Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
5
DIGIÁCOMO, Murillo José. Quando o conhecimento jurídico não basta - a imprescindibilidade da
intervenção técnica interdisciplinar nas causas que envolvem interesses de crianças e adolescentes.
6
O direito de ser adolescente: Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades / Fundo
das Nações Unidas para a Infância. Brasília: UNICEF, 2011.
7
Conselho Nacional do Ministério Público.Relatório da Infância e Juventude – Resolução nº 67/2011: Um
olhar mais atento às unidades de internação e semiliberdade para adolescentes. Brasília: Conselho Nacional
do Ministério Público, 2013.
8
Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República/Subsecretaria de Promoção dos
Direitos da Criança e do Adolescente. Levantamento Nacional do AtendimentoSocioeducativo ao Adolescente
em Conflito com a Lei. Brasília, 2009.
9
Sobre o tema ver: LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 7.
ed. rev. e ampl., de acordo com o novo Código Civil (ei 10.406/2002). São Paulo: Malheiros Ed., 2003, p.15.
Segundo ele, “A Lei 8.069/90 revolucionou o Direito Infanto-juvenil, inovando e adotando a doutrina da
proteção integral. Essa nova visão é baseada nos direitos próprios e especiais das crianças e adolescentes, que,
na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, necessitam de proteção diferenciada, especializada e
É na intenção de incorporar a neurociência ao conjunto de ciências propedêuticas
que fomentam a proteção integral ao adolescente que o artigo avaliará os reais efeitos da
neurociência do desenvolvimento sobre as medidas socioeducativas aplicadas aos
adolescentes em conflito com a lei.
Neste sentido, se avaliará a compreensão do cérebro adolescente como produto do
diálogo direito e neurociência procurando resposta ao porque se o cérebro de um jovem é
bem diferente dos adultos, os jovens devam ser tratados como se fossem iguais aqueles.
Em caráter de argumentação final, a abordagem avaliará o impacto que a
neurociência do desenvolvimento poderá desempenhar na definição da aplicação das
medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes em conflito com a lei, revisando o
modelo MSe e o substituindo por modelo neuropsiquicosocioeducativo (NPSe).
2 NEUROCIÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO
integral (TJSP, AC 19.688-0, Rel. Lair Loureiro). É integral, primeiro, porque assim diz a CF em seu art. 227,
quando determina e assegura os direitos fundamentais de todas as crianças e adolescentes, sem discriminação
de qualquer tipo; segundo, porque se contrapõe à teoria do “Direito tutelar do menor”, adotada pelo Código de
Menores revogado (Lei 6.697/79), que considerava as crianças e os adolescentes como objetos de medidas
judiciais, quando evidenciada a situação irregular, disciplinada no art. 2º da antiga lei”.
10
TAYLOR, j. Sherrod. Neurolaw: medico-legal aspecto of ABI. Disponível em: <http://obia.ca/wp-
content/uploads/2013/02/Neurolawmedicolegalaspectsofabi.pdf. Acesso em: 29 dez. 2013.
debruçam-se sobre a significância, oferecendo cada um, sentido modulado segundo sua
ideologia ou compreensão.
Há, contudo certa celeuma doutrinária sobre o que seja neurociência, disciplina que
busca determinar como o cérebro afeta o comportamento. Sinteticamente, na definição de
Atahualpa Fernandes, neurociência, nada mais é do que o estudo do cérebro, da mente e da
consciência humanos. A seu alvedrio, neurociência é o estudo das bases neuronais do
pensamento, da percepção, do comportamento e da emoção. Já Laurie Lundy-Ekman define
a neurociência como sendo o estudo do desenvolvimento, da química, da estrutura, da
função e das patologias do sistema nervoso11 e na síntese de Miguel Nicolelis, é função da
neurociência mediar as diferentes funções cerebrais ou comportamentais.12
Em verdade, o termo neurociência engloba vários ramos do conhecimento que
podem ser categorizados com base no tema da pesquisa, a exemplo de neurociência
molecular, celular, sistêmica, comportamental, cognitiva e do desenvolvimento. 13
Neurociência do desenvolvimento, interesse direto do artigo, refere-se aos processos
que geram, moldam e remodelam o sistema nervoso, desde a concepção até os últimos anos
da vida humana. O estudo da neurociência do desenvolvimento tem como objetivo
descrever as bases celulares do desenvolvimento do cérebro e abordar os mecanismos
subjacentes. Desenvolve as semelhanças havidas entre neurociência e biologia do
desenvolvimento, fornecendo insights sobre os mecanismos celulares e moleculares
complexos do sistema nervoso.
Seu objeto especifico é o estudo da formação do cérebro a partir da concepção e as
funções cerebrais relacionadas às capacidades individuais de julgamento, raciocínio,
introspecção, controle emocional, capacidade de planejamento, previsão de riscos, respeito
pelas normas e regras.
3 O CÉREBRO ADOLESCENTE
11
LUNDY-EKMAN, Laurie. Neurociências: fundamentos para reabilitação. Rio de Janeiro: Elservier, 2008.
p. 2.
12
NICOLELIS, Miguel. Muito além de nosso eu: a nova neurociência que une cérebros e maquinas – e como
ela pode mudar nossas vidas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 19
13
Para o conhecimento dos principais ramos de interesse da neurociência moderna, indica-se WIKIPÉDIA: a
enciclopédia livre. Wikipedia, 2013. Disponível em:< http://en.wikipedia.org/wiki/Neuroscience>. Acesso
em: 28 dez. 2013.
A adolescência, ao longo dos anos, vem sendo reconhecida como uma fase de
crescimento e mudança. Pesquisa sobre o desenvolvimento da adolescência tem
demonstrado ao longo de décadas as profundas e dramáticas mudanças que ocorrem
durante a adolescência, e como essas mudanças afetam o comportamento dos adolescentes.
Em período recente, a imagem do cérebro por ressonância magnética funcional
(fMRI) tem possibilitado aos pesquisadores verificar as mudanças físicas que ocorrem no
cérebro durante a adolescência e início da vida adulta e para saber exatamente como e
quando diferentes áreas do cérebro se desenvolvem. Estudos, recentemente, ao
investigarem as conexões entre o funcionamento e desenvolvimento do cérebro e o
comportamento de adolescentes revelaram que alterações marcantes ocorrem com o cérebro
durante a adolescência.14 Os resultados obtidos fraturam o paradigma de que o cérebro
humano encerra o ciclo de crescimento e amadurecimento aos doze anos de idade e não se
altera mais.15
O consenso cientifico permanecido válido durante muito tempo, ruiu sob o peso das
neuroimagens realizadas com aparelhos de ressonância magnética nuclear e tomografia
computadorizada por pósitrons que comprovaram que algumas regiões do cérebro, a
exemplo do córtex pré-frontal, leva muito mais tempo para amadurecer, não estando
totalmente “maduro”, antes dos vinte e cinco ou vinte e sete anos de idade. 16
Neurocientistas do porte de Atahualpa Fernandes argumentam que esta área
fundamental no controle das emoções e processos cognitivos a desempenhar funções
essenciais no processo de supressão ou inibição dos impulsos comportamentais, bem como
papel central na capacidade de autodisciplina, tem o amadurecimento atrasado em muito
anos em relação a outras áreas do cérebro. Para este autor,
14
Disponível em: < http://www.nimh.nih.gov/health/publications/the-teen-brain-still-under-construction/teen-
brain.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2014
15
Disponível em: < http://www.nimh.nih.gov/health/publications/the-teen-brain-still-under-construction/teen-
brain.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2014.
16
FOLHA DE SÃO PAULO Online. Cérebro se desenvolve até o final da adolescência, diz pesquisa.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u353635.shtml>. Acesso em: 29 dez.
2013.
responsáveis pela codificação destas funções mentais que acabamos de mencionar.
Precisamente e abundando nesse tema, é esta área (o córtex pré-frontal orbitário em
particular) a que, quando resulta lesionada durante o parto ou por um traumatismo
ou um tumor, e em qualquer idade, pode levar o indivíduo a transgredir os valores
morais e éticos mais elementares que tem assumido uma sociedade.17
17
FERNANDEZ, Atahualpa e FERNANDEZ, Marçy. Neuroética, direito e neurociência: conduta humana,
liberdade e racionalidade jurídica. Curitiba: Juruá, 2008. P. 51
18
Disponível em: http://veja.abril.com.br/especiais/jovens_2004/p_034.html. Aceso em: 27 dez. 2013.
19
Por que aos 18. Disponível em:
http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1380147. Acesso em: 27 dez. 2013.
A principal diferença entre o cérebro de um adolescente e outro de um adulto é o
desenvolvimento dos lobos frontais. O córtex pré-frontal humano só se desenvolve
plenamente no início dos vinte anos, e isto fundamenta o comportamento impulsivo
dos adolescentes. Os lobos frontais são as vezes chamado o órgão da socialização,
porque tornar-se socializado não passa de desenvolver circuitos para reprimir
nossos impulsos mais básicos. 20
20
EAGLEMAN, David. Incógnito: as vidas secretas do cérebro. Tradução de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro:
Rocco, 2012. p.197
21
NOGUEIRA, Salvador. As idades do cérebro. Disponível em:
http://revistagalileu.globo.com/Revista/Galileu/0,,EDG77438-7855-191-1,00-
AS+IDADES+DO+CEREBRO.html. Acesso em: 08 jan. 2014.
22
HERCULANO-HOUZEL, Suzana. Adolescência é coisa do cérebro. Disponível em:<
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq1204200707.htm>. Acesso em: 19 jan. 2014
23
HERCULANO-HOUZEL, Suzana. Adolescência é coisa do cérebro. Disponível em:<
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq1204200707.htm>. Acesso em: 19 jan. 2014
praticado por adolescentes vem dos Estados Unidos e diz respeito ao caso Roper versus
Simmons.
Christopher Simmons, aos dezessete anos cometeu um assassinato brutal e aos vinte
e sete foi condenado à pena de morte.24 Em sua tese, a defesa argumentou não ter o cérebro
do adolescente alcançado o desenvolvimento de uma pessoa adulta e que, portanto, o
adolescente não processava a informação social com a mesma capacidade de uma pessoa
adulta, sendo injusto aplicar-lhe a mesma responsabilidade penal que aos adultos.
Em 2005, a Suprema Corte dos Estados Unidos considerou ser a condenação à
morte de menores de idade inconstitucional. Em veredito, a Corte declarou que pessoas
com idade inferior aos dezoito anos não poderiam ser condenados à morte, por não serem
totalmente responsáveis por suas ações, considerando evidências neurológicas e cognitivas
na sentença. Em fragmentos da sentença é possível ver:
Com a apelação, ainda em curso, no ano anterior, a revista Science preparou extensa
reportagem sobre a contribuição da neurociência no caso. De acordo com a reportagem,
algumas associações médicas confirmaram que o cérebro de um jovem de dezesseis e
dezessete anos ainda não atingiu seu desenvolvimento pleno o que os tornam incapaz de
dominar e restringir ações impulsivas. Relato de especialista confirma que o cérebro
humano só começa seu amadurecimento na idade de vinte e cinco anos e que o lobo frontal,
não começa a amadurecer antes dos dezessete anos.26
24
EAGLEMAN, David. Incógnito: as vidas secretas do cérebro. p.201.
25
Goldberg, Elkhonon, The Executive Brain: Frontal Lobes and the Civilized Mind (2001). Disponível em:
http://www.neulaw.org/blog/1034-class-blog/3819-neuroscience-age-and-the-death-penalty.html. Acesso em:
30 dez. 2013
26
Para pensar sobre a maioridade penal. Disponível em: < http://www.amalgama.blog.br/04/2013/maioridade-
penal/>. Acesso em: 09 jan.2014.
O estado brasileiro, não obstante apelos em favor da redução da maioridade penal,
ainda, não resgatou a pena de morte e castigos cruéis para menores que vigoravam nas
Ordenações Filipinas que “asseguravam apenas, em favor dos menores de dezessete anos, a
inaplicabilidade da pena de morte”.27 É bem verdade que os “menores infratores”,28
internos da antiga Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (FEBEM) estiveram
expostos à pena capital não legalizada, uma vez que naquela verdadeira “fábrica de
monstros”, os internos tinham seus direitos como adolescentes e seres humanos negados.29
Na maioria das vezes, os ingressos saíam da FEBEM piores do que entravam, por
conta dos espancamentos impostos pelos carcereiros, travestidos de “cuidadores” que,
objetivando intimidá-los e humilhá-los, impunham castigos severos aos adolescentes.
Dossiê organizado pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) ao
relatar diversos casos de tortura, maus-tratos e péssimas condições de detenção nas
dependências da FEBEM registrou que nas unidades de internação ocorreram “também a
morte de 30 adolescentes nos últimos três anos”, assassinados pelas formas cruéis e
primitivas, como golpes de “naifas”30, fogo, pauladas, enforcamento e armas de fogo, que
não faltavam para eles.31
A situação de convivência entre internados primários e reincidentes de atos
infracionais gravíssimos, como homicídios e traficância de drogas, em locais insalubres e
violentos, consta de relatório preparado para Nações Unidas. A convite do governo
brasileiro, preposto da ONU, visitando diversas unidades federativas, observou que nas
unidades de acolhimento, os adolescentes em conflito com a lei “não estavam separados por
idade, compleição física ou gravidade do crime pelo qual estavam provisoriamente
27
SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente com conflito com a lei: da indiferença à proteção integral: uma
abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 3 ed. Ver. Atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2009. p.29.
28
Até a promulgação da Lei Federal n° 8.069 de 13 de junho de 1990 denominada Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), adolescentes em conflito com a lei eram denominados “menores”, “delinquentes”, dentre
outras expressões correlatas. A substituição veio para “não permitir a marginalização, a marca, o estigma, a
cicatriz, o trauma”. Ver em LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do
Adolescente. 7 ed. Ver. Ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
29
TOGNOLLI, Cláudio Júlio. Reputação em jogo: entidade de Direitos Humanos acusa dirigentes da
Febem. Consultor Jurídico. Disponível em http://www.conjur.com.br/2006-mai-
08/entidade_direitos_humanos_acusa_dirigentes_febem>. Acesso em 18 jan. 2014.
30
Facas improvisadas.
31
TOGNOLLI, Cláudio Júlio. Reputação em jogo: entidade de Direitos Humanos acusa dirigentes da
Febem. Consultor Jurídico. Disponível em http://www.conjur.com.br/2006-mai-
08/entidade_direitos_humanos_acusa_dirigentes_febem>. Acesso em 18 jan. 2014.
recolhidos ou haviam sido sentenciados. Ao contrário, todos eram mantidos juntos, de
modo indiscriminado, inclusive internos com distúrbios mentais”.32
A reparar idêntica situação, Roberto João Elias considerou que:
32
Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/rndh/tortura/informe/menores.html. Acesso em: 29 dez. 2013.
33
ELIAS,Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva, 1998. p.
102
34
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 jul. 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. 5ª edição, revista e atualizada.
Brasília, DF: Senado, 2005.
35
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.
Organização do texto: Anne Joyce Angher. VadeMecum Acadêmico de Direito. 6ª Ed. São Paulo: Rideel,
2008.
36
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 2006.
37
A pena de morte existiu no Brasil colônia, na época das Capitanias Hereditárias, no Império e até na
República, Constituição de 1937. As Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas destacavam-se pelo rigor
de suas penas e a pena de morte era contemplada para a maioria das infrações; a execução se processava de
variadas formas: mutilação física, com uso da espada, pelo esquartejamento do condenado, em fogueira,
corpo amarrado na boca de um canhão, etc.
A UES formada da parceria entre Fundação Casa, ONG Santa Fé e Universidade
38
Federal de São Paulo foi instituída pelo Decreto nº 53427/2008 com o objetivo de se
tornar sistema de referência para receber adolescentes e jovens adultos infratores
diagnosticados com transtorno de personalidade, egressos da Fundação Casa e interditados
pelas Varas de Família e Sucessões. Com a parceria desfeita, a Secretaria de Saúde do
Estado de São Paulo assumiu a entidade, perdendo a finalidade de tratamento especializado.
Atualmente, de acordo com o juiz presidente da Associação Juízes para a Democracia e
coordenador da Comissão de Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais, “Esta unidade é cópia de um manicômio, mas com uma agravante: os jovens
cumpriram medida socioeducativa e estão presos sem ter sido condenados por outros
crimes. Isso é prisão perpétua.”.39
Enquanto se escrevia o artigo, o grupo de jovens achava-se num limbo legal,
abandonado na UES sem respaldo familiar e social e sem acompanhamento terapêutico a
possibilitar a redução do potencial ofensivo de cada um, permitindo pela triagem, e
confinar em instituição regular, apenas os irrecuperáveis, resguardando a sociedade dos
riscos.
Importante registrar que MSe de internação não é punição, e só está autorizada nas
hipóteses previstas taxativamente nos incisos do artigo 122 do ECA, devendo, ademais, ser
sopesada a espécie de delito praticado assim como a cominação abstrata da pena que
receberia o menor se fosse imputável. Em outros termos, é parte de um processo de
reeducação e ressocialização realizado através de trabalho psicossocial capaz de
proporcionar aos adolescentes tratamento de acordo com suas necessidades
psicopedagógicas.
Como cediço, o atendimento de adolescentes, inclusive aqueles em conflito com a
lei, deve ser prestado pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e pelos
38
BRASIL. Decreto nº 53.427 de 16 de Setembro de 2008. Cria e organiza, na Secretaria da Saúde, a Unidade
Experimental de Saúde e dá providências correlatas. Diário Oficial. Poder Executivo. Estado de São Paulo. Nº
175 – DOE de 17/09/08 – p.3. Disponível em: http://governo-sp.jusbrasil.com.br/legislacao/145344/decreto-
53427-08. Acesso em: 14 jan. 2014.
39
AZEVEDO, Solange. Prisão perpétua à brasileira. Disponível
em:<http://www.istoe.com.br/reportagens/135118_PRISAO+PERPETUA+A+BRASILEIRA?pathImagens=
&path=&actualArea=internalPage>. Acesso em: 31 dez. 2013.
Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), vinculados ao
Sistema Único de Assistência Social (SUA), consolidado pela Lei nº 12.435/2011.40
Os jovens custodiados na UES, entrementes, se acham custodiados à margem da
legalidade, confinados numa espécie de "Guantânamo Brasileira" 41
ou “Prisão-Hospício”,
42
fruto de manobras jurídicas que se prestam a prorrogar o limite improrrogável de três
anos de internação de jovens em conflito com a lei. 43 A situação juridicamente insólita que
“vai à contramão de todas as conquistas da luta antimanicomial e do ECA” e que não passa
de “um manicômio para jovens”, na definição de Fernanda Lavarello, conselheira do
44
Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, agride as disposições do artigo 121,
parágrafo 5º do ECA, que prevê a liberação imediata aos vinte e um anos, do jovem
internado pela prática de ato infracional quando menor de dezoito anos. Nem mesmo a
exceção prevista no parágrafo único do artigo 2º, tem o condão de impedir a liberação, não
sendo possível, após essa idade, qualquer medida socioeducativa.
Não é demasiado enaltecer que as consequências do descaso do Estado para com os
adolescentes em conflito com a lei e a própria sociedade podem ser inimagináveis. À falta
de amadurecimento, entendido como retardo no desenvolvimento do córtex pré-frontal, os
adolescentes agem como pessoas mentalmente retardadas. Ou seja, o cérebro dos
adolescentes pode estar funcionando perfeitamente, isto, porém, não os tornam capazes de
tomar boas decisões.
O retardo mental a que se refere ajusta-se ao entendimento de Maximiliano Roberto
Ernesto Füher. Em trabalho denominado Tratado da Inimputabilidade no Direito Penal, este
autor alerta que o conceito de loucura para a medicina não corresponde exatamente ao
conceito de loucura para o direito penal. Na concepção do médico é “louco” o portador de
um sofrimento mental. Para o direito, é o sujeito que não consegue delimitar as fronteiras
40
BRASIL. Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011. Altera a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que
dispõe sobre a organização da Assistência Social.. Diário Oficial da república Federativa do Brasil. Brasília,
DF, de 7.7.2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2011/Lei/L12435.htm>. Acesso em: 21 jan. 2014.
41
A síndrome do infrator. Revista Carta Capital, São Paulo, edição541, de 15 abr. 2009.
42
MARTINS. Camila. Unidade misteriosa esconde jovens infratores. Caros Amigos, São Paulo, edição 148,
p. 36/37, julho 2009. Disponível em: < http://issuu.com/carosamigos/docs/148finalleitor>. Acesso em: 14
jan. 2014.
43
http://www.crpsp.org.br/portal/midia/fiquedeolho_ver.aspx?id=325
44
MARTINS. Camila. Unidade misteriosa esconde jovens infratores. Caros Amigos, São Paulo, edição 148,
p. 36/37, julho 2009. Disponível em: < http://issuu.com/carosamigos/docs/148finalleitor>. Acesso em: 14
jan. 2014.
que a sociedade obriga. Nesse ponto de vista, os médicos supervalorizam a influência das
causas psicopatológicas, enquanto o juiz não aceita a irresponsabilidade penal em todos os
casos nos quais foi apontada a loucura ou retardo mental.45
Conhecidos estes dados biológicos, constatáveis e objetivos, pode-se argumentar ser
a neurociência do desenvolvimento ferramenta apta a contribuir com a formação
psicopedagógica, a ressocialização e a reinserir na sociedade de forma produtiva os
adolescentes em conflito com a lei. A aplicação de técnicas de neurociências no campo do
direito juvenil não busca isentar de responsabilidade os adolescentes. A neurociência do
desenvolvimento é importante para orientar a discussão da responsabilidade e da aplicação
de medidas socioeducativas com uma compreensão mais clara de que os adolescentes em
decorrência da estrutura inacabada de seus cérebros, principalmente dos lobos pré-frontais,
não podem ser responsabilizados por seus atos como se adultos fossem.
45
.FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São Paulo:
Malheiros, 2000.
46
Segundo levantamento da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 90 mil brasileiros
de 12 a 21 anos cumpriram medida socioeducativa em 2012. Dados de 2011 levantados pelo Ministério da
Justiça sobre as causas de internação de jovens infratores mostrou que as principais infrações eram furto e
roubo, com 44%, e tráfico de drogas, com 27%. Os crimes graves eram mínimos, destes 8,4% cumpriam
medida socioeducativa por homicídio, e 1,9% por latrocínio.
47
Tramitamna Comissão de Justiça e Cidadania do Senado Federal as seguintes Propostas de Emenda à
Constituição n.º 20, de 1999, 90, de 2003, 74 e 83, de 2011, 33, de 2012 e 21, de 2013, que pretendem alterar
as redações dos artigos. 14, 129 e 228, da Constituição Federal.
Neste ponto, não se pode ignorar o fato de as sociedades científica e jurídica não
funcionarem com base em leis naturais invariáveis, neutras. A balizar a discussão da
redução da maioridade está o aspecto ideológico. Imaginando-se uma escala ideológica,
num dos extremos juntam-se os seguidores da doutrina Lei e Ordem favoráveis à aplicação
do Direito Penal Máximo, confiados que somente haverá segurança com maior rigor penal.
No outro, arregimentam-se os seguidores do Abolicionismo Penal, confiados que a questão
criminalidade tem mais origem social do que penal.
Em discordância de uns e de outros, o jurista Juarez Tavares, palestrando sobre
maioridade penal no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ), declarou que o
confinamento de adolescentes envolvidos em atos violentos “não irá implicar a diminuição
do número de infrações, irá apenas satisfazer sentimentos de vingança”. Referindo-se ao
ECA, arrematou: “Para menores infratores, sugiro mais assistência, mais educação, mais
recuperação, mais estatuto e menos Código Penal”.48
Quiçá a discordância do jurista apoie-se na doutrina do Direito Penal Mínimo
consentâneo com o ECA a situar-se no meio do espectro, a reconhecer o encarceramento
aplicáveis apenas a situações especialíssimas, ou seja, em casos gravíssimos que
representem risco efetivo às pessoas e a sociedade em geral.
De caráteres essencialmente jurídicos, as posições relatadas sequer tangenciam o
cerne da questão. Se, então, o debate sobre a imputabilidade penal de adolescentes acha-se
eivado de equívocos, alguma coisa deve ser proposta para fazer as MSe funcionarem. E o
que se deve fazer, daqui em diante, para reduzir a atividade infracional e a reincidência é
reconhecer o homem como um organismo evoluído e em evolução como ver o biólogo
evolucionista Ernest Mayr. Para ele o ser humano resulta da evolução natural das espécie e
sendo assim, muitos dos problemas relacionados ao homem somente podem ser entendidos,
sendo ele considerado como um organismo evoluído e em evolução. O conhecimento dos
princípios e mecanismos da evolução é pré-requisito para entender o homem.49
Neste contexto, não é senão a desinformação neurobiológica, a razão de o ECA
continuar sendo constantemente criticado. Obviamente que nenhuma das propostas em
48
Menores infratores merecem mais ECA e menos Código Penal, diz Juarez Tavares. Disponível em: <
http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=112695. Acesso em: 29 dez.
2013.
49
MAYR, E. Populações, Espécies e Evolução. USP: São Paulo, 197
discussão no Congresso Nacional sobre a redução da maioridade penal leva em
consideração o estudo do sistema nervoso. Quiçá seus mentores jamais tenham ouvido falar
em neurociência ou conheçam o repasse do concreto (cérebro) ao mental (psicológico) que
determina o comportamento dos seres humanos. Desconhecerão, com certeza, o que ficou
dito sobre os adolescentes terem retardada a formação do córtex pré-frontal, achando-se
imaturos em faceàs relações sociais, à moralidade e ao direito.
As explicações para o retardo na formação do córtex pré-frontal talvez sejam
50
encontradas na teoria da seleção evolutiva de Darwin. Segundo os biólogos
evolucionistas, o que está por trás dos riscos assumidos pelos adolescentesé o imperativo de
propagação da espécie. Os adolescentes, por um comando natural, devem aventurar-se,
além do conforto da casa dos paisem busca de acasalamento de forma a organizar novos
conjuntos de genes.
A tecnologia disponível de neuroimagens revelam diferentes regiões do cérebro
responsáveis pelo comportamento impulsivo dos adolescentes. Tais experimentos
demonstram que os lobos frontais, as regiões que sintetizam e organizam informações e
consideram as consequências das ações e servem parainibir o comportamento impulsivo,
não estão totalmente desenvolvidos, e nem estarão até depois da adolescência. Em outros
termos, os cérebros dos adolescentes foram projetados pela natureza para encarar riscos e
recompensas imediatas, cedendo ao canto de sereia das tentações mundanas.
A suposta irresponsabilidade do adolescente, então, não passa de comportamento
adquirido através de seleção natural, ou seja, eles se comportam de tal ou qual maneira com
objetivo de aumentar a quantidade de descendentes. Assim, os adolescentes como todos os
seres vivos estão sujeitos a um conjunto de genes que determina características de
comportamento e de funcionamento emocional.
O comportamento impulsivo é bom para a sobrevivência da espécie, mas como a
sociedade moderna, regrada, que impõe ordem e considera os indivíduos responsáveis pelo
51
que fazem lida com o imperativo biológico? E como os adolescentes reagem ao
individualismo, à competição por status, à imitação e ao exibicionismo, valores
50
DARWIN, Charles. A Origem das Espécies, no meio da seleção natural ou a luta pela existência na
natureza, 1 vol., tradução do doutor Mesquita Paul. Versão online disponível em:
<http://ecologia.ib.usp.br/ffa/arquivos/abril/darwin1.pdf>. Acesso em 30 dez. 2013.
51
Disponível em: <http://brainsontrial.com/are-teenagers-responsible/>. Acesso em: 30 dez. 2013.
reproduzidos na sociedade de consumo? Será que o ordenamento jurídico acha-se
adequadamente aparelhado para reagir às recompensas persuasórias para o cérebro
adolescente como o abuso de drogas, associação a gangues, brigas de rua e violência
doméstica?
A “idade do cérebro” deve, sim, ser levada em consideração na apreciação de atos
comportamentais de adolescentes considerados transgressores. E, em parte, a lei já
reconhece este fato, ao considerar desigualmente as pessoas levando-se em conta
amaioridade ou menoridade. Por este prisma, presume a lei que os adolescentes reagem
diferentemente na tomada de decisões: seus cérebros, simplesmente, não correspondem aos
cérebros adultos, mesmo que estrutural e funcionalmente pareçam iguais.
A realidade de diferenças neurológicas, somadas às diferenças biológicas e
psicológicastem expressão no ordenamento jurídico nacional. O Código Penal de 1940
adotou o critério puramente biológico e naturalístico ao estabelecer a inimputabilidade dos
menores: “os menores de dezoito anos são penalmente irresponsáveis” (artigo 23). A
mesmasituação foi mantida na reforma do Código de 1984 que alterou a redação para “os
menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis” (artigo 27), sendo o mesmo critério
recepcionado pelo legislador constituinte de 1988, ao redigir o artigo 228 da CF/88.
Como marco objetivo da responsabilidade penal, entenda-se que somente os
indivíduos maiores de dezoito anos são imputáveis criminalmente. Esse fato, todavia, não
isenta a responsabilidade penal dos adolescentes em conflito com a lei, eis que o ECA
prevê a responsabilização dosadolescentesenvolvidos em atos infracionais (artigo 104).
Considerando-se conditio sine qua non a imputabilidade penal para menores de
dezoito anos, estar-se diante de uma presunção absoluta, juris et de jure, o que remete a
uma ficção jurídica, uma construção abstrata e apriorística da lei, como se percebe na linha
de pensamento de Guilherme de Souza Nucci, para quem o legislador criou uma: “(...)
presunção absoluta de que o menor de dezoito anos, em face do desenvolvimento mental
incompleto, não tem condições de compreender o caráter ilícito do que faz ou capacidade
de determinar-se de acordo com esse entendimento.” 52
52
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2ª ed. revista, atualizada e
ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
Julga-se parcial o reconhecimento legal porque o legislador ao considerar “se o
agente era ou era ou não capaz de entender o caráter ilícito do fato e de “determinar-se de
acordo com tal entendimento”, os dois requisitos biopsicológicos adotados pela lei penal,
apoiou-se em critérios de política criminal, de postura do Estado em estabelecer e fixar
responsabilidades criminais, apenas, e não na realidade neuronal do adolescente.
É o que se depreende pelo disposto na Exposição de Motivos da Reforma de 1984,
que emprestou ao Código Penal uma nova Parte Geral. Naquele documento, ao explicar a
opção legislativa a Comissão afirmou o seguinte: “Manteve o Projeto a inimputabilidade
penal do menor de 18 anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de política criminal.”53
Política criminal como bem conceitua Fernando Rocha, “estabelece o encargo, os
conteúdos e o alcance dos institutos jurídico-penais, bem como a aplicação prática do
direito penal”.54 O estudo do encéfalo por certo não se inclui dentre as opções da política
criminal que entre outras se destacam decidir sobre a tipificação ou não de determinadas
condutas, quem deve ser responsabilizado e como.
É a neurociência do desenvolvimento, dentre as disciplinas propedêuticas que hoje
reúne as melhores condições de dar uma resposta coerente ao porquê da impulsividade,
característica marcante no comportamento dos adolescentes. E, também, subsidiar com
parâmetros científicos os requisitos legais que orientem o processo legislativo, regulando a
responsabilidade e a imputabilidade penal de adolescentes em conflito com a lei.
Enfim, para se ter uma lei racional e completa, o legislador deve relacionar a
estrutura do cérebro à maturidade mental e determinar a responsabilidade e a
imputabilidade de acordo com o entendimento de que o córtex pré-frontal, responsável por
toda cognição: tomada de decisão, capacidade de avaliar riscos, planejamento de estratégias
é a última do cérebro a se completar.
A neurociência do desenvolvimento vem afiançar que o comportamento do
adolescente não pode ser isolado de sua biologia. É graças à imaturidade do cérebro que os
adolescentes tendem a fazer escolhas baseados mais na intensidade das emoções do que em
53
BRASILIA. Lei nº 7.209 de 11/07/1984,Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de
1940 - Código Penal , e dá outras providências. Publicado no DO em 13 jul. 1984.
54
PARECER DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA, sobre as Propostas de
Emenda à Constituição nº 20, de 1999, 90, de 2003, 74 e 83, de 2011, 33, de 2012 e 21, de 2013, que alteram
as redações dos artigos. 14, 129 e 228, da Constituição Federal. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getTexto.asp?t=138539>. Acesso em: 09 jan. 2014.
análises racionais e tal fator deve ser considerado tanto na apreciação do caso concreto,
quanto na sentença da MSe de internação e no tratamento, visando a reinserção e
ressocialização do adolescente.
55
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Florianópolis:
Secretaria de Estado d Justiça e cidadania – Diretoria de Proteção à Criança e ao adolescente, 2001. Artigo 2°
do ECA.
o agente infrator responde de forma mais eficiente à intervenção psicopedagógica,
justamente por estar em processo de desenvolvimento.
Tais medidas estão agrupadas no ECA em dois grupamentos distintos: o grupo das
medidas socioeducativas em meio aberto, não privativas de liberdade, como advertência,
reparação de danos, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida e o grupo das
medidas socioeducativas privativas de liberdade, semiliberdade e internação. De todas, o
trabalho se deterá exclusivamente na internação, medidas privativas de liberdade, norteada
pelos princípios de brevidade e excepcionalidade consagrados no art. 121 do ECA. O
legislador apoiou a restrição nestes princípios ao reconhecer que, em regra, prisão nenhuma
corrige, educa, melhora as expectativas dos indivíduos. Devem ser aplicadas especialmente
para os casos de ato infracional praticado com violência à pessoa ou grave reiteração de
atos infracionais graves.
Ao tratar das verdadeiras finalidades das entidades encarregadas da internação de
adolescentes, o doutrinador Afonso Garrido de Paula pontua que
56
PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Menores, Direito e Justiça. Revista dos Tribunais, 1989, p. 94.
57
BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça, 6.ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, HC 8858/SP.
Entrementes, embora doutrinadores e legisladores pretendam oferecer tratamento
especial garantidor da proteção integral aos adolescentes, verifica-se a ocorrência da
aplicação das medidas de forma descompassada com as determinações da CF/88 e com as
exigências do ECA, dispositivos que preveem a “finalidade educativa e curativa” com
tratamento a nível terapêutico capaz de reverter o potencial criminógeno do qual o
adolescente seja portador.
Os diferentes apanhados na literatura e nos notícias policiais demonstram que,
apesar da previsão legal, o Estado,além de não ter estrutura adequada, sequer tem interesse em
criar condições favoráveis ao fiel cumprimento das medidas socioeducativas, no sentido de atingir o
binômio previsto.
Desta forma, sendo as medidas socioeducativas ineficazes pela incapacidade material de
reeducar eressocializar, surge a necessidade urgente de se pensar em métodos alternativos que dê
aos adolescentes em conflito com a lei nova oportunidade de ressocialização e inserção na
sociedade de forma produtiva.
58
SANTOS, Flávio Roberto de Carvalho. Op. Cit.
59
De acordo com C. B. Miranda Mello, “A Plasticidade cerebral pode ser definida como uma mudança
adaptativa na estrutura e função do sistema nervoso, que ocorre em qualquer fase da ontogenia, como função
de interações com o meio ambiente interno e externo, ou ainda como resultante de lesões que afetam o
ambiente neural.Ou seja, à medida que se expressa o curso do desenvolvimento infantil, também ocorrerão
diferentes expressões do potencial de modificabilidade do cérebro, assim falamos que a plasticidade se insere
em uma perspectiva maturacional, como o próprio desenvolvimento. Ver em: MELLO, C.B.MIRANDA,
M.C.MUSZKAT, M. Neuropsicologia do Desenvolvimento: Conceitos e Abordagens. 1º. Ed - São Paulo:
Memnon, 2005 cap.02 p.26-27.
A necessidade do conhecimento do cérebro em geral e desta região tão importante
na aplicação das MSe reside na constatação de diversos transtornos neurológico entre
adolescentes em conflito com a lei. Em que pese não haver levantamento nacional quanto à
saúde mental dos internos, pesquisa realizada no Rio de Janeiro, que envolveu trinta
adolescentes e jovens do sexo feminino, de doze a vinte e um anos, em cumprimento de
MSe de internação, constatou a prevalência de transtorno de déficit de atenção com
hiperatividade (33%), transtorno da conduta (77%), transtorno desafiador opositivo (50%),
transtornos de ansiedade (70%), transtorno depressivo (50%), abuso de drogas ilícitas
(70%) e abuso de álcool (52%).60 Cabe reconhecer que os adolescentes com transtorno
mental grave situam-se num extremo da escala de saúde mental. No outro, estão os
adolescentes considerados saudáveis. Ocorre que entre as duas pontas, há um universo de
adolescentes e jovens com transtornos psiquiátricos de natureza e graus os mais diversos.61
O sistema de custódia falha em identificar os adolescentes com neurodeficiências e,
mais ainda, em auxiliá-los antes e depois da internação. Tal deficiência atribui-se à falta de
conhecimento e treinamento dos técnicos e socioeducadores; ferramentas e recursos
aplicáveis em programas que dê a importância devida ao córtex pré-frontal, órgão
diretamente envolvido na avaliação das consequênciassobre as decisões a longo prazo e que
não está totalmente desenvolvida na maioria das pessoas até depois dos vinte anos.
Enfim, a base de um programa alternativo de MSe de internação deve ter por meta a
reabilitação dos adolescentes e ser feita na promoção da maturidade do adolescente de
forma a maximizar a sociabilidade e minimizar a agressividade e os impulsos violentos.
O objetivo de um modelo alternativo não deve ser retributivo, mas essencialmente
reabilitador, como prevê a CF/88 e o ECA, tendo por objetivo a formação de adultos como
membros funcionais da sociedade.
Assim, ao se levar em consideração os aspectos neurológicos destacados pela
neurociência e psicobiologia é provável que se faça necessário uma nova visão sobre a MSe
de internação, como observa Flávio Roberto de Carvalho Santos:
60
Conselho Nacional do Ministério Público.Relatório da Infância e Juventude – Resolução nº 67/2011: Um
olhar mais atento às unidades de internação e semiliberdade para adolescentes. Brasília: Conselho Nacional
do Ministério Público, 2013.
61
Conselho Nacional do Ministério Público. Relatório da Infância e Juventude – Resolução nº 67/2011
(...) talvez o processo que lide com os adolescentes em conflito com alei seja não
mais o socioeducativo, mas neupsicosocioeducativo, onde serão valorizadas e
trabalhadas questões neurais no sentido de neuroplasticidade; questões afetivas no
sentido psicológicos, questões sociais no sentido das relações humanas e questões
educacionais o sentido da aprendizagem que prepara para a vida e com visão de
desenvolvimento. É provável que uma nova visão sobre a medida socioeducativa
tenha que ser revista valorizando o que as ciênciastem disponibilizado para o home,
por isso a neuropsicosocioeducativa.
64
Disponível em: http://www.law.ku.edu/sites/law.drupal.ku.edu/files/docs/law_review/v56/04-
Greely_Final.pdf
65
Disponível em: http://www.law.ku.edu/sites/law.drupal.ku.edu/files/docs/law_review/v56/04-
Greely_Final.pdf
66
Disponível em: http://www.isaude.net/pt-BR/noticia/10285/ciencia-e-tecnologia/usp-testa-tecnica-de-
estimulacao-cerebral-em-dependentes-quimicos. Acesso em: 30 dez. 2013
7 UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS