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Desenho Infantil Interpretação PDF
Desenho Infantil Interpretação PDF
Orientador de Dissertação:
Prof. Doutor Emílio Salgueiro
2012
Dissertação de Mestrado realizada sob a
orientação de Prof. Doutor Emílio Salgueiro,
apresentado no ISPA – Instituto Universitário
para obtenção de grau de Mestre na especialidade
de Psicologia Clínica conforme o despacho da
DGES, nº 19673/2006 publicado em Diário da
República 2ª série de 26 de Setembro, 2006
II
AGRADECIMENTOS
Antes de mais gostaria de começar por agradecer ao professor Emílio Salgueiro por
me ter acolhido e orientado no seu Seminário de Dissertação. Ao longo de um processo nem
sempre contínuo e decorrido dentro do esperado tenho a agradecer a sua disponibilidade,
apoio e compreensão permitindo-me evoluir, certamente, a nível pessoal e profissional. Muito
obrigado por tudo!
À Dr.ª Clara Castilho pelo seu exemplo, amizade e apoio ao longo da minha vida,
nunca se esquecendo de mim e estando presente sempre que preciso.
A toda a minha família, em particular ao meu pai, ao meu irmão e à tia Rosalina.
Agradeço também aos meus amigos que me acompanharam neste trajecto académico.
Por último, mas não menos importante, quero deixar um agradecimento especial aos
pais e às crianças que se disponibilizaram para participar neste estudo, pela partilha de
conhecimentos que proporcionaram, sem os quais este projecto não seria possível.
Dedico esta tese ao meu pai e à tia Rosalina pelo precioso apoio ao longo da minha
vida mas, também, a todas as pessoas que nunca esquecerei, mãe, madrinha, avô, Maria.
III
IV
A criança modela-se.
Ajuda-a a modelar-se oferecendo-lhe tudo quanto tenhas de mais autêntico dentro de ti.
Oferece-te a ti próprio como modelo.
Faz de modelo, não só com o teu corpo de Homem, mas também com o que resta da tua
espontaneidade infantil para o Amor.
Homens capazes de Amor são aqueles que foram crianças ou que se reconciliaram com a
criança que foram.
Se amas a criança que em ti existe, então podes amar as crianças.
(…)
V
VI
RESUMO
VII
ABSTRACT
Child depression was recognized only from the second half of the twentieth century.
However, it is observed that the literature gives less importance to the study of childhood
depression compared with depression in adolescence and adulthood. Considering the
importance of the family context to the development and maintenance of depressive disorder
in children, the main goal of the present study is to identify and describe the perception of
family relations in children diagnosed with a depressive organization, in mother and father, to
contribute for a better understanding of family functioning of these children. This study
assessed five children diagnosed with depression with ages between seven and ten years old,
three children were males and two were females and their parental figures. We used the Case
Study method multiple, exploratory and the following instruments: Non-thematic Drawing,
Human Figure Drawing (Machover, 1978), Family Drawing (Corman, 2003), Children’s
Depression Inventory (Marujo, 1995), Family Relations Test, Children’s Version (Bene,
1985), Family Relations Test, Married Couples’ Version (Bene, 1976), PN Test (Corman,
2001) and also two semi-structured interviews, one for parents and one for children. The
results suggest the perception of a dependent relationship with a depressed or phallic mother
figure allied to a father figure dismissed from their parental function or depressed, both
blamed, perceived as punitive and less available for the child’s emotional needs, resulting in
failure of narcissic confirmation, not allowing the child to feel valued in the experience of
individuation and autonomy.
VIII
ÍNDICE
Introdução.............................................................................................................................. 1
5. Objectivo .................................................................................................................... 17
Método ................................................................................................................................ 18
1. Delineamento.............................................................................................................. 18
2. Participantes ............................................................................................................... 18
3. Procedimento .............................................................................................................. 19
4. Instrumentos ............................................................................................................... 21
Resultados ........................................................................................................................... 28
1. Síntese do Estudo de Caso 1 – Tomé (10 anos e 5 meses) e do Estudo de Caso 2 – Isabel
IX
Discussão ............................................................................................................................. 52
Conclusão ............................................................................................................................ 60
Anexos................................................................................................................................. 71
Anexo G: Itens do Instrumento Teste de Relações Familiares, Versão Casais (Bene, 1976)
......................................................................................................................................... 98
Anexo I: Itens da Forma para Crianças em Idade Escolar do Teste de Relações Familiares,
Anexo N: Teste de Relações Familiares, Versão Casais – Pais do Tomé e Isabel ............ 198
X
INTRODUÇÃO
E não serão todas estas linhas tortas, sobre as quais nós caminhamos, as linhas com que se
possa construir o espaço para se continuar o sonho?
1
ENQUADRAMENTO TEÓRICO
2
2. O Período de Latência
3
Superego, o ego torna-se “resiliente, maleável e educável” (Kramer & Rudolph, 1991, p. 319).
Richaudeau (1979) acrescenta, ainda, que “embora se observem ainda algumas manifestações
sexuais (masturbação, curiosidade) doravante marcadas por uma forte culpabilidade, a
sexualidade não sofre nova reorganização” (p. 155). Quanto ao plano social, este encontra-se
marcado pelo início da escolarização e pelas exigências educativas introduzidas nesta fase do
desenvolvimento que pressupõem uma socialização acrescida à criança (Denis, 2004).
Posto isto, tal como Ferreira (2002) indica “latência significa esforço de consolidação
do Eu infantil – a luta pela maturidade, pela coerência e coesão do mundo interior” (p. 218).
A autora adianta, também que, para alcançar de modo favorável esta maturidade é necessário
que o desenvolvimento intelectual e afectivo da criança tenha ocorrido de forma harmoniosa.
Esta consideração remete-nos para a importância desempenhada pelos factores intrapsíquicos,
em conjugação com a qualidade das relações familiares no funcionamento psíquico
harmonioso da criança: “o equilíbrio das instâncias psíquicas, sempre em elaboração, deve ser
sustentado por relações adequadas a personagens familiares, capazes de se ajustarem ao
aparecimento de mecanismos de defesa ou sintomas frequentemente desconcertantes,
irritantes ou angustiantes” (Denis, 2004, p. 529).
Como refere Coimbra de Matos (2003) quando surgem falhas no desenvolvimento
natural durante o período anterior à latência, através da invasão de problemáticas de
conhecimento/identidade sexual não resolvidos na segunda infância (dos 3 aos 6 anos) a
latência não é estabelecida. Como resultado verifica-se a “permanência – agora anormal
porque extemporânea – de pensamentos, fantasias, dúvidas e conflitos à cerca da sexualidade,
assim como de uma imaturidade afectiva e relacional. A latência não verificada é a avidez de
saber insatisfeita” (Coimbra de Matos, 2003, p. 110). Segundo Teresa Ferreira (2002) nestes
casos o funcionamento depressivo parece ser o diagnóstico mais comum (Ferreira, 2002).
Alexandre (1993) destaca as perturbações do pensamento como o motivo principal de pedidos
de consulta, devido a um excesso ou insuficiência do recalcamento, associando-se
directamente a uma depressão primária organizada na insuficiência da função contentora da
mãe, na generalidade dos casos.
3. A Depressão na Criança
Antes de mais, importa salientar que a depressão a que este estudo reporta distingue-se
de um sintoma episódico de tristeza/luto face a um acontecimento recente de perda ou crise
familiar, visto tratar-se de um processo adaptativo e não patológico (Coimbra de Matos, 2007;
Ferreira, 2002; Freud, 1917/1974).
4
Posto isto, Freud (1917/1974) foi quem definiu pela primeira vez as características da
melancolia através da publicação da obra Luto e Melancolia em 1917. Apesar do trabalho de
luto apresentar sintomas semelhantes à melancolia pela “perda de interesse pelo mundo
externo – na medida em que este não evoca esse alguém –, a mesma perda da capacidade de
adoptar um novo objecto de amor (o que significaria substituí-lo) e o mesmo afastamento de
toda e qualquer actividade que não esteja ligada a pensamentos sobre ele” (p. 250) difere
desta no sentido em que representa uma reacção adaptada e transitória à perda de um objecto
importante, dando lugar ao desinvestimento afectivo nesse objecto e investimento em novos
objectos. Na melancolia, por outro lado, assiste-se a um empobrecimento não só no mundo
externo como no mundo interno do sujeito pela diminuição acentuada da auto-estima (com
auto-censuras e castigos), retirando valor ao Eu. Ao contrário do trabalho de luto, a
melancolia comporta características inconscientes pois o sujeito embora possa saber quem
perdeu, desconhece o que perdeu com esse alguém. Assim, a perda do objecto transforma-se
na perda do Eu através do mecanismo de introjecção ambivalente do objecto perdido, onde a
severidade do superego (de origem precoce, oral, formado na relação com o imago materno)
dirige-se ao Eu do sujeito (através da clivagem) pretendendo atingir o objecto de amor
introjectado. Objecto e sujeito, realidade externa/interna são confundidas face à extrema
dependência marcada por uma relação de objecto de tipo narcísica, funcional. Assim, instala-
se o sentimento de culpa, os castigos e a auto-punição (associado à falta de apetite e de sono)
podendo culminar em suicídio (Coimbra de Matos, 2007; Ferreira, 2002; Freud, 1917/1974).
A melancolia (ou depressão major), depressão mais profunda e ligada à psicose
destaca-se, assim, da depressividade (ou depressão basal) pelo grau de severidade acentuado
marcado pelo estabelecimento de uma relação fusional com o objecto. Desta forma, a
depressividade caracteriza-se por uma forte dependência emocional ao objecto, investindo
inconscientemente na relação com este e idealizando-o (como defesa à tomada de consciência
da malignidade do objecto e à falha narcísica), não suportando a separação, o que impede o
sujeito de realizar o trabalho de luto face à perda (real ou imaginária) do objecto (Coimbra de
Matos, 2002, 2007, 2011). Sujeito e objecto estão mal diferenciados mas não confundidos
como na psicose, realizando-se a introjecção do bom e mau objecto. Verifica-se uma forte
necessidade de suporte, apoio, constituindo uma relação objectal anaclítica com falhas graves
de confirmação e valorização narcísica (Coimbra de Matos, 2007, 2011; Ferreira, 2002).
Simultaneamente, para Coimbra de Matos (2007) o depressivo exprime o desejo de se separar
do objecto primário, permanecendo num impasse entre a evolução edipiana e a regressão oral,
salientando-se a falta de solidez na organização anal. Teresa Ferreira (2002) conclui que a
característica primordial presente em todas as formas de depressão é a “inconsistência do
5
núcleo de auto-estima, falhando de imediato o investimento na própria vida. Suspende-se o
interesse pelo mundo externo, perde-se a capacidade de amar. A energia agressiva é dirigida
não ao exterior mas aos imagos internos, partes do Eu” (p. 324).
No que concerne à depressão na criança, problemática na qual se centraliza a presente
investigação, segundo Teresa Ferreira (2002) é o diagnóstico mais frequente na clínica
infantil, abrangendo cerca de 40% dos casos. Todavia esta patologia carece ainda de
investigação científica quando comparada aos trabalhos realizados sobre a depressão na
adolescência e adultícia. Em parte, pode dever-se ao facto de que apenas a partir da segunda
metade do século XX a depressão na criança obteve o seu devido reconhecimento (Câmara,
2005; Carvalho, Milheiro & Garrido, 2006; Coimbra de Matos, 2007; Palacio-Espasa, 2002;
Santos, 2000). A visão idealizada da infância pela sociedade pode ter contribuído para a
explicação deste reconhecimento tardio da depressão infantil, visto que a ideia de sofrimento
psíquico na infância tende a ser sentida como perturbadora (Gueniche, 2005; Maranga, 2007).
A este propósito João dos Santos (1990) assinala que a recusa do adulto em reconhecer a
tristeza da criança pode representar a recusa daquele em reconhecer a sua própria tristeza
infantil e/ou actual. Por outro lado, o polimorfismo da sintomatologia depressiva infantil e as
diferenças face ao quadro clínico no adulto sobretudo quanto à tendência para uma diminuída
expressão dos afectos de tristeza e a baixa frequência de psicoses maníaco-depressivas na
criança podem também explicar a desvalorização da depressão na criança, confundindo-a com
outras psicopatologias (Gueniche, 2005; Maranga, 2007; Palacio-Espasa, 2004; Palacio-
Espasa & Dufour, 2002; Pedinielli & Bernoussi, 2006).
Na génese da depressão Teresa Ferreira (2002) defende que “não há núcleo depressivo
na criança sem uma correspondente decepção narcísica da mãe” (p. 313). O objecto
vulgarmente depressígeno ou desnarcisante, a figura materna projecta na criança a sua
decepção narcísica, a sua malignidade, desvalorizando-a pela percepção daquilo que o filho
não é, o negativo ou o que deveria ser face ao confronto com o seu ideal, com a criança
imaginária que existe dentro de si própria, revelando a sua parte depressiva ao filho. O imago
materno organiza-se, assim, na criança como algo inatingível e como um vazio através da
percepção de não se sentir amada na mesma medida em que ama e deseja ser amada, cedendo
lugar à ferida narcísica. Este movimento traduz a não correspondência afectiva na relação
precoce mãe-criança (Câmara, 2005; Coimbra de Matos, 2002, 2007; Ferreira, 2002; Lustin,
2004; Strecht, 1998; Winnicott, 1993). A falta de valorização e confirmação narcísica da
criança na sua alteridade por parte da figura materna implicará a anulação do sentimento de
omnipotência indispensável à construção do narcisismo primário da criança, favorecendo a
vivência depressiva e a emergência do falso self que permite escamotear o verdadeiro self
6
traduzindo, assim, as dificuldades na construção da identidade na criança (Ferreira, 2002;
Funck-Brentano, 2005; Gueniche, 2005; Pedinielli & Bernoussi, 2006; Winnicott, 1988,
1993). Neste sentido, como sublinha Coimbra de Matos (2002) a mãe “ama a criança
enquanto a vê sem desejo próprio, não afirmativa nem oponente. Quando a criança começa a
manifestar mais explicitamente a sua própria, diferente e/ou oposta intencionalidade, a mãe
retira-lhe grande parte do afecto que lhe dedicava. Daí a depressão do filho/a” (pp. 445-446).
Deste modo, pode-se deduzir que o “depressivo é o rico (de afecto) que empobreceu;
enquanto o psicótico é o pobre que sempre foi pobre (rejeitado desde sempre) ” (p. 446). A
perda do amor do objecto condiciona, assim, o surgimento da depressão na criança (Coimbra
de Matos, 2002, 2007).
Todavia, Teresa Ferreira (2002) ressalva a importância de percepcionar a depressão
como uma forma de preservar as pulsões de amor pela esperança de poder amar de novo: “sou
um ser solitário mas não desisti ainda de um encontro com alguém, outro – e persisto – existo,
apenas nessa esperança” (p. 313). Na relação de objecto o deprimido transfere as pulsões de
amor e de ódio, procurando proteger o objecto da sua agressividade, remetendo-a para o Eu.
Posto isto, para Teresa Ferreira (2002) a depressão na criança é designada como “a
perturbação da organização do sentimento de auto-estima, concentrando-se à volta de uma
ferida narcísica, com consequente alteração funcional do psiquismo” (p. 266).
Habitualmente verifica-se uma heterogeneidade nos sintomas que motivam a consulta
destas crianças: tristeza, perda ou diminuição dos interesses habituais, baixa auto-estima,
ideias mórbidas ou até mesmo tentativas de suicídio, perturbações do comportamento como
hetero e/ou auto-agressões, fatigabilidade excessiva, instabilidade psicomotora, dificuldades
de concentração, queixas somáticas (e.g., gastrointestinais), perturbações da linguagem (e.g.,
gaguez, tiques), dificuldades no controlo esfincteriano (e.g., encoprese, enurese), dificuldades
do sono (e.g., insónia, hipersónia), da alimentação (e.g., anorexia, bulimia) e dificuldades
escolares na latência (Ferreira, 2002; Gueniche, 2005; Marcelli, 1995, 2005; Palacio-Espasa,
2004; Palacio-Espasa & Dufour, 2002; Santos, 2000; Strecht, 1998, 2001; Vogel, 2012).
O sofrimento psíquico ligado à vivência depressiva condiciona com muita frequência a
capacidade da criança adquirir, reter ou usar conhecimentos, o prazer de conhecer, no fundo,
de pensar (Santos, 2000; Strecht, 1998, 2001). Pois como explica Pedro Strecht (1998) “a
capacidade de interiorizar conhecimentos está definitivamente ligada à capacidade precedente
de interiorizar bons objectos capazes de amar e proteger” (p. 199).
A expressão clínica da depressão infantil varia segundo a idade, o sexo e o grau de
maturação cognitivo-afectiva da criança (Gueniche, 2005; Strecht, 2001). Para Palacio-Espasa
(2004) “quanto mais nova é a criança, mais inibição existirá nas suas manifestações
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depressivas” (p. 250). Deste modo, nas depressões de crianças muito novas sobressai a apatia,
o desinvestimento e a inibição (através de uma tomada de consciência menor e dos recursos
defensivos empregues para reprimir os afectos negativos), enquanto nas depressões de
crianças em final de latência e sobretudo na adolescência a expressão da tristeza aumenta,
assemelhando-se progressivamente aos traços observados na depressão dos adultos
(Gueniche, 2005; Palacio-Espasa, 2004). Assim, os critérios de diagnóstico de depressão
utilizados para os adultos não devem ser aplicados no diagnóstico desta patologia nas crianças
(Palacio-Espasa, 2004; Pedinielli & Bernoussi, 2006). Posto isto, o diagnóstico é feito com
recurso à entrevista clínica e às provas projectivas no âmbito da avaliação psicológica e
através da análise da transferência e contra-transferência experienciadas na relação de objecto
que a criança estabelece com o terapeuta. Com frequência são crianças que não manifestam
sinais de tristeza aparente, todavia, fazem-nos sentir interiormente a sua tristeza pela nossa
identificação ao seu sofrimento interno. Há que ressalvar que da mesma maneira que a
depressão não deve ser considerada equivalente à tristeza manifesta, não se deve associar
todos os sinais de tristeza ao diagnóstico de depressão (Ferreira, 2002; Marcelli, 2005;
Palacio-Espasa, 2004; Palacio-Espasa & Dufour, 2002).
Entre as principais características experienciadas na relação terapêutica com a criança
deprimida situam-se de uma ou outra forma: Avidez relacional, associada ao desejo de
incorporação, intenso, violento, ligado à insatisfação oral (Ferreira, 2002; Klein, 1987). Esta
avidez pode expressar-se através de fantasias de comer sem fim ou no controlo dos impulsos
orais que conduz à anorexia; Sentimento de vazio vivenciado na angústia de perda do amor do
objecto ou ausência de ligações afectivas significativas, na falha narcísica; Solidão manifesta
na vivência de impossibilidade de estabelecer laços afectivos com o outro; Sensação de a
criança se encontrar perdida resultante da falha da construção identitária pela ausência de
modelos de identificação consistentes; Fragilidade do Eu dominada pela vivência de uma
baixa auto-estima e insegurança interior que impedem a mobilização dos recursos internos
necessários para assegurar a sua protecção; e, por último, dependência afectiva pela
submissão à vontade do outro sobre o qual é projectado o poder, sendo idealizado e temido,
necessitando do suporte do objecto, da relação anaclítica para atenuar a insegurança interior e
assegurar a sua própria sobrevivência (Ferreira, 2002; Gueniche, 2005; Strecht, 2001).
Na opinião de Câmara (2005) as crianças deprimidas tendem a manifestar-se apáticas,
sem curiosidade e inibidas na exploração que exercem sobre o meio pois “toda a sua
caminhada é marcada pela insegurança, pelo medo, pela vivência antecipatória do falhar” (p.
55). Esta vivência de medo é transferida para a relação de objecto face à possibilidade de uma
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nova ruptura, desistência, insucesso na relação podendo revelar uma atitude de indiferença
aparente, inibição relacional e/ou provocação hostil do adulto (Ferreira, 2002).
Ao nível manifesto estas crianças tendem a apresentar características distintivas no
olhar, discurso e actividades como o jogo ou desenho. Citando Teresa Ferreira (2002) “o
desejo do encontro lê-se no olhar” (p. 312). Assim, observa-se um olhar fugidio e apelativo,
ou um olhar de frente mas à distância pelo medo do outro ou, ainda, um olhar intenso, ávido,
sedutor seguido de uma retirada defensiva. Este olhar ávido procura no outro uma leitura
compreensiva e afectuosa da sua existência (uma pessoa), um sofrimento (um interior) e uma
saída para esse sofrimento (uma relação). Quanto ao discurso pode ser fluente ou pobre,
lacónico com conteúdos que remetem para os afectos depressivos: “não sou bom”, “ninguém
gosta de mim”, “preferia morrer” ou para a omnipotência como defesa maníaca desses
afectos: “sou o mais forte de todos” simbolizando o vazio, a vivência de perda do amor do
objecto (Ferreira, 2002; Strecht, 1998, 2001). O jogo/desenho pode ser marcado pela
exuberância de acção, pela redução da mentalização ou pela inibição motora, através da
atitude de desistência que domina o Eu: “não sei”, “não consigo”, “faço sempre mal”, entre
outros (Câmara, 2005; Ferreira, 2002; Marcelli, 2005; Palacio-Espasa, 2004).
Posto isto, entre as principais defesas utilizadas por estas crianças situam-se a
tendência ao agir, pela redução da mentalização do sofrimento psíquico, a denegação, a
idealização, a defesa maníaca e a inibição, através da procura de aconflitualidade,
expressando-se geralmente num fraco rendimento escolar, intelectual e social (Câmara, 2005;
Ferreira, 2002; Strecht, 1998, 2001). Nas crianças mais pequenas destaca-se o recurso às
modalidades antidepressivas na ordem da mania como a instabilidade psicomotora,
comportamentos de oposição como os amuos, cólera, raiva, a tendência para a exaltação da
auto-estima (e.g., “sou muito forte”, “sou grande”), manifestações hetero ou auto-agressivas e
no final da latência pode-se assistir a perturbações do comportamento como o roubo, a
mentira e a fuga, o que permite reprimir e negar os afectos depressivos e, assim, impedir a
elaboração da posição depressiva (Gueniche, 2005; Klein, 1986; Lustin, 2004; Marcelli, 2005;
Palacio-Espasa, 2004; Santos, 2000; Strecht, 1998).
A classificação do DSM-IV-TR (American Psychiatric Association [APA], 2002)
distingue três formas clínicas de perturbações depressivas: a depressão major, a distimia e a
perturbação depressiva sem outra especificação.
Na depressão major os requisitos clínicos (cinco ou mais) devem estar presentes
durante pelo menos duas semanas, quase todos os dias. Pelo menos um dos sintomas é: 1)
humor depressivo e/ou irritável durante a maioria do dia (descrição subjectiva ou observada
por outros) ou 2) perda de interesse ou de prazer na maioria das actividades (descrição
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subjectiva ou observada por outros). Adicionalmente, a criança deve apresentar pelo menos
quatro dos seguintes sintomas (ou três caso tenha preenchido os dois critérios anteriores): 3)
perda ou aumento do apetite e do peso; 4) insónia ou hipersónia; 5) lentificação ou agitação
psicomotora; 6) fadiga ou perda de energia; 7) sentimentos de desvalorização ou de
culpabilidade; 8) diminuição da capacidade de pensamento, concentração ou aumento de
indecisão; 9) desejo de preferir estar morto ou ideias de suicídio.
No caso da distimia, sintomaticamente semelhante à depressão major, mas com menos
intensidade, os sintomas devem ser crónicos pelo menos durante um ano, com humor
depressivo e/ou irritável presente durante a maior parte do dia, quase todos os dias. Assim,
deve apresentar pelo menos dois dos seguintes sintomas: 1) perda ou aumento do apetite; 2)
insónia ou hipersónia; 3) fadiga ou pouca energia; 4) baixa auto-estima; 5) dificuldades de
concentração ou na tomada de decisões; 6) sentimentos de falta de esperança.
Por fim, na perturbação depressiva sem outra especificação situam-se os casos de
crianças com características depressivas que não preenchem os critérios para as perturbações
depressivas acima referidas (major e distímica).
Relativamente à classificação psicodinâmica ter-se-á em conta o estudo realizado pela
Equipa 2 do Centro de Saúde Mental Infantil e Juvenil de Lisboa no ano de 1988 com 40
crianças deprimidas, no qual se apurou os núcleos da patologia depressiva com vista a uma
intervenção terapêutica mais precisa. Estes núcleos depressivos constituem-se como modelos
conflituais associados a cada etapa do desenvolvimento e resultam da evolução do narcisismo
na criança em ligação com as experiências traumáticas vivenciadas no meio externo. Mais
tarde, podem evoluir para uma integração reparadora ou persistir como pontos de fixação aos
quais se regressa no caso de as experiências traumáticas antigas se repetirem e facilitarem a
ruptura defensiva interna. Posto isto, nas linhas seguintes serão descritos em pormenor os três
núcleos depressivos pré-genitais (oral, anal e fálico) e, ainda, algumas considerações sobre o
núcleo depressivo edipiano onde se pode organizar a depressão neurótica e a evolução
depressiva relativa à crise da latência (Ferreira, 2002).
O núcleo depressivo precoce relaciona-se com a fase oral e, como tal, remete para a
relação precoce com o imago materno, caracterizando-se por um apelo fusional na relação
com o outro (atitude de sedução), olhar ávido, instabilidade interna ou externalizada pela
procura ávida de um bom objecto, inibição e receio da própria agressividade, fragilidade e
dependência do Eu, confusão sujeito/objecto manifesta numa linguagem nem sempre clara,
falha na noção dos limites entre fantasia/realidade, nos limites do agir, do tempo e do espaço
(Ferreira, 2002).
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O núcleo depressivo primário, ligado à fase anal é marcado pelo processo de
separação/individuação descrito por Mahler (1993) que pressupõe um afastamento
progressivo da figura materna sem perder o afecto desta. Contudo, devido a uma falha de
valorização/confirmação narcísica do objecto materno, ao confronto com uma mãe poderosa,
fálica e castradora ou face à distância relacional com uma mãe deprimida a criança teme que a
afirmação do Eu represente uma ruptura relacional e a perda do amor do objecto. Assim,
sente-se invadida pelo sentimento de humilhação, desvalorização, insegurança, vazio, medo
de ser rejeitada/abandonada, tornando-se dependente, submissa pelo recurso ao evitamento e
renúncia ao próprio poder. A figura materna é idealizada (defesa à falha narcísica) reenviando
para o sentimento de insuficiência e baixa auto-estima na criança face à percepção de um
modelo ideal inatingível (Coimbra de Matos, 2007; Ferreira, 2002; Malpique, 1999). Teresa
Ferreira (2002) adianta, ainda, que a valorização narcísica pela figura paterna reveste-se da
maior importância pelo efeito reparador na depressão primária da criança.
A depressão anaclítica do lactente em situação de hospitalismo descrita por Spitz
(2004) pode inserir-se no núcleo de depressão primária por pressupor a interiorização de uma
relação objectal que sofre uma ruptura face à condição de privação materna. Neste estado de
carência afectiva observa-se uma primeira fase de protesto, seguindo-se uma segunda fase de
desespero que culmina na depressão que conduz à morte na terceira e última fase.
A depressão branca poderá também inscrever-se ao nível da depressão primária
através de uma resposta psicossomática (e.g., eczema e asma) manifesta no comportamento de
frustração e vazio na criança face à desorganização das defesas psíquicas e à falha de
mentalização desencadeada por uma relação de objecto progressivamente esvaziada de
afectos (Ferreira, 2002; Gueniche, 2005).
O terceiro núcleo depressivo, de tipo fálico, designa a organização estrutural triangular
pré-edipiana, na qual sobressai a descoberta da diferença de sexos. Como diria Teresa Ferreira
(2002) “ambos os pais devem reconhecer o valor de cada sexo na criança organizando o
narcisismo fálico vivido como uma plenitude, como força e organizador de uma sexualidade
futura no masculino ou no feminino, completada no movimento edipiano do Eu” (p. 308). A
ausência de valorização narcísica nesta fase é experienciada inconscientemente como uma
falha ou castração podendo remeter para uma regressão ou dominar a incapacidade de
organizar uma relação amorosa no futuro pela inibição do desejo de procura activa do
encontro amoroso ou, pelo contrário, a procura compulsiva numa atitude sedutora de
superfície (Ferreira, 2002; Strecht, 2001). Assim, futuramente podem-se organizar
“personalidades frágeis com patologia de identidade sexual pela dúvida de um valor como
seres, no masculino ou no feminino” (Ferreira, 2002, 308). A falha no narcisismo fálico pode
11
ligar-se ao sentimento de humilhação, desvalorização, submissão ao poder fálico materno na
criança, à perda do amor do objecto ou à constatação da sua imaturidade funcional face ao
enorme poder atribuído ao objecto ideal, não lhe permitindo afirmar o seu. No plano
fantasmático a figura paterna reveste-se da maior importância pela possibilidade de
representar uma função reparadora em ambos os sexos. Quando tal não se observa pode-se
pressupor que a figura paterna é distante, ausente ou também se encontra submetida ao
matriarcado familiar (Ferreira, 2002).
O núcleo depressivo edipiano neurótico constitui-se como parte integrante na evolução
normal da neurose da criança face ao duplo sentimento de exclusão da cena primitiva (relação
dos pais) e reconhecimento da diferença de gerações (face aos pais) culminando em sintomas
como tensões nocturnas, ansiedade, pesadelos, entre outros. Quando a criança não apresenta
recursos suficientes para lidar com o sentimento de exclusão, abandono, solidão devido às
falhas de integridade narcísica apuradas em etapas anteriores, a vivência de tristeza, inibição e
desinteresse pode sobrepor-se à ansiedade de castração (considerada adaptada nesta etapa)
instalando-se a depressão neurótica (Ferreira, 2002; Lustin, 2004).
Por fim, em crianças na latência verifica-se uma evolução depressiva nos casos em que
sempre dominou uma organização narcísica pouco consistente nas fases precedentes (oral,
anal, fálica e edipiana) sem, contudo, se verificar a predominância de uma destas fases.
Assim, a criança recorre ao evitamento dos conflitos e das decepções narcísicas, tal como, a
uma posição passiva, inibida na qual domina a culpabilidade consciente e inconsciente como
defesa ao agravamento depressivo e à descompensação narcísica. É frequente apresentarem
como motivo de consulta queixas de insucesso escolar, apatia, ausência de curiosidade e
tristeza à data da entrada para a escola (Ferreira, 2002; Strecht, 2001).
Em fases do desenvolvimento avançadas como a adolescência ou fase adulta o sujeito
deprimido pode procurar preencher o sentimento de vazio (falha narcísica), a fragilidade e/ou
dependência do Eu através de formas simbolicamente substitutivas do objecto de amor (e.g.,
álcool e droga) ou em sublimações pela arte e actividade profissional (Ferreira, 2002).
No tratamento da depressão deve-se procurar implementar uma abordagem
psicoterapêutica adequada a cada caso e segundo o tipo de organização depressiva da criança.
Desta forma, destacam-se três abordagens psicoterapêuticas diferentes, não se devendo
registar um período de tratamento inferior a seis meses: psicoterapia semanal individual com a
criança a par de consultas terapêuticas aos pais; seguimento psicoterapêutico da criança com
apoios específicos no âmbito escolar pretendendo-se uma melhor adaptação do meio à criança
(Ferreira, 2002; Strecht, 2001); consultas terapêuticas com os pais e com a criança (Ferreira,
2002; Stark, Banneyer, Wang & Arora, 2012). Durante as sessões de psicoterapia o terapeuta
12
deve procurar criar uma relação empática com a criança, oferecendo-se como modelo
contínuo, contentor e afectuoso de forma a restaurar o narcisismo ferido da criança,
fortalecendo o Eu fragilizado e/ou aliviando o impacto do superego punitivo e rígido
(Ferreira, 2002; Strecht, 1998). Aparentemente, não são descritos benefícios clínicos na
administração de psicotrópicos na depressão infantil, que ao serem utilizados poderiam até
surtir efeitos adversos aos resultados esperados (Ferreira, 2002; Palacio-Espasa, 2004).
Todavia, na opinião de Marcelli (2005) a prescrição de antidepressivos numa posologia de
dose correcta e controlada é recomendada no caso de depressões mais graves resistentes à
psicoterapia e às reestruturações de vida.
Em suma, pode-se depreender que para alguns autores a depressão na criança é
associada a uma reacção afectiva a acontecimentos exteriores nos quais sobressai a separação
ou perda do amor do objecto (Bowlby, 1990; Coimbra de Matos, 2002, 2007; Ferreira, 2002;
Spitz, 2004). Ainda assim, na opinião de Klein (1986) através da teoria da posição depressiva,
a depressão resulta do desenvolvimento maturativo no qual domina o processo fantasmático.
13
onde os membros são interdependentes e, deste modo, as mudanças que ocorrem numa parte
da família repercutem-se nas restantes. Como sistema aberto (i.e. sujeito às influências
externas) a família está sujeita à continuidade e à mudança (Schaffer, 1996). Teresa
Goldschmidt (2003) ressalva a importância da capacidade que a família tem para investir
afectivamente nos seus elementos, em particular nas crianças, centrando-se nas suas
necessidades e não nas necessidades das figuras parentais.
Compreende-se facilmente, assim, que a saúde mental de uma criança e a sua
capacidade para resistir a tensões e conflitos provêm do espaço virtual promotor do
desenvolvimento que os pais constroem na relação com o/a filho/a (Salgueiro, 1995). Assim,
“mesmo que uma criança se fragilize muito na sua inserção escolar, se tiver uma boa base de
apoio familiar, estará mais apta a ultrapassá-la do que se essa falha for concomitante ou
secundária a uma dificuldade familiar” (Strecht, 2001, p. 132).
No que concerne, mais especificamente, às famílias de crianças com depressão
segundo Sander e McCarty (2005) na génese da depressão na infância actuam múltiplos
factores de ordem parental e familiar, tais como: clima familiar; interacções pais-criança; tipo
de vinculação existente; psicopatologia parental (viz., depressão parental); estilo cognitivo
parental. E, ainda, o temperamento da criança e a maneira como esta lida com o ambiente
familiar podendo condicionar a sua resiliência (Cyrulnik, 2003) ou tornar a criança mais
vulnerável à depressão. Variáveis como stress, conflito conjugal e suporte social interagem de
forma determinante com os factores mencionados anteriormente.
Nas linhas seguintes serão analisados estes factores de forma mais detalhada,
atendendo aos diversos autores que se dedicaram ao estudo teórico e/ou empírico da
etiopatogenia familiar na depressão da criança.
Coimbra de Matos (2002) reitera a existência de uma constelação familiar
depressígena composta pelo desequilíbrio entre o feminino e o masculino, entre as figuras
parentais, com um objecto parental dominador e actuante, geralmente também tirânico
(vulgarmente associado à mãe) e o outro demitido da sua função parental (comummente
ligado ao pai que pode estar deprimido). O autor assinala que a condição patogénica encontra-
se na relação privilegiada, situação totalitária que a criança experiencia com o objecto
dominante da díade parental, através do controlo materno precoce e continuado (que pode ser
desempenhado pela figura paterna e não materna) perante a demissão da outra figura. Posto
isto, conclui que à criança “só lhe resta a obediência, submissão e progressiva desistência e
adaptação depressiva; e/ou a revolta amordaçada. Ulteriormente, poderá chegar (ou não) à
revolução e libertação” (p. 445). A tendência para a presença de uma figura materna
14
dominadora, controladora e punitiva é também defendida por Garber, Gallerani e Frankel
(2009).
O sentimento de impossibilidade de corresponder à expectativa parental por parte da
criança devido à carga fantasmática de um superego rígido e exigente face ao ideal do Eu
contribui também para a génese da depressão infantil (Gueniche, 2005; Marcelli, 2005).
É frequente encontrar-se na literatura a associação de conflitos acentuados nas relações
familiares de crianças deprimidas, incluindo maiores níveis de agressões verbais e físicas,
caracterizando-as como disfuncionais. Estes conflitos parecem estar ligados a uma dificuldade
na sua resolução. Através da observação da interacção pais-filhos, da percepção das figuras
parentais e da análise dos relatos das próprias crianças deprimidas verifica-se uma tendência
para interacções familiares mais negativas, hostis e negligentes, acentuando-se a falta de
comunicação, coesão e suporte familiar comparativamente com famílias de crianças não
deprimidas (Garber et al., 2009; Jones, Beach & Fincham, 2006; Schwartz, Gladstone &
Kaslow, 1998; Stark et al., 2012). No estudo comparativo realizado por George, Herman e
Ostrander (2006) observou-se uma associação entre sintomas depressivos na infância e
ambientes familiares pouco coesos e intelectuais, com elevados conflitos. Neste seguimento,
para Funk e Stark (2012) e Stark et al. (2012) a criança internaliza o padrão de relações
familiares negativas, tornando-a mais susceptível à patologia depressiva.
As experiências de separações e/ou perdas precoces e repetidas com valor traumático,
em especial da figura materna, também associadas a situações de óbito de um dos pais, avós,
irmãos ou outras figuras significativas, separação ou divórcio parental, hospitalizações, entre
outros, parece afigurar-se na literatura como um dos factores que mais se salienta na génese
da depressão infantil (Ferreira, 2002; Gueniche, 2005; Marcelli, 2005; Schwartz et al., 1998).
Os conflitos conjugais tendem a afectar negativamente a depressão na criança
(Cummings, Keller & Davies, 2005; Ferreira, 2002; Jones et al., 2006) através da influência
no estilo parental e no tipo de vinculação, contribuindo para o aumento dos conflitos na
relação pais-criança e criança-irmãos. Neste sentido, num estudo longitudinal de O’Donnell,
Moreau, Cardemil e Pollastri (2010) observou-se que os estilos parental e cognitivo actuam
como moderadores na relação entre o conflito inter-parental e a depressão na infância.
Deste modo, as carências ou incoerências afectivas e/ou educativas precedentes ou não
de situações de separação são apontadas como causas para a patologia depressiva da criança
(Gueniche, 2005). Em comparação com os seus pares observa-se que as crianças deprimidas
tendem a percepcionar os pais como figuras que providenciam pouco afecto e suporte, um
maior controlo, intrusão e rejeição e menor disponibilidade emocional para os filhos,
tornando-os mais propensos a uma vinculação insegura (Bowlby, 1990; Garber et al., 2009;
15
Jones et al., 2006; Marcelli, 1995; Schwartz et al., 1998). A este propósito Gullone, Ollendick
e King (2006) analisaram o papel da representação da vinculação em 326 crianças e
observaram que uma representação da vinculação que indique disfunção correlaciona-se aos
sintomas depressivos.
A partir de um estudo longitudinal Mezulis, Hyde e Abramson (2006) obtiveram uma
correlação entre o temperamento negativo da criança, eventos de vida negativos e
vulnerabilidade para a depressão, através do estilo cognitivo, agravado pelos comportamentos
maternos de feedback negativo face à criança e expressão de zanga.
Vários autores (Ferreira, 2002; Gueniche, 2005; Hughes & Asarnow, 2011; Marcelli,
2005; Schwartz et al., 1998; Strecht, 1998) assinalam a importância da existência de uma
patologia familiar que geralmente se traduz em núcleos depressivos num ou em ambos os
pais, com destaque para a figura materna que através da relação precoce com a criança
permite a introjecção do seu sofrimento psíquico pela criança. No âmbito da patologia
parental intervêm também os mecanismos biológicos na ordem de uma maior predisposição
genética para a depressão nas crianças filhas de pais deprimidos, com risco acrescido no caso
de ambos os pais se encontrarem deprimidos. A interacção das mães deprimidas com os filhos
é descrita como tendencialmente disfuncional pela presença de sentimentos negativos como a
tristeza, irritabilidade e hostilidade dirigidos aos filhos. Tratam-se de mães mais intrusivas,
menos positivas, mais conflituosas, mais punitivas (têm pouca tolerância ao comportamento
dos filhos e são mais críticas) e apresentam dificuldades em resolver conflitos ou adoptar um
estilo parental democrático recorrendo com frequência ao isolamento e evitamento dos
conflitos ou superprotecção dos filhos. Estimulam menos os filhos e promovem uma
vinculação insegura, predominando a vinculação insegura-evitante. O tipo de vinculação
desorganizada parece sobressair no caso de depressões maternas mais graves (Carvalho et al.,
2006; Garber et al., 2009; Goodman & Gotlib, 1999; Hughes, Hedtke & Kendall, 2008; Stark
et al., 2012). Num estudo longitudinal com uma amostra de 83 pais de crianças com idades
inferiores a 18 meses conduzido por Gartstein e Bateman (2008) verificou-se uma correlação
entre maiores níveis de depressão materna, de afectos negativos da criança e de sintomas
depressivos na criança. A investigação longitudinal de Lau, Rijsdijk, Gregory, McGuffin e
Eley (2007) obteve resultados semelhantes aos observados no estudo anterior, ao verificar
uma associação entre a depressão materna, estilo cognitivo negativo da criança e a ocorrência
de sintomas depressivos na infância, agravados face a eventos de vida negativos. A depressão
materna pode também contribuir para um agravamento dos conflitos entre o casal parental e,
assim, afectar a interacção do pai com os filhos, nomeadamente através da superprotecção
materna e de um baixo envolvimento paterno com os filhos (Carvalho et al., 2006).
16
Outros factores como as famílias monoparentais e as famílias com baixos recursos
socioeconómicos podem também contribuir para o desenvolvimento ou agravamento da
depressão infantil (Carvalho et al., 2006; Ferreira, 2002; Schwartz et al., 1998).
Ainda que tenham sido enumerados alguns acontecimentos de vida traumáticos
ligados a uma situação de perda ou separação (real ou imaginária) e os factores favoráveis
associados ao contexto familiar tendo como resultado a depressão na criança, importa
ressalvar que não existe uma relação causal linear entre estes elementos. Todavia, tratam-se
de situações descritas com grande frequência nos antecedentes de crianças com diagnóstico de
depressão (Gueniche, 2005; Marcelli, 2005).
Tal como referem Jewell e Beyers (2008) facilmente se compreende que “os efeitos da
interacção de variáveis do ambiente familiar para distinguir e prever psicopatologia na
infância são complexos e exigem maior atenção” (p. 88). Assim, a presente investigação
propõe-se estudar esta temática aplicada ao estudo da depressão na criança que tem sido
menos abordada na literatura comparativamente com a depressão na adolescência e adultícia;
desconhecem-se estudos significativos que procurem conhecer o funcionamento familiar da
população que este estudo se propõe estudar de forma abrangente e integrada, isto é,
articulando numa mesma investigação os sentimentos e emoções familiares a partir das
percepções da criança e das suas figuras parentais; desconhecem-se investigações inseridas no
contexto sócio-cultural português que explorem as relações familiares de crianças com
depressão; o tipo de metodologia utilizada destaca-se da restante literatura por não se
encontrarem estudos de tipo qualitativo, incluindo o método de Estudo de Caso e raramente se
utiliza o instrumento Teste de Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985) combinado
com a prova Teste de Relações Familiares, Versão Casais (Bene, 1976).
5. Objectivo
17
MÉTODO
1. Delineamento
2. Participantes
Esta investigação é constituída por cinco crianças diagnosticadas com depressão pelos
psicólogos e pedopsiquiatras da Unidade de Pedopsiquiatria do Serviço de Pediatria de um
hospital situado na Península de Setúbal e os respectivos pais. Três crianças pertencem ao
sexo masculino e duas ao sexo feminino. Segundo a terminologia psicanalítica de Freud
(1905/1981) estas crianças encontram-se no período de latência, com idades compreendidas
entre os 87 e os 125 meses, isto é, entre os 7 anos e 3 meses e os 10 anos e 5 meses (M=113,4
meses). Com excepção da menina mais nova que frequenta o 1º Ano de escolaridade, todas as
outras crianças frequentam o 4º Ano do 1º Ciclo do Ensino Básico (no final do ano lectivo
todas transitaram de ano, sem registarem reprovações nos anos lectivos anteriores). Nos casos
em estudo todas as famílias residem na Península de Setúbal e os progenitores são casados,
encontrando-se apenas uma família reconstruída com descendência de uma relação anterior,
sendo que as restantes famílias são de tipo nuclear e todas as crianças têm apenas um(a)
irmão/irmã. Dois casos, o Tomé e a Isabel são irmãos, perfazendo uma família nuclear
completa em estudo. A idade das mães varia entre os 37 e os 39 anos (M=38.5) e a dos pais
18
entre 38 e 46 anos (M=41.25). Quanto às habilitações literárias das mães, uma tem Mestrado
(encontrando-se a realizar o Doutoramento), duas têm o Ensino Secundário concluído e uma
tem o Ensino Secundário incompleto (6º Ano). Dos pais, um tem o Mestrado e os restantes
têm o Ensino Secundário incompleto (9º Ano, 8º Ano e 5º Ano), sendo que o pai com menos
habilitações é o único progenitor que se encontra desempregado. As famílias em estudo
distribuem-se da seguinte forma quanto à classe social a que pertencem: Caso do João –
Classe I (Alta); Casos do Tomé, Isabel e Gabriel – Classe III (Média); Caso da Mariana –
Classe IV (Média Baixa).
3. Procedimento
19
que este facto possa condicionar os resultados obtidos funcionando como variável parasita,
optou-se pela adaptação às necessidades específicas de cada criança (e.g., tempo que
despendem na aplicação de cada prova), à disponibilidade horária dos pais e da própria
investigadora e existência de gabinetes disponíveis para cada sessão.
Assim, a recolha dos dados teve início através de uma sessão com ambos os pais (Caso
do Tomé, Isabel e Gabriel) ou com apenas a mãe (Caso do João e Mariana) apresentando-se o
consentimento informado, no qual se explicou o âmbito da investigação, o número de
encontros necessários à recolha dos dados e os cuidados éticos implicados (e.g., carácter
voluntário de participação, confidencialidade, protecção dos dados). Na primeira sessão com
o pai presente foi-lhe igualmente apresentado o consentimento informado, sendo importante
ressalvar que todas as crianças obtiveram o devido consentimento por escrito das figuras
parentais. Com ambos os pais presentes realizou-se uma entrevista semi-directiva (Anexo E)
com o objectivo de recolher os dados necessários à elaboração da anamnese da criança,
genograma familiar e, ainda, para a Classificação Social Internacional de Graffard (Gomes
Pedro, 1985) (Anexo F). Procedeu-se à passagem da prova Teste de Relações Familiares,
Versão Casais (Bene, 1976) (Anexo G) a cada figura parental individualmente.
A primeira sessão com a criança iniciou-se com uma entrevista semi-directiva (Anexo
H) com o intuito de recolher informações associadas à história e percepção familiar da criança
como, também, permitir que esta se expressasse de forma espontânea, favorecendo, assim, a
criação de uma relação de aliança com a observadora, de modo a facilitar a passagem das
provas projectivas que se seguiram.
Nos Casos do Tomé, Isabel e Mariana, em seguida, administraram-se os testes
Desenho Livre e Desenho da Figura Humana (Machover, 1978). Na segunda sessão
procedeu-se à aplicação dos instrumentos Desenho da Família (Corman, 2003), Teste de
Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985) (Anexo I) e Inventário de Depressão
para Crianças (Marujo, 1995) (Anexo J).
No caso do Gabriel após a aplicação do Desenho Livre utilizou-se o Inventário de
Depressão para Crianças (Marujo, 1995). Na segunda sessão aplicou-se o Desenho da
Figura Humana (Machover, 1978) e o Teste de Relações Familiares, Versão Crianças (Bene,
1985). O Desenho da Família (Corman, 2003) aplicou-se na última sessão.
Na segunda sessão de recolha de dados com o João aplicou-se o Desenho Livre, na
terceira sessão o Desenho da Família (Corman, 2003). A quarta sessão iniciou-se com a
passagem do instrumento Teste de Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985),
seguiu-se o Desenho da Figura Humana (Machover, 1978) e o Inventário de Depressão para
Crianças (Marujo, 1995).
20
Na última sessão com cada criança realizou-se a passagem da técnica projectiva As
Aventuras de Pata-Negra (Corman, 2001) (Anexo K).
Deve-se, ainda, referir que a passagem dos instrumentos supramencionados foi
realizada pelo mesmo examinador e numa sala pertencente à Unidade de Pedopsiquiatria.
Durante a passagem das provas enfatizou-se a importância da participação voluntária de cada
sujeito, tal como, o facto de não existirem respostas certas ou erradas nas provas aplicadas,
visto que o interesse está no que o indivíduo considera mais verdadeiro para si mesmo. Todos
os nomes mencionados nesta investigação são fictícios, de forma a preservar a
confidencialidade dos dados.
Após a recolha dos dados junto das famílias recorreu-se aos processos clínicos de
forma a obter os dados relativos à origem e motivo do pedido, gravidez, parto,
desenvolvimento durante a primeira, segunda e terceira infância da criança, história familiar e
relatórios escolares. Em seguida, procedeu-se à análise dos dados através da integração da
informação fornecida nos processos clínicos, observação livre, entrevistas e provas aplicadas
aos pais e crianças, enfatizando-se a percepção das relações familiares de cada sujeito em
estudo (criança, mãe e pai). Por fim, elaborou-se uma comparação e discussão geral dos
resultados obtidos em cada uma das famílias de forma a aceder a uma leitura compreensiva
das percepções familiares presentes nas famílias de crianças diagnosticadas com depressão.
4. Instrumentos
21
4.1. Desenho Livre
22
precoces, o investimento particular das zonas erógenas, os locais de conflitos pulsionais e a
estrutura da organização tópica do sujeito” (pp. 268-269). Desta forma, a prova permite a
projecção das identificações e conflitos da criança, que aliados à avaliação dos aspectos
normativos implícitos ao processo de desenvolvimento humano transmitem informações
pertinentes sobre o indivíduo em avaliação (Machover, 1978).
Durante a administração da prova é entregue ao sujeito um lápis de carvão, lápis de
cor, uma folha de papel branco em formato A4 e, ainda, uma borracha (caso o sujeito a
solicite). Segue-se a seguinte instrução: “Gostaria que desenhasses uma pessoa nesta folha.
Faz o melhor desenho que puderes” e um inquérito quando o desenho estiver terminado.
Todos os comentários proferidos pelo sujeito ao longo da prova devem ser anotados pelo
observador. Após este primeiro desenho solicita-se ao sujeito que desenhe uma pessoa do
sexo oposto à figura desenhada em primeira instância, repetindo-se o processo de aplicação
utilizado no primeiro desenho (Machover, 1978). Neste estudo além da versão integral da
prova proposta por Machover (1978) recorreu-se a um inquérito constituído por três questões
complementares por se considerarem adequadas e pertinentes face aos objectivos da prova
atendendo à fase de desenvolvimento das crianças em estudo. Seguem-se as questões
utilizadas: Quem é esta pessoa? Como se chama e que idade tem? Qual foi o dia mais feliz da
sua vida? E o dia mais triste? Conta-me uma boa recordação que tenha. E uma má recordação.
23
4.4. Inventário de Depressão para Crianças
Este instrumento da autoria de Maria Kovacs (2004) também designado por CDI
(Children’s Depression Inventory) é uma escala que pretende avaliar a gravidade dos
sintomas de depressão em crianças e adolescentes, dos 7 aos 15 anos de idade, não tendo
como objectivo o diagnóstico de depressão. Trata-se, assim, de uma adaptação do teste BDI
(Beck Depression Inventory, Beck, Steer & Brown, 1996) amplamente utilizado na
autodescrição de sintomas depressivos em adultos. O CDI compreende sintomas ligados à
caracterização da depressão nas áreas da cognição, afecto e comportamento: tristeza,
pessimismo, sentimentos de insucesso, insatisfação, culpa, auto-imagem baixa, suicídio,
indecisão, fatigabilidade, dificuldades escolares, anedonia, problemas de sono e de
alimentação (Kovacs, 2004; Marujo, 1995).
No presente estudo recorreu-se à adaptação portuguesa da prova da autoria de Helena
Marujo (1995) após a devida autorização da autora. A escala contém 27 itens e pressupõe o
preenchimento pela própria criança ou por figuras relevantes na sua vida como a mãe, o pai
ou professor(a) através da escolha entre quatro opções de resposta por item com valores entre
0 e 3 pontos (total máximo de 81 pontos), sendo que zero corresponde à opção que representa
a menor intensidade e frequência e três a mais elevada e, portanto, de depressão (e.g., “Item 1:
Nunca me sinto triste, Às vezes sinto-me triste, Sinto-me quase sempre triste, Sinto-me
sempre triste”), tendo como referência as duas últimas semanas da criança/adolescente.
Assim, esta adaptação difere da versão original de Kovacs (2004) composta por apenas três
opções de resposta por item, com valores entre 0 e 2 pontos (total máximo de 54 pontos).
Para a definição de “caso deprimido” e “caso não deprimido” é frequente utilizar-se
um ponto de corte de 19 nas versões internacionais da prova, incluindo a versão de Kovacs
(2004). Contudo, na adaptação portuguesa optou-se por recorrer ao critério estatístico
associado à média (22.06) e desvio-padrão (11.68). Assim, constituíram-se quatro grupos com
as seguintes características (Marujo, 1995): Grupo 1 – “não deprimidos”: resultados inferiores
à média, menos um desvio-padrão (valores inferiores a x-s=10.38); Grupo 2: resultados
inferiores à média, sem se distanciarem dela mais do que um desvio-padrão (valores entre
10.38 e 22.05); Grupo 3: resultados superiores à média, sem se distanciarem dela mais do que
um desvio-padrão (valores entre 22.07 e 33.74); Grupo 4 – “deprimidos”: resultados
superiores à média, mais um desvio-padrão (valores superiores a x+s=33.74).
No que concerne às características psicométricas do teste, segundo dados obtidos em
diversas investigações, o teste é fiável, obtendo um coeficiente Alfa de Cronbach de 0,86
quanto ao valor de consistência interna no estudo original. Verifica-se, ainda, a existência de
24
evidência empírica sobre os valores de validade concorrente e de constructo da prova
(Kovacs, 2004). Contudo, como assinala Marujo (1995) os resultados contraditórios obtidos
ao nível da validade discriminante colocam-na na posição da propriedade psicométrica mais
criticada e discutida. Assim, em alguns estudos este instrumento não diferencia entre
populações clínicas e não clínicas ou entre diferentes grupos clínicos, enquanto noutros
estudos demonstra distinção. Este último facto coloca ênfase na sua aplicação enquanto
instrumento complementar “sobre a sintomatologia e não como um instrumento de
diagnóstico, para usar separadamente” (p. 455).
25
psicodinâmicos de defesa destacados assumem particular importância em crianças gravemente
perturbadas (Bene, 1985).
26
4.7. As Aventuras de Pata-Negra
27
RESULTADOS
29
Apesar de a mãe se sentir preocupada, na sua saúde nada justificava a prematuridade. Após o
nascimento a Isabel sofreu uma infecção por adenovírus, sem registo de sequelas. Permaneceu
dois meses e meio na incubadora e a mãe quinze dias internada, contactando com a mãe
passados oito dias do nascimento. Durante o internamento da Isabel os pais passavam o dia no
hospital até às vinte e duas horas “durante a noite ela só conseguia estar bem ao colo. Quando
saiu do hospital tinha 1,5kg. O Tomé parece que ficou ao abandono, ficava com a avó
materna”, partilha o pai. Na altura, o Tomé tinha três anos e via os pais apenas à noite. Os pais
reconhecem a existência de um ambiente emocional pesado em relação ao estado de saúde da
filha, sentindo muita preocupação e ansiedade. Na altura não notaram alterações no Tomé mas
“nota-se agora. Não transmite aquilo que sente, é reservado nas emoções” referem os pais,
admitindo, ainda, que não estariam eventualmente atentos aos sinais do Tomé.
A Isabel (Anexo M) frequenta o 1º Ano do 1º Ciclo do Ensino Básico. Apresenta um
desenvolvimento estato-ponderal adaptado à sua idade e género, contudo, de um modo global
traduz uma imaturidade que a faz parecer mais nova. Trata-se de uma criança harmónica, com
aspecto físico investido e cuidado. Estabeleceu um contacto inibido, todavia registou-se uma
disponibilidade crescente para a relação e verbalização no decorrer das sessões. Verbaliza, por
vezes, com espontaneidade, utilizando um tom de voz baixo e pronunciando as palavras de
forma imatura para a idade. Estabeleceu contacto ocular marcado por um olhar triste. Manteve
um comportamento estável, controlado e concentrado nas provas realizadas.
Pela prematuridade a Isabel é seguida na consulta de desenvolvimento de um hospital
da Grande Lisboa onde a mãe manifestou a sua preocupação relativamente à ansiedade e
medos da filha (de animais, ladrões, palhaços, deitar-se sozinha, acidentes, do perigo, etc.),
sendo encaminhada para a consulta de psicologia daquele hospital. Foi reencaminhada para a
Unidade de Pedopsiquiatria devido à sua área de residência. Assim, há cerca de dois meses
que a Isabel iniciou o acompanhamento em consultas terapêuticas de psicologia de frequência
semanal beneficiando, também, de consultas familiares junto dos pais.
Para os pais as queixas de medo e ansiedade da Isabel agravaram-se há cerca de um
ano quando o carro do avô materno foi assaltado e a Isabel encontrava-se com o avô quando
descobriu o carro aberto, ainda que a Isabel não tivesse visto os ladrões. Assim, o medo de
cães agravou-se nessa altura “como a mãe também tem medo isso não ajuda. Ela trepa por
cima da mãe desesperadamente com medo de cães”, revela o pai. A Isabel tem dificuldades
em adormecer (depois a noite corre bem) pois como a própria diz “tenho medo de ladrões
quando me vou deitar. Tenho medo que eles me levem”. Quando a mãe está em casa fica com
a Isabel até a filha adormecer. Caso contrário, a Isabel chama a mãe ao quarto e “se a mãe não
vai ela pede um copo de água, mas não chora. Comigo ela não chama, mas já houve períodos
30
de ela começar a choramingar mas eu digo que ela não tem motivos” revela o pai e acrescenta
que de manhã a mãe tenta acordar os filhos chamando-os várias vezes até ficar irritada, mas
estes não obedecem “acho que a mãe cede demais”. Com o pai levantam-se logo. A Isabel não
consegue ficar sozinha numa divisão da casa, seguindo sempre a mãe, mesmo que a mãe a
tente tranquilizar dizendo-lhe que não virão ladrões. “Se for alguém de quem ela goste a nossa
casa é um choro. Porque tem pena que as pessoas se vão embora”, confessa o pai.
Em bebé o sono da Isabel era agitado, sendo difícil adormecer. No entanto,
“adormecia facilmente no meu colo” indica o pai. Nunca teve problemas ao nível do
desenvolvimento psico-motor e linguístico associados à prematuridade, começando a andar e
a falar mais cedo que o irmão e sem dificuldades. Durante as refeições demora, por vezes,
duas horas para comer. Segundo o pai “comigo come tudo, com a mãe é mais difícil mas
quando eu repreendo a mãe tenta arranjar uma desculpa para a defender”.
Até aos cinco meses a mãe cuidou da Isabel e o Tomé ficou com a avó materna. Após
este período ficou aos cuidados da avó materna até aos seis anos, não frequentando a creche.
Na entrada para a escola registou uma boa adaptação. A professora refere que é um pouco
lenta, embora já saiba ler. É bem comportada e dá-se bem com os colegas.
Na família alargada desconhecem-se casos de doença psiquiátrica. Contudo, a mãe
revela que “em pequena era muito tímida, muito reservada, parecida com o Tomé. No recreio
não ia ter com os outros meninos”. Por seu lado, o pai confessa que “sempre fui uma pessoa
com dificuldades na escola” e, por esse motivo, aos dez anos foi seguido em psicologia.
Os pais apresentam um aspecto físico investido e cuidado e estabeleceram um contacto
adequado e expressivo. Revelaram interesse e entusiasmo em partilhar as suas vivências e em
participar na investigação. Ambos mantiveram contacto ocular, ainda que, tenha observado
um olhar muito triste e vazio na mãe, o sentimento de culpabilização, a necessidade de
prolongar as respostas às questões quando pareciam terminadas, verbalizando até ao momento
em que eu formulava uma nova questão, numa tentativa de preencher o espaço vazio. A mãe
pareceu-me uma pessoa mais negativa que o pai, o qual pareceu assumir-se como a figura que
tenta equilibrar as situações de forma mais positiva.
A figura materna apresenta uma auto-estima baixa ligada a uma vivência depressiva
com afectos na linha da insegurança, inferioridade e culpabilização na relação com os outros,
sobretudo, na relação com os filhos devido à percepção de disponibilizar pouco tempo para a
família em detrimento da vida profissional. Sente-se desvalorizada e insegura em especial na
relação com os elementos exteriores à família biológica. Assim, parece ainda muito
dependente e pouco autonomizada do espaço relacional com a sua figura materna e da própria
família de origem. Utiliza como principais defesas a idealização e a negação, permitindo-lhe
31
reprimir os afectos depressivos e a projecção de agressividade nos elementos da família. A
idealização da relação conjugal dos avós maternos: “admiro os meus pais porque quando se
deitam é como se nada tivesse acontecido e o dia a seguir é novo” expressa o desejo de
manter os conflitos recalcados através do recurso à negação e fuga para a frente. O elevado
envolvimento no meio profissional pode também remeter para uma defesa na linha da mania.
Este tipo de vivências aliadas à recção de choro intenso durante a entrevista clínica
após o pai caracterizar a relação de casal como “conflituosa” e o comentário ao cartão 45 –
Esta pessoa da família aprecia a minha companhia: “neste momento sinto-me tímida e
isolada no meu mundo, que não sei bem quem aprecia a minha companhia” na passagem da
prova TRF (Anexo N) podem remeter para depressão materna, à semelhança da hipótese
avançada pela psicóloga que acompanha os pais nas consultas terapêuticas na Unidade,
também prevendo depressão pós-parto. A psicóloga aconselhou a mãe a procurar ajuda
psicoterapêutica para esta problemática embora, a mãe tenha sempre recusado.
A figura paterna apresenta um elevado grau de neuroticismo, com forte bloqueio da
agressividade sobre os elementos da família, recorrendo a defesas na ordem da negação e
idealização das relações.
Quanto ao Tomé sobressai a expressão de auto-agressividade através de uma auto-
estima insegura e culpabilizada. Revela-se emocionalmente dependente de ambos os pais,
com destaque para a figura materna. Os principais mecanismos de defesa utilizados são a
idealização, evitamento do conflito, recalcamento, negação e formação reactiva, o que lhe
permite negar a expressão agressiva sobre os elementos da família.
A Isabel apresenta uma auto-estima insegura e percepciona-se como o elemento mais
dependente das figuras parentais, nomeadamente dos cuidados e protecção maternos. Os
principais mecanismos de defesa utilizados são o deslocamento, idealização, formação
reactiva, negação, evitamento e recusa dos conflitos, bloqueando a expressão agressiva sobre
os elementos da família e a vivência depressiva.
No âmbito da percepção materna da relação conjugal sobressaem as dificuldades na
relação de casal associadas ao sentimento de carência de apoio, compreensão e pouco
envolvimento nas funções conjugais/parentais do pai, mas também a interferência de
sentimentos de insegurança e culpabilidade por parte da mãe. O pai é ainda caracterizado de
forma autoritária, punitiva (associando ao ambiente familiar no qual se desenvolveu) e
dependente da protecção da mãe, podendo remeter para uma percepção desvalorizada desta
figura. O pai, por seu lado, tende a valorizar pouco a relação de casal, idealizando os afectos
positivos emitidos e sentindo os afectos recebidos como ambivalentes (no TRF). Esta
percepção permite antever conflitos na relação de casal “por má interpretação das coisas”,
32
sentindo a mãe como uma pessoa pouco tolerante, insegura e com irritabilidade emocional,
transmitindo pouco afecto e erotização à relação. Exprime o desejo de a proteger.
Quanto à relação mãe/Tomé a figura materna percepciona esta relação de forma
dependente e idealizada, providenciando protecção e cuidado ao Tomé, mas também sente
que o filho se preocupa com a mãe. Sente-o inibido na interacção que estabelece com a mãe.
Na percepção do Tomé observa-se a presença de fantasias edipianas numa relação fortemente
idealizada, negando os aspectos negativos e a expressão agressiva, o que dificulta o processo
de separação emocional da figura materna pelo elevado grau de dependência que mantém.
Sente que a mãe centra a sua atenção nele, seguindo-se a irmã e, por último, surge o pai com
pouca indulgência materna. Revela o desejo de autonomização desta figura. Na prova PN
sobressai a vivência de desprotecção, carência e a função de apoio é representada de forma
precária, necessitando a própria mãe de um auxiliador na sua função materna e de contenção.
A interacção pai/Tomé é percepcionada pelo pai de forma idealizada e correspondida.
Sente que o filho é pouco tolerante à frustração, achando-o “deprimido” e passivo. Para os
pais o Tomé percepciona o pai como uma figura punitiva temendo a repreensão dos seus
erros. Na percepção do Tomé destaca-se uma forte idealização da relação, demonstrando o
desejo de aproximação e atenção do pai. Surge uma dependência emocional do Tomé face ao
pai que não supera a relação dependente que mantém com a mãe. Contudo, sente o pai como
uma personagem com pouca “paciência” e agressivo.
A relação mãe/Isabel é caracterizada pela figura materna como dependente e
idealizada, ainda que desperte afectos agressivos na mãe, sentindo-se irritada face às condutas
da filha. Os pais sentem a necessidade da Isabel agradar à mãe: “está sempre a dizer que gosta
muito da mãe. Quer ajudá-la”. A mãe sente-se culpada pela percepção de projectar na filha os
seus próprios medos internos, não conseguindo representar um modelo de contenção e
segurança para a filha. Na percepção da Isabel sobressai o desejo de agradar à mãe, a procura
da sua protecção e indulgência e, ainda, uma forte idealização e dependência emocional com
esta figura, o que dificulta o processo de separação. Ainda assim, a Isabel percepciona alguns
afectos negativos recebidos pela mãe (no TRF). A mãe é sentida como uma figura “chateada,
triste, aleijada” e relativamente dependente, centrando apenas a sua atenção nos filhos.
A relação pai/Isabel é idealizada e correspondida por parte da figura paterna. Sente
que a filha estabelece consigo um contacto fácil e sedutor, mas também que é muito reservada
e receosa face à atitude firme do estilo parental do pai. Segundo os pais a Isabel estabelece
apenas com o pai um discurso imaturo para a idade, ainda que, o pai a repreenda. Por parte da
Isabel esta relação é pouco valorizada projectando sentimentos de insegurança e desprotecção
33
na relação com a figura paterna. Ainda assim, na prova PN o imago paterno é associado à
função de alimentar e ao nascimento, realizando uma inversão dos papéis parentais.
A relação fraterna é percepcionada pelos pais através de uma relação próxima, ainda
que, marcada pela rivalidade fraterna onde a mãe faz uma identificação projectiva com a
relação que mantinha com o seu irmão (tio materno do Tomé e Isabel). Sentem que o Tomé é
mais dependente da protecção materna e tende a proteger a irmã enquanto a Isabel é menos
dependente, defendendo-se sozinha e sendo mais astuta. Para o Tomé a relação com a irmã é
marcada por sentimentos de inferioridade face a esta figura e pela rivalidade fraterna
transmitindo o desejo de obter a atenção/protecção exclusiva dos pais, sobretudo da mãe. Na
percepção da Isabel destaca-se a vivência de rivalidade fraterna, sentindo-se também
protegida pelo irmão (pode remeter para a defesa pela formação reactiva no Tomé).
Quanto à relação do Tomé com outros familiares os pais focam-se na interacção com o
avô materno marcada por uma atitude submissa e passiva por parte do avô e uma conduta de
provocação e desafio da autoridade do avô no Tomé.
Na relação da Isabel com outros familiares ou adultos sobressai a percepção parental
de um contacto fácil, sedutor, a necessidade de agradar e uma forte angústia de separação
mesmo de adultos com os quais não tem contacto frequente: “agarra-se muito às colegas da
mãe, mesmo não as conhecendo, elas estranham”. A Isabel percepciona o avô materno como
uma figura autoritária e punitiva.
A relação com a família de origem da mãe é percepcionada por esta de forma
idealizada, transmitindo pouco autonomia emocional sobretudo em relação à avó materna
com a qual mantém uma relação excessivamente próxima e dependente, sendo a mais
satisfatoriamente correspondida “a minha mãe é a minha melhor amiga”. Ao avô materno são
associadas características dependentes dos cuidados da mãe, podendo representar uma forma
de desvalorização desta figura. A relação com o tio materno associa-se à rivalidade fraterna e
à carência de apoio e desvalorização por parte desta figura face à mãe. A mãe sente-se
desvalorizada na relação com a tia materna. Ambos os pais consideram que a avó materna é
permissiva para o Tomé e a Isabel, estimulando pouco a autonomia dos netos.
Na relação com a família de origem paterna a mãe sente-se pouco valorizada
sobretudo na relação com a tia paterna atribuindo-lhe sentimentos de incompetência e
fraqueza e com a avó paterna, da qual apenas recebe afectos agressivos, não se sentido aceite.
O pai projecta uma elevada dependência emocional face à avó paterna, remetendo para
dificuldades no precesso de autonomização desta figura. Expressa, ainda, o desejo de a
proteger. Contudo, a avó paterna é percepcionada de forma rígida, autoritária,
emocionalmente independente, exigindo receber mais afecto do que aquele que disponibiliza
34
à família. Na relação com o tio paterno apresenta um elevado grau de envolvimento afectivo,
dependendo muito desta figura. Todavia, sente-se desvalorizado. A relação com a tia paterna
(esposa do irmão) e com os primos gémeos (sobrinhos do pai) é idealizada e pouco
correspondida.
Posto isto, numa família onde as figuras parentais demonstram uma relação
emocionalmente dependente e uma fraca autonomização das famílias de origem, sobretudo a
mãe na relação que estabelece com a avó materna, sobressai uma figura materna
aparentemente deprimida e permissiva e uma figura paterna que assume uma função parental
mais firme e contentora. Os dois abortos espontâneos da mãe e a prematuridade da Isabel
podem associar-se à vivência depressiva materna. Assim, na presença da mãe (e da avó
materna) os filhos tendem a manifestar uma conduta mais imatura marcada pelas dificuldades
de separação, não observada na relação com o pai. O Tomé e a Isabel parecem ter introjectado
a depressão materna através da interacção precoce com esta figura experienciando
dificuldades de separação e autonomização do espaço materno face à falha de
confirmação/valorização narcísica, receando a perda do amor do objecto. Ainda assim, ambos
os pais parecem sentir-se culpabilizados pelo forte envolvimento no mundo laboral e pela
projecção nos filhos das suas próprias dificuldades: no caso do pai, relacionadas com o fraco
desempenho escolar e, no caso da mãe, associadas aos próprios medos e ansiedade, inibição e
isolamento social na infância e consciência da precariedade da função continente. A forte
rivalidade fraterna e o sentimento de inferioridade face à irmã no Tomé podem ligar-se ao
sentimento de abandono experienciado durante a situação de prematuridade da Isabel e a
projecção da distinção forte/fraco pelos pais, onde o Tomé representa a parte fraca, passiva,
sem recursos para se defender e a irmã o lado mais forte, capaz de se defender (provavelmente
também foi mais apoiada e protegida pelos pais devido à prematuridade).
Aparentemente o Tomé não ultrapassou o conflito edipiano pois ainda que expresse o
desejo de separação da figura materna regista-se uma relação dependente, idealizada e pouco
frustrante com esta figura marcada por uma vivência carencial, desprotegida e de precariedade
dos suportes com culpabilidade onde a agressividade é dirigida a si, remetendo para a falha
narcísica e angústia depressiva, dificultando o processo de separação/individuação. Esta
dificuldade de crescer encontra-se também implícita no sintoma de encoprese que simboliza a
problemática de guardar e reter o imago materno e simultaneamente agredi-lo e autonomizar-
se. Posto isto, o Tomé parece apresentar um núcleo depressivo primário (anal) (Ferreira,
2002), o que contraria os resultados obtidos no CDI que indicam um nível intermédio de
depressão e, portanto, não classificado no grupo de sujeitos deprimidos e no grupo de sujeitos
não deprimidos (pode explicar-se pela acção dos mecanismos de defesa durante o teste).
35
A Isabel encontra-se ao nível da relação dual com a figura materna, não permitindo a
separação emocional desta figura. Aparenta dificuldades no acesso à diferenciação sexual e de
gerações. Estas tendências traduzem o não estabelecimento do projecto identificatório e,
assim, a não elaboração do conflito edipiano. A vivência depressiva manifesta-se através do
sentimento de desprotecção parental, de carência oral e inibição da agressividade resultando
no sentimento de culpabilização pela introjecção da agressividade. Assim, parece organizar-se
através do núcleo depressivo precoce (oral) (Ferreira, 2002), o que contraria o resultado
apurado no CDI que a situa no grupo de sujeitos não deprimidos. Este resultado pode ser
explicado através de uma forte defesa face ao instrumento durante a sua realização.
36
dificuldades na articulação das palavras do João. Assim, é acompanhado em terapia da fala
onde se conclui que se trata de uma dificuldade emocional, sendo encaminhando para uma
psicóloga no privado. Esteve um ano e meio a ser acompanhado em psicoterapia semanal e,
para a mãe observou-se uma maior facilidade em expressar sentimentos: “segundo a psicóloga
ele tinha muitas capacidades”. No entanto, desde cedo que mantém uma forte intolerância à
frustração “ele sempre foi assim, quando não é capaz de fazer alguma coisa ou à mínima
contrariedade guincha e chora. Ainda em bebé fez uma endoscopia e já tinha nódulos nas
cordas vocais do esforço que fazia a guinchar” indica a mãe. Nesta altura começaram também
as somatizações: assim que entrava no jardim-de-infância vomitava e a avó levava-o de novo
para casa. Foram-lhe diagnosticados broncoespasmos, asma não alérgica e vários problemas
de pele (estrófulos), sempre associados ao aumento de ansiedade. Recentemente a mãe
observou estereotipias faciais no João em situações de maior ansiedade ou frustração.
Para a mãe “de há um tempo para cá as capacidades têm vindo a baixar, apesar do
rendimento escolar se manter o João tem vindo a perder competências, ele já foi bem melhor,
já escreveu melhor, já foi melhor a matemática e agora tem de estar sentado com a professora
para fazer os trabalhos e chora, os cadernos estão cheios de buracos de ele chorar tanto”.
Aparentemente estas dificuldades acentuaram-se no início do 3º Ano “foi um inferno. Era
chamada à escola porque ele não faz sequer as tarefas mínimas nem com a professora ao lado,
chora assim que vê o plano para o dia ou um problema no quadro, é assim desde o 1º Ano,
mas agora é pior. Sempre sofreu por antecipação e verbaliza várias vezes que a solução para
isto era a morte. Ao início não liguei mas depois comecei a repreende-lo e a chatear-me com
ele quando dizia isto”. O João costuma também lamentar “não sou capaz porque é que eu
vivo?” e “não consigo fazer as tarefas, a minha vida é um inferno”.
Na opinião da mãe o filho foi sempre hipermaturo, manifestando interesse e
preocupação por assuntos sociais comuns aos adultos “já em pequeno se metia nas nossas
conversas. As pessoas amigas dizem que ele é assim porque nós puxamos por ele e por isso é
que é tão interessado mas, a minha filha recebe a mesma educação e não é assim, é muito
mais despreocupada, muito mais calma do que ele” e adianta ainda: “sinto que ele tem medo,
medo de não ser bom de não ser suficientemente bom e de nos desiludir”. Em consulta com a
psicóloga o João desabafa “os meus pais são óptimos, comigo é que são problemas, às vezes
fico triste, podia ser uma pessoa melhor, queria ser um bocado melhor” e, ainda, “os pais
dizem-me: é melhor teres cuidado, não te lembras da última vez? Por favor hoje faz-nos sentir
bem. Penso que os meus pais vão ficar tristes ou não vão. Mas, não é o suficiente para eu me
esforçar. É uma grande preocupação o 5º Ano, se eu não fizer nada irei chumbar o 5º Ano, vai
ser desconfortável. Também não sei porque me distraio, mas não me compreendo”.
37
A professora assinala que “o João é um aluno que desde o primeiro ano de
escolaridade tem demonstrado um aproveitamento positivo mas aquém do seu potencial (…)
por um lado, tem uma grande capacidade de auto-análise e de compreensão dos seus intuitos e
acções mas, que por outro, demonstra uma grande imaturidade quando se depara com
situações de frustração”. Na relação com os pares “revela sentimentos de inferioridade e de
não-aceitação (…) É uma criança com uma auto-estima frágil”. O João revela que é gozado
pelos colegas por chorar muito nas aulas. Para a professora “é premente que o João consiga
realizar os seus trabalhos no tempo estipulado para que nem a sua auto-estima, nem o seu
sucesso escolar fiquem comprometidos”. Na sala de aulas apresenta dificuldade em estar
sentado e concentrado, distraindo-se com muita facilidade, ainda que sozinho, mas próximo
da professora e com os materiais reduzidos ao essencial. Em casa “não pára quieto e não se
concentra nem um segundo, mesmo quando está a fazer uma coisa que gosta”, indica a mãe.
A gravidez do João não foi planeada, embora “muito desejada”. Durante a gravidez a
mãe sentiu-se muito ansiosa. O João nasceu de parto eutócico, a termo. Após o nascimento a
mãe sentia-se “muito bem, era um bebé com muitas competências”. Assim, a mãe recorda-o
no primeiro ano de vida como uma “criança com elevada competência motora, muito
observador e com muito interesse pelo meio, muito consciente mesmo do perigo, não se
magoa”. Para o pai era “muito curioso, activo, muito participativo com adultos. Facilmente
era o centro das atenções, causava espanto pelo seu interesse elevado para a média”.
Após o nascimento a mãe teve o apoio da avó materna do João que cuidou do neto
enquanto a mãe estudava na faculdade. Ficou aos cuidados da avó até ingressar no jardim-de-
infância aos três anos. Os pais queixam-se que o João dormiu sempre pouco e que nunca tem
sono, ainda que, desde os oito anos durma nove horas diárias, acordando bem-disposto e com
energia. Nunca conseguiu dormir no jardim-de-infância. Não se registaram intercorrências no
desenvolvimento psico-motor, linguístico e do controlo esfincteriano. Os pais queixam-se de
uma má alimentação. Nunca usou chucha nem “levou nada à boca”.
A mãe do João pediu para ter acesso aos resultados no final da investigação e recusou
associar os sintomas descritos no consentimento informado ao João, alegando que os pais
consultaram o DSM-IV e os sintomas do filho inserem-se num diagnóstico de hiperactividade
com défice de atenção. Neste momento, estabeleceu um contacto reservado, desconfiado e
irritado, sem me olhar nos olhos. Com o evoluir da sessão este contacto tornou-se mais
disponível e adequado. Utilizou um vocabulário rico com termos técnicos empregues na área
da saúde mental. O pai estabeleceu um contacto reservado. Senti-o inseguro, com o mesmo
olhar triste do João, sendo muito parecidos no aspecto físico e no que me faziam experienciar
através da sua presença. Manifestou uma conduta agida ao longo da entrevista sobretudo
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enquanto a mãe falava. Ao contrário da mãe que manteve pouco contacto ocular na entrevista,
o pai nunca estabeleceu contacto ocular comigo, olhando para o lado enquanto falava.
Na auto-estima da figura materna ainda que sobressaiam os afectos positivos observa-
se a vivência de culpabilização na relação com o João. Projecta pulsões agressivas sobre os
elementos da família recorrendo também à defesa pela negação e idealização das relações
como forma de bloquear a expressão agressiva.
A auto-estima da figura paterna apresenta-se baixa, sendo marcada por sentimentos de
insegurança, inferioridade, irritabilidade, culpabilização e dificuldades em lidar com os
problemas, colocando-se em hipótese um funcionamento depressivo. Observa-se um elevado
grau de neuroticismo no pai pela forte negação da expressão de agressividade sobre os
membros da família, recorrendo também à idealização.
O João exprime uma auto-estima baixa ligada a sentimentos de inferioridade,
pessimismo, insegurança, indecisão, auto-exigência e culpabilização. Percepciona-se como
uma figura dependente e carente da protecção/apoio/atenção parental, com poucos recursos
internos para se defender. Recorre a defesas maníacas, ao evitamento, formação reactiva,
negação, racionalização, intelectualização, sobreinvestimento da realidade perceptiva e recusa
que permitem inibir o sofrimento depressivo e a expressão agressiva sobre os elementos da
família. Observa-se um grau acentuado de neuroticismo.
A relação conjugal é experienciada pela mãe através da idealização dos afectos
positivos emitidos e a vivência de desvalorização pelo pai. Destacam-se os conflitos na
relação de casal associados a um vivido de insegurança, dificuldades na gestão e resolução
destes conflitos, na comunicação e na demonstração de afectos “dificuldades à frente das
partes boas”. O pai liga-se a uma figura passiva e a sentimentos de incompetência/fraqueza
com dificuldades na adaptação social, em exprimir os seus sentimentos e pela insuficiência de
auxílio à família. Por seu lado, o pai tende a idealizar os afectos positivos emitidos e a sentir-
se desvalorizado pela mãe. Assim, surgem conflitos na relação de casal associados ao
sentimento de insegurança e à percepção da mãe como uma figura dominante e punitiva face
ao pai, podendo sentir-se inferiorizado e castrado, submetendo-se ao matriarcado familiar.
A relação mãe/João é idealizada pela mãe, ainda que se culpabilize e denote a carência
de afecto na relação. Além dos afectos que traduzem uma forte ligação e dependência materna
da parte do João, surgem afectos de rejeição associados ao desejo de transgressão do espaço
materno. O João afigura-se como o elemento da família que carece de maior protecção dada a
elevada atribuição de sentimentos de incompetência/fraqueza ligados a dificuldades em lidar
com as adversidades e na adaptação social. Por parte do João a mãe associa-se a uma figura
punitiva, autoritária e pouco disponível para as suas necessidades afectivas.
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Quanto à relação pai/João destaca-se a percepção paterna de uma relação próxima e
idealizada, ainda que, culpabilizada e se observem dificuldades em lidar com os conflitos,
associando-se a uma figura autoritária e punitiva para o filho. O filho é representado como
uma figura que valoriza e investe na relação com o pai, identificando-se com a figura paterna
no sentimento de incompetência/fraqueza. O João percepciona uma relação pouco valorizada
e correspondida face aos seus desejos por parte do pai, representando-o de forma autoritária e
pouco disponível. Ainda assim, parece assegurar uma função de apoio importante para o João.
O pai surge como uma figura mais dependente que a mãe, beneficiando da protecção materna.
Na relação mãe/irmã sobressai a percepção materna de idealização da relação e um
forte envolvimento emocional. No entanto, os afectos negativos vivenciados podem remeter
para a necessidade de separação emocional do espaço materno por parte da irmã. O pai atribui
uma menor relevância à relação pai/irmã. Contudo, percepciona afectos de cariz erotizado e
que exprimem dependência afectiva na relação com a irmã do João.
No âmbito da relação fraterna sobressai para os pais a rivalidade do João embora,
apoie e proteja a irmã. Por seu turno, o João percepciona uma relação próxima e afectuosa
marcada, todavia, por uma forte rivalidade fraterna e pelo sentimento de inferioridade face à
irmã, com quem disputa a protecção parental, sobretudo da figura materna.
A relação do João com outros familiares é vivenciada pelos pais através de uma
atitude desafiante com os avós paternos e maternos e o tio materno surge como a figura
masculina de referência para o João, embora não mantenham um contacto frequente.
Com a família de origem da mãe observa-se uma percepção muito distinta das suas
figuras parentais. Por um lado, a relação com o avô materno reveste-se de um fraco
envolvimento emocional, ainda que idealizada quanto aos afectos positivos recebidos por
parte deste. E, por outro, uma relação muito próxima e dependente com a avó materna, a qual,
transmite o desejo de prolongar a relação de dependência com a mãe do João. No entanto, é
uma relação conflituosa pelos sentimentos de rejeição e agressivos emitidos pela mãe,
remetendo para o desejo de separação e maior autonomia emocional desta relação sentida
como autoritária, pouco afectuosa, punitiva, insegura e depreciativa por parte da avó materna
“antes fazia comparação para os aspectos negativos”.
A relação com a família de origem do pai é percepcionada por este através do
sentimento de culpabilização face à autonomização decorrente da saída de casa dos pais, o
que remete para dificuldades acentuadas no processo de separação/individuação na relação
com a avó paterna, com quem mantinha uma relação de dependência. Na relação com o avô
paterno destaca-se uma relação autoritária, pouco afectuosa e assente na falha de valorização
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narcísica “não atingi o que o meu pai quis”. Actualmente os avós paternos encontram-se em
processo de divórcio e o pai “não está a lidar bem com esse facto”.
Posto isto, na família assiste-se a uma relação próxima com uma figura materna fálica,
dominante que contrasta com uma figura paterna passiva com afectos que transmitem a
vivência de um sofrimento depressivo. Ambos os pais revelam uma fraca autonomização
emocional das suas figuras parentais, transferindo para a relação com o João os modelos de
identificação interiorizados na relação com estas figuras assentes em relações pouco
afectuosas, autoritárias, punitivas e inseguras, projectando, assim, as suas próprias falhas
narcísicas e a vivência de culpa na relação com o João. Assim, verifica-se um forte
envolvimento parental nas questões de ordem racional valorizando a carreira profissional e as
competências académicas do João em detrimento dos afectos, repercutindo-se no
empobrecimento da relação conjugal e na relação pais-filho. A ausência de valorização
narcísica do João por ambos os pais é experienciada inconscientemente como uma falha, uma
castração não lhe permitindo autonomizar-se emocionalmente da relação com o materno, com
risco de perda do amor do objecto. Este facto aliado à identificação com um pai
aparentemente deprimido e também castrado pode reenviar para a angústia depressiva no
João. Torna-se importante mencionar a distinção fraco/forte entre o João e a irmã projectada
pelos pais, onde o João figura como o elemento fraco, inseguro, sem recursos internos para se
defender e a irmã o elemento forte e seguro resultando na acentuada vivência de rivalidade
fraterna e inferioridade no João.
Aparentemente o conflito edipiano não se encontra completamente ultrapassado no
João. Apesar de realizar uma diferenciação adequada dos sexos, papéis parentais e gerações, a
integração do Superego e demonstrar uma identificação à figura paterna e, por vezes,
projectar o desejo de autonomização da figura materna através da agressividade que lhe é
dirigida, rivaliza com o pai e demonstra dificuldades na elaboração dos sentimentos de
solidão face à exclusão do casal parental. Este facto aliado à ausência de valorização narcísica
por ambos os pais e identificação à figura paterna deprimida resulta num vivido de castração e
falhas identitárias onde sobressai o sofrimento depressivo marcado pela angústia de perda do
amor do objecto, de desamparo, afectos ligados à morte, baixa auto-estima, insegurança, falha
narcísica acentuada, culpabilidade através da introjecção da agressividade e dificuldades de
mentalização (instabilidade psicomotora, somatizações). Neste contexto, parece afigurar-se
uma depressão fálica (Ferreira, 2002), o que contrasta com o resultado obtido no CDI que
associa o João ao nível intermédio de depressão, não passível de classificação como “caso
depressivo” e “caso não depressivo”, o que pode remeter para a acção de mecanismos
defensivos durante o teste.
41
3. Síntese do Estudo de Caso 4 – Mariana (9 anos e 9 meses)
42
são como um pêndulo. Interrompe os colegas que tem à volta. Durante as explicações parece
não ouvir (…) comete erros nos exercícios por falta de atenção (…) não consegue acabar as
coisas que começa, o seu trabalho escolar é fraco, sujo e confuso”. Considera que a
dificuldade em realizar as actividades escolares da Mariana não se deve à falta de capacidades
mas sim, de concentração e atenção “não consegue concentrar-se ou estar atenta durante
muito tempo, parece desorientada, desmotivada”. Por alteração de residência a Mariana
ingressou noutra escola no 3º Ano mantendo a conduta distraída e irrequieta, sendo retirada
das actividades extra-curriculares para ter mais tempo para estudar, passando a ficar com a
mãe todas as tardes a insistir para que faça os trabalhos-de-casa. No entanto, a mãe refere que
“no ano passado era pior porque a professora escrevia muitos recados na caderneta e a
Mariana ficava muito triste e nervosa com isso”. No 4º Ano a Mariana mantém as
dificuldades de aprendizagem devido à falta de concentração/atenção e uma auto-confiança
baixa, levando-a a não participar nas aulas, mesmo quando solicitada, refere a professora.
A gravidez da Mariana foi planeada. Nasceu de parto eutócico, a termo, sem
complicações peri ou neonatais. A mãe recorda-a como uma bebé “muito amorosa e nada
rabugenta, não chorava muito”. Em bebé dormia bem, contudo actualmente, tem um sono
muito agitado e fala durante o sono. Adormece sem dificuldades e acorda bem-disposta.
Começou a dormir sozinha aos dois anos. Não se registaram intercorrências no
desenvolvimento psicomotor, linguístico e no controlo esfincteriano. Quando deixou de ser
amamentada e iniciou a diversificação alimentar começou a demonstrar pouco apetite “come
de tudo mas faz grandes birras à mesa, fica duas horas sentada a comer. Na escola chegam a
ter de lhe dar a comida à boca para ela se despachar”, indica a mãe. A Mariana ficou com a
mãe até aos três meses de idade, sendo entregue aos cuidados de uma ama até ingressar na
creche aos três anos e posteriormente na pré-primária, havendo sempre relatos de que era uma
criança muito mexida embora “não é mal-educada nem agressiva, sempre foi muito meiga”.
A mãe apresenta um aspecto físico envelhecido para a sua idade, a face encontra-se
um pouco estragada. Colaborou com interesse no estudo. Estabeleceu contacto ocular,
evidenciando-se um olhar triste e uma expressão abatida e cansada. Também no pai a face
encontra-se um pouco envelhecida para a idade. Inicialmente estabeleceu um contacto mais
reservado, tornando-se mais descontraído no decorrer da sessão. Mantém contacto ocular.
A auto-estima da figura materna apresenta-se baixa e dominada por sentimentos de
inferioridade, culpabilização e irritabilidade. Sente dificuldades na resolução dos conflitos e
surge como um dos elementos mais dependentes e que carece de maior protecção. Observa-se
um grau elevado de neuroticismo marcado pela negação dos afectos negativos, inibindo,
assim, a expressão agressiva sobre os elementos da família mas, também, dos afectos
43
erotizados traduzindo uma diminuída disponibilidade emocional, optando por alhear-se do
contacto com os outros devido ao sentimento de insegurança e desconfiança face aos
elementos da família. A conduta observada durante a realização do TRF marcada por choro
intenso durante praticamente toda a prova, os comentários depreciativos sobre a sua condição
e diminuída disponibilidade para a partilha de afectos com os elementos da família aliados à
solicitação para ser acompanhada em psicologia/psiquiatria e a medicação com o
antidepressivo podem associar-se a um funcionamento depressivo.
A auto-estima da figura paterna apresenta-se positiva, ainda que se culpabilize face à
percepção de uma diminuída disponibilidade e apoio à família. Apresenta um elevado grau de
neuroticismo associado à defesa pela negação/recusa dos afectos negativos e idealização das
relações bloqueando, assim, a expressão de agressividade sobre os elementos da família.
A auto-estima da Mariana apresenta-se baixa, com sentimentos de inferioridade e
culpabilização. Sobressai uma tendência regressiva marcada por uma atitude egocêntrica e
dependente, procurando valorizar-se através do forte desejo de protecção materna e de
atenção por parte de ambos os pais, reenviando para uma falha narcísica acentuada por esta
protecção nem sempre ser satisfeita podendo associar-se a uma débil resposta de uma mãe
deprimida. Observa-se um grau considerável de neuroticismo no funcionamento psíquico da
Mariana pelo recurso a defesas como a idealização, recusa maníaca, negação, evitamento,
formação reactiva e recusa que permitem reprimir as pulsões agressivas dirigidas aos
elementos da família e a mentalização do sofrimento depressivo.
Na relação conjugal a mãe culpabiliza-se pela agressividade dirigida ao pai sentindo-
se, ainda, bastante desvalorizada e pouco correspondida face aos seus sentimentos e
necessidades pela dificuldade na resolução dos problemas, falta de confiança na relação, falta
de compreensão e apoio do pai, verificando-se, também, uma tendência paranóide no
funcionamento psicológico da mãe ainda que se sinta dependente do pai. Por seu lado, o pai
tende a idealizar a relação. Contudo, percepciona a mãe como uma figura punitiva, com
irritabilidade emocional e com dificuldades em lidar com os conflitos, resultando em
insegurança na relação de casal. A mãe é associada a uma figura fortemente dependente e a
que mais carece de protecção, transparecendo uma fragilidade emocional elevada.
A relação mãe/Mariana é representada pela mãe de forma idealizada e próxima,
transmitindo a ideia de que a filha estabelece uma forte dependência emocional consigo. A
mãe aparenta sentir-se culpabilizada, sente que não tem paciência e está “doente”. A Mariana
surge como uma das figuras mais dependentes e que carecem de maior protecção na família.
Para a Mariana sobressai uma vivência de culpa, carência, abandono, insegurança, aspectos
fóbicos e agressivos num contexto regressivo que pode remeter para a relação pré-genital com
44
o materno. Esta vivência associa-se a uma falha narcísica acentuada e à angústia depressiva.
A mãe é, ainda, sentida como uma figura dependente com quem rivaliza pela atenção do pai.
O pai idealiza a relação pai/Mariana e percepciona uma atitude sedutora e de
rivalidade pela sua atenção na filha: “ela não pode ver o pai a agarrar-se a ninguém”.
Seguindo-se à mãe, a Mariana é sentida como uma figura emocionalmente dependente,
carecendo de protecção. Para a Mariana a relação com o pai é idealizada e dominada por
afectos erotizados. O pai é a figura que assegura a função de apoio e protecção, todavia, não
proporciona a contenção necessária para que as angústias da Mariana sejam ultrapassadas.
Sente a relação menos valorizada por parte do pai, percepcionando-o como uma figura
punitiva e pouco disponível, considerando o seu desejo de atenção.
A mãe percepciona a relação mãe/irmão de forma idealizada, próxima e carinhosa.
Todavia, sente a relação menos valorizada por parte do irmão. A mãe sente-se culpabilizada e
associa ao irmão dificuldades na adaptação social e na gestão dos conflitos com os outros
caracterizando-o, ainda, como “preguiçoso”. A relação pai/irmão é idealizada pelo pai à
semelhança do observado na interacção com as restantes figuras. Surge como um dos
elementos mais dependentes e que necessita de maior protecção.
A relação fraterna é percepcionada pelos pais de forma afectiva contudo, marcada pela
rivalidade fraterna por parte da Mariana. Na percepção da Mariana destaca-se uma forte
rivalidade fraterna intensificada pela vivência carencial na relação com o materno e pelo
desejo de uma aproximação exclusiva a esta figura.
A relação da Mariana com outros familiares ou adultos é percepcionada pelos pais
através de uma conduta carente e marcada pela necessidade de agradar e de atenção constante.
Por seu lado, a Mariana tende a idealizar as relações destacando-se a tia e avó paternas
sentidas como figuras afectuosas embora, também punitivas. A avó é percepcionada, ainda,
como uma figura dependente, com quem a Mariana rivaliza pela atenção do pai.
A relação com a família de origem materna, nomeadamente com o avô materno é
experienciada pela mãe de forma próxima, carinhosa e correspondida. O avô materno é
percepcionado como uma figura que mantém uma dependência emocional face à mãe,
necessitando da sua protecção. Contudo, a mãe parece sentir-se culpabilizada nesta relação.
Na relação com o tio materno a mãe sente-se desvalorizada.
A relação com a família de origem paterna, designadamente com a avó paterna é
sentida pela mãe de forma menos valorizada por parte da avó, associando-lhe tendências
punitivas, ainda que se sinta apoiada por esta figura. Surge como um dos elementos da família
mais dependentes e que necessitam de maior protecção. Na percepção da relação do pai com a
avó paterna transparece a idealização, sentido esta figura como punitiva ainda que
45
emocionalmente dependente do pai. A relação com a tia paterna também é idealizada, todavia
é a menos significativa do ponto de vista do envolvimento emocional, associando sentimentos
de fraqueza/incompetência a esta figura.
Posto isto, sobressai na família a problemática da depressão materna que tende a
afectar a qualidade das relações familiares, com ênfase na relação conjugal e na relação
mãe/Mariana. Assim, numa fase precoce do desenvolvimento a Mariana parece ter-se
identificado à depressão da mãe através da falha de confirmação narcísica primária que a
fizesse sentir valorizada na experiência de individuação e autonomia, pelo risco de perda do
amor do objecto organizando, deste modo, o falso-self manifesto através da avidez relacional,
contacto fácil e sedutor e pela necessidade marcada de agradar, como tentativa de colmatar a
falha narcísica. A mãe realiza, ainda, uma distinção importante entre a Mariana e o irmão,
projectando a parte boa no irmão e a parte maligna na Mariana, o que permite acentuar o
sentimento de insegurança, culpa, carência, abandono e rivalidade fraterna na Mariana. Ainda
que o pai surja como a figura que assegura a função de apoio e protecção não proporciona a
contenção necessária para que as angústias da Mariana sejam ultrapassadas. Outros factores
como as sucessivas ausências do pai por motivos de trabalho resultando num menor apoio à
família e, em concreto, à mãe da Mariana e no assegurar da sua função parental, o falecimento
da avó e tia maternas da Mariana e as dificuldades económicas ligadas ao desemprego do pai
contribuem para acentuar o sofrimento depressivo na mãe e na Mariana.
Verifica-se uma forte angústia depressiva na Mariana marcada pela carência afectiva e
falha narcísica acentuadas, sentimento de desvalorização, insegurança, exclusão, abandono e
desprotecção na relação com as figuras parentais, sobretudo na relação com a figura materna
onde se observam aspectos fóbicos e agressivos num contexto regressivo, acompanhado de
culpabilidade pelo retorno da agressividade/punição sobre si. Quanto ao conflito edipiano,
ainda que, expresse o desejo de autonomização a Mariana parece encontrar-se, ainda, ao nível
da relação dual, rivalizando com o pai e demonstrando dificuldades de separação na relação
com o materno pelo desejo de uma aproximação exclusiva a esta figura não renunciando,
assim, à relação com o primeiro objecto. A Mariana parece organizar-se segundo o núcleo
depressivo precoce (oral) (Ferreira, 2002). Estes resultados contrastam com o resultado
apurado no CDI que remete para um nível intermédio de sintomas depressivos, logo, não
passíveis de classificar como “caso depressivo” e “caso não depressivo”, o que pode ser
explicado pela acção dos mecanismos de defesa.
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4. Síntese do Estudo de Caso 5 – Gabriel (10 anos e 4 meses)
47
Gosta de chupa-chupas de coca-cola e de gomas, mas algumas coloca-as apenas na boca sem
as engolir. Para a mãe “sempre que insistimos é um circo em casa ele chora, berra, grita, nem
sequer prova” e o Gabriel acrescenta de imediato “não provo porque sei que não é bom”.
Não come na escola porque não gosta da comida. Quando vai a festas de aniversário
leva o próprio lanche e nas situações em que janta em casa de amigos fazem-lhe uma comida
especial. Recusa-se a ir para qualquer lado onde saiba que tem que comer fora de casa ou
comida diferente “na escola gozam comigo, sou o menino da sopa passada”, refere o Gabriel.
A gravidez do Gabriel foi planeada e o parto eutócico, a termo, sem registo de
complicações peri ou neonatais. Após o nascimento a mãe sentiu-se “bem mas por volta dos
dois meses senti um aumento de stress e preocupação devido às faltas de ar do Gabriel”. A
mãe recorda o filho como um bebé “bem-disposto, muito dorminhoco”. Segundo a mãe, o
Gabriel “sempre dormiu bem” apesar de até aos sete anos adormecer na cama dos pais e só
depois ia para a própria cama. Ainda hoje, pede ao pai para o colocar na cama com a mãe
quando se levantar. O desenvolvimento psicomotor e o controlo esfincteriano ocorreram
dentro dos parâmetros normais. Ao nível linguístico substitui as consoantes “b” por “p” até à
actualidade. O Gabriel ficou ao cuidado da avó paterna até ingressar no infantário aos cinco
anos, registando uma boa adaptação até ao momento em que recusa alimentar-se na escola:
“foi um caos, dava-se mal com os colegas, roubavam-lhe o lanche. Sempre foi muito
irrequieto, tem que ficar sentado ao pé da professora. É muito reguila, mas é muito bom
aluno” indica a mãe, acrescentando também que o Gabriel apesar de não bater nos colegas
provoca-os, acabando por chegar “todo negro a casa. Ele quer tudo à maneira dele”. Segundo
a mãe o Gabriel faz birras quando é contrariado, respondendo mal “é muito nervoso”. A mãe
ajuda-o a estudar “eu estudo sempre com a minha mãe, digo que estou cansado mas acabo por
estudar. Eu não consigo estudar sozinho, estudo mal, estou entretido com outras coisas. Ela
acha que é melhor eu estudar com ela para não ter más notas”, refere o Gabriel.
A mãe do Gabriel apresenta um aspecto físico jovial face à sua idade, é harmónica,
bonita e aparenta uma atitude descontraída e simpática. Estabelece um contacto adequado e
verbaliza de forma fluente e espontânea. Manteve contacto ocular, apresentando uma postura
muito rica e expressiva. O pai do Gabriel apresenta um aspecto físico cuidado e adaptado à
idade. Estabelece um contacto adequado verbalizando de modo espontâneo e fluente,
transmitindo simpatia. Apresenta uma postura rica e expressiva, mantendo contacto ocular.
A auto-estima da figura materna apresenta-se baixa e dominada por sentimentos de
inferioridade, culpabilização e irritabilidade emocional. Recorre à defesa pela negação dos
afectos negativos inibindo, assim, a expressão agressiva sobre os elementos da família.
Revela, ainda, uma percepção negativa e insegura sobre a família.
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A auto-estima da figura paterna apresenta-se baixa e dominada por sentimentos de
inferioridade, culpabilização, irritabilidade emocional e desajustamento social. A par do
Gabriel surge como uma das figuras mais dependentes e que carece de maior protecção na
família ainda, assim, exprime o desejo de obter uma maior autonomia emocional. Utiliza
defesas na linha da negação dos afectos negativos inibindo, assim, a projecção da
agressividade dirigida aos elementos da família.
A auto-estima do Gabriel apresenta-se baixa, com sentimentos de tristeza e culpa,
sendo marcada por uma atitude egocêntrica e regressiva pelo desejo acentuado de protecção
materna e de atenção por parte de ambos os pais. Observa-se um elevado grau de
neuroticismo no Gabriel pelo recurso a defesas como a negação, recalcamento, evitamento,
formação reactiva, idealização e recusa maníaca, reprimindo, assim, a agressividade dirigida
aos elementos da família e a vivência depressiva.
Na relação conjugal sobressai a percepção materna de um maior investimento afectivo
na relação por parte do pai, ainda que se observem conflitos e insegurança na relação de casal
em parte, motivados por dificuldades na gestão dos conflitos e no controlo dos impulsos
agressivos por parte da mãe. Sente que a família obedece a um matriarcado familiar à
semelhança da sua família de origem: “ele manda lá em casa mas quem manda mais sou eu”.
Na relação com a mãe o pai sente-se pouco valorizado. Apesar da percepção de uma relação
próxima e carinhosa, observam-se conflitos na relação de casal associados à dificuldade na
sua gestão e irritabilidade emocional em ambas as figuras, sendo a mãe percepcionada como
uma figura punitiva e carente de protecção.
A relação mãe/Gabriel é representada pela mãe de forma satisfatória e correspondida,
ainda que se culpabilize “talvez o tenha impedido de crescer”. Observa-se a percepção de uma
forte dependência emocional entre mãe e filho e o desejo de lhe proporcionar protecção “em
certas coisas não cortou o cordão umbilical”, “ele queria-se manter bebé”. Para o Gabriel a
relação é idealizada, pouco frustrante e percepcionada como fortemente investida por parte da
figura materna, podendo associar-se ao desejo de manter a dependência emocional com o
Gabriel. Ainda assim, a mãe é sentida como punitiva e a figura dominante na família. O
Gabriel rivaliza com esta pela atenção/protecção do pai.
O pai idealizada a relação pai/Gabriel, contudo, culpabiliza-se e percepciona um forte
investimento por parte do Gabriel podendo constituir-se como o modelo de identificação
sexual masculino para o filho. O Gabriel liga-se a uma das figuras mais dependentes e que
carece de maior protecção na família. O Gabriel idealiza a relação e realiza um forte
investimento positivo, ainda que não se sinta correspondido, sentindo-se pouco valorizado
49
pela figura paterna que é simultaneamente percepcionada como punitiva. Ainda assim, o pai
parece constituir-se como uma figura protectora e o modelo de identificação do Gabriel.
Quanto à relação mãe/irmão é sentida pela mãe como fortemente desvalorizada e
insegura através da percepção de falta de apoio, uma atitude punitiva e agressiva por parte do
irmão, sendo marcada por conflitos acentuados associados a uma dificuldade na sua gestão
por ambas as partes, com irritabilidade emocional no irmão e dificuldade no controlo dos
impulsos agressivos por parte da mãe. A relação pai/irmão é sentida pelo pai como
correspondida e satisfatória, apesar de sentir que esta figura deveria prestar mais apoio e
protecção à família.
Na relação fraterna sobressai para os pais a rivalidade. Desvalorizam o irmão,
sentindo-o provocativo e pouco tolerante para o Gabriel. O Gabriel sente-se desvalorizado por
parte do irmão, rivalizando com este face ao desejo de ocupar um lugar próximo e
privilegiado na relação com a figura materna, obtendo a sua protecção exclusiva.
Quanto à relação do Gabriel com outros familiares para os pais a avó paterna “é uma
segunda mãe” mantendo uma relação muito próxima, assim como, com o tio paterno de 40
anos. Como os avós maternos não lhe fazem todas as vontades “gosta de estar com eles na
quantidade certa”.
No âmbito da família de origem da mãe sobressai a percepção de uma relação com a
avó materna marcada por um forte envolvimento emocional positivo correspondido com
sentimento de dependência mútua, idealização da relação e desejo de protecção desta figura.
A relação com o avô materno é sentida de forma desvalorizada com conflitos associados a
sentimentos de insegurança, falta de apoio e punição dirigidos à mãe, ainda assim, são
percepcionadas dificuldades na gestão destes conflitos e no controlo dos impulsos agressivos
por parte da mãe. A relação com a tia materna também é sentida como desvalorizada por parte
desta figura. Observam-se conflitos relativos à dificuldade na sua gestão por ambas as partes
manifesta através de irritabilidade emocional, dificuldades de adaptação social e uma atitude
punitiva na tia paterna, assim como, dificuldade no controlo dos impulsos agressivos na mãe,
podendo remeter para rivalidade fraterna.
Na relação com a família de origem do pai sobressai a vivência de uma relação com a
avó paterna negativa, insegura e conflituosa, sentindo-se desvalorizado e pouco
apoiado/protegido por esta figura. Com o tio paterno de 40 anos a relação é percepcionada de
forma satisfatória. Ainda assim, o pai sente dificuldades na gestão dos conflitos por parte
desta figura e um conflito na relação que pode associar-se à rivalidade fraterna.
Posto isto, sobressai uma organização familiar onde as figuras parentais apresentam
conflitos acentuados na ordem da dependência e falhas de valorização narcísica na relação
50
com as suas famílias de origem, culminando nos consumos de droga como um substituto
simbólico do objecto de amor perdido. A mãe surge como uma figura dominadora e fálica,
identificando-se ao matriarcado da sua família de origem contrastando com uma figura
paterna submetida ao matriarcado familiar demitido-se da sua função parental, o que aliado ao
deslocamento e tentativa de reparação da relação com o irmão do Gabriel por parte da mãe
resulta numa relação dependente, idealizada e pouco frustrante com o Gabriel, não o
valorizando narcisicamente. Assim, o Gabriel experiencia a separação do imago materno
como uma possibilidade de perda do amor do objecto, permanecendo dependente do poder
fálico materno. A clivagem entre um filho bom associado ao Gabriel e um filho problemático
ligado ao irmão permite acentuar a forte relação de dependência na relação mãe/Gabriel.
Apesar de o Gabriel manifestar o desejo de autonomização da figura materna,
sobressai a representação do desejo de uma aproximação exclusiva a esta figura e a rivalidade
face à figura paterna, o que permite auferir dificuldades na resolução do conflito edipiano e no
processo de separação/individuação. A instância superegóica parece integrada e a
agressividade projectada é, em seguida, recalcada de forma a controlar a sua expressão,
desencadeando também culpabilidade pelo retorno da agressividade sobre si. Observa-se uma
falha narcísica marcada, uma vivência carencial e desprotegida, de abandono e solidão face ao
confronto com a angústia de separação e depressiva recorrendo às defesas antidepressivas na
linha da recusa maníaca “haver sol” (PN) para lidar com este conflito. Deste modo, parece
afigurar-se uma depressão primária (anal) (Ferreira, 2002) contrariando os resultados obtidos
no CDI que situavam o Gabriel no grupo intermédio de sintomas depressivos e, assim, não
enquadrado como “caso deprimido” e “caso não deprimido”. Coloca-se em hipótese a
interferência de mecanismos de defesa como a negação durante a realização deste
instrumento.
51
DISCUSSÃO
52
Dufour, 2002; Santos, 2000; Strecht, 1998, 2001; Vogel, 2012) os sintomas que conduzem
estas crianças à consulta de psicologia/pedopsiquiatria são variados: ansiedade, medos, baixa
auto-estima, somatizações (cefaleias), dificuldades alimentares (anorexia selectiva),
dificuldades de concentração, hiperactividade, dificuldades escolares, destacando-se as
dificuldades de aprendizagem/escolares como a queixa mais frequentemente assinalada, o que
pode estar associado à falha na “capacidade precedente de interiorizar bons objectos capazes
de amar e proteger” (Strecht, 1998, p. 199). Na Unidade de Pedopsiquiatria todos os casos
beneficiam de consultas terapêuticas com os pais e de consultas terapêuticas com as crianças,
em dois casos (Tomé e Isabel) de frequência semanal e, em três casos (João, Mariana e
Gabriel) de frequência quinzenal. O período de acompanhamento das crianças varia entre os
dois meses e os oito meses e meio. A prescrição de psicotrópicos regista-se apenas em dois
casos, o João e a Mariana, tratando-se das crianças que tendem a manifestar uma conduta
mais agida e marcada por uma expressão acentuada de afectos na linha depressiva.
No que concerne ao agregado familiar todos os progenitores são casados, encontrando-
se apenas uma família reconstruída com descendência de uma relação anterior, sendo que as
restantes famílias são de tipo nuclear e todas as crianças têm apenas um(a) irmão/irmã. Dois
casos, o Tomé e a Isabel são irmãos, perfazendo uma família nuclear completa em estudo. A
idade das mães varia entre os 37 e os 39 anos e a dos pais entre 38 e 46 anos. No caso dos
irmãos/irmãs a idade varia entre os 5 e os 18 anos de idade. Relativamente à classe social
segundo a Classificação Social Internacional de Graffard (Gomes Pedro, 1985) observa-se a
predominância da Classe III (Média), seguindo-se a Classe I (Alta) e a Classe IV (Média
Baixa), com um caso cada. A única figura parental (paterna) que se encontra desempregada
pertence a esta última classe social. Na análise da anamnese das famílias sobressai a hipótese
de organização depressiva em três figuras parentais: nas mães do Tomé/Isabel e Mariana e no
pai do João; e, ainda, um forte investimento na vida profissional, com ausências frequentes
nestes mesmos casos. Verifica-se também a ocorrência de perdas por falecimento importantes
para a família com destaque para os avós paternos/maternos e uma tia materna por suicídio
(caso da Mariana). Há, ainda, a assinalar outros dados como a possibilidade da presença de
patologias psiquiátricas na família para além de depressão nas figuras parentais (anorexia
nervosa e dislexia maternas, dificuldades escolares paternas, depressão numa tia paterna), dois
abortos espontâneos e a prematuridade de uma criança incluída no estudo (Isabel), ex-
toxicodependência nos pais do Gabriel e Hepatite C na mãe desta criança.
No âmbito da auto-estima materna sobressaem duas tendências distintas: as mães com
hipótese de organização depressiva apresentam uma auto-estima baixa, insegura, marcada por
sentimentos de inferioridade, desvalorização, culpabilização, irritabilidade emocional, forte
53
dependência, carência de protecção e diminuída disponibilidade emocional para a relação com
os outros; as mães onde não se coloca esta hipótese surgem como as figuras dominantes da
díade parental e não expressam afectos negativos de forma tão acentuada, ainda que, a mãe do
Gabriel apresente uma auto-estima baixa, marcada por irritabilidade emocional, sentimentos
de inferioridade e uma percepção negativa e insegura da família. A culpabilização é a única
característica comum a todas as mães, assim como, o recurso a defesas como a negação e
idealização, como forma de bloquear a expressão agressiva dirigida aos elementos da família.
Na percepção da relação conjugal materna sobressai a presença de conflitos
acentuados ligados ao sentimento de desvalorização e pouco envolvimento nas funções
conjugais/parentais por parte do pai, insegurança, dificuldades na gestão e resolução dos
conflitos, na comunicação, na demonstração de afectos e culpabilização sobretudo pela
agressividade dirigida ao pai. As mães com hipótese de depressão sentem-se pouco apoiadas e
compreendidas pelo pai. A mãe do Tomé e da Isabel percepciona o pai como uma figura
autoritária e punitiva, ainda que, dependente da sua protecção. A mãe da Mariana sente-se
dependente do pai. Por outro lado, as figuras maternas com características dominantes
atribuem características passivas aos pais, desvalorizando-os: a mãe do João associa
sentimentos de incompetência/fraqueza por dificuldades na adaptação social e em exprimir
sentimentos. Já a mãe do Gabriel percepciona um maior investimento afectivo na relação por
parte do pai e afirma o matriarcado familiar.
A percepção da relação mãe/criança pela figura materna tende a ser idealizada,
caracterizada como dependente e marcada por sentimentos de culpabilização. Assiste-se,
ainda, ao desejo de proteger e cuidar dos filhos. A mãe do Tomé/Isabel percepciona a
emergência de impulsos agressivos na relação com a filha e ambos os pais sentem a
necessidade de agradar à mãe por parte da Isabel. Na relação com o Tomé a mãe sente que
este se preocupa consigo e demonstra-se inibido. Por seu turno, a mãe do João tende a sentir a
relação como carente a nível afectivo, percepcionando afectos de rejeição por parte do filho.
Atribui-lhe, ainda, sentimentos de incompetência/fraqueza ligados a dificuldades em lidar
com as adversidades e na adaptação social. A mãe da Mariana reconhece a interferência da
sua vivência depressiva na relação com a filha, sentindo-se “doente” e sem paciência. Na
relação mãe/irmão tanto a mãe do João como a mãe da Mariana idealizam a relação,
revelando um forte envolvimento emocional com os filhos. Contudo, a mãe do João
percepciona a ocorrência de afectos agressivos por parte da irmã que podem remeter para a
necessidade de separação do espaço materno e, por seu lado, a mãe da Mariana sente-se
desvalorizada, culpabilizada e associa ao irmão dificuldades na adaptação social e na gestão
dos conflitos com os outros. A mãe do Gabriel destaca-se face às restantes por apresentar uma
54
percepção fortemente desvalorizada, insegura e conflituosa na relação com o irmão,
atribuindo-lhe uma atitude punitiva e agressiva.
Na relação com as próprias figuras parentais maternas sobressai a presença de uma
relação dependente e pouco autónoma marcada, por vezes, pela idealização, sobretudo na
relação com as avós. Na relação com os tios/as maternos/as destaca-se o sentimento de
desvalorização e conflitos que podem reenviar para a presença de rivalidade fraterna. Importa,
ainda, ressalvar que as mães com características dominantes percepcionam as suas figuras
parentais de forma muito distinta: por um lado, identificam atributos dominantes nas figuras
maternas, com as quais mantêm relações dependentes e, por outro, desenvolvem um fraco
envolvimento emocional com as figuras paternas, aos quais atribuem características menos
dominantes. Ainda assim, percepcionam relações conflituosas marcadas por sentimentos de
insegurança, desvalorização, punição, falta de apoio e afecto dirigidos às mães, no caso da
mãe do João pela avó e no caso da mãe do Gabriel por parte do avô. Apenas as mães ligadas à
hipótese de depressão referem-se à relação com os elementos pertencentes à família de origem
paterna sentindo-se desvalorizadas, remetendo para o sentimento de insegurança e menor
disponibilidade emocional na relação com os outros, sobretudo exteriores à família biológica.
No que concerne à representação da auto-estima paterna verifica-se uma
predominância de afectos negativos que traduzem uma maior fragilidade emocional nos pais
em que a figura materna assume uma função dominante na família (casos do João e Gabriel).
Assim observa-se uma auto-estima baixa, composta por sentimentos de insegurança,
inferioridade, irritabilidade, culpabilização, dependência, carência de protecção,
desajustamento social e dificuldades em lidar com os problemas. Coloca-se em hipótese uma
organização depressiva no pai do João. O pai da Mariana culpabiliza-se face à percepção de
uma diminuída disponibilidade e apoio à família. As figuras paternas tendem a revelar um
elevado grau de neuroticismo pela forte negação da expressão de agressividade sobre os
membros da família e o recurso à idealização.
As características que mais sobressaem na percepção paterna da relação conjugal são o
sentimento de desvalorização e insegurança, registando-se conflitos acentuados, à semelhança
da percepção materna. Os pais tendem a percepcionar as mães como figuras pouco tolerantes,
inseguras, punitivas e com irritabilidade emocional. O pai do João percepciona, ainda, a mãe
como dominante, podendo sentir-se inferiorizado e castrado pela submissão ao matriarcado
familiar. O pai do Tomé/Isabel sente que a mãe transmite pouco afecto e erotização à relação,
reenviando para a diminuída disponibilidade emocional para as relações identificada pela
própria mãe, decorrente da possibilidade de se encontrar deprimida. Os pais do Tomé/Isabel,
da Mariana e do Gabriel representam, ainda, as mães como carentes de protecção.
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A relação pai/criança é idealizada pelos pais. Os pais com características menos
dominantes culpabilizam-se e percepcionam um forte investimento na relação por parte dos
filhos. Para o pai do João o filho identifica-se consigo no sentimento de
incompetência/fraqueza. O pai do Tomé/Isabel e do João percepcionam-se como punitivos na
relação com os filhos. As crianças tendem a ser caracterizadas como dependentes e carentes
de protecção e, no caso do Tomé é descrito como pouco tolerante à frustração, “deprimido” e
passivo. Na interacção com as filhas os pais percepcionam, ainda, um contacto sedutor. Na
relação pai/irmão observa-se uma relação dependente no caso do pai do João e Mariana. No
caso do pai do Gabriel (não é pai do irmão do filho) apesar de manter uma relação satisfatória
e correspondida projecta a carência de apoio e protecção à família por parte do irmão.
Tendencialmente os pais percepcionam uma relação dependente com as suas figuras
maternas, ainda que, as representem como figuras punitivas, sentindo-se inseguros,
desvalorizados, pouco apoiados e protegidos, com excepção do pai do João que associa estas
características ao avô paterno do filho (é a única figura paterna com o pai ainda vivo). Na
relação com os tios/as paternos/as sobressai a presença de rivalidade fraterna.
Por seu lado, as crianças tendem a apresentar uma auto-estima baixa marcada por
sentimentos de insegurança, inferioridade, pessimismo, culpabilidade, tristeza, afectos ligados
à morte, indecisão e dificuldades de mentalização (instabilidade psicomotora, somatizações)
acentuando-se a sua expressão nas crianças que exibem uma conduta menos inibida (João e
Mariana). Todas estas crianças percepcionam uma forte dependência emocional das figuras
parentais, com destaque para os cuidados e protecção maternos. Entre os principais
mecanismos de defesa utilizados encontram-se: idealização, recusa maníaca, evitamento,
recalcamento, recusa, negação e formação reactiva, permitindo reprimir a expressão de
agressividade dirigida aos elementos da família e a mentalização do sofrimento depressivo, na
linha do que foi observado por vários autores (Câmara, 2005; Ferreira, 2002; Gueniche, 2005;
Lustin, 2004; Marcelli, 2005; Palacio-Espasa, 2004; Santos, 2000; Strecht, 1998, 2001).
No âmbito da relação mãe/criança sobressaem dois tipos de percepção: por um lado,
uma relação idealizada, dependente e pouco frustrante e, por outro, a representação da mãe
como uma figura autoritária, punitiva e pouco disponível face às necessidades afectivas da
criança. Neste contexto emergem os afectos depressivos que remetem para a vivência de uma
falha narcísica acentuada, desprotecção, carência, abandono, culpa, insegurança e função de
apoio e contenção maternas precárias, evidenciando-se nas crianças com mães deprimidas, à
semelhança do observado na literatura (Carvalho et al., 2006; Garber et al., 2009; Goodman &
Gotlib, 1999; Hughes, et al., 2008; Stark et al., 2012) e, em particular nas meninas. Importa,
ainda, referir que o Gabriel percepciona a mãe como a figura dominante da família, o Tomé
56
revela o desejo de autonomização e a Isabel exprime o desejo de agradar à mãe, tal como,
observado pelos pais.
À semelhança da percepção das figuras paternas, o João e o Gabriel sentem-se pouco
valorizados e correspondidos por parte dos pais face aos seus desejos e a Mariana projecta
afectos erotizados na relação com o pai. O Tomé também manifesta o desejo de aproximação
e atenção por parte do pai. Os pais tendem a assegurar uma função importante de apoio e
protecção a estas crianças, todavia, observam-se sentimentos de insegurança associados à
percepção destes pais como figuras punitivas e pouco disponíveis.
Quanto à relação fraterna sobressai a rivalidade intensificada face à vivência carencial
na relação com o materno e pelo desejo de obter a atenção/protecção exclusiva dos pais,
sobretudo da figura materna. Ainda que a Isabel se sinta protegida pelo Tomé, este
experiencia sentimentos de inferioridade face à irmã, à semelhança do João que também
percepciona uma relação próxima e afectiva com a irmã, o que pode remeter para uma defesa
pela formação reactiva no Tomé e no João. Por outro lado, o Gabriel sente-se desvalorizado
pelo irmão. Estes dados correspondem aos observados pelos pais. Aparentemente os meninos
atribuem uma menor relevância à relação com outros elementos da família visto que apenas as
meninas se referiram à relação com estas figuras. Assim, a Isabel percepciona o avô materno
como uma figura punitiva e autoritária, paralelamente, a Mariana atribui estas características à
avó e tia paternas, ainda que, também as sinta como afectuosas. Na percepção dos pais
importa destacar o contacto fácil, sedutor, marcado pela necessidade de agradar e forte
angústia de separação na Isabel à semelhança dos pais da Mariana que observam uma conduta
carente, a necessidade de agradar e de atenção constante na relação da filha com outras
figuras significantes.
Posto isto, nestas famílias sobressai uma relação emocionalmente dependente e uma
fraca autonomização das famílias de origem por parte das figuras parentais, sobretudo na
relação que estabelecem com as suas figuras maternas transferindo para a relação com os
filhos os modelos de identificação interiorizados na relação com estas figuras, projectando,
assim, as suas próprias falhas narcísicas. Gera-se o sentimento de culpa também aliado ao
forte investimento no mundo laboral observado nos casos do Tomé, Isabel e João, o que
resulta num empobrecimento das interacções familiares. Outros factores como o falecimento
de figuras significativas aos elementos da família e as dificuldades económicas ligadas ao
desemprego de um dos progenitores (pai da Mariana) parecem acentuar as problemáticas no
sistema familiar e contribuir, assim, para o agravamento da depressão infantil, tal como
sugerem Carvalho et al. (2006), Ferreira (2002), Gueniche (2005), Marcelli (2005) e Schwartz
et al. (1998). Como referido anteriormente, em duas famílias (Tomé/Isabel e Mariana)
57
observa-se aparentemente a presença de depressão materna, afectando a qualidade das
relações familiares, com ênfase na relação conjugal e na relação mãe/filhos (Carvalho et al.,
2006; Garber et al., 2009; Gartstein & Bateman, 2008; Goodman & Gotlib, 1999; Hughes, et
al., 2008; Lau et al., 2007; Stark et al., 2012). E nas restantes duas famílias (João e Gabriel)
observa-se um desequilíbrio entre a díade parental através da presença de uma figura materna
fálica e dominante que contrasta com uma figura paterna passiva e demitida da sua função
parental (no caso do João apresenta afectos que transmitem a vivência de um sofrimento
depressivo), à semelhança da constelação depressígena da autoria de Coimbra de Matos
(2002). Ainda assim, nos casos em estudo observa-se que as figuras paternas tendem a
assumir uma função de apoio e protecção importante, todavia, não proporcionam a contenção
necessária para que as angústias das crianças sejam ultrapassadas pela presença de
sentimentos de insegurança na relação pais/crianças associados à percepção destes pais como
figuras punitivas e pouco disponíveis.
Assim, segundo a acepção de Teresa Ferreira (2002) e de Coimbra de Matos (2002,
2003, 2007) a falha de confirmação narcísica vivenciada no contacto com uma figura materna
deprimida ou fálica aliada a uma figura paterna demitida da sua função parental e/ou
deprimida não permite à criança sentir-se valorizada na experiência de individuação e
autonomia, pelo risco de perda do amor do objecto, permanecendo dependente da relação com
a figura materna. Em todos os casos analisados observa-se, ainda, a clivagem parental entre
um filho associado a características positivas como a capacidade de mobilizar estratégias
internas de defesa e outro que remete para afectos negativos ligados à percepção de maior
fragilidade, insegurança, passividade e escassos recursos internos de defesa. No primeiro
grupo situam-se o Gabriel e a Isabel, o que permite acentuar a relação dependente mãe/criança
e, no segundo, encontram-se o Tomé, o João e a Mariana intensificando a rivalidade fraterna,
o sentimento de inferioridade face aos irmãos e de abandono na relação com os pais/mães.
Todas as crianças avaliadas encontram-se ao nível da relação pré-edipiana, ainda que,
aparentemente a instância superegóica se encontre integrada e a maioria aceda à diferenciação
sexual, de gerações e à triangulação edipiana, porém, revelam dificuldades na aceitação da
exclusão do casal parental. O conceito de família também se encontra integrado. Dependendo
da modalidade depressiva avançada por Teresa Ferreira (2002) aproximada ao sofrimento
psíquico da criança observa-se: uma relação dual com a figura materna marcada por carências
orais que não permitem a separação emocional desta figura (núcleo precoce) – Isabel e
Mariana; uma relação dual com a figura materna acompanhada de dificuldades no processo de
separação/individuação (núcleo primário) – Tomé e Gabriel; e, por fim, uma relação
triangular onde a angústia depressiva se acentua face ao experienciar da castração e falhas
58
identitárias resultantes da ausência de valorização narcísica por ambas as figuras parentais
(núcleo fálico) – João. Todavia, perante as dificuldades vivenciadas no confronto com a
angústia depressiva pela possibilidade de perda do amor do objecto sobressaem nestas
crianças problemáticas como: uma relação dependente, idealizada e, por vezes, pouco
frustrante com a figura materna, expressando o desejo de uma aproximação exclusiva a esta
figura; carência afectiva e falha narcísica acentuadas, sentimento de desvalorização,
insegurança, exclusão, solidão, abandono, desprotecção e de precariedade dos suportes na
relação com as figuras parentais, sobretudo na relação com a figura materna acompanhado de
culpabilidade pelo retorno da agressividade/punição sobre si. Estes resultados divergem
significativamente dos obtidos no CDI que apontam para uma intensidade intermédia ou
diminuída de sintomas depressivos e, por isso, não classificados no grupo de casos
“deprimidos”, o que pode ser explicado pela interferência dos mecanismos de defesa como a
negação durante a realização deste instrumento. Assim, observa-se que as crianças com uma
conduta mais exteriorizada obtiveram resultados mais elevados e, assim, mais próximos de se
enquadrarem no grupo de casos “deprimidos”, já as crianças com conduta inibida associam-se
a resultados menos significativos na expressão de intensidade depressiva. Estes resultados
apoiam a advertência de Marujo (1995) relativamente à utilização do teste enquanto
instrumento complementar de diagnóstico, incidindo apenas sobre os sintomas de depressão.
Importa, ainda, assinalar que esta investigação apresenta uma limitada uniformização
no processo de recolha de dados, tendo-se optado por ajustar às necessidades específicas
apresentadas por cada criança e relativas às condições do espaço, tempo, disponibilidade
horária dos pais e da própria investigadora, o que pode ter condicionado os resultados obtidos.
Deste modo, sugere-se a replicação deste estudo obedecendo a uma ordem comum na
aplicação dos diversos instrumentos; utilizando um número mais elevado de crianças/famílias;
incluindo todos os elementos que compõem o agregado familiar ou a família nuclear, neste
último caso, os irmãos; recorrendo a tipos de famílias distintos, como as famílias
monoparentais, alargadas, entre outros; em crianças que apresentam diagnósticos clínicos
diferentes de depressão ou sem diagnóstico clínico (i.e., amostra normativa) para efeitos de
comparação com os resultados obtidos na presente investigação; investigar o objectivo deste
estudo com recurso à utilização de uma metodologia distinta da utilizada, possivelmente de
foro quantitativo; e, utilizar o Teste de Relações Familiares, Versão Adultos (Bene, 1965)
conjuntamente com as restantes versões deste teste destinadas às crianças e aos casais de
forma a obter uma perspectiva contínua da família que acompanhe as vivências relativas à
infância com as famílias de origem das figuras parentais, os sentimentos experienciados na
vida conjugal e com os filhos e a vivência familiar das próprias crianças.
59
CONCLUSÃO
60
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70
ANEXOS
71
Anexo A: Pedido de Autorização para Recolha de Dados
Exmo. Senhor,
72
Será garantida a total confidencialidade e anonimato dos dados recolhidos, os quais
serão guardados num local seguro, apenas acessível aos investigadores do estudo e
destinando-se exclusivamente a fins de investigação. Somente as crianças que obtiverem a
carta de consentimento informado assinada pelos pais participarão no estudo. Comprometo-
me, ainda, a referir a instituição hospitalar em eventuais comunicações e publicações
realizadas.
73
Anexo B: Projecto de Investigação
PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO
2011
INTRODUÇÃO
74
experiência subjectiva decorrente dessas interacções – sistema de valores, cognições, crenças,
atitudes, entre outros.
A seguinte estrutura, o Meso-sistema integra as inter-relações existentes entre dois
ambientes ou mais (e.g. relações entre a família, a escola e pares). O sujeito em
desenvolvimento participa activamente nesses ambientes.
A terceira estrutura denomina-se Exo-sistema, o qual “compreende os processos
existentes entre dois ou mais ambientes, em que pelo menos um não envolve a pessoa em
desenvolvimento, mas os eventos que ocorrem neste influenciam indirectamente processos do
ambiente em que a pessoa em desenvolvimento vive” (Bronfenbrenner, 1993 cit. por
Bronfenbrenner & Morris, 2006, p. 818).
O Macro-sistema é a estrutura que se segue, segundo Cole, Cole e Lightfoot (2005)
refere-se à existência de consistências quanto à forma e conteúdo de sistemas inferiores, mas
existentes na sub-cultura ou cultura como um todo, assim como, crenças e ideologias
dominantes subjacentes às consistências.
Por último, a estrutura Chrono-sistema ou Tempo tem implicações sobre os outros
sistemas, através das mudanças históricas que ocorrem na sociedade. Esta estrutura contempla
três níveis distintos: Microtempo, o qual integra os fenómenos de continuidade versus
descontinuidade no decorrer dos episódios dos proximal processes; Mesotempo, indica a
frequência desses episódios em intervalos de tempo mais amplos (e.g. dias e semanas); e,
Macrotempo, referindo-se à mudança de expectativas, valores, crenças e eventos na sociedade
geral, dentro da mesma geração, assim como, entre as sucessivas gerações, constatando-se
como estas têm influência e são influenciadas por processos e resultados do desenvolvimento
humano ao longo da vida, nomeadamente, reflectem-se no desenvolvimento da criança
(Bronfenbrenner & Morris, 2006).
Depressão na Criança
75
55). Tendencialmente as crianças deprimidas manifestam-se apáticas e sem curiosidade,
mostrando-se inibidas na exploração que exercem sobre o meio pois “toda a sua caminhada é
marcada pela insegurança, pelo medo, pela vivência antecipatória do falhar” (p. 55).
As principais defesas utilizadas por estas crianças são a tendência ao agir, pela redução
da mentalização e a inibição, através da procura de aconflitualidade, expressando-se
geralmente num fraco rendimento escolar, intelectual e social (Câmara, 2005).
Relações Familiares
Problema
Tal como referem Jewell e Beyers (2008) facilmente se compreende que “os efeitos da
interacção de variáveis do ambiente familiar para distinguir e prever psicopatologia na
infância são complexos e exigem maior atenção” (p. 88). Assim, o presente estudo propõe-se
estudar esta temática que tem sido menos abordada na literatura comparativamente com a
depressão na adolescência e adultícia; não se observam estudos significativos que procurem
conhecer o funcionamento familiar da população que este estudo se propõe estudar e, mais
raramente, de forma abrangente e integrada, isto é, articulando numa mesma investigação os
sentimentos e emoções familiares, tipo de alianças, coesão, vinculação, entre outros
fenómenos familiares; o tipo de abordagem utilizada para compreender e analisar o fenómeno
em causa é inovador, usando simultaneamente o Modelo Bio-ecológico do Desenvolvimento
Humano (Bronfenbrenner & Morris, 2006) e a teoria psicanalítica; inova também na temática
que se propõe estudar face ao contexto sócio-cultural em que se insere, Portugal; o tipo de
metodologia utilizada destaca-se da restante literatura por não se encontrarem estudos de tipo
qualitativo, incluindo o método de Estudo de Caso e raramente se utiliza o instrumento Teste
de Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985) combinado com a prova Teste de
Relações Familiares, Versão Casais (Bene, 1976).
Objectivos
77
Por fim, elabora-se uma comparação geral dos resultados obtidos em cada uma das
famílias com os das restantes famílias, de forma a aceder a uma leitura compreensiva das
percepções familiares presentes nas famílias de crianças com funcionamento depressivo.
Ao caracterizar as relações familiares de crianças com organização depressiva,
segundo as percepções da criança, da mãe e do pai numa perspectiva psicodinâmica e bio-
ecológica, espera-se contribuir para o conhecimento dos factores familiares implicados na
depressão da infância, permitindo, deste modo, o desenvolvimento de resultados em dois
níveis distintos, ainda que, complementares à prática clínica: a prevenção e a intervenção. No
que concerne ao contributo desta investigação para a prevenção dos casos de depressão na
infância, pretende-se enriquecer os conhecimentos dos técnicos que interagem frequentemente
com crianças e/ou famílias face a determinados padrões de relacionamento ou interacção
familiar susceptíveis ao desenvolvimento deste tipo de funcionamento psicológico, de modo a
que se possa intervir atempadamente, apoiando as famílias nas dificuldades encontradas. Ao
nível da intervenção espera-se contribuir para o desenvolvimento de uma intervenção
psicoterapêutica (individual e/ou familiar) mais centrada e atenta às necessidades específicas
das crianças com depressão e das suas próprias famílias, nomeadamente das figuras parentais.
MÉTODO
Delineamento
78
Participantes
Procedimento
Instrumentos
Desenho Livre
80
criança para descrever o que desenhou (e.g., quem são as pessoas que desenhou e o que estão
a fazer) e contar uma história alusiva ao desenho.
81
descrição do que se encontram a fazer e, ainda, a história sobre a família desenhada. Segue-se
um inquérito denominado por Corman (2003) como método das Preferências-Identificações,
no qual são questionadas as preferências ou aversões associadas às personagens representadas
e ao próprio desenho na sua globalidade (e.g., Quem é o mais simpático? Porquê?; Quem é o
menos simpático? Porquê?; Quem é o mais feliz? Porquê?; Quem é o menos feliz? Porquê?;
Quem manda mais? Porquê?; Quem manda menos? Porquê?; Se tivesses que escolher uma
pessoa desta família, quem é que preferias ser? Porquê?; Se fossem todos dar um passeio de
carro mas não houvesse lugar para uma pessoa, quem ficaria em casa? Porquê?; Se alguém
não se tivesse comportado bem quem seria? Que castigo teria? quem é que o dava?; Se
pudesses mudar alguma coisa no teu desenho o que é que mudarias? Porquê?).
Este instrumento da autoria de Kovacs (2004) é uma escala que pretende avaliar os
sintomas de depressão em crianças e adolescentes, dos 7 aos 15 anos de idade. Na presente
investigação recorre-se à adaptação portuguesa da prova da autoria de Helena Marujo (1995).
Assim, a escala contém 27 itens e pressupõe o preenchimento pela própria criança ou por
figuras relevantes na sua vida como é o caso da mãe, pai, professor(a) e outros educadores ou
cuidadores, através do tipo de resposta de 0 a 3 pontos (e.g., “Item 1: Nunca me sinto triste,
Às vezes sinto-me triste, Sinto-me quase sempre triste, Sinto-me sempre triste”) tendo como
referência as duas últimas semanas da criança/adolescente.
No que concerne às características psicométricas do teste, segundo dados obtidos em
diversas investigações, o teste é fiável, obtendo um coeficiente Alfa de Cronbach de 0,86
quanto ao valor de consistência interna no estudo original (Kovacs, 2004). Verifica-se, ainda,
a existência de evidência empírica sobre os valores de validade concorrente, de critério e de
constructo da prova (Kovacs, 2004).
O TRF, Versão Crianças desenvolvido por Bene (1985) caracteriza-se por uma prova
projectiva que visa medir os sentimentos da criança avaliada face aos membros da sua família
e a percepção que a criança tem dos sentimentos dos elementos da família relativamente à
própria. Mais concretamente, este instrumento permite avaliar as vertentes positivas (leves/de
ternura “Esta pessoa da minha família merece um presente bonito”; fortes/erotizadas “Esta
pessoa da minha família gosta de me dar beijinhos”) e negativas (leves/de rejeição “Esta
82
pessoa da minha família nunca está satisfeita”; fortes/agressivas “Às vezes apetecia-me matar
esta pessoa da minha família”) dos sentimentos emitidos e recebidos pela criança face aos
elementos da família, a superprotecção materna “A minha mãe preocupa-se que esta pessoa
da família possa ser atropelada” e, por fim, a superindulgência parental (paterna “Esta é a
pessoa da minha família de quem o pai gosta mais” e materna “A mãe dá atenção demais a
esta pessoa da minha família”). A versão para crianças do teste contém duas formas
compostas por itens distintos: a forma para crianças mais novas (em idade pré-escolar) e a
forma para crianças mais velhas (em idade escolar) utilizando-se na presente investigação a
última forma. Assim sendo, esta forma é composta por 86 itens, contendo cada item uma frase
que é dada à criança para a fazer corresponder a um dado membro familiar. Quanto às
características psicométricas o teste discrimina as diferenças significativas nas relações
familiares entre crianças provenientes de diferentes populações e os mecanismos
psicodinâmicos de defesa destacados assumem particular importância em crianças gravemente
perturbadas (Bene, 1985).
83
As Aventuras de Pata-Negra (Corman, 2001)
A técnica projectiva PN, da autoria de Louis Corman (2001) foi desenvolvida com o
intuito de avaliar a personalidade e os conflitos inerentes ao funcionamento mental infantil a
partir da abordagem psicanalítica, em crianças com idades compreendidas entre os 4 anos e os
10 anos de idade. Trata-se de um prova composta por um cartão designado de Frontispício, o
qual introduz a prova, o cartão Fada que a conclui e, ainda, 17 cartões contendo imagens
figurativas de um porco e da sua família, a preto e branco. Perante as solicitações manifestas e
latentes contidas em cada cartão, a criança é convidada a escolher os cartões que prefere e a
narrar uma história inventada por si, dispondo a ordem de sucessão de cada imagem. Este
procedimento permitirá que a criança em situação de avaliação projecte a sua realidade
interna, defesas e registos de conflitualização subjacentes ao seu funcionamento psíquico.
Cada cartão pode reactivar sucessiva ou simultaneamente vários registos de conflitualização
na mesma criança (Boekholt, 2000).
RESULTADOS
Após a recolha dos dados proceder-se-á à análise e descrição qualitativa dos conteúdos
constantes nas entrevistas semi-directivas realizada com os pais e com a criança, de modo a
formular a anamnese da criança, genograma familiar, classificação social internacional de
Graffard e aceder às percepções familiares da criança, da mãe e do pai. Em seguida, serão
avaliadas as provas aplicadas à criança e respectivas figuras parentais: nas provas do Desenho
Livre, Desenho da Figura Humana (Machover, 1978) e Desenho da Família (Corman, 2003)
serão analisadas as modalidades de desenho utilizadas durante a realização da prova,
atendendo à fase de desenvolvimento em que a criança se encontra. O Inventário de
Depressão para Crianças (Marujo, 1995) será analisado do ponto de vista quantitativo.
Quanto às provas Teste de Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985), Teste de
Relações Familiares, Versão Casais (Bene, 1976) e As Aventuras de Pata-Negra (Corman,
2001) serão cotados os procedimentos alusivos às respostas em cada uma das provas e
avaliado o seu valor qualitativo. Estes resultados serão integrados aos resultados obtidos nas
entrevistas semi-directivas, de modo a aceder a uma leitura compreensiva das percepções
familiares presentes em cada uma das famílias de crianças com organização depressiva
constantes na presente investigação.
84
Anexo C: Consentimento Informado
85
Por fim, a última sessão será realizada unicamente com a criança, de forma, a que se
proceda à passagem de uma prova projectiva infantil (aproximadamente 60 minutos de
duração).
O local de realização destes encontros será numa sala da Unidade de Pedopsiquiatria.
Deste modo, solicitamos a sua colaboração e do seu filho(a), pois para que esta investigação
se realize necessitamos de contar com a presença de participantes disponíveis. A vossa
participação reveste-se da maior importância para nós.
Há que referir ainda, que a sua participação e a da criança têm um carácter
completamente voluntário, podendo desistir do estudo a qualquer momento sem qualquer tipo
de penalização para ambos. Se não pretender que façam parte deste estudo pode desistir agora
ou como referido anteriormente, em qualquer outra altura.
Ao aceitar participar nesta investigação garantimos-lhe total confidencialidade e a
devida protecção dos dados que serão guardados num local seguro, apenas acessível aos
investigadores do estudo, destinando-se apenas a fins de investigação.
Só as crianças que obtiverem o presente documento assinado pelos pais participarão
no estudo.
Se sentir necessidade de esclarecer alguma informação, por favor, entre em contacto
connosco através do seguinte endereço electrónico:
Margarida Neves:
E-mail: margarida.pereiraneves@gmail.com
_______________________________________________
86
Anexo D: Autorização para Recolha de Dados
87
Anexo E: Guião de Entrevista dos Pais
Identificação da Criança
Motivo(s):___________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Quem são os elementos que compõem o agregado familiar (elementos que vivem na mesma
casa)?
(Constituição do genograma familiar)
88
Mãe
Idade: ________ Data de Nascimento: ____/____/____
Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: ____________________
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________
Pai
Idade: ________ Data de Nascimento: ____/____/____
Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: ____________________
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________
Irmão(ã)
Género: ___________________
Idade: ________ Data de Nascimento: ____/____/____
Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: ____________________
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): ______________________
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________
89
Irmão(ã)
Género: ___________________
Idade: ________ Data de Nascimento: ____/____/____
Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: ____________________
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): ______________________
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________
Irmão(ã)
Género: ___________________
Idade: ________ Data de Nascimento: ____/____/____
Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: ____________________
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): ______________________
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________
Irmão(ã)
Género: ___________________
Idade: ________ Data de Nascimento: ____/____/____
Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: ____________________
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): ______________________
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________
90
Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: ____________________
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): ______________________
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________
Relações Familiares
Qual é a situação familiar actual (apoios sociais e/ou familiares, existência de doenças físicas
e/ou psicológicas, problemas sociais, económicos, exposição a fontes de stress, entre outros)?
91
Como é a relação da criança com a mãe?
92
Sintomas da Criança e Impacto Familiar
93
Anexo F: Classificação Social Internacional de Graffard
Este método baseia-se no estudo, não apenas de uma característica social da família,
mas num conjunto de cinco critérios, a saber:
1. A profissão;
2. Nível de instrução;
3. Fontes de rendimento familiar;
4. Conforto do alojamento;
5. Aspecto do bairro habitado.
Numa primeira fase, deverá atribuir-se a cada família observada uma pontuação para
cada um dos cinco critérios enumerados e, numa segunda fase, obter-se-á com a soma destas
pontuações o escalão que a família ocupa na sociedade.
1. A PROFISSÃO
95
Exemplos de rendimentos familiares
1°. Grau: Pessoas que vivem de rendimentos, proprietários de grandes indústrias ou grandes
estabelecimentos comerciais.
2°. Grau: Encarregados e gerentes, lugares com adição de rendimentos igual aos
encarregados e gerentes, representantes de grandes firmas comerciais. Profissões liberais com
grandes vencimentos.
3°. Grau: Empregados do Estado, Governo Civil ou Câmaras Municipais, oficiais de
primeira, subgerentes ou cargos de responsabilidade em grandes empresas. Profissões liberais
de médio rendimento. Caixeiros-viajantes.
4°. Grau: Operários, empregados de comércio e escriturários.
5°. Grau: Sem rendimentos.
4. CONFORTO DO ALOJAMENTO
Grupo 1.º: Casas ou andares luxuosos e muito grandes, oferecendo aos seus moradores o
máximo conforto.
Grupo 2.º: Categoria intermédia – casas ou andares que sem serem tão luxuosas como as da
categoria precedente são, não obstante, espaçosos e confortáveis.
Grupo 3.º: Casas ou andares modestos, bem construídos e em bom estado de conservação,
bem iluminadas e arejadas, com cozinha e casa de banho.
Grupo 4.º: Categoria intermédia entre 3 e 5.
Grupo 5.º: Alojamentos impróprios para uma vida decente, choças, barracas ou andares
desprovidos de todo o conforto, ventilação, iluminação ou também aqueles onde moram
demasiadas pessoas em promiscuidade.
Grupo 1.º: Bairro residencial elegante, onde o valor do terreno ou os alugueres são elevados.
Grupo 2.º: Bairro residencial bom, de ruas largas com casas confortáveis e bem conservadas.
Grupo 3.º: Ruas comerciais ou estreitas e antigas, com casas de aspecto geral menos
confortável.
96
Grupo 4.º: Bairro operário, populoso, mal arejado ou bairro em que o valor do terreno está
diminuído como consequência da proximidade de oficinas, fábricas, estações de caminho-de-
ferro, etc.
Grupo 5.º: Bairros de lata.
CLASSIFICAÇÃO SOCIAL
A soma total dos pontos obtidos na classificação dos cinco critérios dá-nos uma
pontuação final que corresponde à classe social, conforme a classificação que se segue:
97
Anexo G: Itens do Instrumento Teste de Relações Familiares, Versão Casais (Bene,
1976)
98
27. Esta pessoa da família resmunga demasiado.
28. Às vezes esta pessoa da família não tem muita paciência.
29. Às vezes esta pessoa da família fica zangada demais.
99
Sentimentos negativos leves (de rejeição)
60. Às vezes esta pessoa da família fica ressentida comigo.
61. Esta pessoa da família gosta de gozar comigo.
62. Às vezes esta pessoa da família nem sempre faz o que eu gostaria que fizesse.
63. Às vezes esta pessoa da família faz coisas nas minhas costas.
64. Esta pessoa da família nem sempre me ajuda quando preciso.
65. Às vezes esta pessoa da família resmunga comigo.
66. Às vezes esta pessoa da família fica zangada comigo.
67. Esta pessoa da família faz-me sentir frustrado(a).
Sentimentos de protecção
90. Esta pessoa da família não tem uma personalidade suficientemente forte.
91. Esta pessoa da família não consegue lidar suficientemente bem com dificuldades.
92. Esta pessoa da família não consegue enfrentar suficientemente bem as outras pessoas.
93. Esta pessoa da família deveria ajudar mais em casa.
94. Esta pessoa deveria desempenhar um papel mais importante na vida da família.
100
Anexo H: Guião de Entrevista da Criança
Identificação da Criança
Nome:_____________________________________ Idade:______________
Interesses/Actividades
Frequentas alguma actividade desportiva ou cultural (dança, teatro, música, etc.)? Qual?
Amigos
101
Escola
102
Família
Como é que os teus pais se dão um com o outro? O que pensas/sentes com isso?
Dormes com alguém ou partilhas o quarto com alguém? Se sim, com quem?
103
Fantasias/Sonhos/Medos
104
Anexo I: Itens da Forma para Crianças em Idade Escolar do Teste de Relações
Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985)
105
27. Esta pessoa da família nunca está satisfeita.
28. Às vezes esta pessoa da família não tem muita paciência.
29. Às vezes esta pessoa da família fica zangada demais.
106
Sentimentos negativos leves (de rejeição)
60. Às vezes esta pessoa da família faz-me uma cara zangada.
61. Esta pessoa da família gosta de gozar comigo.
62. Às vezes esta pessoa da família manda-me embora.
63. Esta pessoa da família não brinca comigo quando eu gostaria que brincasse.
64. Esta pessoa da família nem sempre me ajuda quando estou em apuros.
65. Às vezes esta pessoa da família ralha comigo.
66. Às vezes esta pessoa da família fica zangada comigo.
67. Esta pessoa da família está muito ocupada para ter tempo para mim.
107
91. Esta é a pessoa da família a quem o pai dá mais atenção.
92. Esta é a pessoa da família a quem o pai dá mimos demais.
93. Esta é a pessoa da família com quem o pai passa mais tempo.
94. Esta é a pessoa da família que o pai gosta mais.
108
Anexo J: Inventário de Depressão para Crianças
CDI
Nome____________________________________
Sexo_____________________________________
Data de Nascimento_________________________
Escola____________________________________
Ano de Escolaridade_________________________
Data da Aplicação___________________________
Exemplo:
109
Lembra-te que deves escolher as frases que melhor mostram os teus sentimentos e
ideias das últimas duas semanas.
4. Tudo me dá alegria.
Nada me dá alegria.
110
6. Nunca penso nas coisas más que me podem acontecer.
7. Detesto-me.
Quero matar-me.
111
11. Tudo me aborrece imenso.
Nada me aborrece.
15. Tenho sempre que me esforçar muito para fazer os trabalhos da escola.
112
16. Todas as noites me custa muito a dormir.
113
21. Nunca me divirto na escola.
114
26. Faço sempre o que me dizem.
115
Anexo K: Conteúdo Manifesto e Latente dos Cartões do PN Segundo Chabert (1982) e
Corman (2001)
1. Bebedouro
Conteúdo Manifesto – A cena passa-se no interior. No primeiro plano, PN urina no
bebedouro maior de dois bebedouros. No segundo plano, os dois porcos e os dois leitões estão
deitados em lados diferentes de uma barreira.
Conteúdo Latente – Expressão da agressividade para com os imagos parentais.
2. Beijo
Conteúdo Manifesto – No primeiro plano, proximidade de dois porcos. Em segundo
plano, encontra-se um leitão atrás de um muro.
Conteúdo Latente – Problemática edipiana.
3. Batalha
Conteúdo Manifesto – O PN e um dos leitões brancos mordem-se. O terceiro leitão
afasta-se. Em segundo plano, situa-se o casal de porcos.
Conteúdo Latente – Tema sádico oral de rivalidade fraterna. Agressividade e
sentimentos de culpabilidade que lhe estão associados.
4. Carroça
Conteúdo Manifesto – PN deitado na palha. Dentro de um balão um homem coloca
um leitão na carroça enquanto dois porcos e dois leitões observam a cena.
Conteúdo Latente – Angústia de separação e/ou para a agressividade nas relações
familiares.
5. Cabra
Conteúdo Manifesto – PN mama numa cabra.
Conteúdo Latente – Relação com um substituto materno.
6. Partida
Conteúdo Manifesto – Um leitão numa estrada em contexto campestre.
Conteúdo Latente – Relação de dependência e angústia de separação.
116
7. Hesitação
Conteúdo Manifesto – À esquerda, o porco com a mancha negra amamenta um leitão
branco. À direita, o porco branco e um leitão branco bebem no bebedouro. PN está ao meio.
Conteúdo Latente – Tema de ambivalência, rivalidade fraterna ou de exclusão.
Conflito entre regressão e maturação no contexto de escolha do objecto privilegiado.
8. Ganso
Conteúdo Manifesto – À esquerda, um ganso apanha a cauda de um leitão. À direita,
outro leitão meio escondido por detrás de um muro.
Conteúdo Latente – Relação de agressividade versus castração.
9. Brincadeiras Sujas
Conteúdo Manifesto – Dois leitões divertem-se na água suja. Um deles atira água para
a cara de um porco. O terceiro leitão fica de fora da brincadeira.
Conteúdo Latente – Agressividade face a um imago parental num contexto anal.
10. Noite
Conteúdo Manifesto – Cena interior. Um estábulo iluminado pela lua dividido em
duas partes por um tabique de tábuas: de um lado, dois porcos juntos, do outro lado, dois
leitões deitados e um terceiro em pé encostado ao tabique.
Conteúdo Latente – Curiosidade sexual e fantasmas da cena primitiva.
11. Ninhada
Conteúdo Manifesto – Três recém-nascidos mamam na porca que bebe o conteúdo do
bebedouro cheio por um dos caseiros. Ao fundo, outro caseiro agarra em palha. No primeiro
plano, por detrás de uma vedação encontram-se três leitões, com PN ao centro.
Conteúdo Latente – Tema do nascimento e das relações precoces com o imago
materno, possivelmente num contexto de rivalidade fraterna.
117
13. Sonho Pai
Conteúdo Manifesto – PN está deitado. No balão encontra-se o porco branco.
Conteúdo Latente – Relação com o imago paterno.
14. Mamada 1
Conteúdo Manifesto – PN está a mamar no porco com a pata negra.
Conteúdo Latente – Aproximação com o imago materno num contexto de relação
privilegiada.
15. Mamada 2
Conteúdo Manifesto – Em primeiro plano, PN está a mamar no porco com a pata
negra. No segundo plano, dois outros leitões.
Conteúdo Latente – Aproximação com o imago materno num contexto de rivalidade
fraterna.
16. Buraco
Conteúdo Manifesto – PN num buraco com água à noite.
Conteúdo Latente – Receio da separação num contexto de perigo. Solidão, exclusão
e/ou punição.
118
Anexo L: Estudo de Caso 1 – Tomé (10 anos e 5 meses)
O Tomé, de dez anos e cinco meses frequenta o 4º Ano do 1º Ciclo do Ensino Básico.
É uma criança que apresenta um desenvolvimento estato-ponderal adequado ao grupo etário e
género a que pertence. Apresenta um aspecto físico harmónico, cuidado e limpo, com
vestuário adaptado à idade. Estabeleceu um contacto inibido com a observadora,
transparecendo uma postura corporal pouco expressiva e um olhar triste. Evitou manter
contacto ocular com a observadora. Verbalizou pouco e, quando o fez, foi maioritariamente
através de monossílabos, num tom de voz baixo. Observou-se uma dificuldade particular na
articulação do fonema /r/. Colaborou nas provas aplicadas, mantendo uma conduta estável,
controlada e concentrada, sem a presença de indícios de ansiedade face à situação de
observação/avaliação. Na última sessão (única vez em que a mãe o acompanhou por estar de
férias), após me despedir do Tomé e o conduzir à sala de espera onde se encontrava a mãe, o
Tomé sentou-se ao seu lado e abraçou-a fortemente.
Através da consulta num hospital localizado na Grande Lisboa foi encaminhado para a
Unidade de pedopsiquiatria por ansiedade, dificuldades de aprendizagem e queixas de
cefaleias, principalmente quando não quer ir à escola e, por vezes, nos dias em que tem jogos
de futebol. É acompanhado em consultas terapêuticas de frequência semanal com a psicóloga
da Unidade há oito meses e meio, beneficiando, ainda, de intervenção familiar.
O Tomé vive com os pais e com a irmã de sete anos, a Isabel, também presente nesta
investigação. O pai de quarenta e seis anos é chefe de oficina mecânica e a mãe com trinta e
nove anos é chefe de secção de um hipermercado, mais precisamente, coordenadora do
serviço de caixas (tem horário por turnos, com dois dias de folga rotativos). No final de 2008,
quando o Tomé tinha sete anos, a família mudou-se para a casa de férias dos avós paternos, na
Península de Setúbal, no entanto, o Tomé e a Isabel mantêm a mesma escola na antiga área de
residência, na Grande Lisboa. Devido aos empregos, os pais dispõem de pouco tempo para a
família, sendo apoiados pelos avós maternos do Tomé e da Isabel. Deste modo, quem assume
a função de levar as crianças à escola é a avó materna quando a mãe não está de folga e o avô
materno vai buscá-los à escola e acompanha-os às consultas na Unidade. Como o pai trabalha,
por vezes, ao Sábado o Tomé e a Isabel ficam com os avós maternos e, mesmo ao Domingo,
quando não estão com o pai, ficam com os avós. Posto isto, o dia-a-dia do Tomé distribui-se
da seguinte forma: entra na escola às nove horas, almoça no ATL onde permanece até às
dezoito e trinta/dezanove horas, hora em que o avô o vai buscar. Janta nos avós. Os pais
chegam a casa dos avós por volta das vinte horas ou dorme nos avós. Frequenta o futebol duas
vezes por semana e tem os escuteiros ao sábado. Anteriormente também tinha aulas de
119
natação mas o Tomé deixou de querer ir, queixando-se de dores de barriga e de cabeça. De
manhã acordava a chorar para não ir à tarde à natação. Os pais não compreendem esta
desistência.
O Tomé é muito ligado à mãe, solicitando muito o seu apoio (e.g., para vestir). Com o
pai gosta de brincar. Como figura disciplinadora na família, com o pai o Tomé obedece logo à
primeira ordem, enquanto com a mãe dificilmente obedece. Com a irmã é protector, pois
segundo os pais “o Tomé é um coração doce para a irmã, não se lhe pode ralhar porque ela é
pequena, diz ele”, no entanto, avançam “ela é mais áspera para o Tomé”. Quanto aos avós,
referem que a avó materna é permissiva, estimulando pouco a autonomia dos netos. Com
cerca de um ano, por vezes, passou a dormir em casa dos avós e tem o hábito de passar férias
com estes, correndo tudo bem. Na família alargada dos pais do Tomé desconhecem-se casos
de doença psiquiátrica. Contudo, a mãe revela que “em pequena era muito tímida, muito
reservada, parecida com o Tomé. No recreio não ia ter com os outros meninos”. Por seu lado,
o pai confessa que “sempre fui uma pessoa com dificuldades na escola” e, por esse motivo,
aos dez anos foi seguido em psicologia. Como nunca gostou de ir à escola fazia chantagem
com a mãe: não ia à escola se não tivesse um carrinho. O avô paterno faleceu um ano antes do
Tomé nascer, com 65 anos, por Cirrose devido ao alcoolismo e a avó paterna tem epilepsia.
Nas sessões de recolha de dados com os pais, observou-se que apresentam um aspecto
físico investido, cuidado e limpo, com vestuário adaptado ao seu grupo etário. Estabeleceram
um contacto adequado com a observadora, utilizando linguagem rica e espontânea. Senti que
ambos eram pessoas simples e muito expressivas, revelando interesse e entusiasmo em
partilharem comigo as suas vivências e em participar na investigação. Verbalizaram de modo
equilibrado, transmitindo os pontos de vista próprios, por vezes, discordantes. Ambos
mantiveram contacto ocular comigo, ainda que, tenha observado um olhar muito triste e vazio
na mãe, o sentimento de culpabilização, a necessidade de prolongar as respostas às questões
quando pareciam terminadas, verbalizando até ao momento em que eu formulava uma nova
questão, numa tentativa de preencher o espaço vazio. A mãe pareceu-me uma pessoa
significativamente mais negativa que o pai, o qual pareceu assumir-se como a figura que tenta
equilibrar as situações de forma mais positiva e sem atribuir grande importância a factos
menos pertinentes.
Quando os questionei sobre a relação de casal o pai respondeu-me de imediato que era
“conflituosa” e especificou espontaneamente o que queria dizer com esta resposta. A partir
deste momento a mãe começou a chorar intensamente, tentando-se controlar, embora, sem
efeito. Assim, prossegui a entrevista com o pai até a mãe se recompor (passei à frente a
questão seguinte relativa à relação da mãe com a família de origem). Durante a passagem da
120
prova TRF à mãe, destaca-se ainda o comentário que fez quando reflectia a colocação do
cartão 45 – Esta pessoa da família aprecia a minha companhia: “neste momento sinto-me
tímida e isolada no meu mundo, que não sei bem quem aprecia a minha companhia”.
A irmã do Tomé nasceu de parto prematuro às vinte e oito semanas com 795g,
permanecendo dois meses e meio no hospital e a mãe quinze dias internada. Na altura, o
Tomé tinha três anos e ficou aos cuidados dos avós maternos durante o tempo de
internamento da mãe. Contudo, enquanto a irmã permaneceu no hospital os pais passavam o
dia com ela, estando com o Tomé apenas à noite. Os pais reconhecem a existência de um
ambiente emocional pesado em relação ao estado de saúde da filha, sentindo muita
preocupação e ansiedade. Na altura não notaram alterações no Tomé mas “nota-se agora. Não
transmite aquilo que sente, é reservado nas emoções. Como exemplo, este fim-de-semana
ficou com a avó e cortou demonstração de afecto durante a despedida”, referem os pais,
admitindo, ainda, que não estariam eventualmente atentos aos sinais do Tomé.
Desde o nascimento até aos seis meses e meio o Tomé ficou aos cuidados da mãe. A
partir desse momento até aos cinco anos ficou com a avó materna. Aos cinco anos integra um
jardim-de-infância onde chorou em silêncio durante a primeira semana no momento da
separação da família. Com seis anos inicia o 1º Ano mantendo-se as dificuldades de separação
da mãe e da avó materna. O Tomé insiste que não quer ir para a escola e pede à avó para
esperar pela professora com ele. Depois de a professora chegar fica bem na escola. Com o pai
dirige-se logo para a aula sem se despedir. Contudo, registou uma boa adaptação e
aprendizagem até Abril de 2008 “parece que agora não é capaz de fazer o que antes fazia”.
Em Março do mesmo ano a mãe foi operada às varizes, ficando em casa com a filha quinze
dias. O Tomé comentava “pois a menina fica em casa contigo”. Assim, o Tomé começou a
não querer ir à escola, chorando e dizendo “não me deixes lá”. Quando antes os pais sentiam
que fazia os trabalhos-de-casa com entusiasmo, passou a adiar e a desinteressar-se. Sente
dificuldades na memorização de informação.
Pouco tempo após a operação da mãe, no final do 1º Ano, um colega empurrou o
Tomé na escola e este abriu o lábio, tendo indicação médica para não brincar nos próximos
quinze dias. No entanto, o Tomé levou muito a sério a indicação, mantendo-se à parte no
recreio. Terminados os quinze dias continuou a não ir brincar com medo de se voltar a aleijar,
até que o pai teve uma conversa com ele e, assim, voltou a brincar. Actualmente tem amigos
na escola e um amigo preferencial (menino com dificuldades de aprendizagem). Sempre foi
uma criança muito tímida, reservada e com dificuldades em defender-se dos pares, deixando-
se agredir até por crianças mais novas.
121
Segundo os pais é uma criança que “está sempre à espera da indicação dos pais, não
tem iniciativa nem opinião sobre alguma coisa que se lhe pergunte, ficando à espera da
opinião do adulto, é muito insegura e muito infantil, pouco autónoma em comparação com os
colegas” e acrescentam “no futebol não defende uma bola, tem muito medo de errar e de não
conseguir fazer as coisas, inibindo-se, o que prejudica muito a aprendizagem na escola”.
Quando se sente frustrado desabafa “às vezes eu não valho nada”. Contudo, os pais
consideram que não é uma criança que se queixe ou chore, sendo pouco reactivo à dor (e.g.,
queimaduras), assim, quando se aleija apenas olha para os pais. Em casa, não existem
cuidados com a exposição da nudez na família. Desta forma, ainda que por vezes, o Tomé
tome banho sozinho, noutras a mãe dá-lhe banho em conjunto com a irmã.
Com a entrada para o jardim-de-infância e escola o Tomé deixou de ir à casa-de-banho
com receio de não conseguir fazer a sua higiene sozinho, desenvolvendo encoprese diária (a
partir dos cinco anos). Uma vez na sanita, não conseguia ficar sentado durante todo o
momento da evacuação, sentando-se e levantando-se. Em Maio de 2008 frequentou um
acampamento sem casa-de-banho onde tentou não evacuar, resultando num episódio de
encoprese. Assim, por indicação do pediatra fez um calendário para a encoprese e desde essa
altura registaram-se quatro episódios de encoprese. Nas férias seguintes com a diminuição da
ansiedade melhorou. Actualmente já não apresenta este sintoma.
No 2º Ano de escolaridade iniciou apoio pedagógico, contudo, sem resultados
significativos, a mãe pediu à professora para que o filho ficasse retido nesse ano. O Tomé
esforçou-se muito no final do ano e a professora sentiu que devia transitar para o 3º Ano.
Num relatório escolar do 3º Ano é possível ler que o Tomé “relaciona-se bem com os adultos
(professora e auxiliares) e com os colegas, embora seja tímido e discreto. Precisa de ser
constantemente valorizado pelo seu trabalho para ganhar auto-estima e confiança. Gosta de
participar nas actividades escolares (…) possui um ritmo de trabalho lento o que prejudica a
conclusão das tarefas, continuando a precisar muito da ajuda da professora”. No 4º Ano
regista-se que “continua a demorar muito tempo a executar as tarefas” e destacam-se as
dificuldades nos domínios de português, matemática e estudo-do-meio.
Anteriormente à gravidez do Tomé, a mãe sofreu dois abortos espontâneos aos dois
meses de gestação, com um ano de intervalo entre as três gestações (incluindo do Tomé). A
gravidez foi planeada, ainda que a mãe se tenha sentido muito ansiosa e receosa devido aos
abortos anteriores. Para a avó materna a mãe passou a sua ansiedade para o filho. A gravidez
ocorreu sem intercorrências físicas, com excepção de dor ciática no final da gestação. Para a
mãe o sexo do bebé era indiferente, já o pai tinha preferência por uma menina. O Tomé
nasceu às trinta e seis semanas, de parto eutócico. O pai cortou o cordão umbilical. Após o
122
nascimento do Tomé, a mãe teve apoio da avó materna, ainda que pouco, uma vez que a avó
cuidava da neta. A mãe nega a possibilidade de ter sofrido uma depressão pós-parto.
No que concerne ao desenvolvimento do Tomé, durante o primeiro ano de vida é
recordado como um bebé calmo e reservado, não se dando com todas as pessoas. Não chorava
muito e aos dois meses já dormia a noite toda “era comer e dormir, por vezes, era preciso
acordá-lo para comer”. Para adormecer gostava de mexer no nariz do adulto. Ficou no quarto
dos pais até aos três anos. A partir dos sete anos, com a mudança de casa começou a partilhar
o quarto com a irmã, dormindo bem. Desde esta idade passou também a dormir com um
boneco, à semelhança da irmã. O Tomé começou a andar aos treze/catorze meses e a dizer as
primeiras palavras com oito/nove meses (mamã, papá, dá,…). O controlo dos esfíncteres
uretrais diurno e nocturno ocorreu aos dois anos e seis meses. No caso dos esfíncteres anais,
apesar de não se sentar na sanita continuadamente, em casa pede à mãe e avó para lhe
limparem o rabinho (actualmente recusam-se a fazê-lo por indicação da psicóloga). Contudo,
com a entrada no jardim-de-infância aos cinco anos desenvolve encoprese secundária. O
Tomé foi amamentado até aos seis meses e meio e usou chucha até aos três anos. A
diversificação alimentar implementou-se sem registo de problemas.
Habitualmente o Tomé gosta de jogar Playstation, computador, ver tourada e futebol
(chora quando o Benfica perde). Brinca com carrinhos imitando a profissão do pai
(mecânico). Gosta também de ajudar a família nas tarefas domésticas, esperando
reconhecimento (e.g., ajudar o avô materno no quintal).
123
Guião de Entrevista dos Pais
Identificação da Criança
O Tomé apresenta dificuldades escolares e por isso a mãe neste momento encontra-se
a ponderar a possibilidade de o filho ficar retido no presente ano. Actualmente o Tomé tem
apoio extra-curricular com uma professora de ensino especial (explicação).
(Mais tarde soube que o Tomé passou para o 5º Ano).
Quem são os elementos que compõem o agregado familiar (elementos que vivem na mesma
casa)?
(Constituição do genograma familiar)
1999
73 63 62
40 41
46 39 38 38
3 3
11
10 7
124
Mãe
Idade: 39 Anos Data de Nascimento: 1971
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casada Habilitações Literárias: 12º ano
Profissão: Chefe de Secção de um hipermercado – coordenadora do serviço de caixas
Situação Profissional: Empregada.
Pai
Idade: 46 Anos Data de Nascimento: 1965
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casado Habilitações Literárias: 9º Ano
Profissão: Chefe de oficina mecânica Situação Profissional: Empregado
Irmão(ã)
Género: Feminino
Idade: 7 Anos Data de Nascimento: 2004
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): 1º Ano
125
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________
Relações Familiares
Qual é a situação familiar actual (apoios sociais e/ou familiares, existência de doenças físicas
e/ou psicológicas, problemas sociais, económicos, exposição a fontes de stress, entre outros)?
A avó materna é a “segunda mãe deles” e o avô materno é quem os traz às consultas.
Ao domingo ficam com os avós ou com o pai. O pai às vezes trabalha ao sábado. Sentem
stress na família mais pela falta de tempo. Como chefe de secção a mãe assume uma grande
responsabilidade profissional e, como tal, sente que pode penalizar a família.
126
quando perde fica muito desanimado. Não responde aos outros colegas quando o chamam à
atenção e defende-se pouco, acrescenta a mãe. Nem com os primos, mesmo se o estiverem a
aleijar. A irmã também se lhe bater ele não se defende.
127
E como é a relação do pai com a sua família de origem?
Com a mãe é um bocado conflituosa (avó paterna do Tomé/Isabel) “vê as coisas como
há trinta anos”. Anteriormente ao nascimento da Isabel a família residia numa área
suburbana de Lisboa, passando a viver numa casa pertencente à avó paterna do Tomé/Isabel
na Margem Sul do Tejo. A avó paterna vendeu a casa deles e com esse dinheiro comprou uma
casa para ela viver sem dizer nada a ninguém. Tenta fazer tudo a correr. É muito poupada,
pouco flexível, muito ligada à igreja, sacrificando-se muito em vez de viver mais a vida. A
relação da avó paterna com o irmão do pai não diverge tanto. É muito individualista. A
relação da mãe com a sua família é mais carinhosa, há mais contacto e afecto. Quando vai
para o hospital não diz nada a ninguém e depois queixa-se que não lhe ligam, só sabem
depois de ter alta. É muito fechada. Sentem que afasta os outros. É muito activa, até se for
preciso faz obras numa casa sozinha, corta o próprio cabelo, renova as coisas. Não vem
comer quase nunca a casa deles, mas se eles não vão lá chateia-se. Como a avó paterna faz
diferença entre o tio do Tomé e o pai, não entram tanto em conflito, desculpa mais o tio
paterno do Tomé.
128
Guião de Entrevista da Criança
Identificação da Criança
Interesses/Actividades
Frequentas alguma actividade desportiva ou cultural (dança, teatro, música, etc.)? Qual?
Jogo futebol (treina na escola do Benfica, o pai é do Sporting). Escuteiros (?) vou aos
encontros dos escuteiros. Natação.
Amigos
129
Escola
daquilo”.
Família
130
Com quem vives (nome, idade, grau de parentesco face à criança)?
Mãe, pai, irmã.
Como é que os teus pais se dão um com o outro? O que pensas/sentes com isso?
Bem. Às vezes há uma discussão. (?) Não penso muito nisso.
Dormes com alguém ou partilhas o quarto com alguém? Se sim, com quem?
Dorme no mesmo quarto que a irmã, num beliche.
Fantasias/Sonhos/Medos
131
Se pudesses mudar alguma coisa em ti, o que seria?
Ter umas novas chuteiras (?) Nada (nele próprio).
Desenho Livre
132
Inquérito
2) História
Era uma vez o pirata das Caraíbas estava a viajar e depois quando viu no mapa estava
no oeste, mas o tesouro é no norte. Só havia era areia por volta. Mas ele só via a areia
do oeste. Passados dias e noites chegou a uma ilha e viu uma palmeira… uma
palmeira e depois viu uma cruz no chão, escavou, escavou e depois voltou para a sua
terra que era o Brasil com o tesouro. E depois não queria partilhar com ninguém e ele
foi para o seu castelo que estava cheio de entrevistas, ele depois à noite pensou,
pensou e depois disse: “eu não posso ficar com o tesouro todo, vou partilhar” e
partilhou. E depois quando foi dar a todos fizeram uma grande festa.
Análise da prova
O Tomé apresenta lateralidade direita e exerce uma pressão adequada no lápis, embora
desenhe com alguma rapidez. No Desenho Livre acima enunciado observam-se transparências
nas árvores pelo preenchimento de cor dado à areia. As transparências são próprias da fase de
Realismo Intelectual (i.e., crianças dos 4 aos 7 anos, aproximadamente) e, por isso, menos
esperadas na idade do Tomé segundo Luquet (1984). O desenho retrata uma cena marinha
com um barco (pode remeter para o fenómeno do nascimento através da água, conteúdo
regressivo associado à vida intra-uterina e o barco, associado ao feminino, ao materno) e
representa simbolicamente a descoberta de um tesouro “cheio de ouro” numa ilha (símbolo
feminino) sob um poderoso sol (símbolo masculino). No barco, ainda que à deriva sobre um
mar com elementos marinhos ligados à vida, peixes e algas, destaca-se a ausência do desenho
de uma figura humana, podendo enunciar dificuldades na projecção da auto-imagem corporal.
A narrativa evoca o conflito associado ao desejo de manter uma relação exclusiva, dual com o
imago materno e a sua resolução e possibilidade de crescimento através da partilha que
indicia o acesso à triangulação edipiana.
133
Desenho da Figura Humana de Machover
1º Desenho
Inquérito
135
20) Mais velhos ou mais novos? Mais velhos.
21) O que é que dizem dele/a? Que ele é muito bom jogador.
22) Ele/a gosta da família? Gosta.
23) E da escola? Também.
24) Sai muito com os amigos? Sim.
25) Quando é que diz que se divertiu muito? No primeiro aniversário.
26) Quer casar? Não.
27) Com que idade?
28) Que género de mulher quer casar?
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? Chegar à lua, ser o melhor
jogador e nunca errar.
30) Com quem se parece? Com o pai.
31) Gostarias de te parecer com ele/a? Não.
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Não mudava nada.
2º Desenho
136
Inquérito
E uma má recordação?
Ela toda a chorar quando era bebé.
137
13) É feliz? Sim.
14) Quais são os seus aborrecimentos? É quando a mãe e o pai zangam-se.
15) O que o/a faz zangar? O pai.
16) Quais são as suas manias? Ser a melhor.
17) Quais são os seus três piores defeitos? Ser pior que os outros.
18) Quais são as suas melhores qualidades? A dança.
19) Tem muitos amigos? Sim.
20) Mais velhos ou mais novos? Mais novos.
21) O que é que dizem dele/a? Que ela é a melhor estrela do mundo.
22) Ele/a gosta da família? Sim.
23) E da escola? Sim.
24) Sai muito com os amigos? Não.
25) Quando é que diz que se divertiu muito? No primeiro aniversário.
26) Quer casar? Não.
27) Com que idade?
28) Que género de homem quer casar?
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? Pisar a lua, ter uma casa e ter
um jacuzzi.
30) Com quem se parece? Com o irmão.
31) Gostarias de te parecer com ele/a? Não.
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Não.
Análise da prova
138
Na fase de inquérito de ambas as figuras e na narrativa do primeiro desenho surge
novamente a temática do nascimento e o conflito inerente à dificuldade de crescer: de
regressar à dependência simbiótica com o materno ou em se autonomizar deste espaço.
Apesar de iniciar a história num cenário marinho com a encenação de uma luta da qual sai
vitorioso através do uso de uma espingarda (símbolo masculino), que pode remeter para a
projecção das suas pulsões agressivas como forma de combater os seus medos internos e
colmatar a sua falha narcísica mas, também, a destruição do objecto, representando o desejo
de separação, crescimento e autonomia. Contudo, regride para a relação dual com o imago
materno. Assim, surgem, ainda, respostas que indiciam dificuldades de separação (“E uma má
recordação? Quando ele morreu”) intolerância à frustração, falha narcísica acentuada (“Quais
são os seus aborrecimentos? Quando perde um jogo”; “Quais são as suas manias? Ser o/a
melhor”; “Quais são os seus três piores defeitos? Ser pior que os outros”; “Quais são os seus
três principais projectos/sonhos? Chegar à lua, ser o melhor jogador e nunca errar”; “O que é
que dizem dele/a? Que ela é a melhor estrela do mundo”), dificuldades no relacionamento
com os pares e egocentrismo infantil (“Quais são os seus três piores defeitos? Há um que está
a fazer e ele quer que faça de outra maneira”), competição e rivalidade com a figura paterna
(“O que o/a faz zangar? O pai”; “ser o/a melhor” e “ser pior que os outros”).
Desenho da Família
139
Após a realização do desenho questiono o Tomé sobre o desenho que riscou na
camisola da terceira figura: “a fingir que era uma bandeira que ele não gostava” (?) “já
comprou a camisola assim, riscada”. Questiono-o sobre as calças: “tipo cowboy, rasgado”.
Inquérito
1) Quem são essas pessoas que desenhas-te, como se chamam e que idade têm? (da
esquerda para a direita)
O pai, Francisco, 18 anos;
A mãe, Madalena, 29 anos;
O filho, Nuno, 18 anos. Não pode ser 18, tem 10 anos.
140
6) Se tivesses que escolher uma pessoa desta família, quem é que preferias ser?
Porquê?
O filho. Porque… ele está na moda.
7) Se fossem todos dar um passeio de carro mas não houvesse lugar para uma
pessoa, quem ficaria em casa? Porquê?
A mãe. Por causa que ela tinha que arrumar as coisas.
8) Se alguém não se tivesse comportado bem quem seria? Como seria castigada?
Quem é que dava o castigo?
Filho. Não jogava playstation. O pai e a mãe davam o castigo (?) o pai.
9) Se pudesses mudar alguma coisa no teu desenho o que é que mudarias? Porquê?
Nada. Porque acho que eles estão fixes.
Análise da prova
Sem realizar comentários verbais ao longo da prova, o Tomé desenhou as figuras com
rapidez, sem demonstrar cuidado no modo como pintava as figuras (especialmente a figura
que representa a mãe). Enquanto desenhava fez algumas expressões faciais particulares, como
tiques, especialmente ao nível da boca.
Posto isto, ao observar o desenho sobressai a exclusão do filho do casal parental. A
mãe surge como a personagem menos investida e valorizada (pouco cuidado ao pintar,
ausência de pormenores, sem pés) e o filho como o mais investido (recurso à utilização de
mais cores e pintadas com mais cuidado, olhos permanecem brancos ao contrário das
restantes figuras, pormenores nas calças e camisola). A figura materna parece triste e à
semelhança das figuras do Desenho da Figura Humana, todas as figuras assemelham-se a
espantalhos, bonecos pouco firmes (o filho particularmente parece que vai cair), com os olhos
vazios e sem pupilas, os dedos das mãos em número insuficiente face ao contexto real o que
pode associar-se à imaturidade ou pouco cuidado no desenho das figuras. O roxo escolhido
para preencher a pele das figuras faz com que pareçam doentes, sem vida, desfalecidas.
No inquérito que acompanha o desenho surgem aspectos ligados à desvalorização e
rivalidade com o imago paterno e uma relação próxima, idealizada e pouco frustrante com a
mãe “porque ela dá-lhe tudo o que ele quer”, dificultando, assim, o processo de
separação/individuação. Contudo, a resposta à sétima questão indicia o acesso à triangulação
141
edipiana ao ser capaz de se separar da mãe para estar com o pai. A diferença de gerações
parece integrada, apesar de inicialmente o Tomé colocar o filho ao mesmo nível etário do pai
(por via da desvalorização e rivalidade com esta figura), recua e concede maior poder ao pai
(ainda que apenas oito anos os separe). Do ponto de vista gráfico, não se verificam variações
entre as figuras a este nível, com o filho a surgir do mesmo tamanho que os pais. Por seu
turno, a diferenciação sexual parece suficientemente integrada através do traçado dos cabelos
e da evocação de estereótipos tipicamente ligados à separação dos papéis sexuais pela
referência à mãe que arruma, o que pode também associar-se à importância que o Tomé
atribui à ordem (formação reactiva). Por fim, ainda que o Tomé não tenha representado a
família real de forma directa, importa, ainda, salientar a ausência da irmã no desenho através
do mecanismo de defesa negação, o que pode remeter para uma problemática na linha da
rivalidade fraterna.
Análise inter-individual
O Tomé obteve um total de 17 pontos, resultado este que o situa no Grupo 2 quanto à
gravidade dos sintomas de depressão apurados no teste. Classifica-se, assim, num nível
intermédio de sintomas de depressão, ainda que, inferior à média e, portanto, fora do Grupo 1
(sujeitos não deprimidos) e do Grupo 4 (sujeitos deprimidos).
Análise intra-individual
Perfil de Itens
Intensidade do Item
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27
Itens
142
A partir da análise do gráfico acima representado verifica-se que a maioria dos itens
distribui-se na intensidade menor (14 itens) e média-inferior (11 itens). Sobressaem, desta
forma, os itens associados a uma preocupação excessiva, problemas de sono, isolamento
social, pessimismo, baixa auto-estima, tristeza e sentimentos de insucesso.
Atendendo à distribuição dos itens no gráfico parece afigurar-se uma conflitualização
entre a expressão fantasmática e a defesa que aliada à tendência para a interiorização do
comportamento (inibição) observada no Tomé no contexto da recolha de dados, podem
sugerir a interferência de mecanismos de defesa como a negação nos resultados do teste.
143
30
25
20
15
10
0
Ninguém Tomé Pai Mãe Irmã
10
6
Positivos
5
Negativos
4
0
Ninguém Tomé Pai Mãe Irmã
144
Na análise dos sentimentos positivos/negativos percepcionados como emitidos pelo
Tomé face aos vários elementos da família (Figura 2) destaca-se uma forte idealização das
figuras parentais, sobretudo da mãe “esta pessoa da família nunca me desaponta”, não lhe
atribuindo afectos negativos, o que pode dificultar o processo de separação desta figura. Entre
os itens positivos fortes destaca-se a atribuição de “gostava que esta pessoa da família
gostasse mais de mim do que dos outros” e “gosto que esta pessoa da família me faça
cócegas” ao pai, revelando o desejo de aproximação e competição pela atenção desta figura
parental. Contudo, entre os afectos negativos surge a falta de “paciência” por parte do pai.
Observa-se também a expressão de auto-agressividade no próprio Tomé movida por
sentimentos de culpa e insegurança “às vezes esta pessoa da família irrita-se muito depressa”
e “às vezes esta pessoa da família fica chateada sem ter razão para isso”, visto que obteve dois
itens negativos e nenhum positivo. Com a irmã parece estabelecer uma relação ambivalente
marcada pela rivalidade fraterna uma vez que obteve apenas dois itens de afectos positivos
face a cinco negativos atribuídos em exclusivo a esta figura. Por fim, o Tomé defende-se no
Niguém pela negação dos aspectos negativos fortes não colocados nos membros da família
mas também demonstra a necessidade de autonomização ao rejeitar os seguintes afectos
positivos fortes: “às vezes gostava de poder dormir na mesma cama com esta pessoa da
família” e “quando me casar gostava que fosse com uma pessoa parecida com esta pessoa da
família”.
12
10
Positivos
6
Negativos
0
Ninguém Tomé Pai Mãe Irmã
Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.
145
Quanto aos afectos positivos e negativos sentidos como recebidos por cada elemento
da família (Figura 3) à semelhança do observado na figura anterior, destaca-se uma forte
idealização das figuras parentais, desta feita sem qualquer tipo de afecto negativo atribuído a
ambas as figuras. Entre os afectos positivos fortes destacam-se “esta pessoa da família gosta
de estar na cama comigo” à mãe, o que pode remeter para fantasias edipianas e, ainda, “gosta
de me dar beijinhos”, “gosta de me ajudar quando estou a tomar banho” e “gosta de me fazer
cócegas” ligados ao pai, como forma de investimento numa nova relação de objecto. No que
concerne ao próprio Tomé apenas contém um afecto positivo, não se auto-atribuindo qualquer
tipo de afecto negativo. Assim, os afectos negativos foram apenas atribuídos à irmã (relação
ambivalente) e à personagem Ninguém. Na irmã este facto pode ter um valor na linha da
rivalidade fraterna e no sentimento de inferioridade do Tomé face a esta figura: “faz-me uma
cara zangada”, “nem sempre me ajuda quando estou em apuros”, “ralha comigo” e “fica
zangada comigo”. No Ninguém reenvia para uma forte negação dos afectos negativos.
10
0 Emitidos Positivos
Recebidos Positivos
Emitidos Negativos
-5
Recebidos Negativos
-10
-15
Ninguém Tomé Pai Mãe Irmã
147
Quanto ao próprio Tomé sobressai a expressão de auto-agressividade através de uma
auto-estima insegura e culpabilizada. Revela-se emocionalmente dependente de ambos os
pais, com destaque para a figura materna.
Na relação com a figura paterna destaca-se uma forte idealização, demonstrando o
desejo de aproximação e competição pela atenção desta figura parental. Surge uma
dependência emocional do Tomé face ao pai que não supera a relação dependente que
mantém com a mãe. Contudo, sente o pai como uma personagem com pouca “paciência”,
percepcionando-se como o foco de indulgência do pai, seguindo-se a irmã e a mãe,
respectivamente.
Com a figura materna observa-se a presença de fantasias edipianas numa relação
fortemente idealizada, negando os aspectos negativos e a expressão agressiva, o que dificulta
o processo de separação emocional desta figura pelo elevado grau de dependência que
mantém. Sente que a mãe centra a sua atenção nele, seguindo-se a irmã e, por último, surge o
pai com pouca indulgência materna. Revela o desejo de autonomização desta figura.
Na relação com a irmã destaca-se uma relação ambivalente marcada pela rivalidade
fraterna e por sentimentos de inferioridade do Tomé face a esta figura.
As Aventuras de Pata-Negra
1ª Etapa – Frontispício
PN:
Porque tem a pata negra.
Menina.
1 Ano. Não, para aí uns 10 anos.
Dois porquinhos:
São primos do PN.
Menino, 5 anos (da esquerda).
Menino, 5 anos (da direita).
São irmãos, tipo gémeos.
Porcos Grandes:
Em cima – pai, 20 anos.
Em baixo – mãe, 22 anos.
148
Quanto ao PN o Tomé projecta por um lado, uma idade próxima da sua, o que reforça
a identificação com o herói da história mas, por outro, realiza uma inversão de sexos em
comparação ao seu, identificando-se a uma menina, o que pode remeter para conflitos
edipianos e uma tendência para o evitamento dos conflitos.
Nos dois porquinhos assinala-se a representação de dois primos do PN, não
identificando uma relação de tipo fraterno face ao PN o que pode remeter para o desejo de ser
filho único e assim obter a atenção/protecção exclusiva dos pais, sobretudo da mãe, anulando
a rivalidade fraterna.
Os porcos grandes foram identificados de forma adequada aos pais, com a mãe a
destacar-se pela maior maturidade projectada.
2ª Etapa – Os Temas
Brincadeiras Sujas
Era uma vez quatro porcos que estavam na lama a brincar. A mãe deles estava cá
fora para não ficar suja, mas os três filhos nos saltos dos porcos sujaram a mãe toda.
Quando o dono viu os porcos teve-lhes de molhar com a mangueira.
Nesta resposta o Tomé acede ao conteúdo latente do cartão que remete para a
agressividade face a um imago parental num contexto de analidade. Iniciando-se por uma
situação lúdica, a figura materna é a escolhida como alvo da agressividade, podendo associar-
se ao desejo de separação na relação com esta figura, ainda que os porquinhos pequenos
surjam de forma anónima, evitando identificar-se ao responsável do acto agressivo. Introduz
uma personagem na história que não figura na imagem “o dono” podendo remeter para uma
figura superegóica que coloca em cena a defesa pela formação reactiva.
Cabra
Era uma vez um porco negro, pata negra que pensava que a sua mãe era uma cabra e
por isso foi mamar numa cabra. Quando a mãe viu chateou-se e levou o filho para o seu
curral. Quando o dono chegou viu que uma cabra estava dentro do curral, tirou a cabra e
meteu-a na sua quinta.
Na resposta ao presente cartão que reenvia para a relação com um substituto materno
encontra-se subjacente o sentimento de culpabilidade no Tomé, não permitindo a substituição
materna, a separação deste imago, face ao receio da retaliação materna. A introdução da
149
figura superegóica “dono” vem reforçar os interditos ao desejo de separação da mãe,
reafirmando a relação de dependência com a mãe.
Bebedouro
Era uma vez três porcos pequenos e o pai e a mãe estavam a dormir no palheiro. Os
porcos pequeninos estavam junto a eles que era a casa dos porcos. Os filhos estavam sempre
a comer. Quando o dono chegou viu que a tigela já estava vazia, meteu-lhes mais os pais
levantaram-se e foram comer com eles.
Buraco
Era uma vez um porco pata negra que caiu num buraco cheio de lama e não
conseguia sair de lá. Por isso o dono viu que faltava-lhe um porco, o da pata negra e o dono
disse: “falta-me um porco” e o dono foi na sua carrinha procurar o porco. Num instante
passou num buraco e pensou que era um porco, mas era um pato, passou noutro que tinha
sido um cão. Passou num, viu o porco, meteu-o dentro da carrinha e levou-o para a sua casa.
Num cartão que apela ao receio da separação num contexto de perigo, o Tomé
introduz uma figura na história que não se observa na imagem evitando, desta forma, o
confronto (punitivo) com as figuras parentais face à transgressão da relação desencadeada
pela separação. Em todo o caso, o desenlace da história dá-se através do apoio desta figura,
não conseguindo socorrer-se de forma autónoma.
150
Inicialmente observa-se um evitamento/recusa em abordar a situação futura do PN.
Com a intervenção da investigadora surge a alusão ao PN contudo, apenas na relação com a
figura materna e irmãos, excluindo a figura paterna.
Acrescentou os cartões:
Ninhada
Era uma vez três porquinhos. A mãe dos porquinhos ficou grávida e teve mais quatro
filhos. Os outros filhos estavam lá junto da mãe, a mãe comia, os outros quatro bebiam o leite
e os outros três comiam também. Os donos dos porcos meteram palha e comida, água para a
mãe e os seus filhos para ficarem confortáveis.
Num cartão que remete para o tema do nascimento e da rivalidade fraterna o Tomé não
aborda o conflito da rivalidade fraterna, optando por o evitar apegando-se ao conteúdo
manifesto do cartão, ainda que acrescente um porco recém-nascido à história que não figura
no cartão.
Pequena Escada
Era uma vez o porco PN queria comer ervas em cima de uma árvore. A mãe
experimentou na primeira vez caiu, na segunda vez caiu, à terceira vez subiu, viu que tava
ervas e comeu, comeu, comeu, o PN. Quando acabou de comer as ervas queria sair, não
conseguia. O dono dos porcos encostou a mãe a uma árvore, o filho às cavalitas e levou o seu
filho PN para o curral e a sua mãe numa carrinha grande. Ficou juntamente com os seus
filhos e o porco PN junto com os seus irmãos e os seus primos. O filho PN gostou muito deste
dia.
Num cartão que remete para a função de holding de uma das figuras parentais, o Tomé
projecta uma vez mais, a problemática oral podendo reenviar para um vivido de carência na
relação com o materno. A função de apoio é associada ao materno, ainda que, se represente de
forma precária pelas sucessivas quedas até conseguir auxiliar o filho e introdução do “dono
dos porcos” na história como auxiliador da função materna.
151
3ª Etapa – Preferências-identificações
Cabra
A1) Porque o porco PN enganou-se na mãe. O PN.
Pequena Escada
A2) Porque nunca vi um porco a subir às cavalitas de uma mãe. O PN.
Ganso
A3) Gosto porque nunca vi um pássaro (é menina) a atacar um porco. O primo
(porquinho do lado esquerdo no frontispício).
Ninhada
A4) Os senhores estavam a tratar dos filhos da porca e dos três também. O senhor.
Batalha
A5) Porque a mãe não está desinteressada, ai, está muito interessada com os filhos e
nunca vi um porco a correr desta maneira. O pai.
Ainda que reforce o que disse no início da frase com “está muito interessada” o Tomé
sente que refere o contrário e, por isso, tenta negar a vivência da desprotecção materna. A
agressividade num contexto de rivalidade fraterna não é evocada, evitando-a.
152
Cartões de que não gosta (nA)
Noite
nA1) Porque estão a separar os filhos da mãe.
Os filhos e a mãe todos juntos. O PN.
Num cartão que apela para a curiosidade sexual e para os fantasmas da cena primitiva,
o Tomé revela-se sensível ao sentimento de exclusão e separação da relação de dependência
com o materno.
Mamada 2
nA2) Por causa que os outros querem mamar mas o outro não deixa (o PN).
Todos a mamar na mãe. O PN.
Face à relação com a mãe num contexto de rivalidade fraterna o Tomé tenta anular
essa rivalidade, ainda que se identifique ao PN.
Hesitação
nA3) Por causa que o PN queria estar a comer e o pai não estava a deixar.
O PN a comer a comida também junto dos outros filhos e da sua mãe. O pai.
Ainda que expresse o desejo de uma aproximação à figura paterna, não prescinde da
relação com o primeiro objecto, a mãe. A rivalidade fraterna é, uma vez mais, evitada.
Beijo
nA4) Porque lá eles não tinham comida para eles comerem.
Metia uma coisa de comida para os porcos pequenos e para os grandes. O PN.
Assiste-se a uma perseveração do tema oral de tipo carencial num cartão que apela à
problemática edipiana, não abordando este conflito.
Bebedouro
nA5) O PN estava a fazer cocó na comida dos outros.
153
Todos a comer e o PN não fazer cocó para a comida. O pai.
Partida
nA6) O filho perdeu-se, o PN.
Que todos encontrassem o PN. O PN.
Carroça
nA7) Por causa que estavam a levar os porcos para outra quinta e eles não gostavam,
a mãe, o pai, o PN… estavam todos a ser levados.
A mãe e o pai e os seus filhos ficaram na mesma quinta. O pai.
Num cartão que evoca a angústia de separação este conflito é evitado, mantendo a
agressividade nas relações familiares reprimida.
Buraco
nA8) Por causa que o filho está perdido e caiu num buraco, o PN.
O porco juntamente com os outros. O PN.
Brincadeiras Sujas
nA9) Os filhos estão a sujar a mãe e a mãe não quer.
Os porcos não sujarem a mãe com os saltos deles. O PN (está fora da lama).
A temática da agressividade face a uma figura parental, neste caso, a mãe é acedida,
todavia, evita identificar-se com o autor do acto agressivo colocando o PN fora da lama, o que
remete para uma defesa na linha da formação reactiva (interiorização superegóica).
154
Mamada 1
nA10) Porque a mãe não deixava os outros comerem, só deixava o PN.
Todos a comerem. O PN.
Num cartão que remete para uma relação privilegiada com o materno introduz os
“outros” (irmãos) na frase negando a aproximação exclusiva à mãe e a rivalidade fraterna.
Sonho Mãe
nA11) Porque a mãe estava a ver o seu filho a dormir e estava a levar com o cheiro
do seu filho.
O filho não deitar cheiro para a mãe. O PN.
Num cartão que remete para a relação com a imagem materna a ficção sugerida pelo
balão não é reconhecida, remetendo para imaturidade no Tomé. A problemática inscreve-se
na projecção de agressividade face à mãe.
Sonho Pai
nA12) O pai estava a deitar cheiro para o filho.
O pai não deitar cheiro para o filho. O PN.
Num cartão que remete para a relação com a imagem paterna a ficção sugerida pelo
balão não é reconhecida, remetendo para a presença de imaturidade no Tomé. A problemática
inscreve-se na projecção de agressividade do pai para o filho.
Beijo
Não.
Noite
Não.
155
5ª Etapa – Questões de Síntese
O PN.
Que pensava que era uma coisa de mal mas era uma coisa boa.
(?) Porque assim o porco sabe que tem uma pata negra e é o mais forte.
6) Cartão Fada:
Desejo 1: Que a sua família corra bem.
Desejo 2: O seu dono deia muita comida.
Desejo 3: E pedia que não deixasse de dar comida.
156
Síntese da Análise da Prova
Preferências-identificações
Os Temas Preferências Identificações
Cartões Aceite (A)/Não Agradável Assumida Total
Aceite (nA) (A)/Não (A)/Não
Agradável (nA) Assumida (nA)
Bebedouro A nA nA 1A
Beijo nA nA A 1A
Batalha nA A nA 1A
Carroça nA nA nA 3nA
Cabra A A A 3A
Partida nA nA A 1A
Hesitação nA nA nA 3nA
Ganso nA A nA 1A
Brincadeiras A nA A 2A
Sujas
Noite nA nA A 1A
Ninhada nA A nA 1A
Sonho Mãe nA nA A 1A
Sonho Pai nA nA A 1A
Mamada 1 nA nA A 1A
Mamada 2 nA nA A 1A
Buraco A nA A 2A
Pequena nA A A 2A
Escada
158
Anexo M: Estudo de Caso 2 – Isabel (7 anos e 3 meses)
A Isabel tem sete anos e três meses e frequenta o 1º Ano do 1º Ciclo do Ensino Básico.
Apresenta um desenvolvimento estato-ponderal adaptado à sua idade e género, contudo, de
um modo global traduz uma imaturidade que a faz parecer mais nova. Trata-se de uma criança
harmónica, com aspecto físico investido, cuidado e com vestuário limpo e adaptado ao grupo
etário. Estabeleceu um contacto inibido com a observadora, todavia registou-se um crescente
estado de à vontade e maior disponibilidade para a relação e verbalização no decorrer das
sessões. Verbaliza, por vezes, com espontaneidade, utilizando um tom de voz baixo e
pronunciando as palavras de forma imatura para a idade. Estabeleceu contacto ocular e no seu
olhar transpareceu o sentimento de tristeza. Manteve um comportamento estável, controlado e
concentrado nas provas realizadas. Por vezes, empoleirou-se na cadeira, permanecendo sobre
a mesa da secretária a observar o que eu escrevia. A Isabel indicou aceitar bem a separação
face à mãe, no momento em que se dirigiu comigo para a sala de consulta (chegou sempre na
companhia da mãe).
Pela prematuridade a Isabel é seguida na consulta de desenvolvimento de um hospital
da Grande Lisboa. Na sequência deste tipo de consultas, a mãe manifestou a sua preocupação
relativamente à ansiedade e medos (de animais, ladrões, palhaços, deitar-se sozinha,
acidentes, do perigo, etc.) da filha, sendo encaminhada para a consulta de psicologia daquele
hospital. No entanto, foi reencaminhada para a Unidade de Pedopsiquiatria devido à sua área
de residência. Deste modo, há cerca de dois meses que a Isabel iniciou o acompanhamento em
consultas terapêuticas de psicologia de frequência semanal beneficiando, também, de
consultas familiares junto dos pais.
Tal como descrito na Anamnese do Tomé, a Isabel vive com os pais e com o irmão.
Segundo o pai a Isabel “tem uma maneira mais doce de falar com a mãe. Comigo ela é
diferente, o que eu pedir para fazer ela faz e com a mãe não. Quando chego a casa ouço a voz
dela mais alta do que quando estou em casa”. A Isabel e o Tomé apreciam a companhia um do
outro, no entanto, ela defende-se em relação ao irmão. Por vezes, a Isabel dorme em casa do
tio paterno (padrinho do Tomé) e fica bem, tal como em casa dos avós maternos. Contudo
recusa-se a ficar em casa da avó paterna. Para o pai sempre foi uma criança muito reservada e
“se for alguém de quem ela goste a nossa casa é um choro. Porque tem pena que as pessoas se
vão embora”.
Segundo o pai, a Isabel sente dificuldades em dormir porque como a própria diz
“tenho medo de ladrões quando me vou deitar. Tenho medo que eles me levem”. Depois de
adormecer a noite corre bem. No entanto, como o pai refere “quando está comigo digo que
159
está na hora de deitar e ela lá vai, sem protesto. Depois eu deito-os e até lhe digo que vou
fechar a porta do quarto. Fica com uma luz acesa e quando às vezes volto ao quarto para vê-la
está a pensar de olhos abertos: diz que não tem sono e não consegue dormir. Agora quando foi
com a trovoada eu deitei-me na cama de cima e eles na de baixo”. Contudo, quando a mãe
está em casa fica com a Isabel até a filha adormecer. Caso contrário, a Isabel chama a mãe ao
quarto e “se a mãe não vai ela pede um copo de água, mas não chora. Comigo ela não chama,
mas já houve períodos de ela começar a choramingar mas eu digo que ela não tem motivos”.
O pai acrescenta também que “quando a mãe está a passar-a-ferro ela vai para o nosso quarto
para estar mais perto”. De manhã a mãe tenta acordá-los, chamando-os várias vezes até ficar
irritada, mas os filhos ficam na cama sem se levantarem “acho que a mãe cede demais”,
confessa o pai. Com o pai levantam-se logo, sem haver problemas.
Para os pais estes comportamentos de medo e ansiedade da Isabel agravaram-se há
cerca de um ano quando o carro do avô materno foi assaltado e a Isabel encontrava-se com o
avô quando este descobriu o carro aberto, ainda que a Isabel não tivesse visto os ladrões. O
medo de cães também se agravou nessa altura “como a mãe também tem medo isso não ajuda.
Ela trepa por cima da mãe desesperadamente com medo de cães”, revela o pai. Na opinião da
mãe, recentemente a filha “deu um passo em frente nos medos” ao aproximar-se e brincar
com uma cadela que o tio materno adquiriu há pouco tempo, andando “entusiasmada”. A
Isabel não consegue ficar sozinha numa divisão da casa, seguindo a mãe para a casa-de-
banho, cozinha e qualquer outra divisão, mesmo que a mãe lhe peça para ficar na divisão
anterior e a tente tranquilizar dizendo-lhe que não virão ladrões.
A Gravidez da Isabel foi planeada “no primeiro filho eu até gostava de ter tido uma
menina e depois não aconteceu e tentámos novamente”, indica o pai. Não se tratou de uma
gravidez complicada e, apesar de a mãe se sentir preocupada, na sua saúde nada justificava
aparentemente a prematuridade da Isabel (nasceu às vinte e oito semanas de gestação com
795g, cerca de três meses antes da data prevista, por Cesariana). Após o nascimento a Isabel
sofreu uma infecção por adenovírus, sem registo de sequelas. Permaneceu dois meses e meio
na incubadora e a mãe quinze dias internada, ainda que apenas tenha contactado com a filha
passados oito dias do nascimento. Durante o internamento da Isabel os pais passavam o dia no
hospital até às vinte e duas horas “durante a noite ela só conseguia estar bem ao colo. Quando
saiu do hospital tinha 1,5kg. O Tomé parece que ficou ao abandono, ficava com a avó
materna”, partilha o pai.
Em bebé o sono da Isabel era agitado, sendo difícil adormecer. No entanto,
“adormecia facilmente no meu colo” indica o pai. Demorou um mês até regular o sono. Nunca
teve problemas ao nível do desenvolvimento psico-motor e linguístico associados à
160
prematuridade, começando a andar e a falar mais cedo que o irmão (o pai não sabe precisar o
momento) e sem dificuldades. Ao nível do comportamento alimentar não é esquisita, mas
lenta e demora, por vezes, duas horas para comer. Para o pai “comigo come tudo, com a mãe
é mais difícil mas quando eu repreendo a mãe tenta arranjar uma desculpa para a defender”.
Nos primeiros tempos em casa, a mãe cuidou sozinha da Isabel até aos cinco meses
enquanto o Tomé ficava, por vezes, com a avó materna. Segundo o pai “esse período foi
crítico para a mãe, eu sempre fui mais animador”. Em seguida, a Isabel ficou aos cuidados da
avó materna até aos seis anos, não frequentando a creche. Com a entrada na escola aos seis
anos, registou uma boa adaptação. A professora refere que é um pouco lenta, embora já leia
com alguma calma, gosta de pintar, é bem comportada e dá-se bem com os colegas.
161
Guião de Entrevista dos Pais
Identificação da Criança
Quem são os elementos que compõem o agregado familiar (elementos que vivem na mesma
casa)?
(Constituição do genograma familiar)
1999
73 63 62
40 41
46 39 38 38
3 3
11
10 7
162
Mãe
Idade: 39 Anos Data de Nascimento: 1971
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casada Habilitações Literárias: 12º ano
Profissão: Chefe de Secção de um hipermercado – coordenadora do serviço de caixas
Situação Profissional: Empregada.
Pai
Idade: 46 Anos Data de Nascimento: 1965
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casado Habilitações Literárias: 9º Ano
Profissão: Chefe de oficina mecânica Situação Profissional: Empregado
Irmão(ã)
Género: Masculino
Idade: 10 Anos Data de Nascimento: 2001
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias:_______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): 4º Ano
163
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________
Relações Familiares
Qual é a situação familiar actual (apoios sociais e/ou familiares, existência de doenças físicas
e/ou psicológicas, problemas sociais, económicos, exposição a fontes de stress, entre outros)?
A avó materna é a “segunda mãe deles” e o avô materno é quem os traz às consultas.
Ao domingo ficam com os avós ou com o pai. O pai às vezes trabalha ao sábado. Sentem
stress na família mais pela falta de tempo. Como chefe de secção a mãe assume uma grande
responsabilidade profissional e, como tal, sente que pode penalizar a família.
164
assim e ela continua. A mãe acha que pelo tom de voz que o pai utiliza eles ficam receosos. A
mãe acha que tem a ver com a educação que o pai recebeu.
165
pouco flexível, muito ligada à igreja, sacrificando-se muito em vez de viver mais a vida. A
relação da avó paterna com o irmão do pai não diverge tanto. É muito individualista. A
relação da mãe com a sua família é mais carinhosa, há mais contacto e afecto. Quando vai
para o hospital não diz nada a ninguém e depois queixa-se que não lhe ligam, só sabem
depois de ter alta. É muito fechada. Sentem que afasta os outros. É muito activa, até se for
preciso faz obras numa casa sozinha, corta o próprio cabelo, renova as coisas. Não vem
comer quase nunca a casa deles, mas se eles não vão lá chateia-se. Como a avó paterna faz
diferença entre o tio do Tomé e o pai, não entram tanto em conflito, desculpa mais o tio
paterno do Tomé.
166
Guião de Entrevista da Criança
Identificação da Criança
Interesses/Actividades
Frequentas alguma actividade desportiva ou cultural (dança, teatro, música, etc.)? Qual?
Ando na natação e gosto de lá andar.
Amigos
Escola
(?) Não me sinto bem no recreio porque estão sempre a bater (Quem é que te bate?) o
mano. Às vezes é o meu colega (não é o Bruno). (o que costumas fazer nessas alturas?) diz à
auxiliar de educação.
Família
168
Como é o teu pai?
Leva-me a muitos sítios, a ver os aviões, os barcos... e não sei mais. Também é muito
meu amigo. Também sou muito amiga dele.
Como é que os teus pais se dão um com o outro? O que pensas/sentes com isso?
Às vezes discutem, outras vezes não. (?) Sinto que estou triste.
Dormes com alguém ou partilhas o quarto com alguém? Se sim, com quem?
Partilho o quarto com o mano. Adormeço com a mãe no meu quarto e depois a mãe
vai para o quarto dela. Faço isto todos os dias.
Fantasias/Sonhos/Medos
169
Como preferias ser?
Desenho Livre
170
Inquérito
2) História
Era uma vez uma borboleta que estava a ver as flores, árvore e a formiga e o sol
também. As flores ficaram felizes e as formigas e a árvore.
Análise da prova
171
Desenho da Figura Humana de Machover
1º Desenho
Inquérito
E uma má recordação?
De nos ver tristes.
173
25) Quando é que diz que se divertiu muito? No dia de estar feliz com os colegas, a
divertir-se.
26) Quer casar?
27) Com que idade?
28) Que género de homem quer casar?
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? Não sei.
30) Com quem se parece? Comigo.
31) Gostarias de te parecer com ele/a?
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Não.
2º Desenho
174
Inquérito
E uma má recordação?
De lhe tirarem o peluche.
175
14) Quais são os seus aborrecimentos? É que lhe tirem os brinquedos.
15) O que o/a faz zangar? Não sei.
16) Quais são as suas manias? De querer uma coisa.
17) Quais são os seus três piores defeitos? De chorar e de ficar chateado.
18) Quais são as suas melhores qualidades? De brincar com os amigos.
19) Tem muitos amigos? Tem.
20) Mais velhos ou mais novos? Alguns mais novos e outros mais velhos.
21) O que é que dizem dele/a? Que ele é o melhor amigo.
22) Ele/a gosta da família? Sim.
23) E da escola? Também.
24) Sai muito com os amigos? Sai.
25) Quando é que diz que se divertiu muito? Quando foi ao parque com os amigos.
26) Quer casar? Não.
27) Com que idade?
28) Que género de mulher quer casar?
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? Nenhum.
30) Com quem se parece? Mãe.
31) Gostarias de te parecer com ele/a? Não.
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Não.
Análise da prova
176
feminina também está assegurada. Na primeira figura observa-se uma clara identificação com
o imago materno, projectando-o de forma “chateada, triste e aleijada”, segundo a resposta a
três questões do inquérito. No caso da segunda figura, é retratada de forma imatura e
dependente da relação dual com o imago materno. Ambas as narrativas são restritas,
descritivas e assentes no factual e concreto, sem recurso ao simbólico.
Desenho da Família
Inquérito
1) Quem são essas pessoas que desenhas-te, como se chamam e que idade têm? (da
esquerda para a direita)
Lua, 19 anos, irmã;
Sol, 20 anos, irmão.
177
3) Quem é o mais feliz? Porquê?
O Sol. Porque tem o sorriso maior.
6) Se tivesses que escolher uma pessoa desta família, quem é que preferias ser?
Porquê?
A Lua. Porque gosto da Lua. (?) Porque gosto de brincar com a Lua.
7) Se fossem todos dar um passeio de carro mas não houvesse lugar para uma
pessoa, quem ficaria em casa? Porquê?
O Sol. Porque ele quis.
8) Se alguém não se tivesse comportado bem quem seria? Como seria castigada?
Quem é que dava o castigo?
O Sol. Ir para a cama. A Lua dava o castigo.
9) Se pudesses mudar alguma coisa no teu desenho o que é que mudarias? Porquê?
Não.
178
Análise da prova
Análise inter-individual
179
Análise intra-individual
Perfil de Itens
Intensidade do Item
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27
Itens
Na análise do gráfico acima representado sobressai, desde logo, uma forte defesa face
ao instrumento, em especial até ao item dezassete da prova, registando-se apenas a
intensidade mínima de sintomas depressivos. Na intensidade intermédia surgem os problemas
com a alimentação e isolamento social.
Face ao diagnóstico clínico de depressão e a uma maior tendência para a interiorização
do comportamento (inibição) observada na Isabel, coloca-se a hipótese da menor incidência
de sintomas depressivos apurados no instrumento resultar da emergência de mecanismos de
defesa como a negação durante a realização da prova. Há que assinalar que devido às
dificuldades que a criança revelou na leitura dos itens durante a passagem do instrumento este
foi o único caso em que a investigadora procedeu à leitura dos itens, ainda que, a criança
registasse as suas respostas na folha. Este último facto pode também ter condicionado os
resultados obtidos devido ao maior contributo e proximidade da investigadora com a criança e
com as suas respostas no teste.
180
Pai 1 0 0 0 3 1 1 0 6
Mãe 5 1 0 0 1 3 2 0 12
Irmão 2 2 3 2 1 1 1 1 13
Avó 1 1 1 0 2 0 0 0 5
Materna
Avô 2 1 1 0 0 1 1 1 7
Materno
Avó Paterna 2 1 2 0 1 1 0 0 7
25
20
15
10
9
8
7
6
5
4 Positivos
3 Negativos
2
1
0
A avaliação dos afectos positivos e negativos emitidos pela Isabel face aos diferentes
elementos da família (Figura 2) permite destacar uma forte idealização da figura materna,
com todos os itens atribuídos positivos e a ausência de afectos negativos. O pai, por outro
lado, surge como a figura menos investida a nível emocional, com a atribuição de apenas um
item positivo leve “ajuda sempre os outros” também colocado na figura materna. Esta
distribuição pode remeter para uma forte dependência com a figura materna “gostava que esta
pessoa da família estivesse sempre ao pé de mim” pouco permeável ao investimento numa
relação de objecto de tipo edipiano e à autonomia emocional da Isabel. Na relação com o
irmão, com a própria Isabel e de certa forma também na relação com os avós destacam-se
sentimentos ambivalentes, com destaque para uma auto-estima insegura por parte da Isabel
“queixa-se demais” e “nunca está satisfeita” e o irmão que apresenta um maior número de
182
itens negativos que podem reenviar para a rivalidade fraterna “fico farto desta pessoa da
família”, “consegue fazer-me sentir muito irritado(a)”, ainda que também estabeleça uma
relação dependente com esta figura “gostava de poder dormir na mesma cama com esta
pessoa da família”. O Ninguém é utilizado sobretudo para a negação dos afectos negativos
não colocados nos elementos da família.
9
8
7
6
5
4 Positivos
3 Negativos
2
1
0
Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.
A partir da análise dos itens positivos e negativos sentidos como recebidos pelos
elementos da família (Figura 3) destaca-se uma idealização do pai, da avó materna e da avó
paterna pelo número elevado de afectos positivos face aos afectos negativos (no caso das avós
os afectos negativos são inexistentes). Contudo, a relação com o pai surge afectada por
sentimentos de insegurança e desprotecção “nem sempre me ajuda quando estou em apuros”.
Na relação com a mãe apesar da maior incidência dos afectos positivos de cariz dependente
“gosta de me dar beijinhos”, “gosta de me ajudar quando estou a tomar banho” e “gosta de
estar na cama comigo” vislumbram-se afectos negativos leves “ralha comigo” e “fica zangada
comigo”. Com o avô materno sobressaem os afectos negativos recebidos numa linha
autoritária “faz-me uma cara zangada” e “castiga-me muito”. A relação com o irmão é
percepcionada de forma ambivalente e quanto à própria Isabel não foram atribuídos quaisquer
itens. Na figura Ninguém são remetidas as defesas dos afectos positivos fortes e negativos
leves/fortes.
183
6
0
Emitidos Positivos
-2
Recebidos Positivos
-4
Emitidos Negativos
-6
Recebidos Negativos
-8
-10
184
Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de dependência (superprotecção
materna e superindulgência paterna/materna).
185
Na relação com a figura materna sobressai o desejo de agradar à mãe, a procura da sua
protecção e indulgência e, ainda, uma forte idealização e dependência emocional com esta
figura, o que dificulta o processo de separação através do investimento numa relação objectal
de tipo edipiano e a consequente autonomização da Isabel. Ainda assim, a Isabel percepciona
alguns afectos negativos recebidos desta figura. A mãe é sentida como uma figura
relativamente dependente pela preocupação de se magoar, centrando apenas a sua atenção nos
filhos.
A relação com o irmão é vista de forma ambivalente com sentimentos que reenviam
para a rivalidade fraterna, mas também na linha dependente. À semelhança da Isabel o irmão
também surge como um elemento emocionalmente dependente dos pais.
Na relação com a avó materna surge uma relação equilibrada quanto aos afectos
positivos emitidos e recebidos, com a Isabel a emitir também afectos negativos que não são
recebidos por parte da avó.
Com o avô materno surge uma discrepância entre os afectos positivos emitidos e
recebidos, destacando-se os primeiros e os afectos negativos emitidos e recebidos, com
destaque para os segundos. Deste modo, esta figura é percepcionada como autoritária.
Por fim, com a avó paterna observa-se um maior investimento na relação por parte da
Isabel ao nível dos afectos positivos, mas também dos afectos negativos que não são sentidos
como recebidos a partir da avó.
As Aventuras de Pata-Negra
1ª Etapa – Frontispício
PN:
Porque tem uma pata que é preta;
Um menino;
19 Anos.
Dois porquinhos:
Irmãos;
Esquerda - Uma menina, 11 anos.
Direita - E um menino, 12 anos.
186
Porcos grandes:
Pais;
Em Cima – mãe, 11 anos.
Em Baixo – pai, 14 anos.
2ª Etapa – Os Temas
Sonho Pai
Era uma vez a mãe que foi ver o filho a dormir e tava a deitar fumo e a mãe tava
dentro do fumo.
Num cartão associado à relação com o imago paterno, a Isabel mantém a tendência da
inversão de papéis e sexos na figura paterna e materna verificada no frontispício o que aliado
ao não reconhecimento da ficção sugerida pelo balão traduz imaturidade no seu
funcionamento.
Beijo
Depois a filha e o filho foram abraçar e a… e o outro filho estava atrás do muro a vê-
los.
Num cartão que remete para a temática edipiana a diferença de gerações retratada na
imagem não é reconhecida, deslocando a relação parental e de tipo edipiano para uma relação
fraterna.
187
Mamada 1
Depois o pai estava a olhar para o filho e a pata negra estava a mamar no pai.
Num cartão que apela à relação privilegiada com a figura materna, a Isabel mantém a
inversão de papéis parentais, representando o pai como a figura com a função alimentar.
Partida
Depois a filha foi andar a correr.
Hesitação
E depois a pata negra, o pai, a filha e a mãe foram beber água e esta foi passear o
outro filho que faltava (aponta para o cartão Partida).
Num cartão que remete para a escolha do objecto privilegiado a Isabel não aborda este
conflito. Reagindo ao conteúdo latente do cartão precedente a Isabel não permite a solidão e a
separação face à figura materna.
Batalha
Depois o PN, o filho e a filha estavam a brincar à guerra e os pais estavam a comer e
a olhar ao mesmo tempo.
A Isabel acede ao conteúdo latente do cartão que reenvia para a rivalidade fraterna.
Assim, ao referir-se a “brincar à guerra” defende-se da projecção de agressividade maciça na
relação fraterna tentando transmitir-lhe uma faceta lúdica.
Mamada 2
Depois o porco e o PN e o pai estava a mamar outra vez.
188
Sonho Mãe
Depois o pai foi ver o filho a dormir e estava dentro de uma bolha de fumo, o pai.
Cabra
Depois passou uma cabra, estava a comer e o PN foi mamar nela.
Num cartão cujo conteúdo simbólico remete para a relação com um substituto
materno, a Isabel defende-se através de um discurso restrito e assente no conteúdo manifesto
do cartão.
Acrescentou:
Buraco
Era uma vez estava de noite e o PN caiu para a água e depois começou a gritar para
os pais e os pais não ouviram.
Num contexto depressivo marcado pela sensibilidade ao tom preto do cartão pela
referência à “noite” a vivência de perigo acentua-se através da desprotecção parental.
Ganso
Depois a filha estava a correr e depois acho que é uma gaivota puxou o rabo e ela
começou a chorar e o outro filho estava a olhar a sair detrás do muro.
Bebedouro
Depois a mãe e o pai estavam a dormir e o PN estava ao pé deles e depois foi a correr
ao pé dos irmãos para comer e depois aleijou-se na pata negra, na comida dos pais.
Ninhada
Depois os senhores tavam a dar comida ao porco, o senhor estava sentado a fazer e o
outro estava a dar. Depois os filhos estavam a ver e descobriram que o pai teve mais três
filhos bebés.
A inversão dos papéis e sexos parentais acentua-se nesta história pela representação de
uma figura paterna que alimenta e, simultaneamente, que concebe filhos através do
nascimento. A rivalidade fraterna não é abordada.
Pequena Escada
Depois eles ficaram felizes e a mãe, o PN foi para cima da mãe e foi para cima da
árvore e depois ficaram todos felizes.
190
3ª Etapa – Preferências-identificações
Cabra
A1) Porque é giro.
(?) Porque a cabra estava a comer e o porco pensou que era a mãe ou o pai. A cabra.
Refere-se à relação com um substituto materno, ainda que faça referência à indefinição
ao nível dos papéis parentais.
Sonho Pai
A2) Porque ele, o filho estava a dormir e depois o pai dentro de uma bola de sabão. A
mãe, que esta é a mãe. Parecia que era o pai mas era a mãe, o pai tem estas coisas (aponta
para o cartão Sonho Mãe, para as tetas). O PN.
Sonho Mãe
A3) Porque o pai tem uma bola na barriga e está dentro de uma bolha. O PN.
Mamada 2
A4) Porque estão a brincar todos com o pai. A irmã (está a olhar mais perto do meio).
Mamada 1
A5) Porque a PN está a mamar no pai. O pai.
191
Destaca-se a inversão de papéis parentais, com o pai a ocupar o lugar materno de
propiciar alimentação ao filho.
Partida
A6) Porque é uma floresta e a irmã foi passear. A irmã.
Pequena Escada
A7) Porque é a mãe a pegar no filho. O PN.
A relação com uma figura parental num contexto de holding é associado à figura
materna.
Hesitação
A8) Porque são, é o PN está a comer, a irmã tinha chegado e estava a beber água e o
irmão estava a mamar no pai. A mãe.
Beijo
A9) Porque o PN e o irmão estão a dar um abraço e a irmã estava a ver atrás do
muro. A irmã.
Noite
A10) Porque é a mãe e o filho, a mãe e o pai estão a comer, o filho a olhar e a irmã e
o outro estão a dormir. A irmã.
192
Descreve um contexto oral num cartão que apela para a curiosidade sexual e fantasmas
da cena primitiva.
Ganso
A11) Porque é uma gaivota a puxar o rabo da irmã e ela está a chorar e o irmão está
a ver. A irmã.
Observa-se o acesso ao conteúdo latente do cartão que remete para uma inter-relação
de tipo agressivo.
Ninhada
A12) Porque é o pai com filhotes bebés. A irmã.
Bebedouro
A13) Porque os pais estão a dormir e o PN foi para a cama dos irmãos. O PN.
Buraco
A14) O PN caiu na água e depois gritou mãe e o pai e os irmãos. O PN.
Carroça
A15) Porque tão a levar os porcos para a carroça para levarem-nos e o PN está a
dormir.
(?) Uns não sei quem são que já foram buscar outros. A irmã (é a primeira que está a
olhar para a carroça).
193
O conteúdo manifesto do cartão é claramente reconhecido contudo, recusa-se a
identificar os porcos colocados na carroça, evitando a projecção de agressividade e de
separação nas relações familiares.
Brincadeiras Sujas
nA1) Porque eles andam a atirar tinta uns para os outros.
Tarem limpos. A irmã (a que está a atirar lama).
Ainda que o aspecto agressivo do cartão seja reconhecido pela Isabel, na sua resposta
não figura uma imagem parental alvo dessa agressividade defendendo-se, assim, deste tipo de
projecção. No final opta pela formação reactiva, ainda que se identifique com a personagem
que atira a lama.
Batalha
nA2) Porque eles, os filhos estão à guerra.
Que eles fossem brincar à apanhada, ou às escondidas, ou às corridas, a qualquer
coisa sem ser brincar à luta. A irmã, porque ela é a única que não está a fazer, está a fugir da
confusão.
Gaivota – menino.
Bebedouro
Não.
Beijo
A darem beijinhos.
194
5ª Etapa – Questões de Síntese
6) Cartão Fada:
Desejo 1: Foi curar a pata.
Desejo 2: Não pensar que vai ter que ir ao médico.
Desejo 3: O outro é tar sempre feliz e brincar com os amigos.
195
Síntese da Análise da Prova
Preferências-identificações
Os Temas Preferências Identificações
Cartões Aceite (A)/Não Agradável Assumida Total
Aceite (nA) (A)/Não (A)/Não
Agradável (nA) Assumida (nA)
Bebedouro nA A A 2A
Beijo A A nA 2A
Batalha A nA nA 1A
Carroça nA A nA 1A
Cabra A A nA 2A
Partida A A nA 2A
Hesitação A A nA 2A
Ganso nA A nA 1A
Brincadeiras nA nA nA 3nA
Sujas
Noite nA A nA 1A
Ninhada nA A nA 1A
Sonho Mãe A A A 3A
Sonho Pai A A A 3A
Mamada 1 A A nA 2A
Mamada 2 A A nA 2A
Buraco nA A A 2A
Pequena nA A A 2A
Escada
196
Na tabela relativa aos temas francos e camuflados verificam-se dificuldades mais
acentuadas na elaboração das temáticas relativas à agressividade (Batalha, Carroça, Ganso,
Brincadeiras Sujas, Ninhada) culpabilidade (Batalha, Brincadeiras Sujas e Ninhada) e no
acesso ao conflito edipiano (Ninhada, Noite, Ganso).
Ao longo do protocolo sobressai a presença de imaturidade funcional na Isabel,
verificando-se dificuldades na diferenciação sexual através da inversão de sexos na
identificação com o PN e nos papéis parentais (pai que alimenta. Na 5ª Etapa verifica-se uma
evolução com a atribuição da função alimentar à figura materna), assim como, na
diferenciação de gerações, não distinguindo hierarquicamente diferenças entre a idade dos
pais e dos filhos na família. Ainda assim, as figuras masculinas são representadas de forma
mais madura que as femininas. A temática edipiana simbolizada no cartão Beijo é deslocada
para a relação fraterna e a curiosidade sexual vinculada no cartão Noite é substituída pela
temática oral. A Isabel parece encontrar-se ao nível da relação dual com a figura materna, não
permitindo a separação emocional desta figura. Estas tendências traduzem o não
estabelecimento do projecto identificatório e, assim, a não elaboração do conflito edipiano.
A vivência depressiva manifesta-se através do sentimento de desprotecção parental
(cartão Buraco), de carência oral (“Quem é o mais feliz? (…) O PN. Porque ele está sempre a
comer”) e inibição da agressividade face às figuras parentais e fraternas, resultando no
sentimento de culpabilização pela introjecção da agressividade. A representação da pata negra
doente pode simbolizar a culpabilização.
Os principais mecanismos de defesa utilizados são o deslocamento, idealização,
formação reactiva, negação, evitamento e recusa dos conflitos.
A relação com o imago materno é idealizada, representando a figura que desempenha
a função de holding.
A relação com o imago paterno é associada à função de alimentar e ao nascimento,
realizando uma inversão dos papéis parentais.
A relação fraterna associa-se à presença de rivalidade ainda, que por vezes, seja
evitada.
197
Anexo N: Teste de Relações Familiares, Versão Casais – Pais do Tomé e Isabel
Mãe
198
Tomé e a Isabel com a maioria de afectos numa linha erotizada associados aos filhos. Em
seguida surgem os restantes elementos da família situando-se na última posição a própria mãe
e a tia materna, registando apenas afectos positivos de tipo leve. No Ninguém são colocados
os afectos positivos fortes e negativos rejeitados e negados.
30
25
20
15
10
Atendendo à leitura da Figura 1 destaca-se uma relação muito forte da mãe com a avó
materna do Tomé e da Isabel, o que pode remeter para uma fraca autonomização em relação a
esta figura. Apenas a seguir surge a relação com o pai e os filhos, Tomé e Isabel, seguindo-se
a relação com o avô materno e o tio materno (irmão da mãe). Entre as figuras da família com
as quais não estabelece laços biológicos surge a tia paterna numa posição mais destacada, em
parte, devido à ambivalência no número de afectos positivos e negativos atribuídos, seguindo-
se a avó paterna, o tio paterno (irmão do pai) e, por fim, a tia materna com o mesmo nível de
envolvimento registado na própria mãe. A utilização da figura do Ninguém permite a defesa
de afectos positivos fortes e negativos rejeitados da colocação nos membros da família.
199
16
14
12
10
8
Positivos
6
Negativos
4
A avaliação dos afectos positivos e negativos emitidos pela mãe (Figura 2) permite
destacar um forte envolvimento emocional com a avó materna, parecendo ainda dependente e
pouco autonomizada do espaço relacional com a sua figura materna e da própria família de
origem. Deste modo, a relação com os membros da família nuclear, com os avós maternos, tia
materna e a sua auto-estima surgem de forma idealizada, inibindo a expressão de
agressividade dirigida a estas figuras (utilizando o Ninguém). Destes, apenas o pai e a Isabel
contêm afectos negativos. “Irrita-se muito depressa”, “tem mau feitio”, “não tem muita
paciência” (afectos de rejeição) e “consegue fazer-me sentir muito irritado(a)” (afectos
agressivos) no caso do pai, sendo curioso observar a exclusão desta figura na colocação do
item “gosto de estar sozinho(a) com esta pessoa da família” atribuindo-o ao Tomé, Isabel e à
avó materna, o que pode dar conta de dificuldades na relação de casal e das características
dependentes da mãe face às figuras em questão. No caso da Isabel surge “dá-me a volta ao
juízo” (afectos agressivos), o que pode remeter para uma maior irritabilidade da mãe face às
condutas da filha. A relação com o tio materno é composta por afectos positivos e negativos
como “desmancha-prazeres”, “resmunga demasiado” e “não tem muita paciência”, numa
possível alusão à rivalidade fraterna. Na relação com as três últimas figuras, tio paterno, tia
paterna e avó paterna prevalecem os afectos positivos face aos negativos, observando-se uma
relação ambivalente com a avó paterna.
200
14
12
10
6 Positivos
Negativos
4
Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.
201
15
10
5
Emitidos Positivos
0 Recebidos Positivos
Emitidos Negativos
-5 Recebidos Negativos
-10
202
Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de protecção e atribuição de
incompetência ou fraqueza.
Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 0 0
Mãe 2 2
Pai 4 2
Tomé 3 0
Isabel 3 0
Avô Materno 4 0
Avó Materna 3 0
Tio Materno 2 0
Tia Materna 1 0
Tio Paterno 1 0
Tia Paterna 1 2
Avó Paterna 1 0
A mãe utiliza a figura do Ninguém para a negação dos afectos positivos fortes e
sobretudo dos afectos negativos inibindo, assim, a projecção de agressividade nos elementos
da família.
A auto-estima da mãe surge de forma predominantemente idealizada, mas também
com afectos depressivos na linha da insegurança, inferioridade e culpabilização na relação
203
com os outros. Sentindo-se desvalorizada e insegura em especial com os elementos exteriores
à família biológica. Parece ainda muito dependente e pouco autonomizada do espaço
relacional com a sua figura materna e da própria família de origem.
Com o pai verifica-se um forte envolvimento emocional (não superior ao mantido com
a avó materna) sustentado por uma percepção idealizada da relação quanto aos afectos
emitidos e ambivalente no plano dos afectos recebidos. Assim, sobressaem as dificuldades na
relação de casal associadas ao sentimento de carência de apoio, compreensão e pouco
envolvimento nas funções conjugais/parentais do pai, mas também a interferência de
sentimentos de insegurança e culpabilidade por parte da mãe. O pai é ainda caracterizado de
forma dependente da protecção da mãe, podendo associar-se a uma percepção desvalorizada
desta figura.
A relação com o Tomé é percepcionada essencialmente de forma muito próxima,
dependente e idealizada, procurando a sua protecção e cuidado.
A relação com a Isabel obteve um nível de envolvimento elevado, caracterizando-se
como dependente e idealizada, ainda que desperte afectos agressivos na mãe, sentindo-se
irritada face a determinadas condutas da filha (o que pode constituir-se como um sintoma
depressivo na mãe).
Com o avô materno a mãe projecta uma relação idealizada e pouco autonónoma,
associando-lhe características dependentes dos cuidados da mãe, podendo representar uma
forma de desvalorização desta figura.
Na relação com a avó materna observa-se uma relação excessivamente próxima,
dependente e idealizada, ainda que seja também a mais satisfatoriamente correspondida.
A relação com o tio materno é marcada por sentimentos ambivalentes relacionados
com a rivalidade fraterna, assim como pela carência de apoio e desvalorização por parte desta
figura face à mãe.
A relação com a tia materna, ainda que investida de forma positiva pela mãe é sentida
como desvalorizada pela indefinição e falta de correspondência ao nível dos afectos recebidos
por parte desta figura.
Com o tio paterno assiste-se à projecção de uma relação pouco investida e valorizada
pela indefinição e ausência de correspondência ao nível dos afectos recebidos por parte desta
figura.
No que se refere à tia paterna a relação é vista igualmente de forma pouco investida e
valorizada, contudo a mãe sente-se mal-aceite por esta figura, atribuindo-lhe sentimentos de
incompetência e fraqueza.
204
Por fim, na relação com a avó paterna são emitidos afectos ambivalentes, recebendo
apenas afectos agressivos desta figura, sentindo-se desvalorizada e não-aceite.
Pai
Tia Paterna 3 8 0 0 4 2 0 0 17
Primo 3 8 0 0 4 3 0 0 18
Gémeo
Primo 3 8 0 0 4 3 0 0 18
Gémeo
205
rejeição), do Tomé e da Isabel (apenas com afectos positivos, obtendo o maior número de
afectos erotizados entre os vários elementos, sobressaindo a Isabel), tio paterno e só depois
surge a mãe (ambos com afectos de rejeição à semelhança da avó paterna).
35
30
25
20
15
10
206
16
14
12
10
8
Positivos
6
Negativos
4
A leitura da Figura 2 permite apurar, desde logo, uma forte defesa na ordem da
idealização de todos os elementos da família, incluindo na auto-estima do pai “estou
disposto(a) a fazer tudo por esta pessoa da família” e “estou muito orgulhoso(a) desta pessoa
da família” (afectos positivos fortes). Assim, na figura do Ninguém são colocados os afectos
de cariz negativo negados e recusados, inibindo a expressão da agressividade. As figuras com
as quais estabelece um maior envolvimento afectivo do ponto de vista dos afectos emitidos, a
avó paterna e o tio paterno são também as únicas às quais são emitidos afectos negativos de
rejeição. No caso da avó paterna são “é chata”, “irrita-se muito depressa”, “resmunga
demasiado”, “não tem muita paciência” e “fica zangada demais” percepcionando-a de forma
austera/rígida e autoritária, sendo que os únicos afectos positivos não associados a esta figura
são “é muito alegre” e “é muito divertida”. O único afecto negativo emitido ao tio paterno é
“por vezes tem mau feitio”.
207
12
10
6
Positivos
4 Negativos
Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.
A análise dos afectos sentidos como recebidos (Figura 3) permite destacar um forte
mecanismo defensivo na linha da idealização de todas as figuras da família, excepto o próprio
pai (não obteve itens), a mãe e a avó paterna. Com a mãe sente uma relação ambivalente,
registando-se a presença de afectos negativos como “fica ressentida comigo”, “resmunga
comigo” e “fica zangada comigo” parecendo transmitir a ideia de uma pessoa pouco tolerante
e com irritabilidade emocional. A mãe situa-se entre os três elementos (tio paterno e tia
paterna) dos quais o pai recebe menos afectos erotizados, o que pode associar-se à percepção
de uma relação pouco erotizada e afectuosa por parte da mãe. Por outro lado, dos filhos Tomé
e Isabel sente que recebe mais afectos positivos fortes, nomeadamente da filha onde se
destaca o item referente a “gosta de me beijar” apenas atribuído a esta, podendo traduzir um
contacto sedutor com o pai por parte da Isabel. Com a avó paterna apesar de sentir que “quer
mesmo o meu amor”, “é muito carinhosa comigo” e “ama-me muito” (afectos erotizados que
traduzem uma forte dependência emocional ao materno) percepciona-a como uma pessoa
“ressentida”, “nem sempre faz o que eu gostaria que fizesse”, “resmunga” e “fica zangada”,
ligando-a a uma figura austera e punitiva. O tio paterno registou um afecto negativo
“resmunga comigo”. Na personagem Ninguém são remetidos, uma vez mais, os afectos
negados, inibindo a projecção de agressividade nos elementos da família.
208
20
15
10
5
Emitidos Positivos
0 Recebidos Positivos
Emitidos Negativos
-5
Recebidos Negativos
-10
-15
209
Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de protecção e atribuição de
incompetência ou fraqueza.
Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 0 5
Pai 1 0
Mãe 2 0
Tomé 1 0
Isabel 1 0
Avó Paterna 3 0
Tio Paterno 0 0
Tia Paterna 0 0
Primo 0 0
Gémeo
Primo 0 0
Gémeo
210
A relação com a filha Isabel é idealizada e correspondida. Sente que a filha estabelece
um contacto fácil e sedutor com o pai.
Com a avó paterna assiste-se à projecção de um forte envolvimento que pode traduzir
uma dependência emocional elevada face a esta figura e dificuldades no precesso de
autonomização do espaço materno. Expressa, assim, o desejo elevado de proteger esta figura.
A avó paterna é, ainda, percepcionada de forma austera e autoritária.
A relação com o tio paterno apresenta um elevado grau de envolvimento afectivo,
dependendo ainda muito desta figura a nível emocional, ainda que emita e receba afectos
negativos. O pai parece sentir-se desvalorizado emitindo mais afectos positivos do que
aqueles que recebe do tio paterno (irmão do pai).
A relação com a tia paterna apresenta-se pouco significativa face à relação que
mantém com os restantes elementos da família. Contudo, surge de forma idealizada e pouco
correspondida quanto ao maior número de afectos positivos emitidos pelo pai.
Com os primos gémeos a relação é idealizada e pouco correspondida, assinalando-se
um maior número de afectos positivos emitidos pelo pai.
211
Anexo O: Estudo de Caso 3 – João (9 anos e 6 meses)
O João encontra-se com nove anos e seis meses e frequenta o 4º Ano do 1º Ciclo do
Ensino Básico. Trata-se de uma criança com idade aparente coincidente com a idade real.
Apresenta um aspecto cuidado e investido, vestindo-se de acordo com o género e idade.
Utiliza óculos. O João pareceu-me uma criança frágil, ansiosa, insegura, perfeccionista,
hipermatura com um olhar triste, evitando, por vezes, manter contacto ocular. No entanto,
estabelece um bom contacto com a observadora, verbalizando com fluência e espontaneidade,
ainda que sobressaia a necessidade marcada de preencher o espaço, o vazio sentido no
silêncio e nas folhas de desenho. Utiliza um vocabulário muito rico, denotando um bom nível
cognitivo. Durante a realização das provas faz diversos comentários verbais com cariz de
auto-desvalorização “está um bocado mal pintado”, indecisão ou que expressam a necessidade
de apoio por parte da observadora, queixando-se de dores num braço enquanto preenchia o
Desenho de Família. Manifestou também a carência de apoio e atenção por parte dos pais “o
meu pai está sempre a trabalhar, quase só chega a casa à hora do jantar (…) a minha mãe
trabalha muito em casa, a minha mãe está sempre no computador, faz reuniões no Skype e não
podemos incomodar” e, ainda, rivalidade fraterna “o meu quarto é mais pequeno que o quarto
da minha irmã”. Durante a passagem das provas revelou, também, alguma confusão e
lentificação do pensamento.
Com o evoluir das sessões apresentou um comportamento mais agitado, pouco
controlado e disperso, revelando-se, por vezes, cansado. No entanto, manteve-se atento nas
provas propostas e no que lhe era dito, respondendo adequadamente.
Durante a entrevista com os pais o João que se encontrava sozinho numa sala ao lado,
sentiu a necessidade de bater à porta e entrar, podendo remeter para ansiedade de separação.
Os pais demonstraram-se pouco receptivos a este comportamento do filho, revirando os olhos
e pedindo-lhe que continuasse os desenhos (principalmente a mãe), pelo que o João aceitou
sair da sala de entrevista.
Contra-transferencialmente senti uma angústia muito forte no João. Senti-o muito
triste e em desassossego permanente.
A pedido da professora da escola o João foi encaminhado pelo médico de família do
Centro de Saúde de referência à Unidade de Pedopsiquiatria com queixas de hiperactividade,
défice de atenção, dificuldades escolares e baixa auto-estima. É acompanhado em consultas
terapêuticas de psicologia de frequência quinzenal há cerca de oito meses, beneficiando,
ainda, de intervenção familiar com os pais em consultas de pedopsiquiatria.
Aproximadamente quinze dias antes do início da recolha dos dados para a presente
212
investigação foi medicado com Concerta 18mg Comprimidos, parando a medicação cerca de
dois meses e meio depois (no início do Verão).
O João vive com a irmã de cinco anos e com os pais, ambos fisioterapeutas e com
Mestrado na área (a mãe encontra-se a fazer o Doutoramento e trabalha num hospital
pediátrico. O pai é professor universitário). A relação do João com os pais é descrita pela mãe
como “boa, apesar de nunca ter gostado de contacto físico, não é uma criança que peça
mimos”. Quanto à relação do João com a irmã a mãe assinala que “quando eu estava grávida
ele não se interessava muito pela bebé, não a queria em casa. Mas assim que ela nasceu
adorou-a” e acrescenta que o João revela-se “muito protector, muito responsável e integra-a
na escola”. No que designa a relação do João com outros adultos os pais reconhecem como
sendo sempre muito boa, porém, com outras crianças, apesar de ter amigos preferenciais não
convida ninguém da escola para a festa de anos, apenas os filhos dos amigos dos pais e os
avós. Foi diagnosticada depressão à tia paterna do João, enquanto na família alargada da mãe
desconhecem-se casos de patologia psiquiátrica. Aparentemente a mãe tem dislexia, segundo
a própria.
A mãe do João encontra-se fisicamente investida e cuidada, com vestuário adequado à
sua faixa etária e género. Concordou participar no estudo contudo, pediu para ter acesso aos
resultados no final da investigação. Inicialmente, ao ler o consentimento informado mostrou-
se reactiva à investigação quanto à temática do diagnóstico do filho, criticando o facto de
considerar que o problema do filho não corresponde a qualquer um dos sintomas descritos na
folha, parecendo irritada e desconfiada com esse facto. Eu pergunto-lhe quais são então os
sintomas que o filho apresenta. A mãe indica-me que o filho tem “dificuldade em concentrar-
se numa tarefa, em concluir uma tarefa. Tem falta de motivação também”. Eu explico-lhe que
esse tipo de sintomas enquadram-se no pretendido para o estudo e a mãe continua a insistir
que não é o que eu tenho escrito no consentimento informado “o meu filho não tem
instabilidade, não é agressivo, nem é inibido com problemas escolares, do sono, alimentares,
ou estes que tem aqui!”. Respondo-lhe que não precisa de ter todos esses, pode até apresentar
apenas um, são sintomas alargados. A mãe confessa-me que não tem a ver com o que tenho
escrito porque os pais consultaram o DSM-IV e o comportamento/sintomas do filho insere-se
num diagnóstico de hiperactividade com défice de atenção. Neste momento, senti que
estabeleceu um contacto reservado comigo, sem me olhar nos olhos. Com o evoluir da sessão
este contacto tornou-se mais disponível e adequado, verbalizando com maior espontaneidade.
Apresenta um vocabulário rico, utilizando termos técnicos empregues na área da saúde
mental. Mais adiante, enquanto acompanhava o João para uma sessão do presente estudo, nas
213
escadas, ouvi a mãe criticar o processo demorado de andar em consultas de psicologia e que
não tem muita paciência para isso.
O pai do João apresenta um aspecto físico adequado ao grupo etário, encontrando-se
investido e cuidado. Estabeleceu um contacto reservado, não mantendo contacto ocular.
Pessoalmente senti o pai do João inseguro (por vezes, baixava a cabeça), com o mesmo olhar
triste que sinto no filho. Achei-os muito parecidos no aspecto físico (pela face e cabelos
semelhantes e ambos utilizam óculos) e no que me faziam experienciar através da sua
presença. Utilizou um discurso rico e espontâneo após o questionar sobre o filho. Senti-o
muito disposto a colaborar no estudo, permitindo que após a consulta com a psicóloga, o João
ficasse cerca de quarenta minutos comigo, mesmo não lhe sendo conveniente no momento,
por motivos de tempo.
Os pais colaboraram ao longo da entrevista, revelando-se muito interessados em
participar. Ambos utilizam uma linguagem rica e espontânea, verbalizando sobre os pontos
em que estão de acordo e as suas divergências, revelando opiniões críticas e próprias.
Frequentemente, a mãe iniciava as respostas às questões colocadas e insistia para que o
marido desse a própria opinião que, por vezes, era contrária, acabando por verbalizar com
menos frequência que a companheira. Algumas vezes, o casal pedia-me para especificar as
questões colocadas. O pai do João manifestou uma conduta agida ao longo da entrevista,
mexendo em folhas e na minha agenda que se encontravam à sua frente, ao meu lado em cima
da mesa, principalmente durante o tempo em que escutava a esposa falar e este encontrava-se
em silêncio. Ao contrário da mãe do João que, ainda assim, manteve pouco contacto ocular, o
pai do João nunca estabeleceu contacto ocular comigo, olhando para o lado enquanto fala.
Segundo a mãe as preocupações com o comportamento do João iniciaram-se por volta
dos três anos, com a entrada no jardim-de-infância. Na altura, a educadora alertou os pais
sobre as dificuldades na articulação das palavras do João (os pais já tinham observado este
problema, no entanto pensaram que o filho recuperaria com o desenvolvimento). Assim, com
quatro anos é acompanhado em terapia da fala, no entanto, cerca de um ano depois conclui-se
que se trata de uma dificuldade essencialmente emocional, sendo encaminhando para uma
psicóloga no privado. Esteve um ano e meio a ser acompanhado em psicoterapia semanal e,
para a mãe, até à data da alta clínica observaram-se muitas melhorias como uma maior
facilidade em expressar os seus sentimentos. “Segundo a psicóloga ele tinha muitas
capacidades”, confessa a mãe. No entanto, desde cedo que mantém uma forte intolerância à
frustração “ele sempre foi assim, quando não é capaz de fazer alguma coisa ou à mínima
contrariedade guincha e chora. Ainda em bebé fez uma endoscopia e já tinha nódulos nas
cordas vocais do esforço que fazia a guinchar” indica a mãe.
214
Com a entrada para o jardim-de-infância começaram as somatizações: assim que
entrava no jardim-de-infância vomitava e a avó levava-o de novo para casa, tendo-se
regularizado a situação em meados do Natal desse ano. Foram-lhe diagnosticados também
broncoespasmos, asma não alérgica e vários problemas de pele (estrófulos), sempre
associados ao aumento de ansiedade. Recentemente a mãe observou estereotipias faciais no
João em situações que exigem que esteja quieto, sentado e de maior ansiedade ou frustração,
ainda que não sejam muito frequentes.
Durante o 1º e o 2º Ano de escolaridade, apesar da intolerância à frustração e da
conduta irrequieta, adquiriu as competências necessárias e a professora assinalou os seus
marcados conhecimentos de cultura geral.
Para a mãe o João “sempre foi muito interessado, muito atento, muito consciente até
mesmo do perigo e sempre teve imensas capacidades e facilidade em aprender. Mas de há um
tempo para cá as capacidades tem vindo a baixar, apesar do rendimento escolar se manter o
João tem vindo a perder competências, ele já foi bem melhor, já escreveu melhor, já foi
melhor a matemática e agora tem de estar sentado com a professora para fazer os trabalhos e
chora, os cadernos estão cheios de buracos de ele chorar tanto”. Segundo a mãe, estas
dificuldades acentuaram-se no início do 3º Ano “foi um inferno. Era chamada à escola porque
ele não faz sequer as tarefas mínimas nem com a professora ao lado, chora assim que vê o
plano para o dia ou um problema no quadro, é assim desde o 1º Ano, mas agora é pior.
Sempre sofreu por antecipação e verbaliza várias vezes que a solução para isto era a morte.
Ao início não liguei mas depois comecei a repreende-lo e a chatear-me com ele quando dizia
isto”. O João costuma também lamentar “não sou capaz porque é que eu vivo?” e “não
consigo fazer as tarefas, a minha vida é um inferno”. Na óptica do pai o João “fica
valentemente angustiado na escola e se há algum problema fica muito, muito ansioso. Este
ano acho que não houve um dia em que tivesse cumprido o plano”.
Na sala de aulas apresenta também dificuldade em estar sentado e concentrado,
distraindo-se com muita facilidade, ainda que sozinho, mas próximo da professora e com os
materiais reduzidos ao essencial (tendem a estar desorganizados). Em casa “não pára quieto e
não se concentra nem um segundo, mesmo quando está a fazer uma coisa que gosta”, indica a
mãe.
Na opinião da mãe o filho foi sempre muito hipermaturo, manifestando interesse e
preocupação por assuntos sociais comuns aos adultos “já em pequeno se metia nas nossas
conversas. As pessoas amigas dizem que ele é assim porque nós puxamos por ele e por isso é
que é tão interessado mas, a minha filha recebe a mesma educação e não é assim, é muito
mais despreocupada, muito mais calma do que ele”. Por último confessa ainda: “sinto que ele
215
tem medo, medo de não ser bom de não ser suficientemente bom e de nos desiludir”. Sozinho,
em consulta com a psicóloga o João desabafa “os meus pais são óptimos, comigo é que são
problemas, as vezes fico triste, podia ser uma pessoa melhor, queria ser um bocado melhor” e,
ainda, “os pais dizem-me: é melhor teres cuidado, não te lembras da última vez? Por favor
hoje faz-nos sentir bem. Penso que os meus pais vão ficar tristes ou não vão. Mas, não é o
suficiente para eu me esforçar. É uma grande preocupação o 5º Ano, se eu não fizer nada irei
chumbar o 5º Ano, vai ser desconfortável. Também não sei porque me distraio, mas não me
compreendo”.
Num relatório escolar do 3º Ano pode-se ler “o João é um aluno que desde o primeiro
ano de escolaridade tem demonstrado um aproveitamento positivo mas aquém do seu
potencial. A área da língua portuguesa é aquela em que o aluno revelou mais dificuldades
inicialmente. Desenvolveu as competências de leitura e de escrita, mostrando dificuldades no
que concerne à ortografia e caligrafia, embora registe melhorias. Este processo tem sido mais
lento uma vez que nos dois primeiros anos de escolaridade o aluno fez uma grande resistência
aos trabalhos de consolidação da escrita (…) é uma criança que tem revelado alguma
ambiguidade pois, por um lado, tem uma grande capacidade de auto-análise e de compreensão
dos seus intuitos e acções mas, que por outro, demonstra uma grande imaturidade quando se
depara com situações de frustração”. No que concerne à relação com os pares “revela
sentimentos de inferioridade e de não-aceitação; contrariamente aos seus desejos, não
consegue liderar as brincadeiras, o que tenta compensar fazendo as diabruras que os colegas
pedem que faça por eles. Quando confrontado com os seus actos diz que não queria ter feito
mas que lhe tinham dito para o fazer (este comportamento tem-se verificado cada vez menos).
É frequente encontrar o João a acompanhar crianças que são de algum modo mais frágeis,
podendo assim liderar e evitar confrontar-se com situações de frustração (…) É, na minha
opinião, uma criança com uma auto-estima frágil que necessita de aumentar os seus tempos de
concentração para que a avaliação dos seus trabalhos faça justiça ao esforço que o aluno tem
feito”. Em consultas com a psicóloga o João revela que é gozado pelos colegas por chorar
muito nas aulas.
Segundo a informação presente no relatório escolar do 4º Ano as dificuldades de
concentração nas tarefas propostas mantêm-se, ficando muitas vezes por concluir. Esta
situação faz com que o João se sinta mais frustrado, agravando o desenvolvimento e aplicação
dos seus conhecimentos. Deste modo, a professora assinala: “é premente que o João consiga
realizar os seus trabalhos no tempo estipulado para que nem a sua auto-estima, nem o seu
sucesso escolar fiquem comprometidos”.
216
A gravidez do João não foi planeada, embora tivesse sido “muito desejada”. Durante a
gravidez a mãe sentiu-se muito ansiosa, tendo contracções desde as dezoito semanas. O João
nasceu de parto eutócico, a termo (com trinta e nove semanas). Pesava 3,950kg e media 50cm.
Após o nascimento do filho a mãe sentia-se “muito bem, era um bebé com muitas
competências”. Assim, a mãe recorda o filho no primeiro ano de vida como uma “criança com
elevada competência motora, muito observador e com muito interesse pelo meio, muito
consciente mesmo do perigo, não se magoa”. Para o pai o João é “muito curioso, activo,
muito participativo com adultos. Facilmente era o centro das atenções, causava espanto pelo
seu interesse elevado para a média”.
No que concerne aos aspectos do desenvolvimento, em bebé o João não fazia sestas
durante o dia e, mais tarde, nunca conseguiu dormir no jardim-de-infância. Os pais queixam-
se que sempre dormiu pouco e que nunca tem sono, ainda que, desde os oito anos que dorme
aproximadamente nove horas diárias, acordando bem-disposto e com energia. Começou a
dormir em quarto próprio a partir dos quatro meses. Porém, quando a irmã nasceu passaram a
partilhar o quarto (quando o João tinha cerca de quatro anos). Voltou a dormir sozinho há um
ano. Começou a gatinhar com cerca de oito meses e a andar sem apoio aos dez meses. As
primeiras palavras do João foram proferidas após os dezoito meses. O controlo esfincteriano
diurno ocorreu aos vinte e oito meses embora, por vezes, já manifestasse a preocupação de
acordar durante a noite para ir à casa-de-banho. Contudo, o controlo dos esfíncteres nocturno
consuma-se aos três anos de idade. Ao nível alimentar os pais queixam-se de uma má
alimentação. Nunca usou chucha nem “levou nada à boca”.
Após o nascimento, a mãe teve o apoio da avó materna do João que cuidou do neto
enquanto a mãe tinha aulas na faculdade e estudava. Ficou aos cuidados desta avó até aos três
anos, idade a partir da qual ingressou no jardim-de-infância e desenvolveu variadas
somatizações (acima referidas).
217
Guião de Entrevista dos Pais
Identificação da Criança
Quem são os elementos que compõem o agregado familiar (elementos que vivem na mesma
casa)?
(Constituição do genograma familiar)
68 64 60 58
41 39 38 37 30 30
3 9 5
218
Mãe
Idade: 37 Anos Data de Nascimento: 1974
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casada Habilitações Literárias: Mestrado, a realizar Doutoramento
Profissão: Fisioterapeuta Situação Profissional: Empregada
Pai
Idade: 38 Anos Data de Nascimento: 1973
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casado Habilitações Literárias: Mestrado
Profissão: Professor do Ensino Superior. Fisioterapeuta. Situação Profissional: Empregado
Irmão(ã)
Género: Feminino
Idade: 5 Anos Data de Nascimento: 2006
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): Pré-Primária.
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________
219
Relações Familiares
Qual é a situação familiar actual (apoios sociais e/ou familiares, existência de doenças físicas
e/ou psicológicas, problemas sociais, económicos, exposição a fontes de stress, entre outros)?
Os pais encontram-se muito envolvidos na profissão, ocupando muito o seu tempo.
Sentem que têm muita dificuldade com a situação do João pois transferem para ele o stress
que sentem, vêm nele um espelho das suas incapacidades e fraquezas. Por isso existe stress
na relação com ele, não conseguindo implementar estratégias para sair da situação. Com a
Maria (irmã do João) não sentem isso. As questões monetárias não os afectam tanto pois
investem e organizam-se bem. A mãe acha que o filho tem dislexia, apesar de ter realizado
vários testes e não acusar. A professora diz que ele às vezes dá erros e outras vezes não. O
João confronta a mãe dizendo-lhe que ela também comete erros a escrever, como se fosse por
influência da mãe. O João manipula pelo interesse.
220
avós com a situação, testa-os (diz-lhes que um diz uma coisa e o outro diz outra). A mãe do
João encara a situação com “estranheza e tenta-se pôr à parte”.
221
Gostaria que me descrevessem a vossa relação (relação do casal parental).
(Após colocar a questão a mãe pede-me para precisar o que pretendo saber com a
questão). Mãe: Não têm demonstração de afectos, os poucos que têm os filhos condenam.
Não gerem bem a comunicação. Às vezes dizem aos filhos para dizer x ao pai/mãe. O pai é
mais passivo, verbaliza menos, menos afectos, dificuldade em transmitir o que pensa.
Dificuldade em fazer compromissos e em hierarquizar a importância das coisas. Por
comunicarem mal, geram-se mal-entendidos. A mãe fala mais, assumindo mais importância
às coisas. Pesos diferentes à relevância da comunicação. No início sintonizavam-se mais, não
tinham que pensar tanto. Agora mais consciência, dificuldades à frente das partes boas. Pai:
“investimento na carreira profissional prejudicou-nos”.
222
Sintomas da Criança e Impacto Familiar
223
João 7 8 2 2 7 4 3 0 33
Irmã 6 8 4 0 5 6 2 0 31
Avô 6 1 2 1 5 2 0 0 17
Materno
Avó 4 2 8 2 4 4 5 2 31
Materna
A mãe do João colaborou durante a realização do TRF embora tenha preferido adaptar
a instrução que lhe dei às suas características pessoais: como atribuía a maior parte dos
cartões a mais que uma pessoa, passou a colocá-los todos num monte em cima da mesa
dizendo-me a quem se destinavam (em vez de os colocar nas caixas apropriadas). Por vezes,
realizou alguns comentários verbais como ler a mensagem e reflectir em voz alta para quem
se destinaria.
Ao analisar a Tabela 1 verifica-se que além da família nuclear, mãe, pai, João e irmã, a
mãe optou por incluir os seus próprios pais, o avô materno e a avó materna. No total de
envolvimento com cada membro da família destacam-se os filhos João e a irmã, avó materna
(com mais afectos negativos que positivos) e pai. No Ninguém foram colocados sobretudo os
afectos negativos fortes recusados, manifestando-se relativamente defensiva. Observa-se,
assim, alguma expressão de agressividade sobre os vários elementos da família.
35
30
25
20
15
10
0
Ninguém Mãe Pai João Irmã Avô Avó
Materno Materna
224
A observação do número total de afectos atribuídos a cada membro da família (Figura
1) permite destacar um forte envolvimento emocional com o João, seguindo-se a irmã e a avó
materna (com o mesmo número de afectos) e, ainda, o pai. O avô materno e a própria mãe
obtiveram menos afectos. O recurso à utilização do Ninguém foi pouco significativo, sendo
ultrapassado apenas pela própria mãe quanto ao menor número de itens atribuídos. Surge,
assim, espaço para alguma expressão das pulsões agressivas face aos elementos da família.
16
14
12
10
8 Positivos
Negativos
6
0
Ninguém Mãe Pai João Irmã Avô Avó
Materno Materna
225
emocional do espaço materno por parte da irmã. Na relação com a avó materna são emitidos
mais afectos negativos que positivos, parecendo expressar o desejo de obter maior autonomia
emocional face a esta figura, ainda que se sinta muito ligada e dependente “sinto-me muito
próximo(a) desta pessoa” e “estou disposto(a) a fazer tudo por esta pessoa”, sendo uma
relação um pouco ambivalente. A relação com o avô materno é dominada por afectos
positivos e negativos, assim como, a própria auto-estima da mãe, que se revesta ainda de
culpabilização “queixa-se demais”. No Ninguém são colocados apenas os afectos agressivos
negados e recusados de se expressarem nos elementos da família.
12
10
6 Positivos
Negativos
4
0
Ninguém Mãe Pai João Irmã Avô Avó
Materno Materna
Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.
Na análise dos afectos recebidos destaca-se uma relação mais próxima com os filhos
João e a irmã, encontrando-se, no entanto, idealizada. Os afectos negativos leves como “nem
sempre faz o que eu gostaria que fizesse”, “resmunga comigo” e “faz-me sentir frustrado(a)”
surgem ligados ao João, o que pode associar-se ao desejo de transgressão do espaço materno,
ainda, que se sinta muito ligado e dependente desta relação, pois além da mãe e do pai, o João
obteve o item “gosta de estar sozinho comigo”. Com a irmã, apesar de uma maior atribuição
de afectos positivos fortes, são associados os itens negativos leves: “faz coisas nas minhas
costas” e “resmunga comigo”, podendo remeter para a necessidade de separação emocional
face à mãe. O pai é a figura que se segue ao nível do maior envolvimento emocional e além
226
dos afectos erotizados associados e partilhados por outros elementos da família, destaca-se o
afecto agressivo apenas relativo ao pai “diz coisas só para magoar os meus sentimentos” o que
traduz insegurança na relação e dificuldades na resolução dos conflitos conjugais. Segue-se a
relação sentida como ambivalente com a avó materna marcada por um ligeiro avanço dos
afectos positivos como “quer mesmo o meu amor” (apenas atribuído à avó materna e aos
filhos João e irmã) e “quer estar sempre ao pé de mim” (apenas atribuído à avó materna), o
que pode remeter para o desejo de prolongar a relação de dependência com a filha por parte
da avó materna. Contudo, os afectos negativos “faz-me sentir sem valor”, “faz-me sentir
inútil”, “faz coisas nas minhas costas”, “fica zangada comigo” e “faz-me sentir frustrado(a)”
traduzem a vivência de uma relação autoritária, punitiva, insegura e desvalorizada por parte
da avó materna. Com o avô materno a relação é idealizada. Na auto-estima da mãe surge uma
maioria de afectos positivos, ainda que, se culpabilize “nem sempre faz o que eu gostaria que
fizesse”. No Ninguém figuram as defesas dos afectos negativos recusados de se expressarem
nos elementos da família.
15
10
5
Emitidos Positivos
Recebidos Positivos
0
Emitidos Negativos
-5 Recebidos Negativos
-10
227
no entanto, com o pai sente que os afectos negativos recebidos superam os afectos negativos
emitidos. Na relação ambivalente com a avó materna os afectos positivos recebidos superam o
número de afectos positivos emitidos, por outro lado, os afectos negativos emitidos acentuam-
se face aos afectos negativos recebidos, o que pode antever o desejo de separação e maior
autonomia emocional desta figura. Com o avô materno observa-se uma correspondência nos
afectos positivos, nos afectos negativos apenas se registam os emitidos. Na auto-estima da
mãe sobressaem os afectos positivos face aos negativos. No Ninguém são colocados os
afectos negativos rejeitados, negando sobretudo a expressão da agressividade recebida pelos
elementos da família.
Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 0 1
Mãe 4 1
Pai 3 2
João 5 3
Irmã 4 0
Avô Materno 3 0
Avó Materna 3 0
228
Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)
Ainda que surja espaço para a expressão das pulsões agressivas face aos elementos da
família, a utilização da figura Ninguém permitiu a defesa pela negação/recusa sobretudo dos
afectos negativos fortes/agressivos.
Na auto-estima da mãe ainda que sobressaiam os sentimentos positivos, observa-se a
vivência de culpabilização possivelmente na relação com o filho João.
Com o pai a relação é representada de forma idealizada quanto aos afectos emitidos
pela mãe face ao destaque dos afectos de amor sobre os afectos de ódio. No entanto, considera
que recebe um maior número de afectos negativos do pai face aos afectos negativos que lhe
envia. Desta forma, coloca-se em hipótese conflitos na relação de casal associados a um
vivido de insegurança na relação e dificuldades na gestão e resolução destes conflitos. O pai
surge, ainda, ligado a sentimentos de incompetência/fraqueza que remetem para dificuldades
na adaptação social e para a insuficiência de auxílio à família.
A relação com o João reveste-se de um forte envolvimento emocional e encontra-se
idealizada. Além dos afectos que traduzem uma forte ligação e dependência materna da parte
do João, surgem afectos de rejeição que podem associar-se ao desejo de transgressão do
espaço materno. Contudo, o João afigura-se como o elemento da família que carece de maior
protecção dada a elevada atribuição de sentimentos de incompetência/fraqueza associados a
dificuldades em lidar com as adversidades e na adaptação social.
Com a irmã a relação é igualmente associada a um forte envolvimento emocional e é
idealizada. No entanto, os afectos negativos de cariz leve podem remeter para a necessidade
de separação emocional do espaço materno por parte da irmã.
A relação com o avô materno reveste-se de um fraco envolvimento emocional, ainda
que surja idealizada quanto aos afectos positivos recebidos por parte desta figura.
A relação com a avó materna traduz um forte envolvimento emocional sentindo-se
muito ligada e dependente desta figura que, por sua vez, parece transmitir o desejo de
prolongar a relação de dependência com a mãe. No entanto, é uma relação marcada por
conflito através da presença de ambivalência e sentimentos de ódio na linha da rejeição e
agressivos, sobretudo emitidos pela mãe, o que pode remeter para o desejo de separação e
maior autonomia emocional desta relação sentida como autoritária, punitiva, insegura e
depreciativa por parte da avó materna.
229
Teste de Relações Familiares, Versão Casais - Pai
230
25
20
15
10
0
Ninguém Pai Mãe João Irmã
4
Positivos
Negativos
3
0
Ninguém Pai Mãe João Irmã
12
10
Positivos
6
Negativos
0
Ninguém Pai Mãe João Irmã
Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.
232
Observando os itens positivos e negativos sentidos como recebidos por parte dos
elementos da família (Figura 3) verifica-se uma relação ambivalente com a mãe, ainda que se
destaquem os afectos positivos recebidos como “gosta de me abraçar” e “ama-me muito” que
traduzem cumplicidade e carinho na relação conjugal. Contudo, a presença dos afectos
negativos leves “fica ressentida comigo”, “nem sempre me ajuda quando preciso”, “resmunga
comigo” e “fica zangada comigo” pode remeter para conflitos na relação de casal associados
ao sentimento de insegurança na relação e a percepção da mãe como uma figura dominante e
punitiva face ao pai. Na relação com o João acentuam-se os afectos positivos fortes recebidos
“quer mesmo o meu amor”, “gosta de estar sozinha comigo” e “quer estar sempre ao pé de
mim” representando-o como uma figura que o valoriza e investe na relação com o pai. Na
relação com a irmã surgem apenas dois afectos positivos fortes que remetem para a erotização
da relação por parte desta figura: “gosta de me beijar” e “é muito carinhosa comigo”. No
Ninguém figuram os afectos sobretudo de cariz negativo forte negados de se expressarem nos
elementos da família, apresentando um elevado grau de defesa.
0 Emitidos Positivos
Recebidos Positivos
-2
Emitidos Negativos
-4
Recebidos Negativos
-6
-8
-10
-12
Ninguém Pai Mãe João Irmã
233
emitidos face aos recebidos. Com o João o número de afectos negativos emitidos e recebidos
é equivalente, enquanto na irmã apenas se registam os afectos negativos emitidos pelo pai. Na
auto-estima do pai figuram apenas os afectos negativos que remetem para uma baixa auto-
estima. No Ninguém destacam-se os afectos negativos recusados bloqueando, assim, a
expressão da agressividade sobre os elementos da família.
Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 3 2
Pai 0 1
Mãe 1 0
João 0 1
Irmã 1 1
234
Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)
235
Guião de Entrevista da Criança
Identificação da Criança
Interesses/Actividades
Frequentas alguma actividade desportiva ou cultural (dança, teatro, música, etc.)? Qual?
Karaté (duas vezes por semana).
Já andei na natação (saiu porque é asmático), escuteiros e catequese.
Amigos
236
Tens um(a) amigo(a) preferido(a) (melhor amigo/a)? Quem é?
Não sei… amiga tenho a certeza, é a minha irmã. Com quem eu passo mais tempo é
com a minha tartaruga, brinco muito com ela.
Escola
237
Família
Como é que os teus pais se dão um com o outro? O que pensas/sentes com isso?
Dão-se bem. Todos os dias chegam a casa e cumprimentam-se. Mas de vez em quando
chateiam-se um bocadinho. Sinto coisas boas, ainda bem que tenho uns pais que se dão bem
comigo e com eles próprios.
Dormes com alguém ou partilhas o quarto com alguém? Se sim, com quem?
Antes partilhava com a mana. A tartaruga está no quarto.
238
Como preferias que fosse?
Ela está boa como está, quem eu queria que mudasse era eu, gostava de ser a mesma
pessoa, mas com coisas diferentes. Tenho que me concentrar e estudar.
Fantasias/Sonhos/Medos
Inquérito
Após a instrução para realizar um desenho o João fez o seguinte comentário: “eu não
sei bem o que vou desenhar… quase nunca costumo desenhar”.
240
2) História
Era uma vez no Verão ao pé das ilhas Fiji havia uma ilha com ilhas, tinha um rapaz
filho do chefe que via o… o mar, os pássaros e os tubarões que andavam por aí e as
barreiras de coral. Um dia foi com o pai à procura de outras terras habitadas para ver
se conseguia comercializar e depois voltar para o seu país sem ninguém saber de onde
é que ele era. Depois ele foi mas, o filho queria ir com ele mas, o chefe não deixava.
Depois durante a noite, a noite antes da partida, o barco já estava feito, no mar
atracado. Durante a noite construiu uma espécie de cave com uma porta transparente
que conseguia ver, feita de resina pura. Uma vez estava a andar, partiu e também tinha
uma conduta para respirar e passou lá o tempo e viu tudo o que estava aqui e também
tinha na jangada. O barco era assim desta mesa até ali (exemplifica com as mãos).
Depois tinha um buraco para ele ver o que estava a acontecer na parte de fora. Depois
eles notaram que o barco estava um bocado mais pesado e começaram a investigar
para ver o que acontecia e atiraram umas lanças à água, olharam para baixo e viram as
coisas normalmente. O rapaz conseguiu montar a cabina. Entretanto olharam para trás
e para a frente. Olharam o buraco de respirar e ver, o pai olhou para a popa e viu e
como o miúdo também estava a olhar ao mesmo tempo viram o olho um do outro e
assustaram-se. Atracaram numa ilha deserta e logo depois o pai viu que o miúdo
estava dentro do barco e o pai disse para ele nunca mais voltar a fazer aquilo e ele ir
para casa, mas não, continuaram a sua viagem, foram para outro sítio para não
perderem a oportunidade, aliás o filho disse que viu coisas muito bonitas lá de baixo, o
pai espreitou e até gostou também. Depois o pai perguntou onde está a comida e as
coisas que vão comercializar e o filho diz: “porque me deste ouvidos, bolas! Porquê?
Agora iremos passar dias e dias sem comer e iremos falecer!”. Agora o barco já está
na areia, assim depois comercializaram, eles comeram, dormiram lá e passaram pela
ilha e comeram mais ou menos à hora do almoço. O problema é que depois de terem
comido o filho que não gostava de estar na cabina vomitou e depois o pai olhou e
perguntou: “estás bem?”. “Não, não estou”. “Ah ainda bem que é ali a ilha”. “Vamos
meter nós não podemos estar sempre a tirar coisas da ilha”. Armas no barco suspensas
para se protegerem (termina a história e continua a falar enquanto se afasta da mesa e
se aproxima dos carrinhos de brincar).
241
Análise da prova
Durante o Desenho Livre o João realiza uma pressão adequada no lápis e revela-se
muito meticuloso, com muito cuidado e atenção ao pormenor. Todavia, exprime sentimentos
de pessimismo (e.g., “isto não está a sair muito bem”), insegurança e auto-exigência (e.g.,
“não consigo desenhar muito bem peixes”), nos comentários verbais. Pede-me a borracha e
apaga muitas vezes o desenho (e.g., tubarão, mar, alforreca). Revela uma necessidade
marcada de preencher o vazio da folha e o silêncio, através da sucessiva verbalização
espontânea e pedidos de apoio sobre o que deve desenhar a seguir. Por vezes, manifestou uma
atitude mais pensativa (com lentificação do pensamento) e indecisa quanto ao que desenhar,
evidenciando-se alguma confusão do pensamento durante a narrativa. No final, demonstrou
uma grande resistência em deixar de falar, acabando por sair da secretária e dirigir-se para a
pista dos carros enquanto narrava a história (pareceu-me um movimento inconsciente pela
maneira subtil como o João se dirigiu para a pista). Só terminou a história quando eu
perguntei pela segunda vez se a história terminou. Demorámos 30 minutos nesta prova,
acabando por ocupar a sessão por completo.
Após a instrução do Desenho Livre o João fez o seguinte comentário: “eu não sei bem
o que vou desenhar… quase nunca costumo desenhar”, o que pode remeter para uma defesa
na relação com o outro para se proteger da crítica e não elevar muito as expectativas da
investigadora face ao seu desempenho na prova.
No plano gráfico o João faz um desenho adequado para a idade, correspondente à
etapa do Realismo Visual (Luquet, 1984). Trata-se de um desenho simbolicamente investido e
rico em termos grafo-perceptivos, com movimento. Num cenário marinho (regressivo) como
pano de fundo observam-se alguns elementos de cariz agressivo (tubarão, peixe comido por
um papagaio-do-mar, caranguejo).
O conteúdo da narrativa afasta-se do contexto do desenho, dando lugar a uma viagem
onde exprime o desejo de se aproximar do imago paterno, de crescer, de se autonomizar,
mudar e modificar as relações com os outros “voltar para o seu país sem ninguém saber de
onde é que ele era”, mas ainda tem reservas e sente-se culpabilizado “porque me deste
ouvidos, bolas! Porquê? Agora iremos passar dias e dias sem comer e iremos falecer! (…) o
problema é que depois de terem comido o filho que não gostava de estar na cabina vomitou e
depois o pai olhou e perguntou: estás bem? e o filho: não, não estou”. A culpabilidade
(superego) surge, assim, associada à curiosidade e exploração do exterior e ao desejo de
transgressão na relação de dependência com o materno. O pai “chefe” é associado a uma
figura de poder, superegóica, hierarquizando a relação com este. Observa-se também o desejo
242
de agradar ao pai “aliás o filho disse que viu coisas muito bonitas lá de baixo, o pai espreitou
e até gostou também”. Na narrativa sobressai um discurso, por vezes, confuso e, ainda, a
dificuldade de mentalizar, recorrendo ao agir “o barco era assim desta mesa até ali
(exemplifica com as mãos)”. A narrativa termina com “armas no barco suspensas para se
protegerem”, as dificuldades internas não estão ultrapassadas, é preciso ficar atento e
prevenido.
1º Desenho
243
Inquérito
Após a instrução para que realizasse um desenho de uma pessoa o João comenta: “não
sou lá muito bom a desenhar pessoas. Posso desenhar uma pessoa qualquer, mesmo que não
exista?” (podes) “Então posso desenhar um Alien?”
E uma má recordação?
Um dia em que já ia caindo do penhasco abaixo, foi passar umas férias à América e ia caindo
do Grand Canyon.
1) O que é que ele/ela está a fazer? Está a dizer olá muito feliz.
2) Que idade tem? 51 Anos.
244
3) É casado/a? Sim.
4) Tem filhos? Sim.
5) Rapazes ou raparigas? Um rapaz e uma rapariga.
6) Qual é o seu trabalho? Antes trabalhava no banco, depois foi trabalhar para uma
fábrica e agora é taxista e também está na guerra do ultramar.
7) Se ainda estuda, em que ano está?
8) Qual é o seu maior desejo? …que quando ele morrer todos continuem a ter uma vida
boa, que a família dele permaneça até ao fim do mundo.
9) É saudável? Sim.
10) Tem bom aspecto? Sim.
11) Qual é a parte do seu corpo que está mais bem feita?...não sei. São mais as mãos,
apesar de ter quatro dedos. Todos os bonecos têm quatro dedos. Mas imagina que tem
cinco dedos em cada mão.
12) E qual é a menos bem feita? Eu não sei, esta parte do tronco (direita).
13) É feliz? É.
14) Quais são os seus aborrecimentos? Não tem nenhum. É difícil eu não gosto muito
das pessoas tristes. É que o mundo acabe antes que ele morra. Eu também penso isso.
Pode acabar em 2012.
15) O que o/a faz zangar? Quando sabe que as pessoas ou sítio que as pessoas que ele
mais gosta está a ter problemas por causa dele mesmo.
16) Quais são as suas manias? Tem a mania de ser o mais esperto.
17) Quais são os seus três piores defeitos? É um bocadinho resmungão, só isso.
18) Quais são as suas melhores qualidades? Não sei. É fazer as pessoas muito felizes.
19) Tem muitos amigos? Tem.
20) Mais velhos ou mais novos? Uns mais velhos, outros mais novos. Muitos amigos
foram com ele para Lisboa.
21) O que é que dizem dele/a? Que ele é muito simpático, mas também um bocadinho
resmungão.
22) Ele/a gosta da família? Gosta.
23) E da escola?
24) Sai muito com os amigos? Não os deve encontrar muito, mas dá-se bem com eles.
25) Quando é que diz que se divertiu muito? Quando era criança e partiu para uma nova
cidade, divertiu-se a brincar com os amigos durante a viagem e a chegar a Lisboa.
26) Quer casar?
27) Com que idade?
245
28) Que género de mulher quer casar?
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? Conseguir ir à lua.
30) Com quem se parece? Não sei... da minha família? Só conheço uma pessoa com 51
anos, um pai de uma colega minha.
31) Gostarias de te parecer com ele/a? Hum... não sei… não, não apetece, estou muito
bem como estou.
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Está tudo bem, só menos o
braço.
2º Desenho
246
Inquérito
Após a instrução para que realizasse um desenho de uma pessoa do sexo oposto ao
desenhado no primeiro desenho o João comenta: “desta vez vou mudar o sonho. Em vez de ir
à lua vai ser andar de pónei, que é o que eu gostava quando era pequeno (…) eu não sei
desenhar pessoas, é muito difícil desenhar pessoas”.
E uma má recordação?
Soube que houve uma explosão perto de casa de um parente seu, do seu primo.
248
Análise da prova
Após a instrução do Desenho da Figura Humana o João comenta: “não sou lá muito
bom a desenhar pessoas. Posso desenhar uma pessoa qualquer, mesmo que não exista?
(podes) Então posso desenhar um Alien?” (defende-se pela recusa) e no segundo desenho: “eu
não sei desenhar pessoas, é muito difícil desenhar pessoas”, o que aliado ao empobrecimento
do nível gráfico e investimento observado nesta prova em comparação com o Desenho Livre,
tal como, às respostas ao inquérito das figuras como “Gostarias de te parecer com ele/a?
hum... não sei… não, não apetece, estou muito bem como estou” e “antes trabalhava no
banco, depois foi trabalhar para uma fábrica e agora é taxista e também está na guerra do
ultramar”, “teve a trabalhar, foi hospedeira de um hotel, depois foi… bancária e agora é
recepcionista… quero dizer agora é empresária de uma empresa” podem antever dificuldades
em se projectar através da figura desenhada, em lhe atribuir uma identidade, em suma, ao
nível da auto-imagem corporal. Durante a realização do primeiro desenho o João manifesta-
se, ainda, inseguro e auto-exigente “está um bocado mal pintado”, o que também se
manifestou na fase de inquérito das duas figuras “só as mãos estão bem feitas, a cabeça,
tronco e membros estão todos horríveis”.
Quanto ao grafismo, verifica-se um maior investimento na primeira figura em
detrimento da segunda, através da utilização das cores, proporções mais adequadas, traçado
do cabelo e detalhes nos sapatos. Ainda assim, a diferenciação de sexos encontra-se
assegurada (apenas pelas diferenças no cabelo), tal como a identificação sexual ao masculino.
O contorno anguloso das figuras sugere um maior controlo das emoções e expressão
agressiva. São figuras de aparência rígida, imóvel e assustada, apesar do sorriso pouco
expressivo. Ainda que tenha desenhado apenas quatro dedos em cada mão, na fase de
inquérito da primeira figura corrige este facto “Qual é a parte do seu corpo que está mais bem
feita? ...não sei. São mais as mãos, apesar de ter quatro dedos. Todos os bonecos têm quatro
dedos. Mas imagina que tem cinco dedos em cada mão”, o que pode traduzir-se como um
menor investimento nos desenhos.
No que concerne à fase de inquérito surge uma deslocação da própria
necessidade/desejo de mudança, de crescer e autonomizar-se da relação dependente que
mantém com a figura materna para a revolução do 25 de Abril, com recurso à
intelectualização. Este último mecanismo de defesa manifesta-se também na frase “Um dia
em que já ia caindo do penhasco abaixo, foi passar umas férias à América e ia caindo do
Grand Canyon” que pode remeter para a angústia de desamparo, de perda de objecto e de
aniquilamento depressivo. Utiliza defesas na linha da negação da realidade objectiva “está a
249
dizer olá muito feliz”, “É difícil eu não gosto muito das pessoas tristes”, afectos depressivos
ligados à morte, receio da separação e perda de objecto “o terceiro (projecto/sonho) foi nunca
morrer”, “é que o mundo acabe antes que ele morra. Eu também penso isso. Pode acabar em
2012”, “quando ele morrer todos continuem a ter uma vida boa, que a família dele permaneça
até ao fim do mundo”. A culpabilidade também marca presença na resposta seguinte: “quando
sabe que as pessoas ou sítio que as pessoas que ele mais gosta está a ter problemas por causa
dele mesmo”. Ao desejar “ser a pessoa mais paciente do mundo” pode significar que não se
sente suficientemente forte para suportar as dificuldades experienciadas.
Desenho da Família
Inquérito
250
1) Quem são essas pessoas que desenhas-te, como se chamam e que idade têm? (da
esquerda para a direita)
A família Moto, não Carandaço, como indica estes lápis.
1ª Fila: - André, 9 anos, filho do André e da sua mulher;
- Cláudia, 2 meses, irmã do João e filha do Raul e da Maria;
- João, 8 anos, irmão da Cláudia e filho do Raul e da Maria;
- Inês, 1 ano, filha do Rui e mulher do Raul.
2ª Fila: - Mulher do André, 36 anos;
- André, não é André é… irmão da Maria, 36 anos;
- Maria, 35 anos;
- Raul, 33 anos, casado com Maria;
- Irmão do Raul, que é o Rui, 36 anos;
- Casada com o Rui, 35 anos.
3ª Fila: - Nuno, 63 anos, irmão da Emília;
- Emília, 62 anos;
- Casado com a Emília, 2 anos mais novo, 60 anos.
4ª Fila: - Sei lá, João, 83 anos, irmão da Maria da Conceição;
- Maria da Conceição, 91 anos, mulher do Egas Moniz;
- Pai da Emília, Egas Moniz, a única coisa que me lembrei, até pode ser… 93
anos.
5ª Fila: - Sofia, 133 anos, mãe da Maria da Conceição;
- Marido da Sofia, Oslavaco, era de outro país, 134 anos.
6ª Fila; - Irmão da Mónica, 163 anos, Duarte;
- Mónica, 154 anos;
- Eduardo, 154 anos, marido da Mónica.
7ª Fila: - Matilde, 183 anos;
- Marido da Matilde, Mário, 185 anos.
Comenta: “Eu tenho um livro igual àquele lá em casa, que diz Juan Miró”
251
3) Quem é o mais feliz? Porquê?
O bebé, brinca com uma das coisinhas e por isso fica feliz.
6) Se tivesses que escolher uma pessoa desta família, quem é que preferias ser?
Porquê?
O André, 9 anos. Porque eu gosto de pregar algumas partidas, mas também deve ter
outras… mais coisas, ser mais… não consigo! Ter mais personalidades, porque não é
lá muito mais novo nem mais velho, consegue subir pedregulhos como eu! E não cair!
Principalmente se tiver uma coisa no topo.
7) Se fossem todos dar um passeio de carro mas não houvesse lugar para uma
pessoa, quem ficaria em casa? Porquê?
252
Este (3ª Fila à direita, casado com a Emília). Devia de ser uma das bisavós que era
muito velhinha e tinha que tratar bem da outra (4ª Fila, à direita, pai da Emília, Egas
Moniz).
8) Se alguém não se tivesse comportado bem quem seria? Como seria castigada?
Quem é que dava o castigo?
O André, porque ele faz muitas partidas. O pai dele ou a mãe. (?) O pai. Eu não sei, é
tão difícil! Lavar a loiça e arrumar o quarto.
9) Se pudesses mudar alguma coisa no teu desenho o que é que mudarias? Porquê?
Devia meter olhos e bocas nos bonecos. Não tenho paciência para fazer assim
(gesticula na mesa).
Análise da prova
Análise inter-individual
Análise intra-individual
Perfil de Itens
Intensidade do Item
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27
Itens
254
Observando o gráfico alusivo ao perfil de itens verifica-se uma maior incidência de
itens na intensidade mínima (12) e média-inferior (11 itens). Na intensidade média-superior
(3) e superior (1) encontram-se itens associados a dificuldades escolares, pessimismo,
preocupação excessiva e sentimentos de insucesso.
Considerando o diagnóstico clínico de depressão e as características do funcionamento
psíquico do João observadas nos restantes instrumentos aplicados coloca-se em hipótese o
emprego de mecanismos de defesa como a negação ao longo da passagem da prova, o que
pode ter condicionado os resultados obtidos.
25
20
15
10
0
Ninguém João Pai Mãe Irmã
5 Positivos
4 Negativos
0
Ninguém João Pai Mãe Irmã
Atendendo à análise dos afectos positivos e negativos emitidos pelo João (Figura 2)
sobressai um forte envolvimento emocional com a irmã marcado por uma relação
256
ambivalente, contudo os afectos positivos como “gosto que esta pessoa da família me dê
beijinhos”, “gostava que esta pessoa da família estivesse sempre ao pé de mim” e “gosto de
abraçar esta pessoa da família” destacam-se face aos afectos negativos como “apetece-me
bater nesta pessoa da família”, “fico farto desta pessoa da família” e “quero fazer coisas só
para chatear esta pessoa da família”, o que pode reenviar para uma relação próxima e
afectuosa, contudo, marcada pela rivalidade fraterna. A relação com o pai encontra-se
idealizada e a relação com a mãe apesar da prevalência de afectos positivos surge ligada aos
afectos negativos “não tem muita paciência” e “fica zangada demais”, podendo associar-se ao
vivido de uma figura materna punitiva e autoritária. A auto-estima do João representa-se de
forma ambivalente e em conflito, com apenas mais um item de afectos positivos face aos
negativos. Assim, foram atribuídos afectos positivos leves que traduzem defesas maníacas “é
muito alegre” e “é muito divertida” (itens apenas atribuídos ao João) e afectos negativos
associados a sentimentos de inferioridade e culpabilização “irrita-se muito depressa”, “queixa-
se demais” e “fica chateada sem ter razão para isso”. Na figura Ninguém foram colocados os
afectos positivos fortes, mas sobretudo os afectos negativos de forma a negar a expressão da
agressividade e erotização sobre os elementos da família. Neste último grupo de afectos
situam-se os itens “gostava de poder dormir na mesma cama com esta pessoa da família”,
“gostasse mais de mim do que dos outros” e “quando me casar gostava que fosse com uma
pessoa parecida com esta pessoa da família”, o que pode remeter para o desejo de
autonomização do João e possível superação do complexo edipiano.
12
10
Positivos
6
Negativos
4
0
Ninguém João Pai Mãe Irmã
Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.
257
Na análise dos afectos positivos/negativos recebidos pelo João face aos elementos da
família (Figura 3) sobressai novamente um forte envolvimento emocional com a irmã, desta
vez de forma relativamente idealizada face ao número elevado de afectos positivos atribuídos
a esta figura em detrimento dos afectos negativos. Entre os afectos positivos sobressaem os
erotizados como “gosta de me dar beijinhos”, “gosta de me abraçar”, “gosta de estar na cama
comigo” e “quer estar sempre ao pé de mim”. Nos afectos negativos surgem os itens “faz-me
uma cara zangada”, “manda-me embora”, “fica zangada comigo” e “bate-me muito”, podendo
remeter para a percepção de rivalidade fraterna com a irmã, mas também para o sentimento de
inferioridade na relação com esta. A relação com a figuras parentais apresenta-se ambivalente,
com a mãe a obter um maior número de afectos positivos face aos negativos com destaque
para o afecto positivo erotizado “gosta de me dar beijinhos” apenas atribuído à mãe e à irmã.
O pai, por sua vez, obteve um número superior de afectos negativos face aos afectos
positivos. Assim, foram atribuídos os mesmos itens negativos a estas duas figuras, tais como,
“faz-me uma cara zangada”, “não brinca comigo quando eu gostaria que brincasse”, “ralha
comigo”, “fica zangada comigo” e “está muito ocupada para ter tempo para mim”, o que pode
remeter para a representação da relação com estas figuras numa linha autoritária e pouco
disponíveis para as necessidades do João. O João utiliza a figura Ninguém para a atribuição
dos afectos positivos fortes e negativos negados e recusados de serem associados aos
elementos da família. Os afectos erotizados negados foram “gosta de me ajudar quando estou
a tomar banho” e “gosta mais de mim do que dos outros” ligando-se ao desejo de
autonomização e possível acesso à resolução do complexo edipiano.
12
10
8
6
4 Emitidos Positivos
2 Recebidos Positivos
0 Emitidos Negativos
-2
Recebidos Negativos
-4
-6
-8
-10
Ninguém João Pai Mãe Irmã
259
a agressividade e erotização das relações. Desta forma, manifesta o desejo de autonomização
e o possível acesso à resolução do complexo edipiano. Observa-se um grau acentuado de
neuroticismo.
A auto-estima do João surge de forma ambivalente e em conflito através da presença
de afectos positivos que remetem para defesas maníacas e afectos negativos que traduzem
sentimentos de inferioridade e culpabilização. À semelhança da irmã é uma das figuras da
família mais dependente e que mais carece da protecção dos pais.
A relação com o pai é percepcionada de forma idealizada quanto aos afectos emitidos
pelo João, através da atribuição exclusiva de afectos positivos. No plano dos afectos recebidos
pela figura paterna a relação encontra-se ambivalente com um número superior de afectos
negativos face aos positivos. Posto isto, afigura-se a percepção de uma relação pouco
valorizada e correspondida face aos desejos do João por parte do pai, representando esta
figura de forma autoritária e pouco disponível para o João. O pai surge como uma figura mais
dependente que a mãe, beneficiando da protecção materna.
Com a mãe a relação surge de forma ambivalente quanto aos afectos recebidos, ainda
que, sobressaiam os afectos positivos face aos negativos e o número de afectos positivos
emitidos/recebidos seja quase equivalente, com prevalência dos recebidos. No plano dos
afectos negativos destacam-se os recebidos, sentindo esta figura como punitiva, autoritária e
pouco disponível para as necessidades do João. A mãe partilha com os filhos o sentimento de
protecção paterna.
A irmã é a figura com a qual o João estabelece um forte envolvimento emocional,
embora dispute com ela a protecção dos pais, sobretudo da mãe. Assim, esta relação surge de
forma ambivalente quanto aos afectos emitidos pelo João e de forma relativamente idealizada
face aos afectos recebidos por parte da irmã, com a presença de afectos erotizados que
traduzem uma relação próxima e afectuosa com esta figura, contudo, marcada pela rivalidade
fraterna e pelo sentimento de inferioridade do João face à irmã.
As Aventuras de Pata-Negra
1ª Etapa – Frontispício
PN:
Porque tem uma pata preta.
Não sei…macho.
Leitão de 11 meses.
260
Dois porquinhos:
São os seus irmãos.
Esquerda – menina.
Direita – menino.
Todos têm a mesma idade. O PN é o mais velho, a seguir a irmã, o irmão segue-se.
Porcos grandes:
Pais.
Em baixo – mãe, 16 anos.
Em cima – pai, 16 anos.
“Os porcos vivem um bocado menos. Devem ser um bocado mais velhos com 16 anos,
devem ser tipo os cães”.
2ª Etapa – Os Temas
Ninhada
A mãe teve três filhotes... não sei… ai isto é muito confuso! Estes aqui acho que são os
três irmãos. O PN estava no nascimento dos seus outros três irmãos e foi só isto.
(?) A seguir eles cresceram um bocadinho. Não sei se isto é só os irmãos do PN…
261
O João acede à problemática do cartão alusiva ao nascimento e relação precoce com o
imago materno não abordando a rivalidade fraterna. O seu discurso é curto e marcado por
silêncios intra-relato, recusas “não sei” e evitamento do conflito no final da história,
revelando-se muito defensivo.
Pequena Escada
O PN queria apanhar umas maçãs e então pediu ao pai para se empoleirar na árvore
para apanhar maçãs, não bolotas. Depois ele apanhou as bolotas.
Num cartão que reenvia para a função de holding de uma das figuras parentais o João
associa-a ao pai, revelando uma função de apoio sólida. A identificação ao imago paterno
parece afigurar-se.
Noite
Era uma vez naquela noite o PN viu que ninguém estava acordado e saiu do celeiro.
Buraco
E depois andou a passear durante a noite e perdeu-se e depois encontrou o caminho
de volta.
Batalha
Depois eles os dois começaram a brincar, o PN e os seus irmãos. Depois começaram
à luta, o PN e o seu irmão mais novo, depois fizeram as pazes.
262
O conteúdo simbólico do cartão relativo à rivalidade fraterna e sentimentos de
culpabilidade subjacentes são reconhecidos, remetendo para a interiorização dos interditos
superegóicos.
Brincadeiras Sujas
E o PN e os seus irmãos foram brincar para a lama e sem querer o PN atirou um
bocadinho de lama para a cara da mãe.
Perante um contexto anal que apela à agressividade face a uma figura parental o João
acede ao conteúdo latente do cartão, optando por dirigir o acto agressivo à mãe, demonstrando
o desejo de separação do primeiro objecto de amor. O recurso a um contexto lúdico e às
expressões “sem querer” e “atirou um bocadinho” reenviam para a interiorização dos
interditos superegóicos.
Bebedouro
Depois o PN a meio da noite quis fazer cocó e fez no sítio da comida, cocó não…
(?) Eu não disse cocó não…
Acrescentou:
Sonho Mãe
O PN sonhou com a mãe disse que gostava muito, muito dele e deu-lhe um beijinho.
263
Num cartão que traduz a relação com o imago materno o João projecta o desejo de
uma relação próxima e afectiva com o filho por parte mãe. A capacidade de diferenciar o sexo
e os papéis parentais parece, assim, integrada.
Sonho Pai
E com o pai sonhou que ia buscar maçãs e bolotas com ele e... deu-lhe um beijinho.
Num cartão que apela para a relação com o imago paterno o João projecta uma relação
afectiva onde partilha uma actividade com o pai e se identifica à função paterna, neste caso de
obter comida.
3ª Etapa – Preferências-identificações
Bebedouro
A1) Porque o PN está a fazer cocó, acho engraçado. O irmão mais novo.
Ainda que reconheça o conteúdo latente do cartão que remete para a agressividade
face às figuras parentais e lhe associe uma dimensão anal não se identifica com o PN,
remetendo para uma defesa na ordem da formação reactiva.
Ganso
A2) Porque está a ser… mordido no rabo por um ganso (?) é um dos irmãos, a irmã.
O ganso acho que é macho. Não, acho que é fêmea. O que está a ver, PN.
Brincadeiras Sujas
A3) Porque atirou lama para a cara do pai. O que está a atirar lama, PN.
264
narrativa do cartão na etapa precedente onde a mãe figurava como a figura parental receptora
da pulsão agressiva.
Batalha
A4) Porque os irmãos andam à luta, a morder um ao outro. O PN.
Partida
A5) É giro que o PN esteja a passear pelo campo, a ir. O PN.
Pequena Escada
A6) Porque o pai está a ajudar o PN a ir buscar as bolotas. O PN.
Buraco
A7) Porque é giro quando o PN anda à noite a ver as coisas.
(?) Está a passear pela noite escura. O PN.
Mais uma vez, num cartão que apela à solidão, desta vez, num contexto de perigo o
João revela-se defensivo e nega as dificuldades experienciadas ao nível da angústia de
separação e face ao confronto com a angústia depressiva, à qual se revela sensível “noite
escura”.
Noite
A8) Porque o PN está a ver o que está lá fora.
(?) A lua. O PN.
265
A curiosidade sexual e relativa aos fantasmas da cena primitiva é deslocada para o
exterior, evitando, deste modo o confronto com o sentimento de exclusão relativamente ao
casal parental.
Sonho Pai
A9) Porque gosto de ver que o PN gosta muito do pai e de sonhar com ele. O PN.
Sonho Mãe
A10) Porque gosto... o PN gosta muito da mãe e até sonha com ela. O PN.
Beijo
nA1) Porque é um bocadinho piegas nesta parte do beijinho.
Em vez deles estarem a dar um beijinho deviam estar a comer erva, a passear. O
porquinho que está aqui a ver, PN.
Num cartão que remete para a problemática edipiana o João acede ao conteúdo
simbólico, ainda que, desvalorize a proximidade libidinal entre as figuras parentais e defenda-
se recorrendo ao evitamento e deslocamento do conflito para a esfera do fazer “deviam estar a
comer erva, a passear” podendo sentir-se excluído da relação de casal.
Mamada 1
nA2) Porque o porco está a mamar.
A mãe podia estar a dar festinhas ao filho. Uma das ervinhas.
Esta resposta traduz uma defesa face à problemática oral através do deslocamento para
o contacto libidinal na relação privilegiada com o materno.
266
Mamada 2
nA3) A mesma coisa, por causa do porco a mamar (ri-se).
A mãe estar a fazer festinhas ao PN e depois os irmãos iam a correr para também
terem festinhas. O irmão mais novo.
À semelhança da resposta ao cartão anterior, a relação com o materno, neste caso, num
contexto de rivalidade fraterna é deslocada da temática oral para o contacto libidinal.
Cabra
nA4) Esta acho um bocado esquisito, um porco estar a mamar de uma cabra.
A cabra podia ser professora dele. Uma ervinha.
O João acede ao conteúdo latente do cartão, ainda que, não aceite o substituto
materno.
Hesitação
nA5) Porque está outra vez um porco a mamar e podia estar a beber água.
Este estivesse a beber água, o irmão mais novo. O PN.
Carroça
nA6) Porque o PN está a sonhar que os seus outros três irmãos estão a ser levados.
Os porcos, os irmãos mais novinhos estivessem a morder o homem. O PN.
O João acede ao conteúdo latente do cartão e encena a agressividade face aos irmãos
numa alusão à rivalidade fraterna. Por força da censura superegóica tenta reprimir este desejo
com a possibilidade de os irmãos se defenderem e escaparem ao homem que os quer afastar
da família.
Ninhada
nA7) É um bocado confusa, não sei se aqueles são os outros três irmãos e baralha-me
um bocado.
267
Gostaria que em vez de serem aqueles três irmãos fossem os três irmãos antigos a
nascerem, o PN e os dois irmãos. O PN.
Noite
Sim, acho que isto aqui é uma ovelha, a sombra de uma ovelha.
268
4) O que achas que vai acontecer ao PN?
Ele vai ter uma vida muito, muito boa. Irá crescer, ter filhos e depois irá fazer o que
as pessoas mais velhinhas fazem. Depois também irá contar as histórias da sua vida a outros
porquinhos e vão todos adorar.
6) Cartão Fada:
Desejo 1: Que tivesse uma longa vida.
Desejo 2: Três filhos.
Desejo 3: E que a sua patinha negra desse-lhe muita, muita sorte.
Preferências-identificações
Os Temas Preferências Identificações
Cartões Aceite (A)/Não Agradável Assumida Total
Aceite (nA) (A)/Não (A)/Não
Agradável (nA) Assumida (nA)
Bebedouro A A nA 2A
Beijo nA nA A 1A
Batalha A A A 3A
Carroça nA nA A 1A
Cabra nA nA nA 3nA
Partida nA A A 2A
Hesitação nA nA A 1A
Ganso nA A A 2A
Brincadeiras A A A 3A
Sujas
Noite A A A 3A
Ninhada A nA A 2A
269
Sonho Mãe nA A A 2A
Sonho Pai nA A A 2A
Mamada 1 nA nA nA 3nA
Mamada 2 nA nA nA 3nA
Buraco A A A 3A
Pequena A A A 3A
Escada
O João colaborou na prova Pata Negra, revelando alguma insegurança e indecisão nas
respostas dadas. Realizou comentários verbais ricos e adicionais à prova. Manifestou sentir-se
cansado a partir, sensivelmente, do meio da prova, aumentando o comportamento de
irrequietude na 5º Etapa – “Questões de síntese”, onde se levantou da cadeira e começou a
vaguear pela sala observando-a atentamente, continuando a responder-me às questões
colocadas.
Através da tabela que resume o modo de expressão das temáticas inerentes à prova
pode-se observar uma maior censura dos temas ligados à oralidade (Cabra, Mamada 1,
Mamada 2 e Hesitação), agressividade (Hesitação e Carroça) e triangulação edipiana (Beijo),
podendo remeter para dificuldades na elaboração destes conflitos. Assim, entre os
mecanismos de defesa utilizados ao longo da prova destacam-se o evitamento, formação
reactiva, negação, racionalização, sobreinvestimento da realidade perceptiva e recusa.
Aparentemente o conflito edipiano não se encontra completamente ultrapassado.
Apesar de realizar uma diferenciação adequada dos sexos, papéis parentais e gerações e
demonstrar uma identificação à figura paterna e, por vezes, projectar o desejo de separação da
figura materna através da agressividade que lhe é dirigida, rivaliza com o pai e demonstra
dificuldades na elaboração dos sentimentos de solidão face à exclusão do casal parental. Desta
forma, no contexto da angústia de separação surge o sentimento de culpabilidade e uma
vivência depressiva. No entanto, revela a integração do Superego.
A relação com a figura materna é representada de forma afectiva.
A figura paterna assegura uma função de apoio sólida, permitindo a identificação do
filho e uma relação afectiva com este.
Na relação com os irmãos sobressai a presença de rivalidade fraterna acentuada,
representando a supressão dos irmãos mais novos de forma a ocupar o seu lugar privilegiado e
exclusivo junto da figura materna.
270
Anexo P: Estudo de Caso 4 – Mariana (9 anos e 9 meses)
A Mariana de nove anos e nove meses é uma menina que se encontra no 4º Ano do 1º
Ciclo do Ensino Básico. Apresenta um desenvolvimento estato-ponderal adequado à sua idade
e género e um aspecto físico cuidado e investido. Estabeleceu um contacto fácil, revelando
uma atitude muito interessada e colaborante ao longo das provas administradas, ainda que, por
vezes, manifeste uma conduta agitada e necessite de apoio da observadora. Demonstrou a
necessidade de agradar e constituir uma relação com a observadora através de elogios e de
sucessivas perguntas relativas ao contexto pessoal. Muito comunicativa e expressiva,
verbalizou com frequência de forma espontânea. Manteve contacto ocular, aparentando um
olhar triste. Demonstrou uma auto-confiança baixa, ansiedade de separação de ambos os pais
e a necessidade de atenção e mimo constantes por parte destes. Durante a entrevista aos pais
começou a chorar quando a mãe respondeu à questão sobre falecimentos, separações ou
divórcios na família, queixando-se de dores de barriga (acalmou-se quando passou do colo da
mãe para o colo do pai – recusou sentar-se numa cadeira durante toda a entrevista). Na
terceira e última sessão conta-me que se constipou, tem tosse e cortou-se num dedo, o que
pode remeter para a necessidade de ser cuidada. Transparece, ainda, alguma imaturidade na
sua conduta através de risos frequentes e da utilização de linguagem ‘abebezada’.
Na sequência de um ano de intervenção psicológica no Centro de Saúde sem
resultados aparentes, foi encaminhada para a Unidade de Pedopsiquiatria pelo Médico de
Família, com queixas de dificuldades de concentração e aprendizagem na escola.
Actualmente beneficia de consultas terapêuticas de frequência quinzenal em psicologia
há aproximadamente sete meses, assim como de intervenção familiar junto dos pais com a
pedopsiquiatra da Unidade. Desde há cerca de nove meses que a Mariana toma
psicofármacos: durante os primeiros cinco meses é-lhe administrado Risperdal solução oral
(Risperidona) 0,5ml (neste momento a mãe é também seguida em consultas de psiquiatria e
medicada com um antidepressivo e ansiolítico), seguindo-se um período de cerca de três
meses de Risperdal solução oral 0,25ml e, por fim, no dia em que se inicia a recolha dos
dados associados a esta investigação, retoma a dose de 0,5ml de Risperdal por cerca de um
mês (interrompe a medicação no Verão para avaliação da sua situação. Sem reconhecer as
melhorias na conduta da Mariana mencionadas pela psicóloga, a mãe pede novamente a
medicação para a filha por a sentir muito agitada).
A Mariana vive com os pais e o irmão de dezassete anos, com os quais mantém uma
boa relação. A mãe descreve-a como uma criança muito sociável que se dá bem com todas as
pessoas, incluindo os colegas da escola, fazendo amigos com facilidade. No entanto, refere
271
que “o Joaquim (irmão) é muito diferente da Mariana, sempre foi muito mais calmo e
organizado. Sempre gostou de ter o quarto arrumado, mesmo quando os amigos iam brincar lá
a casa”. A mãe sente que a filha é muito ciumenta e rivaliza com o irmão pela atenção da mãe.
Faz birras, pede muito mimo e “tenta sempre agradar aos outros”, culpabilizando-se também
com frequência. Em comparação com o comportamento na escola, para a mãe, em casa a
Mariana é uma criança muito mais calma que acata as regras.
Até há cerca de um ano, a mãe era costureira, tendo abdicado desta profissão para se
tornar proprietária de um café em conjunto com a sogra “tenho muito mais tempo agora para
estar com ela (Mariana)”, refere. Contudo, a mãe considera que se sente muito nervosa desde
que deu início ao emprego no café, tendo dificuldades em dormir (pede para ser acompanhada
em consultas de psicologia/psiquiatria e é medicada com o antidepressivo Triticum AC). A
avó materna da Mariana faleceu com Alzheimer há cerca de três anos e a tia materna
suicidou-se quando a Mariana tinha oito/nove meses. O pai da Mariana viveu três anos em
França (entre os cinco e os oito anos da filha) devido ao trabalho, sentindo-se culpado com
esta ausência. No que concerne à relação do casal, a mãe tem por hábito dormir no sofá da
sala enquanto o pai dorme na cama do casal.
Fisicamente a mãe da Mariana apresenta um aspecto envelhecido face à sua idade. A
face encontra-se um pouco estragada, com rugas. Apresentou-se com vestuário limpo e
cuidado, adequado à sua idade e género. Estabeleceu um contacto adequado, aceitando
colaborar no presente estudo com aparente interesse. Manteve contacto ocular, evidenciando-
se um olhar triste, um ar abatido e cansado na sua expressão facial. Ainda assim, verbalizou
de forma espontânea com a observadora.
O pai da Mariana é um senhor que se apresentou fisicamente cuidado e investido, com
vestuário adequado à sua faixa etária e género. A face encontra-se um pouco envelhecida
considerando a sua idade. Inicialmente estabeleceu um contacto mais reservado, passando a
sentir-se mais descontraído e verbalizando com mais espontaneidade no decorrer da sessão.
Mantém contacto ocular.
Ambos os pais colaboraram ao longo da entrevista. A mãe respondeu maioritariamente
às questões, embora o pai também transmitisse a sua opinião espontaneamente e, outras vezes,
solicitado por mim. Senti que os dois conversaram muito abertamente sobre os principais
problemas que afectam a família, mostrando-se interessados em partilhar comigo a sua
vivência familiar.
A Mariana ficou aos cuidados da mãe até aos três meses de idade, altura a partir da
qual foi entregue aos cuidados de uma ama (até aos três anos). Assim, com três anos
ingressou na creche e posteriormente na pré-primária, havendo sempre relatos de que a
272
Mariana era uma criança muito mexida embora, “não é mal-educada nem agressiva, sempre
foi muito meiga”.
Aos seis anos ingressou no ensino primário onde ficou na mesma escola até terminar o
2º Ano de escolaridade. Segundo a professora do 2º Ano a Mariana é uma criança meiga mas
com um “excesso de actividade motriz (…) levanta-se (…), mexe-se constantemente na
cadeira, senta-se sobre um pé. Quando está sentada correctamente os pés são como um
pêndulo. Interrompe os colegas que tem à volta. Durante as explicações parece não ouvir (…)
comete erros nos exercícios por falta de atenção (…) não consegue acabar as coisas que
começa, o seu trabalho escolar é fraco, sujo e confuso”. Considera que a dificuldade em
realizar as actividades escolares da Mariana não se deve à falta de capacidades mas sim, de
concentração e atenção “não consegue concentrar-se ou estar atenta durante muito tempo,
parece desorientada, desmotivada”, acrescenta.
A partir do 3º Ano a Mariana ingressou noutra escola por motivos de alteração de
residência. A mãe indica que a filha se adaptou bem à nova escola, fazendo amigas. Porém,
durante o primeiro e o segundo períodos registou um comportamento melhor
comparativamente com o terceiro período, no qual a professora considera que a Mariana se
encontra mais distraída e irrequieta, tendo sido retirada das actividades extra-curriculares para
ter mais tempo para estudar. Deste modo, a mãe passou a ficar com a Mariana todas as tardes,
insistindo para que faça os trabalhos-de-casa, dizendo-lhe “só vais brincar depois dos
trabalhos”. No entanto, refere que “no ano passado era pior porque a professora escrevia
muitos recados na caderneta e a Mariana ficava muito triste e nervosa com isso”.
Actualmente, no 4º Ano, segundo a professora a Mariana mantém as dificuldades de
aprendizagem devido à falta de concentração/atenção e uma auto-confiança baixa, levando-a a
não participar nas aulas, mesmo quando solicitada. Em português “a Mariana regrediu
apresentando uma leitura silábica nos casos de leitura. Escreve com muitos erros ortográficos
e apresenta frases não aceitáveis e de difícil compreensão”. No caso de Matemática
“apresenta dificuldades em memorizar, compreender e consolidar os conteúdos”. Assim
sendo, considera benéfica a integração na equipa de educação especial obtendo apoio
especializado a partir do 5º Ano de escolaridade.
Segundo a mãe, a gravidez da Mariana foi planeada, sem registo de intercorrências.
Nasceu de parto eutócico, a termo, sem complicações peri ou neonatais.
A mãe recorda a Mariana no primeiro ano de vida como uma bebé “muito amorosa e
nada rabugenta, não chorava muito”. Em bebé dormia bem, contudo actualmente, apresenta
um sono muito agitado, mexendo-se com muita frequência na cama e falando durante o sono.
Adormece sem dificuldades e acorda bem-disposta (dorme cerca de nove horas diárias).
273
Começou a dormir sozinha em quarto próprio com cerca de dois anos de idade e a andar com
um ano e dois meses. Apesar de não se recordar do momento em que a Mariana começou a
falar, para a mãe ocorreu dentro dos parâmetros normais. Quanto ao controlo esfincteriano, a
Mariana deixou de utilizar fraldas com cerca de três anos de idade. Por fim, até deixar de ser
amamentada e iniciar a diversificação alimentar a Mariana não apresentava dificuldades no
comportamento alimentar. A partir deste momento começou a demonstrar pouco apetite
“come de tudo mas faz grandes birras à mesa, fica duas horas sentada a comer. Na escola
chegam a ter de lhe dar a comida à boca para ela se despachar”, indica a mãe.
Recentemente a Mariana foi submetida a uma avaliação psicológica por parte da
psicóloga que a acompanha, segundo a qual, os resultados obtidos no teste WISC-III não
revelam comprometimento a nível cognitivo que justifique as dificuldades de aprendizagem
referidas, sugerindo a hipótese de uma perturbação emocional na base destas dificuldades.
274
Guião de Entrevista dos Pais
Identificação da Criança
A mãe não sabe se a filha vai passar para o 5º Ano. Pediu à filha para dar o máximo
que pode e esforçar-se durante os dezoito dias que faltam para terminar a escola.
Quem são os elementos que compõem o agregado familiar (elementos que vivem na mesma
casa)?
(Constituição do genograma familiar)
2008
72 70
2002
46
51
42 39
17 9
275
Mãe
Idade: 39 Anos Data de Nascimento: 1971
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casada Habilitações Literárias: 6º Ano.
Profissão: Gerente de café Situação Profissional: Empregada.
Pai
Idade: 42 Anos Data de Nascimento: 1969
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casado Habilitações Literárias: 5º Ano
Profissão: Carpinteiro. Situação Profissional: Desempregado.
Irmão(ã)
Género: Masculino
Idade: 17 Anos Data de Nascimento: 1994
Naturalidade: Península de Setúbal Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Solteiro Habilitações Literárias: 9º Ano.
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): 11º Ano.
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________
276
Relações Familiares
Qual é a situação familiar actual (apoios sociais e/ou familiares, existência de doenças físicas
e/ou psicológicas, problemas sociais, económicos, exposição a fontes de stress, entre outros)?
A mãe está com um esgotamento o que está a afectar a família. Dificuldades
económicas com o desemprego do pai.
278
Teste de Relações Familiares, Versão Casais - Mãe
279
Ao observar a Tabela 1 constata-se que a mãe decidiu incluir na prova além da família
nuclear constituída pela própria mãe, o pai, o irmão e a Mariana, a avó paterna e o avô
materno. Verifica-se um forte movimento defensivo através da utilização da figura Ninguém
para a negação/recusa dos afectos positivos fortes, mas sobretudo, dos afectos negativos de
forma a bloquear a expressão da agressividade sobre os elementos da família.
25
20
15
10
0
Ninguém Mãe Pai Irmão Mariana Avó Avô
Paterna Materno
280
10
9
8
7
6
5 Positivos
4 Negativos
3
2
1
0
Ninguém Mãe Pai Irmão Mariana Avó Avô
Paterna Materno
281
picuinhas”. Na figura Ninguém são colocados os afectos negativos recusados e negados, mas
também os afectos erotizados “gosto que esta pessoa da família me beije” e “gosto de abraçar
esta pessoa da família” remetendo para uma diminuída disponibilidade emocional por parte da
mãe, optando por alhear-se do contacto com os outros.
4
Positivos
3 Negativos
0
Ninguém Mãe Pai Irmão Mariana Avó Avô
Paterna Materno
Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.
A análise dos afectos positivos e negativos recebidos por parte dos elementos da
família (Figura 3) permite destacar uma forte projecção de afectos negativos sobre o pai como
“fica ressentida comigo”, “nem sempre faz o que eu gostaria que fizesse”, “faz coisas nas
minhas costas”, “nem sempre me ajuda quando preciso”, “faz-me sentir frustrado(a)”, “diz
coisas só para magoar os meus sentimentos” e “faz-me sentir sem valor” remetendo para
conflitos na relação de casal associados à dificuldade na resolução dos problemas, falta de
confiança na relação, percepção da desvalorização da relação e falta de compreensão das
necessidades da mãe por parte do pai verificando-se, também, uma tendência paranóide no
funcionamento psicológico da mãe. Com a Mariana, o avô materno e o irmão a relação
encontra-se idealizada, projectando apenas afectos positivos sobressaindo os afectos
erotizados com maior incidência na Mariana “gosta de me beijar”, “gosta de estar sozinha
comigo” e “ama-me muito” que transmitem uma relação de forte dependência emocional da
filha com a mãe e, ainda, os afectos erotizados “é muito carinhosa comigo” e “quer estar
282
sempre ao pé de mim” associados ao avô materno e “gosta de me abraçar” ligado ao irmão
revelando uma relação próxima e carinhosa com estas figuras, demonstrando dependência
emocional do avô materno face à mãe. A relação com a avó paterna encontra-se ambivalente
com afectos negativos leves “resmunga comigo” e “fica zangada comigo” que podem remeter
para a percepção de uma figura com tendências punitivas face à mãe. No Ninguém figuram os
afectos negativos sobretudo de cariz agressivo, mas também os afectos positivos erotizados
como “quer mesmo o meu amor” podendo remeter para a vivência de sentimentos de
insegurança e desconfiança face aos elementos da família.
8
6
4
2
0 Emitidos Positivos
-2 Recebidos Positivos
-4 Emitidos Negativos
-6 Recebidos Negativos
-8
-10
Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 0 0
Mãe 2 1
Pai 1 3
Irmão 1 1
Mariana 2 0
Avó Paterna 2 0
Avô Materno 2 0
284
Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)
285
Mariana surge como uma das figuras mais dependentes e que carecem de maior protecção na
família.
Com a avó paterna assiste-se a uma relação sentida como menos valorizada por parte
da avó uma vez que a mãe emite um número significativo de afectos positivos face aos
recebidos desta figura. A avó paterna é percepcionada como uma figura com tendências
punitivas face à mãe, ainda que se sinta apoiada por esta figura. Surge como um dos
elementos da família mais dependentes e que necessitam de protecção.
A relação com o avô materno é sentida de forma próxima, carinhosa e valorizada por
parte do avô, recebendo mais afectos positivos do que aqueles que emite, ainda que a
diferença seja pouco significativa. Assim, o avô materno é percepcionado como uma figura
que mantém uma dependência emocional face à mãe, necessitando da sua protecção. Contudo,
a mãe parece sentir-se culpabilizada nesta relação.
286
facto de ao filho não dar abraços, mas fazerem mais “coisas de homens”) e relacionados com
críticas à presença de determinados cartões.
Analisando a Tabela 1 observa-se que além dos elementos que constituem a família
nuclear: o pai, a mãe, o irmão e a Mariana, o pai decidiu incluir três membros da família
alargada: a avó paterna, o avô materno e a tia paterna. Sobressai um elevado grau de
neuroticismo no pai através da negação/recusa dos afectos negativos colocados na figura
Ninguém, inibindo a expressão da agressividade sobre os elementos da família.
30
25
20
15
10
287
16
14
12
10
8
Positivos
6
Negativos
4
2
0
Avaliando os afectos positivos e negativos emitidos pelo pai da Mariana aos elementos
da família (Figura 2) verifica-se um forte mecanismo defensivo na linha da negação dos
afectos negativos recorrendo à figura Ninguém bloqueando, assim, a expressão agressiva
sobre os elementos da família, tornando-os figuras idealizadas. A mãe foi a única figura à qual
o pai atribuiu afectos negativos “irrita-se muito depressa”, “fica chateada sem ter razão para
isso” e “fica zangada demais” que traduzem a percepção de irritabilidade na mãe, dificuldades
em lidar com os conflitos por parte desta e, ainda, insegurança na relação de casal. As figuras
às quais o pai associa afectos positivos fortes são a mãe (todos os afectos deste tipo, oito), o
irmão, a Mariana e a avó paterna (estes três últimos com os mesmos afectos, cinco).
288
14
12
10
6 Positivos
Negativos
4
Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.
289
15
10
Emitidos Positivos
0
Recebidos Positivos
-5 Emitidos Negativos
Recebidos Negativos
-10
-15
Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 0 1
Pai 3 2
Mãe 5 1
Irmão 4 0
Mariana 4 0
290
Avó Paterna 4 0
Avô Materno 3 0
Tia Paterna 3 1
291
Com a Mariana a relação é idealizada e mantida através de um elevado envolvimento
emocional, no qual, são percepcionadas fantasias edipianas por parte da filha. Seguindo-se à
mãe, a Mariana é sentida como uma figura emocionalmente dependente, carecendo de
protecção.
Na relação com a avó paterna transparece um elevado envolvimento emocional e
idealização da relação, sentido esta figura como punitiva ainda que emocionalmente
dependente do pai.
Com o avô materno sobressai uma relação idealizada ainda que pouco significativa do
ponto de vista do envolvimento emocional mantido.
Por fim, com a tia paterna observa-se uma relação idealizada, todavia é a menos
significativa do ponto de vista do envolvimento emocional (excluindo o próprio pai) e
relacionada a sentimentos de fraqueza/incompetência.
292
Guião de Entrevista da Criança
Identificação da Criança
Interesses/Actividades
Frequentas alguma actividade desportiva ou cultural (dança, teatro, música, etc.)? Qual?
Não ando em nada. Jogo futebol com os meninos e meninas “sou como o pai, gosto de
futebol”.
Amigos
293
O que é que costumam fazer juntos(as)?
Brincar (jogar à bola, às escondidas, macaquinho de chinês, apanhada). Não posso ir
para casa deles senão também ficava a jogar (faz gesto de jogar consola).
Escola
294
Família
Como é que os teus pais se dão um com o outro? O que pensas/sentes com isso?
Penso que eles estão óptimos. Zangam-se de vez em quando mas agora não se estão a
zangar. Mas de vez em quando, quando o pai chega a casa a mãe começa logo a gritar e eu
não consigo dormir.
Dormes com alguém ou partilhas o quarto com alguém? Se sim, com quem?
Durmo sozinha. O meu pai construiu uma parede para separar o meu quarto para o
do mano, quando era muito pequenina.
começar a dar. Que a mãe não estivesse doente. Também não gostava que a avó vivesse
295
sozinha, mas ela agora tem a cadela para a proteger, ela não deixa entrar ninguém, só o
mano, o primo…
Fantasias/Sonhos/Medos
296
Quais são os teus medos? O que fazes quando te sentes assim?
Tubarões, cobras, crocodilos. Não faço nada, se ele não se aproximar, vou-me
embora.
Desenho Livre
Inquérito
297
2) História
Era uma vez uma caveira que apareceu ao pé de flores e era alérgico, ele não sabia que
era alérgico. E ele tinha uma parede tão branca, tão branca que decidiu desenhar
corações, quatro corações em cada canto. Depois viu que lá dentro dos corações, no
meio não tinha nada, ele depois lembrou-se que gostava de uma pessoa e depois
resolveu escrever no meio Margarida és querida. Depois lembrou-se que faltava uma
coisa, mas o quê, depois o seu espírito disse: falta-te desenhar no meio de dois
corações, em cima e depois desenhou a dizer a toda a gente que é alérgico a cores.
“A parte que eu mais gosto é de dizer a história porque assim estou sempre a falar”.
Análise da prova
Esta prova realizou-se no âmbito da primeira sessão e, como tal, constituiu o primeiro
contacto de avaliação psicológica com a Mariana. Todavia, ao longo da prova a Mariana
revelou o desejo de me agradar, demonstrando-se, desta forma, insegura e com contacto
superficial. Esta transferência positiva com a investigadora pode-se traduzir no desejo de
estabelecer uma relação dual na linha do cuidar, como uma forma de carência: “chamas-te
Margarida certo? É que eu quero desenhar aqui uma coisa e tu não podes ver (…) É para ti!
Quais são as tuas cores preferidas? (…) quantos anos tens? (…) Em que ano é que estás do
curso? (…) És de que clube? Do Benfica, Sporting? Tens cara de ser do Sporting, Porto”. A
Mariana expressou, ainda, a necessidade de apoio marcada por parte da investigadora e fez
algumas críticas negativas ao modo como desenhou determinados atributos: “depois vou fazer
uma coisa que aprendi com o meu padrinho. Sabes o que isto é? Uma caveira (ri-se) Eu não
sabia desenhar caveiras! Não está lá muito perfeita. Depois com um lápis pintava um dente, só
um dente a dizer que ele estava amarelo (…) igual a uma flor! Ele é alérgico a flores, vá, vou
pô-lo a pensar”.
A nível gráfico trata-se de um desenho imaturo para a idade e sem simbolismo, com
elementos dispersos e sem ligação entre si, recorrendo à escrita para exprimir o que deseja. O
desenho da caveira pode ser entendido como uma forma de colagem e adaptação ao social
visto que actualmente este elemento ganhou alguma fama entre as crianças e adolescentes. A
narrativa assenta no concreto e factual, descrevendo apenas os elementos desenhados.
Sobressai, no entanto, a sensibilidade ao tom branco “tinha uma parede tão branca, tão
branca” e ao vazio do silêncio “a parte que eu mais gosto é de dizer a história porque assim
estou sempre a falar” e da folha “no meio não tinha nada (…) faltava uma coisa, mas o quê,
298
depois o seu espírito disse: falta-te desenhar no meio de dois corações, em cima”, o que
reenvia para questões ligadas a dificuldades ao nível da falha narcísica.
1º Desenho
Inquérito
299
Qual foi o dia mais feliz da sua vida?
Foi quando se casou. Já te casaste? Tens um anel.
E o dia mais triste?
Nenhum.
E uma má recordação?
Nenhuma.
1) O que é que ele/ela está a fazer? Nada. Está parada. Está a jogar ao jogo 1,2,3
Macaquinho do Chinês.
2) Que idade tem? 24 Anos.
3) É casado/a? Sim.
4) Tem filhos? Sim.
5) Rapazes ou raparigas? Raparigas, duas.
6) Qual é o seu trabalho? Cabeleireira.
7) Se ainda estuda, em que ano está? Não.
8) Qual é o seu maior desejo? Ir à Serra da Estrela.
9) É saudável? Sim.
10) Tem bom aspecto? Sim.
11) Qual é a parte do seu corpo que está mais bem feita? O cabelo e a camisola.
12) E qual é a menos bem feita? A cabeça, o pescoço, a boca, os olhos, nariz.
13) É feliz? Sim.
300
14) Quais são os seus aborrecimentos? As filhas.
15) O que o/a faz zangar? Quando elas se portam mal.
16) Quais são as suas manias? Quer sempre doces.
17) Quais são os seus três piores defeitos? Servir à mesa.
18) Quais são as suas melhores qualidades? Cabeleireira e fazer o jantar.
19) Tem muitos amigos? Sim.
20) Mais velhos ou mais novos? Mais velhos.
21) O que é que dizem dele/a? Que ela é fixe.
22) Ele/a gosta da família? Sim.
23) E da escola? Sim.
24) Sai muito com os amigos? Sim.
25) Quando é que diz que se divertiu muito? Quando vai à discoteca e quando vai jantar
fora.
26) Quer casar?
27) Com que idade?
28) Que género de homem quer casar? Sei lá, bonito.
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? Ir à Serra da Estrela, ir a França,
ir a Espanha.
30) Com quem se parece? Com ninguém. Contigo não se parece, fiz diferente.
31) Gostarias de te parecer com ele/a? Não, está esquisita.
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Sim, a cabeça, os olhos, a
boca, o nariz e estas bolinhas que é corada. A parte toda da cara menos as orelhas que
não tem orelhas.
No final do inquérito começou a queixar-se de fome (era hora do almoço) e comentou que se
calhar os pais foram comer e deixaram-na ali comigo. A sessão terminou neste momento.
301
2º Desenho
Inquérito
302
Conta-me uma boa recordação que tenha.
O seu anel que a mãe lhe deu para se lembrar todos os dias.
E uma má recordação?
…quando a sua avó morreu.
Análise da prova
305
Desenho da Família
Inquérito
1) Quem são essas pessoas que desenhas-te, como se chamam e que idade têm? (da
esquerda para a direita)
Família Lourenço.
Margarida, 13 Anos, filha;
Diogo, 12 Anos, filho;
Luna, mãe, 49 Anos;
Pai, Luís, 42 Anos.
306
3) Quem é o mais feliz? Porquê?
Margarida, Luna, toda a família.
(?) A Margarida. Está sempre com sorte e tem tudo o que quiser.
6) Se tivesses que escolher uma pessoa desta família, quem é que preferias ser?
Porquê?
A mãe. Porque é adulta e eu gosto de ser adulta, posso lavar a loiça, posso trabalhar e
ganhar dinheiro e essas coisas todas.
7) Se fossem todos dar um passeio de carro mas não houvesse lugar para uma
pessoa, quem ficaria em casa? Porquê?
A mãe ou o pai.
(?) A mãe que fica a limpar a casa.
8) Se alguém não se tivesse comportado bem quem seria? Como seria castigada?
Quem é que dava o castigo?
O Diogo. Não jogar computador e não jogar à bola. A mãe e o pai.
307
9) Se pudesses mudar alguma coisa no teu desenho o que é que mudarias? Porquê?
O escorrega. Porque está mal desenhado e devia ser da porta vinha um tubo que eles
vinham a descer, a descer e vinham ter à piscina.
Análise da prova
Análise inter-individual
Análise intra-individual
Perfil de Itens
Intensidade do Item
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27
Itens
309
Teste de Relações Familiares, Versão Crianças
310
30
25
20
15
10
311
12
10
6
Positivos
4 Negativos
12
10
6
Positivos
4 Negativos
Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.
A avaliação dos afectos positivos e negativos recebidos pela Mariana (Figura 3) revela
uma forte defesa pela negação dos afectos negativos através do recurso à figura Ninguém, o
que permite a idealização da relação com os elementos da família. As figuras que traduzem
um maior envolvimento emocional ao nível dos afectos recebidos, o pai, a avó paterna, a mãe
e a tia paterna, são também aquelas com afectos negativos atribuídos e maior expressão nos
afectos positivos de cariz erotizado. Posto isto, quanto aos afectos negativos o pai é a figura
que se destaca com os seguintes itens “faz-me uma cara zangada”, “ralha comigo” e “está
muito ocupada para ter tempo para mim” que podem remeter para a percepção de uma figura
punitiva e pouco disponível para a Mariana, tendo em conta o seu desejo de atenção. Segue-se
a mãe com dois afectos “ralha comigo” e “fica zangada comigo” denotando a percepção de
uma figura punitiva, tal como a tia paterna e a avó paterna que obtiveram o item “ralha
comigo”, à semelhança do pai e da mãe. Nos afectos erotizados o pai é a figura que se salienta
através dos itens “gosta de me dar beijinhos”, “gosta de me abraçar”, “gosta de me dar
festinhas”, “gosta de me fazer cócegas” e “quer estar sempre ao pé de mim” remetendo para a
percepção de fantasias edipianas na relação com o pai. À mãe, à tia e à avó paterna foram
atribuídos os itens “gosta de me abraçar” e “gosta de me fazer cócegas” reenviando para uma
313
relação composta por momentos de troca de afectos com estas figuras. À avó paterna a
Mariana associou, ainda, o item “gosta de me ajudar quando estou a tomar banho” remetendo
para dificuldades no processo de autonomia. Por outro lado, a negação dos afectos erotizados
“gosta de estar na cama comigo” e “gosta mais de mim do que dos outros” remete para o
desejo de autonomização.
15
10
Emitidos Positivos
0
Recebidos Positivos
-5 Emitidos Negativos
Recebidos Negativos
-10
-15
314
Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de dependência (superprotecção
materna e superindulgência paterna/materna).
A Tabela 2 permite a análise dos itens associados aos sentimentos que traduzem
dependência. Posto isto, verifica-se uma tendência bastante regressiva no funcionamento da
Mariana através de uma forte auto-valorização alcançada através dos itens de dependência
que concentra sobre si, revelando uma atitude egocêntrica, o desejo de protecção da mãe e de
atenção por parte de ambos os pais. Desta forma, rivaliza com a mãe, o irmão e a avó paterna
pela atenção do pai. As figuras com as quais se identifica, a mãe e a avó paterna seguem esta
tendência dependente.
As Aventuras de Pata-Negra
1ª Etapa – Frontispício
PN:
Porque tem a pata negra, senão tivesse não era Pata Negra. Se tivesse a mancha na barriga
era o barrigo negra. Senão tivesse nada era o porquinho.
Dois porquinhos:
Esquerda – menina, 3 anos.
Depende da cauda.
Direita – é um homem, 4 anos.
São irmãos do Pata Negra.
“Deve ter levado com uma coisa para ser Pata Negra, coitado”
Porcos grandes:
Em cima – pai, 42 anos.
Em baixo – mãe, 39 anos.
2ª Etapa – Os Temas
Num cartão que remete para a função de holding numa das figuras parentais, o pai é a
figura escolhida, abdicando do primeiro objecto, a mãe. Esta relação com a figura paterna
pode associar-se à transgressão na relação com o materno e à possibilidade de novas
descobertas, de crescimento mas, também, a uma capacidade de apoio pouco sólida na mãe.
Bebedouro
Quando chegou a noite estavam todos a dormir mas o PN tinha vontade de ir à casa
de banho e foi pronto, a casa de banho era aqui (aponta no cartão). E alevantou o seu irmão.
Depois ele foi dormir mas ficou com fome e ele foi comer e depois ele foi acordar a mãe e o
pai para porem comer porque ele tinha comido tudo e depois quando os porquinhos
alevantaram-se cheiraram e foram comer. O PN tinha fome e não ficou com nada. Depois o
PN foi dormir.
Sonho Mãe
Ele sonhou que a mãe lhe estava a dizer “meu menino não te portes mal, deixa comer
para a tua irmã, para o teu irmão”. Depois o PN acordou assustado porque a voz da mãe era
assustadora.
318
Num cartão que remete para a relação com o imago materno a Mariana projecta uma
vivência de culpa num contexto carencial. Sobressai, ainda, o sentimento de insegurança e
medo na relação com a figura materna, a um nível arcaico “a voz da mãe era assustadora”.
Sonho Pai
Depois o bebé, o PN adormeceu. E depois sonhou com o pai a dizer-lhe “cuidado com
a água, cuidado com a água” e o bebé disse “mas a água não faz mal” e o pai disse “tem
tubarões!” e o bebé acordou a chorar.
Hesitação
Quando era de manhã foram todos para o relvado. Estavam todos com sede. Como o
pai ocupava quase o sítio que eles bebiam água o PN não podia beber água e a porquinha
podia beber. E ele (PN) disse “grande injustiça, ela pode beber e eu não!”.
Ganso
Depois a irmã foi correr pelo campo, o irmão foi vigiar a irmã porque o pai e a mãe
pediram. O PN ficou a rebolar na relva. Depois o irmão viu a irmã ser mordida por um
ganso “o que é isto?”. Depois o irmão viu a irmã a chorar e foi dizer aos pais.
Ganso: menino. As meninas não mordem as meninas.
319
Partida
O PN chateou-se porque ninguém brincava com ele e foi seguir o caminho até uma
casa. Os pais foram à procura dele e encontraram. Depois trouxeram pelo mesmo caminho,
mas apanharam umas maçãzinhas.
Batalha
Depois o PN zangou-se com o irmão e depois o PN começou a morder a perna do
irmão e o irmão a morder a orelha do PN e depois a irmã foi a correr até aos pais, os pais
estavam a fazer exercício físico. E depois eles treinaram, foram a correr ao pé-coxinho, mas
a mãe não conseguia ir ao pé-coxinho e o pai foi ao pé-coxinho para os meninos pararem a
luta.
Noite
Quando chegou a noite o PN, aqui não se vê muito bem mas eu estou a dizer, o PN
não conseguiu dormir e fugiu de casa, mas levou uma mochila com comer. Ele foi a correr!
Buraco
Depois o PN foi a correr tão rápido que caiu numa poça de lama, gritou “socorro,
socorro, socorro” três vezes, até a lua olhou e deu a luz mais forte.
320
A narrativa reenvia para uma forte angústia depressiva e de separação face ao exterior
fobogénico intensificada com o recurso à repetição e procura de apoio num objecto
inanimado, a lua.
Ninhada
E ele chegou a casa. Depois viu que a mãe dele, dele e dela teve mais três
irmãozinhos e os homens estavam a pôr água e feno e eles ficaram tristes porque já tinham
mais irmãos e não tinham atenção.
A Mariana recorre à defesa pela idealização para evitar deparar-se com a angústia
depressiva. Suprime a falta de atenção, avidez relacional e sentimento de desprotecção
materna através do deslocamento para a relação fraterna e nos objectos (anulando a rivalidade
fraterna).
Acrescentou:
Carroça
Este é o mais difícil. O PN sonhou que tinham posto por engano quatro porquinhos
dentro da carroça onde eles pensaram que eram cabras, está ali uma cabrinha, e o PN
sonhou que tinha um pesadelo e a família ficou triste porque pensava que ele tinha-se ido
embora, que eles tinham-no posto por engano.
Mamada 2
Depois o PN ficou tão contente que quis ficar ao pé da mãe, depois os irmãos viram-
no que foram a correr a rebolar pela relva, depois o PN achou uma graça e rebolou pela
321
relva e tinha caído numa poça de lama. Quando chegou a casa estava todo sujo que teve que
ir tomar um banho.
3ª Etapa – Preferências-identificações
Pequena Escada
A1) Não sei, porque é mais engraçado. O PN.
Esta resposta, ainda que defensiva pela utilização da recusa, surgindo como o cartão
preferido remete para a importância de se sentir apoiada e valorizada pelas figuras parentais.
Bebedouro
A2) Porque (ri-se e aponta) está a fazer chichi, é engraçado. O PN.
Noite
A3) Porque está às escuras e é engraçado e queria ser o PN.
Revela-se sensível à tonalidade escura do cartão, podendo associar-se à angústia
depressiva contudo, negada “é engraçado”.
Buraco
A4) Porque ele caiu numa poça de lama e é engraçado. O PN.
322
Mamada 2
A5) Porque este é felicidade, porque eles estavam a rebolar. O PN.
Batalha
A6) Porque eles andaram à luta, a puxarem. O PN.
Partida
A7) Porque ele vai-se embora. O PN.
Hesitação
A8) Porque ele não bebe. O PN.
Sonho Mãe
A9) Porque ele está a sonhar com a mãe porque a mãe está a reclamar. O PN.
Esta resposta a um cartão que apela à relação com o materno remete para uma figura
punitiva.
Sonho Pai
A10) É engraçado, o pai está a reclamar. O PN.
Num cartão associado à relação com a figura paterna surge um pai punitivo, ainda que
se defenda desta vivência pelo recurso à negação “é engraçado”.
323
Ganso
A11) Porque ele está a morder. Eu queria ser o ganso.
A Mariana identifica-se com a figura que representa o forte, o agressor, optando por
controlar a situação de forma a não reconhecer a impotência e a depressão que esta poderia
despoletar.
Beijo
A12) Porque ele está a vigiar eles enquanto eles estão a (imita o gesto de beijar). O
PN.
Ainda que reconheça a dimensão libidinal da cena, não atribui uma identidade aos
personagens, evitando ou não acedendo à problemática edipiana que o cartão simboliza.
Também o recurso ao agir pode remeter para uma defesa pelo evitamento da verbalização do
conflito ou para dificuldades de simbolização.
Ninhada
A13) Porque eles estão amuados porque a mãe teve três filhos e eles estão a tratar
deles. O PN.
Cabra
nA1) Porque ele está a beber leite de cabra e ele não bebe leite de cabra.
Mudava a imagem toda para pôr mais alegre. Ninguém.
Carroça
nA2) Porque ele está a sonhar com uma coisa má.
324
Pensamento, a família ficar feliz. O PN.
Brincadeiras Sujas
nA3) Porque ele está na lama e mandou lama para o pai.
O petróleo, que é lama. Queria ser mais limpo. O PN.
Acede ao conteúdo latente do cartão que reenvia para a expressão agressiva face a uma
figura parental optando, neste caso, pelo pai, não renunciando à relação dual com o primeiro
objecto, a mãe. De forma a bloquear a expressão agressiva recorre à defesa pela formação
reactiva.
Mamada 1
nA4) Não sei, porque está muito vazia, não tem muita história para contar.
Mais alegre, com mais pessoas e pensamentos. O PN.
Noite
Não.
325
Quem é o menos feliz? Porquê?
O pai. Porque o pai mete-se sempre em sarilhos.
(?) Andar à luta.
6) Cartão Fada:
Desejo 1: Melhorar a pata.
Desejo 2: Ser feliz, ter uma namorada.
Desejo 3: Ter filhos. E viver feliz para sempre.
Preferências-identificações
Os Temas Preferências Identificações
Cartões Aceite (A)/Não Agradável Assumida Total
Aceite (nA) (A)/Não (A)/Não
Agradável (nA) Assumida (nA)
Bebedouro A A A 3A
Beijo nA A A 2A
Batalha A A A 3A
326
Carroça nA nA A 1A
Cabra nA nA nA 3nA
Partida A A A 3A
Hesitação A A A 3A
Ganso A A nA 2A
Brincadeiras nA nA A 1A
Sujas
Noite A A A 3A
Ninhada A A A 3A
Sonho Mãe A A A 3A
Sonho Pai A A A 3A
Mamada 1 nA nA A 1A
Mamada 2 nA A A 2A
Buraco A A A 3A
Pequena A A A 3A
Escada
328
Anexo Q: Estudo de Caso 5 – Gabriel (10 anos e 4 meses)
O Gabriel é um menino de dez anos e quatro meses que frequenta o 4º Ano do 1º Ciclo
do Ensino Básico. Apresenta um desenvolvimento estato-ponderal adaptado ao seu grupo
etário. Trata-se de uma criança bonita e harmónica, apresentando-se fisicamente cuidado,
investido e limpo. Geralmente traz um boné na cabeça, que retira quando se senta junto à
secretária. Estabelece um contacto inibido com a observadora, ainda que no decorrer das
sessões revele sentir-se mais à vontade, conversando com espontaneidade. Mantém um
comportamento estável e controlado, não evidenciando sinais de ansiedade ou dificuldades de
concentração/atenção. No final da segunda sessão queixa-se e mostra-me uma ferida no pé, o
que pode remeter para a necessidade de ser cuidado.
Através da consulta hospitalar de pneumologia pediátrica (tem asma e rinite) foi
encaminhado para a Unidade de Pedopsiquiatria por dificuldades alimentares com anorexia
selectiva. Iniciou as consultas terapêuticas de frequência quinzenal com a psicóloga da
Unidade há cerca de dois meses, beneficiando também de intervenção familiar.
O Gabriel vive com os pais e com o meio-irmão (da parte da mãe) de dezoito anos. O
pai é carpinteiro e a mãe assistente administrativa. Ambos os pais são ex-toxicodependentes
tendo-se conhecido num programa de desintoxicação que frequentaram. A mãe deixou de
consumir pelo meio-irmão do Gabriel quando este tinha cinco anos (até então esta criança
esteve maioritariamente ao cuidado da avó materna) e cortou a ligação que mantinha com o
ex-companheiro e pai do meio-irmão do Gabriel, também na altura toxicodependente
(continua a consumir até à actualidade), conhecendo o actual companheiro. Até ao momento o
Gabriel desconhece o passado toxicodependente dos pais. Segundo a psicóloga, o meio-irmão
do Gabriel é muito problemático (isola-se passando muito tempo no quarto ou com a
namorada, toca guitarra eléctrica) e a mãe culpabiliza-se por este comportamento devido ao
seu afastamento e consumos de droga durante a infância do filho. Desta forma, desenvolveu
uma forte ligação com o Gabriel na tentativa de compensar e reparar a relação com o filho
mais velho. A psicóloga acrescenta, ainda, que o Gabriel mantém uma relação de forte
rivalidade com o meio-irmão. Segundo a mãe o Gabriel faz birras quando é contrariado,
respondendo mal, “é muito nervoso”. A mãe tem Hepatite C e, segundo a própria, teve
anorexia nervosa por volta dos vinte anos.
A mãe do Gabriel é uma mulher que apresenta um aspecto físico jovial face à sua
idade, tratando-se de uma pessoa aparentemente descontraída e simpática. É harmónica e
bonita, encontrando-se cuidada e com vestuário adequado. Estabelece um contacto adequado
com a observadora, predispondo-se, desde o início, a participar na investigação com
329
empenho, interesse e aparente satisfação. Verbaliza de forma fluente e espontânea, indiciando
sentir-se adaptada à situação de observação/avaliação. Manteve contacto ocular, apresentando
uma postura muito rica e expressiva.
No que concerne ao pai do Gabriel, apresenta um aspecto físico cuidado e adaptado à
idade. Estabelece um contacto adequado com a observadora, verbalizando de modo
espontâneo e fluente, transmitindo simpatia, empenho e interesse em participar no estudo.
Apresenta uma postura rica e expressiva, mantendo contacto ocular.
Em bebé o Gabriel não foi amamentado, não registando problemas alimentares até à
data em que iniciou a diversificação alimentar. Nessa altura recusava tudo o que não fosse
esmagado “só comia o que fosse passado pela varinha mágica”, conta a mãe. Também não
comia carne, peixe ou ovos, apenas aceitava sopa passada, papa, iogurtes Danoninho e fruta
só dos boiões. Segundo a mãe “os médicos sempre desvalorizaram esta característica do
Gabriel, mas ele nunca queria provar nada” e acrescenta que o Gabriel registou sempre uma
boa evolução ponderal porque compensou com a sopa. Desenvolveu hipoglicémias e teve
gastroenterites. Aos quatro anos deixou o biberão e até aos cinco anos andava com três
chupetas em cada mão “foi muito difícil de o convencer a desistir delas”, refere a mãe. Pelos
cinco/seis anos começou a aceitar batatas de pacote e carne, mas nunca comeu arroz e
esparguete. Para a mãe “sempre que insistimos é um circo em casa ele chora, berra, grita, nem
sequer prova” e o Gabriel acrescenta de imediato “não provo porque sei que não é bom”.
Não come na escola porque diz que não gosta da comida. Quando vai a festas de
aniversário leva o próprio lanche e nas situações em que janta em casa de amigos fazem-lhe
uma comida especial. Recusa-se a ir para qualquer lado onde saiba que tem que comer fora de
casa ou comida diferente (e.g., não vai ao campo de férias) “na escola gozam comigo, sou o
menino da sopa passada”, refere o Gabriel.
Actualmente a ementa diária habitual do Gabriel é a seguinte: ao pequeno-almoço
come papa (bebe com uma palhinha). Ao meio da manhã come bolachas Maria ou Tosta Rica
ou pão com fiambre de peru, bebe leite de morango. Deixou de comer iogurtes porque diz que
o sabor do Danoninho é “diferente”. Ao almoço ou jantar pode comer salsichas, bife de peru,
peito de frango, carne de vaca e de porco, determinados tipos de peixe – cozido/grelhado, ovo
mexido, come sempre sopa, batatas fritas e pão. Não come fruta. Bebe Ice Tea de limão ou
manga, sumo de manga e Coca-Cola. No que se refere a doces, o Gabriel não come
chocolates, bolos e gelados. Gosta de chupa-chupas de coca-cola e de gomas, mas algumas
coloca-as apenas na boca sem as engolir.
A gravidez do Gabriel foi planeada e o parto eutócico, a termo, sem registo de
complicações peri ou neonatais. Após o nascimento do Gabriel a mãe sentiu-se “bem mas por
330
volta dos dois meses senti um aumento de stress e preocupação devido às faltas de ar do
Gabriel”. Durante a primeira infância a mãe teve o apoio da avó paterna do Gabriel,
recordando o filho como um bebé “bem-disposto, muito dorminhoco”.
Segundo a mãe, o Gabriel “sempre dormiu bem”, apesar de até cerca dos sete anos de
idade adormecer na cama dos pais e só depois ia para a própria cama. Neste momento não se
registam problemas a este nível.
O desenvolvimento psico-motor e o controlo esfincteriano desencadearam-se dentro
dos parâmetros normais. Porém, ao nível linguístico assinala-se a substituição da consoante
“b” por “p”, até à actualidade.
O Gabriel ficou ao cuidado da avó paterna até aos cinco anos, idade a partir da qual
ingressa no infantário com boa adaptação até ao momento em que recusa alimentar-se na
escola (almoça todos os dias em casa desta avó). Aos seis anos inicia a escola “foi um caos,
dava-se mal com os colegas, roubavam-lhe o lanche. Sempre foi muito irrequieto, tem que
ficar sentado ao pé da professora. É muito reguila, mas é muito bom aluno” indica a mãe,
acrescentando também que o Gabriel apesar de não bater nos colegas, provoca-os, acabando
por chegar “todo negro a casa. Ele quer tudo à maneira dele”. Tem dificuldades a português
porque escreve com muitos erros ortográficos. A mãe envolve-se muito no processo educativo
do Gabriel, insistindo e acompanhando-o no estudo “eu estudo sempre com a minha mãe,
digo que estou cansado mas acabo por estudar. Eu não consigo estudar sozinho, estudo mal,
estou entretido com outras coisas. Ela acha que é melhor eu estudar com ela para não ter más
notas”, refere o Gabriel.
331
Guião de Entrevista dos Pais
Identificação da Criança
Muito inteligente, mas preguiçoso, mais erros a português. Pai: acho que tem défice
de atenção. Mãe desvaloriza mais este aspecto e compara com o filho mais velho, irmão do
Gabriel.
Quem são os elementos que compõem o agregado familiar (elementos que vivem na mesma
casa)?
(Constituição do genograma familiar)
1979
70 65 64
46 40 32
39 39
13
10 18
332
Mãe
Idade: 39 Anos Data de Nascimento: 1971
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casada Habilitações Literárias: 12º Ano
Profissão: Assistente Administrativa Situação Profissional: Empregada
Pai
Idade: 39 Anos Data de Nascimento: 1972
Naturalidade: Península de Setúbal Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casado Habilitações Literárias: 8º Ano
Profissão: Carpinteiro Situação Profissional: Empregado
Irmão(ã)
Género: Masculino
Idade: 18 Anos Data de Nascimento: 1993
Naturalidade: Península de Setúbal Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Solteiro Habilitações Literárias: 9º Ano
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): 12º Ano
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________
333
Relações Familiares
Qual é a situação familiar actual (apoios sociais e/ou familiares, existência de doenças físicas
e/ou psicológicas, problemas sociais, económicos, exposição a fontes de stress, entre outros)?
Podíamos ter mais dinheiro. Vivemos como a maioria das pessoas, não falta nada,
sem extravagâncias. O ano passado, durante dois anos o pai esteve desempregado após doze
anos de estar na mesma empresa, depois esteve em sítios não certos e agora tem que faltar ao
trabalho por causa de problemas no ouvido esquerdo com os cristais do ouvido (anda há um
ano e tal assim). Dificultando o dinheiro em casa. Stressava com isto e a mulher também
sentia isso, afectando todos. A mulher sente que tem de dar muita força ao marido e sobra
pouco para ela. Problemas do pai no trabalho com o patrão, é uma pessoa difícil o patrão.
334
Como é a relação da criança com o pai?
É boa. São teimosos. Tenta acompanhá-lo. Gostava de ter mais tempo para estar com
ele mas a vida não permite. É menos tolerante que a mulher, dá demasiada importância a
certas coisas, não tem tanta paciência.
335
E como é a relação do pai com a sua família de origem?
Não se dão mal, mas não têm muito contacto. Vivem perto. Sente que não há muita
ligação. Não há afinidade, se precisarem estão lá, mas sem muito contacto. Sempre houve
muita competição uns com os outros. A avó paterna do Gabriel ficou com os filhos nova, sem
o marido, o pai tinha sete anos quando faleceu o próprio pai. Não há abertura para certo
tipo de conversas. Sente que a avó paterna não lhe dá muita atenção, mesmo quando está
doente, mas fala das coisas dele. A avó com o neto é diferente, é mais afectiva.
336
Teste de Relações Familiares, Versão Casais - Mãe
337
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Ninguém Mãe Pai Irmão Gabriel Avó Avô Tia
Materna Materno Materna
9
8
7
6
5
4 Positivos
3 Negativos
2
1
0
339
9
8
7
6
5
4 Positivos
3 Negativos
2
1
0
Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.
340
materno associando-se à vivência de insegurança na relação com estas figuras e “nem sempre
faz o que eu gostaria que fizesse” ao avô materno e à tia materna. A atribuição dos itens
“gosta de gozar comigo”, “faz-me sentir frustrado(a)” e “é malcriada para mim” ao irmão
reforça a ideia de insegurança na relação com este elemento da família.
10
8
6
4
2 Emitidos Positivos
0 Recebidos Positivos
-2 Emitidos Negativos
-4 Recebidos Negativos
-6
-8
341
Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de protecção e atribuição de
incompetência ou fraqueza.
Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 0 0
Mãe 0 0
Pai 0 0
Irmão 1 2
Gabriel 2 0
Avó Materna 2 0
Avô Materno 0 1
Tia Materna 1 3
342
Na relação com o pai surge a percepção de um maior investimento afectivo na relação
por parte desta figura, ainda que se observem conflitos e insegurança na relação de casal em
parte, motivados por dificuldades na gestão dos conflitos e no controlo dos impulsos
agressivos por parte da mãe.
Com o irmão a relação é sentida como fortemente desvalorizada por parte desta figura
e insegura através da percepção de falta de apoio e uma atitude punitiva e agressiva por parte
do irmão, sendo marcada por conflitos acentuados associados a uma dificuldade na sua gestão
por ambas as partes, com irritabilidade emocional no irmão e dificuldade no controlo dos
impulsos agressivos por parte da mãe.
A relação com o Gabriel é representada de forma satisfatória e correspondida, ainda
que idealizada. Observa-se a percepção de uma forte dependência emocional entre mãe e filho
e o desejo de lhe proporcionar protecção.
A relação com a avó materna é marcada por um forte envolvimento emocional
positivo correspondido onde o sentimento de dependência mútua, idealização da relação e
desejo de protecção desta figura sobressaem.
Com o avô materno a relação surge de forma desvalorizada por parte desta figura,
sendo marcada por conflitos associados a sentimentos de insegurança, falta de apoio e
punição dirigidos à mãe, ainda assim, são percepcionadas dificuldades na gestão destes
conflitos e no controlo dos impulsos agressivos por parte da mãe.
Por fim, a relação com a tia materna é percepcionada como desvalorizada por parte
desta figura. Observam-se conflitos relativos à dificuldade na sua gestão por ambas as partes
manifesta através de irritabilidade emocional, dificuldades de adaptação social e uma atitude
punitiva na tia paterna, assim como, dificuldade no controlo dos impulsos agressivos na mãe.
Perante este cenário, poder-se-á colocar em hipótese a presença de rivalidade fraterna na mãe.
343
Mãe 3 5 3 1 4 2 4 0 22
Gabriel 1 1 0 0 2 5 0 0 9
Irmão 1 1 1 0 2 0 0 0 5
Avó Paterna 0 0 1 0 0 0 1 1 3
Tio Paterno 1 0 0 1 0 1 0 0 3
40 Anos
Tio Paterno 0 0 0 0 0 0 0 0 0
46 Anos
25
20
15
10
0
Ninguém Pai Mãe Gabriel Irmão Avó Tio Tio
Paterna Paterno Paterno
40 Anos 46 Anos
344
Analisando o total de envolvimento do pai do Gabriel com cada elemento da família
(Figura 1) verifica-se um forte envolvimento emocional com a mãe, seguindo-se o próprio
pai, o Gabriel, o irmão, a avó e o tio paterno de 40 anos com um número de afectos reduzido,
ainda que, equivalente e, por último, o tio paterno de 46 anos sem qualquer tipo de item
atribuído. A utilização do Ninguém para a colocação das defesas foi significativa.
8
7
6
5
4
3 Positivos
2 Negativos
1
0
Atendendo aos afectos positivos e negativos emitidos pelo pai do Gabriel (Figura 2)
observa-se um forte envolvimento emocional com a mãe ainda que esta relação se apresente
de forma relativamente ambivalente, o que permite antever conflitos na relação de casal.
Posto isto, a mãe destaca-se como a figura que obteve o maior número de afectos erotizados
como “gosto que esta pessoa da família me beije”, “gostava que esta pessoa da família
estivesse sempre ao pé de mim” e “sinto-me muito próximo(a) desta pessoa da família” que
remetem para uma relação próxima e carinhosa com a mãe. Todavia, no plano negativo
obteve os afectos “é chata”, “fica chateada sem ter razão para isso”, “resmunga demasiado” e
“consegue fazer-me sentir muito irritado(a)” que se associam à percepção de dificuldades na
gestão dos conflitos na relação e irritabilidade emocional em ambas as figuras. A relação com
o irmão e com o tio paterno de 40 anos surge também de forma ambivalente, embora no caso
do primeiro sobressaiam os afectos positivos como “estou muito orgulhoso(a) desta pessoa da
família” face aos negativos “não tem muita paciência”. No caso do tio paterno de 40 anos
345
observa-se o afecto agressivo “apetece-me bater nesta pessoa da família” podendo remeter
para a rivalidade fraterna. A relação com o filho Gabriel é marcada apenas por afectos
positivos como “estou disposto(a) a fazer tudo por esta pessoa da família”. Na relação com a
avó paterna surge apenas um afecto negativo “é desmancha-prazeres” remetendo para
conflitos na relação com esta figura. A auto-estima do pai apresenta-se baixa pela
superioridade dos afectos negativos face aos positivos. Assim, nos afectos negativos
encontram-se: “é demasiado picuinhas”, “irrita-se muito depressa”, “tem mau feitio”, “queixa-
se demais”, “fica zangada demais” e “dá-me a volta ao juízo” que traduzem sentimentos de
inferioridade, culpabilização e irritabilidade emocional. Entre os afectos positivos destaca-se
o afecto forte “gosto de estar sozinho(a) com esta pessoa da família” que remete para o desejo
de autonomização. No Ninguém figuram sobretudo as defesas na linha da negação dos afectos
agressivos inibindo, deste modo, a projecção da agressividade dirigida aos elementos da
família.
9
8
7
6
5
4
3 Positivos
2 Negativos
1
0
Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.
346
Gabriel sobressai como a figura que obteve um maior número de afectos positivos erotizados
“gosta de me beijar”, “gosta de me abraçar”, “quer mesmo o meu amor”, “ama-me muito”,
“quer estar sempre ao pé de mim” remetendo para a percepção de uma relação próxima e
possivelmente constituindo-se como o modelo de identificação sexual masculino para o filho.
A relação com a mãe surge de forma ambivalente, ainda que os afectos positivos como “gosta
de estar sozinha comigo” e “é muito carinhosa comigo” sobressaiam face aos negativos “fica
ressentida comigo”, “gosta de gozar comigo”, “resmunga comigo” e “fica zangada comigo”
reenviando, todavia, para a percepção de uma figura punitiva. A relação com o irmão e o tio
paterno de 40 anos surgem de forma positiva, com os itens “aprecia-me muito” e “aprecia a
minha companhia” associados ao irmão e “gosta mais de mim do que dos outros” atribuído ao
tio paterno, sentindo a sua relação com estas figuras muito valorizada por parte destes
elementos da família. Para o irmão pode representar, ainda, um modelo de identificação
sexual masculino significativo. Por outro lado, a relação com a avó paterna surge dominada
pelos afectos negativos “nem sempre me ajuda quando preciso” e “faz-me sentir sem valor”
remetendo para uma relação insegura e desvalorizada por parte desta figura. Assim, a auto-
estima do pai apresenta-se mais uma vez baixa e dominada por sentimentos de culpabilização
através do item negativo “nem sempre faz o que eu gostaria que fizesse”.
8
6
4
2
0
-2 Emitidos Positivos
-4 Recebidos Positivos
-6 Emitidos Negativos
-8 Recebidos Negativos
-10
347
Atendendo à direcção dos afectos positivos/negativos emitidos e recebidos pelo pai do
Gabriel (Figura 4) observa-se a percepção de um forte investimento na relação com o pai por
parte do Gabriel, ainda que surja de forma idealizada. A relação com a mãe é sentida como
menos valorizada por parte desta figura perante o menor número de itens positivos recebidos
face aos emitidos pelo pai. No plano dos afectos negativos a relação encontra-se
correspondida. O sentimento de correspondência nos afectos positivos é vivenciado na relação
com o irmão e com o tio paterno de 40 anos, ainda que lhes emita afectos negativos sem
receber afectos deste género, podendo sentir-se culpabilizado. Na relação com a avó paterna
registam-se apenas afectos negativos, com maior incidência para os recebidos, podendo
sentir-se bastante desvalorizado nesta relação. A auto-estima do pai apresenta-se baixa e
quanto ao tio paterno de 46 anos não registou qualquer tipo de afectos positivos/negativos
atribuídos. No Ninguém figuram sobretudo os afectos negativos recebidos bloqueando, assim,
a expressão de agressividade dirigida aos elementos da família.
Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 0 0
Pai 2 2
Mãe 1 0
Gabriel 2 0
Irmão 0 1
Avó Paterna 0 1
Tio Paterno 0 1
40 Anos
Tio Paterno 0 0
46 Anos
349
torna-se significativa e pode contrariar a ausência de envolvimento emocional com esta figura
através do recurso a uma forte repressão emocional durante a prova.
Identificação da Criança
Interesses/Actividades
Frequentas alguma actividade desportiva ou cultural (dança, teatro, música, etc.)? Qual?
Fiz Karaté e natação. Vou voltar para a natação.
Amigos
Família
351
Como é a tua mãe?
É amiga, ajuda-me a fazer coisas que eu não consigo. É carinhosa.
Como é que os teus pais se dão um com o outro? O que pensas/sentes com isso?
São amigos. Sinto que se dão bem.
Dormes com alguém ou partilhas o quarto com alguém? Se sim, com quem?
Antes o meu quarto e do meu irmão era uma sala, agora o meu irmão está na sala e
eu no outro lado (dividiram a sala ao meio).
Fantasias/Sonhos/Medos
352
Como preferias ser?
353
Desenho Livre
Inquérito
2) História
Era uma vez uma cidade que poluía muito. Havia muitas fábricas e muito trânsito e
com esse trânsito havia muitos acidentes. Um dia a fábrica principal estava cheia e
teve que deitar lixo pelo cano mas o cano estava ligado ao esgo… ah, a um rio e esse
354
rio ia dar ao mar. O mar ficou todo poluído: peixes mortos, aves doentes, muitos
animais com doenças. Um dia veio um inspector à cidade ver como é que estava tudo,
mas ele não ficou contente. Viu tanta poluição que decidiu ir falar com o presidente:
“ó senhor presidente já viu o que fez à sua cidade, está toda poluída. Você devia parar
as fábricas e devia fazer mais ruas”. O senhor presidente já sabia que aquilo estava a
piorar e disse-lhe assim: “como é que pode fazer isso? Sem termos dinheiro?” o
inspector disse logo: “peça dinheiro aos outros países que eles ajudam”. “Acha?”,
responde o senhor presidente. “Claro que sim”. Então o presidente lá foi fazer isso.
Quando ele chegou à América foi falar com o presidente americano: “senhor
presidente empresta-nos dinheiro para construir novas estradas, tapar as fábricas e
arranjar novas fábricas para tirar lixo do mar?”. “Talvez, você precisa de quanto?”.
“Não sei, muito dinheiro, venha viajar comigo para ver como está a nossa cidade”.
Quando eles chegaram lá passados dois dias o presidente ficou espantado com aquela
cidade e respondeu: “a cidade está mesmo muito poluída, está cheia de acidentes, só
tem uma estrada principal, está sempre a deitar resíduos, você precisa mesmo de muito
dinheiro”. Então todos os presidentes do mundo emprestaram a mesma quantia de
dinheiro para arranjarem aquela cidade. Muitas pessoas e de outras nacionalidades
também ajudaram. Primeiro taparam as fábricas e mandaram vir uns 500 barcos para
tirarem os resíduos do mar, depois tiveram a construir uma estrada nova (acrescenta
no desenho). E depois de tudo isso feito começávamos a ver outra vez o sol e foi assim
que uma cidade super poluída tornou-se numa cidade super limpa.
Análise da prova
1º Desenho
356
Inquérito
E uma má recordação?
Não vai ver alguns amigos porque não vão para a escola que ele vai.
358
2º Desenho
Inquérito
359
E o dia mais triste?
Quando partiu a perna.
E uma má recordação?
Quando o irmão morreu.
Análise da prova
361
professores e a possibilidade de desenvolver outras relações, obter novas experiências. Assim,
observa-se um desejo de crescer, evoluir e autonomizar-se “Qual é o seu maior desejo?
Aprender coisas novas”, encontrando uma resolução adequada para a sua problemática: “ele
gostou muito daquela escola, mas ele tinha que mudar de escola para aprender coisas novas. E
assim se aprende novas coisas, mesmo ficando tristes ou contentes por sairmos da antiga
escola”. Torna-se, ainda, relevante mencionar a existência de uma identificação sexual ao
imago paterno e uma recusa dos aspectos negativos como enunciar três defeitos e o que faz
zangar a figura em causa, impedindo a expressão agressiva.
No que concerne à segunda figura apresenta alguns aspectos menos esperados face à
idade do Gabriel como um insuficiente número de dedos numa das mãos e a ausência de
pescoço. Trata-se de uma figura na qual surge representado o desejo de ser pequeno, pela
atribuição do dia mais feliz ao dia de nascimento. Sobressaem, ainda, alguns afectos
depressivos associados à morte (do irmão) decorrente de um acidente de viação e à
dificuldade em fazer o luto e separar-se do objecto amado, carência e necessidade de cuidados
através da perna partida. Mais uma vez, observa-se uma defesa na linha da recusa dos
aspectos negativos que bloqueiam a expressão agressiva. A figura é identificada com o imago
materno.
Desenho da Família
362
Inquérito
1) Quem são essas pessoas que desenhas-te, como se chamam e que idade têm? (da
esquerda para a direita)
André, 10 anos, filho;
Luísa, 38 anos, mãe;
Afonso, 15 anos, filho;
Francisco, 40 anos, pai – “este parece-se mesmo com o meu pai, mas tá mesmo quase
igual ao meu pai”.
7) Se fossem todos dar um passeio de carro mas não houvesse lugar para uma
pessoa, quem ficaria em casa? Porquê?
Era o pai ou a mãe. Mas se o Afonso não quisesse ir ficava em casa. (conta-me que
quando vão de férias ele e o irmão levam muitas bagagens em cima). Se quisesse
podia ficar (acrescenta o sol ao desenho).
8) Se alguém não se tivesse comportado bem quem seria? Como seria castigada?
Quem é que dava o castigo?
Afonso. Ficava uma semana sem Playstation e pc e se fosse mais vezes, ficava mais
tempo. A mãe ou o pai.
(?) A mãe.
9) Se pudesses mudar alguma coisa no teu desenho o que é que mudarias? Porquê?
Não mudava nada. Porque o desenho está bem feito.
Análise da prova
Análise inter-individual
Perfil de Itens
Intensidade do Item
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27
Itens
366
O Gabriel colaborou ao longo da passagem da prova TRF sem realizar comentários
verbais, nem manifestar a necessidade de suporte ou apoio por parte da observadora. Manteve
um comportamento estável, controlado e concentrado na prova. Destaca-se, particularmente, a
ordenação das figuras na mesa: irmão, mãe, pai, Gabriel.
Ao observar a Tabela 1 verifica-se que o Gabriel decidiu incluir na prova apenas as
figuras pertencentes à família nuclear: Gabriel, pai, mãe e irmão. O recurso à defesa foi muito
significativo através da colocação dos afectos negados, sobretudo de cariz negativo na
personagem Ninguém, reprimindo a agressividade dirigida aos elementos da família. Verifica-
se, assim, um elevado grau de neuroticismo no funcionamento do Gabriel.
35
30
25
20
15
10
0
Ninguém Gabriel Pai Mãe Irmão
367
16
14
12
10
Positivos
8
Negativos
6
0
Ninguém Gabriel Pai Mãe Irmão
Na análise dos afectos positivos e negativos emitidos pelo Gabriel (Figura 2) sobressai
um forte mecanismo defensivo através da atribuição sobretudo dos afectos de cariz negativo
na figura Ninguém, o que permite bloquear a expressão de agressividade sobre os elementos
da família e idealizar as relações com estas figuras. A colocação no Ninguém dos itens
“gostava de poder dormir na mesma cama com esta pessoa da família” e “gostava que esta
pessoa da família gostasse mais de mim do que dos outros” reenvia para o desejo de
autonomização no Gabriel. Posto isto, no plano dos afectos emitidos a figura que mais se
destaca é o pai obtendo também um maior número de afectos positivos erotizados nos quais se
destaca a atribuição do item “quando me casar gostava que fosse com uma pessoa parecida
com esta pessoa da família” apenas associado ao pai, o que pode remeter para o sentimento de
admiração do pai, podendo constituir-se como um modelo de identificação para o filho. O
afecto negativo emitido pelo Gabriel ao pai e à mãe foi “é chata”, sendo a mãe a figura que se
segue no âmbito do maior número de afectos emitidos pelo Gabriel, registando os mesmos
afectos erotizados que o pai, com excepção do item supramencionado. Com o irmão sobressai
o afecto positivo “gosto de abraçar esta pessoa da família” associando-se a uma relação
carinhosa, ainda assim, os afectos negativos “tem mau feitio” e “não tem muita paciência”
permitem antever conflitos nesta relação que podem ligar-se à rivalidade fraterna. A auto-
estima do Gabriel apresenta-se positiva.
368
14
12
10
8
Positivos
Negativos
6
0
Ninguém Gabriel Pai Mãe Irmão
Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.
369
15
10
5
Emitidos Positivos
Recebidos Positivos
0
Emitidos Negativos
-5 Recebidos Negativos
-10
-15
Ninguém Gabriel Pai Mãe Irmão
370
Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de dependência (superprotecção
materna e superindulgência paterna/materna).
O recurso à figura Ninguém foi utilizado para a colocação dos afectos negados
sobretudo de cariz negativo reprimindo, assim, a agressividade dirigida aos elementos da
família. Observa-se um elevado grau de neuroticismo no funcionamento psíquico do Gabriel.
A recusa/negação dos afectos erotizados pode reenviar para o desejo de autonomização.
A auto-estima do Gabriel apresenta-se de forma positiva, ainda que o número elevado
de itens de dependência concentrado sobre si reenvie para uma atitude egocêntrica e
regressiva, assim como, para o desejo de protecção materna e de atenção por parte de ambos
os pais.
Com o pai a relação surge de forma idealizada e observa-se um forte investimento
positivo do Gabriel nesta relação, ainda que não se sinta correspondido, podendo sentir-se
pouco valorizado pela figura paterna que é simultaneamente percepcionada como punitiva.
Ainda assim, o pai parece constituir-se como o modelo de identificação do Gabriel.
A relação com a mãe é idealizada e percepcionada como fortemente investida por
parte da figura materna, podendo associar-se ao desejo de manter uma forte dependência
371
emocional com o Gabriel. Ainda assim, a mãe é sentida como punitiva. O Gabriel rivaliza
com esta pela atenção/protecção do pai.
A relação com o irmão é sentida como desvalorizada por parte desta figura,
rivalizando com o irmão pela protecção materna.
As Aventuras de Pata-Negra
1ª Etapa – Frontispício
PN:
Porque tem a pata negra. Menino. Tem 4 Anos.
Dois porquinhos:
Irmãos, 2 meninos. Esquerda – 2 Anos; Direita – 3 Anos.
Porcos Grandes:
Em cima – pai, 6 Anos.
Em baixo – mãe, 8 Anos.
2ª Etapa – Os Temas
Sonho Pai
Era o Pata Negra que estava a sonhar com o pai. Ia buscar o filho que estava a ser
apanhado pelo caçador, mais nada.
(?) Conseguiu salvá-lo.
372
Num cartão que reenvia para a relação com o imago paterno o Gabriel projecta uma
situação de perigo na qual o pai intervém como protector, podendo idealizar a figura paterna.
Sonho Mãe
Era o Pata Negra a sonhar com a mãe. E… ele descobriu no seu sonho que a mãe é
que lhe fez a pata negra porque ela também tinha uma mancha negra.
Ganso
Isto é o PN? É que a pata negra pode estar do outro lado. Este é o irmão é o de 2
anos. O irmão dele estava a brincar com o outro irmão de 3 anos, quando veio um grande
pato e então o porquinho pequenino tentou fugir mas o pato pegou-lhe na cauda. Quando o
irmão de 3 anos viu isto foi logo morder-lhe e o pato aleijado fugiu logo. Já tá tudo.
Batalha
O PN está a fazer uma briga com o irmão de 3 anos e o irmão de 2 anos estava lá no
meio deles, fugiu logo para o pé dos pais e foi dizer aos pais. Os pais quando viram aquilo
foram logo a correr para o meio deles e separaram-nos. O irmão do meio ficou coxo, e o PN
ficou sem ver de um lado e ficou com a orelha toda inchada. Tá tudo.
373
Como terminam as aventuras?
Acabou sempre bem, uns aleijados, outros contentes. Houve brigas e um pato
descarado a tentar roubar um porquinho mas tudo acabou bem porque os seus irmãos e o PN
querem sempre ajudar os outros quando não há brigas.
(Não quer contar mais histórias, não lhe interessa mais nenhuma).
3ª Etapa – Preferências-identificações
Ganso
A1) Porque é engraçado. O porquinho de 3 anos (o que está a ver).
Pequena Escada
A2) Porque o PN está a aprender a escalar, a subir uma árvore. Gostava de ser o
esquilinho.
Não aborda o conteúdo latente do cartão que remete para a função de holding de uma
das figuras parentais e evita identificar-se ao herói da história recusando, possivelmente, o
carácter transgressor que a cena veicula.
Batalha
A3) Porque andam à briga e os pais vão resolvê-la. O pai.
Mamada 2
A5) Gosto do PN primeiro que os irmãos porque o PN está a beber o leite da mãe e os
irmãos ficaram cheios de inveja. O PN.
Brincadeiras Sujas
A6) Porque tens os porquinhos na água e sem querer sujaram o pai e ele ficou super
irritado. Aqui não consigo bem ver quem é o PN porque esta água está toda preta. O que
está a atirar a água, PN.
Ninhada
A7) Porque a mãe do PN tem mais porquinhos e os homens estão a aconchegá-la. Um
porquinho pequenino, tanto faz, são todos iguais.
Num cartão que reenvia para o fenómeno do nascimento num contexto de rivalidade
fraterna, o Gabriel faz uma identificação regressiva com um dos irmãos mais pequenos, o que
permite anular a reacção agressiva (rivalidade fraterna) e projectar, assim, o desejo de uma
aproximação exclusiva à figura materna.
Beijo
A8) Porque é o pai a beijar a mãe do PN. O PN.
O Gabriel acede ao conteúdo latente do cartão que remete para o conflito edipiano.
375
Sonho Mãe
A9) Porque o PN está a sonhar com a mãe. O PN.
Sonho Pai
A10) Porque o PN está a sonhar com o pai. Pai, para não repetir.
Reconhece o simbolismo do cartão que remete para a relação com o imago paterno,
optando por se identificar a esta figura.
Cabra
A11) O PN está a beber leite de uma cabra em vez de beber leite da sua mãe e ele
pensava que era a sua mãe. O PN.
O Gabriel acede ao conflito imposto simbolicamente pelo cartão que reenvia para a
relação com um substituto materno.
Mamada 1
A12) A mãe está a dar leite ao PN. O PN.
O Gabriel revela-se sensível aos cartões de fundo negro, o que pode associar-se ao
experienciar da angústia depressiva.
Noite
nA1) Porque se vê mal, não se percebe o que está ali fora.
Punha-a de dia. O sol. (?) A lua então (afasta logo o cartão após responder-me a cada
uma destas questões).
376
Num cartão onde o conteúdo latente remete para a curiosidade sexual e fantasmas da
cena primitiva o Gabriel não reconhece ou evita confrontar-se com esta temática sobressaindo
a forte reacção à tonalidade preta do cartão, o que se associa à angústia depressiva procurando
evitar e negar esta vivência através de modalidades antidepressivas como o sol (não figura no
cartão), lua (fonte de luz) e afastando rapidamente o cartão.
Buraco
nA2) O PN não vê nada e está preso, não consegue sair.
Mudava o PN conseguisse sair e haver sol. O PN já salvo.
Num cartão que reenvia para a temática da solidão num contexto de perigo o Gabriel
revela-se, uma vez mais, hipersensível ao tom preto do cartão, o que pode traduzir um
equivalente de afecto depressivo, recorrendo às defesas antidepressivas na linha da recusa
maníaca “haver sol” para lidar com este conflito.
Hesitação
nA3) O PN não sabe para onde ir, se ir para a mãe beber leite ou ir para o pai comer.
Que todos fizessem a mesma coisa juntos. A mãe.
Partida
nA4) Porque o PN está perdido.
Que ele soubesse o caminho de volta. Uma árvore.
Carroça
nA5) Porque o PN está a sonhar que está a ser separado dos pais.
O PN conseguisse fugir. O senhor, estes porquinhos aqui (dentro da carroça) não
gostava…
377
O Gabriel reconhece a angústia de separação, não se identificando ao PN de forma a
evitar o confronto com a vivência desta angústia.
Noite
Parece que vejo uma ovelha aqui e depois a mãe a dormir e depois vê-se o PN a
olhar.
378
6) Cartão Fada:
Desejo 1: Queria que o pai se zangasse menos.
Desejo 2: Queria que os irmãos obedecessem a ele.
Desejo 3: Queria ter mais três desejos, tou a brincar. Gostava que a mãe desse mais
miminhos a ele do que aos outros.
“Na Vila Moleza (desenhos animados) ele pede sempre mais três desejos quando
aparece a fada e assim tem sempre mais desejos”.
Preferências-identificações
Os Temas Preferências Identificações
Cartões Aceite (A)/Não Agradável Assumida Total
Aceite (nA) (A)/Não (A)/Não
Agradável (nA) Assumida (nA)
Bebedouro nA A A 2A
Beijo nA A A 2A
Batalha A A nA 2A
Carroça nA nA nA 3nA
Cabra nA A A 2A
Partida nA nA nA 3nA
Hesitação nA nA nA 3nA
Ganso A A nA 2A
Brincadeiras nA A nA 1A
Sujas
Noite nA nA nA 3nA
Ninhada nA A nA 1A
Sonho Mãe A A A 3A
Sonho Pai A A nA 2A
Mamada 1 nA A A 2A
Mamada 2 nA A A 2A
Buraco nA nA A 1A
379
Pequena nA A nA 1A
Escada
Durante a passagem da prova Pata Negra o Gabriel manifestou uma conduta estável,
controlada e concentrada, com excepção da fase final da prova, mais precisamente na 5ª Etapa
intitulada “Questões de Síntese”, na qual, manifestou um comportamento mais agitado,
balanceando a cadeira.
Perante a análise dos resultados constantes na tabela verifica-se uma maior censura
dos cartões associados às temáticas do tema edipiano (Ninhada e Noite), rivalidade fraterna
(Carroça, Hesitação e Ninhada) e ligados à vivência de abandono e solidão face ao confronto
com a angústia de separação e depressiva (Partida, Buraco e Carroça) podendo remeter para
dificuldades na resolução destas problemáticas. Os mecanismos defensivos que se destacam
são a negação, recalcamento, evitamento, formação reactiva, idealização e recusa maníaca.
A representação do desejo de uma aproximação exclusiva à figura materna e a
rivalidade face à figura paterna permitem auferir dificuldades na resolução do conflito
edipiano. Todavia, a instância superegóica encontra-se integrada e a agressividade projectada
é, em seguida, recalcada de forma a controlar a sua expressão, desencadeando também
culpabilidade pelo retorno da agressividade sobre si (no contexto da rivalidade fraterna).
Aparentemente a diferenciação de gerações e sexos parece assegurada. O Gabriel revela-se
sensível aos cartões de fundo negro, o que pode associar-se ao experienciar da angústia
depressiva recorrendo às defesas antidepressivas na linha da recusa maníaca “haver sol” para
lidar com este conflito. A temática de abandono e solidão face ao confronto com a angústia de
separação revela-se também difícil de experienciar para o Gabriel, não se identificando ao
personagem da história de forma a evitar o confronto com esta angústia.
A figura materna é representada de forma idealizada e pouco frustrante, identificando-
se com a mãe. Surge como a figura dominante na família.
A figura paterna é percepcionada como uma figura protectora.
Na relação com os irmãos destaca-se a rivalidade fraterna sobretudo face ao desejo de
ocupar um lugar próximo e privilegiado na relação com a figura materna.
380
Anexo R: Tabela de Resultados
381
espontaneidade. Vocabulário muito
rico;
- Confusão e lentificação do
pensamento;
- Conduta agitada, pouco controlada e
dispersa. Cansado;
- Ansiedade de separação dos pais;
- Angústia forte, muito triste e em
desassossego permanente.
Mariana Feminino 9 Anos e 4º Ano - Demasiado fácil;
9 Meses - Sedutor;
- Necessidade de agradar;
- Comunicativa e expressiva, verbalizou
espontaneamente;
- Manteve contacto ocular, olhar triste e
ávido;
- Auto-estima baixa;
- Insegurança;
- Ansiedade de separação dos pais;
- Necessidade de atenção, apoio,
cuidado e afecto constantes;
- Conduta agitada;
- Imaturidade: risos frequentes e
linguagem típica de bebé.
Gabriel Masculino 10 Anos 4º Ano - Inibido;
e4 - No decorrer das sessões maior à
Meses vontade;
- Verbaliza espontaneamente;
- Conduta estável, controlada e
concentrada;
- Necessidade de ser cuidado.
382
Período
Caso Origem Motivo do Acompanhamento de Trata Psicotrópi
do Pedido Pedido/Sintomas /Frequência -mento -cos
Tomé Hospital - Ansiedade; - Consultas 8 Meses Não
da Grande - Dificuldades de terapêuticas de e 15 dias.
Lisboa aprendizagem; frequência
- Cefaleias; semanal;
- Teve encoprese - Consultas
secundária. terapêuticas com os
pais.
Isabel Consulta - Ansiedade; - Consultas 2 Meses Não
de - Medos: terapêuticas de
Psicologia Animais, ladrões, frequência
de palhaços, deitar- semanal;
Hospital se sozinha, - Consultas
da Grande acidentes, do terapêuticas com os
Lisboa perigo. pais.
João Médico de - Hiperactividade; - Consultas 8 Meses Concerta
Família do - Défice de terapêuticas de 18mg
Centro de atenção; frequência Comprimidos
Saúde - Dificuldades quinzenal;
escolares; - Consultas
- Baixa auto- terapêuticas com os
estima; pais.
- Somatizações:
broncoespasmos
asma não
alérgica,
problemas de pele
(estrófulos),
estereotipias
faciais.
Mariana Médico de - Dificuldades de - Consultas 7 Meses Risperdal
Família do concentração e terapêuticas de solução oral
383
Centro de aprendizagem na frequência
Saúde escola. quinzenal;
- Consultas
terapêuticas com os
pais.
Gabriel Consulta - Dificuldades - Consultas 2 Meses Não
hospitalar alimentares com terapêuticas de
de anorexia frequência
pneumolo selectiva; quinzenal;
-gia - Tem asma e - Consultas
pediátrica rinite. terapêuticas com os
pais.
384
Anos. - O pai viveu em França dos 5 aos 8 anos da
Mariana, por motivos de trabalho;
- Pai desempregado;
- Mãe dorme no sofá da sala.
Gabriel - Mãe, 39 Anos; Classe - Os pais são ex-toxicodependentes;
- Pai, 39 Anos; III - A mãe deixou de consumir pelo meio-irmão do
- Meio-Irmão, (Média) Gabriel quando este tinha 5 anos;
18 Anos (da - O Gabriel desconhece o passado
parte da mãe); toxicodependente dos pais;
- Gabriel, 10 - O meio-irmão do Gabriel é problemático,
Anos. isolando-se;
- A mãe tem Hepatite C;
- A mãe teve anorexia nervosa aos 20 anos;
- O avô paterno faleceu aos 7 anos do pai.
Figura Materna
Caso Auto-estima Relação Conjugal
Tomé - Baixa; - Dificuldades associadas ao sentimento
- Insegurança; de carência de apoio, compreensão e
- Sentimentos de inferioridade; pouco envolvimento nas funções
- Culpabilização; conjugais/parentais do pai. Mas também
- Sente-se desvalorizada e insegura na aos sentimentos de insegurança e
relação com os elementos exteriores à culpabilidade por parte da mãe;
família biológica; - Pai: autoritário, punitivo (associando
Isabel - Muito dependente e pouco ao ambiente familiar no qual se
autonomizada da relação com a sua desenvolveu) e dependente da protecção
figura materna e da própria família de da mãe, podendo remeter para uma
origem; percepção desvalorizada desta figura.
- Defesas: idealização e negação;
- Hipótese de funcionamento
depressivo.
João - Sobressaem os afectos positivos; - Idealização dos afectos positivos
- Culpabilização na relação com o emitidos;
João; - Sente-se desvalorizada;
385
- Projecta pulsões agressivas sobre os - Conflitos na relação de casal
elementos da família; associados a insegurança, dificuldades
- Defesas: negação e idealização. na gestão e resolução dos conflitos, na
comunicação e na demonstração de
afectos “dificuldades à frente das partes
boas”;
- Pai: passivo, sentimentos de
incompetência/fraqueza com
dificuldades na adaptação social, em
exprimir os seus sentimentos e
insuficiência de auxílio à família.
Mariana - Baixa; - Culpabiliza-se pela agressividade
- Sentimentos de Inferioridade; dirigida ao pai;
- Culpabilização; - Sente-se bastante desvalorizada e
- Irritabilidade; pouco correspondida face aos seus
- Dificuldades na resolução dos sentimentos e necessidades;
conflitos; - Dificuldade na resolução dos
- Forte dependência; problemas;
- Carência de protecção; - Falta de confiança na relação;
- Grau elevado de neuroticismo - Falta de compreensão e apoio do pai;
marcado pela negação dos afectos - Tendência paranóide no
negativos e dos afectos erotizados; funcionamento psicológico da mãe;
- Diminuída disponibilidade - Dependente do pai.
emocional, alheando-se do contacto
com os outros devido ao sentimento de
insegurança e desconfiança face aos
elementos da família;
- Hipótese de funcionamento
depressivo.
386
Gabriel - Baixa; - Maior investimento afectivo por parte
- Sentimentos de inferioridade; do pai;
- Culpabilização; - Conflitos e insegurança na relação de
- Irritabilidade emocional; casal motivados por dificuldades na
- Defesas: negação; gestão dos conflitos e no controlo dos
- Percepção negativa e insegura da impulsos agressivos por parte da mãe;
família. - Sente que a família obedece a um
matriarcado familiar à semelhança da
sua família de origem.
Figura Materna
Relação da
Caso Relação Mãe/Criança Relação Relação Criança com
Mãe/Irmão Fraterna Outras Figuras
Relevantes
Tomé - Dependente; Pais: Pais:
- Idealizada; - Próxima; - Relação com o
- Providencia protecção - Rivalidade avô materno:
e cuidado; fraterna; atitude submissa
- Tomé: preocupa-se - Tomé: mais e passiva do
com a mãe. Inibido. dependente da avô, provocação
protecção e desafio da
materna e autoridade do
tende a avô no Tomé.
Isabel - Dependente; proteger a Pais:
- Idealizada; irmã; - Contacto fácil;
- Desperta afectos - Isabel: menos - Sedutor;
agressivos na mãe e dependente, - Necessidade de
irritabilidade; defende-se agradar;
- Culpa por projectar os sozinha, mais - Forte angústia
seus medos internos na astuta. de separação
filha, não representando mesmo de
um modelo de adultos com os
contenção e segurança quais não tem
387
para a Isabel; contacto
- Pais: Necessidade da frequente.
Isabel agradar à mãe.
João - Idealizada; - Idealizada; Pais: Pais:
- Culpabilizada; - Forte - Rivalidade - Avós paternos
- Carência de afecto na envolvimento fraterna no e maternos:
relação; emocional; João; atitude
- Forte ligação e - Afectos - O João apoia desafiante;
dependência materna da negativos podem e protege a - Tio materno:
parte do João; remeter para a irmã. figura masculina
- Afectos de rejeição do necessidade de de referência
João associados ao separação para o João,
desejo de transgressão emocional do embora não
do espaço materno; espaço materno mantenham um
- João: elemento da por parte da irmã. contacto
família que carece de frequente.
maior protecção.
Elevada atribuição de
sentimentos de
incompetência/fraqueza
ligados a dificuldades
em lidar com as
adversidades e na
adaptação social.
Mariana - Idealizada; - Idealizada; Pais: Pais:
- Próxima; - Próxima; - Afectiva; - Carente;
- Culpabilizada; - Carinhosa; - Rivalidade - Necessidade de
- Não tem paciência; - Sente-se menos fraterna por agradar e de
- A mãe está “doente”; valorizada por parte da atenção
- Mariana: estabelece parte do irmão. Mariana. constante.
uma forte dependência - Culpabilização;
emocional consigo. - Irmão:
Uma das figuras mais dificuldades na
dependentes e que adaptação social e
388
carecem de maior na gestão dos
protecção na família. conflitos com os
outros.
“Preguiçoso”.
Gabriel - Satisfatória; - Fortemente Pais: Pais:
- Correspondida; desvalorizada e - Rivalidade - Avó paterna:
- Culpabilizada; insegura; fraterna; “é uma segunda
- Forte dependência - Irmão: falta de - Irmão: mãe”;
emocional entre mãe e apoio à mãe. provocativo e - Avó e tio de 40
filho; Atitude punitiva e pouco anos paternos:
- Desejo de proteger o agressiva; tolerante para muito próxima;
Gabriel. - Conflitos o Gabriel. - Avós
acentuados maternos: não
associados a uma lhe fazem todas
dificuldade na sua as vontades
gestão por ambas “gosta de estar
as partes, com com eles na
irritabilidade quantidade
emocional no certa”.
irmão e
dificuldade no
controlo dos
impulsos
agressivos por
parte da mãe.
Figura Materna
Caso Relação com a Família de Origem Materna Relação com a Família
de Origem Paterna
Tomé - Idealizada; - Sente-se pouco
- Pouca autonomia emocional; valorizada;
- Avó materna: relação próxima e dependente. Relação - Tia paterna (esposa do
mais satisfatoriamente correspondida; tio): atribui-lhe
Isabel - Avô materno: dependente dos cuidados da mãe, sentimentos de
389
podendo remeter para uma desvalorização do avô; incompetência/fraqueza;
- Tio materno: rivalidade fraterna, carência de apoio e - Avó paterna: apenas
desvalorização por parte do tio; recebe afectos
- Tia materna (esposa do tio): desvalorização por parte agressivos da avó, não
da tia; se sente aceite.
- Pais: avó permissiva para os netos, estimula pouco a
autonomia.
João Percepção muito distinta das suas figuras parentais:
- Avô materno: fraco envolvimento emocional.
Idealizada quanto aos afectos positivos recebidos por
parte deste;
- Avó materna: muito próxima e dependente. Desejo
da avó prolongar a relação de dependência com a mãe.
Relação conflituosa pelos sentimentos de rejeição e
agressivos emitidos pela mãe através do desejo de
separação e maior autonomia emocional. Relação com
avó: autoritária, pouco afectuosa, punitiva, insegura e
depreciativa “antes fazia comparação para os aspectos
negativos”.
Mariana - Avô materno: próxima, carinhosa e correspondida. O Avó paterna: menos
avô materno mantém uma dependência emocional face valorizada por parte da
à mãe, necessitando da sua protecção. A mãe sente-se avó. A avó é sentida
culpabilizada; como punitiva, ainda
- Tio materno: sente-se desvalorizada. que apoie a mãe. Um
dos elementos da
família mais
dependentes e que
necessitam de maior
protecção.
Gabriel - Avó materna: forte envolvimento emocional positivo
correspondido com sentimento de dependência mútua,
idealização e desejo de protecção da avó;
- Avô materno: sente-se desvalorizada. Conflitos
associados a sentimentos de insegurança, falta de
390
apoio e punição dirigidos à mãe. Dificuldades na
gestão destes conflitos e no controlo dos impulsos
agressivos por parte da mãe;
- Tia materna: sente-se desvalorizada. Conflitos
associados à dificuldade na sua gestão por ambas as
partes manifesta através de irritabilidade emocional,
dificuldades de adaptação social e uma atitude
punitiva na tia paterna, assim como, dificuldade no
controlo dos impulsos agressivos na mãe. Rivalidade
fraterna.
Figura Paterna
Caso Auto-estima Relação Conjugal
Tomé - Elevado grau de neuroticismo, forte - Valoriza pouco a relação de casal;
bloqueio da agressividade sobre os - Sente-se desvalorizado;
elementos da família; - Conflitos na relação de casal “por má
- Defesas: negação e idealização. interpretação das coisas”;
Isabel - Mãe: pouco tolerante, insegura e com
irritabilidade emocional. Transmite
pouco afecto e erotização à relação;
- Desejo de proteger a mãe.
João - Baixa; - Idealiza os afectos positivos emitidos;
- Insegurança; - Sente-se desvalorizado;
- Sentimentos de inferioridade; - Conflitos na relação de casal
- Irritabilidade; associados ao sentimento de
- Culpabilização; insegurança e à percepção da mãe como
- Dificuldades em lidar com os uma figura dominante e punitiva,
problemas; podendo sentir-se inferiorizado e
- Elevado grau de neuroticismo pela castrado, submetendo-se ao matriarcado
forte negação da expressão de familiar.
agressividade sobre os membros da
família e recurso à idealização;
- Hipótese de funcionamento
depressivo.
391
Mariana - Positiva; - Idealizada;
- Culpabilização face à percepção de - Mãe: punitiva, com irritabilidade
uma diminuída disponibilidade e apoio emocional e com dificuldades em lidar
à família; com os conflitos, resultando em
- Elevado grau de neuroticismo; insegurança na relação de casal.
- Defesas: negação e idealização. Fortemente dependente. A figura que
mais carece de protecção,
transparecendo uma fragilidade
emocional elevada.
Gabriel - Baixa; - Sente-se pouco valorizado;
- Sentimentos de inferioridade; - Próxima;
- Culpabilização; - Carinhosa;
- Irritabilidade emocional; - Conflitos na relação de casal
- Desajustamento social; associados à dificuldade na sua gestão e
- Forte dependência; irritabilidade emocional em ambas as
- Carece de protecção; figuras parentais;
- Desejo de obter uma maior - Mãe: punitiva e carente de protecção.
autonomia emocional;
- Defesa: negação.
Figura Paterna
Relação da
Caso Relação Pai/Criança Relação Relação Criança com
Pai/Irmão Fraterna Outras Figuras
Relevantes
Tomé - Idealizada; Pais: Pais:
- Correspondida; - Próxima; - Relação com o
- Tomé: pouco tolerante - Rivalidade avô materno:
à frustração, fraterna; atitude submissa
“deprimido” e passivo. - Tomé: mais e passiva do
- Pais: o Tomé sente o dependente da avô, provocação
pai punitivo temendo a protecção e desafio da
repreensão dos seus materna e tende autoridade do
erros. a proteger a avô no Tomé.
392
Isabel - Idealizada; irmã; Pais:
- Correspondida; - Isabel: menos - Contacto fácil;
- Isabel: contacto fácil e dependente, - Sedutor;
sedutor com o pai. defende-se - Necessidade de
Muito reservada e sozinha, mais agradar;
receosa face à atitude astuta. - Forte angústia
firme do estilo parental de separação
do pai; mesmo de
- Pais: a Isabel adultos com os
estabelece apenas com quais não tem
o pai um discurso contacto
imaturo para a idade. frequente.
João - Próxima; - Pouco Pais: Pais:
- Idealizada; envolvimento - Rivalidade - Avós paternos
- Culpabilização; afectivo; fraterna no João; e maternos:
- Dificuldades em lidar - Afectos - O João apoia e atitude
com os conflitos; erotizados; protege a irmã. desafiante;
- Pai: autoritário e - Dependência - Tio materno:
punitivo para o filho; afectiva. figura masculina
- João: valoriza e de referência
investe na relação com para o João,
o pai, identificando-se embora não
com a figura paterna no mantenham um
sentimento de contacto
incompetência/fraqueza. frequente.
Mariana - Idealizada; - Idealizada; Pais: Pais:
- Mariana: atitude - Irmão: - Afectiva; - Carente;
sedutora e de rivalidade dependente. - Rivalidade - Necessidade de
pela atenção do pai. Necessita de fraterna por agradar e de
Emocionalmente protecção. parte da atenção
dependente. Carece de Mariana. constante.
protecção.
Gabriel - Idealizada; - Correspondida; Pais: Pais:
- Culpabilização; - Satisfatória; - Rivalidade - Avó paterna:
393
- Forte investimento por - Irmão: deveria fraterna; “é uma segunda
parte do Gabriel prestar mais - Irmão: mãe”;
podendo constituir-se apoio e provocativo e - Avó e tio de 40
como o modelo de protecção à pouco tolerante anos paternos:
identificação sexual família. para o Gabriel. muito próxima;
masculino para o filho; - Avós
- Gabriel: forte maternos: não
dependência. Carece de lhe fazem todas
protecção. as vontades
“gosta de estar
com eles na
quantidade
certa”.
Figura Paterna
Relação com
Caso a Família de Relação com a Família de Origem Paterna
Origem
Materna
Tomé - Pais: avó - Avó paterna: elevada dependência emocional face a esta figura.
permissiva Desejo de a proteger. É percepcionada como rígida, autoritária,
para os netos, emocionalmente independente, exigindo receber mais afecto do
estimula que aquele que disponibiliza à família;
Isabel pouco a - Tio paterno: elevado grau de envolvimento afectivo, depende
autonomia. muito desta figura. Sente-se desvalorizado;
- Tia paterna (esposa do irmão) e primos gémeos (sobrinhos do
pai): idealizada e pouco correspondida.
João - Culpabilização face à autonomização decorrente da saída de
casa dos pais, remetendo para dificuldades acentuadas no
processo de separação/individuação na relação com a avó;
- Avó paterna: dependência;
- Avô paterno: relação autoritária, pouco afectuosa e assente na
falha de valorização narcísica “não atingi o que o meu pai quis”;
- Actualmente os avós paternos encontram-se em processo de
394
divórcio e o pai “não está a lidar bem com esse facto”.
Mariana - Avó paterna: idealizada. Sente a avó punitiva ainda que
emocionalmente dependente do pai;
- Tia paterna: idealizada. Menos significativa do ponto de vista
do envolvimento emocional. Associa sentimentos de
fraqueza/incompetência à tia.
Gabriel - Avó paterna: relação negativa, insegura e conflituosa. Sente-se
desvalorizado e pouco apoiado/protegido pela avó;
- Tio paterno de 40 anos: relação satisfatória. Dificuldades na
gestão dos conflitos por parte do tio. Rivalidade fraterna.
Criança
Caso Auto-estima Relação Mãe/Criança
Tomé - Insegura; - Fantasias edipianas;
- Culpabilizada; - Forte idealização;
- Emocionalmente dependente - Elevado grau de dependência;
de ambos os pais, com - Sente que a mãe centra a sua atenção nele,
destaque para a figura materna; seguindo-se a irmã e, por último, surge o pai
- Mecanismos de defesa: com pouca indulgência materna;
idealização, evitamento, - Desejo de autonomização da mãe;
recalcamento, negação e - Desprotecção;
formação reactiva. - Carência;
- Função de apoio precária, necessitando a
própria mãe de um auxiliador na sua função
materna e de contenção.
Isabel - Insegura; - Desejo de agradar à mãe;
- Forte dependência das figuras - Procura da protecção e indulgência materna;
parentais, nomeadamente dos - Forte idealização e dependência emocional da
cuidados e protecção maternos; mãe;
- Mecanismos de defesa: - Afectos negativos recebidos da mãe;
deslocamento, idealização, - Mãe: “chateada, triste, aleijada”, dependente.
formação reactiva, negação, Centra a sua atenção apenas nos filhos.
evitamento e recusa.
João - Baixa; - Mãe: punitiva, autoritária e pouco disponível
395
- Sentimentos de inferioridade; para as suas necessidades afectivas.
- Pessimismo;
- Insegurança;
- Indecisão;
- Auto-exigência;
- Culpabilização;
- Dependente e carente da
protecção/apoio/atenção
parental, com poucos recursos
internos para se defender;
- Mecanismos de defesa:
mania, evitamento, formação
reactiva, negação,
racionalização,
intelectualização,
sobreinvestimento da realidade
perceptiva e recusa. Grau
acentuado de neuroticismo.
Mariana - Baixa; - Culpa;
- Sentimentos de inferioridade; - Carência;
- Culpabilização; - Abandono;
- Tendência regressiva: atitude - Insegurança;
egocêntrica e dependente - Aspectos fóbicos e agressivos num contexto
procurando valorizar-se através regressivo que pode remeter para a relação pré-
do forte desejo de protecção genital com o materno;
materna e de atenção por parte - Falha narcísica acentuada;
de ambos os pais; - Angústia depressiva;
- Falha narcísica acentuada; - Mãe: dependente. Rivaliza com a mãe pela
- Grau considerável de atenção do pai.
neuroticismo;
- Mecanismos de defesa:
idealização, recusa maníaca,
negação, evitamento, formação
reactiva e recusa.
396
Gabriel - Baixa; - Idealizada;
- Tristeza; - Pouco frustrante;
- Culpa; - Fortemente investida por parte da figura
- Atitude egocêntrica e materna, podendo associar-se ao desejo de
regressiva pelo desejo manter a dependência emocional com o
acentuado de protecção Gabriel;
materna e de atenção por parte - Mãe: punitiva e a figura dominante da
de ambos os pais; família. Rivaliza com esta pela
- Elevado grau de atenção/protecção do pai.
neuroticismo;
- Defesas: negação,
recalcamento, evitamento,
formação reactiva, idealização
e recusa maníaca.
Criança
Relação da
Criança
Caso Relação Pai/Criança Relação Fraterna com
Outras
Figuras
Relevantes
Tomé - Forte idealização; - Sentimentos de
- Desejo de aproximação e atenção inferioridade face à irmã;
do pai; - Rivalidade fraterna,
- Dependência emocional face ao pai transmitindo o desejo de
que não supera a relação dependente obter a atenção/protecção
que mantém com a mãe; exclusiva dos pais,
- Pai: pouca “paciência” e agressivo. sobretudo da mãe.
Isabel - Valoriza pouco a relação; - Rivalidade fraterna; - Avô
- Insegurança; - Sente-se protegida pelo materno:
- Desprotecção; irmão. autoritário e
- Na prova PN o imago paterno é punitivo.
associado à função de alimentar e ao
397
nascimento, realizando uma inversão
dos papéis parentais.
João - Pouco valorizado e correspondido - Próxima;
por parte do pai face aos seus - Afectuosa;
desejos; - Forte rivalidade fraterna;
- Pai: autoritário e pouco disponível. - Sentimento de
Assegura uma função de apoio inferioridade face à irmã;
importante para o João. Mais - Com a irmã disputa a
dependente que a mãe, beneficiando protecção parental,
da protecção materna. sobretudo da figura
materna.
Mariana - Idealizada; - Forte rivalidade fraterna - Idealizada;
- Afectos erotizados; intensificada pela vivência - Tia e avó
- Pai: assegura a função de apoio e carencial na relação com o paternas:
protecção, todavia, não proporciona materno e pelo desejo de afectuosas e
a contenção necessária para que as uma aproximação exclusiva punitivas;
angústias da Mariana sejam à mãe. Avó
ultrapassadas. Sente a relação menos paterna:
valorizada por parte do pai. Sente o dependente,
pai punitivo e pouco disponível. com quem
rivaliza pela
atenção do
pai.
Gabriel - Idealizada; - Sente-se desvalorizado
- Forte investimento positivo na por parte do irmão;
relação; - Rivaliza com o irmão face
- Não se sente correspondido, ao desejo de ocupar um
sentindo-se pouco valorizado pela lugar próximo e
figura paterna; privilegiado na relação com
- Pai: punitivo. Figura protectora e o a figura materna, obtendo a
modelo de identificação do Gabriel. sua protecção exclusiva.
398
Caso Organização Familiar
Tomé Figuras parentais:
- Relação emocionalmente dependente e uma fraca autonomização das famílias
de origem, sobretudo a mãe na relação que estabelece com a avó materna;
- Figura materna aparentemente deprimida e permissiva;
- Figura paterna assume uma função parental mais firme e contentora;
- Culpabilização pelo forte envolvimento no mundo laboral e pela projecção nos
filhos das suas próprias dificuldades;
Tomé/Isabel:
- Na presença da mãe (e da avó materna) manifestam uma conduta mais imatura
marcada pelas dificuldades de separação não observada na relação com o pai;
Isabel - Introjecção da depressão materna através da interacção precoce com esta figura
experienciando dificuldades de separação e autonomização do espaço materno
face à falha de confirmação/valorização narcísica, receando a perda do amor do
objecto;
Tomé:
- Forte rivalidade fraterna e sentimento de inferioridade face à irmã podem ligar-
se ao sentimento de abandono experienciado durante a situação de prematuridade
da Isabel e a projecção da distinção forte/fraco pelos pais: o Tomé representa a
parte fraca, passiva, sem recursos para se defender e a irmã o lado mais forte,
capaz de se defender.
João Figuras parentais:
- Figura materna fálica, dominante;
- Figura paterna passiva com afectos que transmitem a vivência de um sofrimento
depressivo;
- Fraca autonomização emocional das suas figuras parentais, transferindo para a
relação com o João os modelos de identificação interiorizados na relação com
estas figuras assentes em relações pouco afectuosas, autoritárias, punitivas e
inseguras, projectando, assim, as suas próprias falhas narcísicas e a vivência de
culpa na relação com o João;
- Forte envolvimento nas questões de ordem racional valorizando a carreira
profissional e as competências académicas do João em detrimento dos afectos,
repercutindo-se no empobrecimento da relação conjugal e na relação pais-filho;
João:
399
- Relação próxima com a figura materna;
- Ausência de valorização narcísica por ambos os pais é experienciada
inconscientemente como uma falha, uma castração não lhe permitindo
autonomizar-se emocionalmente da relação com o materno, com risco de perda
do amor do objecto;
- Identificação com um pai aparentemente deprimido e também castrado pode
reenviar para a angústia depressiva no João;
- Acentuada vivência de rivalidade fraterna e inferioridade podendo associar-se à
distinção fraco/forte entre o João e a irmã projectada pelos pais, onde o João
figura como o elemento fraco, inseguro, sem recursos internos para se defender e
a irmã o elemento forte e seguro.
Mariana - Depressão materna afecta a qualidade das relações familiares, com ênfase na
relação conjugal e na relação mãe/Mariana;
- Falecimento da avó e tia maternas da Mariana;
- Dificuldades económicas ligadas ao desemprego do pai;
Mariana:
- Numa fase precoce do desenvolvimento parece ter-se identificado à depressão
da mãe através da falha de confirmação narcísica primária que a fizesse sentir
valorizada na experiência de individuação e autonomia, pelo risco de perda do
amor do objecto organizando, deste modo, o falso-self manifesto através da
avidez relacional, contacto fácil e sedutor e pela necessidade marcada de agradar,
como tentativa de colmatar a falha narcísica;
- Sentimento de insegurança, culpa, carência, abandono e rivalidade fraterna
acentuado pela distinção materna entre a Mariana e o irmão, projectando a parte
boa no irmão e a parte maligna na Mariana;
Pai:
- Assegura a função de apoio e protecção contudo, não proporciona a contenção
necessária para que as angústias da Mariana sejam ultrapassadas;
- Sucessivas ausências por motivos de trabalho resultando num menor apoio à
família e, em concreto, à mãe e no assegurar da sua função parental.
Gabriel Figuras parentais:
- Conflitos acentuados na ordem da dependência e falhas de valorização narcísica
na relação com as suas famílias de origem, culminando nos consumos de droga
como um substituto simbólico do objecto de amor perdido;
400
- Figura materna dominadora e fálica, identificando-se ao matriarcado da sua
família de origem;
- Figura paterna submetida ao matriarcado familiar demitido-se da sua função
parental;
Figura materna:
- Deslocamento e tentativa de reparação da relação com o irmão resulta numa
relação dependente, idealizada e pouco frustrante com o Gabriel, não o
valorizando narcisicamente;
Gabriel:
- Experiencia a separação do imago materno como uma possibilidade de perda do
amor do objecto, permanecendo dependente do poder fálico materno;
- Forte dependência na relação mãe/Gabriel acentuada pela clivagem materna
entre um filho bom associado ao Gabriel e um filho problemático, o irmão.
Conflito Edipiano
Aceita a
Caso Resolução Diferença Diferença Superego Triangula Exclusão
Sexual de -ção do Casal
Gerações Parental
Tomé Não Reconhece Reconhece Integrado Acede Não
ultrapassado
Isabel Não Reconhece Não Integrado Não acede Não
ultrapassado parcial reconhece
-mente
João Parcialmente Reconhece Reconhece Integrado Acede Não
ultrapassado
Mariana Não Reconhece Reconhece Integrado Acede Não
ultrapassado
Gabriel Não Reconhece Reconhece Integrado Acede Não
ultrapassado
401
Conceito Núcleo
Caso de Problemáticas da Criança CDI Depressivo
Família
Tomé Integrado - Desejo de separação da figura Grupo 2 Núcleo
materna; (nível depressivo
- Relação dependente, idealizada e intermédio de primário
pouco frustrante com a figura materna; sintomas de (anal)
- Vivência carencial, desprotegida e de depressão)
precariedade dos suportes;
- Culpabilidade onde a agressividade é
dirigida a si;
- Falha narcísica;
- Angústia depressiva;
- Dificuldades no processo de
separação/individuação.
Isabel Integrado - Relação dual com a figura materna, Grupo 1 Núcleo
não permitindo a separação emocional (sujeitos “não depressivo
desta figura; deprimidos”) precoce
- Vivência depressiva manifesta no (oral)
sentimento de desprotecção parental,
de carência oral e inibição da
agressividade;
- Culpabilização pela introjecção da
agressividade.
João Integrado - Identificação à figura paterna; Grupo 2 Núcleo
- Desejo de autonomização da figura (nível depressivo
materna; intermédio de fálico
- Rivaliza com o pai; sintomas de
- Dificuldades na elaboração dos depressão)
sentimentos de solidão face à exclusão
do casal parental;
- Ausência de valorização narcísica
por ambos os pais;
- Identificação ao pai deprimido;
402
- Castração e falhas identitárias;
- Sobressai o sofrimento depressivo:
angústia de perda do amor do objecto,
de desamparo, afectos ligados à morte,
baixa auto-estima, insegurança, falha
narcísica acentuada, culpabilidade pela
introjecção da agressividade e
dificuldades de mentalização
(instabilidade psicomotora,
somatizações).
Mariana Integrado - Forte angústia depressiva: carência Grupo 3 Núcleo
afectiva e falha narcísica acentuadas, (nível depressivo
sentimento de desvalorização, intermédio de precoce
insegurança, exclusão, abandono e sintomas de (oral)
desprotecção na relação com as figuras depressão)
parentais, sobretudo na relação com a
figura materna onde se observam
aspectos fóbicos e agressivos num
contexto regressivo, acompanhado de
culpabilidade pelo retorno da
agressividade/punição sobre si;
- Rivaliza com o pai;
- Dificuldades de separação da figura
materna, ainda que, expresse o desejo
de autonomização emocional;
- Desejo de uma aproximação
exclusiva à figura materna.
Gabriel Integrado - Desejo de autonomização da figura Grupo 2 Núcleo
materna; (nível depressivo
- Sobressai o desejo de uma intermédio de primário
aproximação exclusiva à figura sintomas de (anal)
materna e a rivalidade face à figura depressão)
paterna;
- Dificuldades no processo de
403
separação/individuação;
- Culpabilidade pelo retorno da
agressividade sobre si;
- Falha narcísica marcada, vivência
carencial e desprotegida, de abandono
e solidão face ao confronto com a
angústia de separação e depressiva
recorrendo às defesas antidepressivas
na linha da recusa maníaca para lidar
com este conflito.
404