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A Depressão na Criança: Percepção das Relações Familiares

na Criança, na Mãe e no Pai – 5 Estudos de Caso

Margarida Pereira das Neves

Orientador de Dissertação:
Prof. Doutor Emílio Salgueiro

Coordenador de Seminário de Dissertação:


Prof. Doutor Emílio Salgueiro

Tese submetida como requisito parcial para a obtenção do grau de:


MESTRE EM PSICOLOGIA
Especialidade em Psicologia Clínica

2012
Dissertação de Mestrado realizada sob a
orientação de Prof. Doutor Emílio Salgueiro,
apresentado no ISPA – Instituto Universitário
para obtenção de grau de Mestre na especialidade
de Psicologia Clínica conforme o despacho da
DGES, nº 19673/2006 publicado em Diário da
República 2ª série de 26 de Setembro, 2006

II
AGRADECIMENTOS

Antes de mais gostaria de começar por agradecer ao professor Emílio Salgueiro por
me ter acolhido e orientado no seu Seminário de Dissertação. Ao longo de um processo nem
sempre contínuo e decorrido dentro do esperado tenho a agradecer a sua disponibilidade,
apoio e compreensão permitindo-me evoluir, certamente, a nível pessoal e profissional. Muito
obrigado por tudo!

Quero agradecer também ao Conselho de Administração do Hospital pela permissão


da recolha de dados para a presente investigação, ao Dr. Pedro Pires, à Dr.ª Paula Zaragoza e
à Dr.ª Vera Ramos, bem como à restante equipa da Unidade de Pedopsiquiatria, pela
disponibilidade e apoio prestados durante o período de estágio académico e na concretização
deste estudo. Dirijo um agradecimento especial à Dr.ª Inês Figueiredo pela simpatia, amizade,
apoio e orientação ao longo de todo este meu percurso inicial na prática da psicologia clínica.

À professora Teresa Lopo pela sua disponibilidade e partilha de conhecimentos sobre


a prova As Aventuras de Pata-Negra (Corman, 2001).

À Dr.ª Clara Castilho pelo seu exemplo, amizade e apoio ao longo da minha vida,
nunca se esquecendo de mim e estando presente sempre que preciso.

A toda a minha família, em particular ao meu pai, ao meu irmão e à tia Rosalina.
Agradeço também aos meus amigos que me acompanharam neste trajecto académico.

Por último, mas não menos importante, quero deixar um agradecimento especial aos
pais e às crianças que se disponibilizaram para participar neste estudo, pela partilha de
conhecimentos que proporcionaram, sem os quais este projecto não seria possível.

Dedico esta tese ao meu pai e à tia Rosalina pelo precioso apoio ao longo da minha
vida mas, também, a todas as pessoas que nunca esquecerei, mãe, madrinha, avô, Maria.

III
IV
A criança modela-se.
Ajuda-a a modelar-se oferecendo-lhe tudo quanto tenhas de mais autêntico dentro de ti.
Oferece-te a ti próprio como modelo.
Faz de modelo, não só com o teu corpo de Homem, mas também com o que resta da tua
espontaneidade infantil para o Amor.
Homens capazes de Amor são aqueles que foram crianças ou que se reconciliaram com a
criança que foram.
Se amas a criança que em ti existe, então podes amar as crianças.

(…)

Educar é oferecer-se como modelo.


Educar é respeitar o seu próprio modelo.
Educar é respeitar a criação do Homem
e do seu Universo.
Educar é respeitar a criança e a criatividade infantil.
Se podes ser infantil, podes ser Homem, podes ser Mestre.

João dos Santos (2007)

V
VI
RESUMO

A depressão na criança obteve o seu devido reconhecimento apenas a partir da segunda


metade do século XX. Ainda assim, observa-se que na literatura tem-se atribuído menos
relevância ao estudo da depressão na infância comparativamente com a depressão na
adolescência e adultícia. Atendendo à importância do contexto familiar no âmbito do
desenvolvimento e manutenção do sofrimento depressivo na criança, o presente estudo tem
como objectivo principal identificar e descrever a percepção das relações familiares em
crianças diagnosticadas com uma organização depressiva, na mãe e no pai, de forma a
contribuir para uma maior compreensão do funcionamento familiar destas crianças. Este
estudo é constituído por cinco crianças com diagnóstico de depressão com idades
compreendidas entre os 7 e os 10 anos, três crianças pertencem ao sexo masculino e duas ao
sexo feminino e as respectivas figuras parentais. Utilizou-se o método de Estudo de Caso
múltiplo, exploratório e os instrumentos seguintes: Desenho Livre, Desenho da Figura
Humana (Machover, 1978), Desenho da Família (Corman, 2003), Inventário de Depressão
para Crianças (Marujo, 1995), Teste de Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985),
Teste de Relações Familiares, Versão Casais (Bene, 1976), As Aventuras de Pata-Negra
(Corman, 2001) e, ainda, duas entrevistas semi-directivas, uma destinada aos pais e outra às
crianças. Os resultados sugerem a percepção de uma relação dependente com uma figura
materna deprimida ou fálica aliada a uma figura paterna demitida da sua função parental e/ou
deprimida, ambas culpabilizadas, sentidas como punitivas e pouco disponíveis face às
necessidades afectivas da criança, resultando numa falha de confirmação narcísica, não
permitindo à criança sentir-se valorizada na experiência de individuação e autonomia.

Palavras-chave: Percepção; Relações Familiares; Depressão na Criança.

VII
ABSTRACT

Child depression was recognized only from the second half of the twentieth century.
However, it is observed that the literature gives less importance to the study of childhood
depression compared with depression in adolescence and adulthood. Considering the
importance of the family context to the development and maintenance of depressive disorder
in children, the main goal of the present study is to identify and describe the perception of
family relations in children diagnosed with a depressive organization, in mother and father, to
contribute for a better understanding of family functioning of these children. This study
assessed five children diagnosed with depression with ages between seven and ten years old,
three children were males and two were females and their parental figures. We used the Case
Study method multiple, exploratory and the following instruments: Non-thematic Drawing,
Human Figure Drawing (Machover, 1978), Family Drawing (Corman, 2003), Children’s
Depression Inventory (Marujo, 1995), Family Relations Test, Children’s Version (Bene,
1985), Family Relations Test, Married Couples’ Version (Bene, 1976), PN Test (Corman,
2001) and also two semi-structured interviews, one for parents and one for children. The
results suggest the perception of a dependent relationship with a depressed or phallic mother
figure allied to a father figure dismissed from their parental function or depressed, both
blamed, perceived as punitive and less available for the child’s emotional needs, resulting in
failure of narcissic confirmation, not allowing the child to feel valued in the experience of
individuation and autonomy.

Keywords: Perception; Family Relations; Child Depression.

VIII
ÍNDICE

Introdução.............................................................................................................................. 1

Enquadramento Teórico ......................................................................................................... 2

1. O Modelo Bio-Ecológico do Desenvolvimento Humano ............................................... 2

2. O Período de Latência ................................................................................................... 3

3. A Depressão na Criança ............................................................................................... 4

4. As Famílias de Crianças com Depressão ..................................................................... 13

5. Objectivo .................................................................................................................... 17

Método ................................................................................................................................ 18

1. Delineamento.............................................................................................................. 18

2. Participantes ............................................................................................................... 18

3. Procedimento .............................................................................................................. 19

4. Instrumentos ............................................................................................................... 21

4.1.Desenho Livre ......................................................................................................... 22

4.2.Desenho da Figura Humana .................................................................................... 22

4.3.Desenho da Família ................................................................................................. 23

4.4.Inventário de Depressão para Crianças .................................................................... 24

4.5.Teste de Relações Familiares, Versão Crianças ....................................................... 25

4.6.Teste de Relações Familiares, Versão Casais ........................................................... 26

4.7.As Aventuras de Pata-Negra ................................................................................... 27

Resultados ........................................................................................................................... 28

1. Síntese do Estudo de Caso 1 – Tomé (10 anos e 5 meses) e do Estudo de Caso 2 – Isabel

(7 anos e 3 meses) ....................................................................................................... 28

2. Síntese do Estudo de Caso 3 – João (9 anos e 6 meses) ............................................... 36

3. Síntese do Estudo de Caso 4 – Mariana (9 anos e 9 meses) ......................................... 42

4. Síntese do Estudo de Caso 5 – Gabriel (10 anos e 4 meses) ......................................... 47

IX
Discussão ............................................................................................................................. 52

Conclusão ............................................................................................................................ 60

Referências Bibliográficas ................................................................................................... 61

Anexos................................................................................................................................. 71

Anexo A: Pedido de Autorização para Recolha de Dados ................................................. 72

Anexo B: Projecto de Investigação ................................................................................... 74

Anexo C: Consentimento Informado ................................................................................ 85

Anexo D: Autorização para Recolha de Dados ................................................................. 87

Anexo E: Guião de Entrevista dos Pais ............................................................................. 88

Anexo F: Classificação Social Internacional de Graffard .................................................. 94

Anexo G: Itens do Instrumento Teste de Relações Familiares, Versão Casais (Bene, 1976)

......................................................................................................................................... 98

Anexo H: Guião de Entrevista da Criança ....................................................................... 101

Anexo I: Itens da Forma para Crianças em Idade Escolar do Teste de Relações Familiares,

Versão Crianças (Bene, 1985) ........................................................................................ 105

Anexo J: Inventário de Depressão para Crianças ............................................................. 109

Anexo K: Conteúdo Manifesto e Latente dos Cartões do PN Segundo Chabert (1982) e

Corman (2001) ............................................................................................................... 106

Anexo L: Estudo de Caso 1 – Tomé (10 anos e 5 meses) ................................................ 119

Anexo M: Estudo de Caso 2 – Isabel (7 anos e 3 meses) ................................................. 159

Anexo N: Teste de Relações Familiares, Versão Casais – Pais do Tomé e Isabel ............ 198

Anexo O: Estudo de Caso 3 – João (9 anos e 6 meses) .................................................... 212

Anexo P: Estudo de Caso 4 – Mariana (9 anos e 9 meses)............................................... 271

Anexo Q: Estudo de Caso 5 – Gabriel (10 anos e 4 meses) ............................................. 329

Anexo R: Tabela de Resultados ...................................................................................... 381

X
INTRODUÇÃO

Atendendo ao Modelo Bio-Ecológico do Desenvolvimento Humano criado em 2006


por Bronfenbrenner e Morris a criança é uma entidade em crescimento, dinâmica e activa face
ao ambiente que a rodeia, influenciando e sendo influenciada progressivamente através das
interacções permanentes, diversificadas e complexas que estabelece com o meio. Através da
centralidade que apresenta na vida das crianças o contexto familiar destaca-se dos restantes
meios no âmbito da promoção do desenvolvimento físico e psicológico da criança (Schaffer,
1996). Para que este processo ocorra de forma harmoniosa e para que a criança desenvolva a
capacidade de resistir a tensões e conflitos torna-se necessário que a família possibilite um
contexto estruturante e organizador onde a qualidade das relações familiares, nomeadamente,
da relação conjugal e da relação pais/filhos assume particular importância (Denis, 2004;
Ferreira, 2002; Goldschmidt, 2003; Salgueiro, 1995; Strecht, 2001).
Assim, os casos de crianças em que a coesão e a estabilidade do Eu na latência não são
alcançadas devido à invasão de problemáticas não resolvidas durante o período anterior a esta
fase de desenvolvimento, seguindo-se uma regressão a níveis de fixação libidinais ou do Eu a
fases anteriores, podem ser facilitados por uma falha de contenção no ambiente familiar
(Coimbra de Matos, 2003; Ferreira, 2002). Nestes casos, para Teresa Ferreira (2002) o
funcionamento depressivo parece assumir-se como o diagnóstico mais comum afectando não
só o investimento no mundo interno da criança como as relações sociais e a capacidade de
investir em novas aprendizagens e descobertas. Como diria João dos Santos (2000) “se a
aprendizagem da relação afectiva com a mãe, e a da resolução mental da depressão se não
fazem adequadamente antes da escola, a criança não pode aceitar o que lá se ensina” (p. 138).
Posto isto, considerando que na literatura são descritos múltiplos factores de ordem
parental e familiar que actuam na génese e manutenção da depressão na infância (Sander &
McCarty, 2005) a presente investigação visa identificar e descrever a percepção das relações
familiares em crianças diagnosticadas com uma organização depressiva, na mãe e no pai, de
forma a contribuir para uma melhor compreensão do funcionamento familiar destas crianças.

E não serão todas estas linhas tortas, sobre as quais nós caminhamos, as linhas com que se
possa construir o espaço para se continuar o sonho?

Maria José Vidigal (2005)

1
ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1. O Modelo Bio-Ecológico do Desenvolvimento Humano

O Modelo Bio-Ecológico do Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner & Morris,


2006) concebe a criança como uma entidade em crescimento, dinâmica e activa face ao
ambiente que a rodeia. As interacções são bi-direccionais (i.e., entre o organismo e ambiente)
e progressivamente mais complexas, assim como, regulares ao longo de extensos períodos de
tempo. Tanto o ambiente imediato como o mais remoto exercem influência no sujeito. Desta
forma, o modelo “rejeita explicitamente a assumpção de que os processos desenvolvimentais
são de carácter universal” (Veríssimo & Santos, 2008, p. 392). Posto isto, são descritas as
relações entre três componentes essenciais ao longo do tempo: Processo; Pessoa e Contexto.
No que se refere ao Processo este constitui o principal componente do modelo, na
medida em que, engloba diferentes formas de interacção entre a Pessoa e o Contexto ao longo
do tempo, sendo considerado o mecanismo primário do desenvolvimento humano.
As características da Pessoa designam os níveis sócio-histórico, psicológico e
biológico (Veríssimo & Santos, 2008). A teoria bio-ecológica contempla ainda, a influência
exercida conjuntamente pela experiência subjectiva que o sujeito realiza face aos elementos
pertencentes ao seu ambiente circundante e as propriedades objectivas desses recursos do
meio, para o desenvolvimento humano. Do ponto de vista experiencial consideram-se as
mudanças de percepção do ambiente circundante de um indivíduo decorrentes do
desenvolvimento cognitivo deste, o que está dependente dos estádios de desenvolvimento ao
longo da vida. A experiência relaciona-se com os sentimentos (e.g. crenças, dúvidas, valores,
atitudes) sugeridos pelos recursos ambientais e emoções que podem ter simultaneamente uma
valência positiva e negativa, com intensidades diferentes, os quais podem continuar ou mudar
com o decorrer do ciclo de vida (Bronfenbrenner & Morris, 2006).
O Contexto de desenvolvimento refere-se a constrangimentos situacionais, os quais
podem-se situar ao nível de diferenças nos sistemas sócio-culturais (e.g. Nativos americanos
vs. Afro-americanos), diferenças no acesso aos recursos (e.g. classe operária vs. classe média)
e modos de interacção familiar (e.g. estilo democrático vs. permissivo), entre outros
(Veríssimo & Santos, 2008). Bronfenbrenner e Morris (2006) distinguem cinco Contextos
essenciais: o Familiar; Escolar; Grupos de pares; Creche/Jardim-de-Infância; e Vizinhança.

2
2. O Período de Latência

O termo latência ou período de latência sexual, da autoria de William Fliess, foi


introduzido na terminologia psicanalítica por Freud no ano de 1905, através da obra Três
ensaios sobre a teoria da sexualidade (Freud, 1905/1981).
A concepção psicanalítica de Freud (1905/1981) distingue dois períodos essenciais de
desenvolvimento da sexualidade humana: um primeiro, que engloba as crianças do
nascimento aos 5,5/6 anos, no qual prevalece a escolha do objecto sexual infantil. É durante
este período que a criança se desenvolve em conformidade com os três primeiros estádios
psicossexuais do desenvolvimento humano definidos por Freud – oral, anal, fálico; e, um
segundo período iniciado na puberdade através da renúncia ao primeiro objecto de amor, isto
é, ao objecto edipiano, e a escolha de um novo objecto de amor, que marcará o início da
sexualidade adulta (Ferreira, 2002; Sprinthall & Collins, 2008).
Situado entre os dois períodos descritos anteriormente, mais concretamente, entre o
estádio fálico e a puberdade, o período de latência, também denominado de estádio de
latência, idade escolar (da entrada na escola), idade da razão ou terceira e última infância,
inicia-se com a dissolução do complexo de Édipo (através da proibição do incesto) e a
formação do Superego, sendo constituído por crianças dos 5,5/6 anos até à entrada na
puberdade (Bornstein, 1975; Coimbra de Matos, 2003; Denis, 2004; Edwards, 1999; Ferreira,
2002; Golse, 2005; Hagelin, 1980; Laplanche & Pontalis, 1985; Richaudeau, 1979). Tal como
o próprio nome indica, durante a latência a libido, a sexualidade encontra-se latente, ou seja,
apesar de presente não se manifesta (Nabais & Guerreiro, 2005).
Durante o período de latência surgem importantes alterações a nível biológico,
psicológico e social na vida da criança. Biologicamente, o aparelho genital externo sofre uma
paragem até à puberdade. No entanto, a produção de excitação sexual mantém-se, formando
energia psíquica sem a existência de um objecto sexual pré-definido, o que gera sentimentos
de desprazer e frustração na criança. Deste modo, são accionados os mecanismos de defesa
necessários, de forma a limitar a acção das pulsões sexuais e incestuosas. Através do processo
de sublimação, estas pulsões são reenviadas para objectivos não sexuais (aprendizagem e
aquisições intelectuais), recalcadas e expressas através de formações reactivas como a
vergonha, aspirações estéticas e morais ou, ainda, integradas nos traços de carácter do
indivíduo (Bornstein, 1975; Ferreira, 2002; Freud, 1905/1981; Gueniche, 2005; Richaudeau,
1979). Verifica-se, assim, uma “abstinência total ou parcial da actividade sexual infantil,
agora sob o controlo da instância super-egóica reprimindo o passado, considerado perigoso
pela moralidade da censura actual” (Ferreira, 2002, p. 225). Devido à acção exercida pelo

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Superego, o ego torna-se “resiliente, maleável e educável” (Kramer & Rudolph, 1991, p. 319).
Richaudeau (1979) acrescenta, ainda, que “embora se observem ainda algumas manifestações
sexuais (masturbação, curiosidade) doravante marcadas por uma forte culpabilidade, a
sexualidade não sofre nova reorganização” (p. 155). Quanto ao plano social, este encontra-se
marcado pelo início da escolarização e pelas exigências educativas introduzidas nesta fase do
desenvolvimento que pressupõem uma socialização acrescida à criança (Denis, 2004).
Posto isto, tal como Ferreira (2002) indica “latência significa esforço de consolidação
do Eu infantil – a luta pela maturidade, pela coerência e coesão do mundo interior” (p. 218).
A autora adianta, também que, para alcançar de modo favorável esta maturidade é necessário
que o desenvolvimento intelectual e afectivo da criança tenha ocorrido de forma harmoniosa.
Esta consideração remete-nos para a importância desempenhada pelos factores intrapsíquicos,
em conjugação com a qualidade das relações familiares no funcionamento psíquico
harmonioso da criança: “o equilíbrio das instâncias psíquicas, sempre em elaboração, deve ser
sustentado por relações adequadas a personagens familiares, capazes de se ajustarem ao
aparecimento de mecanismos de defesa ou sintomas frequentemente desconcertantes,
irritantes ou angustiantes” (Denis, 2004, p. 529).
Como refere Coimbra de Matos (2003) quando surgem falhas no desenvolvimento
natural durante o período anterior à latência, através da invasão de problemáticas de
conhecimento/identidade sexual não resolvidos na segunda infância (dos 3 aos 6 anos) a
latência não é estabelecida. Como resultado verifica-se a “permanência – agora anormal
porque extemporânea – de pensamentos, fantasias, dúvidas e conflitos à cerca da sexualidade,
assim como de uma imaturidade afectiva e relacional. A latência não verificada é a avidez de
saber insatisfeita” (Coimbra de Matos, 2003, p. 110). Segundo Teresa Ferreira (2002) nestes
casos o funcionamento depressivo parece ser o diagnóstico mais comum (Ferreira, 2002).
Alexandre (1993) destaca as perturbações do pensamento como o motivo principal de pedidos
de consulta, devido a um excesso ou insuficiência do recalcamento, associando-se
directamente a uma depressão primária organizada na insuficiência da função contentora da
mãe, na generalidade dos casos.

3. A Depressão na Criança

Antes de mais, importa salientar que a depressão a que este estudo reporta distingue-se
de um sintoma episódico de tristeza/luto face a um acontecimento recente de perda ou crise
familiar, visto tratar-se de um processo adaptativo e não patológico (Coimbra de Matos, 2007;
Ferreira, 2002; Freud, 1917/1974).

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Posto isto, Freud (1917/1974) foi quem definiu pela primeira vez as características da
melancolia através da publicação da obra Luto e Melancolia em 1917. Apesar do trabalho de
luto apresentar sintomas semelhantes à melancolia pela “perda de interesse pelo mundo
externo – na medida em que este não evoca esse alguém –, a mesma perda da capacidade de
adoptar um novo objecto de amor (o que significaria substituí-lo) e o mesmo afastamento de
toda e qualquer actividade que não esteja ligada a pensamentos sobre ele” (p. 250) difere
desta no sentido em que representa uma reacção adaptada e transitória à perda de um objecto
importante, dando lugar ao desinvestimento afectivo nesse objecto e investimento em novos
objectos. Na melancolia, por outro lado, assiste-se a um empobrecimento não só no mundo
externo como no mundo interno do sujeito pela diminuição acentuada da auto-estima (com
auto-censuras e castigos), retirando valor ao Eu. Ao contrário do trabalho de luto, a
melancolia comporta características inconscientes pois o sujeito embora possa saber quem
perdeu, desconhece o que perdeu com esse alguém. Assim, a perda do objecto transforma-se
na perda do Eu através do mecanismo de introjecção ambivalente do objecto perdido, onde a
severidade do superego (de origem precoce, oral, formado na relação com o imago materno)
dirige-se ao Eu do sujeito (através da clivagem) pretendendo atingir o objecto de amor
introjectado. Objecto e sujeito, realidade externa/interna são confundidas face à extrema
dependência marcada por uma relação de objecto de tipo narcísica, funcional. Assim, instala-
se o sentimento de culpa, os castigos e a auto-punição (associado à falta de apetite e de sono)
podendo culminar em suicídio (Coimbra de Matos, 2007; Ferreira, 2002; Freud, 1917/1974).
A melancolia (ou depressão major), depressão mais profunda e ligada à psicose
destaca-se, assim, da depressividade (ou depressão basal) pelo grau de severidade acentuado
marcado pelo estabelecimento de uma relação fusional com o objecto. Desta forma, a
depressividade caracteriza-se por uma forte dependência emocional ao objecto, investindo
inconscientemente na relação com este e idealizando-o (como defesa à tomada de consciência
da malignidade do objecto e à falha narcísica), não suportando a separação, o que impede o
sujeito de realizar o trabalho de luto face à perda (real ou imaginária) do objecto (Coimbra de
Matos, 2002, 2007, 2011). Sujeito e objecto estão mal diferenciados mas não confundidos
como na psicose, realizando-se a introjecção do bom e mau objecto. Verifica-se uma forte
necessidade de suporte, apoio, constituindo uma relação objectal anaclítica com falhas graves
de confirmação e valorização narcísica (Coimbra de Matos, 2007, 2011; Ferreira, 2002).
Simultaneamente, para Coimbra de Matos (2007) o depressivo exprime o desejo de se separar
do objecto primário, permanecendo num impasse entre a evolução edipiana e a regressão oral,
salientando-se a falta de solidez na organização anal. Teresa Ferreira (2002) conclui que a
característica primordial presente em todas as formas de depressão é a “inconsistência do

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núcleo de auto-estima, falhando de imediato o investimento na própria vida. Suspende-se o
interesse pelo mundo externo, perde-se a capacidade de amar. A energia agressiva é dirigida
não ao exterior mas aos imagos internos, partes do Eu” (p. 324).
No que concerne à depressão na criança, problemática na qual se centraliza a presente
investigação, segundo Teresa Ferreira (2002) é o diagnóstico mais frequente na clínica
infantil, abrangendo cerca de 40% dos casos. Todavia esta patologia carece ainda de
investigação científica quando comparada aos trabalhos realizados sobre a depressão na
adolescência e adultícia. Em parte, pode dever-se ao facto de que apenas a partir da segunda
metade do século XX a depressão na criança obteve o seu devido reconhecimento (Câmara,
2005; Carvalho, Milheiro & Garrido, 2006; Coimbra de Matos, 2007; Palacio-Espasa, 2002;
Santos, 2000). A visão idealizada da infância pela sociedade pode ter contribuído para a
explicação deste reconhecimento tardio da depressão infantil, visto que a ideia de sofrimento
psíquico na infância tende a ser sentida como perturbadora (Gueniche, 2005; Maranga, 2007).
A este propósito João dos Santos (1990) assinala que a recusa do adulto em reconhecer a
tristeza da criança pode representar a recusa daquele em reconhecer a sua própria tristeza
infantil e/ou actual. Por outro lado, o polimorfismo da sintomatologia depressiva infantil e as
diferenças face ao quadro clínico no adulto sobretudo quanto à tendência para uma diminuída
expressão dos afectos de tristeza e a baixa frequência de psicoses maníaco-depressivas na
criança podem também explicar a desvalorização da depressão na criança, confundindo-a com
outras psicopatologias (Gueniche, 2005; Maranga, 2007; Palacio-Espasa, 2004; Palacio-
Espasa & Dufour, 2002; Pedinielli & Bernoussi, 2006).
Na génese da depressão Teresa Ferreira (2002) defende que “não há núcleo depressivo
na criança sem uma correspondente decepção narcísica da mãe” (p. 313). O objecto
vulgarmente depressígeno ou desnarcisante, a figura materna projecta na criança a sua
decepção narcísica, a sua malignidade, desvalorizando-a pela percepção daquilo que o filho
não é, o negativo ou o que deveria ser face ao confronto com o seu ideal, com a criança
imaginária que existe dentro de si própria, revelando a sua parte depressiva ao filho. O imago
materno organiza-se, assim, na criança como algo inatingível e como um vazio através da
percepção de não se sentir amada na mesma medida em que ama e deseja ser amada, cedendo
lugar à ferida narcísica. Este movimento traduz a não correspondência afectiva na relação
precoce mãe-criança (Câmara, 2005; Coimbra de Matos, 2002, 2007; Ferreira, 2002; Lustin,
2004; Strecht, 1998; Winnicott, 1993). A falta de valorização e confirmação narcísica da
criança na sua alteridade por parte da figura materna implicará a anulação do sentimento de
omnipotência indispensável à construção do narcisismo primário da criança, favorecendo a
vivência depressiva e a emergência do falso self que permite escamotear o verdadeiro self

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traduzindo, assim, as dificuldades na construção da identidade na criança (Ferreira, 2002;
Funck-Brentano, 2005; Gueniche, 2005; Pedinielli & Bernoussi, 2006; Winnicott, 1988,
1993). Neste sentido, como sublinha Coimbra de Matos (2002) a mãe “ama a criança
enquanto a vê sem desejo próprio, não afirmativa nem oponente. Quando a criança começa a
manifestar mais explicitamente a sua própria, diferente e/ou oposta intencionalidade, a mãe
retira-lhe grande parte do afecto que lhe dedicava. Daí a depressão do filho/a” (pp. 445-446).
Deste modo, pode-se deduzir que o “depressivo é o rico (de afecto) que empobreceu;
enquanto o psicótico é o pobre que sempre foi pobre (rejeitado desde sempre) ” (p. 446). A
perda do amor do objecto condiciona, assim, o surgimento da depressão na criança (Coimbra
de Matos, 2002, 2007).
Todavia, Teresa Ferreira (2002) ressalva a importância de percepcionar a depressão
como uma forma de preservar as pulsões de amor pela esperança de poder amar de novo: “sou
um ser solitário mas não desisti ainda de um encontro com alguém, outro – e persisto – existo,
apenas nessa esperança” (p. 313). Na relação de objecto o deprimido transfere as pulsões de
amor e de ódio, procurando proteger o objecto da sua agressividade, remetendo-a para o Eu.
Posto isto, para Teresa Ferreira (2002) a depressão na criança é designada como “a
perturbação da organização do sentimento de auto-estima, concentrando-se à volta de uma
ferida narcísica, com consequente alteração funcional do psiquismo” (p. 266).
Habitualmente verifica-se uma heterogeneidade nos sintomas que motivam a consulta
destas crianças: tristeza, perda ou diminuição dos interesses habituais, baixa auto-estima,
ideias mórbidas ou até mesmo tentativas de suicídio, perturbações do comportamento como
hetero e/ou auto-agressões, fatigabilidade excessiva, instabilidade psicomotora, dificuldades
de concentração, queixas somáticas (e.g., gastrointestinais), perturbações da linguagem (e.g.,
gaguez, tiques), dificuldades no controlo esfincteriano (e.g., encoprese, enurese), dificuldades
do sono (e.g., insónia, hipersónia), da alimentação (e.g., anorexia, bulimia) e dificuldades
escolares na latência (Ferreira, 2002; Gueniche, 2005; Marcelli, 1995, 2005; Palacio-Espasa,
2004; Palacio-Espasa & Dufour, 2002; Santos, 2000; Strecht, 1998, 2001; Vogel, 2012).
O sofrimento psíquico ligado à vivência depressiva condiciona com muita frequência a
capacidade da criança adquirir, reter ou usar conhecimentos, o prazer de conhecer, no fundo,
de pensar (Santos, 2000; Strecht, 1998, 2001). Pois como explica Pedro Strecht (1998) “a
capacidade de interiorizar conhecimentos está definitivamente ligada à capacidade precedente
de interiorizar bons objectos capazes de amar e proteger” (p. 199).
A expressão clínica da depressão infantil varia segundo a idade, o sexo e o grau de
maturação cognitivo-afectiva da criança (Gueniche, 2005; Strecht, 2001). Para Palacio-Espasa
(2004) “quanto mais nova é a criança, mais inibição existirá nas suas manifestações

7
depressivas” (p. 250). Deste modo, nas depressões de crianças muito novas sobressai a apatia,
o desinvestimento e a inibição (através de uma tomada de consciência menor e dos recursos
defensivos empregues para reprimir os afectos negativos), enquanto nas depressões de
crianças em final de latência e sobretudo na adolescência a expressão da tristeza aumenta,
assemelhando-se progressivamente aos traços observados na depressão dos adultos
(Gueniche, 2005; Palacio-Espasa, 2004). Assim, os critérios de diagnóstico de depressão
utilizados para os adultos não devem ser aplicados no diagnóstico desta patologia nas crianças
(Palacio-Espasa, 2004; Pedinielli & Bernoussi, 2006). Posto isto, o diagnóstico é feito com
recurso à entrevista clínica e às provas projectivas no âmbito da avaliação psicológica e
através da análise da transferência e contra-transferência experienciadas na relação de objecto
que a criança estabelece com o terapeuta. Com frequência são crianças que não manifestam
sinais de tristeza aparente, todavia, fazem-nos sentir interiormente a sua tristeza pela nossa
identificação ao seu sofrimento interno. Há que ressalvar que da mesma maneira que a
depressão não deve ser considerada equivalente à tristeza manifesta, não se deve associar
todos os sinais de tristeza ao diagnóstico de depressão (Ferreira, 2002; Marcelli, 2005;
Palacio-Espasa, 2004; Palacio-Espasa & Dufour, 2002).
Entre as principais características experienciadas na relação terapêutica com a criança
deprimida situam-se de uma ou outra forma: Avidez relacional, associada ao desejo de
incorporação, intenso, violento, ligado à insatisfação oral (Ferreira, 2002; Klein, 1987). Esta
avidez pode expressar-se através de fantasias de comer sem fim ou no controlo dos impulsos
orais que conduz à anorexia; Sentimento de vazio vivenciado na angústia de perda do amor do
objecto ou ausência de ligações afectivas significativas, na falha narcísica; Solidão manifesta
na vivência de impossibilidade de estabelecer laços afectivos com o outro; Sensação de a
criança se encontrar perdida resultante da falha da construção identitária pela ausência de
modelos de identificação consistentes; Fragilidade do Eu dominada pela vivência de uma
baixa auto-estima e insegurança interior que impedem a mobilização dos recursos internos
necessários para assegurar a sua protecção; e, por último, dependência afectiva pela
submissão à vontade do outro sobre o qual é projectado o poder, sendo idealizado e temido,
necessitando do suporte do objecto, da relação anaclítica para atenuar a insegurança interior e
assegurar a sua própria sobrevivência (Ferreira, 2002; Gueniche, 2005; Strecht, 2001).
Na opinião de Câmara (2005) as crianças deprimidas tendem a manifestar-se apáticas,
sem curiosidade e inibidas na exploração que exercem sobre o meio pois “toda a sua
caminhada é marcada pela insegurança, pelo medo, pela vivência antecipatória do falhar” (p.
55). Esta vivência de medo é transferida para a relação de objecto face à possibilidade de uma

8
nova ruptura, desistência, insucesso na relação podendo revelar uma atitude de indiferença
aparente, inibição relacional e/ou provocação hostil do adulto (Ferreira, 2002).
Ao nível manifesto estas crianças tendem a apresentar características distintivas no
olhar, discurso e actividades como o jogo ou desenho. Citando Teresa Ferreira (2002) “o
desejo do encontro lê-se no olhar” (p. 312). Assim, observa-se um olhar fugidio e apelativo,
ou um olhar de frente mas à distância pelo medo do outro ou, ainda, um olhar intenso, ávido,
sedutor seguido de uma retirada defensiva. Este olhar ávido procura no outro uma leitura
compreensiva e afectuosa da sua existência (uma pessoa), um sofrimento (um interior) e uma
saída para esse sofrimento (uma relação). Quanto ao discurso pode ser fluente ou pobre,
lacónico com conteúdos que remetem para os afectos depressivos: “não sou bom”, “ninguém
gosta de mim”, “preferia morrer” ou para a omnipotência como defesa maníaca desses
afectos: “sou o mais forte de todos” simbolizando o vazio, a vivência de perda do amor do
objecto (Ferreira, 2002; Strecht, 1998, 2001). O jogo/desenho pode ser marcado pela
exuberância de acção, pela redução da mentalização ou pela inibição motora, através da
atitude de desistência que domina o Eu: “não sei”, “não consigo”, “faço sempre mal”, entre
outros (Câmara, 2005; Ferreira, 2002; Marcelli, 2005; Palacio-Espasa, 2004).
Posto isto, entre as principais defesas utilizadas por estas crianças situam-se a
tendência ao agir, pela redução da mentalização do sofrimento psíquico, a denegação, a
idealização, a defesa maníaca e a inibição, através da procura de aconflitualidade,
expressando-se geralmente num fraco rendimento escolar, intelectual e social (Câmara, 2005;
Ferreira, 2002; Strecht, 1998, 2001). Nas crianças mais pequenas destaca-se o recurso às
modalidades antidepressivas na ordem da mania como a instabilidade psicomotora,
comportamentos de oposição como os amuos, cólera, raiva, a tendência para a exaltação da
auto-estima (e.g., “sou muito forte”, “sou grande”), manifestações hetero ou auto-agressivas e
no final da latência pode-se assistir a perturbações do comportamento como o roubo, a
mentira e a fuga, o que permite reprimir e negar os afectos depressivos e, assim, impedir a
elaboração da posição depressiva (Gueniche, 2005; Klein, 1986; Lustin, 2004; Marcelli, 2005;
Palacio-Espasa, 2004; Santos, 2000; Strecht, 1998).
A classificação do DSM-IV-TR (American Psychiatric Association [APA], 2002)
distingue três formas clínicas de perturbações depressivas: a depressão major, a distimia e a
perturbação depressiva sem outra especificação.
Na depressão major os requisitos clínicos (cinco ou mais) devem estar presentes
durante pelo menos duas semanas, quase todos os dias. Pelo menos um dos sintomas é: 1)
humor depressivo e/ou irritável durante a maioria do dia (descrição subjectiva ou observada
por outros) ou 2) perda de interesse ou de prazer na maioria das actividades (descrição

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subjectiva ou observada por outros). Adicionalmente, a criança deve apresentar pelo menos
quatro dos seguintes sintomas (ou três caso tenha preenchido os dois critérios anteriores): 3)
perda ou aumento do apetite e do peso; 4) insónia ou hipersónia; 5) lentificação ou agitação
psicomotora; 6) fadiga ou perda de energia; 7) sentimentos de desvalorização ou de
culpabilidade; 8) diminuição da capacidade de pensamento, concentração ou aumento de
indecisão; 9) desejo de preferir estar morto ou ideias de suicídio.
No caso da distimia, sintomaticamente semelhante à depressão major, mas com menos
intensidade, os sintomas devem ser crónicos pelo menos durante um ano, com humor
depressivo e/ou irritável presente durante a maior parte do dia, quase todos os dias. Assim,
deve apresentar pelo menos dois dos seguintes sintomas: 1) perda ou aumento do apetite; 2)
insónia ou hipersónia; 3) fadiga ou pouca energia; 4) baixa auto-estima; 5) dificuldades de
concentração ou na tomada de decisões; 6) sentimentos de falta de esperança.
Por fim, na perturbação depressiva sem outra especificação situam-se os casos de
crianças com características depressivas que não preenchem os critérios para as perturbações
depressivas acima referidas (major e distímica).
Relativamente à classificação psicodinâmica ter-se-á em conta o estudo realizado pela
Equipa 2 do Centro de Saúde Mental Infantil e Juvenil de Lisboa no ano de 1988 com 40
crianças deprimidas, no qual se apurou os núcleos da patologia depressiva com vista a uma
intervenção terapêutica mais precisa. Estes núcleos depressivos constituem-se como modelos
conflituais associados a cada etapa do desenvolvimento e resultam da evolução do narcisismo
na criança em ligação com as experiências traumáticas vivenciadas no meio externo. Mais
tarde, podem evoluir para uma integração reparadora ou persistir como pontos de fixação aos
quais se regressa no caso de as experiências traumáticas antigas se repetirem e facilitarem a
ruptura defensiva interna. Posto isto, nas linhas seguintes serão descritos em pormenor os três
núcleos depressivos pré-genitais (oral, anal e fálico) e, ainda, algumas considerações sobre o
núcleo depressivo edipiano onde se pode organizar a depressão neurótica e a evolução
depressiva relativa à crise da latência (Ferreira, 2002).
O núcleo depressivo precoce relaciona-se com a fase oral e, como tal, remete para a
relação precoce com o imago materno, caracterizando-se por um apelo fusional na relação
com o outro (atitude de sedução), olhar ávido, instabilidade interna ou externalizada pela
procura ávida de um bom objecto, inibição e receio da própria agressividade, fragilidade e
dependência do Eu, confusão sujeito/objecto manifesta numa linguagem nem sempre clara,
falha na noção dos limites entre fantasia/realidade, nos limites do agir, do tempo e do espaço
(Ferreira, 2002).

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O núcleo depressivo primário, ligado à fase anal é marcado pelo processo de
separação/individuação descrito por Mahler (1993) que pressupõe um afastamento
progressivo da figura materna sem perder o afecto desta. Contudo, devido a uma falha de
valorização/confirmação narcísica do objecto materno, ao confronto com uma mãe poderosa,
fálica e castradora ou face à distância relacional com uma mãe deprimida a criança teme que a
afirmação do Eu represente uma ruptura relacional e a perda do amor do objecto. Assim,
sente-se invadida pelo sentimento de humilhação, desvalorização, insegurança, vazio, medo
de ser rejeitada/abandonada, tornando-se dependente, submissa pelo recurso ao evitamento e
renúncia ao próprio poder. A figura materna é idealizada (defesa à falha narcísica) reenviando
para o sentimento de insuficiência e baixa auto-estima na criança face à percepção de um
modelo ideal inatingível (Coimbra de Matos, 2007; Ferreira, 2002; Malpique, 1999). Teresa
Ferreira (2002) adianta, ainda, que a valorização narcísica pela figura paterna reveste-se da
maior importância pelo efeito reparador na depressão primária da criança.
A depressão anaclítica do lactente em situação de hospitalismo descrita por Spitz
(2004) pode inserir-se no núcleo de depressão primária por pressupor a interiorização de uma
relação objectal que sofre uma ruptura face à condição de privação materna. Neste estado de
carência afectiva observa-se uma primeira fase de protesto, seguindo-se uma segunda fase de
desespero que culmina na depressão que conduz à morte na terceira e última fase.
A depressão branca poderá também inscrever-se ao nível da depressão primária
através de uma resposta psicossomática (e.g., eczema e asma) manifesta no comportamento de
frustração e vazio na criança face à desorganização das defesas psíquicas e à falha de
mentalização desencadeada por uma relação de objecto progressivamente esvaziada de
afectos (Ferreira, 2002; Gueniche, 2005).
O terceiro núcleo depressivo, de tipo fálico, designa a organização estrutural triangular
pré-edipiana, na qual sobressai a descoberta da diferença de sexos. Como diria Teresa Ferreira
(2002) “ambos os pais devem reconhecer o valor de cada sexo na criança organizando o
narcisismo fálico vivido como uma plenitude, como força e organizador de uma sexualidade
futura no masculino ou no feminino, completada no movimento edipiano do Eu” (p. 308). A
ausência de valorização narcísica nesta fase é experienciada inconscientemente como uma
falha ou castração podendo remeter para uma regressão ou dominar a incapacidade de
organizar uma relação amorosa no futuro pela inibição do desejo de procura activa do
encontro amoroso ou, pelo contrário, a procura compulsiva numa atitude sedutora de
superfície (Ferreira, 2002; Strecht, 2001). Assim, futuramente podem-se organizar
“personalidades frágeis com patologia de identidade sexual pela dúvida de um valor como
seres, no masculino ou no feminino” (Ferreira, 2002, 308). A falha no narcisismo fálico pode

11
ligar-se ao sentimento de humilhação, desvalorização, submissão ao poder fálico materno na
criança, à perda do amor do objecto ou à constatação da sua imaturidade funcional face ao
enorme poder atribuído ao objecto ideal, não lhe permitindo afirmar o seu. No plano
fantasmático a figura paterna reveste-se da maior importância pela possibilidade de
representar uma função reparadora em ambos os sexos. Quando tal não se observa pode-se
pressupor que a figura paterna é distante, ausente ou também se encontra submetida ao
matriarcado familiar (Ferreira, 2002).
O núcleo depressivo edipiano neurótico constitui-se como parte integrante na evolução
normal da neurose da criança face ao duplo sentimento de exclusão da cena primitiva (relação
dos pais) e reconhecimento da diferença de gerações (face aos pais) culminando em sintomas
como tensões nocturnas, ansiedade, pesadelos, entre outros. Quando a criança não apresenta
recursos suficientes para lidar com o sentimento de exclusão, abandono, solidão devido às
falhas de integridade narcísica apuradas em etapas anteriores, a vivência de tristeza, inibição e
desinteresse pode sobrepor-se à ansiedade de castração (considerada adaptada nesta etapa)
instalando-se a depressão neurótica (Ferreira, 2002; Lustin, 2004).
Por fim, em crianças na latência verifica-se uma evolução depressiva nos casos em que
sempre dominou uma organização narcísica pouco consistente nas fases precedentes (oral,
anal, fálica e edipiana) sem, contudo, se verificar a predominância de uma destas fases.
Assim, a criança recorre ao evitamento dos conflitos e das decepções narcísicas, tal como, a
uma posição passiva, inibida na qual domina a culpabilidade consciente e inconsciente como
defesa ao agravamento depressivo e à descompensação narcísica. É frequente apresentarem
como motivo de consulta queixas de insucesso escolar, apatia, ausência de curiosidade e
tristeza à data da entrada para a escola (Ferreira, 2002; Strecht, 2001).
Em fases do desenvolvimento avançadas como a adolescência ou fase adulta o sujeito
deprimido pode procurar preencher o sentimento de vazio (falha narcísica), a fragilidade e/ou
dependência do Eu através de formas simbolicamente substitutivas do objecto de amor (e.g.,
álcool e droga) ou em sublimações pela arte e actividade profissional (Ferreira, 2002).
No tratamento da depressão deve-se procurar implementar uma abordagem
psicoterapêutica adequada a cada caso e segundo o tipo de organização depressiva da criança.
Desta forma, destacam-se três abordagens psicoterapêuticas diferentes, não se devendo
registar um período de tratamento inferior a seis meses: psicoterapia semanal individual com a
criança a par de consultas terapêuticas aos pais; seguimento psicoterapêutico da criança com
apoios específicos no âmbito escolar pretendendo-se uma melhor adaptação do meio à criança
(Ferreira, 2002; Strecht, 2001); consultas terapêuticas com os pais e com a criança (Ferreira,
2002; Stark, Banneyer, Wang & Arora, 2012). Durante as sessões de psicoterapia o terapeuta

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deve procurar criar uma relação empática com a criança, oferecendo-se como modelo
contínuo, contentor e afectuoso de forma a restaurar o narcisismo ferido da criança,
fortalecendo o Eu fragilizado e/ou aliviando o impacto do superego punitivo e rígido
(Ferreira, 2002; Strecht, 1998). Aparentemente, não são descritos benefícios clínicos na
administração de psicotrópicos na depressão infantil, que ao serem utilizados poderiam até
surtir efeitos adversos aos resultados esperados (Ferreira, 2002; Palacio-Espasa, 2004).
Todavia, na opinião de Marcelli (2005) a prescrição de antidepressivos numa posologia de
dose correcta e controlada é recomendada no caso de depressões mais graves resistentes à
psicoterapia e às reestruturações de vida.
Em suma, pode-se depreender que para alguns autores a depressão na criança é
associada a uma reacção afectiva a acontecimentos exteriores nos quais sobressai a separação
ou perda do amor do objecto (Bowlby, 1990; Coimbra de Matos, 2002, 2007; Ferreira, 2002;
Spitz, 2004). Ainda assim, na opinião de Klein (1986) através da teoria da posição depressiva,
a depressão resulta do desenvolvimento maturativo no qual domina o processo fantasmático.

4. As Famílias de Crianças com Depressão

O desenvolvimento das crianças insere-se em determinados contextos sociais com os


quais esta contacta, sendo o contexto familiar, aquele que mais se destaca dos restantes para a
maioria das crianças, devido à centralidade que apresenta na vida dos sujeitos. Segundo
Schaffer (1996) “a família é o primeiro e o mais importante contexto para o crescimento físico
e psicológico” (p. 204). A família apresenta um conjunto de características que a tornam única
face aos outros contextos: são grupos restritos e íntimos que facilitam à criança a aquisição de
regras de comportamentos consistentes; é a unidade básica dentro da qual a criança é
apresentada à vida social; as famílias são compostas por elementos que asseguram a
segurança e os cuidados necessários à criança (Schaffer, 1996); e detém também um papel
relevante no desenvolvimento da identidade da criança. Para que este processo ocorra de
forma harmoniosa é necessário que a família possibilite um contexto estruturante e
organizador (com destaque para a diferenciação de gerações e sexos) onde a qualidade da
relação de casal e da relação pais-filhos assume particular importância na forma como as
crianças se sentem investidas pelos pais (Goldschmidt, 2003).
Como sistema, a família organiza-se como um todo, assim, não se pode tentar
compreendê-la pelo somatório das suas partes, pois a família é uma unidade dinâmica. A
família integra subsistemas inter-relacionados e governados por regras definidas: os membros
familiares e as interacções que estabelecem entre si geram um padrão de influência circular

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onde os membros são interdependentes e, deste modo, as mudanças que ocorrem numa parte
da família repercutem-se nas restantes. Como sistema aberto (i.e. sujeito às influências
externas) a família está sujeita à continuidade e à mudança (Schaffer, 1996). Teresa
Goldschmidt (2003) ressalva a importância da capacidade que a família tem para investir
afectivamente nos seus elementos, em particular nas crianças, centrando-se nas suas
necessidades e não nas necessidades das figuras parentais.
Compreende-se facilmente, assim, que a saúde mental de uma criança e a sua
capacidade para resistir a tensões e conflitos provêm do espaço virtual promotor do
desenvolvimento que os pais constroem na relação com o/a filho/a (Salgueiro, 1995). Assim,
“mesmo que uma criança se fragilize muito na sua inserção escolar, se tiver uma boa base de
apoio familiar, estará mais apta a ultrapassá-la do que se essa falha for concomitante ou
secundária a uma dificuldade familiar” (Strecht, 2001, p. 132).
No que concerne, mais especificamente, às famílias de crianças com depressão
segundo Sander e McCarty (2005) na génese da depressão na infância actuam múltiplos
factores de ordem parental e familiar, tais como: clima familiar; interacções pais-criança; tipo
de vinculação existente; psicopatologia parental (viz., depressão parental); estilo cognitivo
parental. E, ainda, o temperamento da criança e a maneira como esta lida com o ambiente
familiar podendo condicionar a sua resiliência (Cyrulnik, 2003) ou tornar a criança mais
vulnerável à depressão. Variáveis como stress, conflito conjugal e suporte social interagem de
forma determinante com os factores mencionados anteriormente.
Nas linhas seguintes serão analisados estes factores de forma mais detalhada,
atendendo aos diversos autores que se dedicaram ao estudo teórico e/ou empírico da
etiopatogenia familiar na depressão da criança.
Coimbra de Matos (2002) reitera a existência de uma constelação familiar
depressígena composta pelo desequilíbrio entre o feminino e o masculino, entre as figuras
parentais, com um objecto parental dominador e actuante, geralmente também tirânico
(vulgarmente associado à mãe) e o outro demitido da sua função parental (comummente
ligado ao pai que pode estar deprimido). O autor assinala que a condição patogénica encontra-
se na relação privilegiada, situação totalitária que a criança experiencia com o objecto
dominante da díade parental, através do controlo materno precoce e continuado (que pode ser
desempenhado pela figura paterna e não materna) perante a demissão da outra figura. Posto
isto, conclui que à criança “só lhe resta a obediência, submissão e progressiva desistência e
adaptação depressiva; e/ou a revolta amordaçada. Ulteriormente, poderá chegar (ou não) à
revolução e libertação” (p. 445). A tendência para a presença de uma figura materna

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dominadora, controladora e punitiva é também defendida por Garber, Gallerani e Frankel
(2009).
O sentimento de impossibilidade de corresponder à expectativa parental por parte da
criança devido à carga fantasmática de um superego rígido e exigente face ao ideal do Eu
contribui também para a génese da depressão infantil (Gueniche, 2005; Marcelli, 2005).
É frequente encontrar-se na literatura a associação de conflitos acentuados nas relações
familiares de crianças deprimidas, incluindo maiores níveis de agressões verbais e físicas,
caracterizando-as como disfuncionais. Estes conflitos parecem estar ligados a uma dificuldade
na sua resolução. Através da observação da interacção pais-filhos, da percepção das figuras
parentais e da análise dos relatos das próprias crianças deprimidas verifica-se uma tendência
para interacções familiares mais negativas, hostis e negligentes, acentuando-se a falta de
comunicação, coesão e suporte familiar comparativamente com famílias de crianças não
deprimidas (Garber et al., 2009; Jones, Beach & Fincham, 2006; Schwartz, Gladstone &
Kaslow, 1998; Stark et al., 2012). No estudo comparativo realizado por George, Herman e
Ostrander (2006) observou-se uma associação entre sintomas depressivos na infância e
ambientes familiares pouco coesos e intelectuais, com elevados conflitos. Neste seguimento,
para Funk e Stark (2012) e Stark et al. (2012) a criança internaliza o padrão de relações
familiares negativas, tornando-a mais susceptível à patologia depressiva.
As experiências de separações e/ou perdas precoces e repetidas com valor traumático,
em especial da figura materna, também associadas a situações de óbito de um dos pais, avós,
irmãos ou outras figuras significativas, separação ou divórcio parental, hospitalizações, entre
outros, parece afigurar-se na literatura como um dos factores que mais se salienta na génese
da depressão infantil (Ferreira, 2002; Gueniche, 2005; Marcelli, 2005; Schwartz et al., 1998).
Os conflitos conjugais tendem a afectar negativamente a depressão na criança
(Cummings, Keller & Davies, 2005; Ferreira, 2002; Jones et al., 2006) através da influência
no estilo parental e no tipo de vinculação, contribuindo para o aumento dos conflitos na
relação pais-criança e criança-irmãos. Neste sentido, num estudo longitudinal de O’Donnell,
Moreau, Cardemil e Pollastri (2010) observou-se que os estilos parental e cognitivo actuam
como moderadores na relação entre o conflito inter-parental e a depressão na infância.
Deste modo, as carências ou incoerências afectivas e/ou educativas precedentes ou não
de situações de separação são apontadas como causas para a patologia depressiva da criança
(Gueniche, 2005). Em comparação com os seus pares observa-se que as crianças deprimidas
tendem a percepcionar os pais como figuras que providenciam pouco afecto e suporte, um
maior controlo, intrusão e rejeição e menor disponibilidade emocional para os filhos,
tornando-os mais propensos a uma vinculação insegura (Bowlby, 1990; Garber et al., 2009;

15
Jones et al., 2006; Marcelli, 1995; Schwartz et al., 1998). A este propósito Gullone, Ollendick
e King (2006) analisaram o papel da representação da vinculação em 326 crianças e
observaram que uma representação da vinculação que indique disfunção correlaciona-se aos
sintomas depressivos.
A partir de um estudo longitudinal Mezulis, Hyde e Abramson (2006) obtiveram uma
correlação entre o temperamento negativo da criança, eventos de vida negativos e
vulnerabilidade para a depressão, através do estilo cognitivo, agravado pelos comportamentos
maternos de feedback negativo face à criança e expressão de zanga.
Vários autores (Ferreira, 2002; Gueniche, 2005; Hughes & Asarnow, 2011; Marcelli,
2005; Schwartz et al., 1998; Strecht, 1998) assinalam a importância da existência de uma
patologia familiar que geralmente se traduz em núcleos depressivos num ou em ambos os
pais, com destaque para a figura materna que através da relação precoce com a criança
permite a introjecção do seu sofrimento psíquico pela criança. No âmbito da patologia
parental intervêm também os mecanismos biológicos na ordem de uma maior predisposição
genética para a depressão nas crianças filhas de pais deprimidos, com risco acrescido no caso
de ambos os pais se encontrarem deprimidos. A interacção das mães deprimidas com os filhos
é descrita como tendencialmente disfuncional pela presença de sentimentos negativos como a
tristeza, irritabilidade e hostilidade dirigidos aos filhos. Tratam-se de mães mais intrusivas,
menos positivas, mais conflituosas, mais punitivas (têm pouca tolerância ao comportamento
dos filhos e são mais críticas) e apresentam dificuldades em resolver conflitos ou adoptar um
estilo parental democrático recorrendo com frequência ao isolamento e evitamento dos
conflitos ou superprotecção dos filhos. Estimulam menos os filhos e promovem uma
vinculação insegura, predominando a vinculação insegura-evitante. O tipo de vinculação
desorganizada parece sobressair no caso de depressões maternas mais graves (Carvalho et al.,
2006; Garber et al., 2009; Goodman & Gotlib, 1999; Hughes, Hedtke & Kendall, 2008; Stark
et al., 2012). Num estudo longitudinal com uma amostra de 83 pais de crianças com idades
inferiores a 18 meses conduzido por Gartstein e Bateman (2008) verificou-se uma correlação
entre maiores níveis de depressão materna, de afectos negativos da criança e de sintomas
depressivos na criança. A investigação longitudinal de Lau, Rijsdijk, Gregory, McGuffin e
Eley (2007) obteve resultados semelhantes aos observados no estudo anterior, ao verificar
uma associação entre a depressão materna, estilo cognitivo negativo da criança e a ocorrência
de sintomas depressivos na infância, agravados face a eventos de vida negativos. A depressão
materna pode também contribuir para um agravamento dos conflitos entre o casal parental e,
assim, afectar a interacção do pai com os filhos, nomeadamente através da superprotecção
materna e de um baixo envolvimento paterno com os filhos (Carvalho et al., 2006).

16
Outros factores como as famílias monoparentais e as famílias com baixos recursos
socioeconómicos podem também contribuir para o desenvolvimento ou agravamento da
depressão infantil (Carvalho et al., 2006; Ferreira, 2002; Schwartz et al., 1998).
Ainda que tenham sido enumerados alguns acontecimentos de vida traumáticos
ligados a uma situação de perda ou separação (real ou imaginária) e os factores favoráveis
associados ao contexto familiar tendo como resultado a depressão na criança, importa
ressalvar que não existe uma relação causal linear entre estes elementos. Todavia, tratam-se
de situações descritas com grande frequência nos antecedentes de crianças com diagnóstico de
depressão (Gueniche, 2005; Marcelli, 2005).
Tal como referem Jewell e Beyers (2008) facilmente se compreende que “os efeitos da
interacção de variáveis do ambiente familiar para distinguir e prever psicopatologia na
infância são complexos e exigem maior atenção” (p. 88). Assim, a presente investigação
propõe-se estudar esta temática aplicada ao estudo da depressão na criança que tem sido
menos abordada na literatura comparativamente com a depressão na adolescência e adultícia;
desconhecem-se estudos significativos que procurem conhecer o funcionamento familiar da
população que este estudo se propõe estudar de forma abrangente e integrada, isto é,
articulando numa mesma investigação os sentimentos e emoções familiares a partir das
percepções da criança e das suas figuras parentais; desconhecem-se investigações inseridas no
contexto sócio-cultural português que explorem as relações familiares de crianças com
depressão; o tipo de metodologia utilizada destaca-se da restante literatura por não se
encontrarem estudos de tipo qualitativo, incluindo o método de Estudo de Caso e raramente se
utiliza o instrumento Teste de Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985) combinado
com a prova Teste de Relações Familiares, Versão Casais (Bene, 1976).

5. Objectivo

O objectivo principal do presente estudo é identificar e descrever a percepção das


relações familiares em crianças diagnosticadas com uma organização depressiva e nas
respectivas figuras parentais. Assim, espera-se contribuir para uma maior compreensão do
funcionamento familiar destas crianças, considerando que o contexto familiar desempenha
uma importante função no desenvolvimento e manutenção do sofrimento depressivo na
criança. Posto isto, o presente estudo pretende dar resposta à seguinte questão de investigação:
qual a percepção das relações familiares em crianças com funcionamento depressivo, na mãe
e no pai?

17
MÉTODO

1. Delineamento

De modo a responder à questão de investigação – qual a percepção das relações


familiares em crianças com funcionamento depressivo, na mãe e no pai? Optou-se pela
utilização do método de Estudo de Caso múltiplo, exploratório, com metodologia qualitativa
por se colocar a questão “o quê?” sem que sejam delineadas a priori uma teoria e hipóteses
precisas, visto que o objectivo principal é desenvolver hipóteses que possam ser testadas em
pesquisas confirmatórias. Esta metodologia aborda fenómenos contemporâneos a partir do seu
contexto real, onde as variáveis são dificilmente manipuláveis pelo experimentador (Yin,
1984). Assim, os Estudos de Caso são “generalizáveis a proposições teóricas e não a
populações ou universos” (Yin, 1984, p. 21), ou seja, pressupõe-se a generalização analítica
com vista a corroborar, fortalecer ou refutar uma teoria e não a generalização estatística.
Perante a utilização de múltiplas fontes de evidência e a representação dos fenómenos através
da perspectiva do próprio sujeito, este método permite, ainda, descrições e análises mais
intensivas dos fenómenos (Shaughnessy, Zechmeister & Zechmeister, 2006; Stake, 2005;
Stark & Torrance, 2005).

2. Participantes

Esta investigação é constituída por cinco crianças diagnosticadas com depressão pelos
psicólogos e pedopsiquiatras da Unidade de Pedopsiquiatria do Serviço de Pediatria de um
hospital situado na Península de Setúbal e os respectivos pais. Três crianças pertencem ao
sexo masculino e duas ao sexo feminino. Segundo a terminologia psicanalítica de Freud
(1905/1981) estas crianças encontram-se no período de latência, com idades compreendidas
entre os 87 e os 125 meses, isto é, entre os 7 anos e 3 meses e os 10 anos e 5 meses (M=113,4
meses). Com excepção da menina mais nova que frequenta o 1º Ano de escolaridade, todas as
outras crianças frequentam o 4º Ano do 1º Ciclo do Ensino Básico (no final do ano lectivo
todas transitaram de ano, sem registarem reprovações nos anos lectivos anteriores). Nos casos
em estudo todas as famílias residem na Península de Setúbal e os progenitores são casados,
encontrando-se apenas uma família reconstruída com descendência de uma relação anterior,
sendo que as restantes famílias são de tipo nuclear e todas as crianças têm apenas um(a)
irmão/irmã. Dois casos, o Tomé e a Isabel são irmãos, perfazendo uma família nuclear
completa em estudo. A idade das mães varia entre os 37 e os 39 anos (M=38.5) e a dos pais

18
entre 38 e 46 anos (M=41.25). Quanto às habilitações literárias das mães, uma tem Mestrado
(encontrando-se a realizar o Doutoramento), duas têm o Ensino Secundário concluído e uma
tem o Ensino Secundário incompleto (6º Ano). Dos pais, um tem o Mestrado e os restantes
têm o Ensino Secundário incompleto (9º Ano, 8º Ano e 5º Ano), sendo que o pai com menos
habilitações é o único progenitor que se encontra desempregado. As famílias em estudo
distribuem-se da seguinte forma quanto à classe social a que pertencem: Caso do João –
Classe I (Alta); Casos do Tomé, Isabel e Gabriel – Classe III (Média); Caso da Mariana –
Classe IV (Média Baixa).

3. Procedimento

Inicialmente remeteu-se a carta com o pedido de autorização (Anexo A), projecto de


investigação (Anexo B) e Consentimento Informado (Anexo C) ao Presidente do Conselho de
Administração e à Direcção do Serviço de Pediatria de um hospital da Península de Setúbal.
Após a obtenção da autorização (Anexo D) foram identificadas cinco crianças avaliadas e
diagnosticadas com um funcionamento depressivo pelos Psicólogos e Pedopsiquiatras da
Unidade de Pedopsiquiatria, Serviço de Pediatria, do hospital em causa. De forma a evitar
possíveis condicionantes indesejáveis face aos objectivos da investigação, além de crianças
com diagnóstico de organização depressiva, utilizaram-se, ainda, como critérios que todas as
crianças teriam de viver com ambos os pais e encontrar-se no período de latência,
aproximadamente dos 6 aos 10 anos de idade.
No início ou término de uma consulta da criança/pais na Unidade de Pedopsiquiatria o
investigador foi apresentado pelo técnico à família explicitando sumariamente a investigação
e procedimentos inerentes a esta. Após os pais aceitarem participar no estudo, agendou-se as
próximas sessões de recolha dos dados (dependendo da disponibilidade de cada família, por
vezes, os próximos encontros foram marcados sessão-a-sessão).
Realizaram-se três sessões de recolha de dados com cada criança e duas com os pais
(apenas uma sessão com ambos os pais) com a duração aproximada de uma hora, com
excepção do Caso do João que registou cinco sessões com a criança e três com os pais, devido
à menor disponibilidade de tempo dos pais (as primeiras três sessões com o João tiveram uma
duração de cerca de 30 minutos). As sessões realizaram-se antes (Caso da Isabel), durante
(sessões com os pais) e/ou após a consulta de Pedopsiquiatria/Psicologia da criança na
Unidade e, ainda, em datas pré-estabelecidas com a investigadora.
Contrariamente ao que se tinha previsto na fase de planificação deste estudo, não se
seguiu a mesma ordem na aplicação dos instrumentos com todos os Casos em estudo. Ainda

19
que este facto possa condicionar os resultados obtidos funcionando como variável parasita,
optou-se pela adaptação às necessidades específicas de cada criança (e.g., tempo que
despendem na aplicação de cada prova), à disponibilidade horária dos pais e da própria
investigadora e existência de gabinetes disponíveis para cada sessão.
Assim, a recolha dos dados teve início através de uma sessão com ambos os pais (Caso
do Tomé, Isabel e Gabriel) ou com apenas a mãe (Caso do João e Mariana) apresentando-se o
consentimento informado, no qual se explicou o âmbito da investigação, o número de
encontros necessários à recolha dos dados e os cuidados éticos implicados (e.g., carácter
voluntário de participação, confidencialidade, protecção dos dados). Na primeira sessão com
o pai presente foi-lhe igualmente apresentado o consentimento informado, sendo importante
ressalvar que todas as crianças obtiveram o devido consentimento por escrito das figuras
parentais. Com ambos os pais presentes realizou-se uma entrevista semi-directiva (Anexo E)
com o objectivo de recolher os dados necessários à elaboração da anamnese da criança,
genograma familiar e, ainda, para a Classificação Social Internacional de Graffard (Gomes
Pedro, 1985) (Anexo F). Procedeu-se à passagem da prova Teste de Relações Familiares,
Versão Casais (Bene, 1976) (Anexo G) a cada figura parental individualmente.
A primeira sessão com a criança iniciou-se com uma entrevista semi-directiva (Anexo
H) com o intuito de recolher informações associadas à história e percepção familiar da criança
como, também, permitir que esta se expressasse de forma espontânea, favorecendo, assim, a
criação de uma relação de aliança com a observadora, de modo a facilitar a passagem das
provas projectivas que se seguiram.
Nos Casos do Tomé, Isabel e Mariana, em seguida, administraram-se os testes
Desenho Livre e Desenho da Figura Humana (Machover, 1978). Na segunda sessão
procedeu-se à aplicação dos instrumentos Desenho da Família (Corman, 2003), Teste de
Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985) (Anexo I) e Inventário de Depressão
para Crianças (Marujo, 1995) (Anexo J).
No caso do Gabriel após a aplicação do Desenho Livre utilizou-se o Inventário de
Depressão para Crianças (Marujo, 1995). Na segunda sessão aplicou-se o Desenho da
Figura Humana (Machover, 1978) e o Teste de Relações Familiares, Versão Crianças (Bene,
1985). O Desenho da Família (Corman, 2003) aplicou-se na última sessão.
Na segunda sessão de recolha de dados com o João aplicou-se o Desenho Livre, na
terceira sessão o Desenho da Família (Corman, 2003). A quarta sessão iniciou-se com a
passagem do instrumento Teste de Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985),
seguiu-se o Desenho da Figura Humana (Machover, 1978) e o Inventário de Depressão para
Crianças (Marujo, 1995).

20
Na última sessão com cada criança realizou-se a passagem da técnica projectiva As
Aventuras de Pata-Negra (Corman, 2001) (Anexo K).
Deve-se, ainda, referir que a passagem dos instrumentos supramencionados foi
realizada pelo mesmo examinador e numa sala pertencente à Unidade de Pedopsiquiatria.
Durante a passagem das provas enfatizou-se a importância da participação voluntária de cada
sujeito, tal como, o facto de não existirem respostas certas ou erradas nas provas aplicadas,
visto que o interesse está no que o indivíduo considera mais verdadeiro para si mesmo. Todos
os nomes mencionados nesta investigação são fictícios, de forma a preservar a
confidencialidade dos dados.
Após a recolha dos dados junto das famílias recorreu-se aos processos clínicos de
forma a obter os dados relativos à origem e motivo do pedido, gravidez, parto,
desenvolvimento durante a primeira, segunda e terceira infância da criança, história familiar e
relatórios escolares. Em seguida, procedeu-se à análise dos dados através da integração da
informação fornecida nos processos clínicos, observação livre, entrevistas e provas aplicadas
aos pais e crianças, enfatizando-se a percepção das relações familiares de cada sujeito em
estudo (criança, mãe e pai). Por fim, elaborou-se uma comparação e discussão geral dos
resultados obtidos em cada uma das famílias de forma a aceder a uma leitura compreensiva
das percepções familiares presentes nas famílias de crianças diagnosticadas com depressão.

4. Instrumentos

De forma a analisar a percepção das relações familiares na criança com depressão, na


mãe e no pai utilizaram-se os seguintes instrumentos: Desenho da Família (Corman, 2003),
Teste de Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985), Teste de Relações Familiares,
Versão Casais (Bene, 1976) e As Aventuras de Pata-Negra (Corman, 2001). Para
complementar o funcionamento das crianças recorreu-se ao Desenho Livre e ao Desenho da
Figura Humana (Machover, 1978). Para avaliar a depressão das crianças procedeu-se à
passagem do Inventário de Depressão para Crianças (Marujo, 1995).
Adicionalmente, neste estudo criaram-se duas entrevistas semi-directivas, uma
destinada aos pais e outra às crianças com o intuito de recolher informações complementares
sobre a criança e família face aos objectivos da investigação. Algumas das questões
formuladas na entrevista das crianças basearam-se no instrumento Semistructured Clinical
Interview for Children and Adolescents de McConaughy e Achenbach (2001). A entrevista
dos pais permitiu, ainda, formular o genograma familiar e aceder à classe social de cada
família com recurso à Classificação Social Internacional de Graffard (Gomes Pedro, 1985).

21
4.1. Desenho Livre

A técnica grafo-motora do Desenho Livre é usualmente utilizada na clínica infantil


como forma privilegiada de aceder ao mundo fantasmático da criança. Para a criança o
desenho é sentido como um meio natural de se expressar, pois “mesmo na latência é frequente
uma criança ultrapassar a inibição verbal comunicando pelo desenho, onde expressa o conflito
latente que a trouxe à consulta, a vida fantasmática, as defesas – o funcionamento mental”
(Ferreira, 2002, p. 358). É através do desenho espontâneo que se distingue de forma particular
a organização de figuras no espaço, a relação entre os objectos, os pormenores, a utilização e
escolha das cores, assim como, as formas e os elementos incongruentes. À criança é
possibilitada a escolha do seu modo de expressão e de deslocar para o desenho o que sente
durante a sessão (Celié, 2004). Tal como defende Celié (2004) “os afectos são transmitidos
pelas cores, e são permitidas todas as regressões, como no sonho” (p. 270). Este trabalho deve
ser completado através do recurso à palavra e à associação, permitindo a tradução das
vivências psíquicas na realidade consciente da criança. A interpretação do Desenho Livre
deve ter sempre em consideração a idade e o nível de desenvolvimento da criança que o
realiza (Celié, 2004; Di Leo, 1987).
Posto isto, durante a avaliação psicológica é dada a seguinte instrução à criança:
“gostaria que fizesses um desenho nesta folha”, disponibilizando-se uma folha branca, um
lápis de carvão, lápis de cor e canetas de feltro. Caso a criança necessite, incluir uma
borracha. Após a finalização do desenho surge a fase de inquérito, onde deve ser pedido à
criança para descrever o que desenhou (e.g., quem são as pessoas que desenhou e o que estão
a fazer) e contar uma história alusiva ao desenho.

4.2. Desenho da Figura Humana

O Desenho da Figura Humana, originalmente criado por Goodenough em 1926 como


instrumento de medida do desenvolvimento intelectual de crianças foi posteriormente
adaptado ao estudo da personalidade de crianças e adultos por Karen Machover, em 1949 (cit.
por Machover, 1978). Através da publicação dos resultados de diversas observações clínicas
sobre a representação gráfica de figuras humanas desenhadas por sujeitos com variados
problemas psicológicos, Machover atribuiu um carácter projectivo à prova. Como tal,
segundo a autora, ao desenhar uma pessoa, o sujeito representa no papel a sua auto-imagem
corporal, a relação fantasmática que mantém com o ambiente, as suas aspirações, imagem
ideal e pessoas significativas. Celié (2004) acrescenta que este teste “revela as fixações

22
precoces, o investimento particular das zonas erógenas, os locais de conflitos pulsionais e a
estrutura da organização tópica do sujeito” (pp. 268-269). Desta forma, a prova permite a
projecção das identificações e conflitos da criança, que aliados à avaliação dos aspectos
normativos implícitos ao processo de desenvolvimento humano transmitem informações
pertinentes sobre o indivíduo em avaliação (Machover, 1978).
Durante a administração da prova é entregue ao sujeito um lápis de carvão, lápis de
cor, uma folha de papel branco em formato A4 e, ainda, uma borracha (caso o sujeito a
solicite). Segue-se a seguinte instrução: “Gostaria que desenhasses uma pessoa nesta folha.
Faz o melhor desenho que puderes” e um inquérito quando o desenho estiver terminado.
Todos os comentários proferidos pelo sujeito ao longo da prova devem ser anotados pelo
observador. Após este primeiro desenho solicita-se ao sujeito que desenhe uma pessoa do
sexo oposto à figura desenhada em primeira instância, repetindo-se o processo de aplicação
utilizado no primeiro desenho (Machover, 1978). Neste estudo além da versão integral da
prova proposta por Machover (1978) recorreu-se a um inquérito constituído por três questões
complementares por se considerarem adequadas e pertinentes face aos objectivos da prova
atendendo à fase de desenvolvimento das crianças em estudo. Seguem-se as questões
utilizadas: Quem é esta pessoa? Como se chama e que idade tem? Qual foi o dia mais feliz da
sua vida? E o dia mais triste? Conta-me uma boa recordação que tenha. E uma má recordação.

4.3. Desenho da Família

A prova do Desenho da Família segundo Corman (2003) é um instrumento projectivo.


Deste modo, a partir da instrução “Desenha uma família inventada por ti” a criança é
convidada a criar e a projectar livremente as suas tendências inconscientes e conscientes,
revelando os sentimentos experienciados perante os elementos da sua família. Trata-se, pois,
de uma prova de personalidade onde são projectados os conflitos, afectos, sentimentos,
desejos, medos e identificações da criança.
Após a realização do desenho é solicitado à criança que atribua um nome, idade e
papel ocupado na família por cada personagem desenhada e, ainda, a descrição do que se
encontram a fazer. Segue-se um inquérito denominado por Corman (2003) como método das
Preferências-Identificações, no qual são questionadas as preferências ou aversões associadas
às personagens representadas e ao próprio desenho na sua globalidade (e.g., Quem é o mais
feliz? Porquê? Quem é o menos feliz? Porquê? Quem manda mais? Porquê? Quem manda
menos? Porquê? Se fossem todos dar um passeio de carro mas não houvesse lugar para uma
pessoa, quem ficaria em casa? Porquê?).

23
4.4. Inventário de Depressão para Crianças

Este instrumento da autoria de Maria Kovacs (2004) também designado por CDI
(Children’s Depression Inventory) é uma escala que pretende avaliar a gravidade dos
sintomas de depressão em crianças e adolescentes, dos 7 aos 15 anos de idade, não tendo
como objectivo o diagnóstico de depressão. Trata-se, assim, de uma adaptação do teste BDI
(Beck Depression Inventory, Beck, Steer & Brown, 1996) amplamente utilizado na
autodescrição de sintomas depressivos em adultos. O CDI compreende sintomas ligados à
caracterização da depressão nas áreas da cognição, afecto e comportamento: tristeza,
pessimismo, sentimentos de insucesso, insatisfação, culpa, auto-imagem baixa, suicídio,
indecisão, fatigabilidade, dificuldades escolares, anedonia, problemas de sono e de
alimentação (Kovacs, 2004; Marujo, 1995).
No presente estudo recorreu-se à adaptação portuguesa da prova da autoria de Helena
Marujo (1995) após a devida autorização da autora. A escala contém 27 itens e pressupõe o
preenchimento pela própria criança ou por figuras relevantes na sua vida como a mãe, o pai
ou professor(a) através da escolha entre quatro opções de resposta por item com valores entre
0 e 3 pontos (total máximo de 81 pontos), sendo que zero corresponde à opção que representa
a menor intensidade e frequência e três a mais elevada e, portanto, de depressão (e.g., “Item 1:
Nunca me sinto triste, Às vezes sinto-me triste, Sinto-me quase sempre triste, Sinto-me
sempre triste”), tendo como referência as duas últimas semanas da criança/adolescente.
Assim, esta adaptação difere da versão original de Kovacs (2004) composta por apenas três
opções de resposta por item, com valores entre 0 e 2 pontos (total máximo de 54 pontos).
Para a definição de “caso deprimido” e “caso não deprimido” é frequente utilizar-se
um ponto de corte de 19 nas versões internacionais da prova, incluindo a versão de Kovacs
(2004). Contudo, na adaptação portuguesa optou-se por recorrer ao critério estatístico
associado à média (22.06) e desvio-padrão (11.68). Assim, constituíram-se quatro grupos com
as seguintes características (Marujo, 1995): Grupo 1 – “não deprimidos”: resultados inferiores
à média, menos um desvio-padrão (valores inferiores a x-s=10.38); Grupo 2: resultados
inferiores à média, sem se distanciarem dela mais do que um desvio-padrão (valores entre
10.38 e 22.05); Grupo 3: resultados superiores à média, sem se distanciarem dela mais do que
um desvio-padrão (valores entre 22.07 e 33.74); Grupo 4 – “deprimidos”: resultados
superiores à média, mais um desvio-padrão (valores superiores a x+s=33.74).
No que concerne às características psicométricas do teste, segundo dados obtidos em
diversas investigações, o teste é fiável, obtendo um coeficiente Alfa de Cronbach de 0,86
quanto ao valor de consistência interna no estudo original. Verifica-se, ainda, a existência de

24
evidência empírica sobre os valores de validade concorrente e de constructo da prova
(Kovacs, 2004). Contudo, como assinala Marujo (1995) os resultados contraditórios obtidos
ao nível da validade discriminante colocam-na na posição da propriedade psicométrica mais
criticada e discutida. Assim, em alguns estudos este instrumento não diferencia entre
populações clínicas e não clínicas ou entre diferentes grupos clínicos, enquanto noutros
estudos demonstra distinção. Este último facto coloca ênfase na sua aplicação enquanto
instrumento complementar “sobre a sintomatologia e não como um instrumento de
diagnóstico, para usar separadamente” (p. 455).

4.5. Teste de Relações Familiares, Versão Crianças

O Teste de Relações Familiares (TRF), Versão Crianças desenvolvido por Bene


(1985) caracteriza-se por uma prova projectiva que visa medir os sentimentos da criança
avaliada face aos membros da sua família e a percepção que a criança tem dos sentimentos
dos elementos da família relativamente à própria. Esta versão do teste contém duas formas
compostas por itens distintos: a forma para crianças mais novas (em idade pré-escolar) e a
forma para crianças mais velhas (em idade escolar), recorrendo-se na presente investigação à
última forma. Esta forma é composta por 86 itens, contendo cada item uma frase que é dada à
criança para a fazer corresponder a um dado membro familiar, onde a própria criança se inclui
e uma figura introduzida pelo investigador, o Ninguém (silhueta de costas), no qual podem ser
colocadas as mensagens/afectos recusados.
Na ausência de aferição para a população portuguesa, recorreu-se à tradução do teste
realizada por Malpique (1990) num estudo composto por 90 crianças com idades
compreendidas entre os 8 e os 12 anos (quarenta e cinco de cada género).
Este instrumento permite avaliar as vertentes positivas, de amor (leves/de ternura e.g.,
“06. Esta pessoa da família merece um bom presente”; fortes/erotizadas e.g., “50. Esta pessoa
da família gosta de me dar beijinhos”) e negativas, de ódio (leves/de rejeição e.g., “27. Esta
pessoa da família nunca está satisfeita”; fortes/agressivas e.g., “30. Às vezes apetece-me
matar esta pessoa da família”) dos sentimentos emitidos e recebidos pela criança face aos
elementos da família. E, ainda, o grau de dependência através da superprotecção materna,
como por exemplo, “82. A mãe preocupa-se que esta pessoa da família possa ser atropelada” e
da superindulgência parental paterna (e.g., “94. Esta é a pessoa da família que o pai gosta
mais”) e materna (e.g., “96. Esta é a pessoa da família a quem a mãe dá mais atenção”).
Quanto às características psicométricas o teste discrimina as diferenças significativas
nas relações familiares entre crianças provenientes de diferentes populações e os mecanismos

25
psicodinâmicos de defesa destacados assumem particular importância em crianças gravemente
perturbadas (Bene, 1985).

4.6. Teste de Relações Familiares, Versão Casais

Relativamente ao instrumento Teste de Relações Familiares (TRF), Versão Casais da


autoria de Bene (1976) pode-se descrevê-lo como uma técnica projectiva utilizada na
avaliação dos sentimentos que um indivíduo casado ou em situação de união de facto tem
sobre os elementos da família real, nomeadamente o cônjuge e filhos, assim como, destes
elementos perante o próprio indivíduo, segundo a sua percepção. Deste modo, contribui de
forma determinante para a compreensão das interacções emocionais da família nuclear. Os
autores referem que esta técnica pode, ainda, ser utilizada em adultos que tenham pelo menos
duas pessoas próximas a actuar como familiares (e.g., pais/mães solteiros/as com dois filhos).
Dado que se desconhece a aplicação desta prova em Portugal procedeu-se à sua
tradução para o presente estudo.
As dimensões discriminadas no teste são as seguintes: Sentimentos positivos, de amor
(leves/de ternura e.g., “06. Esta pessoa da família merece ser feliz”; fortes/erotizados e.g.,
“11. Gosto que esta pessoa da família me beije”) e sentimentos negativos, de ódio (leves/de
rejeição e.g., “24. Esta pessoa da família por vezes tem mau feitio” e fortes/agressivos e.g.,
“32. Às vezes odeio esta pessoa da família”) emitidos e recebidos pelo sujeito em relação aos
elementos da família, sentimentos de protecção, como exemplo, “81. Às vezes preocupo-me
que esta pessoa da família possa adoecer” e, finalmente, atribuição de incompetência ou
fraqueza, por exemplo, “91. Esta pessoa da família não consegue lidar suficientemente bem
com dificuldades”. A prova é constituída por 78 itens, contendo cada item uma frase que é
dada ao sujeito para a fazer corresponder a um dado membro familiar, na qual o próprio se
inclui e, ainda, uma figura denominada Ninguém composta por uma silhueta de costas onde
são colocados os afectos recusados (Bene, 1976).
Segundo o estudo original o teste discrimina adequadamente as diferenças existentes
entre a percepção das amostras clínicas e não-clínicas dos pais sobre as esposas, contudo não
se observa o mesmo resultado das esposas sobre os cônjuges. No caso da percepção familiar
alusiva aos filhos, na amostra não-clínica não se observaram diferenças significativas no
número de itens negativos/positivos atribuídos aos filhos/as. No entanto, no caso da amostra
clínica, observou-se uma diferença significativa no número de itens negativos atribuídos por
estes pais aos filhos “pacientes” em comparação com os restantes filhos, o que contribui para
as qualidades psicométricas do teste (Bene, 1976).

26
4.7. As Aventuras de Pata-Negra

A técnica projectiva As Aventuras de Pata-Negra (PN), da autoria de Louis Corman


(2001) foi desenvolvida com o intuito de avaliar a personalidade e os conflitos inerentes ao
funcionamento mental infantil a partir da abordagem psicanalítica, em crianças com idades
compreendidas entre os 4 anos e os 10 anos de idade. Trata-se de um prova composta por um
cartão designado de Frontispício, o qual introduz a prova, o cartão Fada que a conclui e,
ainda, 17 cartões contendo imagens figurativas de um porco e da sua família, a preto e branco.
Perante as solicitações manifestas e latentes contidas em cada cartão, a criança é convidada a
escolher os cartões que prefere e a narrar uma história inventada por si, dispondo a ordem de
sucessão de cada imagem. Este procedimento permitirá que a criança em situação de
avaliação projecte a sua realidade interna, defesas e registos de conflitualização subjacentes
ao seu funcionamento psíquico. Cada cartão pode reactivar sucessiva ou simultaneamente
vários registos de conflitualização na mesma criança (Boekholt, 2000).
A aplicação da prova pressupõe cinco etapas (Boekholt, 2000; Corman, 2001).
Primeira Etapa: O clínico apresenta o cartão Frontispício à criança e convida-a a identificar
PN, atribuindo-lhe a idade e sexo, assim como das restantes figuras, determinado o grau de
parentesco entre estas. Este cartão mantém-se visível ao longo da prova. Segunda Etapa, “os
temas”: Todos os cartões com excepção do cartão Fada são entregues à criança para os
distribuir em dois grupos, os que deseja contar uma história e os que não deseja. Antes de
passar à fase seguinte o clínico questiona a criança se deseja acrescentar cartões ao grupo dos
que conta uma história. Terceira Etapa, “preferências-identificações”: a criança é convidada a
separar os cartões que gosta dos que não gosta. Em seguida, por ordem de preferência no
grupo dos cartões que gosta, indica porque prefere cada cartão e quem gostaria de ser em cada
imagem. No grupo inverso, ordena a partir do que menos gosta, justificando porque não gosta,
o que alterava na imagem para gostar dela e quem seria. Quarta Etapa, “questões dirigidas”:
Inquérito sobre perceptos evidentes que a criança poderá ter omitido (e.g., urina no cartão
Bebedouro e lama em Brincadeiras Sujas). Quinta Etapa, “questões de síntese”: Questões
complementares como: Quem é o mais feliz? Porquê? Quem é o menos feliz? Porquê? O que
é que o PN pensa da sua pata-negra? No fim, apresenta-se o cartão Fada e diz-se “A fada
apareceu e disse ao PN que pode pedir três desejos. Diz-me quais foram estes desejos”.

27
RESULTADOS

1. Síntese do Estudo de Caso 1 – Tomé (10 anos e 5 meses) e do Estudo de Caso 2 –


Isabel (7 anos e 3 meses)

O Tomé (Anexo L) frequenta o 4º Ano do 1º Ciclo do Ensino Básico. Apresenta um


desenvolvimento estato-ponderal adequado ao seu grupo etário e género, observando-se um
aspecto físico harmónico, cuidado e limpo. Estabeleceu um contacto inibido, transparecendo
uma postura corporal pouco expressiva e um olhar triste, evitando manter contacto ocular.
Verbalizou pouco e maioritariamente através de monossílabos, num tom de voz baixo.
Colaborou nas provas aplicadas, mantendo uma conduta estável, controlada e concentrada.
Foi encaminhado para a Unidade de pedopsiquiatria através da consulta num hospital
localizado na Grande Lisboa por ansiedade, dificuldades de aprendizagem e queixas de
cefaleias, principalmente quando não quer ir à escola e, por vezes, nos dias em que tem jogos
de futebol. É acompanhado em consultas terapêuticas de frequência semanal com a psicóloga
da Unidade há oito meses e meio, beneficiando, ainda, de intervenção familiar.
O Tomé vive com os pais e com a irmã Isabel. O pai é chefe de oficina mecânica e a
mãe é chefe de secção do serviço de caixas de um hipermercado (tem horário por turnos, com
dois dias de folga rotativos). Devido aos empregos, os pais dispõem de pouco tempo para a
família, sendo apoiados pelos avós maternos do Tomé e da Isabel que os conduzem à escola,
às consultas na Unidade e servem-lhes o jantar, dormindo por vezes na casa dos avós. Aos
fins-de-semana quando o pai trabalha também ficam ao cuidado dos avós.
Anteriormente à gravidez do Tomé a mãe sofreu dois abortos espontâneos aos dois
meses de gestação, com um ano de intervalo entre as três gestações (incluindo do Tomé). A
gravidez foi planeada, ainda que a mãe se tenha sentido muito ansiosa e receosa devido aos
abortos anteriores. Para a avó materna a mãe passou a sua ansiedade para o filho. O pai tinha
preferência por uma menina. O Tomé nasceu às trinta e seis semanas, de parto eutócico. A
mãe nega a possibilidade de ter sofrido uma depressão pós-parto.
Durante o primeiro ano de vida o Tomé é recordado como um bebé calmo e reservado,
não se dando com todas as pessoas. Não chorava muito e aos dois meses já dormia a noite
toda “era comer e dormir, por vezes, era preciso acordá-lo para comer”. Para adormecer
gostava de mexer no nariz do adulto. Ficou no quarto dos pais até aos três anos. A partir dos
sete anos começou a partilhar o quarto com a irmã, dormindo bem e com um peluche, à
semelhança da irmã. Não se registaram intercorrências no desenvolvimento psico-motor, na
linguagem e introdução da diversificação alimentar.
28
Na entrada para o jardim-de-infância aos cinco anos desenvolve encoprese secundária
com receio de não conseguir fazer a sua higiene sozinho uma vez que em casa pedia à mãe e
avó para o limparem. Uma vez na sanita, não conseguia ficar sentado durante todo o momento
da evacuação, sentando-se e levantando-se. Por indicação do pediatra fez um calendário para
a encoprese e actualmente já não apresenta este sintoma.
Do nascimento até aos seis meses e meio o Tomé ficou aos cuidados da mãe. A partir
desse momento até aos cinco anos ficou com a avó materna até integrar um jardim-de-
infância onde chorou em silêncio durante a primeira semana no momento da separação da
família. Com seis anos inicia o 1º Ano mantendo-se as dificuldades de separação da mãe e da
avó materna: não quer ir para a escola e pede para esperarem com ele pela professora. Depois
fica bem na escola. Na presença do pai não manifesta dificuldades de separação.
Contudo, os pais associam o início dos seus sintomas quando aos 7 anos a mãe foi
operada (às varizes), ficando em casa quinze dias com a Isabel “parece que agora não é capaz
de fazer o que antes fazia”. O Tomé comentava “pois a menina fica em casa contigo”. Assim,
o Tomé começou a não querer ir à escola, chorando e dizendo “não me deixes lá”. Sentem-no
desmotivado em relação à aprendizagem escolar, tendo dificuldades em defender-se dos
pares, deixando-se agredir até por crianças mais novas, levando-o a isolar-se dos colegas no
recreio, sem brincar com medo de se aleijar (melhorou após uma conversa com o pai).
Segundo os pais é uma criança que “está sempre à espera da indicação dos pais, não tem
iniciativa nem opinião sobre alguma coisa que se lhe pergunte, ficando à espera da opinião do
adulto, é muito insegura e muito infantil, pouco autónoma em comparação com os colegas” e
acrescentam “no futebol não defende uma bola, tem muito medo de errar e de não conseguir
fazer as coisas, inibindo-se, o que prejudica muito a aprendizagem na escola”. É tímido e
reservado. Quando se sente frustrado desabafa “às vezes eu não valho nada”. Contudo, os pais
consideram que não é uma criança que se queixe ou chore. Brinca com carrinhos imitando a
profissão do pai (mecânico). Gosta também de ajudar a família nas tarefas domésticas,
esperando reconhecimento (e.g., ajudar o avô materno no quintal).
No 2º Ano de escolaridade iniciou apoio pedagógico. Segundo a professora do 3º Ano
o Tomé “relaciona-se bem com os adultos (professora e auxiliares) e com os colegas, embora
seja tímido e discreto. Precisa de ser constantemente valorizado pelo seu trabalho para ganhar
auto-estima e confiança. Gosta de participar nas actividades escolares (…) possui um ritmo de
trabalho lento o que prejudica a conclusão das tarefas, continuando a precisar muito da ajuda
da professora”. No 4º Ano mantêm-se as dificuldades escolares apontadas no ano anterior.
Após uma gravidez planeada a Isabel nasceu de parto prematuro às vinte e oito
semanas de gestação com 795g, cerca de três meses antes da data prevista, por cesariana.

29
Apesar de a mãe se sentir preocupada, na sua saúde nada justificava a prematuridade. Após o
nascimento a Isabel sofreu uma infecção por adenovírus, sem registo de sequelas. Permaneceu
dois meses e meio na incubadora e a mãe quinze dias internada, contactando com a mãe
passados oito dias do nascimento. Durante o internamento da Isabel os pais passavam o dia no
hospital até às vinte e duas horas “durante a noite ela só conseguia estar bem ao colo. Quando
saiu do hospital tinha 1,5kg. O Tomé parece que ficou ao abandono, ficava com a avó
materna”, partilha o pai. Na altura, o Tomé tinha três anos e via os pais apenas à noite. Os pais
reconhecem a existência de um ambiente emocional pesado em relação ao estado de saúde da
filha, sentindo muita preocupação e ansiedade. Na altura não notaram alterações no Tomé mas
“nota-se agora. Não transmite aquilo que sente, é reservado nas emoções” referem os pais,
admitindo, ainda, que não estariam eventualmente atentos aos sinais do Tomé.
A Isabel (Anexo M) frequenta o 1º Ano do 1º Ciclo do Ensino Básico. Apresenta um
desenvolvimento estato-ponderal adaptado à sua idade e género, contudo, de um modo global
traduz uma imaturidade que a faz parecer mais nova. Trata-se de uma criança harmónica, com
aspecto físico investido e cuidado. Estabeleceu um contacto inibido, todavia registou-se uma
disponibilidade crescente para a relação e verbalização no decorrer das sessões. Verbaliza, por
vezes, com espontaneidade, utilizando um tom de voz baixo e pronunciando as palavras de
forma imatura para a idade. Estabeleceu contacto ocular marcado por um olhar triste. Manteve
um comportamento estável, controlado e concentrado nas provas realizadas.
Pela prematuridade a Isabel é seguida na consulta de desenvolvimento de um hospital
da Grande Lisboa onde a mãe manifestou a sua preocupação relativamente à ansiedade e
medos da filha (de animais, ladrões, palhaços, deitar-se sozinha, acidentes, do perigo, etc.),
sendo encaminhada para a consulta de psicologia daquele hospital. Foi reencaminhada para a
Unidade de Pedopsiquiatria devido à sua área de residência. Assim, há cerca de dois meses
que a Isabel iniciou o acompanhamento em consultas terapêuticas de psicologia de frequência
semanal beneficiando, também, de consultas familiares junto dos pais.
Para os pais as queixas de medo e ansiedade da Isabel agravaram-se há cerca de um
ano quando o carro do avô materno foi assaltado e a Isabel encontrava-se com o avô quando
descobriu o carro aberto, ainda que a Isabel não tivesse visto os ladrões. Assim, o medo de
cães agravou-se nessa altura “como a mãe também tem medo isso não ajuda. Ela trepa por
cima da mãe desesperadamente com medo de cães”, revela o pai. A Isabel tem dificuldades
em adormecer (depois a noite corre bem) pois como a própria diz “tenho medo de ladrões
quando me vou deitar. Tenho medo que eles me levem”. Quando a mãe está em casa fica com
a Isabel até a filha adormecer. Caso contrário, a Isabel chama a mãe ao quarto e “se a mãe não
vai ela pede um copo de água, mas não chora. Comigo ela não chama, mas já houve períodos

30
de ela começar a choramingar mas eu digo que ela não tem motivos” revela o pai e acrescenta
que de manhã a mãe tenta acordar os filhos chamando-os várias vezes até ficar irritada, mas
estes não obedecem “acho que a mãe cede demais”. Com o pai levantam-se logo. A Isabel não
consegue ficar sozinha numa divisão da casa, seguindo sempre a mãe, mesmo que a mãe a
tente tranquilizar dizendo-lhe que não virão ladrões. “Se for alguém de quem ela goste a nossa
casa é um choro. Porque tem pena que as pessoas se vão embora”, confessa o pai.
Em bebé o sono da Isabel era agitado, sendo difícil adormecer. No entanto,
“adormecia facilmente no meu colo” indica o pai. Nunca teve problemas ao nível do
desenvolvimento psico-motor e linguístico associados à prematuridade, começando a andar e
a falar mais cedo que o irmão e sem dificuldades. Durante as refeições demora, por vezes,
duas horas para comer. Segundo o pai “comigo come tudo, com a mãe é mais difícil mas
quando eu repreendo a mãe tenta arranjar uma desculpa para a defender”.
Até aos cinco meses a mãe cuidou da Isabel e o Tomé ficou com a avó materna. Após
este período ficou aos cuidados da avó materna até aos seis anos, não frequentando a creche.
Na entrada para a escola registou uma boa adaptação. A professora refere que é um pouco
lenta, embora já saiba ler. É bem comportada e dá-se bem com os colegas.
Na família alargada desconhecem-se casos de doença psiquiátrica. Contudo, a mãe
revela que “em pequena era muito tímida, muito reservada, parecida com o Tomé. No recreio
não ia ter com os outros meninos”. Por seu lado, o pai confessa que “sempre fui uma pessoa
com dificuldades na escola” e, por esse motivo, aos dez anos foi seguido em psicologia.
Os pais apresentam um aspecto físico investido e cuidado e estabeleceram um contacto
adequado e expressivo. Revelaram interesse e entusiasmo em partilhar as suas vivências e em
participar na investigação. Ambos mantiveram contacto ocular, ainda que, tenha observado
um olhar muito triste e vazio na mãe, o sentimento de culpabilização, a necessidade de
prolongar as respostas às questões quando pareciam terminadas, verbalizando até ao momento
em que eu formulava uma nova questão, numa tentativa de preencher o espaço vazio. A mãe
pareceu-me uma pessoa mais negativa que o pai, o qual pareceu assumir-se como a figura que
tenta equilibrar as situações de forma mais positiva.
A figura materna apresenta uma auto-estima baixa ligada a uma vivência depressiva
com afectos na linha da insegurança, inferioridade e culpabilização na relação com os outros,
sobretudo, na relação com os filhos devido à percepção de disponibilizar pouco tempo para a
família em detrimento da vida profissional. Sente-se desvalorizada e insegura em especial na
relação com os elementos exteriores à família biológica. Assim, parece ainda muito
dependente e pouco autonomizada do espaço relacional com a sua figura materna e da própria
família de origem. Utiliza como principais defesas a idealização e a negação, permitindo-lhe

31
reprimir os afectos depressivos e a projecção de agressividade nos elementos da família. A
idealização da relação conjugal dos avós maternos: “admiro os meus pais porque quando se
deitam é como se nada tivesse acontecido e o dia a seguir é novo” expressa o desejo de
manter os conflitos recalcados através do recurso à negação e fuga para a frente. O elevado
envolvimento no meio profissional pode também remeter para uma defesa na linha da mania.
Este tipo de vivências aliadas à recção de choro intenso durante a entrevista clínica
após o pai caracterizar a relação de casal como “conflituosa” e o comentário ao cartão 45 –
Esta pessoa da família aprecia a minha companhia: “neste momento sinto-me tímida e
isolada no meu mundo, que não sei bem quem aprecia a minha companhia” na passagem da
prova TRF (Anexo N) podem remeter para depressão materna, à semelhança da hipótese
avançada pela psicóloga que acompanha os pais nas consultas terapêuticas na Unidade,
também prevendo depressão pós-parto. A psicóloga aconselhou a mãe a procurar ajuda
psicoterapêutica para esta problemática embora, a mãe tenha sempre recusado.
A figura paterna apresenta um elevado grau de neuroticismo, com forte bloqueio da
agressividade sobre os elementos da família, recorrendo a defesas na ordem da negação e
idealização das relações.
Quanto ao Tomé sobressai a expressão de auto-agressividade através de uma auto-
estima insegura e culpabilizada. Revela-se emocionalmente dependente de ambos os pais,
com destaque para a figura materna. Os principais mecanismos de defesa utilizados são a
idealização, evitamento do conflito, recalcamento, negação e formação reactiva, o que lhe
permite negar a expressão agressiva sobre os elementos da família.
A Isabel apresenta uma auto-estima insegura e percepciona-se como o elemento mais
dependente das figuras parentais, nomeadamente dos cuidados e protecção maternos. Os
principais mecanismos de defesa utilizados são o deslocamento, idealização, formação
reactiva, negação, evitamento e recusa dos conflitos, bloqueando a expressão agressiva sobre
os elementos da família e a vivência depressiva.
No âmbito da percepção materna da relação conjugal sobressaem as dificuldades na
relação de casal associadas ao sentimento de carência de apoio, compreensão e pouco
envolvimento nas funções conjugais/parentais do pai, mas também a interferência de
sentimentos de insegurança e culpabilidade por parte da mãe. O pai é ainda caracterizado de
forma autoritária, punitiva (associando ao ambiente familiar no qual se desenvolveu) e
dependente da protecção da mãe, podendo remeter para uma percepção desvalorizada desta
figura. O pai, por seu lado, tende a valorizar pouco a relação de casal, idealizando os afectos
positivos emitidos e sentindo os afectos recebidos como ambivalentes (no TRF). Esta
percepção permite antever conflitos na relação de casal “por má interpretação das coisas”,

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sentindo a mãe como uma pessoa pouco tolerante, insegura e com irritabilidade emocional,
transmitindo pouco afecto e erotização à relação. Exprime o desejo de a proteger.
Quanto à relação mãe/Tomé a figura materna percepciona esta relação de forma
dependente e idealizada, providenciando protecção e cuidado ao Tomé, mas também sente
que o filho se preocupa com a mãe. Sente-o inibido na interacção que estabelece com a mãe.
Na percepção do Tomé observa-se a presença de fantasias edipianas numa relação fortemente
idealizada, negando os aspectos negativos e a expressão agressiva, o que dificulta o processo
de separação emocional da figura materna pelo elevado grau de dependência que mantém.
Sente que a mãe centra a sua atenção nele, seguindo-se a irmã e, por último, surge o pai com
pouca indulgência materna. Revela o desejo de autonomização desta figura. Na prova PN
sobressai a vivência de desprotecção, carência e a função de apoio é representada de forma
precária, necessitando a própria mãe de um auxiliador na sua função materna e de contenção.
A interacção pai/Tomé é percepcionada pelo pai de forma idealizada e correspondida.
Sente que o filho é pouco tolerante à frustração, achando-o “deprimido” e passivo. Para os
pais o Tomé percepciona o pai como uma figura punitiva temendo a repreensão dos seus
erros. Na percepção do Tomé destaca-se uma forte idealização da relação, demonstrando o
desejo de aproximação e atenção do pai. Surge uma dependência emocional do Tomé face ao
pai que não supera a relação dependente que mantém com a mãe. Contudo, sente o pai como
uma personagem com pouca “paciência” e agressivo.
A relação mãe/Isabel é caracterizada pela figura materna como dependente e
idealizada, ainda que desperte afectos agressivos na mãe, sentindo-se irritada face às condutas
da filha. Os pais sentem a necessidade da Isabel agradar à mãe: “está sempre a dizer que gosta
muito da mãe. Quer ajudá-la”. A mãe sente-se culpada pela percepção de projectar na filha os
seus próprios medos internos, não conseguindo representar um modelo de contenção e
segurança para a filha. Na percepção da Isabel sobressai o desejo de agradar à mãe, a procura
da sua protecção e indulgência e, ainda, uma forte idealização e dependência emocional com
esta figura, o que dificulta o processo de separação. Ainda assim, a Isabel percepciona alguns
afectos negativos recebidos pela mãe (no TRF). A mãe é sentida como uma figura “chateada,
triste, aleijada” e relativamente dependente, centrando apenas a sua atenção nos filhos.
A relação pai/Isabel é idealizada e correspondida por parte da figura paterna. Sente
que a filha estabelece consigo um contacto fácil e sedutor, mas também que é muito reservada
e receosa face à atitude firme do estilo parental do pai. Segundo os pais a Isabel estabelece
apenas com o pai um discurso imaturo para a idade, ainda que, o pai a repreenda. Por parte da
Isabel esta relação é pouco valorizada projectando sentimentos de insegurança e desprotecção

33
na relação com a figura paterna. Ainda assim, na prova PN o imago paterno é associado à
função de alimentar e ao nascimento, realizando uma inversão dos papéis parentais.
A relação fraterna é percepcionada pelos pais através de uma relação próxima, ainda
que, marcada pela rivalidade fraterna onde a mãe faz uma identificação projectiva com a
relação que mantinha com o seu irmão (tio materno do Tomé e Isabel). Sentem que o Tomé é
mais dependente da protecção materna e tende a proteger a irmã enquanto a Isabel é menos
dependente, defendendo-se sozinha e sendo mais astuta. Para o Tomé a relação com a irmã é
marcada por sentimentos de inferioridade face a esta figura e pela rivalidade fraterna
transmitindo o desejo de obter a atenção/protecção exclusiva dos pais, sobretudo da mãe. Na
percepção da Isabel destaca-se a vivência de rivalidade fraterna, sentindo-se também
protegida pelo irmão (pode remeter para a defesa pela formação reactiva no Tomé).
Quanto à relação do Tomé com outros familiares os pais focam-se na interacção com o
avô materno marcada por uma atitude submissa e passiva por parte do avô e uma conduta de
provocação e desafio da autoridade do avô no Tomé.
Na relação da Isabel com outros familiares ou adultos sobressai a percepção parental
de um contacto fácil, sedutor, a necessidade de agradar e uma forte angústia de separação
mesmo de adultos com os quais não tem contacto frequente: “agarra-se muito às colegas da
mãe, mesmo não as conhecendo, elas estranham”. A Isabel percepciona o avô materno como
uma figura autoritária e punitiva.
A relação com a família de origem da mãe é percepcionada por esta de forma
idealizada, transmitindo pouco autonomia emocional sobretudo em relação à avó materna
com a qual mantém uma relação excessivamente próxima e dependente, sendo a mais
satisfatoriamente correspondida “a minha mãe é a minha melhor amiga”. Ao avô materno são
associadas características dependentes dos cuidados da mãe, podendo representar uma forma
de desvalorização desta figura. A relação com o tio materno associa-se à rivalidade fraterna e
à carência de apoio e desvalorização por parte desta figura face à mãe. A mãe sente-se
desvalorizada na relação com a tia materna. Ambos os pais consideram que a avó materna é
permissiva para o Tomé e a Isabel, estimulando pouco a autonomia dos netos.
Na relação com a família de origem paterna a mãe sente-se pouco valorizada
sobretudo na relação com a tia paterna atribuindo-lhe sentimentos de incompetência e
fraqueza e com a avó paterna, da qual apenas recebe afectos agressivos, não se sentido aceite.
O pai projecta uma elevada dependência emocional face à avó paterna, remetendo para
dificuldades no precesso de autonomização desta figura. Expressa, ainda, o desejo de a
proteger. Contudo, a avó paterna é percepcionada de forma rígida, autoritária,
emocionalmente independente, exigindo receber mais afecto do que aquele que disponibiliza

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à família. Na relação com o tio paterno apresenta um elevado grau de envolvimento afectivo,
dependendo muito desta figura. Todavia, sente-se desvalorizado. A relação com a tia paterna
(esposa do irmão) e com os primos gémeos (sobrinhos do pai) é idealizada e pouco
correspondida.
Posto isto, numa família onde as figuras parentais demonstram uma relação
emocionalmente dependente e uma fraca autonomização das famílias de origem, sobretudo a
mãe na relação que estabelece com a avó materna, sobressai uma figura materna
aparentemente deprimida e permissiva e uma figura paterna que assume uma função parental
mais firme e contentora. Os dois abortos espontâneos da mãe e a prematuridade da Isabel
podem associar-se à vivência depressiva materna. Assim, na presença da mãe (e da avó
materna) os filhos tendem a manifestar uma conduta mais imatura marcada pelas dificuldades
de separação, não observada na relação com o pai. O Tomé e a Isabel parecem ter introjectado
a depressão materna através da interacção precoce com esta figura experienciando
dificuldades de separação e autonomização do espaço materno face à falha de
confirmação/valorização narcísica, receando a perda do amor do objecto. Ainda assim, ambos
os pais parecem sentir-se culpabilizados pelo forte envolvimento no mundo laboral e pela
projecção nos filhos das suas próprias dificuldades: no caso do pai, relacionadas com o fraco
desempenho escolar e, no caso da mãe, associadas aos próprios medos e ansiedade, inibição e
isolamento social na infância e consciência da precariedade da função continente. A forte
rivalidade fraterna e o sentimento de inferioridade face à irmã no Tomé podem ligar-se ao
sentimento de abandono experienciado durante a situação de prematuridade da Isabel e a
projecção da distinção forte/fraco pelos pais, onde o Tomé representa a parte fraca, passiva,
sem recursos para se defender e a irmã o lado mais forte, capaz de se defender (provavelmente
também foi mais apoiada e protegida pelos pais devido à prematuridade).
Aparentemente o Tomé não ultrapassou o conflito edipiano pois ainda que expresse o
desejo de separação da figura materna regista-se uma relação dependente, idealizada e pouco
frustrante com esta figura marcada por uma vivência carencial, desprotegida e de precariedade
dos suportes com culpabilidade onde a agressividade é dirigida a si, remetendo para a falha
narcísica e angústia depressiva, dificultando o processo de separação/individuação. Esta
dificuldade de crescer encontra-se também implícita no sintoma de encoprese que simboliza a
problemática de guardar e reter o imago materno e simultaneamente agredi-lo e autonomizar-
se. Posto isto, o Tomé parece apresentar um núcleo depressivo primário (anal) (Ferreira,
2002), o que contraria os resultados obtidos no CDI que indicam um nível intermédio de
depressão e, portanto, não classificado no grupo de sujeitos deprimidos e no grupo de sujeitos
não deprimidos (pode explicar-se pela acção dos mecanismos de defesa durante o teste).

35
A Isabel encontra-se ao nível da relação dual com a figura materna, não permitindo a
separação emocional desta figura. Aparenta dificuldades no acesso à diferenciação sexual e de
gerações. Estas tendências traduzem o não estabelecimento do projecto identificatório e,
assim, a não elaboração do conflito edipiano. A vivência depressiva manifesta-se através do
sentimento de desprotecção parental, de carência oral e inibição da agressividade resultando
no sentimento de culpabilização pela introjecção da agressividade. Assim, parece organizar-se
através do núcleo depressivo precoce (oral) (Ferreira, 2002), o que contraria o resultado
apurado no CDI que a situa no grupo de sujeitos não deprimidos. Este resultado pode ser
explicado através de uma forte defesa face ao instrumento durante a sua realização.

2. Síntese do Estudo de Caso 3 – João (9 anos e 6 meses)

O João (Anexo O) frequenta o 4º Ano do 1º Ciclo do Ensino Básico. Trata-se de uma


criança com idade aparente coincidente com a idade real. Apresenta um aspecto cuidado e
investido, uma conduta frágil, ansiosa, insegura, perfeccionista, hipermatura e um olhar triste,
evitando, por vezes, manter contacto ocular. Todavia, estabelece um bom contacto,
verbalizando com fluência e espontaneidade, ainda que sobressaia a necessidade de preencher
o espaço, o vazio sentido no silêncio e no branco das folhas de desenho. Utiliza um
vocabulário muito rico, denotando um bom nível cognitivo. Durante a passagem das provas
revelou alguma confusão e lentificação do pensamento. Com o evoluir das sessões apresentou
um comportamento mais agitado, pouco controlado e disperso, revelando-se, por vezes,
cansado. Observou-se ansiedade de separação face aos pais. Contra-transferencialmente senti
uma angústia muito forte no João, senti-o muito triste e em desassossego permanente.
A pedido da professora o João foi encaminhado pelo médico de família do Centro de
Saúde à Unidade de Pedopsiquiatria com queixas de hiperactividade, défice de atenção,
dificuldades escolares e baixa auto-estima. É acompanhado em consultas terapêuticas de
psicologia de frequência quinzenal há cerca de oito meses, beneficiando, ainda, de
intervenção familiar com os pais. Quinze dias antes do início da recolha de dados foi
medicado com Concerta 18mg Comprimidos parando a medicação dois meses e meio depois.
O João vive com a irmã de cinco anos e com os pais, ambos fisioterapeutas e com
Mestrado na área (a mãe encontra-se a realizar o Doutoramento e trabalha num hospital
pediátrico. O pai é professor universitário). Foi diagnosticada depressão à tia paterna do João
e aparentemente a mãe tem dislexia, segundo a própria.
Para a mãe as preocupações com a conduta do João iniciaram-se por volta dos três
anos, com a entrada no jardim-de-infância. Na altura, a educadora alertou os pais sobre as

36
dificuldades na articulação das palavras do João. Assim, é acompanhado em terapia da fala
onde se conclui que se trata de uma dificuldade emocional, sendo encaminhando para uma
psicóloga no privado. Esteve um ano e meio a ser acompanhado em psicoterapia semanal e,
para a mãe observou-se uma maior facilidade em expressar sentimentos: “segundo a psicóloga
ele tinha muitas capacidades”. No entanto, desde cedo que mantém uma forte intolerância à
frustração “ele sempre foi assim, quando não é capaz de fazer alguma coisa ou à mínima
contrariedade guincha e chora. Ainda em bebé fez uma endoscopia e já tinha nódulos nas
cordas vocais do esforço que fazia a guinchar” indica a mãe. Nesta altura começaram também
as somatizações: assim que entrava no jardim-de-infância vomitava e a avó levava-o de novo
para casa. Foram-lhe diagnosticados broncoespasmos, asma não alérgica e vários problemas
de pele (estrófulos), sempre associados ao aumento de ansiedade. Recentemente a mãe
observou estereotipias faciais no João em situações de maior ansiedade ou frustração.
Para a mãe “de há um tempo para cá as capacidades têm vindo a baixar, apesar do
rendimento escolar se manter o João tem vindo a perder competências, ele já foi bem melhor,
já escreveu melhor, já foi melhor a matemática e agora tem de estar sentado com a professora
para fazer os trabalhos e chora, os cadernos estão cheios de buracos de ele chorar tanto”.
Aparentemente estas dificuldades acentuaram-se no início do 3º Ano “foi um inferno. Era
chamada à escola porque ele não faz sequer as tarefas mínimas nem com a professora ao lado,
chora assim que vê o plano para o dia ou um problema no quadro, é assim desde o 1º Ano,
mas agora é pior. Sempre sofreu por antecipação e verbaliza várias vezes que a solução para
isto era a morte. Ao início não liguei mas depois comecei a repreende-lo e a chatear-me com
ele quando dizia isto”. O João costuma também lamentar “não sou capaz porque é que eu
vivo?” e “não consigo fazer as tarefas, a minha vida é um inferno”.
Na opinião da mãe o filho foi sempre hipermaturo, manifestando interesse e
preocupação por assuntos sociais comuns aos adultos “já em pequeno se metia nas nossas
conversas. As pessoas amigas dizem que ele é assim porque nós puxamos por ele e por isso é
que é tão interessado mas, a minha filha recebe a mesma educação e não é assim, é muito
mais despreocupada, muito mais calma do que ele” e adianta ainda: “sinto que ele tem medo,
medo de não ser bom de não ser suficientemente bom e de nos desiludir”. Em consulta com a
psicóloga o João desabafa “os meus pais são óptimos, comigo é que são problemas, às vezes
fico triste, podia ser uma pessoa melhor, queria ser um bocado melhor” e, ainda, “os pais
dizem-me: é melhor teres cuidado, não te lembras da última vez? Por favor hoje faz-nos sentir
bem. Penso que os meus pais vão ficar tristes ou não vão. Mas, não é o suficiente para eu me
esforçar. É uma grande preocupação o 5º Ano, se eu não fizer nada irei chumbar o 5º Ano, vai
ser desconfortável. Também não sei porque me distraio, mas não me compreendo”.

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A professora assinala que “o João é um aluno que desde o primeiro ano de
escolaridade tem demonstrado um aproveitamento positivo mas aquém do seu potencial (…)
por um lado, tem uma grande capacidade de auto-análise e de compreensão dos seus intuitos e
acções mas, que por outro, demonstra uma grande imaturidade quando se depara com
situações de frustração”. Na relação com os pares “revela sentimentos de inferioridade e de
não-aceitação (…) É uma criança com uma auto-estima frágil”. O João revela que é gozado
pelos colegas por chorar muito nas aulas. Para a professora “é premente que o João consiga
realizar os seus trabalhos no tempo estipulado para que nem a sua auto-estima, nem o seu
sucesso escolar fiquem comprometidos”. Na sala de aulas apresenta dificuldade em estar
sentado e concentrado, distraindo-se com muita facilidade, ainda que sozinho, mas próximo
da professora e com os materiais reduzidos ao essencial. Em casa “não pára quieto e não se
concentra nem um segundo, mesmo quando está a fazer uma coisa que gosta”, indica a mãe.
A gravidez do João não foi planeada, embora “muito desejada”. Durante a gravidez a
mãe sentiu-se muito ansiosa. O João nasceu de parto eutócico, a termo. Após o nascimento a
mãe sentia-se “muito bem, era um bebé com muitas competências”. Assim, a mãe recorda-o
no primeiro ano de vida como uma “criança com elevada competência motora, muito
observador e com muito interesse pelo meio, muito consciente mesmo do perigo, não se
magoa”. Para o pai era “muito curioso, activo, muito participativo com adultos. Facilmente
era o centro das atenções, causava espanto pelo seu interesse elevado para a média”.
Após o nascimento a mãe teve o apoio da avó materna do João que cuidou do neto
enquanto a mãe estudava na faculdade. Ficou aos cuidados da avó até ingressar no jardim-de-
infância aos três anos. Os pais queixam-se que o João dormiu sempre pouco e que nunca tem
sono, ainda que, desde os oito anos durma nove horas diárias, acordando bem-disposto e com
energia. Nunca conseguiu dormir no jardim-de-infância. Não se registaram intercorrências no
desenvolvimento psico-motor, linguístico e do controlo esfincteriano. Os pais queixam-se de
uma má alimentação. Nunca usou chucha nem “levou nada à boca”.
A mãe do João pediu para ter acesso aos resultados no final da investigação e recusou
associar os sintomas descritos no consentimento informado ao João, alegando que os pais
consultaram o DSM-IV e os sintomas do filho inserem-se num diagnóstico de hiperactividade
com défice de atenção. Neste momento, estabeleceu um contacto reservado, desconfiado e
irritado, sem me olhar nos olhos. Com o evoluir da sessão este contacto tornou-se mais
disponível e adequado. Utilizou um vocabulário rico com termos técnicos empregues na área
da saúde mental. O pai estabeleceu um contacto reservado. Senti-o inseguro, com o mesmo
olhar triste do João, sendo muito parecidos no aspecto físico e no que me faziam experienciar
através da sua presença. Manifestou uma conduta agida ao longo da entrevista sobretudo

38
enquanto a mãe falava. Ao contrário da mãe que manteve pouco contacto ocular na entrevista,
o pai nunca estabeleceu contacto ocular comigo, olhando para o lado enquanto falava.
Na auto-estima da figura materna ainda que sobressaiam os afectos positivos observa-
se a vivência de culpabilização na relação com o João. Projecta pulsões agressivas sobre os
elementos da família recorrendo também à defesa pela negação e idealização das relações
como forma de bloquear a expressão agressiva.
A auto-estima da figura paterna apresenta-se baixa, sendo marcada por sentimentos de
insegurança, inferioridade, irritabilidade, culpabilização e dificuldades em lidar com os
problemas, colocando-se em hipótese um funcionamento depressivo. Observa-se um elevado
grau de neuroticismo no pai pela forte negação da expressão de agressividade sobre os
membros da família, recorrendo também à idealização.
O João exprime uma auto-estima baixa ligada a sentimentos de inferioridade,
pessimismo, insegurança, indecisão, auto-exigência e culpabilização. Percepciona-se como
uma figura dependente e carente da protecção/apoio/atenção parental, com poucos recursos
internos para se defender. Recorre a defesas maníacas, ao evitamento, formação reactiva,
negação, racionalização, intelectualização, sobreinvestimento da realidade perceptiva e recusa
que permitem inibir o sofrimento depressivo e a expressão agressiva sobre os elementos da
família. Observa-se um grau acentuado de neuroticismo.
A relação conjugal é experienciada pela mãe através da idealização dos afectos
positivos emitidos e a vivência de desvalorização pelo pai. Destacam-se os conflitos na
relação de casal associados a um vivido de insegurança, dificuldades na gestão e resolução
destes conflitos, na comunicação e na demonstração de afectos “dificuldades à frente das
partes boas”. O pai liga-se a uma figura passiva e a sentimentos de incompetência/fraqueza
com dificuldades na adaptação social, em exprimir os seus sentimentos e pela insuficiência de
auxílio à família. Por seu lado, o pai tende a idealizar os afectos positivos emitidos e a sentir-
se desvalorizado pela mãe. Assim, surgem conflitos na relação de casal associados ao
sentimento de insegurança e à percepção da mãe como uma figura dominante e punitiva face
ao pai, podendo sentir-se inferiorizado e castrado, submetendo-se ao matriarcado familiar.
A relação mãe/João é idealizada pela mãe, ainda que se culpabilize e denote a carência
de afecto na relação. Além dos afectos que traduzem uma forte ligação e dependência materna
da parte do João, surgem afectos de rejeição associados ao desejo de transgressão do espaço
materno. O João afigura-se como o elemento da família que carece de maior protecção dada a
elevada atribuição de sentimentos de incompetência/fraqueza ligados a dificuldades em lidar
com as adversidades e na adaptação social. Por parte do João a mãe associa-se a uma figura
punitiva, autoritária e pouco disponível para as suas necessidades afectivas.

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Quanto à relação pai/João destaca-se a percepção paterna de uma relação próxima e
idealizada, ainda que, culpabilizada e se observem dificuldades em lidar com os conflitos,
associando-se a uma figura autoritária e punitiva para o filho. O filho é representado como
uma figura que valoriza e investe na relação com o pai, identificando-se com a figura paterna
no sentimento de incompetência/fraqueza. O João percepciona uma relação pouco valorizada
e correspondida face aos seus desejos por parte do pai, representando-o de forma autoritária e
pouco disponível. Ainda assim, parece assegurar uma função de apoio importante para o João.
O pai surge como uma figura mais dependente que a mãe, beneficiando da protecção materna.
Na relação mãe/irmã sobressai a percepção materna de idealização da relação e um
forte envolvimento emocional. No entanto, os afectos negativos vivenciados podem remeter
para a necessidade de separação emocional do espaço materno por parte da irmã. O pai atribui
uma menor relevância à relação pai/irmã. Contudo, percepciona afectos de cariz erotizado e
que exprimem dependência afectiva na relação com a irmã do João.
No âmbito da relação fraterna sobressai para os pais a rivalidade do João embora,
apoie e proteja a irmã. Por seu turno, o João percepciona uma relação próxima e afectuosa
marcada, todavia, por uma forte rivalidade fraterna e pelo sentimento de inferioridade face à
irmã, com quem disputa a protecção parental, sobretudo da figura materna.
A relação do João com outros familiares é vivenciada pelos pais através de uma
atitude desafiante com os avós paternos e maternos e o tio materno surge como a figura
masculina de referência para o João, embora não mantenham um contacto frequente.
Com a família de origem da mãe observa-se uma percepção muito distinta das suas
figuras parentais. Por um lado, a relação com o avô materno reveste-se de um fraco
envolvimento emocional, ainda que idealizada quanto aos afectos positivos recebidos por
parte deste. E, por outro, uma relação muito próxima e dependente com a avó materna, a qual,
transmite o desejo de prolongar a relação de dependência com a mãe do João. No entanto, é
uma relação conflituosa pelos sentimentos de rejeição e agressivos emitidos pela mãe,
remetendo para o desejo de separação e maior autonomia emocional desta relação sentida
como autoritária, pouco afectuosa, punitiva, insegura e depreciativa por parte da avó materna
“antes fazia comparação para os aspectos negativos”.
A relação com a família de origem do pai é percepcionada por este através do
sentimento de culpabilização face à autonomização decorrente da saída de casa dos pais, o
que remete para dificuldades acentuadas no processo de separação/individuação na relação
com a avó paterna, com quem mantinha uma relação de dependência. Na relação com o avô
paterno destaca-se uma relação autoritária, pouco afectuosa e assente na falha de valorização

40
narcísica “não atingi o que o meu pai quis”. Actualmente os avós paternos encontram-se em
processo de divórcio e o pai “não está a lidar bem com esse facto”.
Posto isto, na família assiste-se a uma relação próxima com uma figura materna fálica,
dominante que contrasta com uma figura paterna passiva com afectos que transmitem a
vivência de um sofrimento depressivo. Ambos os pais revelam uma fraca autonomização
emocional das suas figuras parentais, transferindo para a relação com o João os modelos de
identificação interiorizados na relação com estas figuras assentes em relações pouco
afectuosas, autoritárias, punitivas e inseguras, projectando, assim, as suas próprias falhas
narcísicas e a vivência de culpa na relação com o João. Assim, verifica-se um forte
envolvimento parental nas questões de ordem racional valorizando a carreira profissional e as
competências académicas do João em detrimento dos afectos, repercutindo-se no
empobrecimento da relação conjugal e na relação pais-filho. A ausência de valorização
narcísica do João por ambos os pais é experienciada inconscientemente como uma falha, uma
castração não lhe permitindo autonomizar-se emocionalmente da relação com o materno, com
risco de perda do amor do objecto. Este facto aliado à identificação com um pai
aparentemente deprimido e também castrado pode reenviar para a angústia depressiva no
João. Torna-se importante mencionar a distinção fraco/forte entre o João e a irmã projectada
pelos pais, onde o João figura como o elemento fraco, inseguro, sem recursos internos para se
defender e a irmã o elemento forte e seguro resultando na acentuada vivência de rivalidade
fraterna e inferioridade no João.
Aparentemente o conflito edipiano não se encontra completamente ultrapassado no
João. Apesar de realizar uma diferenciação adequada dos sexos, papéis parentais e gerações, a
integração do Superego e demonstrar uma identificação à figura paterna e, por vezes,
projectar o desejo de autonomização da figura materna através da agressividade que lhe é
dirigida, rivaliza com o pai e demonstra dificuldades na elaboração dos sentimentos de
solidão face à exclusão do casal parental. Este facto aliado à ausência de valorização narcísica
por ambos os pais e identificação à figura paterna deprimida resulta num vivido de castração e
falhas identitárias onde sobressai o sofrimento depressivo marcado pela angústia de perda do
amor do objecto, de desamparo, afectos ligados à morte, baixa auto-estima, insegurança, falha
narcísica acentuada, culpabilidade através da introjecção da agressividade e dificuldades de
mentalização (instabilidade psicomotora, somatizações). Neste contexto, parece afigurar-se
uma depressão fálica (Ferreira, 2002), o que contrasta com o resultado obtido no CDI que
associa o João ao nível intermédio de depressão, não passível de classificação como “caso
depressivo” e “caso não depressivo”, o que pode remeter para a acção de mecanismos
defensivos durante o teste.

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3. Síntese do Estudo de Caso 4 – Mariana (9 anos e 9 meses)

A Mariana (Anexo P) encontra-se no 4º Ano do 1º Ciclo do Ensino Básico. Apresenta


um desenvolvimento estato-ponderal adequado à idade e um aspecto físico cuidado.
Estabeleceu um contacto demasiado fácil e sedutor marcado por uma necessidade acentuada
de agradar. Muito comunicativa e expressiva, verbalizou espontaneamente e manteve contacto
ocular, aparentando um olhar triste ainda, que, ávido. Revelou uma auto-estima baixa,
insegura, ansiedade de separação de ambos os pais, a necessidade de atenção, apoio, cuidado
e afecto constantes. Manifestou, por vezes, um comportamento agitado. Transparece uma
conduta imatura para a idade pelos risos frequentes e a utilização de linguagem típica de bebé.
Na sequência de um ano de intervenção psicológica no Centro de Saúde sem
resultados aparentes foi encaminhada para a Unidade de Pedopsiquiatria pelo Médico de
Família com queixas de dificuldades de concentração e aprendizagem na escola.
Beneficia de consultas terapêuticas de frequência quinzenal em psicologia há sete
meses e de intervenção familiar junto dos pais em pedopsiquiatria. Desde há cerca de nove
meses que a Mariana toma Risperdal solução oral. Após a interrupção da medicação no
Verão a mãe pede novamente a medicação para a filha por senti-la muito agitada.
A Mariana vive com os pais e o irmão de dezassete anos. A mãe tornou-se proprietária
de um café há cerca de um ano com a sogra “tenho muito mais tempo agora para estar com ela
(Mariana)”, refere. Contudo, desde esse momento que se sente muito nervosa, tendo
dificuldades em dormir (pede para ser acompanhada em consultas de psicologia/psiquiatria e
é medicada com o antidepressivo Triticum AC). A avó materna da Mariana faleceu com
Alzheimer há três anos e a tia materna suicidou-se quando a Mariana tinha oito/nove meses. O
pai viveu em França dos cinco aos oito anos da filha, culpabilizando-se por esta ausência. A
mãe tem por hábito dormir no sofá da sala enquanto o pai dorme na cama do casal.
A mãe descreve a Mariana como uma criança muito sociável que se dá bem com todas
as pessoas, fazendo amigos com facilidade. No entanto, compara “o Joaquim (irmão) é muito
diferente da Mariana, sempre foi muito mais calmo e organizado. Sempre gostou de ter o
quarto arrumado, mesmo quando os amigos iam brincar lá a casa”. A mãe sente que a filha
rivaliza muito com o irmão pela sua atenção. Faz birras, pede muito mimo e “tenta sempre
agradar aos outros” culpabilizando-se também com frequência. Para a mãe em casa a Mariana
é muito mais calma que na escola, acatando as regras.
Aos seis anos inicia a escola primária e segundo a professora do 2º Ano a Mariana é
uma criança meiga mas com um “excesso de actividade motriz (…) levanta-se (…), mexe-se
constantemente na cadeira, senta-se sobre um pé. Quando está sentada correctamente os pés

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são como um pêndulo. Interrompe os colegas que tem à volta. Durante as explicações parece
não ouvir (…) comete erros nos exercícios por falta de atenção (…) não consegue acabar as
coisas que começa, o seu trabalho escolar é fraco, sujo e confuso”. Considera que a
dificuldade em realizar as actividades escolares da Mariana não se deve à falta de capacidades
mas sim, de concentração e atenção “não consegue concentrar-se ou estar atenta durante
muito tempo, parece desorientada, desmotivada”. Por alteração de residência a Mariana
ingressou noutra escola no 3º Ano mantendo a conduta distraída e irrequieta, sendo retirada
das actividades extra-curriculares para ter mais tempo para estudar, passando a ficar com a
mãe todas as tardes a insistir para que faça os trabalhos-de-casa. No entanto, a mãe refere que
“no ano passado era pior porque a professora escrevia muitos recados na caderneta e a
Mariana ficava muito triste e nervosa com isso”. No 4º Ano a Mariana mantém as
dificuldades de aprendizagem devido à falta de concentração/atenção e uma auto-confiança
baixa, levando-a a não participar nas aulas, mesmo quando solicitada, refere a professora.
A gravidez da Mariana foi planeada. Nasceu de parto eutócico, a termo, sem
complicações peri ou neonatais. A mãe recorda-a como uma bebé “muito amorosa e nada
rabugenta, não chorava muito”. Em bebé dormia bem, contudo actualmente, tem um sono
muito agitado e fala durante o sono. Adormece sem dificuldades e acorda bem-disposta.
Começou a dormir sozinha aos dois anos. Não se registaram intercorrências no
desenvolvimento psicomotor, linguístico e no controlo esfincteriano. Quando deixou de ser
amamentada e iniciou a diversificação alimentar começou a demonstrar pouco apetite “come
de tudo mas faz grandes birras à mesa, fica duas horas sentada a comer. Na escola chegam a
ter de lhe dar a comida à boca para ela se despachar”, indica a mãe. A Mariana ficou com a
mãe até aos três meses de idade, sendo entregue aos cuidados de uma ama até ingressar na
creche aos três anos e posteriormente na pré-primária, havendo sempre relatos de que era uma
criança muito mexida embora “não é mal-educada nem agressiva, sempre foi muito meiga”.
A mãe apresenta um aspecto físico envelhecido para a sua idade, a face encontra-se
um pouco estragada. Colaborou com interesse no estudo. Estabeleceu contacto ocular,
evidenciando-se um olhar triste e uma expressão abatida e cansada. Também no pai a face
encontra-se um pouco envelhecida para a idade. Inicialmente estabeleceu um contacto mais
reservado, tornando-se mais descontraído no decorrer da sessão. Mantém contacto ocular.
A auto-estima da figura materna apresenta-se baixa e dominada por sentimentos de
inferioridade, culpabilização e irritabilidade. Sente dificuldades na resolução dos conflitos e
surge como um dos elementos mais dependentes e que carece de maior protecção. Observa-se
um grau elevado de neuroticismo marcado pela negação dos afectos negativos, inibindo,
assim, a expressão agressiva sobre os elementos da família mas, também, dos afectos

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erotizados traduzindo uma diminuída disponibilidade emocional, optando por alhear-se do
contacto com os outros devido ao sentimento de insegurança e desconfiança face aos
elementos da família. A conduta observada durante a realização do TRF marcada por choro
intenso durante praticamente toda a prova, os comentários depreciativos sobre a sua condição
e diminuída disponibilidade para a partilha de afectos com os elementos da família aliados à
solicitação para ser acompanhada em psicologia/psiquiatria e a medicação com o
antidepressivo podem associar-se a um funcionamento depressivo.
A auto-estima da figura paterna apresenta-se positiva, ainda que se culpabilize face à
percepção de uma diminuída disponibilidade e apoio à família. Apresenta um elevado grau de
neuroticismo associado à defesa pela negação/recusa dos afectos negativos e idealização das
relações bloqueando, assim, a expressão de agressividade sobre os elementos da família.
A auto-estima da Mariana apresenta-se baixa, com sentimentos de inferioridade e
culpabilização. Sobressai uma tendência regressiva marcada por uma atitude egocêntrica e
dependente, procurando valorizar-se através do forte desejo de protecção materna e de
atenção por parte de ambos os pais, reenviando para uma falha narcísica acentuada por esta
protecção nem sempre ser satisfeita podendo associar-se a uma débil resposta de uma mãe
deprimida. Observa-se um grau considerável de neuroticismo no funcionamento psíquico da
Mariana pelo recurso a defesas como a idealização, recusa maníaca, negação, evitamento,
formação reactiva e recusa que permitem reprimir as pulsões agressivas dirigidas aos
elementos da família e a mentalização do sofrimento depressivo.
Na relação conjugal a mãe culpabiliza-se pela agressividade dirigida ao pai sentindo-
se, ainda, bastante desvalorizada e pouco correspondida face aos seus sentimentos e
necessidades pela dificuldade na resolução dos problemas, falta de confiança na relação, falta
de compreensão e apoio do pai, verificando-se, também, uma tendência paranóide no
funcionamento psicológico da mãe ainda que se sinta dependente do pai. Por seu lado, o pai
tende a idealizar a relação. Contudo, percepciona a mãe como uma figura punitiva, com
irritabilidade emocional e com dificuldades em lidar com os conflitos, resultando em
insegurança na relação de casal. A mãe é associada a uma figura fortemente dependente e a
que mais carece de protecção, transparecendo uma fragilidade emocional elevada.
A relação mãe/Mariana é representada pela mãe de forma idealizada e próxima,
transmitindo a ideia de que a filha estabelece uma forte dependência emocional consigo. A
mãe aparenta sentir-se culpabilizada, sente que não tem paciência e está “doente”. A Mariana
surge como uma das figuras mais dependentes e que carecem de maior protecção na família.
Para a Mariana sobressai uma vivência de culpa, carência, abandono, insegurança, aspectos
fóbicos e agressivos num contexto regressivo que pode remeter para a relação pré-genital com

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o materno. Esta vivência associa-se a uma falha narcísica acentuada e à angústia depressiva.
A mãe é, ainda, sentida como uma figura dependente com quem rivaliza pela atenção do pai.
O pai idealiza a relação pai/Mariana e percepciona uma atitude sedutora e de
rivalidade pela sua atenção na filha: “ela não pode ver o pai a agarrar-se a ninguém”.
Seguindo-se à mãe, a Mariana é sentida como uma figura emocionalmente dependente,
carecendo de protecção. Para a Mariana a relação com o pai é idealizada e dominada por
afectos erotizados. O pai é a figura que assegura a função de apoio e protecção, todavia, não
proporciona a contenção necessária para que as angústias da Mariana sejam ultrapassadas.
Sente a relação menos valorizada por parte do pai, percepcionando-o como uma figura
punitiva e pouco disponível, considerando o seu desejo de atenção.
A mãe percepciona a relação mãe/irmão de forma idealizada, próxima e carinhosa.
Todavia, sente a relação menos valorizada por parte do irmão. A mãe sente-se culpabilizada e
associa ao irmão dificuldades na adaptação social e na gestão dos conflitos com os outros
caracterizando-o, ainda, como “preguiçoso”. A relação pai/irmão é idealizada pelo pai à
semelhança do observado na interacção com as restantes figuras. Surge como um dos
elementos mais dependentes e que necessita de maior protecção.
A relação fraterna é percepcionada pelos pais de forma afectiva contudo, marcada pela
rivalidade fraterna por parte da Mariana. Na percepção da Mariana destaca-se uma forte
rivalidade fraterna intensificada pela vivência carencial na relação com o materno e pelo
desejo de uma aproximação exclusiva a esta figura.
A relação da Mariana com outros familiares ou adultos é percepcionada pelos pais
através de uma conduta carente e marcada pela necessidade de agradar e de atenção constante.
Por seu lado, a Mariana tende a idealizar as relações destacando-se a tia e avó paternas
sentidas como figuras afectuosas embora, também punitivas. A avó é percepcionada, ainda,
como uma figura dependente, com quem a Mariana rivaliza pela atenção do pai.
A relação com a família de origem materna, nomeadamente com o avô materno é
experienciada pela mãe de forma próxima, carinhosa e correspondida. O avô materno é
percepcionado como uma figura que mantém uma dependência emocional face à mãe,
necessitando da sua protecção. Contudo, a mãe parece sentir-se culpabilizada nesta relação.
Na relação com o tio materno a mãe sente-se desvalorizada.
A relação com a família de origem paterna, designadamente com a avó paterna é
sentida pela mãe de forma menos valorizada por parte da avó, associando-lhe tendências
punitivas, ainda que se sinta apoiada por esta figura. Surge como um dos elementos da família
mais dependentes e que necessitam de maior protecção. Na percepção da relação do pai com a
avó paterna transparece a idealização, sentido esta figura como punitiva ainda que

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emocionalmente dependente do pai. A relação com a tia paterna também é idealizada, todavia
é a menos significativa do ponto de vista do envolvimento emocional, associando sentimentos
de fraqueza/incompetência a esta figura.
Posto isto, sobressai na família a problemática da depressão materna que tende a
afectar a qualidade das relações familiares, com ênfase na relação conjugal e na relação
mãe/Mariana. Assim, numa fase precoce do desenvolvimento a Mariana parece ter-se
identificado à depressão da mãe através da falha de confirmação narcísica primária que a
fizesse sentir valorizada na experiência de individuação e autonomia, pelo risco de perda do
amor do objecto organizando, deste modo, o falso-self manifesto através da avidez relacional,
contacto fácil e sedutor e pela necessidade marcada de agradar, como tentativa de colmatar a
falha narcísica. A mãe realiza, ainda, uma distinção importante entre a Mariana e o irmão,
projectando a parte boa no irmão e a parte maligna na Mariana, o que permite acentuar o
sentimento de insegurança, culpa, carência, abandono e rivalidade fraterna na Mariana. Ainda
que o pai surja como a figura que assegura a função de apoio e protecção não proporciona a
contenção necessária para que as angústias da Mariana sejam ultrapassadas. Outros factores
como as sucessivas ausências do pai por motivos de trabalho resultando num menor apoio à
família e, em concreto, à mãe da Mariana e no assegurar da sua função parental, o falecimento
da avó e tia maternas da Mariana e as dificuldades económicas ligadas ao desemprego do pai
contribuem para acentuar o sofrimento depressivo na mãe e na Mariana.
Verifica-se uma forte angústia depressiva na Mariana marcada pela carência afectiva e
falha narcísica acentuadas, sentimento de desvalorização, insegurança, exclusão, abandono e
desprotecção na relação com as figuras parentais, sobretudo na relação com a figura materna
onde se observam aspectos fóbicos e agressivos num contexto regressivo, acompanhado de
culpabilidade pelo retorno da agressividade/punição sobre si. Quanto ao conflito edipiano,
ainda que, expresse o desejo de autonomização a Mariana parece encontrar-se, ainda, ao nível
da relação dual, rivalizando com o pai e demonstrando dificuldades de separação na relação
com o materno pelo desejo de uma aproximação exclusiva a esta figura não renunciando,
assim, à relação com o primeiro objecto. A Mariana parece organizar-se segundo o núcleo
depressivo precoce (oral) (Ferreira, 2002). Estes resultados contrastam com o resultado
apurado no CDI que remete para um nível intermédio de sintomas depressivos, logo, não
passíveis de classificar como “caso depressivo” e “caso não depressivo”, o que pode ser
explicado pela acção dos mecanismos de defesa.

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4. Síntese do Estudo de Caso 5 – Gabriel (10 anos e 4 meses)

O Gabriel (Anexo Q) frequenta o 4º Ano do 1º Ciclo do Ensino Básico. Apresenta um


desenvolvimento estato-ponderal adaptado ao seu grupo etário. É uma criança bonita e
harmónica, com aspecto físico cuidado, investido e limpo. Estabelece um contacto inibido
revelando sentir-se mais à vontade no decorrer das sessões, dialogando com espontaneidade.
Mantém um comportamento estável e controlado e evidencia a necessidade de ser cuidado.
Através da consulta hospitalar de pneumologia pediátrica (tem asma e rinite) foi
encaminhado para a Unidade de Pedopsiquiatria por dificuldades alimentares com anorexia
selectiva. Iniciou as consultas terapêuticas de frequência quinzenal com a psicóloga da
Unidade há cerca de dois meses, beneficiando também de intervenção familiar.
O Gabriel vive com os pais e com o meio-irmão (da parte da mãe) de dezoito anos. O
pai é carpinteiro e a mãe assistente administrativa. Ambos os pais são ex-toxicodependentes
tendo-se conhecido num programa de desintoxicação que frequentaram. A mãe deixou de
consumir pelo meio-irmão do Gabriel quando este tinha cinco anos e cortou a ligação que
mantinha com o ex-companheiro e pai do meio-irmão do Gabriel, também na altura
toxicodependente, conhecendo o actual companheiro. Até ao momento o Gabriel desconhece
o passado toxicodependente dos pais. Segundo a psicóloga o meio-irmão do Gabriel é muito
problemático, isolando-se e a mãe culpabiliza-se por esta conduta devido ao seu afastamento e
consumos de droga durante a infância do filho. Desta forma, desenvolveu uma forte ligação
com o Gabriel na tentativa de compensar e reparar a relação com o filho mais velho. A mãe
tem Hepatite C e, segundo a própria, teve anorexia nervosa por volta dos vinte anos. O avô
paterno faleceu quando o pai tinha sete anos.
Em bebé o Gabriel não foi amamentado, não registando problemas alimentares até à
data em que iniciou a diversificação alimentar. Nessa altura recusava tudo o que não fosse
esmagado “só comia o que fosse passado pela varinha mágica”, conta a mãe. Também não
comia carne, peixe ou ovos, apenas aceitava sopa passada, papa, iogurtes Danoninho e fruta
só dos boiões. Segundo a mãe “os médicos sempre desvalorizaram esta característica do
Gabriel, mas ele nunca queria provar nada” e acrescenta que o Gabriel registou sempre uma
boa evolução ponderal porque compensou com a sopa. Desenvolveu hipoglicémias e teve
gastroenterites. Aos quatro anos deixou o biberão e até aos cinco anos andava com três
chupetas em cada mão “foi muito difícil de o convencer a desistir delas”, refere a mãe. Pelos
cinco/seis anos começou a aceitar batatas de pacote e carne, mas nunca comeu arroz e
esparguete. Aceita certos tipos de peixe cozido/grelhado, ovo mexido, come sempre sopa e
pão. Não come fruta. Bebe Ice Tea ou Coca-Cola. Não come chocolates, bolos e gelados.

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Gosta de chupa-chupas de coca-cola e de gomas, mas algumas coloca-as apenas na boca sem
as engolir. Para a mãe “sempre que insistimos é um circo em casa ele chora, berra, grita, nem
sequer prova” e o Gabriel acrescenta de imediato “não provo porque sei que não é bom”.
Não come na escola porque não gosta da comida. Quando vai a festas de aniversário
leva o próprio lanche e nas situações em que janta em casa de amigos fazem-lhe uma comida
especial. Recusa-se a ir para qualquer lado onde saiba que tem que comer fora de casa ou
comida diferente “na escola gozam comigo, sou o menino da sopa passada”, refere o Gabriel.
A gravidez do Gabriel foi planeada e o parto eutócico, a termo, sem registo de
complicações peri ou neonatais. Após o nascimento a mãe sentiu-se “bem mas por volta dos
dois meses senti um aumento de stress e preocupação devido às faltas de ar do Gabriel”. A
mãe recorda o filho como um bebé “bem-disposto, muito dorminhoco”. Segundo a mãe, o
Gabriel “sempre dormiu bem” apesar de até aos sete anos adormecer na cama dos pais e só
depois ia para a própria cama. Ainda hoje, pede ao pai para o colocar na cama com a mãe
quando se levantar. O desenvolvimento psicomotor e o controlo esfincteriano ocorreram
dentro dos parâmetros normais. Ao nível linguístico substitui as consoantes “b” por “p” até à
actualidade. O Gabriel ficou ao cuidado da avó paterna até ingressar no infantário aos cinco
anos, registando uma boa adaptação até ao momento em que recusa alimentar-se na escola:
“foi um caos, dava-se mal com os colegas, roubavam-lhe o lanche. Sempre foi muito
irrequieto, tem que ficar sentado ao pé da professora. É muito reguila, mas é muito bom
aluno” indica a mãe, acrescentando também que o Gabriel apesar de não bater nos colegas
provoca-os, acabando por chegar “todo negro a casa. Ele quer tudo à maneira dele”. Segundo
a mãe o Gabriel faz birras quando é contrariado, respondendo mal “é muito nervoso”. A mãe
ajuda-o a estudar “eu estudo sempre com a minha mãe, digo que estou cansado mas acabo por
estudar. Eu não consigo estudar sozinho, estudo mal, estou entretido com outras coisas. Ela
acha que é melhor eu estudar com ela para não ter más notas”, refere o Gabriel.
A mãe do Gabriel apresenta um aspecto físico jovial face à sua idade, é harmónica,
bonita e aparenta uma atitude descontraída e simpática. Estabelece um contacto adequado e
verbaliza de forma fluente e espontânea. Manteve contacto ocular, apresentando uma postura
muito rica e expressiva. O pai do Gabriel apresenta um aspecto físico cuidado e adaptado à
idade. Estabelece um contacto adequado verbalizando de modo espontâneo e fluente,
transmitindo simpatia. Apresenta uma postura rica e expressiva, mantendo contacto ocular.
A auto-estima da figura materna apresenta-se baixa e dominada por sentimentos de
inferioridade, culpabilização e irritabilidade emocional. Recorre à defesa pela negação dos
afectos negativos inibindo, assim, a expressão agressiva sobre os elementos da família.
Revela, ainda, uma percepção negativa e insegura sobre a família.

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A auto-estima da figura paterna apresenta-se baixa e dominada por sentimentos de
inferioridade, culpabilização, irritabilidade emocional e desajustamento social. A par do
Gabriel surge como uma das figuras mais dependentes e que carece de maior protecção na
família ainda, assim, exprime o desejo de obter uma maior autonomia emocional. Utiliza
defesas na linha da negação dos afectos negativos inibindo, assim, a projecção da
agressividade dirigida aos elementos da família.
A auto-estima do Gabriel apresenta-se baixa, com sentimentos de tristeza e culpa,
sendo marcada por uma atitude egocêntrica e regressiva pelo desejo acentuado de protecção
materna e de atenção por parte de ambos os pais. Observa-se um elevado grau de
neuroticismo no Gabriel pelo recurso a defesas como a negação, recalcamento, evitamento,
formação reactiva, idealização e recusa maníaca, reprimindo, assim, a agressividade dirigida
aos elementos da família e a vivência depressiva.
Na relação conjugal sobressai a percepção materna de um maior investimento afectivo
na relação por parte do pai, ainda que se observem conflitos e insegurança na relação de casal
em parte, motivados por dificuldades na gestão dos conflitos e no controlo dos impulsos
agressivos por parte da mãe. Sente que a família obedece a um matriarcado familiar à
semelhança da sua família de origem: “ele manda lá em casa mas quem manda mais sou eu”.
Na relação com a mãe o pai sente-se pouco valorizado. Apesar da percepção de uma relação
próxima e carinhosa, observam-se conflitos na relação de casal associados à dificuldade na
sua gestão e irritabilidade emocional em ambas as figuras, sendo a mãe percepcionada como
uma figura punitiva e carente de protecção.
A relação mãe/Gabriel é representada pela mãe de forma satisfatória e correspondida,
ainda que se culpabilize “talvez o tenha impedido de crescer”. Observa-se a percepção de uma
forte dependência emocional entre mãe e filho e o desejo de lhe proporcionar protecção “em
certas coisas não cortou o cordão umbilical”, “ele queria-se manter bebé”. Para o Gabriel a
relação é idealizada, pouco frustrante e percepcionada como fortemente investida por parte da
figura materna, podendo associar-se ao desejo de manter a dependência emocional com o
Gabriel. Ainda assim, a mãe é sentida como punitiva e a figura dominante na família. O
Gabriel rivaliza com esta pela atenção/protecção do pai.
O pai idealizada a relação pai/Gabriel, contudo, culpabiliza-se e percepciona um forte
investimento por parte do Gabriel podendo constituir-se como o modelo de identificação
sexual masculino para o filho. O Gabriel liga-se a uma das figuras mais dependentes e que
carece de maior protecção na família. O Gabriel idealiza a relação e realiza um forte
investimento positivo, ainda que não se sinta correspondido, sentindo-se pouco valorizado

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pela figura paterna que é simultaneamente percepcionada como punitiva. Ainda assim, o pai
parece constituir-se como uma figura protectora e o modelo de identificação do Gabriel.
Quanto à relação mãe/irmão é sentida pela mãe como fortemente desvalorizada e
insegura através da percepção de falta de apoio, uma atitude punitiva e agressiva por parte do
irmão, sendo marcada por conflitos acentuados associados a uma dificuldade na sua gestão
por ambas as partes, com irritabilidade emocional no irmão e dificuldade no controlo dos
impulsos agressivos por parte da mãe. A relação pai/irmão é sentida pelo pai como
correspondida e satisfatória, apesar de sentir que esta figura deveria prestar mais apoio e
protecção à família.
Na relação fraterna sobressai para os pais a rivalidade. Desvalorizam o irmão,
sentindo-o provocativo e pouco tolerante para o Gabriel. O Gabriel sente-se desvalorizado por
parte do irmão, rivalizando com este face ao desejo de ocupar um lugar próximo e
privilegiado na relação com a figura materna, obtendo a sua protecção exclusiva.
Quanto à relação do Gabriel com outros familiares para os pais a avó paterna “é uma
segunda mãe” mantendo uma relação muito próxima, assim como, com o tio paterno de 40
anos. Como os avós maternos não lhe fazem todas as vontades “gosta de estar com eles na
quantidade certa”.
No âmbito da família de origem da mãe sobressai a percepção de uma relação com a
avó materna marcada por um forte envolvimento emocional positivo correspondido com
sentimento de dependência mútua, idealização da relação e desejo de protecção desta figura.
A relação com o avô materno é sentida de forma desvalorizada com conflitos associados a
sentimentos de insegurança, falta de apoio e punição dirigidos à mãe, ainda assim, são
percepcionadas dificuldades na gestão destes conflitos e no controlo dos impulsos agressivos
por parte da mãe. A relação com a tia materna também é sentida como desvalorizada por parte
desta figura. Observam-se conflitos relativos à dificuldade na sua gestão por ambas as partes
manifesta através de irritabilidade emocional, dificuldades de adaptação social e uma atitude
punitiva na tia paterna, assim como, dificuldade no controlo dos impulsos agressivos na mãe,
podendo remeter para rivalidade fraterna.
Na relação com a família de origem do pai sobressai a vivência de uma relação com a
avó paterna negativa, insegura e conflituosa, sentindo-se desvalorizado e pouco
apoiado/protegido por esta figura. Com o tio paterno de 40 anos a relação é percepcionada de
forma satisfatória. Ainda assim, o pai sente dificuldades na gestão dos conflitos por parte
desta figura e um conflito na relação que pode associar-se à rivalidade fraterna.
Posto isto, sobressai uma organização familiar onde as figuras parentais apresentam
conflitos acentuados na ordem da dependência e falhas de valorização narcísica na relação

50
com as suas famílias de origem, culminando nos consumos de droga como um substituto
simbólico do objecto de amor perdido. A mãe surge como uma figura dominadora e fálica,
identificando-se ao matriarcado da sua família de origem contrastando com uma figura
paterna submetida ao matriarcado familiar demitido-se da sua função parental, o que aliado ao
deslocamento e tentativa de reparação da relação com o irmão do Gabriel por parte da mãe
resulta numa relação dependente, idealizada e pouco frustrante com o Gabriel, não o
valorizando narcisicamente. Assim, o Gabriel experiencia a separação do imago materno
como uma possibilidade de perda do amor do objecto, permanecendo dependente do poder
fálico materno. A clivagem entre um filho bom associado ao Gabriel e um filho problemático
ligado ao irmão permite acentuar a forte relação de dependência na relação mãe/Gabriel.
Apesar de o Gabriel manifestar o desejo de autonomização da figura materna,
sobressai a representação do desejo de uma aproximação exclusiva a esta figura e a rivalidade
face à figura paterna, o que permite auferir dificuldades na resolução do conflito edipiano e no
processo de separação/individuação. A instância superegóica parece integrada e a
agressividade projectada é, em seguida, recalcada de forma a controlar a sua expressão,
desencadeando também culpabilidade pelo retorno da agressividade sobre si. Observa-se uma
falha narcísica marcada, uma vivência carencial e desprotegida, de abandono e solidão face ao
confronto com a angústia de separação e depressiva recorrendo às defesas antidepressivas na
linha da recusa maníaca “haver sol” (PN) para lidar com este conflito. Deste modo, parece
afigurar-se uma depressão primária (anal) (Ferreira, 2002) contrariando os resultados obtidos
no CDI que situavam o Gabriel no grupo intermédio de sintomas depressivos e, assim, não
enquadrado como “caso deprimido” e “caso não deprimido”. Coloca-se em hipótese a
interferência de mecanismos de defesa como a negação durante a realização deste
instrumento.

51
DISCUSSÃO

A compreensão da criança enquanto ser activo e dinâmico inserido em determinados


contextos de desenvolvimento com os quais interage influenciando e sendo influenciado
progressivamente defendida pelo Modelo Bio-Ecológico do Desenvolvimento Humano de
Bronfenbrenner e Morris (2006) coloca em ênfase a consideração de múltiplas dimensões na
análise da problemática de um indivíduo. Neste sentido, destaca-se a importância do contexto
familiar no âmbito do desenvolvimento psicológico da criança (Schaffer, 1996). Como
assinala João dos Santos (2007) para compreender os desvios do comportamento torna-se
necessário compreender os problemas resultantes do sistema de relações entre a mãe, o pai e a
criança. Foi a este propósito que se pretendeu dar resposta na presente investigação relativa à
percepção das relações familiares em crianças diagnosticadas com depressão, na mãe e no pai.
Na análise que se segue ter-se-á em conta os dados da tabela de resultados (Anexo R).
Nesta investigação participaram cinco crianças com diagnóstico de depressão e as
respectivas figuras parentais. Três crianças pertencem ao sexo masculino e duas ao sexo
feminino, com idades compreendidas entre os 7 e os 10 anos. Com excepção da menina mais
nova que frequenta o 1º Ano de escolaridade todas as outras crianças frequentam o 4º Ano do
1º Ciclo do Ensino Básico, sem registo de reprovações nos anos anteriores.
Na análise do contacto destas crianças sobressaem dois tipos de condutas distintas: a
primeira marcada pela inibição, comportamento estável, controlado e concentrado,
manifestando uma maior disponibilidade para a relação e verbalização com o evoluir das
sessões; a segunda remete para uma conduta agitada, pouco controlada e dispersa,
transmitindo maior expressividade e um discurso fluente e espontâneo. Neste último grupo
observa-se uma maior expressão de afectos ligados à depressão como a insegurança,
fragilidade, necessidade de ser cuidado, de atenção, apoio, de agradar, de preencher o vazio
(falha narcísica), contacto sedutor e ansiedade (de separação). Todavia, ao contrário do que
defende Palacio-Espasa (2004) neste estudo não se observou uma associação entre uma menor
idade da criança e a manifestação de inibição. Com excepção de uma criança, o Gabriel, em
todas as outras sobressai a presença de um olhar triste, afigurando-se como o traço mais
comum entre os casos avaliados. Por vezes, o contacto ocular é evitado e num caso (Mariana)
observou-se um olhar ávido, tal como descrito na concepção do contacto de crianças
deprimidas por Teresa Ferreira (2002) e Pedro Strecht (1998, 2001).
A origem do pedido surge da consulta hospitalar ou por via do Médico de Família do
Centro de Saúde de referência da criança. À semelhança do apurado na literatura (Ferreira,
2002; Gueniche, 2005; Marcelli, 1995, 2005; Palacio-Espasa, 2004; Palacio-Espasa &

52
Dufour, 2002; Santos, 2000; Strecht, 1998, 2001; Vogel, 2012) os sintomas que conduzem
estas crianças à consulta de psicologia/pedopsiquiatria são variados: ansiedade, medos, baixa
auto-estima, somatizações (cefaleias), dificuldades alimentares (anorexia selectiva),
dificuldades de concentração, hiperactividade, dificuldades escolares, destacando-se as
dificuldades de aprendizagem/escolares como a queixa mais frequentemente assinalada, o que
pode estar associado à falha na “capacidade precedente de interiorizar bons objectos capazes
de amar e proteger” (Strecht, 1998, p. 199). Na Unidade de Pedopsiquiatria todos os casos
beneficiam de consultas terapêuticas com os pais e de consultas terapêuticas com as crianças,
em dois casos (Tomé e Isabel) de frequência semanal e, em três casos (João, Mariana e
Gabriel) de frequência quinzenal. O período de acompanhamento das crianças varia entre os
dois meses e os oito meses e meio. A prescrição de psicotrópicos regista-se apenas em dois
casos, o João e a Mariana, tratando-se das crianças que tendem a manifestar uma conduta
mais agida e marcada por uma expressão acentuada de afectos na linha depressiva.
No que concerne ao agregado familiar todos os progenitores são casados, encontrando-
se apenas uma família reconstruída com descendência de uma relação anterior, sendo que as
restantes famílias são de tipo nuclear e todas as crianças têm apenas um(a) irmão/irmã. Dois
casos, o Tomé e a Isabel são irmãos, perfazendo uma família nuclear completa em estudo. A
idade das mães varia entre os 37 e os 39 anos e a dos pais entre 38 e 46 anos. No caso dos
irmãos/irmãs a idade varia entre os 5 e os 18 anos de idade. Relativamente à classe social
segundo a Classificação Social Internacional de Graffard (Gomes Pedro, 1985) observa-se a
predominância da Classe III (Média), seguindo-se a Classe I (Alta) e a Classe IV (Média
Baixa), com um caso cada. A única figura parental (paterna) que se encontra desempregada
pertence a esta última classe social. Na análise da anamnese das famílias sobressai a hipótese
de organização depressiva em três figuras parentais: nas mães do Tomé/Isabel e Mariana e no
pai do João; e, ainda, um forte investimento na vida profissional, com ausências frequentes
nestes mesmos casos. Verifica-se também a ocorrência de perdas por falecimento importantes
para a família com destaque para os avós paternos/maternos e uma tia materna por suicídio
(caso da Mariana). Há, ainda, a assinalar outros dados como a possibilidade da presença de
patologias psiquiátricas na família para além de depressão nas figuras parentais (anorexia
nervosa e dislexia maternas, dificuldades escolares paternas, depressão numa tia paterna), dois
abortos espontâneos e a prematuridade de uma criança incluída no estudo (Isabel), ex-
toxicodependência nos pais do Gabriel e Hepatite C na mãe desta criança.
No âmbito da auto-estima materna sobressaem duas tendências distintas: as mães com
hipótese de organização depressiva apresentam uma auto-estima baixa, insegura, marcada por
sentimentos de inferioridade, desvalorização, culpabilização, irritabilidade emocional, forte

53
dependência, carência de protecção e diminuída disponibilidade emocional para a relação com
os outros; as mães onde não se coloca esta hipótese surgem como as figuras dominantes da
díade parental e não expressam afectos negativos de forma tão acentuada, ainda que, a mãe do
Gabriel apresente uma auto-estima baixa, marcada por irritabilidade emocional, sentimentos
de inferioridade e uma percepção negativa e insegura da família. A culpabilização é a única
característica comum a todas as mães, assim como, o recurso a defesas como a negação e
idealização, como forma de bloquear a expressão agressiva dirigida aos elementos da família.
Na percepção da relação conjugal materna sobressai a presença de conflitos
acentuados ligados ao sentimento de desvalorização e pouco envolvimento nas funções
conjugais/parentais por parte do pai, insegurança, dificuldades na gestão e resolução dos
conflitos, na comunicação, na demonstração de afectos e culpabilização sobretudo pela
agressividade dirigida ao pai. As mães com hipótese de depressão sentem-se pouco apoiadas e
compreendidas pelo pai. A mãe do Tomé e da Isabel percepciona o pai como uma figura
autoritária e punitiva, ainda que, dependente da sua protecção. A mãe da Mariana sente-se
dependente do pai. Por outro lado, as figuras maternas com características dominantes
atribuem características passivas aos pais, desvalorizando-os: a mãe do João associa
sentimentos de incompetência/fraqueza por dificuldades na adaptação social e em exprimir
sentimentos. Já a mãe do Gabriel percepciona um maior investimento afectivo na relação por
parte do pai e afirma o matriarcado familiar.
A percepção da relação mãe/criança pela figura materna tende a ser idealizada,
caracterizada como dependente e marcada por sentimentos de culpabilização. Assiste-se,
ainda, ao desejo de proteger e cuidar dos filhos. A mãe do Tomé/Isabel percepciona a
emergência de impulsos agressivos na relação com a filha e ambos os pais sentem a
necessidade de agradar à mãe por parte da Isabel. Na relação com o Tomé a mãe sente que
este se preocupa consigo e demonstra-se inibido. Por seu turno, a mãe do João tende a sentir a
relação como carente a nível afectivo, percepcionando afectos de rejeição por parte do filho.
Atribui-lhe, ainda, sentimentos de incompetência/fraqueza ligados a dificuldades em lidar
com as adversidades e na adaptação social. A mãe da Mariana reconhece a interferência da
sua vivência depressiva na relação com a filha, sentindo-se “doente” e sem paciência. Na
relação mãe/irmão tanto a mãe do João como a mãe da Mariana idealizam a relação,
revelando um forte envolvimento emocional com os filhos. Contudo, a mãe do João
percepciona a ocorrência de afectos agressivos por parte da irmã que podem remeter para a
necessidade de separação do espaço materno e, por seu lado, a mãe da Mariana sente-se
desvalorizada, culpabilizada e associa ao irmão dificuldades na adaptação social e na gestão
dos conflitos com os outros. A mãe do Gabriel destaca-se face às restantes por apresentar uma

54
percepção fortemente desvalorizada, insegura e conflituosa na relação com o irmão,
atribuindo-lhe uma atitude punitiva e agressiva.
Na relação com as próprias figuras parentais maternas sobressai a presença de uma
relação dependente e pouco autónoma marcada, por vezes, pela idealização, sobretudo na
relação com as avós. Na relação com os tios/as maternos/as destaca-se o sentimento de
desvalorização e conflitos que podem reenviar para a presença de rivalidade fraterna. Importa,
ainda, ressalvar que as mães com características dominantes percepcionam as suas figuras
parentais de forma muito distinta: por um lado, identificam atributos dominantes nas figuras
maternas, com as quais mantêm relações dependentes e, por outro, desenvolvem um fraco
envolvimento emocional com as figuras paternas, aos quais atribuem características menos
dominantes. Ainda assim, percepcionam relações conflituosas marcadas por sentimentos de
insegurança, desvalorização, punição, falta de apoio e afecto dirigidos às mães, no caso da
mãe do João pela avó e no caso da mãe do Gabriel por parte do avô. Apenas as mães ligadas à
hipótese de depressão referem-se à relação com os elementos pertencentes à família de origem
paterna sentindo-se desvalorizadas, remetendo para o sentimento de insegurança e menor
disponibilidade emocional na relação com os outros, sobretudo exteriores à família biológica.
No que concerne à representação da auto-estima paterna verifica-se uma
predominância de afectos negativos que traduzem uma maior fragilidade emocional nos pais
em que a figura materna assume uma função dominante na família (casos do João e Gabriel).
Assim observa-se uma auto-estima baixa, composta por sentimentos de insegurança,
inferioridade, irritabilidade, culpabilização, dependência, carência de protecção,
desajustamento social e dificuldades em lidar com os problemas. Coloca-se em hipótese uma
organização depressiva no pai do João. O pai da Mariana culpabiliza-se face à percepção de
uma diminuída disponibilidade e apoio à família. As figuras paternas tendem a revelar um
elevado grau de neuroticismo pela forte negação da expressão de agressividade sobre os
membros da família e o recurso à idealização.
As características que mais sobressaem na percepção paterna da relação conjugal são o
sentimento de desvalorização e insegurança, registando-se conflitos acentuados, à semelhança
da percepção materna. Os pais tendem a percepcionar as mães como figuras pouco tolerantes,
inseguras, punitivas e com irritabilidade emocional. O pai do João percepciona, ainda, a mãe
como dominante, podendo sentir-se inferiorizado e castrado pela submissão ao matriarcado
familiar. O pai do Tomé/Isabel sente que a mãe transmite pouco afecto e erotização à relação,
reenviando para a diminuída disponibilidade emocional para as relações identificada pela
própria mãe, decorrente da possibilidade de se encontrar deprimida. Os pais do Tomé/Isabel,
da Mariana e do Gabriel representam, ainda, as mães como carentes de protecção.

55
A relação pai/criança é idealizada pelos pais. Os pais com características menos
dominantes culpabilizam-se e percepcionam um forte investimento na relação por parte dos
filhos. Para o pai do João o filho identifica-se consigo no sentimento de
incompetência/fraqueza. O pai do Tomé/Isabel e do João percepcionam-se como punitivos na
relação com os filhos. As crianças tendem a ser caracterizadas como dependentes e carentes
de protecção e, no caso do Tomé é descrito como pouco tolerante à frustração, “deprimido” e
passivo. Na interacção com as filhas os pais percepcionam, ainda, um contacto sedutor. Na
relação pai/irmão observa-se uma relação dependente no caso do pai do João e Mariana. No
caso do pai do Gabriel (não é pai do irmão do filho) apesar de manter uma relação satisfatória
e correspondida projecta a carência de apoio e protecção à família por parte do irmão.
Tendencialmente os pais percepcionam uma relação dependente com as suas figuras
maternas, ainda que, as representem como figuras punitivas, sentindo-se inseguros,
desvalorizados, pouco apoiados e protegidos, com excepção do pai do João que associa estas
características ao avô paterno do filho (é a única figura paterna com o pai ainda vivo). Na
relação com os tios/as paternos/as sobressai a presença de rivalidade fraterna.
Por seu lado, as crianças tendem a apresentar uma auto-estima baixa marcada por
sentimentos de insegurança, inferioridade, pessimismo, culpabilidade, tristeza, afectos ligados
à morte, indecisão e dificuldades de mentalização (instabilidade psicomotora, somatizações)
acentuando-se a sua expressão nas crianças que exibem uma conduta menos inibida (João e
Mariana). Todas estas crianças percepcionam uma forte dependência emocional das figuras
parentais, com destaque para os cuidados e protecção maternos. Entre os principais
mecanismos de defesa utilizados encontram-se: idealização, recusa maníaca, evitamento,
recalcamento, recusa, negação e formação reactiva, permitindo reprimir a expressão de
agressividade dirigida aos elementos da família e a mentalização do sofrimento depressivo, na
linha do que foi observado por vários autores (Câmara, 2005; Ferreira, 2002; Gueniche, 2005;
Lustin, 2004; Marcelli, 2005; Palacio-Espasa, 2004; Santos, 2000; Strecht, 1998, 2001).
No âmbito da relação mãe/criança sobressaem dois tipos de percepção: por um lado,
uma relação idealizada, dependente e pouco frustrante e, por outro, a representação da mãe
como uma figura autoritária, punitiva e pouco disponível face às necessidades afectivas da
criança. Neste contexto emergem os afectos depressivos que remetem para a vivência de uma
falha narcísica acentuada, desprotecção, carência, abandono, culpa, insegurança e função de
apoio e contenção maternas precárias, evidenciando-se nas crianças com mães deprimidas, à
semelhança do observado na literatura (Carvalho et al., 2006; Garber et al., 2009; Goodman &
Gotlib, 1999; Hughes, et al., 2008; Stark et al., 2012) e, em particular nas meninas. Importa,
ainda, referir que o Gabriel percepciona a mãe como a figura dominante da família, o Tomé

56
revela o desejo de autonomização e a Isabel exprime o desejo de agradar à mãe, tal como,
observado pelos pais.
À semelhança da percepção das figuras paternas, o João e o Gabriel sentem-se pouco
valorizados e correspondidos por parte dos pais face aos seus desejos e a Mariana projecta
afectos erotizados na relação com o pai. O Tomé também manifesta o desejo de aproximação
e atenção por parte do pai. Os pais tendem a assegurar uma função importante de apoio e
protecção a estas crianças, todavia, observam-se sentimentos de insegurança associados à
percepção destes pais como figuras punitivas e pouco disponíveis.
Quanto à relação fraterna sobressai a rivalidade intensificada face à vivência carencial
na relação com o materno e pelo desejo de obter a atenção/protecção exclusiva dos pais,
sobretudo da figura materna. Ainda que a Isabel se sinta protegida pelo Tomé, este
experiencia sentimentos de inferioridade face à irmã, à semelhança do João que também
percepciona uma relação próxima e afectiva com a irmã, o que pode remeter para uma defesa
pela formação reactiva no Tomé e no João. Por outro lado, o Gabriel sente-se desvalorizado
pelo irmão. Estes dados correspondem aos observados pelos pais. Aparentemente os meninos
atribuem uma menor relevância à relação com outros elementos da família visto que apenas as
meninas se referiram à relação com estas figuras. Assim, a Isabel percepciona o avô materno
como uma figura punitiva e autoritária, paralelamente, a Mariana atribui estas características à
avó e tia paternas, ainda que, também as sinta como afectuosas. Na percepção dos pais
importa destacar o contacto fácil, sedutor, marcado pela necessidade de agradar e forte
angústia de separação na Isabel à semelhança dos pais da Mariana que observam uma conduta
carente, a necessidade de agradar e de atenção constante na relação da filha com outras
figuras significantes.
Posto isto, nestas famílias sobressai uma relação emocionalmente dependente e uma
fraca autonomização das famílias de origem por parte das figuras parentais, sobretudo na
relação que estabelecem com as suas figuras maternas transferindo para a relação com os
filhos os modelos de identificação interiorizados na relação com estas figuras, projectando,
assim, as suas próprias falhas narcísicas. Gera-se o sentimento de culpa também aliado ao
forte investimento no mundo laboral observado nos casos do Tomé, Isabel e João, o que
resulta num empobrecimento das interacções familiares. Outros factores como o falecimento
de figuras significativas aos elementos da família e as dificuldades económicas ligadas ao
desemprego de um dos progenitores (pai da Mariana) parecem acentuar as problemáticas no
sistema familiar e contribuir, assim, para o agravamento da depressão infantil, tal como
sugerem Carvalho et al. (2006), Ferreira (2002), Gueniche (2005), Marcelli (2005) e Schwartz
et al. (1998). Como referido anteriormente, em duas famílias (Tomé/Isabel e Mariana)

57
observa-se aparentemente a presença de depressão materna, afectando a qualidade das
relações familiares, com ênfase na relação conjugal e na relação mãe/filhos (Carvalho et al.,
2006; Garber et al., 2009; Gartstein & Bateman, 2008; Goodman & Gotlib, 1999; Hughes, et
al., 2008; Lau et al., 2007; Stark et al., 2012). E nas restantes duas famílias (João e Gabriel)
observa-se um desequilíbrio entre a díade parental através da presença de uma figura materna
fálica e dominante que contrasta com uma figura paterna passiva e demitida da sua função
parental (no caso do João apresenta afectos que transmitem a vivência de um sofrimento
depressivo), à semelhança da constelação depressígena da autoria de Coimbra de Matos
(2002). Ainda assim, nos casos em estudo observa-se que as figuras paternas tendem a
assumir uma função de apoio e protecção importante, todavia, não proporcionam a contenção
necessária para que as angústias das crianças sejam ultrapassadas pela presença de
sentimentos de insegurança na relação pais/crianças associados à percepção destes pais como
figuras punitivas e pouco disponíveis.
Assim, segundo a acepção de Teresa Ferreira (2002) e de Coimbra de Matos (2002,
2003, 2007) a falha de confirmação narcísica vivenciada no contacto com uma figura materna
deprimida ou fálica aliada a uma figura paterna demitida da sua função parental e/ou
deprimida não permite à criança sentir-se valorizada na experiência de individuação e
autonomia, pelo risco de perda do amor do objecto, permanecendo dependente da relação com
a figura materna. Em todos os casos analisados observa-se, ainda, a clivagem parental entre
um filho associado a características positivas como a capacidade de mobilizar estratégias
internas de defesa e outro que remete para afectos negativos ligados à percepção de maior
fragilidade, insegurança, passividade e escassos recursos internos de defesa. No primeiro
grupo situam-se o Gabriel e a Isabel, o que permite acentuar a relação dependente mãe/criança
e, no segundo, encontram-se o Tomé, o João e a Mariana intensificando a rivalidade fraterna,
o sentimento de inferioridade face aos irmãos e de abandono na relação com os pais/mães.
Todas as crianças avaliadas encontram-se ao nível da relação pré-edipiana, ainda que,
aparentemente a instância superegóica se encontre integrada e a maioria aceda à diferenciação
sexual, de gerações e à triangulação edipiana, porém, revelam dificuldades na aceitação da
exclusão do casal parental. O conceito de família também se encontra integrado. Dependendo
da modalidade depressiva avançada por Teresa Ferreira (2002) aproximada ao sofrimento
psíquico da criança observa-se: uma relação dual com a figura materna marcada por carências
orais que não permitem a separação emocional desta figura (núcleo precoce) – Isabel e
Mariana; uma relação dual com a figura materna acompanhada de dificuldades no processo de
separação/individuação (núcleo primário) – Tomé e Gabriel; e, por fim, uma relação
triangular onde a angústia depressiva se acentua face ao experienciar da castração e falhas

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identitárias resultantes da ausência de valorização narcísica por ambas as figuras parentais
(núcleo fálico) – João. Todavia, perante as dificuldades vivenciadas no confronto com a
angústia depressiva pela possibilidade de perda do amor do objecto sobressaem nestas
crianças problemáticas como: uma relação dependente, idealizada e, por vezes, pouco
frustrante com a figura materna, expressando o desejo de uma aproximação exclusiva a esta
figura; carência afectiva e falha narcísica acentuadas, sentimento de desvalorização,
insegurança, exclusão, solidão, abandono, desprotecção e de precariedade dos suportes na
relação com as figuras parentais, sobretudo na relação com a figura materna acompanhado de
culpabilidade pelo retorno da agressividade/punição sobre si. Estes resultados divergem
significativamente dos obtidos no CDI que apontam para uma intensidade intermédia ou
diminuída de sintomas depressivos e, por isso, não classificados no grupo de casos
“deprimidos”, o que pode ser explicado pela interferência dos mecanismos de defesa como a
negação durante a realização deste instrumento. Assim, observa-se que as crianças com uma
conduta mais exteriorizada obtiveram resultados mais elevados e, assim, mais próximos de se
enquadrarem no grupo de casos “deprimidos”, já as crianças com conduta inibida associam-se
a resultados menos significativos na expressão de intensidade depressiva. Estes resultados
apoiam a advertência de Marujo (1995) relativamente à utilização do teste enquanto
instrumento complementar de diagnóstico, incidindo apenas sobre os sintomas de depressão.
Importa, ainda, assinalar que esta investigação apresenta uma limitada uniformização
no processo de recolha de dados, tendo-se optado por ajustar às necessidades específicas
apresentadas por cada criança e relativas às condições do espaço, tempo, disponibilidade
horária dos pais e da própria investigadora, o que pode ter condicionado os resultados obtidos.
Deste modo, sugere-se a replicação deste estudo obedecendo a uma ordem comum na
aplicação dos diversos instrumentos; utilizando um número mais elevado de crianças/famílias;
incluindo todos os elementos que compõem o agregado familiar ou a família nuclear, neste
último caso, os irmãos; recorrendo a tipos de famílias distintos, como as famílias
monoparentais, alargadas, entre outros; em crianças que apresentam diagnósticos clínicos
diferentes de depressão ou sem diagnóstico clínico (i.e., amostra normativa) para efeitos de
comparação com os resultados obtidos na presente investigação; investigar o objectivo deste
estudo com recurso à utilização de uma metodologia distinta da utilizada, possivelmente de
foro quantitativo; e, utilizar o Teste de Relações Familiares, Versão Adultos (Bene, 1965)
conjuntamente com as restantes versões deste teste destinadas às crianças e aos casais de
forma a obter uma perspectiva contínua da família que acompanhe as vivências relativas à
infância com as famílias de origem das figuras parentais, os sentimentos experienciados na
vida conjugal e com os filhos e a vivência familiar das próprias crianças.

59
CONCLUSÃO

O objectivo principal do presente estudo consistia em identificar e descrever a


percepção das relações familiares em crianças diagnosticadas com depressão, na mãe e no pai,
de forma a contribuir para uma melhor compreensão do funcionamento familiar destas
crianças. Deste modo, participaram nesta investigação cinco crianças, três meninos e duas
meninas com idades compreendidas entre os 7 e os 10 anos e as respectivas figuras parentais.
Utilizou-se o método de Estudo de Caso múltiplo, exploratório e os seguintes
instrumentos: Desenho Livre, Desenho da Figura Humana (Machover, 1978), Desenho da
Família (Corman, 2003), Inventário de Depressão para Crianças (Marujo, 1995), Teste de
Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985), Teste de Relações Familiares, Versão
Casais (Bene, 1976), As Aventuras de Pata-Negra (Corman, 2001) e duas entrevistas semi-
directivas, uma destinada aos pais e outra às crianças.
Os resultados indicam a percepção de uma relação dependente com uma figura
materna deprimida ou fálica aliada a uma figura paterna demitida da sua função parental e/ou
deprimida, ambas culpabilizadas, sentidas como punitivas e pouco disponíveis face às
necessidades afectivas da criança, resultando numa falha de confirmação narcísica, não
permitindo à criança sentir-se valorizada na experiência de individuação e autonomia,
acentuando-se nos casos de crianças com mães deprimidas e, em particular, nas meninas.
Assim, estas crianças tendem a apresentar uma auto-estima baixa marcada por sentimentos de
insegurança, inferioridade, pessimismo, culpabilidade, tristeza, afectos ligados à morte,
indecisão e dificuldades de mentalização (instabilidade psicomotora, somatizações)
acentuando-se a sua expressão nas crianças que exibem uma conduta menos inibida.
No âmbito da relação conjugal sobressai a percepção de conflitos acentuados ligados
ao sentimento de desvalorização e insegurança, em ambas as figuras parentais. Na relação
fraterna sobressai a percepção de rivalidade intensificada face à vivência carencial na relação
com o materno e pelo desejo de obter a atenção/protecção exclusiva dos pais, sobretudo da
figura materna. Observa-se, ainda, que as figuras parentais tendem a manter uma relação
emocionalmente dependente e uma fraca autonomização das suas famílias de origem. O
falecimento de figuras significativas à família e as dificuldades económicas parecem acentuar
as problemáticas familiares e contribuir, assim, para o agravamento da depressão infantil.
Termino com a seguinte reflexão da autoria de Pedro Strecht (2001): “Porque será que
vemos cada vez mais crianças e adolescentes com estruturas depressivas? Depois de tudo, a
mensagem final é simples: temos de recuperar a capacidade de amar os outros. E isso não está
nos livros, não se ensina. Têm-se e vive-se” (p. 149).

60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Alexandre, M. F. G. (1993). A relação transferencial/contratransferencial no processo


terapêutico na fase de latência. Revista Portuguesa de Pedopsiquiatria, 5, 51-60.

American Psychiatric Association (2002). DSM-IV-TR. Manual de Diagnóstico e Estatística


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70
ANEXOS

71
Anexo A: Pedido de Autorização para Recolha de Dados

Exmo. Sr. Presidente


Do Conselho de Administração
Dr. Joaquim Daniel Lopes Ferro
Hospital, E.P.E.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2011

Exmo. Senhor,

Na qualidade de estudante do Mestrado Integrado em Psicologia, área de Psicologia


Clínica do Instituto Superior de Psicologia Aplicada – Instituto Universitário e estagiária
curricular da Unidade de Pedopsiquiatria, Serviço de Pediatria solicito a Vossa Excelência a
necessária autorização para a recolha de dados de investigação com os pais e respectivas
crianças diagnosticadas com um funcionamento depressivo pelos técnicos da Unidade de
Pedopsiquiatria (Pedopsiquiatras/Psicólogos).
A presente investigação insere-se no âmbito da elaboração da minha tese de
dissertação de Mestrado Integrado em Psicologia Clínica do ISPA – IU, sob a orientação do
Prof. Doutor Emílio Salgueiro.
O objectivo principal do presente estudo é identificar e descrever as percepções das
relações familiares em crianças com funcionamento depressivo e nos respectivos pais.
Pretende-se, deste modo, obter resultados com efeitos ao nível da prevenção e
intervenção da prática clínica, através do enriquecimento dos conhecimentos dos técnicos que
interagem frequentemente com crianças e/ou famílias de modo a que se possa intervir
atempadamente, apoiando as famílias nas dificuldades encontradas. Espera-se, ainda,
contribuir para o desenvolvimento de uma intervenção psicoterapêutica (individual e/ou
familiar) mais centrada e atenta às necessidades específicas destas crianças e das suas
famílias, nomeadamente das figuras parentais.
Na realização deste estudo serão utilizadas as seguintes provas avaliativas: Desenho
Livre; Desenho da Figura Humana (Machover, 1978); Desenho da Família (Corman, 2003);
As Aventuras de Pata-Negra (Corman, 2001); Teste de Relações Familiares, Versão Casais
(Bene, 1976); Teste de Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985); Inventário de
Depressão para Crianças (Marujo, 1995).

72
Será garantida a total confidencialidade e anonimato dos dados recolhidos, os quais
serão guardados num local seguro, apenas acessível aos investigadores do estudo e
destinando-se exclusivamente a fins de investigação. Somente as crianças que obtiverem a
carta de consentimento informado assinada pelos pais participarão no estudo. Comprometo-
me, ainda, a referir a instituição hospitalar em eventuais comunicações e publicações
realizadas.

Junto remeto o Projecto de Investigação, anexando a Carta de Consentimento


Informado que será entregue aos pais das crianças incluídas no estudo, uma cópia integral dos
instrumentos a utilizar na investigação e, por fim, o meu Curriculum Vitae.

Agradeço, desde já, a disponibilidade prestada,

Com os melhores cumprimentos,

Margarida Pereira das Neves.

73
Anexo B: Projecto de Investigação

PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO

Instituto Superior de Psicologia Aplicada


Mestrado Integrado em Psicologia – Área de Psicologia Clínica

Tema: A Depressão na Criança: Percepção das Relações Familiares na Criança, na Mãe e


no Pai – 5 Estudos de Caso

Investigador: Margarida Pereira das Neves

Orientador: Prof. Doutor Emílio Salgueiro

2011

INTRODUÇÃO

Modelo Bio-Ecológico do Desenvolvimento Humano

O Modelo Bio-Ecológico do Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner & Morris,


2006) concebe a criança como uma entidade em crescimento, dinâmica e activa face ao
ambiente que a rodeia. As interacções são bi-direccionais (i.e., entre o organismo e ambiente)
e progressivamente mais complexas, assim como, regulares ao longo de extensos períodos de
tempo. Tanto o ambiente imediato como o mais remoto podem exercer influência no sujeito.
Desta forma, o modelo “rejeita explicitamente a assumpção de que os processos
desenvolvimentais são de carácter universal” (Veríssimo & Santos, 2008, p. 392).
O meio ambiente ecológico organiza-se em cinco estruturas concêntricas, cada uma
contida na seguinte, representando um nível diferente de influência sobre o desenvolvimento
da criança: Micro-sistema, Meso-sistema, Exo-sistema, Macro-sistema e Chrono-sistema.
Na primeira estrutura, o Micro-sistema, é dada ênfase aos relacionamentos
interpessoais, papéis e actividades desenvolvidos pela criança em interacção activa e directa
com os elementos que constituem o ambiente circundante (familiar, escolar, pares,
creche/jardim-de-infância e vizinhança). É dada também uma importância relevante à

74
experiência subjectiva decorrente dessas interacções – sistema de valores, cognições, crenças,
atitudes, entre outros.
A seguinte estrutura, o Meso-sistema integra as inter-relações existentes entre dois
ambientes ou mais (e.g. relações entre a família, a escola e pares). O sujeito em
desenvolvimento participa activamente nesses ambientes.
A terceira estrutura denomina-se Exo-sistema, o qual “compreende os processos
existentes entre dois ou mais ambientes, em que pelo menos um não envolve a pessoa em
desenvolvimento, mas os eventos que ocorrem neste influenciam indirectamente processos do
ambiente em que a pessoa em desenvolvimento vive” (Bronfenbrenner, 1993 cit. por
Bronfenbrenner & Morris, 2006, p. 818).
O Macro-sistema é a estrutura que se segue, segundo Cole, Cole e Lightfoot (2005)
refere-se à existência de consistências quanto à forma e conteúdo de sistemas inferiores, mas
existentes na sub-cultura ou cultura como um todo, assim como, crenças e ideologias
dominantes subjacentes às consistências.
Por último, a estrutura Chrono-sistema ou Tempo tem implicações sobre os outros
sistemas, através das mudanças históricas que ocorrem na sociedade. Esta estrutura contempla
três níveis distintos: Microtempo, o qual integra os fenómenos de continuidade versus
descontinuidade no decorrer dos episódios dos proximal processes; Mesotempo, indica a
frequência desses episódios em intervalos de tempo mais amplos (e.g. dias e semanas); e,
Macrotempo, referindo-se à mudança de expectativas, valores, crenças e eventos na sociedade
geral, dentro da mesma geração, assim como, entre as sucessivas gerações, constatando-se
como estas têm influência e são influenciadas por processos e resultados do desenvolvimento
humano ao longo da vida, nomeadamente, reflectem-se no desenvolvimento da criança
(Bronfenbrenner & Morris, 2006).

Depressão na Criança

Actualmente a depressão na Criança é vista como uma realidade, todavia, só a partir


da segunda metade do século XX obteve o devido reconhecimento (Câmara, 2005). Câmara
(2005) caracteriza a depressão na criança como um estado resultante de uma decepção
precoce na relação primária, originando sucessivas decepções posteriores. O vazio criado na
criança remete-a para a procura da aconflitualidade, da regressão. Câmara (2005) indica ainda
que “é uma criança em sofrimento, que vive em constante conflito interno e na busca
incessante de confirmação e valorização narcísica. Não se sente amada pelo que é e as suas
aspirações são sentidas como inúteis ou reprováveis porque não reforçadas positivamente” (p.

75
55). Tendencialmente as crianças deprimidas manifestam-se apáticas e sem curiosidade,
mostrando-se inibidas na exploração que exercem sobre o meio pois “toda a sua caminhada é
marcada pela insegurança, pelo medo, pela vivência antecipatória do falhar” (p. 55).
As principais defesas utilizadas por estas crianças são a tendência ao agir, pela redução
da mentalização e a inibição, através da procura de aconflitualidade, expressando-se
geralmente num fraco rendimento escolar, intelectual e social (Câmara, 2005).

Relações Familiares

Quanto ao contexto familiar para Schaffer (1996) “a família é o primeiro e o mais


importante contexto para o crescimento físico e psicológico” (p. 204). O processo de
socialização ocorre primeiramente no âmbito das famílias e visa adaptar a criança às
características da sociedade em que está inserida. Como sistema, a família organiza-se como
um todo, assim, não se pode tentar compreendê-la pelo somatório das suas partes. A família
integra subsistemas inter-relacionados e governados por regras definidas: os membros
familiares e as interacções que estabelecem entre si, gerando-se um padrão de influência
circular onde as mudanças que ocorrem numa parte da família repercutem-se nas restantes.
Como sistema aberto, a família está sujeita à continuidade e à mudança (Schaffer, 1996).

As Famílias de Crianças com Depressão

Segundo Sander e McCarty (2005) na génese da depressão na infância actuam


múltiplos factores de ordem parental e familiar, tais como, clima familiar; interacções pais-
criança; tipo de vinculação existente; psicopatologia parental (viz., depressão parental); estilo
cognitivo parental; temperamento da criança e a maneira como esta lida com o ambiente
familiar. Variáveis como stress, conflito conjugal e suporte social interagem de forma
determinante com os factores mencionados anteriormente.
A partir de um estudo comparativo realizado por George, Herman e Ostrander (2006)
observou-se uma associação entre sintomas depressivos na infância e ambientes familiares
pouco coesos e intelectuais, com elevados conflitos. Por outro lado, Gullone, Ollendick e
King (2006) ao analisar o papel da representação da vinculação em 326 crianças verificaram
que uma representação da vinculação que indique disfunção correlaciona-se aos sintomas
depressivos. Num estudo longitudinal com uma amostra de 83 pais de crianças com idades
inferiores a 18 meses conduzido por Gartstein e Bateman (2008) verificou-se uma correlação
entre maiores níveis de depressão materna, de afectos negativos da criança e de sintomas
depressivos na criança. A investigação longitudinal de Lau, Rijsdijk, Gregory, McGuffin e
76
Eley (2007) obteve resultados semelhantes aos observados no estudo anterior, ao verificar
uma associação entre a depressão materna, estilo cognitivo negativo da criança e a ocorrência
de sintomas depressivos na infância, agravados face a eventos de vida negativos. Num estudo
longitudinal O’Donnell, Moreau, Cardemil e Pollastri (2010) observaram que os estilos
parental e cognitivo actuam como moderadores na relação entre o conflito inter-parental e a
depressão na infância. Por fim, Mezulis, Hyde e Abramson (2006) através de um estudo
longitudinal obtiveram uma correlação entre o temperamento negativo da criança, eventos de
vida negativos e vulnerabilidade para a depressão, através do estilo cognitivo, agravado pelos
comportamentos maternos de feedback negativo face à criança e expressão de zanga.

Problema

Tal como referem Jewell e Beyers (2008) facilmente se compreende que “os efeitos da
interacção de variáveis do ambiente familiar para distinguir e prever psicopatologia na
infância são complexos e exigem maior atenção” (p. 88). Assim, o presente estudo propõe-se
estudar esta temática que tem sido menos abordada na literatura comparativamente com a
depressão na adolescência e adultícia; não se observam estudos significativos que procurem
conhecer o funcionamento familiar da população que este estudo se propõe estudar e, mais
raramente, de forma abrangente e integrada, isto é, articulando numa mesma investigação os
sentimentos e emoções familiares, tipo de alianças, coesão, vinculação, entre outros
fenómenos familiares; o tipo de abordagem utilizada para compreender e analisar o fenómeno
em causa é inovador, usando simultaneamente o Modelo Bio-ecológico do Desenvolvimento
Humano (Bronfenbrenner & Morris, 2006) e a teoria psicanalítica; inova também na temática
que se propõe estudar face ao contexto sócio-cultural em que se insere, Portugal; o tipo de
metodologia utilizada destaca-se da restante literatura por não se encontrarem estudos de tipo
qualitativo, incluindo o método de Estudo de Caso e raramente se utiliza o instrumento Teste
de Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985) combinado com a prova Teste de
Relações Familiares, Versão Casais (Bene, 1976).

Objectivos

O objectivo principal do presente estudo é identificar e descrever as percepções das


relações familiares em crianças com funcionamento depressivo e nos respectivos pais.
Em cada família, comparam-se as percepções familiares da criança, da mãe e do pai,
de modo a analisar as semelhanças e as diferenças existentes.

77
Por fim, elabora-se uma comparação geral dos resultados obtidos em cada uma das
famílias com os das restantes famílias, de forma a aceder a uma leitura compreensiva das
percepções familiares presentes nas famílias de crianças com funcionamento depressivo.
Ao caracterizar as relações familiares de crianças com organização depressiva,
segundo as percepções da criança, da mãe e do pai numa perspectiva psicodinâmica e bio-
ecológica, espera-se contribuir para o conhecimento dos factores familiares implicados na
depressão da infância, permitindo, deste modo, o desenvolvimento de resultados em dois
níveis distintos, ainda que, complementares à prática clínica: a prevenção e a intervenção. No
que concerne ao contributo desta investigação para a prevenção dos casos de depressão na
infância, pretende-se enriquecer os conhecimentos dos técnicos que interagem frequentemente
com crianças e/ou famílias face a determinados padrões de relacionamento ou interacção
familiar susceptíveis ao desenvolvimento deste tipo de funcionamento psicológico, de modo a
que se possa intervir atempadamente, apoiando as famílias nas dificuldades encontradas. Ao
nível da intervenção espera-se contribuir para o desenvolvimento de uma intervenção
psicoterapêutica (individual e/ou familiar) mais centrada e atenta às necessidades específicas
das crianças com depressão e das suas próprias famílias, nomeadamente das figuras parentais.

MÉTODO

Delineamento

De modo a responder à questão de investigação – quais as percepções das relações


familiares em crianças com diagnóstico de depressão e respectivas figuras parentais? Optou-
se pela utilização do método de Estudo de Caso múltiplo, exploratório, com metodologia
qualitativa por se colocar a questão “o quê?” sem que sejam delineadas a priori uma teoria e
hipóteses precisas, visto que o objectivo principal é desenvolver hipóteses que possam ser
testadas em pesquisas confirmatórias. Esta metodologia aborda fenómenos contemporâneos a
partir do seu contexto real, onde as variáveis são dificilmente manipuláveis pelo
experimentador (Yin, 1984). Assim, os Estudos de Caso são “generalizáveis a proposições
teóricas e não a populações ou universos” (Yin, 1984, p. 21), ou seja, pressupõe-se a
generalização analítica com vista a corroborar, fortalecer ou refutar uma teoria e não a
generalização estatística. Perante a utilização de múltiplas fontes de evidência e a
representação dos fenómenos através da perspectiva do próprio sujeito, este método permite,
ainda, descrições e análises mais intensivas dos fenómenos (Shaughnessy, Zechmeister &
Zechmeister, 2006; Stark & Torrance, 2005).

78
Participantes

Esta investigação é constituída por cinco crianças identificadas com funcionamento


depressivo pelos psicólogos da Unidade de Pedopsiquiatria (Serviço de Pediatria) do Hospital
e os respectivos pais. Pretendem-se crianças do sexo feminino e masculino. Estas crianças
devem frequentar a escola primária e encontrar-se no período de Latência, com idades
compreendidas entre os 7 e os 10 anos.

Procedimento

Inicialmente será enviado o consentimento informado ao Presidente do Conselho de


Administração do Hospital e à Direcção do Serviço de Pediatria deste hospital.
Em seguida, serão identificadas cinco crianças avaliadas e diagnosticadas com um
funcionamento depressivo pelos técnicos (Psicólogos) da Unidade de Pedopsiquiatria
(Serviço de Pediatria) do Hospital.
A recolha dos dados terá início através de uma sessão com ambos os pais, previamente
marcada para a mesma hora em que a criança terá consulta de Pedopsiquiatria/Psicologia.
Num primeiro momento será apresentado o consentimento informado aos pais, no qual se
explicará sumariamente o âmbito da investigação, o número de encontros necessários à
recolha dos dados e os cuidados éticos implicados (e.g., carácter voluntário de participação,
confidencialidade, protecção dos dados). Apenas as crianças que obtiverem o devido
consentimento por escrito dos pais participarão nesta investigação. Em seguida, será realizada
uma entrevista semi-directiva aos pais com o objectivo de recolher os dados necessários à
elaboração da anamnese da criança, genograma familiar e, ainda, para a classificação social
internacional de Graffard (duração relativa de 40 minutos). Com apenas um dos pais presente
na sala, realizar-se-á a passagem da prova Teste de Relações Familiares, Versão Casais
(Bene, 1976).
Após a consulta de Pedopsiquiatria/Psicologia da criança será realizada a primeira
sessão apenas com a criança. Esta sessão iniciar-se-á com uma entrevista semi-directiva
(duração aproximada de 30 minutos) com o intuito de recolher informações associadas à
história e percepção familiar da criança como, também, permitir que esta se expresse de forma
espontânea, favorecendo, assim, a criação de uma relação de aliança com a observadora, de
modo a facilitar a passagem das provas projectivas que se seguem. Assim, serão
administrados os testes Desenho Livre e Desenho da Figura Humana (Machover, 1978).
Na sessão seguinte será aplicada a prova Teste de Relações Familiares, Versão Casais
(Bene, 1976) à figura parental que não realizou esta prova, enquanto a criança se encontra na
79
consulta da Unidade de Pedopsiquiatria. Quando esta consulta terminar, em situação
individual com a criança, aplicam-se os instrumentos Desenho da Família (Corman, 2003),
Teste de Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985) e Inventário de Depressão para
Crianças (Marujo, 1995).
Por fim, na última sessão com a criança realizar-se-á a passagem da técnica projectiva
As Aventuras de Pata-Negra (Corman, 2001), logo após a finalização da consulta de
Pedopsiquiatria/Psicologia na Unidade.
Deve-se, ainda, referir que a passagem dos instrumentos supramencionados será
realizada pelo mesmo examinador e numa sala pertencente à Unidade de Pedopsiquiatria
(Serviço de Pediatria) do Hospital. Durante a passagem das provas enfatizar-se-á a
importância da participação voluntária de cada sujeito, tal como, o facto de não existirem
respostas correctas ou incorrectas nas provas aplicadas, visto que o interesse está no que o
indivíduo considera mais verdadeiro para si mesmo.

Instrumentos

 Desenho Livre

A técnica grafo-motora do Desenho Livre é usualmente utilizada na clínica infantil


como forma privilegiada de aceder ao mundo fantasmático da criança. No espaço da
transferência a criança projecta no desenho de forma inconsciente as suas escolhas de temas,
objectos, mecanismos de defesa, medos e angústias (Celié, 2004). No fundo, a sua realidade
psíquica. Para a criança o desenho é sentido como um meio natural de se expressar, pois
“mesmo na latência é frequente uma criança ultrapassar a inibição verbal comunicando pelo
desenho, onde expressa o conflito latente que a trouxe à consulta, a vida fantasmática, as
defesas – o funcionamento mental” (Ferreira, 2002, p. 358). É através do desenho espontâneo
que se distingue de forma particular a organização de figuras no espaço, a relação entre os
objectos, os pormenores, a utilização e escolha das cores, assim como, as formas e os
elementos incongruentes. À criança é possibilitada a escolha do seu modo de expressão e de
deslocar para o desenho o que sente durante a sessão (Celié, 2004).
Posto isto, durante a avaliação psicológica é dada a seguinte instrução à criança:
“gostaria que fizesses um desenho nesta folha”, disponibilizando-se uma folha branca, um
lápis de carvão, lápis de cor e canetas de feltro. Caso a criança necessite, incluir uma
borracha. Após a finalização do desenho surge a fase de inquérito, onde deve ser pedido à

80
criança para descrever o que desenhou (e.g., quem são as pessoas que desenhou e o que estão
a fazer) e contar uma história alusiva ao desenho.

 Desenho da Figura Humana (Machover, 1978)

O Desenho da Figura Humana, originalmente criado por Goodenough em 1926 como


instrumento de medida do desenvolvimento intelectual de crianças foi posteriormente
adaptado ao estudo da personalidade de crianças e adultos por Karen Machover, em 1949 (cit.
por Machover, 1978). Através da publicação dos resultados de diversas observações clínicas
sobre a representação gráfica de figuras humanas desenhadas por sujeitos com variados
problemas psicológicos, Machover atribuiu um carácter projectivo à prova. Como tal,
segundo a autora, ao desenhar uma pessoa, o sujeito representa no papel a sua auto-imagem
corporal, a relação fantasmática que mantém com o ambiente, as suas aspirações, imagem
ideal e pessoas significativas. Celié (2004) acrescenta que este teste “revela as fixações
precoces, o investimento particular das zonas erógenas, os locais de conflitos pulsionais e a
estrutura da organização tópica do sujeito” (pp. 268-269).
Durante a administração da prova é entregue ao sujeito um lápis de carvão, lápis de
cor, uma folha de papel branco em formato A4 e, ainda, uma borracha (caso o sujeito a
solicite). Segue-se a seguinte instrução: “Gostaria que desenhasses uma pessoa nesta folha.
Faz o melhor desenho que puderes” e um inquérito quando o desenho estiver terminado.
Todos os comentários proferidos pelo sujeito ao longo da prova devem ser anotados pelo
observador. Após este primeiro desenho solicita-se ao sujeito que desenhe uma pessoa do
sexo oposto à figura desenhada em primeira instância, repetindo-se o processo de aplicação
utilizado no primeiro desenho (Machover, 1978).

 Desenho da Família (Corman, 2003)

A prova do Desenho de Família segundo Corman (2003) é um instrumento projectivo.


Deste modo, a partir da instrução “Desenha uma família inventada por ti” a criança é
convidada a criar e a projectar livremente as suas tendências inconscientes e conscientes,
revelando os sentimentos experienciados perante os elementos da sua família. Trata-se, pois,
de uma prova de personalidade onde são projectados os conflitos, afectos, sentimentos,
desejos, medos e identificações da criança.
Após a realização do desenho são colocadas algumas questões à criança como a
atribuição de um nome, idade e papel ocupado na família por cada personagem desenhada, a

81
descrição do que se encontram a fazer e, ainda, a história sobre a família desenhada. Segue-se
um inquérito denominado por Corman (2003) como método das Preferências-Identificações,
no qual são questionadas as preferências ou aversões associadas às personagens representadas
e ao próprio desenho na sua globalidade (e.g., Quem é o mais simpático? Porquê?; Quem é o
menos simpático? Porquê?; Quem é o mais feliz? Porquê?; Quem é o menos feliz? Porquê?;
Quem manda mais? Porquê?; Quem manda menos? Porquê?; Se tivesses que escolher uma
pessoa desta família, quem é que preferias ser? Porquê?; Se fossem todos dar um passeio de
carro mas não houvesse lugar para uma pessoa, quem ficaria em casa? Porquê?; Se alguém
não se tivesse comportado bem quem seria? Que castigo teria? quem é que o dava?; Se
pudesses mudar alguma coisa no teu desenho o que é que mudarias? Porquê?).

 Inventário de Depressão para Crianças (Marujo, 1995)

Este instrumento da autoria de Kovacs (2004) é uma escala que pretende avaliar os
sintomas de depressão em crianças e adolescentes, dos 7 aos 15 anos de idade. Na presente
investigação recorre-se à adaptação portuguesa da prova da autoria de Helena Marujo (1995).
Assim, a escala contém 27 itens e pressupõe o preenchimento pela própria criança ou por
figuras relevantes na sua vida como é o caso da mãe, pai, professor(a) e outros educadores ou
cuidadores, através do tipo de resposta de 0 a 3 pontos (e.g., “Item 1: Nunca me sinto triste,
Às vezes sinto-me triste, Sinto-me quase sempre triste, Sinto-me sempre triste”) tendo como
referência as duas últimas semanas da criança/adolescente.
No que concerne às características psicométricas do teste, segundo dados obtidos em
diversas investigações, o teste é fiável, obtendo um coeficiente Alfa de Cronbach de 0,86
quanto ao valor de consistência interna no estudo original (Kovacs, 2004). Verifica-se, ainda,
a existência de evidência empírica sobre os valores de validade concorrente, de critério e de
constructo da prova (Kovacs, 2004).

 Teste de Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985)

O TRF, Versão Crianças desenvolvido por Bene (1985) caracteriza-se por uma prova
projectiva que visa medir os sentimentos da criança avaliada face aos membros da sua família
e a percepção que a criança tem dos sentimentos dos elementos da família relativamente à
própria. Mais concretamente, este instrumento permite avaliar as vertentes positivas (leves/de
ternura “Esta pessoa da minha família merece um presente bonito”; fortes/erotizadas “Esta
pessoa da minha família gosta de me dar beijinhos”) e negativas (leves/de rejeição “Esta

82
pessoa da minha família nunca está satisfeita”; fortes/agressivas “Às vezes apetecia-me matar
esta pessoa da minha família”) dos sentimentos emitidos e recebidos pela criança face aos
elementos da família, a superprotecção materna “A minha mãe preocupa-se que esta pessoa
da família possa ser atropelada” e, por fim, a superindulgência parental (paterna “Esta é a
pessoa da minha família de quem o pai gosta mais” e materna “A mãe dá atenção demais a
esta pessoa da minha família”). A versão para crianças do teste contém duas formas
compostas por itens distintos: a forma para crianças mais novas (em idade pré-escolar) e a
forma para crianças mais velhas (em idade escolar) utilizando-se na presente investigação a
última forma. Assim sendo, esta forma é composta por 86 itens, contendo cada item uma frase
que é dada à criança para a fazer corresponder a um dado membro familiar. Quanto às
características psicométricas o teste discrimina as diferenças significativas nas relações
familiares entre crianças provenientes de diferentes populações e os mecanismos
psicodinâmicos de defesa destacados assumem particular importância em crianças gravemente
perturbadas (Bene, 1985).

 Teste de Relações Familiares, Versão Casais (Bene, 1976)

Relativamente ao instrumento TRF, Versão Casais da autoria de Bene (1976) pode-se


descrevê-lo como uma técnica projectiva utilizada na avaliação dos sentimentos que um
indivíduo casado tem sobre o cônjuge e filhos, assim como, destes elementos perante o
próprio indivíduo, segundo a sua percepção. Deste modo, contribui de forma determinante
para a compreensão das interacções emocionais da família nuclear. Os autores referem que
esta técnica pode, ainda, ser utilizada em adultos que tenham pelo menos duas pessoas
próximas a actuar como familiares (e.g., pais solteiros com dois filhos).
As dimensões discriminadas no teste são as seguintes: Sentimentos positivos (leves/de
ternura “Esta pessoa da minha família merece ser feliz”; fortes/erotizados “Eu gosto de ser
beijado por esta pessoa da minha família”) e sentimentos negativos (leves/de rejeição “Esta
pessoa da minha família, por vezes, tem mau feitio” e fortes/agressivos “Às vezes sinto que
odeio esta pessoa da minha família”) emitidos e recebidos pelo sujeito em relação aos
elementos da família, sentimentos de protecção “Às vezes preocupo-me que esta pessoa da
família possa adoecer” e, finalmente, atribuição de incompetência ou fraqueza “Esta pessoa
da minha família não consegue lidar bem com dificuldades”. A prova é constituída por 78
itens, contendo cada item uma frase que é dada ao sujeito para a fazer corresponder a um dado
membro familiar (Bene, 1976).

83
 As Aventuras de Pata-Negra (Corman, 2001)

A técnica projectiva PN, da autoria de Louis Corman (2001) foi desenvolvida com o
intuito de avaliar a personalidade e os conflitos inerentes ao funcionamento mental infantil a
partir da abordagem psicanalítica, em crianças com idades compreendidas entre os 4 anos e os
10 anos de idade. Trata-se de um prova composta por um cartão designado de Frontispício, o
qual introduz a prova, o cartão Fada que a conclui e, ainda, 17 cartões contendo imagens
figurativas de um porco e da sua família, a preto e branco. Perante as solicitações manifestas e
latentes contidas em cada cartão, a criança é convidada a escolher os cartões que prefere e a
narrar uma história inventada por si, dispondo a ordem de sucessão de cada imagem. Este
procedimento permitirá que a criança em situação de avaliação projecte a sua realidade
interna, defesas e registos de conflitualização subjacentes ao seu funcionamento psíquico.
Cada cartão pode reactivar sucessiva ou simultaneamente vários registos de conflitualização
na mesma criança (Boekholt, 2000).

RESULTADOS

Após a recolha dos dados proceder-se-á à análise e descrição qualitativa dos conteúdos
constantes nas entrevistas semi-directivas realizada com os pais e com a criança, de modo a
formular a anamnese da criança, genograma familiar, classificação social internacional de
Graffard e aceder às percepções familiares da criança, da mãe e do pai. Em seguida, serão
avaliadas as provas aplicadas à criança e respectivas figuras parentais: nas provas do Desenho
Livre, Desenho da Figura Humana (Machover, 1978) e Desenho da Família (Corman, 2003)
serão analisadas as modalidades de desenho utilizadas durante a realização da prova,
atendendo à fase de desenvolvimento em que a criança se encontra. O Inventário de
Depressão para Crianças (Marujo, 1995) será analisado do ponto de vista quantitativo.
Quanto às provas Teste de Relações Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985), Teste de
Relações Familiares, Versão Casais (Bene, 1976) e As Aventuras de Pata-Negra (Corman,
2001) serão cotados os procedimentos alusivos às respostas em cada uma das provas e
avaliado o seu valor qualitativo. Estes resultados serão integrados aos resultados obtidos nas
entrevistas semi-directivas, de modo a aceder a uma leitura compreensiva das percepções
familiares presentes em cada uma das famílias de crianças com organização depressiva
constantes na presente investigação.

84
Anexo C: Consentimento Informado

No âmbito da elaboração da tese de dissertação de Mestrado Integrado em Psicologia


Clínica do ISPA – IU, decorre actualmente um estudo sobre crianças com instabilidade,
comportamentos agressivos e/ou inibição motora e social, com possíveis repercussões a nível
escolar, dificuldades do sono, alimentares, gastrointestinais e/ou do controlo esfincteriano.
Mais concretamente, esta investigação incidirá sobre a maneira como estas crianças e as suas
figuras parentais percepcionam as próprias relações familiares. Pretende-se obter resultados
com efeitos ao nível da prevenção e intervenção da prática clínica, através do enriquecimento
dos conhecimentos dos técnicos que interagem frequentemente com crianças e/ou famílias de
modo a que se possa intervir atempadamente, apoiando as famílias nas dificuldades
encontradas. Espera-se, ainda, contribuir para o desenvolvimento de uma intervenção
psicoterapêutica (individual e/ou familiar) mais centrada e atenta às necessidades específicas
destas crianças e das suas famílias, nomeadamente das figuras parentais. Esta investigação
está a ser conduzida pela aluna Margarida Neves sob a responsabilidade do Prof. Doutor
Emílio Salgueiro.
Na concretização da investigação será necessária a realização de cerca de três
encontros previamente marcados para a mesma hora em que a criança tem consulta na
Unidade de Pedopsiquiatria (Serviço de Pediatria) do Hospital e/ou após esta consulta, com o
objectivo de se proceder à recolha dos dados. No caso de impossibilidade em comparecer no
horário pré-estabelecido para a recolha de dados poder-se-á marcar a sessão para um horário
conveniente à família e investigadora.
O primeiro encontro inicialmente contará com a presença de ambos os pais, onde será
realizada uma entrevista relativa à história e funcionamento familiar (duração variável de 40
minutos). Segue-se uma sessão apenas com um dos pais para efeitos de administração de um
teste sobre relações familiares com duração aproximada de 30 minutos. Por fim, uma sessão
onde somente a criança estará presente, na qual será realizada uma breve entrevista e
administradas provas associadas ao contexto familiar e pessoal (cerca de 60 minutos de
duração).
O segundo encontro, num primeiro momento, contará com a presença do pai/mãe que
não realizou a última sessão sozinho(a) para realização da prova sobre relações familiares,
durante 30 minutos aproximadamente e, num segundo momento, apenas com a criança serão
utilizadas técnicas avaliativas da sua situação clínica e familiar (cerca de 60 minutos de
duração).

85
Por fim, a última sessão será realizada unicamente com a criança, de forma, a que se
proceda à passagem de uma prova projectiva infantil (aproximadamente 60 minutos de
duração).
O local de realização destes encontros será numa sala da Unidade de Pedopsiquiatria.
Deste modo, solicitamos a sua colaboração e do seu filho(a), pois para que esta investigação
se realize necessitamos de contar com a presença de participantes disponíveis. A vossa
participação reveste-se da maior importância para nós.
Há que referir ainda, que a sua participação e a da criança têm um carácter
completamente voluntário, podendo desistir do estudo a qualquer momento sem qualquer tipo
de penalização para ambos. Se não pretender que façam parte deste estudo pode desistir agora
ou como referido anteriormente, em qualquer outra altura.
Ao aceitar participar nesta investigação garantimos-lhe total confidencialidade e a
devida protecção dos dados que serão guardados num local seguro, apenas acessível aos
investigadores do estudo, destinando-se apenas a fins de investigação.
Só as crianças que obtiverem o presente documento assinado pelos pais participarão
no estudo.
Se sentir necessidade de esclarecer alguma informação, por favor, entre em contacto
connosco através do seguinte endereço electrónico:

Margarida Neves:
E-mail: margarida.pereiraneves@gmail.com

Muito obrigado pela sua disponibilidade e colaboração.

Compreendi o que li e estou de acordo,

_______________________________________________

_____________, ____de________________de 2011.

86
Anexo D: Autorização para Recolha de Dados

87
Anexo E: Guião de Entrevista dos Pais

Identificação da Criança

Nome: ______________________________________ Género: __________________

Idade: ________________________ Data de Nascimento: ____/____/____

Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: __________________

Ano de escolaridade: _____________________

Reprovou algum ano? ______ Se sim, qual (quais)? __________

Motivo(s):___________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

Caracterização Sócio-Demográfica da Família

Quem são os elementos que compõem o agregado familiar (elementos que vivem na mesma
casa)?
(Constituição do genograma familiar)

88
Mãe
Idade: ________ Data de Nascimento: ____/____/____
Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: ____________________
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________

Quais são os seus principais papéis na família?

Quais são os seus principais gostos e interesses pessoais?

Pai
Idade: ________ Data de Nascimento: ____/____/____
Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: ____________________
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________

Quais são os seus principais papéis na família?

Quais são os seus principais gostos e interesses pessoais?

Irmão(ã)
Género: ___________________
Idade: ________ Data de Nascimento: ____/____/____
Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: ____________________
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): ______________________
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________

89
Irmão(ã)
Género: ___________________
Idade: ________ Data de Nascimento: ____/____/____
Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: ____________________
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): ______________________
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________

Irmão(ã)
Género: ___________________
Idade: ________ Data de Nascimento: ____/____/____
Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: ____________________
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): ______________________
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________

Irmão(ã)
Género: ___________________
Idade: ________ Data de Nascimento: ____/____/____
Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: ____________________
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): ______________________
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________

Outro membro do agregado familiar


Grau de Parentesco face à criança: __________________ Género: ______________
Idade: ________ Data de Nascimento: ____/____/____
Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: ____________________
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): ______________________
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________

Outro membro do agregado familiar


Grau de Parentesco face à criança: __________________ Género: ______________
Idade: ________ Data de Nascimento: ____/____/____

90
Naturalidade: ____________________ Nacionalidade: ____________________
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): ______________________
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________

Relações Familiares

Qual é a situação familiar actual (apoios sociais e/ou familiares, existência de doenças físicas
e/ou psicológicas, problemas sociais, económicos, exposição a fontes de stress, entre outros)?

Algum membro da família necessita de se ausentar ou ausentou-se no passado


temporariamente ou com frequência, por motivos de trabalho, estudo, ou outros? Quando?
Durante quanto tempo? Como é que a criança reagiu a essa(s) separação(ões)? E os restantes
membros da família?

Algum membro da família faleceu, separou-se ou divorciou-se desde a gravidez da criança?


Quem? Qual o possível impacto na família?

91
Como é a relação da criança com a mãe?

Como é a relação da criança com o pai?

Como é a relação da criança com os irmãos (com cada um)?

E com os restantes membros da família?

Gostaria que me descrevessem a vossa relação (relação do casal parental).

Como é a relação da mãe com a sua família de origem?

E como é a relação do pai com a sua família de origem?

92
Sintomas da Criança e Impacto Familiar

Quais são as principais preocupações actuais sentidas face à criança (Comportamento


alimentar, sono, linguagem, controlo esfincteriano, atitude face a outras crianças e adultos,
medos, entre outros)?

Qual o impacto sentido na família?

93
Anexo F: Classificação Social Internacional de Graffard

CLASSIFICAÇÃO SOCIAL INTERNACIONAL ESTABELECIDA PELO


PROFESSOR GRAFFAR
(Bruxelas)

Este método baseia-se no estudo, não apenas de uma característica social da família,
mas num conjunto de cinco critérios, a saber:

1. A profissão;
2. Nível de instrução;
3. Fontes de rendimento familiar;
4. Conforto do alojamento;
5. Aspecto do bairro habitado.

Numa primeira fase, deverá atribuir-se a cada família observada uma pontuação para
cada um dos cinco critérios enumerados e, numa segunda fase, obter-se-á com a soma destas
pontuações o escalão que a família ocupa na sociedade.

1. A PROFISSÃO

Classificar-se-ão as famílias em cinco categorias, segundo a profissão exercida pelo


pai. Se a mãe exercer uma profissão de nível mais elevado do que a do pai, neste caso, servirá
de base para a classificação da família.

1°. Grau: Directores de bancos, directores técnicos de empresas, licenciados, engenheiros,


profissionais com títulos universitários ou de escolas especiais e militares de alta patente.
2°. Grau: Chefes de secções administrativas ou de negócios de grandes empresas,
subdirectores de bancos, peritos, técnicos e comerciantes.
3º. Grau: Ajudantes técnicos, desenhadores, caixeiros, contra-mestres, oficiais de primeira,
encarregados, capatazes e mestres-de-obras.
4°. Grau: Ensino primário completo. Motoristas, polícias, cozinheiros, etc. (operários
especializados).
5º Grau: Jornaleiros, mandaretes, ajudantes de cozinha, mulheres de limpeza, etc.
(trabalhadores manuais ou operários não especializados).
94
2. NÍVEL DE INSTRUÇÃO

As categorias estabelecidas são as seguintes:

1°. Grau: Ensino universitário ou equivalente (+ 12 anos de estudo).


2°. Grau: Ensino médio ou técnico superior (10 a 11 anos de estudo).
3°. Grau: Ensino médio ou técnico inferior (8 a 9 anos de estudo).
4°. Grau: Ensino primário completo (6 anos de estudo).
5°. Grau: Ensino primário incompleto ou nulo.

Exemplos de graus de instrução

1º. Grau: Catedráticos e assistentes, doutores ou licenciados, títulos universitários ou de


escolas superiores ou especiais, diplomados, economistas, notários, juízes, magistrados,
agentes do Ministério Público, militares de Academia.
2º. Grau: Técnicos e peritos.
3º. Grau: Cursos de liceu, industrial ou comercial, militares de baixa patente ou sem
Academia.
4º. Grau: Ensino primário completo.
5º. Grau: Um ou dois anos de escola primária, saber ler e escrever ou analfabetos.

3. FONTES DE RENDIMENTO FAMILIAR

Segundo a principal fonte de rendimento da família, adoptam-se as cinco categorias


seguintes:

1°. Grau: A fonte principal é fortuna herdada ou adquirida.


2°. Grau: Os rendimentos consistem em lucros de empresas, altos honorários, lugares bem
remunerados, etc.
3°. Grau: Os rendimentos correspondem a um vencimento mensal fixo. Tipo funcionário.
4°. Grau: Os rendimentos resultam de salários; ou seja remuneração por semana, por jorna,
por horas ou à tarefa.
5º. Grau: O indivíduo ou família são sustentados pela beneficência pública ou privada. Não
se incluem, neste grupo, as pensões de desemprego ou de incapacidade para o trabalho.

95
Exemplos de rendimentos familiares

1°. Grau: Pessoas que vivem de rendimentos, proprietários de grandes indústrias ou grandes
estabelecimentos comerciais.
2°. Grau: Encarregados e gerentes, lugares com adição de rendimentos igual aos
encarregados e gerentes, representantes de grandes firmas comerciais. Profissões liberais com
grandes vencimentos.
3°. Grau: Empregados do Estado, Governo Civil ou Câmaras Municipais, oficiais de
primeira, subgerentes ou cargos de responsabilidade em grandes empresas. Profissões liberais
de médio rendimento. Caixeiros-viajantes.
4°. Grau: Operários, empregados de comércio e escriturários.
5°. Grau: Sem rendimentos.

4. CONFORTO DO ALOJAMENTO

Trata-se de dar uma impressão de conjunto, ainda que um pouco subjectiva.


Estabelecem-se cinco categorias:

Grupo 1.º: Casas ou andares luxuosos e muito grandes, oferecendo aos seus moradores o
máximo conforto.
Grupo 2.º: Categoria intermédia – casas ou andares que sem serem tão luxuosas como as da
categoria precedente são, não obstante, espaçosos e confortáveis.
Grupo 3.º: Casas ou andares modestos, bem construídos e em bom estado de conservação,
bem iluminadas e arejadas, com cozinha e casa de banho.
Grupo 4.º: Categoria intermédia entre 3 e 5.
Grupo 5.º: Alojamentos impróprios para uma vida decente, choças, barracas ou andares
desprovidos de todo o conforto, ventilação, iluminação ou também aqueles onde moram
demasiadas pessoas em promiscuidade.

5. ASPECTO DO BAIRRO HABITADO

Grupo 1.º: Bairro residencial elegante, onde o valor do terreno ou os alugueres são elevados.
Grupo 2.º: Bairro residencial bom, de ruas largas com casas confortáveis e bem conservadas.
Grupo 3.º: Ruas comerciais ou estreitas e antigas, com casas de aspecto geral menos
confortável.

96
Grupo 4.º: Bairro operário, populoso, mal arejado ou bairro em que o valor do terreno está
diminuído como consequência da proximidade de oficinas, fábricas, estações de caminho-de-
ferro, etc.
Grupo 5.º: Bairros de lata.

CLASSIFICAÇÃO SOCIAL

A soma total dos pontos obtidos na classificação dos cinco critérios dá-nos uma
pontuação final que corresponde à classe social, conforme a classificação que se segue:

Classe 1 Famílias cuja soma de pontos vai de 5 a 9.


Classe II Famílias cuja soma de pontos vai de 10 a 13.
Classe III Famílias cuja soma de pontos vai de 14 a 17.
Classe lV Famílias cuja soma de pontos vai de 18 a 21.
Classe V Famílias cuja soma de pontos vai de 22 a 25.

(Gomes Pedro, 1985)

97
Anexo G: Itens do Instrumento Teste de Relações Familiares, Versão Casais (Bene,
1976)

Sentimentos emitidos pelo sujeito em relação às pessoas da família

Sentimentos positivos leves (de ternura)


00. Esta pessoa da família é muito simpática.
01. Esta pessoa da família é muito alegre.
02. Esta pessoa da família é muito prestável.
03. Gosto de escutar o que esta pessoa da família tem para dizer.
04. Esta pessoa da família nunca me desaponta.
05. Esta pessoa da família é muito divertida.
06. Esta pessoa da família merece ser feliz.
07. Esta pessoa da família é amigável.
08. Esta pessoa da família é uma boa companhia.
09. Esta pessoa da família é muito bondosa.

Sentimentos positivos fortes (erotizados)


10. Gosto de acarinhar esta pessoa da família.
11. Gosto que esta pessoa da família me beije.
12. Gosto de estar sozinho(a) com esta pessoa da família.
13. Gostava que esta pessoa da família estivesse sempre ao pé de mim.
14. Sinto-me muito próximo(a) desta pessoa da família.
15. Estou disposto(a) a fazer tudo por esta pessoa da família.
16. Estou muito orgulhoso(a) desta pessoa da família.
17. Gosto de abraçar esta pessoa da família.

Sentimentos negativos leves (de rejeição)


20. Às vezes esta pessoa da família é demasiado picuinhas.
21. Às vezes esta pessoa da família é chata.
22. Esta pessoa da família é desmancha-prazeres.
23. Às vezes esta pessoa da família irrita-se muito depressa.
24. Esta pessoa da família por vezes tem mau feitio.
25. Às vezes esta pessoa da família queixa-se demais.
26. Às vezes esta pessoa da família fica chateada sem ter razão para isso.

98
27. Esta pessoa da família resmunga demasiado.
28. Às vezes esta pessoa da família não tem muita paciência.
29. Às vezes esta pessoa da família fica zangada demais.

Sentimentos negativos fortes (agressivos)


30. Às vezes apetece-me matar esta pessoa da família.
31. Às vezes gostava que esta pessoa da família se fosse embora.
32. Às vezes odeio esta pessoa da família.
33. Às vezes apetece-me bater nesta pessoa da família.
34. Às vezes penso que seria mais feliz se esta pessoa não fosse da nossa família.
35. Às vezes esta pessoa da família dá-me a volta ao juízo.
36. Às vezes desprezo esta pessoa da família.
37. Esta pessoa da família consegue fazer-me sentir muito irritado(a).

Sentimentos recebidos pelo sujeito por parte das pessoas da família

Sentimentos positivos leves (de ternura)


40. Esta pessoa da família aprecia-me muito.
41. Esta pessoa da família é muito simpática para mim.
42. Esta pessoa da família gosta muito de mim.
43. Esta pessoa da família dá-me atenção.
44. Esta pessoa da família gosta de me ajudar.
45. Esta pessoa da família aprecia a minha companhia.
46. Esta pessoa da família compreende-me mesmo.
47. Esta pessoa da família escuta o que eu tenho para dizer.

Sentimentos positivos fortes (erotizados)


50. Esta pessoa da família gosta de me beijar.
51. Esta pessoa da família gosta de me abraçar.
52. Esta pessoa da família quer mesmo o meu amor.
53. Esta pessoa da família gosta de estar sozinha comigo.
54. Esta pessoa da família é muito carinhosa comigo.
55. Esta pessoa da família ama-me muito.
56. Esta pessoa da família quer estar sempre ao pé de mim.
57. Esta pessoa da família gosta mais de mim do que dos outros.

99
Sentimentos negativos leves (de rejeição)
60. Às vezes esta pessoa da família fica ressentida comigo.
61. Esta pessoa da família gosta de gozar comigo.
62. Às vezes esta pessoa da família nem sempre faz o que eu gostaria que fizesse.
63. Às vezes esta pessoa da família faz coisas nas minhas costas.
64. Esta pessoa da família nem sempre me ajuda quando preciso.
65. Às vezes esta pessoa da família resmunga comigo.
66. Às vezes esta pessoa da família fica zangada comigo.
67. Esta pessoa da família faz-me sentir frustrado(a).

Sentimentos negativos fortes (agressivos)


70. Esta pessoa da família diz coisas só para magoar os meus sentimentos
71. Esta pessoa da família faz a minha vida miserável.
72. Esta pessoa da família faz-me sentir sem valor.
73. Esta pessoa da família faz-me sentir inútil.
74. Esta pessoa da família é malcriada para mim.
75. Esta pessoa da família não precisa do meu amor.
76. Esta pessoa da família está sempre contra mim.
77. Esta pessoa da família não gosta de mim.

Sentimentos de protecção

80. Às vezes preocupo-me que esta pessoa da família se possa constipar.


81. Às vezes preocupo-me que esta pessoa da família possa adoecer.
82. Às vezes preocupo-me que esta pessoa da família possa sofrer um acidente.
83. Às vezes preocupo-me que esta pessoa da família possa sofrer um esgotamento nervoso.
84. Às vezes preocupo-me que possa acontecer alguma coisa a esta pessoa da família.

Atribuição de incompetência ou fraqueza

90. Esta pessoa da família não tem uma personalidade suficientemente forte.
91. Esta pessoa da família não consegue lidar suficientemente bem com dificuldades.
92. Esta pessoa da família não consegue enfrentar suficientemente bem as outras pessoas.
93. Esta pessoa da família deveria ajudar mais em casa.
94. Esta pessoa deveria desempenhar um papel mais importante na vida da família.

100
Anexo H: Guião de Entrevista da Criança

Identificação da Criança

Nome:_____________________________________ Idade:______________

Interesses/Actividades

O que é que tu gostas de fazer nos teus tempos livres?

Frequentas alguma actividade desportiva ou cultural (dança, teatro, música, etc.)? Qual?

Tens animais de estimação? Quais?

Amigos

Quem são os teus amigos(as) (nome e idade)?

De onde os(as) conheces?

O que é que costumam fazer juntos(as)?

Tens um(a) amigo(a) preferido(a) (melhor amigo/a)? Quem é?

101
Escola

Em que ano andas?

O que é que gostas mais na escola? Porquê?

O que é que gostas menos na escola? Porquê?

Se pudesses mudar alguma coisa na escola, o que seria?

Como preferias que fosse?

Onde é que costumas fazer os teus trabalhos de casa?

Tens ajuda de alguém? De quem?

102
Família

Quem são as pessoas da tua família?

Com quem vives (nome, idade, grau de parentesco face à criança)?

Como é a tua mãe?

Como é o teu pai?

Como são os teus irmãos(ãs) (ou outras pessoas da família mencionadas)?

Como é que os teus pais se dão um com o outro? O que pensas/sentes com isso?

Dormes com alguém ou partilhas o quarto com alguém? Se sim, com quem?

Se pudesses mudar alguma coisa na tua família, o que seria?

Como preferias que fosse?

103
Fantasias/Sonhos/Medos

O que é que gostarias de ser quando fores grande? Porquê?

Quais são os teus maiores sonhos/desejos?

Se pudesses mudar alguma coisa em ti, o que seria?

Como preferias ser?

Costumas sonhar? Se sim, com o quê?

Quais são os teus medos? O que fazes quando te sentes assim?

E as tuas preocupações? O que fazes quando te sentes assim?

104
Anexo I: Itens da Forma para Crianças em Idade Escolar do Teste de Relações
Familiares, Versão Crianças (Bene, 1985)

Sentimentos emitidos pela criança em relação às pessoas da família

Sentimentos positivos leves (de ternura)


00. Esta pessoa da família é muito simpática.
01. Esta pessoa da família é muito alegre.
02. Esta pessoa da família ajuda sempre os outros.
03. Esta pessoa da família tem boas maneiras.
04. Esta pessoa da família nunca me desaponta.
05. Esta pessoa da família é muito divertida.
06. Esta pessoa da família merece um bom presente.
07. Esta pessoa da família é boa pessoa.
08. É muito bom brincar com esta pessoa da família.
09. Esta pessoa da família é muito bondosa.

Sentimentos positivos fortes (erotizados)


10. Gosto de fazer festinhas a esta pessoa da família.
11. Gosto que esta pessoa da família me dê beijinhos.
12. Às vezes gostava de poder dormir na mesma cama com esta pessoa da família.
13. Gostava que esta pessoa da família estivesse sempre ao pé de mim.
14. Gostava que esta pessoa da família gostasse mais de mim do que dos outros.
15. Quando me casar gostava que fosse com uma pessoa parecida com esta pessoa da família.
16. Gosto que esta pessoa da família me faça cócegas.
17. Gosto de abraçar esta pessoa da família.

Sentimentos negativos leves (de rejeição)


20. Às vezes esta pessoa da família é demasiado picuinhas.
21. Às vezes esta pessoa da família é chata.
22. Esta pessoa da família é desmancha-prazeres.
23. Às vezes esta pessoa da família irrita-se muito depressa.
24. Esta pessoa da família por vezes tem mau feitio.
25. Às vezes esta pessoa da família queixa-se demais.
26. Às vezes esta pessoa da família fica chateada sem ter razão para isso.

105
27. Esta pessoa da família nunca está satisfeita.
28. Às vezes esta pessoa da família não tem muita paciência.
29. Às vezes esta pessoa da família fica zangada demais.

Sentimentos negativos fortes (agressivos)


30. Às vezes apetece-me matar esta pessoa da família.
31. Às vezes gostava que esta pessoa da família se fosse embora.
32. Às vezes odeio esta pessoa da família.
33. Às vezes apetece-me bater nesta pessoa da família.
34. Às vezes penso que seria mais feliz se esta pessoa não fosse da nossa família.
35. Às vezes fico farto desta pessoa da família.
36. Às vezes quero fazer coisas só para chatear esta pessoa da família.
37. Esta pessoa da família consegue fazer-me sentir muito irritado(a).

Sentimentos recebidos pela criança por parte das pessoas da família

Sentimentos positivos leves (de ternura)


40. Esta pessoa da família é carinhosa para mim.
41. Esta pessoa da família é muito simpática para mim.
42. Esta pessoa da família gosta muito de mim.
43. Esta pessoa da família dá-me atenção.
44. Esta pessoa da família gosta de me ajudar.
45. Esta pessoa da família gosta de brincar comigo.
46. Esta pessoa da família compreende-me mesmo.
47. Esta pessoa da família escuta o que eu tenho para dizer.

Sentimentos positivos fortes (erotizados)


50. Esta pessoa da família gosta de me dar beijinhos.
51. Esta pessoa da família gosta de me abraçar.
52. Esta pessoa da família gosta de me dar festinhas.
53. Esta pessoa da família gosta de me ajudar quando estou a tomar banho.
54. Esta pessoa da família gosta de me fazer cócegas.
55. Esta pessoa da família gosta de estar na cama comigo.
56. Esta pessoa da família quer estar sempre ao pé de mim.
57. Esta pessoa da família gosta mais de mim do que dos outros.

106
Sentimentos negativos leves (de rejeição)
60. Às vezes esta pessoa da família faz-me uma cara zangada.
61. Esta pessoa da família gosta de gozar comigo.
62. Às vezes esta pessoa da família manda-me embora.
63. Esta pessoa da família não brinca comigo quando eu gostaria que brincasse.
64. Esta pessoa da família nem sempre me ajuda quando estou em apuros.
65. Às vezes esta pessoa da família ralha comigo.
66. Às vezes esta pessoa da família fica zangada comigo.
67. Esta pessoa da família está muito ocupada para ter tempo para mim.

Sentimentos negativos fortes (agressivos)


70. Esta pessoa da família bate-me muito.
71. Esta pessoa da família castiga-me muito.
72. Esta pessoa da família faz-me sentir burro.
73. Esta pessoa da família mete-me medo.
74. Esta pessoa da família é má para mim.
75. Esta pessoa da família faz-me sentir infeliz.
76. Esta da família está sempre a queixar-se de mim.
77. Esta pessoa da família não gosta o suficiente de mim.

Sentimentos de superprotecção materna

80. A mãe preocupa-se que esta pessoa da família se possa constipar.


81. A mãe preocupa-se que esta pessoa da família possa adoecer.
82. A mãe preocupa-se que esta pessoa da família possa ser atropelada.
83. A mãe preocupa-se que esta pessoa da família se possa magoar.
84. A mãe preocupa-se que alguma coisa possa acontecer a esta pessoa da família.
85. A mãe tem medo de deixar esta pessoa da família andar demasiado por aí.
86. A mãe tem medo de deixar esta pessoa da família brincar com crianças brutas.
87. A mãe preocupa-se que esta pessoa da família não coma o suficiente.

Sentimentos de superindulgência parental

Sentimentos de superindulgência paterna


90. Esta é a pessoa da família com quem o pai se preocupa mais.

107
91. Esta é a pessoa da família a quem o pai dá mais atenção.
92. Esta é a pessoa da família a quem o pai dá mimos demais.
93. Esta é a pessoa da família com quem o pai passa mais tempo.
94. Esta é a pessoa da família que o pai gosta mais.

Sentimentos de superindulgência materna


95. Esta é a pessoa da família com quem a mãe se preocupa mais.
96. Esta é a pessoa da família a quem a mãe dá mais atenção.
97. Esta é a pessoa da família a quem a mãe dá mimos demais.
98. Esta é a pessoa da família com quem a mãe passa mais tempo.
99. Esta é a pessoa da família que a mãe gosta mais.

108
Anexo J: Inventário de Depressão para Crianças

CDI

Nome____________________________________
Sexo_____________________________________
Data de Nascimento_________________________
Escola____________________________________
Ano de Escolaridade_________________________
Data da Aplicação___________________________

As crianças e os adolescentes às vezes pensam e sentem de maneira diferente uns dos


outros.
Este questionário apresenta várias ideias e sentimentos arrumados em grupos.
De cada grupo, escolhe uma frase que melhor mostre aquilo que tens pensado e
sentido nas últimas duas semanas. Só depois de teres escolhido uma frase de um grupo é que
avanças para o grupo seguinte.
Não há respostas certas nem erradas; Escolhe apenas a frase que melhor descreve a tua
forma de sentir e de pensar, nos últimos tempos. Faz uma cruz (X) no quadrado que
corresponde à frase que escolheste.

Tens em baixo um exemplo para aprender a preencher o questionário; Coloca a cruz


na frase que melhor te descreve.

Exemplo:

Estou sempre a ler livros.

Leio livros muitas vezes.

Leio livros de vez em quando.

Nunca leio livros.

109
Lembra-te que deves escolher as frases que melhor mostram os teus sentimentos e
ideias das últimas duas semanas.

1. Nunca me sinto triste.

Às vezes sinto-me triste.

Sinto-me quase sempre triste.

Sinto-me sempre triste.

2. Nunca nada me vai correr bem.

Só algumas coisas me vão correr bem.

Muitas coisas me vão correr bem.

As coisas vão-me sempre correr bem.

3. Faço quase tudo bem.

Faço algumas coisas bem.

Faço muitas coisas mal.

Faço tudo mal.

4. Tudo me dá alegria.

Há muitas coisas que me alegram.

Tenho poucas coisas que me alegrem.

Nada me dá alegria.

5. Sou quase sempre mau.

Sou mau muitas vezes.

Sou mau de vez em quando.

Nunca sou mau.

110
6. Nunca penso nas coisas más que me podem acontecer.

De vez em quando penso nalguma coisa má que me possa acontecer.

Preocupo-me muito com as coisas más que me vão acontecer.

Estou sempre a pensar que me vão acontecer coisas terríveis.

7. Detesto-me.

Há muitas coisas em mim de que não gosto.

Há só algumas coisas em mim de que eu não gosto.

Gosto muito de mim.

8. Todas as coisas más são culpa minha.

Muitas coisas más acontecem por minha culpa.

Algumas coisas más acontecem por minha culpa.

As coisas más que acontecem não são culpa minha.

9. Não penso em matar-me.

Penso às vezes em matar-me mas nunca o farei.

Penso muito em matar-me e sei que sou capaz de o fazer.

Quero matar-me.

10. Todos os dias tenho vontade de chorar.

Muitas vezes tenho vontade de chorar.

Só de vez em quando é que tenho vontade de chorar.

Nunca tenho vontade de chorar.

111
11. Tudo me aborrece imenso.

Aborreço-me com muitas coisas.

Algumas coisas aborrecem-me.

Nada me aborrece.

12. Gosto de estar com pessoas.

De vez em quando não gosto de estar com pessoas.

Quase nunca quero estar com pessoas.

Nunca quero estar com pessoas.

13. Nunca consigo tomar decisões.

Muitas vezes não consigo tomar decisões.

De vez em quando é-me difícil tomar decisões.

Tomo decisões facilmente.

14. Gosto do meu aspecto.

Há algumas coisas no meu aspecto de que não gosto muito.

Há muitas coisas no meu aspecto de que não gosto nada.

Sou feio e tenho mau aspecto.

15. Tenho sempre que me esforçar muito para fazer os trabalhos da escola.

Muitas vezes tenho de me esforçar para fazer os trabalhos da escola.

Fazer os trabalhos da escola não me custa muito.

Consigo fazer facilmente os trabalhos da escola.

112
16. Todas as noites me custa muito a dormir.

Muitas noites tenho dificuldade em dormir.

De vez em quando não durmo bem.

Durmo sempre muito bem.

17. Nunca me sinto cansado.

De vez em quando sinto-me cansado.

Sinto-me cansado muitas vezes.

Sinto-me sempre cansado.

18. Nunca me apetece comer.

Muitas vezes tenho dificuldade em comer.

De vez em quando não me apetece comer.

Como muito bem.

19. Não me preocupo com a minha saúde.

Por vezes preocupo-me um pouco com a minha saúde.

Preocupo-me muito com a minha saúde.

Ando sempre terrivelmente preocupado com a minha saúde.

20. Não me sinto só.

De vez em quando sinto-me só.

Sinto-me quase sempre muito só.

Sinto-me sempre muito só.

113
21. Nunca me divirto na escola.

De vez em quando divirto-me na escola.

Divirto-me muitas vezes na escola.

Divirto-me sempre muito na escola.

22. Tenho imensos amigos.

Tenho alguns amigos mas gostava de ter mais.

Tenho poucos amigos e não preciso ter mais.

Não tenho amigos nenhuns.

23. As minhas notas são boas.

As minhas notas já foram melhores.

Estou com notas fracas.

Tenho notas muito más.

24. Nunca vou conseguir ser tão bom como os outros.

Só nalgumas coisas é que consigo ser tão bom como os outros.

Consigo ser tão bom como os outros em muitas coisas.

Consigo ser tão bom como os outros em tudo.

25. Tenho a certeza que ninguém gosta de mim.

Tenho a certeza que a maioria das pessoas não gosta de mim.

Tenho a certeza que só algumas pessoas não gostam de mim.

Tenho a certeza que todos gostam de mim.

114
26. Faço sempre o que me dizem.

Geralmente faço o que me dizem.

Na maioria das vezes não faço o que me dizem.

Nunca faço o que me dizem.

27. Dou-me bem com os outros.

Quase nunca ando em brigas.

Ando muitas vezes em brigas.

Ando sempre em brigas.

Copyright: Maria Kovacs Ph. D., 1982.

Tradução e adaptação: Helena Águeda Marujo, 1995.

115
Anexo K: Conteúdo Manifesto e Latente dos Cartões do PN Segundo Chabert (1982) e
Corman (2001)

1. Bebedouro
Conteúdo Manifesto – A cena passa-se no interior. No primeiro plano, PN urina no
bebedouro maior de dois bebedouros. No segundo plano, os dois porcos e os dois leitões estão
deitados em lados diferentes de uma barreira.
Conteúdo Latente – Expressão da agressividade para com os imagos parentais.

2. Beijo
Conteúdo Manifesto – No primeiro plano, proximidade de dois porcos. Em segundo
plano, encontra-se um leitão atrás de um muro.
Conteúdo Latente – Problemática edipiana.

3. Batalha
Conteúdo Manifesto – O PN e um dos leitões brancos mordem-se. O terceiro leitão
afasta-se. Em segundo plano, situa-se o casal de porcos.
Conteúdo Latente – Tema sádico oral de rivalidade fraterna. Agressividade e
sentimentos de culpabilidade que lhe estão associados.

4. Carroça
Conteúdo Manifesto – PN deitado na palha. Dentro de um balão um homem coloca
um leitão na carroça enquanto dois porcos e dois leitões observam a cena.
Conteúdo Latente – Angústia de separação e/ou para a agressividade nas relações
familiares.

5. Cabra
Conteúdo Manifesto – PN mama numa cabra.
Conteúdo Latente – Relação com um substituto materno.

6. Partida
Conteúdo Manifesto – Um leitão numa estrada em contexto campestre.
Conteúdo Latente – Relação de dependência e angústia de separação.

116
7. Hesitação
Conteúdo Manifesto – À esquerda, o porco com a mancha negra amamenta um leitão
branco. À direita, o porco branco e um leitão branco bebem no bebedouro. PN está ao meio.
Conteúdo Latente – Tema de ambivalência, rivalidade fraterna ou de exclusão.
Conflito entre regressão e maturação no contexto de escolha do objecto privilegiado.

8. Ganso
Conteúdo Manifesto – À esquerda, um ganso apanha a cauda de um leitão. À direita,
outro leitão meio escondido por detrás de um muro.
Conteúdo Latente – Relação de agressividade versus castração.

9. Brincadeiras Sujas
Conteúdo Manifesto – Dois leitões divertem-se na água suja. Um deles atira água para
a cara de um porco. O terceiro leitão fica de fora da brincadeira.
Conteúdo Latente – Agressividade face a um imago parental num contexto anal.

10. Noite
Conteúdo Manifesto – Cena interior. Um estábulo iluminado pela lua dividido em
duas partes por um tabique de tábuas: de um lado, dois porcos juntos, do outro lado, dois
leitões deitados e um terceiro em pé encostado ao tabique.
Conteúdo Latente – Curiosidade sexual e fantasmas da cena primitiva.

11. Ninhada
Conteúdo Manifesto – Três recém-nascidos mamam na porca que bebe o conteúdo do
bebedouro cheio por um dos caseiros. Ao fundo, outro caseiro agarra em palha. No primeiro
plano, por detrás de uma vedação encontram-se três leitões, com PN ao centro.
Conteúdo Latente – Tema do nascimento e das relações precoces com o imago
materno, possivelmente num contexto de rivalidade fraterna.

12. Sonho Mãe


Conteúdo Manifesto – PN está deitado. No balão encontra-se o porco com a pata
negra.
Conteúdo Latente – Relação com o imago materno.

117
13. Sonho Pai
Conteúdo Manifesto – PN está deitado. No balão encontra-se o porco branco.
Conteúdo Latente – Relação com o imago paterno.

14. Mamada 1
Conteúdo Manifesto – PN está a mamar no porco com a pata negra.
Conteúdo Latente – Aproximação com o imago materno num contexto de relação
privilegiada.

15. Mamada 2
Conteúdo Manifesto – Em primeiro plano, PN está a mamar no porco com a pata
negra. No segundo plano, dois outros leitões.
Conteúdo Latente – Aproximação com o imago materno num contexto de rivalidade
fraterna.

16. Buraco
Conteúdo Manifesto – PN num buraco com água à noite.
Conteúdo Latente – Receio da separação num contexto de perigo. Solidão, exclusão
e/ou punição.

17. Pequena Escada


Conteúdo Manifesto – PN em pé nos ombros de um porco encostado a uma árvore.
Por cima, passarinhos num ninho situado num ramo.
Conteúdo Latente – Função de holding de um dos imagos parentais.

118
Anexo L: Estudo de Caso 1 – Tomé (10 anos e 5 meses)

O Tomé, de dez anos e cinco meses frequenta o 4º Ano do 1º Ciclo do Ensino Básico.
É uma criança que apresenta um desenvolvimento estato-ponderal adequado ao grupo etário e
género a que pertence. Apresenta um aspecto físico harmónico, cuidado e limpo, com
vestuário adaptado à idade. Estabeleceu um contacto inibido com a observadora,
transparecendo uma postura corporal pouco expressiva e um olhar triste. Evitou manter
contacto ocular com a observadora. Verbalizou pouco e, quando o fez, foi maioritariamente
através de monossílabos, num tom de voz baixo. Observou-se uma dificuldade particular na
articulação do fonema /r/. Colaborou nas provas aplicadas, mantendo uma conduta estável,
controlada e concentrada, sem a presença de indícios de ansiedade face à situação de
observação/avaliação. Na última sessão (única vez em que a mãe o acompanhou por estar de
férias), após me despedir do Tomé e o conduzir à sala de espera onde se encontrava a mãe, o
Tomé sentou-se ao seu lado e abraçou-a fortemente.
Através da consulta num hospital localizado na Grande Lisboa foi encaminhado para a
Unidade de pedopsiquiatria por ansiedade, dificuldades de aprendizagem e queixas de
cefaleias, principalmente quando não quer ir à escola e, por vezes, nos dias em que tem jogos
de futebol. É acompanhado em consultas terapêuticas de frequência semanal com a psicóloga
da Unidade há oito meses e meio, beneficiando, ainda, de intervenção familiar.
O Tomé vive com os pais e com a irmã de sete anos, a Isabel, também presente nesta
investigação. O pai de quarenta e seis anos é chefe de oficina mecânica e a mãe com trinta e
nove anos é chefe de secção de um hipermercado, mais precisamente, coordenadora do
serviço de caixas (tem horário por turnos, com dois dias de folga rotativos). No final de 2008,
quando o Tomé tinha sete anos, a família mudou-se para a casa de férias dos avós paternos, na
Península de Setúbal, no entanto, o Tomé e a Isabel mantêm a mesma escola na antiga área de
residência, na Grande Lisboa. Devido aos empregos, os pais dispõem de pouco tempo para a
família, sendo apoiados pelos avós maternos do Tomé e da Isabel. Deste modo, quem assume
a função de levar as crianças à escola é a avó materna quando a mãe não está de folga e o avô
materno vai buscá-los à escola e acompanha-os às consultas na Unidade. Como o pai trabalha,
por vezes, ao Sábado o Tomé e a Isabel ficam com os avós maternos e, mesmo ao Domingo,
quando não estão com o pai, ficam com os avós. Posto isto, o dia-a-dia do Tomé distribui-se
da seguinte forma: entra na escola às nove horas, almoça no ATL onde permanece até às
dezoito e trinta/dezanove horas, hora em que o avô o vai buscar. Janta nos avós. Os pais
chegam a casa dos avós por volta das vinte horas ou dorme nos avós. Frequenta o futebol duas
vezes por semana e tem os escuteiros ao sábado. Anteriormente também tinha aulas de

119
natação mas o Tomé deixou de querer ir, queixando-se de dores de barriga e de cabeça. De
manhã acordava a chorar para não ir à tarde à natação. Os pais não compreendem esta
desistência.
O Tomé é muito ligado à mãe, solicitando muito o seu apoio (e.g., para vestir). Com o
pai gosta de brincar. Como figura disciplinadora na família, com o pai o Tomé obedece logo à
primeira ordem, enquanto com a mãe dificilmente obedece. Com a irmã é protector, pois
segundo os pais “o Tomé é um coração doce para a irmã, não se lhe pode ralhar porque ela é
pequena, diz ele”, no entanto, avançam “ela é mais áspera para o Tomé”. Quanto aos avós,
referem que a avó materna é permissiva, estimulando pouco a autonomia dos netos. Com
cerca de um ano, por vezes, passou a dormir em casa dos avós e tem o hábito de passar férias
com estes, correndo tudo bem. Na família alargada dos pais do Tomé desconhecem-se casos
de doença psiquiátrica. Contudo, a mãe revela que “em pequena era muito tímida, muito
reservada, parecida com o Tomé. No recreio não ia ter com os outros meninos”. Por seu lado,
o pai confessa que “sempre fui uma pessoa com dificuldades na escola” e, por esse motivo,
aos dez anos foi seguido em psicologia. Como nunca gostou de ir à escola fazia chantagem
com a mãe: não ia à escola se não tivesse um carrinho. O avô paterno faleceu um ano antes do
Tomé nascer, com 65 anos, por Cirrose devido ao alcoolismo e a avó paterna tem epilepsia.
Nas sessões de recolha de dados com os pais, observou-se que apresentam um aspecto
físico investido, cuidado e limpo, com vestuário adaptado ao seu grupo etário. Estabeleceram
um contacto adequado com a observadora, utilizando linguagem rica e espontânea. Senti que
ambos eram pessoas simples e muito expressivas, revelando interesse e entusiasmo em
partilharem comigo as suas vivências e em participar na investigação. Verbalizaram de modo
equilibrado, transmitindo os pontos de vista próprios, por vezes, discordantes. Ambos
mantiveram contacto ocular comigo, ainda que, tenha observado um olhar muito triste e vazio
na mãe, o sentimento de culpabilização, a necessidade de prolongar as respostas às questões
quando pareciam terminadas, verbalizando até ao momento em que eu formulava uma nova
questão, numa tentativa de preencher o espaço vazio. A mãe pareceu-me uma pessoa
significativamente mais negativa que o pai, o qual pareceu assumir-se como a figura que tenta
equilibrar as situações de forma mais positiva e sem atribuir grande importância a factos
menos pertinentes.
Quando os questionei sobre a relação de casal o pai respondeu-me de imediato que era
“conflituosa” e especificou espontaneamente o que queria dizer com esta resposta. A partir
deste momento a mãe começou a chorar intensamente, tentando-se controlar, embora, sem
efeito. Assim, prossegui a entrevista com o pai até a mãe se recompor (passei à frente a
questão seguinte relativa à relação da mãe com a família de origem). Durante a passagem da

120
prova TRF à mãe, destaca-se ainda o comentário que fez quando reflectia a colocação do
cartão 45 – Esta pessoa da família aprecia a minha companhia: “neste momento sinto-me
tímida e isolada no meu mundo, que não sei bem quem aprecia a minha companhia”.
A irmã do Tomé nasceu de parto prematuro às vinte e oito semanas com 795g,
permanecendo dois meses e meio no hospital e a mãe quinze dias internada. Na altura, o
Tomé tinha três anos e ficou aos cuidados dos avós maternos durante o tempo de
internamento da mãe. Contudo, enquanto a irmã permaneceu no hospital os pais passavam o
dia com ela, estando com o Tomé apenas à noite. Os pais reconhecem a existência de um
ambiente emocional pesado em relação ao estado de saúde da filha, sentindo muita
preocupação e ansiedade. Na altura não notaram alterações no Tomé mas “nota-se agora. Não
transmite aquilo que sente, é reservado nas emoções. Como exemplo, este fim-de-semana
ficou com a avó e cortou demonstração de afecto durante a despedida”, referem os pais,
admitindo, ainda, que não estariam eventualmente atentos aos sinais do Tomé.
Desde o nascimento até aos seis meses e meio o Tomé ficou aos cuidados da mãe. A
partir desse momento até aos cinco anos ficou com a avó materna. Aos cinco anos integra um
jardim-de-infância onde chorou em silêncio durante a primeira semana no momento da
separação da família. Com seis anos inicia o 1º Ano mantendo-se as dificuldades de separação
da mãe e da avó materna. O Tomé insiste que não quer ir para a escola e pede à avó para
esperar pela professora com ele. Depois de a professora chegar fica bem na escola. Com o pai
dirige-se logo para a aula sem se despedir. Contudo, registou uma boa adaptação e
aprendizagem até Abril de 2008 “parece que agora não é capaz de fazer o que antes fazia”.
Em Março do mesmo ano a mãe foi operada às varizes, ficando em casa com a filha quinze
dias. O Tomé comentava “pois a menina fica em casa contigo”. Assim, o Tomé começou a
não querer ir à escola, chorando e dizendo “não me deixes lá”. Quando antes os pais sentiam
que fazia os trabalhos-de-casa com entusiasmo, passou a adiar e a desinteressar-se. Sente
dificuldades na memorização de informação.
Pouco tempo após a operação da mãe, no final do 1º Ano, um colega empurrou o
Tomé na escola e este abriu o lábio, tendo indicação médica para não brincar nos próximos
quinze dias. No entanto, o Tomé levou muito a sério a indicação, mantendo-se à parte no
recreio. Terminados os quinze dias continuou a não ir brincar com medo de se voltar a aleijar,
até que o pai teve uma conversa com ele e, assim, voltou a brincar. Actualmente tem amigos
na escola e um amigo preferencial (menino com dificuldades de aprendizagem). Sempre foi
uma criança muito tímida, reservada e com dificuldades em defender-se dos pares, deixando-
se agredir até por crianças mais novas.

121
Segundo os pais é uma criança que “está sempre à espera da indicação dos pais, não
tem iniciativa nem opinião sobre alguma coisa que se lhe pergunte, ficando à espera da
opinião do adulto, é muito insegura e muito infantil, pouco autónoma em comparação com os
colegas” e acrescentam “no futebol não defende uma bola, tem muito medo de errar e de não
conseguir fazer as coisas, inibindo-se, o que prejudica muito a aprendizagem na escola”.
Quando se sente frustrado desabafa “às vezes eu não valho nada”. Contudo, os pais
consideram que não é uma criança que se queixe ou chore, sendo pouco reactivo à dor (e.g.,
queimaduras), assim, quando se aleija apenas olha para os pais. Em casa, não existem
cuidados com a exposição da nudez na família. Desta forma, ainda que por vezes, o Tomé
tome banho sozinho, noutras a mãe dá-lhe banho em conjunto com a irmã.
Com a entrada para o jardim-de-infância e escola o Tomé deixou de ir à casa-de-banho
com receio de não conseguir fazer a sua higiene sozinho, desenvolvendo encoprese diária (a
partir dos cinco anos). Uma vez na sanita, não conseguia ficar sentado durante todo o
momento da evacuação, sentando-se e levantando-se. Em Maio de 2008 frequentou um
acampamento sem casa-de-banho onde tentou não evacuar, resultando num episódio de
encoprese. Assim, por indicação do pediatra fez um calendário para a encoprese e desde essa
altura registaram-se quatro episódios de encoprese. Nas férias seguintes com a diminuição da
ansiedade melhorou. Actualmente já não apresenta este sintoma.
No 2º Ano de escolaridade iniciou apoio pedagógico, contudo, sem resultados
significativos, a mãe pediu à professora para que o filho ficasse retido nesse ano. O Tomé
esforçou-se muito no final do ano e a professora sentiu que devia transitar para o 3º Ano.
Num relatório escolar do 3º Ano é possível ler que o Tomé “relaciona-se bem com os adultos
(professora e auxiliares) e com os colegas, embora seja tímido e discreto. Precisa de ser
constantemente valorizado pelo seu trabalho para ganhar auto-estima e confiança. Gosta de
participar nas actividades escolares (…) possui um ritmo de trabalho lento o que prejudica a
conclusão das tarefas, continuando a precisar muito da ajuda da professora”. No 4º Ano
regista-se que “continua a demorar muito tempo a executar as tarefas” e destacam-se as
dificuldades nos domínios de português, matemática e estudo-do-meio.
Anteriormente à gravidez do Tomé, a mãe sofreu dois abortos espontâneos aos dois
meses de gestação, com um ano de intervalo entre as três gestações (incluindo do Tomé). A
gravidez foi planeada, ainda que a mãe se tenha sentido muito ansiosa e receosa devido aos
abortos anteriores. Para a avó materna a mãe passou a sua ansiedade para o filho. A gravidez
ocorreu sem intercorrências físicas, com excepção de dor ciática no final da gestação. Para a
mãe o sexo do bebé era indiferente, já o pai tinha preferência por uma menina. O Tomé
nasceu às trinta e seis semanas, de parto eutócico. O pai cortou o cordão umbilical. Após o

122
nascimento do Tomé, a mãe teve apoio da avó materna, ainda que pouco, uma vez que a avó
cuidava da neta. A mãe nega a possibilidade de ter sofrido uma depressão pós-parto.
No que concerne ao desenvolvimento do Tomé, durante o primeiro ano de vida é
recordado como um bebé calmo e reservado, não se dando com todas as pessoas. Não chorava
muito e aos dois meses já dormia a noite toda “era comer e dormir, por vezes, era preciso
acordá-lo para comer”. Para adormecer gostava de mexer no nariz do adulto. Ficou no quarto
dos pais até aos três anos. A partir dos sete anos, com a mudança de casa começou a partilhar
o quarto com a irmã, dormindo bem. Desde esta idade passou também a dormir com um
boneco, à semelhança da irmã. O Tomé começou a andar aos treze/catorze meses e a dizer as
primeiras palavras com oito/nove meses (mamã, papá, dá,…). O controlo dos esfíncteres
uretrais diurno e nocturno ocorreu aos dois anos e seis meses. No caso dos esfíncteres anais,
apesar de não se sentar na sanita continuadamente, em casa pede à mãe e avó para lhe
limparem o rabinho (actualmente recusam-se a fazê-lo por indicação da psicóloga). Contudo,
com a entrada no jardim-de-infância aos cinco anos desenvolve encoprese secundária. O
Tomé foi amamentado até aos seis meses e meio e usou chucha até aos três anos. A
diversificação alimentar implementou-se sem registo de problemas.
Habitualmente o Tomé gosta de jogar Playstation, computador, ver tourada e futebol
(chora quando o Benfica perde). Brinca com carrinhos imitando a profissão do pai
(mecânico). Gosta também de ajudar a família nas tarefas domésticas, esperando
reconhecimento (e.g., ajudar o avô materno no quintal).

123
Guião de Entrevista dos Pais

Identificação da Criança

Nome: Tomé Género: Masculino

Idade: 10 Anos e 5 Meses Data de Nascimento: 2001

Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa

Ano de escolaridade: 4º Ano

Reprovou algum ano? Não Se sim, qual (quais)? __________

O Tomé apresenta dificuldades escolares e por isso a mãe neste momento encontra-se
a ponderar a possibilidade de o filho ficar retido no presente ano. Actualmente o Tomé tem
apoio extra-curricular com uma professora de ensino especial (explicação).
(Mais tarde soube que o Tomé passou para o 5º Ano).

Caracterização Sócio-Demográfica da Família

Quem são os elementos que compõem o agregado familiar (elementos que vivem na mesma
casa)?
(Constituição do genograma familiar)

1999
73 63 62

40 41

46 39 38 38
3 3

11

10 7

124
Mãe
Idade: 39 Anos Data de Nascimento: 1971
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casada Habilitações Literárias: 12º ano
Profissão: Chefe de Secção de um hipermercado – coordenadora do serviço de caixas
Situação Profissional: Empregada.

Quais são os seus principais papéis na família?


Tudo. Dá banho à Isabel (por vezes, toma banho sozinha), prepara as refeições,
acompanha os filhos nos estudos, leva-os à escola quando está de folga e quando não está é a
avó materna que assume essa função.

Quais são os seus principais gostos e interesses pessoais?


Tem pouco tempo livre. Gosta de ir à praia, fazer caminhadas junto ao mar “o mar
transmite calma”, ler um livro, brincar com os filhos (jogar cartas, entre outros).

Pai
Idade: 46 Anos Data de Nascimento: 1965
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casado Habilitações Literárias: 9º Ano
Profissão: Chefe de oficina mecânica Situação Profissional: Empregado

Quais são os seus principais papéis na família?


Levá-los às actividades extra-curriculares, principalmente o Tomé. Arranja carros e
faz pequenas reparações quando são necessárias.

Quais são os seus principais gostos e interesses pessoais?


Quando tem tempo anda de moto 4, passear, conviver com as pessoas, fazer desporto.

Irmão(ã)
Género: Feminino
Idade: 7 Anos Data de Nascimento: 2004
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): 1º Ano

125
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________

Relações Familiares

Qual é a situação familiar actual (apoios sociais e/ou familiares, existência de doenças físicas
e/ou psicológicas, problemas sociais, económicos, exposição a fontes de stress, entre outros)?
A avó materna é a “segunda mãe deles” e o avô materno é quem os traz às consultas.
Ao domingo ficam com os avós ou com o pai. O pai às vezes trabalha ao sábado. Sentem
stress na família mais pela falta de tempo. Como chefe de secção a mãe assume uma grande
responsabilidade profissional e, como tal, sente que pode penalizar a família.

Algum membro da família necessita de se ausentar ou ausentou-se no passado


temporariamente ou com frequência, por motivos de trabalho, estudo, ou outros? Quando?
Durante quanto tempo? Como é que a criança reagiu a essa(s) separação(ões)? E os restantes
membros da família?
Não.

Algum membro da família faleceu, separou-se ou divorciou-se desde a gravidez da criança?


Quem? Qual o possível impacto na família?
Um ano antes do Tomé nascer faleceu o avô paterno, por cirrose. Esta doença
decorreu de forma prolongada. A empresa em que trabalhava deixou de lhe pagar e deixou
de trabalhar a partir de Junho de 1999. Em Janeiro de 2000 faleceu. O pai do Tomé/Isabel
não era muito ligado ao próprio pai (avô do Tomé/Isabel), embora se dessem bem.

Como é a relação da criança com a mãe?


É protector e preocupado com a mãe. Dão-se bem mas ele é muito fechado. A mãe
puxa por ele e ele fecha-se. Agora conta mais o dia dele, desde que começou a psicoterapia.
Puxa pela mãe para o acompanhar e brincar. O factor tempo entre outros não permite que a
mãe esteja presente. O Tomé e a irmã estudam numa área suburbana de Lisboa, a mãe
trabalha em Lisboa e o pai trabalha na Margem Sul do Tejo.

Como é a relação da criança com o pai?


Tem medo que o pai o repreenda dos erros que faz (procura o pai quando está a jogar
futebol). Distrai-se do jogo enquanto procura o pai. Anda em “biquinhos de pés” no jogo e o
pai chama-o à atenção “a correr parece que está deprimido”, diz o pai. Desiste muito e

126
quando perde fica muito desanimado. Não responde aos outros colegas quando o chamam à
atenção e defende-se pouco, acrescenta a mãe. Nem com os primos, mesmo se o estiverem a
aleijar. A irmã também se lhe bater ele não se defende.

Como é a relação da criança com os irmãos (com cada um)?


Às vezes é um pouco às turras. Ela faz as coisas de maneira que os pais pensam que o
Tomé é o culpado. É mais arisca. “Eles não podem estar um sem o outro” (mãe). Brincam
um com o outro, mas também andam às turras. A mãe conta que também com o próprio
irmão (tio do Tomé/Isabel) era assim. Ela é firme nas decisões. Ele pede apoio à mãe quando
não se sabe defender. Ela defende-se logo.

E com os restantes membros da família?


Tem uma boa relação com os avós mas responde ao avô como se fosse da mesma
idade. O avô fica chateado e sem paciência com ele e sai de casa. O Tomé leva na
brincadeira – provoca-o com chapadinhas na testa e chama-o de velho. Nas primeiras vezes
o avô não repreendeu logo, agora é mais difícil de terminar este tipo de comportamentos. O
avô é muito nervoso. O Tomé faz isto quando os pais não estão presentes. Pede aos avós para
não contarem aos pais, principalmente ao pai que é “mais rígido”.

Gostaria que me descrevessem a vossa relação (relação do casal parental).


Pai: Conflituosa, por má interpretação das coisas. Para o pai as coisas podem ser
banais e a mãe responde de forma mais agressiva e ficam chateados, “sente-se
inferiorizada”, diz o pai sobre a mãe. A mãe começa a chorar e apenas responde “nem
comento”. Pai: eles vão buscar a parte mais fraca e depois isso reflecte-se num conjunto de
coisas.

Como é a relação da mãe com a sua família de origem?


Muito boa. Com os pais dão-se diariamente, vê-os todos os dias “a minha mãe é a
minha melhor amiga”. Com o irmão são mais distantes, ele vive mais longe e cada vez falam
menos, falam mais sobre os filhos. Comunicam mais por telefone. O irmão também está mais
distante dos pais e fala com estes mais pelo telefone. “Admiro os meus pais porque quando se
deitam é como se nada tivesse acontecido e o dia a seguir é novo”.

127
E como é a relação do pai com a sua família de origem?
Com a mãe é um bocado conflituosa (avó paterna do Tomé/Isabel) “vê as coisas como
há trinta anos”. Anteriormente ao nascimento da Isabel a família residia numa área
suburbana de Lisboa, passando a viver numa casa pertencente à avó paterna do Tomé/Isabel
na Margem Sul do Tejo. A avó paterna vendeu a casa deles e com esse dinheiro comprou uma
casa para ela viver sem dizer nada a ninguém. Tenta fazer tudo a correr. É muito poupada,
pouco flexível, muito ligada à igreja, sacrificando-se muito em vez de viver mais a vida. A
relação da avó paterna com o irmão do pai não diverge tanto. É muito individualista. A
relação da mãe com a sua família é mais carinhosa, há mais contacto e afecto. Quando vai
para o hospital não diz nada a ninguém e depois queixa-se que não lhe ligam, só sabem
depois de ter alta. É muito fechada. Sentem que afasta os outros. É muito activa, até se for
preciso faz obras numa casa sozinha, corta o próprio cabelo, renova as coisas. Não vem
comer quase nunca a casa deles, mas se eles não vão lá chateia-se. Como a avó paterna faz
diferença entre o tio do Tomé e o pai, não entram tanto em conflito, desculpa mais o tio
paterno do Tomé.

Sintomas da Criança e Impacto Familiar

Quais são as principais preocupações actuais sentidas face à criança (Comportamento


alimentar, sono, linguagem, controlo esfincteriano, atitude face a outras crianças e adultos,
medos, entre outros)?
Podia-se defender mais, defender mais a sua opinião. Nos últimos 15 dias chamou a
mãe para o tapar ou com sede. No convívio com os colegas da escola também não está muito
à vontade, não fala muito com eles. Tem um amigo de Lisboa que às vezes vem para esta
margem ao fim-de-semana e é com quem está mais à vontade. Quando está com os colegas
nos treinos fica a olhar para o pai em vez de interagir com eles. A auto-estima do Tomé é o
que preocupa mais a mãe. É negativo e acha que não consegue, diz logo para a mãe fazer por
ele “queria que ele fosse mais dinâmico”. A Isabel diz que vai tentar, ele acha que não
consegue, por exemplo, fazer os laços nos ténis.

Qual o impacto sentido na família?


Preocupam-se ao nível do desenvolvimento dele. A mãe preocupa-se que ele tenha
confiança nele próprio. Quando veio para aqui era pior (anteriormente às consultas
terapêuticas) chorava para ir para a escola, tinha ansiedade para ir para a escola, recusava-
se a fazer quase tudo.

128
Guião de Entrevista da Criança

Identificação da Criança

Nome: Tomé Idade: 10 Anos e 5 Meses

Interesses/Actividades

O que é que tu gostas de fazer nos teus tempos livres?


Jogar futebol (?) jogo na escola e ao pé de casa.

Frequentas alguma actividade desportiva ou cultural (dança, teatro, música, etc.)? Qual?
Jogo futebol (treina na escola do Benfica, o pai é do Sporting). Escuteiros (?) vou aos
encontros dos escuteiros. Natação.

Tens animais de estimação? Quais?


Tenho uma caturra (?) chama-se de caturra.

Amigos

Quem são os teus amigos(as) (nome e idade)?


Joaquim (9 anos), Nádia (10 anos), Carolina (10 anos), João (6 anos), João (10
anos), Guilherme (8 anos), Fábio (9 anos), Gabriel (10 anos), Quaresma (8 anos).

De onde os(as) conheces?


Alguns do ATL e outros da escola.

O que é que costumam fazer juntos(as)?


Jogar à bola, aos Pikatchus, aos Beyblades, apanhada e escondidas. Brincamos
também à tropa (aos disparos).

Tens um(a) amigo(a) preferido(a) (melhor amigo/a)? Quem é?


Joaquim (9 anos), é da mesma turma que o Tomé desde o 3º Ano de escolaridade.

129
Escola

Em que ano andas?


4º Ano.

O que é que gostas mais na escola? Porquê?


De aprender estudo do meio. Porque gosto muito da guerra e da história de Portugal.

O que é que gostas menos na escola? Porquê?


“De aprender matemática. Porque está cheio de números e eu não percebo nada

daquilo”.

Se pudesses mudar alguma coisa na escola, o que seria?


De meter mesas para eu ficar sozinho.

Como preferias que fosse?


Fosse que ficasse cada um numa mesa sozinho. Porque há meninos que estão sempre
a copiar, já copiaram as minhas coisas e eu disse à professora e não lhe fizeram nada (os
colegas).

Onde é que costumas fazer os teus trabalhos de casa?


No ATL.

Tens ajuda de alguém? De quem?


Das educadoras de ATL.

Família

Quem são as pessoas da tua família?


Avó (64 anos) e avô (65 anos) maternos, avó paterna (74 anos), padrinho – tio
paterno (40 anos), mãe (39 anos), pai (46 anos), irmã (7 anos), prima – filha do tio materno
(11 anos), tio materno, tia – esposa do padrinho, dois primos gémeos – filhos do padrinho (2
anos).

130
Com quem vives (nome, idade, grau de parentesco face à criança)?
Mãe, pai, irmã.

Como é a tua mãe?


Tem um irmão, é bonita. Trabalha (nome de hipermercado) e tem trinta e nove anos.

Como é o teu pai?


Trabalha (nome de marca de carros), é bonito, tem quarenta e seis anos. Tem um
irmão e não sei mais.

Como são os teus irmãos(ãs) (ou outras pessoas da família mencionadas)?


É bonita, tem sete anos e… anda no primeiro ano.

Como é que os teus pais se dão um com o outro? O que pensas/sentes com isso?
Bem. Às vezes há uma discussão. (?) Não penso muito nisso.

Dormes com alguém ou partilhas o quarto com alguém? Se sim, com quem?
Dorme no mesmo quarto que a irmã, num beliche.

Se pudesses mudar alguma coisa na tua família, o que seria?


“Ter o meu avô”, faleceu antes de eu nascer. “Gostava de o conhecer” (?) “lá em

casa dizem que é engraçado”.

Como preferias que fosse?

Fantasias/Sonhos/Medos

O que é que gostarias de ser quando fores grande? Porquê?


Futebolista. Porque gosto de ver os jogos e gostava de imitar os outros. É do Benfica.

Quais são os teus maiores sonhos/desejos?


Ter um Porsche e ser o melhor jogador do mundo.

131
Se pudesses mudar alguma coisa em ti, o que seria?
Ter umas novas chuteiras (?) Nada (nele próprio).

Como preferias ser?

Costumas sonhar? Se sim, com o quê?


Não.

Quais são os teus medos? O que fazes quando te sentes assim?


Não.

E as tuas preocupações? O que fazes quando te sentes assim?


Não.

Desenho Livre

132
Inquérito

1) O que é que desenhas-te? O que é que está a acontecer no teu desenho?


Um barco e está quase a chegar à ilha e o tesouro está aqui enterrado (acrescenta uma
cruz no local do tesouro).
(Que tesouro é esse?) Tesouro cheio de ouro.

2) História
Era uma vez o pirata das Caraíbas estava a viajar e depois quando viu no mapa estava
no oeste, mas o tesouro é no norte. Só havia era areia por volta. Mas ele só via a areia
do oeste. Passados dias e noites chegou a uma ilha e viu uma palmeira… uma
palmeira e depois viu uma cruz no chão, escavou, escavou e depois voltou para a sua
terra que era o Brasil com o tesouro. E depois não queria partilhar com ninguém e ele
foi para o seu castelo que estava cheio de entrevistas, ele depois à noite pensou,
pensou e depois disse: “eu não posso ficar com o tesouro todo, vou partilhar” e
partilhou. E depois quando foi dar a todos fizeram uma grande festa.

Análise da prova

O Tomé apresenta lateralidade direita e exerce uma pressão adequada no lápis, embora
desenhe com alguma rapidez. No Desenho Livre acima enunciado observam-se transparências
nas árvores pelo preenchimento de cor dado à areia. As transparências são próprias da fase de
Realismo Intelectual (i.e., crianças dos 4 aos 7 anos, aproximadamente) e, por isso, menos
esperadas na idade do Tomé segundo Luquet (1984). O desenho retrata uma cena marinha
com um barco (pode remeter para o fenómeno do nascimento através da água, conteúdo
regressivo associado à vida intra-uterina e o barco, associado ao feminino, ao materno) e
representa simbolicamente a descoberta de um tesouro “cheio de ouro” numa ilha (símbolo
feminino) sob um poderoso sol (símbolo masculino). No barco, ainda que à deriva sobre um
mar com elementos marinhos ligados à vida, peixes e algas, destaca-se a ausência do desenho
de uma figura humana, podendo enunciar dificuldades na projecção da auto-imagem corporal.
A narrativa evoca o conflito associado ao desejo de manter uma relação exclusiva, dual com o
imago materno e a sua resolução e possibilidade de crescimento através da partilha que
indicia o acesso à triangulação edipiana.

133
Desenho da Figura Humana de Machover

1º Desenho

Inquérito

Quem é esta pessoa? Como se chama e que idade tem?


Joaquim, 18 anos.

Qual foi o dia mais feliz da sua vida?


No dia de anos dele. Porque foi uma grande festa.
(acrescenta os sapatos à figura).

E o dia mais triste?


Quando levou uma vacina. Porque quer dizer que doeu muito.

Conta-me uma boa recordação que tenha.


No primeiro dia em que ele nasceu.
134
E uma má recordação?
Quando ele morreu.

Conta-me uma história sobre esta pessoa.


Era uma vez o Joaquim que estava num navio a lutar contra as invasões francesas e um dia
viu que os outros estavam a atacar. E ele disse ao marinheiro: “estou a ver inimigos”. Certo
dia viram que tavam ao pé da areia com o barco trancado e com a areia presa e com cinco
piratas dentro do barco. Chegaram lá, um pegou no sapato, o outro pegou numa espingarda e
o outro num capacete, o da espingarda conseguiu safar-se e os outros foram ao mar. O
Joaquim tornou-se marinheiro (tinha a espingarda) e meteu o barco a navegar. Um dia ele caiu
ao mar e depois passado um tempo foi para o hospital e depois foi ter com a mãe e desistiu de
ser marinheiro e escolheu ser futebolista e tornou-se no melhor jogador do mundo. Acho que
mais nada.

1) O que é que ele/ela está a fazer? Está a olhar para o céu.


2) Que idade tem? 18 Anos.
3) É casado/a? Não.
4) Tem filhos? Não.
5) Rapazes ou raparigas?
6) Qual é o seu trabalho? Futebolista.
7) Se ainda estuda, em que ano está?
8) Qual é o seu maior desejo? Chegar à lua.
9) É saudável? É.
10) Tem bom aspecto? Sim.
11) Qual é a parte do seu corpo que está mais bem feita? As pernas.
12) E qual é a menos bem feita? A cabeça.
13) É feliz? É.
14) Quais são os seus aborrecimentos? Quando perde um jogo.
15) O que o/a faz zangar? Ver que os jogadores não estão a jogar nada, tem ele de jogar
sozinho.
16) Quais são as suas manias? Ser o melhor.
17) Quais são os seus três piores defeitos? Há um que está a fazer e ele quer que faça de
outra maneira.
18) Quais são as suas melhores qualidades? É rematar.
19) Tem muitos amigos? Tem.

135
20) Mais velhos ou mais novos? Mais velhos.
21) O que é que dizem dele/a? Que ele é muito bom jogador.
22) Ele/a gosta da família? Gosta.
23) E da escola? Também.
24) Sai muito com os amigos? Sim.
25) Quando é que diz que se divertiu muito? No primeiro aniversário.
26) Quer casar? Não.
27) Com que idade?
28) Que género de mulher quer casar?
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? Chegar à lua, ser o melhor
jogador e nunca errar.
30) Com quem se parece? Com o pai.
31) Gostarias de te parecer com ele/a? Não.
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Não mudava nada.

2º Desenho

136
Inquérito

Quem é esta pessoa? Como se chama e que idade tem?


Nádia, 10 anos.

Qual foi o dia mais feliz da sua vida?


O primeiro aniversário. Porque… estava cheio de gente.

E o dia mais triste?


Quando teve de levar uma vacina, porque não gostava muito de levar vacinas.

Conta-me uma boa recordação que tenha.


No primeiro dia que ela nasceu.

E uma má recordação?
Ela toda a chorar quando era bebé.

Conta-me uma história sobre esta pessoa.


Era uma vez uma menina que andava na escola e gostava muito de aprender mas um dia a
professora disse: “quem esforçar-se e aprender vai passar” e ela estava sempre a estudar.
Quando ela ia passar para o 5º ano a professora disse: “tu passas” e a partir daí começou a
gostar mais da escola. Final.

1) O que é que ele/ela está a fazer? Está a olhar para o chão.


2) Que idade tem? 10 Anos.
3) É casado/a?
4) Tem filhos?
5) Rapazes ou raparigas?
6) Qual é o seu trabalho?
7) Se ainda estuda, em que ano está? 5º Ano.
8) Qual é o seu maior desejo? Ser a estrela de televisão da Lua Vermelha.
9) É saudável? Sim.
10) Tem bom aspecto? Sim.
11) Qual é a parte do seu corpo que está mais bem feita? A cara.
12) E qual é a menos bem feita? As pernas.

137
13) É feliz? Sim.
14) Quais são os seus aborrecimentos? É quando a mãe e o pai zangam-se.
15) O que o/a faz zangar? O pai.
16) Quais são as suas manias? Ser a melhor.
17) Quais são os seus três piores defeitos? Ser pior que os outros.
18) Quais são as suas melhores qualidades? A dança.
19) Tem muitos amigos? Sim.
20) Mais velhos ou mais novos? Mais novos.
21) O que é que dizem dele/a? Que ela é a melhor estrela do mundo.
22) Ele/a gosta da família? Sim.
23) E da escola? Sim.
24) Sai muito com os amigos? Não.
25) Quando é que diz que se divertiu muito? No primeiro aniversário.
26) Quer casar? Não.
27) Com que idade?
28) Que género de homem quer casar?
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? Pisar a lua, ter uma casa e ter
um jacuzzi.
30) Com quem se parece? Com o irmão.
31) Gostarias de te parecer com ele/a? Não.
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Não.

Análise da prova

No primeiro desenho encontra-se uma figura masculina relativamente pouco investida


e/ou imatura do ponto de vista gráfico: nas mãos os dedos encontram-se em número
insuficiente face à realidade objectiva através do traçado de apenas quatro dedos, nos olhos
vazios denota-se a ausência de pupilas (à semelhança da segunda figura desenhada). Na boca
acentua-se um sorriso superficial e de certa forma agressivo pelo desenho dos dentes. Posto
isto, no geral, ambas as figuras aparentam-se com um boneco, um espantalho, rígido,
prostrado, frágil, no primeiro caso pouco concordante com a idade atribuída pelo Tomé na
fase de inquérito, 18 anos. No pescoço o Tomé desenhou o pormenor dos pelos no peito,
numa alusão à identificação sexual masculina com o paterno, o que aliado ao vestuário e
diferença no traçado dos cabelos entre a primeira e a segunda figura sugerem a integração da
diferença de sexos.

138
Na fase de inquérito de ambas as figuras e na narrativa do primeiro desenho surge
novamente a temática do nascimento e o conflito inerente à dificuldade de crescer: de
regressar à dependência simbiótica com o materno ou em se autonomizar deste espaço.
Apesar de iniciar a história num cenário marinho com a encenação de uma luta da qual sai
vitorioso através do uso de uma espingarda (símbolo masculino), que pode remeter para a
projecção das suas pulsões agressivas como forma de combater os seus medos internos e
colmatar a sua falha narcísica mas, também, a destruição do objecto, representando o desejo
de separação, crescimento e autonomia. Contudo, regride para a relação dual com o imago
materno. Assim, surgem, ainda, respostas que indiciam dificuldades de separação (“E uma má
recordação? Quando ele morreu”) intolerância à frustração, falha narcísica acentuada (“Quais
são os seus aborrecimentos? Quando perde um jogo”; “Quais são as suas manias? Ser o/a
melhor”; “Quais são os seus três piores defeitos? Ser pior que os outros”; “Quais são os seus
três principais projectos/sonhos? Chegar à lua, ser o melhor jogador e nunca errar”; “O que é
que dizem dele/a? Que ela é a melhor estrela do mundo”), dificuldades no relacionamento
com os pares e egocentrismo infantil (“Quais são os seus três piores defeitos? Há um que está
a fazer e ele quer que faça de outra maneira”), competição e rivalidade com a figura paterna
(“O que o/a faz zangar? O pai”; “ser o/a melhor” e “ser pior que os outros”).

Desenho da Família

139
Após a realização do desenho questiono o Tomé sobre o desenho que riscou na
camisola da terceira figura: “a fingir que era uma bandeira que ele não gostava” (?) “já
comprou a camisola assim, riscada”. Questiono-o sobre as calças: “tipo cowboy, rasgado”.

Inquérito

1) Quem são essas pessoas que desenhas-te, como se chamam e que idade têm? (da
esquerda para a direita)
O pai, Francisco, 18 anos;
A mãe, Madalena, 29 anos;
O filho, Nuno, 18 anos. Não pode ser 18, tem 10 anos.

2) O que está a acontecer no teu desenho? Porquê?


Estão a ir passear. Porque estavam fartos de ficar em casa.

3) Quem é o mais feliz? Porquê?


O filho. Porque a mãe dá-lhe tudo o que ele quer.

Quem é o menos feliz? Porquê?


Pai. Chega sempre tarde do trabalho.

4) Quem é o mais simpático? Porquê?


A mãe. Porque ela trabalha com pessoas no (nome do hipermercado onde trabalha a
mãe do Tomé).

Quem é o menos simpático? Porquê?


Pai. Porque quando o filho chega a casa não se descalça (o filho).

5) Quem manda mais? Porquê?


Pai. Porque é o mais forte.

Quem manda menos? Porquê?


O filho! Porque é mais novo.

140
6) Se tivesses que escolher uma pessoa desta família, quem é que preferias ser?
Porquê?
O filho. Porque… ele está na moda.

7) Se fossem todos dar um passeio de carro mas não houvesse lugar para uma
pessoa, quem ficaria em casa? Porquê?
A mãe. Por causa que ela tinha que arrumar as coisas.

8) Se alguém não se tivesse comportado bem quem seria? Como seria castigada?
Quem é que dava o castigo?
Filho. Não jogava playstation. O pai e a mãe davam o castigo (?) o pai.

9) Se pudesses mudar alguma coisa no teu desenho o que é que mudarias? Porquê?
Nada. Porque acho que eles estão fixes.

Análise da prova

Sem realizar comentários verbais ao longo da prova, o Tomé desenhou as figuras com
rapidez, sem demonstrar cuidado no modo como pintava as figuras (especialmente a figura
que representa a mãe). Enquanto desenhava fez algumas expressões faciais particulares, como
tiques, especialmente ao nível da boca.
Posto isto, ao observar o desenho sobressai a exclusão do filho do casal parental. A
mãe surge como a personagem menos investida e valorizada (pouco cuidado ao pintar,
ausência de pormenores, sem pés) e o filho como o mais investido (recurso à utilização de
mais cores e pintadas com mais cuidado, olhos permanecem brancos ao contrário das
restantes figuras, pormenores nas calças e camisola). A figura materna parece triste e à
semelhança das figuras do Desenho da Figura Humana, todas as figuras assemelham-se a
espantalhos, bonecos pouco firmes (o filho particularmente parece que vai cair), com os olhos
vazios e sem pupilas, os dedos das mãos em número insuficiente face ao contexto real o que
pode associar-se à imaturidade ou pouco cuidado no desenho das figuras. O roxo escolhido
para preencher a pele das figuras faz com que pareçam doentes, sem vida, desfalecidas.
No inquérito que acompanha o desenho surgem aspectos ligados à desvalorização e
rivalidade com o imago paterno e uma relação próxima, idealizada e pouco frustrante com a
mãe “porque ela dá-lhe tudo o que ele quer”, dificultando, assim, o processo de
separação/individuação. Contudo, a resposta à sétima questão indicia o acesso à triangulação

141
edipiana ao ser capaz de se separar da mãe para estar com o pai. A diferença de gerações
parece integrada, apesar de inicialmente o Tomé colocar o filho ao mesmo nível etário do pai
(por via da desvalorização e rivalidade com esta figura), recua e concede maior poder ao pai
(ainda que apenas oito anos os separe). Do ponto de vista gráfico, não se verificam variações
entre as figuras a este nível, com o filho a surgir do mesmo tamanho que os pais. Por seu
turno, a diferenciação sexual parece suficientemente integrada através do traçado dos cabelos
e da evocação de estereótipos tipicamente ligados à separação dos papéis sexuais pela
referência à mãe que arruma, o que pode também associar-se à importância que o Tomé
atribui à ordem (formação reactiva). Por fim, ainda que o Tomé não tenha representado a
família real de forma directa, importa, ainda, salientar a ausência da irmã no desenho através
do mecanismo de defesa negação, o que pode remeter para uma problemática na linha da
rivalidade fraterna.

Inventário de Depressão para Crianças

Análise inter-individual

O Tomé obteve um total de 17 pontos, resultado este que o situa no Grupo 2 quanto à
gravidade dos sintomas de depressão apurados no teste. Classifica-se, assim, num nível
intermédio de sintomas de depressão, ainda que, inferior à média e, portanto, fora do Grupo 1
(sujeitos não deprimidos) e do Grupo 4 (sujeitos deprimidos).

Análise intra-individual

Perfil de Itens
Intensidade do Item

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27
Itens

142
A partir da análise do gráfico acima representado verifica-se que a maioria dos itens
distribui-se na intensidade menor (14 itens) e média-inferior (11 itens). Sobressaem, desta
forma, os itens associados a uma preocupação excessiva, problemas de sono, isolamento
social, pessimismo, baixa auto-estima, tristeza e sentimentos de insucesso.
Atendendo à distribuição dos itens no gráfico parece afigurar-se uma conflitualização
entre a expressão fantasmática e a defesa que aliada à tendência para a interiorização do
comportamento (inibição) observada no Tomé no contexto da recolha de dados, podem
sugerir a interferência de mecanismos de defesa como a negação nos resultados do teste.

Teste de Relações Familiares, Versão Crianças

Tabela 1 – Número de itens emitidos e recebidos positivos/negativos (leves/fortes) atribuídos


aos membros da família.

Emitidos Emitidos Recebidos Recebidos Total de


Positivos Negativos Positivos Negativos Envolvimento
Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes
Ninguém 1 2 2 8 0 1 4 8 26
Tomé 0 0 2 0 1 0 0 0 3
Pai 6 4 1 0 5 5 0 0 21
Mãe 8 2 0 0 6 3 0 0 19
Irmã 2 4 5 0 3 3 4 0 21

Durante a realização da prova TRF observaram-se características defensivas no Tomé:


na maioria dos cartões constatou-se que primeiramente pensava em colocá-los numa
determinada pessoa, em seguida, ficava indeciso entre várias pessoas ou acabava por me dar o
cartão, atribuindo-o a várias figuras simultaneamente; quando surgiam itens negativos,
independentemente de tipo leve ou forte, tendia a colocá-los de imediato no Ninguém, como
que para afastar a sua presença.
Ao observar a Tabela 1 verifica-se que o Tomé decidiu incluir na prova apenas os
elementos pertencentes à família nuclear. O número de afectos emitidos ou recebidos
positivos fortes superam o número de afectos positivos leves apenas na figura do Ninguém e
da irmã. Este facto, aliado à negação de todos os afectos negativos fortes pela colocação no
Ninguém contribui para a observação do carácter defensivo do Tomé na prova.

143
30

25

20

15

10

0
Ninguém Tomé Pai Mãe Irmã

Figura 1 – Número total de itens associados a cada membro da família.

Na apreciação dos valores correspondentes ao total de envolvimento emocional


(Tabela 1 e Figura 1) sobressai o recurso à defesa pelo número significativo de itens
colocados no Ninguém (26). Entre os membros da família destaca-se uma relação mais
próxima com o pai e a irmã, seguindo-se a mãe com uma diferença pouco significativa de dois
itens. Por último, surge o próprio Tomé, como esperado segundo o autor da prova (Bene,
1985).

10

6
Positivos
5
Negativos
4

0
Ninguém Tomé Pai Mãe Irmã

Figura 2 – Número de itens positivos e negativos emitidos a cada membro da família.

144
Na análise dos sentimentos positivos/negativos percepcionados como emitidos pelo
Tomé face aos vários elementos da família (Figura 2) destaca-se uma forte idealização das
figuras parentais, sobretudo da mãe “esta pessoa da família nunca me desaponta”, não lhe
atribuindo afectos negativos, o que pode dificultar o processo de separação desta figura. Entre
os itens positivos fortes destaca-se a atribuição de “gostava que esta pessoa da família
gostasse mais de mim do que dos outros” e “gosto que esta pessoa da família me faça
cócegas” ao pai, revelando o desejo de aproximação e competição pela atenção desta figura
parental. Contudo, entre os afectos negativos surge a falta de “paciência” por parte do pai.
Observa-se também a expressão de auto-agressividade no próprio Tomé movida por
sentimentos de culpa e insegurança “às vezes esta pessoa da família irrita-se muito depressa”
e “às vezes esta pessoa da família fica chateada sem ter razão para isso”, visto que obteve dois
itens negativos e nenhum positivo. Com a irmã parece estabelecer uma relação ambivalente
marcada pela rivalidade fraterna uma vez que obteve apenas dois itens de afectos positivos
face a cinco negativos atribuídos em exclusivo a esta figura. Por fim, o Tomé defende-se no
Niguém pela negação dos aspectos negativos fortes não colocados nos membros da família
mas também demonstra a necessidade de autonomização ao rejeitar os seguintes afectos
positivos fortes: “às vezes gostava de poder dormir na mesma cama com esta pessoa da
família” e “quando me casar gostava que fosse com uma pessoa parecida com esta pessoa da
família”.

12

10

Positivos
6
Negativos

0
Ninguém Tomé Pai Mãe Irmã

Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.
145
Quanto aos afectos positivos e negativos sentidos como recebidos por cada elemento
da família (Figura 3) à semelhança do observado na figura anterior, destaca-se uma forte
idealização das figuras parentais, desta feita sem qualquer tipo de afecto negativo atribuído a
ambas as figuras. Entre os afectos positivos fortes destacam-se “esta pessoa da família gosta
de estar na cama comigo” à mãe, o que pode remeter para fantasias edipianas e, ainda, “gosta
de me dar beijinhos”, “gosta de me ajudar quando estou a tomar banho” e “gosta de me fazer
cócegas” ligados ao pai, como forma de investimento numa nova relação de objecto. No que
concerne ao próprio Tomé apenas contém um afecto positivo, não se auto-atribuindo qualquer
tipo de afecto negativo. Assim, os afectos negativos foram apenas atribuídos à irmã (relação
ambivalente) e à personagem Ninguém. Na irmã este facto pode ter um valor na linha da
rivalidade fraterna e no sentimento de inferioridade do Tomé face a esta figura: “faz-me uma
cara zangada”, “nem sempre me ajuda quando estou em apuros”, “ralha comigo” e “fica
zangada comigo”. No Ninguém reenvia para uma forte negação dos afectos negativos.

10

0 Emitidos Positivos
Recebidos Positivos
Emitidos Negativos
-5
Recebidos Negativos

-10

-15
Ninguém Tomé Pai Mãe Irmã

Figura 4 – Direcção dos afectos emitidos e recebidos positivos/negativos.

A partir da avaliação dos afectos positivos/negativos emitidos e recebidos pelo Tomé


face aos membros da família (Figura 4) observa-se uma relação idealizada com as figuras
parentais, sobretudo com a figura materna sem a atribuição de afectos negativos a esta figura
e apenas um afecto negativo emitido pelo Tomé à figura paterna. Com a figura materna
verifica-se uma ligeira desigualdade com os afectos positivos emitidos e recebidos,
destacando-se os primeiros com a diferença de apenas um item. A relação com a irmã é
146
ambivalente e pela diferença de um item destacam-se os afectos negativos emitidos face aos
afectos negativos recebidos. Quanto ao próprio Tomé sobressaem os afectos negativos
emitidos, o que pode reenviar para uma auto-estima insegura e culpabilizada. Na figura do
Ninguém surgem os afectos negativos essencialmente de cariz forte e alguns afectos positivos
rejeitados e negados como forma de defesa.

Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de dependência (superprotecção


materna e superindulgência paterna/materna).

Superprotecção Superindulgência Total de


materna Paterna Materna Dependência
Ninguém 0 0 0 0
Tomé 6 5 5 16
Pai 1 0 1 2
Mãe 0 3 0 3
Irmã 8 4 3 15

A análise da Tabela 2 permite apurar os sentimentos de dependência face às figuras


parentais. Deste modo, entre os elementos familiares que apresentam maior dependência
destacam-se o Tomé e a irmã, com um número equivalente de itens que remetem para a
dependência materna. Contudo, o Tomé destaca-se por um item através da relação mais
dependente que mantém com a figura paterna. É curioso, ainda, observar, a atribuição de mais
itens referentes à superprotecção materna à irmã, podendo remeter para uma maior
dependência ligada à protecção e cuidados, visto ser mais nova. Enquanto o Tomé obteve o
maior número de itens de superindulgência paterna e materna, associando-se possivelmente à
rivalidade fraterna com a irmã, mas também a uma maior dependência emocional face a estas
figuras. A mãe é vista como uma figura mais dependente em comparação com a figura
paterna.

Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)

Através da figura do Ninguém o Tomé defende-se de colocar sobretudo os afectos


negativos fortes nas figuras relativas aos membros da família inibindo, assim, a expressão
agressiva. Ainda que constitua uma negação excessiva destes afectos, traduz uma forma de
gerir as angústias e os conflitos experienciados internamente, idealizando, por sua vez as
figuras parentais ao rejeitar os aspectos negativos.

147
Quanto ao próprio Tomé sobressai a expressão de auto-agressividade através de uma
auto-estima insegura e culpabilizada. Revela-se emocionalmente dependente de ambos os
pais, com destaque para a figura materna.
Na relação com a figura paterna destaca-se uma forte idealização, demonstrando o
desejo de aproximação e competição pela atenção desta figura parental. Surge uma
dependência emocional do Tomé face ao pai que não supera a relação dependente que
mantém com a mãe. Contudo, sente o pai como uma personagem com pouca “paciência”,
percepcionando-se como o foco de indulgência do pai, seguindo-se a irmã e a mãe,
respectivamente.
Com a figura materna observa-se a presença de fantasias edipianas numa relação
fortemente idealizada, negando os aspectos negativos e a expressão agressiva, o que dificulta
o processo de separação emocional desta figura pelo elevado grau de dependência que
mantém. Sente que a mãe centra a sua atenção nele, seguindo-se a irmã e, por último, surge o
pai com pouca indulgência materna. Revela o desejo de autonomização desta figura.
Na relação com a irmã destaca-se uma relação ambivalente marcada pela rivalidade
fraterna e por sentimentos de inferioridade do Tomé face a esta figura.

As Aventuras de Pata-Negra

1ª Etapa – Frontispício

PN:
Porque tem a pata negra.
Menina.
1 Ano. Não, para aí uns 10 anos.

Dois porquinhos:
São primos do PN.
Menino, 5 anos (da esquerda).
Menino, 5 anos (da direita).
São irmãos, tipo gémeos.

Porcos Grandes:
Em cima – pai, 20 anos.
Em baixo – mãe, 22 anos.

148
Quanto ao PN o Tomé projecta por um lado, uma idade próxima da sua, o que reforça
a identificação com o herói da história mas, por outro, realiza uma inversão de sexos em
comparação ao seu, identificando-se a uma menina, o que pode remeter para conflitos
edipianos e uma tendência para o evitamento dos conflitos.
Nos dois porquinhos assinala-se a representação de dois primos do PN, não
identificando uma relação de tipo fraterno face ao PN o que pode remeter para o desejo de ser
filho único e assim obter a atenção/protecção exclusiva dos pais, sobretudo da mãe, anulando
a rivalidade fraterna.
Os porcos grandes foram identificados de forma adequada aos pais, com a mãe a
destacar-se pela maior maturidade projectada.

2ª Etapa – Os Temas

Brincadeiras Sujas
Era uma vez quatro porcos que estavam na lama a brincar. A mãe deles estava cá
fora para não ficar suja, mas os três filhos nos saltos dos porcos sujaram a mãe toda.
Quando o dono viu os porcos teve-lhes de molhar com a mangueira.

Nesta resposta o Tomé acede ao conteúdo latente do cartão que remete para a
agressividade face a um imago parental num contexto de analidade. Iniciando-se por uma
situação lúdica, a figura materna é a escolhida como alvo da agressividade, podendo associar-
se ao desejo de separação na relação com esta figura, ainda que os porquinhos pequenos
surjam de forma anónima, evitando identificar-se ao responsável do acto agressivo. Introduz
uma personagem na história que não figura na imagem “o dono” podendo remeter para uma
figura superegóica que coloca em cena a defesa pela formação reactiva.

Cabra
Era uma vez um porco negro, pata negra que pensava que a sua mãe era uma cabra e
por isso foi mamar numa cabra. Quando a mãe viu chateou-se e levou o filho para o seu
curral. Quando o dono chegou viu que uma cabra estava dentro do curral, tirou a cabra e
meteu-a na sua quinta.

Na resposta ao presente cartão que reenvia para a relação com um substituto materno
encontra-se subjacente o sentimento de culpabilidade no Tomé, não permitindo a substituição
materna, a separação deste imago, face ao receio da retaliação materna. A introdução da

149
figura superegóica “dono” vem reforçar os interditos ao desejo de separação da mãe,
reafirmando a relação de dependência com a mãe.

Bebedouro
Era uma vez três porcos pequenos e o pai e a mãe estavam a dormir no palheiro. Os
porcos pequeninos estavam junto a eles que era a casa dos porcos. Os filhos estavam sempre
a comer. Quando o dono chegou viu que a tigela já estava vazia, meteu-lhes mais os pais
levantaram-se e foram comer com eles.

O conteúdo latente do cartão associado à agressividade face às figuras parentais é


evitado e negando pelo Tomé através do escotoma do jacto de urina. Assim, o conflito
agressivo expressa-se num contexto oral e de precariedade dos suportes, numa vivência
carencial e desprotegida simbolizada na necessidade de os filhos estarem sempre a comer e na
percepção da tigela vazia.

Buraco
Era uma vez um porco pata negra que caiu num buraco cheio de lama e não
conseguia sair de lá. Por isso o dono viu que faltava-lhe um porco, o da pata negra e o dono
disse: “falta-me um porco” e o dono foi na sua carrinha procurar o porco. Num instante
passou num buraco e pensou que era um porco, mas era um pato, passou noutro que tinha
sido um cão. Passou num, viu o porco, meteu-o dentro da carrinha e levou-o para a sua casa.

Num cartão que apela ao receio da separação num contexto de perigo, o Tomé
introduz uma figura na história que não se observa na imagem evitando, desta forma, o
confronto (punitivo) com as figuras parentais face à transgressão da relação desencadeada
pela separação. Em todo o caso, o desenlace da história dá-se através do apoio desta figura,
não conseguindo socorrer-se de forma autónoma.

Como terminam as aventuras?


Bem. Os outros filhos crescem, ficam adultos e criam filhos.
(?) O PN ele depois fica pelo campo mais os seus irmãos e a sua mãe e depois seguem
a sua vida.

150
Inicialmente observa-se um evitamento/recusa em abordar a situação futura do PN.
Com a intervenção da investigadora surge a alusão ao PN contudo, apenas na relação com a
figura materna e irmãos, excluindo a figura paterna.

Acrescentou os cartões:

Ninhada
Era uma vez três porquinhos. A mãe dos porquinhos ficou grávida e teve mais quatro
filhos. Os outros filhos estavam lá junto da mãe, a mãe comia, os outros quatro bebiam o leite
e os outros três comiam também. Os donos dos porcos meteram palha e comida, água para a
mãe e os seus filhos para ficarem confortáveis.

Num cartão que remete para o tema do nascimento e da rivalidade fraterna o Tomé não
aborda o conflito da rivalidade fraterna, optando por o evitar apegando-se ao conteúdo
manifesto do cartão, ainda que acrescente um porco recém-nascido à história que não figura
no cartão.

Pequena Escada
Era uma vez o porco PN queria comer ervas em cima de uma árvore. A mãe
experimentou na primeira vez caiu, na segunda vez caiu, à terceira vez subiu, viu que tava
ervas e comeu, comeu, comeu, o PN. Quando acabou de comer as ervas queria sair, não
conseguia. O dono dos porcos encostou a mãe a uma árvore, o filho às cavalitas e levou o seu
filho PN para o curral e a sua mãe numa carrinha grande. Ficou juntamente com os seus
filhos e o porco PN junto com os seus irmãos e os seus primos. O filho PN gostou muito deste
dia.

Num cartão que remete para a função de holding de uma das figuras parentais, o Tomé
projecta uma vez mais, a problemática oral podendo reenviar para um vivido de carência na
relação com o materno. A função de apoio é associada ao materno, ainda que, se represente de
forma precária pelas sucessivas quedas até conseguir auxiliar o filho e introdução do “dono
dos porcos” na história como auxiliador da função materna.

151
3ª Etapa – Preferências-identificações

 Cartões de que gosta (A)

Cabra
A1) Porque o porco PN enganou-se na mãe. O PN.

Pode remeter para o desejo de relação com um substituto materno.

Pequena Escada
A2) Porque nunca vi um porco a subir às cavalitas de uma mãe. O PN.

A mãe representa a figura parental que assegura a função de holding.

Ganso
A3) Gosto porque nunca vi um pássaro (é menina) a atacar um porco. O primo
(porquinho do lado esquerdo no frontispício).

Reenvia para a temática da agressividade, não se identificando ao herói da história, o


PN.

Ninhada
A4) Os senhores estavam a tratar dos filhos da porca e dos três também. O senhor.

Evita a referência à rivalidade fraterna, não se identificando com o PN.

Batalha
A5) Porque a mãe não está desinteressada, ai, está muito interessada com os filhos e
nunca vi um porco a correr desta maneira. O pai.

Ainda que reforce o que disse no início da frase com “está muito interessada” o Tomé
sente que refere o contrário e, por isso, tenta negar a vivência da desprotecção materna. A
agressividade num contexto de rivalidade fraterna não é evocada, evitando-a.

152
 Cartões de que não gosta (nA)

(começa a agitar os pés)

Noite
nA1) Porque estão a separar os filhos da mãe.
Os filhos e a mãe todos juntos. O PN.

Num cartão que apela para a curiosidade sexual e para os fantasmas da cena primitiva,
o Tomé revela-se sensível ao sentimento de exclusão e separação da relação de dependência
com o materno.

Mamada 2
nA2) Por causa que os outros querem mamar mas o outro não deixa (o PN).
Todos a mamar na mãe. O PN.

Face à relação com a mãe num contexto de rivalidade fraterna o Tomé tenta anular
essa rivalidade, ainda que se identifique ao PN.

Hesitação
nA3) Por causa que o PN queria estar a comer e o pai não estava a deixar.
O PN a comer a comida também junto dos outros filhos e da sua mãe. O pai.

Ainda que expresse o desejo de uma aproximação à figura paterna, não prescinde da
relação com o primeiro objecto, a mãe. A rivalidade fraterna é, uma vez mais, evitada.

Beijo
nA4) Porque lá eles não tinham comida para eles comerem.
Metia uma coisa de comida para os porcos pequenos e para os grandes. O PN.

Assiste-se a uma perseveração do tema oral de tipo carencial num cartão que apela à
problemática edipiana, não abordando este conflito.

Bebedouro
nA5) O PN estava a fazer cocó na comida dos outros.

153
Todos a comer e o PN não fazer cocó para a comida. O pai.

Verifica-se uma abordagem ao conflito do cartão na ordem da agressividade face às


figuras parentais, representando um avanço face ao evitamento do conflito presente na 2ª
Etapa.

Partida
nA6) O filho perdeu-se, o PN.
Que todos encontrassem o PN. O PN.

O tema da solidão é associado à angústia de separação.

Carroça
nA7) Por causa que estavam a levar os porcos para outra quinta e eles não gostavam,
a mãe, o pai, o PN… estavam todos a ser levados.
A mãe e o pai e os seus filhos ficaram na mesma quinta. O pai.

Num cartão que evoca a angústia de separação este conflito é evitado, mantendo a
agressividade nas relações familiares reprimida.

Buraco
nA8) Por causa que o filho está perdido e caiu num buraco, o PN.
O porco juntamente com os outros. O PN.

A temática da solidão/separação num contexto de perigo é reconhecida.

Brincadeiras Sujas
nA9) Os filhos estão a sujar a mãe e a mãe não quer.
Os porcos não sujarem a mãe com os saltos deles. O PN (está fora da lama).

A temática da agressividade face a uma figura parental, neste caso, a mãe é acedida,
todavia, evita identificar-se com o autor do acto agressivo colocando o PN fora da lama, o que
remete para uma defesa na linha da formação reactiva (interiorização superegóica).

154
Mamada 1
nA10) Porque a mãe não deixava os outros comerem, só deixava o PN.
Todos a comerem. O PN.

Num cartão que remete para uma relação privilegiada com o materno introduz os
“outros” (irmãos) na frase negando a aproximação exclusiva à mãe e a rivalidade fraterna.

Sonho Mãe
nA11) Porque a mãe estava a ver o seu filho a dormir e estava a levar com o cheiro
do seu filho.
O filho não deitar cheiro para a mãe. O PN.

Num cartão que remete para a relação com a imagem materna a ficção sugerida pelo
balão não é reconhecida, remetendo para imaturidade no Tomé. A problemática inscreve-se
na projecção de agressividade face à mãe.

Sonho Pai
nA12) O pai estava a deitar cheiro para o filho.
O pai não deitar cheiro para o filho. O PN.

Num cartão que remete para a relação com a imagem paterna a ficção sugerida pelo
balão não é reconhecida, remetendo para a presença de imaturidade no Tomé. A problemática
inscreve-se na projecção de agressividade do pai para o filho.

4ª Etapa – Questões Dirigidas

Beijo
Não.

Noite
Não.

155
5ª Etapa – Questões de Síntese

1) Quem é o mais feliz? Porquê?


O pai. Porque gostava sempre de ter um filho pata negra.

Quem é o menos feliz? Porquê?


O primo (porquinho da esquerda no frontispício). Porque tem o rabo torcido, não é
como os outros.

2) Quem é o mais simpático? Porquê?

O PN. Porque responde sempre bem às pessoas.

Quem é o menos simpático? Porquê?


O primo (porquinho da direita no frontispício). Porque está sempre a cheirar mal.

3) Quem é que gostarias de ser?

O PN.

4) O que achas que vai acontecer ao PN?


Vai ter filhos quando crescer.

5) O que é que o PN pensa da sua pata-negra?

Que pensava que era uma coisa de mal mas era uma coisa boa.
(?) Porque assim o porco sabe que tem uma pata negra e é o mais forte.

6) Cartão Fada:
Desejo 1: Que a sua família corra bem.
Desejo 2: O seu dono deia muita comida.
Desejo 3: E pedia que não deixasse de dar comida.

156
Síntese da Análise da Prova

Preferências-identificações
Os Temas Preferências Identificações
Cartões Aceite (A)/Não Agradável Assumida Total
Aceite (nA) (A)/Não (A)/Não
Agradável (nA) Assumida (nA)
Bebedouro A nA nA 1A
Beijo nA nA A 1A
Batalha nA A nA 1A
Carroça nA nA nA 3nA
Cabra A A A 3A
Partida nA nA A 1A
Hesitação nA nA nA 3nA
Ganso nA A nA 1A
Brincadeiras A nA A 2A
Sujas
Noite nA nA A 1A
Ninhada nA A nA 1A
Sonho Mãe nA nA A 1A
Sonho Pai nA nA A 1A
Mamada 1 nA nA A 1A
Mamada 2 nA nA A 1A
Buraco A nA A 2A
Pequena nA A A 2A
Escada

O Tomé colaborou durante a realização da prova PN, transparecendo interesse e


empenho na prova. Não proferiu comentários verbais adicionais à prova, mantendo um
comportamento estável, controlado e atento à tarefa que se encontrava a desenvolver.
Atendendo à análise da tabela que resume o modo de expressão das temáticas
inerentes à prova verifica-se uma maior censura dos temas associados à angústia de separação
(Carroça), oralidade e rivalidade fraterna (Carroça, Hesitação), podendo dar conta da
existência de conflitos nestas temáticas.
157
Ao longo do protocolo sobressai uma forte tendência à repressão dos conflitos
registando apenas quatro cartões onde as pulsões se expressam de forma menos controlada
(Cabra, Brincadeiras Sujas, Buraco, Pequena Escada). Posto isto, os principais mecanismos de
defesa utilizados pelo Tomé são o evitamento do conflito, recalcamento, negação e formação
reactiva. Estas defesas integram, assim, as defesas de tipo neurótico utilizadas sobretudo para
inibir a expressão ou identificação ao acto agressivo na relação com as figuras parentais e
fraternas. Nesta sequência, instala-se de forma dominante a temática oral face a uma vivência
carencial marcada, desprotegida e de precariedade dos suportes através do sentimento de
culpabilidade onde a agressividade é dirigida a si, aludindo à angústia depressiva.
Ao nível da triangulação edipiana parece que este conflito não se encontra totalmente
ultrapassado. Deste modo, ainda que expresse o desejo de separação da figura materna e
demonstre ter o superego integrado, regista-se uma forte relação de dependência com a mãe,
excluindo a figura paterna. Nesta relação com a mãe intervêm os interditos ao desejo de
separação face ao receio de retaliação materna. A temática edipiana do cartão Beijo é evitada
e deslocada para uma vivência carencial de tipo oral e no cartão Noite a curiosidade sexual e
fantasmas da cena primitiva dão lugar ao sentimento de exclusão na relação dual com o
materno. Por fim, o Tomé realiza uma inversão de sexos ao nível da identificação com o PN,
o que pode associar-se a dificuldades na identificação com a figura paterna.
A relação com a figura materna é experienciada através do sentimento de desprotecção
e carência, na qual a função de apoio é representada de forma precária, necessitando a própria
mãe de um auxiliador na sua função materna e de contenção.
Na relação com a figura paterna destaca-se a projecção de agressividade sobre o filho.
Na relação de tipo fraterna sobressai a supressão dos irmãos o que pode remeter para o
desejo de ser filho único e, assim, obter a atenção/protecção exclusiva dos pais, sobretudo da
mãe, negando a rivalidade fraterna.

158
Anexo M: Estudo de Caso 2 – Isabel (7 anos e 3 meses)

A Isabel tem sete anos e três meses e frequenta o 1º Ano do 1º Ciclo do Ensino Básico.
Apresenta um desenvolvimento estato-ponderal adaptado à sua idade e género, contudo, de
um modo global traduz uma imaturidade que a faz parecer mais nova. Trata-se de uma criança
harmónica, com aspecto físico investido, cuidado e com vestuário limpo e adaptado ao grupo
etário. Estabeleceu um contacto inibido com a observadora, todavia registou-se um crescente
estado de à vontade e maior disponibilidade para a relação e verbalização no decorrer das
sessões. Verbaliza, por vezes, com espontaneidade, utilizando um tom de voz baixo e
pronunciando as palavras de forma imatura para a idade. Estabeleceu contacto ocular e no seu
olhar transpareceu o sentimento de tristeza. Manteve um comportamento estável, controlado e
concentrado nas provas realizadas. Por vezes, empoleirou-se na cadeira, permanecendo sobre
a mesa da secretária a observar o que eu escrevia. A Isabel indicou aceitar bem a separação
face à mãe, no momento em que se dirigiu comigo para a sala de consulta (chegou sempre na
companhia da mãe).
Pela prematuridade a Isabel é seguida na consulta de desenvolvimento de um hospital
da Grande Lisboa. Na sequência deste tipo de consultas, a mãe manifestou a sua preocupação
relativamente à ansiedade e medos (de animais, ladrões, palhaços, deitar-se sozinha,
acidentes, do perigo, etc.) da filha, sendo encaminhada para a consulta de psicologia daquele
hospital. No entanto, foi reencaminhada para a Unidade de Pedopsiquiatria devido à sua área
de residência. Deste modo, há cerca de dois meses que a Isabel iniciou o acompanhamento em
consultas terapêuticas de psicologia de frequência semanal beneficiando, também, de
consultas familiares junto dos pais.
Tal como descrito na Anamnese do Tomé, a Isabel vive com os pais e com o irmão.
Segundo o pai a Isabel “tem uma maneira mais doce de falar com a mãe. Comigo ela é
diferente, o que eu pedir para fazer ela faz e com a mãe não. Quando chego a casa ouço a voz
dela mais alta do que quando estou em casa”. A Isabel e o Tomé apreciam a companhia um do
outro, no entanto, ela defende-se em relação ao irmão. Por vezes, a Isabel dorme em casa do
tio paterno (padrinho do Tomé) e fica bem, tal como em casa dos avós maternos. Contudo
recusa-se a ficar em casa da avó paterna. Para o pai sempre foi uma criança muito reservada e
“se for alguém de quem ela goste a nossa casa é um choro. Porque tem pena que as pessoas se
vão embora”.
Segundo o pai, a Isabel sente dificuldades em dormir porque como a própria diz
“tenho medo de ladrões quando me vou deitar. Tenho medo que eles me levem”. Depois de
adormecer a noite corre bem. No entanto, como o pai refere “quando está comigo digo que

159
está na hora de deitar e ela lá vai, sem protesto. Depois eu deito-os e até lhe digo que vou
fechar a porta do quarto. Fica com uma luz acesa e quando às vezes volto ao quarto para vê-la
está a pensar de olhos abertos: diz que não tem sono e não consegue dormir. Agora quando foi
com a trovoada eu deitei-me na cama de cima e eles na de baixo”. Contudo, quando a mãe
está em casa fica com a Isabel até a filha adormecer. Caso contrário, a Isabel chama a mãe ao
quarto e “se a mãe não vai ela pede um copo de água, mas não chora. Comigo ela não chama,
mas já houve períodos de ela começar a choramingar mas eu digo que ela não tem motivos”.
O pai acrescenta também que “quando a mãe está a passar-a-ferro ela vai para o nosso quarto
para estar mais perto”. De manhã a mãe tenta acordá-los, chamando-os várias vezes até ficar
irritada, mas os filhos ficam na cama sem se levantarem “acho que a mãe cede demais”,
confessa o pai. Com o pai levantam-se logo, sem haver problemas.
Para os pais estes comportamentos de medo e ansiedade da Isabel agravaram-se há
cerca de um ano quando o carro do avô materno foi assaltado e a Isabel encontrava-se com o
avô quando este descobriu o carro aberto, ainda que a Isabel não tivesse visto os ladrões. O
medo de cães também se agravou nessa altura “como a mãe também tem medo isso não ajuda.
Ela trepa por cima da mãe desesperadamente com medo de cães”, revela o pai. Na opinião da
mãe, recentemente a filha “deu um passo em frente nos medos” ao aproximar-se e brincar
com uma cadela que o tio materno adquiriu há pouco tempo, andando “entusiasmada”. A
Isabel não consegue ficar sozinha numa divisão da casa, seguindo a mãe para a casa-de-
banho, cozinha e qualquer outra divisão, mesmo que a mãe lhe peça para ficar na divisão
anterior e a tente tranquilizar dizendo-lhe que não virão ladrões.
A Gravidez da Isabel foi planeada “no primeiro filho eu até gostava de ter tido uma
menina e depois não aconteceu e tentámos novamente”, indica o pai. Não se tratou de uma
gravidez complicada e, apesar de a mãe se sentir preocupada, na sua saúde nada justificava
aparentemente a prematuridade da Isabel (nasceu às vinte e oito semanas de gestação com
795g, cerca de três meses antes da data prevista, por Cesariana). Após o nascimento a Isabel
sofreu uma infecção por adenovírus, sem registo de sequelas. Permaneceu dois meses e meio
na incubadora e a mãe quinze dias internada, ainda que apenas tenha contactado com a filha
passados oito dias do nascimento. Durante o internamento da Isabel os pais passavam o dia no
hospital até às vinte e duas horas “durante a noite ela só conseguia estar bem ao colo. Quando
saiu do hospital tinha 1,5kg. O Tomé parece que ficou ao abandono, ficava com a avó
materna”, partilha o pai.
Em bebé o sono da Isabel era agitado, sendo difícil adormecer. No entanto,
“adormecia facilmente no meu colo” indica o pai. Demorou um mês até regular o sono. Nunca
teve problemas ao nível do desenvolvimento psico-motor e linguístico associados à

160
prematuridade, começando a andar e a falar mais cedo que o irmão (o pai não sabe precisar o
momento) e sem dificuldades. Ao nível do comportamento alimentar não é esquisita, mas
lenta e demora, por vezes, duas horas para comer. Para o pai “comigo come tudo, com a mãe
é mais difícil mas quando eu repreendo a mãe tenta arranjar uma desculpa para a defender”.
Nos primeiros tempos em casa, a mãe cuidou sozinha da Isabel até aos cinco meses
enquanto o Tomé ficava, por vezes, com a avó materna. Segundo o pai “esse período foi
crítico para a mãe, eu sempre fui mais animador”. Em seguida, a Isabel ficou aos cuidados da
avó materna até aos seis anos, não frequentando a creche. Com a entrada na escola aos seis
anos, registou uma boa adaptação. A professora refere que é um pouco lenta, embora já leia
com alguma calma, gosta de pintar, é bem comportada e dá-se bem com os colegas.

161
Guião de Entrevista dos Pais

Identificação da Criança

Nome: Isabel Género: Feminino

Idade: 7 Anos e 3 Meses Data de Nascimento: 2004

Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa

Ano de escolaridade: 1º Ano

Reprovou algum ano? Não Se sim, qual (quais)? __________

Caracterização Sócio-Demográfica da Família

Quem são os elementos que compõem o agregado familiar (elementos que vivem na mesma
casa)?
(Constituição do genograma familiar)

1999
73 63 62

40 41

46 39 38 38
3 3

11

10 7

162
Mãe
Idade: 39 Anos Data de Nascimento: 1971
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casada Habilitações Literárias: 12º ano
Profissão: Chefe de Secção de um hipermercado – coordenadora do serviço de caixas
Situação Profissional: Empregada.

Quais são os seus principais papéis na família?


Tudo. Dá banho à Isabel (por vezes, toma banho sozinha), prepara as refeições,
acompanha os filhos nos estudos, leva-os à escola quando está de folga e quando não está é a
avó materna que assume essa função.

Quais são os seus principais gostos e interesses pessoais?


Tem pouco tempo livre. Gosta de ir à praia, fazer caminhadas junto ao mar “o mar
transmite calma”, ler um livro, brincar com os filhos (jogar cartas, entre outros).

Pai
Idade: 46 Anos Data de Nascimento: 1965
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casado Habilitações Literárias: 9º Ano
Profissão: Chefe de oficina mecânica Situação Profissional: Empregado

Quais são os seus principais papéis na família?


Levá-los às actividades extra-curriculares, principalmente o Tomé. Arranja carros e
faz pequenas reparações quando são necessárias.

Quais são os seus principais gostos e interesses pessoais?


Quando tem tempo anda de moto 4, passear, conviver com as pessoas, fazer desporto.

Irmão(ã)
Género: Masculino
Idade: 10 Anos Data de Nascimento: 2001
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias:_______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): 4º Ano

163
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________

Relações Familiares

Qual é a situação familiar actual (apoios sociais e/ou familiares, existência de doenças físicas
e/ou psicológicas, problemas sociais, económicos, exposição a fontes de stress, entre outros)?
A avó materna é a “segunda mãe deles” e o avô materno é quem os traz às consultas.
Ao domingo ficam com os avós ou com o pai. O pai às vezes trabalha ao sábado. Sentem
stress na família mais pela falta de tempo. Como chefe de secção a mãe assume uma grande
responsabilidade profissional e, como tal, sente que pode penalizar a família.

Algum membro da família necessita de se ausentar ou ausentou-se no passado


temporariamente ou com frequência, por motivos de trabalho, estudo, ou outros? Quando?
Durante quanto tempo? Como é que a criança reagiu a essa(s) separação(ões)? E os restantes
membros da família?
Não.

Algum membro da família faleceu, separou-se ou divorciou-se desde a gravidez da criança?


Quem? Qual o possível impacto na família?
Um ano antes do Tomé nascer faleceu o avô paterno, por cirrose. Esta doença
decorreu de forma prolongada. A empresa em que trabalhava deixou de lhe pagar e deixou
de trabalhar a partir de Junho de 1999. Em Janeiro de 2000 faleceu. O pai do Tomé/Isabel
não era muito ligado ao próprio pai (avô do Tomé/Isabel), embora se dessem bem.

Como é a relação da criança com a mãe?


Ela agora anda “tipo cola”. Gosta do pai e da mãe, mas agora anda mais ao pé da
mãe. Ela precisa muito que durmam com ela para adormecer. Às vezes vai o pai, outras a
mãe, geralmente prefere a mãe. Está sempre a dizer que gosta muito da mãe. Quer ajudá-la.
Tem medo de ir para outros sítios e anda sempre atrás da mãe, dentro de casa segue a mãe
para a mesma divisão.

Como é a relação da criança com o pai?


“Estou bem com ela. Ela é muito receosa de fazer as coisas, por saber que lhe chamo
a atenção mais afincado”, revela o pai. “Ela não pode sentir que está sozinha”, diz-me a
mãe. Fala ‘abebezada’ só com o pai, com a mãe fala bem. O pai diz que não quer que ela fale

164
assim e ela continua. A mãe acha que pelo tom de voz que o pai utiliza eles ficam receosos. A
mãe acha que tem a ver com a educação que o pai recebeu.

Como é a relação da criança com os irmãos (com cada um)?


Às vezes é um pouco às turras. Ela faz as coisas de maneira que os pais pensam que o
Tomé é o culpado. É mais arisca. “Eles não podem estar um sem o outro” (mãe). Brincam
um com o outro, mas também andam às turras. A mãe conta que também com o próprio
irmão (tio do Tomé/Isabel) era assim. Ela é firme nas decisões. Ele pede apoio à mãe quando
não se sabe defender. Ela defende-se logo.

E com os restantes membros da família?


Dá-se bem com todos. Abraça-se aos outros, pede beijinhos. Agarra-se muito às
colegas da mãe, mesmo não as conhecendo, elas estranham. Sempre foi assim, muito
meiguinha e carinhosa. Tem uma amiga na escola que se dá bem.

Gostaria que me descrevessem a vossa relação (relação do casal parental).


Pai: Conflituosa, por má interpretação das coisas. Para o pai as coisas podem ser
banais e a mãe responde de forma mais agressiva e ficam chateados, “sente-se
inferiorizada”, diz o pai sobre a mãe. A mãe começa a chorar e apenas responde “nem
comento”. Pai: eles vão buscar a parte mais fraca e depois isso reflecte-se num conjunto de
coisas.

Como é a relação da mãe com a sua família de origem?


Muito boa. Com os pais dão-se diariamente, vê-os todos os dias “a minha mãe é a
minha melhor amiga”. Com o irmão são mais distantes, ele vive mais longe e cada vez falam
menos, falam mais sobre os filhos. Comunicam mais por telefone. O irmão também está mais
distante dos pais e fala com estes mais pelo telefone. “Admiro os meus pais porque quando se
deitam é como se nada tivesse acontecido e o dia a seguir é novo”.

E como é a relação do pai com a sua família de origem?


Com a mãe é um bocado conflituosa (avó paterna do Tomé/Isabel) “vê as coisas como
há trinta anos”. Anteriormente ao nascimento da Isabel a família residia numa área
suburbana de Lisboa, passando a viver numa casa pertencente à avó paterna do Tomé/Isabel
na margem sul do Tejo. A avó paterna vendeu a casa deles e com esse dinheiro comprou uma
casa para ela viver sem dizer nada a ninguém. Tenta fazer tudo a correr. É muito poupada,

165
pouco flexível, muito ligada à igreja, sacrificando-se muito em vez de viver mais a vida. A
relação da avó paterna com o irmão do pai não diverge tanto. É muito individualista. A
relação da mãe com a sua família é mais carinhosa, há mais contacto e afecto. Quando vai
para o hospital não diz nada a ninguém e depois queixa-se que não lhe ligam, só sabem
depois de ter alta. É muito fechada. Sentem que afasta os outros. É muito activa, até se for
preciso faz obras numa casa sozinha, corta o próprio cabelo, renova as coisas. Não vem
comer quase nunca a casa deles, mas se eles não vão lá chateia-se. Como a avó paterna faz
diferença entre o tio do Tomé e o pai, não entram tanto em conflito, desculpa mais o tio
paterno do Tomé.

Sintomas da Criança e Impacto Familiar

Quais são as principais preocupações actuais sentidas face à criança (Comportamento


alimentar, sono, linguagem, controlo esfincteriano, atitude face a outras crianças e adultos,
medos, entre outros)?
Medos que ela tem que a impedem de crescer e ser uma criança normal. Não
consegue estar sozinha em casa, mesmo que a família esteja no jardim de casa (vivem em
vivenda). Entra em pânico. Tem medo dos ladrões. A casa foi assaltada antes de ela nascer.
Quando ouve falar em ladrões começa a chorar. Os pais não sentem ansiedade na Isabel
para ir para a escola, sempre quis ir e adora. Começou estes medos no ano passado. A mãe
não associa à escola porque a Isabel gosta de aprender.

Qual o impacto sentido na família?


Preocupam-se. A mãe tenta falar com ela e ela não fica sossegada sobre os ladrões
(há dias em que fica mais calma e noutros não). A mãe não sabe se é porque vê os Morangos
com Açúcar. Tem um colega que foi assaltado com a mãe à saída da escola e o miúdo agora
também tem medo dos ladrões. A Isabel piorou com o assalto do carro do avô, ela estava lá.
Ela antes não tinha este medo. Tem medo dos animais e a mãe também tem, por isso sente
que pode ter passado o medo aos filhos. Tem um verdadeiro medo dos palhaços (numa festa
chorou o tempo todo). Medo de deitar-se e ficar sozinha (porque pode vir um ladrão pela
porta ou janela). Medo de ficar sozinha numa divisão. Quando a mãe a tenta sossegar sente
que a pode pôr mais inquieta porque a mãe também não se sente tranquila. A mãe sente pena
dela “coitadinha” por ter medo dos animais e a mãe também tem.

166
Guião de Entrevista da Criança

Identificação da Criança

Nome: Isabel Idade: 7 Anos e 3 Meses

Interesses/Actividades

O que é que tu gostas de fazer nos teus tempos livres?


Brincar (jogar à bola). Jogo Nintendo DS.

Frequentas alguma actividade desportiva ou cultural (dança, teatro, música, etc.)? Qual?
Ando na natação e gosto de lá andar.

Tens animais de estimação? Quais?


Tenho um peluche.

Amigos

Quem são os teus amigos(as) (nome e idade)?


Leonor (6 anos), Joana (7 anos), Carolina (6 anos) e o Bruno (7 anos).

De onde os(as) conheces?


São da escola e do ATL.

O que é que costumam fazer juntos(as)?


Brincamos à apanhada e às escondidas.

Tens um(a) amigo(a) preferido(a) (melhor amigo/a)? Quem é?


A Leonor.

Escola

Em que ano andas?


Passei para o 2º Ano.
167
O que é que gostas mais na escola? Porquê?
Aprender a ler e a escrever. Porque gosto.

O que é que gostas menos na escola? Porquê?


De brincar. Porque gosto mais de estudar.

(?) Não me sinto bem no recreio porque estão sempre a bater (Quem é que te bate?) o

mano. Às vezes é o meu colega (não é o Bruno). (o que costumas fazer nessas alturas?) diz à

auxiliar de educação.

Se pudesses mudar alguma coisa na escola, o que seria?


Não sei.

Como preferias que fosse?


Não sei.

Onde é que costumas fazer os teus trabalhos de casa?


ATL e em casa.

Tens ajuda de alguém? De quem?


Às vezes sim, Lurdes, Cristina ou Alexandre (ATL). Em casa não ajudam.

Família

Quem são as pessoas da tua família?


Tomé, mãe, pai, avó, avô, avó, avô.

Com quem vives (nome, idade, grau de parentesco face à criança)?


Pai, mãe, Tomé. Às vezes vão lá os primos.

Como é a tua mãe?


Gosto muito dela (e como é que ela é?) também gosta muito de mim.

168
Como é o teu pai?
Leva-me a muitos sítios, a ver os aviões, os barcos... e não sei mais. Também é muito
meu amigo. Também sou muito amiga dele.

Como são os teus irmãos(ãs) (ou outras pessoas da família mencionadas)?


Gosto de jogar com ele à bola e jogar a jogos. É muito meu amigo.

Como é que os teus pais se dão um com o outro? O que pensas/sentes com isso?
Às vezes discutem, outras vezes não. (?) Sinto que estou triste.

Dormes com alguém ou partilhas o quarto com alguém? Se sim, com quem?
Partilho o quarto com o mano. Adormeço com a mãe no meu quarto e depois a mãe
vai para o quarto dela. Faço isto todos os dias.

Se pudesses mudar alguma coisa na tua família, o que seria?


Não sei.

Como preferias que fosse?


Não sei.

Fantasias/Sonhos/Medos

O que é que gostarias de ser quando fores grande? Porquê?


Professora de Estudo do Meio, Português e Matemática. (Porquê?) Não sei, ensino os
meninos.

Quais são os teus maiores sonhos/desejos?


Não sei.

Se pudesses mudar alguma coisa em ti, o que seria?


Não sei.

169
Como preferias ser?

Costumas sonhar? Se sim, com o quê?


Não.

Quais são os teus medos? O que fazes quando te sentes assim?


Dos ladrões. Chamo a mãe, sinto-me segura quando a mãe vem. Medo de cães, de
fantasmas, bruxas e de morcegos. De monstros também. Choro quando tenho estes medos.

E as tuas preocupações? O que fazes quando te sentes assim?


Não.

Desenho Livre

170
Inquérito

1) O que é que desenhas-te? O que é que está a acontecer no teu desenho?


A borboleta está a ver as formigas e as flores e a árvore e o sol também.

2) História
Era uma vez uma borboleta que estava a ver as flores, árvore e a formiga e o sol
também. As flores ficaram felizes e as formigas e a árvore.

Análise da prova

A Isabel apresenta lateralidade esquerda e realiza uma pressão adequada no lápis


durante o desenho, sem verbalizar com a investigadora. No plano gráfico observa-se um
grafismo adequado para a idade, com movimento e pouco simbolismo. Ainda que desenhe
figuras em tamanho grande, sobressai a presença de inibição através do número reduzido de
elementos desenhados e o recurso a um discurso restrito e descritivo, próximo do factual,
apenas com afecto positivo no final da narrativa na linha da negação das dificuldades
emocionais experienciadas. Ainda assim, a Isabel parece projectar-se na figura da borboleta, o
elemento mais investido do ponto de vista gráfico e aquele que surge na posição activa de
observar os restantes elementos. Observa-se, ainda, o desenho das flores próximo das
dimensões da árvore, afastando-se do realismo visual (Luquet, 1984).

171
Desenho da Figura Humana de Machover

1º Desenho

Inquérito

Quem é esta pessoa? Como se chama e que idade tem?


Mãe. Anabela, 39 anos.

Qual foi o dia mais feliz da sua vida?


No natal.

E o dia mais triste?


Não sei (?) Não sei.
172
Conta-me uma boa recordação que tenha.
Não sei (?) De nos ver feliz.

E uma má recordação?
De nos ver tristes.

Conta-me uma história sobre esta pessoa.


Era uma vez a mãe gostava das borboletas e apanhou uma e guardou-a e depois mostrou aos
filhos e ao pai e mais nada.

1) O que é que ele/ela está a fazer? Está a saltar.


2) Que idade tem? 39 Anos.
3) É casado/a? Sim.
4) Tem filhos? Sim.
5) Rapazes ou raparigas? Os dois, um menino e uma menina.
6) Qual é o seu trabalho? (Hipermercado onde a mãe trabalha).
7) Se ainda estuda, em que ano está?
8) Qual é o seu maior desejo? De estar feliz.
9) É saudável? Sim.
10) Tem bom aspecto? Sim.
11) Qual é a parte do seu corpo que está mais bem feita? Todo (?) o vestido.
12) E qual é a menos bem feita? Pés.
13) É feliz? Sim.
14) Quais são os seus aborrecimentos? Chateada e triste.
15) O que o/a faz zangar? O trabalho.
16) Quais são as suas manias? Não sei.
17) Quais são os seus três piores defeitos? Chateada, triste e aleijada.
18) Quais são as suas melhores qualidades? Feliz.
19) Tem muitos amigos? Sim.
20) Mais velhos ou mais novos? Os dois.
21) O que é que dizem dele/a? Para ela não ficar chateada e triste.
22) Ele/a gosta da família? Gosta.
23) E da escola?
24) Sai muito com os amigos? Às vezes vai almoçar com eles.

173
25) Quando é que diz que se divertiu muito? No dia de estar feliz com os colegas, a
divertir-se.
26) Quer casar?
27) Com que idade?
28) Que género de homem quer casar?
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? Não sei.
30) Com quem se parece? Comigo.
31) Gostarias de te parecer com ele/a?
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Não.

2º Desenho

174
Inquérito

Quem é esta pessoa? Como se chama e que idade tem?


10 Anos, chama-se Martim.

Qual foi o dia mais feliz da sua vida?


A mãe fez anos.

E o dia mais triste?


De tirarem os brinquedos.

Conta-me uma boa recordação que tenha.


Gosta muito de brincar com o peluche dele.

E uma má recordação?
De lhe tirarem o peluche.

Conta-me uma história sobre esta pessoa.


Era uma vez um menino que estava a brincar com o peluche e tiraram o peluche, mais nada.
(?) Ele ficou a chorar.

1) O que é que ele/ela está a fazer? Está a pular na água.


2) Que idade tem? 10 Anos.
3) É casado/a?
4) Tem filhos?
5) Rapazes ou raparigas?
6) Qual é o seu trabalho?
7) Se ainda estuda, em que ano está? 4º Ano.
8) Qual é o seu maior desejo? Brincar.
9) É saudável? É.
10) Tem bom aspecto? Sim.
11) Qual é a parte do seu corpo que está mais bem feita? Camisola.
12) E qual é a menos bem feita? Cabelo.
13) É feliz? É.

175
14) Quais são os seus aborrecimentos? É que lhe tirem os brinquedos.
15) O que o/a faz zangar? Não sei.
16) Quais são as suas manias? De querer uma coisa.
17) Quais são os seus três piores defeitos? De chorar e de ficar chateado.
18) Quais são as suas melhores qualidades? De brincar com os amigos.
19) Tem muitos amigos? Tem.
20) Mais velhos ou mais novos? Alguns mais novos e outros mais velhos.
21) O que é que dizem dele/a? Que ele é o melhor amigo.
22) Ele/a gosta da família? Sim.
23) E da escola? Também.
24) Sai muito com os amigos? Sai.
25) Quando é que diz que se divertiu muito? Quando foi ao parque com os amigos.
26) Quer casar? Não.
27) Com que idade?
28) Que género de mulher quer casar?
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? Nenhum.
30) Com quem se parece? Mãe.
31) Gostarias de te parecer com ele/a? Não.
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Não.

Análise da prova

A nível gráfico o primeiro e o segundo Desenho da Figura Humana contrastam


significativamente quanto ao investimento e cuidado que a Isabel dedicou às figuras. Em
comparação com a primeira figura, a segunda figura foi desenhada com mais rapidez, pouca
atenção aos pormenores, sem traçado dos dedos (na primeira figura a Isabel desenhou o
número de dedos dos pés e das mãos correcto. Os pés descalços podem remeter para a
projecção de agressividade), sem pupila, dando a sensação de uma figura pouco estável, a
pairar no ar, com investimento desigual entre a cabeça e o corpo, prevalecendo a primeira. O
sorriso das duas figuras é forçado e superficial, demasiado longo. Comparativamente com o
Desenho Livre estes desenhos obtiveram um menor investimento ao nível da cor.
Na fase de inquérito e da narrativa sobressaem os mecanismos de negação e recusa dos
aspectos negativos como forma de os evitar. A inibição também prevalece ao ser necessário o
reforço de algumas questões por parte da investigadora para obter as respostas. As diferenças
sexuais surgem integradas através do desenho do vestuário e cabelos e a identificação sexual

176
feminina também está assegurada. Na primeira figura observa-se uma clara identificação com
o imago materno, projectando-o de forma “chateada, triste e aleijada”, segundo a resposta a
três questões do inquérito. No caso da segunda figura, é retratada de forma imatura e
dependente da relação dual com o imago materno. Ambas as narrativas são restritas,
descritivas e assentes no factual e concreto, sem recurso ao simbólico.

Desenho da Família

Inquérito

1) Quem são essas pessoas que desenhas-te, como se chamam e que idade têm? (da
esquerda para a direita)
Lua, 19 anos, irmã;
Sol, 20 anos, irmão.

2) O que está a acontecer no teu desenho? Porquê?


O sol está a olhar para eles. (?) Eles estão ao sol.

177
3) Quem é o mais feliz? Porquê?
O Sol. Porque tem o sorriso maior.

Quem é o menos feliz? Porquê?


A Lua. Porque tem o sorriso mais pequeno.

4) Quem é o mais simpático? Porquê?


A Lua. Porque pede-nos para brincar.

Quem é o menos simpático? Porquê?


O Sol. Porque não nos pede para brincar.

5) Quem manda mais? Porquê?


O Sol. Brinca com a irmã à apanhada.

Quem manda menos? Porquê?


A Lua. Porque não brinca às escondidas com ele.

6) Se tivesses que escolher uma pessoa desta família, quem é que preferias ser?
Porquê?
A Lua. Porque gosto da Lua. (?) Porque gosto de brincar com a Lua.

7) Se fossem todos dar um passeio de carro mas não houvesse lugar para uma
pessoa, quem ficaria em casa? Porquê?
O Sol. Porque ele quis.

8) Se alguém não se tivesse comportado bem quem seria? Como seria castigada?
Quem é que dava o castigo?
O Sol. Ir para a cama. A Lua dava o castigo.

9) Se pudesses mudar alguma coisa no teu desenho o que é que mudarias? Porquê?
Não.

178
Análise da prova

Ao desenhar a Isabel empregou pouco cuidado, fazendo-o com relativa rapidez. A


figura feminina surge mais investida pela utilização parcial das cores e a relva junto aos pés.
Por outro lado, a figura masculina apresenta-se mais frágil e menos coesa. No geral, as figuras
encontram-se estáticas, sem movimento e desproporcionais pela cabeça demasiado grande
face ao resto do corpo (a cabeça é a via principal de comunicação social e, por isso, de
dependência face ao outro). As nuvens foram traçadas de forma contígua o que pode remeter
para os aspectos ligados à dependência com o imago materno. O presente desenho foi menos
investido que o Desenho Livre e o primeiro Desenho da Figura Humana.
No inquérito a Isabel utiliza o recurso à descrição e ao factual como observado nos
desenhos precedentes e a explicação racional como defesa para não assumir a sua preferência
(“Quem é o mais feliz? Porquê? O Sol. Porque tem o sorriso maior. Quem é o menos feliz?
Porquê? A Lua. Porque tem o sorriso mais pequeno”). Verifica-se uma identificação sexual
com o feminino. A figura masculina apesar de se afigurar como a que contém mais poder é
desvalorizada. Contudo, o conceito de família e de diferença de sexos parecem assegurados.
Importa, ainda, salientar o facto de a Isabel ter optado por desenhar apenas dois irmãos
próximos da idade adulta, com idades semelhantes, provavelmente, representado os pais
negando-lhes o laço íntimo e amoroso que os une, projectando, assim, o desejo da sua
separação amorosa (“Quem é o mais simpático? Porquê? A Lua. Porque pede-nos para
brincar. Quem é o menos simpático? Porquê? O Sol. Porque não nos pede para brincar”).

Inventário de Depressão para Crianças

Análise inter-individual

Neste instrumento a Isabel obteve um total de 4 pontos, inserindo-se no Grupo 1


(sujeitos não deprimidos) quanto à gravidade de sintomas depressivos.

179
Análise intra-individual

Perfil de Itens
Intensidade do Item

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27
Itens

Na análise do gráfico acima representado sobressai, desde logo, uma forte defesa face
ao instrumento, em especial até ao item dezassete da prova, registando-se apenas a
intensidade mínima de sintomas depressivos. Na intensidade intermédia surgem os problemas
com a alimentação e isolamento social.
Face ao diagnóstico clínico de depressão e a uma maior tendência para a interiorização
do comportamento (inibição) observada na Isabel, coloca-se a hipótese da menor incidência
de sintomas depressivos apurados no instrumento resultar da emergência de mecanismos de
defesa como a negação durante a realização da prova. Há que assinalar que devido às
dificuldades que a criança revelou na leitura dos itens durante a passagem do instrumento este
foi o único caso em que a investigadora procedeu à leitura dos itens, ainda que, a criança
registasse as suas respostas na folha. Este último facto pode também ter condicionado os
resultados obtidos devido ao maior contributo e proximidade da investigadora com a criança e
com as suas respostas no teste.

Teste de Relações Familiares, Versão Crianças

Tabela 1 – Número de itens emitidos e recebidos positivos/negativos (leves/fortes) atribuídos


aos membros da família.

Emitidos Emitidos Recebidos Recebidos Total de


Positivos Negativos Positivos Negativos Envolvimento
Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes
Ninguém 0 2 3 6 0 1 3 6 21
Isabel 2 0 2 0 0 0 0 0 4

180
Pai 1 0 0 0 3 1 1 0 6
Mãe 5 1 0 0 1 3 2 0 12
Irmão 2 2 3 2 1 1 1 1 13
Avó 1 1 1 0 2 0 0 0 5
Materna
Avô 2 1 1 0 0 1 1 1 7
Materno
Avó Paterna 2 1 2 0 1 1 0 0 7

Durante a realização da prova a Isabel proferiu alguns comentários verbais, como a


preocupação pelo facto de a figura materna conter muitos cartões e no item de superprotecção
materna: “a mãe preocupa-se que esta pessoa da família não coma o suficiente” comentou “o
Tiago come muito, parece que tem bicha-solitária”, como possível alusão à rivalidade
fraterna. Na fase inicial da prova expressou o desejo de incluir o avô paterno que nunca
conheceu por ter falecido no ano anterior ao nascimento do irmão “eu não sei como é o cabelo
dele, ele já morreu. Eu gostava muito dele em criança mas ele morreu e só conheceu o Tomé”.
Contudo, preferi excluir esta figura e incluir apenas as figuras do contexto actual da Isabel.
Ao longo da prova verificou-se que a Isabel necessitou de meditar durante algum tempo antes
de colocar os itens na(s) figura(s) correspondente(s) e revelou uma maior expressividade ao
sorrir com frequência numa atitude relacional com a investigadora.
Atendendo à Tabela 1 observa-se que a Isabel inclui na prova os avós maternos e a avó
paterna, além da família nuclear. Os afectos negativos fortes surgem apenas distribuídos na
figura do Ninguém, do irmão e do avô materno, o que remete para uma tendência defensiva
considerável.

25

20

15

10

Figura 1 – Número total de itens associados a cada membro da família.


181
Na análise do total de itens atribuídos a cada membro da família (Figura 1) destaca-se
um forte envolvimento emocional com o irmão (relação ambivalente com prevalência dos
afectos negativos por um item de diferença face aos afectos positivos) e a mãe (relação
idealizada pelo elevado número de itens positivos e apenas dois negativos). Segue-se um
maior envolvimento na relação com o avô materno, avó paterna, pai, avó materna e com a
própria Isabel, respectivamente. O diminuído envolvimento com a figura paterna pode ser
justificado através da forte dependência que parece manter com a figura materna. Surge,
ainda, uma forte defesa pela negação dos afectos negativos personificados no Ninguém.

9
8
7
6
5
4 Positivos
3 Negativos
2
1
0

Figura 2 – Número de itens positivos e negativos emitidos a cada membro da família.

A avaliação dos afectos positivos e negativos emitidos pela Isabel face aos diferentes
elementos da família (Figura 2) permite destacar uma forte idealização da figura materna,
com todos os itens atribuídos positivos e a ausência de afectos negativos. O pai, por outro
lado, surge como a figura menos investida a nível emocional, com a atribuição de apenas um
item positivo leve “ajuda sempre os outros” também colocado na figura materna. Esta
distribuição pode remeter para uma forte dependência com a figura materna “gostava que esta
pessoa da família estivesse sempre ao pé de mim” pouco permeável ao investimento numa
relação de objecto de tipo edipiano e à autonomia emocional da Isabel. Na relação com o
irmão, com a própria Isabel e de certa forma também na relação com os avós destacam-se
sentimentos ambivalentes, com destaque para uma auto-estima insegura por parte da Isabel
“queixa-se demais” e “nunca está satisfeita” e o irmão que apresenta um maior número de
182
itens negativos que podem reenviar para a rivalidade fraterna “fico farto desta pessoa da
família”, “consegue fazer-me sentir muito irritado(a)”, ainda que também estabeleça uma
relação dependente com esta figura “gostava de poder dormir na mesma cama com esta
pessoa da família”. O Ninguém é utilizado sobretudo para a negação dos afectos negativos
não colocados nos elementos da família.

9
8
7
6
5
4 Positivos
3 Negativos
2
1
0

Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.

A partir da análise dos itens positivos e negativos sentidos como recebidos pelos
elementos da família (Figura 3) destaca-se uma idealização do pai, da avó materna e da avó
paterna pelo número elevado de afectos positivos face aos afectos negativos (no caso das avós
os afectos negativos são inexistentes). Contudo, a relação com o pai surge afectada por
sentimentos de insegurança e desprotecção “nem sempre me ajuda quando estou em apuros”.
Na relação com a mãe apesar da maior incidência dos afectos positivos de cariz dependente
“gosta de me dar beijinhos”, “gosta de me ajudar quando estou a tomar banho” e “gosta de
estar na cama comigo” vislumbram-se afectos negativos leves “ralha comigo” e “fica zangada
comigo”. Com o avô materno sobressaem os afectos negativos recebidos numa linha
autoritária “faz-me uma cara zangada” e “castiga-me muito”. A relação com o irmão é
percepcionada de forma ambivalente e quanto à própria Isabel não foram atribuídos quaisquer
itens. Na figura Ninguém são remetidas as defesas dos afectos positivos fortes e negativos
leves/fortes.
183
6

0
Emitidos Positivos
-2
Recebidos Positivos
-4
Emitidos Negativos
-6
Recebidos Negativos
-8

-10

Figura 4 – Direcção dos afectos emitidos e recebidos positivos/negativos.

Observando a direcção dos afectos emitidos e recebidos nas vertentes positiva e


negativa (Figura 4) sobressai a percepção do investimento de ambos os pais na Isabel muito
semelhante, com o mesmo número de afectos positivos e mais um item nos afectos negativos
por parte da mãe em comparação com o pai, neste plano, a percepção da relação com ambos
surge idealizada. Todavia, o factor diferencial encontra-se na percepção do próprio
investimento feito pela Isabel em relação a cada figura, sentindo que transmite mais afectos
positivos em relação aos recebidos pela mãe e menos afectos positivos em relação aos que
recebe do pai, o que pode ser explicado pela necessidade de agradar à mãe e manter uma forte
relação de dependência com esta, sentindo-se insegura na relação com o pai. Com o irmão
surge uma relação ambivalente nos afectos emitidos e recebidos, com uma maior incidência
de afectos positivos e negativos emitidos face aos recebidos, podendo associar-se à rivalidade
fraterna. Quanto à própria Isabel o número de afectos positivos e negativos emitidos é similar.
No caso dos avós, com a avó materna há uma troca equivalente de afectos positivos, emitindo
também afectos negativos que não são recebidos. Com o avô materno e avó paterna surge um
maior investimento ao nível dos afectos positivos emitidos, no entanto, no caso do primeiro
recebe mais afectos negativos em relação aos enviados e com a avó paterna apenas emite
afectos negativos. No Ninguém destacam-se os afectos negativos fortemente negados.

184
Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de dependência (superprotecção
materna e superindulgência paterna/materna).

Superprotecção Superindulgência Total de


materna Paterna Materna Dependência
Ninguém 0 0 0 0
Isabel 7 4 4 15
Pai 0 0 0 0
Mãe 1 1 0 2
Irmão 5 4 5 14
Avó Materna 0 0 0 0
Avô Materno 0 0 0 0
Avó Paterna 0 0 0 0

No que concerne às características dependentes (Tabela 2) a Isabel avalia-se como o


elemento da família mais dependente face à necessidade de superprotecção materna. Segue-se
o irmão com a diferença de menos um item no total de dependência e mais um item de
superindulgência materna. Na superindulgencia paterna os itens foram distribuídos de forma
homogénea entre a Isabel e o irmão. A mãe surge com aspectos dependentes associados à
preocupação de se magoar e como uma das pessoas em que o pai centra a sua atenção “esta é
a pessoa da família que o pai gosta mais”. É curioso assinalar que o item correspondente a
este último ligado à superindulgência materna destinou-se à Isabel e ao irmão, excluindo o pai
do foco de atenção da mãe, o que se associa a uma maior dependência dos filhos na relação
com a mãe.

Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)

Na figura do Ninguém a Isabel colocou os afectos positivos fortes e negativos


leves/fortes como forma de defesa pela negação deste tipo de características na família. Esta
defesa excessiva serve também como forma de lidar com as suas angústias internas e permitir
a idealização de alguns elementos da família como a figura materna.
Quanto à própria Isabel, observa-se uma vivência ambivalente e uma auto-estima
insegura. Surge como o elemento mais dependente das figuras parentais, nomeadamente dos
cuidados e protecção maternos.
A relação com a figura paterna é pouco valorizada por parte da Isabel
comparativamente com o investimento atribuído pelo pai, onde se incluem sentimentos de
insegurança e desprotecção na relação com esta figura.

185
Na relação com a figura materna sobressai o desejo de agradar à mãe, a procura da sua
protecção e indulgência e, ainda, uma forte idealização e dependência emocional com esta
figura, o que dificulta o processo de separação através do investimento numa relação objectal
de tipo edipiano e a consequente autonomização da Isabel. Ainda assim, a Isabel percepciona
alguns afectos negativos recebidos desta figura. A mãe é sentida como uma figura
relativamente dependente pela preocupação de se magoar, centrando apenas a sua atenção nos
filhos.
A relação com o irmão é vista de forma ambivalente com sentimentos que reenviam
para a rivalidade fraterna, mas também na linha dependente. À semelhança da Isabel o irmão
também surge como um elemento emocionalmente dependente dos pais.
Na relação com a avó materna surge uma relação equilibrada quanto aos afectos
positivos emitidos e recebidos, com a Isabel a emitir também afectos negativos que não são
recebidos por parte da avó.
Com o avô materno surge uma discrepância entre os afectos positivos emitidos e
recebidos, destacando-se os primeiros e os afectos negativos emitidos e recebidos, com
destaque para os segundos. Deste modo, esta figura é percepcionada como autoritária.
Por fim, com a avó paterna observa-se um maior investimento na relação por parte da
Isabel ao nível dos afectos positivos, mas também dos afectos negativos que não são sentidos
como recebidos a partir da avó.

As Aventuras de Pata-Negra

1ª Etapa – Frontispício

PN:
Porque tem uma pata que é preta;
Um menino;
19 Anos.

Dois porquinhos:
Irmãos;
Esquerda - Uma menina, 11 anos.
Direita - E um menino, 12 anos.

186
Porcos grandes:
Pais;
Em Cima – mãe, 11 anos.
Em Baixo – pai, 14 anos.

Quanto ao PN a Isabel atribui-lhe o sexo masculino, não correspondendo ao seu


próprio sexo, o que pode remeter para uma tendência na linha do evitamento da identificação
com o PN durante os vários registos de conflitualização. Ainda assim, atribui-lhe uma idade
significativamente superior à sua, proporcionando-lhe maturidade.
Os dois porquinhos são associados à relação de tipo fraterna, atribuindo mais idade ao
elemento do sexo masculino.
Os porcos grandes ligam-se à relação com as figuras parentais embora, se observe uma
inversão nos papéis atribuídos aos pais, com o pai a surgir como o elemento que alimenta. A
idade não se adequa face à idade dos filhos, podendo associar-se a dificuldades na
diferenciação de gerações. Contudo, mais uma vez, a figura masculina é representada de
forma mais madura que a feminina.

2ª Etapa – Os Temas

Sonho Pai
Era uma vez a mãe que foi ver o filho a dormir e tava a deitar fumo e a mãe tava
dentro do fumo.

Num cartão associado à relação com o imago paterno, a Isabel mantém a tendência da
inversão de papéis e sexos na figura paterna e materna verificada no frontispício o que aliado
ao não reconhecimento da ficção sugerida pelo balão traduz imaturidade no seu
funcionamento.

Beijo
Depois a filha e o filho foram abraçar e a… e o outro filho estava atrás do muro a vê-
los.

Num cartão que remete para a temática edipiana a diferença de gerações retratada na
imagem não é reconhecida, deslocando a relação parental e de tipo edipiano para uma relação
fraterna.
187
Mamada 1
Depois o pai estava a olhar para o filho e a pata negra estava a mamar no pai.

Num cartão que apela à relação privilegiada com a figura materna, a Isabel mantém a
inversão de papéis parentais, representando o pai como a figura com a função alimentar.

Partida
Depois a filha foi andar a correr.

Este cartão representa a angústia de separação. Contudo, a Isabel defende-se através de


um discurso restrito e não conflitual.

Hesitação
E depois a pata negra, o pai, a filha e a mãe foram beber água e esta foi passear o
outro filho que faltava (aponta para o cartão Partida).

Num cartão que remete para a escolha do objecto privilegiado a Isabel não aborda este
conflito. Reagindo ao conteúdo latente do cartão precedente a Isabel não permite a solidão e a
separação face à figura materna.

Batalha
Depois o PN, o filho e a filha estavam a brincar à guerra e os pais estavam a comer e
a olhar ao mesmo tempo.

A Isabel acede ao conteúdo latente do cartão que reenvia para a rivalidade fraterna.
Assim, ao referir-se a “brincar à guerra” defende-se da projecção de agressividade maciça na
relação fraterna tentando transmitir-lhe uma faceta lúdica.

Mamada 2
Depois o porco e o PN e o pai estava a mamar outra vez.

À semelhança do referido para o cartão Mamada 1, a Isabel mantém a inversão de


papéis parentais, percepcionando o pai como a figura que alimenta. A rivalidade fraterna
evocada pelo cartão não é abordada.

188
Sonho Mãe
Depois o pai foi ver o filho a dormir e estava dentro de uma bolha de fumo, o pai.

A inversão de papéis parentais evidencia-se nesta história face à temática do cartão


que aliada ao não reconhecimento do aspecto ficcional representado pelo balão reenvia para
imaturidade na Isabel.

Cabra
Depois passou uma cabra, estava a comer e o PN foi mamar nela.

Num cartão cujo conteúdo simbólico remete para a relação com um substituto
materno, a Isabel defende-se através de um discurso restrito e assente no conteúdo manifesto
do cartão.

Como terminam as aventuras?


Não sei.
(?) Vão ficar todos felizes e vão brincar juntos.

Após a recusa inicial e o incentivo da investigadora a Isabel defende-se novamente,


recorrendo à idealização.

Acrescentou:

Buraco
Era uma vez estava de noite e o PN caiu para a água e depois começou a gritar para
os pais e os pais não ouviram.

Num contexto depressivo marcado pela sensibilidade ao tom preto do cartão pela
referência à “noite” a vivência de perigo acentua-se através da desprotecção parental.

Ganso
Depois a filha estava a correr e depois acho que é uma gaivota puxou o rabo e ela
começou a chorar e o outro filho estava a olhar a sair detrás do muro.

A inter-relação agressiva é reconhecida pela Isabel.


189
Noite
Tava de noite e depois o pai e a mãe estavam a comer e os filhos estavam a comer
deste lado, estava um portão e os filhos estavam deste lado. O PN ou outro porco estava
deste lado e a irmã ou outro porco estavam a dormir. O pai e a mãe estavam a comer e ele
está a ver (o PN).

A problemática associada à curiosidade sexual e fantasmas da cena primitiva é


substituída pela temática oral.

Bebedouro
Depois a mãe e o pai estavam a dormir e o PN estava ao pé deles e depois foi a correr
ao pé dos irmãos para comer e depois aleijou-se na pata negra, na comida dos pais.

A expressão de agressividade no contexto da relação com as figuras parentais é


evitada através do escotoma da urina. Neste sentido, a agressividade surge voltada contra si,
numa possível alusão à culpabilização.

Ninhada
Depois os senhores tavam a dar comida ao porco, o senhor estava sentado a fazer e o
outro estava a dar. Depois os filhos estavam a ver e descobriram que o pai teve mais três
filhos bebés.

A inversão dos papéis e sexos parentais acentua-se nesta história pela representação de
uma figura paterna que alimenta e, simultaneamente, que concebe filhos através do
nascimento. A rivalidade fraterna não é abordada.

Pequena Escada
Depois eles ficaram felizes e a mãe, o PN foi para cima da mãe e foi para cima da
árvore e depois ficaram todos felizes.

A figura materna é a figura parental escolhida para desempenhar a função de holding.


A repetição da palavra “felizes” remete para a defesa pela idealização da relação mãe-filho.

190
3ª Etapa – Preferências-identificações

 Cartões de que gosta (A)

Cabra
A1) Porque é giro.
(?) Porque a cabra estava a comer e o porco pensou que era a mãe ou o pai. A cabra.

Refere-se à relação com um substituto materno, ainda que faça referência à indefinição
ao nível dos papéis parentais.

Sonho Pai
A2) Porque ele, o filho estava a dormir e depois o pai dentro de uma bola de sabão. A
mãe, que esta é a mãe. Parecia que era o pai mas era a mãe, o pai tem estas coisas (aponta
para o cartão Sonho Mãe, para as tetas). O PN.

A negação da percepção da figura paterna dá lugar à inversão de papéis parentais, com


o pai a surgir na posição de figura que alimenta.

Sonho Mãe
A3) Porque o pai tem uma bola na barriga e está dentro de uma bolha. O PN.

Assiste-se à inversão de papéis parentais, onde a figura paterna adquire a função de


alimentar.

Mamada 2
A4) Porque estão a brincar todos com o pai. A irmã (está a olhar mais perto do meio).

Além da inversão de papéis parentais onde o pai figura na imagem em alternativa à


mãe, o tema oral não é abordado, sendo substituído por uma situação lúdica.

Mamada 1
A5) Porque a PN está a mamar no pai. O pai.

191
Destaca-se a inversão de papéis parentais, com o pai a ocupar o lugar materno de
propiciar alimentação ao filho.

Partida
A6) Porque é uma floresta e a irmã foi passear. A irmã.

O carácter solitário da imagem é abordado contudo, a conflitualização não se encontra


presente na frase acima transcrita.

Pequena Escada
A7) Porque é a mãe a pegar no filho. O PN.

A relação com uma figura parental num contexto de holding é associado à figura
materna.

Hesitação
A8) Porque são, é o PN está a comer, a irmã tinha chegado e estava a beber água e o
irmão estava a mamar no pai. A mãe.

A inversão dos papéis parentais sobressai, com o pai a desempenhar o papel de


alimentar o filho. A resposta não traduz uma escolha de objecto privilegiado uma vez que
coloca o PN a desempenhar uma função diferente das figuras parentais.

Beijo
A9) Porque o PN e o irmão estão a dar um abraço e a irmã estava a ver atrás do
muro. A irmã.

A referência ao contexto edipiano e de diferença de gerações não é reconhecida,


fazendo ligação ao contexto fraterno.

Noite
A10) Porque é a mãe e o filho, a mãe e o pai estão a comer, o filho a olhar e a irmã e
o outro estão a dormir. A irmã.

192
Descreve um contexto oral num cartão que apela para a curiosidade sexual e fantasmas
da cena primitiva.

Ganso
A11) Porque é uma gaivota a puxar o rabo da irmã e ela está a chorar e o irmão está
a ver. A irmã.

Observa-se o acesso ao conteúdo latente do cartão que remete para uma inter-relação
de tipo agressivo.

Ninhada
A12) Porque é o pai com filhotes bebés. A irmã.

A temática do nascimento é associada à relação com o paterno, através da inversão de


papéis parentais.

Bebedouro
A13) Porque os pais estão a dormir e o PN foi para a cama dos irmãos. O PN.

O conteúdo latente do cartão relativo à agressividade face às figuras parentais não é


reconhecido, escotomizando e evitando presença da urina sobre o bebedouro.

Buraco
A14) O PN caiu na água e depois gritou mãe e o pai e os irmãos. O PN.

A temática da solidão num contexto de perigo é reconhecida, apelando ao apoio das


figuras parentais e fraternas.

Carroça
A15) Porque tão a levar os porcos para a carroça para levarem-nos e o PN está a
dormir.
(?) Uns não sei quem são que já foram buscar outros. A irmã (é a primeira que está a
olhar para a carroça).

193
O conteúdo manifesto do cartão é claramente reconhecido contudo, recusa-se a
identificar os porcos colocados na carroça, evitando a projecção de agressividade e de
separação nas relações familiares.

 Cartões de que não gosta (nA)

Brincadeiras Sujas
nA1) Porque eles andam a atirar tinta uns para os outros.
Tarem limpos. A irmã (a que está a atirar lama).

Ainda que o aspecto agressivo do cartão seja reconhecido pela Isabel, na sua resposta
não figura uma imagem parental alvo dessa agressividade defendendo-se, assim, deste tipo de
projecção. No final opta pela formação reactiva, ainda que se identifique com a personagem
que atira a lama.

Batalha
nA2) Porque eles, os filhos estão à guerra.
Que eles fossem brincar à apanhada, ou às escondidas, ou às corridas, a qualquer
coisa sem ser brincar à luta. A irmã, porque ela é a única que não está a fazer, está a fugir da
confusão.

Verifica-se o reconhecimento do conteúdo latente do cartão que reenvia para a


rivalidade fraterna. Esta rivalidade é alvo de defesa procurando recalcar este tipo de pulsão
através dos jogos lúdicos e identificando-se ao porco que foge do contacto agressivo.

4ª Etapa – Questões Dirigidas

Gaivota – menino.

Bebedouro
Não.

Beijo
A darem beijinhos.

194
5ª Etapa – Questões de Síntese

1) Quem é o mais feliz? Porquê?


Todos.
(?) O PN. Porque ele está sempre a comer e gosta de brincar.

Quem é o menos feliz? Porquê?


Ninguém.
(?) O pai. Porque está a olhar para os filhos.

2) Quem é o mais simpático? Porquê?


A mãe. Porque é ela que dá os comeres.

Quem é o menos simpático? Porquê?


O irmão. Porque ele só brinca às corridas sozinho.

3) Quem é que gostarias de ser?


A irmã.

4) O que achas que vai acontecer ao PN?


Que vai comer as ervas, vai brincar com os amigos da escola.

5) O que é que o PN pensa da sua pata-negra?


Que lhe vai acontecer alguma coisa.
(?) Que vai ter que ir ao médico.

6) Cartão Fada:
Desejo 1: Foi curar a pata.
Desejo 2: Não pensar que vai ter que ir ao médico.
Desejo 3: O outro é tar sempre feliz e brincar com os amigos.

195
Síntese da Análise da Prova

Preferências-identificações
Os Temas Preferências Identificações
Cartões Aceite (A)/Não Agradável Assumida Total
Aceite (nA) (A)/Não (A)/Não
Agradável (nA) Assumida (nA)
Bebedouro nA A A 2A
Beijo A A nA 2A
Batalha A nA nA 1A
Carroça nA A nA 1A
Cabra A A nA 2A
Partida A A nA 2A
Hesitação A A nA 2A
Ganso nA A nA 1A
Brincadeiras nA nA nA 3nA
Sujas
Noite nA A nA 1A
Ninhada nA A nA 1A
Sonho Mãe A A A 3A
Sonho Pai A A A 3A
Mamada 1 A A nA 2A
Mamada 2 A A nA 2A
Buraco nA A A 2A
Pequena nA A A 2A
Escada

A Isabel colaborou ao longo da aplicação da prova Pata Negra, mantendo um


comportamento estável, controlado e concentrado ao longo da prova, com excepção da 5ª
Etapa – Questões de Síntese, na qual revelou um comportamento mais agitado, possivelmente
devido ao cansaço acumulado ao longo da passagem desta prova, visto ter investido nas
etapas anteriores narrando a maioria das histórias dos cartões.

196
Na tabela relativa aos temas francos e camuflados verificam-se dificuldades mais
acentuadas na elaboração das temáticas relativas à agressividade (Batalha, Carroça, Ganso,
Brincadeiras Sujas, Ninhada) culpabilidade (Batalha, Brincadeiras Sujas e Ninhada) e no
acesso ao conflito edipiano (Ninhada, Noite, Ganso).
Ao longo do protocolo sobressai a presença de imaturidade funcional na Isabel,
verificando-se dificuldades na diferenciação sexual através da inversão de sexos na
identificação com o PN e nos papéis parentais (pai que alimenta. Na 5ª Etapa verifica-se uma
evolução com a atribuição da função alimentar à figura materna), assim como, na
diferenciação de gerações, não distinguindo hierarquicamente diferenças entre a idade dos
pais e dos filhos na família. Ainda assim, as figuras masculinas são representadas de forma
mais madura que as femininas. A temática edipiana simbolizada no cartão Beijo é deslocada
para a relação fraterna e a curiosidade sexual vinculada no cartão Noite é substituída pela
temática oral. A Isabel parece encontrar-se ao nível da relação dual com a figura materna, não
permitindo a separação emocional desta figura. Estas tendências traduzem o não
estabelecimento do projecto identificatório e, assim, a não elaboração do conflito edipiano.
A vivência depressiva manifesta-se através do sentimento de desprotecção parental
(cartão Buraco), de carência oral (“Quem é o mais feliz? (…) O PN. Porque ele está sempre a
comer”) e inibição da agressividade face às figuras parentais e fraternas, resultando no
sentimento de culpabilização pela introjecção da agressividade. A representação da pata negra
doente pode simbolizar a culpabilização.
Os principais mecanismos de defesa utilizados são o deslocamento, idealização,
formação reactiva, negação, evitamento e recusa dos conflitos.
A relação com o imago materno é idealizada, representando a figura que desempenha
a função de holding.
A relação com o imago paterno é associada à função de alimentar e ao nascimento,
realizando uma inversão dos papéis parentais.
A relação fraterna associa-se à presença de rivalidade ainda, que por vezes, seja
evitada.

197
Anexo N: Teste de Relações Familiares, Versão Casais – Pais do Tomé e Isabel

Mãe

Tabela 1 – Número de itens emitidos e recebidos positivos/negativos (leves/fortes) atribuídos


aos membros da família.

Emitidos Emitidos Recebidos Recebidos Total de


Positivos Negativos Positivos Negativos Envolvimento
Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes
Ninguém 0 1 2 6 0 1 0 5 15
Mãe 5 0 0 0 0 0 0 0 5
Pai 4 6 3 1 3 3 4 0 24
Tomé 6 7 0 0 2 6 0 0 21
Isabel 5 7 0 1 2 6 0 0 21
Avô 6 5 0 0 2 3 0 0 16
Materno
Avó 9 6 0 0 8 6 1 0 30
Materna
Tio Materno 6 1 3 0 2 2 2 0 16
Tia Materna 5 0 0 0 0 0 0 0 5
Tio Paterno 5 0 2 0 0 0 0 0 7
Tia Paterna 5 0 1 0 1 0 3 1 11
Avó Paterna 4 0 2 0 0 0 0 2 8

A mãe do Tomé e da Isabel colaborou durante a realização da prova. Todavia,


observou-se um olhar triste e verbalizou alguns comentários verbais como “neste momento
sinto-me tímida e isolada no meu mundo, que não sei bem quem aprecia a minha companhia”
expressado no momento em que reflectia a colocação do cartão “Esta pessoa da família
aprecia a minha companhia”. Teve alguma dificuldade em seleccionar as pessoas mais
importantes e presentes da família alargada, tendo optado por incluir um total de sete pessoas
nesta categoria: avô materno, avó materna, tio materno, tia materna, tio paterno, tia paterna,
avó paterna. Na família nuclear incluem-se a própria mãe, o pai, o Tomé e a Isabel.
Na análise da Tabela 1 sobressai um forte envolvimento com a avó materna do Tomé e
da Isabel com afectos maioritariamente positivos de ternura e erotizados. Segue-se o pai, o

198
Tomé e a Isabel com a maioria de afectos numa linha erotizada associados aos filhos. Em
seguida surgem os restantes elementos da família situando-se na última posição a própria mãe
e a tia materna, registando apenas afectos positivos de tipo leve. No Ninguém são colocados
os afectos positivos fortes e negativos rejeitados e negados.

30

25

20

15

10

Figura 1 – Número total de itens associados a cada membro da família.

Atendendo à leitura da Figura 1 destaca-se uma relação muito forte da mãe com a avó
materna do Tomé e da Isabel, o que pode remeter para uma fraca autonomização em relação a
esta figura. Apenas a seguir surge a relação com o pai e os filhos, Tomé e Isabel, seguindo-se
a relação com o avô materno e o tio materno (irmão da mãe). Entre as figuras da família com
as quais não estabelece laços biológicos surge a tia paterna numa posição mais destacada, em
parte, devido à ambivalência no número de afectos positivos e negativos atribuídos, seguindo-
se a avó paterna, o tio paterno (irmão do pai) e, por fim, a tia materna com o mesmo nível de
envolvimento registado na própria mãe. A utilização da figura do Ninguém permite a defesa
de afectos positivos fortes e negativos rejeitados da colocação nos membros da família.

199
16

14

12

10

8
Positivos
6
Negativos
4

Figura 2 – Número de itens positivos e negativos emitidos a cada membro da família.

A avaliação dos afectos positivos e negativos emitidos pela mãe (Figura 2) permite
destacar um forte envolvimento emocional com a avó materna, parecendo ainda dependente e
pouco autonomizada do espaço relacional com a sua figura materna e da própria família de
origem. Deste modo, a relação com os membros da família nuclear, com os avós maternos, tia
materna e a sua auto-estima surgem de forma idealizada, inibindo a expressão de
agressividade dirigida a estas figuras (utilizando o Ninguém). Destes, apenas o pai e a Isabel
contêm afectos negativos. “Irrita-se muito depressa”, “tem mau feitio”, “não tem muita
paciência” (afectos de rejeição) e “consegue fazer-me sentir muito irritado(a)” (afectos
agressivos) no caso do pai, sendo curioso observar a exclusão desta figura na colocação do
item “gosto de estar sozinho(a) com esta pessoa da família” atribuindo-o ao Tomé, Isabel e à
avó materna, o que pode dar conta de dificuldades na relação de casal e das características
dependentes da mãe face às figuras em questão. No caso da Isabel surge “dá-me a volta ao
juízo” (afectos agressivos), o que pode remeter para uma maior irritabilidade da mãe face às
condutas da filha. A relação com o tio materno é composta por afectos positivos e negativos
como “desmancha-prazeres”, “resmunga demasiado” e “não tem muita paciência”, numa
possível alusão à rivalidade fraterna. Na relação com as três últimas figuras, tio paterno, tia
paterna e avó paterna prevalecem os afectos positivos face aos negativos, observando-se uma
relação ambivalente com a avó paterna.

200
14

12

10

6 Positivos
Negativos
4

Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.

A observação da Figura 3 permite destacar uma vez mais, um forte envolvimento


emocional da mãe com a avó materna, desta feita com um afecto negativo percepcionado
como recebido “fica zangada comigo” (durante a colocação deste item ao pai e à avó materna
comenta “por coisas que eu digo”) colocando-se numa posição inferiorizada e culpabilizada
face à própria mãe. Contudo a relação com esta figura, assim como com o Tomé, Isabel e avô
materno volta a ser sentida de forma idealizada, negando os afectos negativos colocados na
figura Ninguém. A relação com o pai e com o tio materno apresenta-se ambivalente. Os itens
“nem sempre faz o que eu gostaria que fizesse”, “nem sempre me ajuda quando preciso”,
“resmunga comigo” e “fica zangado comigo” associam-se à relação com o pai, podendo dar
conta de dificuldades em lidar com os problemas da relação conjugal, sentimentos de
insegurança, inferioridade e culpabilidade e “gosta de gozar comigo”, “nem sempre me ajuda
quando preciso” surgem ligados ao tio materno, podendo remeter também para sentimentos de
insegurança e desvalorização na relação com esta figura. Com a tia paterna e avó paterna
destacam-se os afectos negativos recebidos “diz coisas só para magoar os meus sentimentos”
no caso da primeira e “não precisa do meu amor” e “não gosta de mim” no caso da avó
paterna, parecendo sentir-se pouco aceite e valorizada na relação com estas figuras. Quanto à
própria mãe, tia materna e tio paterno não se registam quaisquer afectos recebidos, surgindo
uma indefinição dos afectos esperados por parte destas pessoas.

201
15

10

5
Emitidos Positivos

0 Recebidos Positivos
Emitidos Negativos

-5 Recebidos Negativos

-10

Figura 4 – Direcção dos afectos emitidos e recebidos positivos/negativos.

Atendendo à análise da direcção dos afectos positivos/negativos emitidos e recebidos


(Figura 4) sobressai a percepção de um maior investimento positivo da mãe face aos membros
da família comparativamente com o investimento positivo recebido, que pode associar-se ao
desejo de agradar os outros, mas também ao sentimento de inferioridade e insegurança nestas
relações. Ainda assim, a relação com a avó materna além de se constituir como a mais
significativa do ponto de vista do envolvimento total, é também a relação melhor
correspondida ao nível dos afectos positivos, registando apenas um afecto negativo (recebido)
devido à culpabilização da mãe. Os afectos negativos com o pai surgem equivalentes e com a
filha Isabel e o tio materno aparecem em número reduzido ainda que com superioridade dos
emitidos. Na relação com as figuras com as quais não estabelece laços biológicos: tia materna,
tio paterno, tia paterna e avó paterna, intensifica-se o sentimento de desvalorização,
insegurança e falta de correspondência afectiva positiva, surgindo um aumento de afectos
negativos recebidos por parte da tia paterna e um número recíproco de itens negativos com a
avó paterna. A auto-estima da mãe parece idealizada e na figura do Ninguém são descartados
os itens maioritariamente de cariz negativo, bloqueando a expressão agressiva nos elementos
da família.

202
Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de protecção e atribuição de
incompetência ou fraqueza.

Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 0 0
Mãe 2 2
Pai 4 2
Tomé 3 0
Isabel 3 0
Avô Materno 4 0
Avó Materna 3 0
Tio Materno 2 0
Tia Materna 1 0
Tio Paterno 1 0
Tia Paterna 1 2
Avó Paterna 1 0

A análise dos sentimentos de protecção e atribuição de incompetência ou fraqueza pela


mãe (Tabela 2) traduz a percepção de características mais dependentes no pai e no avô
materno, manifestando o desejo de os proteger (pode associar-se a uma desvalorização destas
figuras masculinas). Seguem-se o Tomé, a Isabel e a avó materna com três afectos deste tipo e
a própria mãe e o tio materno com dois afectos cada. Por último, surgem os elementos da
família com os quais a mãe não tem ligações biológicas (tia materna, tio paterno, tia paterna e
avó paterna). Nos afectos de incompetência ou fraqueza surgem apenas as figuras da mãe
“não tem uma personalidade suficientemente forte”, “não consegue lidar suficientemente bem
com dificuldades” também associado à tia paterna, tal como “não consegue enfrentar
suficientemente bem as outras pessoas”, revelando sentimentos de insegurança e
culpabilização e, ainda, o pai “deveria ajudar mais em casa” e “deveria desempenhar um
papel mais importante na vida da família”, reenviando para dificuldades na gestão da relação
de casal, sentindo-se pouco apoiada e o pai demitido das suas funções conjugais/parentais.

Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)

A mãe utiliza a figura do Ninguém para a negação dos afectos positivos fortes e
sobretudo dos afectos negativos inibindo, assim, a projecção de agressividade nos elementos
da família.
A auto-estima da mãe surge de forma predominantemente idealizada, mas também
com afectos depressivos na linha da insegurança, inferioridade e culpabilização na relação
203
com os outros. Sentindo-se desvalorizada e insegura em especial com os elementos exteriores
à família biológica. Parece ainda muito dependente e pouco autonomizada do espaço
relacional com a sua figura materna e da própria família de origem.
Com o pai verifica-se um forte envolvimento emocional (não superior ao mantido com
a avó materna) sustentado por uma percepção idealizada da relação quanto aos afectos
emitidos e ambivalente no plano dos afectos recebidos. Assim, sobressaem as dificuldades na
relação de casal associadas ao sentimento de carência de apoio, compreensão e pouco
envolvimento nas funções conjugais/parentais do pai, mas também a interferência de
sentimentos de insegurança e culpabilidade por parte da mãe. O pai é ainda caracterizado de
forma dependente da protecção da mãe, podendo associar-se a uma percepção desvalorizada
desta figura.
A relação com o Tomé é percepcionada essencialmente de forma muito próxima,
dependente e idealizada, procurando a sua protecção e cuidado.
A relação com a Isabel obteve um nível de envolvimento elevado, caracterizando-se
como dependente e idealizada, ainda que desperte afectos agressivos na mãe, sentindo-se
irritada face a determinadas condutas da filha (o que pode constituir-se como um sintoma
depressivo na mãe).
Com o avô materno a mãe projecta uma relação idealizada e pouco autonónoma,
associando-lhe características dependentes dos cuidados da mãe, podendo representar uma
forma de desvalorização desta figura.
Na relação com a avó materna observa-se uma relação excessivamente próxima,
dependente e idealizada, ainda que seja também a mais satisfatoriamente correspondida.
A relação com o tio materno é marcada por sentimentos ambivalentes relacionados
com a rivalidade fraterna, assim como pela carência de apoio e desvalorização por parte desta
figura face à mãe.
A relação com a tia materna, ainda que investida de forma positiva pela mãe é sentida
como desvalorizada pela indefinição e falta de correspondência ao nível dos afectos recebidos
por parte desta figura.
Com o tio paterno assiste-se à projecção de uma relação pouco investida e valorizada
pela indefinição e ausência de correspondência ao nível dos afectos recebidos por parte desta
figura.
No que se refere à tia paterna a relação é vista igualmente de forma pouco investida e
valorizada, contudo a mãe sente-se mal-aceite por esta figura, atribuindo-lhe sentimentos de
incompetência e fraqueza.

204
Por fim, na relação com a avó paterna são emitidos afectos ambivalentes, recebendo
apenas afectos agressivos desta figura, sentindo-se desvalorizada e não-aceite.

Pai

Tabela 1 – Número de itens emitidos e recebidos positivos/negativos (leves/fortes) atribuídos


aos membros da família.

Emitidos Emitidos Recebidos Recebidos Total de


Positivos Negativos Positivos Negativos Envolvimento
Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes
Ninguém 0 0 4 8 0 1 4 8 25
Pai 2 2 0 0 0 0 0 0 4
Mãe 3 8 0 0 4 2 3 0 20
Tomé 3 8 0 0 6 5 0 0 22
Isabel 3 8 0 0 5 6 0 0 22
Avó Paterna 8 8 5 0 6 3 4 0 34
Tio Paterno 5 8 1 0 4 2 1 0 21

Tia Paterna 3 8 0 0 4 2 0 0 17
Primo 3 8 0 0 4 3 0 0 18
Gémeo
Primo 3 8 0 0 4 3 0 0 18
Gémeo

O pai do Tomé e da Isabel colaborou durante a passagem da prova TRF realizando


poucos comentários verbais. Opta por incluir na prova os seguintes elementos da família: o
próprio pai, a mãe, Tomé, Isabel, avó paterna, tio paterno, tia paterna e primos gémeos (filhos
dos tios paternos). Estes dois últimos elementos são referidos sem qualquer tipo de distinção
entre eles visto que obtiveram exactamente os mesmos afectos (ainda que ao primeiro dar-se-á
o nome de Mário e ao segundo Diogo). Ao escolher as figuras onde são colocados os itens é
curioso observar que o pai atribuiu uma figura com fisionomia de jovem-adulto ao Tomé.
Na Tabela 1 figuram os itens atribuídos a cada membro da família. Sobressai um
elevado mecanismo defensivo através da utilização do Ninguém para a colocação dos afectos
de cariz agressivo, bloqueando a expressão deste tipo de pulsão. No total de envolvimento
destacam-se as figuras da avó paterna (é também o elemento que contém mais afectos de

205
rejeição), do Tomé e da Isabel (apenas com afectos positivos, obtendo o maior número de
afectos erotizados entre os vários elementos, sobressaindo a Isabel), tio paterno e só depois
surge a mãe (ambos com afectos de rejeição à semelhança da avó paterna).

35

30

25

20

15

10

Figura 1 – Número total de itens associados a cada membro da família.

Ao analisar o total de envolvimento do pai com cada elemento da família (Figura 1)


destaca-se a avó paterna, seguindo-se os filhos Tomé e Isabel com o mesmo número de
afectos positivos, o tio paterno, a mãe, os primos gémeos com os mesmos itens, a tia paterna
e, por último, o pai. Este tipo de configuração permite-nos observar uma forte ligação com a
família de origem, nomeadamente com a própria mãe (avó paterna), parecendo continuar a
desempenhar um papel importante na vida afectiva do pai, podendo remeter para dificuldades
no processo de autonomização desta figura. O menor envolvimento afectivo com a mãe pode
associar-se a este último facto, mas também a conflitos na relação de casal atenuados com a
utilização do Ninguém para a colocação dos afectos recusados e negados bloqueando, assim, a
expressão agressiva dirigida aos outros.

206
16

14

12

10

8
Positivos
6
Negativos
4

Figura 2 – Número de itens positivos e negativos emitidos a cada membro da família.

A leitura da Figura 2 permite apurar, desde logo, uma forte defesa na ordem da
idealização de todos os elementos da família, incluindo na auto-estima do pai “estou
disposto(a) a fazer tudo por esta pessoa da família” e “estou muito orgulhoso(a) desta pessoa
da família” (afectos positivos fortes). Assim, na figura do Ninguém são colocados os afectos
de cariz negativo negados e recusados, inibindo a expressão da agressividade. As figuras com
as quais estabelece um maior envolvimento afectivo do ponto de vista dos afectos emitidos, a
avó paterna e o tio paterno são também as únicas às quais são emitidos afectos negativos de
rejeição. No caso da avó paterna são “é chata”, “irrita-se muito depressa”, “resmunga
demasiado”, “não tem muita paciência” e “fica zangada demais” percepcionando-a de forma
austera/rígida e autoritária, sendo que os únicos afectos positivos não associados a esta figura
são “é muito alegre” e “é muito divertida”. O único afecto negativo emitido ao tio paterno é
“por vezes tem mau feitio”.

207
12

10

6
Positivos
4 Negativos

Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.

A análise dos afectos sentidos como recebidos (Figura 3) permite destacar um forte
mecanismo defensivo na linha da idealização de todas as figuras da família, excepto o próprio
pai (não obteve itens), a mãe e a avó paterna. Com a mãe sente uma relação ambivalente,
registando-se a presença de afectos negativos como “fica ressentida comigo”, “resmunga
comigo” e “fica zangada comigo” parecendo transmitir a ideia de uma pessoa pouco tolerante
e com irritabilidade emocional. A mãe situa-se entre os três elementos (tio paterno e tia
paterna) dos quais o pai recebe menos afectos erotizados, o que pode associar-se à percepção
de uma relação pouco erotizada e afectuosa por parte da mãe. Por outro lado, dos filhos Tomé
e Isabel sente que recebe mais afectos positivos fortes, nomeadamente da filha onde se
destaca o item referente a “gosta de me beijar” apenas atribuído a esta, podendo traduzir um
contacto sedutor com o pai por parte da Isabel. Com a avó paterna apesar de sentir que “quer
mesmo o meu amor”, “é muito carinhosa comigo” e “ama-me muito” (afectos erotizados que
traduzem uma forte dependência emocional ao materno) percepciona-a como uma pessoa
“ressentida”, “nem sempre faz o que eu gostaria que fizesse”, “resmunga” e “fica zangada”,
ligando-a a uma figura austera e punitiva. O tio paterno registou um afecto negativo
“resmunga comigo”. Na personagem Ninguém são remetidos, uma vez mais, os afectos
negados, inibindo a projecção de agressividade nos elementos da família.

208
20

15

10

5
Emitidos Positivos
0 Recebidos Positivos
Emitidos Negativos
-5
Recebidos Negativos
-10

-15

Figura 4 – Direcção dos afectos emitidos e recebidos positivos/negativos.

Avaliando a direcção dos afectos emitidos e recebidos (Figura 4) observa-se o


sentimento de correspondência apenas na relação com os filhos, Tomé e Isabel. Com o resto
dos elementos da família sente que emite mais afectos positivos do que aqueles que recebe,
podendo sentir-se pouco valorizado. Esta diferença acentua-se na relação com a avó paterna e
com o tio paterno, sendo as figuras com as quais mantém maior envolvimento emocional e,
portanto, maior ligação à família de origem comparativamente com a nuclear, o que pode
reenviar para um fraco processo de autonomização destes elementos, sobretudo da avó
paterna. Por outro lado, no âmbito dos afectos negativos emitidos/recebidos verifica-se uma
correspondência com estes dois elementos (avó e tio paterno), contudo, com a mãe apenas
recebe afectos negativos. No Ninguém destacam-se as defesas ao nível dos afectos negativos
rejeitados.

209
Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de protecção e atribuição de
incompetência ou fraqueza.

Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 0 5
Pai 1 0
Mãe 2 0
Tomé 1 0
Isabel 1 0
Avó Paterna 3 0
Tio Paterno 0 0
Tia Paterna 0 0
Primo 0 0
Gémeo
Primo 0 0
Gémeo

Atendendo à Tabela 2 observa-se uma forte defesa na atribuição de afectos de


incompetência ou fraqueza aos elementos da família, defendendo-se através da utilização da
figura Ninguém. Assim, revela, uma vez mais, um elevado grau de neuroticismo, com forte
bloqueio da agressividade. Na atribuição de sentimentos de protecção surgem a avó paterna, a
mãe, o pai, o Tomé e a Isabel, respectivamente, com os três últimos elementos a apresentar
um menor desejo de protecção. Encontra-se uma vez mais patente a forte ligação afectiva que
mantém com a avó paterna.

Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)

A figura Ninguém é utilizada para rejeitar e negar sobretudo os afectos negativos ou


que transmitam afectos de incompetência ou fraqueza face aos membros da família. Assim,
apresenta um elevado grau de neuroticismo, com forte bloqueio da agressividade.
A auto-estima do pai surge de forma defensiva, através do recurso à idealização.
Na relação com a mãe destaca-se uma vivência pouco valorizada por parte do pai,
idealizando os afectos positivos emitidos e sentindo os afectos recebidos como ambivalentes.
Esta percepção permite antever conflitos na relação de casal, sentindo a mãe como uma
pessoa pouco tolerante e com irritabilidade emocional, transmitindo pouco afecto e erotização
à relação. Exprime o desejo de a proteger.
Com o Tomé a relação é percepcionada de forma idealizada, ainda que correspondida.

210
A relação com a filha Isabel é idealizada e correspondida. Sente que a filha estabelece
um contacto fácil e sedutor com o pai.
Com a avó paterna assiste-se à projecção de um forte envolvimento que pode traduzir
uma dependência emocional elevada face a esta figura e dificuldades no precesso de
autonomização do espaço materno. Expressa, assim, o desejo elevado de proteger esta figura.
A avó paterna é, ainda, percepcionada de forma austera e autoritária.
A relação com o tio paterno apresenta um elevado grau de envolvimento afectivo,
dependendo ainda muito desta figura a nível emocional, ainda que emita e receba afectos
negativos. O pai parece sentir-se desvalorizado emitindo mais afectos positivos do que
aqueles que recebe do tio paterno (irmão do pai).
A relação com a tia paterna apresenta-se pouco significativa face à relação que
mantém com os restantes elementos da família. Contudo, surge de forma idealizada e pouco
correspondida quanto ao maior número de afectos positivos emitidos pelo pai.
Com os primos gémeos a relação é idealizada e pouco correspondida, assinalando-se
um maior número de afectos positivos emitidos pelo pai.

211
Anexo O: Estudo de Caso 3 – João (9 anos e 6 meses)

O João encontra-se com nove anos e seis meses e frequenta o 4º Ano do 1º Ciclo do
Ensino Básico. Trata-se de uma criança com idade aparente coincidente com a idade real.
Apresenta um aspecto cuidado e investido, vestindo-se de acordo com o género e idade.
Utiliza óculos. O João pareceu-me uma criança frágil, ansiosa, insegura, perfeccionista,
hipermatura com um olhar triste, evitando, por vezes, manter contacto ocular. No entanto,
estabelece um bom contacto com a observadora, verbalizando com fluência e espontaneidade,
ainda que sobressaia a necessidade marcada de preencher o espaço, o vazio sentido no
silêncio e nas folhas de desenho. Utiliza um vocabulário muito rico, denotando um bom nível
cognitivo. Durante a realização das provas faz diversos comentários verbais com cariz de
auto-desvalorização “está um bocado mal pintado”, indecisão ou que expressam a necessidade
de apoio por parte da observadora, queixando-se de dores num braço enquanto preenchia o
Desenho de Família. Manifestou também a carência de apoio e atenção por parte dos pais “o
meu pai está sempre a trabalhar, quase só chega a casa à hora do jantar (…) a minha mãe
trabalha muito em casa, a minha mãe está sempre no computador, faz reuniões no Skype e não
podemos incomodar” e, ainda, rivalidade fraterna “o meu quarto é mais pequeno que o quarto
da minha irmã”. Durante a passagem das provas revelou, também, alguma confusão e
lentificação do pensamento.
Com o evoluir das sessões apresentou um comportamento mais agitado, pouco
controlado e disperso, revelando-se, por vezes, cansado. No entanto, manteve-se atento nas
provas propostas e no que lhe era dito, respondendo adequadamente.
Durante a entrevista com os pais o João que se encontrava sozinho numa sala ao lado,
sentiu a necessidade de bater à porta e entrar, podendo remeter para ansiedade de separação.
Os pais demonstraram-se pouco receptivos a este comportamento do filho, revirando os olhos
e pedindo-lhe que continuasse os desenhos (principalmente a mãe), pelo que o João aceitou
sair da sala de entrevista.
Contra-transferencialmente senti uma angústia muito forte no João. Senti-o muito
triste e em desassossego permanente.
A pedido da professora da escola o João foi encaminhado pelo médico de família do
Centro de Saúde de referência à Unidade de Pedopsiquiatria com queixas de hiperactividade,
défice de atenção, dificuldades escolares e baixa auto-estima. É acompanhado em consultas
terapêuticas de psicologia de frequência quinzenal há cerca de oito meses, beneficiando,
ainda, de intervenção familiar com os pais em consultas de pedopsiquiatria.
Aproximadamente quinze dias antes do início da recolha dos dados para a presente
212
investigação foi medicado com Concerta 18mg Comprimidos, parando a medicação cerca de
dois meses e meio depois (no início do Verão).
O João vive com a irmã de cinco anos e com os pais, ambos fisioterapeutas e com
Mestrado na área (a mãe encontra-se a fazer o Doutoramento e trabalha num hospital
pediátrico. O pai é professor universitário). A relação do João com os pais é descrita pela mãe
como “boa, apesar de nunca ter gostado de contacto físico, não é uma criança que peça
mimos”. Quanto à relação do João com a irmã a mãe assinala que “quando eu estava grávida
ele não se interessava muito pela bebé, não a queria em casa. Mas assim que ela nasceu
adorou-a” e acrescenta que o João revela-se “muito protector, muito responsável e integra-a
na escola”. No que designa a relação do João com outros adultos os pais reconhecem como
sendo sempre muito boa, porém, com outras crianças, apesar de ter amigos preferenciais não
convida ninguém da escola para a festa de anos, apenas os filhos dos amigos dos pais e os
avós. Foi diagnosticada depressão à tia paterna do João, enquanto na família alargada da mãe
desconhecem-se casos de patologia psiquiátrica. Aparentemente a mãe tem dislexia, segundo
a própria.
A mãe do João encontra-se fisicamente investida e cuidada, com vestuário adequado à
sua faixa etária e género. Concordou participar no estudo contudo, pediu para ter acesso aos
resultados no final da investigação. Inicialmente, ao ler o consentimento informado mostrou-
se reactiva à investigação quanto à temática do diagnóstico do filho, criticando o facto de
considerar que o problema do filho não corresponde a qualquer um dos sintomas descritos na
folha, parecendo irritada e desconfiada com esse facto. Eu pergunto-lhe quais são então os
sintomas que o filho apresenta. A mãe indica-me que o filho tem “dificuldade em concentrar-
se numa tarefa, em concluir uma tarefa. Tem falta de motivação também”. Eu explico-lhe que
esse tipo de sintomas enquadram-se no pretendido para o estudo e a mãe continua a insistir
que não é o que eu tenho escrito no consentimento informado “o meu filho não tem
instabilidade, não é agressivo, nem é inibido com problemas escolares, do sono, alimentares,
ou estes que tem aqui!”. Respondo-lhe que não precisa de ter todos esses, pode até apresentar
apenas um, são sintomas alargados. A mãe confessa-me que não tem a ver com o que tenho
escrito porque os pais consultaram o DSM-IV e o comportamento/sintomas do filho insere-se
num diagnóstico de hiperactividade com défice de atenção. Neste momento, senti que
estabeleceu um contacto reservado comigo, sem me olhar nos olhos. Com o evoluir da sessão
este contacto tornou-se mais disponível e adequado, verbalizando com maior espontaneidade.
Apresenta um vocabulário rico, utilizando termos técnicos empregues na área da saúde
mental. Mais adiante, enquanto acompanhava o João para uma sessão do presente estudo, nas

213
escadas, ouvi a mãe criticar o processo demorado de andar em consultas de psicologia e que
não tem muita paciência para isso.
O pai do João apresenta um aspecto físico adequado ao grupo etário, encontrando-se
investido e cuidado. Estabeleceu um contacto reservado, não mantendo contacto ocular.
Pessoalmente senti o pai do João inseguro (por vezes, baixava a cabeça), com o mesmo olhar
triste que sinto no filho. Achei-os muito parecidos no aspecto físico (pela face e cabelos
semelhantes e ambos utilizam óculos) e no que me faziam experienciar através da sua
presença. Utilizou um discurso rico e espontâneo após o questionar sobre o filho. Senti-o
muito disposto a colaborar no estudo, permitindo que após a consulta com a psicóloga, o João
ficasse cerca de quarenta minutos comigo, mesmo não lhe sendo conveniente no momento,
por motivos de tempo.
Os pais colaboraram ao longo da entrevista, revelando-se muito interessados em
participar. Ambos utilizam uma linguagem rica e espontânea, verbalizando sobre os pontos
em que estão de acordo e as suas divergências, revelando opiniões críticas e próprias.
Frequentemente, a mãe iniciava as respostas às questões colocadas e insistia para que o
marido desse a própria opinião que, por vezes, era contrária, acabando por verbalizar com
menos frequência que a companheira. Algumas vezes, o casal pedia-me para especificar as
questões colocadas. O pai do João manifestou uma conduta agida ao longo da entrevista,
mexendo em folhas e na minha agenda que se encontravam à sua frente, ao meu lado em cima
da mesa, principalmente durante o tempo em que escutava a esposa falar e este encontrava-se
em silêncio. Ao contrário da mãe do João que, ainda assim, manteve pouco contacto ocular, o
pai do João nunca estabeleceu contacto ocular comigo, olhando para o lado enquanto fala.
Segundo a mãe as preocupações com o comportamento do João iniciaram-se por volta
dos três anos, com a entrada no jardim-de-infância. Na altura, a educadora alertou os pais
sobre as dificuldades na articulação das palavras do João (os pais já tinham observado este
problema, no entanto pensaram que o filho recuperaria com o desenvolvimento). Assim, com
quatro anos é acompanhado em terapia da fala, no entanto, cerca de um ano depois conclui-se
que se trata de uma dificuldade essencialmente emocional, sendo encaminhando para uma
psicóloga no privado. Esteve um ano e meio a ser acompanhado em psicoterapia semanal e,
para a mãe, até à data da alta clínica observaram-se muitas melhorias como uma maior
facilidade em expressar os seus sentimentos. “Segundo a psicóloga ele tinha muitas
capacidades”, confessa a mãe. No entanto, desde cedo que mantém uma forte intolerância à
frustração “ele sempre foi assim, quando não é capaz de fazer alguma coisa ou à mínima
contrariedade guincha e chora. Ainda em bebé fez uma endoscopia e já tinha nódulos nas
cordas vocais do esforço que fazia a guinchar” indica a mãe.
214
Com a entrada para o jardim-de-infância começaram as somatizações: assim que
entrava no jardim-de-infância vomitava e a avó levava-o de novo para casa, tendo-se
regularizado a situação em meados do Natal desse ano. Foram-lhe diagnosticados também
broncoespasmos, asma não alérgica e vários problemas de pele (estrófulos), sempre
associados ao aumento de ansiedade. Recentemente a mãe observou estereotipias faciais no
João em situações que exigem que esteja quieto, sentado e de maior ansiedade ou frustração,
ainda que não sejam muito frequentes.
Durante o 1º e o 2º Ano de escolaridade, apesar da intolerância à frustração e da
conduta irrequieta, adquiriu as competências necessárias e a professora assinalou os seus
marcados conhecimentos de cultura geral.
Para a mãe o João “sempre foi muito interessado, muito atento, muito consciente até
mesmo do perigo e sempre teve imensas capacidades e facilidade em aprender. Mas de há um
tempo para cá as capacidades tem vindo a baixar, apesar do rendimento escolar se manter o
João tem vindo a perder competências, ele já foi bem melhor, já escreveu melhor, já foi
melhor a matemática e agora tem de estar sentado com a professora para fazer os trabalhos e
chora, os cadernos estão cheios de buracos de ele chorar tanto”. Segundo a mãe, estas
dificuldades acentuaram-se no início do 3º Ano “foi um inferno. Era chamada à escola porque
ele não faz sequer as tarefas mínimas nem com a professora ao lado, chora assim que vê o
plano para o dia ou um problema no quadro, é assim desde o 1º Ano, mas agora é pior.
Sempre sofreu por antecipação e verbaliza várias vezes que a solução para isto era a morte.
Ao início não liguei mas depois comecei a repreende-lo e a chatear-me com ele quando dizia
isto”. O João costuma também lamentar “não sou capaz porque é que eu vivo?” e “não
consigo fazer as tarefas, a minha vida é um inferno”. Na óptica do pai o João “fica
valentemente angustiado na escola e se há algum problema fica muito, muito ansioso. Este
ano acho que não houve um dia em que tivesse cumprido o plano”.
Na sala de aulas apresenta também dificuldade em estar sentado e concentrado,
distraindo-se com muita facilidade, ainda que sozinho, mas próximo da professora e com os
materiais reduzidos ao essencial (tendem a estar desorganizados). Em casa “não pára quieto e
não se concentra nem um segundo, mesmo quando está a fazer uma coisa que gosta”, indica a
mãe.
Na opinião da mãe o filho foi sempre muito hipermaturo, manifestando interesse e
preocupação por assuntos sociais comuns aos adultos “já em pequeno se metia nas nossas
conversas. As pessoas amigas dizem que ele é assim porque nós puxamos por ele e por isso é
que é tão interessado mas, a minha filha recebe a mesma educação e não é assim, é muito
mais despreocupada, muito mais calma do que ele”. Por último confessa ainda: “sinto que ele
215
tem medo, medo de não ser bom de não ser suficientemente bom e de nos desiludir”. Sozinho,
em consulta com a psicóloga o João desabafa “os meus pais são óptimos, comigo é que são
problemas, as vezes fico triste, podia ser uma pessoa melhor, queria ser um bocado melhor” e,
ainda, “os pais dizem-me: é melhor teres cuidado, não te lembras da última vez? Por favor
hoje faz-nos sentir bem. Penso que os meus pais vão ficar tristes ou não vão. Mas, não é o
suficiente para eu me esforçar. É uma grande preocupação o 5º Ano, se eu não fizer nada irei
chumbar o 5º Ano, vai ser desconfortável. Também não sei porque me distraio, mas não me
compreendo”.
Num relatório escolar do 3º Ano pode-se ler “o João é um aluno que desde o primeiro
ano de escolaridade tem demonstrado um aproveitamento positivo mas aquém do seu
potencial. A área da língua portuguesa é aquela em que o aluno revelou mais dificuldades
inicialmente. Desenvolveu as competências de leitura e de escrita, mostrando dificuldades no
que concerne à ortografia e caligrafia, embora registe melhorias. Este processo tem sido mais
lento uma vez que nos dois primeiros anos de escolaridade o aluno fez uma grande resistência
aos trabalhos de consolidação da escrita (…) é uma criança que tem revelado alguma
ambiguidade pois, por um lado, tem uma grande capacidade de auto-análise e de compreensão
dos seus intuitos e acções mas, que por outro, demonstra uma grande imaturidade quando se
depara com situações de frustração”. No que concerne à relação com os pares “revela
sentimentos de inferioridade e de não-aceitação; contrariamente aos seus desejos, não
consegue liderar as brincadeiras, o que tenta compensar fazendo as diabruras que os colegas
pedem que faça por eles. Quando confrontado com os seus actos diz que não queria ter feito
mas que lhe tinham dito para o fazer (este comportamento tem-se verificado cada vez menos).
É frequente encontrar o João a acompanhar crianças que são de algum modo mais frágeis,
podendo assim liderar e evitar confrontar-se com situações de frustração (…) É, na minha
opinião, uma criança com uma auto-estima frágil que necessita de aumentar os seus tempos de
concentração para que a avaliação dos seus trabalhos faça justiça ao esforço que o aluno tem
feito”. Em consultas com a psicóloga o João revela que é gozado pelos colegas por chorar
muito nas aulas.
Segundo a informação presente no relatório escolar do 4º Ano as dificuldades de
concentração nas tarefas propostas mantêm-se, ficando muitas vezes por concluir. Esta
situação faz com que o João se sinta mais frustrado, agravando o desenvolvimento e aplicação
dos seus conhecimentos. Deste modo, a professora assinala: “é premente que o João consiga
realizar os seus trabalhos no tempo estipulado para que nem a sua auto-estima, nem o seu
sucesso escolar fiquem comprometidos”.

216
A gravidez do João não foi planeada, embora tivesse sido “muito desejada”. Durante a
gravidez a mãe sentiu-se muito ansiosa, tendo contracções desde as dezoito semanas. O João
nasceu de parto eutócico, a termo (com trinta e nove semanas). Pesava 3,950kg e media 50cm.
Após o nascimento do filho a mãe sentia-se “muito bem, era um bebé com muitas
competências”. Assim, a mãe recorda o filho no primeiro ano de vida como uma “criança com
elevada competência motora, muito observador e com muito interesse pelo meio, muito
consciente mesmo do perigo, não se magoa”. Para o pai o João é “muito curioso, activo,
muito participativo com adultos. Facilmente era o centro das atenções, causava espanto pelo
seu interesse elevado para a média”.
No que concerne aos aspectos do desenvolvimento, em bebé o João não fazia sestas
durante o dia e, mais tarde, nunca conseguiu dormir no jardim-de-infância. Os pais queixam-
se que sempre dormiu pouco e que nunca tem sono, ainda que, desde os oito anos que dorme
aproximadamente nove horas diárias, acordando bem-disposto e com energia. Começou a
dormir em quarto próprio a partir dos quatro meses. Porém, quando a irmã nasceu passaram a
partilhar o quarto (quando o João tinha cerca de quatro anos). Voltou a dormir sozinho há um
ano. Começou a gatinhar com cerca de oito meses e a andar sem apoio aos dez meses. As
primeiras palavras do João foram proferidas após os dezoito meses. O controlo esfincteriano
diurno ocorreu aos vinte e oito meses embora, por vezes, já manifestasse a preocupação de
acordar durante a noite para ir à casa-de-banho. Contudo, o controlo dos esfíncteres nocturno
consuma-se aos três anos de idade. Ao nível alimentar os pais queixam-se de uma má
alimentação. Nunca usou chucha nem “levou nada à boca”.
Após o nascimento, a mãe teve o apoio da avó materna do João que cuidou do neto
enquanto a mãe tinha aulas na faculdade e estudava. Ficou aos cuidados desta avó até aos três
anos, idade a partir da qual ingressou no jardim-de-infância e desenvolveu variadas
somatizações (acima referidas).

217
Guião de Entrevista dos Pais

Identificação da Criança

Nome: João Género: Masculino

Idade: 9 Anos e 6 Meses Data de Nascimento: 2001

Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa

Ano de escolaridade: 4º Ano

Reprovou algum ano? Não Se sim, qual (quais)? __________

Caracterização Sócio-Demográfica da Família

Quem são os elementos que compõem o agregado familiar (elementos que vivem na mesma
casa)?
(Constituição do genograma familiar)

68 64 60 58

41 39 38 37 30 30

3 9 5

218
Mãe
Idade: 37 Anos Data de Nascimento: 1974
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casada Habilitações Literárias: Mestrado, a realizar Doutoramento
Profissão: Fisioterapeuta Situação Profissional: Empregada

Quais são os seus principais papéis na família?


Partilho com o meu marido as tarefas com os filhos (trabalhos de casa) e
documentação. Organização doméstica: alimentação, roupa. Estimulo mais para actividades
de aprendizagem.

Quais são os seus principais gostos e interesses pessoais?


Interesses culturais, como viajar.

Pai
Idade: 38 Anos Data de Nascimento: 1973
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casado Habilitações Literárias: Mestrado
Profissão: Professor do Ensino Superior. Fisioterapeuta. Situação Profissional: Empregado

Quais são os seus principais papéis na família?


Tarefas partilhadas com a esposa.

Quais são os seus principais gostos e interesses pessoais?


Actividades relacionadas com cinema, música, ler. Também desporto e quero incluir o
João.

Irmão(ã)
Género: Feminino
Idade: 5 Anos Data de Nascimento: 2006
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: ___________________ Habilitações Literárias: _______________
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): Pré-Primária.
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________

219
Relações Familiares

Qual é a situação familiar actual (apoios sociais e/ou familiares, existência de doenças físicas
e/ou psicológicas, problemas sociais, económicos, exposição a fontes de stress, entre outros)?
Os pais encontram-se muito envolvidos na profissão, ocupando muito o seu tempo.
Sentem que têm muita dificuldade com a situação do João pois transferem para ele o stress
que sentem, vêm nele um espelho das suas incapacidades e fraquezas. Por isso existe stress
na relação com ele, não conseguindo implementar estratégias para sair da situação. Com a
Maria (irmã do João) não sentem isso. As questões monetárias não os afectam tanto pois
investem e organizam-se bem. A mãe acha que o filho tem dislexia, apesar de ter realizado
vários testes e não acusar. A professora diz que ele às vezes dá erros e outras vezes não. O
João confronta a mãe dizendo-lhe que ela também comete erros a escrever, como se fosse por
influência da mãe. O João manipula pelo interesse.

Algum membro da família necessita de se ausentar ou ausentou-se no passado


temporariamente ou com frequência, por motivos de trabalho, estudo, ou outros? Quando?
Durante quanto tempo? Como é que a criança reagiu a essa(s) separação(ões)? E os restantes
membros da família?
Ambos os pais ausentam-se esporadicamente às sextas-feiras e num mês permanecem
dois ou três dias fora, por motivos de trabalho. Em trabalho, é comum o pai ficar ausente por
um período de uma, duas, três semanas ou um mês fora. A mãe dava aulas no Instituto
Politécnico de Castelo Branco. Desde o nascimento do João que isto acontece. O João reage
bem mas fica ansioso (pergunta se já chegaram). Ele não quer dormir em casa dos avós. A
irmã fica mais tranquila.

Algum membro da família faleceu, separou-se ou divorciou-se desde a gravidez da criança?


Quem? Qual o possível impacto na família?
A bisavó materna faleceu faz um ano. Foi a primeira morte na família para o João.
Ele não verbaliza sobre este assunto, enquanto a irmã quer ir ao cemitério. A causa da morte
deve-se a um cancro que avançou de forma rápida. Foi pesado para a mãe do João, a bisavó
era uma pessoa com muita autonomia e era um suporte da família materna e as coisas
desmoronaram-se mais. Por outro lado, os avós paternos encontram-se em processo de
separação e o João também não verbaliza sobre este assunto “é parecido com o pai”,
acrescenta o pai. O pai não está a lidar bem com esse facto. A irmã do João confronta os

220
avós com a situação, testa-os (diz-lhes que um diz uma coisa e o outro diz outra). A mãe do
João encara a situação com “estranheza e tenta-se pôr à parte”.

Como é a relação da criança com a mãe?


(Após colocar a questão a mãe pede-me para precisar o que pretendo saber). Mãe
protectora, exigente. Transfere para ele a relação que teve com os próprios pais, é
automático. Dá mais feedback negativo, comparação negativa com a irmã, colegas do João.
Tenta que seja uma relação mais autónoma. Com afecto nunca é, desde bebé ele não aceita
afecto. Dificuldade nos afectos “nunca o conseguimos abraçar e dar beijinhos, mas pede
para o ir tapar à noite”. (Peço à mãe para me descrever os aspectos positivos da sua relação
com o filho e do próprio filho e a mãe apercebe-se que se centrou nos aspectos negativos).
Fala com a mãe. A mãe também partilha os mesmos interesses, os mesmos desafios. Ele
compreende bem as necessidades da mãe e a mãe não é tão assim. Embora ele não as
respeite tanto (necessidades da mãe).

Como é a relação da criança com o pai?


Dicotómica. Proximidade e envolvimento ou autoritário e paternalista. O João não
percebe bem o lado que está a pender. Ele começa a exigir o porquê de o pai reagir mal. Tem
a ver com o pai não estar bem, ou com tarefas em que está envolvido. O João tenta perceber
qual é o foco. O pai é protector da pior maneira, acha que ele não consegue e faz por ele.
Considera que o João tem boas ideias. Os pais acham que o condicionaram dificuldades no
meio-termo e fazer compromissos, da parte do pai.

Como é a relação da criança com os irmãos (com cada um)?


Tão depressa queixa-se à irmã dela ter nascido e chama-lhe nomes, como é a pessoa
que mais dá afecto, protege a irmã, preocupa-se com a parte educativa da irmã. Competem
muito. Ensina-lhe coisas. Com a presença dos avós é mais agressivo e provocativo com a
irmã. Com os pais respeita mais. Controla as amizades da irmã.

E com os restantes membros da família?


Bem. Testa os avós maternos e paternos. Com o avô paterno tenta cativá-lo, não o
prejudicar, aproveita mais o tempo, não está tanto tempo com ele, está menos à vontade. A
tia paterna não vê muito e o tio materno também não vê com tanta frequência, mas é o
modelo dele, gosta muito dele, vê tio como adolescente, brincam.

221
Gostaria que me descrevessem a vossa relação (relação do casal parental).
(Após colocar a questão a mãe pede-me para precisar o que pretendo saber com a
questão). Mãe: Não têm demonstração de afectos, os poucos que têm os filhos condenam.
Não gerem bem a comunicação. Às vezes dizem aos filhos para dizer x ao pai/mãe. O pai é
mais passivo, verbaliza menos, menos afectos, dificuldade em transmitir o que pensa.
Dificuldade em fazer compromissos e em hierarquizar a importância das coisas. Por
comunicarem mal, geram-se mal-entendidos. A mãe fala mais, assumindo mais importância
às coisas. Pesos diferentes à relevância da comunicação. No início sintonizavam-se mais, não
tinham que pensar tanto. Agora mais consciência, dificuldades à frente das partes boas. Pai:
“investimento na carreira profissional prejudicou-nos”.

Como é a relação da mãe com a sua família de origem?


Vivem em proximidade com os avós maternos. Os avós têm a necessidade de manter
grande proximidade com os filhos, a mãe acha que não devia ser assim, mas cede porque
poderia ser penoso para os seus pais. Antes a avó materna era mais autónoma e fazia o que
achava, agora precisa de apoio. Os seus pais investiram muito nos filhos, foi o seu único
investimento e interesse e a avó materna quer prolongar esse investimento. A avó materna
antes fazia comparação para os aspectos negativos. É uma pessoa pouco afectuosa ao nível
da demonstração de afectos, mas liga todos os dias. A mãe e o irmão nunca foram muito
próximos. Antes não era afectuosa e agora sente a necessidade de proteger o irmão.

E como é a relação do pai com a sua família de origem?


Mudou muito nos últimos anos. Quando vivia com os pais era muito próximo, com
respeito e autoritarismo. Agora afastou-se e está mais autónomo. Tinha relação próxima com
a mãe e agora não se sente tão bem quanto a isto, sente-se culpado e não consegue gerir isso.
Com o pai havia respeito e autoritarismo, mais distante, não atingi o que o meu pai quis.
Mais distante e frieza com o pai. Com a irmã existe companheirismo, nunca sentiu que fosse
muito mais velha, desde que a irmã se casou estão mais afastados. Agora não há esforço de
reaproximação porque estão bem, estão à vontade, falam bem.

222
Sintomas da Criança e Impacto Familiar

Quais são as principais preocupações actuais sentidas face à criança (Comportamento


alimentar, sono, linguagem, controlo esfincteriano, atitude face a outras crianças e adultos,
medos, entre outros)?
Barreiras auto-impostas que o impedem de atingir o potencial dele. Quanto aos
outros não preocupa muito. Está a melhorar a socialização, ainda que “nunca vai ser um
animal social” (mãe). Não parte dele a iniciativa. Ele tem muitas competências mas tem as
tais barreiras como a baixa auto-estima, receios que o impedem de as atingir. Ele tanto pode
escolher o caminho do bom ou do mau, mas receio que seja assim, ficar centrado nisto (mau,
barreiras, baixa auto-estima, receios. Neste momento a mãe quase que chora, falando
comovida).

Qual o impacto sentido na família?


A irmã já o desculpa. Impacto grande, condiciona a família pelo medo dos próximos
momentos, pensam muito nisto, mas não conseguem agir. Culpam-se por não fazerem outras
coisas e estarem focados nele. O pai pensa que o problema é com ele dentro do contexto da
família. A mãe acha que não fica mais de cinco minutos a falar com alguém sem falar dele. O
pai não fala muito e não gosta de fazer comparações. Neste momento a mãe confronta-o com
uma comparação que fez do João com a irmã: o pai disse-lhe que a irmã era mais nova e não
fazia o que ele faz. O pai responde que faz isto já por influência da mãe, sem pensar e a mãe
responde que também não pensa nesses momentos, age.

Teste de Relações Familiares, Versão Casais – Mãe

Tabela 1 – Número de itens emitidos e recebidos positivos/negativos (leves/fortes) atribuídos


aos membros da família.

Emitidos Emitidos Recebidos Recebidos Total de


Positivos Negativos Positivos Negativos Envolvimento
Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes
Ninguém 0 0 0 5 0 0 2 5 12
Mãe 3 1 1 0 1 2 1 0 9
Pai 5 7 0 3 6 3 3 1 28

223
João 7 8 2 2 7 4 3 0 33
Irmã 6 8 4 0 5 6 2 0 31
Avô 6 1 2 1 5 2 0 0 17
Materno
Avó 4 2 8 2 4 4 5 2 31
Materna

A mãe do João colaborou durante a realização do TRF embora tenha preferido adaptar
a instrução que lhe dei às suas características pessoais: como atribuía a maior parte dos
cartões a mais que uma pessoa, passou a colocá-los todos num monte em cima da mesa
dizendo-me a quem se destinavam (em vez de os colocar nas caixas apropriadas). Por vezes,
realizou alguns comentários verbais como ler a mensagem e reflectir em voz alta para quem
se destinaria.
Ao analisar a Tabela 1 verifica-se que além da família nuclear, mãe, pai, João e irmã, a
mãe optou por incluir os seus próprios pais, o avô materno e a avó materna. No total de
envolvimento com cada membro da família destacam-se os filhos João e a irmã, avó materna
(com mais afectos negativos que positivos) e pai. No Ninguém foram colocados sobretudo os
afectos negativos fortes recusados, manifestando-se relativamente defensiva. Observa-se,
assim, alguma expressão de agressividade sobre os vários elementos da família.

35

30

25

20

15

10

0
Ninguém Mãe Pai João Irmã Avô Avó
Materno Materna

Figura 1 – Número total de itens associados a cada membro da família.

224
A observação do número total de afectos atribuídos a cada membro da família (Figura
1) permite destacar um forte envolvimento emocional com o João, seguindo-se a irmã e a avó
materna (com o mesmo número de afectos) e, ainda, o pai. O avô materno e a própria mãe
obtiveram menos afectos. O recurso à utilização do Ninguém foi pouco significativo, sendo
ultrapassado apenas pela própria mãe quanto ao menor número de itens atribuídos. Surge,
assim, espaço para alguma expressão das pulsões agressivas face aos elementos da família.

16

14

12

10

8 Positivos
Negativos
6

0
Ninguém Mãe Pai João Irmã Avô Avó
Materno Materna

Figura 2 – Número de itens positivos e negativos emitidos a cada membro da família.

Avaliando os afectos emitidos pela mãe do João (Figura 2) observa-se um forte


envolvimento emocional com o filho João, seguindo-se a irmã e o pai, respectivamente. A
relação que mantém com estas figuras encontra-se, porém, idealizada. Todos os afectos que
traduzem erotização foram associados a estas três figuras, com excepção do item “sinto-me
muito próximo(a) desta pessoa da família” não atribuído ao pai, que aliado aos afectos
agressivos “dá-me a volta ao juízo”, “desprezo esta pessoa” e “consegue fazer-me sentir
muito irritado(a)” (o primeiro e o último surgem também ligados ao João) pode remeter para
conflitos na relação de casal, irritabilidade na mãe e uma dificuldade na gestão destes
conflitos por parte da mãe, optando por tentar ignorar os problemas na relação com o marido.
Com a irmã são emitidos afectos negativos apenas de cariz leve como “é demasiado
picuinhas”, “tem mau feitio”, “queixa-se demais” e “não tem muita paciência” que podem
associar-se à fase de desenvolvimento da irmã (5 anos) e à necessidade de separação

225
emocional do espaço materno por parte da irmã. Na relação com a avó materna são emitidos
mais afectos negativos que positivos, parecendo expressar o desejo de obter maior autonomia
emocional face a esta figura, ainda que se sinta muito ligada e dependente “sinto-me muito
próximo(a) desta pessoa” e “estou disposto(a) a fazer tudo por esta pessoa”, sendo uma
relação um pouco ambivalente. A relação com o avô materno é dominada por afectos
positivos e negativos, assim como, a própria auto-estima da mãe, que se revesta ainda de
culpabilização “queixa-se demais”. No Ninguém são colocados apenas os afectos agressivos
negados e recusados de se expressarem nos elementos da família.

12

10

6 Positivos
Negativos
4

0
Ninguém Mãe Pai João Irmã Avô Avó
Materno Materna

Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.

Na análise dos afectos recebidos destaca-se uma relação mais próxima com os filhos
João e a irmã, encontrando-se, no entanto, idealizada. Os afectos negativos leves como “nem
sempre faz o que eu gostaria que fizesse”, “resmunga comigo” e “faz-me sentir frustrado(a)”
surgem ligados ao João, o que pode associar-se ao desejo de transgressão do espaço materno,
ainda, que se sinta muito ligado e dependente desta relação, pois além da mãe e do pai, o João
obteve o item “gosta de estar sozinho comigo”. Com a irmã, apesar de uma maior atribuição
de afectos positivos fortes, são associados os itens negativos leves: “faz coisas nas minhas
costas” e “resmunga comigo”, podendo remeter para a necessidade de separação emocional
face à mãe. O pai é a figura que se segue ao nível do maior envolvimento emocional e além

226
dos afectos erotizados associados e partilhados por outros elementos da família, destaca-se o
afecto agressivo apenas relativo ao pai “diz coisas só para magoar os meus sentimentos” o que
traduz insegurança na relação e dificuldades na resolução dos conflitos conjugais. Segue-se a
relação sentida como ambivalente com a avó materna marcada por um ligeiro avanço dos
afectos positivos como “quer mesmo o meu amor” (apenas atribuído à avó materna e aos
filhos João e irmã) e “quer estar sempre ao pé de mim” (apenas atribuído à avó materna), o
que pode remeter para o desejo de prolongar a relação de dependência com a filha por parte
da avó materna. Contudo, os afectos negativos “faz-me sentir sem valor”, “faz-me sentir
inútil”, “faz coisas nas minhas costas”, “fica zangada comigo” e “faz-me sentir frustrado(a)”
traduzem a vivência de uma relação autoritária, punitiva, insegura e desvalorizada por parte
da avó materna. Com o avô materno a relação é idealizada. Na auto-estima da mãe surge uma
maioria de afectos positivos, ainda que, se culpabilize “nem sempre faz o que eu gostaria que
fizesse”. No Ninguém figuram as defesas dos afectos negativos recusados de se expressarem
nos elementos da família.

15

10

5
Emitidos Positivos
Recebidos Positivos
0
Emitidos Negativos

-5 Recebidos Negativos

-10

Figura 4 – Direcção dos afectos emitidos e recebidos positivos/negativos.

Na Figura 4 situa-se a direcção dos afectos positivos/negativos emitidos e recebidos


pela mãe do João. Destaca-se um forte envolvimento emocional com o João, a irmã e o pai,
sentindo-os como figuras às quais emite um maior número de afectos de amor face aos
recebidos. Com os filhos emite também mais afectos negativos relativamente aos recebidos,

227
no entanto, com o pai sente que os afectos negativos recebidos superam os afectos negativos
emitidos. Na relação ambivalente com a avó materna os afectos positivos recebidos superam o
número de afectos positivos emitidos, por outro lado, os afectos negativos emitidos acentuam-
se face aos afectos negativos recebidos, o que pode antever o desejo de separação e maior
autonomia emocional desta figura. Com o avô materno observa-se uma correspondência nos
afectos positivos, nos afectos negativos apenas se registam os emitidos. Na auto-estima da
mãe sobressaem os afectos positivos face aos negativos. No Ninguém são colocados os
afectos negativos rejeitados, negando sobretudo a expressão da agressividade recebida pelos
elementos da família.

Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de protecção e atribuição de


incompetência ou fraqueza.

Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 0 1
Mãe 4 1
Pai 3 2
João 5 3
Irmã 4 0
Avô Materno 3 0
Avó Materna 3 0

Na análise dos sentimentos de protecção e de incompetência ou fraqueza (Tabela 2)


destaca-se o João como o membro da família que carece de maior protecção materna dada a
elevada atribuição de incompetência/fraqueza associada a dificuldades em lidar com as
adversidades e na adaptação social. O pai surge como a segunda figura ligada a sentimentos
de incompetência/fraqueza, neste caso, associados a dificuldades na adaptação social e na
insuficiência de auxílio à família. À irmã e à mãe foi atribuído um número equivalente de
sentimentos de protecção, com a mãe a surgir como uma das figuras com sentimentos de
incompetência, o que pode remeter para uma vivência de culpabilização possivelmente na
relação com o filho João. Os avós maternos e o pai obtiveram o mesmo número de afectos de
protecção e no Ninguém foi colocado um item de atribuição de incompetência/fraqueza
recusado face aos elementos da família.

228
Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)

Ainda que surja espaço para a expressão das pulsões agressivas face aos elementos da
família, a utilização da figura Ninguém permitiu a defesa pela negação/recusa sobretudo dos
afectos negativos fortes/agressivos.
Na auto-estima da mãe ainda que sobressaiam os sentimentos positivos, observa-se a
vivência de culpabilização possivelmente na relação com o filho João.
Com o pai a relação é representada de forma idealizada quanto aos afectos emitidos
pela mãe face ao destaque dos afectos de amor sobre os afectos de ódio. No entanto, considera
que recebe um maior número de afectos negativos do pai face aos afectos negativos que lhe
envia. Desta forma, coloca-se em hipótese conflitos na relação de casal associados a um
vivido de insegurança na relação e dificuldades na gestão e resolução destes conflitos. O pai
surge, ainda, ligado a sentimentos de incompetência/fraqueza que remetem para dificuldades
na adaptação social e para a insuficiência de auxílio à família.
A relação com o João reveste-se de um forte envolvimento emocional e encontra-se
idealizada. Além dos afectos que traduzem uma forte ligação e dependência materna da parte
do João, surgem afectos de rejeição que podem associar-se ao desejo de transgressão do
espaço materno. Contudo, o João afigura-se como o elemento da família que carece de maior
protecção dada a elevada atribuição de sentimentos de incompetência/fraqueza associados a
dificuldades em lidar com as adversidades e na adaptação social.
Com a irmã a relação é igualmente associada a um forte envolvimento emocional e é
idealizada. No entanto, os afectos negativos de cariz leve podem remeter para a necessidade
de separação emocional do espaço materno por parte da irmã.
A relação com o avô materno reveste-se de um fraco envolvimento emocional, ainda
que surja idealizada quanto aos afectos positivos recebidos por parte desta figura.
A relação com a avó materna traduz um forte envolvimento emocional sentindo-se
muito ligada e dependente desta figura que, por sua vez, parece transmitir o desejo de
prolongar a relação de dependência com a mãe. No entanto, é uma relação marcada por
conflito através da presença de ambivalência e sentimentos de ódio na linha da rejeição e
agressivos, sobretudo emitidos pela mãe, o que pode remeter para o desejo de separação e
maior autonomia emocional desta relação sentida como autoritária, punitiva, insegura e
depreciativa por parte da avó materna.

229
Teste de Relações Familiares, Versão Casais - Pai

Tabela 1 – Número de itens emitidos e recebidos positivos/negativos (leves/fortes) atribuídos


aos membros da família.

Emitidos Emitidos Recebidos Recebidos Total de


Positivos Negativos Positivos Negativos Envolvimento
Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes
Ninguém 2 0 1 6 2 1 3 8 23
Pai 0 0 6 0 0 0 0 0 6
Mãe 3 4 0 1 5 2 4 0 19
João 4 2 0 1 1 3 1 0 12
Irmã 1 5 3 0 0 2 0 0 11

Colaborou favoravelmente ao longo da passagem da prova TRF. Compreendeu desde


logo a instrução, revelando uma atitude muito directa na decisão do local de colocação dos
itens. Contudo, demonstrou maior indecisão na escolha das figuras semelhantes à família para
colocar em jogo. Quando lhe solicitei que me dissesse a idade da filha ficou muito pensativo,
baixou a cabeça entre os braços e respondeu “Ai, agora está-me a dar uma branca!”. Não
realizou comentários verbais adicionais ao longo da aplicação.
A leitura da Tabela 1 permite destacar um forte movimento defensivo no pai do João
através da recusa/negação sobretudo dos afectos negativos dirigidos aos elementos da família
recorrendo à colocação destes itens na figura Ninguém. Observa-se um maior envolvimento
emocional com a mãe, seguindo-se o João e a irmã. O pai surge na última posição com a
atribuição de apenas afectos negativos.

230
25

20

15

10

0
Ninguém Pai Mãe João Irmã

Figura 1 – Número total de itens associados a cada membro da família.

Analisando o total de envolvimento do pai com cada membro da família (Figura 1)


destaca-se uma forte relação com a mãe, seguindo-se o filho João e a irmã (com a diferença
de um item para o João), por fim, o próprio pai. Observa-se, ainda, um elevado grau de
neuroticismo através de uma forte inibição sobretudo ao nível da expressão dos afectos
negativos.

4
Positivos
Negativos
3

0
Ninguém Pai Mãe João Irmã

Figura 2 – Número de itens positivos e negativos emitidos a cada membro da família.


231
Atendendo ao número de itens positivos e negativos emitidos a cada membro da
família pelo pai (Figura 2) sobressai uma relação idealizada com a mãe e o João, contendo
cada uma destas figuras apenas um item de cariz agressivo “dá-me a volta ao juízo” no caso
da mãe e “apetece-me bater nesta pessoa da família”, no caso do João, o que pode remeter
para dificuldades na gestão dos conflitos familiares com estas pessoas da família. Com o filho
João pode associar-se, ainda, a uma relação autoritária e punitiva por parte do pai. A relação
com a irmã apresenta-se um pouco ambivalente, com afectos positivos fortes de cariz
erotizado e que exprimem alguma dependência afectiva como “gosto de acarinhar esta pessoa
da família”, “gosto que esta pessoa da família me beije”, “gostava que esta pessoa da família
estivesse sempre ao pé de mim” (itens apenas atribuídos à irmã) e os afectos negativos leves
“é chata”, “resmunga demasiado” e “não tem muita paciência”. A auto-estima do pai
apresenta-se baixa, sendo dominada por sentimentos de insegurança, inferioridade,
culpabilização e dificuldades em lidar com os problemas (irritabilidade): “demasiado
picuinhas”, “desmancha-prazeres”, “irrita-se muito depressa”, “tem mau feitio”, “fica
chateada sem ter razão para isso” e “fica zangada demais”. Na figura Ninguém surgem os
afectos sobretudo de cariz negativo forte, bloqueando, assim, a expressão da agressividade
face aos elementos da família.

12

10

Positivos
6
Negativos

0
Ninguém Pai Mãe João Irmã

Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.

232
Observando os itens positivos e negativos sentidos como recebidos por parte dos
elementos da família (Figura 3) verifica-se uma relação ambivalente com a mãe, ainda que se
destaquem os afectos positivos recebidos como “gosta de me abraçar” e “ama-me muito” que
traduzem cumplicidade e carinho na relação conjugal. Contudo, a presença dos afectos
negativos leves “fica ressentida comigo”, “nem sempre me ajuda quando preciso”, “resmunga
comigo” e “fica zangada comigo” pode remeter para conflitos na relação de casal associados
ao sentimento de insegurança na relação e a percepção da mãe como uma figura dominante e
punitiva face ao pai. Na relação com o João acentuam-se os afectos positivos fortes recebidos
“quer mesmo o meu amor”, “gosta de estar sozinha comigo” e “quer estar sempre ao pé de
mim” representando-o como uma figura que o valoriza e investe na relação com o pai. Na
relação com a irmã surgem apenas dois afectos positivos fortes que remetem para a erotização
da relação por parte desta figura: “gosta de me beijar” e “é muito carinhosa comigo”. No
Ninguém figuram os afectos sobretudo de cariz negativo forte negados de se expressarem nos
elementos da família, apresentando um elevado grau de defesa.

0 Emitidos Positivos
Recebidos Positivos
-2
Emitidos Negativos
-4
Recebidos Negativos
-6

-8

-10

-12
Ninguém Pai Mãe João Irmã

Figura 4 – Direcção dos afectos emitidos e recebidos positivos/negativos.

Atendendo à análise da direcção dos afectos positivos/negativos emitidos e recebidos


(Figura 4) observa-se uma equivalência na percepção dos afectos positivos emitidos e
recebidos por parte da mãe. No entanto, no plano negativo acentuam-se os afectos recebidos.
Na relação com os filhos, João e a irmã, surge um número superior de afectos positivos

233
emitidos face aos recebidos. Com o João o número de afectos negativos emitidos e recebidos
é equivalente, enquanto na irmã apenas se registam os afectos negativos emitidos pelo pai. Na
auto-estima do pai figuram apenas os afectos negativos que remetem para uma baixa auto-
estima. No Ninguém destacam-se os afectos negativos recusados bloqueando, assim, a
expressão da agressividade sobre os elementos da família.

Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de protecção e atribuição de


incompetência ou fraqueza.

Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 3 2
Pai 0 1
Mãe 1 0
João 0 1
Irmã 1 1

Relativamente aos sentimentos de protecção e atribuição de incompetência ou


fraqueza face aos elementos da família (Tabela 2) predomina uma forte atitude defensiva no
sentido da recusa/negação de dependência e atribuição de fraqueza aos elementos da família,
recorrendo à figura Ninguém. Posto isto, a mãe e a irmã surgem ligadas a sentimentos de
protecção, negando a presença deste tipo de sentimentos no pai e João, o que pode ser
considerado uma defesa na ordem da formação reactiva dadas as reais características destas
figuras e a percepção revelada pelo pai através desta prova. Na atribuição de incompetência
ou fraqueza figuram todos os elementos da família com excepção da mãe que aliado ao item
“não consegue enfrentar suficientemente bem as outras pessoas” atribuído ao pai pode
associar-se a uma mãe dominadora na relação de casal, onde o pai sente dificuldades na
gestão dos conflitos conjugais. O item “não consegue lidar suficientemente bem com
dificuldades” associa-se ao João e reforça o mecanismo de identificação com o pai. A irmã
obteve o item “deveria desempenhar um papel mais importante na vida da família” que
remete para uma vivência pouco valorizada e exigente na relação do pai com esta figura.

234
Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)

No Ninguém são colocados sobretudo os afectos negativos e que expressem


sentimentos de dependência ou fraqueza inibindo, assim, a expressão da agressividade
dirigida aos membros da família. Observa-se um elevado grau de neuroticismo no pai.
A auto-estima do pai apresenta-se baixa, sendo marcada por sentimentos de
insegurança, inferioridade, irritabilidade, culpabilização e dificuldades em lidar com os
problemas.
A relação com a mãe surge ligada a um forte envolvimento emocional dominado por
uma relação idealizada quanto aos afectos positivos emitidos pelo pai e ambivalente face aos
afectos positivos/negativos recebidos pela mãe. Assim, apesar dos afectos positivos que
transmitem a presença de carinho na relação de casal, o pai sente que recebe mais afectos
negativos da mãe do que os que lhe emite, os quais traduzem conflitos na relação de casal
associados ao sentimento de insegurança na relação e a percepção da mãe como uma figura
dominante e punitiva face ao pai.
Com o João destaca-se a percepção de uma relação idealizada quanto aos afectos
positivos emitidos pelo pai, ainda que, se observem dificuldades em lidar com os conflitos
nesta relação, podendo o pai associar-se a uma figura autoritária e punitiva para o filho. O
filho é representado como uma figura que valoriza e investe na relação com o pai,
identificando-se com este quanto ao sentimento de incompetência/fraqueza.
A relação com a irmã surge de forma ambivalente quanto aos afectos
positivos/negativos emitidos pelo pai, manifestando uma certa desvalorização da relação na
fase que precede a prova ao esquecer-se da idade da filha. Todavia, assinalam-se afectos de
cariz erotizado e que exprimem dependência afectiva na relação com esta figura.

235
Guião de Entrevista da Criança

Identificação da Criança

Nome: João Idade: 9 Anos e 6 Meses

Interesses/Actividades

O que é que tu gostas de fazer nos teus tempos livres?


Se tiver em casa vejo tv, jogo wii, brinco de bicicleta. Em casa da avó materna fico a
brincar com a mana e em casa da avó paterna brinco com os primos, ando de skate. Em casa
tenho um amigo que vive no mesmo prédio e é da minha turma e eu brinco com ele.

Frequentas alguma actividade desportiva ou cultural (dança, teatro, música, etc.)? Qual?
Karaté (duas vezes por semana).
Já andei na natação (saiu porque é asmático), escuteiros e catequese.

Tens animais de estimação? Quais?


Tartaruga. Já tive um peixe.

Amigos

Quem são os teus amigos(as) (nome e idade)?


Montes de amigos, quase todos da sala. Tiago (10 anos), o Rodrigo (10 anos), Antero
(9 anos), Mónica (9 anos) fez anos em Dezembro, Fábio (9 anos), Filipe (10 anos), Duarte
(10 anos) faz anos uns dias depois dos anos do João, Sofia (10 anos), Diogo (10 anos), Vasco
(10 anos).

De onde os(as) conheces?


Da turma da escola.

O que é que costumam fazer juntos(as)?


Brincamos à apanhada, escondidas, jogamos a coisas.

236
Tens um(a) amigo(a) preferido(a) (melhor amigo/a)? Quem é?
Não sei… amiga tenho a certeza, é a minha irmã. Com quem eu passo mais tempo é
com a minha tartaruga, brinco muito com ela.

Escola

Em que ano andas?


4º Ano.

O que é que gostas mais na escola? Porquê?


Não sei. Gosto muito de estar com os meus amigos.

O que é que gostas menos na escola? Porquê?


Não acabo as coisas, alguns amigos gozam comigo e eu fico chateado. Gosto de
brincar com mais pessoas do que com menos. Os amigos ficam chateados comigo, podem
magoar-me, psicologicamente, fisicamente quase nunca.

Se pudesses mudar alguma coisa na escola, o que seria?


Isso é difícil. As áreas, aumentar o espaço.

Como preferias que fosse?


Mais espaçoso e com divisões diferentes, o recreio com mais espaço, mas... e… com…
com vários sítios com entradas ou janelas. As condições. Depois os professores ou a divisão
dos espaços do 4º Ano, liceu, pré-primária, meter a melhor matéria para o 9º Ano.

Onde é que costumas fazer os teus trabalhos de casa?


Em casa ou de vez em quando na biblioteca da escola.

Tens ajuda de alguém? De quem?


Para já não, primeiro faço as coisas, senão peço ajuda ao meu tio, ao meu pai ou
mãe. Todos, a tartaruga e mana.

237
Família

Quem são as pessoas da tua família?


Pai, mãe, irmã, tartaruga, avó, avô, cão da avó, avô, avó, tio, tia, tia, tio, têm um cão
e uma filha que é a minha prima e da parte do meu pai tenho umas primas e da minha mãe
tenho uns primos no Iraque. Tia bisavó.

Com quem vives (nome, idade, grau de parentesco face à criança)?


Mãe, Carolina, 36 anos; Pai, Augusto, 37 anos; Mana, Maria, 5 anos.

Como é a tua mãe?


É muito simpática, insiste muito em que eu estudo e que desperte as minhas
capacidades. Ajuda com os problemas da vida, matemática não.

Como é o teu pai?


Simpático, quando sabe que eu preciso de ajuda, ajuda. Às vezes está muito ocupado e
não pode.

Como são os teus irmãos(ãs) (ou outras pessoas da família mencionadas)?


A mana é um bocado parecida comigo: teimosa, tem medo, andamos à luta. Outras
vezes ela defende-me e é carinhosa.

Como é que os teus pais se dão um com o outro? O que pensas/sentes com isso?
Dão-se bem. Todos os dias chegam a casa e cumprimentam-se. Mas de vez em quando
chateiam-se um bocadinho. Sinto coisas boas, ainda bem que tenho uns pais que se dão bem
comigo e com eles próprios.

Dormes com alguém ou partilhas o quarto com alguém? Se sim, com quem?
Antes partilhava com a mana. A tartaruga está no quarto.

Se pudesses mudar alguma coisa na tua família, o que seria?


Hum... não sei. Quando as pessoas desentendem-se, resolvem-se logo e que todos

estejam de boa saúde.

238
Como preferias que fosse?
Ela está boa como está, quem eu queria que mudasse era eu, gostava de ser a mesma
pessoa, mas com coisas diferentes. Tenho que me concentrar e estudar.

Fantasias/Sonhos/Medos

O que é que gostarias de ser quando fores grande? Porquê?


Ser da ciência. Trabalhar na rádio também.

Quais são os teus maiores sonhos/desejos?


Que não haja poluição, andar de balão de ar quente e ver extraterrestres. Depois há
coisas… boas…

Se pudesses mudar alguma coisa em ti, o que seria?


Tentava mudar a minha cabeça para ela trabalhar melhor e concentrar-se melhor.
Fisicamente preciso de treinar um pouco mais de karaté para me defender, não me sei muito
defender.

Como preferias ser?


Mais forte e… tentar ignorar as coisas mal e as coisas que me chamam. Passar para
trás das costas e concentrar-me no que tenho que fazer e em mais nada.

Costumas sonhar? Se sim, com o quê?


De vez em quando. Sonhos esquisitos, estranhos. Já sonhei com um animal chamado
Pingalinha (pinguim + galinha), este é o sonho que eu nunca irei esquecer na minha vida.
Veio um cão e mordeu-lhe num sítio… num sítio que os homens não gostam muito de levar
nesse sítio.

Quais são os teus medos? O que fazes quando te sentes assim?


Coisas que quase muitas pessoas têm medo. Uma granada que caísse em cima de
mim, medo que as pessoas se chateiem comigo e depois batem-me. Magoar-me, também não
gosto nada. Fujo ou faço alguma coisa em minha defesa.

E as tuas preocupações? O que fazes quando te sentes assim?


A escola. A amizade com os amigos. Fico um bocado triste.
239
Desenho Livre

Inquérito

Após a instrução para realizar um desenho o João fez o seguinte comentário: “eu não
sei bem o que vou desenhar… quase nunca costumo desenhar”.

1) O que é que desenhas-te? O que é que está a acontecer no teu desenho?


Está a acontecer… as coisas que de vez em quando acontecem no mar… um tubarão
está a passar, depois está aqui a espinha de um peixe a cair, porque um papagaio-do-
mar tinha acabado de o comer (acrescenta gotas de água). Uma medusa está aqui com
a parte de fora… a parte de cima, não sei como se chama, não tem olhos nem cara,
uma enguia, uns papagaios-do-mar, um sol e umas nuvens. Vou só desenhar uma
pedra com um caranguejo em cima (acrescenta estes elementos no desenho). Há um
caranguejo em cima de uma rocha.

240
2) História
Era uma vez no Verão ao pé das ilhas Fiji havia uma ilha com ilhas, tinha um rapaz
filho do chefe que via o… o mar, os pássaros e os tubarões que andavam por aí e as
barreiras de coral. Um dia foi com o pai à procura de outras terras habitadas para ver
se conseguia comercializar e depois voltar para o seu país sem ninguém saber de onde
é que ele era. Depois ele foi mas, o filho queria ir com ele mas, o chefe não deixava.
Depois durante a noite, a noite antes da partida, o barco já estava feito, no mar
atracado. Durante a noite construiu uma espécie de cave com uma porta transparente
que conseguia ver, feita de resina pura. Uma vez estava a andar, partiu e também tinha
uma conduta para respirar e passou lá o tempo e viu tudo o que estava aqui e também
tinha na jangada. O barco era assim desta mesa até ali (exemplifica com as mãos).
Depois tinha um buraco para ele ver o que estava a acontecer na parte de fora. Depois
eles notaram que o barco estava um bocado mais pesado e começaram a investigar
para ver o que acontecia e atiraram umas lanças à água, olharam para baixo e viram as
coisas normalmente. O rapaz conseguiu montar a cabina. Entretanto olharam para trás
e para a frente. Olharam o buraco de respirar e ver, o pai olhou para a popa e viu e
como o miúdo também estava a olhar ao mesmo tempo viram o olho um do outro e
assustaram-se. Atracaram numa ilha deserta e logo depois o pai viu que o miúdo
estava dentro do barco e o pai disse para ele nunca mais voltar a fazer aquilo e ele ir
para casa, mas não, continuaram a sua viagem, foram para outro sítio para não
perderem a oportunidade, aliás o filho disse que viu coisas muito bonitas lá de baixo, o
pai espreitou e até gostou também. Depois o pai perguntou onde está a comida e as
coisas que vão comercializar e o filho diz: “porque me deste ouvidos, bolas! Porquê?
Agora iremos passar dias e dias sem comer e iremos falecer!”. Agora o barco já está
na areia, assim depois comercializaram, eles comeram, dormiram lá e passaram pela
ilha e comeram mais ou menos à hora do almoço. O problema é que depois de terem
comido o filho que não gostava de estar na cabina vomitou e depois o pai olhou e
perguntou: “estás bem?”. “Não, não estou”. “Ah ainda bem que é ali a ilha”. “Vamos
meter nós não podemos estar sempre a tirar coisas da ilha”. Armas no barco suspensas
para se protegerem (termina a história e continua a falar enquanto se afasta da mesa e
se aproxima dos carrinhos de brincar).

241
Análise da prova

Durante o Desenho Livre o João realiza uma pressão adequada no lápis e revela-se
muito meticuloso, com muito cuidado e atenção ao pormenor. Todavia, exprime sentimentos
de pessimismo (e.g., “isto não está a sair muito bem”), insegurança e auto-exigência (e.g.,
“não consigo desenhar muito bem peixes”), nos comentários verbais. Pede-me a borracha e
apaga muitas vezes o desenho (e.g., tubarão, mar, alforreca). Revela uma necessidade
marcada de preencher o vazio da folha e o silêncio, através da sucessiva verbalização
espontânea e pedidos de apoio sobre o que deve desenhar a seguir. Por vezes, manifestou uma
atitude mais pensativa (com lentificação do pensamento) e indecisa quanto ao que desenhar,
evidenciando-se alguma confusão do pensamento durante a narrativa. No final, demonstrou
uma grande resistência em deixar de falar, acabando por sair da secretária e dirigir-se para a
pista dos carros enquanto narrava a história (pareceu-me um movimento inconsciente pela
maneira subtil como o João se dirigiu para a pista). Só terminou a história quando eu
perguntei pela segunda vez se a história terminou. Demorámos 30 minutos nesta prova,
acabando por ocupar a sessão por completo.
Após a instrução do Desenho Livre o João fez o seguinte comentário: “eu não sei bem
o que vou desenhar… quase nunca costumo desenhar”, o que pode remeter para uma defesa
na relação com o outro para se proteger da crítica e não elevar muito as expectativas da
investigadora face ao seu desempenho na prova.
No plano gráfico o João faz um desenho adequado para a idade, correspondente à
etapa do Realismo Visual (Luquet, 1984). Trata-se de um desenho simbolicamente investido e
rico em termos grafo-perceptivos, com movimento. Num cenário marinho (regressivo) como
pano de fundo observam-se alguns elementos de cariz agressivo (tubarão, peixe comido por
um papagaio-do-mar, caranguejo).
O conteúdo da narrativa afasta-se do contexto do desenho, dando lugar a uma viagem
onde exprime o desejo de se aproximar do imago paterno, de crescer, de se autonomizar,
mudar e modificar as relações com os outros “voltar para o seu país sem ninguém saber de
onde é que ele era”, mas ainda tem reservas e sente-se culpabilizado “porque me deste
ouvidos, bolas! Porquê? Agora iremos passar dias e dias sem comer e iremos falecer! (…) o
problema é que depois de terem comido o filho que não gostava de estar na cabina vomitou e
depois o pai olhou e perguntou: estás bem? e o filho: não, não estou”. A culpabilidade
(superego) surge, assim, associada à curiosidade e exploração do exterior e ao desejo de
transgressão na relação de dependência com o materno. O pai “chefe” é associado a uma
figura de poder, superegóica, hierarquizando a relação com este. Observa-se também o desejo
242
de agradar ao pai “aliás o filho disse que viu coisas muito bonitas lá de baixo, o pai espreitou
e até gostou também”. Na narrativa sobressai um discurso, por vezes, confuso e, ainda, a
dificuldade de mentalizar, recorrendo ao agir “o barco era assim desta mesa até ali
(exemplifica com as mãos)”. A narrativa termina com “armas no barco suspensas para se
protegerem”, as dificuldades internas não estão ultrapassadas, é preciso ficar atento e
prevenido.

Desenho da Figura Humana de Machover

1º Desenho

243
Inquérito

Após a instrução para que realizasse um desenho de uma pessoa o João comenta: “não
sou lá muito bom a desenhar pessoas. Posso desenhar uma pessoa qualquer, mesmo que não
exista?” (podes) “Então posso desenhar um Alien?”

Quem é esta pessoa? Como se chama e que idade tem?


Tem 7 anos, Rafael.

Qual foi o dia mais feliz da sua vida?


O 25 de Abril, porque ele não tinha muitos direitos, queria fazer coisas mas não tinha muitos
direitos, com a revolução já podia fazer as coisas todas que queria. Não tem 7 anos, tem 51
anos.

E o dia mais triste?


Quando começou, quando soube que não podia fazer as coisas que queria.

Conta-me uma boa recordação que tenha.


O dia 25 de Abril, depois da revolução dos cravos. Juntou a família toda e foram todos
festejar para o Algarve (levanta-se e brinca com os carros).

E uma má recordação?
Um dia em que já ia caindo do penhasco abaixo, foi passar umas férias à América e ia caindo
do Grand Canyon.

Conta-me uma história sobre esta pessoa.


Ele nasceu no mês em que todas as pessoas de 51 anos nascem. Quando era miúdo vivia no
campo e tratava do gado. Depois foi para Lisboa, como viveu lá muito tempo, teve filhos e
uma mulher. Depois começou a revolução, na família só os irmãos, ele e o filho estavam lá
em Lisboa, o resto estavam todos noutro sítio, na terra deles… a revolução dos cravos foi em
Lisboa? Onde começou? E depois ele começou a viver e agora tem 51 anos.
(o que aconteceu a essa pessoa?) Não sei… aposto que essa pessoa continua a viver.

1) O que é que ele/ela está a fazer? Está a dizer olá muito feliz.
2) Que idade tem? 51 Anos.
244
3) É casado/a? Sim.
4) Tem filhos? Sim.
5) Rapazes ou raparigas? Um rapaz e uma rapariga.
6) Qual é o seu trabalho? Antes trabalhava no banco, depois foi trabalhar para uma
fábrica e agora é taxista e também está na guerra do ultramar.
7) Se ainda estuda, em que ano está?
8) Qual é o seu maior desejo? …que quando ele morrer todos continuem a ter uma vida
boa, que a família dele permaneça até ao fim do mundo.
9) É saudável? Sim.
10) Tem bom aspecto? Sim.
11) Qual é a parte do seu corpo que está mais bem feita?...não sei. São mais as mãos,
apesar de ter quatro dedos. Todos os bonecos têm quatro dedos. Mas imagina que tem
cinco dedos em cada mão.
12) E qual é a menos bem feita? Eu não sei, esta parte do tronco (direita).
13) É feliz? É.
14) Quais são os seus aborrecimentos? Não tem nenhum. É difícil eu não gosto muito
das pessoas tristes. É que o mundo acabe antes que ele morra. Eu também penso isso.
Pode acabar em 2012.
15) O que o/a faz zangar? Quando sabe que as pessoas ou sítio que as pessoas que ele
mais gosta está a ter problemas por causa dele mesmo.
16) Quais são as suas manias? Tem a mania de ser o mais esperto.
17) Quais são os seus três piores defeitos? É um bocadinho resmungão, só isso.
18) Quais são as suas melhores qualidades? Não sei. É fazer as pessoas muito felizes.
19) Tem muitos amigos? Tem.
20) Mais velhos ou mais novos? Uns mais velhos, outros mais novos. Muitos amigos
foram com ele para Lisboa.
21) O que é que dizem dele/a? Que ele é muito simpático, mas também um bocadinho
resmungão.
22) Ele/a gosta da família? Gosta.
23) E da escola?
24) Sai muito com os amigos? Não os deve encontrar muito, mas dá-se bem com eles.
25) Quando é que diz que se divertiu muito? Quando era criança e partiu para uma nova
cidade, divertiu-se a brincar com os amigos durante a viagem e a chegar a Lisboa.
26) Quer casar?
27) Com que idade?
245
28) Que género de mulher quer casar?
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? Conseguir ir à lua.
30) Com quem se parece? Não sei... da minha família? Só conheço uma pessoa com 51
anos, um pai de uma colega minha.
31) Gostarias de te parecer com ele/a? Hum... não sei… não, não apetece, estou muito
bem como estou.
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Está tudo bem, só menos o
braço.

2º Desenho

246
Inquérito

Após a instrução para que realizasse um desenho de uma pessoa do sexo oposto ao
desenhado no primeiro desenho o João comenta: “desta vez vou mudar o sonho. Em vez de ir
à lua vai ser andar de pónei, que é o que eu gostava quando era pequeno (…) eu não sei
desenhar pessoas, é muito difícil desenhar pessoas”.

Quem é esta pessoa? Como se chama e que idade tem?


Chama-se Matilde, tem 50 anos.

Qual foi o dia mais feliz da sua vida?


Foi o mesmo, o 25 de Abril, era amiga do Rafael.

E o dia mais triste?


Quando começou a ditadura. Porque quando ela ia para fazer uma coisa planeava muito mas
não havia direitos para aquilo e, por isso, não podia fazer.

Conta-me uma boa recordação que tenha.


Quando andou de pónei pela primeira vez.

E uma má recordação?
Soube que houve uma explosão perto de casa de um parente seu, do seu primo.

Conta-me uma história sobre esta pessoa.


Era uma vez uma pessoa chamada Matilde que nasceu em Dezembro, 16 de Dezembro…
trabalhava no campo, essa Matilde era amiga do Rafael, trabalha no campo com ele e foi
também com ele para Lisboa e com o resto dos amigos, todos juntos, com 15 anos. Teve a
trabalhar, foi hospedeira de um hotel, depois foi… bancária e agora é recepcionista… quero
dizer agora é empresária de uma empresa.

1) O que é que ele/ela está a fazer? Também a dizer olá.


2) Que idade tem? 50 Anos.
3) É casado/a? É.
4) Tem filhos? Três.
5) Rapazes ou raparigas? Dois rapazes e uma menina.
247
6) Qual é o seu trabalho? É recepcionista, quero dizer, ela trabalha numa empresa.
7) Se ainda estuda, em que ano está?
8) Qual é o seu maior desejo? É... é dar uma volta ao mundo.
9) É saudável? É.
10) Tem bom aspecto? Sim.
11) Qual é a parte do seu corpo que está mais bem feita? ...As mãos.
12) E qual é a menos bem feita? O resto! Só as mãos estão bem feitas, a cabeça, tronco e
membros estão todos horríveis.
13) É feliz? É, muito feliz.
14) Quais são os seus aborrecimentos? …É que as pessoas a chateiem.
15) O que o/a faz zangar? As pessoas fazerem coisas más, são um bocado mal-educadas.
16) Quais são as suas manias? De ser muito bonita.
17) Quais são os seus três piores defeitos? É de ser teimosa.
18) Quais são as suas melhores qualidades? De ser muito paciente.
19) Tem muitos amigos? Sim.
20) Mais velhos ou mais novos? Muitos da sua idade, mais velhos também.
21) O que é que dizem dele/a? Que é um bocado teimosa e muito vaidosa, mas que é
muito paciente, que conseguiu não sei quanto tempo para apanhar um sapo.
22) Ele/a gosta da família? Sim.
23) E da escola?
24) Sai muito com os amigos? Sim.
25) Quando é que diz que se divertiu muito? Um dia quando os amigos construíram
uma grande casa numa árvore e logo a seguir quando foram pescar pescaram o peixe
mais grande que já tinham visto na aldeia.
26) Quer casar?
27) Com que idade?
28) Que género de homem quer casar?
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? O primeiro que eu tive foi andar
de pónei, o outro ser a pessoa mais paciente do mundo, o terceiro foi nunca morrer.
30) Com quem se parece? De facto com ninguém.
31) Gostarias de te parecer com ele/a? Não.
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Sim alterava o corpo, fiz
muito, e os pés.

248
Análise da prova

Após a instrução do Desenho da Figura Humana o João comenta: “não sou lá muito
bom a desenhar pessoas. Posso desenhar uma pessoa qualquer, mesmo que não exista?
(podes) Então posso desenhar um Alien?” (defende-se pela recusa) e no segundo desenho: “eu
não sei desenhar pessoas, é muito difícil desenhar pessoas”, o que aliado ao empobrecimento
do nível gráfico e investimento observado nesta prova em comparação com o Desenho Livre,
tal como, às respostas ao inquérito das figuras como “Gostarias de te parecer com ele/a?
hum... não sei… não, não apetece, estou muito bem como estou” e “antes trabalhava no
banco, depois foi trabalhar para uma fábrica e agora é taxista e também está na guerra do
ultramar”, “teve a trabalhar, foi hospedeira de um hotel, depois foi… bancária e agora é
recepcionista… quero dizer agora é empresária de uma empresa” podem antever dificuldades
em se projectar através da figura desenhada, em lhe atribuir uma identidade, em suma, ao
nível da auto-imagem corporal. Durante a realização do primeiro desenho o João manifesta-
se, ainda, inseguro e auto-exigente “está um bocado mal pintado”, o que também se
manifestou na fase de inquérito das duas figuras “só as mãos estão bem feitas, a cabeça,
tronco e membros estão todos horríveis”.
Quanto ao grafismo, verifica-se um maior investimento na primeira figura em
detrimento da segunda, através da utilização das cores, proporções mais adequadas, traçado
do cabelo e detalhes nos sapatos. Ainda assim, a diferenciação de sexos encontra-se
assegurada (apenas pelas diferenças no cabelo), tal como a identificação sexual ao masculino.
O contorno anguloso das figuras sugere um maior controlo das emoções e expressão
agressiva. São figuras de aparência rígida, imóvel e assustada, apesar do sorriso pouco
expressivo. Ainda que tenha desenhado apenas quatro dedos em cada mão, na fase de
inquérito da primeira figura corrige este facto “Qual é a parte do seu corpo que está mais bem
feita? ...não sei. São mais as mãos, apesar de ter quatro dedos. Todos os bonecos têm quatro
dedos. Mas imagina que tem cinco dedos em cada mão”, o que pode traduzir-se como um
menor investimento nos desenhos.
No que concerne à fase de inquérito surge uma deslocação da própria
necessidade/desejo de mudança, de crescer e autonomizar-se da relação dependente que
mantém com a figura materna para a revolução do 25 de Abril, com recurso à
intelectualização. Este último mecanismo de defesa manifesta-se também na frase “Um dia
em que já ia caindo do penhasco abaixo, foi passar umas férias à América e ia caindo do
Grand Canyon” que pode remeter para a angústia de desamparo, de perda de objecto e de
aniquilamento depressivo. Utiliza defesas na linha da negação da realidade objectiva “está a
249
dizer olá muito feliz”, “É difícil eu não gosto muito das pessoas tristes”, afectos depressivos
ligados à morte, receio da separação e perda de objecto “o terceiro (projecto/sonho) foi nunca
morrer”, “é que o mundo acabe antes que ele morra. Eu também penso isso. Pode acabar em
2012”, “quando ele morrer todos continuem a ter uma vida boa, que a família dele permaneça
até ao fim do mundo”. A culpabilidade também marca presença na resposta seguinte: “quando
sabe que as pessoas ou sítio que as pessoas que ele mais gosta está a ter problemas por causa
dele mesmo”. Ao desejar “ser a pessoa mais paciente do mundo” pode significar que não se
sente suficientemente forte para suportar as dificuldades experienciadas.

Desenho da Família

Inquérito

Após a instrução para a realização do desenho o João questiona-me “Faço um pai, um


filho e uma mãe ou uma árvore genealógica? (o que é que te parece melhor?) Não sei. Vou
fazer uma árvore genealógica”.

250
1) Quem são essas pessoas que desenhas-te, como se chamam e que idade têm? (da
esquerda para a direita)
A família Moto, não Carandaço, como indica estes lápis.
1ª Fila: - André, 9 anos, filho do André e da sua mulher;
- Cláudia, 2 meses, irmã do João e filha do Raul e da Maria;
- João, 8 anos, irmão da Cláudia e filho do Raul e da Maria;
- Inês, 1 ano, filha do Rui e mulher do Raul.
2ª Fila: - Mulher do André, 36 anos;
- André, não é André é… irmão da Maria, 36 anos;
- Maria, 35 anos;
- Raul, 33 anos, casado com Maria;
- Irmão do Raul, que é o Rui, 36 anos;
- Casada com o Rui, 35 anos.
3ª Fila: - Nuno, 63 anos, irmão da Emília;
- Emília, 62 anos;
- Casado com a Emília, 2 anos mais novo, 60 anos.
4ª Fila: - Sei lá, João, 83 anos, irmão da Maria da Conceição;
- Maria da Conceição, 91 anos, mulher do Egas Moniz;
- Pai da Emília, Egas Moniz, a única coisa que me lembrei, até pode ser… 93
anos.
5ª Fila: - Sofia, 133 anos, mãe da Maria da Conceição;
- Marido da Sofia, Oslavaco, era de outro país, 134 anos.
6ª Fila; - Irmão da Mónica, 163 anos, Duarte;
- Mónica, 154 anos;
- Eduardo, 154 anos, marido da Mónica.
7ª Fila: - Matilde, 183 anos;
- Marido da Matilde, Mário, 185 anos.

Comenta: “Eu tenho um livro igual àquele lá em casa, que diz Juan Miró”

2) O que está a acontecer no teu desenho? Porquê?


Isto é suposto ser imóvel. Estes aqui estão a fazer alguma coisa, a tirar férias (da 3ª
geração a baixo). Os avós estão na terra, são tão velhos que é mais difícil fazer as
coisas.

251
3) Quem é o mais feliz? Porquê?
O bebé, brinca com uma das coisinhas e por isso fica feliz.

Quem é o menos feliz? Porquê?


Não sei. Eu acho que é um destes dos bisavós, são velhinhos, já tá perto do fim, deve
estar um pouco infeliz.

4) Quem é o mais simpático? Porquê?


Pai do meio. Porque tem uma grande família e aprendeu a ser muito simpático com
eles todos.

Quem é o menos simpático? Porquê?


Não sei. Acho que não há, é difícil. Ok é este aqui, está a fazer partidas aos outros
(figura da 1ª Fila à esquerda, André, 9 anos).

5) Quem manda mais? Porquê?


Não sei. Os bisavôs – 4ª geração. São os mais velhos, quase toda a gente tem respeito
por eles.
(?) Os mais velhos já pifaram.

Quem manda menos? Porquê?


O bebezinho, porque é muito novinho.
Não existem aqui manipuladores (aponta para a 1ª Fila, figuras à direita).
Mais egoísta (aponta para a 2ª Fila, à esquerda, mulher do André).
Mais coragem (aponta para a 2ª Fila, Maria, mulher ao meio).

6) Se tivesses que escolher uma pessoa desta família, quem é que preferias ser?
Porquê?
O André, 9 anos. Porque eu gosto de pregar algumas partidas, mas também deve ter
outras… mais coisas, ser mais… não consigo! Ter mais personalidades, porque não é
lá muito mais novo nem mais velho, consegue subir pedregulhos como eu! E não cair!
Principalmente se tiver uma coisa no topo.

7) Se fossem todos dar um passeio de carro mas não houvesse lugar para uma
pessoa, quem ficaria em casa? Porquê?
252
Este (3ª Fila à direita, casado com a Emília). Devia de ser uma das bisavós que era
muito velhinha e tinha que tratar bem da outra (4ª Fila, à direita, pai da Emília, Egas
Moniz).

8) Se alguém não se tivesse comportado bem quem seria? Como seria castigada?
Quem é que dava o castigo?
O André, porque ele faz muitas partidas. O pai dele ou a mãe. (?) O pai. Eu não sei, é
tão difícil! Lavar a loiça e arrumar o quarto.

9) Se pudesses mudar alguma coisa no teu desenho o que é que mudarias? Porquê?
Devia meter olhos e bocas nos bonecos. Não tenho paciência para fazer assim
(gesticula na mesa).

Análise da prova

O João demorou algum tempo a realizar o desenho. Ao longo da prova realizou


inúmeros comentários verbais parecendo sentir a necessidade de preencher o espaço
experienciado como vazio. Alguns destes comentários expressavam a necessidade de apoio
por parte da observadora e tinham um cariz de auto-desvalorização e indecisão (e.g., “Olha já
fiz isto – mostra-me a folha – Não se percebe nada”; “isto está muito mal pintado (…) está
mal pintado de certeza!”). Queixou-se de dores num braço após pintar o desenho com mais
força “foi até às artérias. Vejo as veias do sangue a passar”. Eu fiz-lhe festas no braço e
perguntei-lhe se assim já se sentia melhor. O João passou a queixar-se menos, dizendo-me
que precisava de descansar o braço por causa do esforço de pintar e acrescenta enquanto
recomeça a pintar: “Ah agora é a articulação! (…) Agora já estou melhor (…) Não consigo
pintar muito bem, só desenhar”.
Após uma hesitação inicial o João opta por desenhar uma árvore genealógica e
escolher o nome da família colando-se ao nome da marca impressa no lápis. Deste modo,
defende-se de fazer escolhas, posicionar os elementos da família segundo as suas
preferências, projectar no desenho os seus desejos, sentimentos, pulsões agressivas e/ou
libidinais uma vez que os elementos/relações já se encontram pré-definidos, imóveis na
própria árvore genealógica. Ainda assim, o conceito de família e a diferenciação de gerações
surgem integrados. À semelhança do Desenho da Figura Humana observa-se um menor
investimento no plano gráfico em comparação com o Desenho Livre, o que pode indiciar
algumas resistências em provas de cariz mais projectivo.
253
Na fase de inquérito expressa o desejo de ser pequeno (“Quem é o mais feliz? Porquê?
O bebé, brinca com uma das coisinhas e por isso fica feliz”), dificuldades de separação e de
perda do objecto ligadas à morte (“Quem é o menos feliz? Porquê? Não sei. Eu acho que é um
destes dos bisavós, são velhinhos, já tá perto do fim, deve estar um pouco infeliz”), recusa dos
aspectos negativos (“Quem é o menos simpático? Porquê? Não sei. Acho que não há, é difícil.
Ok é este aqui, está a fazer partidas aos outros). Aparentemente o João identifica-se com o
elemento André, de 9 anos, um menino que tal como o João gosta de pregar algumas partidas
aos outros, segundo o próprio, o que pode remeter para um vivido de culpa. Neste contexto, a
personagem que representa a mãe do André que o João identificou espontaneamente como
“egoísta” pode associar-se ao imago materno. Observa-se, ainda, o recurso a mecanismos de
defesa na linha do evitamento, optando por um dos elementos da família alargada para ficar
em casa na sétima questão e formação reactiva ao colocar o André de castigo pelo pai em
actividades de limpeza e arrumação. No final, surgem, uma vez mais, sentimentos de
insegurança e auto-exigência relacionados com o desempenho no desenho.

Inventário de Depressão para Crianças

Análise inter-individual

O João obteve um total de 21 pontos no instrumento, o que o situa no Grupo 2 (nível


intermédio) face à intensidade de sintomas depressivos que apresenta. Assim, estes resultados
não são passíveis de uma classificação como “caso depressivo” e “caso não depressivo” de
acordo com a adaptação portuguesa da prova.

Análise intra-individual

Perfil de Itens
Intensidade do Item

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27
Itens

254
Observando o gráfico alusivo ao perfil de itens verifica-se uma maior incidência de
itens na intensidade mínima (12) e média-inferior (11 itens). Na intensidade média-superior
(3) e superior (1) encontram-se itens associados a dificuldades escolares, pessimismo,
preocupação excessiva e sentimentos de insucesso.
Considerando o diagnóstico clínico de depressão e as características do funcionamento
psíquico do João observadas nos restantes instrumentos aplicados coloca-se em hipótese o
emprego de mecanismos de defesa como a negação ao longo da passagem da prova, o que
pode ter condicionado os resultados obtidos.

Teste de Relações Familiares, Versão Crianças

Tabela 1 – Número de itens emitidos e recebidos positivos/negativos (leves/fortes) atribuídos


aos membros da família.

Emitidos Emitidos Recebidos Recebidos Total de


Positivos Negativos Positivos Negativos Envolvimento
Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes
Ninguém 0 3 3 4 0 2 2 7 21
João 4 0 3 0 0 0 0 0 7
Pai 7 1 0 0 3 0 5 0 16
Mãe 4 1 2 0 5 1 5 0 18
Irmã 4 5 2 4 5 6 3 1 30

O João colaborou durante a realização da prova TRF manifestando um comportamento


mais estável e concentrado no início da prova que com o evoluir da sessão tornou-se mais
agitado e disperso. Ao colocar o item “63. Esta pessoa da família não brinca comigo quando
eu gostaria que brincasse” nas figuras que representam os pais acrescenta “eles estão muito
ocupados”.
Atendendo aos itens positivos/negativos emitidos e recebidos pelos membros da
família (Tabela 1) observa-se um forte envolvimento emocional com a irmã, seguindo-se a
mãe, o pai e o João, respectivamente. Por esta ordem foram também distribuídos os afectos
negativos, sendo a irmã a figura que obteve mais afectos negativos e o João o número menos
significativo deste tipo de afectos. No Ninguém foram colocados os afectos negativos e os
afectos positivos fortes recusando e negando a sua atribuição aos elementos da família
inibindo, assim, a expressão agressiva e erotizada nas relações.
255
30

25

20

15

10

0
Ninguém João Pai Mãe Irmã

Figura 1 – Número total de itens associados a cada membro da família.

A leitura da Figura 1 permite destacar um forte envolvimento emocional com a irmã


do João (30 itens), seguindo-se a mãe (18 itens) e pai (16 itens). O João surge na última
posição com a atribuição de apenas sete afectos. Através da colocação dos afectos negativos e
dos afectos positivos fortes na figura Ninguém observa-se um movimento defensivo
substancial na linha da negação e da recusa.

5 Positivos
4 Negativos

0
Ninguém João Pai Mãe Irmã

Figura 2 – Número de itens positivos e negativos emitidos a cada membro da família.

Atendendo à análise dos afectos positivos e negativos emitidos pelo João (Figura 2)
sobressai um forte envolvimento emocional com a irmã marcado por uma relação
256
ambivalente, contudo os afectos positivos como “gosto que esta pessoa da família me dê
beijinhos”, “gostava que esta pessoa da família estivesse sempre ao pé de mim” e “gosto de
abraçar esta pessoa da família” destacam-se face aos afectos negativos como “apetece-me
bater nesta pessoa da família”, “fico farto desta pessoa da família” e “quero fazer coisas só
para chatear esta pessoa da família”, o que pode reenviar para uma relação próxima e
afectuosa, contudo, marcada pela rivalidade fraterna. A relação com o pai encontra-se
idealizada e a relação com a mãe apesar da prevalência de afectos positivos surge ligada aos
afectos negativos “não tem muita paciência” e “fica zangada demais”, podendo associar-se ao
vivido de uma figura materna punitiva e autoritária. A auto-estima do João representa-se de
forma ambivalente e em conflito, com apenas mais um item de afectos positivos face aos
negativos. Assim, foram atribuídos afectos positivos leves que traduzem defesas maníacas “é
muito alegre” e “é muito divertida” (itens apenas atribuídos ao João) e afectos negativos
associados a sentimentos de inferioridade e culpabilização “irrita-se muito depressa”, “queixa-
se demais” e “fica chateada sem ter razão para isso”. Na figura Ninguém foram colocados os
afectos positivos fortes, mas sobretudo os afectos negativos de forma a negar a expressão da
agressividade e erotização sobre os elementos da família. Neste último grupo de afectos
situam-se os itens “gostava de poder dormir na mesma cama com esta pessoa da família”,
“gostasse mais de mim do que dos outros” e “quando me casar gostava que fosse com uma
pessoa parecida com esta pessoa da família”, o que pode remeter para o desejo de
autonomização do João e possível superação do complexo edipiano.

12

10

Positivos
6
Negativos
4

0
Ninguém João Pai Mãe Irmã

Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.

257
Na análise dos afectos positivos/negativos recebidos pelo João face aos elementos da
família (Figura 3) sobressai novamente um forte envolvimento emocional com a irmã, desta
vez de forma relativamente idealizada face ao número elevado de afectos positivos atribuídos
a esta figura em detrimento dos afectos negativos. Entre os afectos positivos sobressaem os
erotizados como “gosta de me dar beijinhos”, “gosta de me abraçar”, “gosta de estar na cama
comigo” e “quer estar sempre ao pé de mim”. Nos afectos negativos surgem os itens “faz-me
uma cara zangada”, “manda-me embora”, “fica zangada comigo” e “bate-me muito”, podendo
remeter para a percepção de rivalidade fraterna com a irmã, mas também para o sentimento de
inferioridade na relação com esta. A relação com a figuras parentais apresenta-se ambivalente,
com a mãe a obter um maior número de afectos positivos face aos negativos com destaque
para o afecto positivo erotizado “gosta de me dar beijinhos” apenas atribuído à mãe e à irmã.
O pai, por sua vez, obteve um número superior de afectos negativos face aos afectos
positivos. Assim, foram atribuídos os mesmos itens negativos a estas duas figuras, tais como,
“faz-me uma cara zangada”, “não brinca comigo quando eu gostaria que brincasse”, “ralha
comigo”, “fica zangada comigo” e “está muito ocupada para ter tempo para mim”, o que pode
remeter para a representação da relação com estas figuras numa linha autoritária e pouco
disponíveis para as necessidades do João. O João utiliza a figura Ninguém para a atribuição
dos afectos positivos fortes e negativos negados e recusados de serem associados aos
elementos da família. Os afectos erotizados negados foram “gosta de me ajudar quando estou
a tomar banho” e “gosta mais de mim do que dos outros” ligando-se ao desejo de
autonomização e possível acesso à resolução do complexo edipiano.

12
10
8
6
4 Emitidos Positivos
2 Recebidos Positivos
0 Emitidos Negativos
-2
Recebidos Negativos
-4
-6
-8
-10
Ninguém João Pai Mãe Irmã

Figura 4 – Direcção dos afectos emitidos e recebidos positivos/negativos.


258
Avaliando a direcção dos afectos positivos/negativos emitidos e recebidos pelos
elementos da família (Figura 4) observa-se a percepção de um número superior de afectos
positivos recebidos na relação com a mãe e com a irmã, ainda que a diferença face aos afectos
positivos emitidos não seja significativa. Quanto aos afectos negativos, na relação com a mãe
destacam-se os afectos recebidos, podendo sentir esta relação como pouco valorizada por
parte desta figura. Com a irmã sente que emite mais afectos negativos face aos recebidos,
ainda que a diferença não seja significativa. Por outro lado, na relação com o pai surge um
número acentuado de afectos positivos emitidos em detrimento dos recebidos, que aliado à
atribuição de afectos negativos apenas recebidos remete para a percepção de uma relação
pouco valorizada e correspondida face aos desejos do João por parte do pai. A auto-estima do
João surge de forma ambivalente, com um número próximo de afectos positivos e negativos.
O João recorre à figura Ninguém para a colocação sobretudo dos afectos negativos
negados/recusados de se expressarem nos elementos da família bloqueando, assim, a
agressividade.

Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de dependência (superprotecção


materna e superindulgência paterna/materna).

Superprotecção Superindulgência Total de


materna Paterna Materna Dependência
Ninguém 0 0 0 0
João 6 5 4 15
Pai 5 1 4 10
Mãe 3 5 0 8
Irmã 8 5 5 18

A análise da Tabela 2 permite-nos aceder aos sentimentos de dependência dos


membros da família relativos à superprotecção materna e superindulgência parental. Desta
forma, verifica-se a percepção da irmã como a figura mais dependente da família e com a qual
o João rivaliza pela protecção dos pais (sobretudo da mãe), situando-se na posição seguinte. O
pai é a figura que se segue através da atribuição de protecção e indulgência materna e, por
último, a mãe, disputando com os filhos a protecção paterna.

Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)

Na figura do Ninguém o João defende-se colocando os afectos positivos erotizados e


negativos recusados/negados de se expressarem nos elementos da família bloqueando, assim,

259
a agressividade e erotização das relações. Desta forma, manifesta o desejo de autonomização
e o possível acesso à resolução do complexo edipiano. Observa-se um grau acentuado de
neuroticismo.
A auto-estima do João surge de forma ambivalente e em conflito através da presença
de afectos positivos que remetem para defesas maníacas e afectos negativos que traduzem
sentimentos de inferioridade e culpabilização. À semelhança da irmã é uma das figuras da
família mais dependente e que mais carece da protecção dos pais.
A relação com o pai é percepcionada de forma idealizada quanto aos afectos emitidos
pelo João, através da atribuição exclusiva de afectos positivos. No plano dos afectos recebidos
pela figura paterna a relação encontra-se ambivalente com um número superior de afectos
negativos face aos positivos. Posto isto, afigura-se a percepção de uma relação pouco
valorizada e correspondida face aos desejos do João por parte do pai, representando esta
figura de forma autoritária e pouco disponível para o João. O pai surge como uma figura mais
dependente que a mãe, beneficiando da protecção materna.
Com a mãe a relação surge de forma ambivalente quanto aos afectos recebidos, ainda
que, sobressaiam os afectos positivos face aos negativos e o número de afectos positivos
emitidos/recebidos seja quase equivalente, com prevalência dos recebidos. No plano dos
afectos negativos destacam-se os recebidos, sentindo esta figura como punitiva, autoritária e
pouco disponível para as necessidades do João. A mãe partilha com os filhos o sentimento de
protecção paterna.
A irmã é a figura com a qual o João estabelece um forte envolvimento emocional,
embora dispute com ela a protecção dos pais, sobretudo da mãe. Assim, esta relação surge de
forma ambivalente quanto aos afectos emitidos pelo João e de forma relativamente idealizada
face aos afectos recebidos por parte da irmã, com a presença de afectos erotizados que
traduzem uma relação próxima e afectuosa com esta figura, contudo, marcada pela rivalidade
fraterna e pelo sentimento de inferioridade do João face à irmã.

As Aventuras de Pata-Negra

1ª Etapa – Frontispício

PN:
Porque tem uma pata preta.
Não sei…macho.
Leitão de 11 meses.
260
Dois porquinhos:
São os seus irmãos.
Esquerda – menina.
Direita – menino.
Todos têm a mesma idade. O PN é o mais velho, a seguir a irmã, o irmão segue-se.

Porcos grandes:
Pais.
Em baixo – mãe, 16 anos.
Em cima – pai, 16 anos.

“Os porcos vivem um bocado menos. Devem ser um bocado mais velhos com 16 anos,
devem ser tipo os cães”.

Ao PN o João atribuiu uma idade ligada à realidade objectiva, não recorrendo à


simbolização, o que remete para defesas rígidas. A identidade sexual revela-se ainda pouco
definida, no entanto, opta por atribuir-lhe o mesmo sexo que o seu, o que remete para uma
tendência de maior identificação com o personagem da história.
Os dois porquinhos representam a relação com os irmãos, atribuindo-lhes a mesma
idade, o que reenvia para a defesa pela ancoragem à realidade objectiva. Contudo, distingue-
os tornando o PN como o irmão mais maduro (conferindo-lhe mais poder), seguindo-se a irmã
(semelhante à família real do João) e o irmão, por último.
Os dois porcos grandes associam-se à relação com as figuras parentais, obtendo ambos
a mesma idade, sem definir por esta via a figura de maior autoridade. A atribuição dos sexos e
papéis parentais é percepcionada de forma adequada. Por último, introduz um comentário que
remete para a defesa pela racionalização da idade dos porcos.

2ª Etapa – Os Temas

Ninhada
A mãe teve três filhotes... não sei… ai isto é muito confuso! Estes aqui acho que são os
três irmãos. O PN estava no nascimento dos seus outros três irmãos e foi só isto.
(?) A seguir eles cresceram um bocadinho. Não sei se isto é só os irmãos do PN…

261
O João acede à problemática do cartão alusiva ao nascimento e relação precoce com o
imago materno não abordando a rivalidade fraterna. O seu discurso é curto e marcado por
silêncios intra-relato, recusas “não sei” e evitamento do conflito no final da história,
revelando-se muito defensivo.

Pequena Escada
O PN queria apanhar umas maçãs e então pediu ao pai para se empoleirar na árvore
para apanhar maçãs, não bolotas. Depois ele apanhou as bolotas.

Num cartão que reenvia para a função de holding de uma das figuras parentais o João
associa-a ao pai, revelando uma função de apoio sólida. A identificação ao imago paterno
parece afigurar-se.

Noite
Era uma vez naquela noite o PN viu que ninguém estava acordado e saiu do celeiro.

Nesta história sobressai o sentimento de exclusão relativamente ao casal parental e o


evitamento do conflito através do deslocamento da curiosidade para o exterior, perante as
solicitações fantasmáticas de um cartão que apela para a curiosidade sexual e fantasmas da
cena primitiva.

Buraco
E depois andou a passear durante a noite e perdeu-se e depois encontrou o caminho
de volta.

Seguindo-se ao sentimento de exclusão do casal parental e deslocamento da


curiosidade para o exterior surge a ligação a um cartão que apela justamente para a exclusão,
solidão e punição “perdeu-se” num contexto de perigo (culpabilização). Ainda assim, a
capacidade de reparação parece assimilada “e depois encontrou o caminho de volta”.

Batalha
Depois eles os dois começaram a brincar, o PN e os seus irmãos. Depois começaram
à luta, o PN e o seu irmão mais novo, depois fizeram as pazes.

262
O conteúdo simbólico do cartão relativo à rivalidade fraterna e sentimentos de
culpabilidade subjacentes são reconhecidos, remetendo para a interiorização dos interditos
superegóicos.

Brincadeiras Sujas
E o PN e os seus irmãos foram brincar para a lama e sem querer o PN atirou um
bocadinho de lama para a cara da mãe.

Perante um contexto anal que apela à agressividade face a uma figura parental o João
acede ao conteúdo latente do cartão, optando por dirigir o acto agressivo à mãe, demonstrando
o desejo de separação do primeiro objecto de amor. O recurso a um contexto lúdico e às
expressões “sem querer” e “atirou um bocadinho” reenviam para a interiorização dos
interditos superegóicos.

Bebedouro
Depois o PN a meio da noite quis fazer cocó e fez no sítio da comida, cocó não…
(?) Eu não disse cocó não…

O João reconhece a expressão de agressividade sobre as figuras parentais atribuindo-


lhe uma dimensão anal, ainda que tente negar a representação agressiva por força dos
mecanismos defensivos ligados ao superego.

Como terminam as aventuras?


Ele vai crescer e depois também vai ter filhos e depois quando for muito, muito, muito
velhinho irá morrer.

Representação de continuidade e evolução ao longo da vida, ainda que se assista a


uma angústia depressiva associada à ideia de morte acentuada pela repetição “muito, muito,
muito velhinho” permitindo distanciar a presença da morte, símbolo da separação.

Acrescentou:

Sonho Mãe
O PN sonhou com a mãe disse que gostava muito, muito dele e deu-lhe um beijinho.

263
Num cartão que traduz a relação com o imago materno o João projecta o desejo de
uma relação próxima e afectiva com o filho por parte mãe. A capacidade de diferenciar o sexo
e os papéis parentais parece, assim, integrada.

Sonho Pai
E com o pai sonhou que ia buscar maçãs e bolotas com ele e... deu-lhe um beijinho.

Num cartão que apela para a relação com o imago paterno o João projecta uma relação
afectiva onde partilha uma actividade com o pai e se identifica à função paterna, neste caso de
obter comida.

3ª Etapa – Preferências-identificações

 Cartões de que gosta (A)

Bebedouro
A1) Porque o PN está a fazer cocó, acho engraçado. O irmão mais novo.

Ainda que reconheça o conteúdo latente do cartão que remete para a agressividade
face às figuras parentais e lhe associe uma dimensão anal não se identifica com o PN,
remetendo para uma defesa na ordem da formação reactiva.

Ganso
A2) Porque está a ser… mordido no rabo por um ganso (?) é um dos irmãos, a irmã.
O ganso acho que é macho. Não, acho que é fêmea. O que está a ver, PN.

O tema da agressividade é acedido pelo João representando, todavia, a agressividade


no contexto das relações na fratria (rivalidade fraterna).

Brincadeiras Sujas
A3) Porque atirou lama para a cara do pai. O que está a atirar lama, PN.

Ao colocar o pai na posição de receptor da agressividade dirigida pelo PN traduz um


conflito que remete para a rivalidade de tipo edipiana, o que simboliza um recuo face à

264
narrativa do cartão na etapa precedente onde a mãe figurava como a figura parental receptora
da pulsão agressiva.

Batalha
A4) Porque os irmãos andam à luta, a morder um ao outro. O PN.

A problemática da rivalidade fraterna é reconhecida pelo João.

Partida
A5) É giro que o PN esteja a passear pelo campo, a ir. O PN.

Esta resposta aborda a temática da solidão em situação de independência, ainda que a


palavra “é giro” utilizada para classificar esta acção pode remeter para uma negação da
angústia de separação experienciada.

Pequena Escada
A6) Porque o pai está a ajudar o PN a ir buscar as bolotas. O PN.

O pai afigura-se como o imago parental encarregue de assegurar a função de holding


ao filho.

Buraco
A7) Porque é giro quando o PN anda à noite a ver as coisas.
(?) Está a passear pela noite escura. O PN.

Mais uma vez, num cartão que apela à solidão, desta vez, num contexto de perigo o
João revela-se defensivo e nega as dificuldades experienciadas ao nível da angústia de
separação e face ao confronto com a angústia depressiva, à qual se revela sensível “noite
escura”.

Noite
A8) Porque o PN está a ver o que está lá fora.
(?) A lua. O PN.

265
A curiosidade sexual e relativa aos fantasmas da cena primitiva é deslocada para o
exterior, evitando, deste modo o confronto com o sentimento de exclusão relativamente ao
casal parental.

Sonho Pai
A9) Porque gosto de ver que o PN gosta muito do pai e de sonhar com ele. O PN.

A diferenciação de sexos e de funções parentais parece assegurada, numa resposta que


reenvia para uma relação afectiva com a figura paterna.

Sonho Mãe
A10) Porque gosto... o PN gosta muito da mãe e até sonha com ela. O PN.

Mais uma vez, a capacidade de diferenciar os sexos e as funções parentais parece


assegurada. A resposta reenvia para uma relação afectiva com o imago materno.

 Cartões de que não gosta (nA)

Beijo
nA1) Porque é um bocadinho piegas nesta parte do beijinho.
Em vez deles estarem a dar um beijinho deviam estar a comer erva, a passear. O
porquinho que está aqui a ver, PN.

Num cartão que remete para a problemática edipiana o João acede ao conteúdo
simbólico, ainda que, desvalorize a proximidade libidinal entre as figuras parentais e defenda-
se recorrendo ao evitamento e deslocamento do conflito para a esfera do fazer “deviam estar a
comer erva, a passear” podendo sentir-se excluído da relação de casal.

Mamada 1
nA2) Porque o porco está a mamar.
A mãe podia estar a dar festinhas ao filho. Uma das ervinhas.

Esta resposta traduz uma defesa face à problemática oral através do deslocamento para
o contacto libidinal na relação privilegiada com o materno.

266
Mamada 2
nA3) A mesma coisa, por causa do porco a mamar (ri-se).
A mãe estar a fazer festinhas ao PN e depois os irmãos iam a correr para também
terem festinhas. O irmão mais novo.

À semelhança da resposta ao cartão anterior, a relação com o materno, neste caso, num
contexto de rivalidade fraterna é deslocada da temática oral para o contacto libidinal.

Cabra
nA4) Esta acho um bocado esquisito, um porco estar a mamar de uma cabra.
A cabra podia ser professora dele. Uma ervinha.

O João acede ao conteúdo latente do cartão, ainda que, não aceite o substituto
materno.

Hesitação
nA5) Porque está outra vez um porco a mamar e podia estar a beber água.
Este estivesse a beber água, o irmão mais novo. O PN.

Observa-se uma reacção às questões associadas à oralidade e representação da figura


materna como primeiro objecto parecendo optar pela renúncia a este tipo de relação para
investir no processo identificatório.

Carroça
nA6) Porque o PN está a sonhar que os seus outros três irmãos estão a ser levados.
Os porcos, os irmãos mais novinhos estivessem a morder o homem. O PN.

O João acede ao conteúdo latente do cartão e encena a agressividade face aos irmãos
numa alusão à rivalidade fraterna. Por força da censura superegóica tenta reprimir este desejo
com a possibilidade de os irmãos se defenderem e escaparem ao homem que os quer afastar
da família.

Ninhada
nA7) É um bocado confusa, não sei se aqueles são os outros três irmãos e baralha-me
um bocado.
267
Gostaria que em vez de serem aqueles três irmãos fossem os três irmãos antigos a
nascerem, o PN e os dois irmãos. O PN.

A resposta remete para a rivalidade fraterna através da supressão dos irmãos,


ocupando o seu lugar privilegiado e exclusivo junto da figura materna.

4ª Etapa – Questões Dirigidas

Noite
Sim, acho que isto aqui é uma ovelha, a sombra de uma ovelha.

5ª Etapa – Questões de Síntese

1) Quem é o mais feliz? Porquê?


O PN. Porque acontece muitas... depois há o irmão mais velho e a outra, depois tem
um pai e uma mãe que ele adora e adora a sua vida.

Quem é o menos feliz? Porquê?


Eu acho que não há.
(?) O irmão mais novo porque é mais pequeno e a irmã e o irmão mandam nele, não
mandam, quer dizer, eles podem fazer mais coisas que ele e ele não pode fazer tantas coisas.

2) Quem é o mais simpático? Porquê?


O pai. Porque ele ofereceu-se para o PN subir aos seus ombros e para o PN ir buscar
bolotas.

Quem é o menos simpático? Porquê?


A irmã, é a do meio. Acha-se muito convencida, acha-se a mais esperta.

3) Quem é que gostarias de ser?


O PN.

268
4) O que achas que vai acontecer ao PN?
Ele vai ter uma vida muito, muito boa. Irá crescer, ter filhos e depois irá fazer o que
as pessoas mais velhinhas fazem. Depois também irá contar as histórias da sua vida a outros
porquinhos e vão todos adorar.

5) O que é que o PN pensa da sua pata-negra?


Pensa que é muito importante. Porque ele é o único da sua família que tem uma pata
negra.

6) Cartão Fada:
Desejo 1: Que tivesse uma longa vida.
Desejo 2: Três filhos.
Desejo 3: E que a sua patinha negra desse-lhe muita, muita sorte.

Síntese da Análise da Prova

Preferências-identificações
Os Temas Preferências Identificações
Cartões Aceite (A)/Não Agradável Assumida Total
Aceite (nA) (A)/Não (A)/Não
Agradável (nA) Assumida (nA)
Bebedouro A A nA 2A
Beijo nA nA A 1A
Batalha A A A 3A
Carroça nA nA A 1A
Cabra nA nA nA 3nA
Partida nA A A 2A
Hesitação nA nA A 1A
Ganso nA A A 2A
Brincadeiras A A A 3A
Sujas
Noite A A A 3A
Ninhada A nA A 2A

269
Sonho Mãe nA A A 2A
Sonho Pai nA A A 2A
Mamada 1 nA nA nA 3nA
Mamada 2 nA nA nA 3nA
Buraco A A A 3A
Pequena A A A 3A
Escada

O João colaborou na prova Pata Negra, revelando alguma insegurança e indecisão nas
respostas dadas. Realizou comentários verbais ricos e adicionais à prova. Manifestou sentir-se
cansado a partir, sensivelmente, do meio da prova, aumentando o comportamento de
irrequietude na 5º Etapa – “Questões de síntese”, onde se levantou da cadeira e começou a
vaguear pela sala observando-a atentamente, continuando a responder-me às questões
colocadas.
Através da tabela que resume o modo de expressão das temáticas inerentes à prova
pode-se observar uma maior censura dos temas ligados à oralidade (Cabra, Mamada 1,
Mamada 2 e Hesitação), agressividade (Hesitação e Carroça) e triangulação edipiana (Beijo),
podendo remeter para dificuldades na elaboração destes conflitos. Assim, entre os
mecanismos de defesa utilizados ao longo da prova destacam-se o evitamento, formação
reactiva, negação, racionalização, sobreinvestimento da realidade perceptiva e recusa.
Aparentemente o conflito edipiano não se encontra completamente ultrapassado.
Apesar de realizar uma diferenciação adequada dos sexos, papéis parentais e gerações e
demonstrar uma identificação à figura paterna e, por vezes, projectar o desejo de separação da
figura materna através da agressividade que lhe é dirigida, rivaliza com o pai e demonstra
dificuldades na elaboração dos sentimentos de solidão face à exclusão do casal parental. Desta
forma, no contexto da angústia de separação surge o sentimento de culpabilidade e uma
vivência depressiva. No entanto, revela a integração do Superego.
A relação com a figura materna é representada de forma afectiva.
A figura paterna assegura uma função de apoio sólida, permitindo a identificação do
filho e uma relação afectiva com este.
Na relação com os irmãos sobressai a presença de rivalidade fraterna acentuada,
representando a supressão dos irmãos mais novos de forma a ocupar o seu lugar privilegiado e
exclusivo junto da figura materna.

270
Anexo P: Estudo de Caso 4 – Mariana (9 anos e 9 meses)

A Mariana de nove anos e nove meses é uma menina que se encontra no 4º Ano do 1º
Ciclo do Ensino Básico. Apresenta um desenvolvimento estato-ponderal adequado à sua idade
e género e um aspecto físico cuidado e investido. Estabeleceu um contacto fácil, revelando
uma atitude muito interessada e colaborante ao longo das provas administradas, ainda que, por
vezes, manifeste uma conduta agitada e necessite de apoio da observadora. Demonstrou a
necessidade de agradar e constituir uma relação com a observadora através de elogios e de
sucessivas perguntas relativas ao contexto pessoal. Muito comunicativa e expressiva,
verbalizou com frequência de forma espontânea. Manteve contacto ocular, aparentando um
olhar triste. Demonstrou uma auto-confiança baixa, ansiedade de separação de ambos os pais
e a necessidade de atenção e mimo constantes por parte destes. Durante a entrevista aos pais
começou a chorar quando a mãe respondeu à questão sobre falecimentos, separações ou
divórcios na família, queixando-se de dores de barriga (acalmou-se quando passou do colo da
mãe para o colo do pai – recusou sentar-se numa cadeira durante toda a entrevista). Na
terceira e última sessão conta-me que se constipou, tem tosse e cortou-se num dedo, o que
pode remeter para a necessidade de ser cuidada. Transparece, ainda, alguma imaturidade na
sua conduta através de risos frequentes e da utilização de linguagem ‘abebezada’.
Na sequência de um ano de intervenção psicológica no Centro de Saúde sem
resultados aparentes, foi encaminhada para a Unidade de Pedopsiquiatria pelo Médico de
Família, com queixas de dificuldades de concentração e aprendizagem na escola.
Actualmente beneficia de consultas terapêuticas de frequência quinzenal em psicologia
há aproximadamente sete meses, assim como de intervenção familiar junto dos pais com a
pedopsiquiatra da Unidade. Desde há cerca de nove meses que a Mariana toma
psicofármacos: durante os primeiros cinco meses é-lhe administrado Risperdal solução oral
(Risperidona) 0,5ml (neste momento a mãe é também seguida em consultas de psiquiatria e
medicada com um antidepressivo e ansiolítico), seguindo-se um período de cerca de três
meses de Risperdal solução oral 0,25ml e, por fim, no dia em que se inicia a recolha dos
dados associados a esta investigação, retoma a dose de 0,5ml de Risperdal por cerca de um
mês (interrompe a medicação no Verão para avaliação da sua situação. Sem reconhecer as
melhorias na conduta da Mariana mencionadas pela psicóloga, a mãe pede novamente a
medicação para a filha por a sentir muito agitada).
A Mariana vive com os pais e o irmão de dezassete anos, com os quais mantém uma
boa relação. A mãe descreve-a como uma criança muito sociável que se dá bem com todas as
pessoas, incluindo os colegas da escola, fazendo amigos com facilidade. No entanto, refere
271
que “o Joaquim (irmão) é muito diferente da Mariana, sempre foi muito mais calmo e
organizado. Sempre gostou de ter o quarto arrumado, mesmo quando os amigos iam brincar lá
a casa”. A mãe sente que a filha é muito ciumenta e rivaliza com o irmão pela atenção da mãe.
Faz birras, pede muito mimo e “tenta sempre agradar aos outros”, culpabilizando-se também
com frequência. Em comparação com o comportamento na escola, para a mãe, em casa a
Mariana é uma criança muito mais calma que acata as regras.
Até há cerca de um ano, a mãe era costureira, tendo abdicado desta profissão para se
tornar proprietária de um café em conjunto com a sogra “tenho muito mais tempo agora para
estar com ela (Mariana)”, refere. Contudo, a mãe considera que se sente muito nervosa desde
que deu início ao emprego no café, tendo dificuldades em dormir (pede para ser acompanhada
em consultas de psicologia/psiquiatria e é medicada com o antidepressivo Triticum AC). A
avó materna da Mariana faleceu com Alzheimer há cerca de três anos e a tia materna
suicidou-se quando a Mariana tinha oito/nove meses. O pai da Mariana viveu três anos em
França (entre os cinco e os oito anos da filha) devido ao trabalho, sentindo-se culpado com
esta ausência. No que concerne à relação do casal, a mãe tem por hábito dormir no sofá da
sala enquanto o pai dorme na cama do casal.
Fisicamente a mãe da Mariana apresenta um aspecto envelhecido face à sua idade. A
face encontra-se um pouco estragada, com rugas. Apresentou-se com vestuário limpo e
cuidado, adequado à sua idade e género. Estabeleceu um contacto adequado, aceitando
colaborar no presente estudo com aparente interesse. Manteve contacto ocular, evidenciando-
se um olhar triste, um ar abatido e cansado na sua expressão facial. Ainda assim, verbalizou
de forma espontânea com a observadora.
O pai da Mariana é um senhor que se apresentou fisicamente cuidado e investido, com
vestuário adequado à sua faixa etária e género. A face encontra-se um pouco envelhecida
considerando a sua idade. Inicialmente estabeleceu um contacto mais reservado, passando a
sentir-se mais descontraído e verbalizando com mais espontaneidade no decorrer da sessão.
Mantém contacto ocular.
Ambos os pais colaboraram ao longo da entrevista. A mãe respondeu maioritariamente
às questões, embora o pai também transmitisse a sua opinião espontaneamente e, outras vezes,
solicitado por mim. Senti que os dois conversaram muito abertamente sobre os principais
problemas que afectam a família, mostrando-se interessados em partilhar comigo a sua
vivência familiar.
A Mariana ficou aos cuidados da mãe até aos três meses de idade, altura a partir da
qual foi entregue aos cuidados de uma ama (até aos três anos). Assim, com três anos
ingressou na creche e posteriormente na pré-primária, havendo sempre relatos de que a
272
Mariana era uma criança muito mexida embora, “não é mal-educada nem agressiva, sempre
foi muito meiga”.
Aos seis anos ingressou no ensino primário onde ficou na mesma escola até terminar o
2º Ano de escolaridade. Segundo a professora do 2º Ano a Mariana é uma criança meiga mas
com um “excesso de actividade motriz (…) levanta-se (…), mexe-se constantemente na
cadeira, senta-se sobre um pé. Quando está sentada correctamente os pés são como um
pêndulo. Interrompe os colegas que tem à volta. Durante as explicações parece não ouvir (…)
comete erros nos exercícios por falta de atenção (…) não consegue acabar as coisas que
começa, o seu trabalho escolar é fraco, sujo e confuso”. Considera que a dificuldade em
realizar as actividades escolares da Mariana não se deve à falta de capacidades mas sim, de
concentração e atenção “não consegue concentrar-se ou estar atenta durante muito tempo,
parece desorientada, desmotivada”, acrescenta.
A partir do 3º Ano a Mariana ingressou noutra escola por motivos de alteração de
residência. A mãe indica que a filha se adaptou bem à nova escola, fazendo amigas. Porém,
durante o primeiro e o segundo períodos registou um comportamento melhor
comparativamente com o terceiro período, no qual a professora considera que a Mariana se
encontra mais distraída e irrequieta, tendo sido retirada das actividades extra-curriculares para
ter mais tempo para estudar. Deste modo, a mãe passou a ficar com a Mariana todas as tardes,
insistindo para que faça os trabalhos-de-casa, dizendo-lhe “só vais brincar depois dos
trabalhos”. No entanto, refere que “no ano passado era pior porque a professora escrevia
muitos recados na caderneta e a Mariana ficava muito triste e nervosa com isso”.
Actualmente, no 4º Ano, segundo a professora a Mariana mantém as dificuldades de
aprendizagem devido à falta de concentração/atenção e uma auto-confiança baixa, levando-a a
não participar nas aulas, mesmo quando solicitada. Em português “a Mariana regrediu
apresentando uma leitura silábica nos casos de leitura. Escreve com muitos erros ortográficos
e apresenta frases não aceitáveis e de difícil compreensão”. No caso de Matemática
“apresenta dificuldades em memorizar, compreender e consolidar os conteúdos”. Assim
sendo, considera benéfica a integração na equipa de educação especial obtendo apoio
especializado a partir do 5º Ano de escolaridade.
Segundo a mãe, a gravidez da Mariana foi planeada, sem registo de intercorrências.
Nasceu de parto eutócico, a termo, sem complicações peri ou neonatais.
A mãe recorda a Mariana no primeiro ano de vida como uma bebé “muito amorosa e
nada rabugenta, não chorava muito”. Em bebé dormia bem, contudo actualmente, apresenta
um sono muito agitado, mexendo-se com muita frequência na cama e falando durante o sono.
Adormece sem dificuldades e acorda bem-disposta (dorme cerca de nove horas diárias).
273
Começou a dormir sozinha em quarto próprio com cerca de dois anos de idade e a andar com
um ano e dois meses. Apesar de não se recordar do momento em que a Mariana começou a
falar, para a mãe ocorreu dentro dos parâmetros normais. Quanto ao controlo esfincteriano, a
Mariana deixou de utilizar fraldas com cerca de três anos de idade. Por fim, até deixar de ser
amamentada e iniciar a diversificação alimentar a Mariana não apresentava dificuldades no
comportamento alimentar. A partir deste momento começou a demonstrar pouco apetite
“come de tudo mas faz grandes birras à mesa, fica duas horas sentada a comer. Na escola
chegam a ter de lhe dar a comida à boca para ela se despachar”, indica a mãe.
Recentemente a Mariana foi submetida a uma avaliação psicológica por parte da
psicóloga que a acompanha, segundo a qual, os resultados obtidos no teste WISC-III não
revelam comprometimento a nível cognitivo que justifique as dificuldades de aprendizagem
referidas, sugerindo a hipótese de uma perturbação emocional na base destas dificuldades.

274
Guião de Entrevista dos Pais

Identificação da Criança

Nome: Mariana Género: Feminino

Idade: 9 Anos e 9 Meses Data de Nascimento: 2001

Naturalidade: Península de Setúbal Nacionalidade: Portuguesa

Ano de escolaridade: 4º Ano

Reprovou algum ano? Não Se sim, qual (quais)? __________

A mãe não sabe se a filha vai passar para o 5º Ano. Pediu à filha para dar o máximo
que pode e esforçar-se durante os dezoito dias que faltam para terminar a escola.

Caracterização Sócio-Demográfica da Família

Quem são os elementos que compõem o agregado familiar (elementos que vivem na mesma
casa)?
(Constituição do genograma familiar)

2008
72 70

2002
46

51
42 39

17 9

275
Mãe
Idade: 39 Anos Data de Nascimento: 1971
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casada Habilitações Literárias: 6º Ano.
Profissão: Gerente de café Situação Profissional: Empregada.

Quais são os seus principais papéis na família?


Papelada (documentos), limpeza. O filho é muito preguiçoso.

Quais são os seus principais gostos e interesses pessoais?


Ver televisão, sair para bares e jantar fora.

Pai
Idade: 42 Anos Data de Nascimento: 1969
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casado Habilitações Literárias: 5º Ano
Profissão: Carpinteiro. Situação Profissional: Desempregado.

Quais são os seus principais papéis na família?


Arranja coisas quando se avariam em casa, ajuda no café.

Quais são os seus principais gostos e interesses pessoais?


Futebol, vê no café.

Irmão(ã)
Género: Masculino
Idade: 17 Anos Data de Nascimento: 1994
Naturalidade: Península de Setúbal Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Solteiro Habilitações Literárias: 9º Ano.
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): 11º Ano.
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________

276
Relações Familiares

Qual é a situação familiar actual (apoios sociais e/ou familiares, existência de doenças físicas
e/ou psicológicas, problemas sociais, económicos, exposição a fontes de stress, entre outros)?
A mãe está com um esgotamento o que está a afectar a família. Dificuldades
económicas com o desemprego do pai.

Algum membro da família necessita de se ausentar ou ausentou-se no passado


temporariamente ou com frequência, por motivos de trabalho, estudo, ou outros? Quando?
Durante quanto tempo? Como é que a criança reagiu a essa(s) separação(ões)? E os restantes
membros da família?
O pai esteve fora seis meses e agora ausenta-se quando tem trabalho fora da área de
residência, normalmente no Norte, cerca de uma semana. A mãe ficou pior, a Mariana entrou
na escola. Há seis meses a mãe ficou pior, quando tudo estava mais estabilizado. Eles sofrem
por causa disto.

Algum membro da família faleceu, separou-se ou divorciou-se desde a gravidez da criança?


Quem? Qual o possível impacto na família?
Faleceu a avó materna da Mariana, há três anos e a tia materna suicidou-se quando a
Mariana tinha oito/nove meses. Nessa altura a mãe andou num psicólogo. Foi um impacto
forte, mas para assegurar a família a mãe não se foi abaixo. O avô paterno faleceu antes da
Mariana nascer.

Como é a relação da criança com a mãe?


É boa, mas prefere o pai porque brinca mais, a mãe não tem paciência. A mãe está
doente.

Como é a relação da criança com o pai?


O pai é mais os miminhos. “Ela não pode ver o pai a agarrar-se a ninguém”, conta-
me o pai.

Como é a relação da criança com os irmãos (com cada um)?


“Eles adoram-se mas não demonstram”, diz a mãe. Para o pai “eles não podem estar
um com o outro”. Ela faz queixa dele, brincam, ele vai buscá-la quando a mãe pede. Ele
nunca lhe bateu.
277
E com os restantes membros da família?
Muito meiga, quer mimos de todos. Não podemos ter uma conversa como deve ser
quando ela está ao pé porque tem sempre necessidade de atenção.

Gostaria que me descrevessem a vossa relação (relação do casal parental).


“Já foi muito boa e tenho esperanças que seja boa, eu sou muito agressiva, ele não
tem paciência e põe-se porta fora. Ele é calmo e para não ouvir sai”, diz a mãe.

Como é a relação da mãe com a sua família de origem?


Está afastada do irmão, ele vive em Setúbal. Quando a mãe da Mariana liga eles
falam. Dá-se bem com o avô materno da Mariana, vê-o todas as semanas.

E como é a relação do pai com a sua família de origem?


É boa, é um espectáculo, dá-se bem com a avó paterna da Mariana, com a tia. Os
primos da Mariana também. Com o marido da tia é que não se dá tão bem, não é má pessoa,
é mais casmurro.

Sintomas da Criança e Impacto Familiar

Quais são as principais preocupações actuais sentidas face à criança (Comportamento


alimentar, sono, linguagem, controlo esfincteriano, atitude face a outras crianças e adultos,
medos, entre outros)?
Falta de concentração na escola, está melhor desde que toma gotas passadas pela
pedopsiquiatra. É ‘Maria vai com as outras’ e por isso os pais estão preocupados com a
passagem para o 5º Ano porque é influenciada pelas companhias. A brincadeira cega-a. É
muito responsável com as compras, fazer recados.

Qual o impacto sentido na família?


Preocupação. Dá-se com gente mais velha. Uma rapariga com 12 anos disse-lhe para
fumar e ela disse à mãe que não quis. A mãe ficou contente por ela contar. A Mariana e o
irmão são o oposto quanto à responsabilidade.

278
Teste de Relações Familiares, Versão Casais - Mãe

Tabela 1 – Número de itens emitidos e recebidos positivos/negativos (leves/fortes) atribuídos


aos membros da família.

Emitidos Emitidos Recebidos Recebidos Total de


Positivos Negativos Positivos Negativos Envolvimento
Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes
Ninguém 0 2 5 5 0 2 1 6 21
Mãe 0 1 3 1 0 0 0 0 5
Pai 0 4 1 3 0 0 5 2 15
Irmão 3 4 0 1 2 1 0 0 11
Mariana 3 4 0 1 2 3 0 0 13
Avó Paterna 3 3 0 1 2 0 2 0 11
Avô 1 3 1 1 3 2 0 0 11
Materno

A mãe da Mariana colaborou durante a realização do TRF evidenciando a necessidade


de apoio por parte da investigadora. Comentou: “não estou a perceber o que esta frase quer
dizer” após a leitura do item “75. Esta pessoa da família não precisa do meu amor”.
Expliquei-lhe o significado e a mãe diz-me que não sabe em quem colocar o item e refere “eu
é que não estou bem” (com humor depressivo). Repete este último comentário após colocar
outro item no Ninguém. Com o item “12. Gosto de estar sozinho(a) com esta pessoa da
família” a mãe da Mariana começa a chorar e repete “eu é que não estou bem”, pela terceira
vez. Por último, no item “51. Esta pessoa da família gosta de me abraçar” surge o comentário
“neste momento não consigo…”. A mãe da Mariana chorou praticamente desde o início do
teste até ao final parando, por vezes, para limpar as lágrimas dos olhos e o nariz. Pediu-me
desculpa por chorar e eu tranquilizei-a dizendo-lhe que era natural visto que esta prova tende
a reactivar estados emocionais fortes pois apela aos sentimentos e emoções das pessoas.
Quase no final da prova a psicóloga traz a Mariana à sala de regresso da consulta terapêutica e
a criança corre para abraçar a mãe, muito agitada e ansiosa com a separação. A mãe manteve
o olhar para baixo, evitando receber a filha. Quando peço para aguardar mais um pouco que
estamos quase a terminar a Mariana diminuiu o seu comportamento agitado e pareceu ficar
com uma expressão facial triste.

279
Ao observar a Tabela 1 constata-se que a mãe decidiu incluir na prova além da família
nuclear constituída pela própria mãe, o pai, o irmão e a Mariana, a avó paterna e o avô
materno. Verifica-se um forte movimento defensivo através da utilização da figura Ninguém
para a negação/recusa dos afectos positivos fortes, mas sobretudo, dos afectos negativos de
forma a bloquear a expressão da agressividade sobre os elementos da família.

25

20

15

10

0
Ninguém Mãe Pai Irmão Mariana Avó Avô
Paterna Materno

Figura 1 – Número total de itens associados a cada membro da família.

A análise do total de envolvimento com cada membro da família (Tabela 1 e Figura 1)


permite avançar que o pai é a figura mais destacada obtendo, no entanto, um número superior
de afectos negativos face aos positivos. Segue-se a Mariana, o irmão, a avó paterna e o avô
materno (estas três últimas figuras com a mesma quantidade de itens) e, por fim, a mãe,
registando um número mais acentuado de afectos negativos face aos positivos, à semelhança
do pai. Na figura Ninguém foram colocados os afectos negados/recusados, evitando a sua
distribuição pelos elementos da família. Observa-se assim, um grau elevado de neuroticismo
na mãe da Mariana.

280
10
9
8
7
6
5 Positivos

4 Negativos

3
2
1
0
Ninguém Mãe Pai Irmão Mariana Avó Avô
Paterna Materno

Figura 2 – Número de itens positivos e negativos emitidos a cada membro da família.

Avaliando os afectos positivos e negativos emitidos pela mãe da Mariana (Figura 2)


observa-se uma relação idealizada com os filhos, a Mariana e o irmão, contendo o mesmo
número de afectos positivos destacando-se os afectos positivos fortes “gosto de acarinhar esta
pessoa” no caso da Mariana e, no caso do irmão “estou muito orgulhoso(a) desta pessoa”
apenas atribuídos a estas figuras. Estas figuras obtiveram apenas um afecto negativo à
semelhança da avó paterna, com quem a relação também se encontra idealizada. Este afecto
negativo de cariz agressivo “consegue fazer-me sentir muito irritado(a)” foi atribuído a todos
os elementos da família, incluindo a própria mãe, podendo remeter para irritabilidade no
funcionamento da mãe. A relação com o pai surge de forma ambivalente, com um número
equivalente de afectos positivos e negativos, destacando-se entre os afectos erotizados o item
“gostava que esta pessoa da família estivesse sempre ao pé de mim” atribuído apenas ao pai e
entre os itens negativos “irrita-se muito depressa”, “dá-me a volta ao juízo” e “desprezo esta
pessoa da família” apenas atribuídos ao pai, o que pode reenviar para dificuldades na relação
de casal associadas à dificuldade na gestão dos conflitos por parte de ambos os pais, ainda que
a mãe se sinta emocionalmente dependente do pai. A auto-estima da mãe apresenta-se baixa,
com um número acentuado de afectos negativos como “queixa-se demais”, “não tem muita
paciência” e “fica zangada demais” que remetem para sentimentos de inferioridade e
culpabilização. Com o avô materno a relação surge de forma quase ambivalente, ainda que os
afectos positivos se destaquem face aos negativos nos quais se assinala o item “é demasiado

281
picuinhas”. Na figura Ninguém são colocados os afectos negativos recusados e negados, mas
também os afectos erotizados “gosto que esta pessoa da família me beije” e “gosto de abraçar
esta pessoa da família” remetendo para uma diminuída disponibilidade emocional por parte da
mãe, optando por alhear-se do contacto com os outros.

4
Positivos
3 Negativos

0
Ninguém Mãe Pai Irmão Mariana Avó Avô
Paterna Materno

Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.

A análise dos afectos positivos e negativos recebidos por parte dos elementos da
família (Figura 3) permite destacar uma forte projecção de afectos negativos sobre o pai como
“fica ressentida comigo”, “nem sempre faz o que eu gostaria que fizesse”, “faz coisas nas
minhas costas”, “nem sempre me ajuda quando preciso”, “faz-me sentir frustrado(a)”, “diz
coisas só para magoar os meus sentimentos” e “faz-me sentir sem valor” remetendo para
conflitos na relação de casal associados à dificuldade na resolução dos problemas, falta de
confiança na relação, percepção da desvalorização da relação e falta de compreensão das
necessidades da mãe por parte do pai verificando-se, também, uma tendência paranóide no
funcionamento psicológico da mãe. Com a Mariana, o avô materno e o irmão a relação
encontra-se idealizada, projectando apenas afectos positivos sobressaindo os afectos
erotizados com maior incidência na Mariana “gosta de me beijar”, “gosta de estar sozinha
comigo” e “ama-me muito” que transmitem uma relação de forte dependência emocional da
filha com a mãe e, ainda, os afectos erotizados “é muito carinhosa comigo” e “quer estar

282
sempre ao pé de mim” associados ao avô materno e “gosta de me abraçar” ligado ao irmão
revelando uma relação próxima e carinhosa com estas figuras, demonstrando dependência
emocional do avô materno face à mãe. A relação com a avó paterna encontra-se ambivalente
com afectos negativos leves “resmunga comigo” e “fica zangada comigo” que podem remeter
para a percepção de uma figura com tendências punitivas face à mãe. No Ninguém figuram os
afectos negativos sobretudo de cariz agressivo, mas também os afectos positivos erotizados
como “quer mesmo o meu amor” podendo remeter para a vivência de sentimentos de
insegurança e desconfiança face aos elementos da família.

8
6
4
2
0 Emitidos Positivos
-2 Recebidos Positivos
-4 Emitidos Negativos
-6 Recebidos Negativos
-8
-10

Figura 4 – Direcção dos afectos emitidos e recebidos positivos/negativos.

Atendendo à direcção dos afectos positivos/negativos emitidos e recebidos pelos


membros da família (Figura 4) observa-se a percepção de que a mãe da Mariana emite mais
afectos positivos do que aqueles que recebe na relação com o pai, o irmão, a avó paterna e a
Mariana, intensificando-se este sentimento na relação com as três primeiras figuras evocadas,
com destaque para o pai no qual se registam apenas afectos positivos emitidos, podendo sentir
estas relações como pouco valorizadas por parte destas figuras. Por outro lado, no caso do avô
materno a mãe sente que recebe mais afectos positivos do que aqueles que emite, ainda que a
diferença seja pouco substancial. No plano dos afectos negativos observa-se a percepção de
apenas emitir afectos deste género na relação com o irmão, a Mariana e o avô materno,
podendo associar-se ao sentimento de culpabilização na mãe. Na relação com a avó paterna
283
verifica-se uma correspondência neste tipo de afectos. Contudo, na relação com o pai
sobressaem os afectos negativos recebidos face aos emitidos, o que acentua a vivência de uma
relação desvalorizada e pouco correspondida face aos afectos da mãe por parte do pai. Na
auto-estima da mãe destacam-se os afectos negativos emitidos, revelando uma auto-estima
baixa. Na figura Ninguém são colocadas as defesas principalmente associadas aos afectos
negativos inibindo, assim, a expressão da agressividade sobre os elementos da família.

Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de protecção e atribuição de


incompetência ou fraqueza.

Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 0 0
Mãe 2 1
Pai 1 3
Irmão 1 1
Mariana 2 0
Avó Paterna 2 0
Avô Materno 2 0

A análise dos sentimentos de protecção e de atribuição de incompetência ou fraqueza


face aos membros da família (Tabela 2) permite observar que a mãe, a Mariana, a avó paterna
e o avô materno foram associados a figuras mais dependentes e que carecem de maior
protecção colocando o pai e o irmão numa posição de menor destaque. Todavia, no âmbito da
atribuição de sentimentos de fraqueza o pai surge como a figura mais destacada com os itens
“não tem uma personalidade suficientemente forte”, “deveria ajudar mais em casa” e “deveria
desempenhar um papel mais importante na vida da família”, podendo associar-se à percepção
do pai como um elemento pouco presente na família, sentindo-se pouco apoiada por este. A
própria mãe e o irmão com apenas um item cada seguem-se nesta categoria. No caso da mãe
“não consegue lidar suficientemente bem com dificuldades” associa-se a uma auto-estima
baixa, inferiorizada e culpabilizada, revelando dificuldades na resolução dos conflitos e “não
consegue enfrentar suficientemente bem as outras pessoas” no caso do irmão, remetendo para
dificuldades na adaptação social e na gestão dos conflitos com os outros.

284
Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)

Na figura Ninguém a mãe da Mariana coloca os afectos negativos sobretudo de cariz


agressivo recusados/negados (inibindo, assim, a expressão da agressividade) mas também os
afectos positivos erotizados, traduzindo uma diminuída disponibilidade emocional por parte
da mãe, optando por alhear-se do contacto com os outros e, ainda, o sentimento de
insegurança e desconfiança face aos elementos da família. Observa-se assim, um grau elevado
de neuroticismo na mãe da Mariana.
A auto-estima da mãe apresenta-se baixa e dominada por sentimentos de inferioridade,
culpabilização e irritabilidade. Sente dificuldades na resolução dos conflitos e surge como um
dos elementos da família mais dependentes e que carece de maior protecção. A conduta
observada durante a realização da prova marcada por choro intenso até ao final e os
comentários depreciativos sobre a sua condição actual e diminuída disponibilidade para a
partilha de afectos com os elementos da família podem associar-se a um funcionamento
depressivo.
A relação com o pai é aquela que traduz um maior envolvimento emocional. Contudo,
é sentida de forma bastante desvalorizada e pouco correspondida por parte do pai face aos
sentimentos e necessidades manifestadas pela mãe. Assim, assiste-se a uma forte projecção de
afectos negativos recebidos pelo pai reenviando para conflitos na relação de casal associados
à dificuldade na resolução dos problemas, falta de confiança na relação, falta de compreensão
e apoio às necessidades da mãe por parte do pai, verificando-se, também, uma tendência
paranóide no funcionamento psicológico da mãe ainda que se sinta emocionalmente
dependente do pai.
Com o irmão a relação é percepcionada de forma idealizada, revelando uma relação
próxima e carinhosa com esta figura. No entanto, sente a relação menos valorizada por parte
do irmão, ao emitir um número significativo de afectos positivos não correspondidos face aos
recebidos. A mãe parece, ainda, sentir-se culpabilizada nesta relação e percepciona o irmão
como um elemento que apresenta dificuldades na adaptação social e na gestão dos conflitos
com os outros.
A relação com a Mariana representa-se de forma idealizada e próxima, transmitindo a
ideia de que a filha estabelece uma relação de forte dependência emocional com a mãe. A
perecepção de uma maior incidência de afectos positivos emitidos pela mãe face aos
recebidos pela Mariana pode traduzir a atribuição de menor valorização à relação por parte da
filha, observando-se ainda a vivência de culpabilização na relação por parte da mãe. A

285
Mariana surge como uma das figuras mais dependentes e que carecem de maior protecção na
família.
Com a avó paterna assiste-se a uma relação sentida como menos valorizada por parte
da avó uma vez que a mãe emite um número significativo de afectos positivos face aos
recebidos desta figura. A avó paterna é percepcionada como uma figura com tendências
punitivas face à mãe, ainda que se sinta apoiada por esta figura. Surge como um dos
elementos da família mais dependentes e que necessitam de protecção.
A relação com o avô materno é sentida de forma próxima, carinhosa e valorizada por
parte do avô, recebendo mais afectos positivos do que aqueles que emite, ainda que a
diferença seja pouco significativa. Assim, o avô materno é percepcionado como uma figura
que mantém uma dependência emocional face à mãe, necessitando da sua protecção. Contudo,
a mãe parece sentir-se culpabilizada nesta relação.

Teste de Relações Familiares, Versão Casais - Pai

Tabela 1 – Número de itens emitidos e recebidos positivos/negativos (leves/fortes) atribuídos


aos membros da família.

Emitidos Emitidos Recebidos Recebidos Total de


Positivos Negativos Positivos Negativos Envolvimento
Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes
Ninguém 0 0 7 8 0 1 6 8 30
Pai 4 0 0 0 1 0 0 0 5
Mãe 6 8 3 0 4 4 1 0 26
Irmão 6 5 0 0 3 2 0 0 16
Mariana 8 5 0 0 4 4 0 0 21
Avó Paterna 9 5 0 0 4 2 1 0 21
Avô 7 4 0 0 2 1 0 0 14
Materno
Tia Paterna 6 3 0 0 2 1 0 0 12

O pai da Mariana colaborou de forma favorável durante a passagem do TRF,


denotando-se alguma lentificação e indecisão no momento de escolher as figuras para colocar
os cartões. Realizou alguns comentários verbais que justificavam as opções realizadas (e.g., o

286
facto de ao filho não dar abraços, mas fazerem mais “coisas de homens”) e relacionados com
críticas à presença de determinados cartões.
Analisando a Tabela 1 observa-se que além dos elementos que constituem a família
nuclear: o pai, a mãe, o irmão e a Mariana, o pai decidiu incluir três membros da família
alargada: a avó paterna, o avô materno e a tia paterna. Sobressai um elevado grau de
neuroticismo no pai através da negação/recusa dos afectos negativos colocados na figura
Ninguém, inibindo a expressão da agressividade sobre os elementos da família.

30

25

20

15

10

Figura 1 – Número total de itens associados a cada membro da família.

A análise do total de itens associados a cada membro da família (Figura 1) permite


destacar um forte envolvimento emocional com a mãe, seguindo-se a Mariana e a avó paterna
com o mesmo número de afectos atribuídos. Numa posição menos destacada surgem o irmão,
o avô materno e a tia paterna. O recurso à utilização do Ninguém para a colocação dos afectos
negativos rejeitados foi significativo, demonstrando uma forte inibição da agressividade face
aos elementos da família.

287
16
14
12
10
8
Positivos
6
Negativos
4
2
0

Figura 2 – Número de itens positivos e negativos emitidos a cada membro da família.

Avaliando os afectos positivos e negativos emitidos pelo pai da Mariana aos elementos
da família (Figura 2) verifica-se um forte mecanismo defensivo na linha da negação dos
afectos negativos recorrendo à figura Ninguém bloqueando, assim, a expressão agressiva
sobre os elementos da família, tornando-os figuras idealizadas. A mãe foi a única figura à qual
o pai atribuiu afectos negativos “irrita-se muito depressa”, “fica chateada sem ter razão para
isso” e “fica zangada demais” que traduzem a percepção de irritabilidade na mãe, dificuldades
em lidar com os conflitos por parte desta e, ainda, insegurança na relação de casal. As figuras
às quais o pai associa afectos positivos fortes são a mãe (todos os afectos deste tipo, oito), o
irmão, a Mariana e a avó paterna (estes três últimos com os mesmos afectos, cinco).

288
14

12

10

6 Positivos
Negativos
4

Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.

A análise dos afectos positivos e negativos recebidos pelos elementos da família


(Figura 3) permite destacar um forte movimento defensivo na linha da negação dos afectos
negativos colocados na figura Ninguém de forma a bloquear a expressão agressiva sobre os
elementos da família. Deste modo, as figuras surgem de forma idealizada observando-se,
ainda assim, a atribuição de um afecto negativo leve à mãe “fica zangada comigo” e outro à
avó paterna “fica ressentida comigo” podendo sentir estas figuras como punitivas e, no caso
da mãe, como alguém com irritabilidade emocional. A mãe e a Mariana surgem como as
figuras às quais atribui um maior número de afectos erotizados (quatro), seguindo-se o irmão
e a avó paterna também com o mesmo número de afectos deste tipo, dois. No caso da Mariana
assinala-se a atribuição do item “gosta de me abraçar” apenas partilhado com a mãe e o item
“quer estar sempre ao pé de mim” colocado apenas na Mariana, o que pode remeter para a
percepção de fantasias edipianas por parte da filha na relação com o pai. Por outro lado, a
atribuição do item “ama-me muito” apenas à avó paterna pode traduzir a vivência de uma
relação emocionalmente dependente com esta figura.

289
15

10

Emitidos Positivos
0
Recebidos Positivos
-5 Emitidos Negativos
Recebidos Negativos
-10

-15

Figura 4 – Direcção dos afectos emitidos e recebidos positivos/negativos.

Atendendo à direcção dos afectos positivos/negativos emitidos e recebidos pelos


elementos da família (Figura 4) verifica-se a percepção de um número significativo de afectos
positivos emitidos pelo pai face aos recebidos por parte dos elementos da família, podendo
sentir-se menos valorizado. Esta diferença acentua-se na relação com a avó paterna e o avô
materno, através da diferença de oito itens e, atenua-se na relação com a Mariana pela
diferença de cinco itens. No plano dos afectos negativos o pai sente que os emitidos
sobressaem aos recebidos na relação com a mãe, podendo sentir-se culpabilizado e, no caso
da avó paterna, os afectos negativos recebidos são os únicos registados. No Ninguém figuram
sobretudo os afectos negativos negados/recusados face aos elementos da família, bloqueando
a expressão da agressividade.

Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de protecção e atribuição de


incompetência ou fraqueza.

Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 0 1
Pai 3 2
Mãe 5 1
Irmão 4 0
Mariana 4 0
290
Avó Paterna 4 0
Avô Materno 3 0
Tia Paterna 3 1

A análise dos sentimentos de protecção e de fraqueza ou incompetência (Tabela 2)


permite apurar a representação da mãe como o elemento da família mais dependente e que
necessita de maior protecção, obtendo todos os itens desta categoria destacando-se o item
“sofrer um esgotamento nervoso” apenas associado à mãe, podendo remeter para uma
fragilidade emocional nesta figura. Seguem-se o irmão, a Mariana e a avó paterna com o
mesmo tipo de sentimentos de protecção e, por último, ainda que apresentem um nível
significativo de dependência, o pai, o avô materno e a tia paterna. Nos sentimentos de
fraqueza destaca-se o próprio pai com “deveria ajudar mais em casa” e “deveria desempenhar
um papel mais importante na vida da família” reenviando para o sentimento de culpabilização
face à percepção de uma diminuída disponibilidade e apoio à família. Segue-se a mãe com
“não consegue lidar suficientemente bem com dificuldades” remetendo para a dificuldade na
resolução dos conflitos nesta figura e a tia paterna “não tem uma personalidade
suficientemente forte”.

Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)

A utilização da figura Ninguém permite um forte mecanismo defensivo na linha da


negação/recusa dos afectos negativos bloqueando, assim, a expressão de agressividade sobre
os elementos da família. Apresenta um elevado grau de neuroticismo.
A auto-estima do pai apresenta-se de forma positiva, ainda que se observe o
sentimento de culpabilização relacionado com a percepção de uma diminuída disponibilidade
e apoio à família.
A relação com a mãe reveste-se de um forte envolvimento emocional e surge de forma
idealizada. Ainda assim, os afectos negativos atribuídos permitem antever a percepção de uma
figura punitiva face ao pai, com irritabilidade emocional, dificuldades em lidar com os
conflitos por parte da mãe e insegurança na relação de casal. A mãe é associada a uma figura
fortemente dependente e a que mais carece de protecção, transparecendo uma fragilidade
emocional elevada.
A relação com o irmão encontra-se idealizada, à semelhança do observado na relação
com as restantes figuras. Surge como um dos elementos mais dependentes e que necessita de
maior protecção (a seguir à mãe).

291
Com a Mariana a relação é idealizada e mantida através de um elevado envolvimento
emocional, no qual, são percepcionadas fantasias edipianas por parte da filha. Seguindo-se à
mãe, a Mariana é sentida como uma figura emocionalmente dependente, carecendo de
protecção.
Na relação com a avó paterna transparece um elevado envolvimento emocional e
idealização da relação, sentido esta figura como punitiva ainda que emocionalmente
dependente do pai.
Com o avô materno sobressai uma relação idealizada ainda que pouco significativa do
ponto de vista do envolvimento emocional mantido.
Por fim, com a tia paterna observa-se uma relação idealizada, todavia é a menos
significativa do ponto de vista do envolvimento emocional (excluindo o próprio pai) e
relacionada a sentimentos de fraqueza/incompetência.

292
Guião de Entrevista da Criança

Identificação da Criança

Nome: Mariana Idade: 9 Anos e 9 Meses

Interesses/Actividades

O que é que tu gostas de fazer nos teus tempos livres?


Jogar computador, brincar com as amigas (apanhada, escondidas, corridas de
bicicleta e joga à bola. Brinca na escola e no Clube Recreativo onde a mãe trabalha) e ver
televisão (Disney Channel).

Frequentas alguma actividade desportiva ou cultural (dança, teatro, música, etc.)? Qual?
Não ando em nada. Jogo futebol com os meninos e meninas “sou como o pai, gosto de
futebol”.

Tens animais de estimação? Quais?


Só em casa da avó paterna, uma cadela chamada Luna e dois passarinhos. O avô
materno tem um cão.

Amigos

Quem são os teus amigos(as) (nome e idade)?


Da escola: Carolina (9 anos, 4º Ano), Catarina (8 anos, 3º Ano), Raquel (8 anos),
Beatriz (8 anos), Jéssica (8 anos).
Fora da escola: muitos – prima Joana (10/11 anos), Tomás (12/13/14 anos), Duarte
(10 anos), Miguel (8 anos), Manuel (10/11/12 anos). Não sei muito bem a idade dos grandes.
António (12 anos), Andreia (10 anos).

De onde os(as) conheces?


Escola e do Clube Recreativo.

293
O que é que costumam fazer juntos(as)?
Brincar (jogar à bola, às escondidas, macaquinho de chinês, apanhada). Não posso ir
para casa deles senão também ficava a jogar (faz gesto de jogar consola).

Tens um(a) amigo(a) preferido(a) (melhor amigo/a)? Quem é?


Andreia (10 anos) e a Débora (8 anos).

Escola

Em que ano andas?


4º Ano.

O que é que gostas mais na escola? Porquê?


Brincar e expressões plásticas e Matemática gosto mais ou menos. Estudo do Meio
também gosto e Português tive bom e antes era muito má… porque posso brincar, posso
saltar etc. e na sala não posso. Estudo do Meio gosto de aprender as experiências, o estudo
da água, os reis.

O que é que gostas menos na escola? Porquê?


De brincar com uma amiga e estudar Matemática. De Matemática. E não gosto da
comida da escola, é fria e tem picante.

Se pudesses mudar alguma coisa na escola, o que seria?


Mudaria o comer.

Como preferias que fosse?


Que fosse batatas fritas com bife. Para o comer que eu gosto, como salada russa… no
recreio mudaria uma pedra que está lá para nós treparmos e um miúdo já partiu a cabeça.

Onde é que costumas fazer os teus trabalhos de casa?


Na explicação.

Tens ajuda de alguém? De quem?


Na explicação tenho ajuda das explicadoras.

294
Família

Quem são as pessoas da tua família?


Mãe, pai, mano, avó, avô, prima e primo (paternos), tia e tio, padrinho, padrinha ou
madrinha, a minha outra prima Luna, filha dos padrinhos.

Com quem vives (nome, idade, grau de parentesco face à criança)?


Mãe, pai e mano e comigo própria, mais ninguém. A minha avó dorme sozinha noutra
casa porque o meu avô faleceu ainda não me tinha conhecido, era muito nova.

Como é a tua mãe?


É boa, é gira. Eu imitei o cabelo dela porque ela tem franja e eu fiz assim,
escadeámos o cabelo. Quando o pai quer ir dar um passeio ela vai.

Como é o teu pai?


Brinca muito comigo, é simpático, às vezes quando eu não obedeço ele grita-me e
zanga-se. Um dia ele quis fazer-me assim no cu e eu fiquei com uma bolha aqui (bater-lhe).

Como são os teus irmãos(ãs) (ou outras pessoas da família mencionadas)?


Brinca comigo de vez em quando. Fazemos uma corrida para entrar no Clube. Ele
ganha sempre, mas um dia eu ganhei-lhe.

Como é que os teus pais se dão um com o outro? O que pensas/sentes com isso?
Penso que eles estão óptimos. Zangam-se de vez em quando mas agora não se estão a
zangar. Mas de vez em quando, quando o pai chega a casa a mãe começa logo a gritar e eu
não consigo dormir.

Dormes com alguém ou partilhas o quarto com alguém? Se sim, com quem?
Durmo sozinha. O meu pai construiu uma parede para separar o meu quarto para o
do mano, quando era muito pequenina.

Se pudesses mudar alguma coisa na tua família, o que seria?


Não, está tudo bem. Mudava que o pai e a mãe se dessem bem, mas agora já estão a

começar a dar. Que a mãe não estivesse doente. Também não gostava que a avó vivesse

295
sozinha, mas ela agora tem a cadela para a proteger, ela não deixa entrar ninguém, só o

mano, o primo…

Como preferias que fosse?

Fantasias/Sonhos/Medos

O que é que gostarias de ser quando fores grande? Porquê?


Duas coisas: professora ou cabeleireira. Ou massagista porque o meu pai diz que eu
faço bem massagens, a avó também. Cabeleireira porque faço penteados no pai, um dia fiz-
lhe um penteado igual ao que ele teve quando foi casado. Professora não sei. Por causa das
reuniões antes quando chego a casa.

Quais são os teus maiores sonhos/desejos?


Que eu tivesse um mano mais pequenino, mas depois reparei que os manos mais
grandes tinham que aturar os pequeninos e receber mais mimos e eu não quero, quero ter a
atenção toda para mim, já não tenho esse sonho. Gostava de estar no 12º Ano, gostava de
viver perto do Clube Recreativo e um sonho já foi concretizado que foi ir à Serra da Estrela.

Se pudesses mudar alguma coisa em ti, o que seria?


Nada. A minha vida é perfeita.

Como preferias ser?

Costumas sonhar? Se sim, com o quê?


Sim (abana a cabeça). Um dia vi as fotos do meu pai e ele estava a descer uma
prancha de água e eu estava a descer a prancha de água, já sei o que acontece nos filmes não
tem água, mas o meu tinha água.
Pesadelo: não tinha tomado as gotas, eu agora tenho medo da água do mar. Estava lá
um tubarão. Sonhei que tinha levado uma mordidela na barriga, do tubarão.

296
Quais são os teus medos? O que fazes quando te sentes assim?
Tubarões, cobras, crocodilos. Não faço nada, se ele não se aproximar, vou-me
embora.

E as tuas preocupações? O que fazes quando te sentes assim?


Quando a mãe está a chorar. (quando é que isso costuma acontecer?) De vez em
quando. Sinto-me triste.

Desenho Livre

Inquérito

1) O que é que desenhas-te? O que é que está a acontecer no teu desenho?


Uma caveira que é alérgica a flores, corações meio pintados com uma seta, com uma
seta não que não fiz. E Margarida és querida e era surpresa.

297
2) História
Era uma vez uma caveira que apareceu ao pé de flores e era alérgico, ele não sabia que
era alérgico. E ele tinha uma parede tão branca, tão branca que decidiu desenhar
corações, quatro corações em cada canto. Depois viu que lá dentro dos corações, no
meio não tinha nada, ele depois lembrou-se que gostava de uma pessoa e depois
resolveu escrever no meio Margarida és querida. Depois lembrou-se que faltava uma
coisa, mas o quê, depois o seu espírito disse: falta-te desenhar no meio de dois
corações, em cima e depois desenhou a dizer a toda a gente que é alérgico a cores.

“A parte que eu mais gosto é de dizer a história porque assim estou sempre a falar”.

Análise da prova

Esta prova realizou-se no âmbito da primeira sessão e, como tal, constituiu o primeiro
contacto de avaliação psicológica com a Mariana. Todavia, ao longo da prova a Mariana
revelou o desejo de me agradar, demonstrando-se, desta forma, insegura e com contacto
superficial. Esta transferência positiva com a investigadora pode-se traduzir no desejo de
estabelecer uma relação dual na linha do cuidar, como uma forma de carência: “chamas-te
Margarida certo? É que eu quero desenhar aqui uma coisa e tu não podes ver (…) É para ti!
Quais são as tuas cores preferidas? (…) quantos anos tens? (…) Em que ano é que estás do
curso? (…) És de que clube? Do Benfica, Sporting? Tens cara de ser do Sporting, Porto”. A
Mariana expressou, ainda, a necessidade de apoio marcada por parte da investigadora e fez
algumas críticas negativas ao modo como desenhou determinados atributos: “depois vou fazer
uma coisa que aprendi com o meu padrinho. Sabes o que isto é? Uma caveira (ri-se) Eu não
sabia desenhar caveiras! Não está lá muito perfeita. Depois com um lápis pintava um dente, só
um dente a dizer que ele estava amarelo (…) igual a uma flor! Ele é alérgico a flores, vá, vou
pô-lo a pensar”.
A nível gráfico trata-se de um desenho imaturo para a idade e sem simbolismo, com
elementos dispersos e sem ligação entre si, recorrendo à escrita para exprimir o que deseja. O
desenho da caveira pode ser entendido como uma forma de colagem e adaptação ao social
visto que actualmente este elemento ganhou alguma fama entre as crianças e adolescentes. A
narrativa assenta no concreto e factual, descrevendo apenas os elementos desenhados.
Sobressai, no entanto, a sensibilidade ao tom branco “tinha uma parede tão branca, tão
branca” e ao vazio do silêncio “a parte que eu mais gosto é de dizer a história porque assim
estou sempre a falar” e da folha “no meio não tinha nada (…) faltava uma coisa, mas o quê,
298
depois o seu espírito disse: falta-te desenhar no meio de dois corações, em cima”, o que
reenvia para questões ligadas a dificuldades ao nível da falha narcísica.

Desenho da Figura Humana de Machover

1º Desenho

Inquérito

Quem é esta pessoa? Como se chama e que idade tem?


Sei lá. Pode ser Margarida e tem… quantos anos é que tens? 20 e qualquer coisa? 23. 24
Anos. Quando é que nasceste? Ok, vou escrever aqui.

299
Qual foi o dia mais feliz da sua vida?
Foi quando se casou. Já te casaste? Tens um anel.
E o dia mais triste?
Nenhum.

Conta-me uma boa recordação que tenha.


Avó fez uma camisola para ela e ela vai guardá-la para o resto da sua vida, à mão. A minha
avó (materna) fez-me uns sapatos quando eu era pequenina.

E uma má recordação?
Nenhuma.

Conta-me uma história sobre esta pessoa.


Era uma vez uma menina chamada Margarida que tinha 24 anos e andava na faculdade a tirar
um curso. O dia mais feliz da sua vida foi ter casado. O dia menos feliz da sua vida ela nunca
teve. Uma boa recordação que a avó dela lhe deu foi uma camisola feita à mão, umas pantufas
e uma coisa para pôr no cabelo e principalmente fez um gancho e uma mola. O que ela mais
gostou foi ter ficado com a casa da avó, mas tinha pena porque a avó tinha falecido. O
namorado dela e ela foi viver para casa da avó porque a mãe deixou. Foram felizes para
sempre.

1) O que é que ele/ela está a fazer? Nada. Está parada. Está a jogar ao jogo 1,2,3
Macaquinho do Chinês.
2) Que idade tem? 24 Anos.
3) É casado/a? Sim.
4) Tem filhos? Sim.
5) Rapazes ou raparigas? Raparigas, duas.
6) Qual é o seu trabalho? Cabeleireira.
7) Se ainda estuda, em que ano está? Não.
8) Qual é o seu maior desejo? Ir à Serra da Estrela.
9) É saudável? Sim.
10) Tem bom aspecto? Sim.
11) Qual é a parte do seu corpo que está mais bem feita? O cabelo e a camisola.
12) E qual é a menos bem feita? A cabeça, o pescoço, a boca, os olhos, nariz.
13) É feliz? Sim.
300
14) Quais são os seus aborrecimentos? As filhas.
15) O que o/a faz zangar? Quando elas se portam mal.
16) Quais são as suas manias? Quer sempre doces.
17) Quais são os seus três piores defeitos? Servir à mesa.
18) Quais são as suas melhores qualidades? Cabeleireira e fazer o jantar.
19) Tem muitos amigos? Sim.
20) Mais velhos ou mais novos? Mais velhos.
21) O que é que dizem dele/a? Que ela é fixe.
22) Ele/a gosta da família? Sim.
23) E da escola? Sim.
24) Sai muito com os amigos? Sim.
25) Quando é que diz que se divertiu muito? Quando vai à discoteca e quando vai jantar
fora.
26) Quer casar?
27) Com que idade?
28) Que género de homem quer casar? Sei lá, bonito.
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? Ir à Serra da Estrela, ir a França,
ir a Espanha.
30) Com quem se parece? Com ninguém. Contigo não se parece, fiz diferente.
31) Gostarias de te parecer com ele/a? Não, está esquisita.
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Sim, a cabeça, os olhos, a
boca, o nariz e estas bolinhas que é corada. A parte toda da cara menos as orelhas que
não tem orelhas.

No final do inquérito começou a queixar-se de fome (era hora do almoço) e comentou que se
calhar os pais foram comer e deixaram-na ali comigo. A sessão terminou neste momento.

301
2º Desenho

Inquérito

Quem é esta pessoa? Como se chama e que idade tem?


Fábio (ri-se). Já usa gravata então pode ter 13 anos.

Qual foi o dia mais feliz da sua vida?


Quando foi à Kidzania, eu também fui.

E o dia mais triste?


Quando perdeu a sua chave (?) de casa.

302
Conta-me uma boa recordação que tenha.
O seu anel que a mãe lhe deu para se lembrar todos os dias.

E uma má recordação?
…quando a sua avó morreu.

Conta-me uma história sobre esta pessoa.


É preciso ter título? Era uma vez um menino que andava a passear na Kidzania… mais… que
foi ao avião, é o avião falso da Kidzania. Perdeu as chaves porque esqueceu-se de dar à mãe.
Depois ficou muito triste, só quando chegou lá em baixo é que se lembrou que se tinha
esquecido na escada, voltou para cima e andou cima/abaixo, abaixo/cima à procura da chave e
não encontrou a chave de casa. Depois a sua mana foi lá acima e encontrou a chave, mas
como ela é muito malandra não quis dar ao mano, mas como o mano é tão esperto tinha uma
pulseira e tinha umas máquinas ali à frente e encontrava a foto, encontrava ela onde ela
estava, encontrou ela, a chave e foi buscar. Distraiu ela e tirou a chave do bolso, depois foi dar
à mãe e queixou-se. Como o mano é tão bom que foi fazer dois crepes, dois bolos, um para a
irmã e um para ele, a irmã papou e gostou, acaba aí.

1) O que é que ele/ela está a fazer? Está a ir para dentro do carro.


2) Que idade tem? 13 Anos.
3) É casado/a?
4) Tem filhos?
5) Rapazes ou raparigas?
6) Qual é o seu trabalho?
7) Se ainda estuda, em que ano está? Ai isso agora... 6º Ano.
8) Qual é o seu maior desejo? Ter um carro novo.
9) É saudável? Sim.
10) Tem bom aspecto? Sim.
11) Qual é a parte do seu corpo que está mais bem feita? Cabelo.
12) E qual é a menos bem feita? Os braços e a gravata.
13) É feliz? É.
14) Quais são os seus aborrecimentos? Quando ele quer fazer uma coisa e não pode.
15) O que o/a faz zangar? A sua mãe.
16) Quais são as suas manias? Sair de casa.
17) Quais são os seus três piores defeitos? É chato, não sabe fazer os trabalhos de casa.
303
18) Quais são as suas melhores qualidades? É bom em matemática.
19) Tem muitos amigos? Sim.
20) Mais velhos ou mais novos? Mais velhos.
21) O que é que dizem dele/a? Que ele é um rapaz porreiro, como se diz.
22) Ele/a gosta da família? Sim.
23) E da escola? Mais ou menos, sim gosta.
24) Sai muito com os amigos? Sim.
25) Quando é que diz que se divertiu muito? Saiu com os amigos para ir para a
discoteca.
26) Quer casar? Não.
27) Com que idade?
28) Que género de mulher quer casar?
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? Agora é que vem elas... quer ser
carpinteiro.
30) Com quem se parece? Com o meu pai, com o seu pai.
31) Gostarias de te parecer com ele/a? Não (ri-se).
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Não.

Análise da prova

À semelhança da prova anterior a Mariana realiza variados comentários verbais que


exprimem a necessidade de apoio por parte da investigadora e algumas críticas negativas aos
desenhos que remetem para insegurança e auto-exigência: “está a sair um bocadinho mal (…)
olha aqui a cabeça, parece um E.T” (primeira figura) “ainda agora comecei e já preciso de
apagar (…) Não sei desenhar gravatas, mas vou desenhar como sei” (segunda figura).
Na primeira figura surge, uma vez mais, uma transferência positiva com a observadora
que reenvia para o desejo de agradar e estabelecer uma relação dual na linha do cuidar.
Embora numa fase inicial a Mariana se defenda e recuse-se a enunciar os aspectos negativos
bloqueando a agressividade, para esta figura casada (ainda que dependente da mãe para se
autonomizar e sair de casa) que pode reenviar para o imago materno, os seus aborrecimentos
são “as filhas” e o que a faz zangar é “quando elas se portam mal”, o que pode estar associado
a um vivido de culpabilização na Mariana e a um imago materno frustrado, pouco gratificante
e tolerante. Observa-se uma ligação ao contexto real ao evocar a avó materna já falecida e
dificuldades de separação e de internalização desta relação “a avó fez uma camisola para ela e
ela vai guardá-la para o resto da sua vida, à mão. A minha avó (materna) fez-me uns sapatos
304
quando eu era pequenina” e “o que ela mais gostou foi ter ficado com a casa da avó, mas tinha
pena porque a avó tinha falecido”.
No plano gráfico o desenho encontra-se adaptado ao grupo etário da Mariana, com
excepção da legenda que identifica a figura, característica da fase de Realismo Intelectual
(Luquet, 1984). Por seu turno, a narrativa pobre do ponto de vista simbólico, assenta num
discurso descritivo, factual e concreto.
No final do inquérito relativo ao primeiro Desenho da Figura Humana a Mariana
comenta que sente fome e que se calhar os pais foram comer e deixaram-na ali comigo, o que
pode remeter para a angústia de abandono e de perda do objecto. Terminou-se a sessão neste
momento.
Quanto ao segundo Desenho da Figura Humana, na fase de inquérito a Mariana
apresentou uma conduta agitada através dos movimentos repetitivos de balanceamento da
cadeira, queixou-se de sono e pediu-me para ir brincar com uma pista de carrinhos. Realizou
um desenho adequado à idade, investido, com o pormenor do traçado de uma gravata, como
símbolo sexual masculino e, à semelhança do primeiro Desenho da Figura Humana, uns
botões, que podem remeter para a dependência materna. Este tipo de relação dual e
dependente com o materno encontra-se também presente através das dificuldades em crescer,
autonomizar-se “perdeu as chaves porque esqueceu-se de dar à mãe”, “depois foi dar à mãe e
queixou-se”. As “chaves” surgem assim aqui como um representante de poder, de
responsabilidade, autonomia e crescimento. Na sequência do desejo de transgressão da
relação com o materno e de curiosidade face ao meio externo desencadeia-se um vivido de
culpa e de carência afectiva acentuada pela necessidade de fazer bolos, ainda que exclua a
figura materna. Assim, parece projectar sentimentos agressivos face ao imago materno “o que
o/a faz zangar? A sua mãe”. Todavia, as dificuldades de separação e de internalização da
relação com o materno subsistem “conta-me uma boa recordação que tenha. O seu anel que a
mãe lhe deu para se lembrar todos os dias”. A resposta “quais são os seus aborrecimentos?
Quando ele quer fazer uma coisa e não pode” reenvia para intolerância à frustração.
No geral, surge a representação de uma imagem corporal ambivalente, entre um
adolescente de 13 anos que utiliza gravata e deseja “sair de casa”, mas que frequenta um
parque de diversões para crianças e necessita de manter uma relação dependente com a mãe.
A história deste desenho apresenta-se mais simbolizada, ainda que, assente no factual. A
figura é associada pela Mariana à figura paterna “quais são os seus três principais
projectos/sonhos? Agora é que vem elas... quer ser carpinteiro” e “com quem se parece? Com
o meu pai, com o seu pai”. A diferenciação de sexos parece integrada.

305
Desenho da Família

Inquérito

1) Quem são essas pessoas que desenhas-te, como se chamam e que idade têm? (da
esquerda para a direita)
Família Lourenço.
Margarida, 13 Anos, filha;
Diogo, 12 Anos, filho;
Luna, mãe, 49 Anos;
Pai, Luís, 42 Anos.

2) O que está a acontecer no teu desenho? Porquê?


A família vai subir o escorrega, vai descer o escorrega e vai descer na piscina, só que a
piscina não cabia aqui.

306
3) Quem é o mais feliz? Porquê?
Margarida, Luna, toda a família.
(?) A Margarida. Está sempre com sorte e tem tudo o que quiser.

Quem é o menos feliz? Porquê?


Diogo. Porque está sempre com azar.

4) Quem é o mais simpático? Porquê?


Luna. Não sei. Porque anda a tomar um remédio.

Quem é o menos simpático? Porquê?


Ninguém. A aranha. O Diogo, o meu papá não é muito mau.
(?) O Diogo. Porque está sempre com azar.

5) Quem manda mais? Porquê?


O pai e a mãe. Porque eles são pai e mãe, são adultos.

Quem manda menos? Porquê?


O Diogo e a Margarida. Porque eles são filhos e são pequeninos.

6) Se tivesses que escolher uma pessoa desta família, quem é que preferias ser?
Porquê?
A mãe. Porque é adulta e eu gosto de ser adulta, posso lavar a loiça, posso trabalhar e
ganhar dinheiro e essas coisas todas.

7) Se fossem todos dar um passeio de carro mas não houvesse lugar para uma
pessoa, quem ficaria em casa? Porquê?
A mãe ou o pai.
(?) A mãe que fica a limpar a casa.

8) Se alguém não se tivesse comportado bem quem seria? Como seria castigada?
Quem é que dava o castigo?
O Diogo. Não jogar computador e não jogar à bola. A mãe e o pai.

307
9) Se pudesses mudar alguma coisa no teu desenho o que é que mudarias? Porquê?
O escorrega. Porque está mal desenhado e devia ser da porta vinha um tubo que eles
vinham a descer, a descer e vinham ter à piscina.

Análise da prova

Durante a realização do Desenho da Família a Mariana sente uma necessidade


marcada de verbalizar e de procurar apoio por parte da observadora revelando-se insegura
(“isto é uma rapariga, o cabelo está giro? (…) olha está giro? (…) diz-me lá isto parece mais
com um menino ou com uma menina? Para mim parece mais com uma menina… é a mãe, é
igualzinha à filha (…) ai o cabelo, esqueci-me do cabelo do pai, o meu papá, o meu pai tem
42 anos e esqueci-me do cabelo (…) já acabei, está giro?”).
O desenho apresenta um grafismo pouco adequado à idade da Mariana, onde o
escorrega apresenta-se visto do alto, isto é, como é percebido e não como é realmente visível,
a chaminé na diagonal (e não na vertical), segundo a inclinação do tecto e com uma legenda a
identificar cada figura. Estas três características integram a fase de Realismo Intelectual
descrita por Luquet (1984).
Por baixo do escorrega é curiosa a presença de uma aranha, animal fóbico de
características arcaicas que reenvia para a relação com o imago materno pré-genital perigoso.
O traçado do fumo a sair da chaminé pode remeter para uma casa com vida e a maçaneta na
porta e a campainha estabelecem a possibilidade de contacto entre a realidade interna e
externa. Quanto às figuras, no geral aparentam um aspecto rígido. A filha afigura-se como a
mais investida, com aspecto mais harmonioso e mãos (símbolo de relacionamento e
comunicação com o outro). Por outro lado, o filho surge como a figura menos investida, com
um aspecto pouco estável e harmonioso que aliado à atribuição de uma idade menor que a
filha, invertendo a tendência da família real e a atribuição das respostas ao inquérito de cariz
negativo pode remeter para uma desvalorização na linha da rivalidade fraterna. Ao nível da
colocação das figuras, o irmão é desenhado próximo do imago materno, filha e pai
respectivamente, encontram-se mais afastados destas duas figuras. A diferenciação sexual é
apenas visível através dos cabelos, sem haver discriminação através do vestuário das figuras.
A diferenciação de gerações e o conceito de família surgem integrados.
Com a resposta à questão “Quem é o mais feliz? Porquê? Margarida, Luna, toda a
família (?) A Margarida. Está sempre com sorte e tem tudo o que quiser” a Mariana defende-
se, negando as dificuldades emocionais experienciadas e revelando uma possível intolerância
à frustração. O imago materno é associado à simpatia com a justificativa de se encontrar “a
308
tomar um remédio”, como se estivesse doente e naturalmente não apresentasse esta
capacidade. Neste ponto, faz-se a ligação com a mãe real que se encontra medicada com
psicotrópicos. O imago materno é predominantemente associado aos aspectos funcionais
relacionados com a limpeza, trabalho e ganhar dinheiro. Neste sentido, surge uma
identificação com o materno. Contudo há que assinalar o desejo e a aceitação de se separar da
figura materna para estar junto do pai, sugerindo a triangulação edipiana.

Inventário de Depressão para Crianças

Análise inter-individual

A Mariana obteve um total de 24 pontos no inventário, situando-se no Grupo 3 quanto


à intensidade de sintomas depressivos que apresenta. Estes resultados, ainda que, superiores à
média, inserem-se num nível intermédio, logo, não passíveis de classificar como “caso
depressivo” e “caso não depressivo” face à população estudantil portuguesa abrangida pelo
teste.

Análise intra-individual

Perfil de Itens
Intensidade do Item

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27
Itens

A partir do gráfico acima representado observa-se uma maior distribuição de itens na


intensidade mínima (12) e média-inferior (8). Na intensidade média-superior (5) e alta (2)
sobressaem itens que traduzem dificuldades do sono, alimentação e escolares, excesso de
preocupação, pessimismo, anedonia e baixa auto-estima.
Estes resultados podem ter sido condicionados pelos mecanismos de defesa empregues
durante a prova, sobretudo ao nível da negação.

309
Teste de Relações Familiares, Versão Crianças

Tabela 1 – Número de itens emitidos e recebidos positivos/negativos (leves/fortes) atribuídos


aos membros da família.

Emitidos Emitidos Recebidos Recebidos Total de


Positivos Negativos Positivos Negativos Envolvimento
Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes
Ninguém 0 3 4 8 0 2 4 8 29
Mariana 6 0 3 0 1 0 0 0 10
Pai 7 5 0 0 6 5 3 0 26
Mãe 6 2 2 0 6 2 2 0 20
Irmão 5 0 0 0 2 0 0 0 7
Tia Paterna 6 2 1 0 5 2 1 0 17
Tio Paterno 6 1 0 0 4 1 0 0 12
Prima 6 0 0 0 2 1 0 0 9
Primo 6 1 0 0 2 1 0 0 10
Avô 6 1 0 0 4 1 0 0 12
Materno
Avó Paterna 6 2 0 0 8 3 1 0 20

Ainda que a Mariana tenha colaborado ao longo da passagem da prova de forma


concentrada, em alguns momentos revela uma conduta mais agitada. Fez alguns comentários
às frases da prova como o desabafo “quase ninguém” ao item “43. Esta pessoa da família dá-
me atenção”, podendo remeter para o facto de se sentir pouco valorizada, para uma carência
emocional significativa e, ainda, o comentário “a avó lava o cabelo” ao item “53. Esta pessoa
da família gosta de me ajudar quando estou a tomar banho”.
A análise da Tabela 1 permite observar que além das figuras pertencentes à família
nuclear: Mariana, pai, mãe e irmão, a Mariana decidiu incluir seis membros da família
alargada: tia paterna, tio paterno (são um casal), prima, primo (irmãos e filhos dos tios
paternos), avô materno e avó paterna. A defesa pela negação dos afectos negativos através da
utilização da figura Ninguém sobressai face ao envolvimento com as restantes figuras, o que
remete para um forte bloqueio na expressão da agressividade dirigida aos membros da família
e um grau elevado de neuroticismo.

310
30

25

20

15

10

Figura 1 – Número total de itens associados a cada membro da família.

Observando o total de envolvimento com cada elemento da família (Figura 1)


sobressai um forte mecanismo defensivo através da colocação dos itens negados/recusados na
figura Ninguém. Quanto aos membros da família verifica-se um forte envolvimento
emocional com o pai, seguindo-se a mãe e a avó paterna com o mesmo número de afectos
atribuídos. A figura que se segue é a tia paterna. Entre os elementos que obtiveram uma
menor expressão ao nível do envolvimento total situam-se por ordem decrescente de
importância: o tio paterno e o avô materno (com o mesmo número de itens), o primo e a
Mariana (com o mesmo número de itens), a prima e, por fim, o irmão.

311
12

10

6
Positivos
4 Negativos

Figura 2 – Número de itens positivos e negativos emitidos a cada membro da família.

Atendendo à avaliação dos afectos positivos e negativos emitidos pela Mariana


(Figura 2) sobressai o recurso defensivo à idealização de todos os elementos da família, com
excepção da própria Mariana, colocando no Ninguém os afectos positivos fortes, mas
sobretudo os negativos reprimindo, deste modo a agressividade dirigida aos elementos da
família. A auto-estima da Mariana encontra-se relativamente ambivalente destacando-se a
atribuição dos afectos negativos “é demasiado picuinhas”, “é chata” e “queixa-se demais” que
podem remeter para sentimentos de inferioridade e culpabilização. A par da Mariana, a mãe e
a tia paterna também receberam afectos negativos. No caso da mãe “fica chateada sem ter
razão para isso” e “não tem muita paciência” reenviam para a percepção de irritabilidade
emocional na mãe e, no caso da tia paterna “fica zangada demais” associa-se a uma figura
autoritária/punitiva. No âmbito dos afectos positivos de cariz erotizado as figuras da mãe, tia
paterna e avó paterna destacam-se na atribuição dos itens “gosto de fazer festinhas a esta
pessoa da família” e “gosto de abraçar esta pessoa da família” que reenviam para uma relação
próxima e carinhosa por parte da Mariana. Contudo, na relação com o pai os afectos
erotizados encontram maior expressão e além destes dois últimos itens, o pai obteve ainda
“gosto que esta pessoa da família me dê beijinhos”, “gostava que esta pessoa da família
estivesse sempre ao pé de mim” e “gosto que esta pessoa da família me faça cócegas” (apenas
atribuídos ao pai) o que pode reenviar para a existência de fantasias edipianas na relação da
Mariana com o pai. Importa, ainda, salientar a recusa/negação na figura Ninguém dos itens
“às vezes gostava de poder dormir na mesma cama com esta pessoa da família”, “gostava que
312
esta pessoa da família gostasse mais de mim do que dos outros” e “quando me casar gostava
que fosse com uma pessoa parecida com esta pessoa da família”, reforçando a sua autonomia.

12

10

6
Positivos
4 Negativos

Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.

A avaliação dos afectos positivos e negativos recebidos pela Mariana (Figura 3) revela
uma forte defesa pela negação dos afectos negativos através do recurso à figura Ninguém, o
que permite a idealização da relação com os elementos da família. As figuras que traduzem
um maior envolvimento emocional ao nível dos afectos recebidos, o pai, a avó paterna, a mãe
e a tia paterna, são também aquelas com afectos negativos atribuídos e maior expressão nos
afectos positivos de cariz erotizado. Posto isto, quanto aos afectos negativos o pai é a figura
que se destaca com os seguintes itens “faz-me uma cara zangada”, “ralha comigo” e “está
muito ocupada para ter tempo para mim” que podem remeter para a percepção de uma figura
punitiva e pouco disponível para a Mariana, tendo em conta o seu desejo de atenção. Segue-se
a mãe com dois afectos “ralha comigo” e “fica zangada comigo” denotando a percepção de
uma figura punitiva, tal como a tia paterna e a avó paterna que obtiveram o item “ralha
comigo”, à semelhança do pai e da mãe. Nos afectos erotizados o pai é a figura que se salienta
através dos itens “gosta de me dar beijinhos”, “gosta de me abraçar”, “gosta de me dar
festinhas”, “gosta de me fazer cócegas” e “quer estar sempre ao pé de mim” remetendo para a
percepção de fantasias edipianas na relação com o pai. À mãe, à tia e à avó paterna foram
atribuídos os itens “gosta de me abraçar” e “gosta de me fazer cócegas” reenviando para uma
313
relação composta por momentos de troca de afectos com estas figuras. À avó paterna a
Mariana associou, ainda, o item “gosta de me ajudar quando estou a tomar banho” remetendo
para dificuldades no processo de autonomia. Por outro lado, a negação dos afectos erotizados
“gosta de estar na cama comigo” e “gosta mais de mim do que dos outros” remete para o
desejo de autonomização.

15

10

Emitidos Positivos
0
Recebidos Positivos
-5 Emitidos Negativos
Recebidos Negativos
-10

-15

Figura 4 – Direcção dos afectos emitidos e recebidos positivos/negativos.

Na análise da direcção dos afectos positivos/negativos emitidos e recebidos pelos


membros da família (Figura 4) destaca-se uma forte defesa pela negação sobretudo dos
afectos negativos que figuram no personagem Ninguém, observando-se um elevado grau de
neuroticismo no funcionamento da Mariana. Observa-se uma relativa correspondência ao
nível dos afectos positivos emitidos e recebidos, ainda que sobressaiam os primeiros na
relação com todas as figuras à excepção da avó paterna com quem a Mariana percepciona um
aumento dos afectos positivos recebidos face aos emitidos e na relação com a figura materna
que obteve um número equivalente de afectos. No plano dos afectos negativos a Mariana
sente apenas que os recebe na relação com o pai e com a avó paterna, podendo sentir-se
desvalorizada, sobretudo na relação com o pai. Na relação com a mãe e tia paterna estes
afectos encontram-se em número equivalente.

314
Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de dependência (superprotecção
materna e superindulgência paterna/materna).

Superprotecção Superindulgência Total de


materna Paterna Materna Dependência
Ninguém 0 0 0 0
Mariana 8 5 5 18
Pai 2 1 1 4
Mãe 2 3 1 6
Irmão 2 2 0 4
Tia Paterna 2 1 1 4
Tio Paterno 2 1 1 4
Prima 2 1 1 4
Primo 2 1 1 4
Avô Materno 2 1 1 4
Avó Paterna 2 2 1 5

A Tabela 2 permite a análise dos itens associados aos sentimentos que traduzem
dependência. Posto isto, verifica-se uma tendência bastante regressiva no funcionamento da
Mariana através de uma forte auto-valorização alcançada através dos itens de dependência
que concentra sobre si, revelando uma atitude egocêntrica, o desejo de protecção da mãe e de
atenção por parte de ambos os pais. Desta forma, rivaliza com a mãe, o irmão e a avó paterna
pela atenção do pai. As figuras com as quais se identifica, a mãe e a avó paterna seguem esta
tendência dependente.

Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)

Na figura Ninguém são colocados os afectos negados sobretudo de cariz negativo


reprimindo, deste modo, a agressividade dirigida aos elementos da família. Observa-se um
grau considerável de neuroticismo no funcionamento da Mariana. Os afectos erotizados
negados/recusados remetem para o desejo de autonomização.
A auto-estima da Mariana apresenta-se de forma relativamente ambivalente com
sentimentos de inferioridade e culpabilização. Contudo, sobressai uma tendência regressiva
marcada por uma atitude egocêntrica e dependente, procurando valorizar-se através do forte
desejo de protecção materna e de atenção por parte de ambos os pais (o que pode colocar em
hipótese o sentimento de falta por esta protecção nem sempre ser satisfeita podendo associar-
se a uma débil resposta de uma mãe deprimida).
A relação com o pai é a mais significativa do ponto de vista do envolvimento
emocional, apresentando-se de forma idealizada e dominada por fantasias edipianas. No que
315
concerne aos afectos recebidos a relação é sentida como menos valorizada por parte do pai,
percepcionando-o como uma figura punitiva e menos disponível, tendo em conta o desejo de
atenção da Mariana.
Com a mãe sobressai uma relação forte ao nível do envolvimento emocional,
idealizada e com trocas de afectos. Contudo, a mãe é sentida como uma figura punitiva, com
irritabilidade emocional e dependente com quem rivaliza pela atenção do pai.
A relação com o irmão é idealizada, ainda que se afigure como o envolvimento
emocional menos significativo onde a rivalidade é pouco acentuada, com excepção da disputa
pela atenção do pai.
A relação com a tia paterna surge como uma das mais destacadas face ao
envolvimento emocional, sendo percepcionada de forma idealizada e composta por trocas de
afectos ainda que, por vezes, a tia seja sentida como uma figura punitiva.
A relação com o tio paterno é idealizada manifestando-se de forma pouco significativa
ao nível do envolvimento emocional.
Com a prima assiste-se a uma relação idealizada e pouco significativa quanto ao
envolvimento emocional.
Na relação com o primo surge a defesa pela idealização, ainda que, a relação se
apresente como pouco significativa a nível emocional.
Com o avô materno a relação é idealizada, contudo, pouco significativa do ponto de
vista do envolvimento emocional.
A relação com a avó paterna além de idealizada figura como uma das que mais se
destaca do ponto de vista do envolvimento emocional, suportando também as dificuldades de
autonomização da Mariana. Esta figura representa-se de forma punitiva e dependente, com
quem a Mariana rivaliza pela atenção do pai, ainda que, percepcione trocas de afecto na
relação.

As Aventuras de Pata-Negra

1ª Etapa – Frontispício

PN:
Porque tem a pata negra, senão tivesse não era Pata Negra. Se tivesse a mancha na barriga
era o barrigo negra. Senão tivesse nada era o porquinho.

“Jesus deve-me estar a castigar porque estou sempre a ficar doente”


316
Tenho que ver melhor (aproxima cartão). Tem cara de homem (compara com outro porco sem
pata negra). 4 Anos.

Dois porquinhos:
Esquerda – menina, 3 anos.
Depende da cauda.
Direita – é um homem, 4 anos.
São irmãos do Pata Negra.

“Deve ter levado com uma coisa para ser Pata Negra, coitado”

Porcos grandes:
Em cima – pai, 42 anos.
Em baixo – mãe, 39 anos.

A partir das respostas e comentários adicionais à prova observa-se um forte impacto


fantasmático da pata negra sobre a Mariana, sentindo este pormenor como uma falha que pode
associar-se à culpabilidade experienciada.
Ao PN atribui o sexo masculino, inverso ao seu, podendo remeter para uma tendência
de maior evitamento dos conflitos, não se identificando tanto com o herói da história. A idade
inferior à sua atribuída ao PN também reflecte esta última tendência, tal como, pode reenviar
para imaturidade no seu funcionamento.
Os dois porquinhos associam-se a relações familiares de tipo fraternas, obtendo idades
aproximadas do PN.
Nos porcos grandes é projectada a relação com as figuras parentais, identificando de
forma adequada os papéis parentais e sexos. A idade destes porcos corresponde à idade dos
seus próprios pais, reforçando a identificação à relação com as figuras parentais.

2ª Etapa – Os Temas

“Este é muito complicado” (comenta ao ver o cartão Brincadeiras Sujas)

Reacção às questões ligadas à expressão agressiva face às figuras parentais, podendo


suscitar na Mariana o sentimento de culpabilidade através do retorno da agressividade contra
si. Assim, recusa e evita abordar este conflito.
317
Pequena Escada
Era uma vez uma família que tinha três filhos e um chamava-se Pata Negra. Um dia o
pai e o filho e o PN quiseram ir à busca de maçãs. O pai disse: ”vamos trepar às árvores”.
Mas o PN como é esperto disse que não conseguimos trepar, tinha que o pai ficar em baixo e
o PN em cima, depois o PN começou a escalar, a escalar e viu um ninho de pássaros, um
esquilo e um pica-pau.

Num cartão que remete para a função de holding numa das figuras parentais, o pai é a
figura escolhida, abdicando do primeiro objecto, a mãe. Esta relação com a figura paterna
pode associar-se à transgressão na relação com o materno e à possibilidade de novas
descobertas, de crescimento mas, também, a uma capacidade de apoio pouco sólida na mãe.

Bebedouro
Quando chegou a noite estavam todos a dormir mas o PN tinha vontade de ir à casa
de banho e foi pronto, a casa de banho era aqui (aponta no cartão). E alevantou o seu irmão.
Depois ele foi dormir mas ficou com fome e ele foi comer e depois ele foi acordar a mãe e o
pai para porem comer porque ele tinha comido tudo e depois quando os porquinhos
alevantaram-se cheiraram e foram comer. O PN tinha fome e não ficou com nada. Depois o
PN foi dormir.

A Mariana acede ao conteúdo simbólico do cartão que reenvia para a agressividade


face às figuras parentais. Contudo, o impacto fantasmático deste conteúdo provoca na
Mariana o recurso ao agir, ao fazer, regredindo para as questões orais revelando não
apresentar recursos suficientes para lidar com este conflito. Assim, a vivência carencial
impõe-se “porque ele tinha comido tudo (…) o PN tinha fome e não ficou com nada”, tal
como, o evitamento do conflito “depois o PN foi dormir” como defesa à angústia depressiva
instalada e sentimento de culpa pelo retorno da agressividade sobre si.

Sonho Mãe
Ele sonhou que a mãe lhe estava a dizer “meu menino não te portes mal, deixa comer
para a tua irmã, para o teu irmão”. Depois o PN acordou assustado porque a voz da mãe era
assustadora.

318
Num cartão que remete para a relação com o imago materno a Mariana projecta uma
vivência de culpa num contexto carencial. Sobressai, ainda, o sentimento de insegurança e
medo na relação com a figura materna, a um nível arcaico “a voz da mãe era assustadora”.

Sonho Pai
Depois o bebé, o PN adormeceu. E depois sonhou com o pai a dizer-lhe “cuidado com
a água, cuidado com a água” e o bebé disse “mas a água não faz mal” e o pai disse “tem
tubarões!” e o bebé acordou a chorar.

Na sequência do cartão anterior a Mariana projecta sentimentos de insegurança e


aspectos fóbicos e agressivos num contexto regressivo (“bebé” e “água”) que pode remeter
para a relação pré-genital com o materno. Não se observam estratégias para lidar com a
angústia experienciada. A figura paterna pode desempenhar a função de protecção, todavia,
não proporciona a contenção necessária para que a angústia seja ultrapassada.

Hesitação
Quando era de manhã foram todos para o relvado. Estavam todos com sede. Como o
pai ocupava quase o sítio que eles bebiam água o PN não podia beber água e a porquinha
podia beber. E ele (PN) disse “grande injustiça, ela pode beber e eu não!”.

A Mariana acede ao conteúdo simbólico do cartão. Sobressai a vivência de carência e


o sentimento de exclusão e rivalidade na relação com o pai (possivelmente face ao lugar
ocupado junto da figura materna) e irmão.

Ganso
Depois a irmã foi correr pelo campo, o irmão foi vigiar a irmã porque o pai e a mãe
pediram. O PN ficou a rebolar na relva. Depois o irmão viu a irmã ser mordida por um
ganso “o que é isto?”. Depois o irmão viu a irmã a chorar e foi dizer aos pais.
Ganso: menino. As meninas não mordem as meninas.

A temática da agressividade é reconhecida pela Mariana remetendo, contudo, a


narrativa para o contexto da rivalidade fraterna.

319
Partida
O PN chateou-se porque ninguém brincava com ele e foi seguir o caminho até uma
casa. Os pais foram à procura dele e encontraram. Depois trouxeram pelo mesmo caminho,
mas apanharam umas maçãzinhas.

Nesta narrativa sobressai o sentimento de exclusão e o desejo de protecção e


recompensa na relação com as figuras parentais.

Batalha
Depois o PN zangou-se com o irmão e depois o PN começou a morder a perna do
irmão e o irmão a morder a orelha do PN e depois a irmã foi a correr até aos pais, os pais
estavam a fazer exercício físico. E depois eles treinaram, foram a correr ao pé-coxinho, mas
a mãe não conseguia ir ao pé-coxinho e o pai foi ao pé-coxinho para os meninos pararem a
luta.

A Mariana acede ao conflito simbolizado no cartão. Num contexto de rivalidade


fraterna observa-se a necessidade da função continente (pela espiral agressiva “o PN começou
a morder a perna do irmão e o irmão a morder a orelha do PN”) e o sentimento de
desprotecção na relação com as figuras parentais, principalmente na relação com a figura
materna vivenciada como ‘incapacitada, doente’ na sua função de protecção e apoio.

Noite
Quando chegou a noite o PN, aqui não se vê muito bem mas eu estou a dizer, o PN
não conseguiu dormir e fugiu de casa, mas levou uma mochila com comer. Ele foi a correr!

O sentimento de exclusão da relação de casal e fantasmas da cena primitiva


desencadeiam na Mariana uma resposta de fuga e evitamento do conflito. Mais uma vez, as
referências orais encontram-se presentes numa alusão ao vivido carencial.

Buraco
Depois o PN foi a correr tão rápido que caiu numa poça de lama, gritou “socorro,
socorro, socorro” três vezes, até a lua olhou e deu a luz mais forte.

320
A narrativa reenvia para uma forte angústia depressiva e de separação face ao exterior
fobogénico intensificada com o recurso à repetição e procura de apoio num objecto
inanimado, a lua.

Ninhada
E ele chegou a casa. Depois viu que a mãe dele, dele e dela teve mais três
irmãozinhos e os homens estavam a pôr água e feno e eles ficaram tristes porque já tinham
mais irmãos e não tinham atenção.

Num contexto de rivalidade fraterna acentua-se a vivência carencial na relação com o


materno pelo desejo de uma aproximação exclusiva a esta figura.

Como terminam as aventuras?


Felizes. Depois a mãe explicou-lhe que mais três irmãos podem brincar todos juntos e
ele ficou feliz porque iam comprar mais brinquedos.

A Mariana recorre à defesa pela idealização para evitar deparar-se com a angústia
depressiva. Suprime a falta de atenção, avidez relacional e sentimento de desprotecção
materna através do deslocamento para a relação fraterna e nos objectos (anulando a rivalidade
fraterna).

Acrescentou:

Carroça
Este é o mais difícil. O PN sonhou que tinham posto por engano quatro porquinhos
dentro da carroça onde eles pensaram que eram cabras, está ali uma cabrinha, e o PN
sonhou que tinha um pesadelo e a família ficou triste porque pensava que ele tinha-se ido
embora, que eles tinham-no posto por engano.

Assiste-se a um forte sentimento de desvalorização e exclusão da família


acompanhado de culpabilização pelo retorno da agressividade/punição sobre si.

Mamada 2
Depois o PN ficou tão contente que quis ficar ao pé da mãe, depois os irmãos viram-
no que foram a correr a rebolar pela relva, depois o PN achou uma graça e rebolou pela
321
relva e tinha caído numa poça de lama. Quando chegou a casa estava todo sujo que teve que
ir tomar um banho.

Na sequência das solicitações latentes do cartão anterior que reactivaram a angústia de


separação, nesta narrativa procura a aproximação à figura materna. A temática oral com o
materno é deslocada para a analidade, ainda que, manifesta pela vivência de culpabilidade
pelo retorno da agressividade sobre si. A defesa pela formação reactiva impõe-se inibindo,
assim, a expressão agressiva. A rivalidade fraterna não é abordada.

3ª Etapa – Preferências-identificações

 Cartões de que gosta (A)

Pequena Escada
A1) Não sei, porque é mais engraçado. O PN.

Esta resposta, ainda que defensiva pela utilização da recusa, surgindo como o cartão
preferido remete para a importância de se sentir apoiada e valorizada pelas figuras parentais.

Bebedouro
A2) Porque (ri-se e aponta) está a fazer chichi, é engraçado. O PN.

Exprime agressividade sobre as figuras parentais.

Noite
A3) Porque está às escuras e é engraçado e queria ser o PN.
Revela-se sensível à tonalidade escura do cartão, podendo associar-se à angústia
depressiva contudo, negada “é engraçado”.

Buraco
A4) Porque ele caiu numa poça de lama e é engraçado. O PN.

Defende-se do confronto com a angústia depressiva através da sua negação.

322
Mamada 2
A5) Porque este é felicidade, porque eles estavam a rebolar. O PN.

Idealiza e nega as dificuldades ao nível da expressão agressiva manifestas no


sentimento de culpabilização na relação com o materno e rivalidade fraterna.

Batalha
A6) Porque eles andaram à luta, a puxarem. O PN.

Reconhece a temática da agressividade na relação fraterna.

Partida
A7) Porque ele vai-se embora. O PN.

Nega as dificuldades sentidas ao nível da angústia de separação.

Hesitação
A8) Porque ele não bebe. O PN.

Defende-se pela negação do sentimento de exclusão, desvalorização e carência


afectiva.

Sonho Mãe
A9) Porque ele está a sonhar com a mãe porque a mãe está a reclamar. O PN.

Esta resposta a um cartão que apela à relação com o materno remete para uma figura
punitiva.

Sonho Pai
A10) É engraçado, o pai está a reclamar. O PN.

Num cartão associado à relação com a figura paterna surge um pai punitivo, ainda que
se defenda desta vivência pelo recurso à negação “é engraçado”.

323
Ganso
A11) Porque ele está a morder. Eu queria ser o ganso.

A Mariana identifica-se com a figura que representa o forte, o agressor, optando por
controlar a situação de forma a não reconhecer a impotência e a depressão que esta poderia
despoletar.

Beijo
A12) Porque ele está a vigiar eles enquanto eles estão a (imita o gesto de beijar). O
PN.

Ainda que reconheça a dimensão libidinal da cena, não atribui uma identidade aos
personagens, evitando ou não acedendo à problemática edipiana que o cartão simboliza.
Também o recurso ao agir pode remeter para uma defesa pelo evitamento da verbalização do
conflito ou para dificuldades de simbolização.

Ninhada
A13) Porque eles estão amuados porque a mãe teve três filhos e eles estão a tratar
deles. O PN.

Manifesta o sentimento de rivalidade fraterna e o desejo de ocupar um lugar


privilegiado na relação com o materno.

 Cartões de que não gosta (nA)

Cabra
nA1) Porque ele está a beber leite de cabra e ele não bebe leite de cabra.
Mudava a imagem toda para pôr mais alegre. Ninguém.

Esta resposta traduz o sentimento de abandono e de perda na relação com o materno e


a angústia depressiva que essa vivência comporta “mudava a imagem toda para pôr mais
alegre”.

Carroça
nA2) Porque ele está a sonhar com uma coisa má.
324
Pensamento, a família ficar feliz. O PN.

Reflecte o sentimento de exclusão, culpabilidade e angústia de separação que a


imagem desencadeou em si utilizando estratégias de defesa na linha da negação e idealização.

Brincadeiras Sujas
nA3) Porque ele está na lama e mandou lama para o pai.
O petróleo, que é lama. Queria ser mais limpo. O PN.

Acede ao conteúdo latente do cartão que reenvia para a expressão agressiva face a uma
figura parental optando, neste caso, pelo pai, não renunciando à relação dual com o primeiro
objecto, a mãe. De forma a bloquear a expressão agressiva recorre à defesa pela formação
reactiva.

Mamada 1
nA4) Não sei, porque está muito vazia, não tem muita história para contar.
Mais alegre, com mais pessoas e pensamentos. O PN.

A resposta da Mariana reflecte uma falha narcísica acentuada e angústia depressiva na


relação próxima com o materno, expressando a necessidade de preencher este vazio vivido
internamente através do recurso a modalidades antidepressivas como a recusa maníaca “mais
alegre, com mais pessoas e pensamentos” e evidência da precariedade do meio “está muito
vazia, não tem muita história para contar”.

4ª Etapa – Questões Dirigidas

Noite
Não.

5ª Etapa – Questões de Síntese

1) Quem é o mais feliz? Porquê?


O PN porque recebe sempre doces (ri-se). Eu às vezes não tenho vontade de comer
doces, mas antes comia.

325
Quem é o menos feliz? Porquê?
O pai. Porque o pai mete-se sempre em sarilhos.
(?) Andar à luta.

2) Quem é o mais simpático? Porquê?


O PN. Porque ele cuida bem sempre dos seus irmãos.

Quem é o menos simpático? Porquê?


O irmão. Porque ele trata mal os seus irmãos.

3) Quem é que gostarias de ser?


O PN.

4) O que achas que vai acontecer ao PN?


Vai ser feliz para sempre.

5) O que é que o PN pensa da sua pata-negra?


Que vai melhorar, que vai ficar com a pata branca, como o seu corpo.

6) Cartão Fada:
Desejo 1: Melhorar a pata.
Desejo 2: Ser feliz, ter uma namorada.
Desejo 3: Ter filhos. E viver feliz para sempre.

Síntese da Análise da Prova

Preferências-identificações
Os Temas Preferências Identificações
Cartões Aceite (A)/Não Agradável Assumida Total
Aceite (nA) (A)/Não (A)/Não
Agradável (nA) Assumida (nA)
Bebedouro A A A 3A
Beijo nA A A 2A
Batalha A A A 3A

326
Carroça nA nA A 1A
Cabra nA nA nA 3nA
Partida A A A 3A
Hesitação A A A 3A
Ganso A A nA 2A
Brincadeiras nA nA A 1A
Sujas
Noite A A A 3A
Ninhada A A A 3A
Sonho Mãe A A A 3A
Sonho Pai A A A 3A
Mamada 1 nA nA A 1A
Mamada 2 nA A A 2A
Buraco A A A 3A
Pequena A A A 3A
Escada

A Mariana colaborou na passagem da prova Pata Negra. Manteve um comportamento


um pouco agitado, tendo-se baixado com frequência e deitado sobre a cadeira que se
encontrava ao seu lado (contou-me que gostava de brincar às escondidas e que a
procurassem). Ria-se quando se tornava a endireitar. Também me indicou que gostaria de se
deitar na cadeira para dormir. Na fase final da prova evidenciou algum cansaço (após narrar
as histórias), ficando mais agitada (levantou-se enquanto falava e começou a explorar a sala.
Quando lhe solicitei que se sentasse a Mariana acedeu favoravelmente ao meu pedido e não se
voltou a levantar). No entanto, manteve-se concentrada ao longo da prova. Procurou o apoio e
estímulo por parte da observadora ao questionar-me sobre a espécie de alguns personagens e
através de alguns comentários verbais que proferiu. Riu-se com frequência dos próprios
comentários relativos às imagens ou histórias narradas. Sempre que tinha os cartões à sua
frente pedia-me para os “ordenar”. Organizou-os segundo as solicitações da prova (ordenar
pela ordem de preferência dos que mais gosta, ordenar os que menos gosta) e no final permiti-
lhe organizar segundo a numeração constante no verso de cada cartão.
Relativamente à análise da tabela que resume o modo de expressão das temáticas
inerentes à prova verifica-se uma maior censura dos temas associados à oralidade e relação
com o imago materno (Mamada 1 e Cabra) e agressividade (Carroça e Brincadeiras Sujas)
327
podendo remeter para dificuldades na elaboração destes conflitos. Entre os principais
mecanismos defensivos utilizados pela Mariana encontram-se o recurso à idealização, recusa
maníaca, negação, evitamento, formação reactiva e recusa.
Verifica-se uma forte angústia depressiva na Mariana marcada pela carência e falha
narcísica acentuada, sentimento de desvalorização, exclusão e desprotecção na relação com as
figuras parentais (sobretudo na relação com a figura materna) acompanhado de culpabilidade
pelo retorno da agressividade/punição sobre si. A agressividade face às figuras parentais é
frequentemente reprimida e dirigida à própria Mariana, contribuindo para a vivência de culpa.
Quanto ao conflito edipiano a Mariana parece encontrar-se, ainda, ao nível da relação dual,
rivalizando com o pai e demonstrando dificuldades de separação na relação com o materno
não renunciando, assim, à relação com o primeiro objecto, a mãe. A diferenciação de gerações
e sexos parece assegurada.
Na relação com a figura materna sobressai uma vivência de culpa, carência, abandono,
insegurança, aspectos fóbicos e agressivos num contexto regressivo que pode remeter para a
relação pré-genital com o materno. Esta vivência associa-se a uma falha narcísica acentuada e
à angústia depressiva. Aparentemente a Mariana não implementa estratégias suficientes para
lidar com a angústia experienciada.
A figura paterna, ainda que punitiva, é percepcionada como aquela que assegura a
função de apoio e protecção, todavia, não proporciona a contenção necessária para que as
angústias da Mariana sejam ultrapassadas.
Na relação com os irmãos revela uma forte rivalidade fraterna intensificada pela
vivência carencial na relação com o materno e pelo desejo de uma aproximação exclusiva a
esta figura.

328
Anexo Q: Estudo de Caso 5 – Gabriel (10 anos e 4 meses)

O Gabriel é um menino de dez anos e quatro meses que frequenta o 4º Ano do 1º Ciclo
do Ensino Básico. Apresenta um desenvolvimento estato-ponderal adaptado ao seu grupo
etário. Trata-se de uma criança bonita e harmónica, apresentando-se fisicamente cuidado,
investido e limpo. Geralmente traz um boné na cabeça, que retira quando se senta junto à
secretária. Estabelece um contacto inibido com a observadora, ainda que no decorrer das
sessões revele sentir-se mais à vontade, conversando com espontaneidade. Mantém um
comportamento estável e controlado, não evidenciando sinais de ansiedade ou dificuldades de
concentração/atenção. No final da segunda sessão queixa-se e mostra-me uma ferida no pé, o
que pode remeter para a necessidade de ser cuidado.
Através da consulta hospitalar de pneumologia pediátrica (tem asma e rinite) foi
encaminhado para a Unidade de Pedopsiquiatria por dificuldades alimentares com anorexia
selectiva. Iniciou as consultas terapêuticas de frequência quinzenal com a psicóloga da
Unidade há cerca de dois meses, beneficiando também de intervenção familiar.
O Gabriel vive com os pais e com o meio-irmão (da parte da mãe) de dezoito anos. O
pai é carpinteiro e a mãe assistente administrativa. Ambos os pais são ex-toxicodependentes
tendo-se conhecido num programa de desintoxicação que frequentaram. A mãe deixou de
consumir pelo meio-irmão do Gabriel quando este tinha cinco anos (até então esta criança
esteve maioritariamente ao cuidado da avó materna) e cortou a ligação que mantinha com o
ex-companheiro e pai do meio-irmão do Gabriel, também na altura toxicodependente
(continua a consumir até à actualidade), conhecendo o actual companheiro. Até ao momento o
Gabriel desconhece o passado toxicodependente dos pais. Segundo a psicóloga, o meio-irmão
do Gabriel é muito problemático (isola-se passando muito tempo no quarto ou com a
namorada, toca guitarra eléctrica) e a mãe culpabiliza-se por este comportamento devido ao
seu afastamento e consumos de droga durante a infância do filho. Desta forma, desenvolveu
uma forte ligação com o Gabriel na tentativa de compensar e reparar a relação com o filho
mais velho. A psicóloga acrescenta, ainda, que o Gabriel mantém uma relação de forte
rivalidade com o meio-irmão. Segundo a mãe o Gabriel faz birras quando é contrariado,
respondendo mal, “é muito nervoso”. A mãe tem Hepatite C e, segundo a própria, teve
anorexia nervosa por volta dos vinte anos.
A mãe do Gabriel é uma mulher que apresenta um aspecto físico jovial face à sua
idade, tratando-se de uma pessoa aparentemente descontraída e simpática. É harmónica e
bonita, encontrando-se cuidada e com vestuário adequado. Estabelece um contacto adequado
com a observadora, predispondo-se, desde o início, a participar na investigação com
329
empenho, interesse e aparente satisfação. Verbaliza de forma fluente e espontânea, indiciando
sentir-se adaptada à situação de observação/avaliação. Manteve contacto ocular, apresentando
uma postura muito rica e expressiva.
No que concerne ao pai do Gabriel, apresenta um aspecto físico cuidado e adaptado à
idade. Estabelece um contacto adequado com a observadora, verbalizando de modo
espontâneo e fluente, transmitindo simpatia, empenho e interesse em participar no estudo.
Apresenta uma postura rica e expressiva, mantendo contacto ocular.
Em bebé o Gabriel não foi amamentado, não registando problemas alimentares até à
data em que iniciou a diversificação alimentar. Nessa altura recusava tudo o que não fosse
esmagado “só comia o que fosse passado pela varinha mágica”, conta a mãe. Também não
comia carne, peixe ou ovos, apenas aceitava sopa passada, papa, iogurtes Danoninho e fruta
só dos boiões. Segundo a mãe “os médicos sempre desvalorizaram esta característica do
Gabriel, mas ele nunca queria provar nada” e acrescenta que o Gabriel registou sempre uma
boa evolução ponderal porque compensou com a sopa. Desenvolveu hipoglicémias e teve
gastroenterites. Aos quatro anos deixou o biberão e até aos cinco anos andava com três
chupetas em cada mão “foi muito difícil de o convencer a desistir delas”, refere a mãe. Pelos
cinco/seis anos começou a aceitar batatas de pacote e carne, mas nunca comeu arroz e
esparguete. Para a mãe “sempre que insistimos é um circo em casa ele chora, berra, grita, nem
sequer prova” e o Gabriel acrescenta de imediato “não provo porque sei que não é bom”.
Não come na escola porque diz que não gosta da comida. Quando vai a festas de
aniversário leva o próprio lanche e nas situações em que janta em casa de amigos fazem-lhe
uma comida especial. Recusa-se a ir para qualquer lado onde saiba que tem que comer fora de
casa ou comida diferente (e.g., não vai ao campo de férias) “na escola gozam comigo, sou o
menino da sopa passada”, refere o Gabriel.
Actualmente a ementa diária habitual do Gabriel é a seguinte: ao pequeno-almoço
come papa (bebe com uma palhinha). Ao meio da manhã come bolachas Maria ou Tosta Rica
ou pão com fiambre de peru, bebe leite de morango. Deixou de comer iogurtes porque diz que
o sabor do Danoninho é “diferente”. Ao almoço ou jantar pode comer salsichas, bife de peru,
peito de frango, carne de vaca e de porco, determinados tipos de peixe – cozido/grelhado, ovo
mexido, come sempre sopa, batatas fritas e pão. Não come fruta. Bebe Ice Tea de limão ou
manga, sumo de manga e Coca-Cola. No que se refere a doces, o Gabriel não come
chocolates, bolos e gelados. Gosta de chupa-chupas de coca-cola e de gomas, mas algumas
coloca-as apenas na boca sem as engolir.
A gravidez do Gabriel foi planeada e o parto eutócico, a termo, sem registo de
complicações peri ou neonatais. Após o nascimento do Gabriel a mãe sentiu-se “bem mas por
330
volta dos dois meses senti um aumento de stress e preocupação devido às faltas de ar do
Gabriel”. Durante a primeira infância a mãe teve o apoio da avó paterna do Gabriel,
recordando o filho como um bebé “bem-disposto, muito dorminhoco”.
Segundo a mãe, o Gabriel “sempre dormiu bem”, apesar de até cerca dos sete anos de
idade adormecer na cama dos pais e só depois ia para a própria cama. Neste momento não se
registam problemas a este nível.
O desenvolvimento psico-motor e o controlo esfincteriano desencadearam-se dentro
dos parâmetros normais. Porém, ao nível linguístico assinala-se a substituição da consoante
“b” por “p”, até à actualidade.
O Gabriel ficou ao cuidado da avó paterna até aos cinco anos, idade a partir da qual
ingressa no infantário com boa adaptação até ao momento em que recusa alimentar-se na
escola (almoça todos os dias em casa desta avó). Aos seis anos inicia a escola “foi um caos,
dava-se mal com os colegas, roubavam-lhe o lanche. Sempre foi muito irrequieto, tem que
ficar sentado ao pé da professora. É muito reguila, mas é muito bom aluno” indica a mãe,
acrescentando também que o Gabriel apesar de não bater nos colegas, provoca-os, acabando
por chegar “todo negro a casa. Ele quer tudo à maneira dele”. Tem dificuldades a português
porque escreve com muitos erros ortográficos. A mãe envolve-se muito no processo educativo
do Gabriel, insistindo e acompanhando-o no estudo “eu estudo sempre com a minha mãe,
digo que estou cansado mas acabo por estudar. Eu não consigo estudar sozinho, estudo mal,
estou entretido com outras coisas. Ela acha que é melhor eu estudar com ela para não ter más
notas”, refere o Gabriel.

331
Guião de Entrevista dos Pais

Identificação da Criança

Nome: Gabriel Género: Masculino

Idade: 10 Anos e 4 Meses Data de Nascimento: 2002

Naturalidade: Península de Setúbal Nacionalidade: Portuguesa

Ano de escolaridade: 4º Ano

Reprovou algum ano? Não Se sim, qual (quais)? __________

Muito inteligente, mas preguiçoso, mais erros a português. Pai: acho que tem défice
de atenção. Mãe desvaloriza mais este aspecto e compara com o filho mais velho, irmão do
Gabriel.

Caracterização Sócio-Demográfica da Família

Quem são os elementos que compõem o agregado familiar (elementos que vivem na mesma
casa)?
(Constituição do genograma familiar)
1979
70 65 64

46 40 32

39 39

13

10 18

332
Mãe
Idade: 39 Anos Data de Nascimento: 1971
Naturalidade: Grande Lisboa Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casada Habilitações Literárias: 12º Ano
Profissão: Assistente Administrativa Situação Profissional: Empregada

Quais são os seus principais papéis na família?


Todos. Médico, reuniões da escola, ajuda nos trabalhos de casa do filho Gabriel,
dividem tarefas da casa. Burocracia é com a mãe.

Quais são os seus principais gostos e interesses pessoais?


Ginástica, fazer desporto, praia (faz ginásio). Ler, ouvir música.

Pai
Idade: 39 Anos Data de Nascimento: 1972
Naturalidade: Península de Setúbal Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Casado Habilitações Literárias: 8º Ano
Profissão: Carpinteiro Situação Profissional: Empregado

Quais são os seus principais papéis na família?


Tarefas domésticas divididas com a mãe, tento ajudar o Gabriel com as coisas da
escola. Gostava de ter mais tempo e paciência, mas às vezes não tenho. O Gabriel está mais
com a mãe (tem um horário mais flexível). Esta sempre com os pais o Gabriel.

Quais são os seus principais gostos e interesses pessoais?


Faço desporto, ando de bicicleta, praia, ginásio. Fiz yoga, mas neste momento não
faço.

Irmão(ã)
Género: Masculino
Idade: 18 Anos Data de Nascimento: 1993
Naturalidade: Península de Setúbal Nacionalidade: Portuguesa
Estado Civil: Solteiro Habilitações Literárias: 9º Ano
Ao cuidado de/Creche/Infantário/Escola (ano frequentado): 12º Ano
Profissão: ____________________________ Situação Profissional: _______________
333
Relações Familiares

Qual é a situação familiar actual (apoios sociais e/ou familiares, existência de doenças físicas
e/ou psicológicas, problemas sociais, económicos, exposição a fontes de stress, entre outros)?
Podíamos ter mais dinheiro. Vivemos como a maioria das pessoas, não falta nada,
sem extravagâncias. O ano passado, durante dois anos o pai esteve desempregado após doze
anos de estar na mesma empresa, depois esteve em sítios não certos e agora tem que faltar ao
trabalho por causa de problemas no ouvido esquerdo com os cristais do ouvido (anda há um
ano e tal assim). Dificultando o dinheiro em casa. Stressava com isto e a mulher também
sentia isso, afectando todos. A mulher sente que tem de dar muita força ao marido e sobra
pouco para ela. Problemas do pai no trabalho com o patrão, é uma pessoa difícil o patrão.

Algum membro da família necessita de se ausentar ou ausentou-se no passado


temporariamente ou com frequência, por motivos de trabalho, estudo, ou outros? Quando?
Durante quanto tempo? Como é que a criança reagiu a essa(s) separação(ões)? E os restantes
membros da família?
O pai ponderou ir para Angola, tratou de tudo, mas na altura não o deixaram ir.

Algum membro da família faleceu, separou-se ou divorciou-se desde a gravidez da criança?


Quem? Qual o possível impacto na família?
A tia da parte da mãe separou-se. Acho que não influenciou o Gabriel, mas os avós
maternos ficaram muito afectados. Havia ameaças do ex-marido da tia e ela saiu da casa
dele e foi viver com os avós maternos do Gabriel.
A bisavó materna faleceu, teve um AVC e foi complicado porque quiseram metê-la em
casa, depois foi para um lar. O Gabriel não gostava de lhe dar beijinhos, tinha na altura
quatro anos, mais ou menos.

Como é a relação da criança com a mãe?


A mãe entende-se melhor com o Gabriel do que com o outro filho, entende-se bem.
Sempre acompanhou-o muito “em certas coisas não cortou o cordão umbilical”, diz. Impõe-
se em certas coisas. É mais tolerante com o filho, para não complicar.

334
Como é a relação da criança com o pai?
É boa. São teimosos. Tenta acompanhá-lo. Gostava de ter mais tempo para estar com
ele mas a vida não permite. É menos tolerante que a mulher, dá demasiada importância a
certas coisas, não tem tanta paciência.

Como é a relação da criança com os irmãos (com cada um)?


Complicada, porque o irmão é chato, pela diferença de idades. Não é tolerante com o
Gabriel. Chateia o Gabriel e o Gabriel fica sentido com ele e o Gabriel quer tudo à maneira
dele e ficam chateados.

E com os restantes membros da família?


A avó paterna é “uma segunda mãe”, foi a pessoa que esteve mais próxima dele com
excepção da mãe. Ele acha ‘seca’ estar em casa da avó paterna. Com os avós maternos gosta
de estar com eles na quantidade certa porque não lhe fazem todas as vontades. Dá-se bem
com o tio paterno do meio, vai buscá-lo à escola. Com o tio paterno mais velho não tem
muito contacto porque vive longe. Com a tia materna, quando estão juntos não é nada de
especial.

Gostaria que me descrevessem a vossa relação (relação do casal parental).


Mãe: já foi muito complicada, em quase tudo má. Choque de personalidades, parece
que cada um rema para um lado. A mãe tem uma personalidade vincada, senhora do seu
nariz, mãe e avó materna matriarca. Ele manda lá em casa, mas quem manda mais sou eu.
Pai: ao início foi difícil adaptarem os feitios. Muitas vezes meteram em causa o
casamento. Agora, passados treze anos sentem que as coisas estão melhores.
A mãe acha que as expectativas iniciais não se enquadraram com o marido.
Aprenderam a aceitar-se um ao outro. De volta e meia têm uma crise, mas não como de
antes.

Como é a relação da mãe com a sua família de origem?


Tem coisas boas e más. São uma família unida. A do marido é mais afastada. Na
família da mãe acha que se metem demais na vida uns dos outros. Há muitos choques de
personalidade, ela e irmã são opostas e com a avó materna é o mesmo, a avó é matriarca e
chocam. Vêem-se todos os dias ou telefonam-se. Com o avô materno do Gabriel é
presente/ausente, a avó assume mais controlo.

335
E como é a relação do pai com a sua família de origem?
Não se dão mal, mas não têm muito contacto. Vivem perto. Sente que não há muita
ligação. Não há afinidade, se precisarem estão lá, mas sem muito contacto. Sempre houve
muita competição uns com os outros. A avó paterna do Gabriel ficou com os filhos nova, sem
o marido, o pai tinha sete anos quando faleceu o próprio pai. Não há abertura para certo
tipo de conversas. Sente que a avó paterna não lhe dá muita atenção, mesmo quando está
doente, mas fala das coisas dele. A avó com o neto é diferente, é mais afectiva.

Sintomas da Criança e Impacto Familiar

Quais são as principais preocupações actuais sentidas face à criança (Comportamento


alimentar, sono, linguagem, controlo esfincteriano, atitude face a outras crianças e adultos,
medos, entre outros)?
Não come como deve ser, desde sempre e não prova antes. Não quer ir a certos sítios
com receio de não comer e ser criticado pelos outros “passava dias inteiros sem comer”. Na
primeira classe a integração foi difícil, era difícil com os colegas “não gosta muito da
escola”, não quer ir para a faculdade. Nos três primeiros anos tinha saudades da professora
e não dos colegas, sentava-se ao lado da professora. Dormiu muito tempo com os pais, para
adormecer tinha que ser na cama dos pais. Aos sete/oito anos de idade passou a adormecer e
ficar na cama dele. Todas as noites o Gabriel pede ao pai quando sair da cama para o
colocar na cama com a mãe. Demorou muito tempo a largar a chucha, foi mais ou menos aos
cinco anos. De manhã bebia o leite no biberão com uma palhinha. Pai: o Gabriel neste
momento não quer fazer nada, já teve na natação, karaté. Tem jeito para dançar. Tinha
problemas respiratórios. Às vezes brinca com amigos em casa.

Qual o impacto sentido na família?


Em certas coisas acabaram por dar mais atenção ao Gabriel, a mãe acha que ele
queria-se manter bebé. A falta de ar é um problema. A mãe sente que talvez o tenha impedido
de crescer, não se sentia preparada para estes problemas do filho. Não tinha ajuda de
ninguém, não sabia como ajudar mais o filho. Com a comida também se sentia em
dificuldades para lidar com ele, estava sozinha e os médicos desvalorizavam a situação.

336
Teste de Relações Familiares, Versão Casais - Mãe

Tabela 1 – Número de itens emitidos e recebidos positivos/negativos (leves/fortes) atribuídos


aos membros da família.

Emitidos Emitidos Recebidos Recebidos Total de


Positivos Negativos Positivos Negativos Envolvimento
Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes
Ninguém 5 0 0 4 0 1 1 7 18
Mãe 1 1 6 0 0 0 0 0 8
Pai 2 3 0 2 3 4 2 0 16
Irmão 1 4 3 1 1 0 5 1 16
Gabriel 2 5 0 0 3 4 0 0 14
Avó 4 5 0 0 6 3 0 0 18
Materna
Avô 3 2 0 3 3 0 4 0 15
Materno
Tia Materna 1 2 2 1 1 0 4 0 11

A mãe do Gabriel colaborou ao longo da realização da prova com aparente


investimento e entusiasmo. Verbalizou de forma fluente e espontânea, confessando, no início
da prova que “uma pessoa muito especial era a bisavó do Gabriel, a minha avó, mas já
faleceu”. Manteve contacto ocular com a observadora, não indicando sentir-se ansiosa face à
situação de observação e avaliação.
A observação da Tabela 1 permite verificar que a mãe decidiu incluir na prova além
dos elementos que compõem a família nuclear: mãe, pai, irmão e Gabriel, três elementos
pertencentes à família alargada materna: a avó, o avô e a tia. A utilização da figura Ninguém
para a colocação dos afectos negados foi mais significativa nos itens negativos recebidos
inibindo, desse modo, a expressão da agressividade dirigida aos membros da família.

337
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Ninguém Mãe Pai Irmão Gabriel Avó Avô Tia
Materna Materno Materna

Figura 1 – Número total de itens associados a cada membro da família.

Atendendo ao envolvimento total com cada membro da família (Figura 1) verifica-se


que a avó materna destaca-se face aos restantes elementos da família. Seguem-se o pai e o
irmão com o mesmo número de afectos, o avô materno, o Gabriel, a tia materna e, por último,
a mãe. O recurso à figura Ninguém para a atribuição das defesas face aos elementos da
família foi significativo.

9
8
7
6
5
4 Positivos
3 Negativos
2
1
0

Figura 2 – Número de itens positivos e negativos emitidos a cada membro da família.


338
A análise do afectos positivos e negativos emitidos pela mãe do Gabriel (Figura 2)
permite apurar um forte envolvimento emocional com o Gabriel e a avó materna marcado
pela idealização destas relações, sendo as figuras que obtiveram mais afectos positivos de tipo
erotizado, seguindo-se o irmão. Neste sentido, destacam-se os itens “gosto de estar sozinho(a)
com esta pessoa da família” (também atribuído ao irmão) e “sinto-me muito próximo(a) desta
pessoa da família” que podem remeter para uma relação de forte dependência emocional com
o Gabriel e a avó materna, sobretudo no caso da última figura, a quem foi atribuído, ainda, o
item “gostava que esta pessoa da família estivesse sempre ao pé de mim”. A relação com o
irmão, o avô materno e a tia materna apresenta-se de forma ambivalente. Assim, ao irmão a
mãe percepciona a emissão dos seguintes afectos negativos: “é demasiado picuinhas”, “é
desmancha-prazeres” e “irrita-se muito depressa” e, na tia materna “queixa-se demais” e “fica
chateada sem ter razão para isso” que podem remeter para a percepção de irritabilidade
emocional e dificuldade na gestão das dificuldades por parte destas figuras. Com o avô
materno observaram-se os seguintes: “dá-me a volta ao juízo” e “consegue fazer-me sentir
muito irritado(a)”, que aliado à atribuição do item “apetece-me matar esta pessoa da família”
a estes três elementos da família e ao pai, neste último caso juntamente com o afecto
agressivo “apetece-me bater nesta pessoa da família” reenvia para conflitos na relação com
estas quatro figuras dominados por dificuldades na sua gestão por parte da mãe e no controlo
dos impulsos agressivos. A auto-estima da mãe encontra-se baixa, recolhendo o maior número
de afectos negativos “é chata”, “irrita-se muito depressa”, “tem mau feitio”, “resmunga
demasiado”, “não tem muita paciência” e “fica zangada demais” ligados a sentimentos de
inferioridade, culpabilização e irritabilidade emocional. No Ninguém figuram os afectos
agressivos rejeitados, mas sobretudo, os afectos positivos de ternura como “é muito
simpática”, “é muito alegre”, “é muito prestável”, “nunca me desaponta” e “é muito
divertida” podendo associar-se à sobreposição de sentimentos negativos e de insegurança
relativos à sua família.

339
9
8
7
6
5
4 Positivos
3 Negativos
2
1
0

Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.

Avaliando os afectos positivos e negativos recebidos pela mãe do Gabriel (Figura 3)


destaca-se uma forte negação dos afectos negativos dirigidos aos elementos da família através
da utilização da figura Ninguém reprimindo, assim, a expressão de agressividade nos
elementos da família o que, por sua vez, permite idealizar as relações com a avó materna, o
Gabriel e o pai, tratando-se das únicas figuras a obter afectos positivos erotizados. Deste
modo, os afectos “gosta de me beijar” e “quer mesmo o meu amor” surgem associados ao pai,
os afectos “gosta de me abraçar” e “quer estar sempre ao pé de mim” ligam-se apenas ao
Gabriel, podendo traduzir o desejo de protecção e de conservar a dependência do Gabriel face
à mãe, o item “ama-me muito” foi atribuído à avó materna podendo remeter para a percepção
de uma relação dependente da avó com a mãe. Os itens “gosta de estar sozinha comigo” e “é
muito carinhosa comigo” associam-se a estas três figuras e traduzem uma forte ligação
afectiva com a mãe. Ao pai foram, ainda, atribuídos dois afectos negativos de rejeição “nem
sempre faz o que eu gostaria que fizesse” e “nem sempre me ajuda quando preciso”
reenviando para conflitos e insegurança na relação de casal. Na relação com o irmão, a tia
materna e o avô materno (relação ambivalente) os afectos negativos sobressaem face aos
afectos positivos, antevendo, conflitos na relação com estas figuras. Posto isto, foram
atribuídos os itens “resmunga comigo” e “fica zangada comigo” a estas três figuras podendo
senti-las como punitivas, o item “nem sempre me ajuda quando preciso” ao irmão e ao avô

340
materno associando-se à vivência de insegurança na relação com estas figuras e “nem sempre
faz o que eu gostaria que fizesse” ao avô materno e à tia materna. A atribuição dos itens
“gosta de gozar comigo”, “faz-me sentir frustrado(a)” e “é malcriada para mim” ao irmão
reforça a ideia de insegurança na relação com este elemento da família.

10
8
6
4
2 Emitidos Positivos
0 Recebidos Positivos
-2 Emitidos Negativos
-4 Recebidos Negativos
-6
-8

Figura 4 – Direcção dos afectos emitidos e recebidos positivos/negativos.

A avaliação da direcção dos afectos positivos/negativos emitidos e recebidos (Figura


4) permite destacar a percepção de uma relação satisfatória e correspondida com o Gabriel e a
avó materna, ainda que, idealizada. A relação com o pai é sentida como mais investida por
parte deste face ao número superior de afectos positivos recebidos perante os emitidos e
equivalente nos afectos negativos emitidos/recebidos. Por outro lado, a relação com o irmão,
avô materno e tia materna é sentida como desvalorizada por estas figuras, emitindo a mãe
mais afectos positivos face aos recebidos e recebendo mais afectos negativos face aos
emitidos, destacando-se a relação com o irmão onde esta diferença se acentua. A auto-estima
da mãe encontra-se baixa, com um valor superior de afectos negativos comparativamente com
os positivos. No Ninguém figuram sobretudo os afectos negativos recebidos por parte dos
elementos da família.

341
Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de protecção e atribuição de
incompetência ou fraqueza.

Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 0 0
Mãe 0 0
Pai 0 0
Irmão 1 2
Gabriel 2 0
Avó Materna 2 0
Avô Materno 0 1
Tia Materna 1 3

Na análise da Tabela 2 onde figuram os sentimentos de protecção e de atribuição de


incompetência/fraqueza face aos elementos da família observa-se a percepção do Gabriel e da
avó materna como as figuras mais dependentes e que carecem de maior protecção, seguindo-
se o irmão e a tia materna, no caso desta última a atribuição do item “possa sofrer um
esgotamento nervoso” aliado aos sentimentos de incompetência “não tem uma personalidade
suficientemente forte”, “não consegue lidar suficientemente bem com dificuldades” e “não
consegue enfrentar suficientemente bem as outras pessoas” traduzem a percepção de uma
figura frágil do ponto de vista emocional, com dificuldades na adaptação social e nos conflitos
podendo remeter também para a presença de rivalidade fraterna na mãe. Segue-se o irmão
com “não consegue lidar suficientemente bem com dificuldades” e “deveria ajudar mais em
casa” e o avô materno com “esta pessoa deveria desempenhar um papel mais importante na
vida da família” na atribuição de incompetência/fraqueza podendo remeter para a percepção
de insegurança nestas relações e a mãe sentir-se pouco apoiada por estas figuras, vendo o
irmão como um elemento com dificuldades na gestão dos conflitos.

Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)

A figura Ninguém é utilizada sobretudo para a colocação dos afectos negativos


recebidos negando e inibindo, assim, a expressão agressiva sobre os elementos da família.
Contudo, verifica-se, ainda, a atribuição substancial de afectos positivos nesta figura
revelando uma percepção negativa e insegura sobre a família.
A auto-estima da mãe apresenta-se baixa e dominada por sentimentos de inferioridade,
culpabilização e irritabilidade emocional.

342
Na relação com o pai surge a percepção de um maior investimento afectivo na relação
por parte desta figura, ainda que se observem conflitos e insegurança na relação de casal em
parte, motivados por dificuldades na gestão dos conflitos e no controlo dos impulsos
agressivos por parte da mãe.
Com o irmão a relação é sentida como fortemente desvalorizada por parte desta figura
e insegura através da percepção de falta de apoio e uma atitude punitiva e agressiva por parte
do irmão, sendo marcada por conflitos acentuados associados a uma dificuldade na sua gestão
por ambas as partes, com irritabilidade emocional no irmão e dificuldade no controlo dos
impulsos agressivos por parte da mãe.
A relação com o Gabriel é representada de forma satisfatória e correspondida, ainda
que idealizada. Observa-se a percepção de uma forte dependência emocional entre mãe e filho
e o desejo de lhe proporcionar protecção.
A relação com a avó materna é marcada por um forte envolvimento emocional
positivo correspondido onde o sentimento de dependência mútua, idealização da relação e
desejo de protecção desta figura sobressaem.
Com o avô materno a relação surge de forma desvalorizada por parte desta figura,
sendo marcada por conflitos associados a sentimentos de insegurança, falta de apoio e
punição dirigidos à mãe, ainda assim, são percepcionadas dificuldades na gestão destes
conflitos e no controlo dos impulsos agressivos por parte da mãe.
Por fim, a relação com a tia materna é percepcionada como desvalorizada por parte
desta figura. Observam-se conflitos relativos à dificuldade na sua gestão por ambas as partes
manifesta através de irritabilidade emocional, dificuldades de adaptação social e uma atitude
punitiva na tia paterna, assim como, dificuldade no controlo dos impulsos agressivos na mãe.
Perante este cenário, poder-se-á colocar em hipótese a presença de rivalidade fraterna na mãe.

Teste de Relações Familiares, Versão Casais - Pai

Tabela 1 – Número de itens emitidos e recebidos positivos/negativos (leves/fortes) atribuídos


aos membros da família.

Emitidos Emitidos Recebidos Recebidos Total de


Positivos Negativos Positivos Negativos Envolvimento
Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes
Ninguém 1 0 0 5 0 0 2 7 15
Pai 3 1 5 1 0 0 1 0 11

343
Mãe 3 5 3 1 4 2 4 0 22
Gabriel 1 1 0 0 2 5 0 0 9
Irmão 1 1 1 0 2 0 0 0 5
Avó Paterna 0 0 1 0 0 0 1 1 3
Tio Paterno 1 0 0 1 0 1 0 0 3
40 Anos
Tio Paterno 0 0 0 0 0 0 0 0 0
46 Anos

O pai do Gabriel colaborou ao longo da realização da prova TRF interagindo com a


investigadora e realizando alguns comentários verbais adicionais, mantendo uma conduta
adequada e expressiva.
A Tabela 1 permite observar que o pai do Gabriel optou por incluir na prova além dos
elementos da família nuclear: pai, mãe, Gabriel e irmão (não é filho do pai do Gabriel), três
elementos pertencentes à família paterna: avó, tio de 40 anos e o tio de 46 anos. O recurso à
figura Ninguém para a colocação dos afectos negados foi mais significativo nos afectos de
cariz negativo recebidos permitindo bloquear a expressão de agressividade dirigida aos
elementos da família.

25

20

15

10

0
Ninguém Pai Mãe Gabriel Irmão Avó Tio Tio
Paterna Paterno Paterno
40 Anos 46 Anos

Figura 1 – Número total de itens associados a cada membro da família.

344
Analisando o total de envolvimento do pai do Gabriel com cada elemento da família
(Figura 1) verifica-se um forte envolvimento emocional com a mãe, seguindo-se o próprio
pai, o Gabriel, o irmão, a avó e o tio paterno de 40 anos com um número de afectos reduzido,
ainda que, equivalente e, por último, o tio paterno de 46 anos sem qualquer tipo de item
atribuído. A utilização do Ninguém para a colocação das defesas foi significativa.

8
7
6
5
4
3 Positivos
2 Negativos
1
0

Figura 2 – Número de itens positivos e negativos emitidos a cada membro da família.

Atendendo aos afectos positivos e negativos emitidos pelo pai do Gabriel (Figura 2)
observa-se um forte envolvimento emocional com a mãe ainda que esta relação se apresente
de forma relativamente ambivalente, o que permite antever conflitos na relação de casal.
Posto isto, a mãe destaca-se como a figura que obteve o maior número de afectos erotizados
como “gosto que esta pessoa da família me beije”, “gostava que esta pessoa da família
estivesse sempre ao pé de mim” e “sinto-me muito próximo(a) desta pessoa da família” que
remetem para uma relação próxima e carinhosa com a mãe. Todavia, no plano negativo
obteve os afectos “é chata”, “fica chateada sem ter razão para isso”, “resmunga demasiado” e
“consegue fazer-me sentir muito irritado(a)” que se associam à percepção de dificuldades na
gestão dos conflitos na relação e irritabilidade emocional em ambas as figuras. A relação com
o irmão e com o tio paterno de 40 anos surge também de forma ambivalente, embora no caso
do primeiro sobressaiam os afectos positivos como “estou muito orgulhoso(a) desta pessoa da
família” face aos negativos “não tem muita paciência”. No caso do tio paterno de 40 anos

345
observa-se o afecto agressivo “apetece-me bater nesta pessoa da família” podendo remeter
para a rivalidade fraterna. A relação com o filho Gabriel é marcada apenas por afectos
positivos como “estou disposto(a) a fazer tudo por esta pessoa da família”. Na relação com a
avó paterna surge apenas um afecto negativo “é desmancha-prazeres” remetendo para
conflitos na relação com esta figura. A auto-estima do pai apresenta-se baixa pela
superioridade dos afectos negativos face aos positivos. Assim, nos afectos negativos
encontram-se: “é demasiado picuinhas”, “irrita-se muito depressa”, “tem mau feitio”, “queixa-
se demais”, “fica zangada demais” e “dá-me a volta ao juízo” que traduzem sentimentos de
inferioridade, culpabilização e irritabilidade emocional. Entre os afectos positivos destaca-se
o afecto forte “gosto de estar sozinho(a) com esta pessoa da família” que remete para o desejo
de autonomização. No Ninguém figuram sobretudo as defesas na linha da negação dos afectos
agressivos inibindo, deste modo, a projecção da agressividade dirigida aos elementos da
família.

9
8
7
6
5
4
3 Positivos

2 Negativos
1
0

Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.

Avaliando os afectos positivos e negativos recebidos pelo pai do Gabriel (Figura 3)


destaca-se um forte movimento defensivo no sentido da negação dos afectos negativos através
da utilização da figura Ninguém, o que permite bloquear a expressão da agressividade sobre
os elementos da família, assim como, idealizar a relação com o Gabriel. Deste modo, o

346
Gabriel sobressai como a figura que obteve um maior número de afectos positivos erotizados
“gosta de me beijar”, “gosta de me abraçar”, “quer mesmo o meu amor”, “ama-me muito”,
“quer estar sempre ao pé de mim” remetendo para a percepção de uma relação próxima e
possivelmente constituindo-se como o modelo de identificação sexual masculino para o filho.
A relação com a mãe surge de forma ambivalente, ainda que os afectos positivos como “gosta
de estar sozinha comigo” e “é muito carinhosa comigo” sobressaiam face aos negativos “fica
ressentida comigo”, “gosta de gozar comigo”, “resmunga comigo” e “fica zangada comigo”
reenviando, todavia, para a percepção de uma figura punitiva. A relação com o irmão e o tio
paterno de 40 anos surgem de forma positiva, com os itens “aprecia-me muito” e “aprecia a
minha companhia” associados ao irmão e “gosta mais de mim do que dos outros” atribuído ao
tio paterno, sentindo a sua relação com estas figuras muito valorizada por parte destes
elementos da família. Para o irmão pode representar, ainda, um modelo de identificação
sexual masculino significativo. Por outro lado, a relação com a avó paterna surge dominada
pelos afectos negativos “nem sempre me ajuda quando preciso” e “faz-me sentir sem valor”
remetendo para uma relação insegura e desvalorizada por parte desta figura. Assim, a auto-
estima do pai apresenta-se mais uma vez baixa e dominada por sentimentos de culpabilização
através do item negativo “nem sempre faz o que eu gostaria que fizesse”.

8
6
4
2
0
-2 Emitidos Positivos

-4 Recebidos Positivos

-6 Emitidos Negativos
-8 Recebidos Negativos
-10

Figura 4 – Direcção dos afectos emitidos e recebidos positivos/negativos.

347
Atendendo à direcção dos afectos positivos/negativos emitidos e recebidos pelo pai do
Gabriel (Figura 4) observa-se a percepção de um forte investimento na relação com o pai por
parte do Gabriel, ainda que surja de forma idealizada. A relação com a mãe é sentida como
menos valorizada por parte desta figura perante o menor número de itens positivos recebidos
face aos emitidos pelo pai. No plano dos afectos negativos a relação encontra-se
correspondida. O sentimento de correspondência nos afectos positivos é vivenciado na relação
com o irmão e com o tio paterno de 40 anos, ainda que lhes emita afectos negativos sem
receber afectos deste género, podendo sentir-se culpabilizado. Na relação com a avó paterna
registam-se apenas afectos negativos, com maior incidência para os recebidos, podendo
sentir-se bastante desvalorizado nesta relação. A auto-estima do pai apresenta-se baixa e
quanto ao tio paterno de 46 anos não registou qualquer tipo de afectos positivos/negativos
atribuídos. No Ninguém figuram sobretudo os afectos negativos recebidos bloqueando, assim,
a expressão de agressividade dirigida aos elementos da família.

Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de protecção e atribuição de


incompetência ou fraqueza.

Sentimentos Atribuição de
de Protecção Incompetência ou
Fraqueza
Ninguém 0 0
Pai 2 2
Mãe 1 0
Gabriel 2 0
Irmão 0 1
Avó Paterna 0 1
Tio Paterno 0 1
40 Anos
Tio Paterno 0 0
46 Anos

Através da análise dos sentimentos de protecção e de atribuição de incompetência ou


fraqueza (Tabela 2) verifica-se a percepção do pai e do Gabriel como as figuras que carecem
de maior protecção e, portanto, mais dependentes, seguindo-se a mãe. No plano da atribuição
de incompetência ou fraqueza surge o pai como a figura mais destacada com os itens “não
tem uma personalidade suficientemente forte” e “não consegue enfrentar suficientemente bem
as outras pessoas” podendo remeter para sentimentos de inferioridade, culpabilização e
desajustamento social. A associação dos itens “deveria ajudar mais em casa” e “deveria
desempenhar um papel mais importante na vida da família” ao irmão e à avó paterna,
348
respectivamente, remetem para a percepção da falta de apoio e protecção à família, mais
concretamente, face ao próprio pai. No tio paterno de 40 anos o pai colocou o item “não
consegue lidar suficientemente bem com dificuldades” reenviando para dificuldades na gestão
dos conflitos nesta figura.

Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)

No Ninguém figuram sobretudo as defesas na linha da negação dos afectos negativos


inibindo, deste modo, a projecção da agressividade dirigida aos elementos da família.
A auto-estima do pai apresenta-se baixa e dominada por sentimentos de inferioridade,
culpabilização, irritabilidade emocional e desajustamento social. A par do Gabriel surge como
uma das figuras mais dependentes e que carece de maior protecção na família ainda, assim,
exprime o desejo de obter uma maior autonomia emocional.
A relação com a mãe é marcada por um forte envolvimento emocional ainda que, seja
sentida de forma menos valorizada por esta figura face ao investimento do pai. Apesar da
percepção de uma relação próxima e carinhosa com a mãe, observam-se conflitos na relação
de casal associados à dificuldade na sua gestão e irritabilidade emocional em ambas as
figuras, sendo a mãe percepcionada como uma figura punitiva e carente de protecção.
Com o Gabriel observa-se a percepção de um forte investimento na relação com o pai
por parte do Gabriel, ainda que a relação seja representada de forma idealizada, podendo
constituir-se como o modelo de identificação sexual masculino para o filho. O Gabriel é
percepcionado como uma das figuras mais dependentes da família e que carece de maior
protecção.
A relação com o irmão é sentida como correspondida no plano dos afectos positivos e
satisfatória no geral, apesar de sentir que esta figura deveria prestar mais apoio e protecção à
família.
A relação com a avó paterna é sentida de forma negativa, insegura e conflituosa,
podendo o pai sentir-se desvalorizado e pouco apoiado/protegido por esta figura.
Com o tio paterno de 40 anos a relação é percepcionada de forma satisfatória. Ainda
assim, observa-se a percepção de dificuldades na gestão dos conflitos por parte desta figura e
um conflito na relação que pode associar-se à rivalidade fraterna.
Ao tio paterno de 46 anos não foram atribuídos quaisquer itens de índole
positiva/negativa ou referentes a sentimentos de protecção/incompetência ou fraqueza que
remetam para um envolvimento emocional com esta figura. Contudo, a sua inclusão na prova

349
torna-se significativa e pode contrariar a ausência de envolvimento emocional com esta figura
através do recurso a uma forte repressão emocional durante a prova.

Guião de Entrevista da Criança

Identificação da Criança

Nome: Gabriel Idade: 10 Anos e 4 Meses

Interesses/Actividades

O que é que tu gostas de fazer nos teus tempos livres?


Jogar computador, brincar (Legos, joga Playstation). Brinco sozinho normalmente.
Às vezes brinco com os colegas e o primo.

Frequentas alguma actividade desportiva ou cultural (dança, teatro, música, etc.)? Qual?
Fiz Karaté e natação. Vou voltar para a natação.

Tens animais de estimação? Quais?


Dois cães, Óscar e Ox.

Amigos

Quem são os teus amigos(as) (nome e idade)?


Bruno (10 anos), Afonso (9 anos), Diogo (10 anos). Às vezes da sala brincam todos.

De onde os(as) conheces?


Escola (mesma turma).

O que é que costumam fazer juntos(as)?


Brincam à apanhada, escondidas, “muitas coisas”.

Tens um(a) amigo(a) preferido(a) (melhor amigo/a)? Quem é?


Afonso e o Bruno (amigos desde o 1º Ano, andaram juntos na turma).
350
Escola

Em que ano andas?


4º Ano, já passei para o 5º Ano. Tive C a Português e B a Matemática.

O que é que gostas mais na escola? Porquê?


TIC (aprendem informática), actividades extra-curriculares e ginástica. Porque é
mais engraçado, a professora de ginástica deixa-nos fazer o que nós queremos, jogar à
bola…

O que é que gostas menos na escola? Porquê?


Gosto de tudo.

Se pudesses mudar alguma coisa na escola, o que seria?


Agora estão a fazer duas escolas, uma ao lado da outra, era melhor mudarem a
pintura do que mudar de escola.

Como preferias que fosse?


Preferia ficar na mesma.

Onde é que costumas fazer os teus trabalhos de casa?


Na cozinha quase sempre e no quarto, às vezes (em casa).

Tens ajuda de alguém? De quem?


Uns dias é da minha mãe, outros do meu pai.

Família

Quem são as pessoas da tua família?


Irmão, mãe, pai.

Com quem vives (nome, idade, grau de parentesco face à criança)?


Irmão, mãe, pai.

351
Como é a tua mãe?
É amiga, ajuda-me a fazer coisas que eu não consigo. É carinhosa.

Como é o teu pai?


É amigo, às vezes é um bocadinho rabugento. Também me ajuda nas coisas que eu
não consigo.

Como são os teus irmãos(ãs) (ou outras pessoas da família mencionadas)?


É rabugento quando acorda. Ele ajuda-me. Mais nada.

Como é que os teus pais se dão um com o outro? O que pensas/sentes com isso?
São amigos. Sinto que se dão bem.

Dormes com alguém ou partilhas o quarto com alguém? Se sim, com quem?
Antes o meu quarto e do meu irmão era uma sala, agora o meu irmão está na sala e
eu no outro lado (dividiram a sala ao meio).

Se pudesses mudar alguma coisa na tua família, o que seria?


Não mudava nada.

Como preferias que fosse?

Fantasias/Sonhos/Medos

O que é que gostarias de ser quando fores grande? Porquê?


Mecânico. Porque gosto de carros.

Quais são os teus maiores sonhos/desejos?


Isso é muito complicado. Gostava de ter a colecção toda do Lego. Às vezes compro
com a minha semanada.

Se pudesses mudar alguma coisa em ti, o que seria?


Nada.

352
Como preferias ser?

Costumas sonhar? Se sim, com o quê?


Sim. Coisas muito esquisitas (mexe muito nos olhos). É muito complicado explicar.
Tava a andar para uma cidade e caiu uma coisa mesmo à minha frente (?) nem eu percebi,
parecia um monte de metal agarrado. Tinha caído de um prédio, veio um carro e foi contra
esse monte, captou e teve um acidente. Veio um pássaro e caiu mesmo em cima da minha
cabeça, depois veio um camião TIR e foi contra o prédio e depois o prédio caiu e fez explodir
o camião TIR porque era daqueles de gasolina. (?) Eu fiquei com um galo na cabeça porque
o pássaro caiu na minha cabeça.

Quais são os teus medos? O que fazes quando te sentes assim?


Não tenho, tenho muito poucos medos. Medo de um da minha escola que pensa que é
o maior. Ele não me faz nada, faz aos outros, mas um dia pode-me fazer também. Ele é do 4º
Ano, já chumbou duas vezes. Chama-se Álvaro. Ele neste momento está na nossa sala. Fico
chateado por não puder fazer nada.

E as tuas preocupações? O que fazes quando te sentes assim?


As pessoas não cuidarem do planeta terra, andarem mais de carro do que de bicicleta.

353
Desenho Livre

Inquérito

1) O que é que desenhas-te? O que é que está a acontecer no teu desenho?


Fiz aqui uma cidade (à direita), houve um acidente e fiz um carro da polícia e uma
ambulância ao lado. Depois tem uma portagem para a zona industrial. Depois fiz uma
fábrica a deitar lixo para o rio que vai dar ao mar. Fiz o mar poluído. Fiz o cruzeiro a
sair pessoas (acrescenta pessoas). Depois fiz uma fábrica de barcos (ao lado das
pessoas que saem do barco). Depois fiz uns peixinhos mortos. Um coiso de
publicidade, ar condicionado e umas chaminezinhas (em cima dos prédios).
(Desenha o sol e as nuvens) “As nuvens é a poluição, o sol está tapado pela poluição”.

2) História
Era uma vez uma cidade que poluía muito. Havia muitas fábricas e muito trânsito e
com esse trânsito havia muitos acidentes. Um dia a fábrica principal estava cheia e
teve que deitar lixo pelo cano mas o cano estava ligado ao esgo… ah, a um rio e esse

354
rio ia dar ao mar. O mar ficou todo poluído: peixes mortos, aves doentes, muitos
animais com doenças. Um dia veio um inspector à cidade ver como é que estava tudo,
mas ele não ficou contente. Viu tanta poluição que decidiu ir falar com o presidente:
“ó senhor presidente já viu o que fez à sua cidade, está toda poluída. Você devia parar
as fábricas e devia fazer mais ruas”. O senhor presidente já sabia que aquilo estava a
piorar e disse-lhe assim: “como é que pode fazer isso? Sem termos dinheiro?” o
inspector disse logo: “peça dinheiro aos outros países que eles ajudam”. “Acha?”,
responde o senhor presidente. “Claro que sim”. Então o presidente lá foi fazer isso.
Quando ele chegou à América foi falar com o presidente americano: “senhor
presidente empresta-nos dinheiro para construir novas estradas, tapar as fábricas e
arranjar novas fábricas para tirar lixo do mar?”. “Talvez, você precisa de quanto?”.
“Não sei, muito dinheiro, venha viajar comigo para ver como está a nossa cidade”.
Quando eles chegaram lá passados dois dias o presidente ficou espantado com aquela
cidade e respondeu: “a cidade está mesmo muito poluída, está cheia de acidentes, só
tem uma estrada principal, está sempre a deitar resíduos, você precisa mesmo de muito
dinheiro”. Então todos os presidentes do mundo emprestaram a mesma quantia de
dinheiro para arranjarem aquela cidade. Muitas pessoas e de outras nacionalidades
também ajudaram. Primeiro taparam as fábricas e mandaram vir uns 500 barcos para
tirarem os resíduos do mar, depois tiveram a construir uma estrada nova (acrescenta
no desenho). E depois de tudo isso feito começávamos a ver outra vez o sol e foi assim
que uma cidade super poluída tornou-se numa cidade super limpa.

Análise da prova

O Gabriel apresenta lateralidade esquerda e exerce uma pressão adequada no lápis. O


desenho encontra-se rico do ponto de vista simbólico, com movimento e adequado face ao
grupo etário do Gabriel.
Ao iniciar o Desenho Livre o Gabriel comenta: “eu não costumo desenhar”, todavia,
verifica-se um elevado investimento ao longo da prova, realizando-a de forma minuciosa,
com atenção aos pormenores. Por vezes, fez uma curta pausa para pensar enquanto observava
o desenho, voltando em seguida, a desenhar acrescentando pormenores ou apagando
elementos desenhados, aperfeiçoando-o. Demorou algum tempo na realização da prova,
podendo indiciar inibição pela necessidade de controlar o tempo de avaliação. Estes
elementos aliados à esquematização observada no traçado dos detalhes como as janelas dos
prédios, fábrica e barcos podem associar-se a traços de cariz obsessivo.
355
O desenho apresenta aspectos depressivos marcados que no global traduzem uma
visão sombria, frágil, carente, doente e pouco cuidada da cidade representada: o sol encoberto
por nuvens de poluição, lixo no rio e poluição no mar, “peixes mortos, aves doentes, muitos
animais com doenças”, acidente de carros (ainda que exista a capacidade de reparação através
da presença da polícia e da ambulância). A estrada partida, ainda em fase de construção, pode
remeter para a falha narcísica. Na narrativa rica do ponto de vista simbólico surge uma figura
superegóica, o inspector, que contribui de forma determinante para o desenlace positivo da
história. Assim, no final, recorrendo ao apoio das pessoas surge a capacidade de reparação,
numa possível transferência da relação terapêutica estabelecida entre terapeuta e criança.

Desenho da Figura Humana de Machover

1º Desenho

356
Inquérito

Quem é esta pessoa? Como se chama e que idade tem?


Afonso, 9 Anos.

Qual foi o dia mais feliz da sua vida?


Quando entrou para a escola.

E o dia mais triste?


Quando saiu da escola.

Conta-me uma boa recordação que tenha.


Teve muitos amigos.

E uma má recordação?
Não vai ver alguns amigos porque não vão para a escola que ele vai.

Conta-me uma história sobre esta pessoa.


Era uma vez um menino chamado Afonso que andava na escola do 1º Ciclo. Um dia estava
quase a chegar às férias e fizeram a festa de final de ano. O Afonso ficou contente porque ia
ter novos amigos mas ia perder muitos amigos. Até a professora deles chorou porque não ia
ver mais os alunos. O Afonso no último dia dançou um cantar alentejano e depois cantou uma
música em inglês da professora de inglês. O Afonso tirou uma fotografia com a professora
para ela não se esquecer dele e depois tirámos todos uma fotografia com a professora. Ele
gostou muito daquela escola, mas ele tinha que mudar de escola para aprender coisas novas. E
assim se aprende novas coisas, mesmo ficando tristes ou contentes por sairmos da antiga
escola.

1) O que é que ele/ela está a fazer? Está num recreio a brincar.


2) Que idade tem? 9 Anos.
3) É casado/a?
4) Tem filhos?
5) Rapazes ou raparigas?
6) Qual é o seu trabalho?
7) Se ainda estuda, em que ano está? 5º Ano, agora.
357
8) Qual é o seu maior desejo? Aprender coisas novas.
9) É saudável? É.
10) Tem bom aspecto? Sim.
11) Qual é a parte do seu corpo que está mais bem feita? Todo o corpo está bem feito.
12) E qual é a menos bem feita?
13) É feliz? Sim.
14) Quais são os seus aborrecimentos? Não ter os mesmos colegas.
15) O que o/a faz zangar? Nada.
16) Quais são as suas manias? Mania que é esperto.
17) Quais são os seus três piores defeitos? Não tem nenhum (?) não consigo.
18) Quais são as suas melhores qualidades? É esperto, sabe muitas coisas e tem muitos
amigos.
19) Tem muitos amigos? Sim.
20) Mais velhos ou mais novos? Das duas.
21) O que é que dizem dele/a? Dizem que é amigo, gosta de brincar.
22) Ele/a gosta da família? Sim.
23) E da escola? Também.
24) Sai muito com os amigos? Às vezes.
25) Quando é que diz que se divertiu muito? Quando brinca com os amigos.
26) Quer casar? Talvez.
27) Com que idade? 20 e tal.
28) Que género de mulher quer casar? Bonita.
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? Quer ser mecânico, quer ter
uma casa boa e quer ter um trabalho.
30) Com quem se parece? Com o pai.
31) Gostarias de te parecer com ele/a? …talvez.
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Punha-o mais alto, já
crescido, já tinha trabalho.

358
2º Desenho

Inquérito

Quem é esta pessoa? Como se chama e que idade tem?


Irina, 10 Anos.

Qual foi o dia mais feliz da sua vida?


Quando nasceu.

359
E o dia mais triste?
Quando partiu a perna.

Conta-me uma boa recordação que tenha.


Do irmão.

E uma má recordação?
Quando o irmão morreu.

Conta-me uma história sobre esta pessoa.


Era uma vez uma menina chamada Irina que quando nasceu tinha um irmão que já era adulto.
Ela gostava muito do irmão mas um dia o irmão estava a ir para o trabalho quando teve um
acidente de carro. Ele foi logo para o hospital e os pais dele e a irmã também foram ver como
é que ele estava. Mas as feridas que ele tinha eram muito graves e não conseguiram pô-lo a
viver. Os pais e a irmã choraram muito porque tinham perdido um filho.

1) O que é que ele/ela está a fazer? Está na sala de aula.


2) Que idade tem? 10 Anos.
3) É casado/a?
4) Tem filhos?
5) Rapazes ou raparigas?
6) Qual é o seu trabalho?
7) Se ainda estuda, em que ano está? 4º Ano.
8) Qual é o seu maior desejo? Querer ter o irmão outra vez.
9) É saudável? É.
10) Tem bom aspecto? Sim.
11) Qual é a parte do seu corpo que está mais bem feita? Estão todas bem feitas.
12) E qual é a menos bem feita? Não é nenhuma.
13) É feliz? Sim, mais ou menos.
14) Quais são os seus aborrecimentos? Não ter o irmão.
15) O que o/a faz zangar? Nada.
16) Quais são as suas manias? Não tem nenhuma.
17) Quais são os seus três piores defeitos? Não gosta de brincar muito com os amigos,
anda sempre levantada na sala de aula e demora muito a fazer os tpcs que a professora
manda.
360
18) Quais são as suas melhores qualidades? Faz os trabalhos de casa, é amiga e chega
cedo à escola.
19) Tem muitos amigos? Sim.
20) Mais velhos ou mais novos? Mais novos.
21) O que é que dizem dele/a? Dizem coisas boas dela.
22) Ele/a gosta da família? Sim.
23) E da escola? Também.
24) Sai muito com os amigos? Sim.
25) Quando é que diz que se divertiu muito? Quando saiu com os amigos.
26) Quer casar? Sim.
27) Com que idade? 20 e tal. 25.
28) Que género de homem quer casar? Com um homem bonito.
29) Quais são os seus três principais projectos/sonhos? Quer ter uma boa casa, emprego
e quer ser médica.
30) Com quem se parece? Com a mãe.
31) Gostarias de te parecer com ele/a? Não.
32) Se pudesses, mudarias alguma coisa no teu desenho? Não.

Análise da prova

O Gabriel colaborou ao longo da passagem do Desenho da Figura Humana sem


realizar comentários verbais adicionais, nem manifestar a necessidade de suporte ou apoio por
parte da observadora. Manteve um comportamento estável, controlado e concentrado e
revelou uma atitude exigente e meticulosa ao corrigir determinados elementos da figura, pelo
recurso à borracha. Demonstrou, ainda, uma boa capacidade empática, ao narrar a história dos
desenhos atento ao tempo de escrita da investigadora.
A primeira figura desenhada apresenta-se pouco adequada face ao grupo etário do
Gabriel devido à transparência no desenho do boné, avistando-se a cabeça, característica
típica do Realismo Intelectual (Luquet, 1984) e a ausência de pescoço. A ausência de cabelo
pode antever um reduzido investimento no desenho. Contudo, é importante assinalar as
particularidades da posição dos dedos e do boné na cabeça, atribuindo personalidade à figura.
Através de um menino da mesma idade, o Gabriel representa uma problemática que o
próprio enfrenta no contexto real ligada à dificuldade em crescer, transitar do 4º ano para o 5º
ano e as mudanças que essa passagem acarreta como a separação de alguns amigos e

361
professores e a possibilidade de desenvolver outras relações, obter novas experiências. Assim,
observa-se um desejo de crescer, evoluir e autonomizar-se “Qual é o seu maior desejo?
Aprender coisas novas”, encontrando uma resolução adequada para a sua problemática: “ele
gostou muito daquela escola, mas ele tinha que mudar de escola para aprender coisas novas. E
assim se aprende novas coisas, mesmo ficando tristes ou contentes por sairmos da antiga
escola”. Torna-se, ainda, relevante mencionar a existência de uma identificação sexual ao
imago paterno e uma recusa dos aspectos negativos como enunciar três defeitos e o que faz
zangar a figura em causa, impedindo a expressão agressiva.
No que concerne à segunda figura apresenta alguns aspectos menos esperados face à
idade do Gabriel como um insuficiente número de dedos numa das mãos e a ausência de
pescoço. Trata-se de uma figura na qual surge representado o desejo de ser pequeno, pela
atribuição do dia mais feliz ao dia de nascimento. Sobressaem, ainda, alguns afectos
depressivos associados à morte (do irmão) decorrente de um acidente de viação e à
dificuldade em fazer o luto e separar-se do objecto amado, carência e necessidade de cuidados
através da perna partida. Mais uma vez, observa-se uma defesa na linha da recusa dos
aspectos negativos que bloqueiam a expressão agressiva. A figura é identificada com o imago
materno.
Desenho da Família

362
Inquérito

1) Quem são essas pessoas que desenhas-te, como se chamam e que idade têm? (da
esquerda para a direita)
André, 10 anos, filho;
Luísa, 38 anos, mãe;
Afonso, 15 anos, filho;
Francisco, 40 anos, pai – “este parece-se mesmo com o meu pai, mas tá mesmo quase
igual ao meu pai”.

2) O que está a acontecer no teu desenho? Porquê?


Estão a passear juntos. Porque querem fazer um piquenique (acrescenta cesto de
piquenique ao desenho).

3) Quem é o mais feliz? Porquê?


São todos felizes.
(?) O André. Porque nunca fez um piquenique na vida e então está contente.

Quem é o menos feliz? Porquê?


Ninguém é.
(?) André também, às vezes. Porque às vezes não lhe apetece ir à escola e tem que ir.

4) Quem é o mais simpático? Porquê?


Mãe e o pai.
(?) A mãe. Porque é mais amiga, faz as vontades ao André e ao Afonso.

Quem é o menos simpático? Porquê?


Afonso, um bocadinho. Porque implica com o André.

5) Quem manda mais? Porquê?


A mãe e o pai.
(?) A mãe (desenha uma árvore). Porque faz mais tarefas em casa.

Quem manda menos? Porquê?


O André. Porque é criança, é um menino ainda.
363
6) Se tivesses que escolher uma pessoa desta família, quem é que preferias ser?
Porquê?
André. Porque ele tem a mesma idade que eu, brinca com a família, está no mesmo
ano que eu.

7) Se fossem todos dar um passeio de carro mas não houvesse lugar para uma
pessoa, quem ficaria em casa? Porquê?
Era o pai ou a mãe. Mas se o Afonso não quisesse ir ficava em casa. (conta-me que
quando vão de férias ele e o irmão levam muitas bagagens em cima). Se quisesse
podia ficar (acrescenta o sol ao desenho).

8) Se alguém não se tivesse comportado bem quem seria? Como seria castigada?
Quem é que dava o castigo?
Afonso. Ficava uma semana sem Playstation e pc e se fosse mais vezes, ficava mais
tempo. A mãe ou o pai.
(?) A mãe.

9) Se pudesses mudar alguma coisa no teu desenho o que é que mudarias? Porquê?
Não mudava nada. Porque o desenho está bem feito.

Análise da prova

No que concerne ao Desenho da Família antes de começar a desenhar o Gabriel pediu


de imediato a borracha, talvez como forma de se sentir mais seguro, pela possibilidade de
defensa, controlando o resultado final do desenho. Durante o desenho expressa uma atitude
exigente e meticulosa, utilizando a borracha com acentuada frequência. Demonstra um
comportamento estável, controlado e muito concentrado na prova, deitando, por vezes, a
cabeça sobre a mesa enquanto desenha. Também suspirou com frequência, indiciando um
afecto na linha depressiva. Demora tempo a desenhar, podendo indicar uma forma de
controlar o tempo da sessão, defendendo-se. Realizou o desenho sem proferir comentários
verbais adicionais, com excepção do final, onde levantou a cabeça e interrompeu o desenho
para dizer “sabes que ontem à noite foi o funeral do Angélico? (Ai foi e então?) Então, ontem
o meu pai disse-me que estavam lá ao pé da igreja muitas pessoas e muitos carros
estacionados (E o que é que tu pensas disso?) Olha que à próxima as pessoas já sabem que
têm que usar o cinto! (Pois é, já percebi que estás muito atento a essas notícias…) Pois estou,
364
olha a minha mãe quando estamos a comer põe sempre nas notícias”, revelando-se, uma vez
mais, sensível à questão dos acidentes de viação e possíveis danos daí resultantes, como a
morte.
Quanto ao grafismo, o desenho apresenta-se investido e cuidado, contudo contém
alguns aspectos pouco esperados face à idade do Gabriel como a ausência de pescoço nas
figuras e quatro dedos nas mãos direitas das figuras, com excepção da figura que representa o
filho mais novo que apresenta os dedos completos. A figura mais investida aparenta ser o pai
pelo maior número de detalhes como o cinto, os sapatos mais pormenorizados e diferentes das
restantes figuras, maior cuidado no traçado da cara, na barba e cabelo, seguindo-se o filho
mais novo que à semelhança do pai apresenta um aspecto mais harmonioso que a mãe e o
filho mais velho (figura menos investida). O sorriso da mãe, ainda que mais acentuado pelo
lápis surge como o mais superficial, já o do pai atribui-lhe um aspecto mais descontraído e
natural. O filho mais novo aparenta sentir-se triste, apesar do sorriso ténue. Importa, ainda,
salientar o posicionamento das figuras, onde a mãe se situa no meio dos dois filhos e o pai ao
lado do irmão mais velho. Á semelhança do primeiro Desenho da Figura Humana o Gabriel
desenha elementos, neste caso nas camisolas, que podem remeter para a personalidade de
cada figura. A diferenciação sexual e de gerações encontram-se integradas, assim como, o
conceito de família.
No questionário destaca-se a defesa pela recusa dos afectos negativos, bloqueando a
expressão da agressividade face aos elementos da família. A figura na qual o Gabriel se
identifica, o André comporta simultaneamente os aspectos positivos e negativos da família
(ambivalência na identidade), sentindo dificuldade em separar-se do ambiente familiar.
Observa-se uma forte rivalidade fraterna, com a projecção de agressividade no irmão mais
velho e a mãe é a figura dominante da família, é idealizada e pouco frustrante para os filhos
porque “é mais amiga, faz as vontades ao André e ao Afonso”. O pai é pouco abordado,
parecendo esquecido.

Inventário de Depressão para Crianças

Análise inter-individual

O Gabriel obteve um total de 18 pontos quanto à intensidade de sintomas depressivos


apurados na prova, o que o situa no Grupo 2 (intermédio). Este resultado não permite uma
classificação como “caso deprimido” e “caso não deprimido” considerando o universo
populacional em estudo.
365
Análise intra-individual

Perfil de Itens
Intensidade do Item

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27
Itens

Ao analisar o gráfico relativo ao perfil de itens observa-se uma maior incidência de


itens na intensidade média-inferior (13) e mínima (12). Sobressaem, assim, como principais
sintomas depressivos no teste as dificuldades escolares e de alimentação, uma preocupação
excessiva, sentimentos de tristeza e culpa, baixa auto-estima e anedonia.
Atendendo ao diagnóstico clínico de depressão e às características do funcionamento
psíquico do Gabriel que apontam para uma maior tendência à inibição, coloca-se em hipótese
a interferência de mecanismos de defesa como a negação nos resultados obtidos neste
instrumento.

Teste de Relações Familiares, Versão Crianças

Tabela 1 – Número de itens emitidos e recebidos positivos/negativos (leves/fortes) atribuídos


aos membros da família.

Emitidos Emitidos Recebidos Recebidos Total de


Positivos Negativos Positivos Negativos Envolvimento
Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes Leves Fortes
Ninguém 0 2 7 8 1 2 5 8 33
Gabriel 4 1 0 0 0 0 0 0 5
Pai 8 5 1 0 3 5 2 0 24
Mãe 8 4 1 0 7 6 2 0 28
Irmão 4 2 2 0 0 0 1 0 9

366
O Gabriel colaborou ao longo da passagem da prova TRF sem realizar comentários
verbais, nem manifestar a necessidade de suporte ou apoio por parte da observadora. Manteve
um comportamento estável, controlado e concentrado na prova. Destaca-se, particularmente, a
ordenação das figuras na mesa: irmão, mãe, pai, Gabriel.
Ao observar a Tabela 1 verifica-se que o Gabriel decidiu incluir na prova apenas as
figuras pertencentes à família nuclear: Gabriel, pai, mãe e irmão. O recurso à defesa foi muito
significativo através da colocação dos afectos negados, sobretudo de cariz negativo na
personagem Ninguém, reprimindo a agressividade dirigida aos elementos da família. Verifica-
se, assim, um elevado grau de neuroticismo no funcionamento do Gabriel.

35

30

25

20

15

10

0
Ninguém Gabriel Pai Mãe Irmão

Figura 1 – Número total de itens associados a cada membro da família.

Atendendo ao número total de afectos associados a cada membro da família pelo


Gabriel (Figura 1) observa-se um maior envolvimento emocional com a mãe, seguindo-se o
pai. O envolvimento total com o irmão e o próprio Gabriel surge de forma menos acentuada,
com o Gabriel a ocupar a última posição. No Ninguém figuram as defesas dos afectos
negados/recusados, inibindo a sua distribuição aos elementos da família.

367
16

14

12

10
Positivos
8
Negativos
6

0
Ninguém Gabriel Pai Mãe Irmão

Figura 2 – Número de itens positivos e negativos emitidos a cada membro da família.

Na análise dos afectos positivos e negativos emitidos pelo Gabriel (Figura 2) sobressai
um forte mecanismo defensivo através da atribuição sobretudo dos afectos de cariz negativo
na figura Ninguém, o que permite bloquear a expressão de agressividade sobre os elementos
da família e idealizar as relações com estas figuras. A colocação no Ninguém dos itens
“gostava de poder dormir na mesma cama com esta pessoa da família” e “gostava que esta
pessoa da família gostasse mais de mim do que dos outros” reenvia para o desejo de
autonomização no Gabriel. Posto isto, no plano dos afectos emitidos a figura que mais se
destaca é o pai obtendo também um maior número de afectos positivos erotizados nos quais se
destaca a atribuição do item “quando me casar gostava que fosse com uma pessoa parecida
com esta pessoa da família” apenas associado ao pai, o que pode remeter para o sentimento de
admiração do pai, podendo constituir-se como um modelo de identificação para o filho. O
afecto negativo emitido pelo Gabriel ao pai e à mãe foi “é chata”, sendo a mãe a figura que se
segue no âmbito do maior número de afectos emitidos pelo Gabriel, registando os mesmos
afectos erotizados que o pai, com excepção do item supramencionado. Com o irmão sobressai
o afecto positivo “gosto de abraçar esta pessoa da família” associando-se a uma relação
carinhosa, ainda assim, os afectos negativos “tem mau feitio” e “não tem muita paciência”
permitem antever conflitos nesta relação que podem ligar-se à rivalidade fraterna. A auto-
estima do Gabriel apresenta-se positiva.

368
14

12

10

8
Positivos
Negativos
6

0
Ninguém Gabriel Pai Mãe Irmão

Figura 3 – Número de itens positivos e negativos sentidos como recebidos por cada membro
da família.

Atendendo à avaliação dos afectos positivos e negativos recebidos pelo Gabriel


(Figura 3) sobressai novamente a presença de uma forte negação dos afectos negativos através
da utilização da figura Ninguém, o que permite inibir a projecção de agressividade sobre os
elementos da família e idealizar as relações com as figuras parentais. A colocação dos afectos
erotizados “gosta de estar na cama comigo” e “gosta mais de mim do que dos outros” no
Ninguém reenvia para o desejo de autonomização emocional no Gabriel. Posto isto, a mãe
sobressai como a figura da qual o Gabriel recebe um número significativo de afectos
positivos, recolhendo todos os afectos erotizados com excepção dos recusados na figura
Ninguém. Assim, apesar de obter os mesmos afectos erotizados que o pai destaca-se deste
pelo item “gosta de me ajudar quando estou a tomar banho” apenas associado à mãe, o que
pode remeter para uma relação de dependência com a figura materna. Os afectos negativos
“ralha comigo” e “fica zangada comigo” foram ambos associados aos pais e podem remeter
para a percepção do sentimento de punição nestas figuras. A relação com o irmão apresenta-se
de forma insatisfatória e ligada ao afecto negativo “não brinca comigo quando eu gostaria que
brincasse” que reenvia para a vivência de falta de atenção/apoio por parte da figura fraterna.

369
15

10

5
Emitidos Positivos
Recebidos Positivos
0
Emitidos Negativos

-5 Recebidos Negativos

-10

-15
Ninguém Gabriel Pai Mãe Irmão

Figura 4 – Direcção dos afectos emitidos e recebidos positivos/negativos.

Atendendo à direcção dos afectos positivos/negativos emitidos e recebidos pelo


Gabriel (Figura 4) observa-se um forte investimento da criança na relação com a figura
paterna, ainda que não se sinta correspondida pelo pai face ao número inferior de afectos
positivos recebidos e superior de afectos negativos recebidos por parte do pai
comparativamente com os emitidos pelo Gabriel, podendo sentir-se pouco valorizado. Por
outro lado, com a mãe surge um maior investimento na relação por parte da figura materna
face ao número acentuado de afectos positivos recebidos, o que pode reenviar para a
percepção do desejo de manter uma forte dependência emocional com o filho por parte da
mãe. Ainda assim, o Gabriel sente que recebe um número superior de afectos negativos face
aos emitidos à mãe, podendo sentir-se desvalorizado. A percepção de desvalorização da
relação pode também associar-se ao irmão, figura da qual apenas recebe afectos negativos,
ainda que os afectos negativos emitidos sobressaiam face a estes últimos, podendo reenviar
para a rivalidade fraterna. No Ninguém figuram sobretudo os afectos negativos recusados
reprimindo, assim, a expressão de agressividade dirigida aos elementos da família.

370
Tabela 2 – Número de itens associados a sentimentos de dependência (superprotecção
materna e superindulgência paterna/materna).

Superprotecção Superindulgência Total de


materna Paterna Materna Dependência
Ninguém 0 0 1 1
Gabriel 7 4 4 15
Pai 3 1 1 5
Mãe 3 3 0 6
Irmão 6 2 0 8

Quanto aos itens associados a sentimentos de dependência (Tabela 2) sobressai uma


auto-valorização no Gabriel através dos itens de dependência que concentra sobre si,
revelando uma atitude egocêntrica e regressiva no seu funcionamento psíquico. Deste modo,
observa-se o desejo de protecção materna e de atenção por parte de ambos os pais. Ainda
assim, disputa com o irmão a protecção materna e com a mãe a protecção/atenção paterna. O
item de superindulgência materna “esta é a pessoa da família que a mãe gosta mais” foi
colocado no Ninguém, o que pode representar uma forma de o negar às figuras com quem
rivaliza, embora também possa traduzir o desejo de autonomia.

Síntese da Análise do Teste de Relações Famíliares (TRF)

O recurso à figura Ninguém foi utilizado para a colocação dos afectos negados
sobretudo de cariz negativo reprimindo, assim, a agressividade dirigida aos elementos da
família. Observa-se um elevado grau de neuroticismo no funcionamento psíquico do Gabriel.
A recusa/negação dos afectos erotizados pode reenviar para o desejo de autonomização.
A auto-estima do Gabriel apresenta-se de forma positiva, ainda que o número elevado
de itens de dependência concentrado sobre si reenvie para uma atitude egocêntrica e
regressiva, assim como, para o desejo de protecção materna e de atenção por parte de ambos
os pais.
Com o pai a relação surge de forma idealizada e observa-se um forte investimento
positivo do Gabriel nesta relação, ainda que não se sinta correspondido, podendo sentir-se
pouco valorizado pela figura paterna que é simultaneamente percepcionada como punitiva.
Ainda assim, o pai parece constituir-se como o modelo de identificação do Gabriel.
A relação com a mãe é idealizada e percepcionada como fortemente investida por
parte da figura materna, podendo associar-se ao desejo de manter uma forte dependência

371
emocional com o Gabriel. Ainda assim, a mãe é sentida como punitiva. O Gabriel rivaliza
com esta pela atenção/protecção do pai.
A relação com o irmão é sentida como desvalorizada por parte desta figura,
rivalizando com o irmão pela protecção materna.

As Aventuras de Pata-Negra

1ª Etapa – Frontispício

PN:
Porque tem a pata negra. Menino. Tem 4 Anos.

Dois porquinhos:
Irmãos, 2 meninos. Esquerda – 2 Anos; Direita – 3 Anos.

Porcos Grandes:
Em cima – pai, 6 Anos.
Em baixo – mãe, 8 Anos.

Quanto ao PN o Gabriel atribui-lhe o seu próprio sexo, o que pode acentuar a


identificação ao herói da história. A idade inferior à sua pode remeter para imaturidade
funcional.
Aos dois porquinhos é associada a relação fraterna, na qual, o PN sobressai como o
elemento com mais idade, atribuindo-lhe maior poder.
Os porcos grandes representam a relação com as figuras parentais, correspondendo de
forma adequada o sexo e papéis parentais aos personagens. A mãe sobressai como o elemento
com mais idade na família, podendo remeter para a atribuição de maior autoridade a esta
figura.

2ª Etapa – Os Temas

Sonho Pai
Era o Pata Negra que estava a sonhar com o pai. Ia buscar o filho que estava a ser
apanhado pelo caçador, mais nada.
(?) Conseguiu salvá-lo.
372
Num cartão que reenvia para a relação com o imago paterno o Gabriel projecta uma
situação de perigo na qual o pai intervém como protector, podendo idealizar a figura paterna.

Sonho Mãe
Era o Pata Negra a sonhar com a mãe. E… ele descobriu no seu sonho que a mãe é
que lhe fez a pata negra porque ela também tinha uma mancha negra.

A narrativa remete para a identificação com a figura materna, privilegiando a relação


dual com o primeiro objecto.

Ganso
Isto é o PN? É que a pata negra pode estar do outro lado. Este é o irmão é o de 2
anos. O irmão dele estava a brincar com o outro irmão de 3 anos, quando veio um grande
pato e então o porquinho pequenino tentou fugir mas o pato pegou-lhe na cauda. Quando o
irmão de 3 anos viu isto foi logo morder-lhe e o pato aleijado fugiu logo. Já tá tudo.

O Gabriel acede ao conteúdo simbólico do cartão referente a uma inter-relação


agressiva verificando-se a castração na figura agredida, o irmão mais novo e a defesa face ao
agressor encenada pelo irmão mais velho, podendo associar-se também a uma defesa na linha
omnipotente.

Batalha
O PN está a fazer uma briga com o irmão de 3 anos e o irmão de 2 anos estava lá no
meio deles, fugiu logo para o pé dos pais e foi dizer aos pais. Os pais quando viram aquilo
foram logo a correr para o meio deles e separaram-nos. O irmão do meio ficou coxo, e o PN
ficou sem ver de um lado e ficou com a orelha toda inchada. Tá tudo.

O Gabriel acede ao conteúdo simbólico do cartão referente à temática da agressividade


no contexto da relação fraterna. Perante a pulsão agressiva desencadeia estratégias de defesa
na linha do recalcamento de forma a inibir a sua expressão, o que pode remeter para a
interiorização superegóica. Instala-se o sentimento de culpabilização “o PN ficou sem ver de
um lado e ficou com a orelha toda inchada”.

373
Como terminam as aventuras?
Acabou sempre bem, uns aleijados, outros contentes. Houve brigas e um pato
descarado a tentar roubar um porquinho mas tudo acabou bem porque os seus irmãos e o PN
querem sempre ajudar os outros quando não há brigas.

O impacto fantasmático da problemática agressiva continua presente, mesmo sem os


cartões visíveis, dando lugar à defesa pela formação reactiva de forma a controlar e bloquear a
expressão de agressividade “tudo acabou bem porque os seus irmãos e o PN querem sempre
ajudar os outros quando não há brigas”.

(Não quer contar mais histórias, não lhe interessa mais nenhuma).

3ª Etapa – Preferências-identificações

 Cartões de que gosta (A)

Ganso
A1) Porque é engraçado. O porquinho de 3 anos (o que está a ver).

Identifica-se ao irmão a quem concedeu maior poder e omnipotência na resolução do


conflito agressivo.

Pequena Escada
A2) Porque o PN está a aprender a escalar, a subir uma árvore. Gostava de ser o
esquilinho.

Não aborda o conteúdo latente do cartão que remete para a função de holding de uma
das figuras parentais e evita identificar-se ao herói da história recusando, possivelmente, o
carácter transgressor que a cena veicula.

Batalha
A3) Porque andam à briga e os pais vão resolvê-la. O pai.

Reconhece o conflito associado à rivalidade fraterna implementando estratégias de


recalcamento para lidar com a expressão agressiva.
374
Bebedouro
A4) Porque ele está a fazer chichi para a comida. O PN.

O Gabriel acede ao conflito associado à agressividade dirigida às figuras parentais.

Mamada 2
A5) Gosto do PN primeiro que os irmãos porque o PN está a beber o leite da mãe e os
irmãos ficaram cheios de inveja. O PN.

Esta resposta traduz o desejo de ocupar um lugar próximo e privilegiado na relação


com a figura materna num contexto marcado pela rivalidade fraterna.

Brincadeiras Sujas
A6) Porque tens os porquinhos na água e sem querer sujaram o pai e ele ficou super
irritado. Aqui não consigo bem ver quem é o PN porque esta água está toda preta. O que
está a atirar a água, PN.

O Gabriel reconhece o conteúdo simbólico do cartão e a figura parental agredida é o


pai, remetendo para a rivalidade edipiana com esta figura.

Ninhada
A7) Porque a mãe do PN tem mais porquinhos e os homens estão a aconchegá-la. Um
porquinho pequenino, tanto faz, são todos iguais.

Num cartão que reenvia para o fenómeno do nascimento num contexto de rivalidade
fraterna, o Gabriel faz uma identificação regressiva com um dos irmãos mais pequenos, o que
permite anular a reacção agressiva (rivalidade fraterna) e projectar, assim, o desejo de uma
aproximação exclusiva à figura materna.

Beijo
A8) Porque é o pai a beijar a mãe do PN. O PN.

O Gabriel acede ao conteúdo latente do cartão que remete para o conflito edipiano.

375
Sonho Mãe
A9) Porque o PN está a sonhar com a mãe. O PN.

Reconhece o conteúdo simbólico do cartão que apela à relação com o materno.

Sonho Pai
A10) Porque o PN está a sonhar com o pai. Pai, para não repetir.

Reconhece o simbolismo do cartão que remete para a relação com o imago paterno,
optando por se identificar a esta figura.

Cabra
A11) O PN está a beber leite de uma cabra em vez de beber leite da sua mãe e ele
pensava que era a sua mãe. O PN.

O Gabriel acede ao conflito imposto simbolicamente pelo cartão que reenvia para a
relação com um substituto materno.

Mamada 1
A12) A mãe está a dar leite ao PN. O PN.

Verifica-se o reconhecimento da temática relativa à aproximação com a imagem


materna num contexto privilegiado.

 Cartões de que não gosta (nA)

“Estes é complicado de ver nestas pretas, só se vê assim um risquinho”.

O Gabriel revela-se sensível aos cartões de fundo negro, o que pode associar-se ao
experienciar da angústia depressiva.

Noite
nA1) Porque se vê mal, não se percebe o que está ali fora.
Punha-a de dia. O sol. (?) A lua então (afasta logo o cartão após responder-me a cada
uma destas questões).
376
Num cartão onde o conteúdo latente remete para a curiosidade sexual e fantasmas da
cena primitiva o Gabriel não reconhece ou evita confrontar-se com esta temática sobressaindo
a forte reacção à tonalidade preta do cartão, o que se associa à angústia depressiva procurando
evitar e negar esta vivência através de modalidades antidepressivas como o sol (não figura no
cartão), lua (fonte de luz) e afastando rapidamente o cartão.

Buraco
nA2) O PN não vê nada e está preso, não consegue sair.
Mudava o PN conseguisse sair e haver sol. O PN já salvo.

Num cartão que reenvia para a temática da solidão num contexto de perigo o Gabriel
revela-se, uma vez mais, hipersensível ao tom preto do cartão, o que pode traduzir um
equivalente de afecto depressivo, recorrendo às defesas antidepressivas na linha da recusa
maníaca “haver sol” para lidar com este conflito.

Hesitação
nA3) O PN não sabe para onde ir, se ir para a mãe beber leite ou ir para o pai comer.
Que todos fizessem a mesma coisa juntos. A mãe.

O Gabriel identifica adequadamente o conflito inerente ao presente cartão, contudo,


defende-se pelo evitamento da escolha do objecto privilegiado. Ainda assim, a identificação à
mãe pode remeter para a prevalência da relação com o primeiro objecto.

Partida
nA4) Porque o PN está perdido.
Que ele soubesse o caminho de volta. Uma árvore.

A situação de solidão evocada no cartão induz a angústia de separação no Gabriel,


impedindo-o de se identificar com o personagem da história de forma a evitar o confronto
com o sofrimento.

Carroça
nA5) Porque o PN está a sonhar que está a ser separado dos pais.
O PN conseguisse fugir. O senhor, estes porquinhos aqui (dentro da carroça) não
gostava…
377
O Gabriel reconhece a angústia de separação, não se identificando ao PN de forma a
evitar o confronto com a vivência desta angústia.

4ª Etapa – Questões Dirigidas

Noite
Parece que vejo uma ovelha aqui e depois a mãe a dormir e depois vê-se o PN a
olhar.

5ª Etapa – Questões de Síntese

1) Quem é o mais feliz? Porquê?

O PN. Porque tem irmãos e tem família.

Quem é o menos feliz? Porquê?


Não há nenhum menos feliz, são todos felizes.
(?) O irmão de 2 anos, porque ainda não pode fazer coisas que os irmãos mais velhos
fazem.

2) Quem é o mais simpático? Porquê?


A mãe. Porque faz a vontade aos filhos.

Quem é o menos simpático? Porquê?


O pai. Porque está sempre chateado.

3) Quem é que gostarias de ser?


O PN.

4) O que achas que vai acontecer ao PN?


Vai ter muitas aventuras.
(?) Brigas, vai trepar uma árvore, perde-se, salva o irmão, etc.

5) O que é que o PN pensa da sua pata-negra?


Pensa que é engraçada porque faz dele um porco especial.

378
6) Cartão Fada:
Desejo 1: Queria que o pai se zangasse menos.
Desejo 2: Queria que os irmãos obedecessem a ele.
Desejo 3: Queria ter mais três desejos, tou a brincar. Gostava que a mãe desse mais
miminhos a ele do que aos outros.

“Na Vila Moleza (desenhos animados) ele pede sempre mais três desejos quando
aparece a fada e assim tem sempre mais desejos”.

Síntese da Análise da Prova

Preferências-identificações
Os Temas Preferências Identificações
Cartões Aceite (A)/Não Agradável Assumida Total
Aceite (nA) (A)/Não (A)/Não
Agradável (nA) Assumida (nA)
Bebedouro nA A A 2A
Beijo nA A A 2A
Batalha A A nA 2A
Carroça nA nA nA 3nA
Cabra nA A A 2A
Partida nA nA nA 3nA
Hesitação nA nA nA 3nA
Ganso A A nA 2A
Brincadeiras nA A nA 1A
Sujas
Noite nA nA nA 3nA
Ninhada nA A nA 1A
Sonho Mãe A A A 3A
Sonho Pai A A nA 2A
Mamada 1 nA A A 2A
Mamada 2 nA A A 2A
Buraco nA nA A 1A

379
Pequena nA A nA 1A
Escada

Durante a passagem da prova Pata Negra o Gabriel manifestou uma conduta estável,
controlada e concentrada, com excepção da fase final da prova, mais precisamente na 5ª Etapa
intitulada “Questões de Síntese”, na qual, manifestou um comportamento mais agitado,
balanceando a cadeira.
Perante a análise dos resultados constantes na tabela verifica-se uma maior censura
dos cartões associados às temáticas do tema edipiano (Ninhada e Noite), rivalidade fraterna
(Carroça, Hesitação e Ninhada) e ligados à vivência de abandono e solidão face ao confronto
com a angústia de separação e depressiva (Partida, Buraco e Carroça) podendo remeter para
dificuldades na resolução destas problemáticas. Os mecanismos defensivos que se destacam
são a negação, recalcamento, evitamento, formação reactiva, idealização e recusa maníaca.
A representação do desejo de uma aproximação exclusiva à figura materna e a
rivalidade face à figura paterna permitem auferir dificuldades na resolução do conflito
edipiano. Todavia, a instância superegóica encontra-se integrada e a agressividade projectada
é, em seguida, recalcada de forma a controlar a sua expressão, desencadeando também
culpabilidade pelo retorno da agressividade sobre si (no contexto da rivalidade fraterna).
Aparentemente a diferenciação de gerações e sexos parece assegurada. O Gabriel revela-se
sensível aos cartões de fundo negro, o que pode associar-se ao experienciar da angústia
depressiva recorrendo às defesas antidepressivas na linha da recusa maníaca “haver sol” para
lidar com este conflito. A temática de abandono e solidão face ao confronto com a angústia de
separação revela-se também difícil de experienciar para o Gabriel, não se identificando ao
personagem da história de forma a evitar o confronto com esta angústia.
A figura materna é representada de forma idealizada e pouco frustrante, identificando-
se com a mãe. Surge como a figura dominante na família.
A figura paterna é percepcionada como uma figura protectora.
Na relação com os irmãos destaca-se a rivalidade fraterna sobretudo face ao desejo de
ocupar um lugar próximo e privilegiado na relação com a figura materna.

380
Anexo R: Tabela de Resultados

Caso Género Idade Ano de Contacto


Escolaridade
Tomé Masculino 10 Anos 4º Ano - Inibido;
e5 - Postura corporal pouco expressiva;
Meses - Olhar triste, evita manter contacto
ocular;
- Verbaliza pouco e através de
monossílabos, num tom de voz baixo;
- Conduta estável, controlada e
concentrada.
Isabel Feminino 7 Anos e 1º Ano - Imaturo;
3 Meses - Inibido;
- Com o evoluir das sessões maior
disponibilidade para a relação e
verbalização;
- Verbaliza, por vezes,
espontaneamente. Utiliza um tom de
voz baixo, pronunciando as palavras de
forma imatura para a idade;
- Mantém contacto ocular, olhar triste;
- Conduta estável, controlada e
concentrada.
João Masculino 9 Anos e 4º Ano - Frágil;
6 Meses - Ansioso;
- Inseguro;
- Perfeccionista;
- Hipermaturo;
- Olhar triste, evita manter contacto
ocular;
- Necessidade de preencher vazio;
- Bom contacto;
- Verbaliza com fluência e

381
espontaneidade. Vocabulário muito
rico;
- Confusão e lentificação do
pensamento;
- Conduta agitada, pouco controlada e
dispersa. Cansado;
- Ansiedade de separação dos pais;
- Angústia forte, muito triste e em
desassossego permanente.
Mariana Feminino 9 Anos e 4º Ano - Demasiado fácil;
9 Meses - Sedutor;
- Necessidade de agradar;
- Comunicativa e expressiva, verbalizou
espontaneamente;
- Manteve contacto ocular, olhar triste e
ávido;
- Auto-estima baixa;
- Insegurança;
- Ansiedade de separação dos pais;
- Necessidade de atenção, apoio,
cuidado e afecto constantes;
- Conduta agitada;
- Imaturidade: risos frequentes e
linguagem típica de bebé.
Gabriel Masculino 10 Anos 4º Ano - Inibido;
e4 - No decorrer das sessões maior à
Meses vontade;
- Verbaliza espontaneamente;
- Conduta estável, controlada e
concentrada;
- Necessidade de ser cuidado.

382
Período
Caso Origem Motivo do Acompanhamento de Trata Psicotrópi
do Pedido Pedido/Sintomas /Frequência -mento -cos
Tomé Hospital - Ansiedade; - Consultas 8 Meses Não
da Grande - Dificuldades de terapêuticas de e 15 dias.
Lisboa aprendizagem; frequência
- Cefaleias; semanal;
- Teve encoprese - Consultas
secundária. terapêuticas com os
pais.
Isabel Consulta - Ansiedade; - Consultas 2 Meses Não
de - Medos: terapêuticas de
Psicologia Animais, ladrões, frequência
de palhaços, deitar- semanal;
Hospital se sozinha, - Consultas
da Grande acidentes, do terapêuticas com os
Lisboa perigo. pais.
João Médico de - Hiperactividade; - Consultas 8 Meses Concerta
Família do - Défice de terapêuticas de 18mg
Centro de atenção; frequência Comprimidos
Saúde - Dificuldades quinzenal;
escolares; - Consultas
- Baixa auto- terapêuticas com os
estima; pais.
- Somatizações:
broncoespasmos
asma não
alérgica,
problemas de pele
(estrófulos),
estereotipias
faciais.
Mariana Médico de - Dificuldades de - Consultas 7 Meses Risperdal
Família do concentração e terapêuticas de solução oral

383
Centro de aprendizagem na frequência
Saúde escola. quinzenal;
- Consultas
terapêuticas com os
pais.
Gabriel Consulta - Dificuldades - Consultas 2 Meses Não
hospitalar alimentares com terapêuticas de
de anorexia frequência
pneumolo selectiva; quinzenal;
-gia - Tem asma e - Consultas
pediátrica rinite. terapêuticas com os
pais.

Caso Agregado Classe Dados Importantes sobre a Família


Familiar/Idades Social
Tomé - Mãe, 39 Anos; Classe - Pais investem muito tempo no emprego;
- Pai, 46 Anos; III - Apoio dos avós maternos quando os pais não
- Tomé, 10 (Média) estão presentes;
Anos; - Mãe sofreu dois abortos espontâneos antes da
Isabel - Isabel, 7 Anos. gravidez do Tomé;
- A Isabel nasceu prematura;
- Mãe possivelmente deprimida;
- Pai foi seguido em psicologia na infância por
dificuldades escolares.
João - Mãe, 37 Anos; Classe I - Tia paterna com depressão;
- Pai, 38 Anos; (Alta) - Mãe disléxica, segundo a própria;
- João, 9 Anos; - Pai possivelmente deprimido;
- Irmã, 5 Anos. - Pais ausentam-se com frequência por motivos de
trabalho. O pai chega a estar 1 mês ausente.
Mariana - Mãe, 39 Anos; Classe - Mãe possivelmente deprimida. Medicada com
- Pai, 42 Anos; IV antidepressivo Triticum AC;
- Irmão, 17 (Média - Avó materna faleceu com Alzheimer há 3 anos;
Anos; Baixa) - Tia materna suicidou-se quando a Mariana tinha
- Mariana, 9 8/9 meses;

384
Anos. - O pai viveu em França dos 5 aos 8 anos da
Mariana, por motivos de trabalho;
- Pai desempregado;
- Mãe dorme no sofá da sala.
Gabriel - Mãe, 39 Anos; Classe - Os pais são ex-toxicodependentes;
- Pai, 39 Anos; III - A mãe deixou de consumir pelo meio-irmão do
- Meio-Irmão, (Média) Gabriel quando este tinha 5 anos;
18 Anos (da - O Gabriel desconhece o passado
parte da mãe); toxicodependente dos pais;
- Gabriel, 10 - O meio-irmão do Gabriel é problemático,
Anos. isolando-se;
- A mãe tem Hepatite C;
- A mãe teve anorexia nervosa aos 20 anos;
- O avô paterno faleceu aos 7 anos do pai.

Figura Materna
Caso Auto-estima Relação Conjugal
Tomé - Baixa; - Dificuldades associadas ao sentimento
- Insegurança; de carência de apoio, compreensão e
- Sentimentos de inferioridade; pouco envolvimento nas funções
- Culpabilização; conjugais/parentais do pai. Mas também
- Sente-se desvalorizada e insegura na aos sentimentos de insegurança e
relação com os elementos exteriores à culpabilidade por parte da mãe;
família biológica; - Pai: autoritário, punitivo (associando
Isabel - Muito dependente e pouco ao ambiente familiar no qual se
autonomizada da relação com a sua desenvolveu) e dependente da protecção
figura materna e da própria família de da mãe, podendo remeter para uma
origem; percepção desvalorizada desta figura.
- Defesas: idealização e negação;
- Hipótese de funcionamento
depressivo.
João - Sobressaem os afectos positivos; - Idealização dos afectos positivos
- Culpabilização na relação com o emitidos;
João; - Sente-se desvalorizada;

385
- Projecta pulsões agressivas sobre os - Conflitos na relação de casal
elementos da família; associados a insegurança, dificuldades
- Defesas: negação e idealização. na gestão e resolução dos conflitos, na
comunicação e na demonstração de
afectos “dificuldades à frente das partes
boas”;
- Pai: passivo, sentimentos de
incompetência/fraqueza com
dificuldades na adaptação social, em
exprimir os seus sentimentos e
insuficiência de auxílio à família.
Mariana - Baixa; - Culpabiliza-se pela agressividade
- Sentimentos de Inferioridade; dirigida ao pai;
- Culpabilização; - Sente-se bastante desvalorizada e
- Irritabilidade; pouco correspondida face aos seus
- Dificuldades na resolução dos sentimentos e necessidades;
conflitos; - Dificuldade na resolução dos
- Forte dependência; problemas;
- Carência de protecção; - Falta de confiança na relação;
- Grau elevado de neuroticismo - Falta de compreensão e apoio do pai;
marcado pela negação dos afectos - Tendência paranóide no
negativos e dos afectos erotizados; funcionamento psicológico da mãe;
- Diminuída disponibilidade - Dependente do pai.
emocional, alheando-se do contacto
com os outros devido ao sentimento de
insegurança e desconfiança face aos
elementos da família;
- Hipótese de funcionamento
depressivo.

386
Gabriel - Baixa; - Maior investimento afectivo por parte
- Sentimentos de inferioridade; do pai;
- Culpabilização; - Conflitos e insegurança na relação de
- Irritabilidade emocional; casal motivados por dificuldades na
- Defesas: negação; gestão dos conflitos e no controlo dos
- Percepção negativa e insegura da impulsos agressivos por parte da mãe;
família. - Sente que a família obedece a um
matriarcado familiar à semelhança da
sua família de origem.

Figura Materna
Relação da
Caso Relação Mãe/Criança Relação Relação Criança com
Mãe/Irmão Fraterna Outras Figuras
Relevantes
Tomé - Dependente; Pais: Pais:
- Idealizada; - Próxima; - Relação com o
- Providencia protecção - Rivalidade avô materno:
e cuidado; fraterna; atitude submissa
- Tomé: preocupa-se - Tomé: mais e passiva do
com a mãe. Inibido. dependente da avô, provocação
protecção e desafio da
materna e autoridade do
tende a avô no Tomé.
Isabel - Dependente; proteger a Pais:
- Idealizada; irmã; - Contacto fácil;
- Desperta afectos - Isabel: menos - Sedutor;
agressivos na mãe e dependente, - Necessidade de
irritabilidade; defende-se agradar;
- Culpa por projectar os sozinha, mais - Forte angústia
seus medos internos na astuta. de separação
filha, não representando mesmo de
um modelo de adultos com os
contenção e segurança quais não tem

387
para a Isabel; contacto
- Pais: Necessidade da frequente.
Isabel agradar à mãe.
João - Idealizada; - Idealizada; Pais: Pais:
- Culpabilizada; - Forte - Rivalidade - Avós paternos
- Carência de afecto na envolvimento fraterna no e maternos:
relação; emocional; João; atitude
- Forte ligação e - Afectos - O João apoia desafiante;
dependência materna da negativos podem e protege a - Tio materno:
parte do João; remeter para a irmã. figura masculina
- Afectos de rejeição do necessidade de de referência
João associados ao separação para o João,
desejo de transgressão emocional do embora não
do espaço materno; espaço materno mantenham um
- João: elemento da por parte da irmã. contacto
família que carece de frequente.
maior protecção.
Elevada atribuição de
sentimentos de
incompetência/fraqueza
ligados a dificuldades
em lidar com as
adversidades e na
adaptação social.
Mariana - Idealizada; - Idealizada; Pais: Pais:
- Próxima; - Próxima; - Afectiva; - Carente;
- Culpabilizada; - Carinhosa; - Rivalidade - Necessidade de
- Não tem paciência; - Sente-se menos fraterna por agradar e de
- A mãe está “doente”; valorizada por parte da atenção
- Mariana: estabelece parte do irmão. Mariana. constante.
uma forte dependência - Culpabilização;
emocional consigo. - Irmão:
Uma das figuras mais dificuldades na
dependentes e que adaptação social e

388
carecem de maior na gestão dos
protecção na família. conflitos com os
outros.
“Preguiçoso”.
Gabriel - Satisfatória; - Fortemente Pais: Pais:
- Correspondida; desvalorizada e - Rivalidade - Avó paterna:
- Culpabilizada; insegura; fraterna; “é uma segunda
- Forte dependência - Irmão: falta de - Irmão: mãe”;
emocional entre mãe e apoio à mãe. provocativo e - Avó e tio de 40
filho; Atitude punitiva e pouco anos paternos:
- Desejo de proteger o agressiva; tolerante para muito próxima;
Gabriel. - Conflitos o Gabriel. - Avós
acentuados maternos: não
associados a uma lhe fazem todas
dificuldade na sua as vontades
gestão por ambas “gosta de estar
as partes, com com eles na
irritabilidade quantidade
emocional no certa”.
irmão e
dificuldade no
controlo dos
impulsos
agressivos por
parte da mãe.

Figura Materna
Caso Relação com a Família de Origem Materna Relação com a Família
de Origem Paterna
Tomé - Idealizada; - Sente-se pouco
- Pouca autonomia emocional; valorizada;
- Avó materna: relação próxima e dependente. Relação - Tia paterna (esposa do
mais satisfatoriamente correspondida; tio): atribui-lhe
Isabel - Avô materno: dependente dos cuidados da mãe, sentimentos de

389
podendo remeter para uma desvalorização do avô; incompetência/fraqueza;
- Tio materno: rivalidade fraterna, carência de apoio e - Avó paterna: apenas
desvalorização por parte do tio; recebe afectos
- Tia materna (esposa do tio): desvalorização por parte agressivos da avó, não
da tia; se sente aceite.
- Pais: avó permissiva para os netos, estimula pouco a
autonomia.
João Percepção muito distinta das suas figuras parentais:
- Avô materno: fraco envolvimento emocional.
Idealizada quanto aos afectos positivos recebidos por
parte deste;
- Avó materna: muito próxima e dependente. Desejo
da avó prolongar a relação de dependência com a mãe.
Relação conflituosa pelos sentimentos de rejeição e
agressivos emitidos pela mãe através do desejo de
separação e maior autonomia emocional. Relação com
avó: autoritária, pouco afectuosa, punitiva, insegura e
depreciativa “antes fazia comparação para os aspectos
negativos”.
Mariana - Avô materno: próxima, carinhosa e correspondida. O Avó paterna: menos
avô materno mantém uma dependência emocional face valorizada por parte da
à mãe, necessitando da sua protecção. A mãe sente-se avó. A avó é sentida
culpabilizada; como punitiva, ainda
- Tio materno: sente-se desvalorizada. que apoie a mãe. Um
dos elementos da
família mais
dependentes e que
necessitam de maior
protecção.
Gabriel - Avó materna: forte envolvimento emocional positivo
correspondido com sentimento de dependência mútua,
idealização e desejo de protecção da avó;
- Avô materno: sente-se desvalorizada. Conflitos
associados a sentimentos de insegurança, falta de

390
apoio e punição dirigidos à mãe. Dificuldades na
gestão destes conflitos e no controlo dos impulsos
agressivos por parte da mãe;
- Tia materna: sente-se desvalorizada. Conflitos
associados à dificuldade na sua gestão por ambas as
partes manifesta através de irritabilidade emocional,
dificuldades de adaptação social e uma atitude
punitiva na tia paterna, assim como, dificuldade no
controlo dos impulsos agressivos na mãe. Rivalidade
fraterna.

Figura Paterna
Caso Auto-estima Relação Conjugal
Tomé - Elevado grau de neuroticismo, forte - Valoriza pouco a relação de casal;
bloqueio da agressividade sobre os - Sente-se desvalorizado;
elementos da família; - Conflitos na relação de casal “por má
- Defesas: negação e idealização. interpretação das coisas”;
Isabel - Mãe: pouco tolerante, insegura e com
irritabilidade emocional. Transmite
pouco afecto e erotização à relação;
- Desejo de proteger a mãe.
João - Baixa; - Idealiza os afectos positivos emitidos;
- Insegurança; - Sente-se desvalorizado;
- Sentimentos de inferioridade; - Conflitos na relação de casal
- Irritabilidade; associados ao sentimento de
- Culpabilização; insegurança e à percepção da mãe como
- Dificuldades em lidar com os uma figura dominante e punitiva,
problemas; podendo sentir-se inferiorizado e
- Elevado grau de neuroticismo pela castrado, submetendo-se ao matriarcado
forte negação da expressão de familiar.
agressividade sobre os membros da
família e recurso à idealização;
- Hipótese de funcionamento
depressivo.

391
Mariana - Positiva; - Idealizada;
- Culpabilização face à percepção de - Mãe: punitiva, com irritabilidade
uma diminuída disponibilidade e apoio emocional e com dificuldades em lidar
à família; com os conflitos, resultando em
- Elevado grau de neuroticismo; insegurança na relação de casal.
- Defesas: negação e idealização. Fortemente dependente. A figura que
mais carece de protecção,
transparecendo uma fragilidade
emocional elevada.
Gabriel - Baixa; - Sente-se pouco valorizado;
- Sentimentos de inferioridade; - Próxima;
- Culpabilização; - Carinhosa;
- Irritabilidade emocional; - Conflitos na relação de casal
- Desajustamento social; associados à dificuldade na sua gestão e
- Forte dependência; irritabilidade emocional em ambas as
- Carece de protecção; figuras parentais;
- Desejo de obter uma maior - Mãe: punitiva e carente de protecção.
autonomia emocional;
- Defesa: negação.

Figura Paterna
Relação da
Caso Relação Pai/Criança Relação Relação Criança com
Pai/Irmão Fraterna Outras Figuras
Relevantes
Tomé - Idealizada; Pais: Pais:
- Correspondida; - Próxima; - Relação com o
- Tomé: pouco tolerante - Rivalidade avô materno:
à frustração, fraterna; atitude submissa
“deprimido” e passivo. - Tomé: mais e passiva do
- Pais: o Tomé sente o dependente da avô, provocação
pai punitivo temendo a protecção e desafio da
repreensão dos seus materna e tende autoridade do
erros. a proteger a avô no Tomé.

392
Isabel - Idealizada; irmã; Pais:
- Correspondida; - Isabel: menos - Contacto fácil;
- Isabel: contacto fácil e dependente, - Sedutor;
sedutor com o pai. defende-se - Necessidade de
Muito reservada e sozinha, mais agradar;
receosa face à atitude astuta. - Forte angústia
firme do estilo parental de separação
do pai; mesmo de
- Pais: a Isabel adultos com os
estabelece apenas com quais não tem
o pai um discurso contacto
imaturo para a idade. frequente.
João - Próxima; - Pouco Pais: Pais:
- Idealizada; envolvimento - Rivalidade - Avós paternos
- Culpabilização; afectivo; fraterna no João; e maternos:
- Dificuldades em lidar - Afectos - O João apoia e atitude
com os conflitos; erotizados; protege a irmã. desafiante;
- Pai: autoritário e - Dependência - Tio materno:
punitivo para o filho; afectiva. figura masculina
- João: valoriza e de referência
investe na relação com para o João,
o pai, identificando-se embora não
com a figura paterna no mantenham um
sentimento de contacto
incompetência/fraqueza. frequente.
Mariana - Idealizada; - Idealizada; Pais: Pais:
- Mariana: atitude - Irmão: - Afectiva; - Carente;
sedutora e de rivalidade dependente. - Rivalidade - Necessidade de
pela atenção do pai. Necessita de fraterna por agradar e de
Emocionalmente protecção. parte da atenção
dependente. Carece de Mariana. constante.
protecção.
Gabriel - Idealizada; - Correspondida; Pais: Pais:
- Culpabilização; - Satisfatória; - Rivalidade - Avó paterna:

393
- Forte investimento por - Irmão: deveria fraterna; “é uma segunda
parte do Gabriel prestar mais - Irmão: mãe”;
podendo constituir-se apoio e provocativo e - Avó e tio de 40
como o modelo de protecção à pouco tolerante anos paternos:
identificação sexual família. para o Gabriel. muito próxima;
masculino para o filho; - Avós
- Gabriel: forte maternos: não
dependência. Carece de lhe fazem todas
protecção. as vontades
“gosta de estar
com eles na
quantidade
certa”.

Figura Paterna
Relação com
Caso a Família de Relação com a Família de Origem Paterna
Origem
Materna
Tomé - Pais: avó - Avó paterna: elevada dependência emocional face a esta figura.
permissiva Desejo de a proteger. É percepcionada como rígida, autoritária,
para os netos, emocionalmente independente, exigindo receber mais afecto do
estimula que aquele que disponibiliza à família;
Isabel pouco a - Tio paterno: elevado grau de envolvimento afectivo, depende
autonomia. muito desta figura. Sente-se desvalorizado;
- Tia paterna (esposa do irmão) e primos gémeos (sobrinhos do
pai): idealizada e pouco correspondida.
João - Culpabilização face à autonomização decorrente da saída de
casa dos pais, remetendo para dificuldades acentuadas no
processo de separação/individuação na relação com a avó;
- Avó paterna: dependência;
- Avô paterno: relação autoritária, pouco afectuosa e assente na
falha de valorização narcísica “não atingi o que o meu pai quis”;
- Actualmente os avós paternos encontram-se em processo de

394
divórcio e o pai “não está a lidar bem com esse facto”.
Mariana - Avó paterna: idealizada. Sente a avó punitiva ainda que
emocionalmente dependente do pai;
- Tia paterna: idealizada. Menos significativa do ponto de vista
do envolvimento emocional. Associa sentimentos de
fraqueza/incompetência à tia.
Gabriel - Avó paterna: relação negativa, insegura e conflituosa. Sente-se
desvalorizado e pouco apoiado/protegido pela avó;
- Tio paterno de 40 anos: relação satisfatória. Dificuldades na
gestão dos conflitos por parte do tio. Rivalidade fraterna.

Criança
Caso Auto-estima Relação Mãe/Criança
Tomé - Insegura; - Fantasias edipianas;
- Culpabilizada; - Forte idealização;
- Emocionalmente dependente - Elevado grau de dependência;
de ambos os pais, com - Sente que a mãe centra a sua atenção nele,
destaque para a figura materna; seguindo-se a irmã e, por último, surge o pai
- Mecanismos de defesa: com pouca indulgência materna;
idealização, evitamento, - Desejo de autonomização da mãe;
recalcamento, negação e - Desprotecção;
formação reactiva. - Carência;
- Função de apoio precária, necessitando a
própria mãe de um auxiliador na sua função
materna e de contenção.
Isabel - Insegura; - Desejo de agradar à mãe;
- Forte dependência das figuras - Procura da protecção e indulgência materna;
parentais, nomeadamente dos - Forte idealização e dependência emocional da
cuidados e protecção maternos; mãe;
- Mecanismos de defesa: - Afectos negativos recebidos da mãe;
deslocamento, idealização, - Mãe: “chateada, triste, aleijada”, dependente.
formação reactiva, negação, Centra a sua atenção apenas nos filhos.
evitamento e recusa.
João - Baixa; - Mãe: punitiva, autoritária e pouco disponível

395
- Sentimentos de inferioridade; para as suas necessidades afectivas.
- Pessimismo;
- Insegurança;
- Indecisão;
- Auto-exigência;
- Culpabilização;
- Dependente e carente da
protecção/apoio/atenção
parental, com poucos recursos
internos para se defender;
- Mecanismos de defesa:
mania, evitamento, formação
reactiva, negação,
racionalização,
intelectualização,
sobreinvestimento da realidade
perceptiva e recusa. Grau
acentuado de neuroticismo.
Mariana - Baixa; - Culpa;
- Sentimentos de inferioridade; - Carência;
- Culpabilização; - Abandono;
- Tendência regressiva: atitude - Insegurança;
egocêntrica e dependente - Aspectos fóbicos e agressivos num contexto
procurando valorizar-se através regressivo que pode remeter para a relação pré-
do forte desejo de protecção genital com o materno;
materna e de atenção por parte - Falha narcísica acentuada;
de ambos os pais; - Angústia depressiva;
- Falha narcísica acentuada; - Mãe: dependente. Rivaliza com a mãe pela
- Grau considerável de atenção do pai.
neuroticismo;
- Mecanismos de defesa:
idealização, recusa maníaca,
negação, evitamento, formação
reactiva e recusa.

396
Gabriel - Baixa; - Idealizada;
- Tristeza; - Pouco frustrante;
- Culpa; - Fortemente investida por parte da figura
- Atitude egocêntrica e materna, podendo associar-se ao desejo de
regressiva pelo desejo manter a dependência emocional com o
acentuado de protecção Gabriel;
materna e de atenção por parte - Mãe: punitiva e a figura dominante da
de ambos os pais; família. Rivaliza com esta pela
- Elevado grau de atenção/protecção do pai.
neuroticismo;
- Defesas: negação,
recalcamento, evitamento,
formação reactiva, idealização
e recusa maníaca.

Criança
Relação da
Criança
Caso Relação Pai/Criança Relação Fraterna com
Outras
Figuras
Relevantes
Tomé - Forte idealização; - Sentimentos de
- Desejo de aproximação e atenção inferioridade face à irmã;
do pai; - Rivalidade fraterna,
- Dependência emocional face ao pai transmitindo o desejo de
que não supera a relação dependente obter a atenção/protecção
que mantém com a mãe; exclusiva dos pais,
- Pai: pouca “paciência” e agressivo. sobretudo da mãe.
Isabel - Valoriza pouco a relação; - Rivalidade fraterna; - Avô
- Insegurança; - Sente-se protegida pelo materno:
- Desprotecção; irmão. autoritário e
- Na prova PN o imago paterno é punitivo.
associado à função de alimentar e ao

397
nascimento, realizando uma inversão
dos papéis parentais.
João - Pouco valorizado e correspondido - Próxima;
por parte do pai face aos seus - Afectuosa;
desejos; - Forte rivalidade fraterna;
- Pai: autoritário e pouco disponível. - Sentimento de
Assegura uma função de apoio inferioridade face à irmã;
importante para o João. Mais - Com a irmã disputa a
dependente que a mãe, beneficiando protecção parental,
da protecção materna. sobretudo da figura
materna.
Mariana - Idealizada; - Forte rivalidade fraterna - Idealizada;
- Afectos erotizados; intensificada pela vivência - Tia e avó
- Pai: assegura a função de apoio e carencial na relação com o paternas:
protecção, todavia, não proporciona materno e pelo desejo de afectuosas e
a contenção necessária para que as uma aproximação exclusiva punitivas;
angústias da Mariana sejam à mãe. Avó
ultrapassadas. Sente a relação menos paterna:
valorizada por parte do pai. Sente o dependente,
pai punitivo e pouco disponível. com quem
rivaliza pela
atenção do
pai.
Gabriel - Idealizada; - Sente-se desvalorizado
- Forte investimento positivo na por parte do irmão;
relação; - Rivaliza com o irmão face
- Não se sente correspondido, ao desejo de ocupar um
sentindo-se pouco valorizado pela lugar próximo e
figura paterna; privilegiado na relação com
- Pai: punitivo. Figura protectora e o a figura materna, obtendo a
modelo de identificação do Gabriel. sua protecção exclusiva.

398
Caso Organização Familiar
Tomé Figuras parentais:
- Relação emocionalmente dependente e uma fraca autonomização das famílias
de origem, sobretudo a mãe na relação que estabelece com a avó materna;
- Figura materna aparentemente deprimida e permissiva;
- Figura paterna assume uma função parental mais firme e contentora;
- Culpabilização pelo forte envolvimento no mundo laboral e pela projecção nos
filhos das suas próprias dificuldades;
Tomé/Isabel:
- Na presença da mãe (e da avó materna) manifestam uma conduta mais imatura
marcada pelas dificuldades de separação não observada na relação com o pai;
Isabel - Introjecção da depressão materna através da interacção precoce com esta figura
experienciando dificuldades de separação e autonomização do espaço materno
face à falha de confirmação/valorização narcísica, receando a perda do amor do
objecto;
Tomé:
- Forte rivalidade fraterna e sentimento de inferioridade face à irmã podem ligar-
se ao sentimento de abandono experienciado durante a situação de prematuridade
da Isabel e a projecção da distinção forte/fraco pelos pais: o Tomé representa a
parte fraca, passiva, sem recursos para se defender e a irmã o lado mais forte,
capaz de se defender.
João Figuras parentais:
- Figura materna fálica, dominante;
- Figura paterna passiva com afectos que transmitem a vivência de um sofrimento
depressivo;
- Fraca autonomização emocional das suas figuras parentais, transferindo para a
relação com o João os modelos de identificação interiorizados na relação com
estas figuras assentes em relações pouco afectuosas, autoritárias, punitivas e
inseguras, projectando, assim, as suas próprias falhas narcísicas e a vivência de
culpa na relação com o João;
- Forte envolvimento nas questões de ordem racional valorizando a carreira
profissional e as competências académicas do João em detrimento dos afectos,
repercutindo-se no empobrecimento da relação conjugal e na relação pais-filho;
João:

399
- Relação próxima com a figura materna;
- Ausência de valorização narcísica por ambos os pais é experienciada
inconscientemente como uma falha, uma castração não lhe permitindo
autonomizar-se emocionalmente da relação com o materno, com risco de perda
do amor do objecto;
- Identificação com um pai aparentemente deprimido e também castrado pode
reenviar para a angústia depressiva no João;
- Acentuada vivência de rivalidade fraterna e inferioridade podendo associar-se à
distinção fraco/forte entre o João e a irmã projectada pelos pais, onde o João
figura como o elemento fraco, inseguro, sem recursos internos para se defender e
a irmã o elemento forte e seguro.
Mariana - Depressão materna afecta a qualidade das relações familiares, com ênfase na
relação conjugal e na relação mãe/Mariana;
- Falecimento da avó e tia maternas da Mariana;
- Dificuldades económicas ligadas ao desemprego do pai;
Mariana:
- Numa fase precoce do desenvolvimento parece ter-se identificado à depressão
da mãe através da falha de confirmação narcísica primária que a fizesse sentir
valorizada na experiência de individuação e autonomia, pelo risco de perda do
amor do objecto organizando, deste modo, o falso-self manifesto através da
avidez relacional, contacto fácil e sedutor e pela necessidade marcada de agradar,
como tentativa de colmatar a falha narcísica;
- Sentimento de insegurança, culpa, carência, abandono e rivalidade fraterna
acentuado pela distinção materna entre a Mariana e o irmão, projectando a parte
boa no irmão e a parte maligna na Mariana;
Pai:
- Assegura a função de apoio e protecção contudo, não proporciona a contenção
necessária para que as angústias da Mariana sejam ultrapassadas;
- Sucessivas ausências por motivos de trabalho resultando num menor apoio à
família e, em concreto, à mãe e no assegurar da sua função parental.
Gabriel Figuras parentais:
- Conflitos acentuados na ordem da dependência e falhas de valorização narcísica
na relação com as suas famílias de origem, culminando nos consumos de droga
como um substituto simbólico do objecto de amor perdido;

400
- Figura materna dominadora e fálica, identificando-se ao matriarcado da sua
família de origem;
- Figura paterna submetida ao matriarcado familiar demitido-se da sua função
parental;
Figura materna:
- Deslocamento e tentativa de reparação da relação com o irmão resulta numa
relação dependente, idealizada e pouco frustrante com o Gabriel, não o
valorizando narcisicamente;
Gabriel:
- Experiencia a separação do imago materno como uma possibilidade de perda do
amor do objecto, permanecendo dependente do poder fálico materno;
- Forte dependência na relação mãe/Gabriel acentuada pela clivagem materna
entre um filho bom associado ao Gabriel e um filho problemático, o irmão.

Conflito Edipiano
Aceita a
Caso Resolução Diferença Diferença Superego Triangula Exclusão
Sexual de -ção do Casal
Gerações Parental
Tomé Não Reconhece Reconhece Integrado Acede Não
ultrapassado
Isabel Não Reconhece Não Integrado Não acede Não
ultrapassado parcial reconhece
-mente
João Parcialmente Reconhece Reconhece Integrado Acede Não
ultrapassado
Mariana Não Reconhece Reconhece Integrado Acede Não
ultrapassado
Gabriel Não Reconhece Reconhece Integrado Acede Não
ultrapassado

401
Conceito Núcleo
Caso de Problemáticas da Criança CDI Depressivo
Família
Tomé Integrado - Desejo de separação da figura Grupo 2 Núcleo
materna; (nível depressivo
- Relação dependente, idealizada e intermédio de primário
pouco frustrante com a figura materna; sintomas de (anal)
- Vivência carencial, desprotegida e de depressão)
precariedade dos suportes;
- Culpabilidade onde a agressividade é
dirigida a si;
- Falha narcísica;
- Angústia depressiva;
- Dificuldades no processo de
separação/individuação.
Isabel Integrado - Relação dual com a figura materna, Grupo 1 Núcleo
não permitindo a separação emocional (sujeitos “não depressivo
desta figura; deprimidos”) precoce
- Vivência depressiva manifesta no (oral)
sentimento de desprotecção parental,
de carência oral e inibição da
agressividade;
- Culpabilização pela introjecção da
agressividade.
João Integrado - Identificação à figura paterna; Grupo 2 Núcleo
- Desejo de autonomização da figura (nível depressivo
materna; intermédio de fálico
- Rivaliza com o pai; sintomas de
- Dificuldades na elaboração dos depressão)
sentimentos de solidão face à exclusão
do casal parental;
- Ausência de valorização narcísica
por ambos os pais;
- Identificação ao pai deprimido;

402
- Castração e falhas identitárias;
- Sobressai o sofrimento depressivo:
angústia de perda do amor do objecto,
de desamparo, afectos ligados à morte,
baixa auto-estima, insegurança, falha
narcísica acentuada, culpabilidade pela
introjecção da agressividade e
dificuldades de mentalização
(instabilidade psicomotora,
somatizações).
Mariana Integrado - Forte angústia depressiva: carência Grupo 3 Núcleo
afectiva e falha narcísica acentuadas, (nível depressivo
sentimento de desvalorização, intermédio de precoce
insegurança, exclusão, abandono e sintomas de (oral)
desprotecção na relação com as figuras depressão)
parentais, sobretudo na relação com a
figura materna onde se observam
aspectos fóbicos e agressivos num
contexto regressivo, acompanhado de
culpabilidade pelo retorno da
agressividade/punição sobre si;
- Rivaliza com o pai;
- Dificuldades de separação da figura
materna, ainda que, expresse o desejo
de autonomização emocional;
- Desejo de uma aproximação
exclusiva à figura materna.
Gabriel Integrado - Desejo de autonomização da figura Grupo 2 Núcleo
materna; (nível depressivo
- Sobressai o desejo de uma intermédio de primário
aproximação exclusiva à figura sintomas de (anal)
materna e a rivalidade face à figura depressão)
paterna;
- Dificuldades no processo de

403
separação/individuação;
- Culpabilidade pelo retorno da
agressividade sobre si;
- Falha narcísica marcada, vivência
carencial e desprotegida, de abandono
e solidão face ao confronto com a
angústia de separação e depressiva
recorrendo às defesas antidepressivas
na linha da recusa maníaca para lidar
com este conflito.

404

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