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07/03/2016 Prefácio do Tratado Teológico­Político de Espinosa

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Prefácio do Tratado Teológico­Político de
Espinosa
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30 Autor:Baruch Spinoza
maio
2005
Prefácio do Tratado Teológico­Político

Baruch de Espinosa 
Tradução: Diogo Pires Aurélio 
PREFÁCIO

    Se os homens pudessem, em todas as circunstâncias, decidir pelo seguro, ou se a fortuna se lhes
mostrasse sempre favorável, jamais seriam vitímas da superstição. Mas, como se encontram
freqüentemente perante tais dificuldades que não sabem que decisão hão de tomar, e como os incertos
benefícios da fortuna que desenfreadamente cobiçam os fazem oscilar, a maioria das vezes, entre a
esperança e o medo, estão sempre prontos a acreditar seja o que for:, se tem dúvidas, deixam­se levar 
com a maior das facilidades para aqui ou para ali; se hesitam, sobressaltados pela esperança e pelo
medo em simultâneo, ainda é pior; porém, se estão confiantes, ficam logo inchados de orgulho e
presunção. Julgo que toda a gente sabe que é assim, não obstante eu estar convicto de que a maioria
dos homens se ignoram a si próprios. Não há, com efeito, ninguém que tenha vivido entre os homens
que não se tenha dado conta de que a maior parte deles, se estão em maré de prosperidade, por mais
ignorantes que sejam, ostentam uma tal sabedoria que até se sentem ofendidos se alguém lhes quer dar
um conselho. Todavia, se estão na adversidade, já não sabem para onde se virar, suplicam o conselho
de quem quer que seja e não há nada que se lhes diga, por mais frívolo, absurdo ou inútil, que eles não
sigam. Depois, sempre por motivos insignificantes, voltam de novo a esperar melhores dias ou a temer
desgraças ainda piores. Se acontece, quando estão com medo, qualquer coisa que lhes faz lembrar um
bem ou um mal por que já passaram, julgam que é o prenúncio da felicidade ou da infelicidade e
chamam­lhe, por isso, um presságio favorável ou funesto, apesar de já terem se enganado centenas de
vezes. Se vêem, pasmados, algo de insólito, crêem que se trata de um prodígio que lhes revela a cólera
dos deuses ou do Númem sagrado, pelo que não aplacar com sacríficios e promessas tais prodígios
constitui um crime aos olhos desses homens submergidos na superstição e adversários da religião, que
inventam mil e uma coisas e interpretam a natureza da maneira mais extravagante, como se toda ela
delirasse ao mesmo tempo que eles. Tanto assim é, que quem nós vemos ser escravo de todas as
superstições são sobretudo os que desejam sem moderação os bens incertos. Todos eles,
designadamente quando correm perigo e não conseguem por si próprios salvar­se, imploram o auxílio
divino com promessas e lágrimas de mulher, dizem que a razão é cega porque não pode indicar­lhes
um caminho seguro em direção às coisas vãs que desejam, ou que é inútil a sabedoria humana; em
contrapartida, os devaneios da imaginação, os sonhos e as extravagâncias infantis, parecem­lhes
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respostas divinas. Até julgam que Deus sente aversão pelos sábios e que os seus decretos não estão
inscritos na mente, mas sim nas entranhas dos animais, ou que são os loucos, os insensatos, as aves,
quem por instinto ou sopro divino os revela. 
 
    A que ponto o medo ensandece os homens! O medo é a causa que origina, conserva e alimenta a
superstição. Se, depois do que já dissemos, alguém quiser ainda exemplos, veja­se Alexandre, que só
se tornou supersticioso e recorreu aos adivinhos, quando, às portas de Susa, começou pela primeira
vez a temer por sua sorte (vide Q. Cúrcio, Livro V, §7); assim que venceu Dario, desistiu logo de
consultar os adivinhos e arúspices. Até ao momento em que, uma vez mais aterrado pela adversidade,
abandonado pelos Bactrianos, atacado pelos Citas e imobilizado devido a uma ferida, recaiu (como
diz o mesmo Q. Cúrcio, Livro VII, §7) na superstição, esse logro das mentes humanas, e mandou
Aristandro, em quem depositava uma desconfiança cega, explorar por meios de sacríficios a evolução
futura dos acontecimentos. Poderíamos acrescentar muitos outros exemplos que provam com toda a
clareza o mesmo: os homens só se deixam dominar pela superstição enquanto têm medo: todas essas
coisas que já alguma vez foram objetos de um fútil culto religioso não são mais do que fantasmas e
delírios de um caráter amedrontado e triste; finalmente, é quando os Estados se encontram em maiores
dificuldades que os adivinhos detém maior poder sobre a plebe e são mais temidos pelos seus reis.
Mas como tudo isto, ao que presumo, é suficientemente conhecido de todos, não insistirei mais no
assunto. 
    Se esta é a causa da superstição, há que concluir, primeiro, que todos os homens lhe estão
naturalmente sujeitos (digam o que disserem os que julgam que ela deriva do fato de os mortais terem
todos uma qualquer idéia, mais ou menos confusa, da divindade); em segundo lugar, que ela deve ser
extremanete variável e inconstante. como todas as ilusões da mente e os acessos de furor; e, por
último, que só a esperança, o ódio, a cólera e a fraude podem fazer com que subsista, pois não provém
da razão, mas unicamente da paixão, e da paixão mais eficiente. Daí que seja tão fácil os homens
acabarem vítimas de superstição de toda espécie quanto é difícil conseguir que eles persistam numa só
e na mesma superstição. Precisamente porque o vulgo persiste na sua miséria é que nunca está por
muito tempo tranqüilo e só lhe agrada o que é novidade e o que ainda não lhe enganou, inconstância
essa que tem sido a causa de inumeráveis tumultos e guerras atrozes. Na verdade (como se prova pelo
que já dissemos e como Cúrcio muito bem observou, no livro IV, cap. X), não há nada mais eficaz
que a superstição para governar as multidões. Por isso é que estas são facilmente levadas, sob a capa
da religião. ora a adorar os reis como se fossem deuses, ora a execrá­los e a detestá­los como se
fossem uma peste para todo gênero humano. Foi, de resto para prevenir este perigo que houve sempre
o cuidado de rodear a religião, fosse ela verdadeira ou falsa, de culto e aparato, de modo a que se
revestisse da maior gravidade e fosse escrupulosamente observada por todos. Entre os turcos, isto foi
tão bem sucedido que até o simples discutir eles consideram crime, deixando a inteligência de cada
um ocupada com tantos preconceitos que não há mais lugar na mente para a reta razão, nem sequer
para se duvidar. 
 
    Se, efetivamente, o grande segredo do regime monárquico e aquilo que acima de tudo lhes interessa
é manter os homens enganados e disfarçar, sob o especioso nome de religião, o medo em que devem
ser contidos para que combatam pela servidão como se fosse pela salvação e acreditem que não é
vergonhoso, mas sumamente honroso, derramar o sangue e a vida pela vaidade de um só homem, em
contrapartida, numa  República livre, seria impossívem conceber ou tentar algo de mais deplorável, já
que repugna em absoluto à liberdade comum sufocar com preconceitos ou coartar de algum modo o
livre discernimento de cada um. E no que diz respeito aos conflitos desencadeados a  pretexto da
religião, é evidente que eles surgem unicamente porque se estabelecem leis que concernem matéria de
especulação e porque as opiniões são consideradas crime e, como tal, condenadas. Os seus defensores
e prosélitos são, por isso, imolados, não ao bem público, mas apenas ao ódio  e à crueldade dos
adversários. Porque se o direito estatal fosse de modo a que os fatos fossem incrimináveis, mas as
palavras fossem impunes, semelhantes conflitos não poderiam jamais invocar qualquer espécie de
direito, nem as controvérsias se converteriam em sedições. E já que nos coube em sorte esta rara
felicidade de viver numa República, onde se concede a cada um inteira liberdade de pensar e de
honrar a Deus como lhe aprouver e onde não há nada mais estimado nem mais agradável do que a
liberdade, pareceu­me que não seria tarefa ingrata ou inútil mostrar que esta liberdade não só é
comnpatível com a liberdade e paz social, como inclusivamente, não pode ser abolida, sem se abolir,
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ao mesmo tempo, a paz social e a piedade. Foi sobretudo isto o que decidi demosntrar nesse tratado.
Para tanto, foi necessário, antes de mais, apontar os maiores preconceitos em matéria religiosa, isto é,
os vestígios da antiga servidão, bem como se referem aqueles que se referem ao direito das
autoridades soberanas, direito que muitos se esforçam, com descarado atrevimento, por lhes usurpar
em boa parte, tentando, a pretexto da religião, pôr contra elas o ânimo das multidões, submetido ainda
à superstição dos gentios, para que todos caiam de novo na servidão. Direi a seguir, em breves
palavras, qual a ordem pela qual são apresentados os assuntos; mas antes, vou expor as razões que me
levram a escrever. 
 
      Inúmeras vezes fiquei espantado por ver homens que se orgulham por professar a religião cristã,
ou seja o amor a alegria, a paz, a continência e a lealdade para com todos, combaterem­se com tal
ferocidade e manifestarem cotidianamente uns para com os outros um ódio tão exarcebado que se
torna mais fácil reconhcer a sua fé por estes do que por aqueles sentimentos. De fato, há muito que as
coisas chegaram a um ponto tal que é quase impossível saber se alguém é cristão, turco, judeo ou
pagão, a não ser pelo seu vestuário, pelo culto que pratica, por freqüentar esta ou aquela igreja, ou
finalmente porque perfilha esta ou aquela opinião e costuma jurar pelas palavras deste ou daquele
mestre. Quanto ao resto, todos levam a mesma vida. Procurando então a causa deste mal, conclui que
ele se deve, sem sombra de dúvidas, a consideram.se os cargos da Igreja como títulos de nobreza, os
seus ofícios como benefícios, e consistir a religião, para o vulgo, em cumular de honras os pastores.
Com efeito, assim que começou na Igreja este abuso, logo se apoderou dos piores homens um enorme
desjo de exercerem os sagrados ofícios, logo o amor de propagar a divina religião se transformou em
sórdida avareza e ambição; de tal maneira que o próprio temple degenerou em teatro onde não mais se
veneravam doutores da Igreja mas oradores que, em vez de quererem instruir o povo, queriam era
fazer­se admirar e censurar publicamente os dissidentes, não ensinando senão coisas novas e insólitas
para deixarem o vulgo maravilhado. Daí o surgirem grandes contendas, invejas e ódio, que nem o
correr do tempo foi capaz de apagar. 
 
    Não admira, pois, que da antiga religião não ficasse nada a não ser o culto externo (com que o
vulgo mais parece adular a Deus do que adorá­lo) e a fé esteja reduzida a crendices e preconceitos.  E
que preconceitos estes, que de racionais transformaram os homens em irracionais, que lhes tolhem por
completo o livre exercício da razão e a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso, parecendo
expressamente inventados para apagar em definitvo a luz do entendimento! A piedade, ó Deus
imortal, e a religião consistem em mistérios absurdos e são os que condenam em absoluto a razão, os
que tem aversão e rejeitam o entendimento como coisa corrompida por natureza, são esses, suprema
iniquidade, que passam por possuir a luz divina. Certamente que, se eles tivessem uma centelha que
fosse da luz divina, não andariam tão cheios de soberba idiota e aprenderiam a honrar a Deus e
distinguir­se­iam uns dos outros pelo amor, da mesma forma que se distinguem agora pelo ódio. Nem
perseguiriam com tanta animosidade os que não partilham da suas opiniões; pelo contrário, sentiriam
piedades deles ( se é, de fato a salvação alheia e não a própria fortuna que os preocupa). Além disso,
se realmente tivessem alguma luz divina, ela ver­se­ia pela sua doutrina. Confesso, porém, que apesar
da sua insuperável admiração pelos profundissímos mistérios da escritura, nunca os vi ensinar senão
as especulações dos aristotélicos ou dos platônicos, a que adaptaram aquela, ainda assim não
parecessem pagãos. Não lhes bastasse já delirarem com os gregos, quiseram também que os profetas
delirassem com eles, o que mostra claramente que nem por sonho reconhecem a divindade da
Escritura e que quanto mais se inclinam perabte os seus mistérios, melhor demonstram que o que
sentem por ela não é tanto fé como submissão. Isto, aliás, resulta claro do fato de a maior parte deles
supor como fundamento (para compreender e encontrar o verdadeiro sentido da Escritura) que ela é
sempre verdadeira e divina, coisa que afinal, só deveria contar após a sua compreensão e exame
rigoroso: aquilo que através dela, sem necessidade, sem necessidade de qualquer artifício humano,
aprenderíamos muito melhor, é o que eles põe limiarmente como regra de sua interpretação. 
 
    Refletindo sobre tudo isto ­a saber, que a luz natural é, não só desprezada, mas até condenadas por
muitos como fonte de impiedade; que as invenções humanas passam por documentos divinos e a
crendice por fé; que as controvérsias dos filosófos desencadeiam na Igreja e no Estado as mais vivas
paixões, originando os ódios e discórias mais violentos, que facilmente arrastam os homens para
sublerações e tantas outras coisas que seria longo descrever aqui­ fiquei seriamente decidido a
empreender um novo e inteiramente livre exame da Escritura, recusando­me a afirmar ou admitir
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como sua doutrina tudo o que dela não ressalte com toda a clareza. Com esta precaução, elaborei um
método para interpretar os Livros Sagrados e, uma vez na posse dele, comecei por perguntar, antes de
mais, o que é a Profecia, como se revelou Deus aos profetas, porque foram estes escolhidos por ele,
isto é, se foi por terem pensamentos sublimes acerca da natureza  e de Deus ou em virtude apenas da
sua piedade. Resolvidas estas questões, facilment pude concluir que a autoridade dos profetas só tem
algum peso no que diz respeito à vida prática e à verdadeira virtude. Quanto ao resto, pouco nos
interessam suas opiniões. 
 
    Foi a partir daí que tentei averiguar por que motivo se designaram os hebreus por eleitos de Deus. E
como visse que isto signifique apenas que Deus escolheu para eles uma certa região do mundo onde
pudessem viver em segurança e comodidade, conclui que as leis reveladas por Deus a Moisés não
eram senão o direito particular do Estado hebraico e, por conseguinte, ninguém, a não ser os judeus,
lhe estava sujeito. E mesmo estes, só enquanto durasse o referido Estado. Depois, para saber se podia
concluir da Escritura que o entendimento humano está por naturza corrompido, fui investigar a
religião católica, ou seja, a lei divina revelada a todo gênero humano pelos profetas e pelos apóstolos,
seria diferente daquela que a luz natural também ensina: e em seguida, se os milagres acontecem ao
arrepio da ordem natural e provam a existência e a providência de Deus de maneira mais certa e mais
clara do que as coisas que entendemos clara e distintamente pelas suas causas primeiras. Mas como
não encontrasse, naquilo que a Escritura expressamente ensina nada que não tivesse de acordo com o
entendimento ou lhe repugnasse, e como, por outro lado, visse que os profetas só ensinavam coisas
extremamente simples e acessíveis a todos, além de recorrerem ao estilo e à argumentação que melhor
pudessem incitar os ânimos da multidão à devoção para com Deus, fiquei completamente persuadido
de que a Escritura deixa a razão em absoluta liberdade e não tem nada em comum com Filosofia,
assentando, pelo contrário, cada uma delas nas suas próprias bases. E para que isto ficasse
apodicticamente demonstrado, mostro qual o método a seguir na interpretação da Escritura e bem
assim que todo o conhecimento sobre a esta ou sobre as coisas espirituais, se deve extrair nela mesma
e não daquilo que conhecemos por luz natural. 
 
    Passo em seguida a analisar os preconceitos que surgem pelo fato de o vulgo (sujeito à superstição
e preferindo reliquías do passado à própria eternidade) adorar os livros da Escritura em vez do próprio
Verbo de Deus. Depois, mostro que o Verbo de Deus revelado não consiste em determinado número
de livros, mas sim num conceito simples da mente divina revelada aos profetas, a saber, obedecer
inteiramente a Deus, praticando a justiça e a caridade. E provo  que esta doutrina é ensinada na
Escritura de maneira adequada ao poder da comprensão e às opiniões daqueles a quem os profetas e
os apóstolos costumavam pregar a palavra de Deus, de modo a que os homens a pudessem aceitar
integralmente e sem qualquer repugnância. 
 
    Uma vez assim apresentados os fundamentos da fé, concluo, finalmente, que o conhecimento
revelado não tem outra finalidade senão a obediência e que, tanto pela finalidade como pelos
fundamentos e pelo método, ele é completamente diferente do conhecimento natural, não tendo nada
em comum com este, pois cada ocupa a sua área sem que o outro se insurja e sem que nenhum tenha
de considerar subordinado. Como, além, disso, os homens são por temperamento bastante diferentes, e
como uns preferem esta, outros aquela opinião, inspirando a uns sentimentos religiosos o que a outros
só provoca escárnio, concluo ser necessário deixar a cada um a liberdade de julgar e a possibilidade de
interpretar os fundamentos da fé segundo a sua maneira de ser, e não se ajuizar de ninguém, a não ser
pelas suas ações, conforme piedosas ou impías. Só assim poderão todos obedecer a Deus de livre e
inteira vontade e dar valor apenas à justiça e a caridade. 
 
    Após evidenciar a liberdade que a lei divina revelada concede a cada um, passo a outro aspecto da
questão, o qual consiste em mostrar que essa mesma liberdade pode e deve ser concedida, sem que
isso lese a paz social e o direito das autoridades soberanas, e que, pelo contrário, não pode ser
suprimida sem graves riscos para a paz e em detrimento de todo o estado. para demonstrar esse ponto,
começo, porém, pelo direito natural do indivíduo, que vai até onde for o seu desejo e o seu poder, sem
que alguuém esteja, com base em tal direito, obrigado a viver a mando  de outrem e sendo, em vez
disso, cada um o responsável pela sua própria liberdade. A seguir, mostro que, em realidade, ninguém
renuncia a  esse direito, a não ser que transfira para outrem o poder de se defender, e que, nesse caso,
aquele para quem todos transferiram o direito de viver à sua vontade e, ao mesmo tempo, o poder de
se defenderem possui necessariamente um direito natural absoluto. Demonstro então que os que detém
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07/03/2016 Prefácio do Tratado Teológico­Político de Espinosa

o poder supremo a tudo o que estiver em seu poder e são os únicos responsáveis pelo direito e pela
liberdade, ao passo que os outros devem fazer tudo de acordo apenas com o que eles determinam.
Todavia, como ninguém pode privar­se a um ponto tal do seu poder de se defender que deixasse de
ser um  homem, resulta daí que ninguém pode ser absolutamente privado do seu direito natural e que
os súditos mantém, quase como um direito da natureza, alguns privilégios que lhes não pode ser
recusado sem grave perigo para o Estado e que, ou lhes são tacitamente concedidos, ou eles estipulam
expressamente com aqueles que detém o poder. Posto isto, passo ao estado hebraico, que descrevo em
pormenor, para explicar por que razão e por ordem de quem a Religião passou a ter força de lei, bem
como outras coisas, que, de caminho pe pareciam dignas de registro. A terminar, mostro como é que
os que detém o poder soberano são os responsáveis e os interprétes, não só do direito civil, mas
também do direito canônico, e que só eles possuem o direito de discernir o que é justo e o que é
injusto, o que é piedoso e o que é impío, concluindo enfim, que para manterem em plenitude esse
direito e conservarem tranqüilamente o poder eles devem consentir a cada um pensar aquilo que
quiser e dizer aquilo que pensa. 
 
    É isto, leitor filósofo, o que submeto aqui à tua apreciação, na esperança de não ser mal acolhido,
tendo em conta a importância e a utilidade do tema, quer da obra, quer até de cada um dos capítulos.
Tinha ainda mais coisas a dizer, mas não quero que este prefácio se alongue ao ponto de parecer um
volume, sobretudo porque julgo que o essencial é soberanamente conhecido dos filósofos. Quanto aos
outros, não tento sequer recomedar­lhes este tratado, pois nada me leva a esperar que ele, por qualquer
razão, lhes possa agradar. Sei, efetivamente, quão arriscado estão na mente os preconceitos a que se
adere como se de coisa piedosa se tratasse; sei, além disso, que é impossível libertar o vulgo da
supertição e do medo: e sei, finalmente, que a constância no comum dos homens é obstinação e que,
em vez de ser a razão que os guia, é a tendência para louvar ou vituperar que os arrebata. Não
convido, portanto, o vulgo, nem aqueles que compartilham das suas paixões, a lerem esse livro. É
preferível que o desprezem a que me aborreçam com interpretações tendenciosas, como costumaz
fazer sempre, não aproveitando eles nem deixando que aproveitem os que poderiam filosofar mais
livremente se a tanto os não impedisse o julgarem que a razão deve ser serva da teologia: porque a
estes, ainda tenho, efetivamente, esprança de que a obra venha a ser de extrema utilidade. 
 
    E posto que a muitos talvez falte o vagar ou a paciência para ler tudo, vejo­me obrigado a prevenir,
aqui como no fim deste tratado, que não escrevi nada que de bom grado não submeta ao exame das
autoridades soberanas da minha Pátria: se elas acharem que algo do que eu digo vai contra as leis
deste país ou é prejudicial aos interesses da coletividade, retiro o que disse. Seo que sou homem e
poderei ter­me enganado; mas fiz todo possível para que isso não acontecesse e, sobretudo, para não
escrever nada que não esteja em conformidade absoluta com as leis da pátria, a piedade e os bons
costumes.

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