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Arruda Alvim
Livre-Docente e Doutor em Direito. Professor Titular da Pós-graduação stricto sensu (Mestrado e
Doutorado) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado. chicadomane@gmail.com
1. Introdução
Essa concepção, certamente, é extensiva ao juízo arbitral, já que os propósitos de acesso à justiça
concernentes ao judiciário lhes são aplicáveis. Assim, também no juízo arbitral a produção
antecipada de prova permite a formulação de demanda bem fundamentada do ponto de vista fático,
o que viabiliza o pleno exercício do contraditório. De igual modo, é possível que a instauração do
juízo arbitral com base na produção antecipada de provas resulte na celebração de transação entre
as partes, se for esta a solução mais adequada ao caso. Além disso, assim como pode prevenir a
instauração desnecessária de processo judicial, a produção antecipada de provas previne a
instauração inútil ou desnecessária do juízo arbitral.
Logo, a prova produzida na arbitragem destina-se não apenas ao árbitro, mas também às partes
que, com base no material probatório, poderão traçar suas estratégias processuais e vislumbrar as
perspectivas de acordo.
O questionamento que se pretende enfrentar nesse artigo diz respeito à possibilidade de utilização,
pelo juízo arbitral, da produção antecipada de prova realizada no Judiciário.
Cuida-se de indagar se, havendo cláusula arbitral e sendo esta omissa sobre o tema, pode uma das
partes recorrer ao Judiciário com o objetivo exclusivo de produzir antecipadamente a prova, nos
moldes previstos no art. 381, II e III, do CPC, mantendo-se a atribuição do juízo arbitral para
solucionar eventual conflito.3
Com vistas a responder tais questionamentos, serão abordados, previamente, alguns temas
específicos, concernentes aos aspectos conceituais e procedimentais da produção antecipada de
provas e a possibilidade de produção antecipada de prova no próprio juízo arbitral.
Por fim, serão analisadas a compatibilidade do procedimento previsto no CPC com os princípios
constitucionais aplicáveis à arbitragem, bem como as circunstâncias em que admissível a utilização
da prova produzida antecipadamente em juízo para o fim de instruir a arbitragem.
Essa concepção da prova como direito também influencia na superação da ideia de uma estrita
vinculação entre prova e julgamento5, seja ele estatal ou privado. Admite-se, contemporaneamente,
a existência de um direito à prova, autônomo à existência de uma relação processual formada com
vistas à definição de um direito material.
O requerimento de produção antecipada de provas previsto nos incisos II e III do art. 381 do CPC
visa, pois, a garantir à parte seu direito fundamental à produção de prova sobre fatos
justificadamente relevantes, em algumas hipóteses independentemente da existência de um conflito
(atual ou futuro) a ser dirimido pela via judicial ou arbitral.
O objeto desse procedimento probatório é tão somente a produção da prova requerida, não havendo
necessidade – ou possibilidade – de nenhuma espécie de valoração judicial do material probatório
obtido (art. 382, § 2º, do CPC).
Assim, quando realizada judicialmente a produção antecipada de provas, não cabe ao juiz decidir
coisa alguma sobre o fato probando. Trata-se de procedimento que se limita à admissão e colheita
das provas, o que deve ser feito de forma lícita, em contraditório e mediante observância dos direitos
fundamentais. Logo, se houver, por exemplo, requerimento de prova que viole frontalmente o direito
à intimidade, sem que incida qualquer hipótese de aplicação do princípio da proporcionalidade, é
evidente que a prova não poderá ser produzida antecipadamente. A prova que seria ilícita para fins
de um processo judicial é igualmente ilícita no âmbito da produção antecipada de provas.
princípios constitucionais aplicáveis. Por isso, não será admitida a produção de provas que
encontrem óbice em direitos fundamentais, bem como deverá a prova ser produzida em pleno
contraditório.
Logo, para se exercer esse direito autônomo à prova, basta a indicação do interesse na produção
desta, o que se demonstra mediante a mera alegação da necessidade de esclarecimento de algum
fato.8
Justamente porque o direito autônomo à prova tem status constitucional, não há razão para
vinculá-lo à existência de periculum in mora ou à pendência de um processo. É possível afirmar que,
em princípio, sempre haverá interesse na comprovação de uma situação de fato. E assim é porque,
para entender desnecessária a prova seria preciso negar a ideia de que as partes têm o direito de
analisar seus ônus e suas chances em juízo e, nessa medida, buscar caminhos – não
necessariamente judiciais – para solucionar suas questões.9
A parte tem interesse exclusivamente na produção da prova, não necessariamente para conservar
um direito material, atual ou futuro, quando “a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a
autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito” (art. 381, II, do CPC), ou quando “o
prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação” (art. 381, III, do
CPC). Uma situação exemplificativa seria aquela em que pairasse dúvida da existência de dano
ambiental provocado por determinada empresa, sendo necessária a realização de uma perícia.
Parece razoável, em tal hipótese, que o órgão legitimado para a defesa de direitos difusos requeira a
instauração do procedimento de produção antecipada de prova com o fim de apurar se,
efetivamente, a conduta da empresa incorre em violação meio ambiente. Em tais casos, o resultado
da prova pode justificar ou evitar uma ação coletiva infundada ou, caso se configure a violação,
permitir que a ação seja proposta já mediante apresentação de prova robusta e específica, produzida
em contraditório perante o órgão judicial.
No pedido de produção antecipada de provas o requerente deve mencionar os fatos sobre os quais a
prova recairá, sem que seja necessário indicar uma ação principal que venha a ser movida. É certo
que a produção antecipada de provas sem o requisito da urgência, tal como prevista nos incisos II e
III do art. 381, possui um potencial contencioso, na medida em vinculada a objetivos que tangenciam
a solução de conflitos. Ora, se tal procedimento tem por fim viabilizar a autocomposição ou outro
meio adequado de solução de conflito ou, ainda, evitar ou justificar o ajuizamento de ação judicial, é
certo que os fatos a serem esclarecidos podem, no futuro, embasar o ajuizamento de uma ação.
Porém, não é possível afirmar, antes da produção da prova, que o conflito exista efetivamente, ou
que esteja em condições de ser submetido ao Judiciário. Logo, não parece necessário impor às
partes, nesse momento, a exposição de um conflito.
Registre-se, ademais, que a produção antecipada de prova sem o requisito da urgência pode ter o
objetivo único e exclusivo de documentar determinada situação, o que, induvidosamente, mais se
aproxima de um procedimento de jurisdição voluntária. É o que se verifica da previsão dos §§1º e 5º
do art. 381 do CPC.
Na produção antecipada de provas deve ser observado o contraditório, determinando o art. 382, § 1º,
do CPC, que todos os interessados na produção da prova ou no fato a ser provado sejam citados. As
provas devem ser produzidas em amplo contraditório,10 não sendo possível, tão somente, a
discussão sobre eventual mérito decorrente do fato provado; o contraditório deve restringir-se à
participação na produção da prova. 11
Nesse contexto, afigura-se que o § 4.º do art. 382 do CPC/2015, na parte em que estabelece a
inadmissibilidade de qualquer “defesa”, deve ser interpretado de modo a não se admitirem razões
concernentes à ocorrência ou inocorrência de determinado fato, ou mesmo defesa quanto ao mérito
de eventual demanda.
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Produção antecipada de prova e juízo arbitral
Não se pode, contudo, conceber que seja vedado às partes argumentar contrariamente ao
indeferimento parcial de uma prova, porquanto o resultado a ser produzido pela colheita da prova –
ainda que não valorado naquele procedimento – variará conforme a amplitude do contraditório
exercido pelas partes. Logo, se o órgão que conduz a produção antecipada de provas indefere, por
ex., a formulação de um quesito pertinente, a conclusão do perito poderá ser direcionada em
determinado sentido, ou mesmo interpretada de forma diversa do que seria caso o quesito houvesse
sido deferido. O mesmo se pode dizer, por ex., do indeferimento de perguntas pertinentes e
relevantes às testemunhas, bem como do indeferimento injustificado da oitiva de quem quer que
seja. Admitir a total ausência de defesa, excetuados os casos de indeferimento total das provas
requeridas, equivaleria, por certo, a negar o exercício do direito autônomo à prova.
Assim, nesse procedimento probatório, a cognição judicial – ou, se for o caso, arbitral – limita-se às
questões atinentes à admissibilidade e as condições de produção da prova. É certo, pois, que há
cognição, ainda que limitada. As questões analisadas dirão respeito à licitude da prova e a forma
correta de produzi-la;14 não serão, contudo, analisadas questões atinentes ao resultado da prova ou
a temas que digam respeito a uma controvérsia de direito material que eventualmente possa vir a ser
objeto de um novo processo.
Justamente porque o juiz que atua no procedimento antecipado não tem competência para valorar a
prova, e por não haver cognição que diga respeito à solução de uma controvérsia de direito material,
inexiste prevenção entre o órgão que analisa a produção antecipada de prova e aquele que julgue a
causa em que esta prova venha a ser utilizada (art. 381, § 3º, do CPC/2015).
Também por não haver valoração da prova ou julgamento de mérito, a produção antecipada de
prova não precisa, necessariamente, ser encerrada por sentença. E se houver sentença, “será
meramente homologatória e atestará que a prova foi produzida, tão somente, de modo que não é ele
necessariamente o competente para conhecer da causa que venha a existir”.15
Embora a Lei da Arbitragem16 (art. 1º, § 1º) somente faça alusão à finalidade de “dirimir conflitos
relativos a direitos patrimoniais disponíveis”, é certo que a autonomia da vontade em que se baseia o
compromisso arbitral permite a instauração do procedimento para finalidades outras, desde que não
violem a inafastabilidade da tutela jurisdicional. Estar-se-ia, nesse ponto, aludindo simplesmente a
um compromisso arbitral atípico, com objetivos afins aos do instituto da arbitragem. E, sendo a
finalidade do procedimento a produção antecipada da prova, não haveria necessidade de nenhuma
espécie de juízo valorativo pelo árbitro, devendo-se observar, quanto à admissão e produção da
prova, os princípios constitucionais17 inerentes à arbitragem.
Parece, ainda, que o direito fundamental à prova e a liberdade dos meios probatórios permitem que
se produza prova pré-constituída de determinado fato em qualquer sede, desde que as partes assim
convencionem.
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Produção antecipada de prova e juízo arbitral
Assim, é plenamente possível que a cláusula arbitral contenha previsão expressa quanto à
possibilidade de instauração de arbitragem para os fins de produção antecipada de prova por
qualquer das partes vinculadas ao compromisso. Em tal hipótese, parece razoável que uma parte
imponha a outra o juízo arbitral para o fim de conduzir esse procedimento, não só pelo disposto no
art. 7º da Lei de Arbitragem18 , mas, também, por tratar-se de renúncia expressa da utilização da
jurisdição estatal para esse fim. Tal situação equivaleria a uma espécie de pacto de non petendo,19
restrito à jurisdição estatal.
Tal conclusão é inicialmente aventada por Arthur Ferrari Arsuffi21 que, na sequência, afasta-a, sob o
argumento de ser a produção antecipada de prova uma ação autônoma, voltada ao exercício do
direito à prova e ao conhecimento dos fatos. Para o autor, a natureza do procedimento, desvinculada
de qualquer processo que verse a relação jurídica material, permite concluir que, em princípio, a
atribuição para a produção antecipada de provas será do Judiciário.
Em sentido diverso é a opinião de Eduardo Talamini,22 para quem, “em princípio, as ações
probatórias autônomas relativas a determinado litígio estão abrangidas pela convenção arbitral para
ele estipulada”. De acordo com o autor, não havendo urgência que justifique a utilização da via
judicial na fase pré-arbitral – o que ocorre com a produção antecipada de caráter cautelar – o direito
autônomo à prova deve ser exercido em processo arbitral específico para esse fim.23
Parece-nos, contudo, que o fato de tal procedimento probatório constituir uma ação que versa o
direito à prova não é suficiente para se alcançar qualquer conclusão sobre a atribuição do juízo
arbitral ou do judiciário para condução da produção antecipada de prova. A mera existência de
cláusula arbitral também não é suficiente para indicar a jurisdição arbitral como adequada a conduzir
a produção antecipada da prova.
Temos, ainda, que também não procede um outro argumento, favorável à generalização da
atribuição da jurisdição estatal, a pretexto de que que a produção antecipada de prova “não viola a
competência do árbitro ou da jurisdição arbitral” porque, no procedimento em questão, não há
pronunciamento sobre os fatos ou solução da controvérsia existente entre as partes.24
Nesse particular, assume especial destaque o texto da cláusula arbitral. Não havendo ressalvas
quanto à produção antecipada de provas, afigura-se primordial analisar a redação desta cláusula,
que pode tanto aludir à via arbitral como ambiente para solucionar eventuais “conflitos” decorrentes
da relação jurídica existente entre as partes, como fazer referência à atribuição do árbitro para
resolver quaisquer questões atinentes à relação jurídica existente entre as partes.
No último caso, parece-nos aceitável defender que a produção antecipada de provas está incluída na
cláusula, desde que o fato probando integre a relação jurídica existente entre as partes, ou ao menos
se inclua no contexto desta relação. Em tais circunstâncias, a amplitude da cláusula que se refere a
quaisquer questões atinentes a determinada relação jurídica muito possivelmente incluirá o direito à
prova dos fatos que circundam essa relação. E isso se pode afirmar independentemente de se
considerar a produção antecipada de prova como uma ação de conteúdo processual: se o objeto
desta ação forem fatos pertinentes à relação jurídica mencionada na cláusula arbitral, é certo que os
fatos a ela concernentes estão incluídos na ideia ampla de quaisquer questões que digam respeito a
tal relação jurídica.
Já no caso de a cláusula arbitral ser mais restrita, como no exemplo, muito usual, da cláusula que
estabelece a via arbitral como sede para “dirimir eventuais conflitos entre as partes”, afigura-se-nos
que a produção antecipada de provas não está, em princípio, incluída na renúncia à jurisdição
estatal, que não pode ser interpretada de forma excessivamente ampliativa.
Diante disso, a conclusão que alcançamos é a de que, embora a produção antecipada de provas
constitua uma ação de conteúdo processual (exercício do direito à prova), diversa das ações de
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Produção antecipada de prova e juízo arbitral
direito material que eventualmente possam ser propostas para solucionar eventuais conflitos
existentes entre as partes, havendo cláusula arbitral, não é possível predizer, em todas as situações,
quem será competente para tal procedimento – se o árbitro ou o juiz estatal. A resposta a esse
questionamento dependerá do conteúdo e da redação da convenção arbitral, bem como do contexto
em que tenha sido celebrada.
Devemos ponderar, ainda, que a Lei de Arbitragem estabelece uma modalidade de renúncia à
jurisdição que deve ser inequívoca; desse modo, havendo dúvidas sobre a abrangência da cláusula
arbitral, poderá o interessado exercer o direito de ação de conteúdo processual (produção
antecipada de provas) perante o Judiciário, não podendo lhe ser imposta a via arbitral.
Desse modo, em que pese haver outros critérios para solucionar a questão, 25 o conteúdo da
declaração de vontade das partes parece ser o principal aspecto a ser considerado no momento de
se analisar se a cláusula arbitral abrange ou não a possibilidade de produção antecipada de provas.
Devem-se ressalvar, todavia, as hipóteses em que os fatos a serem provados extrapolem a relação
jurídica para a qual se previu a arbitragem. Em tal contexto, sendo os fatos probandos mais
abrangentes que aqueles que digam respeito à cláusula arbitral, a produção antecipada da prova
deverá ocorrer perante o Judiciário.26
É importante lembrar, ainda, que a cláusula arbitral não vincula terceiros. Desse modo, ainda que
haja previsão expressa da instauração de arbitragem como para o fim de esclarecer, via produção
antecipada de provas sem o requisito da urgência, os fatos pertinentes a determinada relação
jurídica, é certo que os terceiros eventualmente interessados não estão adstritos a esta via.
Como já se assinalou, o fato de haver cláusula arbitral afastando a jurisdição estatal da solução de
conflitos entre as partes não autoriza a conclusão automática de ser o árbitro competente para o
conhecimento da produção antecipada de provas. Para se entender desse modo é preciso que a
redação da cláusula deixe claro que a finalidade da arbitragem é mais muito ampla que aquela de
resolver eventuais conflitos existentes entre as partes, dizendo respeito a quaisquer questões que
tangenciem determinada relação jurídica.
Não sendo a cláusula ampla o suficiente, afigura-se, em princípio, legítima a utilização da via judicial
para o fim de produzir antecipadamente a prova para esclarecer quaisquer fatos que digam respeito
àquela relação jurídica. E esse entendimento parte da premissa de que a cognição exercida no
âmbito da produção antecipada de provas não inclui qualquer análise sobre o conteúdo do material
probatório obtido e, menos ainda, sobre o mérito de eventual ação que vise a solucionar conflitos
existentes entre as partes.
Deve-se advertir, contudo, que a ausência de previsão ou ressalva quanto à produção antecipada de
provas gera insegurança quanto à sede adequada para sua realização. Logo, a partir do Código de
Processo Civil de 2015 tornou-se recomendável que as partes expressamente disponham sobre o
tema.
Nesse passo, é plenamente válida – e, se for essa a vontade das partes, recomendável – a ressalva,
expressa na cláusula arbitral, de que o direito à prova antecipada dos fatos subjacentes à relação
das partes, nos casos em que não haja urgência, será exercido perante o Judiciário.
Portanto, nas seguintes hipóteses será possível a utilização, na arbitragem, de prova produzida
antecipadamente no Judiciário: a) quando, sendo a cláusula arbitral omissa quanto à produção
antecipada de provas, sua abrangência extrapole a solução de conflitos eventualmente existentes
entre as partes, dizendo respeito a quaisquer questões ou matérias; b) quando a cláusula arbitral
ressalve que eventual produção antecipada de provas venha ser realizada no Judiciário.
Há que se ressaltar, todavia, que não será qualquer prova produzida antecipadamente no Judiciário
que poderá ser utilizada no procedimento arbitral.
emprestada.
Por isso, caso a prova antecipada em sede judicial não auxilie a autocomposição ou não sirva ao
propósito de evitar a instauração arbitral, sua utilização como fundamento da demanda arbitral ou
como argumento de defesa deverá observar algumas diretrizes.
Em princípio, desde que os dispositivos do Código de Processo Civil sejam interpretados à luz da
Constituição, não há vislumbre de incompatibilidade entre a produção antecipada de provas no
Judiciário, tal como regulada nos arts. 381 e seguintes do mencionado Código, e o procedimento
arbitral.
Sob essa ótica, também não poderá ser transportada para o juízo arbitral a prova produzida com
flexibilização do direito à intimidade, ainda que com base de um juízo de proporcionalidade efetuado
pelo órgão judicial, sempre que, pelas regras do procedimento arbitral, tal juízo não pudesse ter sido
feito pelo árbitro.
A fim de preservar as garantias inerentes ao juízo arbitral, é recomendável, ainda, que a prova seja
produzida em sigilo, por ser a confidencialidade a regra geral na maior parte dos centros de
arbitragem, bem como das regulamentações de numerosos procedimentos arbitrais.
6. Conclusões
É induvidoso que a produção antecipada de provas pode ser realizada perante o juízo arbitral, caso a
cláusula arbitral assim o preveja. Em tal hipótese, poderá uma parte impor à outra o juízo arbitral
para o fim de conduzir esse procedimento, não só por força do art. 7º da Lei de Arbitragem, mas,
também, por tratar-se de renúncia expressa da utilização da jurisdição estatal para esse fim.
A dúvida surge quando a cláusula arbitral for omissa no tocante às atribuições do árbitro para tal
procedimento.
A renúncia ao Judiciário como palco para a produção antecipada da prova pode estar evidenciada na
amplitude da cláusula. Caso contrário, a parte interessada pode se opor à utilização da via arbitral,
sendo o Judiciário a sede adequada para que a prova seja pré-constituída.
O terceiro interessado, não vinculado à cláusula arbitral, poderá sempre realizar a produção
antecipada da prova em juízo, assim como será realizada judicialmente a produção antecipada de
prova relativa a fatos que extrapolem a relação sobre a qual versa a cláusula arbitral.
Quanto à possibilidade de utilização da prova produzida antecipadamente, uma vez que tenha sido
realizada a colheita da prova, o transporte do material probatório deverá observar os pressupostos à
utilização da prova emprestada. É dizer: para que a prova antecipadamente produzida em juízo seja
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Produção antecipada de prova e juízo arbitral
utilizada na via arbitral é necessário que sejam observados os pressupostos mínimos de licitude
estabelecidos para o processo judicial e aqueles pertinentes à arbitragem em si mesmo considerada.
7. Referências
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Processo Civil de 2015. In: FUGA, Bruno Augusto Sampaio et al. Produção antecipada da prova:
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[https://revistadostribunais.com.br]. Acesso em: 24.06.2019, p. 7.
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[https://revistadostribunais.com.br]. Acesso em: 24.06.2019.
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arbitragem e jurisdição. Revista de Arbitragem e Mediação. vol. 59, p. 196-211. São Paulo: Ed. RT,
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24.06.2019.
1 Este artigo é resultado parcial das atividades do grupo de pesquisa Arbitragem, Mediação e outros
meios de solução extrajudicial de conflitos – A Justiça Eficiente para a efetividade dos direitos no
mundo contemporâneo, desenvolvido na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP,
de que é docente integrante o primeiro autor.
4 O direito à prova emana do contraditório (art. 5º, LIV, da CF) e do acesso à justiça (art. 5º, XXXV,
da CF. BRASIL. Constituição Federal. Disponível em:
[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm]. Acesso em: 21.06.2019), pois
refere-se ao direito de agir e de se defender provando (v.: VASSALLI, Giuliano. Il diritto alla prova nel
processo penale. Rivista italiana di diritto e procedura penale, 1968, p. 12; COMOGLIO, Luigi Paolo.
La garanzia costituzionale dell’azione e il processo civile. Padova: CEDAM, 1970, p. 148 e ss.). Além
disso, está consagrado em diversos tratados, com destaque para a Convenção Americana de
Direitos Humanos (art. 8º), incorporada pelo Decreto 678/1969 (BRASIL, Decreto 678, de
06.11.1969. Disponível em: [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm]. Acesso em:
24.06.2019) e para o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 14, I), incorporado pelo
Decreto 592/1992 (BRASIL, Decreto 592, de 06.07.1992. Disponível em:
[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm]. Acesso em: 24.06.2019).
5 YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à
prova. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 23-26.
6 YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à
prova. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 312 e ss.; TALAMINI, Eduardo. Produção antecipada de prova
no Código de Processo Civil de 2015. Revista de Processo. v. 260, p. 75-101. São Paulo: Ed.
RT, out. 2016, versão on-line, disponível em: [https://revistadostribunais.com.br]. Acesso em:
24.06.2019, p. 1-2; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Ações probatórias autônomas. São Paulo:
Saraiva, 2008, passim.
7 Essa ideia é, de certo modo, inovadora, já que, em geral, apenas se admitia a pretensão de
natureza processual nos casos de tutela cautelar, a qual, ainda sim, serve ao direito material,
indiretamente.
requerente não tenha o ônus de demonstrar desde logo se a prova pretendida tem alguma finalidade
prática ou jurídica, o interesse de agir corresponde à não manifesta ilicitude da prova constituenda e
à hipotética possibilidade, ainda que remota, de que ela possa ter alguma utilidade lícita para o
requerente.” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015,
v. 2, p. 129).
9 YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à
prova, cit., p. 340.
10 “Por tais razões, não há como concordar com o argumento de que a prova antecipada é
desprovida de contraditório ou mesmo com a afirmação de que não há propriamente produção de
prova nesse procedimento. Há, naturalmente, procedimento probatório, ainda que desvencilhado de
um processo (como é o caso dos incs. II e III). Sendo assim, a postulação, admissão e a produção
da prova devem observar determinados requisitos, ainda que não sejam os mesmos a serem
aferidos num eventual processo futuro.” ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Manual de direito
processual civil. 18. ed. São Paulo: Ed. RT, 2019, p. 930.
11 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Manual de direito processual civil, cit., 2019.
12 Como observam Eduardo Arruda Alvim e Igor Martins da Cunha: “É possível vislumbrar, nessa
etapa, decisões que possam causar prejuízo ao requerente, ao possível demandado ou, ainda, a
qualquer interessado, que não digam respeito à valoração dos fatos e ao juízo de mérito deles
decorrente, como, por exemplo, a declaração de incompetência do juízo, o indeferimento de quesitos
ou a determinação de prova que efetivamente viole a intimidade ou a privacidade. Nesses casos, não
se tratando de matérias de mérito, não discutíveis nesse procedimento autônomo, e não estando tais
hipóteses adequadas à interposição de agravo de instrumento (CPC/2015, art. 1.015), restará ao
prejudicado a impetração de mandado de segurança enquanto ação autônoma de impugnação”.
(Produção antecipada de provas no Código de Processo Civil de 2015. In: FUGA, Bruno Augusto
Sampaio et al. Produção antecipada da prova: questões relevantes e aspectos polêmicos. 1. ed.
Londrina: Thoth, 2018, p. 167-182, especialmente p. 181-182).
14 “Se a prova for produzida de forma irregular, com violação a direitos fundamentais, haverá óbice
intransponível para sua utilização em todo e qualquer processo. Além disso, ficarão inviabilizados os
objetivos de autocomposição, fundamentação adequada de eventual demanda e prevenção de
processos desnecessários. E assim será porque, se a prova não for devidamente produzida, não
terão os interessados condições de verificar as reais perspectivas de um processo futuro e os
benefícios de eventual conciliação. Também não será possível, muitas vezes, vislumbrar a melhor
forma de fundamentar sua demanda ou defesa. Menos possível ainda será, a partir de um
procedimento probatório injusto, evitar a propositura de ação futura” (ARRUDA ALVIM, José Manoel
de. Manual de direito processual civil, cit., p. 929-930).
15 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Manual de direito processual civil, cit., p. 929.
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Produção antecipada de prova e juízo arbitral
19 A propósito da validade do pacto de non petendo em relações jurídicas que versem direitos
disponíveis, cf. ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Indenização por ato ilícito e pactum de non
petendo. Soluções práticas de direito: pareceres. vol. II. São Paulo: Rd. RT, 2011, p. 983 e ss.
22 TALAMINI, Eduardo. Produção antecipada de prova no Código de Processo Civil de 2015, cit., p.
6.
23 Ressalva o autor algumas hipóteses em que, em sua concepção, a via judicial seria preferível à
arbitragem: “Podem existir fatores que concretamente justifiquem a antecipação probatória perante a
autoridade judiciária. É o que se dá, entre outros casos, quando apenas a própria produção da prova
permitirá ao requerente definir os exatos contornos de sua pretensão, inclusive para saber se ela
está efetivamente abrangida pela convenção arbitral. Outro exemplo tem-se em casos em que,
diante de indicativos concretos, sabe-se de antemão que haverá negativa de colaboração ou
resistência à produção probatória, de modo a exigirem-se medidas coercitivas que apenas poderiam
ser determinadas, em qualquer caso, pelo juiz estatal (Lei 9.307/1996, art. 22, §§ 2º e 4º). Nessa
hipótese, parece razoável que a prova seja desde logo requerida judicialmente. Além disso, pode
haver situações em que a produção probatória que se pretende antecipar é extremamente singela e
de curta duração (por exemplo, ouvida de uma única testemunha), de modo que seria
desproporcional, por sua extrema onerosidade, complexidade e demora, constituir um tribunal arbitral
apenas para isso. Também em tais casos justifica-se a competência judiciária”.
25 Além dos critérios precedentemente mencionados, a doutrina indica outros, que seriam capazes
de determinar se a produção antecipada deve ser realizada perante o árbitro ou perante o órgão
judicial. Assim, por exemplo, o altíssimo custo da arbitragem comparativamente à via judicial
(MAZZOLA, Marcelo. Temas contemporâneos na arbitragem: do clássico ao circuito alternativo e
alguns ‘curtas-metragens, cit., p. 7; ARSUFFI, Arthur Ferrari. Produção antecipada da prova:
eficiência e organização do processo, cit., p. 164 e ss.; TALAMINI, Eduardo. Produção antecipada de
prova no Código de Processo Civil de 2015, cit., p. 6; ZAKIA, José Victor Palazzi; VISCONTI, Gabriel
Caetano. Produção antecipada de provas em arbitragem e jurisdição. Revista de Arbitragem e
Mediação. vol. 59, p. 196-211. São Paulo: Ed. RT, out.-dez. 2018, versão online, disponível em:
[https://revistadostribunais.com.br], acesso em: 24.06.2019, p. 9.
27 COUTURE, Eduardo. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Depalma, 1951, p.
160.
igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento”. (BRASIL. Lei
9.307, de 23.09.1996. Disponível em: [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm]. Acesso
em: 19.06.2019).
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