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FPA - Colação de Grau – Filosofia

Capanema, 22 de junho de 2013

Magnífico Reitor _________________________________

Queridos professores ___________________________________

E não podia esquecer de nossa querida Secretária Lea, do grande Cláudio


que nos acolhia a cada sábado e às meninas do café e a todos que
contribuíram para que esse momento fosse realidade

Saúdo também aos Familiares, filhos, esposas, esposos, namorados,


namoradas, amigos, amigas aqui presentes.

Queridos colegas Acadêmicos, companheiros, companheiras de


caminhada dos sábados, das alegrias, das impaciências, das buscas, das
esperanças.

Lembro-me como fosse hoje, ao iniciar Filosofia – no século passado! –


e ao ir ao banheiro, encontrei escrito na porta: Filosofia é a ciência com a
qual ou sem a qual o mundo continua igual!

Era uma provocação dos acadêmicos de pedagogia que estudavam na


mesma Faculdade.

Ou outra que dizia que a filosofia é um caminho de muitas estradas que


levam do nada a lugar nenhum.

Mas, piorou ainda mais quando descobri que Filosofia nem ciência é!

Filosofia pra quê? Pra nada, sim pra nada, pois ela não serve nem para
levantar uma pedra, pois para isso usamos a física. Nem para saber quanto
sal devemos colocar no arroz, pois para isso temos a culinária ou o velho e
bom senso comum.
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Se quisermos ficar ricos, o exemplo dos filósofos não nos ajuda, a


maioria morreu pobre, marginalizado, incompreendido e alguns até
enlouqueceram. Ou, como diria Fernando Pessoa, pela lucidez intelectual
chegaram à loucura.

Chegam a dizer que na história humana não há registro de um filósofo


feliz.

E para Schopenhauer, a morte é a grande musa da filosofia.

Já Platão faz memória de Tales de Mileto que refletia sobre o


significado dos astros para a existência e, olhando para o céu estrelado, caiu
num buraco. Uma doméstica dele riu e disse: aquele ali se preocupa tanto
com o que se passa no céu, enquanto não tem olhos para ver o que tem
diante do nariz e debaixo dos pés. E Platão conclui: à mesma gozação está
sujeito todo aquele que se dedica à filosofia!

E Bacon acrescentará sem piedade nenhuma: se examinares bem, a


filosofia não tem utilidade nenhuma!

Será que tomamos o barco errado?

Acho que não estou ajudando muito nessa cerimônia de colação de


grau em Filosofia. E se aqui terminasse minha fala, creio que seria consenso
na turma que escolheram a pessoa errada para representá-los.

E agora? Como continuar?

Talvez com uma pergunta, sim, porque à filosofia não cabem


respostas, apenas perguntas. Nosso signo principal é o ponto de
interrogação e não o ponto final; talvez possamos usar o ponto de
exclamação, pois diz-se que o espanto, a admiração é a origem da filosofia.

E nosso símbolo é a coruja de Minerva, que levanta vôo apenas ao


anoitecer e vê no escuro o que está escondido; não é adepta de uma visão
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unidirecional, pois seu pescoço gira em todas as direções; e como ave de


rapina sempre apanha de surpresa os distraídos

Se não podemos fazer nada com a filosofia, será que a filosofia pode
fazer algo conosco? Pois tudo o que é inútil carrega em si um força que
chega a ser incontrolável!

Apesar da ciência, hoje em crise, relegar a filosofia à condição


marginal, podemos dizer com tranquilidade que o ser humano pode muito
bem viver sem a ciência – do jeito que foi concebida em nossa modernidade
- pois esta é uma contingência histórica, e um tanto arrogante, pois
apresenta-se como a única forma possível de racionalidade.

Mas o mesmo não podemos dizer da filosofia, que não tem início,
apesar do etnocentrismo europeu continuar a impor a visão de que a filosofia
tem data e hora e lugar de nascimento.

Não tem início, pois o ser humano carrega em si uma pergunta


insaciável sobre o sentido de sua existência, ou sua essência, ou do
fenômeno existencial constitutivo do homem enquanto homem. Ele tem uma
sede insaciável de conhecer, e nada é definitivo, satisfatório, completo; ele
tem sede, amor, amizade pelo conhecimento, ele é filosofia.

Quem se contenta, se satisfaz e se instala nada mais faz do que conter


o fogo de Prometeu. Torna-se seguro, mas não livre. A filosofia é essa eterna
inquietude que por sua razão de ser não é segura de si mesma, sempre vive
numa dúvida angustiante de não ter chegado, vive num abismo que não tem
fundamento para os pés e nem onde se segurar com as mãos.

Como Nietzsche dizia “a filosofia vive nas geleiras das altas


montanhas, tem por única companhia o monte vizinho, onde mora o poeta”.
Ao descer do monte ela descobre no fundo de cada ciência a si mesma,
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enquanto a ciência vendo tudo não vê a si mesma, pois é cega para seus
próprios fundamentos.

Por isso, como Tales de Mileto, o filósofo com facilidade cai nos
buracos visíveis e limitados, finitos, pois seu olhar visa o ausente, o não dito,
o infinito, a essência.

A história da filosofia registra uma gama variada de concepções:


estoicismo, epicurismo, idealismo, existencialismo... e os ismos poderiam
continuar... mas essa não é a filosofia. Para Carneiro Leão, é verdade que a
filosofia não é ciência, mas a ausência de filosofia compõe uma ciência da
pior espécie, catalogada como doutrinas filosóficas. Pois filosofia não é
apenas o que foi dito e escrito, mas o que quiserem dizer e que pensaram.
Por isso não é raro ouvir dos filósofos: eles não souberam ler o que escrevi,
não entenderam. E sem essas percepção alia-se filósofos a absolutos
sociais. E como Kant dirá: não percebem a intenção dos filósofos por
desprezarem a chave da interpretação filosófica e assim não conseguem ver
o que quiseram dizer. Pois filosofia não é posse, mas processo contínuo,
movimento que recusa o estático, o sedentário, é a eterno nômade, que
prefere o deserto ao oásis.

A filosofia está nos ventrículos da existência, dirá ainda Carneiro Leão.


Não é um saber por saber, para apossar-se, mas um saber que tende à
suprema projeção da existência, ao homem além do homem, segundo
Nietzsche.

Desde que Prometeu roubou o fogo, Eva e Adão comeram do fruto da


árvore do conhecimento e o índio carajá Kboí foi para além das margens do
grande rio, terminou a paz na escuridão animal e nasceu o homem, humano,
ente existente consciente de seu ser-aí e de suas possibilidades do além-do-
aí, um ser de perguntas sem respostas definitivas.
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Com diz Jankelevich, “filosofar é comportar-se perante o universo como


se nada fosse evidente”.

Mas nossa paz e segurança animal estão sempre presentes e aspiram,


como se possível fosse, á vida despreocupada, sem dúvidas, sem suspeitas
e, logo, sem esperanças! A isso chamamos de irreflexão.

Mas nosso esquecimento do Ser nunca é absoluto, ora ou outra,


silencioso ou surpreendente, ele emerge. E como dirá Sartre, do meio dos
prazeres surge a náusea. Essa é a tarefa da filosofia: não substituir a ciência,
mas ser sua catarse, sua crise.

Por isso a filosofia será sempre uma reflexão finita do mais finito dos
entes, pois este é o único que tem consciência de sua finitude. Está sempre
querendo parir o Ser, que não se dá por completo e nem dele podemos
apossar-nos, apenas aproximar-nos para de novo distanciar-nos.

Somos licenciados em filosofia, mas não ainda filósofos, pois é nossa


missão refletir nosso presente tendo os olhos no ausente e não apenas
repetir o que outros disseram (o que nós enquanto professores geralmente
fazemos!)

Eis o desafio do que a filosofia pode fazer conosco. Não tenhamos


ilusões, a filosofia não movimenta massas, mas se dá na solidão. É opção,
temos poucos companheiros de viagem, pois o Ser desaparece no seu
aparecer, e obriga-nos continuamente a prosseguir, a ter a angústia como
companheira de caminhada. Não podemos do Ser desvencilhar-nos, pois o
Ser é nosso ser; podemos abafá-lo, acomodá-lo, enganá-lo com os limites...
Mas não podemos impedi-lo que ora ou outra venha à tona.

Pois como diz Nietzsche: O homem é uma corda estendida entre o


animal e o super-homem: uma corda sobre um abismo; perigosa travessia,
perigoso caminhar; perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar. O que
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é de grande valor no homem é ele ser uma ponte e não um fim; o que se
pode amar no ser humano é ele ser uma passagem e um acabamento.

Desejo que sejamos, apesar das angústias, filósofos que contribuam


enormemente na reflexão sobre a vida; que consigam estabelecer perguntas
onde as respostas abafaram o não dito e o não conhecido; que apontem
para a força do ausente e que consigam ajudar na ampliação do humano...
Pois somos mais que o presente.

E como o filósofo habita as geleiras e tem por vizinho o poeta, quero


concluir com uma pequena poesia de Cora Coralina, que tem por título
“Aninha e suas pedras”

Não te deixes destruir...


Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas,
recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta
roseiras e faz doces.
Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.

Sejamos felizes!

Obrigado!

José Antonio Mangoni

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