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Direito

Processual

Penal

2008/2009

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Capítulo I
O DIREITO PROCESSUAL PENAL ENQUANTO CIÊNCIA

1. O direito processual penal no âmbito das ciências jurídico-criminais: o problema da realização do direito
através do processo penal;

2. A relação entre direito processual penal e direito processual civil;

3. O direito processual penal como direito público;

4. A conformação jurídico-constitucional do direito processual penal;

5. As finalidades do processo penal;

A. O direito processual penal no âmbito das ciências jurídico-criminais

Quando se fala em direito penal, normalmente, associamos ao direito penal substantivo, mas, numa
acepcao mais ampla, nos estamos a incluir o direito processual penal, isto é, o direito penal é composto por
direito penal substantivo e por direito penal adjectivo. Contudo, nao é muito correcto, nem muito normal,
dizer direito penal adjectivo, porque há uma expressão própria para nos referirmos a este que é direito
processual penal.
Falamos em direito processual penal para nos referirmos ao conjunto de normas juridicas que regulam o
processo através do qual se averigua quem terá cometido a infracção, que tipo de infracção e se deve ser
punido ou absolvido em julgamento, com todas as garantias processuais que isso deve implicar.
Não podemos nem devemos considerar o direito processual penal sem o ter enquadrado no âmbito das
ciências juridico-criminais, sem estabelecer uma relação entre o direito processual penal e outras ciencias
criminais, ou seja, temos de ter sempre presente a ideia da ciência conjunta do direito penal, onde
englobamos, por um lado, a criminologia, por outro, a politica criminal e, finalmente, a dogmatica juridico-
penal. Deste modo, quer se fale em direito penal substantivo, quer se fale em direito processual penal,
adjectivo estamos a inclui-los no âmbito da ciência conjunta do direito penal.
De facto, existem algumas relações entre estas ciencias, pois as soluções que estão positivadas no direito
processual penal não são totalmente indiferentes aos estudos que tem sido feitos e as conclusoes que tem
sido alcancadas pela criminologia, uma vez que esses estudos influenciam as
soluções que vem ser consagradas no direito processual penal. O mesmo acontece com a politica criminal:
quando se esta a pensar em encontrar solucoes do ponto de vista processual, temos em consideracao as
orientacoes da politica criminal nestas materias. E, depois, ganha relevo a própria relação entre o
direito processual penal e o direito penal: há aqui uma relação de reciproca e mutua complementaridade, ou
seja, quer um quer outro se influenciam reciprocamente e se complementam mutuamente. Por exemplo,
algumas solucoes que estao vertidas no Codigo Penal carecem de alguma complementaridade a nivel do
processo penal, isto é, só adquirem alguma realização/concretização quando são viabilizadas através do
direito processual penal. E algumas solucões do Codigo de Processo Penal tem como pressuposto
aquilo que no proprio Codigo Penal esta determinado.
O exemplo mais flagrante desta relacao pode ser encontrado, muito recentemente, atraves do crime de
violencia domestica (antes denominado de crime de maus tratos) que se pode expor do seguinte modo:
Inicialmente o crime de violencia domestica era um crime semi-publico, ou seja, as vitimas tinham de
apresentar uma queixa para que pudesse haver um processo-crime contra o agressor. Isto significa que a
falta de queixa fazia com que o processo nunca chegasse a existir, nao havia a possibilidade de perseguir
criminalmente esse infractor.
Ora, chegou-se a conclusao de que isto era propiciador da existência desta criminalidade. Os infractores
viviam numa certa impunidade porque sabiam que as vitimas (muitas vezes seus conjuges) nao
apresentavam queixa, uma vez que a condicao para que houvesse processo era que houvesse uma
queixa. Portanto, chegou-se a conclusao, atraves dos estudos efectuados pela criminologia, que esta
solucao nao era favoravel.
Havia necessidade de alterar a natureza deste crime e, assim, entendeu-se que uma das formas de
combater o crime (aqui ja estamos a falar numa demanda da politica criminal), era tornar o crime publico,
porque assim qualquer pessoa – por exemplo, um vizinho – podia apresentar queixa e isso fazia e faz com

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que a justica o persiga criminalmente. Por tudo isto e em termos de politica criminal foi aconselhavel que o
crime de violencia domestica se tornasse num crime publico.
Porém, logo se verificou que, havendo processo, muitas vezes, as vitimas nao queriam que os agressores
fossem punidos, nomeadamente com uma pena de prisao, por se tratar do pai dos seus filhos, do seu
esposo, o unico sustento da propria casa, etc. E, portanto, os efeitos negativos que porventura pudessem
decorrer de uma punicao seriam superiores aos beneficios que essa punicao podia trazer para aquela
situacao. Entao houve quem constatasse (e bem!) que o facto de o crime ser publico, sem possibilidade de
haver uma desistencia, talvez nao fosse uma boa solucao. Ao ser publico isso implicava que nao havia
possibilidade de desistencia de queixa e que o crime podia ser perseguido independentemente de queixa.
Era necessario encontrar uma solucao que não colocasse em causa os fins do direito penal substantivo e
que resolvesse este impasse.
A solucao encontrada do lado do direito processual penal foi permitir que se aplicasse o mecanismo da
suspensão provisória do processo a pedido da vitima. Este mecanismo, que é diferente da desistência
de queixa a pedido da vitima, visa permitir que seja aplicado ao arguido um conjunto de injuncoes e
regras de conduta, durante um periodo que vai ate dois anos. Se o arguido respeitar essas regras de
conduta e essas injuncoes, o processo pode vir a ser arquivado. Esta solucao nao choca com os fins do
direito penal e contribui para a solucao do proprio Codigo Penal, complementando-o.
Existem imensos exemplos mas, para perceber esta relacao, o que importa e compreender que existe uma
relacao dentro da ciencia conjunta do direito penal entre a criminologia, a politica criminal e a dogmatica
(aqui incluindo tanto o direito penal substantivo como o direito processual penal) e,
depois, esta relacao de mutua complementaridade entre o direito penal e o direito processual penal. Pode
dizer-se que, apesar de tudo, ambos tem alguma autonomia teleologica, sao independentes, mesmo o
direito processual penal, apesar de se poder assestar uma certa posicao de instrumentalidade em relacao
ao direito penal, pois ele é um instrumento para a aplicacao do direito penal adjectivo. Mesmo assim, ele
existe autonomamente e pode dizer-se que o direito processual penal tem uma certa funcao co-criadora na
resolucao de casos concretos.

A.1. O problema da realização do direito (penal) através do direito processual penal

O direito penal realiza-se quando se decidem casos juridicos concretos atraves de uma decisao judicativa,
uma vez que, antes, temos um conjunto de normas e, tendo um conjunto de normas, nao temos
necessariamente direito, porque essas normas so sao direito e so se realizam quando sao aplicadas na
resolucao do caso. Esta resolucao acontece no processo penal e, assim, este contribui para a realizacao do
proprio direito penal. E, neste processo de realizacao, o proprio direito processual penal contribui com
solucoes autonomas, como sao exemplos o caso da suspensao provisoria do processo, o caso do processo
sumarissimo, o do arquivamento com dispensa de pena, entre outros. Sao exemplos em que o processo
penal oferece uma solucao para o caso sem que esta esteja prevista no tipo legal de crime do Codigo Penal.
Está aqui presente a autonomia teleologica do direito processual penal e, ao mesmo tempo, a sua
contribuicao para a realizacao do direito penal, porque é através do processo que nos conseguimos
solucoes justas para os casos é, atraves da decisao judicativa do caso, que o direito se realiza, se
transforma a partir do conjunto de normas, de uma prescrição normativa, numa concretizacao da prescrição
através da resolução de concretos
casos juridicos. Isto, claro, sem prejuizo para a função instrumental que normalmente o processo penal tem,
através da aplicação dos tipos legais de crime, na resolução desses casos.

B. O direito processual penal e o direito penal

O direito penal é o conjunto das normas jurídicas que ligam a certos comportamentos humanos (os crimes)
determinadas consequências privativas deste ramo de direito (as penas e as medidas de segurança). Neste
sentido, o direito penal é só o direito penal substantivo. O direito penal em sentido amplo ou o “ordenamento
jurídico-penal” abrange, para além do direito penal substantivo, o direito processual penal (adjectivo ou
formal) e o direito de execução de penas e medidas de segurança (ou direito penal executivo).

O direito penal substantivo visa a definição dos pressupostos do crime e das suas formas concretas de
aparecimento, bem como a determinação das consequências ou efeitos que se ligam à verificação de tais
pressupostos, isto é, das penas e das medidas de segurança.

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Ao direito processual penal a regulamentação jurídica do modo de realização prática do poder punitivo
estadual, nomeadamente através da investigação e da valoração judicial do comportamento do acusado do
cometimento de um crime e da eventual aplicação de uma pena ou medida de segurança.

O direito penal, em sentido estrito, exige uma regulamentação complementar para a sua concretização. Esta
será a tarefa do direito processual penal, ramo do direito que disciplina a investigação e esclarecimento do
crime concreto e permite a aplicação da consequência jurídica àquele que realizou um tipo de crime. Esta
regulamentação complementar pode definir-se como a regulamentação jurídica da realização do direito
penal substantivo, através da investigação e valoração do comportamento do acusado da prática de um
facto criminoso.
Assim, podemos dizer que a relação entre o direito penal e o direito processual penal é uma relação de
mútua complementariedade funcional: só através do direito processual penal logra o direito substantivo, ao
aplicar-se aos casos reais da vida a realização ou concretização para que tende.

O processo penal é autónomo relativamente ao direito substantivo. Apesar de haver também uma certa
instrumentalidade funcional mas tal não pode pôr em causa autonomia teleológica por lhe corresponder um
interesse material específico: a realização concreta da própria ordem jurídica.
Concluímos então que o direito penal e o direito processual penal são regulamentações jurídicas
autónomas, justificadas pela diversidade de objectos a que se dirigem.
Formalmente considerado, o direito processual penal surge como o conjunto das noras jurídicas que
orientam e disciplinam o processo penal. A função essencial deste cumpre-se na decisão sobre se, na
realidade, se realizou em concreto um tipo-legal de crime e, em caso afirmativo, na decisão sobre a
consequência jurídica que dali deriva.

Conclusão:
O processo penal visa instrumentalizar, aplicar o direito penal casuisticamente, ou seja, saber quem é o
agente, que crime praticou e como. O processo penal visa , portanto, saber da prática ou não de
determinado crime e, em caso afirmativo, qual a justa punição a aplicar ao sujeito em causa. Vigora aqui um
principio basilar do monopólio estadual do exercício da função jurisdicional, ou seja, só ao Estado compete a
aplicação da justiça, retirando-se às partes a decisão concreta do caso em apreço, remetendo-se para o
Estado, na sua veste de ius imperium, a competência para a regulamentação dos conflitos.
Portanto, o direito penal cumpre-se através do direito processual penal. Este é consequência e pressuposto
(art.2CPP).Há uma necessária intrumentalidade entre os dois mas, apesar disso, não perdem a sua
autonomia própria por prosseguirem interesses e finalidades próprias, distintas pelo seu objecto e regras.
No seio desta relação de instrumentalidade/autonomia está a ciência conjunta do direito penal: direito penal,
criminologia e política criminal.
A política criminal interessa-se com os objectivos a prosseguir na perseguição do crime;
O direito penal concretiza esta solução da política criminal, adaptando-se ao caso concreto e concluindo
pela aplicação da punição mais justa ao agente.
Assim, concluímos que o processo penal é autónomo do processo civil, tendo uma conformação especial
com regras próprias e institutos particulares. Apenas quando falamos de lacunas e atendendo aos princípios
da razão de ser do processo penal, podemos afirmar uma certa subsidiariedade entre o processo civil e o
penal (art.8º e 4º CPP).

C. Direito processual penal e o direito processual civil

Existe uma autonomia entre ambos. O direito processual penal tem especificidades que não são
compatíveis com o processo civil. O processo penal não tem um objecto de partes. Não tem também o ónus
da prova, isto é, ninguém é obrigado a provar sob pena de perder o direito.
Ambos são independentes com regulamentação própria. Só podemos utilizar o processo civil quando existe
uma lacuna no direito processual penal mas, mesmo assim, essa decisão civil tem de ser compatível com os
princípios do CPP, para além de ser subsidiária.

D. Direito processual penal como direito público

Só o Estado tem competência para julgar os processos entre as partes – Princípio do Monopólio do Estado
no exercício do poder jurisdicional. Quando é lesado um bem jurídico, para além do lesado directamente, é
também lesada toda a sociedade. Por isso o direito processual penal é público. A lesão do bem jurídico é do

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interesse de toda a comunidade. O Estado é detentor do ius puniendi e é ele que tem os meios para que o
processo penal decorra.
O Estado intervém no exercício das suas funções, a função jurisdicional, e na perseguição e condenação
dos criminosos. Esta é matéria da comunidade. O direito processual penal tem na sua base o problema
fulcral das relações entre o Estado e a pessoa individual e da posição desta na comunidade.

F. A conformação jurídico-constitucional do direito processual penal

Todo o processo penal é uma concretização do direito constitucional. Há todo um conjunto de princípios e
garantias que estão no CPP e que decorrem da própria Constituição. Daí dizermos que o CPP é o direito
constitucional aplicado. O CPP relaciona-se intrinsecamente com a protecção e concordância prática
entre os indivíduos e os seus direitos, liberdades e garantias sentido na CRP. O DPP é o ramo do direito
que mais afecta os DLG’s dos indivíduos. Acaba por afectar os interesses dos sujeitos em momento prévio à
descoberta da verdade material. É, portanto, necessário encontrar uma concordância prática ente a
perseguição do crime e a protecção dos interesses dos indivíduos.
Só através da CRP e pelos seus princípios se pode recorrer a um processo justo que leve a uma decisão
válida. Por tudo isto se tem dito que o direito processual penal é um direito constitucional aplicado ou
espelho da realidade constitucional ou sintoma do espírito politico-constitucional de um ordenamento
jurídico.
O direito processual penal é porduto de uma longa evolução dirigida à escolha dos meios conducentes à
realização óptima das tarefas próprias da administração da justiça penal e na sua base estão sempre os
alicerces constitucionais do Estado.
Artigos da CRP importantes: arts.20 e ss, art.27 e ss, art32.,;

G. Finalidades do Processo Penal

Será a realização da justiça e a descoberta da verdade material, a protecção perante o Estado dos direito
fundamentais das pessoas e o restabelecimento da paz jurídica posta em causa pelo crime e a consequente
reafirmação da validade da norma violada.

1. A realização da justiça e a descoberta da verdade material

O processo penal não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração
de justiça e de verdade. A descoberta da verdade não deve estar condicionada com a verdade formal, isto
é, com o que as partes oferecem no processo. No processo haverá verdadeira liberdade de investigação. O
juiz tem aqui também uma função de investigação durante o julgamento. A justiça penal é incompatível com
um principio de verdade formal. Não obstante a descoberta da verdade material ser uma finalidade do
processo penal, ela não pode ser admitida a todo o custo. Ela tem de ter sido lograda de modo processual
válido e admissível, com respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se vêem
envolvidas.

2. A protecção dos direitos fundamentais das pessoas

A protecção perante o Estado dos direitos fundamentais das pessoas é também uma das finalidades do
processo penal. Visa-se proteger o interesse da comunidade de que o processo penal decorra segundo as
regras do Estado e Direito. São precisamente estas regras, que se prendem com os direitos fundamentais
das pessoas e que exigem que a decisão final tenha sido lograda de modo processualmente válido, que vão
impedir, em certas situações, a obtenção da verdade material. P.ex. com a proibição da valoração das
provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa à integridade física ou moral das pessoas
(art.126).
No entanto, tudo isto tem vindo a ser relativizado. O Estado de Direito não exige apenas a tutela dos
interesses das pessoas e o reconhecimento dos limites inultrapassáveis dali decorrentes à prossecução do
interesse oficial na perseguição e punição dos criminosos. Ele exige também a protecção das suas
instituições e a viabilização de uma eficaz administração da justiça penal, pretendendo ir ao encontro da

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verdade material. Assim, em certas circunstâncias para que este interesses se concretizem, torna-se
necessário pôr em causa os direitos fundamentais das pessoas.

3. Restabelecimento da paz jurídica

Pretende-se restabelecer a paz jurídica posta em causa pelo crime (ou até pela suspeita da prática do
crime). Este restabelecimento incide tanto no plano do arguido (que nos termos do art32.2CRP, deverá ser
julgado no mais curto prazo possível) como no plano da comunidade jurídica, que reforça a sua fidelidade
aos bens jurídico-penais, apesar do crime. Isto acontece com maior probabilidade e eficácia quanto menor
for o tempo que medeie entre a prática do crime e a realização do processo penal.
Esta finalidade liga-se, em grande parte, aos valores de segurança. Mas também aqui existem limitações. A
paz jurídica pode ser posta em causa, p.ex., com institutos como o recurso de revisão (arts.449º e ss) que
contém na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor de segurança, perturbando de novo a
paz jurídica do arguido como a da própria comunidade. Esta situação ocorre em nome da descoberta da
verdade material.
Em conclusão, pretende-se por termo ao conflito entre o agressor e a sociedade e o lesado. As partes têm
de sentir que a paz jurídica foi restabelecida e para isso o processo tem de ser justo.

4. A concordância prática

Apesar de se reconhecer todas estas finalidades, há uma impossibilidade da sua integral harmonização na
generalidade dos problemas concretos do processo penal. Assim, teremos de operar uma concordância
prática das finalidades em conflito. Isto implica atribuir a cada finalidade a máxima eficácia possível. Há-se
salvar-se, em cada situação, o máximo conteúdo possível, optimizando-se os ganhos e minimizando-se as
perdas axiológicas e funcionais. Com isto não haverá a validação da finalidade preponderante à custa da de
menos hierarquia mas sim uma optimização das finalidades em conflito. Contudo, há situações em que se
torna necessário eleger uma só finalidade por estar em causa a dignidade da pessoa humana. Assim,
quando em qualquer altura da regulamentação processual penal esteja em causa a garantia da dignidade
da pessoa, nenhuma transacção é possível, tendo então de dar prevalência à finalidade do processo penal
que dê total cumprimento àquela garantia constitucional.
As medidas cautelares e de policia, bem como a detenção são um exemplo de matérias onde é patente a
tarefa de concordância prática levada a cabo pelo legislador. Já em relação aos métodos proibitivos de
prova (art.126) pensados a partir da necessária protecção dos direitos fundamentais das pessoas, nenhuma
transacção é possível uma vez que está em causa a protecção da dignidade humana. Daí que as provas
obtidas através de tais métodos não possam ser valoradas ainda que dessa forma contribuíssem para a
descoberta da verdade material.

Capítulo II
A EVOLUÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL PENAL. EM PARTICULAR, A ESTRUTURA DO PROCESSO
PENAL

1. O processo penal acusatório ou de estrutura acusatória;

2. O processo penal inquisitório ou de estrutura inquisitória

3. O processo penal reformado

4. O processo penal de estrutura mista, inquisitória mitigada ou moderada

5. O processo penal de estrutura acusatória integrado por um princípio de investigação e o actual processo
penal português

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1. O processo penal de estrutura inquisitória

Trata-se de uma concepção autoritária do Estado, Estado absolutista que vigorou na generalidade dos
países europeus do séc. XVII e XVIII. O Estado assume, como único juiz do bem-comum, uma posição de
supremacia total e ilimitada sobre o indivíduo. Assim, o processo penal seria dominado, exclusivamente,
pelo interesse do Estado, que não concede ao interesse das pessoas qualquer consideração autónoma e
encontra-se ligado a uma liberdade discricionária do julgador (embora exercida sempre em favor do poder
oficial).
O arguido, por seu turno, é visto, não como sujeito co-actuante no processo mas como um mero “objecto”
de inquisição, não participando no processo activamente. Em nome da soberania do Estado minimiza-se ou
ignora-se os mais elementares direitos do suspeito à sua protecção perante abusos e parcialidade dos
órgãos estaduais. Há, então, uma total supremacia da força estadual perante os destinatários dos seus
comandos.
Ao juiz, burocrata da justiça, sem independência perante o poder político, compete simultaneamente inquirir,
acusar e julgar. A ele pertence o domínio discricionário do processo. Apenas se alcança a verdade formal
que resulta do carácter puramente inquisitório, escrito e secreto de todo o processo, dando origem à perda
real do direito de defesa do arguido. Além disso abre caminho a todos os modos de extorquir ao arguido a
confissão.

2. O processo penal de estrutura acusatória e o processo penal reformado

O Estado liberal conduz a outra estruturação do processo penal. No centro da consideração está agora o
indivíduo autónomo, dotado dos seus direitos naturais originários e inalienáveis. Do que se trata neste
processo penal é de uma oposição de interesses entre o Estado que quer punir os crimes e o indivíduo que
quer afastar de si quaisquer medidas privativas ou restritivas da sua liberdade. A lide para ser justa supõe a
utilização de armas e meios iguais. O indivíduo surge como um verdadeiro “sujeito” do processo com o seu
direito de defesa e com as suas garantias individuais. Deste modo, o direito processual penal torna-se numa
ordenação limitadora do poder do Estado em favor do indivíduo acusado.
Valem praticamente sem limites os princípios do dispositivo, do juiz passivo, da verdade formal, da auto-
responsabilidade probatória das partes e da presunção de total inocência do acusado até à condenação.
Consequências estruturais:
 Ilegitimidade da prisão preventiva e, em geral, de quaisquer meios coercivos contra o arguido;
 Asseguramento a este de um direito de defesa tão amplo como o direito de acusação;
 Estruturação do processo penal como processo de partes;
 Total observância do principio do contraditório;
 Criação de um sistema estrito de legalidade da prova;
 Reconhecimento de uma certa disponibilidade, pelas partes, do objecto do processo;
 Estrita ligação do juiz pela acusação e pela defesa;

3. O processo penal de estrutura mista, inquisitória mitigada ou moderna

Vigorava num Estado autoritário mas em termos diferentes do Estado absolutista do séc.XVII e XVIII. Aqui
acontece outra estruturação do processo penal.
Este reconhecia o princípio da acusação. Esta competiria ao ministério público, enquanto que o julgamento
seria da competência do juiz. Mas, transformando este princípio em princípio da forma acusatória,
conseguia-se que pertencesse ao julgador também a competência para a instrução preparatória e que, uma
vez terminada, o juiz pudesse ordenar ao ministério público que acusasse ou não acusasse. Assim, o MP
não passava de um ordenança do juiz. Ele cumpria a ordem do juiz de acusar, ou seja, quem dizia se devia
ou não acusar era o juiz. Tratava-se de um processo inquisitório camuflado. O juiz está muito subordinado
ao poder político.

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4. O processo penal de estrutura acusatória integrado por um princípio de investigação

Este é o processo próprio do Estado social dos nossos dias e que temos em Portugal.
A estrutura processual que melhor dá cumprimento ao critério da concordância prática, da harmonização
dos interesses em conflito é uma estrutura acusatória integrada pelo princípio da investigação. O princípio
da investigação traduz-se no poder, dever que pertence ao tribunal de esclarecer e instruir autonomamente,
isto é, independentemente das contribuições da acusação e da defesa, o facto sujeito a julgamento, criando
ele própria as bases necessárias à sua decisão. Com este principio pretende-se acentuar convenientemente
o carácter indisponível do objecto e do conteúdo do processo penal, a sua intenção dirigida à verdade
material, as limitações indispensáveis à liberdade do arguido que não ponham em causa a sua dignidade
nem o seu direito de defesa.
Concluímos, então, que há uma distinção entre quem investiga e quem acusa e depois entre quem julga.
Dá-se a possibilidade também ao juiz de investigar sempre que ele possa intervir no processo, e esta é uma
fase anterior ao julgamento. Nesta fase, o juiz pode investigar mas não pode julgar por ser uma fase
preliminar ao julgamento. Apenas poderá julgar depois do despacho de pronúncia ou não pronúncia. Assim,
o juiz que intervém na fase de acusação não pode julgar.
Na grande parte o processo é oral mas reduzido a escrito e público. Em fase de recurso apenas se transfere
as gravações que serão ouvidas no tribunal.
Não temos um processo de partes mas um processo em que o MP representa os interesses de toda a
comunidade. O arguido não é parte mas um sujeito processual com direitos e deveres. Não existe ónus da
prova mas existe presunção de inocência, ou seja, o arguido não tem de provar a sua inocência. Aqui
assegura-se os direitos de defesa do arguido.
Assim, para termos um processo imparcial quem acusa não julga.
Quem fixa o objecto do processo é a acusação que é titulada pelo MP. Daqui deriva o princípio da
acusação. Sendo o MP a fixar o objecto do processo, o juiz não pode decidir sob factos que não constam na
acusação, a não ser que os sujeitos concordem. Exceptuando tudo isto, o juiz é livre de investigar depois de
lhe serem entregue os factos (mas apenas aqueles que são objecto de julgamento), buscando a verdade
material. Em regra, não vigora o princípio do dispositivo, ou seja, as partes não podem dispor livremente do
objecto processual. Poderá existir desistência mas apenas se for homologada.

Capítulo III
APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS PENAIS

I. As fontes do direito processual penal

1. Lei

2. Direito judicial

3. Doutrina

II. Interpretação e integração das normas processuais penais

1. Interpretação

2. Integração

III. Âmbito de aplicação do direito processual penal

1. Âmbito material

2. Âmbito espacial

3. Âmbito pessoal

4. Âmbito temporal

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I. Fontes do direito processual penal

1.1. Lei

A mais importante fonte do direito processual penal vigente é o CPP. Ao lado desta fonte existe legislação
extravagante que regula os mais diversos âmbitos particulares do direito processual penal. Art.2º CPP e
art.3 CPP.

1.2. Direito Judicial

Ao lado do “direito legal” tem um lugar de relevo o direito judicial, criado por via jurisprudencial. Cabe-lhe,
em certa medida, uma função “criadora” do direito. No entanto, ela não deve nem pode pôr-se ao mesmo
nível de obrigatoriedade que cabe à lei. É através das normas do DPP que se dá a aplicação ao caso
concreto. É um meio através do qual conseguimos aplicar as normas.

1.3. Doutrina

É a fonte mais relevante entre nós depois da lei. Compete-lhe a construção dogmática jurídico-processual
penal. Trata-se de encontrar soluções justas e adequadas para os concretos problemas da vida.

II. Interpretação e integração das normas processuais penais

1. Interpretação

Quanto a interpretação, diremos que se aplicam ao processo penal as mesmas regras de interpretacao
juridica que se aplicam aos restantes ramos de direito, ou seja, remetemos para as regras de interpretação
juridica que
estão fixadas no Codigo Civil art. 9º CC. Contudo, exige-se uma interpretação feita de acordo com a
unidade do processo penal, que não colida com os seus principios básicos. De ressalvar a diferença
existente entre interpretação e discricionariedade.

2. Integração

Quanto a integracao de lacunas temos especificidades no Direito Processual Penal. O art. 4º do CPP diz-
nos como se resolve o problema das lacunas.
Primeiro, ao contrário do que estudamos em direito penal, aqui é possível recorrer a analogia.No Direito
Penal não podemos recorrer a analogia quando esse recurso serve para incriminar, devido ao princípio da
legalidade “nullum crimen sine lege”. Portanto, se a situação não estivesse prevista num tipo legal de crime,
nao se podia incriminar com recurso a analogia, pois, no fundo, seria como se estivessemos a criar uma
nova lei, um novo tipo legal que nao existia. Estariamos a violar o principio da tipicidade, o principio da
legalidade.
Ja a analogia, no direito penal, se nao for para incriminar é possivel. No CPP esse problema nao se coloca,
porque aqui nao se trata de incriminar ou nao incriminar – isso está na lei substantiva. Portanto, nao há
nenhum limite à analogia, em termos de lei processual. Podemos utilizar a analogia. O art. 4.o do CPP diz-
nos que podemos utilizar a analogia a partir das disposições do próprio Codigo. Isto é, “quando as
disposições deste código não puderem aplicar-se por analogia”, ou seja, vamos aplicar analogicamente as
mesmas normas do CPP a situações analogamente identicas (se ali aplicamos esta norma, aqui tambem
aplicamos porque a situacao e identica). O que aplicamos analogamente sao as normas do Codigo e nao
outras normas. É o CPP que está em questão e não outras normas. Há aqui este limite.
Mas pode acontecer que, mesmo com recurso a analogia, aplicando-se normas do CPP, nao se consiga
resolver o problema, ou porque não há caso análogo, ou porque a lei não sé aplicável analogicamente, por
ser demasiado forçada a aplicação. A alternativa serão as normas do processo civil desde que se
harmonizem com o processo penal. Ou seja, nao basta ir ao Processo Civil buscar normas que sejam

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aplicaveis ao caso. É preciso que essas normas se harmonizem com o Processo Penal, com os principios
do Processo Penal. Por
exemplo, se fossemos buscar uma norma ao processo civil que determinasse que o objecto do processo é
disponivel, nao poderia ser aplicado porque em Processo Penal o objecto não é disponível. Ou se fossemos
buscar uma norma ao Processo Civil que tivesse implicacoes no Processo Penal, segundo a qual haveria
um onus da prova para um dos sujeitos, nao seria aplicável porque em Processo Penal não há onus da
prova. Ou seja, terão de ser sempre normas que a harmonizarem-se com o processo penal, com os
principios de processo penal, caso contrário, essas normas não serão aplicaveis.
E, por ultimo, nao havendo a possibilidade de resolver o caso atraves da analogia, com a aplicacao das
normas do CPP, nao havendo normas do Processo Civil aplicaveis que se harmonizem com o Processo
Penal, então aplicam-se os Principios gerais do Processo Penal. É a terceira hipotese. Em processo penal
os principios sao de aplicacao constante, diaria, a todos os casos. Ou seja, tudo é aferido atraves dos
princípios que são fundamentais para a aplicação prática do processo penal. Nao se pode aplicar normas de
processo penal sem ter em conta os principios de processo penal, porque eles tambem sao emanação da
Constituicao – trata-se de direito constitucional aplicado. Eles caracterizam o processo penal, tem que ver
com a estrutura do processo penal.
O Processo Penal tambem tem um espaco de resolucao autonoma de algumas questoes que sao
suscitadas no processo, nomeadamente atraves do recurso aos principios gerais de processo penal. O
proprio processo penal pode dar a solucao para o caso sem ser preciso aplicar nesse caso a lei substantiva.
Por exemplo, no caso da suspensao provisoria do processo. O processo pode terminar sem que se tenha
aplicado a sanção prevista no tipo legal de crime.

Em síntese:

1. Analogia
2. CPC
3. Princípios do processo penal

III. Âmbito de aplicação do direito processual penal

3.1. Âmbito material

A lei processual penal versa sobre a existencia dos crimes e aplicacao das respectivas sancoes em geral.
Contudo convem focar alguns aspectos em particular neste dominio. O principio da suficiencia do processo
penal, previsto no art. 7º,1CPP, diz-nos que é no processo penal que se resolvem todos os seus problemas,
quer os que tenham uma relacao directa com o crime, quer os que possuam uma relacao meramente
indirecta.
Contudo, o art.7º, 2CPP fala-nos nas questoes prejudiciais, relacionadas com assuntos nao penais,
decisivos para descoberta de um crime. Em relacao a esta materia ha duas posicoes: umas defendem que o
processo penal e genericamente absoluto, controlando todos os outros processos envolvidos no
seu ambito; outras defendem que o juiz penal resolve a questao penal, embora admita a intervencao de
outras entidades com relevancia para o caso.
Ha ainda que focar o problema do efeito interno/externo da decisão penal relativamente a estas questoes.
De facto, se o processo penal resolve uma questao que nao se inclui no seu ambito, quais as garantias em
termos de efeitos de processo? Sera que a decisao previa nao penal faz caso julgado relativamente
aos outros processos? A partida, so se reconhecem meros efeitos internos a decisao, pelo que quando ha
decisoes de outros tribunais que contrariem a decisao penal tem lugar o recurso de revisao de sentenca.
As questoes prejudiciais podem ser de tres tipos: questoes penais em processo penal; questoes nao
penais em processo penal (as que trata o art. 7o, 1CPP) e questoes penais em processo nao penal
(reguladas no CPC).
Convem ainda distinguir questão prévia de questão prejudicial. A primeira constitui um problema
processual sem a resolucao do qual o processo penal nao pode prosseguir; a segunda tem um cariz
substantivo, tratando-se de um problema de conteudo, de materia, previo ao proprio raciocinio (ex: saber
quem pode ser considerado funcionario publico). Esta distinção releva porque se a questao prejudicial for
tambem uma
questao previa ha uma prejudicialidade propria, o que obriga a execucao deste assunto no tribunal
competente.

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Noutros casos, ha uma questao prejudicial, mas esta e resolvida dentro do proprio processo
(prejudicialidade impropria, prevista no art. 7o, 1 CPP).
Porem, este art.7,o1 apresenta as excepcoes do no 2. Assim, quando se tratem de questoes nao penais
dentro do processo penal e a sua resolucao se apresente problematica, suspende-se o processo e
remetem-se tais questões para o tribunal competente, a fim de se averiguar da existencia de um crime
(elementos constitutivos do tipo legal de crime). O art. 7o, 3 foca as entidades com competencia para a
suspensao e o no 4 frisa que, esgotado o prazo sem a resolucao da questao prejudicial, a questao regressa
ao processo penal para ai
ser resolvida.
Uma das questoes nao penais mais relevantes no processo penal prende-se com a responsabilidade civil,
que, segundo o art.71o CPP, se resolve no ambito do processo penal, salvo excepcao em contrario.

As normas de direito processual penal aplicam-se a todos os casos de natureza penal para os quais, nao
havendo outra lei especial, seja aplicavel o CPP. Nao se aplica, portanto, a materia que nao seja de
natureza penal. Nao se aplica ao ilicito disciplinar, ao ilicito de mera ordenacao social, embora se aplique
subsidiariamente as contra-ordenacoes. No Regime Geral das Contra-ordenacoes esta previsto que o CPP
se aplica subsidiariamente ao processo das contra-ordenacoes.
O ambito material de aplicacao e o da materia de natureza penal para a qual seja preciso um processo. E ai
que se aplicam as normas de processo penal.

3.2. Âmbito temporal

Nos termos do art. 5.o do CPP:


“1 - A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na
vigência da lei anterior. 2 – A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua
vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar: a) Agravamento sensível e ainda evitável da
situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou b) Quebra da
harmonia e unidade dos vários actos do processo.”
Portanto, esta primeira nota é importante: “aplicacao imediata”. Nao é preciso esperar que o processo
termine para se poder aplicar esta nova norma, isto é, as normas processuais nao se aplicam aos novos
processos apos a vigencia da entrada em vigor da norma do processo penal. Elas aplicam-se
imediatamente aos casos que estao a ser decididos nos tribunais. Se está um caso a correr e entra em vigor
uma norma processual penal, essa norma processual aplica-se imediatamente a esse caso, a esse
processo. Nao se aplica apenas aos casos que vao ter inicio apos a entrada em vigor dessa norma
processual – regra da aplicacao imediata.
Mas isto tem limites. Um dos limites é de eventualmente isto poder enfraquecer ou prejudicar o arguido, e sé
o arguido. Isto e, se, ao aplicarmos imediatamente a norma aos processos que estao a correr, aos
processos que ja se iniciaram antes de a norma ter entrado em vigor, e ao aplicar-se a norma
imediatamente a esses casos, resultar que a posicao do arguido saia enfraquecida no processo,
nomeadamente, o seu direito de defesa ficar diminuido, entao não se aplica. Por exemplo, se a nova norma
diz que o prazo para apresentar contestacao passa a ser de 5 dias e não de 20, como era ate aqui, a norma
não se aplica, porque estamos a prejudicar o arguido, estamos a enfraquecer a sua posicao. Se, por
exemplo, se diz que passa a ser possivel
utilizar um determinado meio de prova, que incrimine o arguido, que antes não ra possivel, tambem se
enfraquece a posicao do arguido. Ou seja, tudo o que concretamente limite o direito de defesa do arguido ou
que venha a enfraquecer em geral a sua posicao juridica nao pode ser aplicado. Tem de ser um
agravamento, como diz a lei, sensivel e ainda evitavel. Se houver um agravamento que nao seja sensivel,
que nao se possa dizer que de facto vem afectar o direito de defesa, ou que seja inevitavel, entao, aplica-se
na mesma a lei imediatamente ao arguido. Portanto, tem de se tratar de um agravamento sensivel, por um
lado, evitavel, por outro, que enfraqueca a posicao do arguido, nomeadamente que diminua o seu direito de
defesa. Quando isso acontece, não se aplica a nova norma.
Por outro lado, o legislador preocupou-se com a questao da economia processual, a questao da harmonia
dos actos processuais. O processo penal tem uma certa sequencia, e se da aplicacao imediata da lei resulta
uma quebra da harmonia dos actos, ir atras e repetir desnecessariamente as coisas ou inverter a
ordem normal, quando nao e necessario para a formacao da decisao, entao, não se aplica tudo o que vai
quebrar a harmonia e unidade dos actos processuais,ou seja , se nao ha um resultado essencial para o
processo nao vale a pena ser aplicado.

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Portanto, respeitando-se estes dois limites, sempre que uma norma processual é aprovada e entra em vigor,
aplica-se imediatamente.
Temos de ver art. 5º, 2 do CPP, em consonancia com o art. 32º, 5 CRP, como forma de proteger o arguido.

3.3. Âmbito espacial

Em processo penal vigora o principio da territorialidade (art. 6o CPP), salvo as excepcoes previstas nos
Tratados, Convencoes e regras de Direito Internacional (ex: normas de harmonizacao europeia, de
cooperacao judicial, mandado de detencao europeu...).

Uma pessoa comete um determinado crime em determinado lugar. Teremos então, primeiro, de aplicar o
Codigo Penal, para saber qual a lei penal aplicável. Depois de saber qual a lei aplicável podemos
partir para a norma processual penal, nos termos do art.6.o do CPP: “A lei processual penal é aplicável em
todo o território português e, bem assim, em território estrangeiro nos limites definidos pelos tratados,
convenções e regras do direito internacional.”
Ou seja, no fundo é o principio da territorialidade com, eventualmente, excepcoes a esse principio tendo em
conta as pessoas envolvidas.
Nao se podem aplicar normas processuais penais no estrangeiro sem serem situacoes previstas nos
tratados, convencoes e regras de direito internacional, como tambem nao e possivel que se apliquem
normas processuais penais estrangeiras aqui em Portugal.
Por exemplo, nao podemos mandar uma equipa de policias a um pais estrangeiro deter um portugues que
cometeu um crime aqui em Portugal e traze-lo algemado. Seria a aplicacao das nossas normas processuais
penais fora do nosso pais, fora do nosso território, não sendo permitido. Mas podemos pedir a extradicao de
um individuo, por exemplo, e ai o direito que esta a ser aplicado e o direito desse pais e nao o nosso, e se
esse pais entender que sim, o individuo é extraditado, é-nos entregue e,então, aplicamos as nossas normas
processuais penais.
Tambem temos de cumprir, aqui, as regras da Uniao Europeia (UE), nomeadamente a questao do Mandado
de Detencao Europeu (MDE), que permite que haja alguma reciprocidade em relacao a aplicacao de normas
processuais dos diversos paises da UE, atraves de um regime especifico onde as nossas decisoes sao
aplicadas em paises da EU. Mas ai, como está salvaguardado no CPP, eé preciso que haja tratados ou
convencoes que o prevejam, como é o caso do MDE, uma Decisao-quadro instituida pela UE, e que depois
se tera transposto para os Estados-Membros. Tirando isso, não podemos aplicar as nossas normas
processuais fora do pais, e assim como dentro do nosso pais aplicam-se as nossas normas processuais
penais. Por exemplo, tambem nao pode vir aqui alguem de outro pais deter um individuo e leva-lo. Se
alguem quiser levar um individuo que
está em Portugal para ser julgado num outro pais tem de respeitar as normas do nosso pais, tem de
requerer atraves dos instrumentos proprios previstos na nossa lei (detencao, extradicao, etc.), caso contrario
não é possível.

3.4. Âmbito pessoal

O ambito de aplicacao da lei processual penal coincide com o da lei substantiva, aplicando-se a todos os
intervenientes no processo, portugueses ou nao. Ex: um estrangeiro que comete um crime em Portugal vai
ser julgado em Portugal, embora o tribunal da sua nacionalidade possa requerer que a
execucao de pena se processe no seu pais de origem.

Em principio as pessoas que estao sujeitas as normas processuais penais sao todas aquelas que tambem
estao sujeitas ao direito penal. Se, pelo Codigo Penal, uma norma for aplicada a uma pessoa, a regra é que
tambem seja aplicada ao direito processual penal. Há uma dependencia em termos de aplicação entre
direito penal e direito processual penal. Por isso, e mais simples no direito processual penal determinar o
ambito pessoal do que no direito penal, porque primeiro temos que saber qual o ambito de aplicacao da lei
penal para depois aplicar o direito processual penal.

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No entanto, ha algumas limitacoes e isencoes que tem que ver com questoes de natureza processual penal.
Mesmo que certa pessoa seja responsabilizada pelo direito penal isso pode nao significar que aconteca no
direito processual penal. Vejamos.
1a) – Esta isencao esta relacionada com o direito internacional. Neste há um conjunto de regras que nao
permite que sejam aplicadas normas processuais penais a determinadas pessoas mesmo que tenham
cometido crime no territorio portugues. Temos, como exemplos, Chefes de Estado, consules, diplomatas,
agentes equiparados e sua familia e agentes administrativos.
2a) - Convencao de Viena: esta regula, entre outros aspectos, as relacoes diplomaticas e consagra
limitacoes às normas processuais no que toca a pessoas que façam parte do corpo diplomatico de
determinado pais.
3a) - No direito interno temos um conjunto de limitacoes que provêm do proprio direito constitucional. Estas
referem-se ao Presidente da Republica (art.130o da C.R.P.), ao Primeiro-Ministro, aos deputados da
Assembleia da Republica (art.157o da C.R.P.), aos membros do Conselho de Estado, aos membros do
Governo (art.197o da C.R.P.) e ao Provedor de Justica. Trata-se de imunidades que impedem que sobre
estas pessoas possa correr um processo-crime. Para que se possa perseguir criminalmente um deputado é
preciso levantar essa imunidade e para tal e preciso uma autorizacao, a qual é pedida a Assembleia da
Republica, sem a qual nao se verifica o pressuposto processual de perseguir o deputado. Isto aplica-se a
todas as pessoas mencionadas anteriormente.
4a) – Garantia politica, tambem designada de garantia administrativa,isto é, os deputados no exercicio das
suas funcoes, sempre que emitirem alguma opinião, nao devem ser responsabilizados civil, disciplinar e
criminalmente. Eles são livres de se pronunciar pois, caso contrário,os deputados estariam limitados nas
suas funcoes de representacao democratica. Visto que eles sao os representantes do povo que os elegeu
democraticamente, eles nao devem estar limitados pelo temor de sofrer represalias, devem agir com inteira
liberdade. Esta garantia politica nao se deve de confundir com a disciplina partidaria ou de voto ou de
“bancada”; esta é interna, de cada partido.

Caso prático n.º 1

Imagine que o legislador foi agravando por diversas vezes o prazo maximo de duracao maxima da prisao
preventiva em processo penal. Assim:

Em Janeiro de 1997, o prazo legal era de 12 meses;


Em Janeiro de 1998, o prazo legal passou para 15 meses;
Em Janeiro de 1999, o prazo legal passou a ser de 18 meses;
Em Janeiro de 2000, o prazo legal foi alargado para 21 meses;
Em Janeiro de 2001, o prazo legal foi fixado em 2 anos.

Imagine, agora, que A pratica um crime em Julho de 1998. O respectivo processo penal, todavia, so e
aberto em Julho de 1999 e o arguido e preso preventivamente em Julho de 2000.Qual o prazo maximo da
sua prisao preventiva?

Resolução:

Estamos perante um caso de aplicacao da lei processual penal no tempo.


Segundo o n.1 do art.5º do CPP, a lei processual é de aplicação imediata, ou seja, entra em vigor logo.
Aplica-se aos processos que irão iniciar a sua marcha e aqueles que ainda estão a decorrer. Por ser de
aplicacao imediata, levanta dificuldades de aplicacao nos processos que ja estao a decorrer.
O n.1 do art.5º do CPP contem a regra: a lei processual e de aplicacao imediata.
O n.o 2 do mesmo artigo contem duas excepcoes a regra, ou seja, a lei processual nao se aplica aos
processos iniciados anteriormente a sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar um
agravamento sensível e ainda inevitavel da situacao processual do arguido, e quando essa aplicacao
imediata implica uma quebra da harmonia e unidade dos varios actos do processo.

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A regra da aplicabilidade imediata resulta de dois motivos:
1. Quando o legislador muda uma norma, em principio, é para melhorar uma situacao juridica, é para
melhorar a dinamica do processo.
2. Não há receio que se afecte a posicao juridica do arguido. No caso sub judice está em analise saber qual
a lei que vamos aplicar ao arguido, lei essa que determina o periodo maximo de prisao preventiva.
A prisão preventiva é uma medida de coaccao aplicavel ao arguido subsidiariamente, ou seja, quando se
considerem inadequadas todas as outras medidas ou insuficientes, e ainda quando ha fortes indicios da
pratica de um crime doloso punivel com pena de prisao de maximo superior a tres anos (art.202oCPP e art.
28oCRP).
A excepcao contida no art. 5o, n.o2, al. a) fala num “agravamento sensivel” e “evitavel”. Este agravamento
pressupoe uma alteração significativa da situação processual do arguido. Isto é avaliado casuisticamente
pelo juiz, embora a jurisprudencia tenha alguns criterios proprios. E é avaliado em concreto, temos que ter
em consideração o momento processual em que o arguido se encontra. Se no momento ele ainda nem eé
arguido entao não podemos dizer que as suas expectativas ou que a sua posicao é agravada.
Por outro lado, trata-se de um agravamento da situacao processual do arguido, e nao um agravamento do
direito penal ou da situacao individual do arguido.
Para regular tal medida foram publicadas sucessivamente varias leis que determinavam o periodo maximo
da prisao preventiva. Assim, temos uma lei em Janeiro de 1997, a qual nao relevante, porque é anterior à
pratica do crime e anterior ao inicio do processo. De seguida temos a lei de Janeiro de 1998, que estipula
um prazo maximo de 15 meses. O delito ocorreu em Julho de 1998, contudo o processo so foi iniciado em
Julho de 1999. Em Janeiro de 2000, o prazo foi alargado para 21 meses, e em Janeiro de 2001 o prazo ja
era de 2 anos.
Esta ultima lei nao e relevante, pois o arguido ja se encontra condenado nessa altura.

Questao primordial é saber se aplicamos a lei de Janeiro de 1999 ou de Janeiro de 2000, pois sao as que
estao em contacto com o processo penal.
Num caso de aplicacao da lei no tempo, o raciocinio de que uma lei prejudicial ao arguido nao lhe pode ser
aplicada, está errado, porque isso iria fazer que com que se invocasse (por exemplo), em 2009 uma lei
publicada em 1989, só porque nessa altura a medida de prisao era inferior a actual. Este raciocinio nao é do
processo penal, mas sim do Direito Penal.
A materia de aplicacao da lei no tempo ja foi debatida varias vezes, e deu origem a um acordao do STJ de
fixacao de jurisprudencia, o qual nos diz que já depois da decisao do tribunal, alteraram-se as regras do
recurso, e essa nova lei foi aplicada ao arguido. Essa nova lei era desfavoravel ao arguido, pois diminuia a
sua possibilidade de recurso. Tal lei foi admitida, porque se entendeu que nao agravava de forma sensivel a
situacao do arguido, e porque a lei processual penal é de aplicacao imediata. Este exemplo é para salientar
que
nao pode a excepcao ser maior do que a regra, pois nao podemos deixar entrar pelo art. 5o n.o2 al. a) todas
as hipoteses que n.o1 do art.5o pretende vedar, pois se o legislador criou uma regra em que a lei processual
penal e de aplicacao imediata, é porque quer obter esse efeito quando publica uma nova lei. O n.2 é uma
cláusula de salvaguarda que funciona em situações de extrema injustica.
Assim sendo, nao nos choca que possa ser aplicada a lei de Janeiro de 2000, porque ele só é condenado
em Julho de 2000. Antes, em Julho de 1999, apesar de ai se ter iniciado o processo penal, ele ainda não é
arguido, ainda não está em prisao preventiva, ele ainda nao tem expectativas formadas, pois ele nem
sequer sabe se vai ou nao ser condenado a prisao preventiva. A situação processual dele não é de sujeito a
uma aplicacao de medida preventiva. Portanto nao ha agravamento da situacao processual do arguido, e
como
consequencia nao se preenche, a al, a), do n.o2 do art.5 do CPP. Quando o arguido vai a tribunal é em
Julho de 2000, e ai ja estava em vigor a lei de Janeiro de 2000. Ele vai ser condenado a uma prisao
preventiva que tem como período máximo 21 meses.
Quando se cria esta norma de aplicacao imediata, o que o legislador pretende e de acordo com o espirito do
CPP, é que por regra as normas processuais penais sejam de aplicacao imediata, so se aplicando o nº2
al.a) em situações excepcionais. Caso contrário o n.2 seria a regra e o n.1 do art. 5 seria a excepção.
Alem disso, a defesa do arguido nao pode ser levada tao longe de maneira a protege-lo de uma coisa que
ainda não existe, efectivamente ele ainda não está em prisao preventiva. E quando lhe é aplicada tal
medida, é ai que ele pode criar expectativas que lhe vai ser aplicada uma prisão preventiva de 21 meses.
Por isso é que nao admitimos a lei de Janeiro de 2001, pois essa agrava o periodo máximo da prisão
preventiva, e o arguido ja criou expectativas que o prazo maior será de 21 meses. A lei de 2001 ja cabe na
excepcao de salvaguarda da al. a) do n.o2 do art. 5o do CPP. Esta lei mexe com a posicao processual do

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arguido, e viola o n.2, al. a) do mesmo artigo. Mesmo nesta situacao, também encontramos quem sustente
tal aplicacao, invocando como argumentos que não é particularmente grave aumentar de 18 para 21 meses
o periodo maximo de prisao preventiva. São só mais tres meses, e tudo sera descontado na aplicacao de
uma pena. Quanto a nos estes argumentos nao nos convencem e como tal rejeitamos aplicacao da lei de
Janeiro de 2001.
Contudo, podemos admitir que se aplica a lei de Janeiro de 1999, a qual tem um prazo maximo de prisão
preventiva mais favoravel para o arguido (18 meses), se pensarmos que a lei de 2000 agrava a situacao
processual do arguido de forma sensivel, que ele vai ver a medida de prisao preventiva agravada em 3
meses (21 meses – 18 meses), entao preenche a al. a) do n.o2 do art.5 do CPP. Se argumentarmos no
sentido que a prisao preventiva é a mais grave medida de coacção, que o arguido vai ficar mais tres meses
privado da sua liberdade, que é o pressuposto maior de um Estado de Direito Democratico como o nosso, e
que esse agravamento é evitavel, então temos fundamentos bastante para aplicar a lei de Janeiro de 1999.
Admitimos as duas hipoteses, porque a própria jurisprudência também a admite. Temos como referencias
os seguintes acordaos: ac. STJ n.o 70/90 de 15 de Marco; ac. da Relacao de Evora n.o 179/97 de 15 de
Julho; e ac. do STJ de 18 de Fevereiro de 2009. Este ultimo acordao diz respeito a materia de recurso, aos
art. 432o e 401o do CPP. Nesse acordao o sujeito ja tinha recorrido da decisao da 1a instancia para a
Relacao e queria recorrer para o Supremo. Durante esse periodo acabou a instancia do Supremo. Numa
primeira decisao o STJ entendeu que como a decisao ja tinha sido apreciada duas vezes e como a lei
processual é de aplicação imediata entao o sujeito ficou sem a possibilidade de recorrer para o STJ. Numa
outra decisao o STJ entendeu que nao. Entendeu que a situacao processual dele se configurava quando ele
fosse condenado, so ai e que surgia a expectativa de haver ou nao recurso, entao era ate ai tinha que haver
a mudança de lei. Se a mudanca de lei ocorrer ate ai era aplicada imediatamente. Depois desse momento ja
nao se aplica, porque senao o arguido vai poder dizer que era a primeira lei do processo, por exemplo a lei
de 1999, que vai ser aplicada em
2009. Esta situacao conduz-nos a uma espiral de leis infinita.

Capítulo IV
PRINCÍPIOS GERAIS DO PROCESSO PENAL

1. Princípios relativos à promoção ou iniciativa processual

1.1. Princípio da oficialidade


1.2. Princípio da legalidade
1.3. Princípio da acusação

2. Princípios relativos à prossecução processual

2.1. Princípio da investigação


2.2. Princípio da contraditoriedade
2.3. Princípio da suficiência e o problema das questões prévias
2.4. Princípio da concentração

3. Princípios relativos à prova

3.1. Princípio da investigação ou da verdade material


3.2. Princípio da livre apreciação da prova ou sistema da prova livre
3.3. Princípio "In dubio pro reo"

4. Princípios relativos à forma

4.1. Princípio da publicidade


4.2. Princípio da oralidade e da imediação

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Introdução

Os principios gerais do processo penal são principios constitucionais aplicados a todo o processo penal.
Sempre que se resolve um caso, faz-se, directa ou indirectamente, alusao a estes principios. Estes estao
sistematizados de acordo com a estrutura do processo penal. Assim, temos, por um lado, a tramitacao e,
por outro, temos questões problematicas do processo penal. Tendo em conta tal sistematizacao temos:
principios ligados a promoção ou iniciativa processual, principios referentes à prossecução processual,
principios ligados à forma e, por ultimo, princípios ligados à prova.

1. Princípios relativos à promoção ou iniciativa processual

1.1. Princípio da Oficialidade

Neste principio pretendemos saber quem tem competencia para investigar a pratica de uma infracção e
saber quem tem competencia para leva-la a julgamento. Se fosse, por exemplo, o ofendido ou a vitima,
teríamos um processo de partes tipico de uma estrutura acusatoria pura. Esta nao é, contudo, a resposta do
nosso sistema, uma vez que vigora uma estrutura acusatória mitigada pelo principio do inquisitorio.
Por outro lado, a comunidade entregou ao Estado o poder de aplicar o direito penal e de realizar a justica
penal (o mesmo nao se passa no direito processual civil). Sendo o Estado o detentor do “ius puniendi”,
temos a figura do MP que acaba por representar toda a comunidade. O MP é a entidade que tem o poder de
investigar a pratica de uma infraccao e de decidir se deve levar tal conduta a julgamento.
O principio da oficialidade em Portugal significa que, por regra, cabe a uma entidade publica – M.P. – o
poder de investigar se determinado crime foi cometido e averiguar se existem indicios suficientes que
permitam conduzir o processo a julgamento. Este principio decorre da C.R.P., do seu art. 205, que contém o
principio do monopolio estadual da funcao jurisdicional: é o Estado que tem esse monopólio e nao os
particulares.
Encontramos uma manifestacao do principio da oficialidade no art.48 do CPP, o qual ao dizer que “[o]
Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos
artigos 49º a 52º “, permite saber que é uma entidade publica que tem competencia para investigar a pratica
de uma infraccao e saber tal deve ser submetida a julgamento.
Este principio tem uma limitacao que tem que ver com os crimes semipublicos, e tem uma excepcao que
esta relacionada com os crimes particulares stricto sensu.

Existem três tipos de crimes quanto a sua natureza: os crimes publicos, os crimes semi-publicos e os
crimes particulares strcito sensu.

Crimes públicos: são aqueles em que, para que a infracção seja investigada, nao é necessário que exista
queixa nem acusação, bastando que o MP tome conhecimento da noticia do crime por qualquer meio
previsto na lei para dar inicio a investigação. Por exemplo, se o MP tem conhecimento que foi cometido um
homicidio, nao interessa se tomou conhecimento por denuncia ou porque viu na televisao, só interessa que
ele tenha conhecimento desse facto.

Crimes semi-publicos: são aqueles em que é necessario apresentar uma queixa pelo titular do exercicio
do direito de queixa para que o MP possa promover o processo. Nao e necessario que o particular
apresente uma
acusacao, esta sera formulada pelo MP. A queixa é uma manifestação de conhecimento e de vontade. É
necessário que o particular queira que o crime seja investigado para se produzir a acusacao. A partir do
momento em que é apresentada a queixa o MP avanca sem ter de consultar o particular. Entao, há aqui
uma limitacao no sentido de que o MP nao pode por si so dar inicio à investigacao, sendo necessario a
queixa. Mas é só esta limitacao, porque a partir daqui o MP ja tem poder para dar seguimento ao processo
sem estar
dependente da consulta e da vontade do particular.

Crimes particulares stricto sensu: o detentor do exercicio do direito tem de apresentar uma queixa e uma
acusacao particular. O MP recebe a queixa, mas quando chega ao fim do inquerito tem de ser o particular a

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formular a acusacao. O MP pode acompanhar a acusacao. Pela analise do art. 49 CPP que nos diz que
“quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que
essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo”,
significa que estamos a fazer depender a investigacao criminal de queixa exercida por quem tem o direito de
a exercer.
O art. 50CPP ao dizer que “[q]uando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido
ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituem assistentes e deduzam
acusação particular”, daqui concluimos que quando se trate de crimes particulares stricto sensu é preciso
que os titulares do direito de queixa exercam esse direito e que procedam à acusação.

A estes tres regimes se liga, consequentemente, o problema da desistência ou nao da queixa e da


acusacao.

No caso dos crimes publicos, para alem de o MP nao estar dependente de queixa nem de acusacao, o
ofendido nao pode desistir, porque, tratando-se de um crime de natureza publica, a lei nao admite a
desistencia, nao ha livre disponibilidade do processo. A razao de ser desta medida é o facto de estarem em
causa crimes cuja natureza envolve relevante gravidade, nao permitindo que os particulares disponham do
processo. Ha
aqui um interesse publico que se impoe a toda a comunidade, pois a perseguição de um crime é do
interesse da comunidade.
No caso dos crimes semi-publicos tal já é possivel, pois se podem decidir em apresentar ou nao queixa,
tambem tem a possibilidade de decidir se querem continuar com o processo. Por isso, no art.51CPP, a
intervencao do MP cessa com a homologacao da desistencia da queixa ou da acusacao particular,
justamente porque o particular pode chegar à conclusao de que nao lhe interessa continuar o processo e,
apresentando a desistencia de queixa, esta é homologada. Se estivermos na fase de inquerito, esta
homologacao compete ao
MP, se decorrer na fase de instrucao, ela compete ao juiz de instrucao e se for na fase de julgamento,
compete ao juiz de julgamento. Compete sempre a entidade que estiver a presidir a respectiva fase.
Tratando-se da acusacao particular, se o particular apresentou a queixa e ainda nao apresentou a
acusacao, pode desistir da queixa; se apresentou a queixa e a acusacao, pode desistir da acusacao
particular, e a entidade que estiver a presidir a esse momento pode proceder à homologação.

Em suma, é o MP que tem competencia para investigar o crime e promover o processo. Isto significa que a
investigação ira ser feita de acordo com as directrizes do MP, que envolve na maior parte dos casos os
orgãos de policia criminal que actuam sob direccao funcional do MP. A excepção ao principio da oficialidade
reside nos crimes particulares stricto sensu e a limitacao nos crimes semi-publicos.

Princípio da Oficialidade

Estamos a falar do poder de iniciativa processual, aquilo que em processo civil conhecemos por impulso
processual. A oficialidade remete para a entidade que tem esse poder de promocao processual. Essa
entidade pode ser de dois tipos: estadual ou particular. No nosso regime temos uma entidade estadual que
e o MP. Isto vai de acordo com a nossa propria concepcao de processo penal, pois no nosso sistema e o
Estado que tem de assegurar a realizacao da justica, se a ele cabe essa tarefa entao nada mais logico do
que atribuir a uma entidade publica a iniciativa processual. Nao fazia sentido deixar nas maos dos
particulares a iniciativa de um processo-crime.
Este principio conhece algumas limitacoes que estao relacionadas com aquilo que chamamos de crimes
particulares em lato senso e com os crimes semi-publico. Neste tipo de crimes limitamos a accao do MP,
aqui sao os particulares que tem o poder de iniciativa processual. A intervencao da entidade particular difere
consoante o tipo de crime.
Nos crimes semi-publicos e necessario apresentar uma queixa. Quem apresenta a queixa e genericamente
o ofendido (art. 103o SS. CP) ou outras pessoas que em concretas circunstancias a lei designa como tais.
Nos crimes particulares e necessario apresentar uma queixa, o MP recolhe indicios da pratica do crime e
quem foi o seu agente, notifica o particular findo o inquerito dando-lhe a conhecer os resultados da
investigacao. E convida o particular, querendo este, a fazer a acusacao particular (a acusação segue os
termos do art. 284o e 285o do CPP). Mas ainda antes do particular partir para a acusacao e necessario que
ele se constitua assistente (este e um pressuposto processual essencial nos crimes particulares). A figura
do assistente vem regulada nos art. 68o SS. do CPP, podendo ser assistente todo o ofendido.

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Nos crimes particulares o ofendido apresenta a queixa e diz que se quer constituir assistente, tal declaracao
fica lavrada em auto, e de seguida paga uma taxa, dando inicio ao processo. Muitas vezes, o ofendido nao
se constitui assistente no momento da queixa, como tal a lei concede-lhe um prazo de 8 dias para se
constituir assistente. E o juiz que vai averiguar se tal pessoa tem ou não legitimidade para se constituir ou
nao assistente.
E de cuidar que quando dizemos que a diferenca entre o crime particular e o semi-publico e o facto de o
primeiro depender de queixa e acusacao e o segundo necessitar so de queixa, nao esta totalmente correcto,
pois é necessario que o ofendido se constitua assistente. Esta e uma figura que não existe so no nosso
direito, mas que tem particular relevancia, faz com que o ofendido assuma uma posicao de sujeito
processual, tem poderes dentro do processo tem uma intervencao activa no processo penal (pode arrolar
testemunhas, pode fornecer meios de prova, pode nomear um advogado…). Ao passo que um ofendido
nao. Ser um ofendido e uma mera qualidade de facto, a que o direito penal reconhece validade, mas nao
tem representacao, e também nao tem disponibilidade do processo.
Assim, uma caracteristica marcante nos crimes particulares e o facto do arguido se constituir assistente.
Geralmente e o advogado do assistente que faz a acusacao e e ele quem a organiza, e nao o MP. Isto
significa que se o advogado do assistente faltar ao julgamento o processo termina. A presenca do advogado
é condicao para que o processo se cumpra, se tal nao se verificar isso equivale a desistencia do processo.
Desta forma se ve que os crimes particulares tem caracteristicas muito especificas que os diferenciam dos
restantes tipos de crime.
Os fundamentos da existencia dos crimes particulares estão relacionados com duas razoes: por um lado, o
facto de afectacao dos bens juridicos nesse crime nao e tao directa e imediata, sao crimes menos
significantes para comunidade, como tal entende-se que se deve dar a vitima o direito de dizer se quer ou
nao perseguir aquele agente, se ela entender que não isso afecta mais a vitima do que a comunidade. Por
outro lado, temos a questão de proteger um conjunto de aspectos da vida familiar e da vida intima da vitima.
A exposicao a que se obriga a vitima num julgamento, o facto de ter que repetir a historia vezes sem conta,
o facto de ter que olhar para o agressor…tudo isto nao se justifica a nao ser que a vitima assim o entenda.
Temos aqui uma cedencia ao principio da oportunidade onde os crimes particulares e os semi-publicos
assumem um certo compromisso com regras de oportunidade. Esta cedencia e mais clara quando se fala no
principio da oportunidade.
Em termos de CPP, temos uma manifestacao deste principio no art.48º do CPP. De acordo com este artigo
e o MP que deve promover o processo. As restricoes de que fala o art.48o CPP dizem respeito aos crimes
particulares (art. 50o do CPP) e semi-publicos (art.49o do CPP). Da mesma maneira temos o art. 262o, n.o2
do CPP diz-nos que a noticia do crime da sempre lugar a abertura do inquerito. Da conjugacao destes
artigos encontramos o principio da oficialidade.
A noticia do crime adquire-se por qualquer meio, isto significa que o MP adquire a noticia do crime por
conhecimento proprio, por intermedio dos orgaos de policia criminal (OPC) ou mediante denuncia (art. 241o
do CPP). Assim o conhecimento pode ser proprio do MP, e independente de qualquer pessoa, pode ser
atraves dos OPC. Neste caso ha uma participacao feita aos OPC, os quais estao obrigados a comunicar ao
MP.
A denuncia pode ser facultativa ou obrigatoria. E obrigatoria para as entidades policiais de todos os crimes
que estes tenham tomado conhecimento, nos termos do art. 242o do CPP, e para os funcionarios (art.386o
do CP), quanto aos crimes que tomarem conhecimento no exercicio das suas funcoes e por causa dessas
funcoes. A denuncia facultativa cabe a todos os cidadaos desde que tenham conhecimento.
O auto de noticia e a descricao lavrada pelo proprio agente de um crime que ele presenciou, o agente, aqui,
e uma testemunha qualificada.
Temos que distinguir a queixa da denuncia. A denuncia e uma mera declaracao de conhecimento, e a
descricao dos factos por essa pessoa. Ao passo que a queixa e uma declaracao de conhecimento
juntamente com uma declaracao de vontade, por isso e que nos formularios da policia quando vamos
apresentar uma queixa ja consta nele uma frase a dizer se e da vontade da pessoa proceder a queixa. Nos
crimes publicos qualquer pessoa pode apresentar uma denuncia. Nos crimes particulares ou semi-publicos
se for outra pessoa que nao o ofendido apresentar a denuncia essa nao serve, porque e necessario a
queixa, mas aqui levanta-se outra questao: e se a policia tiver conhecimento de um crime particular atraves
de qualquer meio, o que pode ele fazer?
Algumas pessoas sustentam que o MP deve perguntar ao ofendido se quer ou nao apresentar uma queixa.
Outra doutrina entende que esta a entrar na esfera privada das pessoas, e pressupoe esta doutrina que as
pessoas tem discernimento suficiente para decidirem se querem ou nao apresentar queixa.
Outro problema levanta-se quando se apresenta uma denuncia mas não faz a queixa (num crime semi-
publico), sera que isso basta para iniciar o processo? A doutrina maioritaria tem entendido que nao, porque
se admitisse tal deixaria de haver diferencas entre o crime publico, em que basta a denuncia, e o crime

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semi-publico. Ha algumas decisoes do STJ a dizer que se aceita a denuncia, mas esta posicao e muito
forcada.
Quanto às denuncias anonimas estas podem dar origem a um processocrime, desde que preencha os
requisitos do art. 246o, n.o5 do CPP. Este artigo sofreu uma alteracao com a reforma de 2007. Com a nova
redaccao, a denuncia anonima, so pode determinar a abertura de inquerito se dela se retirarem indicios da
pratica do crime, ou se constituir ela propria um crime. Esta situacao verifica--se quando a denuncia e
caluniosa. E preciso indicar provas, documentos…indicios fortes da pratica do crime, nao basta dizer que A
matou B (por exemplo) Antes da alteracao, a propria denuncia era o suficiente para se proceder a
investigacao por parte do MP. Actualmente, a denuncia anonima e de mais dificil sucesso.
Ainda quanto a queixa, o que fazer no seguinte caso: A vizinho de B, o qual se encontra de ferias na
Australia ve C a partir as janelas da casa do seu vizinho. Pode A apresentar queixa? E ser o A tiver uma
procuracao? E se esta so tiver poderes gerais? A queixa constitui um acto pessoalissimo ou nao? No caso
da queixa atraves de representante com poderes específicos tem sido admitida pelo MP, mas sera que tal
admissao e permitida pelo direito? Estas sao questoes que ficam em aberto.

Caso prático n.º 3

Imagine que A, agente do Ministerio Publico, quando passeava na Rua do Raio, presencia a seguinte cena:
o condutor B atropela o peao C, causandolhe ofensas graves a integridade fisica; submetido a teste
adequado, B revela uma taxa de alcool no sangue de 1,2g/l; entretanto, C dirige a B palavras altamente
injuriosas. Analise a questao da legitimidade de A para exercer a accao penal.

1.2. Princípio da Legalidade

O principio da legalidade em processo penal tem um sentido muito próprio. Este significa que o MP está
obrigado a promover o processo penal e se recolher indicios suficientes da prática do crime e de quem foi o
seu agente está obrigado a acusar. O mesmo se diga ao contrario, ou seja, se nao recolher indicios
suficientes esta obrigado a arquivar. Daqui se ve o sentido proprio do principio da legalidade em processo
penal, o qual é confundido com o principio do direito penal e do direito constitucional quando o enunciamos
da seguinte
maneira: “nulla poena sine lege” e “ nulleum crimem sine lege”.
O MP, por regra, de acordo com este principio nao pode fazer um juizo de oportunidade, isto é, o MP não
tem a liberdade de decidir pelo arquivamento ou pela acusacao com base em criterios definidos por ele. Isto
é o que se passaria nos paises anglo-saxonicos onde vigora o principio da oportunidade, onde o MP,
conhecido por Promotor Publico, tem a possibilidade de fazer acordos ou negociar com o arguido (por
exemplo, negociar uma pena).
No caso do nosso ordenamento e nos europeus continentais, de um modo geral, vigora o principio da
legalidade, ou seja, existe uma estrita vinculação à lei. O MP rege-se por criterios de estrita legalidade. A lei
diz que se o MP tiver conhecimento de um crime, tendo respeitado o principio da oficialidade, ele deve
investigar sempre, e se recolher indicios da prática do crime tem de acusar sempre, nao pode decidir se vai
ou nao investigar e se vai ou nao acusar.
Contudo, existem algumas nuances que tem que ver com a suspensão provisoria do processo e com o
arquivamento em caso de dispensa de pena.
No art.262, n2 do CPP temos a manifestacao deste principio, pois o artigo diz-nos que a noticia de um crime
dá sempre lugar à abertura de inquerito, ou seja, o MP tem de investigar sempre que tem noticia de um
crime. A obrigação do MP de acusar quando sao recolhidos indicios suficientes da prática de um crime e de
quem é o agente consta no art. 283o, n.1 do CPP: “ se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios
suficientes de se ter verificado crime e quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias,
deduz acusação contra aquele”. Assim, o MP tem de deduzir acusacao, nao podendo deixar de o fazer.
O alcance deste principio abrange as entidades publicas e nao so o MP. Este principio, de estrita vinculação
à lei, aplica-se a diversas entidades quanto à denuncia. Por exemplo, a denuncia é, desde logo, obrigatória
para as entidades policiais quanto a todos os crimes de que tomem conhecimento, e para os funcionarios
nos termos do art.386CP, quanto aos crimes de que tomem conhecimento no exercicio das suas funções e
por causa delas. Tal como o MP está vinculado à lei no que toca a obrigatoriedade de investigar e acusar,
quando recolhe indicios suficientes da pratica de um crime, tambem as entidades publicas estao obrigadas à
lei e a denunciarem os crimes (art. 242, n.1, a) e b) do CPP.).

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As entidades policiais tem de comunicar sempre a denuncia do crime, mesmo que seja um crime publico,
semi-publico ou particular stricto sensu, pois a analise da natureza do crime consta no tipo legal de crime, e
é dá responsabilidade do MP determinar qual o tipo de crime em causa. Os funcionarios tambem têm a
obrigação de denunciarem um crime, sempre que esteja relacionada com as suas funções.
Quanto aos particulares, temos de procurar a resposta no art. 244CPP. Os particulares podem, por isso,
denunciar o crime. O que poderá suceder é que essa denuncia nao dê lugar a uma investigacao, pois pode
tratar-sede um crime particular ou semi-publico. De qualquer dos modos, o particular nao está obrigado a
denunciar o crime.
Estes artigos (242o, 243o, e 244o do CPP) levantam problemas que tem que ver com o modo com o se
interpreta o direito de queixa. Sobretudo por que não se pode confundir denúncia – que e uma
manifestacao de conhecimento – com queixa – que é uma manifestacao de vontade. De resto,
actualmente, o artigo 242, no 3, tem uma redaccao diferente da que existia antes da revisao de 2007,
justamente no sentido de resolver alguns problemas que se levantavam a este proposito e de distinguir a
denuncia da queixa.

O principio da legalidade tem limitações: que sao afloramentos do principio da oportunidade. Para as
percebermos, vejamos o seguinte esquema.

MP
Fase de Inquérito

Acusação Arquivamento Arquivamento com dispensa de pena Suspensão provisória do processo


(há indícios) (não há indícios) (recolheu indícios mas não pode acusar) Art.281CPP
Art.280CPP

No primeiro caso,acusação, o MP investiga, recolhe indicios da pratica do crime de quem foi o seu agente e
acusa.
No arquivamento, o MP investiga, mas nao recolhe indícios suficientes da pratica do crime e nao sabe
quem foi o seu agente.
Quando o MP investiga, recolhe indicios suficientes da pratica do crime, de quem foi o seu agente, e arquiva
em vez de acusar, aqui estamos perante a figura do arquivamento em caso de dispensa de pena do
art.280o do CPP. Se o processo for por crime relativamente ao qual se encontra expressamente previsto no
direito penal a possibilidade de dispensa de pena, o MP, em concordancia com o juiz de instrucao, pode
optar pelo arquivamento se se verificarem os pressupostos daquela. Nao estamos a dizer que se aplica a
dispensa de pena sempre que esta esteja prevista no tipo legal de crime preenchido pelo agente. No art. 74
do CP verificamos que está prevista a possibilidade de quando o crime for punivel com pena de prisao não
superior a seis meses ou pena de multa nao superior a 120 dias, pode o tribunal declarar o arguido culpado,
mas nao aplicar qualquer pena se o facto, a culpa e a ilicitude do agente forem diminutas, se o dano tiver
sido reparado, e se nao se opuserem razoes de prevenção. Nos casos do art.74 do CP pode acontecer que
em fase de julgamento o juiz chega à conclusao que se praticou um crime, mas que estao preenchidos os
pressupostos do art. 74o do CP, e entao dispensa a pena. Nao se trata de uma absolvicao.
Em termos processuais, não estamos a dizer que se vai aplicar o instituto da dispensa de pena, na situação
prevista no art. 280 do CPP, de se poder arquivar o processo quando estamos na presença de um caso que
admitiria a dispensa de pena em termos de direito penal substantivo. Ou seja, na fase de inquérito, o MP
pode arquivar, porque a esse caso em sede de julgamento se poderia aplicar a dispensa de pena. É como
se o MP antevisse o desfecho do julgamento. O MP faz um juízo de oportunidade, a saber, se deve ou não
levar o processo a julgamento, e isto é feito com a concordância do juiz. Por isso, não estamos na presença
de um princípio da oportunidade puro. Também pode suceder que mesmo que venha a ser deduzida a
acusação o juiz de instrução pode decretar o arquivamento com dispensa de pena, aqui com a concordância
do MP e do arguido. O arguido tem todo o interesse em participar, porque pode querer que seja declarada a
sua inocência, para que não restem duvidas de forma publica e solene.
Temos também a hipótese da suspensão provisória do processo. Esta é de maior aplicabilidade, desde
logo, por causa dos requisitos: crimes puníveis com pena não superior a cinco anos ou com sanção
diferente da pena de prisão (por exemplo, todos os crimes punidos com pena de multa). Assim, são muitos
os crimes que cabem nesta possibilidade.
Esta suspensão provisória do processo consiste na possibilidade de o MP, por sua iniciativa ou a
requerimento do arguido ou do assistente, determinar a suspensão do processo, com o acordo do juiz. Mas

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esta suspensão vai ser feita mediante a imposição de injunções e regras de conduta ao arguido, por um
prazo não superior a dois anos, findo o qual o MP arquiva (quando o arguido cumpre essas regras ou
injunções) ou acusa (quando há incumprimento das regras de conduta ou injunções). Esta decisão do MP
de acusar ou arquivar pode não ser no fim do prazo dos dois anos, pois se, logo no inicio do decurso do
prazo, o arguido desrespeitar alguma regra de conduta que lhe tenha sido imposta, não cumprindo a
suspensão provisória do processo as exigências de prevenção, aqui já pode proceder à acusação.
Para alem do requisito do tipo de crime que admite a suspensão provisória do processo, é necessário
preencher os requisitos do art. 281 n1, alíneas a) a f) do CPP. Na anterior redacção deste artigo exigia-se
que não houvesse antecedentes criminais, este pressuposto era muito forcado, porque não fazia sentido
que um sujeito que tivesse cometido, por exemplo, o crime de ofensa a integridade física, que impedisse a
suspensão provisória num crime de burla, cometido posteriormente. O primeiro crime só devia ser relevante
caso o crime cometido posteriormente fosse da mesma natureza.
Quanto ao requisito ausência de um grau elevado de culpa (alínea e), no.1 do art.281o do CPP), a também
duvidas, porque na fase de inquérito e muito difícil apurar o grau de culpa, visto que nesta fase não e
exigível ao MP demonstrar com precisão tal gravidade, pois este só será analisado na fase de julgamento,
ademais porque vigora durante todo o processo o principio da presuncao de inocencia. Alem do mais, atenta
a alinea seguinte (al. f, do n.o 1 do art.281o do CPP) - “ser de prever que o cumprimento das injunções e
regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso concreto se façam
sentir” -, entao se este pressuposto se verificar, nao faz sentido que se de tanto valor a alinea e) do referido
artigo. Nos casos em que exista uma culpa grave, o MP, em principio, nem sequer deve requerer a
suspensao provisoria do processo.
Sendo assim, sao oponiveis ao arguido, cumulativa ou alternativamente, as injuncoes ou regras de conduta
que constam no no 2 do art. 281o do CPP, durante o prazo maximo de dois anos, com a excepcao do n.o 5
deste artigo, que permite que esse prazo se prolongue ate cinco anos.

Princípio da legalidade

E um principio que vincula a actuacao do MP a regras estritas, diz-nos que o MP esta obrigado a promover
todos os processos de que tenha conhecimento e a acusar por todas as infraccoes cujos pressupostos
estejam preenchidos, estes tanto podem ser processuais como substantivos. A diferenca do nosso sistema
para o sistema anglo-saxonico, e que este e um processo de partes e o MP nao esta obrigado a acusar por
todos os crimes, vigora naquele sistema um principio da oportunidade. O nosso processo penal vincula o
MP, e nao lhe da margem de arbitrariedade para negociar ou tentar acordos. Nao pode optar por nao acusar
quando recolhe indicios da pratica de um crime e quem foi o seu agente. Isto decorre do art. 219o da CRP.
Chegou a discutir-se, nesta disputa entre principio da legalidade e principio da oportunidade, se a nossa
CRP imporia ou nao uma opcao pelo principio da legalidade. Esta questao levantou-se na entrada em vigor
do CPP de 1987. O Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre esta materia, quando lhe foi submetida
fiscalizacao da constitucionalidade do CPP de 87. O constitucionalista Vital Moreira pronunciou-se num
sentido afirmativo, dizendo que a CRP impoe um respeito claro pelo principio da legalidade. Quando se fala
em oportunidade referimo-nos ao poder do MP de acusar ou nao, tal como vigora no sistema anglo-
saxonico. O CPP no seu art.262o e claro e indica-nos as funcoes do MP. O art.283 do CPP diz-nos que
recolhidos indicios suficientes ele acusa, nao da outra oportunidade ao MP. “Indícios suficientes” sao
aqueles que resultarem num possibilidade razoavel de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de
seguranca (art.283o, n.o2 do CPP). Da mesma maneira, o art.277o do CPP diz que sempre que MP recolha
indicios de que nao houve crime ou quando não recolhe indicios suficientes e obrigado a arquivar. Este
arquivamento tambem e uma imposicao legal.
Este principio da legalidade tem sido muito discutido versus principio da legalidade. Recentemente essa
discussao voltou a baila devido a aproximacao dos dois sistemas, devido ao sentido convergente entre o
dito sistema continental e o anglo-saxonico, isto quer dizer que o sistema continental esta a adquirir laivos
do sistema anglo-saxonico, e que este ultimo esta a importar caracteristicas do principio da legalidade.
Existem no nosso sistema aberturas ao principio da oportunidade?
Hoje em dia abre-se um conjunto de instrumentos que pretendem ter um lugar no principio da oportunidade,
e o que se passa com a mediacao penal, embora ainda seja um processo ha ja uma desjudicializacao, mas
muito antes disso o CPP ja tinha uma marca que e de conhecimento internacional, que e o instituto da
suspensao provisoria do processo (art.281o do CPP) e o arquivamento com dispensa de pena (art.280o do
CPP). Estes dois mecanismos sao as aberturas mais significativas ao principio da legalidade e sao motivo
de louvor do nosso CPP. Estes institutos criam uma margem de manobra ao MP, porque de acordo com o
art. 280o do CPP o MP embora tenha fundamentos pode decidir arquivar o processo. Diz o art. no seu n.o1
que “ se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre expressamente prevista na lei a

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possibilidade de dispensa de pena, o MP, com a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo
arquivamento do processo, se se verificarem os pressupostos daquela dispensa.”
Este mecanismo funda-se no facto de o proprio CP prever a dispensa de pena, por se tratarem de coisas
minimas, em que o bem juridico e de diminuto valor, a censura ao agente existe mas nao e significante, e
nao ha razoes de prevencao. Por isso nao faz sentido ocupar os tribunais com tal processo, pois existe o
acordo das partes bem como existe a concordancia entre o MP e o juiz de instrucao.
Ja o art. 281o do CPP, e mais elaborado, e um instituto especial, reza este artigo que “ se o crime for
punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério
Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do
juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de
conduta, sempre que se verifiquem” os pressupostos das alineas do n.o1 do mesmo artigo.
Ao contrario da dispensa de pena onde temos uma transposicao da lei penal para o processo penal, onde o
MP verifica que estao preenchidos os seus pressupostos, ele proprio aplica o arquivamento do processo
com dispensa de pena, e assim ja nao ha necessidade de tal processo ir a julgamento. O MP, recorrendo a
este instituto ele faz uma antevisao do que seria o desfecho daquele processo caso ele fosse a julgamento.
Na suspensao provisoria do processo temos requisitos de ordem material, mas o processo fica suspenso
durante um determinado periodo de tempo com a condicao de o arguido ficar sujeito a regras de conduta.
Se durante esse periodo o arguido desrespeitar essas injuncoes ou se voltar a delinquir, o processo retoma-
se. Aqui, nao ha a partida um arquivamento, tal como sucede no caso de arquivamento com dispensa de
pena. Ha uma suspensao do processo, ha uma especie de liberdade para prova.
E preciso que se verifiquem um conjunto, relativamente, amplo de pressupostos. Inicialmente, este artigo
estava pensado para os crimes contra a liberdade sexual, agora tambem se aplica aos crimes e violencia
domestica e ao crimes contra a liberdade e autodeterminacao sexual. Neste tipo de crimes era frequente a
vitima desistir com medo das represalias que iria sofrer por parte do conjuge, ou companheiro. Atraves
deste mecanismo a vitima fica protegida, porque sabe que o processo esta em aberto e caso o agressor
infrinja alguma injuncao, a suspensao do processo cessa. E tambem nao obriga a vitima a ir contra o seu
conjuge.
O processo sumarissimo e considerado, igualmente, um instituto de abertura ao principio da oportunidade.
Este processo vem regulado nos art.392º ss. do CPP, aqui e o MP que decide como vai ser o processo, ele
nao devia ter esta funcao, porque a partir do momento em que acusa o processo passa para as maos do
juiz de instrucao. Neste caso, verificados os pressupostos o MP pode entender que naquele caso concreto
nao deve ser aplicada uma pena privativa da liberdade aquele agente, porque e um agente primario, o crime
e menor, a culpa e diminuto e as exigencias de prevencao nao se sentem. Trata-se de uma cedencia ao
principio da legalidade obvia, porque quem decide aqui e o MP.
Uma norma como esta levanta duvidas devido ao principio da separacao de poderes, e porque a estrutura
do nosso processo penal e toda ela acusatoria, vai no sentido de que quem investiga nao julga. Permitir ao
MP decidir qual a forma do processo e entrar nas funcoes jurisdicionais. E se o juiz do processo
sumarissimo, optar no caso em concreto, por uma medida privativa da liberdade? Nestes casos o juiz deve
remeter para a forma de processo adequada. As garantias do processo sumarissimo sao diminuidas, e a
tramitacao e diferente.
O facto de o MP decidir por um processo sumarissimo, vai ter como consequencia um inquerito mais ligeiro,
que do ponto de vista da aquisicao de provas para submeter a julgamento e muito mais fragil. Entao se o
juiz achar que aquele processo nao e ao adequado, vai remeter para o processo competente, contudo o
inquerito ja terminou, os elementos de prova constam na acusacao, e esta delimita o ambito do processo.
Isto levanta muitas questoes.
Contudo, nao ha duvidas que este processo sumarissimo corresponde a uma abertura ao principio da
oportunidade.

1.3. Princípio da Acusação

O principio da acusacao e um principio muito importante no processo penal. Esta previsto na C.R.P. no art.
32o, n.o 5, que nos diz que o tribunal apenas pode investigar e julgar dentro dos limites postos pela
acusacao, produzida pelo MP ou pelo despacho de pronuncia, consequencia da instrucao aberta por um dos
sujeitos processuais.
Tendo em conta que estamos perante um processo de estrutura acusatoria, isto e, temos uma parte que
investiga e acusa e outra que julga, entao e como consequencia disto, existe o principio da acusacao que
nos diz que, havendo um sujeito que investiga e acusa, o que julga nao pode alterar a acusacao, porque
isso e competencia de uma outra entidade que e o MP, ou o assistente no caso dos crimes particulares

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stricto sensu. Portanto, a partir daqui, nao podia ser outra a solucao senao a de que, fora dos limites
estabelecidos pela acusacao, nao e possivel investigar, logo, nao e possivel julgar. Nao se pode julgar por
factos que nao constem da acusacao, a nao ser nas situacoes de excepcao que a lei preve.
O principio da acusacao, ao dizer que ha uma entidade que investiga e acusa e outra que julga, diz-nos que
a primeira e aquela que define o objecto do processo, ou seja, atraves da acusacao define-se o objecto do
processo, e e este que ira ser conduzido a julgamento. Ha, portanto, uma limitacao do tribunal de nao poder
investigar determinado facto que nao conste na acusacao. Claro que o tribunal pode comunicar ao MP a
existencia desse novo facto. O que, por principio, nao pode e alterar o objecto do processo em sede de
julgamento, porque ele ja esta fixado pelo MP, no caso dos crimes publicos e nos crimes semi-publicos, e
pelo assistente no caso dos crimes particulares em stricto sensu.
Pode suceder que, havendo abertura da instrucao, o objecto do processo venha a ser fixado pelo despacho
de pronuncia mas tendo em conta o que vem enunciado no requerimento de abertura de instrucao. Por
exemplo, se na acusacao consta a pratica do crime de ofensas corporais e se quem abre a instrucao
entende que tambem houve crime de difamacao, se o juiz de instrucao verifica que o crime de difamacao foi
efectivamente cometido, entao vai emitir o despacho de pronuncia e fixa o objecto do processo a partir
daqui, ja contendo o
crime de difamacao. O que o juiz nao pode fazer e ele proprio investigar por novos factos e pronunciar por
esses factos. Esta é a primeira limitacao ao principio da acusacao.
Em segundo lugar, sem acusacao nao pode haver despacho de pronuncia ou julgamento, a acusacao e
pressuposto da existencia destes. A acusacao ao fixar objecto do processo, esta a ditar a uma vinculacao
tematica. Costuma dizer-se que o tribunal fica vinculado tematicamente ao objecto do processo fixado pela
acusacao. Aqui chama-se a colacao um conjunto de principios, decorrentes do principio da acusacao, que
passamos a enumerar:

- Principio da identidade: isto significa que o objecto do processo deve manter-se o mesmo desde a
acusacao ate ao transito em julgado da sentenca;

- Principio da unidade ou da invisibilidade: deve ser conhecido e julgado na sua globalidade de modo
unitario, sem ser fraccionado ou dividido;

- Principio da consumpcao do objecto do processo penal: caso o processo nao tenha sido julgado como um
todo, vale como se tivesse sido julgado de forma indivisivel, ou seja, se determinado facto levado a
julgamento que não tenha obtido uma decisao sobre ele, da-se como analisado, pois ele fazia parte da
acusacao, e aplicando o principio da unidade, ele tera sido julgado dentro do processo, porque este se
considera como um todo.

Formulado o principio, problema que se levanta é o de saber se é possivel, ainda assim, e quando, alterar o
objecto do processo.
É permitido ao juiz fazer alterações, mas das duas uma: ou essas alteracoes sao substanciais e ha acordo
dos sujeitos processuais, ou nao são substanciais e como tal nao alteram o objecto do processo.
Temos de saber o que sao alteracoes substanciais do objecto. No art. 1o, alínea f) do CPP, entende-se
como “alteração substancial dos factos aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime
diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”. Ou seja, se o individuo esta a ser
acusado de ter cometido o furto do relogio de marca “Omega”, e durante o julgamento se concluiu que o
relogio era da marca “Tissot”, ha, aqui, uma pequena alteracao no objecto do processo, mas essa alteracao
nao e substancial, porque continuamos a ter um crime de furto simples, nao chega a haver um crime diverso
e nem ha alteracao do limite maximo da pena aplicavel. Agora, se no julgamento se veio a verificar que,
para proceder ao furto, o individuo se introduziu ilegitimamente na habitacao do ofendido, este novo facto
transforma o crime de furto simples em crime de furto qualificado. Aqui o crime ja e diverso, e e punido com
pena de prisao ate 5 anos, ao passo que o crime de furto simples e punido com pena de prisao ate 3 anos,
ou seja, temos alteracao do limite maximo da pena de prisao.
Deste modo, estamos perante uma alteracao substancial dos factos.
O art. 303o do CPP, refere-se a situacao em que, apos a acusacao e na fase de instrucao surgem novos
factos.
O no. 1 deste artigo diz respeito aos casos em que a alteracao dos factos nao e substancial (no exemplo
anterior, e o caso do relogio furtado ser da marca “Tissot” e nao da marca “Omega”). Aqui, o juiz,
oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteracao ao defensor, interroga o arguido sobre ela sempre
que possivel e concede-lhe, a requerimento, um prazo para preparacao da defesa nao superior a oito dias,

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com o consequente adiamento do debate, se necessario, mas prossegue-se. No despacho de pronuncia ira
aparecer este novo facto, porque a lei assim o permite.
O no. 3 do mesmo artigo indica que uma alteracao substancial dos factos descritos na acusacao ou no
requerimento para abertura da instrucao nao pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de
pronuncia no processo em curso, nem implica a extincao da instancia. Neste caso, a comunicacao da
alteracao substancial feita ao MP vale como denuncia pelos novos factos, ou seja, se a alteracao nao e
substancial o juiz pode avancar, dando um prazo ao arguido para preparar a sua defesa. Se a alteracao e
substancial, nao pode avancar, tendo de comunicar ao MP, para efeito de abertura de um novo processo
relativamente a esse facto (art. 303o, n.o4 do CPP). Aqui estamos a partir do pressuposto que estes novos
factos que alteram a acusacao nao são factos que estao no requerimento de abertura de instrucao, porque
sendo factos que estao no requerimento nao se pode falar de alteracao substancial dos factos, estamos a
falar do motivo/causa da instrucao. Portanto, se o juiz considerar que de facto e assim que esta no
requerimento de abertura de instrucao, nao existe alteracao, existe apenas a comprovacao judicial de que a
acusacao esta mal feita, e que o requerimento de abertura de instrucao esta bem feito, e pronuncia-se de
acordo com este.
Relativamente ao julgamento de instrucao, quando a alteracao nao e substancial, esta situacao esta
regulada no art. 358o do CPP: comunica-se ao arguido, da-se um prazo para ele preparar a sua defesa, e
pode fazer-se essa
alteracao. Isto tem uma ressalva: quando a acusacao tenha derivado de factos alegados pela propria
defesa. Se a alteracao for substancial, nao pode ser tomada em conta pelo tribunal, faz-se a comunicacao
ao MP que vale como denuncia para que ele proceda penalmente. O n.o2 do art. 358o do CPP tem um
limite, muito importante que esta a dar azo a criticas, (que e identico ao no. 4 do art. 303o d CPP): a
expressao “ se estes forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo”, ou seja, so se pode
comunicar ao MP os novos factos para serem perseguidos criminalmente se eles forem separaveis do resto
do processo, se eles forem autonomizaveis. Caso contrario, esses factos nao serao investigados.
Recorrendo ao exemplo do furto simples, a existencia de um facto que qualifique o facto, se nao puder ser
autonomizada do furto simples, não permite avancar com um novo inquerito apenas sobre essa
circunstancia que veio alterar a base do furto. Nestes casos, este facto nao pode ser tido em conta no
processo, e tambem nao pode dar lugar a uma nova investigacao, porque esse facto nao e autonomizavel
do restante processo.
Podemos pensar que isto e uma injustica, podemos pensar que por erro do MP esse novo facto nao consta
do processo, e por tal o agente nao vai ser devidamente julgado. Isto e uma desvantagem do principio da
acusacao, o qual expressa a vinculacao tematica do tribunal ao objecto do processo.
Se, quer na instrucao, quer no julgamento, se concluir que o MP classificou mal aqueles factos, por
exemplo, e o objecto furtado era de valor elevado, esta assim descrito na acusacao, e o MP designou tal
facto como furto simples e nao como furto qualificado, nestes casos, nao existe alteracao do objecto do
processo, porque os factos sao os mesmos. Temos e uma alteracao da qualificacao juridica dos factos, a
qual e possivel, pois nao afecta o principio da acusacao. O individuo tem um prazo para preparar a sua
defesa em funcao da nova qualificacao juridica dos factos. E passa a ser julgado por um crime qualificado.

Princípio da Acusação

O principio da acusacao diz-nos que recolhendo o MP indícios durante a investigacao, ele tem que acusar.
Depois desta acusacao, o juiz pode trazer mais factos para o processo?
O juiz, no julgamento, ao fazer inquiricoes as testemunhas descobre um novo facto. Este novo facto pode
fazer parte deste processo?
Com a acusacao fixamos o objecto do processo, esta e a regra. Todos os factos sobre os quais o juiz vai
poder incidir o seu poder de investigacao, sao so os factos que constam no despacho de acusacao. Isto tem
uma nuance no que toca a instrucao que ira ser tratada adiante.
Este principio e relevante na questao do objecto, e esta ligado ao principio da vinculacao tematica, o qual,
por sua vez, se subdivide em três principios:

1. Principio da Identidade;
2. Principio da Unidade;
3. Principio da Consumpcao.

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Quanto ha identidade significa que e na acusacao que se identifica o objecto do processo, ele esta
cristalizado no despacho de acusacao, para defesa do arguido, para saber do que que esta a ser acusado e
para preparar a sua defesa.
No que diz respeito a unidade queremos dizer que sao todos aqueles factos que devem ser apreciados e
submetidos a julgamento.
Por consumpcao quer-se dizer que todos aqueles factos devem ser julgados irrepetivelmente naquele
processo, considerando-se julgados findo aquele processo. Eles consideram-se julgados naquele processo
mesmo que não tenham sido objecto de avaliacao por parte do juiz, se num conjunto de factos fazem parte
um conjunto de circunstancias submetidas a julgamento, e, mesmo que o juiz nao se pronuncie sobre eles
(por lapso), eles consideram-se julgados.
Nao pode surgir um novo processo para julgar partes processuais que estavam inseridas dentro de um
processo. Assim a acusacao define quer o objecto do processo bem como a defesa do arguido, define
tambem os poderes dos tribunais (o poder de julgar), aquilo que ele pode investigar, e por consequência
reflecte-se no resultado do processo. Aquilo que advier enquanto consequência juridica daquele processo, e
considerado como consequencia de todos os factos, e nenhum deles poder ser repetido.
Isto pode levantar problemas quando um conjunto de factos passou em” branco” no processo, e
particularmente no crime continuado. Neste ultimo, a lei ficciona um conjunto de factos individuais que se
repetem todos os dias, e o direito pressupoe que havendo uma diminuicao sensivel da culpa do agente, ele
pode ser julgado pelo por um crime so.
Supondo que o MP descreve o seguinte: o senhor A no dia 1 furtou 5 cadernos, no dia 2 furtou 50 sacos de
farinha, no dia 4 furtou uma maquina de cafe. Estes factos constam na acusacao. Isto vai a julgamento, no
decurso deste o juiz verifica que o A, tambem entrou em casa do B no dia 3, 5 e 6 furtou outros objectos. O
que se passa com estes novos factos? Nao dao origem a um novo processo devido a consumpcao daquele
processo, se tais factos nao constam na acusacao consideram-se perdidos. Pois a lei ficciona,
juridicamente, que no crime continuado se trata de um unico facto. Este e o caso mais gritante do principio
da consumpcao. A impossibilidade de voltar a imputar, mais tarde, um conjunto de factos que deviam estar
naquela acusacao e nao estavam, funciona como o principio “casum sentit dominus”, a responsabilidade e
imputada ao MP e nao ao arguido, considera-se que este nao pode ser prejudicado devido a ma
investigacao do MP. Os factos posteriores ao crime continuado o juiz aceita que e um crime autonomo. Ha
doutrina que entende que se tratando de factos sucessivos esses devem considerar-se como se fossem um
crime continuado. E se um desses factos constituir um furtou mais elevado, de modo, a que o crime passe
para furto qualificado, entao aplica-se a nova moldura e substitui-se a moldura anterior. Mais complicado
sao os factos anteriores a acusacao, mas aqui ja envolve a questao do caso julgado.
Outro problema que se levanta e a questao da alteracao substancial dos factos. Durante o julgamento o juiz
descobre novos factos, os quais vao alterar o tipo legal de crime, passamos de homicidio simples, para
homicidio qualificado.
Pode o juiz proceder a tal alteracao? Isto exemplo, pretende demonstrar que a fixacao do objecto tem toda a
relevancia, e conduz a questao mais debatidas no processo penal, sobre a alteracao substancial dos factos.

Caso prático n.º 4

A decidido a colocar Vila do Tedio, no mapa da imprensa cor-de-rosa, faz publicar um panfleto onde conta
as ultimas aventuras intimas de B, afamada viuva la da terra. Indignada com o escrito, B apresenta queixa
contra
A, promovendo o inicio do respectivo inquerito.
Encerrado o inquerito, o Ministerio Publico, com a concordancia do juiz de instrucao, decide o arquivamento
por dispensa de pena. Quis iuris?

Resolucao:

Esta em causa o principio da legalidade e uma excepcao a este principio. O MP tem a obrigacao de acusar
por todos os inqueritos, nos quais consiga indicios suficientes da pratica do crime e quem foi o seu agente.
Indicios suficientes sao nos termos do art. 283o, n.o2 do CPP aqueles dos quais resultar uma possibilidade
razoavel de ao arguido vir a ser aplicada, por forca deles, em julgamento, uma pena ou medida de
seguranca. Ha indícios suficientes quando na fase de inquerito se tiverem recolhidos provas bastantes,
havendo uma probabilidade seria do arguido vir a ser condenado, ou quando haja mais probabilidades de
ele vir a ser condenado e nao absolvido. E nos termos do n.o1 do mesmo artigo, sempre que o MP recolha
indicios suficientes da pratica de um crime e quem foi o seu agente esta obrigado a deduzir acusacao contra

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esse sujeito. Esta obrigacao do MP deduzir acusacao, no prazo de 10 dias, e uma manifestacao clara do
principio da legalidade. Contudo, este principio faz algumas cedencias ao principio da oportunidade. Sao
exemplos dessa abertura, ao principio da oportunidade, o caso do arquivamento com dispensa de pena (art.
280o do CPP) e o caso da suspensao provisoria do processo (art. 281o do CPP).
No caso sub judice, o MP arquivou com dispensa de pena. Para tal temos que ver se estao preenchidos os
pressupostos do art.280o do CPP.
Em primeiro lugar, temos que ver se o crime, substantivamente, admite a dispensa de pena. Para tal temos
que recorrer ao C.P. no caso, estamos perante um crime de difamacao, previsto no art. 180o do CP. Nos
termos do n.o2 do mesmo artigo, temos uma causa de exclusao da culpa, quando a imputacao for feita para
realizar interesses legitimos e o agente provar a veracidade dos factos. Desta forma, temos que saber o que
se entende por interesses legitimos.
Este conceito indeterminado fez correr muita tinta entre a doutrina, tendo sido publicado um artigo na
Revista Legislacao e Jurisprudencia, pelo Prof. Figueiredo Dias e Costa Andrade, entendendo estes que sao
interesses
legitimos, aqueles interesses que visem concretizar um direito essencial ou uma formacao da cidadania das
pessoas. Pode a imprensa publicar todo o direito informado para o cidadao, mas para a sua formacao
individual, e nao se consideram interesses legitimos, aqueles que visam apenas um interesse lúdico ou de
entretimento.
No caso, o panfleto, nao satisfaz nenhum interesse legitimo e como tal, estamos perante um crime de
difamacao, p.p no art.180o, n.o1 do CP. Este artigo e insuficiente e como tal temos que recorrer ao art.182o
do CP, segundo este, a difamacao e a injuria sao equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou
qualquer outro meio de expressao. Aqui ja cabe o panfleto do nosso caso pratico. Desta forma, o A ira ser
punido pelo crime de difamacao (art.182o do CP).
Nos termos do art. 186o do CP esta prevista a dispensa de pena, assimsendo, esta preenchido o primeiro
pressuposto.
Em segundo lugar, e necessario o acordo do juiz de instrucao, no enunciado e dito que o juiz de instrucao
concordou. Ficando assim outro requisito preenchido.
Por ultimo, temos que saber qual a natureza do crime de difamacao. Atraves da leitura do art. 188o do CP,
concluimos que o procedimento criminal depende de acusacao particular, como tal estamos perante um
crime particular. De acordo com o enunciado, a viuva B apresentou queixa. Apresentar queixa nao e a
mesma coisa que dizer que ela se constituiu assistente e que deduziu acusacao. Nao se constituindo
assistente, nem sequer ha abertura de inquerito.
Este ultimo paragrafo deve ser analisado em primeiro lugar. Foi analisado em ultimo lugar para se proceder
a avaliacao do arquivamento em caso de dispensa de pena. Se tratasse este assunto, logo no inicio, o
processo terminava, porque nao se constituindo o ofendido assistente, o MP nao tem legitimidade para
prosseguir com uma investigacao contra um crime particular.

Caso prático n.º 5

O MP inicia procedimento criminal contra A, por suspeita de este ter subtraido de um cemiterio um crucifixo
em bronze. Encerrado o inquerito, o MP entende ter recolhido indicios suficientes de que A praticou o crime,
mas pretende arquivar o inquerito por julgar serem praticamente inexistentes as necessidades de prevencao
especial. Pode faze-lo? Qual seria a sua decisao?

Resolucao:

No caso, o MP inicia o procedimento criminal contra A, por este ter subtraido de um cemiterio um crucifixo
em bronze. Quanto ao tipo legal de crime estamos perante um furto qualificado, nos termos do art. 204,n.1,
Al. c) do CP. Quanto a natureza do crime, como o art. 204o do CP, nao se pronuncia sobre o facto de ser
necessario ou nao queixa, e acusacao particular, significa que estamos perante um crime de natureza
publica, pois este nao necessita de qualquer procedimento para dar inicio ao procedimento. Por vezes,
encontramos no fim do capitulo a natureza do crime. Quando nada se diz o crime e publico, pois a regra e o
crime ser publico, so quando se diz coisa em contrario e que o crime e semi-publico ou particular.
Assim sendo, o procedimento criminal nao depende de queixa, o MP iniciou bem o inquerito, e encerrado
este, o MP entende que recolheu indícios suficientes de que o A praticou o crime. O MP pretende arquivar o
inquérito por julgar serem inexistentes as necessidades de prevencao especial. E o MP quem tem a
direccao do processo, cabendo-lhe arquivar ou acusar, mas estas funcoes estao imperativamente
determinadas na lei.

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As duas primeiras formas de encerramento do inquerito sao as duas formas tradicionais, classicas, tipicas e
as maioritarias.
FORMAS POSSIVEIS DE ENCERRAMENTO DO INQUÉRITO:
ARQUIVAMENTO
(ART. 277º DO CPP)
ACUSAÇÃO
(ART.283º DO CPP)
ARQUIVAMENTO COM
DISPENSA DE PENA
(ART. 280º DO CPP)
SUSPENSÃO PROVISÓRIA
DO PROCESSO
O MP procede ao arquivamento do processo quando recolhe prova bastante de se nao ter verificado crime,
de o arguido nao o ter praticado a qualquer titulo (art.277o,n.1 do CPP). O inquerito e, igualmente, arquivado
se
nao tiver sido possivel ao MP obter inicios suficientes da verificacao do crime e quem foi o seu agente
(art.277o, n.o 2 do CPP). Do despacho de arquivamento do MP nao ha possibilidade de recurso. Os sujeitos
processuais podem impugnar o despacho de arquivamento do MP, pedindo o Requerimento de Abertura de
Instrucao (RAI).
Quando o MP recolhe indicios suficientes de se ter verificado o crime e quem foi o seu agente, ele no prazo
de 10 dias, deduz acusacao contra aquele (art.283o, n.o1 do CPP). Isto e o que resulta do principio da
acusacao e do principio da legalidade.
Ao lado destas, ha duas saidas que sao o arquivamento para dispensa de pena e o caso da suspensao
provisoria do processo. Estas sao duas eventuais e segmentarias formas de conclusao do processo de
inquerito. Estas duas solucoes saem do vector da acusacao.
No caso do arquivamento para dispensa de pena ha indicios, se nao há indicios, o MP so tem uma opcao
que e arquivar. Se ele tiver indicios, mas se se verificarem os pressupostos da dispensa de pena, por se
tratar de coisas bagatelares do ponto de vista juridico, nao faz sentido estar a perseguir com aquele
processo, pois se ha acordo pode prosseguir para o arquivamento com dispensa de pena (art.280o do
CPP).
Solucao distinta e muito mais frutuosa e o da suspensao provisoria do processo, aqui o MP sustem o
processo por um periodo probatorio, impoe um conjunto de regras e injuncoes ao arguido. Se ele as cumprir
o processo cessa, se ele infringir alguma regra de conduta o processo retoma-se. Na suspensão provisoria
do processo este pode acabar em arquivamento (quando o arguido respeita as regras de conduta), ou em
acusacao (quando o arguido desrespeita as regras de conduta).
No caso, partindo do art.277o do CPP, o MP nao pode arquivar o processo, porque ele recolheu indicios da
pratica do crime e quem foi o seu agente, e de acordo com o principio da legalidade o MP so pode acusar,
nos termos do art.283o do CPP. Podemos dizer que o nosso CPP, todavia, consagra duas formas
particulares que sao uma cedencia ao principio da oportunidade, que sao:

- Arquivamento para dispensa de pena (art. 280o do CPP): o primeiro requisito desta e que a dispensa de
pena esteja prevista na lei substantiva.
Como tal nao se encontra, este instituto nao se vai aplicar.

- Suspensao provisoria do processo (art.281o do CPP): requisitos:

1. Crime punivel com pena de prisao nao superior a cinco anos ou com sancao diferente da prisao. Assim
temos que voltar ao art.204, n.1, do CP, onde nos diz na sua alinea i) que o crime de furto qualificado e
punível com pena de prisao ate cinco anos ou com pena de multa ate 600 dias.
Assim, este requisito esta preenchido.
2. O MP oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente determina com a concordancia do juiz
de instrucao. No caso nada nos e dito, entao consideramos que o juiz de instrucao esta de acordo.
3. Concordancia do arguido e do assistente: este e o mais dificil de obter, porque e dificil o assistente estar
de acordo com o arguido.
4. Restantes alineas do n.o1 do art. 281 do CPP.

Devido a necessidade de concordancia entre o MP, juiz de instrucao, assistente e arguido, e dificil o MP
decretar a suspensao provisoria do processo, pois e dificil obter o acordo destes sujeitos processuais, visto

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que eles perseguem objectivos diferentes. Por isso e considerada uma forma lateral de encerramento do
inquerito.
Esta medida e decretada pelo MP, no fim do inquerito tendo por base as finalidades das penas, isto e
estranho ao nosso sistema, porque o MP esta a entrar na esfera juridica do juiz, e alem disso ja estamos a
fazer consideracoes de culpa sobre o arguido, o qual ainda nao foi julgado. Preenchidos estes
pressupostos, o MP podia concluir pela suspensão provisoria do processo, note-se que o MP teria que apor
ao arguido cumulativa ou separadamente as injuncoes previstas no n.o2 do art. 281o do CPP. Estas
injuncoes sao muitos semelhantes as medidas de coaccao.
Em suma, o MP nao podia arquivar, podia, quando preenchidos os ditos requisitos, optar pela suspensao
provisoria do processo (art. 281o do CPP), se assim nao fosse so lhe resta acusar nos termos do art. 283o
do CPP.

2. Princípios relativos à prossecução processual

2.1. Princípio da investigação

O principio da investigacao consiste no poder-dever que o tribunal tem de esclarecer e investigar


autonomamente o facto trazido a julgamento, para alem das contribuicoes que os sujeitos processuais
possam fornecer, para poder decidir com conviccao o caso concreto. Este principio e corolario do principio
da verdade material.
O tribunal nao esta dependente dos contributos que os sujeitos processuais possam trazer para o processo,
tal como sucede em direito processual civil, e por isso pode e deve investigar o caso autonomamente. Há
quem diga que, se existisse algum onus de prova no processo penal, esse seria do tribunal, do juiz, porque
este tem que decidir na base das provas que são carreadas para o processo e como os sujeitos processuais
nao tem onus de prova e como o juiz nao esta limitado aos contributos dos sujeitos processuais, o juiz, para
alcancar a verdade material, pode e deve investigar livremente.
Este principio esta intimamente ligado a prova, aos meios de obtencao de prova e a sua admissibilidade.
Para alem desta formulacao do conteudo do principio da investigacao, ele sera mais trabalhado quando
estudarmos os principios relativos a prova.

Princípio da investigação

Estes principios aplicam-se, genericamente, a todo o processo penal, mas tem matrizes particulares em
algumas fases, sobretudo, na fase de julgamento.
O nosso modelo e acusatorio mitigado com o principio do inquisitorio, porque o processo penal nao e um
processo de partes, o juiz, aqui, nao e aquele que apenas recebe aquilo que a acusacao e a defesa levam,
pois ele faz um juízo imparcial, o juiz tem um poder-dever de investigacao autonoma dos factos (que
constem na acusacao). Este principio, tambem, e chamado de principio da verdade material, porque o juiz
pode requerer certa producao de prova, pode inquirir testemunhas, requerer a entrega de certo
documento… O juiz pode por
si, de modo proprio praticar esses actos. Isto sucede assim tanto na instrucao como no julgamento, sendo o
seu papel mais acentuado na ultima fase, pois ai o juiz tem um poder que nao estamos habituados a ve-lo
noutros processos, aqui ele conduz a prova. A mesma coisa tambem se aplica em defesa do arguido, se o
juiz entende que para defesa do arguido tem que ser produzidas as provas A e B, ele pode faze-lo.
Encontramos no art.340o do CPP uma manifestacao deste principio, este artigo e essencial para qualquer
jurista, porque e um artigo que permite requerer ou ordenar diligencias probatorias estando ja o julgamento
a decorrer.
No processo civil, as provas sao indicadas nos respectivos articulados, no processo penal as provas sao
plasmadas na acusacao. Do lado do arguido, há uma contestacao. Marcada a data para julgamento, e
recebido pelo juiz de julgamento o qual agenda uma data para audiencia, e a partir desse momento o
arguido e notificado e tem um prazo para contestar. O que se passa no processo penal, e que esta
contestacao nao tem tanta relevancia pratica como tem no processo civil, porque duas razoes:

1) O arguido nao tem nenhum onus da prova. Quem tem que provar tudo e o MP, por isso na maior parte
dos casos o arguido nao contesta, quando o faz ele “oferece o merecimento dos autos”, isto e, durante o
julgamento se provara aquilo que o MP entende. Este articulado e usado para indicar algumas provas. O
arguido deve arrolar previamente algumas testemunhas, mas se o nao fizer, pode faze-lo durante o

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julgamento. O art. 340o do CPP da a possibilidade que alegando a descoberta da verdade material, e
permitido arrolar testemunhas. E um requerimento dirigido ao juiz (na maior parte das vezes o pedido e
deferido).

2) Se tal e permitido ao arguido tambem se estende ao assistente e ao MP. Temos tambem o art.323o do
CPP, que fala nos poderes de direccao e de disciplina do processo, e o art. 328o que fala da contrariedade
dos meios
apresentados na audiencia. Na fase da instrucao, temos 288o, n.o4 do CPP, o qual nos diz que o juiz
investiga autonomamente o caso submetido a instrucao, tendo em conta a indicacao, constante do
requerimento da abertura de instrucao. Este requerimento e o articulado que da inicio a instrucao porque um
dos sujeitos nao concorda com uma questao. O arquivamento para dispensa de pena e a suspensao
provisoria do processo sao formas de encerramento de inquerito que nao permitem impugnacao, porque
eles partem do acordo dos sujeitos processuais.
No arquivamento e na acusacao ha sempre alguem que nao esta contente. Face ao arquivamento a pessoa
que cria o procedimento criminal fica descontente, quando temos uma acusacao o arguido fica insatisfeito.
Assim a um despacho como este tem que haver uma forma de reaccao que nao e um recurso. E uma forma
de sindicancia da decisao do MP atraves do tribunal. Ate aqui e o MP que procede a todas as diligencias,
incluindo a decisao de enviar ou nao a decisao para julgamento. E para impugnar esta decisao que surge
Requerimento de Abertura de Instrucao (RAI). A instrucao e uma fase facultativa que surge entre o inquerito
e o0 julgamento que serve icara sindicar a decisao do MP de submeter ou nao o processo a julgamento
(art.286o, n.1 do CPP).
A instrucao nao serve para investigar outros factos e nem serve para alargar o objecto do processo. Serve
apenas para verificar se o MP decidiu bem ou mal na forma como decidiu.
Temos o principio da investigacao na fase de instrucao, pois de acordo com art. 288o, n.o4 do CPP, o juiz
investiga autonomamente o caso submetido a instrucao, tendo em conta o referido no RAI. Este e um
articulado feito por um dos sujeitos (que da origem a instrucao), a dizer que: discorda com a decisao do
MP, quais as consequencias, e que provas nao foram tomadas pelo MP. Este requerimento funciona como
uma antecamara de defesa. Antecipa a defesa do arguido no julgamento para a fase da instrucao, mas na
generalidade dos casos nao tem sucesso. Pois a unica finalidade da instrucao e verificar se existem ou nao
indicios suficientes que aquele arguido cometeu ou nao aquele crime.
Muito embora o juiz de instrucao deve ter como indicativo este requerimento, nos termos do 288o, n.o 4 do
CPP, o juiz pode investigar autonomamente os factos. E o mesmo se passa com o art. 290o do CPP.
Quando falamos em principio da investigacao, nao nos estamos a referir a investigacao do MP, mas sim a
investigacao noutras fases processuais, e ao poder –dever do juiz poder investigar novos factos.

2.2. Princípio da contraditoriedade

O principio da contraditoriedade ou principio do contraditorio significa que, sempre que um sujeito


processual invocar algo no processo, ao outro sujeito assiste o direito de contradizer, de contrapor. Para que
se garanta, tal como esta previsto no art. 32o, no.5 da C.R.P., que todo o processo, sempre que possivel,
decorra de acordo com principio do contraditorio, isto e, que as partes tenham direito de se oporem ao que
foi dito pelo outro sujeito processual.
A fase em que este principio e mais fertil e na fase de julgamento, porque aqui tem de haver um
contraditorio assumido. Contudo, pode suceder em outras fases, como, por exemplo, na fase de inquerito,
que e uma fase assumidamente de investigacao, em que o contraditorio estara um pouco prejudicado, mas
mesmo aqui, se analisarmos o art. 61o, no.1, al. a, b, c, d, g do CPP, o principio do contraditorio esta
presente. No caso do assistente, temos o art. 69o, no.2, al. a) do CPP, que lhe confere a possibilidade de
intervir quer no inquerito quer na instrucao para exercer o contraditorio. Na instrucao, no art. 298o do CPP,
relativamente ao debate instrutorio, e muito claro o principio do contraditorio, pois diz o artigo que “o debate
instrutório visa permitir uma discussão perante o juiz, por forma oral e contraditória, sobre se, do decurso do
inquérito e da instrução, resultam indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a
submissão do arguido a julgamento”.
E na fase de julgamento, onde sao esgrimidos os argumentos pro e contra a tese da defesa e da acusacao,
que o principio do contraditorio assume um papel de alto relevo. Basta recorrer ao art. 327o do CPP que tem
logo como epigrafe “Contraditoriedade”, e no seu no.1, que diz que “ as questões incidentais no decurso da
audiência são decididas pelo tribunal, ouvidos os sujeitos processuais que nelas forem interessados”; e no

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seu no.2 e-nos dito que os meios de prova apresentados no decurso da audiencia sao submetidos ao
principio do contraditorio, mesmo que tenham sido oficiosamente produzidos pelo tribunal.
Da leitura destes artigos, mesmo que se diga que o processo penal portugues nao e todo ele regido pelo
principio do contraditorio, e isso percebese pela fase de inquerito em que o MP domina e que tem como
objectivo investigar a pratica de um crime e quem foi o seu agente, onde nao ha um contraditorio puro,
porque a propria natureza desta fase nao se compatibiliza com tal principio; mesmo assim, temos alguns
afloramentos deste principio.

No julgamento, o principio do contraditorio tem de ser observado sob pena de haver algumas situacoes de
nulidade, pois seria uma desigualdade de armas tanto relativamente a defesa como a acusacao que poderia
por em causa a decisao final do juiz. Dai que nao se admita outra coisa, senao de submeter esta fase ao
principio do contraditorio.

Princípio da Contraditoriedade

E uma questao de conhecimento e discussao das provas tanto pela acusacao como pela defesa.
Este principio e particularmente relevante quanto a defesa, porque ha a necessidade de assegurar sempre a
defesa do arguido, e em qualquer contraditorio a ultima palavra e da defesa, isto para afastar a imputacao
penal.
Este principio esta assegurado constitucionalmente, no art.32o, n.o5 da CRP. Não sao todos os actos que
estao submetidos ao contraditorio, sao so aqueles que a lei determinar, porque este principio tem
densidades diferentes consoante a fase de processo em que nos encontramos.
Na fase de inquerito, nao temos o principio do contraditorio, mas se estivermos a falar de direitos
fundamentais, ou da aplicacao de uma medida de coaccao ai ja e assegurado o direito ao contraditorio. A
aplicacao das medidas de coaccao e da competencia do juiz, mas a requerimento do MP, como tal o
advogado de defesa ha-de estar presente, tem direito ao contraditorio, para conhecer os factos e as provas
pelas quais o sujeito foi submetido a uma medida de coaccao.
Com a reforma de 2007, agora, a regra e que a fase de inquerito nao esta submetida ao segredo de justica.
Antes da reforma de 2007, a regra era que o inquerito estivesse sob segredo de justica, o problema que se
levantava, era que para aplicar uma medida de coaccao ao arguido, o MP tinha que contar aquilo que ele
estava a fazer. Aqui havia divergencias, porque o MP entendia que não devia contar nada ao arguido, e
havia jurisprudencia e doutrina que ia no sentido oposto.
Da aplicacao de uma medida de coaccao cabe recurso, pois e uma medida fortemente restritiva dos direitos
fundamentais, e como tal era um absurdo recorrer de uma coisa que nao se sabe quais os seus
fundamentos. As pessoas viam os seus direitos restringidos e nao sabiam porque. Com a reforma do CPP
2007, esta questao ficou resolvida, pois agora o juiz de instrucao tem que fundamentar a decisao de
decretamento da medida de coaccao. Isto passasse dentro da fase de inquerito. Agora, a fase de inquerito
ja nao e secreta, a regra e que todo o processo penal e publico, a nao ser que no inquerito o MP, o arguido,
ou o juiz o requeiram. Com esta solucao o problema continua a colocar-se, pode o arguido durante o
inquerito exigir que lhe seja comunicada o andamento do processo?
Entendemos que nao, pois tal fuga de informacao pode inviabilizar a perda de indicios suficientes.
O principio do contraditorio e muito mais estreito no inquerito, e absoluto no julgamento. Na instrucao situa-
se no meio-termo.
Um problema que se colocava, antes da reforma do CPP de 2007, era que na fase da instrucao, ha um
momento imprescindivel, que e o debate instrutorio. Este debate e uma manifestacao clara do principio do
contraditorio, o qual vem regulado no art. 297o do CPP, e especialmente, no art.301o, n.o2 do CPP, o qual
nos diz que “o debate decorre sem sujeicao a formalidades especiais. O juiz assegura, todavia, a
contraditoriedade na producao da prova e a possibilidade de o arguido ou o seu defensor se pronunciarem
sobre ela em ultimo lugar.
O debate instrutorio sendo o unico acto obrigatorio da fase instrutoria, todos os actos anteriores dependem
da consideracao do juiz, e ele que os considera relevantes ou nao, de acordo com o art. 290o do CPP.
Como o art. 290º do CPP dizia que o “juiz ordena as diligencias necessarias”, havia quem entendesse que
nao era possivel estar presente o defensor quando o juiz interrogava as testemunhas. Esta interpretacao
decorria do facto de o unico acto obrigatorio sujeito ao contraditorio ser o debate instrutorio, como tal os
restantes actos ficavam na livre conviccao do juiz. Com a reforma do CPP de 2007, introduziu-se o n.o2 do
art. 289 do CPP, o qual permite a participacao dos advogados na producao de prova durante a instrucao.
Contudo, nao e um principio do contraditorio pleno, pois e limitado ao facto de os advogados poderem pedir
esclarecimentos e a formular sugestoes. Portanto, o advogado nao pode, directamente, contraditar a

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testemunha. Na fase de julgamento, por regra, o advogado nao pode interrogar as testemunhas
directamente, fa-lo por intermedio do juiz ou do MP, porque se entende que os sujeitos tem um estatuto, nao
devendo ser desrespeitado nem pela defesa nem pela acusacao.

2.3. Princípio da suficiência

O principio da suficiencia diz-nos que o processo penal e regra geral, o lugar adequado para resolver todas
as questoes que sejam levantadas ou cujo esclarecimento seja necessario para conformar a decisao final.
Este principio esta enunciado no art.7o do CPP, o qual, no seu no.1 diz que no processo penal se resolvem
todas as questoes que interessarem a decisão da causa. Pergunta-se: e sempre assim, nao ha questoes
que sao resolvidas fora do processo penal?
Sim, ha questoes que sao resolvidas fora do processo penal, mas o facto de resolvermos o maior numero
de questoes no processo penal traz vantagens, desde logo, por uma questao de economia processual - se
tudo puder ser resolvido no processo penal ganha-se em termos de tempo e de concentracao, evitando-se
descontinuidades no processo. No processo penal a prova e difícil de se realizar e na maior parte das vezes
assenta na prova testemunhal, sendo normal que as pessoas se esquecem de alguns factos, ou dos seus
contornos exactos e, assim, uma maior celeridade e benefica para o processo. Por outro lado, se o tribunal
puder avaliar todo o arsenal de provas com uma certa continuidade e unidade temporal, a decisao final sera
muito mais adequada. As descontinuidades sao prejudiciais.
Por vezes, existem questoes que, pela sua natureza, tem que ser resolvidas fora do processo penal (por
exemplo, a indemnizacao civil emergente de facto penal), assim como ha questoes que sao de tal
importancia e que sao alheias ao processo penal, que nos conduzem a aplicar outros processos que nao de
natureza penal, para conseguir resolver o problema, porque pode nao haver condicoes no processo penal.
Estas situacoes estao enunciadas no art.7o, no. 2 do CPP, e sao as chamadas questoes prejudiciais.

Os requisitos para que se possa aplicar o no. 2 deste artigo, sao os seguintes:

1o) Tem de se reconhecer que essa questao e necessaria para a resolucao do problema penal, isto e, se for
uma questao que nao seja importante para a resolucao do problema penal, nao e preciso suspender o
processo para se resolver, ela pode ser tratada fora do processo penal. Por exemplo, e preciso saber se
determinado documento e falso para apurar se o agente praticou o crime de falsificacao, e se, para saber
isso, for preciso ajuizar o caso a parte do processo penal, faz-se isso para depois voltar ao processo penal.

2o) Tem de se verificar que ela nao pode ser resolvida convenientemente no processo penal, isto e, o
processo penal nao se afigura como a instancia adequada para resolver a questao, ou seja, o processo
penal tem de se apresentar como insuficiente para aquele litigio.

3o) Deve ser resolvida o mais rapido possivel para nao perder o efeito útil no processo penal. Se, ao ser
resolvida fora do processo penal, se perder o efeito util pretendido, entao a questao passa a ser resolvida
dentro do processo penal com os meios que este tem ao seu dispor. Este requisito decorre do no.3 e 4 do
art. 7o. do CPP.

Princípio da suficiência

Esta relacionado com o art.7o do CPP, com a questao da subsidiariedade do processo civil face ao
processo penal.
Com o principio da suficiencia, queremos dizer que todas as questões necessarias a decisao da causa
devem de ser decididas no processo. O processo penal e tendencialmente universal, e nele que se decidem
todas as questoes, sejam elas penais ou nao penais. O art. 7o.,no2 do CPP preve um conjunto de
possibilidades de o juiz do processo penal remeter o processo aos tribunais competentes se entender que
existe uma manifesta complexidade da matéria nao e conveniente que seja ele a julgar. Nesses casos
submete durante um determinado periodo de tempo, o processo para o tribunal competente. Findo os
prazos (que sao estritos), ele avoca para si o processo.

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2.4. Princípio da concentração

O principio da concentracao esta relacionado com o principio anterior e diz-nos que no processo penal
exige-se uma prossecucao unitaria e continuada de todos os termos e actos processuais, devendo a sua
sequencia ser a mais concentrada possivel, tanto espacial como temporalmente. Isto e, o processo deve
decorrer com uma certa continuidade temporal, sem interrupcoes, e em termos espaciais pretende-se evitar
que as questoes sejam apreciadas em locais diferentes (isto nao significa que tal nao aconteca).
Exige-se esta concentracao, porque, por um lado, no que diz respeito a continuidade temporal a sua
inexistencia provoca uma certa falta de celeridade a qual e importante para garantir que o efeito util da
decisao seja o maior possivel. Depois, para garantir a eficacia dos actos processuais, pois que, se há uma
certa sequencia de actos e se ha uma quebra temporal, isso faz com que haja uma quebra no proprio
raciocinio e, por vezes, o hiato temporal e tão grande que implica que se volte a ouvir a testemunha x
porque ja nao esta claro o que foi dito no seu depoimento.
No que toca a concentracao espacial, e favoravel a decisao processual que as testemunhas sejam ouvidas
na presenca do juiz, pois ja ha estudos que demonstram que certos sinais visiveis sensiveis
presencialmente são importantes para a conducao dos actos e apuramento da verdade. Por exemplo, se a
testemunha esta a transpirar demais, pode ser um sinal de que esta a mentir. Ha aspectos que as pessoas
evidenciam quando estao frente a frente com outras e que podem ajudar a formar a conviccao do juiz. Isto
nao invalida que, por vezes, se tenha de recorrer a videoconferencia. Contudo, esta tem as suas limitacoes.
Ha pormenores que nao sao tao clarividentes. Estes aspectos sao importantes para avaliar se o depoimento
e prestado com espontaneidade e com veracidade.
A concentracao espacial tem interesse nao so para o juiz, mas tambem, para os proprios sujeitos
processuais. E importante que as testemunhas prestem o depoimento na presenca do arguido.
No art. 328o do CPP temos o principio da continuidade da audiencia. Nos art.355o e ss do CPP temos
varias manifestacoes deste principio.
Ha excepcoes a este principio da concentracao. Uma delas decorre da interrupcao normal da audiencia para
satisfacao de necessidades básicas (comer, dormir…). Por vezes, uma interrupcao pode modificar todo o
desenrolar da accao, pois as pessoas nestas quebras podem dialogar entre si e fazer conluios. Outras
vezes, acontece que nao ha condicoes fisicas e, por exemplo, se as testemunhas estao a assistir ao
julgamento e de seguida vão prestar o seu depoimento, este poder estar inquinado pela sugestao de alguns
dos sujeitos processuais.
Outra excepcao prende-se com o adiamento da audiencia, a qual pode acontecer nas situacoes previstas do
no.3 do art.328o do CPP. Sendo de salientar que o adiamento nao pode exceder os 30 dias. Se exceder
perde-se toda a prova produzida.
O principio da concentracao e um principio favoravel a producao de prova e e muito importante para
descobrir a verdade material.

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.Princípio da concentração

Temos o art.328o do CPP onde esta expresso o principio da concentracao. Concentrar e fazer tudo num
lapso de tempo menor possivel.
O julgamento em processo penal e continuo, esta e a regra. Um julgamento em processo penal deve fazer-
se continuamente, de uma so vez. Obviamente que isto e impraticavel em termos de processos de maior
dimensao, onde se marcam varias sessoes de julgamento.
O julgamento deve-se fazer, tanto quanto possivel, de forma unitaria e continua, isto e muito relevante, em
termos de julgamento. Quando o julgamento se faz atraves de varias sessoes, elas devem de ser marcadas
no mais pequeno espaco de tempo, nunca podendo exceder os 30 dias, sob pena de se perder tudo o que
foi feito ate entao.
Diz-nos o art. 328o. n.o1 do CPP que “a audiencia e continua, decorrendo sem qualquer interrupcao ou
adiamento ate ao seu encerramento”.
O n.o 2 do mesmo artigo diz que sao admissiveis as interrupcoes estritamente necessarias, ou seja, para
satisfazer as necessidades basicas. O n.3 consagra a possibilidade de adiamento.
Existe concentracao tanto no tempo como no espaco. Deve ser feito no mesmo espaco, para assegurar a
presenca de todos os intervenientes.

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3. Princípios relativos à prova

3.1. Princípio da investigação ou da verdade material

Este principio tem manifestacoes em varias materias, por isso pertence a varios nucleos de principios.
Em termos de producao de prova este principio e fundamental e essencial.

Princípio da investigação/verdade material

Este principio e muito importante no direito processual penal, opondo-se ao principio da verdade formal,
utilizado em direito processual civil.
Em processo penal e fundamental atingir a verdade sem subordinacao a qualquer forma especifica, ou seja,
privilegia-se a descoberta da verdade, independentemente do meio formal concretamente utilizado, havendo
total liberdade de investigacao.
Por um lado, o juiz nao esta dependente daquilo que os sujeitos processuais trazem ao processo; por outro
lado, nao ha qualquer onus de prova (principio de auto-responsabilizacao probatoria). Alem disso, o proprio
juiz pode investigar autonomamente o caso, de modo a formar a sua própria conviccao. Tal pode suceder
ate ao ultimo minuto do julgamento. Em processo penal, se o juiz no momento em que vai proferir a
sentenca tiver alguma duvida e entender que por causa disso ainda deve levar a cabo mais diligencias de
investigacao, pode faze-lo livremente. E se entender que deve investigar coisas que nao foram carreadas
pelos sujeitos processuais pode faze-lo, em nome da descoberta da verdade material. O juiz apenas nao
pode estender o objecto do processo, pois esta vinculado pelo principio da acusacao. Mas o facto de existir
um principio da acusacao que vincula tematicamente o juiz, nao significa que em termos de investigacao
este esteja totalmente subordinado. Nos limites oferecidos pelo objecto do processo, o juiz pode investigar
livremente. Nesta perspectiva, ate se costuma dizer que, se existisse algum onus de prova, este seria o do
proprio juiz. Nao vigora, pois, a ideia subjacente ao processo civil segundo a qual quando alguem invoca um
direito/facto tem de o provar (principio da auto-responsabilizacao probatoria).
Em processo penal, tudo comeca com a noticia do facto (que pode ser atraves de uma queixa, ou nao,
consoante estejamos na presenca de crimes semi-publicos ou particulares stricto sensu e crimes publicos) e
a partir dai há uma investigacao que e levada a cabo pelo MP, que depois desencadeia um processo, no
qual os sujeitos processuais intervem. Nao ha, pois, a ideia de que o ofendido, posteriormente constituido
assistente, tenha de provar aquilo que esta a imputar ao arguido, de modo a alcancar sucesso na lide. O juiz
e que tem de realizar todas as diligencias que lhe sao propostas/oferecidas pelos sujeitos processuais, bem
como todas aquelas que considere conveniente para atingir a verdade material. Para isto nao existe
qualquer forma, ao contrario do processo civil (em que ha uma peticao, uma contestacao, uma replica, uma
treplica), sendo no despacho saneador que se fixa o que se da como provado e não provado ficando o
julgamento dependente desse despacho em termos probatorios. Dai que o que se leva a julgamento e
aquilo que o juiz considera que ainda nao esta provado, sob a forma de questionario. Ora, em processo
penal nada disto existe. Por exemplo, ao contrario do processo civil, em que, se nao houver contestacao,
em principio, o reu e condenado, no processo penal, a ausencia de contestacao nao implica qualquer efeito
negativo para o arguido, nada sendo dado como provado. Alias, na maior parte dos casos ate nem ha
contestacao, pelo que se vai para julgamento sem subordinacao a qualquer forma especifica, sendo ai o
lugar indicado para os sujeitos processuais fazerem a s suas propostas e darem os seus contributos. O juiz
nao esta subordinado a nada, podendo ele proprio, se assim o entender, investigar autonomamente o facto,
e com isso atingir a verdade material e o restabelecimento da paz juridica.
Podemos encontrar afloramentos deste principio no art. 340o do CPP, que fala sobre os principios gerais da
prova.

3.2. Princípio da livre apreciação da prova

Este principio e mais recente. Prova livre significa que o juiz aprecia a prova de acordo com a sua livre
conviccao, de acordo com a sua experiencia e bom senso.
Ao sistema da prova livre contrapoe-se o sistema da prova legal, esta ultima significa que e a propria lei que
diz qual o valor da propria prova. Em processo civil temos um leque de artigos que nos dizem qual o valor
das
provas.

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No processo penal, muita embora vigore o sistema da prova livre, existem algumas limitacoes a este
principio, nomeadamente, os casos da confissao (art.344o do CPP), a qual apesar de nao estar totalmente
afastada da livre conviccao do juiz, tem algumas caracteristicas especificas quanto ao modo como e feita a
confissao. Na confissao, como o arguido confessa, a livre conviccao do juiz fica reduzida. A confissao traz
uma atenuacao da pena do arguido, e faz com que o resto da prova nao se produza (a nao ser que seja
necessario provar circunstancias especiais do caso).
Quanto a prova pericial temos, tambem, uma limitacao prevista no art.163o do CPP. Esta prova esta
subtraida a livre conviccao do juiz. Pois, presume-se que o perito domina aquela materia, e como tal o juiz
fica vinculado a prova pericial. Trata-se de uma presuncao elidivel. Esta excepcao tem um desvio que
consta no n.o2 do dito artigo, o qual nos diz que quando o juiz tambem domina aquela materia, o juiz pode
decidir por factos contrarios.
Uma outra excepcao a este principio, sao os documentos autenticos e autenticados (art.169o do CPP).
Estes documentos presumem-se verdadeiros, a menos que sejam impugnados na sua autenticidade.

Princípio da livre apreciação

Este principio esta intimamente ligado ao principio da investigacao/verdade material, encontrando-se


previsto no art.127 oCPP. O sistema da prova livre significa que nao existe, no CPP, um criterio
preestabelecido para valorar a prova. Esta e valorada livremente pelo juiz, de acordo com as regras da
experiencia, as quais esta subordinado. No final do processo, quando dita a sentenca, o juiz tem de estar
completamente convencido de que o arguido tera cometido a infraccao, logo, e culpado e deve ser
condenado, ou de que e inocente, devendo ser absolvido. Caso tenha duvidas, em materia de facto, tera de
se socorrer do principio “in dubio pró reo”, ultrapassando o impasse a favor do arguido. O juiz nao pode
estar sujeito a uma valoracao que lhe e imposta pelo CPP, pois isso poderia nao contribuir para a livre
conviccao do julgador.
Este principio apresenta, no entanto, algumas limitacoes. Por exemplo, no que diz respeito a confissao, ha
regras para a sua valoracao previstas no art. 344o CPP. Se o arguido confessar, o processo seguira um
rumo completamente diferente, pois a confissao integral e sem reservas implica uma renuncia a producao
da prova relativa aos factos imputados e a consideracao destes como provados, a passagem de imediato as
alegacoes finais do julgamento, a determinacao imediata da sancao, com reducao do imposto de justica em
metade (art.344o, 2 CPP). Na pratica, isto quer dizer que o juiz nao valora a confissao como quer, mas
como esta previsto neste artigo, pelo que esta apenas tem o valor que a lei lhe confere. Mas mesmo aqui ha
limites a confissao (ex: se houver co-arguidos e nao se verificar a confissao para todos, se o tribunal
suspeitar do caracter livre da confissao ou se o crime for punivel com pena de prisao superior a cinco anos
art.344o, 3 CPP).
Outra limitacao ao principio da livre apreciacao da prova esta prevista no art. 129o CPP, que fala do
depoimento indirecto, ou tambem conhecido como depoimento “de ouvir dizer”. Este verifica-se quando
alguem que depoe em julgamento diz que ouviu dizer de outra pessoa aquilo que esta a dizer, apesar de
nao o ter presenciado. Ora, este depoimento tem de ser valorado pelo juiz tal como preve o art. 129o CPP.
Uma outra limitacao ao principio da livre apreciacao da prova reside na declaracao para memoria futura.
Regra geral, so valem com meio de prova as declaracoes que tiverem sido prestadas na audiencia de
julgamento. A excepcao verifica-se no caso das declaracoes para memoria futura, em que alguem presta
declaracoes na fase de inquerito, vindo essas declaracoes a valer em julgamento. Sao situacoes especiais
previstas no art. 271o CPP. Trata-se de um depoimento prestado fora da fase de julgamento, perante um
juiz que nao sera o de julgamento, tendo, este ultimo, de valorar tal depoimento de acordo com o juizo
do art. 127o CPP.
Finalmente, outra limitacao ao principio de que falamos prende-se com a prova pericial, prevista nos art.
151o e ss. CPP. O art. 163o CPP estabelece um criterio de valoracao da prova pericial que funciona como
limitacao a livre apreciacao do juiz, ja que, quando ha recurso a pareceres de peritos, os seus juizos se
sobrepoem a livre conviccao do julgador, a menos que este seja tambem um “perito” na materia. Assim,
pode suceder que apos ficar lavrado no processo o juizo de um perito sobre determinado assunto, o juiz nao
concorde com ele, necessitando de fundamentar a sua divergencia convenientemente

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3. Princípio “ In dubio pro reo”

Este principio significa que qualquer duvida probatoria deve ser decidida a favor do arguido, quer-se com
isto dizer que se o juiz tem duvidas sobre se se verificou ou nao certo facto, ele deve decidir a favor do
arguido. Isto, porque nao existe onus da prova, quem alega e o MP, por isso cabe-lhe provar o que invoca.
Pelo facto de o arguido nao ter nenhum onus da prova ele submetese ao julgamento, pois ele sabe que vai
ser o MP ater que provar em julgamento os factos por ele invocados. O arguido nao tem que provar que e
inocente, o MP tem que provar para la da duvida do razoavel que o arguido e o culpado, dai que este
principio vigore em toda a extensao do processo penal.
Ha quem entenda que quando o arguido invoca uma causa de exclusão (da ilicitude ou culpa), ai nasce um
onus da prova sobre o arguido. Esta posicao esta errada, porque vigora sempre o principio “in dubio pro
reu”. Em caso de duvida o juiz considera nao provada a acusacao do MP.
Este principio vigora quanto a questao de facto. Nas questoes de direito, o juiz nao, pode ter duvidas, tem
sempre que tomar uma posicao.

Princípio “in dubio pro reo”

Este principio significa que exclusivamente em materia de facto e nunca em materia de direito, se o juiz
chegar a uma situacao de impasse, em que não consegue formar uma livre conviccao num sentido claro de
condenacao ou de absolvicao, decide a favor do arguido, “pro reo, pro libertate”. Mais vale não condenar um
culpado do que condenar um inocente, pois os custos axiologicos, neste ultimo caso, serao muito
superiores.
Mas porque apenas em materia de facto? Porque so ai se admite que haja duvidas. Fruto da apresentacao
de provas e contraprovas nao concludentes, o juiz nao tem a certeza do modo exacto da ocorrencia dos
factos, encontrando-se numa situacao de impasse e decidindo a favor do arguido.
Contudo, nao pode invocar este argumento em relacao a materia de direito. Se o juiz chegar a um ponto em
que nao sabe como decidir a questao de direito, tem de estudar a situacao, de modo a obter uma resposta.
Quer queira, quer nao queira, e obrigado a tomar uma posicao de direito, que pode ser atacavel, por isso e
que existem recursos. Alem disso, tratando-se de materia de direito, e quase sempre possivel o recurso,
embora o mesmo nao se possa dizer sobre a materia de facto. Logo, se ha um problema de analise e
interpretacao de direito, o juiz nao pode decidir por um “non liquet”, ainda que a decisao que venha a tomar
seja sindicavel por via de recurso. Conclui-se, portanto, que não e legitimo invocar o principio “in dubio pro
reo” para materia de direito. Em seguida, temos os principios relativos a forma: o principio da publicidade e o
principio da oralidade/imediacao.

4. Princípios relativos à forma

O principio da concentracao tambem cabe aqui, pois e um principio que tem implicacoes formais.

4.1. Princípio da publicidade

Ate a reforma do CPP de 2007 vigorava ja vigorava a publicidade, abria uma excepcao muito lata na fase de
inquerito, e uma excepcao muito mitigada na instrucao, a qual podia ser secreta se o individuo entendesse
que a sua publicidade o prejudicava. A unica fase inteiramente publica era a fase de julgamento.
A partir de 2007 a regra e o oposto: o processo penal e publico sob pena de nulidade, mesmo durante o
inquerito. Nesta fase o MP pode requer ao juiz a declaracao de segredo.
As normas relativas ao segredo de justica estao previstas no art.86o,n.o1 do CPP. No n.o2 do artigo supra
indicado constam as excepcoes a regra da publicidade. A excepcao do n.o2 e decretada por despacho
irrecorrivel do juiz de instrucao, isto significa que estamos a subtrair ao MP (que e o dominus do inquerito), o
poder de decidir como corre o inquerito. Antes da reforma de 2007, quando era pedida a publicidade do
inquerito, tal decisao cabia ao MP. Agora.
O n.o3 do dito artigo criou-se um mecanismo que em ambos os casos se retira do MP o poder de decidir o
segredo de justica do inquerito. Quer-se com isto dizer que a lei afirmou, inequivocamente, que pretende
que o inquerito seja, por regra, publico. So em circunstancias excepcionais e que sera secreto. O n.o 4
permite o levantamento do segredo de justica, o qual pode ser feito oficiosamente ou a requerimento do
arguido, do assistente ou do ofendido.
Este art.86o do CPP, e o artigo mais polemico saido da reforma, porque vem encurtar as funcoes do MP
durante a fase de inquerito. O facto de se retirar ao MP o poder de efectiva direccao do inquerito ao MP e a

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questao de toque deste artigo, pois agora a direccao do inquerito ja nao e integralmente do MP, visto que o
requerimento para submeter o processo a segredo de justica bem como para o levantamento desse mesmo
segredo passa a ser da competencia do juiz de instrucao. O n.o 6 diz-nos quais as consequencias da
publicidade do processo.
O problema que levanta o segredo de justica e a publicidade do processo passa pelos meios de
comunicacao social. Ate aqui, o art. 86o,n.o8 do CPP tinha uma redaccao diferente, onde agora se diz “ou”,
antes dizia “e”. A diferenca entre este “ou”, e “e” e fundamental no que toca aos jornalistas, porque antes era
preciso que eles tivessem tomado contacto com o processo, e conhecimento dos elementos dele
constantes. O que se passava era que o jornalista tinha conhecimento dos elementos, mas nunca tinha tido
contacto com o processo. Por forca deste artigo, e antes da reforma do CPP de 2007, os media nao
estavam vinculados ao segredo de justica.
A alteracao a este numero foi direccionada aos jornalistas, a partir de agora basta o conhecimento de
elementos do processo, e como a divulgacao pressupoe a tomada de conhecimentos dos elementos, a
partir da publicacao eles tornam-se violadores do segredo de justica. Esta violacao consta no art.371º do
CP, submetendo a uma pena quem violar o segredo de justica.

Princípio da publicidade

Este principio revela-se, actualmente, de grande importancia, devido a problematica do segredo de justica.
O processo penal e, regra geral, um processo publico, acessivel aos sujeitos processuais e o que nele se
passa pode ser conhecido do publico, porque esta em causa a realizacao da justica, o que interessa a toda
a comunidade. Nem se diga que o publico em geral nao tem competencia para fazer essa sindicancia,
porque, pelo menos em relacao a materia de facto, tem toda a legitimidade para o fazer, ao contrario da
matéria de direito, para a qual nao tem habilitacoes necessarias. Apesar de nao ter a experiencia do juiz, e
evidente que o publico possui a intuicao e sensibilidade suficientes para apreciar se o que foi dito na sala de
audiencias foi bem ou mal valorado em relacao aos factos em si. Por isso e que o art. 321o. CPP determina
que a audiencia de julgamento e publica, sob pena de nulidade insanavel.
Assim, se nao existir uma razao legal valida para impedir a publicidade da audiencia, esta tem de ser
publica. Este principio tem, pois, maior aplicabilidade na fase de julgamento, embora se deva aplicar
tendencialmente a todo o processo penal. Decorre, desde logo, da CRP, artigo 206o, e do artigo 321ºdo
CPP.
Tradicionalmente, a fase dita de investigacao, levada a cabo durante o inquerito e a instrucao, tem sido
encarada com algum secretismo, vigorando, pois, o segredo de justica. Antes da ultima revisao do CPP que
ocorreu em 2007, o segredo de justica existia facultativamente na fase de instrucao, dependente da vontade
do arguido. O inquerito, no entanto, decorria obrigatoriamente sob segredo de justica. Na ultima revisao
ocorrida em 2007, este paradigma sofreu algumas alteracoes. Desde logo, a instrucao deixou de poder ser
secreta, passando a ser sempre publica; o inquerito, que era sempre secreto, passou a ser, em regra,
publico, com a possibilidade de ser secreto.
Por isso e que o art. 86o CPP diz que o processo penal e, em regra, publico, ressalvadas as excepcoes
previstas na lei.
A primeira excepcao esta logo no no 2, em que se da possibilidade ao juiz de instrucao, mediante
requerimento do arguido, assistente ou ofendido e ouvido o MP, de sujeitar o processo a segredo de justica
durante o inquerito, quando entender que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos processuais.
Alem disso, se o MP entender que os interesses da investigacao, ou os direitos dos sujeitos processuais o
justifiquem, pode ele proprio determinar que o inquerito decorra sob segredo de justica, ficando tal decisao
sujeita a validacao pelo juiz de instrucao no prazo maximo de 72 horas. (art. 86o, 3 CPP).
Contudo, nem nos casos em que processo decorra sob o segredo de justica, o MP, oficiosamente ou a
requerimento do arguido, ofendido ou assistente, pode determinar o seu levantamento em qualquer
momento do inquerito. Mas se o MP nao proceder a este levantamento, os autos podem ser remetidos ao
juiz de instrucao, podendo ele proprio levantar o segredo, sendo este despacho irrecorrivel.
Assim, na fase de inquerito, momento em que esta a decorrer a investigacao dirigida pelo MP, este tem a
possibilidade de sujeitar o processo a segredo de justica, podendo ver negada esta possibilidade se os
outros sujeitos processuais assim o entenderem.
Ora, isto tem sido alvo de durissimas criticas por parte do MP e do Procurador-geral da Republica, que se
prendem com a fundamentacao do segredo de justica. Este pode servir varios interesses, desde logo, os da
investigacao, pois nao queremos que no decurso desta algo que, a partida, seria secreto se torne do
conhecimento de todos... Alem disso, esta relacionado com a presuncao de inocencia. Na fase de inquerito
ha uma denuncia, uma queixa, a noticia de um crime, e o MP chama os orgaos de policia criminal para
investigarem o caso, de modo a averiguar se ha indicios para levar o caso a julgamento. O problema e que,

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se o inquerito decorre com publicidade, as pessoas que estao a ser objecto de um processo e que ate
podem ser inocentes, veem o seu bom nome posto em causa, as vezes irreversivelmente, pois uma possivel
decisao de absolvicao nao chega para reparar os danos provocados.
Dai que haja uma tendencia generalizada para considerar que a justica não funcionou quando os tribunais
tomam uma decisao nao condenatoria. Isto sucede porque durante toda a fase de inquerito, anterior ao
julgamento, criou-se uma conviccao geral (errada) na comunidade de que aquela pessoa teria cometido um
crime, devendo ser condenada.
O regime do segredo de justica tem ainda uma serie de pormenores que se relacionam com o seu conteudo,
o que pode ou nao ser publicitado, tem um regime proprio para os meios de comunicacao social (art.88o
CPP) e para o segredo interno diferente do segredo externo, i .e., permitindo aos sujeitos processuais, sob
certas condicoes, aceder ao processo quando este decorre e segredo de justica (arts.87o, 89o, 90o CPP).
Mas o regime do segredo de justica, previsto no artigo 20o da CRP, nao impede a sua reducao tal como
ocorreu na revisao de 2007, pese embora as reservas que possam ser feitas a uma tal opcao politica. Sera
seguramente, materia a aprofundar nas aulas praticas.

4.2. Princípio da oralidade e da imediação

O principio da oralidade e sobretudo aplicavel na fase de julgamento. A producao de prova e feita oralmente,
perante o juiz. Ha uma imediaticidade da prova. Isto e muito importante, alias tem sido sustentado por
muitos acordaos de recurso que como eles nao tem a imediates propria do processo, consideram que como
o juiz presenciou toda a producao de prova, ele e que sabe se a testemunha e credivel ou nao, ele sim tem
a sua conviccao bem formada.
Oralidade e imediacao significam que os actos processuais sao feitos de forma directa e avaliados naquele
momento pelo juiz.

Princípio da oralidade /imediação

O nosso processo penal assenta na oralidade e na imediacao (ao contrario dos processos de estrutura
inquisitoria, que normalmente sao escritos e secretos).
A imediacao esta relacionada com a concentracao espacial, o que significa que os sujeitos processuais
oferecem as suas provas e elas sao produzidas diante do tribunal, em contacto directo e imediato com o
juiz. Isto tem que ver com o valor da espontaneidade na producao de prova, sobretudo porque, na maior
parte das vezes, a prova testemunhal e, sem duvida, a prova mais importante, pois acaba por ser decisiva
para o desfecho do processo. Todas as demais provas (fotografias, filmagens, escutas telefonicas), pela sua
natureza, estao sujeitas a requisitos muito apertados, quanto aos meios de obtencao, pelo que correm o
risco de nao serem licitas, logo, inadmissiveis. Por isso e que a prova testemunhal, documental e pericial
acabam por ser as mais utilizadas, com ressalva para a prova testemunhal. Dai que seja muito importante
que a declaracao da testemunha seja espontanea e prestada o mais proximo possível do juiz, para que
possa avaliar a propria veracidade do depoimento atraves da imediacao. Ate ha estudos feitos por
especialistas em materia probatoria que averiguam a veracidade dos testemunhos atraves de alguns sinais
exteriores da face, dos gestos, da transpiracao, do modo como se fala, etc.
Contudo, este principio da oralidade e da imediacao esta sujeito a algumas limitacoes.
Ate a revisao de 2007, apesar de sempre ter vigorado em Portugal o principio da oralidade, havia um pendor
muito grande para a documentacao escrita da prova, atraves da sua transcricao. De tal maneira que quando
se recorria para um tribunal superior, o que ia para la era o resultado da transcricao. Em 2007, produziu-se
uma alteracao significativa nesta materia, porque o art. 363o CPP vem dizer que indistintamente do tipo de
processo, as declaracoes prestadas em audiencia, sao sempre documentadas na acta, sob pena de
nulidade. Deixou de haver a necessidade de se requerer a documentacao da prova ou deixou de haver a
necessidade de a pessoa se pronunciar sobre a (in)dispensabilidade de documentacao da prova. Ate ai, as
pessoas tinham sempre de se pronunciar sobre a possibilidade de documentacao de prova ou a sua
dispensabilidade. Agora a prova e sempre documentada da mesma forma: atraves de gravacao
magnetofonica ou audiovisual (art. 364o,1 CPP). Ate 2007, a prova era gravada apenas em algumas
situacoes e se houvesse necessidade de recorrer tinha de se mandar transcrever as partes que queriamos
ver objecto de recurso. Com a reforma de 2007, a prova e sempre gravada magnetofonica ou
audiovisualmente e e isso que será enviado para os juizes do Tribunal ad quem, com mencao das partes
relevantes para o objecto de recurso, o que os obriga a ver ou ouvir tudo aquilo que interessa para o
recurso. Desta forma, reforcou-se o principio da oralidade, não so porque a audiencia e oral, mas tambem
porque depois se documenta através de gravacao ou filmagem.

37
Em relacao a imediacao, ha tambem algumas limitacoes importantes previstas nos arts. 318o e 319o CPP.
Assim, a requerimento do assistente, das partes civis, das testemunhas, peritos ou consultores tecnicos, ou
oficiosamente, a prestacao de declaracoes pode nao ser feita presencialmente, quando estas entidades
residem fora da comarca, havendo, ainda, a possibilidade de serem feitas declaracoes atraves de
teleconferencia (art. 318o, 5 CPP). O art. 319o CPP preve, ainda, a possibilidade de estas mesmas
entidades serem ouvidas no seu domicilio, quando razoes de celeridade o justifiquem.
Nesta materia, e tambem fundamental atentar no disposto no art. 355º CPP, que nos fala do principio da
imediacao em audiencia, exceptuando-se os casos das declaracoes para memoria futura e da prestacao de
declaracoes fora da comarca ou no domicilio. O art. 355o, no 2 do CPP, que remete para os art. 356 e ss.
foca as situacoes em que se permite a visualizacao ou a leitura de meios de prova produzidos antes da
audiencia, sujeitos, contudo, ao principio da livre a apreciacao da prova. Mas ha excepcoes, pois o proprio
arguido pode nao querer que seja feita leitura de declaracoes suas produzidas no inquerito, uma vez que
vigora no processo penal o principio do direito ao silencio do arguido. Assim, em audiencia, o arguido pode
reservar-se ao silencio, apenas sendo obrigado a facultar os seus elementos de identificacao. Deste modo,
vera ressalvado o seu direito ao silencio, evitando, com isso, a audicao de declaracoes proferidas
anteriormente ao julgamento que o incriminem. Seria descabido permitir essa leitura sem a sua autorizacao,
sobretudo quando essas declaracoes o incriminarem, e procurar ao mesmo tempo garantir o silencio.
Qualquer alteracao nesta materia deve procurar uma certa concordancia dos dois interesses, mas nao e
aqui que vamos tratar.

Parte II
OS SUJEITOS PROCESSUAIS

Capítulo V

Considerações genéricas

1. A necessidade de distinguir sujeitos processuais e participantes processuais de partes

2. Caracterização genérica, tendo em conta a distinção entre sujeitos processuais, meros participantes
processuais e auxiliares dos sujeitos processuais ou sujeitos processuais acessórios

Capítulo VI

Os sujeitos e seu estatuto

1. O assistente (e seu advogado) 2. O Tribunal 3. O Ministério Público 4. O arguido e seu


defensor

Capítulo VII
Outros participantes

1. Órgãos de polícia criminal


2. Partes civis
3. Outros participantes, como os peritos, as testemunhas, etc.

38
A. Os sujeitos processuais

Como sabemos o nosso processo penal nao é um processo de partes.


Seriamos tentados a dizer, numa primeira linha, que sao sujeitos
processuais aqueles que intervem, que tem uma relacao com o processo. Mas
uma testemunha tem intervencao no processo e nao e um sujeito processual. Os
sujeitos processuais sao aqueles que, sendo obviamente, participantes em
sentido lato no processo, tem direitos e deveres autonomos; a sua intervencao
no processo vai para alem daquela que os demais participantes tem,
constituindo-se, portanto, como verdadeiros “motores do processo”.

Sujeitos processuais no direito processual português:

O arguido, o assistente, o MP e o tribunal.

Tribunal

Qual e a distribuicao de competencias no processo penal? Que tribunal tem


competencia para julgar que processo? Isso aparece regulado na LOFTJ.
Normalmente, a delimitacao das competencias, pelo menos do ponto de vista
generico dos tribunais judiciais,esta previstas na Lei de Organizacao e
Funcionamento dos Tribunais Judiciais,por oposicao aos Tribunais Administrativos
e Fiscais, que estao previstos no ETAF.
Os tribunais criminais estao, obviamente, regulados na LOFTJ e la se
diz que ha tribunais de competencia generica, de competencia especializada e
de competencia especifica. Os tribunais de competencia especifica dividem-se
em juizos de pequena instancia, juizos e varas. Esta divisao também existe em
processo penal e esta prevista nos arts. 8o e ss. CPP. Em processo civil, qual a
razao para atribuicao de competencia a cada um dos tribunais de competencia
especifica? E valor do processo, a chamada alcada. Ora, no processo penal não
a alcadas, por isso temos de criar um criterio qualitativo ou quantitativo. No
processo penal temos o tribunal singular, que equivale, as pequenas instancias,
civeis ou criminais ou aos juizos, pois e um juiz apenas a julgar. Existe depois o
tribunal colectivo, que equivale as varas. . No processo penal a, ainda, a
existencia de um tribunal diferente: o tribunal de juri. Como se distinguem as
competencias entre estes tribunais?
Qual sera a competencia do tribunal de juri? O art. 13o CPP preve a sua
competencia, referindo que este tribunal e apenas subsidiario. O tribunal de juri
só funciona se for requerido pelo MP, o assistente ou o arguido e mesmo assim,
só em determinadas materias.
O nosso processo penal cria nos arts. 13o e ss. um sistema de atribuicao
de competencias relacionado com um criterio qualitativo, em que o CPP escolhe
um determinado tipo de crimes para atribuir a determinado tribunal porque
entende que materialmente aquela materia exige a intervencao de um tribunal
colectivo singular, e um criterio quantitativo, o da medida da pena.
Ora, o art. 13o, 1 CPP refere que sao julgados pelo tribunal de juri os
crimes contra a identidade cultural e contra o Estado e os crimes relativos a
violacoes do Direito Internacional Humanitario. O juri e composto por pessoas
sem formacao juridica, escolhidos de entre os cadernos eleitorais, que decidem
sobre materia de facto. O tribunal de juri nao tem grande tradicao em Portugal,
mas historicamente ja teve alguma relevancia entre nos, a semelhanca do que
acontece na cultura anglo-saxonica. Com a instituicao destes tribunais pretendese
aproximar a justica dos cidadaos. E preciso que a comunidade compreenda
que participa na administracao da justica. Em algumas circunstancias entendese
que essa consciencia comunitaria deve intervir directamente e nao por
intermedio do juiz na administracao da justica. Mas nao faria sentido que o juri
participasse no julgamento de todo o tipo de crimes. Em determinados casos,
que mexem mais com a sensibilidade das pessoas estas dificilmente
conseguiriam manter a isencao necessaria que tem de caracterizar o juri. Dai

39
que o legislador tenha seleccionado um conjunto de bens mais abstractos, mas
que interessam a comunidade pois contendem com a defesa do proprio Estado.
Esta em causa a defesa de bens juridicos que sao mais da comunidade do que
dos individuos. Mas a escolha pelo tribunal de juri tambem depende de um
criterio quantitativo, que se traduz na atribuicao a este tribunal de crimes com
penas graves, superiores a oito anos de prisao (art. 13o, 2 CPP). De referir que
nos crimes eleitos por forca do art. 13o, 1 CPP nao existe uma limitacao quanto a
moldura. Trata-se, pois, de uma questao de gravidade qualitativa do bem
protegido no tipo incriminador.
A competencia do tribunal colectivo esta prevista no art. 14o CPP, que
tem um numero um igual ao do art. 13o CPP, so que aqui nao ha a possibilidade
de julgamento a requerimento, pois e este tribunal que tem a competencia
originaria para julgar o tipo de crimes que podem ser atribuidos ao tribunal de
juri. O art. 14o, 2 CPP utiliza um criterio quantitativo (alinea b) e um criterio
qualitativo (alinea a). Qual a razao de ser para a alinea a) do no 2 do art. 14º CPP?
Se estivessemos apenas a falar de moldura de crimes esta alinea nao
faria sentido. Logo, a sua existencia significa que o legislador equacionou a
hipotese de haver um crime que tenha uma pena maxima, abstractamente
aplicavel, igual ou inferior a cinco anos de prisao, mas que, dada a sua
gravidade, deve estar aqui incluida. E o caso dos crimes dolosos ou agravados
pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma pessoa (ex: homicidio privilegiado).
O tribunal singular e aquele que tem entre nos a competencia residual
para o julgamento dos crimes (art. 16o, 1 CPP). Contudo, o seu no 2 preve
tambem alguns criterios especificos. Assim, quantitativamente, os crimes ate
cinco anos de prisao sao julgados pelo tribunal singular e os com pena superior
cabem ao tribunal colectivo, com a nota de que, se forem crimes com pena
superior a oito anos podem ser julgado pelo tribunal de juri, a requerimento.
Qualitativamente, sao atribuidos aos tribunais singulares os crimes contra a
ordem tranquilidade publica. Ex: se um crime contra a ordem e a tranquilidade
publica tiver uma pena de seis a oito anos de prisao, qual o tribunal competente
para o julgamento?
Importa aqui referir estes aspectos porque a redaccao acerca da
competencia dos tribunais suscitou, desde, a primeira hora, duvidas
interpretativas serias a doutrina. E obvio que o legislador quis que os crimes
contra a ordem e a tranquilidade publica fossem julgados pelo tribunal
singular, porque se assim nao fosse nao faria sentido que ele utilizasse um
criterio qualitativo. Se ele quisesse apenas que fosse o criterio quantitativo a
mandar, omitiria pura e simplesmente o criterio qualitativo e estabeleceria
apenas uma linha assente nas molduras abstractamente aplicaveis. Dai que o
criterio qualitativo tenha de prevalecer, sob pena de nao se justificar a insercao
nestes preceitos de uma alinea que escolha um tipo de crimes especialmente
atribuidos a determinados tribunais.
A competencia territorial esta prevista nos arts. 19o e ss CPP. A
competencia por conexao esta prevista nos arts. 24o e ss. Ja falamos na
competencia por conexao a proposito do principio da suficiencia penal. As
questoes previas podem ser nao penais no processo penal, penais em processo
penal ou penais em processo nao penal. Ex: A comete 25 furtos ate ser
apanhado. Estes 25 crimes vao ser julgados todos num processo so ou em 25
processos diferentes? E se forem cometidos por todo o pais? O art. 24o,1 CPP
preve todos os casos em que ha conexao de processos, postulando o numero
dois que a conexao so se pode verificar se os processos estiverem na mesma
fase. Assim, podemos ter o mesmo agente a cometer na mesma ocasiao varios
crimes, mas simplesmente porque uns processos andaram mais depressa do
que outros, vai ser julgado varias vezes e nao uma vez so. Isto agora ja vai
sendo ultrapassado, gracas ao nosso sistema de informatica mais moderno.
Num caso de competencia por conexao ha varios tribunais que teriam a
competencia originaria para julgar. Qual e, entao, o tribunal competente? Se
estivermos a falar entre juizos e varas vai ser competente a vara (art. 27o CPP).
Se se tratar de dois tribunais da mesma hierarquia ou especie aplicam-se os

40
criterios do art. 28o CPP.
Nos artigos seguintes suscitam-se situacoes de declaracao de
incompetencia (arts. 32o e 33o CPP), conflitos de competencia (arts. 34o a 36o
CPP); de impedimentos, recusas e escusas (arts. 39o a 47o CPP).

MP (arts. 48o e ss CPP).

Ja falamos muito nele a proposito do principio da legalidade e da


oficialidade. O MP tem uma grande caracteristica, pois e o “dominus” do
inquerito, e o investigador. O MP e os OPC sao aqueles que tem, por regra, a
legitimidade para promover o processo penal, logo, para perseguir os crimes e
descobrir a verdade material. Mas isto nao e encarado numa perspectiva
somente acusatoria ou persecutoria, pois o MP tanto tem o dever de acusar o
arguido como o dever de arquivar o processo se chegar a conclusao de que nao
ha indicios de que ele cometeu o crime. Portanto, em julgamento tanto tem o
dever de pedir a condenacao do arguido, como de pedir a absolvicao se nao for
feita prova dos factos constantes da acusacao. Dai que em Portugal o MP nao
seja um acusador publico com e no modelo anglo-saxonico. Ele tem um
particular dever de descoberta da verdade material que funciona para ambos os
lados. Por regra, ele tem a legitimidade para a prossecucao do processo penal,
com as restricoes previstas nos arts. 49o e 50o CPP, relativamente aos crimes
semi-publicos e particulares. O art. 53o CPP refere as posicoes e atribuicoes do MP.
Em primeiro lugar, ele tem de decidir se que aquele arguido deve ser
acusado ou nao, tendo o o dever de sustentar essa acusacao. O agente do MP
que faz a acusacao, por forca da distribuicao de competencias, nao e o mesmo
que esta na instrucao e no julgamento. E se o agente do MP do julgamento nao
concordar com a acusacao feita pelo outro agente do MP na fase de inquerito?
Como o MP e um orgao hierarquizado, com poderes de direccao e tutela, tem o
dever funcional de sustentar a acusacao do colega. Ja sabemos que o MP
intervem particularmente na fase de inquerito, embora tambem o faca na fase
de instrucao e julgamento. Se se tratar do caso de um crime particular (que
depende de queixa, constituicao de assistente e acusacao particular) quem tem
competencia para acusar e o assistente. Encerrado o inquerito, seja qual for a
conclusao a que o MP tenha chegado, este tem o dever de informar o assistente
das conclusoes obtidas. Na maior parte das vezes, o MP termina a investigacao
do crime particular, notifica o assistente de que nao se recolheram indicios
suficientes e o particular acusa na mesma. Face a essa acusacao particular, o que
e que o MP deve fazer? Ele esta neste processo, na instrucao e no julgamento?
Pode haver processo penal sem representante do MP? O MP tem algum dever
em relacao a essa acusacao particular? Deve manifestar a sua opiniao a respeito
daquele processo?
Ex: A e investigado pelo homicidio de B; corre o inquerito e A e
constituido arguido; o MP encerra o inquerito e conclui que nao se reuniram
indicios suficientes que provem que A matou B e arquiva o inquerito; dai a
cinco anos descobrem-se novos factos que provam que A matou B; ha um novo
inquerito contra A? Tendo em conta os principios do processo penal podera isto
ser possivel? Qual e o problema juridico que podera estar aqui em causa? E o
problema de “ne bis in idem” ou de caso julgado. Sera que o arquivamento em
processo penal faz caso julgado? Produz um efeito consumptorio semelhante a
sentenca?

Arguido e ao seu defensor, figura central de todo o processo penal (arts. 57o e ss. CPP)

Entre arguido, suspeito ou agente vai uma diferenca que e a de


adquirir, ou nao, determinada posicao processual. Quando e que se adquire a
posicao de arguido? A regra subsidiaria e que se um individuo nao for
constituido arguido ate a fase de acusacao e-o na acusacao; pode se-lo em
momentos anteriores, o que normalmente acontece. Mas sera que alguem pode
so adquirir a qualidade de arguido depois de encerrada a fase de inquerito? O

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art. 57o, 1, 2a parte CPP diz-nos que se o inquerito tiver sido encerrado e o
assistente tiver requerido a abertura de instrucao ainda pode haver a
constituicao de arguido. Os artigos referentes a constituicao de arguido foram
muito alterados pela revisao de 2007. Assim, e obrigatoria a constituicao de
arguido logo que, correndo inquerito contra pessoa determinada, em relacao a
qual haja suspeita fundada da pratica de um crime, esta prestar declaracoes
perante qualquer entidade judiciaria ou OPC.
Ate 2007, as testemunhas inquiridas durante o inquerito nao se podiam
fazer acompanhar por advogado. Ora, sucedia muitas vezes que o OPC ou o
MP chamava a pessoa como testemunha e a medida que lhe ia fazendo as
perguntas ia encaminhando o inquerito no sentido de lhe perguntar coisas
como suspeita, utilizando-se da vantagem de ela nao estar acompanhada de um
advogado. Agora as testemunhas tambem podem fazer-se acompanhar por
advogados durante inquiricoes. Se as pessoas forem inquiridas como
testemunhas, comecando-se-lhe a fazer perguntas que permitam concluir que
estao a ser inquiridas como suspeitas, as pessoas tem o direito de requerer que
sejam constituidas arguidas, pois enquanto as testemunhas estao obrigadas a
falar com verdade, os arguidos nao. Isto e o que nos diz o art. 59o, 1CPP. Alem
destas, o art. 58o CPP preve as hipoteses tipicas de constituicao de arguido.
Quem e que pode constituir alguem arguido? O MP ou os OPC. A
constituicao de arguido traduz-se na entrega de umas folhas as pessoas que
dizem os seus direitos e deveres processuais. Esta constituicao tem de vir
acompanhada de um conjunto de factos de ordem formal e material, entre eles a
informacao sobre os direitos e deveres. Ate aqui entendia-se que o MP ou os
OPC tinham de explicar convenientemente os direitos e deveres ao arguido,
mas isso quase nunca acontecia, pelo que o art. 58o, 2 CPP veio clarificar tal
exigencia caso seja necessario. O no 3 chama a tencao para um aspecto
importante: se e certo que a constituicao pode ser feita pelo MP ou por um OPC,
a constituicao pelo OPC nao e absolutamente eficaz, dependendo de
comunicacao e validacao pelo MP dentro do prazo de dez dias. Ora isto parece
entrar em contradicao com o art. 57o, 2 CPP, pois se a constituicao nao for
comunicada e/ou validada dentro dos dez dias pode cair.
Quais sao os direito e deves processuais do arguido? Estao previstos
nos arts. 61o e ss. CPP. A alinea d) do no 1 do art. 61o CPP refere que o arguido
tem o direito de nao falar, mas se falar tambem se reserva no direito de nao
explicar, o que se traduz no seu direito pleno a nao auto-incriminacao; tem
tambem o direito de comunicar em privado com o advogado, mesmo preso; o
no 2 consagra uma excepcao, quando razoes de seguranca o exijam (“guarda-a -
vista”). Os deveres do arguido estao tambem previstos no art. 61o, 3 CPP,
postulando que so as perguntas sobre a sua identidade deve responder com
verdade, sob pena de ser punido por um crime de falsas declaracoes. A alinea
d) preve o dever do arguido em sujeitar-se as diligencias de prova. Em que
medida pode o arguido ser obrigado a participar na prova requerida pelo MP?
Isso nao contraria o direito a nao auto-incriminacao? A necessidade, por um
lado, de equilibrar as diligencias do inquerito, e de respeito pelo principio da
nao auto-incriminacao, por outro lado, nem sempre e facil de conjugar. Sera
possivel obrigar o arguido a aceder uma amostra de ADN para a prossecucao
das diligencias? Sera que o direito a nao auto-incriminacao so abrange o não falar?
Em relacao a recolha de ADN, o tribunal da Relacao do Porto veio
sistematicamente proibir a recolha coerciva de ADN, pois trata-se de uma
materia de direitos fundamentais, circulo minimo de defesa da pessoa. Alias, a
prova e a utilizacao de ADN para criacao de uma base de dados esta a ser
regulamentada por forca de comissoes da AR.
Tudo isto para concluir que estas questoes ligadas a nao cooperacao do
arguido e aquilo que ele e obrigado a permitir aos OPC e ao MP levanta ainda muitos problemas.
O arguido pode ainda constituir advogado em qualquer altura do
processo e se nao constituir, ha um determinado conjunto de momentos do
processo em que tem de lhe ser nomeado um oficiosamente (art. 62o CPP).
O art. 64o CPP refere a obrigatoriedade de assistencia do defensor.

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Tendo o arguido direito a nomear defensor ou ser-lhe nomeado, pode ele
dispensa-lo? Segundo este artigo, so nas situacoes aqui previstas e que existe
esta obrigatoriedade (ex: quando o arguido e menor de 21 anos ou quando e
estrangeiro).

Parte III
O PROCESSO PENAL

Capítulo VIII - O processo comum

1. Fase preliminar

1.1. Da notícia do crime


1.2. Intervenção dos órgãos de polícia criminal e das medidas cautelares e de polícia
1.3. Da detenção

2. Do Inquérito

2.1. Considerações gerais


2.2. Dos actos do inquérito, a praticar pelo MP, pelo Juiz de instrução e pelos órgãos de polícia criminal
2.3. Do encerramento do inquérito
2.3.1. Despacho de acusação ou de arquivamento
2.3.2. Arquivamento em caso de dispensa e suspensão provisória do processo
2.4. Duração do inquérito
2.5. Acusação pelo assistente em crimes cujo procedimento depende de acusação particular

3. Da Instrução

3.1. Considerações gerais - a relação entre o inquérito e a instrução; entre a intervenção do MP e do Juiz
de instrução
3.2. Requerimento de abertura de instrução
3.3. Dos actos de instrução
3.4. Do debate instrutório
3.5. Alteração dos factos, não substancial e substancial. O objecto do processo
3.6. Do encerramento da instrução
3.6.1. Despacho de pronúncia e de não pronúncia
3.6.2. Nulidade da decisão instrutória e recursos
3.7. Duração da instrução

4. Do julgamento

4.1. Dos actos preliminares


4.2. Da audiência
4.3. Dos actos introdutórios, com relevância para a presença/ausência do arguido
4.4. Da produção de prova
4.5. Da documentação da audiência
4.6. Da sentença com relevância para a questão da «cesure»

5. Os recursos

5.1. Princípios gerais


5.2. Da tramitação unitária
5.3. Do recurso para as relações
5.4. Do recurso para o STJ
5.5. Dos recursos extraordinários
5.6. Da revisão

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A. A tramitação penal (processo comum)

Breve esquema da tramitação processual penal comum

Normalmente, tudo começa com um facto que dá origem à notícia do


crime; esta chega ao MP por diversas vias, consoante a natureza do crime (se
for um crime público, pode chegar por qualquer via, se for um crime semipúblico
chega obrigatoriamente através da queixa, e se for um crime particular
strcito sensu são necessárias queixas e acusação).
Quando a noticia do crime chega ao conhecimento do MP, aqui inicia-se a
intervenção dos órgãos de polícia criminal, e teremos aqui de saber quais
são as medidas cautelares e de polícia que se podem aplicar nesta fase.

De seguida, passamos para a Fase do Inquérito. Esta é a fase em que o MP


é o “dominus”, ou seja, e ele que vai dirigir esta fase. É onde se procedem as
investigações, se tenta descobrir quem é o autor da infracção e se existem
indícios desta ter sido cometida. Esta fase pode terminar com uma acusação ou
com o arquivamento (se não encontrarmos indícios) ou com a suspensão
provisória do processo com futuro arquivamento ou com o arquivamento em
caso de dispensa de pena (apesar de existirem indícios).

Havendo acusação ou arquivamento, pode ter lugar a abertura da


instrução. Esta visa a comprovação judicial da decisão de acusar ou de
arquivar, decisão esta tomada pelo MP e acontece porque o arguido ou o
assistente não estão satisfeitos com a decisão, e requerem a abertura da
instrução para que haja intervenção do juiz que vai verificar se realmente essa
decisão foi bem tomada ou não. Esta é a Fase da Instrução, que é, portanto,
uma fase facultativa.

Realizada a instrução, esta há-de terminar ou com um despacho de


pronúncia ou um despacho de não pronúncia, ou seja, o juiz, no caso de
pronúncia, considera que há realmente indícios e concorda com a acusação ou
considera que há indícios e não concorda com o arquivamento, concordando
antes com o requerimento de abertura de instrução por parte do assistente, e
pronuncia, ou seja, diz que o processo deve de ir a julgamento. Ou não
pronuncia, por não haver indícios, dando razão ao MP por não acusar, ou dá
razão ao arguido ao dizer que não existem indícios.

Havendo despacho de pronúncia, segue-se a Fase do Julgamento. Esta


fase pode terminar com duas hipóteses possíveis: ou termina com a condenação
ou com a absolvição. Independentemente do desfecho do julgamento, podemos
ter a Fase de Recurso. Na fase do recurso, ou se mantém a decisão anterior do
juiz no sentido de proceder a condenação ou se altera para a absolvição ou vice-versa.

Se o processo culminar com a condenação, a ultima fase chama-se a Fase


da Execução da pena.
Esta tramitação é simplista, e para compreendermos como é diferente a
tramitação do processo penal em relação ao processo civil, é a tramitação que se
aplica nos casos de processo comum, mas não é a única que existe. Temos ainda
o processo sumario, o processo sumaríssimo e o processo abreviado. Estes
processos tem uma tramitação ligeiramente distinta.

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Fases preliminares
Existem quatro fases:

· Fases preliminares
· Fase do julgamento
· Fase do recurso
· Fase da execução da pena.

Normalmente diz-se que há uma fase preliminar após a qual existe o inquérito,
depois a instrução e depois o julgamento.

Das medidas cautelares e de polícia

1. Introdução

O CPP inclui esta fase preliminar juntamente com o inquérito e com a instrução,
tudo isso numa parte que designa fases preliminares; portanto, seriam um conjunto de
fases preliminares após as quais se segue o julgamento. Portanto,para o nosso
modelo processual penal existe, digamos assim, uma concepção segundo a qual
a fase mais importante do processo é o julgamento. É no julgamento que se busca a

verdade material, que se produz a prova, aprecia-se da inocência ou da culpa do


suspeito, do arguido. E, portanto, essa é a fase mais importante: a fase do julgamento.

Tudo o que esta antes do julgamento são fases preliminares. No CPP não chegam a ter
uma distinção como tem a fase do julgamento. No entanto, na pratica,o inquérito, acaba
por assumir uma importância muito grande em termos de tramitação. E, portanto, e muito
mais usual falarmos em inquérito, instrução, julgamento, recursos e execução de penas, do que
em fases preliminares, julgamento, recursos e execução de pena.

Seja como for, quer se vá por uma via ou outra, teremos que começar pelo
conjunto de medidas cautelares e de policia que compõe, assim, aquela que
seria a preliminar das preliminares, antes de começar o inquérito – fase
absolutamente preliminar de actuação dos órgãos de policia criminal – e que
não chega a ter uma designação própria. Mas podemos identifica-la: é todo um
conjunto de actos que e possível levar a cabo antes ainda de se dar inicio ao
inquérito. E também se pode dizer que mesmo depois de se abrir o inquérito,
mesmo depois de se dar a intervenção do MP, esses actos podem-se realizar por
órgãos de policia criminal, já no âmbito do inquérito → Medidas cautelares e de
polícia. Por isso, não se pode dizer que a pratica de actos que
consubstanciam as medidas cautelares e de polícia sejam
concretamente uma fase em si, porque são apenas actos, que se podem realizar
antes do inquérito começar, ou entao no seu decurso. Seja como for, neste âmbito decide-se
muita coisa que determina o proprio decurso do processo penal. Aqui se decide, por exemplo,
a natureza publica ou nao do crime.

Comecamos entao pela primeira questao que se coloca, que e a aquisicao


da noticia do crime.

2. Da notícia do crime

Costuma dizer-se que o Ministerio Publico (MP) toma conhecimento da


noticia do crime (vide art. 241.o CPP) por meio próprio (qualquer meio: porque viu
nos orgaos de comunicacao social, porque foi uma das testemunhas ou porque

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veio ao conhecimento por qualquer meio que nao a policia ou outro
determinado pelo CPP). O MP tambem pode ter conhecimento da noticia do
crime por intermédio dos órgãos de polícia criminal (denuncia obrigatoria – art.
242.o), por intermédio dos particulares (denuncia facultativa – art.o 244.o).

So que ha uma diferenca entre os particulares e as entidades policiais. Ha


determinadas entidades para as quais a denuncia é sempre obrigatoria.
Enquanto para os cidadaos comuns a denuncia nao e obrigatória mas facultativa.

Denúncia obrigatória: a denuncia é obrigatoria para as entidades policiais


sempre que tenham conhecimento de um crime, qualquer tipo de crime (pode
ate ser semipublico). Desde que tenham conhecimento, as autoridades policiais
devem apresentar denuncia ao MP. Tambem a denuncia é obrigatoria para os
funcionarios (acepcao propria nos termos do art. 386.o Codigo Penal) que
tomem conhecimento do crime no exercicio das suas funções ou por causa
delas. Esta acepcao do art. 386.o do CP abrange os professores e funcionarios em
geral da universidade, em ligacao às funcoes que desempenham.

Denúncia facultativa: os particulares nao estao obrigados à denuncia, sendo para eles facultativa.
Nos termos do art. 244, podem apresentar a denuncia directamente nos servicos do MP
(delegacoes do MP nos tribunais), a qualquer outra entidade judiciaria ou
orgaos de policia que a possam receber (Policia judiciaria (PJ), Policia de
Seguranca Publica (PSP), Guarda Nacional Republicana (GNR)), qualquer
orgao de policia criminal que esteja habilitado a receber a denuncia..
Em qualquer situacao nao somos obrigados a apresentar denuncia, mas se
se tratar de crime que depende de queixa (crimes semi-publicos ou crimes
particulares stricto sensu) e eu for titular do direito de queixa, sou obrigado a
denunciar o crime. Para que isso aconteca é necessario que o queixoso se
queixe. Segundo a jurisprudencia, nao basta que haja denuncia, manifestacao de
conhecimento. Se se tratar de crime semi-publico é necessaria a manifestacao de
vontade (que e diferente da manifestacao de conhecimento). Para os crimes
pubicos nao faz sentido exigir esta manifestacao de vontade, isto é, basta que o
MP tome conhecimento de que existiu crime.

Manifestacao de vontade ≠ Manifestacao de conhecimento

Do art. 244CPP tambem decorre que tratando-se de um


crime que dependa de queixa, em principio, ha quem diga que qualquer pessoa
pode apresentar denuncia, nao sendo obrigatoria. Mas se for crime que
dependa de queixa ou acusacao particular, so os titulares desse direito de
queixa podem apresentar denuncia.
A professora não faz essa leitura do art. 244 que esta errada. Os cidadaos em
geral nao sao obrigados a saber como se distingue os crimes publicos dos
crimes semi-publicos e dos particulares stricto sensu, nem a saber aqueles que
dependem de queixa, nem a distinguir queixa de denuncia. Os orgaos de
policia criminal, o MP sabem fazer, mas o cidadao comum nao sabe. Por isso, o
aceitavel é que qualquer pessoa possa denunciar um crime, embora nao
produza qualquer efeito se se tratar de um crime que dependa de queixa e o
titular do direito de queixa nao exercer esse direito. Não se pode inibir os particulares
de apresentar denuncia e admitir que eles sabem fazer essa distincao
e em funcao desta saberem como devem optar. Se se tratar de um crime publico esta correcto.
Se nao, o MP pode conceder um prazo para apresentar a queixa ou pode dar-lhe o
encaminhamento que quiser, se nao encontrar razoes suficientes para notificar o
eventual titular do exercicio de queixa.

Art. 243.o CPP: Auto de denúncia


“1. Sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra
entidade policial presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória, levantam ou
mandam levantar auto de notícia, onde se mencionem:

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a) Os factos que constituem o crime;
b) O dia, a hora, o local e as circunstâncias em que o crime foi
cometido; e
c) Tudo o que puderem averiguar acerca da identificação dos agentes
e dos ofendidos, bem como os meios de prova conhecidos, nomeadamente as
testemunhas que puderem depor sobre os factos.”.

No entanto, o problema que se levanta é que o art. 243 so manda elaborar auto de
noticia quando se trate de crime de denuncia obrigatoria e desde que seja
presenciado pelos orgaos de policia criminal – o que nos leva a pensar que
estamos em presenca de um crime em flagrante delito, porque ele é “apanhado”
pelos orgaos de policia criminal, que presenciam e ate podem deter em flagrante delito.
Neste caso, pode acontecer que processo siga a forma de processo sumario e nao o comum.
Se o juiz verificar que estao criadas as condicoes do art. 381CPP, o processo passa a ter a
forma de processo sumario. O auto de noticia que é apresentado a uma
autoridade judiciaria vale como acusacao, nao sendo necessario o MP formula-la (art. 389 n.2 CPP).
Visto nesta perspectiva, faz sentido que se particularize o auto de
denuncia como no art. 243 para a acusacao formulada pelo MP (dizer os factos,
a hora e o local, tudo o que puderem acerca da identificacao, etc.). Ou seja,
aquilo que normalmente faz parte de uma acusacao formulada pelo MP no
processo comum. Mas a questao que se coloca e esta:
Tratando-se de um crime de denuncia obrigatoria (recapitulando, todos os
crimes de que as autoridades policiais tenham conhecimento (art. 242), que
obrigatoriamente tem que denunciar) pergunta-se como é que os orgaos de
policia criminal podem transmitir o conhecimento do crime sem ser atraves de
um auto de denuncia? Nao é que tiverem “presenciado”, mas deve ler-se de que
“tomaram conhecimento”. Se temos um crime semi-publico, um crime de
denuncia obrigatoria, as autoridades policiais devem elaborar auto de noticia: o titular do direito
de queixa nao sabe que foi vitima de crime, nao sabe, por exemplo, que foi
vitima de furto. Imaginemos que alguem viu, apresentou denuncia na GNR,
que, ao tomar conhecimento, vai apresentar denuncia ao MP. Porque a vitima
pode nem saber. Depois o particular saberá se deve ou nao apresentar queixa.
Mas isso é outra questao. Neste momento alguem tem de lhe dizer que ele foi
vitima de um crime. Os orgaos de policia criminal devem apresentar sempre
denuncia. Entao, se e assim, porque é que o CPP diz no art. 243 que um orgao
de policia criminal ou outra entidade policial que tiverem presenciado qualquer
crime de denuncia obrigatoria elaboram um auto de noticia. Entao, e quando
nao tiverem presenciado e for de denuncia obrigatoria?
No caso de processo sumario faz sentido que se particularize o auto de
denuncia porque é um crime presenciado, praticado em flagrante delito, e
depois vai servir como acusacao no processo sumario (art. 389.o, n.o 2 do CPP).

A partir da reforma de 2007, temos a denúncia anónima: segundo o art.


246, n.5, a denuncia anonima so pode determinar a abertura de inquerito se
contiver indicios da pratica de um crime ou a propria denuncia for crime (crime
de denuncia caluniosa).
Esta norma não seria necessária porque o MP toma conhecimento
dos crimes por qualquer meio, inclusivamente atraves de uma denuncia
anonima. Antes de 2007, quando havia uma denuncia anonima, o MP apreciava
e, nos termos do art. 53.o, n.o 2, al. a), olhava para a denuncia e dava-lhe o seguimento que devia.
O que e que pode acontecer a uma pessoa vitima de uma denuncia anonima?
Por exemplo, eu nao gosto de um fulano e escrevo as coisas mais
escabrosas, que esta a ser investigado pela pratica de um crime, e depois envio
isto para um jornal. Durante meses ou anos esse cidadao tem a vida destruida.
O que provavelmente queria o legislador dizer é que estas chamadas
anonimas nao devem dar azo a nenhum processo, e só em certas situacoes
devem dar origem à abertura de inquerito, ou seja, uma
especie de fase preliminar para ver se ha alguma coisa substancial que justifique
um inquerito, apreciar da idoneidade da denuncia – e nao e isto que esta no CPP.

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3. Intervenção dos órgãos de polícia criminal e das medidas
cautelares e de polícia

Em primeiro lugar, os orgaos de policia criminal que tiverem noticia de


um crime, seja por que meio for, devem transmiti-lo imediatamente ao MP,
nunca excedendo o prazo de 10 dias para o fazer – porque o MP é o dominus do
inquerito, sendo ele que decide se ha ou nao inquerito.
No entanto, pode acontecer que em certos tipos de crimes (crimes
violentos, criminalidade organizada) os orgaos de policia criminal nao tenham
tempo para transmitir a noticia do crime ao MP sem que tenham que realizar
previamente certas medidas cautelares. Está previsto no CPP que os orgaos de
policia criminal podem realizar um conjunto de accoes – as chamadas medidas
cautelares e de polícia – sem que tenha havido ainda intervencao do MP. Isto é,
tem que actuar antes e transmitir depois.
Quais sao essas medidas? Para alem da comunicacao da noticia do crime
logo que possivel, esta previsto no CPP que os orgaos de policia criminal
podem levar a cabo determinadas medidas sem necessidade de comunicacao ao
MP. Art. 248.o e ss do CPP.

Medidas relacionadas com a prova (art. 249.º)

- Proceder a exames dos vestigios do crime, assegurando que


ninguem mexe nos objectos e no lugar do crime, isolando a area,
proibindo a entrada de gente estranha, recolhendo logo os vestígios
do crime (sangue, saliva, semen, fragmentos de municoes, fragmentos
de tecido, pistola, faca, etc.) – diligencias previstas no art. 171, n.2 e
art. 173;
- Colher informacoes das pessoas que facilitem a descoberta dos
agentes do crime e a sua reconstituicao, ou seja, colher informacoes de
eventuais testemunhas;
- Proceder a apreensoes no decurso de revistas ou buscas ou em
caso de urgencia ou perigo na demora, bem como adoptar as medidas
cautelares necessarias a conservacao ou manutencao dos objectos
apreendidos, isto e, proceder a apreensao de objectos do crime.

Estas medidas tem em vista a manutencao dos meios de prova. A eficacia


do orgaos de policia criminal, neste momento, e fundamental para o sucesso da
intervencao. Porque se for possivel deixar passar o tempo, os vestigios
desaparecerao, e vai por agua abaixo toda a investigacao criminal.

Medidas relacionadas com a identificação do suspeito e pedido de


informações (art. 250.º)
“1 – os órgãos de polícia criminal podem proceder à identificação de
qualquer pessoa encontrada em lugar público, aberto ao público ou sujeito a
vigilância policial, sempre que sobre ela recaiam fundadas suspeitas da
prática de crimes, da pendência de processos de extradição ou de expulsão, de
que tenha penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional ou
de haver contra si mandado de detenção”.

Ha um processo proprio para realizar a identificacao do


suspeito, que se nao for integralmente respeitado, ha uma violacao
dos direitos fundamentais. Ha um problema: os orgaos de policia
criminal nao podem deter uma pessoa por tempo indeterminado, sob
pena de ser considerada uma detencao ilegal (podendo processar o
Estado e pedir uma indemnizacao). O periodo maximo de detencao e
de 6 horas. A identificacao do suspeito e feita nos termos dos n.o 3, 4 e
5, do art. 250.o do CPP.

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“6 – na impossibilidade de identificação, nos termos dos n.º 3, 4 e 5, os
órgãos de polícia criminal podem conduzir o suspeito ao posto policial mais
próximo e compeli-lo a permanecer ali pelo tempo estritamente indispensável
à identificação, em caso algum superior a seis horas, realizando, em caso de
necessidade, provas dactiloscópicas, fotográficas ou de natureza análoga e
convidando o identificando a indicar residência onde possa ser encontrado e
receber comunicações.”

Ex: X vem de uma noite do Enterro da Gata e houve qualquer problema naquela zona. X
nao vai identificado. A policia pergunta-vos pela vossa identificacao e X recusa-se a identificar-se.
A policia leva-o ao posto policial ficando detido mas no maximo seis horas.

Medidas cautelares e de polícia: revistas e buscas (art. 251.º)

Nao falamos, aqui, das revistas e buscas enquanto meios de


obtencao de prova, previstos no art. 174.o e seguintes (para qualquer fase do processo).

“Art. 174.º Pressupostos


1 – Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa
quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de
prova, é ordenada revista.
2 – Quando houver indícios de que os objectos referidos no número
anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em
lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.”
Alguem ordena a revista ou a busca.
No art. 251 prevê-se revistas e buscas sem previa autorizacao judiciaria.

“Art. 251.º Revistas e buscas


1 – Para além dos casos previstos no n.º 5 do artigo 174.º, os órgãos de
polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da entidade
judiciária:
a) À revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de
detenção e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de
busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles
se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem a
prova e que de outra forma poderiam perder-se;
b) À revista de pessoas que tenham de participar oi
pretendam assistir a qualquer acto processual ou que, na qualidade de
suspeitos, devam ser conduzidos a posto policial, sempre que houver
razões para crer que ocultam armas ou outros objectos com os quais
possam praticar actos de violência”.

Em situacao de emergencia da pratica de um crime, quando se


acabou de cometer, ou quando haja fuga ou perigo de fuga iminente
do suspeito, os orgaos de policia criminal podem imediatamente
proceder a revista e busca sem autorizacao judiciaria, mas com um
limite quanto as buscas domiciliarias. So que depois vamos ao art.177.o do CPP que diz:

“Art. 177.º Busca domiciliária


1 – a busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode
ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob
pena de nulidade.”
Dispoe o n.o 2 do art. 251.o: “ Entre as 21 e as 7 horas, a busca
domiciliária só pode ser realizada nos casos de:
a) Terrorismo ou criminalidade especialmente violenta;
b) Consentimento do visado, documentado por qualquer
forma;
c) Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de
prisão superior, no seu mínimo, a 3 anos.”

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Entre as 21 e as 7 horas tem que haver autorizacao do juiz – e um limite constitucional.
“3 – As buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo MP ou
ser efectuadas por órgão de polícia criminal:
a) Nos casos referidos no n.º 5 do art.174.º, entre as 7 e as 21 horas;
b) Nos casos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior,
entre as 21 e as 7 horas.”
Ha situacoes em que os orgaos de policia criminal fazem buscas e revistas
mesmo nao sendo, e aqui sublinho esta parte, enquadradas nas medidas
cautelares e de policia (o crime e cometido e ha perigo de fuga, e ha necessidade
de efectuar buscas e revistas, porque pode nao haver tempo). Portanto, nao
estamos a falar de um crime acabado de cometer em que haja perigo de fuga.
Estamos a falar de situacoes em que esta em causa terrorismo, criminalidade
violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indicios da pratica
iminente de crime que ponha em risco a vida ou integridade da pessoa. Aqui e
o contrario: uma situacao em que os orgaos de policia criminal se apercebem
que alguem se esta a preparar para cometer um crime. E tratando-se deste tipo
de crime, os orgaos de policia criminal podem actuar de imediato, desde que o
facam entre as 7 e as 21 horas. Porque entre as 21 e as 7 horas so com
autorizacao do juiz.
Entre as 21 e as 7 da manha tem que haver sempre autorizacao do juiz,
porque em causa estao direitos fundamentais.
Entre as 7 e as 21 horas, se for mesmo perigo iminente da pratica de um
crime, terao mesmo de actuar.
E preciso relacionar muito bem estes tres artigos: o 174.o, o 177.o e o 251.o.

Medidas cautelares e de polícia: apreensão de correspondência


(art. 252.º)

NOTA:
Caso que foi ao Tribunal Constitucional (TC): Foi uma situacao de busca
domiciliaria sem autorizacao do juiz. Um bar tinha uns anexos nas traseiras
onde decorriam praticas de prostituicao e praticas ilicitas. A busca foi feita nos
anexos. Argumentou-se que a busca era ilegal porque, uma vez que se tratava
de uma busca domiciliaria e dadas as circunstancias da busca, nao havia
autorizacao judicial. O TC deparou-se com duas teses:
_os anexos nao podem ser considerados domicilio, e, entao, a policia
entrou num estabelecimento comercial;
_esse local era um domicilio (um santuario proprio que garante a reserva
da intimidade da vida das pessoas). Porque se vamos uma semana para um
hotel, durante uma semana e o nosso domicilio. E aqueles anexos seriam um
domicilio porque quem la ia, ia no pressuposto de que estava garantida a
reserva da intimidade da vida privada.
Esta busca era ou nao permitida?

Medidas cautelares e de polícia: localização celular (art. 252.º - A)

Art. 252.o - A, n.o 1: “As autoridades judiciárias e as autoridades de


polícia criminal podem obter dados sobre a localização celular quando eles forem
necessários para afastar perigo para a vida ou de ofensa à integridade física
grave.”
E preciso nao confundir isto com as escutas telefonicas. Nos vamos
estudar as escutas telefonicas mais adiante. O que esta em causa nao e a
intercepcao de chamadas telefonicas, nao e isso. O que esta aqui em
causa e a possibilidade de localizacao de uma pessoa atraves da
chamada, passo a redundancia, “localizacao celular”.
Se nao e escuta telefonica, se nao e um meio de obtencao de prova,

50
visa o que? Visa prevenir crimes. E essa a funcao da localizacao celular.
As autoridades judiciarias e orgaos de policia criminal podem utilizar os
dados para a localizacao celular com vista a afastar o perigo para a vida
ou ofensa a integridade fisica grave.
Ha, aqui, tambem a necessidade de respeitar os direitos
fundamentais e, por isso, a intervencao do juiz impoe-se quando se trata
de um processo que nao esta em curso. Ha uma obrigacao de dar
conhecimento ao juiz de que se fez uma utilizacao desses dados.
Ha uma questao que eu queria colocar: por que razao e que isto so
se aplica ao crimes contra a vida e a integridade fisica grave? Porque?
Por exemplo, porque nao aos crimes sexuais? Porque nao aos crimes de
terrorismo? Porque nao aos crimes violentos? Porque nao a
criminalidade organizada? Porque nao? Porque razao e que isto so se
aplica aos crimes que constituam perigo para a vida ou para a
integridade fisica grave? E depois outra coisa que aqui nos faz pensar:
“ofensa a integridade fisica .grave.” – como e que um GNR ou um PSP
sabe que determinado individuo esta a preparar-se para cometer um
crime, e ate vai ser de ofensa a integridade fisica .grave.? Como e que
ele sabe isso Como e que ele sabe uma coisa dessas? Ora, a nao ser que os
suspeitos estejam a dizer “vamos mutila-lo, vamos arrancar-lhe uma
perna”. Mas como e que se sabe isto? Ate pode saber-se. Mas a questao e
esta: nao havera muitas situacoes em que nao se consegue saber e que
sao igualmente importantes? Quando se diz assim “vamos apanhar
fulano em tal sitio e vamos dar-lhe uma sova” – e a PSP: “.sova. sera
ofensa a integridade fisica simples ou grave?... E capaz de ser grave…
mas pode se simples…”. Esta incerteza nao faz sentido. Nao se consegue
saber. Se o crime ja aconteceu, e partiram-lhe uma perna, arrancaram-lhe
um braco, e ofensa a integridade fisica grave. Agora, a GNR, a PSP ou a
PJ vai fazer a localizacao celular de m individuo para prevenir a pratica
de um crime porque ja tem a certeza de que o que ele vai cometer e um
crime de ofensa a integridade fisica grave. Como e que a PSP consegue
provar isso? Bem, so se tiver a certeza absoluta porque gravou uma
conversa… mas como e que gravou uma conversa se nao houve escuta
telefonica autorizada previamente, por exemplo? Quer dizer, estas
opcoes do legislador deixam-nos a pensar…
Isto nao faz sentido! Eu admitia, por exemplo, que o legislador
dissesse: “Sempre que exista a possibilidade de serem cometidos crimes
contra a vida, ou integridade fisica, ou autodeterminacao sexual”, coisas
assim genericas que nao nos obriguem a dizer se o crime e qualificado ou
e simples! Nao ha nenhum orgao de policia criminal, a nao ser que tenha
uma informacao tao clara, tao concreta, tao indiscutivel, que consiga
qualificar como e que vai ser um crime que ainda nao se deu! Nao e?
Quer dizer, isto e uma coisa completamente inacreditavel! Mas e o que
esta na lei. E, alias, isto pode causar problemas serios aos orgaos de
policia criminal. Porque, imaginem, pode dizer-se assim: “Como e que os
senhores sabiam que ia ser mutilado um braco?” Ou o contrario: “Porque
e que nao fizeram a localizacao celular se mutilaram o braco ao tipo?”
Isto obriga a provar e a comprovar coisas que sao em principio
completamente impossiveis! Mas, enfim, e o que esta na lei.
Bem, saltamos agora para uma questao que e bem mais complicada e bem
mais interessante: a questao da detencao. E possivel deter alguem – quem pode
deter?

51
4. Da detenção

Podem deter os orgaos de policia criminal, como e evidente, e,


curiosamente, podemos deter nos, os cidadaos. O CPP da-nos essa
possibilidade de procedermos a detencao de outra pessoa. So que, se formos
nos a deter, temos limites. E e isso que vamos saber: quem pode deter? Quando
se pode deter? E por quanto tempo?
Os orgaos de policia criminal podem deter sempre que exista mandado de
detencao (sempre, como e evidente!) e podem deter sempre que aconteca uma
situacao de flagrante delito. No art. 254.o do CPP estao as finalidades da
detencao e a detencao fora das situacoes de flagrante delito. E no art. 255.o esta a
detencao em flagrante delito.
No primeiro caso (art. 254.o do CPP), sempre que seja necessario
apresentar a julgamento sob forma sumaria ou ser presente ao juiz competente
para primeiro interrogatorio judicial ou para aplicacao ou execucao de uma
medida de coaccao; ou, ainda, para assegurara a presenca imediata ou, nao
sendo possivel, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder 24 horas, do
detido perante a autoridade judiciaria em acto processual.
O que e que temos que saber, entao, perante esta situacao? Quando e que
estamos perante uma detencao em flagrante delito, e o que e que se deve fazer
em seguida? O que e que se deve fazer quando se prossegue a uma detencao
em flagrante delito?
O flagrante delito esta descrito no art. 256.o como sendo “todo o crime que se
está cometendo ou se acabou de cometer”. E por isso, ao contrario do que muitas
vezes os vossos colegas nas provas orais respondem, nao e necessario que os
orgaos de policia criminal tenham, digamos, presenciado o crime a cometer-se,
a realizar-se – pode nao ser assim. Os orgaos de policia criminal podem chegar
depois, logo apos a realizacao do crime, mas no momento em que se possa dizer
que o crime acabou de se cometer, e, portanto, esta ainda tudo muito fresco, o
arguido ainda esta ali, e por isso e que e detido. Se fosse ha muito tempo, em
principio nao era possivel dete-lo de imediato, isto e, se a detencao e feita, por
exemplo, 24 ou 48 horas, ou tres dias ou quatro, ou uma semana depois do
crime, mesmo que logo a partir da pratica do crime tenha havido uma .caca ao
homem., quando passa assim tanto tempo sobre a pratica do crime, ja nao
estamos em presenca do flagrante delito. Estamos em presenca do flagrante
delito quando ele se esta a cometer ou se acabou de cometer. E, portanto,
“acabou de cometer” tem de ser um espaco de tempo relativamente curto em
que se permita dizer que o crime foi algo que aconteceu antes, imediatamente
antes a esse momento da detencao. Portanto, o que a lei quer dizer, no fundo, e
isto: nao tem que ser necessariamente aquando da pratica do crime, mas
tambem nao pode ser muito depois da pratica do crime. E, por exemplo, o n.o 2
diz:
“Reputa-se também flagrante delito o caso em que o agente for, logo após o crime,
perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem
claramente que acabou de o cometer ou nele participar.”
Por exemplo, se logo apos a pratica do crime ha uma “operacao stop” e a
GNR verifica que o individuo tem ao seu lado uma faca, por exemplo, com
vestigios de sangue fresco, pode dete-lo por suspeita de pratica de crime e se
verificar que afinal se cometeu mesmo um crime de homicidio pouco antes
daquilo, estamos ainda na presenca de um flagrante delito. E porque? Porque o
facto de esse individuo ter sido apanhado com vestigios “que mostrem
claramente que o acabou de cometer ou nele participou” nao quer dizer que a
GNR tenha presenciado, mas que interceptou um individuo com um objecto
que indicia claramente que alguma coisa tera acontecido muito pouco tempo
antes. O indicio tem que ser muito forte. O vestigio em que mostrar que algo
sucedeu muito pouco tempo antes.
Quando se da a detencao em flagrante delito tera que haver uma entrega
imediata do detido a uma autoridade judiciaria, nos termos do art. 255.o, n.o 1

52
do CPP. Essa entrega e feita mediante um auto de noticia e isso acontece porque
se da inicio com esse auto de noticia e com a entrega desse detido a um
processo sumario. O proprio art. 255.o nos refere essa possibilidade. Mas
tambem porque se nos formos consultar as normas relativas ao processo
sumario verificamos que logo no inicio se diz assim:

“Art. 381.º Quando tem lugar


1 – São julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito, nos termos
dos artigos 255.º e 256.º, por crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não
seja superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções:
a) Quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária
ou entidade policial; ou
b) Quando a detenção tiver sido efectuada por outra pessoa e, num
prazo que não exceda 2 horas, o detido tenha sido entregue a uma das
entidades referidas na alínea anterior, tendo esta redigido auto sumário da
entrega.”
Portanto, desde que a detencao tenha sido feita por uma entidade policial,
por um orgao de policia criminal e tenha sido feita em flagrante e delito, isso da
possibilidade, se o crime nao for punivel com uma pena superior a 5 anos, da a
possibilidade de avancar com o processo sumario. O que nao quer dizer que o
processo decorra sobre a forma de processo sumario. E preciso que se respeitem
determinadas condicoes para manter o processo sob a forma sumaria e, muitas
vezes por serem ultrapassados os prazos, ele acaba por ser remetido para a
forma de processo comum. Mas condicao basica para ser processo sumario e ter
havido detencao em flagrante delito, nos termos dos artigos 255.o e 256.o e por
uma autoridade judiciaria ou entidade policial.
Mas, entao, os particulares nao podem tambem deter? Os particulares
podem deter mas tem imediatamente de entregar a pessoa a um orgao de
policia criminal, a uma entidade policial, e, caso nao consigam faze-lo, terao de
proceder a sua libertacao. Porque se nao o fizerem e evidente que estarao a
cometer um crime de sequestro.
Na aula anterior falamos do problema do exercicio do direito de queixa.
Tambem aqui e preciso ter em conta os numeros 3 e 4 do artigo 255.o, porque os
orgaos de policia criminal podem deter uma pessoa que tenha cometido um
crime que nao seja publico, pode suceder isso. So que, como dizem os números
3 e 4 do artigo 255.o, se for um crime semipublico essa detencao so se mantem
quando o titular do direito de queixa o exercer imediatamente. Se o titular nao o
fizer e evidente que os orgaos de policia criminal nao podem manter a detencao
da pessoa. Porque? Porque a detencao nao faz sentido. A detencao so faz
sentido se for para entregar essa pessoa a uma autoridade judicial para iniciar o
primeiro interrogatorio e a partir dai o processo sumario. Mas, se a pessoa que
deve exercer o direito de queixa, confrontada com a situacao diz: “eu nao quero
exercer o direito de queixa” – nao vai haver processo porque e um crime semipublico.
E se nao vai haver processo a detencao ja nao faz sentido. Ele e
imediatamente libertado. E se for um crime particular stricto sensu, que alem de
dependente de queixa tambem depende da acusacao particular, nem sequer ha
detencao em flagrante delito; ha apenas identificacao do infractor. Por exemplo
um crime de difamacao: a GNR esta num sitio ou a PSP e ve/constata que um
cidadao esta a injuriar ou difamar outra pessoa, por exemplo. E obvio que nao
vai deter a pessoa porque se trata de um crime particular stricto sensu (depende
de queixa e de acusacao particular). Mas pode identificar o infractor nos termos
do artigo 250.o. Pode proceder a identificacao do infractor e nada mais do que
isso. A partir dai tera que ser o particular ofendido a exercer o direito de queixa
e depois de acusacao do particular (nos estadios de futebol, a cada Domingo,
teria de haver uma detencao geral, o comandante da GNR ou da PSP mandaria
os seus soldados deter todos os espectadores do estadio, porque na verdade
todos estariam a ofender o arbitro (a chamar-lhe nomes feios), e portanto nao
faz sentido uma coisa dessas). Ha muita gente que e objecto de identificacao por
parte dos orgaos da policia criminal justamente por cometer crimes particulares

53
stricto sensu, (injuriar, por exemplo, acontece muitas vezes, agora, normalmente
aqui tambem entra em linha de conta aquilo a que se chama acto da accao social
ou os costumes, e portanto, normalmente os policias fazem de conta que nao
viram quem foi ou entao teriam que constantemente identificar pessoas).

Caso prático n.º 8


Antonio, porque ve a sua mulher que muito ama, aos beijos e abracos
com um antigo namorado vem, por motivos de ciumes e num impulso de
momento, a matar aquele. Bernardo, agente da PSP que passava no local,
assistiu a tudo e procedeu a imediata detencao de Antonio, constituiu-o como
arguido e apresentou-o de seguida ao MP. Este magistrado validou a
constituicao de Antonio como arguido e, apos sumaria inquiricao onde esteve
tambem presente o defensor, ordenou a sua imediata conducao ao TIC para 1.o
interrogatorio judicial e aplicacao de medida de coaccao, promovendo desde
logo a aplicacao da prisao preventiva.
O juiz, em 1.o interrogatorio judicial, durante o qual foram observadas
devidamente todas as normas processuais, considerou estar-se em face de um
crime de homicidio privilegiado (art. 133.o do C.P.), entendendo tambem existir
perigo de fuga, pelo que, e cumprindo todas as regras constantes do art. 194.o
do CPP, aplicou a Antonio a medida de coaccao de Prisao Preventiva.

1. Aprecie a legalidade da detencao de Antonio.

2. Poderia o juiz sujeitar Antonio aquela medida de coaccao?

3. Suponha que o antigo namorado, Celso, era casado e tinha


um filho de 22 anos. A mulher, ao saber que ele a traia, compreende a
atitude de Antonio e nao pretende, por isso, constituir-se assistente. Ja o
filho de Celso, Daniel, e a irma daquele, Ester, pretendem ambos
constituir-se como tal. Quem pode faze-lo e em que termos?

4. Vindo o MP a acusar Antonio por factos subsumiveis ao


crime de homicidio privilegiado, este pretende reagir, dizendo que so
pretendia confrontar Celso verbalmente, mas que este avancou para si
com uma faca, vendo-se ele, portanto, obrigado a defender-se, o que fez,
acabando Celso por morrer. O que deve fazer?

4. Durante a instrucao apura-se que os factos alegados por Antonio correspondem a verdade,
decidindo o JIC nao pronunciar Antonio. Quem pode reagir e em que termos?

5. Suponha que os autos seguem para julgamento e Antonio


arrola como testemunha a sua mulher, para prova de que Celso avancou
para si empunhando uma faca. Esta, todavia, recusa-se a depor. Podera
faze-lo?

6. Durante o julgamento, o juiz, consultando os autos, verifica


que deles consta a transcricao de um e-mail, enviado por Antonio a um
seu amigo de longa data, dois meses antes da ocorrencia dos factos
submetidos a julgamento, contando-lhe que descobriu que a sua mulher
o trai com Celso e dando-lhe conta de que prepara a morte daquele. Face
a isto, como deve agir o juiz de julgamento?

7. Tendo Antonio sido condenado a 16 anos de prisao,


ninguem parece estar contente com tal desfecho. Antonio entende que o
juiz nao poderia ter levado em linha de conta o e-mail referido. O MP e o
Assistente, por sua vez, consideram que Antonio deveria ter sido
condenado a, pelo menos, 20 anos de prisao. Pode cada um deles reagir?De que forma e com que
fundamento?

54
Resolução

1. Aprecie a legalidade da detenção de António.

Nos, normalmente, identificamos a fase de inquerito como os primeiros


actos processuais. Estamos habituados a dizer, obviamente, que o processo se
inicia na fase de inquerito. Muito embora isso seja verdade do ponto de vista
formal, uma vez que so existe processo a partir do momento em que existe
inquerito, precisamente, do ponto de vista ontologico, real, do ponto de vista
factico e ate do ponto de vista normativo, existe um momento antes de
existencia propriamente do processo que ja interessa a discussao dos factos que
estao em causa – aquilo a que chamamos as fases preliminares. Reparem que, a
partir do momento em que se passa um determinado facto susceptivel de ser
criminoso, pode haver necessidade de tomar um conjunto de providencias
quando ainda nao existe processo. O processo so existe a partir do momento em
que ha noticia do crime, a noticia do crime vai ao MP e o MP abre o processo
ou, eventualmente, o orgao de policia criminal se tiver competencia delegada
para isso. Mas so existe a partir do momento em que ha essa reflexao sobre a
noticia do crime, sobre a susceptibilidade de ela conter elementos suficientes
para dar inicio ao inquerito, e a partir daqui e que o processo existe.
E, naqueles casos em que, como aqui, o Sr. agente da PSP, vai
calmamente no seu caminho e assiste a pratica do crime? O que e que pode
estar em causa nesta fase preliminar? Ja falamos de que maneira e que pode
haver o conhecimento de um crime, como se adquire a noticia do crime: a
noticia do crime e denuncia obrigatoria para autoridades. A parte estas
questoes atinentes propriamente a denuncia ou a noticia do crime, se quiserem,
seja ela denuncia, queixa ou participacao, a parte estas questoes atinentes a
aquisicao da noticia do crime, que sao, obviamente, fase preliminar, ha um
conjunto de outras circunstancias que podem estar em causa aqui,
nomeadamente, as chamadas medidas cautelares e de policia – a necessidade de
tomar providencias para o estado de coisas em que se encontra o momento em
que se inicia um certo tipo de crime nao seja mexido por forma a nao
comprometer as provas. Imaginem que os entes policiais sao chamados a casa
de alguem porque a mulher A esta alegadamente a bater no marido B. O que e
que os Srs. Policias chegam la e fazem? Nada, porque nao ha processo-crime?
Ainda nao ha inquerito, portanto, vem-se embora? Obviamente, eles tem de ter
a capacidade de para praticar um conjunto de factos para, em primeiro lugar,
obstar a continuacao da actividade, em segundo lugar, conservar a necessaria
prova existente para depois instruir no processo. E o caso tipico de acidente de
viacao, lavrar o auto, ver quem sao as testemunhas, fazer as medidas, tomar
conta da ocorrencia, como eles costumam dizer, de tudo aquilo a instruir no
processo. Sao essas materias que vem previstas nos artigos 241.o e ss, de que nos ja tinhamos
falado.Concretamente, no nosso caso pratico, está em causa a detenção..
O Sr. Antonio matou o antigo namorado da mulher (vao ver adiante
que se chama Celso) e o agente da PSP, que estava a passar, assistiu a todo e
deteve o Sr. Antonio. O que e que esta aqui em causa, meus senhores? Que tipo
de detencao? Ou, se calhar, que tipos de detencao e que os senhores conhecem?
Esta e uma detencao em flagrante delito. E mais? A detencao esta prevista nos
artigos 254.o e ss do CPP. E eu pergunto-lhes: tendo em atencao as regras que os
senhores conhecem de direito processual penal parece-lhes que esta detencao
vai funcionar como? Como regra? Como excepcao? Num conjunto amplo de
casos? Num conjunto restrito? Em que circunstancias e que os senhores acham
que a detencao pode ser feita? Em que casos e que as pessoas podem ser
detidas? Nos crimes puniveis com prisao. E, nos crimes puniveis com prisao,
em que circunstancias? Em flagrante delito, estamos de acordo. Reparem que
existem aqui duas circunstancias concretas: a primeira e a circunstancia do
flagrante delito, que pode ser feita por um orgao de policia criminal ou por
qualquer pessoas (qualquer um de nos pode deter em flagrante delito). Ora
bem, no caso de flagrante delito, quais sao as razoes que conduzirao a

55
necessidade de detencao? Razoes de prova e perigo de fuga. Nao faz sentido
deixar ir o suspeito quando se pode parar o sujeito ali, dete-lo, nem que seja so
por um determinado periodo de tempo, para fazer as primeiras diligencias
probatorias, alem de que para assegurar, obviamente, que a actividade
criminosa nao continua.
E fora do flagrante delito? Que razoes poderao justificar que, nao tendo
havido flagrante delito, portanto, nao tendo alguem visto ou concluido de
forma muitissimo directa a existencia de um crime, em que circunstancias e que
alguem pode ser detido? Porque entre nos a detencao ha-de ser
excepcionalissima. Ha uma norma constitucional que impoe a liberdade das
pessoas e que impede a restricao desse direito a nao ser em circunstancias
particularmente delimitadas. Nao podemos andar para ai a deter pessoas, ainda
que elas sejam arguidas em processos – elas sao inocentes ate transito em
julgado. Tem que haver uma justificacao suficiente para a detencao fora do
flagrante delito. Sera a necessidade de assegurar a cooperacao do arguido com a
autoridade judiciaria? Os casos de detencao terao que corresponder a crimes em
que seja possivel aplicar a medida de detencao preventiva?
O Antonio foi validamente detido? Porque?
Ora, de acordo com o art. 254.o do CPP:
“1. A detenção a que se referem os artigos seguintes é efectuada:
a) Para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido
ser apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao
juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para
aplicação ou execução de uma medida de coacção; ou
b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível,
no mais curto prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do
detido perante a autoridade judiciária em acto processual.
2. O arguido detido fora de flagrante delito para aplicação ou
execução da medida de prisão preventiva é sem+pré apresentado ao juiz, sendo
correspondentemente aplicável o disposto no artigo 141.º”.
Reparem, estamos a falar aqui de uma detencao que e por um prazo
muito estreito, 48 horas, e e apenas para assegurar que o individuo e
apresentado junto do juiz para qualquer uma destas finalidades. Nao e uma
detencao sem mais. E apenas para assegurar que vai la estar para que se
possa cumprir a diligencia. A partir dai, eventualmente, pode ser aplicada
uma medida de coaccao de prisao preventiva; mas caso nao seja, o senhor
vem imediatamente para casa, exactamente na mesma. Portanto, reparem, e
apenas no prazo de 48 horas. E cuidado com este prazo, porque, agora, com
estas historias das inquiricoes, se podem ou nao continuar no dia seguinte,
se sao durante o dia e ou tambem podem ser durante a noite, nao e dificil
ultrapassar-se o prazo de 48 horas. Suponham, por exemplo, o caso tipico
das operacoes stop na sexta-feira a noite. Sao detidas 12 pessoas. Essas
pessoas, dependendo dos casos, podem ir para casa e receber uma
notificacao para comparecer na proxima segunda-feira no tribunal, ou
podem ser detidas. Detidas – com base em que? Com base numa destas
normas que aqui estao. E reparem que, em 48 horas elas tem que estar frente
ao juiz: 48 horas e na segunda-feira! Sucede que elas sao 12! Podem ser 15,
20, 40, depende do que se trate. E o juiz tem todas essas pessoas para ouvir.
E se ele nao as conseguir ouvir na segunda-feira? E tiver que passar para
terca ou quarta-feira? Ficam detidas? Nao podem ficar! Nao podem ficar!
Houve algumas decisoes um bocadinho estranhas e algumas
posicoes curiosas que diziam que o que interessava era o inicio da
inquiricao: comecavam a inquiri-las na segunda-feira, e depois, ainda que
demorassem quarta, quinta, sexta a terminar a inquiricao das pessoas, elas
poderiam continuar detidas. Obviamente, nao e essa a razao de ser da lei. E
por isso esta norma cria, em casos como estes, em que ha muita gente detida
(e sucede muitas vezes, suponham uma rusga, uma operacao stop), e depois
o juiz, na segunda-feira, esta aflito para cumprir o prazo das 48 horas.
Portanto, estas duas hipoteses, aqui, sao as duas hipoteses de

56
detencao em prazos curtos, muito curtos, para assegurar que vai estar o
detido no acto processual que lhe diz respeito. Porque se ha o risco de o
mandar para casa e ele, chega a segunda-feira, e nao aparece, entao estamos
a garantir que ele se vai apresentar. Tambem e comum aquela circunstancia
em que, por exemplo, se marca a audiencia de julgamento e o arguido falta a
primeira sessao da audiencia de julgamento – o que e que faz o juiz quando
o arguido falta? Pode fazer o julgamento na ausencia? Tudo isto sao
pequenos pontos processuais, susceptiveis se serem questionados a
qualquer momento. Portanto, dizia, se o arguido faltar a discussao de
audiencia e julgamento, o juiz pode fazer a audiencia sem o arguido?

Reparam que ha dois casos distintos: que é o caso da contumácia. A contumacia é um


regime em que, porque certa pessoa é arguido num processo e nunca foi tido em achado,
desapareceu simplesmente, nunca se conseguiu encontrar, nem notificado pode ser
(desaparece, nao tem morada ou esta é muito antiga e o arguido ja nao vive
la), nao se consegue sequer informar o arguido de que o é.
Ele nem sequer pode ser sujeito naquele processo. O que e que se passa ai?
Vamos deixar o prazo correr para prescrever? Vamos fazer um julgamento
na ausencia? Nao podemos, porque ele nem sequer sabe que é arguido, nao se respeitando
o minimo do contraditorio Para esses casos existe o regime da contumacia, que e o regime
que, de alguma maneira, suspende um conjunto de direitos das pessoas para que elas se
sintam coagidas, vamos dizer assim, a apresentar-se. Por exemplo: bilhete de identidade –
deixam de poder tirar; passaporte – nao podem sair do pais; carta de
conducao – nao podem renovar. Restringe-se-lhes um conjunto de direitos
civis por forma a que as pessoas, em primeiro lugar, quando se apresentem,
pode haver logo a notificacao de que elas apareceram e, por outro, se sintam
constrangidas a apresentar-se (e nao e para ser presas, nem para ser
condenadas), mas apresentar-se para dizer “eu estou aqui, sou esta pessoa,
tenho esta morada, a partir de agora o processo pode seguir”. So para que se
saiba quem é e onde está, para que aquela pessoa possa ser notificada.

Coisa diferente e um arguido, constituido enquanto tal, portanto, que


passou pelo termo de constituicao de arguido, como vimos na aula passada,
e arguido, sabe-se quem, e e onde mora (nao se esquecam que a partir do
momento em que alguem se constitui arguido e obrigado a dar uma morada
para a qual se notifica a partir dai por mera carta (e se ele nao recebe as
cartas, o problema e dele, presume-se que recebeu), coisa diferente e este
arguido faltar. Este arguido correctamente notificado falta as diligencias,
nomeadamente, falta ao julgamento. Neste caso, o julgamento pode ser feito na ausência.
Em algumas circunstancias, pode ser feito na ausencia, nomeadamente quando ele nao
apareça na data marcada para a audiencia e o juiz entenda que nao ha perigo grave em o
julgamento seja feito sem arguido. Sem arguido, mas tem de ter defensor! É um dos casos de
presença obrigatoria de defensor, qualquer que seja o crime, com prisao e sem prisao.
Os crimes sem prisao podem eventualmente nao ter advogado. Neste caso é sempre
obrigatoria a presenca de advogado. É como na gravacao – dantes, nos casos em que
o arguido nao estivesse, era sempre obrigatoria a gravacao. Agora é sempre obrigatoria.
Se a pessoa nao indica um defensor, é automaticamente nomeado um defensor
oficioso, no momento da acusacao, quando o MP acusa, se nao antes. A falta
e julgamento na ausencia do arguido esta prevista no art. 333.o do CPP. E
podem ver ai exactamente isso: “se o arguido regularmente notificado” – se ele
nao estiver notificado, entao, nao se aplica isto mas o regime da contumacia.
Porque a minha pergunta era a seguinte: suponham que na
audiencia de discussao e julgamento, marcada neste dia, o arguido nao
aparece. O que e que faz o juiz? Julga, pode julgar. Mas, na maior parte dos
casos, o juiz nao faz isso automaticamente. De preferencia convem que esteja
o arguido. E, portanto, ele faz sempre uma diligencia na tentativa de que o
arguido esteja – qual e essa diligencia? E aquela detencao que estava
prevista na alinea b) do art. 254.o, que e deter a pessoa (manda os policias da

57
area ou a GNR a casa ou a morada conhecida, o cafe, a casa da mae, vao
procurar o senhor e apanha-lo para o apresentar a julgamento). Aqui, ha um
prazo maximo de 24 horas. Imaginem que o julgamento estava marcado
para as 9.30 horas, as policias (PSP ou GNR) iam de manha, as 7 ou as 8
horas, mas nesse dia o arguido ja nao estava em casa. Os policias comecaram
a ir no dia anterior, e por isso e que ha este prazo de 24 horas.
Estas, portanto, sao as finalidades normais da detencao. Por isso,
quando lhes perguntar: “Em que casos, em Portugal, e que as pessoas
podem ser detidas? Os senhores tem que ter cuidado com as palavras
.detido.. Porque .detido. nao e .preso., e quanto a .presos. ha dois tipos:
presos preventivos e presos em execucao de pena, e .detidos. so com vista a
estas finalidades ou em casos de flagrante delito. Quando e que estamos
perante flagrante delito? Diz claramente no art. 256.o do CPP: “E flagrante
delito todo o crime que se esta cometendo ou se acabou de cometer” –
reparem que a utilizacao do gerundio, aqui, nao e a toa – “que se esta
cometendo” ainda esta em acto de execucao, em que se assiste aos actos de
execucao do crime. E, depois, os “quase-flagrante” delitos: reputa-se
tambem flagrante delito o caso em que o agente for tambem, logo apos o
crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou
sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou de nele
participar – e o caso jurisprudencial da operacao stop feita a sexta-feira a
noite e um dos condutores que e parado leva uma arma que esta toda
ensanguentada. Isto e uma detencao em flagrante delito? Ou isto pode ser
uma detencao em flagrante delito? Pois, as duvidas, tambem quanto a mim,
se levantam, mas pode. Porque se entende que se encontraram vestigios
evidentes de que se acabou de cometer um crime. Reparem, do ponto de
vista dogmatico, esta terceira hipotese ja levanta muitas duvidas a respeito
de se poder configurar propriamente um flagrante delito. Encontrar alguem
com objectos e vestigios, quer dizer… isso e um flagrante delito muito
rebuscado. Do ponto de vista cientifico parece-me pouco flagrante delito.
Mas do ponto de vista pratico, esta aqui previsto, e utiliza-se efectivamente
esse caso das operacoes stop em que se encontram pessoas com vestigios de
cometerem crimes, com armas ensanguentadas, visivelmente transtornadas,
pode dar origem a detencao em flagrante delito.
De acordo com o art. 255.o “qualquer autoridade judiciária ou entidade
policial pode proceder à detenção em flagrante delito”; a mesma coisa para
qualquer pessoa, mas neste caso apenas se nao puder ser chamado em
tempo util uma entidade policial ou autoridade judiciaria. Nos casos em que
seja uma qualquer pessoa a proceder a detencao, isso exige um conjunto de
formalidades acrescidas. No caso de ser uma entidade policial ou uma
autoridade judiciaria, eles ja saberao realmente como proceder. No caso de
ser uma qualquer pessoa exige-se, de acordo com o n.o 2: “ a pessoa que tiver
procedido à detenção entregue imediatamente o detido a uma das entidades referidas
na alínea a), a qual redige auto sumário de entrega e procede de acordo com o
estabelecido no artigo 259.º”.

Cuidado com os crimes semipublicos e particulares. Ex.injuria ou difamacao ou a uma ofensa


a integridade fisica simples. Por exemplo, eu vou ali a passar e assisto a um
senhor aluno (A) a partir a cara a outro (B). Posso deter o senhor aluno que
esta a bater? Houve um grande acidente ali em baixo, ou uma calamidade…
nao pode ser chamada a policia em tempo util. Posso deter o aluno agressor.
E um crime semipublico, como todas as ofensas a integridade fisica. Mas isto
nao interessa para aqui., porque as razoes para a detencao que apontamos
ha pouco sao as mesmas: impedir a continuidade da actividade, obstar a que
aquela pessoa fuja e identificar o agente. E esse tipo de exigencia mantem-se
nos crimes semipublicos e particulares. Mas. Obviamente, nao e a mesma
coisa que um crime publico. Por isso se preve no art. 255.o, n.o2: “Tratando-se
de crime cujo procedimento proceda de queixa, a detenção só se mantém se, em acto a
ela seguido, o titular do respectivo direito o exercer”. De acordo? Agora, o senhor

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esta detido – e depois? Tenho de entrega-lo imediatamente as autoridades.
A quem e que B apresenta a queixa? A autoridade, quer dizer, pode
apresenta-lo directamente a policia. E se for um caso de crime particular?
Nao ha lugar a detencao em flagrante delito, mas apenas a identificacao do
infractor. Portanto, e claro que aqui as razoes sao as mesmas, mas
pressupoem os fundamentos que presidiram a escolha do crime particular.
O processo nao existe em absoluto, a nao ser que aquela pessoa manifeste a
vontade de que assim seja, constitua assistente, acuse, porque o crime tem
uma relevancia menor. Mas, obviamente, ha que cumprir apenas uma regra:
a identificacao do agente.
Portanto, tenham cuidado, quanto a detencao em flagrante delito,
com estas normas dos crimes particulares em sentido amplo.
E no caso de Antonio, no nosso exemplo? Cumpre ou nao cumpre
estes requisitos? Foi um crime em flagrante delito. Ora, o Bernardo que e
agente da PSP estava no local, assistiu ao crime, portanto, nem se poe quase
a hipotese de flagrante delito. Portanto, e flagrante delito por forca do n.o 1
do art. 256.o: ele assiste ao crime e procede a imediata detencao de Antonio.
Pode faze-lo? Pode e deve (art. 255.o, n.o 1, alinea a), e ainda por cima e um
crime publico e nenhuma das outras coisas se poe aqui em causa. O que e
que ele ha-de fazer?
Diz aqui que ele o constituiu como arguido e o apresentou de seguida
ao MP. Fez bem? Fez mal? De acordo com os artigos 57.o e seguintes, estao
estabelecidas as circunstancias em que as pessoas adquirem a qualidade de
arguido. E vimos que, no art. 58.o esta previsto um conjunto de circunstancias
especificas em que, pelo menos ai, as pessoas tem que adquirir a qualidade de
arguido, se ainda nao a tem. Ora, de acordo com o artigo 58.o, n.o 1, al. c) “é
obrigatória a constituição de arguido quando um suspeito for detido, nos termos e para
os efeitos previstos nos artigos 254.º a 261.o”. Portanto, parece que e um destes
casos, nao e? O suspeito foi detido, foi detido em flagrante delito, deve ser
constituido arguido, de acordo?
Agora, quem e que constitui arguido? E como? Por forca do n.o 2 do art.
256.o, o orgao de policia criminal pode, por comunicacao oral ou escrita,
constituir alguem como arguido.” So que nesse caso o que e que se passa? E
uma constituicao de arguido sujeita a validacao. Esta e uma inovacao de 2007.
Porque sao os orgaos de policia criminal que lidam de imediato com os
suspeitos, os agentes.

“A constituicao de arguido feita por orgao de policia criminal e


comunicada a autoridade judiciaria no prazo de 10 dias e por esta apreciada,
em ordem a sua validacao, no prazo de 10 dias” – art. 58.o. n.o 3 do CPP.
Portanto, depois da constituicao como arguido, o senhor pode esperar
20 dias ate saber se e ou nao efectivamente arguido. Se o foi pelo orgao policial.
Mas isto e o prazo maximo. E se o prazo for desrespeitado? Obviamente,
entende-se que nao foi validado. Portanto, o senhor nao e arguido – o que
levanta aquele problema de que ja falamos na aula anterior, que diz que a
validade se adquire e se mantem durante todo o processo.
Ora, notem que nos termos do n.o 4, a constituicao do arguido implica a
entrega, sempre que possivel no proprio acto, do documento que constitui a
definicao do processo, o defensor, se este tiver sido nomeado, os direitos e os
deveres processuais. De acordo com a redaccao anterior a 2007, era obrigatorio
sempre na constituicao de arguido, e era causa, alias de muitas invalidades na
constituicao do arguido, porque nao se entregava este documento conforme
devia ser. Agora, desde 2007, diz-se “sempre que possivel, no proprio acto”,
mas pode nao ser no proprio acto, nomeadamente num caso como este: o
senhor agente da PSP deteve o agente em flagrante delito, constitui-o
imediatamente arguido e nao tem o documento para dar ao senhor.
Obviamente, depois, ha-de receber o documento, o papel onde conste o
processo, a indicacao do defensor, direitos e deveres, o termo propriamente de
constituicao de arguido, que e, alias assinado pelo arguido.

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E a seguir o que e que fez Bernardo? Apresentou ao MP.
“Art. 259.º Dever de comunicação
Sempre que qualquer entidade policial proceder a uma detenção comunica-a de
imediato:
a) Ao juiz do qual emanar o mandado de detenção, se esta
tiver a finalidade referida na alínea b) do art. 254.º;
b) Ao Ministério Público, nos casos restantes”.

Aqui, como nao havia processo e nao havia juiz, ha-de ser a alinea b). E
ao MP que se tem de dar conhecimento. E o que e que o MP fez? Validou a
constituicao de arguido. Devia, como ja vimos.
E inquiriu-o. Tem o MP poderes ou deveres de inquirir arguidos?
Nao se esquecam das normas que atribuem competencias aos diversos
sujeitos – a primeira parte do CPP, as chamadas “normas estaticas”. As normas
estaticas que regulam direitos, deveres, garantias contrapoem-se as “normas
dinamicas”, que sao a tramitacao propriamente dita.
Quanto ao MP os artigos 48.o e seguintes. Nos termos do art. 48.o tem
legitimidade para promover; segundo o art. 53.o, compete ao MP em processo
penal colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realizacao do
direito, e compete, em especial, receber as denuncias, as queixas e as
participacoes e apreciar o seguimento a dar-lhes, dirigir o inquerito, deduzir
acusacao, interpor recursos, promover a execucao das penas. O que e que ele
fara na direccao do inquerito? Interrogara arguidos? Onde encontramos o fundamento legal?
Muito embora as .provas. sejam uma materia dinamica, porque se
produzem nas varias fases processuais, elas tambem tem um tratamento
estatico. Ha-de haver um sitio onde diz quais sao os meios de prova, qual e a
validade deles, o juizo que o juiz pode fazer a respeito deles. E as declaracoes
do arguido sao um meio de prova. Onde estao? Nos artigos 140.o e seguintes:
regulam as declaracoes do arguido, do assistente e das partes civis. Toda esta
parte regula as provas: quais sao os meios de prova admitidos, qual o valor que
eles tem e quais sao, depois, os meios de obtencao de prova permitidos no CPP.
As declaracoes do arguido tem um papel particularmente importante dentro do
processo penal. E voces podem ver, aqui, pelas regras gerais, que o primeiro
interrogatorio judicial do arguido vem regulado no art. 141.o, uma norma
importantissima. Mas nao e, aqui, o caso. Temos o art. 143.o – Primeiro
interrogatorio nao judicial do arguido detido: “O arguido detido que nao for
interrogado pelo juiz de instrucao em acto seguido a detencao e apresentado ao
Ministerio Publico competente na area em que a detencao se tiver operado,
podendo este ouvi-lo sumariamente”. Mas o artigo fala nos detidos, e os
arguidos nao detidos? Estao no art. 144.o – outros interrogatorios: “Os
subsequentes interrogatórios de arguido preso e os interrogatórios de arguido em
liberdade são feitos no inquérito pelo Ministério Público e na instrução e em julgamento
pelo respectivo juiz, obedecendo, em tudo quanto for aplicável, às disposições deste capítulo.”.
A regra do nosso processo penal e a publicidade, desde 2007. O nosso
processo e por regra publico, a nao ser que nas circunstancias do art. 86.o esteja
previsto especificamente o segredo. O interrogatorio judicial de arguido,
todavia, e secreto. Diz o art. 141.o, n.o 2.: “O interrogatório é feito exclusivamente
pelo juiz, com assistência do MP e do defensor e estando presente o funcionário de
justiça. Não é admitida a presença de qualquer outra pessoa, a não ser que, por motivo
de segurança, o detido deva ser guardado à vista”. Esta e uma norma que e uma
excepcao a publicidade prevista no art. 86.o.
Entao, no nosso caso, o MP deve inquirir, nos termos do art. 143.o.
Entao, o MP validou a constituicao, inquiriu, e ordenou-se a imediata
conducao ao TIC (Tribunal de Instrucao Criminal) para 1.o interrogatorio
judicial, previsto no art. 141.o, com as suas regras formais, e aplicacao de
medida de coaccao, promovendo desde logo a aplicacao de prisao preventiva.
Deixem-se so sublinhar o n.o 6 do art. 141.o. eu ja lhes disse que, havia a
luz do Codigo anterior a 2007, uma data de duvidas em relacao a presenca do
defensor em actos de inquerito e instrucao. Sempre que possivel, o MP e o juiz

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de instrucao impediam o defensor de estar presente. Nao ha duvida de que no
primeiro interrogatorio judicial o defensor tem que estar presente, e se ele nao
tem um, nomeia-se-lhe um defensor. Mas, o que e que o defensor e o MP fazem
no 1.o interrogatorio? Podem fazer perguntas, inquirir? E preciso ter cuidado
com o que diz o n.o 6: “Durante o interrogatório, o MP e o defensor, sem prejuízo do
direito de arguir nulidades, abstêm-se de qualquer interferência, podendo o juiz permitir
que suscitem pedidos de esclarecimento das respostas dadas pelo arguido. Findo o
interrogatório, podem requerer ao juiz que formule àquele as perguntas relevantes para
a descoberta da verdade. O juiz decide, por despacho irrecorrível, se o requerimento háde
ser feito na presença do arguido e sobre a relevância das perguntas”.
Um dos casos em que e a propria norma que estabelece um despacho
irrecorrivel, e nao o art. 399.o do CPP.
Cuidado que nestes casos a inquiricao e toda feita pelo juiz, e o que o
MP ou o defensor podem fazer e pedidos de esclarecimento ou sugestao de
perguntas, mas sempre atraves do juiz.
Foi pedida a medida de coaccao de prisao preventiva. O MP promoveu a aplicacao desta medida.
O que e que sao medidas de coaccao e para que e que servem? A quem
sao aplicadas as medidas de coaccao? So ao arguido? As medidas de coaccao equivaleriam
aquilo em que em processo civil entendem por medidas cautelares, do ponto de vista da
natureza cautelar tem essa semelhanca.
As medidas de coaccao estao previstas nos artigos 191.o e seguintes.
Cuidado que umas sao as medidas de coaccao e outras sao as de garantia
patrimonial, sendo estas ultimas menos usadas em processo penal, por serem
menos nobres, por serem mais pecunia.
E o artigo 191.o comeca logo por dizer que “a liberdade das pessoas só pode
ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza
cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei”. Afirma
logo uma legalidade, que me parece mais uma tipicidade – “as medidas
cautelares sao estas, apenas estas e nao mais do que estas”. Portanto, ha uma
legalidade e uma tipicidade das medidas cautelares.
E, reparem, para que nao existam duvidas, que nao e medida de
coaccao a obrigacao de identificacao perante a identidade competente, nos termos do n2 do art. 191.
O art. 192.o preve condicoes gerais de aplicacao, sem prejuizo das
medidas especificas que vao encontrar em cada uma das medidas de coaccao e,
nomeadamente, umas muito especifica que vao poder encontrar na prisão preventiva. Portanto,
os senhores quando aplicarem medidas de coaccao vao ter
de fazer isto em varios passos. Primeiro sao estas regras gerais, depois sao os
requisitos de cada medida de coaccao e depois, em caso de prisao preventiva,
ainda lhe somam uns outros requisitos especialissimos.
Entao diz-se que a aplicacao de medidas de coaccao e de garantia
patrimonial depende da previa constituicao como arguido, portanto, parece que
so os arguidos podem ser alvos de medidas de coaccao. Nenhuma medida de
coaccao ou de garantia patrimonial e aplicada quando houver fundados
motivos para crer na existencia de causas de isencao da responsabilidade ou de
extincao do procedimento criminal. Reparem no que e que se impoe aqui:
quando o juiz entender que aquele processo nao seguira por falha de um
pressuposto substantivo, do ponto de vis ta verificacao da descricao ou da
verificacao de uma causa de exclusao, ele nao deve aplicar a medida de coaccao.
Mas isto exige um juizo previo do juiz a este respeito. O juiz, para aplicar
medida de coaccao tem que verificar se efectivamente estao preenchidos os
pressupostos positivos e negativos da punicao. E preciso que haja um crime ou
se nao ha, uma causa de isencao ou extincao – e o caso tipico da prescricao, ou
de outros pressupostos negativos. Chega o juiz e avalia que houve uma
amnistia ou uma prescricao dentro de tres, neste caso, deve aplicar a medida de
coaccao? Muito embora se possam cumprir os demais pressupostos, nao deve,
mas impoe-lhe um juizo previo a respeito, se quiserem, da propria viabilidade
do processo penal. E depois, impoe-se, aqui, alem dos principios da legalidade e
da tipicidade que vimos, especificos principios de necessidade, de adequacao e
de proporcionalidade, ou seja, o principio da proporcionalidade em sentido

61
amplo, especialmente detalhado nos seus tres sub – principios para que duvidas nao restem.
Art. 193.o, n.o 1:”as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em
caso concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso
requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham
a ser aplicadas”.

Dependendo do caso em concreto, uma medida de pisao preventiva


cuja aplicacao esta no limite, em principio deve ser afastada. Diz
especificamente:”a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só
podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras
medidas de coacção”. Portanto, reparem que o legislador e tao cuidadoso que na
prisao preventiva e na obrigacao de permanencia na habitacao obriga a fazer
dois juizos: um juizo positivo, de que a medida cabe, e um juizo negativo de
que as outras nao bastam. Isto importa ao juiz porque tem que fazer uma
decisao em consciencia, e importa a todos nos e outros agentes e operadores
judiciarios, porque isto tem que reflectir-se na fundamentacao do juiz no
despacho que da. O juiz tem que equacionar isto e tem que afastar todas as
outras medidas de coaccao, e fundamentar, para cumprir este requisito.
No n.o 3: “Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade,
nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na
habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares”.
Mas e notoria a excepcionalissima excepcionalidade da prisao
preventiva. O legislador nao deixa margem para duvidas. Ele quer que a prisao
preventiva seja efectivamente a ultima ratio. Este e um principio fundamental
de todo o nosso sistema de medidas de coaccao: a prisao preventiva so em casos
muitos excepcionais. Primeiro aplica-se a medida de coaccao mais leve do que a
prisao preventiva. Se for preciso mudar, muda-se. Mas primeiro aplica-se a
mais leve. Nao se pode justificar dizendo que o crime e grave ou gera grande
alarme na ordem publica ou social.
O art. 194.o foi profundamente alterado na redaccao de 2007. Muitas
duvidas se suscitaram a respeito dos despachos que aplicavam medidas de
coaccao., nomeadamente a medida de prisao mais grave, especificamente, a
prisao preventiva. A aplicacao das medidas de coaccao e um dos actos do
inquerito que esta subtraido ao dominio do MP, pois quem aplica a medida de
coaccao, com excepcao do TIR, e o juiz de instrucao.
Ao despacho que aplica a prisao preventiva pode o arguido reagir.

Na revisao de 2007 o legislador vem estabelecer no n.o 4: “A


fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia
patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade:
a) A descrição dos factos concretamente imputados ao
arguido incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de
tempo, lugar e modo;
b) A enumeração dos elementos do processo que indiciam os
factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em
causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo
para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes
processuais ou das vítimas do crime;
c) A qualificação jurídica dos factos imputados;
d) A referência aos factos concretos que preenchem os
pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º”.
Quando nao existia esta norma assim tao clara, o que e dizia o juiz –
dava a decisao e apenas dizia que estavam preenchidos os pressupostos. E nao
nos dizia quais eram os factos que preenchiam os pressupostos.
O art. 194.o regula todas as regras processuais e formais desta materia.
Em que fases processuais e que podem ser aplicadas as medidas de
coaccao? Pode aplicar-se no inquerito, na instrucao e no julgamento, desde que
se preencham os pressupostos.
As medidas de coaccao existentes estao previstas nos artigos 196.o e

62
seguintes, previstas por ordem crescente de gravidade. Suponham que o MP
propoe a aplicacao de uma medida de caucao. Pode o juiz aplicar uma medida
de obrigacao de permanencia na habitacao? O juiz de instrucao, muito embora
seja ele quem tem competencias para aplicar medidas de coaccao, durante o
inquerito o dominus e o MP, ele e que conhece melhor a situacao, e nao ha
justificacao para o juiz aplicar a medida mais grave. Mas isto e so no inquerito.
Na instrucao e no julgamento e o juiz que decide.

Suponham que o MP requer a apresentacao periodica do arguido a


policia mais proxima de 2 em 2 semanas, e o juiz decide que deve ser todas as
semanas. E mais grave? Viola o art. 194.o, n.o 2?
Suponham que o MP promove a proibicao de permanencia em
determinada freguesia (art. 200.o). O juiz nao concorda. Entende que se for uma
caucao ou uma obrigacao de apresentacao periodica ja esta bem. Pode? O
legislador fala em .mais grave. e nao em .diferente.! Quando e dentro da
mesma medida ou cumulacao de medidas inferiores e que as duvidas se geram.
Este juizo de .mais grave. ha-de fazer-se abstractamente, legalmente ou em concreto?
Nos termos do art. 194.o, n.o 2, se o juiz quiser aplicar uma medida
menos grave pode faze-lo. Ele e o juiz das liberdades.
O termo de identidade e residencia e por muitos considerado,
dogmaticamente uma nao – medida de coaccao, pela sua caracteristica de
automaticidade que nao e um requisito partilhado pelas outras medidas de
coaccao, e pode sera aplicado directamente pelos orgaos de policia e os outros
nao pode, e pelo juiz. O termo de identidade e residencia e so para cumprir a
notificacao e e a unica medida cumulavel com todas as outras medidas.
No nosso caso o juiz entendeu aplicar a medida de prisao preventiva. A
prisao preventiva tem um requisito especifico, previsto no art. 201.o, n.1. Alem
das normas e requisitos gerais e alem dos requisitos especificos, o art. 204.o
preve os requisitos gerais das medidas de coaccao: “Nenhuma medida de coacção,
à excepção da prevista no art. 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no
momento da aplicação da medida:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do
processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da
personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou
perturbe gravemente a ordem a tranquilidade públicas”.

A medida de coaccao nao serve uma antecipacao da pena. O art. 204.o


preve a sua razao de ser. E foi aqui inserida o perigo em razao da natureza do
agente perturbe a ordem publica, e nao o crime em si. Senao corremos o risco de
estar a penar o arguido. Podem ver regras quanto a caucao: reforco, cumulacao,
quebra. E no capitulo terceiro, portanto, art. 212.o e seguintes, a revogacao,
alteracao e extincao das medidas.

9ª Aula teórico-prática
(Continuacao da aula anterior)
2. Poderia o juiz sujeitar António àquela medida de coacção?

Iam, entao, dizer-me os senhores se a actuacao do juiz de instrucao que


aplicou a medida de prisao preventiva ao Antonio foi uma boa ou ma decisao,
fundamentando, obviamente. O juiz de instrucao ouviu Antonio em
interrogatorio e decidiu aplicar uma medida de coaccao de prisao preventiva,
podia faze-lo? Para a medida de prisao preventiva, alem dos principios estreitos dos
artigos 191.o e seguintes, e dos requisitos gerais do artigo dos artigos 204.o,
aplicam-se requisitos especificos previstos no art. 202.o do CPP.
Em primeiro lugar temos que ver se se verificam os requisitos gerais
das medidas de coaccao – art. 204.o, al. a), porque o juiz aplicou a prisao
preventiva com base em perigo de fuga. Mas basta estar preenchido este

63
requisito? Tem, tambem, que se ver os requisitos especificos. E nao se esquecam
que no despacho o juiz nao podia dizer so isto, que ha perigo de fuga. Tinha
que dizer especificamente quais eram os elementos do processo que
justificavam a sua crenca de que havia perigo de fuga (ja contactou a familia na
Australia, ja comprou um bilhete, ja fez diligencias).
O art. 202.o estara preenchido?
“1. Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas
nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:
a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível
com pena de prisão de máximo superior a 5 anos;
b) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de
terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada punível
com pena de prisão de máximo superior a três anos; ou c) Se tratar de pessoa que tiver
penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual
estiver em curso processo de extradição ou de expulsão”.
Nao se aplica a alinea a) porque o crime de homicidio privilegiado tem
uma moldura de 1 a 5 anos.
Excluimos tambem a alinea c), porque nao se trata de cidadao
estrangeiro a permanecer irregularmente em territorio nacional.
Fica-nos a hipotese da alinea b). Esta alinea foi introduzida em 2007 e
utiliza uma estrategia normativa que nao era a constante da norma. Quer dizer,
ela faz referencia a tipos de crimes particulares, e nao a circunstancias ou
molduras, como a norma fazia ate aqui. Esta relacao maias estreita do que e
normal entre o processo penal e o Penal suscita alguns problemas,
nomeadamente o de saber se os conceitos sao os mesmos em Penal e em
processo penal – o que se entende por criminalidade violenta ou altamente
organizada e por terrorismo. Onde e que nos encontramos isso?
Nao se consegue definir muito bem o que seja. Por isso mesmo e que o
art. 1.o do CPP preve um “dicionariozinho”, e uma lei que faz aquilo que nunca
deveria ser feito, e uma lei que da conceitos, tarefa que cabe a doutrina e nao
propriamente ao legislador. Porque “definir e limitar”. E ao definir o legislador
esta a tomar uma opcao. A realidade e sempre mais criativa do que a cabeca de
alguem. Numa boa tecnica legislativa nao deve ser o legislador a preocupar-se
com os conceitos. O que se pretende ao tomar estes conceitos e evitar uma
incerteza, uma certa indecisao.
O CPP diz-nos no art. 1.o, al. i) “ «terrorismo» as condutas que integrarem
os crimes de organização terrorista, terrorismo e terrorismo internacional, na al. j)
«criminalidade violenta» as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a
integridade física ou a liberdade das pessoas e forem puníveis com pena de prisão de
máximo igual ou superior a 5 anos, na al. l «criminalidade especialmente violenta» as
condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou
superior a 8 anos, e na al. m) «criminalidade altamente organizada» as condutas que
integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico
de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência ou
branqueamento”.
Quando o art. 1.o, al. i) diz “as condutas que integrarem os crimes” faz
uma remissao expressa para a ordem substantiva, para os tipos de ilicito
concreto previstos na lei substantiva (crimes de organização terrorista, terrorismo e
terrorismo internacional). Esta aqui a fazer aquela clausula uma equivalencia
entre o conceito material e o conceito processual.
O juiz de instrucao podia ou nao podia aplicar a Antonio uma medida
de prisao preventiva? Podia porque e um crime contra a vida, e um homicidio
privilegiado, como dissemos a bocado, com pena de prisao aplicavel ate 5 anos,
e vai de encontro ao conceito de criminalidade violenta, prevista na al. j) – prisão
de máximo igual ou superior a 5 anos, por forca do art. 202.o, n.o 1, al. b).
Para aplicar a prisao preventiva temos que ter em conta os seus
fundamentos e o caracter de ultima ratio. O raciocinio nao e aquele “desde que
fundamente, o juiz pode aplicar a medida de prisao preventiva”, mas o inverso:
so aplica a prisao preventiva se nao couber nas outras medidas de coaccao!

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Voces tem que fundamentar a subsidiariedade da prisao preventiva. Se
tiver que ser uma medida de privacao da liberdade, que seja a obrigacao de
permanencia na habitacao, que nao seja a prisao preventiva. Portanto, quando
os senhores aplicam uma prisao preventiva voces tem que justificar
particularmente a aplicacao da prisao preventiva – ela e a ultima ratio, ela e a
excepcao. Se os senhores fazem isso sem equacionar as outras medidas esta mal
feito, porque para aplicar a prisao preventiva tem que afastar as outras medidas.
E uma coisa, o crime do catalogo mais grave entre nos e o crime de
homicidio, e, portanto, as pessoas entendem as medidas de coaccao da mesma
maneira que entendem as penas. E isso e muito comum na aplicacao de
medidas de coaccao a crimes de homicidio. Criminologicamente, os crimes de
homicidio sao aqueles em que menos se precisam de prisao preventiva. A nao
ser que se verifique, obviamente, uma fuga ou perigo de fuga ou perigo de
perturbacao de inquerito E isto porque? Porque nenhum destes pressupostos se
preenche particularmente. Qual e o problema? Vinha o juiz dizer que havia um
grande alarme social – o que e uma mentira. Estatisticamente, a maior parte dos
crimes de homicidio entre nos sao crimes de que tipo? Sao crimes passionais.
Ha uns anos atras, uma senhora velhinha, com 70 anos ou mais, de
uma aldeia do interior, estava casada com o respectivo marido ha mais de 50
anos. E todos os dias, dessa longa vida casada com o marido, levava do dito
cujo; ou porque a comida estava mal feita, ou porque bebia… um caso tipico de
maus-tratos. Quando, naquela manha o marido se dirigia a ela para lhe dar
mais uns estalos ou murros, passou-se da cabeca, pegou nalguma coisa que
estava ali a mao, um machado ou uma foice, era um objecto cortante, e acertou
no marido. Matou-o. Qualquer um de nos diria que era justissima legitima
defesa, mas o juiz assim nao entendeu e pos a velhinha de 70 e tal anos em prisao preventiva.
Este caso que e excessivo serve, obviamente para mostrar como e que
isto era aplicado. O juiz aplicava a medida como se aplicasse uma pena, olhava
para a gravidade o crime e entao decidia pela aplicacao da medida de coaccao.
Nao e certo! Nao e isso que se faz na medida de coaccao. Vai-se aos art. 204.o. A
validade disso nao e o alarme social, mas e para quando haja efectivamente a
perturbacao da ordem publica, o que e diferente!
Portanto, os senhores quando me fundamentarem, na prova ou um dia,
quando se dedicarem a fundamentacao de despachos, tenham cuidado com esta
fundamentacao. Por forca das exigencias do art. 194.o, voces tem que
fundamentar tudo direitinho, porque e que aplicam. Do despacho que aplica
medidas de coaccao cabe recurso, previsto nos artigos 219.o e seguintes – dos
modos da impugnacao. Estes artigos tem alguma especialidade do ponto de
vista da urgencia. Eu so quero chamar a atencao, aqui, para um recurso
especial, previsto nesta parte, que e o habeas corpus. Este nao e muito usado
entre nos porque tem, entre nos, pressupostos muito particulares. O habeas
corpus serve apenas a prisao ou a detencao manifestamente ilegais, com o
desrespeito pelos pressupostos formais de aplicacao da medida. Se não
estivermos no ambito do art. 204.o, nao chegamos a aplicar o habeas corpus. Se a
pessoa so discordar da medida, que devia ser outra e nao a prisao preventiva,
nao utiliza o habeas corpus mas a via do recurso normal para a Relacao.
Ha algumas especialidades, mas nao me e possivel analisar todas elas.
Portanto, prestem atencao aos pontos mais relevantes. Nomeadamente, este
recurso so existe em funcao do arguido. So o arguido ou entao o MP em seu
interesse e que podem recorrer. O MP nao pode recorrer de uma decisao do juiz
para agravar a situacao do arguido, nomeadamente, aplicou uma medida de
coaccao e nao a devia ter aplicado, ou que ele aplicou uma muito leve e devia
ter aplicado uma mais pesada. E o que diz o art. 219.o, n.o 1 do CPP: “Só o
arguido e o MP em benefício do arguido podem interpor recurso da decisão que aplicar,
mantiver ou substituir medidas previstas no presente título”. Depois tem aqui o
habeas corpus em virtude de prisao ou detencao ilegal, art. 220.o e seguintes. E
como vem, nao existe aqui nenhuma norma especifica em relacao ao recurso.
Porque ao recurso se aplicam os artigos 399.o e seguintes. Portanto, nao tem
nada de particular em relacao as medidas de coaccao, a nao ser duas coisas: so

65
em beneficio do arguido e o n.o 4 do art. 219.o: “O recurso e julgado no prazo
maximo de 30 dias a partir do momento em que os autos forem recebidos”. Nao
e a partir da interposicao do recurso, mas quando sobe a relacao, e e a partir
deste momento que comeca a contar o prazo.
Quero chamar-vos, ainda, a atencao para os prazos maximos da prisao
preventiva, previstos no art. 215.o do CPP, encurtados com a revisao de 2007. Os
prazos sao de 4 meses, se for perante o inquerito ate a acusacao; 8 meses sem
que, havendo lugar a instrucao, tenha sido proferida decisao instrutoria; 1 ano e
dois meses sem que tenha havido condenacao em primeira instancia; 1 ano e
seis meses sem que tenha havido condenacao com transito em julgado. Estes
sao os prazos gerais que podem ser agravados por forca do n.o 2, 3 e 4,
nomeadamente aquilo a que se chama a declaração de excepcional complexidade.
Quando os processos sejam particularmente complexos pode haver uma
declaracao de excepcional complexidade, que faz alargar o ambito destes
prazos. Ainda assim, com extensoes e mais curto do que no Codigo anterior a
2007, em que em caso de declaracao de excepcionalidade o prazo maximo era
de 4 anos e meio.

3. Suponha que o antigo namorado, Celso, era casado e tinha


um filho de 22 anos. A mulher, ao saber que ele a traía, compreende a
atitude de António e não pretende, por isso, constituir-se assistente. Já
o filho de Celso, Daniel, e a irmã daquele, Ester, pretendem ambos
constituir-se como tal. Quem pode fazê-lo e em que termos?

Sobre o assistente, nos ja falamos em algumas das nossas aulas, mas


vamos concretizar aquilo de que falamos na semana passada, alguma
consideracoes mais a respeito do assistente. Quem e que e o assistente?
Disseram-me que era, genericamente o ofendido, a vitima. Mas tambem
me disseram que pode nao ser. O art. 68.o do CPP:
“1. Podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e
entidades a quem leis especiais conferirem esse direito:
a) Os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei
especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos;
b) As pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento;
c) No caso de o ofendido morrer sem ter renunciado à queixa, o cônjuge
sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens ou a pessoa, de outro ou do
mesmo sexo, que com o ofendido vivesse em condições análogas à dos cônjuges, os
descendentes e os adoptados, ascendentes e adoptantes, ou, na falta deles, irmãos e seus
descendentes, salvo se alguma destas pessoas tiver comparticipado no crime;
d) No caso de o ofendido ser menor de 16 anos ou por outro motivo incapaz, o
representante legal e, na sua falta, as pessoas indicadas na alínea anterior, segundo a
ordem aí referida, salvo se alguma delas houver comparticipado no crime;
e) Qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos
crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado pelo funcionário,
denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em
negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção”.
Um exemplo em que uma lei especial confere o direito de ser
constituido assistente em processo penal: as associacoes (defesa do ambiente,
dos animais, do consumo), e o direito de peticao e accao popular. Ha uma
norma que diz expressamente que as associacoes se podem constituir
assistentes nas accoes que lhes digam respeito. E o exemplo de um crime
ambiental – uma associacao que defende o ambiente pode, enquanto tal,
constituir-se assistente. Para orgaos politicos, autarquicos e outros, tambem esta
prevista uma norma.
Pergunto: em todos os crimes pode haver assistente? Nao, nem em
todos os crimes pode haver constituicao de assistente. Esta nocao de
constituicao de assistente, muito ligada a nocao de vitima e a nocao de
ofendido, podia levar-nos a considerar aqueles crimes que os senhores
conhecem como “crimes sem vitima”. Ha crimes que nao tem do lado de la

66
directamente uma pessoa, que nao visam directamente a defesa de um bem
juridico pessoal, que nos conseguimos determinar quem e a outra pessoa que
esta do outro lado da ofensa. Neste conjunto, a constituicao de assistente nao e
permitida. E preciso ter cuidado porque depende do bem juridico que e alvo de
proteccao.
quem e que se pode constituir assistente? Quem sao os ofendidos? Sao
os titulares dos interesses que a lei quis especialmente proteger com a
incriminacao proteger, desde que maiores de 16 anos.
E preciso ter cuidado porque ha um conjunto de crimes em que isso e
muito pouco visivel. Durante muito tempo a jurisprudencia nao permitiu a
constituicao de assistente da pessoa “falsificada” digamos assim, na falsificacao
de documentos. Por exemplo, um senhor intercepta um bilhete de identidade,
passa a outra pessoa que muda a fotografia e tira uma fotocopia para dizer que
e o senhor “X”. Estamos perante uma falsificacao de documento. Parece que a
vitima e a pessoa real dona do BI. Mas o crime de falsificacao nao visa proteger
determinada pessoa. Mas sim defender a veracidade dos documentos e a sua
credibilidade, no dia-a-dia das pessoas. Nao ha uma vitima concreta, um
concreto titular de um interesse. A jurisprudencia ia neste sentido. Agora, tenho
a impressao que ja ha alguma abertura. Isto porque perante um crime que visa a
proteccao de um bem comum, um interesse difuso/colectivo, se permite que a
pessoa mediatamente ofendida pelo crime se possa constituir assistente. Porque
ela afinal tem um interesse. A alinea e) preve um conjunto de casos em que o
bem juridico nao e individual, e qualquer pessoa pode ser assistente num crime
dessa natureza.
A constituicao de assistente tem de ser requerida.
Ora, o que e que faz o assistente? Colabora com o MP na acusacao. E,
segundo o art. 70.o, tem que ser representado por um advogado e participa no
processo de forma natural (arrola testemunhas, faz perguntas, …).
Agora a pergunta e: quando e que alguem se constitui assistente? No
caso de crimes particulares tem que haver queixa e a tem que se constituir
assistente no prazo de 10 dias. E nos outros casos? Isto esta previsto no n.o 2. E
quando e que a pessoa se pode constituir assistente? O n.o 3 diz que o assistente
pode intervir a qualquer altura do processo, aceitando-o tal como esta, desde
que o requeira ao juiz. E claro que quanto mais tarde for a intervencao do
assistente, menos margem de manobra ele tem. Mesmo assim ele so pode fazelo
ate 5 dias do inicio do debate instrutorio ou da audiencia do julgamento. Para
que este prazo de 5 dias? Para o conhecimento dos outros intervenientes. Ou
nos casos do art. 284.o (acusacao pelo assistente) ou 287.o, al. b) (que preve o
requerimento de abertura de instrucao), no prazo estabelecido para a pratica
dos respectivos actos. Sao prazos especificos de intervencao para, portanto, os
crimes particulares, no caso de requerimento de abertura de instrucao, e nos
casos em que o ofendido queira acusar com o MP o arguido.
Quem e que decide o requerimento do assistente? O requerimento e
dirigido ao juiz, de instrucao ou julgamento, dependendo da fase, mas sempre
ao juiz). Mas, e se o processo estiver no inquerito e eu quiser me constituir
assistente? Nos crimes dependentes de queixa, o prazo e de 10 dias apos a
queixa, o que tera de ser necessariamente na fase de inquerito. Tenho que
dirigir o meu requerimento ao juiz. A instrucao e uma fase facultativa (nao ha
requerimento de instrucao, nem aplicacao de medida de coaccao, nem utilizar
prova particularmente limitativa de direitos fundamentais), e dirigido ao juiz
do julgamento, isto se nao estivermos na fase facultativa da instrucao. “Durante
o inquerito, a constituicao de assistente e os incidentes a ela respeitantes podem
correr em separado, com juncao dos elementos necessarios a decisao”, porque?
Para que isto chegue ao juiz antes do resto do processo, porque e preciso que o
juiz decida a respeito da constituicao de assistente e dos seus elementos.
Na fase de inquerito, uma vez que ainda nao existe tribunal,
entregamos o requerimento ao MP, mas remetemos ao juiz. Quem decide e o
juiz, depois de ter dado a oportunidade de se pronunciar ao MP e ao arguido.
O Daniel e maior. A Ester e maior. O Daniel e filho do Celso. A Ester e

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irma do Celso. Celso tem uma mulher, mas a mulher nao se quer constituir
assistente. Entao, pode haver mais do que 1 assistente?
Efectivamente, numa primeira analise, nos seriamos levados, por forca
das circunstancias, a pensar na alinea c) do art. 68.o porque o ofendido morreu.
Mas, de facto, diz la “sem ter renunciado a queixa”. E, no nosso caso, nao
estamos em presenca de um crime dependente de queixa. Esta alinea tem um
conjunto de classes, e e preciso distinguir dois segmentos: estao na primeira
linha: o conjuge sobrevivo, a pessoa que com ele viva em condicoes analogas a
dos conjuges, os descendentes e os adoptados, os ascendentes e os adoptantes, e
todos estes estao num primeiro conjunto; ou, na falta daquele conjunto, os
irmaos e os seus descendentes, que so entram se nao entrarem os outros do
primeiro conjunto. Agora, e se houver e os outros nao quiserem constituir-se
assistentes? E o caso, em parte: a mulher do Celso nao se que constituir
assistente. Suponham que nao existia o filho; so existia a mulher do Celso e a
irmao do Celso. Entrava a irma do Celso, ou nao? E na falta de constituicao e
nao na falta das pessoas que vamos o segundo conjunto.
A este respeito regulam tambem os artigos 113.o e seguintes do Codigo
Penal, que nos falam da queixa e da acusacao particular. “Quando o
procedimento criminal depender de queixa tem legitimidade para a apresentala,
salvo disposicao em contrario, o ofendido, considerando-se como tal o titular
dos interesses que a lei quis proteger com a incriminacao. Se o ofendido morrer
sem ter apresentado a queixa, nem ter renunciado a ela, o direito de queixa
pertence as pessoas a seguir elencadas, salvo se alguma delas tiver
comparticipado no crime”. E diz no n.o 3 que “qualquer das pessoas pertencentes a
uma das classes pode apresentar queixa independentemente das restantes”. O que quer
dizer que a mulher pode apresentar queixa e o filho pode tambem apresentar
queixa. Ja nao me parece que o filho possa apresentar queixa e a irma possa
tambem apresentar queixa – porque, ai, ha uma ordem de preferencia entre as
classes; entra a primeira classe e so se ela nao se preencher e que entra a
segunda. De acordo?
Mas resta-nos um problema, qual e? E que diz: “se o crime depender de
queixa”. Mas, no nosso caso, o crime nao depende de queixa porque e um
homicidio. Ha quem entenda que se isto existe para quando ha queixa tambem
se deve entender que deve existir quando nao ha queixa, e, portanto, aplicar-se
as mesmas regras em termos de classes e de preferencia entre elas. Outra
solucao, e defendida por quem diz que, quando aqui se diz .queixa., diz-se
num sentido muito amplo, ou seja, quer-se dizer, sem ter havido accao penal,
sem ele ter podido manifestar-se na accao penal. Porque? Porque os crimes
semipublicos e particulares estao previstos na al. b) e nao na al. c). e claro que
isto nao resolve todos os problemas porque as pessoas na al. b) tambem podem
morrer. Mais alguma solucao para o nosso problema? Porque e que nao cabe na
al. a)? A familia tambem tem este interesse que a lei quis proteger, em crimes como o homicidio.
Estas sao as tres solucoes que efectivamente se tem dado ao problema.
Pela aplicacao da al. a) parece forcar um bocadinho o alcance dos interesses que
a lei quis especialmente proteger com a incriminacao, parece dirigir-se
especificamente a vitima e nao a familia da vitima.

Noutro sentido ha quem defenda que cabe na al. c) por uma aplicacao
extensiva, porque se esta e a ordem para os casos de queixa, porque e que nao
ha-de ser a ordem para os casos de nao-queixa? O caso de ter morrido sem ter
renunciado a queixa so interessa e para a presentacao da queixa, e nao para a
constituicao de assistente. Por outro lado, defendem que a al. c) nao tem nada a
ver com os crimes particulares ou semipublicos, porque para esses existe a al. b).
A aplicacao da al. c) por uma interpretacao extensiva, do ponto de vista
sistematico, e capaz de fazer bastante sentido.
Portanto, quem e que se constitui assistente? Podem ser os dois?
Os assistentes podem ser varios. Diz logo o art. 70.o “Os assistentes sao
sempre representados por advogado. Havendo varios assistentes sao todos
representados por um so advogado”.

68
Neste caso, assistente so pode ser o filho. Porque quer em
funcionamento desta norma, quer em funcionamento da do CP, parece obvio
que o que o legislador o que aqui pretende e criar uma ordem. So entra o
segundo grupo se faltar alguem do primeiro. E se ele tem um filho que se quer
constituir assistente, deve este prevalecer em exclusao da irma. Tanto aqui
como no CP, parece-me que a ratio e essa.
E se nao houvesse filho, pergunto eu agora. Se houvesse so a mulher
que nao quer ser assistente e a irma, que quer ser assistente? A razao pela qual o
legislador da a possibilidade de exercicio aos parentes mais proximos tanto da
queixa como da assistencia, e a de serem elas as que estao mais conscientes da
vontade do de cuius. A eles importa-lhes a perseguicao criminal. Por isso e que o
legislador da preferencia aos parentes mais proximos. So na falta deles (e nao e
se eles nao quiserem) e que entram os segundos. Portanto, os segundos nao
entram, e a minha opiniao, se existem primeiros, mas que nao querem ser
assistentes. Estamos no caso de constituicao de assistente e nao de apresentacao
de queixa, onde a lei e mais clara.
No casos de serem comparticipantes, sao afastados e entram os segundos.

4. Vindo o MP a acusar António por factos subsumíveis ao


crime de homicídio privilegiado, este pretende reagir, dizendo que só
pretendia confrontar Celso verbalmente, mas que este avançou para si
com uma faca, vendo-se ele, portanto, obrigado a defender-se, o que
fez, acabando Celso por morrer. O que deve fazer?

Ora, Antonio foi acusado de homicidio privilegiado, pelos factos


contados acima, mas ele quer reagir, nao concorda. O que e que ele deve fazer?
Deve dar origem a fase facultativa do processo que e o requerimento de abertura de instrucao.
Encerrado o inquerito, por uma daquelas formas que ja vimos, previstas
nos artigos 280.o e seguintes (arquivamento, acusacao, arquivamento para
dispensa de pena, suspensao provisoria do processo), temos, no art. 287.o, a
possibilidade de se inaugurar uma nova fase processual (facultativa): a fase da instrucao.
Quem pode requerer a abertura da instrucao? Obviamente, o MP nunca
pode requerer a abertura da instrucao, uma vez que a instrucao e a
comprovacao judicial do inquerito, presidido pelo MP, nao vai ser ele a
requerer a instrucao. A instrucao so pode ser requerida pelo arguido ou pelo
assistente. Em que casos?
Quando seja o arguido, pelo factos pelos quais o MP ou o assistente, em
caso de crime dependente de acusacao particular, tiverem deduzido acusacao.
Portanto, o arguido so contra a acusacao, seja ela do MP ou do assistente. Nao
ha instrucao contra arquivamentos. No arquivamento o processo morre para o arguido.
Quando seja o assistente, o procedimento nao depender de acusacao
particular e relativamente a factos pelos quais o MP nao tiver deduzido
acusacao. Aqui requer instrucao dos actos do MP, e, aqui, tanto pode ser do
arquivamento como da acusacao. Porque pode haver acusacao e ela pode ser
por menos factos do que o assistente acha que deveria la estar. Ou seja, o MP
faz a acusacao, mas faz uma acusacao menor, em termos de factos. Nesse caso o
assistente pode requerer abertura de instrucao.
Ora, a primeira pergunta que lhes faco e a seguinte: porque e que diz,
aqui, .nao estiver dependente de acusacao particular.? Porque nos crimes
particulares quem faz a acusacao e o proprio assistente.
Reparem: cada um deles so pode requerer a abertura de instrucao dos actos do outro.
A instrucao foi pensada para ser uma fase facultativa excepcional. So
deve existir quando algum deles queira fazer uma alteracao substancial do
objecto do processo, factos que nao estejam nem no despacho de arquivamento,
nem no despacho de acusacao. Para os outros factos ha outros meios. Perguntolhes:
suponham um caso em que o MP acusa. Acusa pelos factos A, B e C. e o
assistente nao concorda: ele acha efectivamente que ha os factos A, B, e C, mas
que C nao se passou efectivamente assim. O que e que o assistente deve fazer?
O assistente quer juntar um facto que nao altera substancialmente a acusacao,

69
porque o assistente tem sempre a possibilidade de acompanhar a acusacao do
MP. E o que esta previsto no art. 294.o: “ate 10 dias apos a notificacao da
acusacao do MP, o assistente pode tambem deduzir a acusacao pelos factos
acusados pelo MP, por parte deles ou por outros que nao importem a alteracao
substancial daqueles”. Ele nao deve requerer a abertura de instrucao. O que ele
deve fazer e a sua propria acusacao, nessas circunstancias. O mesmo se diga
para as situacoes em que ele nao concorda com a qualificacao juridica, por
exemplo, acha que e um homicidio normal e nao privilegiado – deve acusar.
Nao deve requerer a instrucao, porque assim o processo e mais celere.
O assistente deve sempre tomar posicao, ainda que seja para dizer que acompanha o MP.
No caso de acusacao pelo MP, quando o assistente considere que ha
outros factos que nao foram acusados e que deveriam ter sido, e que alteram
substancialmente o objecto do processo, so nesse caso e que o assistente deve
requerer a abertura de instrucao.
No caso do arquivamento, tem que requerer sempre a abertura da
instrucao; ai nao existe objecto, nao existe nada.
E no caso do arguido? No caso do arguido, face a uma acusacao, ele so
pode requerer a abertura da instrucao. Mas quando e que ele a deve requerer?
No nosso caso pratico cabe a abertura da instrucao, isso e seguro, cabe
no art. 287.o, n.o 1, al. a). Ele pode requerer a abertura de instrucao, mas deve?
Ele nao precisa de ir discutir isto para a instrucao, pode faze-lo na audiencia de
julgamento. A instrucao so pode ser recusada por ser ilegal, extemporanea ou
manifesta improcedencia do pedido, por isso e que e um meio comummente
utilizado. A instrucao esta regulado nos artigos 286.o e seguintes e so tem um
acto obrigatorio: o debate instrutorio; todos os outros (diligencias,
requerimentos probatorios, inquiricao de testemunhas, inquiricoes de facto, …)
sao facultativos, o juiz pode indeferir. O debate instrutorio e oral e obrigatorio,
tem que estar la o defensor e o MP, e o advogado do assistente, se existir, e
podem discutir oral e sucintamente a causa.

4. Requerimento de Abertura de Instrução (RAI)

Muito embora a instrucao tenha sido pensada como uma fase


facultativa, como uma verdadeira excepcao, ela tem sido aplicada como regra.
Isto por causa das restritas causas da recusa do RAI, que constam no art. 257o, n.o2 do CPP.
O RAI nao esta sujeito a formalidades especiais devendo conter
uma sintese com os motivos da discordancia com o despacho de arquivamento
ou de acusacao do MP. Deve-se indicar as razoes de facto e de direito que
conduzem o sujeito processual a nao concordar com a decisao que foi tomada
em sede de inquerito. Assim como as diligencias probatorias, que o requerente
entende que devem de ser feitas durante a instrucao. Pode requerer qualquer
meio de prova que o CPP admite, tem e que as indicar no RAI. De seguida o juiz pronuncia-se.
O juiz pode pronunciar-se em dois sentidos, primeiro pronunciase
sobre a admissibilidade do RAI, e em segundo lugar, vai apreciar as
diligencias requeridas pelo requerente.
E preciso ter algum cuidado quando o requerimento e feito pelo
assistente face a um despacho de arquivamento do MP. Neste caso o RAI tem
uma especificidade: e preciso um conjunto de formalidades, porque o
requerimento vai ser semelhante a uma acusacao. Quando temos um despacho
de arquivamento, e o assistente abre a instrucao, a sua intencao e fazer uma
acusacao. Isto decorre do art. 257o, n.o2 do CPP que remete para o art. 283o, n.o3,
al. b) e c) do CPP. Ou seja, tem que se articular os factos que se imputam ao
arguido, identifica-los, e fazer a qualificacao juridica desses (esta qualificacao
dos factos nao vincula o juiz). Em principio sera uma impugnacao de facto ou
uma excepcao de direito, como tambem pode ser uma mera discordancia de
direito. Todavia, na maior parte dos casos faz-se uma impugnacao dos factos e
como tal o requerente vai querer apresentar prova. Esta pode ser aquela que foi
produzida durante a fase de inquerito mas que nao foi devidamente apreciada

70
como pode ser uma nova prova. Sobre as diligencias probatorias o JIC tem uma especial
particularidade que e de decidir se acha ou nao que tais provas devam de ser
produzidas. Ele pode decidir nao as praticar, pode considerar que elas sao
dilatorias, inconvenientes, e que nao trazem nada de novo… Aqui indefere este
requerimento. Do despacho do juiz que defere ou indefere a pretensao cabe
apenas reclamacao. Esta questao levantava muitas duvidas, porque o juiz tem
este poder e a sua decisao e irrecorrivel (art.291o do CPP). Da decisao do juiz
apenas cabe reclamacao para o proprio juiz. O juiz decide dessa reclamacao e
essa decisao e irrecorrivel. Isto e particularmente sensivel no processo penal,
porque se ao arguido e conferido um amplo meio de defesa, e se o juiz por seu
livre arbitrio decide praticar ou nao um acto isso e um pouco dificil de entender.
A solucao ira passar por duas vias: recurso ou arguir a nulidade.
A primeira nao e possivel. Resta-nos a nulidade, esta faz sempre cair por terra
um vicio. Arguir um vicio e a solucao quando nao temos outra.

Regime das nulidades

Este regime vem regulado nos art. 118o e ss do CPP, e um regime


muito diferente do regime de processo civil. O n.o1 do dito art. diz-nos que a
violacao ou a inobservancia das disposicoes da lei de processo penal so
determina a nulidade do acto quando esta for expressamente culminada na lei.
Portanto a nulidade em processo penal e excepcao. E assim, porque o processo
penal deve ser celere visto que estao em jogo direitos fundamentais do arguido,
e evitar que se possam invocar nulidades sucessivas e uma das formas de
obviar a tal.

As nulidades do processo penal estao divididas em tres grupos.


As primeiras cabem nos art. 119o e ss do CPP, sao as nulidades tipicas do
catalogo, e por sua vez estao divididas em nulidades absolutas e em nulidades
relativas, sao aquelas que quando procuramos atacar uma decisao tem que
caber aqui senao vai ser dificil invocar a nulidade. No art. 119o e ss do CPP
temos as nulidades insanaveis e as sanaveis.
Num segundo grupo temos as nulidades que estao dispersas pelos
artigos do codigo, por exemplo, art. 194o do CPP, aqui temos uma nulidade que
esta prevista numa norma do codigo. E a propria norma que culmina a
consequencia do incumprimento do acto com a nulidade. Ao lado testa, temos as
nulidades de prova previstas nos artigos 124o e ss do CPP.
Antes de mais temos que fazer uma distincao entre meios de
prova e meios de obtencao de prova. Meios de prova sao, por exemplo, a prova
documental, prova testemunhal, pericial, acareacao… Estes meios de prova nao
sao particulares do processo penal. Chegamos a estas provas atraves de certos
meios. Ha um conjunto de metodos de obtencao de prova que sao as formas
atraves das quais se chega aos meios de prova, por exemplo, as escutas
telefonicas e um meio para obtera aprova documental.
O art. 126o do CPP indica os metodos proibidos de prova, aqui a
propria morna diz que a prova e nula, esta nulidade nao e igual a nulidade do art. 118o e 119o do CPP.
Quando falamos de prova vamos aos art. 124o e ss do CPP e art.
35o da CRP. Quando estamos a falar do processo ou diz na norma ou entao
vamos ao art. 118o e 119o e ss do CPP. O art. 119o e 120o tem a diferenca entra as
nulidades insanaveis e as nulidades dependentes de arguicao. Esta ultima
corresponde a anulabilidade que conhecemos de processo civil. A nulidade
prevista no art. 119o do CPP sao as mais graves, podem ser arguida a todo o
tempo, podem ser de conhecimento oficioso, e sao invocadas ate ao termino do
processo, no momento do transito em julgado nao mais podem ser invocadas. O
art. 119o do CPP contem falhas tao graves dai que culmine com a nulidade
absoluta. As previstas no art. 120o do CPP sao dependentes de arguicao, estas
nao sao tao graves. No nosso caso, quando o juiz indefere as diligencias pedidas no
RAI, podemos invocar a nulidade do art. 118o do CPP. Ha quem entenda que
esta solucao faz entrar pela janela aquilo que se proibiu que entrasse pela porta,

71
pois se se diz que o despacho e irrecorrivel quer-se estabilidade da decisao do
juiz, mas ninguem pode vedar o conhecimento das nulidades, sendo esta a
solucao que desde sempre os advogados encontraram para a obstar que nao
podessem discutir uma decisao do juiz que indeferisse a audicao de uma
testemunha ou a pratica de uma prova. Esta nulidade pode ser invocada no
proprio acto ou ate ao encerramento do debate instrutorio, depois desta prazo a
nulidade convalida-se.
Durante a instrucao ha apenas um acto que e obrigatorio que e o
debate instrutorio. Este vem regulado no art. 297o e ss. do CPP. Este debate so
pode ser adiado por absoluta impossibilidade do advogado. O debate decorre
sem formalidades especiais. Assegurando-se todavia a producao da prova e a
possibilidade de o arguido ou o seu defensor se pronunciarem em ultimo lugar.

5. Durante a instrução apura-se que os factos alegados por António


correspondem à verdade, decidindo o JIC não pronunciar António. Quem
pode reagir e em que termos?

A instrucao pode encerrar de duas maneiras: podemos ter um


despacho de pronuncia ou um despacho de nao pronuncia.
Um despacho de pronuncia consiste na remessa do processo para
julgamento. Um despacho de nao pronuncia equivale a um
arquivamento (art. 307o do CPP). A decisao e ditada para a acta.
No art. 308o do CPP vemos as situacoes em que o juiz emite o
despacho de nao pronuncia. Esta decisao e desfavoravel ao assistente (Daniel) e
ao MP. Ele pode fazer alguma coisa? Qual a forma de reagir?

Temos o art. 310o do CPP que e uma norma especifica sobre os


recursos que esta inserido na fase de instrucao, mas diz respeito a alteracao
substancial de factos. Se durante a instrucao o juiz conhecer novos factos que
alterem substancialmente a acusacao. O juiz pode conhecer desses factos?
Se o juiz durante a instrucao conhecer factos que alterem
substancialmente o objecto do processo (este e fixada na acusacao, e se esta nao
existir e fixada no RAI), ele nao pode conhecer deles. Se forem autonomos ele
extrai certidao e envia para o MP e este faz um novo processo. Se nao forem
autonomos caem. Nao sao tidos em consideracao. Se o MP nao fizer uma boa
investigacao ha muitos factos que pura e simplesmente nao vao ser tidos em
conta no processo. Isto vigora assim para o julgamento e como tal tambem se
vai aplicar a instrucao. Isto resulta claramente do art. 209o do CPP que diz que a
decisao instrutoria e nula por factos que constituem alteracao substancial da
acusacao do MP ou do assistente, como tambem no RAI. So que a nulidade tem
que ser arguida no prazo de 8 dias contados da notificacao da decisao. A grande
diferenca da alteracao dos factos na instrucao e no julgamento, e que no
primeiro caso a nulidade tem de ser arguida apos a notificacao da decisao.
Trata-se de uma nulidade que tem de ser arguida num prazo muito curto. Se
nao for arguida, a nulidade convalida-se e a alteracao substancial dos factos vai
para julgamento.
Quanto aos recursos, temos o art. 310o do CPP que diz que a
decisao instrutoria que pronunciar o arguido pelos factos constantes do MP e
irrecorrivel quando se trata dos casos previstos nos art. 283o e 284o, n.o4 do CPP.
Isto faz pressupor quer nos outros casos e recorrivel.
E nos art. 399o e 400o do CPP que temos as causas que sao
passiveis ou nao recurso. No art. 399o do CPP temos a regra geral: e permitido
recorrer dos acordaos, sentencas e dos despachos cuja admissibilidade esteja
prevista na lei. Assim, a partida o despacho instrutorio e recorrivel. Neste caso,
esta no art. 310o,n.o1 do CPP. Nos podemos presumir a partir do art. 310o,n.o1 do
CPP que a decisao instrutoria nunca e recorrivel? No art. 400o do CPP temos um
conjunto de situacoes em que a dupla conforme obsta ao recurso.

72
Nos tribunais penais temos tres graus jurisdicionais, e temos dois
graus de recurso. Um do tribunal de 1a instancia para o tribunal da Relacao, e
outro do tribunal da Relacao para o STJ. Podendo ainda configurar-se uma
situacao de recurso “ per saltum”. Admitindo que estamos numa situacao tipica,
ou seja recurso do tribunal de 1a instancia para o tribunal de 2a instancia, sera
que todas as causas podem chegar ao STJ? No processo penal nao existem
alcadas nem valor de accoes.
E principio constitucional que no processo penal tem sempre que
haver um grau de recurso. Ha situacoes em que o recurso para o tribunal da
relacao basta, isto da-se nos casos de dupla conforme. Temos dupla conforme
quando a decisao do tribunal de 2a instancia e exactamente igual a decisao do
tribunal de 1a instancia. E quando a decisao do tribunal da relacao confirma a
decisao integralmente do tribunal de 1a instancia, e quando se trata de crimes
com pena de prisao ate 8 anos.
O art. 400o do CPP estabelece quais as decisoes que nao admitem
recurso, aqui podemos encontrar os despachos de mero expediente, as decisoes
que ordenam actos dependentes da livre resolucao do tribunal (esta tambem se
admite nos mesmos termos que no processo civil), depois temos acordaos
preferidos em recurso pelas relacoes que nao conhecam a final do objecto do
processo (e aquilo que nos conhecemos em processo civil por recurso
interlocutorios), de acordaos absolutorios preferidos em recurso que confirme a
decisao da 1a instancia (isto e dupla conforme). Temos tambem acordaos
preferidos pela relacao que apliquem pena nao privativa de liberdade. Segue-se
os acordaos condenatorios proferidos pela relacao que confirmem a decisao do
tribunal de 1a instancia e que apliquem pena nao superior a 8 anos. Aqui ha
uma dupla conforme condenatoria.
Transpondo para o art. 310o do CPP e mais ou menos isto que
sucede, so que aqui temos uma decisao judicial e outra do MP. Se o despacho
de pronuncia confirmar a acusacao do MP, seja a que e feita por forca doa art.
283o do CPP, que e a normal, seja a feita pelo art. 285o/4 do CPP, entao esse
despacho e irrecorrivel daqui vamos para julgamento, ai vai ser tudo apreciado.

Se o juiz de instrucao acusar por outros factos que nao constem na acusacao, se
o MP acusou mas o assistente nao acompanhou, e se o juiz nao se pronunciar ja
ha recurso, nos termos normais do art. 399o e 400o do CPP.
O art. 401o do CPP estabelece quem tem legitimidade para
recorrer, assim tem legitimidade o MP de quaisquer decisoes, o arguido e o
assistente de decisoes proferidas contra eles, e as partes civis que tiverem sido
condenadas. Portanto no caso face a nao pronuncia do JIC tanto o MP como o
Daniel podiam recorrer nos termos do art. 399o e 401o do CPP.

6. Suponha que os autos seguem para julgamento e António arrola


como testemunha a sua mulher, para prova de que Celso avançou para si
empunhando uma faca. Esta, todavia, recusa-se a depor. Poderá fazê-lo?

Os meios de prova estao regulados no art. 128o e ss. do CPP. Inicia-se com a prova
testemunhal, esta e muito parecida com o processo civil. As testemunhas estao obrigadas a
responder com verdade. Ha um conjunto de pessoas que pelas suas relacoes especiais com as
partes podem recusar-se a depor. Isto esta previsto no art. 134o do CPP, e segue os mesmos termos do
processo civil, a diferenca e que o art. 134o do CPP e mais extenso. No art. 133o do CPP temos um nucleo
de pessoas que estao impedidas de depor, e o proprio processo que as impede para garantir a defesa, a
verdade, a seguranca e a estabilidade do processo. E o caso de arguidos e co-arguidos,
partes civis, assistentes e peritos. Pois sao sujeitos e participantes do processo
penal. Ainda temos outro nucleo de testemunhas que esta relacionado com as
pessoas que estao sujeita ao segredo profissional. Nao e liquido que elas nao
testemunhem, em ultima instancia o juiz pode mandar a pessoa testemunhar, e
se a pessoa recusar incorre em crime de desobediencia. Assim sendo a esposa pode
recusar-se a depor.

73
7. Durante o julgamento, o juiz, consultando os autos, verifica que
deles consta a transcrição de um e-mail, enviado por António a um seu amigo
de longa data, dois meses antes da ocorrência dos factos submetidos a
julgamento, contando-lhe que descobriu que a sua mulher o trai com Celso e
dando-lhe de que prepara a morte daquele. Face a isto, como deve agir o juiz
de julgamento?

Quanto ao julgamento e nos art. 311o e ss. do CPP que vem regulado. Aqui nao ha regras particulares.
O JIC ou o MP envia os autos para o juiz de julgamento, o qual
vai proceder a uma primeira avaliacao deles. Ele aqui procede a um
saneamento do processo, fiscaliza o processo, para se pronunciar sobre as
nulidades que podem obstar ao merito da causa (art. 311o do CPP). O juiz pode
recusar a acusacao se a achar manifestamente infundada, nao necessitando de ir
a julgamento. Isto de acordo com o art.284o, n.o1 e 285o, n.o4 o do CPP.
No n.o 3 do art.311o do CP vemos as situacoes em que a acusacao e
manifestamente infundada, no geral sao situacoes gritantes.
Quanto a marcacao das audiencias temos regras no CPP.
Um elemento importante a referir e a contestacao, esta existe em
processo penal so que e muito rara e quando e feita tem pouca importancia,
porque ao contrario do processo civil, no processo penal o arguido nao tem
nenhum onus da prova, por isso nao tem que provar nada. O arguido,
geralmente, usa a contestacao para apresentar o seu rol de testemunhas e outras
provas. A atitude mais comum do arguido e ficar calado durante todo o
processo so aparecendo no julgamento.
O arguido tem 20 dias a contar da notificacao da data da audiência (art.315o do CPP).
O MP, o assistente, e o arguido podem alterar o rol de
testemunhas contando que a alteracao possa ser comunicada ate tres dias antes
da audiencia de julgamento. Se esse prazo for ultrapassado ou se durante o
julgamento aparecer uma testemunha fundamental, apresenta-se essa
testemunha no momento por apelo art. 340o do CPP. Devido a este artigo nao e
pratica dos advogados fazer rol de testemunhas, pois pode acontecer que o juiz
decida indeferir o rol. Isto e raro acontecer devido ao principio da descoberta da
verdade material, pois um juiz serio jamais recusa uma testemunha que e
fundamental para a descoberta da verdade material.
Devemos ter em consideracao as regras da publicidade, da
contrariedade. E as normas do art. 329o e ss. do CPP sobre a audiencia e os actos
da audiencia, bem como a consequencia da falta do defensor nos crimes particulares.
Quanto ao arguido e obrigatoria a sua presenca na audiencia de
julgamento, nos termos do art. 332o do CPP sem prejuizo do disposto no art.
333o, n.o 1 a 3 do CPP. Se faltar o assistente ao julgamento ou o seu advogado o
processo continua nao para (art. 330o do CPP). O processo penal so para quando
o juiz nao comparece. O processo crime nao pode parar, porque todo ele esta
orientado por uma ideia de celeridade, dai que se estivermos numa situacao de
termos um julgamento civil e um julgamento penal marcados para o mesmo
dia, mesma hora, primeiro vamos ao julgamento do processo crime, e temos a
falta justificada para o processo civil.
No julgamento o momento mais crucial e a producao de prova.
Durante o julgamento tem que se fazer mencao dos documentos, e no decorrer
da audiencia os advogados chamam os documentos, para estes, depois
constarem na sentenca. Quando vamos consultar os processos, no fim da
acusacao temos a indicacao: “folhas x a y”, essas folhas contem as provas que o
MP recorreu. De resto toda a prova tem de ser produzida no julgamento para se
proceder a imediacao do juiz e ao contraditorio.
No art. 341o do CPP temos a ordem por que sao chamadas as
provas. Em primeiro lugar temos as declaracoes do arguido, se seguida os
meios de prova que sao apresentados pelo MP, depois os do assistente e do
lesado, por ultimo os meios de prova do arguido e dos responsaveis civis.
O juiz comeca por perguntar os dados pessoais ao arguido, a estas
perguntas o arguido tem de responder com verdade, de seguida le a acusacao, e

74
iniciam-se as declaracoes do arguido, e-lhe perguntado se ele quer responder a
materia da acusacao. E o arguido que decide se quer ou nao prestar declaracoes,
e como as quer prestar. Pode responder parcial ou integralmente, pode optar
por so fazer declaracoes e por nao responder as perguntas. Comeca-se por aqui,
porque ele pode confessar, se o fizer a restante prova ja nao sera necessaria. Se
optar por confessar e-lhe perguntado se o faz de livre vontade, sem qualquer
coaccao, e se faz uma confissao integral e sem reservas. Assim o MP, e o
assistente dispensam as suas testemunhas, so serao ouvidas aquelas
testemunhas que podem atenuar a medida da pena, e as testemunhas
abonatorias que sao aquelas que vao testemunhar acerca da personalidade do
arguido, se e boa pessoa, e e sociavel.
De seguida passamos para a inquiricao de testemunhas, as
primeiras a serem ouvidas sao as do MP. O MP tem por obrigacao, produzir
toda a sua prova antes do arguido. Quando temos processos feitos em varias
sessoes, por vezes o MP pede para comecar com as testemunhas do arguido,
isto e errado, porque depois o arguido deixa de ter provas para se defender. O
MP passa a ter conhecimento da prova do arguido e ele fica com a possibilidade
de apresentar qualquer prova, porque ja sabe que o arguido nao vai pode contradizer.
No nosso caso temos uma transcricao de um e-mail (este e um
meio de prova), onde consta um facto novo o qual e apreciado durante a leitura
dos autos no julgamento. Temos aqui em causa uma questao do objecto do processo.
Em primeiro lugar temos que ter factos que alterem substancialmente
nos factos. No art. 1o, al. f) do CPP temos a nocao de alteracao substancial de
factos. Esta tem como primeiro pressuposto a existencia de uma alteracao dos
factos. Do e-mail releva que o crime e premeditado e nao e privilegiado. Agora
temos que avaliar os factos em si, temos que ver se sao substanciais ou nao. O email
por si so e um meio de prova, o qual pode conduzir a descoberta de um
novo facto. Este novo facto pode ser conhecido? E substancial? De acordo com a
nocao do art.1o, al. f) do CPP e um facto substancial, como tal nao pode ser
conhecido (art.359o do CPP). A alteracao substancial dos factos so pode ser
conhecida quando ha acordo do arguido. Nao podendo ser conhecida o facto
vai cair. Se o facto fosse autonomo ia dar lugar a uma nova denuncia, e uma
nova investigacao para o MP. Nao sendo um facto autonomo, ele fica precludido, nao e considerado.
Do ponto de vista processual nao e chocante, pois nao podemos
prejudicar o arguido por actos que competem ao Estado, ao MP, ele tem a
obrigacao de proceder a uma correcta investigacao, a sua ma investigacao não pode prejudicar o arguido.

Do inquérito

1. Considerações gerais

Fase mais crucial para a investigacao criminal.


Em termos de interesses controversos, dado que normalmente aqui se
poem em causa alguns dos principios fundamentais do processo penal, esta e
uma das fases mais delicada, sem esquecer, obviamente, a fase do julgamento e
do recurso.
Antigamente, a esta fase chamava-se instrucao, tal como ainda acontece em
alguns paises actualmente, com e o caso de Espanha. Entretanto, com a revisao
do CPP de 1987 houve uma alteracao de designacao, uma vez que o termo
instrucao estava conotado com uma ideia ultrapassada e mal conotada, fruto do
Antigo Regime. Dai que, para vincar esta alteracao plena de modelo houvesse
necessidade de alterar tambem a designacao.
O inquerito visa a investigacao criminal de um facto e de quem tera sido o
seu autor. E o que e que se faz no inquerito? Realiza-se um conjunto de

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diligencias necessarias a determinar necessariamente isso. Quem o faz? Quem
faz e o Ministerio Publico (MP), isto e, o Ministerio Publico e quem detem o
exercicio da accao penal, e a entidade que em Portugal de acordo com o nosso
processo penal de estrutura acusatoria, mitigada por um principio de
investigacao, tem competencias para investigar criminalmente. Porem, com o
auxilio e com a ajuda dos orgaos de policia criminal.

2. Dos actos do inquérito a praticar pelo MP, pelo juiz de instrução e


pelos órgãos de polícia criminal

Que relacao e que existe entre os orgaos de policia criminal e o Ministerio


Publico? Esta questao e muito interessante, porque ja devem ter ouvido muitas
vezes falar sobre isto, sobretudo na comunicacao social, e, ultimamente, ouve-se
falar bastante nesta questao: qual e o papel e qual e a relacao que se estabelece
entre Ministerio Publico e os orgaos de policia criminal no processo penal?
Esta fase e dirigida pelo MP. Por homenagem ao principio da acusacao, a
entidade que investiga e que acusa e uma entidade diferente daquela que vai
julgar. So que a magistratura do MP nao realiza a investigacao isoladamente.
Na maior parte dos casos essa investigacao e quase totalmente delegada nos
OPC, ja que estes tem uma relacao de dependencia funcional em relacao ao MP.
Este e, portanto, considerado o “dominus do inquerito”. Todavia, como nao
existe um agente do MP para cada processo, havendo necessidade de
racionalizar os meios, nomeadamente os recursos humanos, e uma vez que os
OPC tem competencias de investigacao muito proprias, em termos de pratica e
de operacionalidade, existe uma dependencia funcional entre estes dois orgaos.
Os OPC nao dependem hierarquica ou organicamente do MP, pois tem os seus
comandos e direccoes proprias, mas funcionalmente, no que diz respeito a
investigacao criminal, dependem sempre do MP. Exceptuando aqueles casos,
em que os OPC podem tomar a iniciativa de realizar algumas diligencias de
investigacao, como e o caso das medidas cautelares e de policia, e o MP que
dirige o inquerito e decide o que se deve fazer, quando e como.
De facto, diz o artigo 263.o, n.o 2 que os orgaos de policia criminal actuam
sob a direccao directa do Ministerio Publico e na sua dependencia funcional (so
dependencia funcional, nao dependencia organica, nao dependencia politica,
nao dependencia administrativa, nao dependencia financeira), nao tem
nenhuma dependencia do Ministerio Publico alem da dependencia funcional.
Ou seja, dependem do MP nas funcoes de investigacao criminal, nao mais do
que isso. Mas, tambem e preciso dizer que quando se trata de investigacao
criminal os orgaos de policia criminal dependem mesmo do MP. E porque estou
a dizer isto? E porque parece que tem havido muitos equivocos na pratica. O
MP queixa-se de que muitas vezes sao muitos os processos e os orgaos de
policia criminal assumem um protagonismo que nao lhes e concedido pelo
proprio MP. Ou seja, em vez de ser o MP a assumir a direccao da investigacao,
acaba muitas vezes por serem os orgaos de policia criminal a fazerem isso e o
MP a funcionar como uma especie de espectador ou como alguem que ratifica
os actos realizados pelos orgaos de policia criminal. A verdade e que contra o
MP se podera dizer que a investigacao criminal em Portugal e no terreno
normalmente feita pelos orgaos de policia criminal, porque o MP praticamente
nao exerce funcoes de investigacao no terreno. O MP nao pode queixar-se do
protagonismo que tem os orgaos de policia criminal, porque se nao fosse esse
protagonismo nao haveria investigacao criminal na maior parte dos casos.
Tirando os actos que sao proprios e exclusivos do juiz de instrucao -
porque ha actos realizados no inquerito da exclusiva competencia do juiz de
instrucao. Quais sao? Aqueles que contendam directamente com direitos
fundamentais. O juiz funciona no processo penal como .juiz das garantias. ou
.juiz das liberdades., aquele que garante que os direitos fundamentais sao

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respeitados e, por isso, no artigo 268.o ha actos que tem que ser praticados pelo
juiz de instrucao, como por exemplo proceder ao primeiro interrogatorio
judicial do arguido/detido – tem de ser o juiz a faze-lo e nao o MP, e porque?
Porque o juiz e a figura imparcial e nao tem interesse directo no processo. Por
exemplo, ao aplicar uma medida de coacao, uma medida de prisao preventiva,
ou proceder a buscas ou a apreensoes ou, enfim, a todo um conjunto de actos
que estao previstos no art. 268.o, que sao da exclusiva competencia do juiz de
instrucao. Na verdade, nesta fase de inquerito, assim como em todo o processo
penal, todos os actos processuais que contendam directamente com direitos
fundamentais e que possam comportar uma restricao a esses direitos, so podem
ser praticados pelo juiz de instrucao (art. 268o CPP). E o caso, por exemplo, do
primeiro interrogatorio judicial do arguido detido, que tem de ser pelo juiz de
instrucao. Trata-se de apelar a intervencao de uma entidade que, em principio,
e completamente imparcial, e que nos termos da CRP, e o garante das
liberdades e das garantias dos cidadaos. E por isso que todas as medidas de
coaccao (excluindo o TIR, que ate um OPC pode aplicar) tem de ser decididas
por um juiz de instrucao, ainda que sejam propostas pelo MP. Isto tambem
pode levantar alguns problemas, senao vejamos: o MP propoe que se aplique a
determinado individuo a prisao preventiva e o juiz de instrucao acha que se
deve aplicar a obrigacao de permanencia na residencia. Ha quem diga que isto
nao esta certo porque e o MP quem sabe qual a medida que melhor se adequa
aos interesses da investigacao. No entanto, e preciso entender que ainda que a
investigacao criminal seja um interesse importante, pois esta em causa a
realizacao da justica, o respeito pelos direitos fundamentais esta acima de tudo
isso, dai que nas situacoes em que haja a restricao de direitos fundamentais e
necessario que intervenha uma entidade constitucionalmente preparada para
operar tal restricao segundo os criterios da necessidade e da proporcionalidade do art. 18o CRP.
Por outro lado, no art. 269o CPP estao os actos que tem de ser ordenados
ou autorizados pelo juiz de instrucao, como e o caso das buscas domiciliarias, e
no art. 270o CPP estao presentes os actos que podem ser delegados pelo MP nos OPC.
Tirando esses actos, todos os outros actos sao, em principio, da competencia exclusiva do MP.
O que e que pode ser feito, entao, pelos orgaos de policia criminal sem
ofender esta competencia exclusiva do MP? Por um lado, aqueles actos que ja
vimos, que se chamam medidas cautelares e de polícia que podem suceder antes ou
ate durante, sobretudo, na fase inicial do inquerito (quando nao ha tempo, por
exemplo, de comunicar a autoridade judiciaria). Mas por outro lado, e,
sobretudo, aqueles que estao previstos no art. 270.o, ou seja, o MP pode delegar
nos orgaos de policia criminal uma serie de diligencias que normalmente
deviam ser feitas pelo MP e que sao feitas pela policia. – E e aqui que entra a
questao fulcral, pois, normalmente, o MP delega toda a investigacao nos orgaos
de policia criminal e depois vem a questao do maior ou menor protagonismo
dos orgaos de policia criminal em relacao ao MP. O mesmo sucede nas relacoes
com o JIC, o que levanta algumas dificuldades de relacionamento a certos
niveis. Por exemplo, o levantamento ou nao do segredo de justica, entendido
como forma de salvaguardar os interesses da investigacao, devia caber ao MP,
pois e ele que sabe se aquele caso em concreto exige ou nao tal secretismo para
o sucesso da investigacao. Mas com a ultima revisao do CPP o processo passou
a ser publico, sendo secreto apenas se o MP quiser, com a possibilidade de
recusa por parte dos outros sujeitos processuais, sendo que a ultima palavra
cabe sempre ao juiz de instrucao. Dai que haja vozes discordantes que afirmam
que se e o MP quem dirige o inquerito e sabe quais os interesses em causa na
investigacao, a ultima palavra devia ser sempre dele e nao do juiz de instrucao.
Ha uma coisa que e importante ter em conta: quem dirige o inquerito e
efectivamente o MP. Isto e fundamental para se compreender a estrutura do
processo penal portugues. Nao e o juiz de instrucao que dirige o inquerito e
tambem nao e a policia criminal. As vezes a impressao que nos temos, quando
ouvimos falar de algumas investigacoes, e de que quem dirige o inquerito
(inquerito aqui com o mesmo sentido de investigacao), quem dirige a
investigacao criminal e a policia judiciaria. Nao e verdade. Nunca e a policia

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judiciaria que dirige a investigacao criminal. E sempre o MP que dirige – e
porque? Porque o MP funciona em Portugal como um representante de toda a
comunidade, enquanto a policia criminal nao tem esse papel. O representante
de todos os cidadaos no processo penal e o MP. De modo que tem de ser o MP a
dizer o que se tem de fazer para investigar um crime, como se tem de fazer,
quem tem de o fazer, que actos se tem de realizar, e nao os orgaos de policia
criminal! A policia criminal nao tem essa competencia porque nao e
representante da comunidade na accao penal. Claro que a policia criminal tem
um papel muito importante em termos de seguranca para a comunidade – mas
nos nao estamos a falar disso, nos estamos a falar do processo penal, da
investigacao criminal. Nos estamos a falar de um fenomeno que ocorre apos o
crime, e nao antes do crime. Na seguranca e prevencao, a policia tem um papel
fundamental para toda a comunidade. Mas nos nao estamos a falar disso.
Falamos depois de um crime ser cometido e do papel que as entidades tem na
investigacao criminal e em concreto quem deve dirigir a investigacao criminal:
dirige quem e representante da comunidade, neste caso, o MP, porque e o
representante do Estado e o Estado representa-nos a todos nos. De maneira que
nao ha duvidas sobre isto, embora como voces sabem infelizmente muitas vezes
por delegacao quase total dos actos de investigacao por parte do MP nos orgaos
de policia criminal, o que vem a suceder na parte pratica e que as investigacoes
criminais sao realizadas quase exclusivamente pelos orgaos de policia criminal.
Não se critica os orgaos de policia criminal, porque existem quer na policia
judiciaria, quer na GNR, quer na PSP excelentes agentes preparados e bem
formados. Mas a sensibilidade em geral para as questoes de natureza penal nao
e a mesma quando falamos do MP ou de um orgao de policia criminal. Salvo
muitas excepcoes, e cada vez sao mais as excepcoes, isto e, cada vez
encontramos mais gente bem qualificada nos orgaos de policia criminal com
sensibilidade para as questoes penais, por exemplo, e preciso dizer que ja
existem inclusivamente muitos agentes da PSP, GNR, policia judiciaria (ja nem
se fala!), com formacao juridica e nos proprios cursos de formacao da PSP
existem nos curricula muitas disciplinas de Direito Penal ou Processo Penal, etc.
Mas nao se compara isto, apesar de tudo, a formacao que um agente do MP
tem, porque um agente do MP nao estuda so questoes de Direito Penal ou de
Processo Penal, estuda Direito Constitucional, estuda Filosofia do Direito,
enfim, ha todo um conjunto de disciplinas de formacao basica para um jurista,
que permite uma diferente concepcao da realidade. Nos temos uma certa
sensibilidade para a questao dos direitos fundamentais que normalmente o
cidadao comum nao tem. Nao sei se ja se deram conta de estarem a discutir
num grupo de amigos ou na familia um processo mediatico e se deram conta de
que voces sao os unicos de que estao a tomar uma posicao “pro libertate”, pro
arguido. Temos uma visao diferente, sobretudo quando estao em causa direitos
fundamentais. E, portanto, os orgaos de policia criminal, apesar da formacao
que tem, actualmente muito boa, mesmo assim nao tem talvez a mesma
sensibilidade que tem o MP ou tem o juiz para estas questoes. De modo que nao
ha duvida nenhuma de que a direccao teria de ser do MP, e isso e absolutamente claro.
Em que consistem os principais actos do inquerito?
Como vos disse, quando falamos dos principios, nao existem praticamente
limites a descoberta da verdade material, porque e esse o principio que inspira
o processo penal, ao contrario do processo civil. O que significa que em
principio, exceptuando aqueles casos em que manifestamente for ilegal, a
obtencao de um determinado meio de prova (e isso nos vamos aprender) nao
tem limites, em obediencia ao principio da descoberta da verdade material. O art. 267.o diz:
“Art. 262.º Actos do Ministério Público
O Ministério Público pratica os actos e assegura os meios de prova necessários à
realização das finalidades referidas no n.º 1 do art. 262.º, nos termos e com as restrições
constantes dos artigos seguintes.”
O que a seguir vem sao restricoes que tem a ver com as competencias de
cada orgao. No art. 268.o do juiz de instrucao; no art. 269.o do juiz que pode
autorizar ou ordenar que sejam realizados por outros agentes; no 270.o do

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Ministerio Publico que pode delegar nos orgaos de policia criminal. Mas de
resto, nao existem grandes limitacoes. Agora, as limitacoes estao e, por
exemplo, quando nos passamos aos artigos, – e aqui sim, as coisas nem sempre
funcionam bem – relativos a obtencao de prova, ou seja, os artigos 124.o e
seguintes e, sobretudo, os artigos 171.o e seguintes. Aqui e que voces encontram
uma serie de restricoes que normalmente quando sao desrespeitadas dao
origem as arguicoes de nulidades para o Tribunal Constitucional e que fazem
com que um processo fique arruinado. E voces conhecem muitos casos. Basta
que num processo se tenha atingido a formacao da culpa atraves de escutas
telefonicas nao autorizadas legalmente ou nos termos da lei para que toda essa
prova esteja inquinada pelo efeito cascata que a prova produz. Isto e, se a
primeira prova, que e a base de toda a prova, e nula, toda a outra cai. E, por
isso, basta que nao tenha havido respeito, nos termos legais, para toda essa
prova ir por agua abaixo. Tirando esses limites, o MP nao tem restricoes a
investigacao criminal e, por isso, pode realizar todos os actos que entender para
a descoberta da verdade material.

3. Do encerramento do inquérito

3.1. Despacho de acusação ou de arquivamento;


3.2. suspensão provisória do processo e arquivamento em caso de dispensa de pena;

Como e que o MP encerra o inquerito? Qual o prazo que tem para encerrar
o inquerito? E o que e que pode acontecer apos o encerramento do inquerito?
Os prazos de duracao maxima do inquerito e uma questao importante, ja
que uma das cominacoes previstas na revisao de 2007 do CPP para a
ultrapassagem dos prazos e a possibilidade do processo passar a ser publico. Os
prazos, previstos no art. 276o CPP, diferem em funcao da existencia ou nao de
arguidos presos preventivamente. Quem esta preso preventivamente nao esta a
cumprir uma pena, ao contrario do que muita gente pensa. Na verdade, a regra
e a da liberdade e nao da prisao. Dai que quando se prenda alguem estejamos a
restringir a liberdade sem que haja culpa formada (estamos numa altura do
processo em que vigora plenamente o principio da presuncao de inocencia, pelo
que nao se pode de modo algum presumir que aquele individuo e culpado,
ainda que os indicios sejam muito evidentes). Ate ha quem defenda que nao se
poderia aplicar a prisao preventiva, o que nao esta certo, pois a prisao
preventiva nao e uma pena, servindo outros interesses, que nao os da punicao
do individuo. Contudo, uma vez que corresponde a restricao de direitos
fundamentais, quando o individuo e condenado efectivamente a uma pena de
prisao ha necessidade de descontar na pena o tempo que passou em prisão preventiva.
Voltemos aos prazos. O art. 276o, 1 diz-nos que o prazo maximo de
inquerito e de seis meses quando houver arguidos presos ou sob obrigacao de
permanencia na habitacao, ou de oito meses quando nao os houver. Estes
prazos podem ser aumentados consoante o tipo de crime ou a complexidade da
investigacao, a luz do art. 676o, 2 CPP. Se forem ultrapassados estes prazos, o
art. 289o, 6CPP prescreve que o processo torna-se publico se estiver a decorrer
em segredo de justica. Este art. 276.o foi objecto de alteracao na revisao de 2007 porque na altura
discutia-se a questao da falta de celeridade processual, e dizia-se, com alguma razao, que
havia processos que demoravam imenso tempo logo na fase de inquerito.
Os prazos que estao no art. 276.o foram relativamente encurtados. E, mais do que isso,
veio estabelecer-se uma coisa, enfim discutivel, que e o facto de apos o prazo de inquerito o segredo de
justiça cair obrigatoriamente, quando o processo estiver a decorrer sob segredo de
justica. Ou seja, foi uma especie de pressao que o legislador fez sobre o MP
dizendo-lhe assim: “Tu tens um prazo para realizar o inquerito. Findo esse
prazo, se tu nao conseguires realizar o inquerito, nao vai haver mais segredo de
justica”. E nao havendo mais segredo de justica a investigacao esta posta em
causa. O problema e que os prazos que estao aqui no art. 276.o muitas vezes sao

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insuficientes. Esta medida introduzida em 2007 tem sido objecto de muitas
criticas por parte do MP e nao so, uma vez que ha processos, nomeadamente os
mais complexos e mediaticos, em que nao e possivel terminar o inquerito
dentro destes prazos. O que significa que onde havia mais necessidade de
perdurar o segredo e onde existe maior possibilidade do segredo cessar... Ha
quem diga que isto foi propositado, de modo a obrigar o MP a trabalhar mais
rapidamente. Contudo, o andamento do inquerito nao depende apenas do
empenho do MP, mas tambem de outras entidades, como e o caso do Instituto
de Medicina Legal, da Interpol ou da Eurojust.
Vejamos: a regra e que o prazo para a realizacao do inquerito e de 6 meses,
se houver arguidos presos preventivamente ou em obrigacao de permanencia
na habitacao (o que erradamente se designa por prisao domiciliaria), e 8 meses
se nao houver arguidos presos. A regra sao os 6 meses.
Este prazo de 6 meses pode ser elevado para 8 meses se for um dos crimes
previstos no art. 215.o, n.o 2; para 10 meses quando houver excepcional
complexidade do processo; e para 12 meses nos casos do art. 212.o, n.o 3.
Pergunta-se: nao e suficiente? O art. 215.o tem a ver com a prisao preventiva.
Nao e suficiente? A verdade e que muitas vezes nao e suficiente. Imaginem um
processo com muitos arguidos, com um crime, por exemplo, continuado, ou um
crime organizado, com relacoes em paises diferentes. E muito dificil em 12
meses produzir uma acusacao ou um arquivamento do processo – e dificilimo!
A verdade e que se isso nao acontecer uma das consequencias e a quebra do
segredo de justica, o que ainda por cima vem dificultar mais as coisas ao MP.
Mas esse e o prazo para o MP produzir acusacao ou arquivamento.
Acusacao: quando entender que existem indicios suficientes da verificacao
de crime ou de quem foram os agentes.
Arquivamento: quando nao existam esses indicios.
E, aqui, temos uma questao complicadissima, que e saber o que e que se
entende por .indicios suficientes. – porque?
Porque nos estamos a trabalhar na base da presuncao da inocencia. Entao,
como e que nos podemos, ao mesmo tempo que afirmamos a presuncao de
inocencia, dizemos:”ha indicios suficientes de que aquele individuo cometeu o
crime”? Ao dizer que ha indicios suficientes estamos a presumir que ha culpa.
Em todo o caso e preciso dizer o seguinte: o MP em Portugal nao esta obrigado
a manter a sua posicao ate a sentenca final, isto e, o MP pode, em audiencia de
julgamento, se assim o entender, pedir a absolvicao do arguido. Pode e deve se
entender que nao ha indicios suficientes em julgamento. Entao, como e que se
explica que ele acuse e mais tarde venha a pedir a absolvicao? Porque,
justamente, o que se exige no final do inquerito nao e que ele tenha uma certeza
absoluta da pratica do crime, nao e isso que se esta a pedir no art. 277.o. o que se
pede nao e que haja .indicios bastantes. mas simplesmente .indicios
suficientes.. Nao sei se da para perceber a diferenca. Uma coisa e dizer que e
necessario que existam indicios bastantes, e outra e dizer que e necessario que
existam indicios suficientes.
Indícios bastantes e ja uma forte aproximacao a uma presuncao de culpa.
Indícios suficientes e o minimo possivel para que o caso seja discutido em
julgamento, e nao e preciso muito mais do que isso, nao e preciso demonstrar a
culpa tal qual vem a ser necessario na sentenca.
Mas tambem nao podem ser indicios tao insuficientes que nao consigam
sustentar um julgamento, uma acusacao. Nao e possivel isso tambem. Porque
ha um principio de presuncao de inocencia e, portanto, se os indicios sao
manifestamente insuficientes, nao ha que acusar, ha que arquivar. E, por isso,
nao sei se sabem, a maior parte dos inqueritos terminam com arquivamento.
Porque ou ha realmente um conjunto de indicios que se podem considerar
suficientes, ou, entao, a insuficiencia deve produzir o arquivamento.
Por forca do principio da legalidade que vigora no ordenamento juridico
portugues, o MP esta obrigado a acusar quando existam indicios suficientes da
pratica do crime, obrigado a arquivar quando nao existam tais indicios. Nao
existe, pois, um juizo de oportunidade, o MP nao pode negociar, agir por

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motivacoes politicas ou de qualquer ordem. Dai que o arquivamento seja a
solucao possivel para quando o MP chegue a conclusao de que nao existem
indicios suficientes da pratica do crime e de quem foi o seu autor. A maior parte
dos processos acaba com o arquivamento, pois so faz sentido levar a julgamento
aquilo que tem condicoes para ser julgado. O MP tem de olhar para as provas
que tem, para o resultado da investigacao e decidir se existem indicios
suficientes que permitam chegar a julgamento e sustentar a acusacao. Ele nao
tem de ficar convencido de que o individuo ira ser declarado culpado, mas tem
de estar convencido de que com bastante razoabilidade ha materia suficiente
para que ele venha a ser julgado e condenado.
No entanto, ha casos que podem nao seguir nem a via do arquivamento,
nem a via da acusacao. Em certos casos, apesar de haver indicios e, de acordo
com o principio da legalidade o MP ter de acusar, se se tratar situacoes
enquadraveis no ambito do art. 74o CP, casos que admitam dispensa de pena, e
durante a fase de inquerito o MP entender que se for a julgamento, o caso sera
objecto de dispensa de pena, nem sequer deixa ir a julgamento, arquiva, pois e
um dos casos que permitiria a dispensa de pena em sede de julgamento. Se nao
considerar que se deve arquivar acusa e o juiz em sede de julgamento pode
dispensar a pena. Assim, o art. 280o CPP diz-nos que apesar de haver indicios
suficientes da pratica de crime, se se verificarem os requisitos do art. 74o CP, o
MP pode arquivar, Se acusar, em fase de julgamento o juiz pode dispensar a pena.
Depois temos a hipotese da acusacao quando o MP reunir indicios
suficientes da pratica do crime, da qual ja falamos, e a possibilidade de
suspensao provisoria do processo (art. 281o CPP). Neste caso, tal como na
hipotese do art. 280o CPP, estamos perante um juizo de oportunidade
condicionada que apela ao acordo entre o MP, o arguido, assistente e o juiz de
instrucao no sentido de suspensao do processo quando o crime for punivel com
pena de prisao nao superior a cinco anos de prisao. Para tal e necessario a
aplicacao ao arguido de injuncoes e regras de conduta, que nao sao mais do que
um equivalente funcional da pena. Nao sao sancoes porque ainda nao ha uma
declaracao de culpa formada, o que so acontece no julgamento, mas funcionam
como um equivalente, porque se o arguido nesse prazo, que pode ir ate dois
anos, cumprir essas injuncoes e regras de conduta pode arquivar-se o processo,
se nao cumprir, acusa-se e vai-se para julgamento. Se o arguido cumprir as
injuncoes ou regras de conduta, apesar de cumprir o equivalente a uma sancao,
nao vai ser punido criminalmente, o que significa que nao ha consequencias
juridicas do crime, nem registo criminal, o que e uma vantagem para o arguido.
Claro que aqui tambem estamos a ter em conta os interesses da vitima e e o
proprio art. 281o, 6 CPP que da a vitima a possibilidade de se pronunciar, e nao
propriamente ao assistente. Como sabem, ha uma diferenca entre assistente,
que foi como tal constituido, e a vitima do crime, pois esta nao e um sujeito
processual. Quer a vitima, quer um seu representante legal podem constituir-se
como assistente, de modo a intervir no processo e ser sujeito de direitos e
deveres, o que lhe permite conformar a decisao final do processo. Estamos aqui
perante uma situacao em que se apela a uma certa concordancia entre os
sujeitos, dando alguma relevancia aos interesses da vitima (principio
vitimologico); e um espaco de consenso, de oportunidade, que nao derroga o
principio da legalidade, mas que constitui uma pequena abertura a
oportunidade, dentro do nosso sistema em que vigora o principio da
legalidade. Ha outras situacoes semelhantes, como e o caso do processo
sumarissimo, que acaba com um acordo, e a mediacao penal. Em determinados
crimes, se o MP assim o entender, pode entregar o processo a um mediador
penal, devidamente formado, que tenta um acordo entre os sujeitos, voltando,
depois, o processo ao MP. Se nao se chegar a acordo segue-se a acusacao e o
processo vai para julgamento; se for obtido um acordo, este sera devidamente
homologado pelo MP e pelo juiz. Sao espacos de consenso que estao a ser
incrementados no processo penal por variadissimas razoes, entre as quais se
destaca a necessidade de conferir relevo a vitima, que tem sido esquecida no
processo penal. De facto, ultimamente tem havido uma certa tendencia para

81
proteger o arguido, que antes da CRP de 1976 era considerado um mero objecto
do processo, sendo, pois, necessario restituir-lhe o estatuto de sujeito
processual, e, de acordo com o principio da dignidade da pessoa humana
rodea-lo de direitos, garantias e de deveres. Esta necessidade, advinda do
Estado de Direito Democratico fez com que praticamente se esquecesse a
vitima, relegada para um segundo plano, Com o decorrer dos tempos,
comecamos a perceber, fruto das advertencias das associacoes de proteccao das
vitimas (APAV) que, em muitos casos isso se traduz numa injustica para com as
vitimas, sendo que em muitos casos a justica penal nao se realizava porque os
interesses das vitimas nao eram tidos em conta. Ora este tipo de solucoes de
consenso desjudiciarizadas, ainda que dentro do processo penal, servem para
conferir uma certa importancia aos interesses da vitima. Dai que numa situacao
em que os dois sujeitos processuais, o MP, representante da comunidade e o
juiz, figura imparcial e independente estejam de acordo, realiza-se a justica
penal. Claro que isto nao pode ser aplicavel em todos os casos, dai o limite de
cinco anos de prisao.
Se, entretanto, o arguido nao cumprir as regras de conduta ou injuncoes,
o processo volta novamente as maos do MP e, uma vez que ha indicios, acusa.
A acusacao pode ser do MP ou do assistente, nos casos de crimes particulares
“stricto sensu”, que dependem de queixa e de acusacao particular do assistente
(esta acusacao do assistente pode ser acompanhada pelo MP ou nao); tambem
no caso de crimes publicos ou semi-publicos pode haver acusacao por parte do
assistente. Nos casos do art. 284o CPP, em que o MP acusou, e dado
conhecimento ao assistente de que houve acusacao, podendo tambem este
acusar, desde que nao haja uma alteracao substancial dos factos. Expliquemos
este artigo: temos a acusacao por parte do MP em situacoes de crimes publicos
ou semi-publicos. Neste caso, o MP notifica o assistente desta acusacao,
podendo entao este acusar no todo ou em parte. O que nao pode e acusar por
factos diferentes dos que constem na acusacao, porque quem fixa o objecto do
processo nos crimes publicos e semi-publicos e o MP (principio da acusacao).
No caso dos crimes particulares stricto sensu, acabado o inquerito, o MP
notifica o assistente para que este deduza acusacao particular se assim o desejar.
Neste caso, o julgamento depende de acusacao particular e nao do MP,
verificando-se o inverso do que sucede nos crimes publicos e semi-publicos: o
MP tambem pode acusar, no todo ou em parte, o que nao pode e acusar por
factos diferentes dos que constem na acusacao do assistente, porque, uma vez
que o objecto do processo e fixado por este isso comportaria uma alteracao
substancial dos factos.
A acusacao e, pois, uma peca importantissima no processo penal porque
e ela que determina o que vai ser julgado a final na audiencia de julgamento.
Vigora aqui o principio da acusacao, da vinculacao tematica e da identidade do
objecto. Por isso se diz no art. 283o, 3, b, CPP que tem de haver uma narracao,
ainda que sintetica, dos factos que justificam a aplicacao ao arguido de uma
pena, incluindo o tempo, o lugar e a motivacao da sua pratica, pois e esta que
vai servir para determinar o objecto do processo. A nao existencia destes
elementos do art. 283o, 3 determina a nulidade da acusacao.

Da instrução

1. Considerações gerais - a relação entre o inquérito e a


instrução; entre a intervenção do MP e do Juiz de instrução;

2. Requerimento de abertura de instrução

82
E feito o despacho de acusacao ou de arquivamento, o que e que pode suceder?
Se for despacho de acusação pode haver reaccao por parte do arguido, como
e evidente, atraves do requerimento de abertura de instrucao (art. 287.o), cujo
prazo e de 20 dias a contar da notificacao que lhe tiver sido feita, dando conta
justamente da acusacao. Ou reaccao do assistente se ele considerar que os factos
descritos na acusacao nao sao exactamente aqueles que foram realizados, isto e,
havia algo mais grave que nao esta na acusacao – por exemplo, se o MP acusou
por um crime apenas, vamos supor, acusou por furto simples quando o
assistente acha que foi furto qualificado, entao, ele pode reagir abrindo
instrucao; ou se, alem de furto simples acha tambem que houve violacao, pode
abrir instrucao – art. 284.o.
E depois ha ainda uma outra possibilidade que e a que esta prevista no art.
278.o, que e a hipotese de intervencao hierarquica. A abertura de instrucao e um
controlo judicial. A intervencao hierarquica que esta no art. 278.o e um controlo
administrativo ou de natureza nao judicial ou hierarquico, simplesmente. Tem
natureza administrativa porque e um superior hierarquico que vai intervir no
processo para verificar se o despacho foi bem feito. Diz o art. 278.o:
“Art. 278.º Intervenção hierárquica
1 – No prazo de 20 dias a contar da data em que a abertura da instrução já não
puder ser requerida, o imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério
Público pode, por sua iniciativa ou a requerimento do assistente ou do denunciante com
a faculdade de se constituir assistente, determinar que seja formulada acusação ou que
as investigações prossigam indicando, neste caso, as diligências a efectuar e o prazo para
o seu cumprimento.
2 – O assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente
podem, se optarem por não requererem a abertura da instrução, suscitar a intervenção
hierárquica, ao abrigo do número anterior, no prazo previsto para aquele requerimento”.
Entao, em que situacoes e que e possivel a intervencao hierarquica?
Chamo a atencao, e com isto vamos terminar, para o facto de este artigo
ter uma redaccao ligeiramente diferente da que tinha antes da revisao de 2007.
E e importante porque o alcance nao e exactamente o mesmo. Desde logo, aqui
existem duas hipoteses diferentes: ter havido requerimento para a abertura de
instrucao ou nao ter havido requerimento para a abertura de instrucao. E o que
e que se tem de esperar, entao? Tem de se esperar justamente que passe o prazo
dos 20 dias para requerer a abertura de instrucao. Porque se ha requerimento de
abertura de instrucao, feita pelo assistente ou pelo ofendido no prazo de 20 dias
que lhes e concedido, entao nao faz sentido requerer a este expediente. Porque?
Porque vai haver um controlo judicial do despacho de arquivamento. Estamos a
falar, neste caso de intervencao hierarquica, apenas do despacho de
arquivamento. Nao confundir: nao ha intervencao hierarquica no caso de
despacho de acusacao. Estamos a falar da situacao em que o MP arquivou e,
tendo arquivado, temos que esperar primeiro que decorram 20 dias para saber
se o assistente ou o ofendido reagem, se abrem instrucao ou nao. Se abrirem,
entao o assunto vai ser analisado por quem tem de ser analisado, que e o juiz de
instrucao. Se eles nao abrirem instrucao no prazo de 20 dias, entao, sim, faz
sentido que haja intervencao hierarquica. So que agora permite-se tambem o
seguinte: permite-se que mesmo no prazo dos 20 dias o assistente e o MP
suscitem a intervencao hierarquica. Ou seja, o assistente e o arguido fazem este
juizo: eu tenho 20 dias para requerer a abertura de instrucao, mas eu nao vou
requerer a abertura de instrucao, nao me interessa. Eu vou suscitar ja a
intervencao hierarquica. E suscitam a intervencao hierarquica. Neste caso o que
e que acontece? Neste caso prescindem da abertura de instrucao. E um onus
que tem que arcar. Ora, enquanto na presenca de um despacho de acusacao
pode nao ser bom requerer abertura de instrucao, se a acusacao nao e muito
desfavoravel, o advogado pode pensar em guardar alguns trunfos para o
julgamento. Nao quero que o meu adversario conheca os meus trunfos na
instrucao. Aceito a acusacao, vou para julgamento e la vamos tratar do assunto.
Ele ja nao pode fazer este juizo no caso do arquivamento. Porque? Se ha o
arquivamento e nao ha abertura de instrucao, e suscita a intervencao

83
hierarquica, se esta nao lhe for favoravel, isto e, se o superior hierarquico
mantiver o arquivamento, perdeu ja o processo. E, portanto, em principio, para
um advogado que esta a representar o assistente ou o arguido e completamente
absurdo recorrer a intervencao hierarquica, queimando a possibilidade de ir
para instrucao (terminando o processo, a nao ser que houvesse depois provas
supervenientes). As probabilidades de se manter o arquivamento sao muito
grandes. Nao e recomendavel suscitar a intervencao hierarquica no lugar da
instrucao. Pode ser utilizada a intervencao hierarquica se, por exemplo, deixar
passar o prazo para requerer a abertura de instrucao, como ultima hipotese, no
caso de arquivamento. Vide art. 278.o do CPP. O prazo de 20 dias do
requerimento para abertura da instrucao esta previsto no art. 287.o do CPP.
Entrando agora um pouco mais na instrucao, recordemos que quanto ao
arquivamento ha a possibilidade de abrir instrucao por parte do assistente que
nao se conforma com a decisao. Este dispoe de um prazo de 20 dias a contar da
notificacao do despacho de arquivamento. Para a contagem dos prazos temos
de fazer referencia ao art. 113o CPP, que nos ajuda a contar os prazos das
notificacoes e quais as dilacoes possiveis. Primeiro tem de se saber qual a via de
notificacao seguida: se foi carta registada considera-se que foi recebida no
terceiro dia util posterior ao do envio, se foi carta postal simples considerar-se
recebida no quinto dia posterior ao do envio.
O assistente pode, ainda, requer a abertura de instrucao quando ha acusacao
e se se tratar de crimes publicos ou semi-publicos, por factos que nao constem
na acusacao do MP. Relativamente ao arquivamento, ha tambem a
possibilidade de um controlo hierarquico (art.278o CPP). Findo o prazo para
requerer a instrucao, ha ainda um prazo de 20 dias para suscitar a intervencao
hierarquica. Isso pode ser feio por iniciativa do MP ou a requerimento do
assistente ou do denunciante. Perante estas duas possibilidades (abertura de
instrucao e intervencao hierarquica) o que deve fazer um advogado? A
pergunta e pertinente porque a opcao por um destes meios faz precludir a outra.
Havendo acusacao, o arguido tambem pode requerer abertura de instrucao
relativamente aos factos com os quais nao concorde. Ele pode nao se conformar
com parte ou toda a acusacao. O que esta em causa na instrucao e uma
comprovacao judicial da decisao de deduzir acusacao ou de arquivar.

3. Dos actos de instrução;


4. Do debate instrutório;
5. Alteração dos factos, não substancial e substancial. O
objecto do processo;

Ate aqui nao tivemos intervencao judicial. Nao se trata de realizar um novo
inquerito, mas pode suceder que haja necessidade de realizar novas diligencias.
Qual o conteudo da instrucao? Esta traduz-se no conjunto de actos que o juiz
entenda que deve levar a cabo para comprovara a decisao de acusacao ou de
arquivamento, Esses actos podem ser diligencias requeridas por quem abriu a
instrucao ou pelo proprio juiz (vigora aqui o principio da acusacao mitigado
por um principio de investigacao). Quem acusa e o MP mas o juiz de instrucao
tambem pode investigar autonomamente tendo em conta os actos que lhe
tenham sido requeridos ou aqueles que ele proprio considere relevantes para o processo.
Tudo isto termina com o debate instrutorio oral e contraditorio, no qual
podem participar o MP, o assistente, o arguido, ou o seu defensor, mas nao as partes civis.

6. Do encerramento da instrução;
6.1. Despacho de pronúncia e de não pronúncia;
6.2. Nulidade da decisão instrutória e recursos;
7. Duração da instrução

84
Findo este debate instrutorio, o juiz toma uma de duas decisoes:
despacho de pronuncia, se considerar que existem indicios da pratica de um
crime, ou despacho de nao pronuncia, se considerar que nao se verificam tais indicios.
O despacho de pronuncia/ nao pronuncia pode ser em total ou parcial acordo
com a acusacao ou o requerimento de abertura de instrucao.
O despacho de pronuncia tem de confirmar a acusacao ou o
requerimento de abertura de instrucao, caso contrario ha alteracao substancial
de factos. O proprio art. 303o preve a hipotese de uma alteracao nao substancial
dos factos. Uma alteracao substancial dos factos nao pode ser levada em conta
pelo tribunal no processo em curso. Ex: na acusacao o arguido e acusado por
furto simples, mas o assistente vem requerer abertura de instrucao dizendo que se trata de
furto qualificado; neste caso nao ha alteracao substancial dos factos,
verificando-se o disposto no art. 303o, 1CPP; se no requerimento de instrucao se
invocasse que o arguido tambem tinha cometido um crime de dano, tal
implicaria uma alteracao substancial dos factos que nao podia ser tomada em
conta pelo tribunal. Este comunicaria os novos factos ao MP; se estes fossem
autonomizaveis, valeriam com uma denuncia, se nao o fossem, perder-se-iam
para o processo (art. 303o, 3, 4CPP). O art. 309o CPP comina com a nulidade a
decisao instrutoria que pronunciar o arguido por factos que constituam
alteracao substancial dos descritos na acusacao ou no requerimento de abertura
de instrucao, tendo esta que ser arguida nos oito dias seguinte a notificacao da
decisao. A decisao instrutoria que pronunciar o arguido pelos factos constantes
na acusacao do MP e irrecorrivel (art. 310o CPP).

Do julgamento

1. Introdução

Temos de ter conhecimento e saber de alguns aspectos que sao


importantes para que o julgamento decorra de acordo com os principios do
processo penal, por um lado, e que nele se atinjam verdadeiramente as
finalidades do processo penal, porque e ai que se concentra, como disse, o mais
importante.Vamos, portanto, ver isto por sequencia.

2. Dos actos preliminares

Terminada a instrucao, se houve instrucao, tera necessariamente de haver


um despacho de pronuncia para chegarmos ao julgamento. Ou, nao havendo
instrucao, tera de haver um despacho de acusacao. Portanto, o que o tribunal
vai receber e uma dessas duas coisas. Ou recebe o despacho de pronuncia,
porque houve instrucao, ou, caso nao tenha havido instrucao, recebe despacho
de acusacao. E, portanto, faz aquilo a que chama o saneamento, para ver se
existem nulidades ou questoes previas incidentais que devem ser analisadas no
inicio. E depois, verificada essa primeira questao, pode haver rejeicao da
acusacao por estar manifestamente infundada; pode nao aceitar a acusacao do
assistente ou do Ministerio Publico (MP); enfim, pode o tribunal, digamos, nao
permitir que o assunto prossiga para julgamento. Mas se nao for o caso, se o
tribunal considerar que nao ha nenhuma nulidade ou nenhuma questao previa
ou incidental que impeca que o processo continue para a fase de julgamento,
entao notifica os sujeitos processuais do dia, da hora e do local da audiencia.
Portanto, faz um despacho nesse sentido.
Feito isso, ha desde logo uma primeira possibilidade, que esta prevista no
art. 215.o do CPP, e que nem sempre se fala no processo penal, mas que e
importante, apesar de tudo, que e a possibilidade de apresentar contestacao.

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No processo penal a contestacao nao e muito importante porque nao existe
no processo penal o principio do onus da prova, ou seja, nao existe o principio
da auto-responsabilizacao probatoria. Aqui, nao se aplica aquele principio do
processo civil segundo o qual quem invoca um direito tem de o provar. Isso nao
existe aqui. Pelo facto de haver uma acusacao e nao existir contestacao nao
significa que se deem como provados os factos que estao na acusacao, porque
tambem vigora aqui o principio da verdade material, o principio da
investigacao, logo tudo isto significa que o facto de nao haver contestacao nao
tem como consequencia a prova dos factos quer estao na acusacao. E, portanto,
a contestacao acaba por nao ter o relevo que tem no caso do processo civil. Em
todo o caso, ela existe e esta prevista no art. 215.o do CPP. E pode ate revelar-se
importante, por exemplo, quando nao ha instrucao. Imaginemos uma situacao
em que alguem e acusado e esse alguem entende que nao e necessario abrir
instrucao, mas tambem nao quer ir para julgamento sem manifestar a sua
discordancia relativamente aquilo que vem na acusacao. E, portanto, o
instrumento mais apropriado para isso e a contestacao. Ou seja, eu nao vou
abrir instrucao, porque nao acho que haja necessidade de abrir instrucao, mas
vou manifestar a minha discordancia relativamente a acusacao – e faco como?
Contesto, apresento o meu role de testemunhas para mostrar que nao estou de
acordo com o que vem a ser dito. E isso tanto se aplica para a meteria penal
como para a materia civel. E porque? Porque, nos termos do art. 71.o do CPP
vigora o chamado Princípio da adesão da materia civel em relacao a materia
penal. Isto e, quando ha um crime pode haver lugar a um pedid0o de
indemnizacao civel fundado nos danos emergentes do crime. E esse pedido de
indemnizacao civel, em principio, e feito no proprio processo penal, como
preceitua o art. 71.o do CPP. Nao ha necessidade de intentar uma accao civel,
seguindo o processo civel, porque o art. 71.o permite que seja apresentado no
proprio processo penal. E ve-se as vantagens para quem apresenta o pedido,
porque como sabem o processo civil e um pouco mais complicado, mais
complexo do que o processo penal e rege-se por principios proprios (e ai ja
entra o principio da auto-responsabilizacao probatoria). De modo que acaba por
ser muito vantajoso usar este Principio da adesao que esta previsto no art. 71.o
para discutir a materia civel no proprio processo penal.
E evidente que ha casos em que pode haver um pedido em separado. Os
casos estao todos elencados no art. 72.o. Sao casos em que os sujeitos
processuais, a vitima, neste caso, pode recorrer a um processo civel em
separado para pedir a indemnizacao. Mas, e ate pode acontecer que nao haja
uma condenacao penal e haja uma condenacao civel: os danos podem gerar
uma responsabilidade civil e, todavia, nao haver lugar a condenacao penal.
Pode suceder isso. Mas o que e normal, que e a regra, e que esses pedidos de
indemnizacao civel sejam feitos no processo penal quando se trate de materia
penal, isto e, quando os danos emergem de um crime, sao fundados num crime.
Portanto, uma pessoa mata outra, ha um dano que e o dano da morte e a partir
daqui a familia pede indemnizacao, e vai pedi-la no proprio processo-crime
atraves deste principio. Tal como esta previsto no art. 78.o, “a pessoa contra
quem for deduzido pedido de indemnizacao civil e notificada para, querendo,
contestar no prazo de 20 dias”. E, digamos, que estao em seguida ai as regras
que se aplicam a formulacao e a contestacao do pedido civel. E isso vai para o processo penal.
Portanto, no processo penal podemos ter, afinal de contas, o que?
Podemos ter a acusacao (por exemplo, se foi a acusacao que chegou a
julgamento); podemos ter a contestacao a materia penal, nos termos do art.
215.o; podemos ter o pedido civel, nos termos do art. 77.o, e a contestacao ao
pedido civel nos termos do art. 78.o. Tudo isto vai ser analisado ao mesmo
tempo no julgamento. Quando digo .ao mesmo tempo. e claro que ha um
momento na audiencia onde sao ouvidas as testemunhas e sao produzidas as
provas relativas a materia penal e, em seguida, ha um momento, em acto
continuo, em que sao produzidas as provas relativas ao pedido civel. No final, o
juiz, quando decide, decide sobre as duas questoes: sobre a materia penal e
sobre a materia cível.

86
3. Da audiência

Ora bem, ha desde logo que relembrar um principio fundamental que se


aplica a audiencia de julgamento, e que vem enunciado no art. 321.o – e que ja
falamos nele – o Princípio da publicidade da audiência. Como sabem, as audiencias
de julgamento sao publicas, sob pena de nulidade insanavel. Sendo certo, no
entanto, que, como ja vimos quando analisamos o principio da publicidade,
existem algumas excepcoes, algumas limitacoes a esta publicidade na
audiencia, que tem que ver com situacoes em que estao em causa determinados
crimes e determinadas pessoas, nomeadamente, crimes de natureza sexual que
envolvem menores, e onde e permitido que a audiencia funcione “a porta
fechada”, portanto, que nao seja aberta ao publico para proteccao da
integridade fisica e, sobretudo, moral (do bom nome, principalmente) das
vitimas, dos menores vitimas de crimes sexuais. Esta proibicao de publicidade
de audiencia e para, digamos, nao afectar ainda mais as vitimas, a sua
identidade, para que nao haja uma segunda vitimizacao justamente por causa
do julgamento. Isso e muito importante.

4. Dos actos introdutórios, com relevância para a


presença/ausência do arguido

Depois, um outro principio que e fundamental relembrar e o Princípio do


contraditório. Tal como preceitua o art. 327.o, todas as questoes que normalmente
sao levantadas na audiencia do julgamento estao sujeitas ao contraditorio.
Devem ser sempre contraditadas, a outra parte, neste caso o outro sujeito
processual interessado deve poder contraditar aquilo que foi dito. Uma outra
questao muito relevante para a audiencia do julgamento e uma questao que ha
muito tempo tem sido discutida, e que ja sofreu muitas alteracoes: deve ou nao
deve estar presente o arguido para se realizar o julgamento? O CPP na sua
versao inicial em 1987 tal como nos diz a CRP de 1976 era muito claro no
sentido de nao permitir que algum julgamento fosse feito na ausencia do
arguido. O arguido tinha que estar presente quando fosse julgado. Isto tambem
decorre do senso comum, onde nao se deve falar de uma pessoa nas costas dela,
sem ela se poder defender. Este principio esta correcto. So o que aconteceu foi
que, durante a vigencia deste artigo, foram muitos os casos em que aconteciam
coisas como o arguido faltar dez ou quinze vezes ao julgamento, fazendo com
que consecutivamente ele fosse adiado (pois a consequencia era o adiamento do
julgamento quando o arguido nao estivesse presente). Isto tornava muito
morosa a justica e as vezes ate podia correr-se o risco de haver prescricao
porque entretanto, com tanta dilacao, o prazo de prescricao decorria e podia
mesmo ate cair-se na prescricao. Houve tempos em que havia muitas amnistias.
Ou porque o Papa Joao Paulo II vinha ca e havia uma amnistia; porque havia
eleicao do Presidente da Republica e havia uma amnistia. Entao havia assim
mais ou menos um costume que era o de ir protelando isto a espera que viesse
uma amnistia. “Como vai ser a eleicao do PR numa tal data e devera haver uma
amnistia, entao vamos tentar que este julgamento seja depois”. E isto aconteceu
muitas vezes. Actualmente, nao so as amnistias acabaram porque cair
praticamente em desuso, pois praticamente nao existem amnistias, a nao ser os
indultos que o PR da normalmente por altura da quadra natalicia. Sobretudo
foram decrescendo e chegou-se a conclusao de que nao fazia sentido estar
sistematicamente a adiar julgamentos por causa da ausencia do arguido. Havia
uma coisa que se fazia tambem que era declarar a chamada contumacia do
arguido, presente no art. 335.o do CPP. A declaracao da contumacia e uma
declaracao no sentido de pressionar o arguido a vir a audiencia. O arguido
perdia uma serie de direitos civicos e isso obriga-lo-ia a ir a audiencia para
readquirir esses direitos civicos. Isto foi certamente inspirado no modelo
alemao que tinha a contumacia. So que e preciso nao esquecer que nos somos

87
todos diferentes, temos costumes diferentes, temos uma mentalidade diferente.
E se e certo que para um alemao faltar a um julgamento e uma coisa gravissima,
declararem-no contumaz mais grave ainda e. Isso tinha um certo efeito e as
pessoas apareciam ao julgamento. Em Portugal isto nao produziu praticamente
efeitos nenhuns. Eles faltavam e ainda por cima quando eram declarados
contumazes isso nao tinha praticamente nenhum efeito. Tudo isto para dizer
que houve uma alteracao que foi no sentido de ser obrigatoria a presenca do
arguido, contida no art. 332.o do CPP. Mas veio abrir-se um conjunto de
excepcoes no sentido de permitir que a audiencia possa ser realizada na
ausencia do arguido, art. 333.o do CPP, isto e, umas vezes a pedido do proprio
arguido, por sua propria vontade ele diz “ eu nao vou querer estar presente
mas nao me oponho que a audiencia seja feita”. Entretanto o juiz pode aceitar
isto. Outras vezes a audiencia pode ser realizada sem a presenca do arguido
sem que tenha havido um pedido seu. Aqui o juiz entende, de acordo com o art.
333.o do CPP, que o caso pode ser julgado sem que ele esteja presente porque
nao ha nenhuma razao que obste a isso. E portanto hoje e possivel que existam
julgamentos na ausencia do arguido nos termos do art. 333.o do CPP, para que
tambem se de uma certa celeridade ao processo. Apesar disto nao se tem
notado uma celeridade nos processos. Mas, em alguns casos, os julgamentos na
ausencia do arguido acontecem e e uma possibilidade que existe. Havia uma
impossibilidade no inicio de alterar isto porque a CRP obrigava a que o arguido
estivesse presente. A CRP entretanto foi alterada e veio possibilitar isto.

5. Da produção de prova

Ja vimos alguns destes aspectos quando falamos sobre os principios


relativos as provas. Portanto, remete-se parte desta materia para aquilo que já foi referido.
Ha uma questao, que embora ja possamos ter falado quando demos o
principio da acusacao, que convem sempre aqui relembrar. A semelhanca do
que acontece com a instrucao, pode chegar-se ao momento em que exista a
alteracao dos factos relativamente a acusacao ou ao requerimento de abertura
da instrucao e ai vimos que se a alteracao for substancial so seria possivel
continuar, isto e, so seria possivel no caso da instrucao. Uma alteracao
substancial nao seria possivel no despacho de pronuncia. Uma alteracao nao
substancial podia ser levada em conta dando um prazo para que o arguido, os
sujeitos processuais preparassem, neste caso concreto, o arguido preparasse a
sua defesa e caso essa alteracao substancial existisse e os factos fossem
autonomizaveis isso permitiria ou serviria como comunicacao ao Ministerio
Publico para que ele realizasse inquerito relativamente a esses novos factos.
Caso nao fossem autonomizaveis nao podiam ser tidos em conta para efeitos de
despacho de pronuncia.
Com poucas diferencas, o mesmo se aplica no julgamento. Durante o
julgamento pode suceder que aparecam novos factos. Esses novos factos podem
ser de dois tipos de natureza: podem ser substancialmente diferentes ou nao
substancialmente diferentes. Se forem não substancialmente diferentes permite-se
que dando um prazo ao arguido, que esta previsto no art. 358.o do CPP, que ele
prepare a sua defesa e se prossiga o julgamento sobre esses novos factos. Se
forem factos substancialmente diferentes permite-se que havendo acordo dos
sujeitos processuais, nomeadamente do MP, do arguido e do assistente, o
julgamento possa prosseguir sobre os novos factos. Nao havendo acordo, os
novos factos servem para o MP como auto de noticia para que ele avance com
um novo inquerito sobre os novos factos apenas no caso de serem
autonomizaveis, pois caso nao sejam autonomizaveis nao podem ser tidos em
conta no julgamento. Por exemplo, no caso de furto simples nao interessa saber
se foi furtada uma ou duas canetas, desde que continuemos no furto simples,
nao ha uma alteracao substancial. Mas por exemplo, se foi furtado um objecto e
no final se descobre que foi por introducao em casa alheia passa a ser

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qualificado, logo passa a ser um crime diferente, mas esta parte nao e
autonomizavel, e portanto, nao pode ser tido em conta no julgamento. O
mesmo nao sucedendo se, para alem do crime de furto houver crime de dano, e
esse crime de dano e autonomizavel do furto, pode servir de comunicacao ao
MP para ele proceder a investigacao.
Ainda uma questao muito importante e muito controvertida relativa ao
julgamento esta relacionada com a leitura de autos e declaracoes na audiencia
de julgamento. Basicamente o que esta em causa e a leitura de declaracoes de
co-arguidos e a leitura de declaracoes do arguido. O art. 356.o do CPP diz-nos
que so e permitida a leitura em audiencia de autos relativos a actos processuais
levados a cabo nos termos dos arts. 318.o, 319.o e 320.o do CPP. Estes artigos tem
a ver com situacoes de pessoas residentes fora da comarca que tomarem
declaracoes no domicilio, por impossibilidade de estar no tribunal, e realizacao
de actos urgentes. E, tambem, autos de instrucao ou inquerito que nao
contenham declaracoes do arguido, do assistente, das partes civis ou de
testemunhas. Portanto, declaracoes que foram produzidas durante o inquerito e
durante a instrucao mas que nao tenham a ver com declaracoes do arguido,
assistente, nem das partes civis, nem de testemunhas que testemunhem agora
no julgamento. Se o arguido esta presente, das duas uma: ou vai falar ou invoca o silencio.
Se invoca o silencio e um silencio que deve ser respeitado nao so na
audiencia de julgamento quando lhe perguntam coisas sobre os factos como
tambem relativamente aquilo que ele ja falou, isto e, nao faz sentido que ele
invoque o silencio e a seguir se diga que “agora vamos ouvir aquilo que voce
disse no inquerito. Ouvindo o que o senhor disse no inquerito vamos tomar isso
em conta para a decisao final”. Claro que, se aquilo que ele disse no inquerito o
incrimina, e obvio que ele vai ter que falar disso no julgamento. Quanto mais
nao seja para dizer: “ eu disse isso porque estava mal da cabeca, ou porque
estava a ser coagido, o que eu disse esta mal, o que eu queria dizer era…”. Ou
dizer isto, basta que tenha sido forcado a dizer alguma coisa vai fazer com que
quebre o direito ao silencio. O direito ao silencio e um direito constitucional. A pessoa deve
nao falarna audiencia de julgamento, porque o arguido tem o direito de nao se autoincriminar.
Se alguem conseguir provar que ele cometeu o facto, entao, como
esta provado, ele tem que ser punido. Mas que essa punicao nao tenha que ser a
custa de uma auto-incriminacao. O direito ao silencio e uma maneira de ele nao
se auto-incriminar. Pois se em audiencia de julgamento se vai ouvir o que ele
disse no inquerito isso vai provocar necessidade de ele ter que falar, e isso
quebra o direito ao silencio, o que e absolutamente ilegal. Relativamente ao no2
do art. 356.o do CPP, relativamente as partes sociais, testemunhas e assistente
abre a possibilidade de se fazer a leitura de autos das declaracoes na audiencia
de julgamento se ocorrer algumas das situacoes previstas nas alineas: a), b) e c)
deste artigo. Sao situacoes onde ha acordo, situacoes em que tenham sido
obtidas declaracoes mediante interrogatorios, ou situacoes em que as
declaracoes tenham sido tomadas mediante o art. 271.o e 294.o CPP. Tambem
pode suceder, como diz o no3, que haja necessidade de avivar a memoria dessas
pessoas, por exemplo, ou,, aquela que e mais frequente, se houver discrepancias
ou contradicoes. Relativamente ao arguido isto ja nao e bem assim. A leitura de
declaracoes anteriormente feitas so e permitida se ele desde logo solicita. Por
exemplo, ele esta a declarar e diz: “ eu quero que sejam lidas as declaracoes que
eu fiz no inquerito”. Se se entender que isso faz parte da sua defesa ele deve
fazer isso. Ou, quando tenham sido feitas perante o juiz anteriormente, houver
contradicoes ou discrepancias entre elas e as feitas na audiencia. Neste caso
partimos do principio que ele esta a falar na audiencia, pois nao invoca o direito ao silencio.
Ele esta a falar, mas ao falar ha discrepancias, ha contradicoes com o que
ele disse antes, entao ai, se as declaracoes que vao ser ouvidas agora foram
produzidas perante um juiz, podem ser novamente ouvidas na audiencia. Se
tiverem sido ouvidas, por exemplo, perante um orgao de policia criminal, ou
perante o MP, aqui ja nao podem ser ouvidas, mesmo que haja discrepancias ou contradicoes.
Conclusao do que acabamos de falar: o juiz e uma figura em principio
imparcial, independente e e o garante das liberdades. Parte-se do pressuposto

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de que se as declaracoes no inquerito ou em qualquer parte do processo foram
produzidas perante o juiz foram com total imparcialidade, independencia e
liberdade por parte do arguido. Por isso e legitimo ouvi-las novamente na
audiencia uma vez que se esta a concluir que ha contradicao entre aquilo que
esta a dizer e aquilo que disse anteriormente. Nao tem o mesmo valor as
declaracoes produzidas perante o MP ou perante orgaos diferentes do tribunal,
pois tanto os orgaos de policia criminal como o MP, nao tem a obrigacao de ter
uma posicao de imparcialidade e independencia que tem o juiz, pois estao a
investigar, aspirando um certo resultado. Portanto a liberdade do arguido nao e
a mesma, pois sabe que esta a falar para entidades que o estao a investigar e que
tem um interesse no resultado da investigacao. Ainda que se diga que em
Portugal o MP pode, se quiser, pedir na audiencia de julgamento a absolvicao
do arguido porque nao se consegue provar aquilo de que o arguido foi acusado,
o MP em Portugal nao tem a mesma posicao que tem por exemplo nos EUA.
Mas nao deixa de haver uma ligacao entre a ideia de investigacao e o resultado
que se pretende da investigacao. E os orgaos da policia criminal a mesma coisa.
Nos temos conhecimento disso, por exemplo, naquele caso muito mediatico em
que os agentes violentaram a arguida (caso Joana). Pergunta-se em que situacao
ela denunciou a policia judiciaria? E sera que essas declaracoes podem valer na
audiencia de julgamento? Podem, se ela solicitar.

6. Da documentação da audiência

Uma outra questao muito importante a ter em conta no julgamento e a da


documentacao da prova. Ate a revisao de 2007, isto era um problema. Pois
havia necessidade de requerer a documentacao da prova caso contrario nao se
podia recorrer a materia de facto, era o caso de processo comum. No caso de
processo sumario e processo abreviado tinha-se que dizer que nao se prescindia
da documentacao porque senao nao havia documentacao da prova. Se houvesse
documentacao da prova, podia-se recorrer da materia de facto pois a materia
estava documentada e o tribunal superior podia analisar a materia de facto. Se
nao houvesse documentacao da prova nao se podia recorrer da materia de
facto, pois nao havia prova a ser analisada. Actualmente isto esta bastante
simplificado. Nos arts. 364.o e 365.o do CPP, as declaracoes prestadas oralmente,
principio da oralidade, sao sempre documentadas em acta sob pena de
nulidade. A questao que se coloca e a de saber como sao documentadas. O art
364.o do CPP simplificou esta questao dizendo que as declaracoes sao
documentadas atraves de gravacao magnetofonica ou audiovisual, ou seja,
gravacao audio ou gravacao video. Isto sem prejuizo da documentacao atraves
da autorizacao de meios estenograficos ou estereotipos de outros meios
tecnicos. A vantagem que isto tem e que simplifica, por um lado, a propria
audiencia de julgamento, por outro lado, em termos de recurso, facilita imenso
porque pode recorrer sempre da materia de facto. Isto vai complicar a vida de
quem tem eu analisar o recurso, quem vai analisar o recurso vai ter que ouvir as
partes do julgamento que estao em causa. E por isso adiante na parte relativa ao
recurso diz-se que os sujeitos processuais devem indicar as passagens das
gravacoes que pretendem que sejam ouvidas pelos senhores desembargadores
em sede de recurso. Isto porque senao tinham que ouvir todo o julgamento.
O que se tem que fazer e: apresenta-se o recurso, dizer porque e que se
recorre em termos de materia de facto, e diz-se: “como se pode constatar na
cassete no1...”. Isto ate que esteja devidamente fundamentado em termos de
prova do proprio recurso, facilitando a vida aos senhores desembargadores.
Ha aqui realmente vantagens: por um lado documenta-se sempre a prova,
por outro lado simplifica-se a audiencia de julgamento e, ainda, permite-se
sempre recurso em materia de facto. A unica desvantagem que ha e obrigar os
desembargadores a ouvirem as gravacoes. Isto nao quer dizer que o julgamento
nao possa ser todo repetido. Ha situacoes em que pode haver a renovacao de
toda a prova e ate pode acontecer que haja a repeticao de todo o julgamento,
quando afecta a nulidade de todo o julgamento.

90
7. Da sentença com relevância para a questão da «cesure»

Tem algumas particularidades. Apresenta fundamentalmente duas


questoes que tem que ser objecto de decisao: por um lado a questao da
culpabilidade que tem de ser objecto de decisao num momento. E a questao da
sancao que tem de ser objecto de decisao noutro momento. Nao se confundem as duas coisas.
Em primeiro lugar, vamos supor que se trata de um tribunal colectivo, o
colectivo debruca-se sobre a questao da culpabilidade. Perante tudo o que foi
produzido, perante tudo o que ouvimos, perante tudo o que vimos, perante
tudo o que foi produzido em audiencia, a pergunta e: ha culpa ou nao ha culpa?
– Declaracao de culpabilidade. E saber, digamos, se se verificaram os elementos
constitutivos do tipo, se o arguido praticou o crime ou nele participou, se o
individuo actuou com culpa, se exista alguma causa de exclusao que exclua a
ilicitude ou a culpa, se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a
lei faca depender a punibilidade do agente ou a aplicacao a este de uma medida
de seguranca, ou se se verificam os pressupostos para a indemnizacao civil.
Feita esta analise, passo a passo, primeiro, como e evidente, se se verificaram os
elementos constitutivos do crime, porque se nao se verificaram tambem nao
vale a pena passar adiante. Se a resposta for afirmativa passa-se a seguinte. Foi
o arguido que praticou o crime ou nao? Se a resposta for afirmativa passa-se a
seguinte. Actuou com culpa ou nao? Com que culpa? Se sim, passa-se a seguinte.
Depois de assente a questao da culpabilidade passamos a sancao. Ja
sabemos que ha crime, qual o crime, que o arguido participou, com que culpa
participou, etc. Agora vamos aplicar-lhe a sancao. Temos a medida a medida da
pena que nos e dada pelo tipo, fazemos, depois, aquelas operacoes, que voces ja
estudaram no 1.o semestre no Direito Penal II, e a partir dai declara-se a sancao.

Ha tambem regras para a deliberacao e votacao, sobretudo quando e um


tribunal colectivo ou um tribunal de juri, ha regras que estao previstas no art.
367.o para esse efeito e que devem ser respeitadas, como e evidente. Se houver
relatorio social, ele sera tido em conta.
E, finalmente, muito importante em tudo isto, e a fundamentacao da
decisao. A decisao tem que der sempre fundamentada. Porque nao se esquecam
de uma coisa: vigora o Principio da livre apreciacao da prova – esse principio
significa que o juiz deve apreciar segundo a sua conviccao livre, mas de acordo
com as regras da experiencia. E, portanto, tem de fundamentar objectivamente,
de forma motivada, dizer porque razao e que esta a decidir assim. Na sentenca
tem de haver essa fundamentacao.

10ª Aula Teórica


Sumário: Dos recursos; 1. Principios gerais; 2. Da tramitacao unitaria; 3. Do
recurso para as relacoes; 4. Do recurso para o STJ; 5. Dos recursos
extraordinarios; 6. Da revisao

Recursos

Os recursos como forma de impugnacao de uma decisao da primeira


instancia dividem-se em dois grandes grupos: os recursos ordinarios e os
recursos extraordinarios. Ao contrario do que sucede no processo civil, em
processo penal a materia de recursos e bastante mais simples, quer sobre o
ponto de vista da tipologia, quer sobre o ponto de vista da tramitacao.
Em processo penal, dentro dos recursos ordinarios temos um recurso
para a Relacao e um recurso para o STJ e, eventualmente, um recurso “per
saltum”para o STJ, dentro desta segunda hipotese. Nao ha subdivisoes, dentro
do recurso para a Relacao, nem dentro do recurso para o STJ em revistas e
apelacoes como existe no processo civil.

91
Dentro dos recursos extraordinarios temos o recurso de fixacao de jurisprudencia e o recurso de revisao.
De acordo com o nosso CPP, ha um conjunto de decisoes que permitem
recurso e um conjunto de decisoes que nao o admitem (arts. 399o e 400o CPP).
Vigora, entao, em processo penal o principio constitucional da consagracao de
pelo menos um grau de jurisdicao (art. 32o CRP). Ha quem discuta esta
necessidade de assegurar sempre pelo menos um grau de jurisdicao,
defendendo que em algumas hipoteses esta possibilidade devia ser restringida.
Mas foi a revisao constitucional de 1997 que ultrapassou definitivamente esta
questao consagrando expressamente pelo menos um grau de recurso como
garantia constitucional de defesa do arguido. Este grau de recurso esta pensado
para todas as decisoes penais de merito. Por isso e que art. 400o CPP elenca um
conjunto de circunstancias que nao admitem recurso. Se a maior parte delas se
refere a segunda instancia de recurso (recurso para o STJ) podemos encontrar
nas alineas a) e b), alem de, eventualmente, dentro da alinea g), um conjunto de
casos em que nao ha nenhum grau de recurso. Sao decisoes que afectam de
forma menos importante o merito da causa, e portanto, nao cabem dele recurso.
Sao os despachos de mero expediente, as decisoes que ordenam actos
dependentes da livre resolucao do tribunal e, de acordo com a alinea g)os
demais casos previstos na lei, como, por exemplo, o despacho do juiz de
instrucao que decide levar a cabo determinadas diligencias instrutorias. Todas
as decisoes finais que versam a respeito do objecto do processo hao-de ter, pelo
menos, um grau de recurso, eventualmente dois. De acordo com a tendencia
que e generalizada entre nos na nossa legislacao mais recente tem-se entendido
que ao STJ deve caber uma competencia maioritariamente residual. Dai que,
alem da questao da dupla conforme absolutoria, prevista na alinea d), tambem
no caso de decisoes condenatorias de acordaos proferidos pelas Relacoes que
apliquem pena nao privativa de liberdade e no caso de recursos pela Relacao
que confirmem decisao de primeira instancia e apliquem pena de prisao nao
superior a oito anos nao ha possibilidade de recurso para o STJ.
Em circunstancias normais, quando e que cabe recurso ate ao STJ?
Quando haja uma decisao, quer de primeira instancia, quer de Relacao que
aplique uma pena de prisao superior a oito anos ou quando haja uma
discrepancia entre a decisao da primeira instancia e a decisao da segunda
instancia, porque ai pode justificar-se um terceiro juiz a respeito daquela
materia. Se os dois tribunais nao entenderam da mesma forma aquele caso,
entao justifica-se que ele suba ao STJ para poder voltar a ser avaliado.
Quem e que pode recorrer em processo penal? A respeito da
legitimidade no recurso penal e do interesse em agir estabelece o art. 401o CPP
que tem legitimidade para recorrer o MP de quaisquer decisoes, ainda que no
exclusivo interesse do arguido; o arguido e o assistente, das decisoes contra eles
proferidas; as partes civis da parte das decisoes contra cada uma proferida;
aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importancias
nos termos do CPP ou tiverem a defenderem um direito afectado pela decisao.
O no 2 diz que nao pode recorrer quem nao tiver interesse em agir. O MP, por
forca da configuracao das suas funcoes, tem sempre legitimidade para recorrer,
seja uma decisao condenatoria, seja uma decisao absolutoria, porque o MP tem
um dever de objectividade, de busca da verdade, seja ela uma verdade em
beneficio da acusacao ou em beneficio do arguido. Por sua vez, o arguido so
pode recorrer das decisoes que sejam proferidas contra ele, mas pode recorrer
de qualquer decisao condenatoria, ainda que o seja em parte. Assim, dentro de
um processo o arguido pode ser absolvido da maior parte dos factos, das
imputacoes, mas ser condenado num determinado aspecto, mantendo, portanto
o direito a recorrer, mas apenas de decisoes condenatorias. Quanto ao
assistente, tambem so pode recorrer das decisoes contra ele proferidas. Mas o
que sao decisoes proferidas contra o assistente? Em primeiro lugar, este pode
recorrer quando o arguido tenha sido absolvido. E se o arguido foi condenado?
Se o assistente entender que ha um conjunto de factos pelos quais o arguido nao
foi condenado mas devia se-lo, entende-se que, neste caso, tem legitimidade
para recorrer. Se ele entender que a ilacao que se retirou de um conjunto de

92
factos, sob o ponto de vista da consequencia juridica nao foi a correcta, tambem
podera recorrer, pois nao e a mesma coisa ser condenado por um homicidio
simples ou por um homicidio qualificado. Podera tambem recorrer da medida
da pena? Resulta da jurisprudencia do STJ que o assistente nao podera recorrer
da medida da pena porque nao tem legitimidade em agir. Aquilo que
interessava ao assistente era a condenacao do arguido por um conjunto de
factos, era a imputacao ao arguido do crime x; quanto a medida da pena
entende-se que o assistente nao tem legitimidade para interpor recurso. Alem
destes sujeitos processuais (assistente, MP e arguido), que podem recorrer de
forma relativamente lata, tambem as partes civis ou quaisquer outros que
tiverem sido condenados dentro do processo penal podem recorrer, mas apenas
da parte que contra eles foi decidida. Se no processo penal, por forca do
principio da adesao e da suficiencia, correm todas as outras causas atinentes
com a causa penal e devem ali ser resolvidas, se outras pessoas podem ser
condenadas no processo, tambem podem ter legitimidade para recorrer, sob
pena de verem comprometidos os seus direitos de defesa, o que nao aconteceria
se estivessem noutro tribunal. Qual o objecto do recurso? DE que se pode recorrer?
O art. 402o, no 1 CPP diz-nos que o recurso abrange toda a decisao. Mas
isto pode levantar alguns problemas quando ha varios arguidos. Sera que o
recurso de um arguido num processo com varios arguidos abrange toda a
decisao, incluindo a parte que respeita aos outros? E se for o MP a recorrer? E
evidente que este principio regra comporta um conjunto de excepcoes previstas
no no 2. Assim, no sentido de beneficio de quem possa ser condenado, seja ele o
arguido ou o responsavel civil, sejam os outros arguidos, o recurso aproveita
sempre, ainda que seja interposto por um arguido ou por um responsavel civil,
se a decisao for em sentido favoravel aos outros arguidos, ou a parte civil,
conforme os casos. O no tres faz uma distincao clara, se for um recurso a favor
de um arguido aproveita sempre aos restantes, se for um recurso contra um
arguido, em caso de comparticipacao nao aproveita aos restantes. Esta
caracteristica de salvaguardar sempre a posicao do arguido verifica-se em
varios aspectos do nosso sistema de recursos, com e o caso da “reformatio in
pejus”, a proibicao de agravacao da situacao processual do arguido, face a um
recurso interposto em seu beneficio, ou que com ele nada tenha que ver. Ha
ainda a possibilidade de fazer uma limitacao ao recurso de acordo com o art.
403o CPP. E o caso, por exemplo, de se recorrer apenas da materia penal ou da
materia civil, ou num caso de concurso de crimes de se recorrer de cada um dos
crimes isoladamente. A tendencia e, pois, uma tendencia unitaria: o processo e
visto como um bloco e a decisao e toda ela entendida de uma forma completa e
unificada, homogenea, por isso e que o recurso, a partida abrange toda a
decisao. So em determinadas circunstancias e que ele pode ser feito de forma
espartilhada, mas desde que nao prejudique a capacidade de apreciacao de recurso.
Ate agora estivemos a falar do recurso independente, ao qual se
contrapoe o recurso subordinado, dependente do recurso independente. O
recurso independente e aquele em que, cumpridos todos estes requisitos,
determinada pessoa com interesse em agir recorre de determinada parte da
materia de uma decisao por si so, sem previo recurso anterior. O recurso
subordinado e aquele que e feito apenas em funcao de um recurso que ja esta
apresentado. Face a uma determinada decisao condenatoria, varios sujeitos
processuais podem recorrer independentemente: MP, assistente e arguido, com
as limitacoes que ja vimos. Cada um destes sujeitos pode recorrer
autonomamente, alegando as suas razoes de facto ou de direito, demonstrando,
assim, em que e que discordam da decisao proferida. Mas tambem pode
acontecer que apenas um destes sujeitos queira apresentar originariamente um
recurso. Face a este recurso apresentado, pode o “contra-sujeito” apresentar um
recurso? Pode, mas apenas um recurso subordinado, limitado pelo objecto do
primeiro recurso apresentado (recurso independente). E o que nos diz o art.404o CPP.
Os recursos podem subir nos proprios autos ou em separado. Sobe nos
proprios autos aquele conjunto de circunstancias em que pelo proprio ciclo de
desenvolvimento do processo, a fase seguinte e a fase de recurso. Ja ha uma

93
decisao que poe fim a causa e todo o processo segue para recurso. Isto pode
suceder quando se interpoe um recurso da decisao final, ou mesmo quando
sejam outros recursos interpostos antes da decisao final mas que so devam
subir no final, pois ha recursos que sobem imediatamente e recursos que sobem a final.
As situacoes em que o recurso sobe nos proprios autos ou em separado
ou as situacoes em que sobe imediatamente ou a final, apesar de interligadas
sao diversas. Na maior parte dos casos em que sobe imediatamente ha-de subir
em separado. O art. 407o CPP fala-nos do momento da subida, referindo que
sobem imediatamente todos os recursos cuja retencao os tornaria absolutamente inuteis.
Quanto aos feitos dos recursos rege o art. 408o CPP, estipulando que
estes podem ter efeito suspensivo ou devolutivo. A alinea a) refere que o
recurso das decisoes finais condenatorias tem, regra geral, efeito suspensivo. O
art. 409o CPP fala-nos do principio da “reformatio in pejus”, que impede que a
decisao sobre um recurso apresentado por um arguido o possa prejudicar a si
ou aos outros co-arguidos. A decisao de primeira instancia e, portanto, o tecto, o
limite inultrapassavel que define a punicao do arguido. Esta decisao fixa o
limite maximo da sancao que pode ser aplicada ao arguido. O no 2 refere ainda
que, em caso de multa, se a situacao financeira do arguido melhorar, o tribunal
pode aumentar o valor da multa.
Em processo penal os recursos seguem uma tramitacao unitaria,
prevista nos arts. 410o e ss CPP. O prazo para a interposicao do recurso e de 20
dias a partir da notificacao da decisao (art. 411o no 1, alinea a) CPP), podendo
este abranger qualquer materia decidida ou de que pudesse conhecer a decisao
recorrida (art. 410o, no1 CPP). Em regra, o STJ so conhece de materia de direito,
mas em circunstancias gravissimas, como as das alineas a) e b) do no 2 do art.
410o CPP, tambem pode conhecer de materia de facto.
O processo penal nao tem uma fase de interposicao, uma fase de
aceitacao e uma fase de alegacoes. No prazo de 20 dias e necessario interpor um
recurso com a apresentacao da motivacao (art. 411o, no 3 CPP). De acordo com o
art. 412o CPP a motivacao enuncia especificamente os fundamentos do recurso e
termina com a formulacao de conclusoes deduzidas por artigos, em que o
recorrente resume as razoes do pedido. Ao contrario do que sucede na maior
parte da legislacao civil, quanto a motivacao penal, o CPP estabelece regras de
forma, dizendo que e absolutamente necessario que a motivacao seja uma
descricao da materia de facto e de direito relevante. Mas tem de haver sempre
conclusoes da motivacao de deduzidas por artigos, em que o recorrente resume
as razoes do pedido. As conclusoes sao muito importantes pois delimitam o
objecto do recurso. Versando materia de direito, as conclusoes tem ainda de
indicar as normas juridicas violadas, qual a interpretacao que lhe foi dada e, em
caso de erro na determinacao da norma aplicavel qual a norma correcta (art.
412o, no2 CPP). Quando impugne materia de facto o recorrente deve especificar
os pontos que considera incorrectamente julgados, as provas que impoem
decisao diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas (art. 412o, no
3CPP). Questao muito relevante e a da gravacao. Ate 2007 nao existia uma
norma como a que esta prevista no art. 421o, no 4 CPP. Ora, sendo a audiencia
gravada, quando havia recurso da decisao da materia de facto, era preciso
dizer em que partes das gravacoes estavam os motivos da discordancia da
decisao. Houve muita discussao ao longo da vigencia desta norma a respeito de
saber quem deve proceder a transcricao das gravacoes: era o recorrente ou o
tribunal que o fazia? Vigoraram na jurisprudencia opinioes nos dois sentidos.
Uns defendiam que era o recorrente que tinha de proceder a transcricao e a sua
entrega, outros entendiam que isso era um peso excessivo para o recorrente,
que apenas tinha de dizer em que parte das gravacoes estava aquilo que ele
queria que fosse ouvido e depois o tribunal e que devia proceder a transcricao
das gravacoes. Bastava ao recorrente indicar quais eram as passagens das
gravacoes que ele queria ver reapreciadas. Agora o art. 412o, no 4 e claro: o
recorrente nao tem de fazer nenhuma transcricao das gravacoes, apenas tem de
indicar quais sao as passagens da acta com as quais nao concorda e que
pretende ver reapreciadas. O no 6 esclarece que e o tribunal que tem por

94
obrigacao proceder a gravacao ou visualizacao das passagens indicadas pelo
recorrente ou outras que considere relevantes para a decisao da causa.
O processo penal tambem conhece a figura da resposta ao recurso
(art.413o CPP). Deste modo, aquele que seja afectado por o recurso interposto
por um sujeito processual tem o direito de resposta no prazo de 20 dias. Depois
ha regras acerca da admissao do recurso (art. 414o CPP), da desistencia (art. 415o
CPP), da vista ao MP (art. 416o CPP) e da audiencia propriamente dita (art. 423º CPP).
De referir que todo o recurso e tratado de forma homogenea, ha normas
genericas e ha uma tramitacao unitaria. Nos arts. 427o a 431o CPP estao
previstas normas especificas para o recurso perante as Relacoes, que, de acordo
com o art. 428o CPP conhecem de facto e de direito. Nos arts. 432o a 436o CPP
estao prevista normas proprias para o recurso perante o STJ. O art. 434o CPP
diz-nos que o STJ, em principio so conhece de materia de direito. O art. 432o
CPP estabelece, a par com os art. 399o e 400o CPP, um conjunto de regras acerca
do recurso para o STJ. A alinea c) do no 1 do art. 432o CPP foi tambem alterada
na revisao de 2007. Da decisao do tribunal de juri e do tribunal colectivo para
que tribunal se recorre? Qual o tribunal “a quo” neste caso? No caso de
estarmos perante um tribunal colectivo ou um tribunal de juri que tenha
aplicado pena superior a 5 anos de prisao e quando se vise apenas o reexame da
materia de direito, o recurso e directamente interposto para o STJ. Caso seja
uma pena inferior ou em caso de recurso da materia de facto recorre-se para a Relacao.
Falemos agora dos recursos extraordinarios. Por que e que uns recursos
sao ordinarios e outros extraordinarios? Os recursos ordinarios interpoem-se
antes do transito em julgado e os extraordinarios pressupoem o transito em
julgado de uma sentenca, quando ja ha uma decisao estabilizada. Os recursos
extraordinarios dividem-se em recursos de fixacao de jurisprudencia (arts. 437o
a 448 CPP) e recursos de revisao (arts. 449o a 466o CPP). Ha fixacao de
jurisprudencia quando no dominio de uma mesma legislacao o STJ proferir dois
acordaos que, relativamente a mesma materia de direito, assentem em solucoes
opostas. Qual a razao de ser deste recurso? Trata-se de uma questao de certeza
e seguranca juridica das proprias decisoes judiciais. Para garantir que haja
unidade da decisao do STJ, a segunda decisao vai ser reapreciada para que se
atinja um consenso. Isto nao equivale a dizer que existe entre nos uma regra de
precedente, tal como existe nos sistemas anglo-saxonicos. Estamos a falar de
unidade de julgados, de fixacao de jurisprudencia como forma de evitar que
haja uma vinculacao total a uma decisao anterior do STJ com a qual ele proprio
nao concorda posteriormente.
Passemos ao recurso de revisao. Entre nos, as decisoes transitadas em
julgado sao estaveis. Em processo penal, por razoes de seguranca, certeza e
defesa do proprio arguido, e importante que aquela decisao estabilize o mais
breve possivel, se torne definitiva, de modo a que o arguido veja a sua situacao
particular definitivamente configurada. Mas quando tal configuracao e em
prejuizo do arguido e e injusta por qualquer razao factica, depois do transito em
julgado da decisao condenatoria pode haver, em situacoes muito excepcionais
uma reavaliacao daquela situacao. Sao os casos previstos no art. 449oCPP. Estão
aqui em causa situacoes gravissimas, nomeadamente quando decisoes
posteriores, mas transitadas em julgado tenham concluido algo que esta em
manifesta oposicao com o que foi decidido na decisao alvo de revisao ou que
ponha em causa essa decisao. E o caso, por exemplo, de ter sido afectado um
juiz ou um jurado, e o caso de se ter dado como provado noutra sentenca um
facto que entre em manifesta contradicao com aquilo que foi dado como
provado no processo. Isto porque o nosso legislador entende que ha uma
coesao do ponto vista da propria ordem jurisdicional. Muito embora nao haja
regras de precedente entre nos, por vezes ha uma necessidade de unificacao por
razoes de justica, em casos muito particulares. O art. 450o CPP refere a
legitimidade para este recurso de revisao: MP, assistente, condenado ou seu
defensor.

95
11ª Aula teórico-prática

De acordo com a pergunta 7 da hipotese distribuida ha duas aulas atras,


sera que um e-mail pode ser utilizado como prova no processo penal? Nos ja
fizemos a distincao entre meios de prova e metodos de obtencao de prova. Ora,
o e-mail e um meio de obtencao da prova documental. Os meios de prova,
previstos nos arts. 128o e ss CPP, podem ser outros que nao os aqui previstos? O
art. 124o CPP define o que e objecto de prova e o art.125o CPP considera
admissiveis todas as provas nao proibidas por lei. O art. 126o CPP fala nos
metodos proibidos de prova, o que nos leva a crer que ha uma distincao entre
provas, por um lado, e meios de obtencao de prova por outro lado. Ja o art. 127o
CPP parece voltar a falar apenas de provas. Efectivamente, parece que ha aqui
alguma margem, com respeito pela proibicao dos metodos proibidos de prova,
para a prova dos factos. Outra coisa nao podia ser num processo que pretende
atingir a verdade material. Mas voltemos a questao do e-mail. Os meios de
obtencao de prova estao elencados nos arts. 171o e ss CPP .As escutas telefonicas
sao aquelas que levantam maior numero de problemas, estando previstas nos
arts. 187o e ss CPP. Mas rapidamente a doutrina e o legislador colocaram a
questao de saber se outros meios mecanicos de obtencao e prova que nao
propriamente a escuta telefonica podem estar sujeitos ao seu regime. Os
especialistas na materia tem entendido que esta nao e uma boa solucao.
Equiparar, do ponto de vista factico, a intercepcao de um e-mail a intercepcao
telefonica e forcar um pouco a letra do artigo. Mas como nao existiam normas a
este respeito o legislador entendeu por bem comparar no art. 189o CPP o regime
das escutas telefonicas as conversacoes ou comunicacoes transmitidas por
qualquer meio tecnico diferente de telefone, designadamente por correio
electronico. Assim, para que esta transcricao de e-mail fosse valida, era preciso
que preenchesse muitos e apertados requisitos, previstos nos art. 187oCPP, a
respeito das escutas telefonicas. De referir que estas devem ser sempre
encaradas como ultima ratio, nao podendo ser utilizadas em qualquer caso. De
acordo com o art. 187o,no 1 CPP estas so podem ser utilizadas durante o
inquerito se houver razoes para crer que a diligencia e indispensavel para a
descoberta da verdade material ou que a prova seria de outra forma impossivel
ou muito dificil de obter e atraves de despacho fundamentado do juiz de
instrucao e requerimento do MP. Alem disso, tem de dizer respeito a um dos
crimes do catalogo presentes nas varias alineas do art. 187o no 1. A revisao de
2007 veio tambem, no no 4 estabelecer um leque fechado quanto as pessoas que
podem ser escutadas: suspeito ou arguido, intermediario e a vitima quando ela
autorize. O art. 188o CPP refere as formalidades apertadas em que se realizam
as escutas. Foram tambem criadas um conjunto de normas defensoras dos
direitos fundamentais dos intervenientes, nomeadamente dando direito ao
assistente e ao arguido de ter acesso aos suportes e de garantir a destruicao deles.

Vamos, agora, terminar o nosso caso com a resposta a pergunta 8.

Trata-se de uma decisao final condenatoria, logo, a partida, pode


recorrer-se. Tendo em conta que e condenado a 16 anos de prisao, tem uma
margem ampla de recurso. E uma decisao que a ser confirmada pela Relacao
ainda da a possibilidade de recurso para o STJ. Sendo uma decisao
condenatoria de primeira instancia, admite-se o recurso, nos termos dos arts.
399o, 400o e 427o CPP. Da decisao final condenatoria pode recorrer o MP, o
arguido e o assistente, se tiver legitimidade e interesse em agir com base no art.
401o CPP. No caso, o assistente nao pode recorrer da medida da pena. Alias, ha
jurisprudencia uniformizada que diz que o assistente nao pode recorrer da
medida da pena, porque essa decisao nao e contra si proferida e o assistente so
pode recorrer de decisoes contra si proferidas. A medida da pena nao e, pois,
uma decisao que lhe cabe decidir. Entende o legislador que desde que seja
condenado pelos factos que o assistente pretende, esta cumprida a sua missao.
Assim sendo, neste caso, o MP poderia recorrer, o assistente ja nao poderia

96
recorrer pois nao tem interesse em agir, por forca do art. 401o, n 1, alinea b) e no2
CPP. Este recurso ha-de ser interposto na Relacao, no prazo de 20 dias a contar
da notificacao da decisao, tendo de ser motivado. Quanto a Antonio tem
tambem interesse em agir por forca do art. 401o CPP. Antonio poe em questao a
validade da prova, podendo estar aqui em causa uma nulidade da prova. Qual
a relacao entre as nulidades e o recurso? Se alguem quiser arguir nulidades de
uma sentenca e necessario recurso? Se eu arguir uma nulidade de uma decisao
proferida por um juiz de instrucao que me indeferiu de inquirir certa
testemunha, e eu considero que isso e uma nulidade por forca do art. 120, no 2,
alinea d) CPP quem e que julga esta nulidade? O juiz de instrucao. A arguicao
de nulidades e, por regra, para o proprio decisor. E o juiz que decidiu que vai
voltar a decidir a respeito da nulidade ou nao. No caso de uma sentenca que
enferma de uma ou mais nulidades o art. 379oCPP fala especificamente da
nulidade da sentenca. Ha um conjunto de casos em que a sentenca e nula. E o
caso, por exemplo, de ter condenado alguem, com uma alteracao de factos nao
admitida ou com uma alteracao nao substancial de factos que nao tinha sido
dada a conhecer e com prazo para defesa. Sempre que o juiz condene alguem
com desrespeito pelos arts. 358o e 359o CPP estamos perante uma nulidade da
propria sentenca. Essas nulidades vao-se arguir em sede de recurso. Quando
fazemos a interposicao de um recurso e fazemos a motivacao, comecamos pela
arguicao de nulidades, que obstam ao conhecimento do processo. Ora, o art.
379o CPP refere que o tribunal pode suprir as nulidades. Como nos enviamos o
recurso para o tribunal ad quem, e o juiz da causa que vai ler o recurso e ver
qual e o seu efeito e a sua justificacao. Ao ver que sao arguidas nulidades pode
e deve supri-las. Se ele resolver logo o problema isso ja nao tem de ser
reconhecido pela Relacao. Se so se tratar de nulidades e elas forem todas
supridas, acaba-se por aqui. Se alem destas ainda houver impugnacao o recurso
segue. Se o juiz nao suprir as nulidades sobe tudo a Relacao, que vai decidir
sobre as nulidades e sobre o conteudo do recurso.
O art. 380o CPP fala na correccao da sentenca. As sentencas podem
enfermar de lapsos, de vicios menores, que nao afectam propriamente o
conteudo da decisao, mas que afectam a sua validade como um todo. Contudo,
nao justificam um recurso para a Relacao. A este respeito, o juiz pode corrigir
oficiosamente a sentenca. Em alguns casos, esta correccao da sentenca e
utilizada como manobra dilatoria. Esta questao da aclaracao da sentenca e
muito utilizada porque muito embora os advogados sejam obrigados a
digitalizar os seus textos muitos juizes ainda escrevem os despachos a mao e as
vezes acontece que nao se percebe o que la se diz. Outras vezes, fruto dos “corta
e cola” ha nomes, moradas ou artigos errados. Tudo isto relaciona-se com o art.
374o CPP que estabelece os requisitos da sentenca.

Caso Prático n.º 6

Determine qual o tribunal competente para julgar os crimes a seguir


enumerados:

S A, B e C são amigos. Em Porto Covo, A incita C a


suicidar-se. C não se decide nesse momento; mas, regressado a sua casa
no Laranjeiro no dia seguinte, encontra B, que também o incita ao
suicídio. Face a esta atitude dos dois amigos, C tenta efectivamente
suicidar-se. É transportado de imediato ao Hospital de Santa Maria, onde vem a falecer.
S F e G agridem-se mutuamente em Braga. As lesões de F
são ligeiras. Mas G é transportado para o Hospital de S. João, onde
vem a falecer dois meses depois.

Vamos falar do sujeito processual tribunal e das suas competencias.


Que tipo de competencias existem? Existe a competencia material, funcional, territorial, hierarquica.
Qual o tribunal competente na primeira hipotese?

97
A materia relativa a competencia do tribunal esta vertida nos arts. 8o e
ss CPP. A competencia material e funcional esta prevista nos arts. 10o e ss CPP.
Na competencia funcional temos de dizer que materias cabem ao tribunal de
primeira instancia, aos tribunais da Relacao e ao STJ. Do ponto de vista material
temos de fazer a distincao entre tribunais singulares, tribunais colectivos e de
juri. Na competencia territorial temos de conhecer o tribunal competente em
razao da area onde foi cometido o crime (arts. 19o e ss CPP). Numa resposta
completa sobre competencia e necessario dizer que e competente o tribunal de
primeira instancia da area territorial x, logo, e necessario conhecer o mapa
judiciario. Nesta hipotese estao previstos os crimes de incitamento ao suicidio.
O nosso CPP, embora nao puna o suicidio ou a sua tentativa, tem uma posicao
de defesa da vida. A e B podem ser punidos pelo crime de incitamento ao
suicidio previsto no art. 135o CP. Quanto a competencia funcional e competente
o tribunal de primeira instancia, por forca dos arts. 10o e 16o CPP. Quanto a
competencia territorial rege o art. 19o CPP que diz que e competente para
conhecer de um crime o tribunal em cuja area se tiver verificado a consumacao.
Sera que o incitamento ao suicidio tem como elemento do tipo a morte de uma
pessoa? Para que o incitamento seja punido e preciso que, pelo menos, a pessoa
tenha tentado suicidar-se. Assim, consuma-se o crime com mera tentativa,
ainda que a pessoa nao morra. O tipo consuma-se com a mera tentativa da
pessoa em matar-se, logo, aplica-se o no 1 por se considerar que Laranjeiro foi o
sitio em que C tentou efectivamente suicidar-se e era competente o tribunal de
Almada. Esta causa sera julgada pelo tribunal singular, colectivo ou de juri? Por
forca do criterio quantitativo presente no art. 16o, no2, alinea b)CPP, estamos
perante competencia do tribunal singular. Mas podia-se levantar a questao do
tribunal colectivo em relacao ao art. 14o, no 2, alinea a) CPP. O incitamento ao
suicidio basta-se com a tentativa, mas no caso em que se consuma ha morte,
logo, podia-se aplicar-se este artigo... Se C so tivesse tentado era competencia
do tribunal singular mas como ele morreu podera ser competente o tribunal
colectivo? Ora, parece que os autos poderiam ser apresentados em qualquer um
destes tribunais. A regra e a de que os crimes menos graves sao julgados pelo
tribunal singular e os mais graves sao julgados pelo tribunal colectivo. Sempre
que um crime envolva a morte de alguem entende-se que e suficientemente
grave para caber no tribunal colectivo, por isso e que se criou a hipotese do 14o.
no 2, alinea a)CPP, desde que o crime seja doloso. Mas talvez seja forcar um
pouco as coisas, pelo que este crime pode caber no art. 16o, no 2, alinea b)CPP.
Passemos a segunda hipotese do caso 6.
Em relacao a competencia funcional e competente o tribunal de
primeira instancia; em relacao a competencia territorial e competente o tribunal
de Braga; quanto a competencia material trata-se de um crime de ofensas a
integridade fisica grave, punido pelo arts. 144o e 147o CP com pena de prisao de
dois a dez anos. Sendo ofensa a integridade fisica grave o limite e de dez anos,
portanto compete ao tribunal colectivo por forca de qualquer um dos dois
criterios.

Caso Prático n.º 7


Imagine um caso de homicídio; o falecido, que era divorciado, deixou
um filho de 15 anos, que vive com a mãe, ex-mulher do falecido; deixou ainda
a companheira, que com ele vivia à data da morte.
Quem se poderá constituir assistente no processo?

Poder-se-a constituir assistente a mae em representacao do filho?


Estamos falar de um bem juridico que ofende directamente a familia, logo, esta
tambem se pode considerar ofendida, o que cabera na alinea a) do art. 68o, no
1CPP; tambem podemos estar a falar de um caso da alinea c). O que interessa e
que o filho nao pode ser assistente porque tem menoridade penal. Quando isto
acontece representa-o o representante penal, a mae. E a mulher tambem se pode
constituir assistente? Sim, mas neste caso a representacao tem de ser feita por
um so advogado.

98
Parte III
Particularidades do processo penal

Capítulo IX
OS PROCESSOS ESPECIAIS

1. Do processo sumário
2. Do processo abreviado
3. Do processo sumaríssimo

Parte IV
AS MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL

Capítulo X
As medidas de coacção

1. As medidas de coacção
1.1. Princípios gerais
1.2. Das medidas de coacção
1.2.1. termo de identidade e residência
1.2.2. caução
1.2.3. obrigação de apresentação periódica
1.2.4. suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos
1.2.5. proibição de permanência, de ausência e de contactos
1.2.6. obrigação de permanência na habitação
1.2.7. prisão preventiva (com especial relevância para a comparação desta
medida com a anterior)
1.3. Dos requisitos gerais para aplicação das medidas de coacção
1.4. Da revogação, alteração e extinção das medidas
1.5. Dos modos de impugnação e da indemnização por aplicação inadequada

Capítulo XI
Das medidas de garantia patrimonial

1. caução económica
2. arresto preventivo

99
Os processos especiais
1. Do processo sumário

Recordam-se de termos falado sobre a detencao em flagrante delito, e


termos dito que era importante por causa do processo sumario?
No art. 381.o diz-se que os detidos em flagrante delito podem ser julgados
em processo sumario quando se trate de um crime punivel com pena de prisao
cujo limite maximo nao seja superior a 5 anos, se, claro, a detencao tiver sido
feita por uma autoridade judiciaria ou entidade policial.
Qual e a implicacao que tem tratar-se de um processo sumario? E a
seguinte: desde logo, tratando-se de processo sumario, a audiencia deve ser
realizada no prazo maximo de 48 horas. Nao se esquecam que ha um flagrante
delito, que a detencao em flagrante delito e feita por uma autoridade judiciaria
ou uma entidade policial, portanto, digamos que temos indicios muito fortes
(muito fortes!) da pratica do crime, e que temos inclusivamente as autoridades
que o detiveram que vao prestar depoimento na audiencia de julgamento. Por
isso e possivel que o julgamento seja feito no prazo de 48 horas.
E evidente que isso nem sempre sucede assim – porque? Porque o art.
387.o permite que haja prorrogacoes ate ao quinto dia posterior e detencao ou
ate 30 dias, e quando esses prazos nao sao respeitados a consequencia e a de
que o processo passa a ser automaticamente comum. E, portanto isso acontece
muitas vezes. O processo passa para a fase comum porque nao se consegue
respeitar esses prazos que estao previstos aqui no art. 387.o.
Se for atraves da forma de processo sumario, e obvio que o proprio MP
aproveita o auto de noticia das entidades policiais como acusacao, a audiencia
da-se no prazo de 48 horas e a sentenca e lida imediatamente.
Portanto, temos, aqui, caracterizado em tracos largos mas suficientemente
claros, o processo sumario e as suas vantagens.

2. Do processo abreviado

No caso do processo abreviado, a diferenca qual e? Primeiro, nao temos de


estar em presenca de uma detencao em flagrante delito; e4stamos em presenca
de crimes puniveis com pena de multa ou com pena de prisao nao superior a 5
anos; as provas tem de ser simples e evidentes. E estao reunidas as condicoes
para que o processo nao tenha de decorrer, nestas circunstancias, sob a forma
comum, mas segundo uma tramitacao que seja mais abreviada, bastante mais abreviada.
Concretamente, em que consiste esta abreviacao? Consiste no
encurtamento dos prazos que normalmente estao estabelecidos para cada uma
das fases. E, portanto, no final, isto traduz-se numa realizacao de um
julgamento em muitissimo menos tempo do que seria normal atraves de um
processo comum. Sendo certo que, como e evidente, nestes casos de processo
abreviado nos suprimimos algumas fases do processo, nomeadamente a
instrucao (tal como tambem acontece no processo sumario).

3. Do processo sumaríssimo

Tem lugar quando existem crimes com pena de prisao nao superior a
cinco anos ou so com pena de multa, e onde o MP, por iniciativa do arguido ou,
depois de o ter ouvido, se chega a conclusao de que tudo pode acabar com um
acordo. No fundo e isso. Portanto, a moldura penal e esta, o arguido pede ou
entao o MP toma a iniciativa e ouve o arguido e este concorda – o que e que
acontece? O MP propoe uma sancao ao arguido, e se ele concordar com essa
sancao, essa proposta vai ao juiz para ser homologada, e se o juiz homologar
termina o processo. Se o arguido nao concordar, se nao houver acordo, entao o
processo e remetido para a forma comum. E nisto que consiste o processo sumarissimo.

100
As medidas de coacção e de garantia patrimonial

1. As medidas de coacção

Temos de repisar, porque e uma materia importante, muito falada e sujeita


a muito debate: a questao das medidas de coaccao e de garantia patrimonial.
Primeiro, temos de um lado medidas de coaccao e, do outro lado, medidas
de garantia patrimonial. Sao duas coisas diferentes e que cumprem objectivos diferentes.

As medidas de coacção tem, digamos, propositos iminentemente


processuais, ou seja, servem para obrigar a que o arguido colabore, evitar que
as provas sejam depreciadas, evitar que haja fuga do arguido, evitar que se
criem obstaculos a realizacao do proprio processo. No fundo, e para isto que
servem as medidas de coaccao.

As medidas de garantia patrimonial servem simplesmente para garantir que


no final as custas e as penas, etc., sejam pagas. Para que no fim haja uma verba
que ficou devidamente garantida.
Portanto, sao coisas completamente diferentes, como veem. Ate mesmo,
existem duas medidas que sao muitos semelhantes no nome: .caucao. como
medida de coaccao e a .caucao economica. como medida de garantia
patrimonial. E, todavia, podem ser as duas aplicadas e, no entanto, cada uma
tem finalidades totalmente diferentes.

A caução e uma medida de coaccao que visa garantir que o arguido estara
presente nos autos processuais, por exemplo. A medida de caução económica visa
garantir que no final serao pagas as custas, etc. sao coisas completamente diferentes, logo a partida.

1.1. Princípios gerais

Muito mais importante e conhecer as medidas de coaccao e os principios


que sao aplicaveis. Vamos aos principios em primeiro lugar, que sao muito importantes.

Primeiro, Princípio da legalidade, que significa, muito simplesmente, isto:


nenhuma medida de coaccao pode ser aplicada sem estar prevista na lei.
Portanto, o juiz nao pode inventar medidas de coaccao (este tipo nao vai ser
aplicada medida de obrigacao de permanencia na habitacao, mas obrigacao de
permanencia na habitacao de pernas para o ar.”). Isso nao e possivel. So se pode
aplicar medidas de coaccao previstas na lei. E, portanto, ha aqui um Princípio de
taxatividade, elas estao taxativamente previstas, sao estas e nao outras. Nao ha
possibilidade de inventar outras.

Segundo, Princípio da necessidade. Nunca se pode aplicar uma medida de


coaccao que nao se afigure necessaria as exigencias cautelares do processo. Se
nao for necessaria nao se pode aplicar, a excepcao da primeira que e o termo de
identidade e residencia, sempre automaticamente aplicavel assim que alguem
seja ouvido num processo. Tirando essa, todas as outras nao sao aplicadas
nunca se nao forem necessarias.

Princípio da adequação. Significa que, alem de uma medida se afigurar


necessaria, a medida escolhida tem de ser adequada as exigencias cautelares do
processo. Por exemplo, se o que esta em causa e a fuga, obviamente tem de ser
uma medida que impeca a fuga, por exemplo, a obrigacao de permanencia na
habitacao ou a prisao preventiva. Mas se nao esta em causa a fuga, mas taosomente
permitir que o arguido se apresente aos actos processuais, se calhar
nao e preciso a prisao preventiva e basta a caucao. Ou se o que esta em causa e
evitar que o arguido tenha contactos com determinada pessoa, se calhar uma

101
medida ideal e uma medida que o impeca de ir aquele local, que o impeca de
estar nesse local, por exemplo a medida de proibicao de permanencia num
determinado local. Portanto, tem que ser uma medida adequada as exigencias
cautelares que o caso requer.

Princípio da proporcionalidade. A medida tem de ser proporcional a


gravidade do crime e as sancoes que previsivelmente venham a ser aplicadas.
Por exemplo, nao vamos aplicar a prisao preventiva a um crime punido com
pena de multa ou com pena de prisao ate tres anos, ou ate dois anos, ou ate um
ano. A gravidade da medida de coaccao e completamente desproporcional a
gravidade do crime e a sua sancao. Tem de haver proporcionalidade entre uma coisa e outra.

Relativamente a todas as medidas ha o Princípio da subsidiariedade. Isto


quer dizer o que? Que as medidas devem ser aplicadas subsidiariamente umas
em relacao as outras. Por exemplo, se uma nao funciona aplica-se a outra que e
um bocadinho mais exigente, subsidiariamente. E nao o contrario! Nao se parte
logo para a mais grave! E relativamente a prisao preventiva, ha um Princípio de
precariedade, isto e, ela so deve ser aplicada quando todas as outras nao
funcionem e deve ser imediatamente desaplicada quando se verificar que ja nao
e precisa. Porque constitui uma restricao a um direito fundamental, o direito a
liberdade, devendo ser utilizada excepcionalmente, so quando for necessaria,
caso contrario deve ser imediatamente desaplicada.
Alem destes principios, que sao os principios gerais de aplicacao das
medidas de coaccao, o juiz deve fazer uma outra equacao: atender aos requisitos
especificos de cada medida. Isto quer dizer que em principio o
legislador ja fez isso, isto e, o legislador, para cada medida, ja atendeu aos
principios ao enunciar os proprios requisitos. Mas e evidente que o legislador
nao tem os dados do caso a frente. E, portanto, o que e que tem de fazer o
julgador? Tem de atender, por um lado, aos requisitos especificos que estao nas
medidas, que, de certo modo, ja obedecem a estes principios, mas tambem tem
de atender aos principios. Porque as vezes pode acontecer que, para o mesmo
caso, duas ou tres ou quatro medidas cumpram os requisitos e ai ele tem de
fazer uma escolha e para a fazer tem de atender aos principios para saber qual
delas e que deve aplicar.

1.2. Das medidas de coacção; 1.2.1. Termo de identidade e residência;


1.2.2 Caução; 1.2.3. Obrigação de apresentação periódica; 1.2.4. Suspensão do
exercício de funções, de profissão e de direitos; 1.2.5. Proibição de
permanência, de ausência e de contactos; 1.2.6. Obrigação de permanência na
habitação; 1.2.7. Prisão preventiva (com especial relevância para a comparação
desta medida com a anterior)

Temos que percorrer as medidas (art. 196.o e ss), indo degrau a degrau, da
mais leve para a mais grave e perceber quais sao os requisitos especificos de
cada uma dessas medidas, desde logo: a mais leve de todas que e o termo de
identidade e residência (que consiste no facto de alguem ter de se apresentar
periodicamente numa entidade policial, num orgao de policia criminal e que e
sempre aplicavel e cumulavel com as outras medidas); caução (tem
simplesmente o requisitos de o crime ser punivel com pena de prisao,
independentemente da medida e e cumulavel com todas as outras medidas);
obrigação de apresentação periódica (o crime tem de ser punivel com pena de
prisao de maximo superior a seis meses, e pode ser cumulada com qualquer
medida a excepcao da obrigacao de permanencia na habitacao e da prisao
preventiva); suspensão do exercício de profissão, de função, de actividade e de direitos
(requisitos: crime punido com pena de prisao de maximo superior a dois anos e
pode ser cumulada com outra qualquer medida); proibição e imposição de condutas
(requisitos: o crime tem de ser doloso, nas outras medidas pode ser crime
doloso ou negligente, e a pena de prisao tem de ser de maximo superior a tres
anos, e consiste numa destas medidas que esta no art. 200.o - “nao permanecer,

102
ou nao permanecer sem autorizacao, na area de uma determinada povoacao,
freguesia ou concelho ou na residencia onde o crime tenha sido cometido ou
onde habitem os ofendidos seus familiares ou outras pessoas sobre as quais
possam ser cometidos novos crimes; nao se ausentar do estrangeiro; nao se
ausentar da povoacao; nao contactar determinadas pessoas; etc.”); obrigação de
permanência na habitação (aquilo que voces conhecem como “prisao
domiciliaria”, que pode ser aplicada com ou sem a pulseira electronica, e para
isso ha uma lei propria, e aplica-se as situacoes onde houver crime doloso
punivel com pena de prisao de maximo superior a tres anos); prisão preventiva
(que pode ser aplicada a situacoes de crime doloso, com pena de prisao de
maximo superior a cinco anos ou quando houver indicios da pratica de crime
de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, punivel com
pena de prisao de maximo superior a tres anos, ou tratando-se de pessoas que
tiver penetrado ou permaneca irregularmente em territorio nacional ou contra
as quais estiver em curso processo de expulsao ou extradicao).

1.3. Dos requisitos gerais para aplicação das medidas de coacção; 1.4. Da
revogação, alteração e extinção das medidas; 1.5. Dos modos de impugnação e
da indemnização por aplicação inadequada;

Obviamente que estas duas medidas, que restringem o direito a liberdade,


logo que se verifique que elas nao devem continuar a ser aplicadas, e por isso e
que se diz “se considerarem adequadas ou insuficientes as outras medidas,
aplicam-se estas”, quer dizer, a contrario sensu, considerando-se adequada ou
suficiente outra medida estas devem ser desaplicadas.
Ha umas certas regras, previstas no art. 204 e ss, que sao muito
importantes e que, a excepcao do termo de identidade e residencia, estao
relacionadas com a necessidade de se verificar: “ fuga ou perigo de fuga; perigo
de perturbacao do decurso do inquerito ou da instrucao do processo e
nomeadamente, perigo para a aquisicao, conservacao ou veracidade da prova;
ou perigo, em razao da natureza e das circunstancias do crime ou da
personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou
perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade publicas”.
O que e que isto quer dizer? Quer dizer que para se aplicar as medidas de
coaccao que estao previstas no CPP, a excepcao do TIR (termo de identidade e
residencia, previsto no art. 146.o), tem de se verificar alguma destas situacoes
que estao descritas no art. 204.o.
Se a prisao preventiva, a obrigacao de permanencia, assim como a
detencao forem ilegais pode haver um processo de habeas corpus, para que haja
libertacao imediata do arguido e, em certos casos, se se chegar a essa conclusao,
pode haver, inclusivamente, lugar a indemnizacao.

2. Das medidas de garantia patrimonial

As medidas de garantia patrimonial sao duas: a caucao economica e o arresto preventivo.


A caucao economica serve para os casos em que temos que garantir que
vai haver pagamento da pena pecuniaria (da multa), das custas do processo ou
de qualquer outra divida para com o Estado relacionada com o crime – art.
227.o. entao, nesse caso, o MP requer que o arguido preste caucao economica
para esse fim. Se no final nao for preciso esse dinheiro e devolvido ao arguido, o
dinheiro e devolvido no fim.
O arresto preventivo é feito nos termos da lei processual civil e, tendo sido
previamente fixada e nao prestada a caucao economica. E um arresto de bens
que fica a merce do processo. Se forem pagas as custas e as penas, os bens sao
devolvidos ao arguido, se nao, os bens sao vendidos em hasta publica para as pagar.

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