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Tudo Que Sei É Que Não Sou Marxista
Tudo Que Sei É Que Não Sou Marxista
Pronunciada em 1879, com certeza hoje Marx manteria essa frase, diante de tanto
marxista de gabinete, de estado, de salão, de butique, de cátedra, apaixonados pelo
poder ou filiados à hegemonia, burocráticos, academicistas, tantos marxismos em
compota, patrulhas marxológicas e marxímetros acadêmicos.
Depois de 150 anos de lutas, revoluções e infinitos volumes de teoria e debate, Marx
insiste em fazer-se presente, apesar das ortodoxias. Estou falando de um Marx
minoritário, um Marx das lutas, anticapitalista e antiestado, Marx da transição
comunista, do perspectivismo da história, da luta de classe. Um Marx renovado que
adere tranquilamente à crítica de um marxismo 1) economicista, 2) dicotômico, 3)
utópico, 4) teleológico, 5) estatista, e 6) antropocêntrico.
3) Utópico: nenhuma análise faz sentido apenas como interpretação do mundo, sem um
movimento real de lutas, em que, em primeiro lugar, essa análise possa colaborar para
a transformação do mundo. Marx não fazia hipóteses, mas apostas políticas, mais ou
menos implicadas nos grupos com quem pesquisava táticas e estratégias de ação. Sem
sujeitos que, precária e fragmentariamente, encarnem as premissas das análises e suas
linhas de desdobramento, elas não fazem sentido, se tornam opacas, bizantinas, porque
impotentes, tendem a não passar de paralogismos com pendores estetizantes, para
fruição pessoal mas nenhuma pungência. Marx não esculpia porcelanas teóricas, mas
ferramentas de luta, armas críticas que pudessem ser usadas.
***
Hoje, Marx certamente não se diria marxista, mas não há motivo para nostalgia. Nem
tempo para tornar-se paleomarxista atrás de algum elo perdido do marxismo original,
como fazem alguns que preferem chamar-se “marxianos”. Nunca quis ser puro sangue.
Eu acho que é preciso sujar as mãos e falar marxismo, e disputar marxismo, e defender
e atacar o marxismo. Marxismo de Marx, marxismo insubmisso, marxismo selvagem.
Talvez Marx, que também era contra marxistas, hoje, brincasse que os críticos ao
marxismo descrito acima, muitas vezes com ar superior, debochados, como se falassem
de algo ultrapassado e vulgar; no fundo, esses críticos é que estão agora aderindo, e
assim, insuspeitadamente, um século depois, renovam e reativam a sua força teórica,
através das entrelinhas recalcadas de seus desvirtuadores.