tempo, e chamamos a este facto, usufruto simultâneo, ou
sucessivo. A importância desta modalidade de usufruto, quanto os titulares do mesmo, é a de
saber que, consequências daí derivam, quanto à duração do usufruto.
Assim, no usufruto simultâneo, há uma situação de contitularidade. Neste caso, o usufruto
extingue-se com a morte do último usufrutuário (a. 1442.º), se não tiver sido estabelecido um
prazo certo de duração do usufruto. Este regime implica também um direito de acrescer entre os
titulares do usufruto.
No sucessivo, os titulares entram na titularidade do usufruto, segundo a ordem indicada no título
e, após ter cessado o direito do anterior usufrutuário. A extinção, dá-se também, com a morte do
último dos titulares do direito de usufruto, ou da verificação do seu termo.
Quanto ao objecto do usufruto, este reveste duas modalidades: usufruto de coisa e usufruto de
direito. O usufruto recaí sempre num bem alheio, seja uma coisa, seja um direito.
Quanto às coisas, o usufruto pode respeitar a imóveis ou móveis e, em relação a estas, recair em
coisas consumíveis, deterioráveis, fungíveis e universalidades (a. 1451.º e ss.).
Quanto ao direito, o usufruto tanto pode recair em, direitos reais como creditórios (a. 1463.º e
ss.).
A doutrina chama ao usufruto sobre direitos, um usufruto irregular, na medida em que, não se
pode dizer, que o usufruto é um direito real de gozo, quando recaí sobre um direito e não sobre
uma coisa.
3. 5 Poderes e deveres do usufrutuário
Começámos este capítulo, por referir precisamente, os mais importantes poderes do usufrutuário
em relação à coisa fruída: “gozar temporariamente e plenamente uma coisa, ou direito alheio”
(cfr. a. 1439.º).
O usufrutuário, para exercer este poder, necessita exercer um outro, antes deste, que é o de
exigir ao proprietário da coisa que esta lhe seja entregue para ele a poder fruir, ou o direito sobre
o qual incida o direito de usufruto.
O usufrutuário pode também hipotecar, trespassar a outro o seu usufruto; é o que vem disposto
no a. 1444.º, assim como constituir servidões (cfr. a. 1460.º).
Como não há direitos sem deveres, o Código Civil dedicou os artigos 1468.º a 1475.º aos deveres
do usufrutuário, como o dever de inventário; de prestar caução; a consentir a intervenção do
proprietário; reparações; encargos fiscais e defesa dos interesses do proprietário.
Além destes deveres particularizados na lei, o usufrutuário deve ser zeloso para com o seu
usufruto, “agir como um bom pai de família”, conforme resulta do a. 1446.º e, extinto o usufruto,
restituir a coisa usufruída.
3. 6. Trespasse de usufruto (a. 1444.º)
O direito de usufruto só é transmissível inter vivos, como é o caso de, o usufrutuário poder
trespassar a outrem, o seu direito.
Contudo, o trespasse não é uma verdadeira transmissão, na medida em que, o usufrutuário
original, é quem fica responsável perante o proprietário. O adquirente do direito de usufruto é,
apenas uma pessoa que vai substituir o usufrutuário original, no uso e fruição da coisa ou do
direito. Convém, também referir, que o usufruto só se extingue com a morte do primeiro
usufrutuário ou, com a verificação do termo para ele atribuído, no título constitutivo. O
usufrutuário pode também onerar o seu direito de usufruto, hipotecando-o, conforme dispõe o a.
688.º e o a. 699.º.
Tanto o trespasse, como a hipoteca, podem ser poderes de disposição afastados pelas partes, no
título constitutivo, sendo poderes que, pela sua natureza, são atípicos do usufruto.
3. 7. Casos especiais de usufruto
Os casos especiais do usufruto, ganham importância em relação à noção legal que apresentámos
inicialmente sobre este instituto. De facto, aí se diz, que o usufrutuário não pode alterar a forma
ou, a substância da coisa, de que é objecto o seu direito de usufruto, mas como o faz, em relação
ao usufruto de coisas consumíveis, previsto no a. 1451.º, haverá necessariamente, uma alteração
da substância, traduzida na própria destruição da coisa. Aqui quase que nos atreveríamos a dizer
que, o usufrutuário se podia confundir com o proprietário, mas a mesma disposição legal
salvaguarda as devidas diferenças, tanto no seu nº. 1 como, no n.º 2.
O usufruto de universalidades de animais (a. 1462.º) limita, pelas suas características, a fruição
do objecto do usufruto. Se por exemplo, durante a vigência do usufruto, desaparecerem algumas
cabeças de animais, o usufrutuário tem que as substituir com as crias novas, sacrificando o seu
direito pleno de uso e fruição.
Os aa. 1463.º e 1467.º levantam a questão de o usufruto de créditos ter natureza real ou
obrigacional.
3. 8. Extinção do direito de usufruto (a. 1476.º)
Para além dos casos de não uso e, de perda total da coisa usufruída, o usufruto extingue-se por
morte do usufrutuário, caso seja, pessoa singular ou, também, se tiver sido aposto no título
constitutivo, um termo de duração do usufruto ou, no caso de pessoas colectivas, o prazo de 30
anos; por confusão e por renúncia do usufrutuário.
4. DIREITO DE USO E HABITAÇÃO
4. 1. Noção legal
O direito de uso e habitação vem, regulado nos aa. 1484.º a 1490.º do nosso Código Civil, num
capítulo que faz parte integrante, do título do usufruto.
O direito de uso é a “faculdade de se servir de coisa alheia e haver os respectivos frutos (...) “.
Quando este direito de uso, incide sobre casas de morada, denomina-se direito de habitação.
O titular destes direitos chama-se usuário.
Conforme se extrai pela leitura das diversas disposições referentes ao direito de uso e habitação,
este direito real de gozo é muito limitado às necessidades do seu titular ou, da sua família. É
preciso não confundir, a figura do locatário ou, do arrendatário com a do usuário ou, do morador
usuário, pois neste caso não há transmissibilidade do direito inter vivos ou mortis causa (cfr.
aa.1485.º e 1488.º).
4. 2. Modo de aquisição
Nesta matéria, remetemos para o abordado no ponto 3. 3. a propósito do usufruto (cfr. a. 1485.º),
destacando a singularidade deste instituto, não se constituir por usucapião (cfr. a. 1293.º).
4. 3. Âmbito
Como se pode constatar, pela definição legal, estes direitos não são direitos reais de gozo pleno,
pois estão circunscritos às necessidades do seu titular ou da sua família. (Cfr. a. 1484.º e a.
1487.º).
4. 4. Extinção do direito de uso e habitação
Nesta matéria, remetemos para o ponto 3. 8., a propósito do usufruto (cfr. a. 1485.º). Entende-se,
no entanto, com base na definição do a. 1484.º que, não tendo o seu titular ou, a sua família
necessidade de exercer o direito de uso e habitação, este extinguir-se-à, pois a sua finalidade é
servir o seu titular na medida das suas necessidades.
5. DIREITO DE SUPERFÍCIE
5. 1. Noção legal
O direito de superfície é um direito real, que permite ter coisa própria, incorporada em terreno
alheio (cfr. a. 1524.º).
O titular do direito de superfície, diz-se superficiário e, o titular do direito sobre o solo, diz-se
fundeiro.
O direito de superfície vem permitir uma separação de domínios entre, uma superfície e, o que
nela se implante.
Este direito, criado em 1948, pelo Dec.-Lei, n.º 2030, de 23 de Julho, constitui uma excepção
ao princípio romano, segundo o qual: “o proprietário de uma determinada superfície, seria
também, o proprietário, de tudo quanto nela se construísse, tanto em altura, como em largur”.
5. 2. Modalidades do direito de superfície
Como primeira modalidade refera-se, a faculdade de construir ou manter uma obra em terreno
alheio, ou de nele fazer ou manter plantações (cfr. a. 1524.º);
A segunda modalidade, consiste no direito de construir, em terreno do domínio do Estado, um
edifício, ou seja, não qualquer obra, ou plantação, num qualquer terreno alheio (Dec.-Lei, n.º
2030, de 23 de Julho de 1948.)
A terceira modalidade, é um subtipo do direito de superfície previsto no decreto de 1948. É um
caso de direito de superfície sobre terrenos que a administração se apropriou para tarefas de
urbanização (cfr. Dec.-Lei, n.º 794, de 5 de Novembro). Nesta modalidade, pode construir-se em
terreno propriedade do Estado, desde que, sejam obras de urbanização.
O artigo 1526.º prevê uma modalidade de direito de superfície, muito singular, que consiste numa
espécie de hibridez entre o direito de superfície e a propriedade horizontal. Traduz-se na
faculdade de sobreelevar um edifício em terreno alheio, e por isso mesmo, chamado direito de
sobreelevação.
5. 3. Natureza jurídica do direito superfície
A natureza jurídica do direito de superfície, está estritamente ligada ao seu objecto, o que torna o
direito de superfície um direito real complexo, na medida em que, o objecto pode, ao longo da
vida, sofrer alterações.
O estatuto real do superficiário tem duas faces:  a propriedade da área ou da plantação e, as
relações do superficiário com o terreno em, que se acham implantadas.
5. 4. Objecto do direito de superfície (a. 1525.º)
O direito de superfície pode começar por ser um direito de construir ou plantar ou, um direito
sobre a obra ou plantação já existentes. Neste último caso, o objecto do direito superficiário só
pode ser essa obra ou plantação. Tanto assim é, que superficiário é o titular de um direito de
propriedade superficiário sobre a obra ou plantação.
O problema, quanto a saber, qual o objecto do direito superficiário, coloca-se quando o direito de
superfície começa na fase de construção, ou de plantação, ou seja, o direito de superfície começa
por ser um direito de construir, um direito de plantar. Exemplo: A atribui a B o direito de construir
um prédio no seu terreno. Neste caso, qual é o objecto do direito de superficie de A?
Só pode ser o direito de construir. Estamos perante um direito sobre um direito. O objecto do
direito de superfície é o direito de construir ou plantar.
O direito de superfície pode ter várias fases:
 direito de construir;
 direito de manter e,
 direito de reconstruir.
Na fase do direito de construir, o objecto do direito de superfície é outro direito. O a. 1532.º prevê
uma efectiva limitação ao direito de propriedade do fundeiro (titular do direito sobre o solo, que
pode ser o direito de propriedade, ou outro). Segundo esta disposição, o solo pertence ao
proprietário do terreno, que dele pode usar e fruir, mas não plenamente. A partir do momento,
em que se constitua o direito de superfície, como o direito de construir, fica logo limitado o poder
do proprietário do solo.
5. 5. Modos de constituição do direito de superfície
O direito de superfície constitui-se, nos termos do a. 1528.º, por contrato; testamento; usucapião;
da alienação de obra ou árvores já existentes, separadamente da propriedade do solo.
- por contrato, gratuito ou oneroso, o dono do solo confere a outro o direito de construir sobre ele.
- por testamento: o testador pode deixar o seu terreno a um legatário e, o direito de construir
sobre ele, a outro legatário.
- por usucapião: nesta aquisição, importa ter em conta a distinção entre, o direito de construir
sobre prédio alheio e, o direito sobre o prédio construído, separado do solo.
O direito de superfície adquirido por usucapião, com base na posse sobre uma construção já
existente, não oferece dúvidas.
Exemplo: A exerce actos de posse sobre uma casa construída, com o animus de superficiário e,
não de proprietário, porque lhe foi vendida, por acto nulo, a casa separada do solo. Foi constituída
por escritura pública um direito de superfície sobre a casa separada do solo, mas o titulo
constitutivo é nulo. A não adquiriu a superfície, mas a posse. Ao fim de um determinado número
de anos de ter exercido a posse, com o animus de superficiário, adquiriu por usucapião o direito
de superfície.
Mas, se se tratar do direito de construir? Como se possui o direito de construir? Possui-se,
construindo.
Exemplo: A, por acto nulo, por falta de forma, confere o direito de construir a B. Este não adquire
o direito, por falta de forma, mas ao fim de determinado tempo, pode adquiri-lo por usucapião,
porque este acto, é todavia, um título que demostra ter sido transferida a posse desse direito.
- por alienação de obra ou árvores já existentes, separadamente da propriedade do solo.
5. 6. Distinção entre propriedade superficiária e propriedade dominial
A propriedade superficiária não se extingue com a destruição do respectivo objecto, renasce
como direito de reconstruir a obra. A propriedade dominial, extingue-se com a extinção do
respectivo objecto.
5. 7. Direitos e encargos do fundeiro e do superficiário (a. 1530.º e ss.)
O superficiário tem direito a praticar todos os actos necessários à construção ou plantação; à
propriedade superficiária, depois de as obras ou as plantações estarem concluídas; a utilizar a
parte do solo que tenha utilidade para uso da obra; a construir servidões necessárias (a. 1529.º).
O fundeiro tem direito ao subsolo; ao solo que não seja necessário e útil à obra; usar e fruir a
superfície, enquanto a obra não existir, com a restrição do a. 1532.º.
Mais tarde, o fundeiro terá direito de preferência (cfr. 1535.º); direito a ficar com a obra, se o
direito de superficie for constituído com determinado prazo (a. 1538.º); direito ao canon (preço),
que o superficiário terá obrigação de pagar.
5. 8. Canon superficiário
O canon vem regulado no a. 1530.º, sob a epígrafe de «Preço». É um preço que o superficiário e o
dono do solo, podem convencionar, para que aquele pague uma determinada prestação.
O canon será tratado, ao nível das obrigações em geral, exactamente como se se tratasse de um
preço, num contrato de compra e venda.
5. 9. Transmissibilidade do direito de superfície
O direito de superfície é transmissível quer, inter vivos quer, mortis causa, nos termos do a.1534.º
5. 10. Extinção do direito de superfície
Os modos de extinção do direito de superfície, encontram-se regulados nos aa 1536.º e ss.
Destaca-se, o facto de o não uso da propriedade superficiária não extinguir o direito de superfície,
mas o não exercício do direito, conduz à sua extinção.
6. DAS SERVIDÕES (aa. 1543.º a 1575.º)
6. 1. Noção legal
A servidão é um direito real de gozo, cujo conteúdo possibilita o gozo de certas utilidades por um
prédio em benefício de outro. Criada, não para beneficiar uma pessoa, como todos os direitos
reais de gozo, mas para beneficiar um prédio rústico ou urbano.
Quer isto dizer, que as utilidades, cujo gozo a servidão propícia, são gozadas por um prédio —
prédio dominante — por intermédio de outro prédio — prédio serviente.
Por exemplo, a servidão de passagem; de vistas, etc., ilustram bem o instituto jurídico da
servidão, impondo a um prédio um encargo, para outro tirar um benefício. É necessário que haja
um proveito objectivamente ligado a outro prédio.
Não há servidões pessoais, os titulares do prédio dominante podem beneficiar da servidão, mas
não têm o poder de tirar proveito, vantagens ou benefícios, individualmente considerados.
A lei (cfr. a. 1543.º) define a servidão como um encargo imposto num prédio em proveito
exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente.
O legislador optou por definir a servidão pela negativa, ou seja, como um encargo, o que realça a
importância fundamental desta oneração prédio a prédio. Além do encargo ou oneração, é
necessário que os dois prédios pertençam a donos diferentes.
Se pertencerem aos mesmo dono, estamos perante uma serventia.
Refira-se ainda que a servidão é um direito real sobre coisa alheia.
6. 2. Características das servidões
 Inseparabilidade  a servidão, não pode ser separada, nem do prédio serviente (aquele sobre
o qual incide o encargo), nem do prédio dominante (aquele que beneficia do encargo), cfr. a.
1545.º.
 Indivisibilidade  a indivisibilidade actua tanto, em relação ao prédio serviente como, em
relação ao prédio dominante. Se o prédio serviente for dividido, a servidão mantem-se inalterada,
a servidão é suportada por cada uma das parcelas do prédio dividido, na parte que, antes da
divisão, já onerava o prédio. Se a divisão ocorrer, no prédio dominante, a servidão também se
mantém, passando a beneficiar cada um dos titulares de cada fracção.
 Ligação objectiva que resulta do facto de a ligação ser entre prédios e, não entre pessoas  A
subjectividade que existe na servidão é sempre indirecta, ou seja, não são as pessoas as
primeiras beneficiárias.
 Atipicidade do conteúdo da servidão  o conteúdo é atipico, porque pode ser objecto da
servidão, qualquer utilidade (futuras ou eventuais). Fala-se de atipicidade do conteúdo da
servidão, por não estarem tipificadas as faculdades atribuídas ao seu titular no uso de utilidades
do prédio serviente.
 Necessidade de dois prédios de donos diferentes.
 A servidão importa sempre uma obrigação de nada fazer por parte do dono do prédio
serviente. As servidões são todas de não faccere, ou seja, o conteúdo da servidão, não pode
incluir a prática de actos, que tenham em vista preencher as utilidades que a servidão visa
satisfazer.
6. 3. Modos de constituição das servidões
As servidões podem constituir-se por contrato; testamento; usucapião; destinação do pai de
família e decisão judicial (cfr. a.1547.º).
A constituição da servidão por, destinação do pai de família, é aquela que se nos oferece, com
mais singularidade, em relação aos modos de constituição de, outros direitos reais de gozo. Trata-
se de dois prédios ou de duas fracções do mesmo prédio, em que um dos prédios dá passagem ao
outro, com a particularidade de o prédio ser do mesmo dono. O que temos aqui é uma situação
de serventia, que se torna servidão, quando os dois prédios deixarem de pertencer ao mesmo
dono. O documento (p. ex. o contrato de compra e venda de um dos prédios) que vai separar o
domínio comum dos prédios, vai ser também o titulo constitutivo da servidão, onde o «pai de
família» destina a afectação da serventia que se vai tornar servidão.
6. 4. Classificação das servidões
As servidões podem ser:
 legais ou voluntárias.
A servidão legal é aquela que é susceptível de ser imposta coercivamente e, indicadas no Código
Civil, como sendo as servidões de passagem e de águas (cfr. aa. 1550.º, 1556.º e 1557.º e ss).
Isto não quer dizer que, todas as servidões de passagem ou de águas sejam legais, por exemplo,
a servidão de passagem só é legal, quando beneficie um prédio encravado (a. 1550.º, com a
excepção do disposto no a. 1556.º); o mesmo a dizer para a servidão das águas, cfr. a. 1560.º
As servidões voluntárias são aquelas que são constituídas por negócio jurídico ou acto voluntário.
Esta desta distinção, tem consequências importantes, no que diz respeito, à extinção das
servidões. A servidão legal extingue-se por todos os modos de extinção da servidão voluntária (a.
1569.º) e, para além destes, extingue-se pela desnecessidade.
 positivas ou negativas.
A servidão positiva constitui um pati (uma tolerância) para o dono do prédio serviente; enquanto
que, a servidão negativa constitui um non facere, uma abstenção do poder de actuação, por parte
do dono do prédio serviente.
Pode-se também, considerar positivas, as servidões, cujo conteúdo implique a prática de actos
materiais no prédio serviente, como a passagem e as águas; e a servidão negativa, aquela, cujo
conteúdo, não importa a prática de actos no prédio serviente, p. ex. a servidão de vistas.
A distinção destas características, reflecte-se na usucapião, de onde se conclui, que a servidão
negativa não pode constituir-se por aquele.
 aparentes e não aparentes.
As servidões aparentes são as que se revelam, por sinais evidentes (cfr. a. 1548.º), como p. ex. a
servidão de vistas, que se revela mediante, a existência de janela aberta sobre prédio vizinho,
sem as salvaguardas legais; as servidões não aparentes são as que não se revelam, por sinais
visíveis e permanentes.
A servidão não aparente não se pode constituir por usucapião
 activas e passivas.
A servidão é activa, quando vista, do lado do prédio dominante; é negativa, quando vista, do lado
do prédio serviente.
Nos termos do a. 1460.º do C. C., o usufrutuário pode constituir uma servidão activa, enquanto
que, já o não pode fazer, quanto às servidões passivas, porque o usufrutuário não pode assumir
um encargo que ultrapasse a duração do usufruto.
Em suma, o usufruto pode beneficiar de uma servidão activa, ou seja, o prédio, objecto do
usufruto, pode ser prédio dominante, mas não prédio serviente.
6. 5. Exercício das servidões (aa. 1564.º e ss.)
O exercício da servidão está relacionado com o seu conteúdo. Quer isto dizer, que a servidão é
constituída para satisfazer as necessidades do prédio dominante e, acarretar para o prédio
serviente, o mínimo de prejuízo ou encargos.
6. 6. Extinção das servidões
Este capítulo, está regulado nos aa. 1569.º e 1575.º.
As servidões, em geral, extinguem-se pelas causas enumeradas no a. 1569.º, n.º 1. No caso de,
serem servidões legais, e servidões que se constituíram por usucapião, extinguem-se, ainda, por
desnecessidade da mesma (cfr. 1569.º, n.º 2 e 3).
As servidões legais de águas, para gastos domésticos ou, para fins agrícolas extinguem-se, no
caso de, o prédio serviente pretender fazer da água um aproveitamento justificado (cfr. a. 1569.º,
n.º 4).
•Usucapio libertatis identifica uma das causas de extinção das servidões e, quer dizer:
«aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio» (cfr. a. 1569, n.º 1, al. c) e 1574.º). Na
verdade, não se verifica a aquisição de qualquer direito, mas sim a extensão de um direito, com a
consequente expansão do conteúdo de outro direito, antes limitado e, agora, extinto.
Os requisitos da usucapio libertatis são: a oposição do dono do prédio serviente; a inércia do
titular da servidão e, o decurso do tempo (a. 1574.º). Estes três elementos funcionam juntos, ou
seja, não se pode verificar um só dos requisitos, para estarmos perante esta forma de extinção
das servidões, é necessário que se reunam os três requisitos.
Quanto ao prazo, ou seja, o decurso do tempo, aplicam-se subsidiariamente, as regras da
usucapião, em matéria de imóveis.
BIBLIOGRAFIA
Carlos Alberto Mota Pinto – DIREITOS REAIS, (Lições recolhidas por Álvaro Moreira e Carlos
Fraga), Coimbra, Almedina, 1975;
José Oliveira Ascensão – DIREITOS REAIS, 5ª edição, Coimbra Editora, 1993;
António Menezes Cordeiro – DIREITOS REAIS, Lisboa, Lex, 1993;
Penha Gonçalves – DIREITOS REAIS, 2ª edição, Lisboa, 1993;
Luís A. Carvalho Fernandes – LIÇÕES DE DIREITOS REAIS, 3ª edição, Lisboa, Quid Juris?,
2000;
Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª. ed. revista e actualizada,
Lisboa, 1987;
Ana Prata, Dicionário Jurídico, Coimbra, 1990;
Abílio Neto, Código Civil Anotado, Lisboa, 2003.

1 uso consiste no poder de utilizar a própria coisa para a satisfação das necessidades.
Fruição: este termo implica uma ideia de aproveitamento de bens, ou seja, no poder de retirar da
coisa utilidades que periodicamente se desprendem (Ex: frutos naturais ou civis).
2 No que respeita ao objecto do direito de propriedade o C.C., só rege sobre as águas particulares
existindo larga legislação avulsa.
Escrito por Cavaleiro em 18:43:40 | Link permanente | Comments (0) |

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