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PSICOLOGIA EXPERIMENTAL

TEMAS E EXPERIÊNCIAS

AMÂNCIO DA COSTA PINTO

Título: Psicologia Experimental: Temas e Experiências

Autor: Amâncio da Costa Pinto Edição

Depósito Legal: 41294/90

ISBN: 972-95353-0-2

"O nosso propósito é mostrar com que espírito trabalha a psicologia experimental, quais os
métodos que ela escolheu para aplicar num domínio em que muito não acreditaram - e não
acreditam ainda - que a experimentação seja possível e fecunda."

Fraisse (1979/1984, p. 10)

Introdução

A psicologia experimental refere-se em termos gerais a qualquer área da psicologia que aplica
o método experimental. Em termos mais restritos, o objecto da psicologia experimental é
geralmente considerado como o estudo e o estabelecimento dos processos cognitivos básicos e
fundamentais. Na investigação dos processos cognitivos fundamentais foram excluídos os
estudos sobre diferenças individuais e grupais. As razões foram várias. Por um lado os
experimentalistas pressupõem que, apesar das diferenças individuais, os processos
fundamentais da cognição humana seriam semelhantes entre pessoas e raças. Por outro, a
investigação experimental tem por objectivo fundamental determinar as "causas" ou
antecedentes do comportamento humano, tarefa que não seria possível realizar na
investigação científica das diferenças individuais, onde quando muito se poderiam estabelecer
padrões de correlação entre respostas.
A demarcação da psicologia experimental

A exclusão das diferenças individuais do domínio da psicologia experimental nem sempre


existiu porém. Durante os anos 20 e 30 do século XX houve um intenso debate sobre se se
deveria incluir ou não no conceito de experiência os testes mentais e a medida das diferenças
individuais. Por exemplo, Cattell (1926) publicou um artigo na revista Science intitulado
"Algumas experiências psicológicas" onde se referem "experiências" sobre testes mentais e
medidas de diferenças individuais. Estes estudos "experimentais" são hoje classificados como
estudos correlacionais. Por sua vez, Garrett (1930) também incluiu no seu livro "Experiências
célebres em psicologia" estudos como "o desenvolvimento do teste de inteligência de Binet", o
desenvolvimento do "teste alfa do exército" e a medida das diferenças individuais de Calton.
Ainda em 1937 não havia consenso sobre o que se deveria entender por experiência. Bentley
(1937) num artigo sobre a natureza da experimentação em psicologia referiu oito significados
diferentes para o termo "experiência".

Actualmente considera-se que a demarcação da psicologia experimental em relação à


psicologia diferencial se ficou a dever à interpretação do conceito de experiência proposta por
Woodworth (1938) no célebre livro "Psicologia Experimental". Woodworth refere que uma
experiência consiste na manipulação activa da variável independente de forma a observar-se
os seus efeitos na variável dependente. Segundo Woodworth (1938) "a variável independente
dos experimenta listas é antecedente em relação à variável dependente; uma é causa (ou parte
da causa) e a outra o efeito. O correlacionista estuda a interrelação entre diferentes efeitos",
(ob. cit., pág. 3).

Assim as causas do comportamento apenas poderiam ser determinadas pela manipulação


activa da variável independente. No planeamento de uma experiência o experimentador tenta
controlar os factores da situação de forma a poder estabelecer relações significativas entre
antecedentes (factores da variável independente) e censequentes (respostas do organismo
expressas na variável dependente).

A redução gradual das conotações do conceito "experiência" que até aos anos 30 englobava
qualquer tipo de investigação empírica passou a incluir, a partir da obra de Woodworth (1938),
apenas as investigações que activa e sistematicamente manipulassem os factores da variável
independente. A partir desta data, a maior parte dos investigadores, incluindo Skinner e
Tolman, passaram a adoptar nas suas publicações a linguagem de "variável independente" e
"variável dependente" e a identificar a variável independente como a "causa" do
comportamento. Assim o mandamento novo do experimentalista passou a ser "Manipularás a
variável independente", Evans (1990).

Temas centrais da psicologia experimental


A psicologia experimental consiste na aplicação do método experimental a problemas
relacionados com os processos cognitivos básicos e fundamentais. Neste aspecto a psicologia
cognitiva é virtualmente sinónimo de psicologia experimental.* Entre os temas principais que a
psicologia experimental inclui no seu âmbito figuram a psicofísica, a atenção e percepção, a
aprendizagem, a memória, a linguagem e actividade intelectual, a motivação e a
personalidade. Desde a publicação do livro de Woodworth (1938), até aos tratados de
psicologia experimental mais recentes tem-se verificado uma constância apreciável destes
temas básicos ao longo dos anos.

A Tabela 0.1 inclui uma listagem dos temas de psicologia experimental que foram objecto de
capítulos próprios em sete obras publicadas nos últimos 30 anos. Apesar destas obras terem
um volume e extensão muito diferentes, é possível observar uma sobreposição bastante
grande de temas comuns. Em geral, são obras que dedicam alguns capítulos à metodologia
experimental e os restantes à revisão da literatura nos domínios dos processos cognitivos
fundamentais.

* Inicialmente o título deste livro era para ser "Psicologia Cognitiva: Temas e Experiências". A
alteração pretende significar a minha homenagem a todos aqueles que iniciaram no ano lectivo
de 1912-1913 na Umversidade de Coimbra e mantiveram desde então a longa tradição da
disciplina de "Psicologia Experimental" no curriculum umversitário Português.

Psicologia experimental e psicologia laboratorial

Se a psicologia experimental se demarcou da psicologia diferencial, surge no entanto muitas


vezes associada à psicologia laboratorial. Houve alturas mesmo em que a psicologia
experimental parecia ter ficado reduzida à psicologia laboratorial. Esta redução é no entanto
duplamente incorrecta. Por um lado a aplicação do método experimental no estudo dos
processos fundamentais da cognição humana pode, em certas circunstâncias, efectuar-se fora
do laboratório, o que tem vindo a acontecer gradualmente em certos domínios. Por outro lado,
áreas da psicologia, como a psicologia do desenvolvimento, a psicologia diferencial e a
psicologia social podem efectuar

Tabela 01: Descrição dos temas abordados em diversos livros que se intitularam de "Psicologia
Experimental" e que foram publicados desde 1935 até 1989. (Pág. 10)
investigação laboratorial sem que tais estudos possam ser catalogados de Psicologia
experimental.

Por exemplo, a determinação dos efeitos das diferenças de idade e sexo nos tempos de reacção
pode implicar uma investigação laboratorial, mas os estudos aí realizados são para todos os
efeitos estudos respectivamente de desenvolvimento e diferenciais. Ao contrário dos estudos
experimentais, em que a distribuição dos sujeitos pelos grupos é feita ao acaso, nestes estudos
de desenvolvimento e diferenciais os sujeitos antes de entrarem no laboratório pertencem já a
grupos pré-definidos.

Apesar de poder ser dispensável num ou noutro caso o laboratório é fundamental em


psicologia experimental. Primeiro é no laboratório que mais facilmente se pode determinar
com precisão e depois manipular os factores da variável independente, Por exemplo, se se
quiser determinar os efeitos do tempo de exposição na aprendizagem e memória de uma lista
de palavras e se a manipulação implicar valores de exposição de 500 milésimos de segundo,
um segundo e cinco segundos respectivamente é necessário recorrer a equipamento que seja
capaz de expor este tipo de material nos valores seleccionados.

Com este tipo de objectivos foram inventados vários aparelhos psicológicos. O taquistoscópio é
um aparelho que permite apresentar diversos materiais visualmente durante períodos que
variam de um milésimo de segundo a vários segundos; O cilindro de memória permite
apresentar listas de palavras a ritmos normalmente superiores a cerca de meio segundo; O
adaptómetro de obscuridade de Piéron apresenta um estímulo luminoso sob sete intensidades
muito baixas, permitindo paralelamente estabelecer o tempo que demora a detectar cada um
deles; o aparelho de desenho ao espelho, permite estudar os efeitos de transferência de treino
motor; o reacciómetro permite apresentar estímulos visuais e auditivos, além de vários tipos
de estímulos dentro de cada modalidade, entre outros aparelhos.

Segundo, o laboratório permite ainda controlar os efeitos das variáveis parasitas que o
experimentador suspeita estarem relacionadas com os factores da variável independente. Em
experiências de percepção do brilho, por exemplo, a luminosidade do local onde as
experiências são realizadas tem de ser controlada, possivelmente efectuando a experiência
numa câmara escura onde se possa regular a intensidade da luz. Também deve ser controlada
a luminosidade do local onde se realizam as experiências de tempos de reacção visuais e o
ruído quando se tratar de experiências de tempos de reacção auditivos.

O uso de câmaras escuras, câmaras insonoras, controladores da intensidade da luz são recursos
habitualmente encontrados num laboratório de psicologia. Alguns dos aparelhos
anteriormente referidos permitem, além da determinação e manipulação das condições da
variável independente, manter constantes outras variáveis. Por exemplo, o reaccí6metro
permite manipular a cor dos estímulos, mantendo constante a respectiva duração, ou vice-
versa.

Terceiro o laboratório inclui ainda equipamento que permite medir com precisão os resultados
do comportamento de um sujeito ou organismo. Entre os aparelhos mais importantes deve
naturalmente figurar uma meia dúzia de bons cronómetros electrónicos capazes de medir o
tempo em umdades de milésimos de segundo e com possibilidades de serem ligados por cabos
eléctricos a outros aparelhos. O reacciómetro é um aparelho típico do laboratório de
psicologia, permitindo fazer variar algumas características dos estímulos visuais e auditivos,
manter constantes outros factores e ainda medir os tempos de reacção de um sujeito numa
situação específica em valores de centésimas ou milésimas de segundo; O dinamógrafo é um
aparelho que permite registar situações de esforço e fadiga; O estesiómetro permite medir a
sensibilidade táctil; O estereómetro de Michotte permite medir a percepção da distância em
condições de visão monocular ou estereoscópia. Já mais no âmbito da psicofisiologia, o
polígrafo é um aparelho que permite registar diversas medidas orgânicas e psicofisiológicas,
como o ritmo cardíaco, as ondas cerebrais e a conductibilidade da pele em função do estado
emocional (neste último caso também o psicogalvanómetro); Para uma descrição mais
pormenorizada destes aparelhos, veja-se Fraisse (1974).

Actualmente alguns destes aparelhos são substituídos pelo computador, que através de
programas desenvolvidos para o efeito, permite apresentar, quer visual quer auditivamente,
uma enorme variedade de estímulos e simultaneamente registar com precisão as respostas dos
sujeitos. O computador substituiu plenamente os cilindros de memória, que se tornaram peças
de museu. No entanto tem sido mais difícil ao computador substituir plenamente o
taquistoscópio, atendendo ao ritmo lento de renovação da imagem do écran do computador
que é da ordem dos 17 milésimos de segundo e respectivos múltiplos. No que se refere ao
registo do tempo em valores de milésimos de segundo, os reacciómetros são ainda um recurso
válido num laboratório de psicologia experimental.

Os laboratórios de psicologia em Portugal

Em termos de data de fundação os laboratórios de psicologia em Portugal têm uma


longevidade bastante respeitável. O primeiro laboratório de psicologia experimental foi
fundado na Faculdade de Letras de Coimbra no ano lectivo de 1912/1913 por Alves dos Santos
(Gomes, 1990; Abreu, 1990) e o segundo em 1930 na Faculdade de Letras de Lisboa por Matos
Romão (Abreu, 1990; Lima, 1949).

No que se refere ao ensino umversitário da psicologia em Portugal, a "psicologia experimental"


foi juntamente com a disciplina de "psicologia" uma das duas disciplinas psicológicas a serem
leccionadas na Umversidade de Coimbra.* Na legislação de 1930 e 32 sobre a reforma das
Faculdades de Letras, o ensino umversitário da Psicologia voltou a ser contemplado com duas
cadeiras, uma de "Psicologia geral" no 12 ano e outra de "psicologia experimental" no 42 ano
da licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas.

Com a nova legislação de Outubro de 1957 e de Outubro de 1958, a Psicologia surge no plano
de estudos da nova licenciatura em Filosofia com duas disciplinas, uma de "Introdução à
Psicologia" no 1º ano e outra de "Psicologia Experimental" no 2º ano, havendo duas aulas
teóricas e duas aulas práticas em cada uma das duas cadeiras. As aulas práticas eram para ser
realizadas no laboratório de psicologia. A legislação previa ainda um "Seminário em Psicologia"
no 5º ano para quem desejasse preparar tese de licenciatura em Psicologia.
A história da criação do primeiro laboratório de psicologia na Umversidade de Coimbra está
bem documentada, tendo sido recentemente objecto de duas contribuições importantes
(Comes, 1990; Abreu, 1990). O mesmo não acontece com o ensino da Psicologia e a fundação
do laboratório de psicologia na Faculdade de Letras da Umversidade do Porto. Neste sentido
gostaria de apontar algumas notas (veja-se, Borges e Pinto, 1987), que outros mais capazes e
interessados por este assunto possam aproveitar para um estudo histórico posterior.

* Segundo Comes (1990) "Quer este Decreto de 9 de Maio de 1911, quer um Decreto de 19 de
Agosto de 1911, que aprova o Regulamento das Faculdades de Letras, ao ocuparem-se da
distribuição das disciplinas pelos diferentes grupos, colocam no 62 grupo (Filosofia) a disciplina
de Filosofia (...) e a disciplina de Psicologia Experimental". Por sua vez, o artigo 219 do Decreto
de 19 de Agosto "que se ocupa dos trabalhos práticos a que os alunos eram obrigados,
explicita-se que, entre as formas principais que esses trabalhos revestiriam, uma delas seriam
os Exercícios de Psicologia Experimental", (ob. cit., p. 4).

O laboratório de psicologia na Faculdade de Letras da U. P.

Na Umversidade do Porto o ensino da Psicologia surgiu com a reabertura da Faculdade de


Letras em 1961. Durante os anos 60 a regência das cadeiras de Psicologia foi assegurada por
docentes do curso de Filosofia de que se destaca Maria Carmelita Sousa e do curso de
Medicina nomeadamente Luís de Pina, Fernandes da Fonseca e Sofia Moreira. No início dos
anos 70 é de referir a participação de Isolina Borges na leccionação das disciplinas de Psicologia
do curso de Filosofia, sobretudo a de "Psicologia Experimental", Borges (1972).

Para apoio das aulas práticas das disciplinas de Psicologia, principalmente a de "Psicologia
Experimental" que fazia parte do 2º ano do curso, foi fundado um laboratório de psicologia
experimental na Faculdade de Letras da Umversidade do Porto. Da organização deste
laboratório foi incumbida Maria Carmelita Sousa sob a supervisão do então professor
catedrático de Psiquiatria Doutor Luís de Pina. O estabelecimento do laboratório decorreu em
duas fases. Uma inicial durante o ano lectivo de 1964/1965 onde foram adquiridos
principalmente testes de inteligência, aptidões e de personalidade e questionários de
interesses, além de um ou outro aparelho.

A segunda fase de instalação do laboratório de psicologia ocorreu no ano lectivo de


1971/1972, onde foram adquiridos principalmente aparelhos de laboratório e livros de
psicologia. Ao laboratório e à biblioteca foi destinado na altura uma sala específica. A biblioteca
de Psicologia teria nessa altura à volta de meio milhar de livros. Assinale-se a propósito que
sem a colaboração e interesse manifestado pelo então responsável do curso de Filosofia,
Professor Doutor Eduardo Soveral, a constituição do laboratório de psicologia, da biblioteca,
assim como a formação em psicologia de docentes interessados, não teriam sido possíveis.

O apetrechamento do Laboratório de Psicologia era na altura bastante satisfatório. Em termos


de equipamento era constituído por dois aparelhos de tempos de reacção (reacciómetros), um
taquistoscópio de dois campos, um audiómetro, vários aparelhos de controle motor como o
tremómetro em V e o teste de torneiro, aparelhos de discriminação e mistura de cores, o
adaptórnetro de obscuridade de Piéron, etc.

Todo este equipamento foi graciosamente transferido do curso de Filosofia da Faculdade de


Letras do Porto para o curso de Psicologia em Setembro de 1977, estando a maior parte dos
aparelhos ainda a ser utilizado no apoio das aulas práticas da disciplina de "Percepção,
Aprendizagem e Memória" no ano lectivo de 1990/91.

O laboratório de psicologia do curso de Psicologia da U. P.

Desde o ano lectivo de 1977/78 o laboratório de psicologia experimental do curso de Psicologia


da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação do Porto tem vindo a ser gradualmente
enriquecido. Assim nos anos de 1978 e 1979 foi contemplado com um montante significativo
das verbas de capital do orçamento do curso de Psicologia, além de um subsídio da Fundação
Gulbenkian. Em Julho de 1981 o laboratório foi ainda depositário de todo o equipamento
laboratorial do centro de psicologia da Fundação Gulbenkian, quando esta instituição decidiu
encerrar o seu Centro de Oeiras. Para este apoio muito contribuiu na altura o Professor Doutor
Machado Cruz, Presidente da Comissão Instaladora do Curso de Psicologia. Mais recentemente
em 1987, o laboratório voltou a ser beneficiado com uma verba do orçamento do PIDAC
atribuída à Faculdade de Psicologia.

Em termos de ensino, a disciplina de "Psicologia Experimental" fez parte do curriculum do


curso de Psicologia da Umversidade do Porto desde a sua criação no ano lectivo de 1977/78
até ao ano lectivo de 1986/87, altura em que foi substituída pela criação de duas novas
disciplinas de "Percepção, Aprendizagem e Memória" e "Linguagem e Cognição". Nos anos
lectivos de 1977 a 1979 a regência da disciplina de "Psicologia Experimental" contou com a
colaboração de Ian Martin Clifton Everest, doutorado pela Umversidade de Cambridge.

Além das funções de apoio a algumas disciplinas do curso de Psicologia, o laboratório de


psicologia experimental apoiou nos anos 80 investigações que conduziram a duas provas de
doutoramento (Pinto, 1984; Castro, 1988) e três provas de mestrado (Castro, 1983, Lencastre,
1988; Maia, 1990) por parte de docentes da Faculdade. Equipamento do laboratório de
psicologia experimental tem sido ainda usado por docentes da área de psicologia social do
curso de Psicologia, nomeadamente por parte de Félix F. M. Neto e José C. M. Marques e ainda
por investigadores de outras instituições umversitárias, como o Instituto de Biomédicas Abel
Salazar do Porto e da Umversidade Livre de Bruxelas.

Em termos de apoio lectivo, o laboratório tem desempenhado um papel de relevo, embora a


contribuição possa ser ainda mais ampla no futuro. Em termos de produção científica realizada
segundo uma metodologia experimental, o papel do laboratório tem sido bastante mais
modesto. Infelizmente também em Portugal a investigação experimental é modesta. O que é
uma pena.

A investigação experimental em Portugal tem um passado notável, quer do ponto de vista de


enquadramento legal quer do apoio umversitário (Gomes, 1990; Abreu, 1990; Lima, 1949).
Acrescente-se ainda que foi numa área central da psicologia experimental, a memória humana,
que Sílvio Lima submeteu em 1928 a sua dissertação de Doutoramento à Faculdade de Letras
da Umversidade de Coimbra, o primeiro Doutoramento realizado em Portugal (Lima, 1928).
Várias explicações para esta apatia têm sido formuladas.

Abreu (1979, 1990) refere razões de dificuldade de constituição de equipas de investigação


nestas áreas e a existência de uma atitude reverente por parte de alguns Portugueses por tudo
quanto é estrangeiro. Estas razões parecem-me apropriadas, mas penso que se deveria ter em
conta também o facto de que grande parte da investigação anglo-saxónica ser de
características experimentais, assim como a investigação Francesa (Fraisse, 1984), tendo
estagiado nestes locais a maior parte dos investigadores Portugueses. Possivelmente a
reverência apenas tem assimilado os conteúdos em vez dos métodos e paradigma.

Talvez seja de acrescentar uma outra razão, relacionada com o carácter vincadamente
profissionalizante dos actuais cursos de Psicologia em Portugal. Se este tendência foi
importante e mesmo necessária na década de 80 a fim de melhor facilitar o enquadramento
profissional dos licenciados em Psicologia, parece-me que a manter-se nos anos 90 poderá
causar uma desvalorização permanente da investigação fundamental, dificultando ainda mais a
constituição de grupos de investigação nas áreas da psicologia experimental.

Organização e objectivos do livro

Este livro é constituído por 12 estudos realizados nas aulas práticas das disciplinas de
"Psicologia Experimental", "Percepção, Aprendizagem e Memória" e "Psicologia dos Processos
Cognitivos" desde 1985 até 1990 seguindo uma metodologia experimental. São quase todos
replicações de investigações notáveis nas áreas dos tempos de reacção, psicofísica, percepção,
aprendizagem verbal e memória humanas, além dos processos de repetição e formação de
imagens.

Poder-se-ia afirmar que a organização do livro integra-se grosso modo num modelo que
considera o ser humano como um processador de informação. O modelo de processamento de
informação, de que o computador é a referência tecnológica mais exemplar, é um entre vários
modelos propostos pelos investigadores para melhor interpretar e explicar a cognição humana.
Outros modelos já foram propostos como a tábua de cera e a gaiola, sistemas hidráulicos e
telefónicos. Neisser (1982) referiu que cada época tem o seu modelo de mente baseada na
tecnologia em vigor e Silva (1968) sublinhou que "no domínio das metáforas antropomórficas
há muito por onde escolher", ob. cit., p. 33.

A associação entre mente e computador, enquanto sistemas de processamento de informação,


pode ser útil se for situada nos seus devidos limites até porque em termos metafóricos são
mais as diferenças do que as semelhanças (e.g., Abreu, 1978). O importante na metáfora
mente-computador é a similaridade da função, em vez da similaridade do equipamento ou
estrutura. Em termos físicos há muito menos características comuns entre o ábaco e o
computador do que entre o computador e outras máquinas. No entanto tanto o ábaco como o
computador têm uma função comum importante. São máquinas de somar.
Assim na metáfora mente-computador o importante tem sido ressaltar as eventuais funções
comuns. No computador a informação recebida é codificada, armazenada, comparada e
recuperada. Por sua vez, estas funções apresentam similaridades notáveis com os processos de
percepção, aprendizagem e memória. Para mais informações, veja-se Abreu (1978); Massaro
(1989); Sternberg (1969).

A realização destes 12 estudos teve o duplo objectivo de introduzir os alunos num tema central
da psicologia cognitiva experimental e ainda tornar explícito os diferentes procedimentos de
manipulação das variáveis independentes, o controle das variáveis parasitas e o processo de
registo das variáveis dependentes. Os estudos 1 a 4 referem-se à percepção de estímulos
visuais e auditivos e à rapidez da resposta do sujeito em função da complexidade da tarefa à
realizar; O 5º estudo aborda a natureza da codificação sensorial auditiva; O 6º analisa a
amplitude e extensão da memória imediata; O 7º examina o esquecimento na memória a curto
prazo; 0 8º investiga as relações entre memória a curto prazo e memória a longo prazo; o 11º e
o 12º abordam importantes efeitos da memória a longo prazo e finalmente os estudos 9 e 10
focam os processos cognitivos de repetição e formação de imagens e a sua relevância na
retenção humana.

Cada um dos 12 estudos inicia-se com uma Introdução que pretende ser tão extensa e
actualizada quanto possível sobre os estudos realizados em cada área. A secção de Método
descreve os procedimentos experimentais seguidos com suficiente pormenor para poderem
voltar a ser replicados por outros investigadores. Neste sentido incluiu-se um Apêndice a cada
estudo, onde os materiais instruções e outros elementos relevantes são descritos. Nas secções
dos Resultados e Discussão, os dados obtidos são descritos, analisados estatisticamente e
interpretados. Na Bibliografia são referidas as obras citadas, além de outras que pela sua
importância ou actualidade merecem ser recomendadas.

A maior parte do vocabulário inglês relacionado com os temas de percepção, aprendizagem e


memória e situados num modelo de processamento de informação foram traduzidos tendo em
consideração a terminologia adoptada por investigadores Portugueses que publicaram estudos
nestes áreas (e.g., Abreu, 1978; Simões, 1982; Raposo, 1983). A fixação dos termos não é
porém consensual, havendo grandes vantagens num trabalho futuro a realizar neste domínio.

Este livro destina-se a todos os interessados nos temas da aprendizagem verbal e memória
humanas, especialmente àqueles que na docência de temas de Psicologia Experimental e
Psicologia Cognitiva necessitam de efectuar uma experiência de demonstração. Neste sentido
esta obra pretende inserir-se, embora num outro tempo e contexto, na tradição das
publicações de Stevens, Herrnstein e Reynolds (1965), Snellgrove (1971), Fraisse (1974), entre
outros.

Esta obra é o resultado de cerca de cinco anos de trabalho e resume muito do, esforço que eu e
os meus colaboradores mais directos dedicaram ao planeamento, preparação dos materiais,
montagem das experiências e análise dos resultados. De entre os colaboradores gostaria de
referir a Dra. Teresa Leal que trabalhou de 1985 a 1988 e o Dr. Pedro Albuquerque a partir de
1988. Ao Dr. Pedro gostaria ainda de agradecer o trabalho de leitura final e as sugestões
propostas, muitas das quais foram tidas em consideração. Ao Centro de Psicologia da
Umversidade do Porto (INIC), de que sou membro, gostaria de agradecer o apoio financeiro
concedido.

Finalmente gostaria de agradecer aos meus alunos e ex-alunos que, através da participação
atenta e diligente nas experiências aqui descritas, demonstraram algumas das mais
importantes regularidades do comportamento e da mente humana. A todos eles é dedicado
este livro.

Porto, 11 de Janeiro de 1991

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Tempos de Reacção Simples, Discriminação e de Escolha: Estudo de Alguns Factores

Os tempos de reacção (TR) são uma das variáveis dependentes mais importantes em
psicologia. Este estudo teve por objectivo descrever dois modelos explicativos influentes dos
TR (os modelos de Donders e Sternberg) referir os principais factores que influenciam os TR e
apresentar quatro estudos experimentais, onde alguns destes factores foram manipulados.
Assim em cada estudo experimental pretendeu-se verificar; (1) Os efeitos da modalidade
sensorial nos TR simples; (2) O efeito da frequência sonora nos TR de discriminação; (3) O
efeito do tipo de resposta motora nos TR de escolha; (4)

O efeito da apresentação de varias alternativas nos TR de escolha. Os resultados obtidos estão


em grande parte de acordo com investigações similares realizadas. Assim os TR simples
auditivos foram mais rápidos em média 31 ms do que os TR visuais; Não houve diferenças nos
TR de discriminação aos sons graves e agudos seleccionados; Nos TR de escolha as respostas
com a mão foram mais rápidas do que com o pé em média 60 ms; Os resultados indicaram
ainda que o tempo de reacção aumenta logaritmicamente com o número de alternativas
apresentadas. Em conclusão os TR obtidos nas diversas tarefas são comparados e discutidos de
acordo com os modelos apresentados.

Introdução
O tempo de reacção (TR) é uma das variáveis dependentes mais importantes na investigação
psicológica, tendo sido objecto de estudo desde o começo da história da psicologia. O tempo
de reacção é geralmente definido como o intervalo de tempo que decorre entre o
aparecimento de um estímulo e o início de uma resposta voluntária.

O tempo de reacção surge ainda associado ao tempo de movimento (TM) e tempo de resposta
(TRP). Tempo de movimento é o tempo que demora a completar uma resposta, depois de
iniciada. Tempo de resposta é o período de tempo que decorre entre a apresentação do
estímulo e o final da resposta ao mesmo. Considere-se por exemplo a corrida olímpica dos 100
metros. O TR seria o período que decorre entre o instante em que a pistola dispara e a
separação do pé do atleta do encaixe em que repousa; O TM seria a corrida até à meta e o TRP
seria o tempo total desde o momento do tiro da pistola até ao cortar a linha da meta.

Os tempos de reacção podem ainda ser classificados em TR simples (TRS), TR de discriminação


(TRD) e TR de escolha (TRE). Nos TRS há aplicação de um único estímulo, para o qual existe
uma resposta pré-definida, sendo a única incerteza da situação o facto do sujeito não saber
quando será aplicado o estímulo. Exemplo de uma tarefa poderá ser premir um botão logo que
surja uma luz vermelha.

O TRD implica a apresentação de dois ou mais estímulos a que o sujeito responde apenas a um
deles, ignorando os outros. Uma tarefa ilustrativa seria premir um botão se a luz fosse
vermelha; não reagir, se a luz for de outra cor. Nos TRE são apresentados dois ou mais
estímulos diferentes, cada um com a sua resposta específica. Por exemplo, premir o botão A se
a luz for vermelha ou premir o botão B se a luz for verde.

O problema dos TR foi pela primeira vez equacionado pelo astrónomo prussiano Bessel em
1823 quando soube que no observatório de Greenwich o astrónomo Maskelyne tinha
despedido o seu assistente por este Ter assinalado a passagem de uma estrela sobre um fio de
cabelo na objectiva do telescópio 0,8 segundos mais tarde do que ele próprio. Bessel sugeriu
que a diferença entre Maskelyne e o seu assistente não teria sido devida a indolência ou a
qualquer erro propositado, mas talvez a diferenças naturais entre as pessoas. Neste sentido
Bessel desenvolveu equações pessoais de forma a transformar os registos das observações de
um astrónomo nas de outro.

Actualmente considera-se que os primeiros trabalhos sistemáticos sobre TR foram realizados


pelo fisiologista austríaco Helmholtz (1821-1894) que propôs um paradigma para o estudo da
condução neurosensorial em sujeitos humanos por alturas de 1850. Helmholtz; realizou uma
experiência em que aplicou a um sujeito uma corrente eléctrica fraca no cotovelo ou no pulso.
O sujeito devia apertar uma tecla logo que sentisse o choque. Helmholtz usou o método de
subtracção a fim de determinar o valor do TR. Assim medindo a diferença de tempo entre a
resposta à estimulação na mão e à estimulação no cotovelo, Helmholtz calculou a velocidade
de condução dos nervos sensoriais chegando à conclusão de que apenas uma pequena parte
do tempo de reacção era gasto ao longo dos nervos periféricos, sendo o restante tempo
processada no cérebro.

Historicamente o interesse pela "equação pessoal" ou diferenças individuais passou da


astronomia à fisiologia e desta à psicologia, neste caso por intermédio dos estudos do
investigador holandês Donders (1818-1889). Donders num artigo intitulado "Sobre a
velocidade dos processos mentais", publicado em 1868, descreve várias experiências de TR
procurando medir processos muito mais complexos do que o tempo de transmissão nervosa,
mas empregando o princípio de subtracção de Helmholtz.

O método subtractivo de Donders

Donders efectuou várias experiências de TR com o objectivo de medir a duração dos processos
que ocorreriam entre a apresentação de um estímulo e a activação de uma resposta voluntária.
Donders pensou existirem 12 eventos mentais relacionados com a situação de TR simples, mas
actualmente os investigadores reduziram-nas a três: Duração do estímulo, tempo de decisão,
tempo de resposta motora. Donders, incapaz de descobrir um método que permitisse medir
separadamente cada um dos componentes da reacção A, propôs acrescentar uma ou mais
fases na sequência de processamento mental de forma a obter, através de subtracções
sucessivas, a medida de duração das fases acrescentadas.

Neste sentido Donders propôs duas novas situações, denominadas reacção B e C. Na reacção B
são apresentados dois estímulos diferentes e o sujeito deve responder a cada estímulo com
uma resposta específica. É uma tarefa típica de TR de escolha. Donders propôs que a reacção B
incluía todas as fases da reacção A, mais duas novas fases, o tempo de discriminação dos
estímulos (é X ou Y?), mais o tempo de escolha motora (se é X tenho de pressionar o botão C,
se for Y o botão D). Deste modo subtraindo o valor da reacção A ao valor da reacção B, poder-
se-ia obter o valor de duração das duas novas fases incluídas na reacção B.

A fim de determinar a duração de cada uma destas duas fases Donders desenvolveu a reacção
C, actualmente conhecida por tarefa de tempos de discriminação. Na reacção C é apresentado
aos sujeitos dois estímulos, por ex., X e Y, tendo os sujeitos de produzir uma

resposta específica, por ex., C, apenas quando surgir o estímulo X Se surgir o estímulo Y o
sujeito não deve produzir qualquer resposta. Segundo Donders a reacção C inclui todas as fases
da reacção B, menos o tempo de escolha motora, já que o sujeito não gasta tempo a

decidir sobre qual a resposta a dar. Neste sentido, subtraindo o valor do tempo na reacção C ao
valor do tempo da reacção B, obter-se-ia o valor do tempo de escolha motora. Por outro lado,
subtraindo o valor do tempo obtido na reacção C ao valor obtido na reacção A, obter-se-ia o
valor do tempo de discriminação. Veja-se Quadro 1.1.
Quadro 1.1: Descrição dos processos mentais envolvidos nas reacções de tipo A, B e C segundo
Donders. (Pág. 25)

O método subtractivo de Donders foi rapidamente adoptado pelos laboratórios de psicologia


da época, mas os resultados cedo se revelaram desanimadores. Por um lado verificou-se que
os valores da reacção C eram às vezes inferiores aos valores da reacção B, um caso que não
deveria ocorrer devido ao número superior de fases envolvidas na reacção B. Por outro lado,
Wundt argumentou que a reacção C envolvia de facto uma escolha motora - uma escolha entre
produzir ou não uma resposta. Neste sentido Wundt propôs acrescentar uma nova tarefa, a
reacção D. Na reacção D eram apresentados vários estímulos, tendo o sujeito de responder a
todos com uma única resposta, mas depois de reconhecer cada estímulo. A reacção D era
semelhante à reacção B de Donders no sentido em que eram apresentados vários estímulos e à
reacção A no sentido em que uma única resposta era dada a todos os estímulos apresentados.
A diferença entre D e A exprimiria o tempo de discriminação dos estímulos apresentados, na
medida em que os sujeitos eram instruídos a responder só depois de terem reconhecido cada
estímulo apresentado.

Esta solução não se revelou satisfatória na medida em que os valores da reacção D eram às
vezes tão rápidos como os da reacção A e outras vezes tão demorados como a reacção B. Na
impossibilidade de se resolverem estas inconsistências o método subtractivo foi abandonado
como processo de medida de duração das operações mentais. Cerca de 100 anos após os
estudos pioneiros de Donders, Sternberg (1969) retomou o estudo sobre a cronometria das
operações mentais, tendo desenvolvido um modelo diferente de investigação dos TR,
conhecido por método'aditivo. Este método será referido adiante na conclusão.

Apesar do fracasso do método subtractivo de Donders os TR continuaram a ser usados em


diversas tarefas de investigação psicológica como uma das variáveis dependentes mais
importantes. Para o efeito muito contribuiu a invenção do cronoscópio de Hipp nos começos
de 1860, um instrumento mecânico capaz de medir umdades de tempo na ordem de milésimos
de segundo (0,001 segundo) e com uma margem de erro muito pequena na ordem de 1%
(Woodworth e Schlosberg, 1954). Além das medições precisas que o cronoscópio de Hipp
permitia, este instrumento teve o condão de servir como uma das melhores armas de defesa
da cientificidade das investigações psicológicas face aos estudos das ciências consagradas da
época.

Factores que afectam os tempos de reacção

De acordo com Chocholle (1969) os TR seriam afectados por diversos factores, que podem ser
classificados como referentes (1) à natureza dos estímulos, (2) às características do sujeito e (3)
ao ambiente de realização da tarefa.
1. Factores relativos ao estímulo: Intensidade do estímulo: Os TR variam de maneira apreciável
com a intensidade do estímulo verificando-se geralmente que, na ausência de outros factores e
dentro de certos limites, os TR variam inversamente com a intensidade do estímulo. Isto
significa, por exemplo, que uma luz brilhante elicita uma resposta mais rápida do que uma luz
ténue. Porque é que tal acontece, se a velocidade de condução nervosa é uma característica
física de um determinado neurónio? Uma explicação possível teria em consideração o número
e natureza dos neurónios estimulados. Provavelmente uma luz fraca excitaria um número
menor de neurónios ou um tipo de neurónios mais lentos, enquanto que uma luz forte
activaria neurónios de condução de impulsos rápidos.

Modalidade sensorial: O tempo para reagir a um estímulo é específico de cada modalidade


sensorial. A modalidade sensorial é um factor fundamental na determinação dos tempos de
reacção, mas a comparação entre as diferentes modalidades é difícil na medida em que está
dependente da intensidade com que é aplicado o estímulo. De acordo com uma pesquisa de
Baker (1960), que descreve os valores dos TR simples registados até à altura na literatura
psicológica, os valores mais prováveis para as diversas modalidades seriam por ordem dos mais
rápidos: pressão, 112 - 118 ms; audição, 120 - 140; Visão, 130 - 160; Frio, 150 - 170; calor, 170 -
180; cheiro, 190 - 220, sabor, 280 - 310; dor, 350 - 450 ms.

A amplitude destes valores deve ser considerada apenas para os valores mais rápidos, já que os
TR médios para a audição são frequentemente mais da ordem dos 160 ms e os da visão da
ordem dos 195 ms. Em geral os TR visuais são mais longos cerca de 20% em relação aos TR
auditivos.

Segundo Davis (1957) as diferenças entre estas duas modalidades serão devidas a atrasos no
processamento fotoquímico que transforma a luz em energia eléctrica. Enquanto que os sinais
auditivos atingem o córtex cerebral 8 a 9 ms após a estimulação, os sinais visuais apenas
atingem a respectiva zona cerebral 20 a 40 ms depois. A esta diferença talvez se possa
acrescentar uma outra resultante dos mecanismos cerebrais de processamento e programação
da informação para as diferentes modalidades. No que se refere à velocidade de transmissão
eferente é pouco provável que haja diferenças na medida em que são utilizados os mesmos
músculos para produzir a resposta. Em geral os sujeitos mais rápidos numa modalidade
sensorial também o são noutra.

Pré-aviso e período de preparação: O pré-aviso é o sinal que precede o estímulo e serve para
advertir o sujeito sobre o seu início. O pré-aviso é uma prática frequente no campo do
desporto, provavelmente porque prepara os atletas para maximizar o seu estado de prontidão
na resposta a dar. Existe um intervalo de tempo óptimo para o período de preparação que
antecede a recepção do estímulo. Se este período for demasiado longo o estado de atenção
máxima do sujeito não pode ser mantido durante muito tempo e assim o préaviso deixa de ter
efeito. Se o período for demasiado curto o sujeito tenta calcular o final do período e assim o
pré-aviso não terá grande utilidade. Há assim um intervalo óptimo entre o pré-aviso e o início
da estimulação que se situa entre 1 e 3 segundos.

O valor óptimo do pré-aviso para um determinado TR depende do pré-aviso precedente, assim


como dos valores de pré-aviso seleccionados para a sequência de obtenção dos TR. Sage (1977,
p. 243) cita um estudo de Rothstein (1973) onde se verificou que os TR mais rápidos são
obtidos com o pré-aviso de 3 segundos, quando valores de 1, 2 e 3 segundos foram
apresentados aleatoriamente numa sequência de ensaios. Por outro lado o TR de um ensaio é
afectado pelo valor do pré-aviso do ensaio precedente. Assim o TR é mais rápido num ensaio
com pré-aviso longo, se o ensaio precedente tiver tido um pré-aviso curto do que na situação
inversa.

De notar que o valor do pré-aviso não deve ser constante. Se for constante, o sujeito pode
calcular após alguns ensaios o início da apresentação do estímulo e o valor do TR fica reduzido
a zero.

Efeito do intervalo de tempo entre estímulos sucessivos: Existe um intervalo óptimo entre dois
estímulos sucessivos. Se o intervalo de tempo for muito breve o sujeito responde ao acaso ao
segundo estímulo, às vezes antecipa-se, e outras não chega a responder. Se o intervalo for
muito grande o sujeito pode cansar-se de esperar.

Os estudos sobre estímulos sucessivos proporcionaram a descoberta de um fenómeno


denominado o período refractário psicológico (PRP). Este fenómeno foi inicialmente descrito
por Telford (1931), após descobrir que o TR ao segundo de dois estímulos apresentados
sucessivamente era muito mais longo se o intervalo entre os estímulos fosse inferior a 500 ms.
Se o intervalo entre estímulos fosse superior a 500 ms o TR era mais rápido. Telford sugeriu que
o organismo após reagir ao primeiro estímulo necessitaria de um período de "descanso",
durante o qual estaria refractário à produção de qualquer resposta.

Nas décadas recentes o PRP tem sido explicado de acordo com o modelo de processamento de
informação. Neste sentido o cérebro actuaria como um canal único de processamento de
informação para tarefas que requeriam atenção consciente. Assim o segundo estímulo (E2)
teria de ser armazenado, enquanto o canal estaria ocupado a

processar o primeiro estímulo (E1) Quando o El tivesse sido processado, terminaria então o
período de espera do E2, iniciando-se somente então o processamento deste estímulo. Em
resumo o PRP seria devido ao facto do cérebro ser um sistema de processamento com
capacidade limitada de forma que a informação referente ao E2 teria de ser transitoriamente
armazenada até que o processador central se encontrasse livre.

Estudos efectuados revelaram ainda que o PRP é não só imune aos efeitos da prática,
persistindo mesmo após cerca de três meses de ensaios, mas também ocorre com a
apresentação dos estímulos em modalidades diferentes. O PRP verifica-se mesmo que o El seja
apresentado visualmente e o E2 auditivamente. Isto parece provar que o PRP depende
fundamentalmente da capacidade central de processamento e não da velocidade de condução
nervosa.

Número de estímulos e probabilidade do seu aparecimento: A variação dos TR é proporcional


ao número de estímulos e ao número de respostas dentro das quais a escolha é feita. Em geral
o TR de escolha aumenta com o número de respostas a escolher. No entanto um aumento no
número de respostas não produz sempre um aumento correspondente nos TR, porque os TR
aumentam mais rapidamente com um pequeno número de alternativas do que com um grande
número. Hick (1952) traduziu esta relação numa equação que ficou conhecida por lei de Hick.
A lei de Hick determina que o TR = C log2N, em que C traduz o valor da constante pessoal dos
sujeitos e N se refere ao número de estímulos apresentados. Esta relação é uma função
logarítmica do número de escolhas a efectuar pelo sujeito.

Hyman (1953) investigou outras situações em que as alternativas de resposta não são
equiprováveis, obtendo provas sobre a aplicação geral da teoria de informação à situação de TR
de escolha. Hick e Hyman desenvolveram equações para determinar os valores dos TR médios
em função do número de estímulos, quer no caso de serem equiprováveis (lei de Hick), quer
não (lei de Hick-Hyman).

Duração do estímulo: A duração óptima de um estímulo para se obterem os TR mais baixos


seria da ordem dos 25 a 64 ms.

Figura 1.1: Ilustração de uma situação de alta (a) e baixa (b) compatibilidade entre estímulo e
resposta. (Pág. 30)

Compatibilidade entre estímulo e resposta: A compatibilidade entre estímulo e resposta


permite avaliar se a resposta a ser produzida é a mais "natural" para o estímulo que a
provocou. Uma alta compatibilidade entre estímulo e resposta permite uma resposta muito
rápida por parte do sujeito, o que não acontece quando a compatibilidade é menor. A Figura
1.1 apresenta uma ilustração de duas situações de compatibilidade diferentes. Em (a) quando o
estímulo 1 surge o sujeito responde com A, 2 com B, 3 com C e 4 com D. Em (b) as respostas
aos estímulos 1, 2, 3 e 4 também são dadas com A, B, C e D, no entanto a relação espacial entre
estímulos e respostas é menos "natural" do que em (a). Poder-se-ia ainda estabelecer uma
compatibilidade bastante mais baixa se as respostas aos estímulos 1, 2, 3 e 4 fossem
respectivamente 1-13, 2-D, 3-A e 4-C.

A baixa compatibilidade entre estímulo e resposta pode ter efeitos perniciosos. Alguns destes
efeitos poderão estar relacionados com a ocorrência de desastres no início da história da
aviação devido à disposição não alinhada das zonas de perigo inseridas nos diferentes
mostradores da cabine de pilotagem (Kendler, 1963/1972, p. 1212). Veja-se ainda Marteniuk,
1976, p. 116-120, Fitts e Posner, 1967, p. 21-25.

Prática: 0 treino faz diminuir progressivamente os tempos de reacção, mas somente após um
número considerável de ensaios. Sage (1977, p. 251) cita um estudo de Henry (1952) onde se
verificou que um período de treino de 50 ensaios não fez diminuir significativamente os TR
relativamente a uma outra condição sem ensaios de treino. Todavia quando o número de
ensaios aumenta, a prática passa a surtir efeito nos TR. Numa experiência de TR de
discriminação com uma tarefa de 1023 alternativas Seibel (1963) verificou que o valor dos TR
passaram de cerca de 1,5 segundos no início da experiência para cerca de 0,4 seg. ao fim de
75000 respostas dadas após vários meses. Apesar dos resultados deste estudo se enquadrarem
numa função logarítmica linear para os valores dos dois eixos, Seibel verificou que por volta
das 30.000 respostas os resultados pareciam atingir um patamar com aumentos insignificantes
no valor dos tempos de reacção.
Num estudo com características ecológicas, Crossman (1959) verificou que trabalhadores que
manipulavam uma máquina de fazer cigarros e cujo nível de prática variava de 1 a 7 anos
tinham tempos de realização cada vez mais baixos. Os ganhos de produção que aumentaram
linearmente nos primeiros 4 anos, atingiram depois um patamar ao longo do qual os aumentos
se revelaram insignificantes.

Estes e outros estudos revelam que o desempenho melhora no decurso de longos períodos de
tempo. No entanto o ritmo de aperfeiçoamento vai-se reduzindo com a prática até que surge
um momento em que o valor é praticamente nulo.

O desempenho dos sujeitos não melhora inevitavelmente com a prática. Outros factores como
o conhecimento dos resultados, a oportumdade de aperfeiçoamento e a motivação dos
sujeitos devem ser tidos em conta ainda.

2. Factores relativos aos sujeito:

Idade e sexo: Sage (1977, p. 249) refere que os TR diminuem regularmente entre a infância e a
juventude, situando-se de um modo geral os valores mais rápidos entre os 18 e os 25 anos. A
partir desta fase os TR voltam a aumentar regularmente com a idade, verificando-se um
aumento acelerado a partir dos 60 anos. É possível que os vários processos degenerativos que
ocorrem no sistema nervoso durante a velhice possam explicar em parte um menor grau de
eficiência. Este padrão de resultados foi confirmado recentemente por Wilkinson e Allison
(1989). Estes investigadores obtiveram valores de TR simples para 5325 sujeitos numa tarefa
com uma duração de um minuto durante a visita que os sujeitos efectuaram a uma exposição
sobre material de saúde.

Os TR variam ainda conforme o sexo sendo mais rápidos para o sexo masculino do que para o
sexo feminino e, segundo Sage (1977), este padrão manter-se-ia ao longo da vida de uma
pessoa. As diferenças de sexo seriam maiores na juventude e meia idade relativamente à
infância e velhice.

Traços de personalidade: Os TR parecem ser sensivelmente menores para indivíduos


extrovertidos em relação aos introvertidos. Tem-se verificado também diferenças entre os
sujeitos emotivos e não emotivos, irritáveis e não irritáveis, tímidos e não tímidos.

Inteligência e memória: Os tempos de reacção, particularmente os de escolha variam na razão


inversa do QI. Segundo Scott (1940), os TR simples e de escolha seriam menores em crianças
com QI mais elevado. No entanto Farnsworth, Seashore e Tinker (1927) e Lanier (1934) não
encontraram nenhuma relação entre os TR e o QI.

A influência do valor de QI sobre os TR é uma questão que se mantém em aberto, mas é


provável que as diferenças observadas resultem de situações em que a tarefa a realizar seja
bastante complexa. É possível ainda que tais diferenças se devam ao desejo dos sujeitos mais
inteligentes em responder correctamente ou da menor participação por parte dos sujeitos
"menos" inteligentes.
O efeito da memória a interferir seria sobretudo em experiências de TR de discriminação ou de
escolhas múltiplas.

Factores emocionais: Os TR aumentam sob o efeito de estímulos inesperados ou destinados a


produzir medo. Apenas alguns investigadores observaram a influência da ansiedade sobre os
TR e a sua variabilidade.

Atenção e vigilância dos sujeitos: A atenção do sujeito facilita a resposta, enquanto o


relaxamento fazem aumentar os TR e a sua variabilidade. Por vezes, o prolongamento do efeito
distractivo pode fazer retomar os TR ao seu valor habitual, pois os sujeitos acabam por
dominar a situação.

Fadiga e insónia: Os TR são mais longos quando os sujeitos estão cansados. Segundo alguns
investigadores as insónias prolongadas parecem não ter nenhum efeito; para outros, no
entanto, a insónia afecta indirectamente as TR através da fadiga e da hiperexcitabilidade do
sujeito.

Variações ao longo do dia: Para Klertman, Titelbaum e Feiveson (1935) os TR diminuem de


manhã e aumentam depois do meio-dia, segundo as variações da temperatura interna do
corpo.

Acção de drogas: Observou-se que o álcool aumenta os TR, no entanto os estudos divergem
quanto ao efeito do café e tabaco. A morfina, o pentobarbital podem ser aceleradores,
retardadores ou não ter nenhum efeito, dependendo dos casos. Verificou-se ainda que uma
ausência prolongada de vitamina B aumenta o valor dos TR. Parece concluir-se que o efeito
destas e de outras substâncias varia com os sujeitos, com as quantidades ingeridas e com o
grau de habituação.

Instruções: Os TR podem aumentar ou diminuir se as instruções ministradas ao sujeito forem


num sentido ou noutro. Habitualmente os sujeitos são instruídos a reagirem "o mais
rapidamente possível" nas tarefas de TR simples, enquanto que nas tarefas e TR de
discriminação e de escolha são aconselhados a fazê-lo também, mas de forma a evitar erros.

3. Factores relativos ao ambiente

Estes factores são particularmente difíceis de estudar, quando o ambiente sensorial e o


estímulo ao qual o sujeito deve responder são da mesma natureza. A intensidade luminosa
pode influenciar os TR (principalmente os visuais) assim como o odor, os ruídos e o teor de
óxido de carbono. No entanto a temperatura, pelo menos dentro de certos limites, não parece
influenciar os TR.

Existem algumas divergências acerca da influência da altitude e da pressão atmosférica nos TR,
já que os resultados obtidos não são muito consistentes sobre este efeito.

Aspectos metodológicos em experiências de tempos de reacção


Em experiências de TR observam-se frequentemente valores anómalos; às vezes os valores são
demasiado baixos, da ordem dos 5 a 8 milésimos de segundo, outras vezes demasiado
elevados e da ordem do triplo ou mais da média obtida.

No caso dos TR simples auditivos, valores inferiores a 90-100 ms surgem quase sempre por
antecipação e ocorrem devido ao facto do sujeito adivinhar com certa probabilidade o
momento do aparecimento do estímulo. Por norma valores de TR simples inferiores a 100 ms
são ignorados na determinação da média sendo substituídos pelo valor de um ensaio a
acrescentar ao número previamente fixado. Nas experiências de TR de discriminação e de
escolha é raríssmo verificarem-se valores inferiores a 100 ms. Se porventura ocorrerem o
procedimento a seguir é idêntico ao anterior.

A presença de valores extremamente elevados numa experiência de TR requer mais cuidado, já


que o seu valor afecta consideravelmente a determinação da média. Segundo os sujeitos tais
valores extremos ocorreriam devido a "falhas de atenção momentânea". Os investigadores têm
proposto vários procedimentos para corrigir a distribuição obtida, sendo de destacar os
seguintes.

(1) Omitir todos os valores extremos que ultrapassem um critério pré-fixado, normalmente o
triplo do desvio padrão (DP) para a média obtida. Assim se a média for 207 ms e o DP 38 ms, o
triplo do DP seria 114 ms, de forma que valores extremos superiores a 207+114=321 ms seriam
excluídos.

(2) Um procedimento alternativo seria usar o teste de Dixon, que é um método estatístico para
determinar a probabilidade de que um valor anómalo provém ou não de uma outra
distribuição de TR. No teste estatístico de Dixon calcula-se primeiramente a diferença entre o
valor mais extremo e o valor extremo imediatamente inferior e em seguida compara-se esta
diferença com a diferença total dos valores obtidos.

(3) Substituição do valor extremo pelo valor extremo imediatamente inferior.

(4) Uso da mediana em vez da média, já que a mediana não é tão sensível a valores extremos.

Na impossibilidade de se usar o segundo critério, o procedimento mais aconselhável seria


aplicar o critério de omitir todos os valores que ultrapassem o triplo do DP e substituí-los por
novos ensaios.

As experiências a seguir descritas pretendem ilustrar procedimentos experimentais de


obtenção dos vários tipos de TR, como sejam os TR simples, os TR de discriminação e os TR de
escolha. Pretendeu-se ainda em cada tipo de experiências manipular um ou mais factores,
referidos anteriormente, e que se julgam susceptíveis de influenciar os TR.

1ª Experiência:
Os efeitos da modalidade visual e auditiva nos TR simples

A primeira experiência teve por objectivo comprovar se o efeito da modalidade sensorial


(visual e auditiva) afectaria ou não os tempos de reacção.

Método

Sujeitos: A amostra foi constituída por 42 alunos do 2º ano da Faculdade de Psicologia


e de Ciências da Educação da Umversidade do Porto, inscritos na cadeira de Percepção,
Aprendizagem e Memória no ano lectivo de 1989/90. A grande maioria dos sujeitos
pertenciam ao grupo etário dos 18-21 anos, sendo 36 do sexo feminino e seis do sexo
masculino.

Material e equipamento: A medida dos TR foi obtida a partir de dois reacciómetros das firmas
Bettendorff de Bruxelas e Dufour de Paris. Os valores dos TR eram expressos em umdades de
centésimos de segundo. Foram ainda elaboradas folhas de resposta e instruções escritas, cuja
descrição se encontra em apêndice a este capítulo.

Planeamento: A variável independente manipulada nesta experiência foi a modalidade


sensorial com duas condições: Visual e Auditiva. A variável dependente registada foi o TR
simples. Todos os sujeitos realizaram a experiência nas condições visual e auditiva de modo
que o planeamento foi intra-sujeitos. A distribuição dos sujeitos por cada condição da variável
independente seguiu o método de contrabalanceamento. Os sujeitos ímpares efectuavam a
tarefa na ordem visual-auditivo e os sujeitos pares na ordem auditivo-visual.

Procedimento: Os sujeitos foram instruídos a premir o botão de resposta do reacciómetro o


mais rapidamente possível logo que percebessem o estímulo (som ou luz) utilizando para isso o
polegar da mão preferida. Os sujeitos foram ainda instruídos a manter o dedo sempre em
contacto com o botão de resposta. A fim de se familiarizar os sujeitos com o reacciómetro
efectuaram-se cinco ensaios de treino antes da aplicação dos 20 ensaios experimentais, sendo
este um procedimento comum para as duas modalidades.

As instruções foram apresentadas oralmente a partir de um texto escrito por um


experimentador que também registava os resultados.

Apresentação e análise dos resultados

Os resultados foram registados em centésimos de segundo e depois convertidos em milésimos


de segundo. Os valores anómalos não foram substituídos. Uma ilustração da distribuição dos
valores de TR simples visuais para cada sujeito da experiência efectuada está exposta na Figura
1.2. Esta Figura indica não só os valores médios obtidos para cada um dos sujeitos nos 20
ensaios, mas também o índice de dispersão dos valores em torno da média. Para os 42 sujeitos
as médias situaram-se entre 186 ms para o sujeito 2 e 320 ms para o sujeito 7. Por sua vez o
valor de dispersão mínimo foi de 18 ms para o sujeito 36 e de 66 ms para o sujeito 30.

Quadro 1.2: Médias e desvios padrões para os TR simples na modalidade visual e auditiva
obtidos ao longo de 4 anos lectivos para diferentes amostras de sujeitos. Os valores estão
expressos em milésimos de segundo. (Pág. 36)

Os valores de tendência central dos TR visuais e auditivos estão expressos no Quadro 1.2.
Neste Quadro estão ainda expostos os valores dos TR obtidos em anos lectivos anteriores em
condições experimentais semelhantes. Como se verificaram diferenças médias ,entre as duas
modalidades sensoriais, aplicou-se o teste t-Student ara amostras emparelhadas, a fim de se
verificar se as diferenças observadas eram ou não estatisticamente significativas. O teste t-
Student revelou uma diferença significativa t (41) = 8.5, p < 0.001.

A análise dos resultados revela que os sujeitos não reagem da mesma maneira a estímulos
visuais e auditivos, sendo os TR simples auditivos inferiores aos TR simples visuais.

Figura 1.2: Tempos de reacção simples visuais para os 42 sujeitos da experiência efectuada. Os
pontos e as barras verticais indicam respectivamente os valores das médias e uma umdade de
desvio padrão. (pág. 37)

2ª Experiência:

O efeito sonoro da frequência sonora no TR de discriminação

A segunda experiência foi planeada com o objectivo de investigar se os sujeitos discriminavam


mais rapidamente um som grave de um som agudo.

Método

Sujeitos: A amostra foi constituída por 44 alunos, tendo a quase totalidade deles
participado na experiência anterior. Oito estudantes eram do sexo masculino e trinta e seis do
sexo feminino.
Material e equipamento: O aparelho que apresentou os estímulos sonoros e mediu os TR de
discriminação foi o reacciómetro da firma Dufour de Paris.

Planeamento: A variável independente manipulada foi a frequência sonora, com duas


condições: Som de baixa frequência (som grave) e som de alta frequência (som agudo). A
variável dependente registada foi o tempo de reacção de discriminação. O planeamento foi
inter-sujeitos tendo-se seleccionado aleatoriamente dois grupos de sujeitos em cada aula
prática.

Procedimento: A tarefa consistia na apresentação de dois sons, um grave e outro agudo, numa
ordem ao acaso. Na condição grave a tarefa do sujeito era reagir o mais rapidamente possível
ao som grave, mas sem produzir erros, e ignorar o som agudo. Na condição agudo o sujeito
reagia ao som agudo e ignorava o som grave.

O experimentador registava os TR e os erros do sujeito, entendendo-se por erro uma reacção


ao estímulo que deveria ser ignorado. Foram realizados 25 ensaios, sendo 5 de treino e 20
experimentais.

Apresentação e análise dos resultados

A distribuição dos valores de TR de discriminação para cada sujeito da experiência no som


agudo está exposta na Figura 1.3. Os valores anómalos não foram substituídos. Esta Figura
indica os valores médios de cada um dos 23 sujeitos nos 20 ensaios, assim como o índice de
dispersão dos valores em torno da média. Para os 23 sujeitos as médias situaram-se entre 247
ms para o sujeito 1 e 453 ms para o sujeito 22. Por sua vez o valor de dispersão mínimo foi de
51 ms para o sujeito 1 e de 116 ms para o sujeito 5.

Os valores de tendência central dos TR de discriminação estão expressos no Quadro 1.3. Neste
Quadro estão ainda expostos os valores dos TR obtidos em anos lectivos anteriores em
condições experimentais semelhantes.

A média geral obtida em 21 sujeitos para o estímulo grave foi de 364 ms com um desvio padrão
de 57 ms e para o estímulo agudo a média foi de 332 ms com um desvio padrão de 53 ms,
tendo participado 23 sujeitos. Tendo-se observado diferenças de médias nos TR ao som grave e
agudo aplicou-se o teste t-Student para amostras independentes a fim de se verificar se tais
diferenças eram ou não estatisticamente significativas. Do resultado obtido t (42) = 1,9,p 0,06
conclui-se que as diferenças de médias não são significativas.

Quadro 1.3: Médias e desvios padrões em para os TR de discriminação obtidos ao longo de 4


anos lectivos para diferentes amostras de sujeitos. Os valores estão expressos em milésimos de
segundo. (pág. 39)
Estes resultados revelam que a manipulação da frequência sonora nas condições seleccionadas
não produziu diferenças significativas nos TR de discriminação.

Figura 1.3. TR de discriminação para os 23 sujeitos da experiência efectuada. Os pontos e as


barras verticais indicam respectivamente os valores das médias e uma umdade de desvio
padrão. (pág. 39)

Os resultados de TR de discriminação a sons graves e agudos observados ao longo de 4 anos


lectivos e expostos no Quadro 1.3. não se mostraram muito consistentes. Geralmente os TR são
mais longos ao som grave do que ao som agudo, no entanto a tendência contrária também foi
observada. Devido à ausência de uma tendência nos resultados e às diferenças mínimas entre
as médias gerais talvez se possa concluir que os TR a sons graves não serão diferentes dos TR a
sons agudos.

3ª Experiência:

Os efeitos da resposta motora nos TR de escolha

A terceira experiência teve por objectivo estudar os TR de escolha a estímulos visuais de cor
verde e vermelha, fazendo-se variar o tipo de resposta motora, mão e pé.

Método

Sujeitos: A amostra foi constituída por 44 sujeitos tendo a maior parte deles realizado
as experiências anteriores. Seis sujeitos eram do sexo masculino e trinta e oito do sexo
feminino.

Equipamento e Material: O aparelho que apresentou os estímulos visuais de cor verde ou


vermelha e mediu os TR de escolha foi o reacciómetro da firma Bettendorff de Bruxelas.

Planeamento: A variável independente manipulada foi o tipo de resposta motora: resposta


manual e resposta com o pé. A variável dependente registada foi o TR de escolha. O
planeamento foi intersujeitos. Um grupo respondia aos estímulos visuais com a mão e o outro
grupo respondia com o pé. A distribuição dos sujeitos pelos dois grupos foi feita de forma
aleatória.

Procedimento: A experiência foi preparada de modo a que fossem apresentados ao sujeito


estímulos de cor vermelha e verde, de forma aleatória. Os sujeitos foram instruídos, no caso da
resposta manual, a premirem o botão A com o indicador esquerdo se o verde fosse
apresentado e o botão B com o indicador direito se se tratasse do vermelho. Para a resposta
motora pedal, os sujeitos foram instruídos a responderem ao estímulo de cor verde
pressionando o pedal esquerdo e ao estímulo, vermelho pressionando o pedal direito. Os
sujeitos foram ainda instruídos a reagirem o mais rapidamente possível, de forma a não darem
erros. Foram realizados ao todo 25 ensaios, sendo os 5 primeiros de treino e os restantes
experimentais.

Quadro 1.4: Médias e desvios padrões (em ms) para os TR de escolha obtidos ao longo de anos
lectivos para diferentes amostras de sujeitos. (pág. 41)

Análise e apresentação dos resultados

A distribuição dos valores de TR de escolha para cada sujeito da experiência efectuada com a
mão está exposta na Figura 1.4. Os valores anómalos não foram substituídos. Esta Figura indica
os valores médios de cada um dos 21 sujeitos nos 20 ensaios, assim como o índice de dispersão
dos valores em torno da média. Para estes sujeitos as médias situaram-se entre 370 ms para o
sujeito 16 e 538 ms para o sujeito 17. Por sua vez o valor de dispersão mínimo foi de 47 ms
para o sujeito 6 e de 180 ms para o sujeito 8.

Figura 1.4: TR de escolha de 21 sujeitos. Os pontos e as barras verticais indicam


respectivamente os valores das médias e uma umdade de desvio padrão. (pág. 41)

Os valores de tendência central dos TR de escolha estão expressos no Quadro 1.4. Neste
Quadro estão ainda expostos os valores dos TR obtidos em anos lectivos anteriores em
condições experimentais semelhantes.

Nos ensaios em que houve erros o valor do TR de escolha não foi registado. Na resposta
manual a média foi de 438 ms e o desvio padrão de 51 ms para 21 sujeitos. Na resposta com o
pé a média foi de 504 ms e o desvio padrão de 74 ms para 23 sujeitos. A fim de se verificar se
as diferenças entre médias de respostas motoras eram ou não estatisticamente significativas
utilizou-se o teste t-Student para amostras independentes. O valor obtido t (42) = 3,5, p < 0.005
indica que tais diferenças são estatisticamente significativas.

Da análise dos resultados pode-se concluir que os sujeitos da amostra apresentam TR


diferentes quando respondem com a mão ou com o pé, sendo as respostas manuais mais
rápidas do que as respostas com o pé. Esta tendência foi também observada em anos lectivos
anteriores conforme está expresso no Quadro 1. 4.
Figura 1.5: Comparação entre TR simples (TRS), discriminação (TRD) e de escolha (TRE) de
acordo com as condições das três primeiras experiências. (pág. 42)

Os resultados das três experiências de TR simples, discriminação e de escolha indicaram que os


TR aumentam com a complexidade da tarefa a realizar. Estes resultados estão de acordo com o
modelo proposto por Donders e revelam que quanto mais complexa for uma tarefa maior é a
implicação de funções mentais superiores e consequentemente maior é o tempo gasto na sua
realização. Uma ilustração conjunta dos resultados das 6 condições experimentais manipuladas
nas 3 experiências anteriores pode ser observada na Figura 1.5.

4ª Experiência:

Efeitos do número de alternativas de resposta nos TR de escolha

O objectivo desta experiência foi determinar os valores dos TR para 2, 4 e 8 alternativas de


escolha de resposta em tarefas que poderiam ser facilmente implementadas sem recurso a
equipamento laboratorial.

Método

Sujeitos: A amostra foi constituída por 46 sujeitos tendo a maioria participado nas
experiências anteriores. Seis sujeitos eram do sexo masculino e quarenta do sexo feminino.

Material: Nesta experiência o material utilizado foi um baralho de cartas de jogar a que se
retiraram os ases, reis, valetes, damas e os dez, restando um total de 32 cartas. Usaram-se
ainda cronómetros com registo do tempo em umdades de centésimos de segundo.

Planeamento: Nesta experiência pretendeu-se observar os valores dos TR para duas, quatro e
oito alternativas de distribuição de cartas. A variável independente manipulada foi o número
de alternativas com três condições (2, 4 e 8 distribuições) e a variável dependente registada foi
o tempo de reacção dispendido na distribuição do baralho em duas, quatro e oito categorias.

O planeamento desta experiência foi inter-sujeitos, já que cada sujeito apenas realizou uma
das condições da experiência. A distribuição dos sujeitos pelas condições foi realizada de
acordo com a técnica de controle aleatória.

A experiência incluiu duas fases: Na primeira fase os sujeitos distribuíram as cartas do baralho
de acordo com uma regra, por exemplo, par e ímpar, para a condição "dois". Na segunda fase
distribuíam uma a uma as cartas do baralho em dois grupos iguais sem considerarem a
existência de qualquer regra distribuidora.
O tempo para realizar a tarefa na primeira fase incluiria o tempo de decisão e o tempo de
manipulação; O tempo para realizar a tarefa na segunda fase incluiria somente o tempo de
manipulação. Subtraindo o tempo registado na segunda fase ao tempo registado na primeira
fase obter-se-ia o tempo de decisão, valor que indicaria o tempo dispendido no processo de
decisão no momento de distribuição das cartas pelo número de alternativas em causa.

Procedimento: Cada sujeito realizou a experiência numa das três condições consideradas e de
acordo com as regras seguintes:

Na condição de duas alternativas a regra de distribuição das cartas era par e impar
independentemente da cor das cartas.

Na condição de 4 alternativas a regra de distribuição incluía o número e a cor. Assim um grupo


era formado por cartas pares de cor preta; o 2º grupo era formado por cartas pares de cor
vermelha; o 3º grupo era formado por cartas ímpares de cor preta e o 4º grupo por cartas
ímpares de cor vermelha.

Na condição de 8 alternativas a regra de distribuição incluía o número e o naipe, formando-se 8


grupos: Os 4 primeiros grupos eram formados pelas cartas pares de cada naipe; Assim o lº
grupo - pares e copas; 2º grupo - pares e ouros; 3º grupo - pares e paus; 4º grupo - pares e
espadas. Os 4 últimos grupos eram formados pelas cartas ímpares de cada naipe; Assim o 5º
grupo - ímpares e copas; o 6º - ímpares e ouros; o 7º - ímpares e paus; e o 8º - ímpares e
espadas.

Cada situação experimental constou de um ensaio de treino seguido por três ensaios
experimentais. O tempo dispendido na realização de cada tarefa foi medido desde o início do
sinal verbal três, na série 1, 2, "3" até à distribuição da última carta do baralho. No fim de cada
um dos quatro ensaios as cartas eram baralhadas pelo experimentador. Sempre que um erro
surgisse e não fosse corrigido pelo sujeito durante a distribuição, o ensaio era repetido.

Análise e discussão dos resultados

Os tempos de decisão médios para os três tipos de distribuição foram: Duas distribuições, 3,1
segundos (2,1); Quatro distribuições, 28 segundos (7,2); Oito distribuições, 38,9 segundos
(15,9). Entre parênteses estão os valores de desvio padrão. A distribuição dos valores de cada
sujeito e a função de regressão obtida estão expostos na Figura 1.6. Como se pode observar
nesta Figura os tempos de decisão aumentam à medida que o número de alternativas aumenta
numa progressão logarítmica, sendo o índice de correlação entre estas duas variáveis de 0,93.

A fim de se verificar se as diferenças entre as três condições eram ou não estatisticamente


significativas utilizou-se uma análise de variância umfactorial. Como as variâncias não eram
homogéneas, os dados foram transformados usando-se para o efeito o procedimento da raiz
quadrada, já que se notou uma certa constância de proporção entre a variância e a média. O
resultado da análise de variância indicou que as diferenças entre as três distribuições eram
altamente significativas, F(2, 43) = 52,3, p < 0,001.

Figura 1.6: Função de regressão para os valores dos TR (decisão) obtidos para 2, 4 e 8
distribuições. O tempo de reacção está expresso em segundos. (pág. 45)

Os resultados obtidos na Experiência 4 revelam que os TR vão aumentando à medida que as


tarefas se tornam mais complexas. Enquanto o critério par-ímpar apenas exigia uma decisão
simples baseada num tipo de reconhecimento quase imediato, o critério cor e número já
implicava um raciocínio mais complexo, tendo a complexidade aumentado na situação
número-naipe.

Os resultados parecem confirmar a perspectiva de Donders segundo a qual quanto


mais etapas forem necessárias para a resolução duma tarefa maior será o tempo dispendido
pelo sujeito, tempo este que serve de indicador da complexidade dos processos mentais
envolvidos. No entanto estes resultados não permitem determinar nem os processos mentais
envolvidos nem a duração específica de cada processo.

Conclusão: Modelos recentes de tempos de reacção

Viu-se anteriormente que o método de Donders não conseguiu resolver o problema da


determinação e duração dos processos mentais envolvidos nas tarefas de TR. Mesmo hoje este
problema ainda não obteve uma resposta satisfatória. Saul Sternberg (1969) efectuou uma
reinterpretação do estudo de Donders, propondo uma reposição da cronometria mental
baseada num modelo diferente e que ficou conhecido pelo método dos factores aditivos de
Sternberg. Ao contrário de Donders o método dos factores aditivos de Sternberg não envolve a
inserção ou omissão de fases de processamento na tarefa a realizar, mas antes baseia-se na
manipulação de variáveis que afectam o tempo total requerido por cada fase.

O método de Sternberg permite indicar quantas fases de processamento existem, a duração


eventual de uma fase ou a combinação de várias fases e quais as variáveis que afectam cada
fase. A ilustração do método de Sternberg pode ser efectuada a partir da tarefa de sondagem
de memória por ele inventada. Apresenta-se aos sujeitos uma matriz de itens (por ex.,
consoantes), cujo número varia geralmente entre um e seis durante cerca de 2 segundos. Em
seguida é apresentada uma consoante, chamada consoante-sonda, que em metade dos
ensaios fez parte do conjunto apresentado e na outra metade não fez. A tarefa do sujeito
consiste numa reacção rápida, pressionando um botão "sim" se a consoante-sonda fez parte do
conjunto anteriormente apresentado, ou no botão "não", se não tiver sido incluída.

Segundo Sternberg (1969, 1975) existiriam 4 fases entre a apresentação do estímulo-sonda e o


registo da resposta: (1) Codificação do estímulo-sonda; (2) Comparação serial entre o estímulo
e o conjunto apresentado; (3) Decisão binária sobre a presença ou ausência; (4) Tradução e
organização das respostas. Estas fases estão indicadas na Figura 1.7. Cada uma destas fases de
processamento começaria somente após a fase anterior ter acabado, de modo que o
processamento seria aditivo e serial.

Sternberg não acrescenta ou omite fases como fez Donders, antes selecciona e manipula
variáveis independentes que possam afectar especificamente cada uma das fases, fazendo
variar portanto o tempo de reacção. A fase (1) de codificação do estímulo-sonda poderá ser
manipulada a partir da maior qualidade ou degradação do estímulo; A fase (2) de comparação
serial seria analisada a partir do número de estímulos seleccionados, 1, 2, ..., 6; A fase (3) seria
analisada através da pertença ou não do estímulo-sonda ao conjunto apresentado; A fase (4)
de tradução e organização da resposta seria manipulada a partir da probabilidade diferenciada
de produção de uma resposta positiva e negativa e do grau de compatibilidade da resposta.

Figura 1.7: As fases de processamento cognitivo propostas por Sternberg para analisar a tarefa
de sondagem de itens na memória. (Pág. 47)

Segundo Sternberg a manipulação específica destas variáveis independentes permitiria


determinar a duração de cada fase. A determinação da duração da fase 2 seria estabelecida a
partir do valor do declive* da função de respostas positivas e negativas.

* O declive de uma função linear representa o aumento de grandeza na variável Y (TR) por cada
aumento na variável X (Nº de consoantes do conjunto apresentado)

Estudos efectuados revelaram que este valor se situaria à volta dos 40 ms por item. Mantendo
constante o conjunto de itens da fase 2, o valor do declive indicaria ainda o grau de qualidade
ou de degradação do estímulo. Para uma ilustração, veja-se a Figura 1.8.

O valor de intersecção das funções no eixo dos Y indicaria as diferenças do tipo de resposta que
seriam cerca de 50 ms mais rápidas para respostas positivas do que negativas. Mantendo
constantes os valores das fases anteriores, o valor da intersecção da função exprimiria ainda o
grau de probabilidade da resposta da 4ª fase.

O método dos factores aditivos de Sternberg não permite medir o valor de duração de cada
uma das 4 fases apresentadas na Figura 1.7. Permite no entanto influenciar a grandeza de
processamento de cada fase, através da manipulação de variáveis específicas, e determinar o
valor do TR que é afectado pela variável em causa.
Figura 1.8: TR previstos em função do número de itens apresentados na tarefa. de sondagem
de memória de Sternberg (1969) para respostas positivas e negativas com indicações do declive
(y) e intersecção (i). (Pág. 48)

O método de Sternberg parte do pressuposto de que se duas variáveis independentes


interagem, estas variáveis afectariam a duração do mesmo processo. Se, pelo contrário, forem
aditivas, as variáveis afectariam as durações de fases diferentes. Por exemplo, se as variáveis
qualidade do estímulo-sonda e probabilidade de resposta interagissem entre si, provavelmente
ambas afectariam a fase 1 ou a fase 4; se fossem aditivas, isto é, não interagissem, uma
afectaria a fase um e a outra a fase quatro, ou vice-versa.

Recentemente Taylor (1976) e McClelland (1979) contestaram o pressuposto de aditividade do


modelo de Sternberg, propondo um modelo de cascata em que o processamento de uma fase
teria início antes de estar concluído o processamento da fase anterior. Embora a descrição do
modelo de cascata ultrapasse os objectivos deste estudo, refira-se que o modelo aditivo de
Sternberg é considerado mais parcimonioso e capaz de explicar satisfatoriamente um número
bastante elevado de estudos experimentais, Miller (1988).

Bibliografia citada e recomendada

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Winston.

Apêndice 1

Instruções

TR simples: Este aparelho vai apresentar automaticamente uma sequência de estímulos


luminosos (ou sonoros), sempre idênticos e a intervalos irregulares. Logo que perceba o
estímulo apresentado pressione imediatamente este botão. Há 5 ensaios de treino seguidos de
20 ensaios experimentais.

TR de discriminação: Este aparelho vai apresentar automaticamente uma sequência de dois


estímulos sonoros diferentes (som grave e som agudo) a intervalos irregulares. Se o som grave
(ou agudo) for apresentado pressione imediatamente este botão; se for o som agudo (ou
grave), não reaja. Há 5 ensaios de treino seguidos de 20 ensaios experimentais.

TR de escolha (Reacciómetro): Este aparelho vai apresentar uma sequência ao acaso de luzes
vermelhas e verdes a intervalos irregulares. Se a luz vermelha surgir pressione imediatamente
o botão "A" (ou o pedal esquerdo); se for a luz verde pressione imediatamente o botão "B" (ou
o pedal direito). Há 5 ensaios de treino seguidos de 20 ensaios experimentais.

TR de escolha (Cartas, 2 alternativas): Deste baralho foram retirados os reis, valetes, damas,
ases e 10 tendo ficado 32 cartas. A sua tarefa consiste em distribuir uma a uma o mais
rapidamente possível as 32 cartas em dois grupos: Cartas de nº ímpar (3, 5, 7 e 9) e cartas de
nº par (2, 4, 6, 8). Há um ensaio de treino e 3 ensaios experimentais. Comece quando ouvir
três, na sequência "1, 2, 3".

TR de escolha (Cartas, 4 alternativas): Deste baralho foram retirados os reis, valetes, damas,
ases e 10 tendo ficado 32 cartas. A sua tarefa consiste em distribuir uma a uma o mais
rapidamente possível as 32 cartas em quatro grupos: Cartas de cor vermelha e nº ímpar (3, 5, 7
e 9 de copas e ouros); Cartas de cor preta e nº ímpar (3, 5, 7 e 9 de paus e espadas); Cartas de
cor vermelha e nº par (2,4, 6 e 8 de copas e ouros); Cartas de cor preta e nº par (2, 4, 6 e 8 de
paus e espadas). Há um ensaio de treino e 3 ensaios experimentais. Comece quando ouvir três,
na sequência "1, 2, 3".

TR de escolha (Cartas, 8 alternativas): Deste baralho foram retirados os reis, valetes, damas,
ases e 10 tendo ficado 32 cartas. A sua tarefa consiste em distribuir uma a uma o mais
rapidamente possível as 32 cartas em oito grupos: Par - copas; Par - ouros; Par - paus; Par -
espadas; ímpar - copas; ímpar - ouros; ímpar - paus; ímpar - espadas. Há um ensaio de treino e
3 ensaios experimentais. Comece quando ouvir três, na sequência " 1, 2, 3".

Tempo de Movimento (Cartas, 2, 4, 8 alternativas): A sua tarefa consiste em distribuir uma a


uma o mais rapidamente possível estas 32 cartas em dois (ou quatro ou oito) grupos,
independentemente do número, cor ou naipe. Comece quando ouvir três, na sequência "1, 2,
3".

Quadro (pág. 53)

Determinação dos Limiares Absoluto e Diferencial Segundo a Metodologia da Psicofísica


Clássica

A psicofísica clássica estuda um conjunto de procedimentos metodológicos a fim de se


determinar com precisão a relação entre uma grandeza física e a correspondente grandeza
psicológica, conhecida por sensação. Esta relação apresenta um valor mínimo, o limiar
absoluto, e umdades de medida, expressas pelos limiares diferenciais respectivos. Este estudo
teve por objectivo por um lado efectuar uma breve descrição da psicofísica clássica tendo em
consideração as contribuições de Weber, Fechner e mais recentemente Stevens e outros
investigadores contemporâneos, e por outro apresentar dois estudos empíricos de obtenção
dos limiares absoluto e diferencial. Assim na 1ª experiência pretendeu-se determinar o valor
do limiar absoluto de audibilidade mínima para cinco frequências sonoras. Na 2ª experiência
procurou-se determinar o valor do limiar diferencial numa tarefa de discriminação do brilho.
Ambos os limiares foram obtidos de acordo com o método dos limites. Na conclusão são feitas
algumas observações sobre as limitações da psicofisica clássica, chamando-se, particularmente
a atenção para factores, como a atitude e motivação dos sujeitos e o respectivo papel na
determinação dos limiares.

Introdução

A psicofísica é a área da percepção que pretende determinar a relação funcional entre uma
grandeza física e a correspondente grandeza percebida ou subjectiva. Como não há uma
relação linear entre os aumentos da estimulação física e os aumentos correspondentes às
representações subjectivas é necessário estabelecer métodos próprios para determinar as
relações funcionais entre os domínios físicos e os domínios psicológicos. Os métodos
psicofísicos foram inventados com este objectivo e envolvem procedimentos que fazem variar
as dimensões físicas do estímulo e, ao mesmo tempo, registam o modo como o sujeito percebe
essas variações.

Weber (1795-1878) foi um pioneiro neste domínio, tendo realizado estudos que o levaram a
concluir que a intensidade de excitação necessária para distinguir uma primeira sensação duma
segunda está relacionada com a sensação inicial. Tal relação é constante e susceptível de
determinação. Se a intensidade aumenta pouco a pouco, a sensação inicial permanece
imutável a princípio. Para que o sujeito perceba o aumento, isto é, para que experimente uma
sensação diferente, é necessário que o estímulo apresente uma grandeza maior ou menor, mas
proporcional à intensidade de excitação inicial de acordo com a fórmula seguinte: (Verificar
fórmula - Pág. 55)

?I= K

em que ?I representa a mudança na grandeza do estímulo para se produzir uma diferença


apenas notável; 1 é a grandeza física do estímulo e K é uma constante. Para melhor se
compreender esta relação, imagine-se o exemplo seguinte. Se se colocar em cada uma das
mãos um pacote de açúcar de 10 gramas e formos progressivamente aumentando a
quantidade de açúcar numa das mãos, talvez a certa altura se comece a discriminar uma
diferença de peso, quando esta for igual ou superior a três gramas. O intervalo aumenta
proporcionalmente no caso de se colocar um quilograma de açúcar. Neste caso a diferença só
será notada quando numa das mãos se atingir o peso de 1300 gramas. O Quadro 2.1 ilustra
esta relação de constância que se verifica para diferentes valores do estímulo inicial.

A lei de Weber (ou constância de Weber como é frequentemente também conhecida)


estabelece que a diferença mínima perceptível (DMP) entre dois estímulos é uma proporção
entre tais estímulos e independente da grandeza de cada um deles. Assim a DMP em relação a
dois estímulos de uma dada intensidade não é uma grandeza absoluta, mas uma grandeza
relativa em relação ao estímulo inicial. Esta diferença, em termos de intensidade, é uma
proporção do estímulo inicial, de modo que varia sempre com esse estímulo. Além da
percepção do peso, a constante de Weber é também válida no domínio de outras sensações
como por exemplo as sensações de pressão cutânea, de intensidade sonora, de intensidade
olfactiva ou de luminosidade.

Quadro 2.1: Dados hipotéticos destinados a ilustrar a constância de Weber ?I / I = K). (Pág. 56)

Fechner (1860, 1966), baseando-se nos trabalhos de Weber, deduziu matematicamente uma lei
mais precisa que relacionava a "energia física" com a "energia mental". A intensidade da
sensação aumentaria proporcionalmente com o logaritmo da intensidade do estímulo
respectivo. Matematicamente a lei de Fechner seria expressa pela fórmula, S = K log I, em que
S era igual à magnitude da sensação, log I era igual ao logaritmo na base 10 da medida física do
estímulo e K era igual à constante derivada da fracção de Weber.

Fechner inventou, assim, uma escala de sensações, que estabeleceria a relação entre
sensações físicas e psicológicas. Para tal necessitou de delimitar um ponto zero e as umdades
de medida. O ponto zero seria o ponto a partir do qual o sujeito capta ou deixa de captar um
determinado estímulo, conhecido por limiar absoluto. A umdade de medida seria a menor
quantidade de energia acrescentada ou retirada a um estímulo para que se notasse uma
diferença, conhecida por limiar diferencial.

Estes dois limiares não são fixos, uma vez que podem variar ao longo do tempo. Isto é, num
momento o valor do limiar pode ser X, e num momento posterior pode ser X+1 ou X-1. Estas
variações momentâneas distribuir-se-iam no entanto aleatoriamente e segundo uma
distribuição normal. Deste modo a determinação da energia mínima necessária ou limiar
absoluto seria uma abstracção estatística e de certo modo uma definição arbitrária.

Fechner desenvolveu um vasto trabalho experimental para que a sua lei tivesse validade
empírica, tendo chamado particularmente a atenção para a necessidade de se seguir um
planeamento experimental rigoroso, um aspecto importante a ter em conta por este tipo de
investigação. Gustav T. Fechner defendeu ainda que o âmbito da psicofísica seria determinar
leis gerais entre estímulos e as sensações e deveria ser compreendida como uma teoria de
relações funcionais entre o corpo e a mente. A lei de Fechner, os estudos sobre a sua validade
empírica e as noções de limiar estão descritas numa publicação que é considerada como o
primeiro tratado de psicologia experimental, Elementos de Psicofísica (1860).
Fechner teve um grande impacto no surgimento da psicologia como ciência, ao fornecer uma
metodologia quantitativa de grande rigor formal. De acordo com Anderson e Borkowski (1977,
p. 251) Fechner terá influenciado, entre outros investigadores, Freud, particularmente as
concepções do princípio do prazer e o limiar de consciência; Ebbinghaus que aliás reconheceu
a influência do livro Elementos de Psicofísica nos seus estudos de aprendizagem e memória
humanas; e William Stern, aluno de Ebbinghaus, que desenvolveu o conceito de quociente
intelectual e foi um dos pioneiros do estudo das diferenças individuais.

Quase 100 anos após a publicação da obra de Fechner, Stevens (1951, 1957) descobriu que a
magnitude psicológica não aumentava como uma função logarítmica, mas sim como uma
função exponencial. Assim, a magnitude percebida seria proporcional à magnitude física
elevada a uma certa potência. Esta relação pode ser traduzida pela equação matemática
seguinte E = K x In, em que E = Estímulo percebido, I = Intensidade do estímulo físico, n = Valor
da potência de um contínuo sensorial dado, K = Constante que depende do tipo de umdades
de medida da escala.

A lei de Fechner, no entanto, não foi posta de lado completamente, uma vez que parece ser
bastante adequada para determinar os valores de limiar com estímulos físicos de grandeza
intermédia. Entretanto o mais recentemente Nihm (1976) propôs uma lei polinomial que
representaria adequadamente os dados de Fechner e Stevens, gerindo tratar-se portanto de
uma lei psicofisica mais geral.

Os métodos psicofísicos incluem geralmente diferentes tipos de procedimentos para se


determinar os limiares absoluto e diferencial. A seguir apresenta-se uma breve descrição dos
principais métodos.

1. O método dos limites

Para a determinação do limiar absoluto apresentam-se aos sujeitos séries de estímulos


sucessivamente diferentes: uma série ascendente, em que o sujeito tem de referir se já
detectou ou não a presença do estímulo; outra descendente, na qual o sujeito refere se sim ou
não já deixou de detectar o estímulo. Sendo assim, o limiar absoluto é definido como um valor
da intensidade do estímulo entre a transição da resposta do não para o sim (ensaios
ascendentes) e do sim para o não (ensaios descendentes). Este procedimento está ilustrado no
Quadro 2.2. O limiar absoluto seria a média dos limiares absolutos obtidos em cada ensaio, que
no caso do exemplo apresentado no Quadro 2.2 seria 14,2.

Quadro 2.2: Procedimento para determinação do limiar absoluto segundo o método dos
limites usando-se 6 ensaios com apresentação alternada estímulo sonoro expresso em
descendente e ascendente dos valores de um decibeis (db). (Pág. 58)
Por vezes, as diferenças obtidas entre os resultados nos ensaios ascendentes e descendentes
ocorrem como resultado de respostas tendenciosas. Destas, destacam-se o erro de habituação
e o erro de antecipação. O erro de habituação consiste numa reacção homogénea do sujeito ao
longo do ensaio, ou seja, o sujeito continua a responder sim na série descendente apesar de já
não detectar o estímulo; e não na série ascendente, embora o estímulo já seja detectável. O
erro de antecipação acontece quando o sujeito responde prematuramente, antecipando a
detecção do estímulo ao nível do limiar absoluto.

Estes dois tipos de erro opõem-se funcionalmente; quando o limiar absoluto descendente é
menor que o limiar absoluto ascendente, ocorre um erro de habituação. Ao longo de vários
ensaios ascendentes e descendentes este erro pode ser corrigido pelos erros eventuais de
antecipação. Em geral estes dois tipos de erro podem ser atenuados, alternado-se os ensaios
ascendentes e descendentes.

Quadro 2.3: Procedimento para determinação do limiar diferencial segundo o método dos
limites usando-se 6 ensaios com apresentação alternada descendente e ascendente dos
valores de um estímulo luminoso expresso em lux. O estímulo padrão (EP) foi fixado em 240. O
estímulos apresentados acima e abaixo do EP são os estímulos comparativos (Ecs). (Pág. 59)

Para a determinação do limiar diferencial apresenta-se um estímulo padrão (EP) e uma


série de estímulos comparativos (EC), em ensaios alternadamente ascendentes e
descendentes. O limiar diferencial é calculado a partir da diferença entre a média dos valores
obtidos entre "maior que" e "igual" por um lado e a média dos valores obtidos entre "menor
que" e "igual" por outro lado em cada ensaio ascendente e descendente. A ilustração deste
procedimento está exposta no Quadro 2.3. Neste Quadro o estímulo padrão foi estabelecido
em 240, tendo-se apresentado em cada ensaio ascendente e descendente valores do estímulo
comparativo abaixo e acima de 240, evitando-se todavia começar sempre pelo mesmo valor. O
limiar diferencial é expresso de acordo com a fórmula seguinte:

L. D. = (L.D. +) - (L.D. -)

Tendo em conta os valores do Quadro 2.3 determina-se (1) o limiar médio superior, 244; (2) o
limiar médio inferior, 237,3; (3) a diferença entre estes dois limiares médios representa o
intervalo de incerteza relacionado com o valor do estímulo padrão seleccionado, 6,7; (4) o
limiar diferencial é igual a metade do intervalo de incerteza e representa o valor mínimo, a
mais ou a menos, que o estímulo comparativo deve apresentar para se diferenciar do estímulo
padrão, 3,35.
2. O método do ajustamento

O procedimento utilizado neste método é basicamente o mesmo que o do método dos limites,
uma vez que este também utiliza séries ascendentes e descendentes. A diferença entre eles
reside no facto, de no método do ajustamento, a manipulação dos estímulos ser feito pelo
sujeito e não pelo experimentador. Assim na determinação do limiar absoluto o sujeito tenta
ajustar a grandeza do estímulo até este ser percebido nos ensaios ascendentes ou deixar de ser
percebido nos ensaios descendentes. No final o limiar absoluto é calculado a partir da média
dos vários ajustamentos.

O limiar diferencial é também obtido por ajustamentos feitos pelo sujeito entre o estímulo
padrão e os estímulos comparativos, tentando-se determinar a média entre "maior que" e
"igual" por um lado e a média entre "menor que" e "igual" por outro, sendo a fórmula de
cálculo igual à do método dos limites.

3. O método do estímulo constante

Para calcular o limiar absoluto, o experimentador selecciona cerca de 10 valores do estímulo,


que se encontram acima ou abaixo do limiar absoluto presumível. Cada um dos estímulos é
apresentado várias vezes numa ordem aleatória. Em cada ensaio o sujeito deverá responder se
"sim" ou "não" detecta estímulo. Naturalmente que a proporção das respostas "sim" sobe à
medida que aumenta a grandeza do estímulo. Considera-se que o limiar absoluto é a
proporção de respostas "sim" dadas pelo sujeito em 50% dos ensaios.

A determinação do limiar diferencial é semelhante a do limiar absoluto. A diferença entre eles


reside no facto de no limiar absoluto se apresentar um só estímulo por ensaio, enquanto que
no limiar diferencial se apresentam dois estímulos (os estímulos padrão e comparativo). Na
determinação do limiar diferencial solicita-se ao sujeito que indique se os estímulos
comparativos são maiores, menores ou iguais em relação ao estímulo padrão. O limiar
diferencial é calculado a partir da diferença entre a média dos valores obtidos entre "maior
que" e "igual" por um lado e a média dos valores obtidos entre "menor que" e "igual" por
outro, sendo a fórmula de cálculo igual à do método dos limites.

Este método é considerado o mais exacto dos três métodos referidos, devido ao facto dos
estímulos serem apresentados de forma aleatória, evitando-se mais facilmente os erros de
habituação e antecipação, que ocorrem por vezes nos métodos dos limites e ajustamento.
Apesar deste método ser considerado o mais preciso, apresenta porém a desvantagem de
poder provocar algum enfado nos sujeitos devido ao número elevado de respostas que exige.

4. O método de escada
Os métodos anteriores foram propostos por Fechner no século passado. Recentemente foi
proposto um método alternativo de determinação do limiar absoluto, conhecido por método
de escada e que obteve uma certa popularidade (Haber e Hershenson, 1973). Essencialmente
este método consiste na apresentação do estímulo com valores acima do limiar. Em seguida o
experimentador diminui a intensidade até o sujeito não ser capaz de detectar o estímulo; nessa
altura volta a aumentar até o detectar, depois volta logo a diminuir até deixar de o detectar e
assim sucessivamente em descidas e subidas na intensidade do estímulo durante umas 20 a 30
apresentações de valores de intensidade do estímulo. Nesta altura é possível atingir-se um
patamar na grandeza do estímulo que traduz razoavelmente bem o valor do limiar absoluto.

Este método é considerado um refinamento do método dos limites, na medida em que o


experimentador se concentra essencialmente à volta dos valores imediatamente acima e
abaixo do presumível limiar. Ao apresentarem-se valores bastante acima e abaixo do limiar no
método dos limites, as respostas a obter eram previsíveis e por conseguinte pouco
informativas.

Além dos valores do limiar absoluto e diferencial os procedimentos usados na psicofísica


clássica permitem ainda determinar o ponto de igualdade subjectiva (PIS) e o erro constante
(EC). O PIS é o valor mais provável da grandeza do estímulo comparativo que se julga como
igual ao estímulo padrão apresentado. Se o observador for preciso, o que raramente acontece,
o PIS seria igual ao valor do estímulo padrão. A fórmula de cálculo é a seguinte:

PIS = (L.D. +) + (L.D. -)

No caso dos valores do Quadro 2.3, o PIS seria igual a (244+237,3) / 2 = 240,65.

O erro constante representa a diferença entre o valor do estímulo padrão e o do PIS, que no
exemplo anterior seria 0,65. Quando o PIS tem um valor superior ao do estímulo padrão, o erro
constante é positivo; quando tem um valor inferior é negativo.

Fechner definiu o limiar como o ponto a partir do qual o sujeito detecta o estímulo em 50% dos
ensaios. Isto significa que os valores dos limiares absoluto e relativo são valores médios e que
estes valores são afectados por dois factores importantes como a habituação e a antecipação.
O controle destes factores é feito a partir da alternância da ordem de apresentação das séries
descendentes e ascendentes. Além destes factores, analisados no âmbito da psicofísica
clássica, seria importante referir ainda os seguintes:

O valor com que se inicia cada uma das séries descendentes e ascendentes deve ser diferente
de ensaio para ensaio, de modo a evitar que o sujeito se habitue a um certo período de tempo
e possa adivinhar a presença ou ausência do estímulo no limiar absoluto ou a mudança de
grandeza qualitativa no limiar diferencial.

O contexto ambiente em que a experiência se realiza pode influenciar a resposta do sujeito,


por exemplo, numa experiência de determinação do limiar absoluto de um som este pode
variar conforme o grau de ruído ambiente.

As expectativas do experimentador também podem ser influentes. Se este espera que as suas
hipóteses sejam confirmadas, pode inconscientemente escolher valores de estímulos a serem
apresentados, de acordo com a expectativa de onde o limiar irá incidir.

A variação da energia do estímulo pode, por exemplo, ter influência na percepção do brilho,
pois o número de fotões de uma fonte luminosa varia de momento para momento. Também a
sensibilidade prévia do sujeito poderá influenciar ainda a percepção do brilho, pois o sujeito
terá mais dificuldades em percepcionar uma luz se vier dum local bastante iluminado do que se
vier dum local pouco iluminado.

Diferenças individuais podem também ter um papel importante na determinação dos limiares,
já que sujeitos de personalidade indecisa ou expedita podem agir, num momento de indecisão
sobre a resposta a dar, de acordo com o traço dominante de personalidade.

1ª Experiência: Obtenção do Limiar Absoluto Auditivo

O objectivo desta experiência foi determinar o limiar absoluto de audibilidade mínima numa
amostra de jovens para diferentes frequências sonoras de acordo com o método psicofísico dos
limites.

Método

Sujeitos: A amostra foi constituída por 45 estudantes de psicologia da Universidade do Porto no


ano lectivo de 1988/89. A grande maioria dos sujeitos pertenciam ao grupo etário dos 18 - 21
anos, sendo a maioria do sexo feminino.

Material: Nesta experiência foi usado um audiómetro, aparelho que permite a apresentação de
sons de diversas frequências e intensidades, de forma a que seja possível medir o nível de
audibilidade mínimo.

Planeamento: O objectivo da experiência foi determinar o limiar absoluto de audibilidade


mínima para diferentes frequências sonoras, tendo-se optado pelos valores de 125, 500, 1000,
3000 e 8000 ciclos por segundo (cps). O método psicofísico de determinação do limiar absoluto
foi o método dos limites. A variável independente manipulada foi a frequência do som, com
cinco condições e a variável dependente registada foi o valor da intensidade sonora mínima
percebida ou o limiar absoluto. A ordem de apresentação das condições da variável
independente foi contrabalanceada. Assim apresentou-se ao sujeito 1 a ordem 125, 500, 1000,
3000, 8000; ao sujeito 2 a ordem, 500, 1000, 3000, 8000, 125; ao sujeito 3 a ordem, 1000,
3000, 8000, 125, 500; etc.).

Procedimento: O sujeito efectuava a experiência na companhia do experimentador no interior


de uma cabine insonorizada. Após terem sido lidas e compreendidas as instruções o sujeito era
convidado a colocar uns auscultadores, que apresentavam os sons do audiómetro. Em seguida
o experimentador apresentava um som de uma das cinco frequências manipuladas numa
ordem descendente. A tarefa do sujeito consistia em pressionar um botão de resposta quando
deixasse de ouvir o som. No ensaio seguinte, a intensidade do estímulo sonoro aumentava
progressivamente a partir de um valor inaudível e o sujeito deveria pressionar o botão de
resposta, quando o som se tornasse perceptível. Para cada condição realizaram-se seis ensaios
experimentais, sendo três ascendentes, em que o experimentador aumentava a intensidade do
estímulo sonoro de cinco em cinco decibeis e três descendentes, em que se diminuía a
intensidade do som na mesma proporção. Cada sessão durou cerca de 10 minutos. Por
manifesta falta de tempo determinou-se apenas o valor do limiar absoluto para o ouvido
direito.

Apresentação e análise dos resultados

Nesta experiência o limiar absoluto foi calculado para a totalidade dos sujeitos e para cada
frequência, a partir da média dos valores obtidos na totalidade dos seis ensaios, ascendentes e
descendentes. Os resultados obtidos, expressos em decibeis,* encontram-se expostos no
Quadro 2.4. Ainda no Quadro 2.4 encontram-se os valores de audibilidade mínima obtidos por
Davis e Krantz (1964) a partir de vários estudos efectuados em amostras de sujeitos jovens e
com audição normal. Os valores propostos por Davis e Krantz (1964) foram obtidos em
condições de audição consideradas óptimas e revistos pela ISO (International Organization for
Standardization).

* 0 decibel é uma unidade logarítmica de medida da intensidade sonora e é expresso pela


fórmula DB = 20 log10 P1/P0, em que P1 representa a pressão sonora a descrever e P0
representa a pressão de referência, normalmente o valor de 0,0002 dynes/cm2. O valor de
0,0002 dynes/cm2 representa a pressão de um som de 1000 cps, próximo do valor de
audibilidade mínima. Através desta fórmula pode-se calcular o valor em DB de um som 10
vezes superior ao som de referência, que seria (20 log10 (10) = 20 DB: Um som 100 vezes
superior corresponderia a 40 DB. Isto significa que um som de 40 DB representaria 10000
unidades de intensidade física do estímulo, enquanto que um som de 20 representaria apenas
100 unidades.
Quadro 2.4: Valores médios de audibilidade mínima (limiar absoluto), desvios padrões
respectivos e valores mínimos e máximos obtidos para cinco frequências sonoras. Na quinta
linha encontram-se os valores médios obtidos por Davis e Krantz (1964). (pág.65)

Análise do Quadro 2.4 revela uma pequena subida do limiar absoluto de 125 para 500
cps e depois uma manutenção do limiar absoluto até aos 8000 cps. A subida de 125 para 500
pode parecer surpreendente atendendo aos resultados esperados, no entanto, esta subida
ocorreu na maioria dos sujeitos, o que revela que não é um artefacto da experiência. Por outro
lado a ordem de apresentação das diferentes frequências foi contrabalanceada, de modo que é
possível que os resultados sejam devidos a problemas de aferição do audiómetro.

Os valores de audibilidade mínima, que em geral se situam por volta dos 10 decibeis na zona
de frequências dos 1000 a 3000 cps, apresentaram valores quase triplos destes. É possível que
os resultados desta experiência possam ter sido afectados, ou por factores de calibragem do
aparelho, ou devido às condições de insonorização da câmara, que não eram as ideais.

2ª Experiência: Obtenção do Limiar Diferencial de Brilho

O objectivo desta experiência foi a determinação do limiar diferencial de acordo com o método
psicofísico dos limites numa tarefa de discriminação de brilho.

Método

Sujeitos: A amostra foi constituída por 17 alunos do lº ano do curso de Ciências da


Educação da Universidade do Porto.

Material: Nesta experiência usou-se um aparelho de discriminação do brilho, uma espécie de


caixa rectangular onde se encontram dois discos, cujos valores de luminosidade ou brilho são
manipulados através de comandos independentes. O brilho de cada um dos discos é regulado
para valores que vão desde 0 a 320. Este aparelho permite determinar o grau de discriminação
entre duas luzes de intensidade diferentes.

Planeamento: A determinação do limiar diferencial na percepção do brilho foi obtida através


do método dos limites. A cada sujeito foram apresentadas duas luzes: uma fixa (estímulo
padrão = 240) e outra regulada para uma intensidade inferior, igual ou superior ao estímulo
padrão (estímulo comparativo). Numa fase ascendente, aumentou-se progressivamente a
intensidade do estímulo comparativo e o experimentador anotava as respostas do sujeito
menor, igual e maior que em cada uma das apresentações. Na fase descendente, diminuiu-se
progressivamente a intensidade do estímulo comparativo e o experimentador anotava as
respostas do sujeito maior, igual e menor que, em cada uma das apresentações. A variável
dependente foi o limiar diferencial obtido a partir das respostas de maior, igual e menor que
dadas pelos sujeitos. Nesta experiência realizaram-se seis ensaios experimentais, três
ascendentes e três descendentes alternadamente.

Procedimento: Cada sujeito sentava-se em frente do aparelho de discriminação do brilho, onde


podia observar dois discos iluminados.

O disco da esquerda representava o estímulo padrão (EP) e o disco da direita o estímulo


comparativo (EC). Na fase descendente, o experimentador diminuía a intensidade do EC
progressivamente e anotava as respostas maior, igual e menor que, dadas pelo sujeito, parando
quando o sujeito dizia que o brilho do EC era menor que o EP duas vezes consecutivas. Na fase
ascendente, o experimentador aumentava a intensidade do estímulo comparativo
progressivamente e anotava as respostas menor, igual e maior que, dadas pelo sujeito, parando
quando o sujeito dizia que o brilho do EC era maior que o estímulo padrão duas vezes
consecutivas.

Quadro 2.5: Valores do limiar diferencial, ponto de igualdade subjectiva e intervalo de


incerteza numa experiência de discriminação do brilho, com o estímulo padrão fixado em 240.
(Pág. 67)

Apresentação e análise dos resultados

O limiar diferencial foi determinado de acordo com a fórmula apresentada na Introdução deste
estudo. Assim calculou-se primeiramente as médias dos limites inferiores e superiores; Em
seguida subtraiu-se a diferença entre as médias e dividiu-se por dois. Os valores a calcular para
se determinar o limiar diferencial médio para os 17 sujeitos deste estudo encontram-se
expostos no Quadro 2.5.

O limiar diferencial de 2,5 indica que este valor seria a menor quantidade de energia
acrescentada ou retirada ao estímulo padrão seleccionado para que se notasse uma diferença.

Conclusão

Os valores obtidos na primeira experiência de determinação do limiar absoluto têm um


significado muito restrito, de modo que os resultados obtidos não devem servir de referência
comparativa, tendo quando muito um carácter predominantemente ilustrativo da metodologia
a usar. Por outro lado, os resultados da segunda experiência, além de serem ilustrativos da
metodologia de determinação do limiar diferencial, apresentam maior consistência e podem
permitir eventuais comparações.
A determinação dos limiares absolutos e relativos tem um passado que remonta às origens da
psicologia científica. A metodologia de obtenção dos limiares, de que Fechner foi o principal
obreiro, revela um grande rigor científico, a ponto de ser usada com frequência em diversas
situações. Por exemplo, as provas de qualidade de vinhos, queijos ou outros produtos
alimentares podem ser sujeitas a uma metodologia típica de determinação do limiar diferencial
recorrendo-se a um dos três métodos anteriormente descritos. Por outro lado, as experiências
de determinação do limiar absoluto, além de terem uma grande importância no diagnóstico da
surdez, permitem ainda obter valores supra-limiares considerados satisfatórios para ambientes
de leitura numa biblioteca, iluminações públicas ou ruído ambiente num escritório ou numa
zona habitacional.

Os métodos psicofísicos apresentam no entanto algumas limitações, ao não terem em conta


aspectos da personalidade do sujeito. No momento do sujeito decidir se sim ou não percebeu
um estímulo num dado ensaio, a decisão a tomar pode ser influenciada pelas expectativas que
tem sobre a probabilidade do aparecimento do estímulo (Galanter, 1962), pelas consequências
da resposta que der (favoráveis ou desfavoráveis) e até pelo facto de ser por natureza
cauteloso ou impulsivo (Smith e Wilson (1953).

Por exemplo, numa experiência efectuada por Smith e Wilson (1953), estes investigadores
seleccionaram três grupos de sujeitos para participarem numa tarefa de detecção auditiva,
tendo instruído cada grupo a tomar respectivamente uma atitude conservadora, liberal e
radical. Os conservadores apenas deveriam indicar a presença do estímulo quando estivessem
absolutamente certos da sua presença; Os liberais apenas quando se sentissem com alguma
inclinação; Os radicais logo que sentissem a mínima tendência. O método de apresentação foi
o do estímulo constante.

Os resultados indicaram que as instruções afectaram substancialmente o formato da função.


Na situação em que nenhum estímulo era apresentado, os radicais indicaram a pseudo-
presença cerca de 50% das vezes; os liberais cerca de 20% e os conservadores 3%. Estas
diferenças foram diminuindo à medida que a grandeza física do estímulo aumentava.

Ao contrário do que supunha Fechner, a resposta do sujeito não é afectada apenas pelas
variações do estímulo ou pelo contexto da sua apresentação, mas também depende de
factores que influenciam especificamente o processo de tomada de decisão. Neste sentido
algumas das limitações dos métodos psicofísicos clássicos foram contempladas numa
metodologia alternativa, denominada teoria da detecção do sinal, a ser apresentada no
próximo estudo.

Bibliografia citada e recomendada

Davis, H., e Krantz, F. W. (1964). International audiometric zero. Journal of the Acoustical
Society of America, 36, 1450-1454.
Anderson, D. C., e Borkowski, J. C. (1977). Experimental psychology: Research tactics and their
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Calfee, R. C. (1975). Human experimental psychology. New York: Holt, Rinehart & Winston.

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Snodgrass, J. C., Levy-Berger, C., e Haydon, M. (1985). Human experimental psychology. New
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Stevens, S. S. (1957). On the psychophysical law. Psychological Review, 64, 153-181.

Apêndice 2

Instruções
Limiar Absoluto: No ouvido direito vai ser apresentado um som. Inicialmente não terá
dificuldades em ouvi-lo. Depois o som vai diminuindo progressivamente até que já não será
capaz de o detectar. Gostaria que indicasse o momento a partir do qual deixaria de detectar o
som, pressionando este botão do audiómetro. No ensaio seguinte procederei de modo inverso,
isto é, o som é inicialmente inaudível e a pouco e pouco irei aumentá-lo até ser capaz de o
detectar. Nessa altura indique o momento de detecção pressionando o mesmo botão. Vão ser
realizados vários ensaios alternados na ordem descendente e ascendente. Compreendeu? Está
pronto(a)? Então, ponha por favor estes auscultadores.

Limiar Diferencial: Este aparelho apresenta dois discos iluminados. O brilho do disco esquerdo
mantém-se constante ao longo da sessão; o do disco direito começa por estar a princípio mais
brilhante e depois vai diminuindo até ficar bastante inferior à do disco esquerdo. Em cada
ensaio gostaria que me indicasse se o brilho do disco direito é "maior do que", "igual" ou
"menor do que" a do disco esquerdo. Na série seguinte' de ensaios, irei aumentando
sucessivamente, a partir de um valor baixo, a intensidade do disco direito, de modo que
gostaria que me indicasse quando é que o brilho percebido é "menor do que", "igual" ou
"maior do que" a do disco esquerdo. Vão ser realizados vários ensaios alternados na ordem
descendente e ascendente. Compreendeu? Está pronto(a)? Então vamos começar.

As folhas de resposta são semelhantes aos Quadro 2.2 e 2.3.

Um Estudo de Reconhecimento Verbal Segundo a Metodologia de Detecção do Sinal

Este estudo teve por objectivo descrever os princípios da teoria de detecção do sinal (TDS) e
situd-1os face às limitações da psicofísica clássica. Na introdução do trabalho é feita uma
referência à metodologia da teoria de detecção do sinal e as vantagens que apresenta
relativamente à psicofísica clássica na determinação do limiar. Na segunda parte estes
princípios metodológicos são aplicados a um estudo de reconhecimento de memória, tendo-se
apresentado visualmente 50 palavras; Estas palavras foram posteriormente apresentadas aos
sujeitos, misturadas com outras 50 novas palavras, que serviram de distractores. A varidvc1
manipulada foi o intervalo de retenção com uma duração aproximada de 15 minutos. Apesar
dos resultados obtidos se situarem no sentido da tendência esperada, isto é, o reconhecimento
foi inferior no intervalo mais longo, não se verificaram diferenças significativas. Esta experiência
serviu para ilustrar a obtenção dos valores de sensibilidade (?') e enviesamento (ß) dos sujeitos
segundo a metodologia da teoria de detecção do sinal.
Introdução

Grande parte do nosso conhecimento é adquirido a partir dos órgãos sensoriais, existindo uma
relativa correspondência entre o mundo percebido e o mundo exterior. As impressões
sensoriais que se tem do mundo à nossa volta são captadas a partir de diferentes modalidades
sensoriais como a visão, audição, olfacto, etc. Uma primeira tentativa para explicar tais
impressões surgiu com a psicofísica, que pretendia determinar a relação funcional entre uma
grandeza física e a correspondente grandeza percebida ou subjectiva. Os métodos psicofísicos
constituem um conjunto de procedimentos para registar as respostas do sujeito, consoante as
variações das dimensões físicas do estímulo, permitindo a medição dos fenómenos
psicológicos de maneira quantitativa e precisa.

A psicofísica é obra sobretudo dos investigadores Alemães do séc. XIX, Weber (1795-1878) e
Fechner (1801-1887) que introduziram os conceitos de limiar absoluto e limiar diferencial para
determinar os valores da percepção do sujeito em relação a variações da grandeza física de um
determinado estímulo. O limiar absoluto corresponderia à probabilidade da detecção de um
determinado estímulo em cerca de 50% dos casos e seria o "ponto zero" de uma escala
subjectiva de percepção da intensidade desse estímulo. O limiar diferencial determinaria os
intervalos dessa escala subjectiva, permitindo discriminar se um dado estímulo seria mais ou
menos intenso do que outro.

Fechner partia do pressuposto de que os métodos psicofísicos eram procedimentos capazes de


fornecer uma medida da sensibilidade sensorial de um sujeito. No entanto os métodos
psicofísicos que determinam os valores de limiar são baseados no processo de decisão dos
sujeitos e não nas sensações. A sensibilidade sensorial tem a ver com os limites envolvidos na
capacidade de resolução de um determinado sistema sensorial. Embora os sujeitos respondam
de forma consistente ao longo dos vários ensaios, as respostas dadas não são as do olho ou do
ouvido, mas as da pessoa avaliada. Por outro lado, os métodos psicofísicos determinam o valor
do limiar a partir de um perfil de respostas comportamentais que se julga consistente ao longo
de uma experiência. No entanto há casos em que o perfil de respostas não é consistente, tendo
a psicofísica clássica considerado que tais flutuações ocasionais dos resultados seriam
distribuídas aleatoriamente pelos vários ensaios da experiência.

Na realidade a psicofísica clássica subestimou o grau de variabilidade das respostas dos


sujeitos. Estas dependem num grau acentuado do contexto em que se realiza a experiência, da
atitude conservadora ou impulsiva do sujeito, das remunerações concedidas e da motivação do
sujeito. Por exemplo, um operador de radar, cuja missão é discriminar de entre os vários
pontos luminosos em movimento aqueles que indicam perigo terá um limiar de discriminação
inferior se estiver numa zona de combate do que numa zona desmilitarizada. Assim o contexto,
a existência de prémios ou punições tem um efeito acentuado no valor de sensibilidade obtido.
Green e Swets (1966) verificaram ainda que à medida que a probabilidade de um estímulo
diminuía, o valor do limiar estimado pelo sujeito aumentava; se a probabilidade de um
estímulo aumentava, o valor de limiar diminuía.
De acordo com Anderson e Borkowsky (1977, p. 285) a teoria da detecção do sinal
desenvolveu-se a partir dos esforços feitos para descrever e prever de forma mais eficaz o
desempenho dos sujeitos humanos em tarefas de detecção de sinais. A partir da segunda
guerra mundial construíram-se sistemas técnicos de grande complexidade de funcionamento,
como por exemplo o radar e o avião, e era necessário verificar o grau de eficiência do ser
humano no desempenho destes sistemas. Neste sentido usaram-se inicialmente os métodos
psicofísicos clássicos, mas a sua adequação aos objectivos pretendidos cedo se revelou pouco
satisfatória.

A teoria da detecção do sinal é um sistema de análise de dados que teve como fontes de apoio
a teoria de decisão estatística e a psicometria. Esta teoria propôs um método diferente da
determinação da sensibilidade do sistema sensorial. Assim, a percepção seria controlada por
dois processos básicos internos: o sistema sensorial e o processo de decisão do sujeito. A
chegada de um sinal ou estímulo a um receptor gera uma impressão sensorial dependente por
um lado da intensidade do sinal, e por outro lado de um processo subsequente de decisão
humana. Uma experiência básica no âmbito desta teoria estuda a detecção do sinal em função,
quer da presença ou ausência de um estímulo específico, quer da decisão do observador em
reconhecer ou não a respectiva presença.

A tomada de decisão do observador depende de vários factores: 1) A sensibilidade do


sistema sensorial; 2) As expectativas do sujeito face ao aparecimento do estímulo; 3) A
motivação do sujeito em ser preciso face às consequências de cada resposta; 4) A natureza do
próprio estímulo.

Neste sentido sempre que se pretenda determinar o valor de limiar, a teoria de detecção do
sinal propõe a apresentação de dois tipos de provas: (1) Provas-sinal: O sinal está presente e a
resposta do sujeito foi sim; A decisão foi um êxito; (2) Provas-rasteira: O sinal está ausente e a
resposta do sujeito foi não; A decisão foi uma relação correcta.

Destas provas apresentadas resultam dois tipos de erros: (1) Os sujeitos podem responder não
a um estímulo apresentado, produzindo-se assim um erro por omissão; (2) Os sujeitos podem
responder sim a um estímulo ausente, resultando daqui um erro por falso alarme. A Figura 3.1
ilustra os vários tipos de resposta do sujeito.

Figura 3.1: Representação dos quatro tipos de resposta que se podem obter com a TDS. (Pág.
75)

Se numa experiência se variar a proporção de provas-sinal e provas-rasteira ao longo dos


ensaios e se a percentagem de provassinal for maior do que a de provas-rasteira, então é
provável que o sujeito fique mais na expectativa de ocorrência do sinal, dando mais falsos
alarmes. Isto revela uma tendência para responder com base em factores não-sensoriais.

Além da manipulação das expectativas do sujeito, o experimentador pode ainda manipular as


consequências da produção diferenciada de erros ou de falsos alarmes, influenciando assim o
valor do limiar de detecção. Por exemplo, no caso de um operador de radar, cuja missão é
detectar correctamente qualquer objecto voador no écran (aviões, mísseis, etc.) a não
detecção de um míssil poderia ser catastrófico. Se, pelo contrário, o operador assinalar a
presença de um míssil, quando na realidade se trata de um avião, a decisão não seria também
muito satisfatório, pois implicaria mobilizações desnecessárias. Como no primeiro caso advêm
consequências mais graves do que do segundo, será de prever que o operador em
circunstâncias de difícil decisão dê mais falsos alarmes do que erros por omissão.

A teoria de detecção do sinal assume que qualquer que seja o estímulo ou sinal a detectar, este
nunca aparece isolado. Todo o ensaio contém um certo grau de interferência ou ruído
proveniente dos factores já mencionados. A teoria assume que a distribuição dos vários
estímulos e ruídos apresentados ao sujeito se processa de acordo com uma curva normal, isto
é, os efeitos produzidos pelo ruído e pelo sinal variam de uma forma aleatória, segundo uma
distribuição normal.

A impressão sensorial que surge de um ensaio onde ocorre somente o ruído tende a ser
pequena, de modo que depois de muitos ensaios obter-se-á uma distribuição com uma média
igual a zero. Quando se adiciona um sinal ao contexto de ruído há um maior deslocamento do
nível médio de excitação, obtendo-se assim, uma distribuição com uma média maior. Ensaios
repetidos geram duas distribuições, uma para o ruído e outra para o sinal mais ruído, como se
pode verificar na Figura 3.2.

A partir do afastamento da distribuição ruído e da distribuição ruído-mais-sinal é possível


determinar o valor da sensibilidade do sujeito em diversos tipos de tarefas. O índice de
sensibilidade representa a capacidade do observador para discriminar o sinal do ruído e
funciona como o conceito de limiar na psicofísica clássica. O índice de sensibilidade, expresso
pela letra grega ?' indica a distância entre as médias da distribuição do sinal relativamente à
média da distribuição do ruído em unidades de desvio padrão da curva normal. O cálculo de ?'
é a diferença entre os valores Z correspondentes às percentagens de falsos alarmes e Z
correspondentes às percentagens de êxitos e pode-se exprimir pela fórmula seguinte:

?'= Z (% de falsos alarmes) - Z (% de êxitos)

Veja-se a Tabela 3.1 na página 85 para se obter os valores de Z.

Figura 3.2: Distribuições teóricas do ruído e do ruído+sinal. (Pág. 77)

A Figura 3.3 apresenta uma ilustração da sensibilidade do sujeito (?') a partir da distância que
separa a distribuição-sinal da distribuição-ruído.
Figura 3.3: Ilustração da sensibilidade do sujeito a partir da distância que separa a distribuição-
ruído da distribuição do ruído+sinal. (Pág. 77)

Um sujeito é mais ou menos sensível conforme as duas distribuições de ruído e de sinal + ruído
estiverem afastadas. Quanto maior for o valor de ?', maior a separação entre as duas
distribuições. Se a capacidade do sujeito para discriminar o sinal for nula, as duas distribuições
sobrepor-se-ão.

A teoria de detecção do sinal parte ainda do princípio de que o observador constitui um


sistema complexo de processamento informação, agindo de acordo com um determinado
critério. Em qualquer ensaio da experiência, o sujeito apenas possui uma observação da
estimulação. No entanto, nem sempre é capaz de afirmar com segurança se a estimulação
provém da distribuição-ruído ou da distribuição sinal+ruído. Entretanto, o sujeito tem de
fornecer ao experimentador uma resposta se sim ou não percebeu o sinal.

Figura 3.4: Posição da linha critério (B) e indicação das diferentes áreas ocupadas nas
distribuições teóricas de ruído e de ruído+sinal pelos diferentes ti s de resposta dadas pelo
sujeito. (Pág. 78)

Em termos da teoria de decisão, considera-se que o sujeito estabelece um critério para a


resposta a dar, dizendo sim se a quantidade de estimulação ultrapassa um determinado limiar
e não se fica aquém desse limiar. Se o sujeito for bastante cauteloso exigirá uma quantidade
substancial de excitação antes de dizer sim e a linha representativa do critério deslocar-se-á
para a direita da intersecção das duas distribuições. Se o sujeito for impulsivo e gostar de
assumir riscos, então será suficiente um pequeno valor de excitação antes de dizer sim e a linha
representativa do critério deslocar-se-á para a esquerda da intersecção das duas distribuições.

A localização da linha critério na distribuição sinal+ruído depende da decisão do observador


em maximizar ou não o número de respostas correctas. A Figura 3.4 representa a posição da
linha critério para um sujeito cauteloso, estando indicadas ainda nesta Figura as áreas
referentes aos êxitos, erros por omissão, falsos alarmes e rejeições correctas.

O valor do critério (ß) é calculado a partir da proporção da ordenada correspondente à


percentagem de êxitos na prova sinal+ruído em relação ao valor da ordenada correspondente à
percentagem de falsos alarmes na prova ruído, de acordo com a fórmula seguinte:

ß = Ordenada da % de Êxitos

Ordenada da % de F. Alarmes
Os valores da ordenada podem ser obtidos na Tabela 3.1 da página 84. Quando ß é maior que
1, o valor indica que o observador foi cauteloso. Quando ß é igual a 1, tal valor revela que o
observador foi moderado, situando-se o critério no ponto de intersecção das duas
distribuições. Quando ß é menor do que 1 o observador assumiu uma atitude de risco.

O valor ß representa portanto o tipo de enviesamento das respostas do sujeito. Os valores da


ordenada da curva normal para diferentes valores de p encontram-se expostos numa tabela
em Apêndice.

A metodologia acabada de apresentar tem um vasto leque de aplicações, desde a detecção por
radar, monitorização de painéis de instrumentos até ao reconhecimento mnésico de itens. Em
virtude das facilidades de planeamento e realização de uma prova de reconhecimento verbal, o
estudo que se segue pretende, entre outros objectivos, ilustrar a metodologia da teoria de
detecção do sinal a uma prova de memória.

Experiência

O objectivo desta experiência foi determinar o efeito da duração de um intervalo de retenção


numa prova de reconhecimento verbal. Para o efeito foram apresentadas aos sujeitos uma lista
de 50 palavras, que posteriormente deveriam ser reconhecidas de entre outras 50. Se o
intervalo de retenção afectar o reconhecimento, então o número de palavras reconhecidas no
intervalo mais longo será inferior ao do intervalo mais curto.

Método

Sujeitos: A amostra foi constituída por 43 estudantes de psicologia da Universidade do Porto no


ano lectivo de 1988/89. A grande maioria dos sujeitos pertenciam ao grupo etário dos 18 - 21
anos, sendo a maioria do sexo feminino.

Material: O material foi constituído por uma lista de 50 palavras de frequência média na língua
portuguesa e que variavam entre 5 e 8 letras. As palavras foram copiadas para diapositivos
para exposição visual por períodos de duração de 2,5 segundos cada "slide". Duas palavras com
as mesmas características constituíram o ensaio prático. A lista das palavras encontra-se no
Apêndice 3, p. 84.

Planeamento: A variável independente manipulada foi o intervalo de retenção com dois


valores: Apresentação da avaliação do reconhecimento verbal imediatamente após a
apresentação do último diapositivo, condição de retenção imediata, e avaliação do
reconhecimento verbal após terem decorrido 15 minutos sobre a apresentação do último
diapositivo, retenção retardada. O intervalo de retenção de 15 minutos foi preenchido com a
resposta a um questionário sobre lapsos de memória. A distribuição dos sujeitos pelos dois
grupos foi efectuada de forma aleatória. A variável dependente registada foi o número de
palavras correctamente reconhecidas pelos sujeitos, de uma lista de 100 palavras, onde
figuravam as 50 palavras apresentadas e 50 novas palavras com características similares às
anteriores.

Procedimento: No início da experiência, os sujeitos foram informados de que iria ser


apresentada uma lista de 50 palavras, de frequência média na língua portuguesa, à qual
deveriam prestar a devida atenção uma vez que teriam de as reconhecer mais tarde. Não foi
dada qualquer indicação se a prova de reconhecimento seria imediata ou retardada. A prova de
reconhecimento foi constituída por100 palavras, apresentadas numa folha A4 e dispostas por
ordem alfabética em quatro colunas de 25 palavras cada. Destas 100 palavras apenas metade
tinham sido apresentadas ao sujeito anteriormente. Em cada condição, os materiais verbais
foram apresentados a pequenos grupos de sujeitos.

Apresentação, análise e discussão dos resultados

As percentagens médias de cada um dos quatro tipos de respostas, categorizadas de acordo


com a matriz da Figura 3.1, estão expostas no Quadro 3.1, quer para a condição de retenção
imediata quer retardada. Os resultados foram analisados de acordo com várias medidas. Um
tipo de medidas estava relacionado com a metodologia da teoria de detecção do sinal, tendo-
se obtido a este respeito os valores de sensibilidade (?') e critério (ß).

Quadro 3.1: Percentagens médias de êxitos, erros, falsos alarmes e rejeições correctas obtidos
na prova de reconhecimento imediato (1) e no reconhecimento retardado (2), segundo a
metodologia de detecção do sinal. (Pág. 80)

Um segundo tipo de medidas usado foi a obtenção do índice de êxitos corrigidos para provas
de reconhecimento (Gregg, 1986, p. 277). O índice de êxitos corrigidos representa a
percentagem de êxitos que foram corrigidos a partir da percentagem de falsos alarmes dados.
A fórmula para calcular a percentagem de êxitos corrigidos é a seguinte:

p [Êxitos corrigidos] = p [êxito obtido] - p [falso alarme]

1 - p [falso alarme]

Os valores destas medidas encontram-se expostos no Quadro 3.2. As diferenças observadas


nas médias dos dois grupos para os êxitos corrigidos foram sujeitas a um teste t-Student para
amostras independentes. 0 valor do teste revelou que as diferenças não eram estatisticamente
significativas t (41) = 1,8, p =0,09. O mesmo teste foi aplicado aos valores obtidos de
sensibilidade (?') e critério (ß) tendo-se verificado que as diferenças observadas não eram
também estatisticamente significativas. Assim para os valores de ?' obteve-se t (41) = 1,0, p
=0,32 e para ß obteve-se t (41) = 0,9, p =0,39. Os resultados indicaram que a percentagem de
reconhecimento verbal para 50 palavras não era substancialmente afectado pelo intervalo de
retenção seleccionado.

Quadro 3.2: Valores de reconhecimento imediato e retardado expressos em termos de


sensibilidade, critério, percentagem média de êxitos corrigidos e respectivo desvio padrão,
além do número e sujeitos por condição. (Pág. 82)

Apesar das diferenças não terem sido significativas os resultados obtidos indicam uma
tendência no sentido esperado. Assim o valor de sensibilidade obtido para o grupo de
reconhecimento imediato foi mais baixo do que o valor obtido no grupo de reconhecimento
retardado. Por outro lado, os valores do índice critério sugerem que os sujeitos de ambos os
grupos foram bastante cautelosos, sendo esta atitude mais elevada no grupo de retenção
retardada. Em resumo, a prova de reconhecimento verbal revelou-se adequada a uma
ilustração da metodologia da teoria de detecção do sinal.

Bibliografia citada e recomendada

Anderson, D. C., e Borkowsky, J. G. (1977). Experimental psychology: Research tactics and their
applications. Glenview, Illinois: Scott, Foresman & Company.

Bennett, T. L. (1978). The sensory world. An introduction to sensation and perception.


Montery, California: Brooks/Cole.

Galanter, E. (1974). Psychological decision mechanisms and perception, In. E. C. Cartette e M. P.


Friedman (Eds). Handbook of perceptíon. Vol. II, Psychophysical judgment and measurement.
New York: Academic Press.

Green, D. M., e Swets, J. A. (1966). Signal detection theory and psychophysics. New York: Wiley.
Gregg, V. H. (1986). Introduction to human memory. London: Routledge & Kegan Paul.

Kantowitz, B. H., e Roediger III, H. L. (1978). Experimental psychological research. Chicago:


Rand McNaIly College.

Kling, J. W., e Riggs, L. A. (1972). Woodworth & Schlosberg's experimental psychology. London:
Methuen.

Lindsay, P., e Norman, D. (1977). Human information processing. Na introduction to psychology.


New York: Academic Press.
Massaro, D. W. (1989). Experimental psychology: An information processing approach. San
Diego: Harcourt Brace Javanovich.

Murch, C. M. (1973). Visual and auditory perception. Indianapolis: Bobbs-Merrill.

Apêndice 3

Instruções

Apresentação da lista: Nesta prova vai ser apresentada uma lista de 50 palavras, uma a uma,
por meio de um projector de "slides". O tempo de exposição de cada palavra é de 2,5
segundos. Prestem atenção a cada palavra, porque vão ser convidados posteriormente a
recordá-las. (Instruções idênticas para o intervalo de retenção de zero e 15 minutos). Prova de
reconhecimento verbal: Vai ser distribuída a cada um uma folha A4 com 100 palavras
ordenadas por ordem alfabética. Nesta lista de 100 palavras encontram-se as 50 palavras
apresentadas (Interiormente nesta sessão. A vossa tarefa consiste em reconhecer tais palavras
fazendo um traço sob a palavra respectiva. A duração (Ia prova é de 4 minutos.

Lista de 100 palavras apresentada na prova de reconhecimento verbal (Pág. 84)

Tabela 3.1: Valores de Z e da ordenada da curva normal (y) correspondentes à percentagem de


distribuição. (Os valores Z para percentagens de 50 a 99,9 são negativos). (Pág. 85)

Limites de Apreensão Visual: Percepção da Numerosidade e Identificação de Itens


Alfanuméricos

Da enorme quantidade de informação que simultaneamente chega aos sentidos humanos,


apenas uma pequena parte é processada e identificada, e desta, uma parte ainda menor é
retida. Nesta experiência pretendeu-se determinar a capacidade humana de apreensão de
unidades discretas, tendo-se usado dois tipos de materiais apresentados sob forma
taquistoscópia. Numa condição o material era formado por pequenos pontos pretos traçados
num fundo branco e a tarefa dos sujeitos consistia em estimar o número de pontos expostos.
Noutra condição o material era formado por itens alfanuméricos e a tarefa dos sujeitos era
identificar os itens apresentados. A duração da apresentação de cada conjunto de itens, quer
numa tarefa quer noutra foi de 20, 200 milésimos de segundo e 1 segundo. Os resultados
obtidos revelaram que a amplitude de apreensão de pontos foi em média de 8 e de itens
alfanuméricos foi de cerca de 4. Estes resultados replicaram estudos anteriormente efectuados
por Jevons (1871), Averbach (1963) e Sperling (1960).

Introdução

Por experiência própria sabe-se que não é possível reparar em todos os sinais que estimulam
os nossos sentidos. Da enorme quantidade de informação que simultaneamente chega aos
sentidos humanos, apenas uma pequena parte é processada, e desta, uma parte ainda menor
é retida. Como é isto possível? Com o objectivo de tornar a acção possível, o ser humano
selecciona a informação que em determinada altura é a mais relevante, prestando atenção, por
exemplo, a determinados estímulos em vez de outros. No entanto, além desta selecção dos
estímulos mais importantes, o ser humano está sujeito a determinados limites de entrada de
informação. Este estudo analisa alguns destes limites.

O estudo da capacidade de retenção de informação visual durante períodos muito curtos foi
pela primeira vez efectuado em condições científicas por Sperling (1960). Sperling entre vários
outros investigadores (e.g., Averbach, 1963) pretenderam avaliar o papel que a memória
sensorial representa no processo cognitivo humano. No entanto o interesse pelos limites de
apreensão é bastante mais antigo. Em 1871 Jevons efectuou uma experiência bastante
engenhosa sobre este problema usando um equipamento bastante artesanal. As experiências
de Jevons consistiram em estimar rapidamente a quantidade de feijões que caíam numa caixa
depois de terem sido atirados ao ar. Jevons concluiu que era possível estimar correctamente
em 100% das ocasiões o número de feijões caídos na caixa, quando o valor não excedia 4 ou 5.

Averbach (1963) replicou as experiências de Jevons em condições cientificamente controladas


e chegou a resultados muito semelhantes. O material apresentado era formado por pontos
pretos traçados num cartão, que variavam entre 1 e 13, expostos num taquistoscópio durante
períodos de 40, 150 e 600 milésimos de segundo. A tarefa dos sujeitos consistiu em estimar o
número de pontos traçados em cada um dos cartões apresentados. Os resultados obtidos por
Averbach indicaram que não havia grandes diferenças entre os períodos de 150 e 600 ms.
Nestes períodos os sujeitos acertavam sempre que o número de pontos era inferior a 4 - 5
(critério de 100%) e cerca de metade das vezes quando o número estava compreendido entre 8
- 9 (critério de 50%). Tanto na experiência de Jevons como na de Averbach os valores de 50%
de estimativas correctas coincidiam à volta de 8 a 9 pontos (ou feijões) diminuindo a partir
desse valor.

A capacidade de apreensão, definida teoricamente como sendo de 50% de estimativas


correctas a partir dos vários ensaios efectuados, situa-se à volta de 8 a 9 itens. No entanto este
valor é bastante mais baixo, quando a tarefa do sujeito consiste em indicar, além do número de
itens expostos, o nome dos mesmos. Sperling (1960) foi um dos pioneiros no estudo deste tipo
de limites. Especificamente Sperling estava interessado em averiguar o número de itens que
uma pessoa era capaz de recordar após uma exposição muito rápida. Para o efeito Sperling
preparou um conjunto de cartões, onde estavam impressas letras e números (itens
alfanuméricos). Os cartões eram apresentados num taquistoscópio* durante um período de 50
ms e o número de itens por cartão variava de 3 a 12. 0 valor de 50 ms é um período de tempo
mais breve do que uma fixação visual, de modo que não era possível ao sujeito durante a
apresentação do cartão efectuar movimentos oculares.

Sperling verificou que os sujeitos eram capazes de reproduzir correctamente a totalidade dos
itens alfanuméricos expostos, se o número fosse inferior 4. Se fosse superior a 4 (o número
máximo apresentado era 12) os sujeitos eram incapazes de recordar mais de 4 a 5 itens,
independentemente do número apresentado. Estes resultados, obtidos segundo um relato
integral, sugeriam que havia um limite fixo na quantidade de informação que era possível obter
num relance.

Apesar dos sujeitos não serem capazes de recordar mais de 4 a 5 itens, eles afirmavam que
tinham "visto" por vezes mais itens do que aqueles que eram capazes de recordar. Isto levou
Sperling a inventar uma técnica, conhecida por relato parcial, a fim de melhor determinar a
quantidade exacta de informação que era possível ser evocada durante exposições breves. 0
relato parcial consistia na evocação de apenas uma das três filas de quatro itens alfanuméricos,
segundo uma ordem ao acaso. Os resultados revelaram que os limites de evocação de itens
situavam-se à volta dos 75% para uma matriz composta de 12 itens, na condição de não ser
incluído nenhum intervalo de retenção entre a apresentação da matriz e o momento de
evocação. Se houvesse um intervalo de retenção de 300 ms, então os limites de evocação
situavam-se à volta dos 50%.

* Taquistoscópio é um instrumento que apresenta materiais visuais durante períodos


de tempo muito breves, normalmente da ordem de um milésimo de segundo. Conforme o grau
de sofisticação, o taquistoscópio pode ter 2, 3 ou até mais "áreas" de exposição, que são
apresentadas sequencialmente ao sujeito de forma sobreposta. Além de medições de tempo
extremamente precisas, é possível ainda controlar a iluminação e brilho de cada área em
exposição.

Experiência

O objectivo deste estudo experimental consistiu numa replicação das experiências de Averbach
(1963) e de Sperling (1960). A experiência de Averbach (1963) tinha por objectivo determinar o
número de pontos pretos que um sujeito era capaz de estimar durante três períodos de
exposição iguais e inferiores a um segundo; A experiência de Sperling (1960) pretendia
determinar o número de itens alfanuméricos que o sujeito era capaz de identificar durante
períodos de tempo equivalentes. Nesta experiência os sujeitos realizaram duas tarefas: Uma
tarefa de apreensão do número de pontos traçados em cartões e uma outra tarefa de
identificação de itens alfanuméricos impressos também em cartões. Os cartões foram
apresentados num taquistoscópio de dois campos e a duração de exposição foi variável.

Método

Sujeitos: A amostra foi constituída por 40 estudantes de psicologia da Universidade do Porto no


ano lectivo de 1988/89. A grande maioria dos sujeitos pertenciam ao grupo etário dos 18 - 21 ,i
nos, sendo a maioria do sexo feminino.

Material. Nesta experiência foram preparados cartões brancos J e forma rectangular onde
foram impressos dois tipos de material. Numa condição o material era formado por 11 cartões
brancos onde foram impressos pequenos pontos pretos de 2 milímetros de diâmetro. Os
pontos estavam localizados num círculo imaginário de 15 mm de raio situado no centro das
diagonais do campo rectangular exposto. O número mínimo de pontos foi de 3 e o máximo de
15. Não foram apresentados cartões com 12 e 14 pontos, já que experiências anteriores por
mim realizadas revelaram que o 12, devido à sua grande familiaridade, era frequentemente
respondido.

Na segunda condição foram preparados 8 cartões de formato idêntico aos anteriores, onde
foram impressos um número variável de dígitos provenientes do conjunto 2, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 * e
de consoantes provenientes do conjunto C, D, E, F, C, H, J, L, P, Q, R, T, V e Z. Estes itens
alfanuméricos estavam localizados num círculo imaginário de 15 mm de raio situado no centro
das diagonais do campo de visão. o número mínimo de itens foi 2 e o máximo 11. Não foram
apresentados cartões com 8 e 10 itens, a fim de se evitar respostas por adivinhação.

Os cartões foram apresentados num taquistoscópio de dois campos regulado para um dos
tempos de exposição seguintes: 40, 200 e 1000 milésimos de segundo. Cada cartão foi
apresentado uma só vez numa ordem ao acaso. 0 cartão de fixação do sujeito no
taquistoscópio apresentava um círculo preto de 15 mm de raio situado no centro das diagonais
do rectângulo de visão.

Planeamento. Nesta experiência foram manipuladas duas variáveis independentes nas tarefas
de percepção da numerosidade e na identificação de itens alfanuméricos: (1) Número de itens
expostos por cartão, variando o número de ensaio para ensaio; (2) O tempo de exposição dos
cartões com valores de 40, 200 e 1000 ms. A variável dependente registada foi a percentagem
de respostas correctas para cada uma das variáveis independentes manipuladas. O
planeamento foi inter-sujeitos no que se refere ao tempo de exposição e intrasujeitos no que
se refere ao número de pontos ou itens expostos. A tarefa de percepção de numerosidade foi
efectuada antes da tarefa de identificação de itens alfanuméricos. A distribuição dos sujeitos
pelos grupos de exposição foi aleatória, assim como foi também aleatória a apresentação dos
cartões com número variável de itens.

Procedimento. A experiência foi realizada num taquistoscópio de dois campos do Laboratório


de Psicologia Experimental. Após um pequeno período de familiarização com este
equipamento o experimentador lia as instruções. Os sujeitos eram informados de que iria ser
exposto no taquistoscópio uma sequência de cartões, onde estavam impressos, numa tarefa
um número variável de pontos pretos e na outra tarefa um número variável de itens
alfanuméricos. No primeiro caso a tarefa consistia em estimar o número exacto de pontos
incluídos em cada cartão e no segundo caso a tarefa consistia em identificar ou evocar os itens
alfanuméricos expostos.

* 0 dígito 1 foi omitido para evitar confusões com as consoantes J e L e o dígito 3 para evitar
confusões com o dígito 8.

O procedimento começava com a apresentação de um cartão-treino com cinco pontos pretos


ou com quatro itens alfanuméricos destinado à adaptação e familiarização do sujeito com a
situação experimental. Em seguida eram apresentados os cartões com número variável de
itens de ensaio para ensaio. Os sujeitos não tinham qualquer conhecimento do número de
cartões que faziam parte da experiência das respostas correctas ou incorrectas e do tempo de
apresentação de cada cartão-estímulo. As respostas eram anotadas pelo experimentador em
folhas de resposta preparadas para o efeito.

Apresentação e análise dos resultados

A percentagem de pontos pretos correctamente apreendidos em cada um dos três tempos de


exposição e de acordo com o número de itens apresentados encontra-se exposta na Figura 4.1.

Figura 4.1. Percentagem de pontos pretos apreendidos para três tempos de exposição de 40
ms, 200 ms e 1 segundo. (Pág. 91)

Na Figura 4.1 verifica-se que a totalidade dos sujeitos foi capaz de apreender correctamente
até 4 pontos, quando os períodos de exposição eram de 200 e 1000 ms. Se o período de
exposição fosse de 40 ms a percentagem de respostas correctas até 4 pontos variava entre 85%
e 90%. Considerando o critério de 50%, a percentagem de respostas correctas para os três
períodos de exposição situava-se predominantemente entre 7 e 9 itens. Os resultados
revelaram que à medida que aumentava o número de pontos expostos, observava-se uma
diminuição crescente na percentagem de respostas correctas.

A percentagem de itens alfanuméricos correctamente identificados para cada um dos três


tempos de exposição e de acordo com o número de itens apresentados encontra-se exposta na
Figura 4.2. Estes resultados indicam que os tempos de exposição parecem ter afectado o
desempenho dos sujeitos. Assim os resultados são genericamente superiores para o tempo de
exposição de 1 segundo em relação aos restantes períodos de exposição de 200 e 40 ms. Se se
estabelecer o critério em 50%, os limites observados para 40 e 200 ms situam-se à volta de 6,
um valor mais baixo do que na tarefa de pontos.

Figura 4.2. Percentagem de itens alfanuméricos correctamente identificados para tempos de


exposição de 40 ms, 200 ms e 1 segundo. (Pág. 92)

A Figura 4.3 apresenta os mesmos resultados expostos na Figura 2, mas em termos de médias
por itens alfanuméricos expostos. Nesta Figura pode-se observar facilmente o facto do
desempenho dos sujeitos atingir um patamar (assímptota) a partir de 3 a 4 itens e permanecer
neste valor independentemente do número de itens expostos. Mesmo com o tempo de
exposição mais longo de 1 segundo, onde seria possível efectuarem-se movimentos oculares, o
número médio de itens correctamente identificados não foi superior a 6, independentemente
do número de itens expostos.

Os resultados indicam ainda que para períodos de exposição de 40 e 200 ms, onde não é
possível efectuar-se movimentos oculares, os limites de evocação correcta situam-se à volta do
valor 3 e este limite mantêm-se independentemente do número de itens expostos.

Figura 4.3. Número médio de itens alfanuméricos correctamente identificados para tempos de
exposição de 40 ms, 200 ms e 1 segundo. (Pág. 93)

Conclusão

Os resultados obtidos revelam de forma clara os limites do sistema cognitivo humano quanto à
capacidade de apreensão de material muito simples, exposto durante períodos de tempo
muito breves. Considerando o valor de 50% como critério, verificou-se assim que os limites de
apreensão de pontos foi em média de 8 itens, e os limites de identificação de itens
alfanuméricos foi de cerca de 3 a 4. Esta experiência confirma assim os estudos anteriormente
efectuados por Jevons (1879) e Averbach (1969) no caso dos limites de apreensão de pontos e
os de Sperling (1960) no caso do número de itens alfanuméricos evocados.

Bibliografia citada e recomendada

Averbach, E. (1963). The span of apprehension as a function of exposure duration. Journal of


Verbal Learning and Verbal Beliavior, 2, 60-64.

Baddeley, A. D. (1990). Human memory: Theory and practice. London: Erlbaum.


Jevons, W. S. (1871) The power of numerical discrimination. Nature, 3,281-282.

Lachman, R., Lachman, J. L., e Butterfield, E. C. (1979). Cognitive psychology and


information processing: An Introduction. Hillsdale, N. J.: Erlbaum.

Lindsay, P., e Norman, D. (1977). Human information processing. Na introduction to psychology.


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Massaro, D. W. (1989). Experimental psychology: An information processing approach.


San Diego: Harcourt Brace Javanovich.

Pinto, A. C. (1986). Amplitude perceptiva e amplitude de memória: Estudos experimentais


sobre os limites observados. Revista de Psicologia e de Ciências da Educação, 1, 69-84.

Snodgrass, J. C., Levy-Berger, C., e Haydon, M. (1985). Human experimental psychology. New
York: Oxford University Press.

Sperling, G. (1960). The information available in brief visual presentations. Psychological


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Wingfield, A., e Byrnes, D. (1981). The psychology of human memory. New York: Academic
Press.

Zechmeister, E. B., e Nyberg, S. E. (1982). Human memory. Monterey, Cal.: Brooks/Cole.

Apêndice 4

Instruções

Apreensão de pontos pretos: Olhe, por favor, por este visor e fixe o pequeno círculo preto que
se encontra a meio do cartão rectangular branco exposto ao fundo do taquistoscópio. Será à
volta deste círculo que irão aparecer por um breve instante um grupo de pontos pretos. A sua
tarefa será avaliar o número de pontos expostos, isto é, terá de dizer quantos pontos viu. Irão
ser apresentados vários ensaios e o número de pontos varia de ensaio para ensaio. Antes de
cada ensaio e para que esteja preparado direi: "Atenção, 1, 2, 3!". Entre os ensaios não deve
retirar os olhos do visor. Para se familiarizar com a situação experimental será apresentado um
ensaio de treino (cartão com cinco pontos). Depois inicia-se a experiência propriamente dita.
Compreendeu? Então, vamos começar.

Identificação de itens alfanuméricos: Olhe, por favor, por este visor e fixe o pequeno círculo
preto que se encontra a meio do cartão rectangular branco exposto ao fundo do
taquistoscópio. Será à volta deste círculo que irão aparecer por um breve instante um conjunto
de consoantes e dígitos (itens alfanuméricos). As consoantes estão escritas em letra maiúscula
de imprensa; Ao grupo de dígitos omitiu-se o 0, 1 e 3. A sua tarefa consiste em identificar o
maior número de itens expostos em cada ensaio. Irão ser apresentados vários ensaios e o
número de itens alfanuméricos varia de ensaio para ensaio. Antes de cada ensaio e para que
esteja preparado direi: "Atenção, 1, 2, 3!,". Entre os ensaios não deve retirar os olhos do visor.
Para se familiarizar com a situação experimental será apresentado um ensaio de treino (cartão
com quatro itens). Depois inicia-se a experiência propriamente dita. Compreendeu? Então,
vamos começar.

Itens alfanuméricos expostos: Condição 2 (G, 4); Condição 3 (C, F, 5); Condição 4 (Q, R, 5, 7);
Condição 5 (C, H, P, 4, 7); Condição 6 (E, T, V, 2, 7, 8); Condição 7 (G, H, K, L, 2, 9, 8); Condição 9
(Z, J, C, C, 4, 6, 2, 8, 7); Condição 11 (C, V, D, R, F, H, 2, 8, 4, 7, 6).

O Efeito de um Estímulo-Sufixo na Evocação Serial de Dígitos

No âmbito de um modelo de memória estrutural do género de Atkinson e Shiffrin (1968), a


memória sensorial ocuparia uma das fases iniciais de processamento de informação. As
investigações efectuadas têm procurado averiguar a capacidade destes registos sensoriais,
assim como a natureza da representação da informação ai registada. Este trabalho teve por
objectivo investigar a natureza dt1 representação da informação registada no registo auditivo,
através da realização de uma experiência de estímulo-sufixo. A tarefa de estimulo-sufixo
consiste na apresentação de uma série de cerca de oito itens seguidos por um sufixo da mesma
natureza dos itens precedentes ou não. A tarefa dos sujeitos consiste na reprodução dos itens
da série na ordem apresentada. Este estudo experimental manipulou a natureza do sufixo,
tendo-se incluído numa condição a dígito "0", um sufixo com características similares aos itens
anteriormente apresentados (dígitos) e noutra situação um "sinal sonoro", sufixo com
características dissimilares. Os resultados obtidos indicaram que a evocação serial dos itens
foi especificamente afectada nas últimas posições seriais, quando o sufixo tinha características
similares aos itens previamente apresentados.

Introdução

O ser humano é continuamente estimulado por informações que lhe chegam quer do interior,
quer do exterior do seu próprio corpo. O processamento global de todas estas estimulações
torna-se sem dúvida impossível, o que implica a cada momento uma selecção dos estímulos;
considerados mais relevantes. Neste processamento ,;electivo, a memória tem um papel
fundamental. A sua função é registar e recuperar a informação e sem a sua existência seria
impossível ver, ouvir e pensar no sentido mais global do termo.

O modelo de memória de Atkinson e Shiffrin (1968) foi um dos vários modelos propostos que
mais aceitação veio a merecer pelos investigadores nas últimas décadas. Segundo este modelo
a memória humana seria formada por três estruturas: A memória sensorial MS), a memória a
curto prazo (MCP) e memória a longo prazo (MLP). A Figura 5.1 apresenta uma adaptação geral
do modelo.

Estes tipos de memória diferem entre si quanto à natureza, capacidade e período de


permanência da informação na memória. A memória sensorial tem um papel importante no
processamento cognitivo e é talvez o primeiro estádio a estabelecer um registo da informação
externa recebida, embora de uma forma bastante transitória. Considera-se que o sistema de
memória sensorial teria por função manter uma imagem completa e precisa da informação
captada pelos órgãos sensoriais durante um breve instante. A duração da informação neste
sistema não seria a mesma para todos os registos sensoriais, talvez de 2 a 3 décimos de
segundo para o registo visual (Sperling, 1960) e de 3 a 4 segundos para o registo auditivo
(Darwin, Turvey e Crowder, 1972). Para uma revisão veja-se Zechmeister e Nyberg (1982);
Wingfield e Byrnes (1981).

O modelo de memória de Atkinson e Shiffrin (1968) considera que a informação mantida nos
registos sensoriais, visuais e auditivos, desaparece rapidamente a menos que a informação
desses registos seja rapidamente transferida para uma estrutura posterior mais complexa.
Sperling (1960), por exemplo, utilizando uma tarefa de reprodução parcial, obteve resultados
que sugerem que a informação visual apresentada por breves instantes parece estar
totalmente disponível ao sujeito, mas declina rapidamente em menos de um segundo senão se
lhe prestar atenção.

Figura 5.1 Ilustração do modelo de Atkinson e Shiffrin (1968). (Pág. 98)

Estudos realizados têm procurado determinar não só a capacidade destes registos sensoriais,
mas também a natureza da representação da informação. Por outras palavras, qual o tipo de
código subjacente à informação representada. Uma tarefa muito usada para averiguar a
natureza da codificação da informação no registo sensorial auditivo tem sido a tarefa do
estímulo-sufixo. Sumariamente esta tarefa consiste na apresentação de uma sequência de
itens, dígitos ou letras, seguida imediatamente por um item-sufixo com material similar ou não
em relação aos itens da sequência apresentada. Verifica-se habitualmente neste tipo de
experiências que a presença de um sufixo com características similares aos dos itens
anteriormente apresentados tem um efeito negativo na evocação dos itens colocados nas
últimas posições seriais em relação a sufixos apresentados com características totalmente
dissimilares.

Crowder e Morton (1969) sugeriram que o efeito do estímulo-sufixo estaria relacionado com a
existência de um registo acústico précategorial (RAP). 0 RAP seria um modelo teórico do registo
sensorial auditivo, pressupondo-se que a informação seria baseada no armazenamento
acústico antes de ser categorizada. Estes investigadores verificaram que a presença de um
estímulo-sufixo afectava a curva de posição serial, particularmente a evocação dos itens finais.

Este padrão de resultados é explicado de acordo com o modelo de Crowder e Morton


(1969) considerando que o processamento da informação exigiria a permanência da
informação no registo sensorial durante alguns segundos de modo que um estímulo adicional
bloquearia o respectivo processamento deslocando a informação sensorial imediatamente
anterior ou então interferindo com ela. Morton, Crowder e Prussin (1971), ao investigarem as
variações das propriedades acústicas do sufixo, verificaram que a informação que entra no RAP
é processada de acordo com as suas propriedades acústicas antes de ser objecto de atenção
consciente. Assim um sufixo com propriedades acústicas diferentes da lista de apresentação
dos itens não produziria efeito.

Investigações recentes questionaram, no entanto, estas suposições ao verificar-se que um


sufixo acústico dissimilar também pode produzir um efeito de estímulo-sufixo. Uma das
experiências que forneceu provas para questionar o modelo de um registo acústico
précategorial (RAP) foi conduzida pelos investigadores Ayres, Jonides, Reitman, Ejan e Howard
(1979).

Questionando a interpretação RAP do efeito do estímulo-sufixo proposta por Morton et al.


(1971), Ayres e colaboradores pretenderam demonstrar que o efeito do sufixo não podia ser
explicado totalmente pelo que acontece no registo auditivo sensorial, a não ser que se
considere que um dado tipo de interpretação semântica do estímulo possa ocorrer neste
estado de processamento de memória. Assim estes investigadores realizaram uma experiência
em que mantiveram as propriedades acústicas do sufixo constantes, enquanto variavam as
suas interpretações pelos sujeitos.

Os sujeitos que participaram nesta experiência foram divididos aleatoriamente em três grupos:
Um grupo de controle e dois grupos experimentais. A tarefa dos sujeitos consistia em evocar
sequências de sete monossílabos (por exemplo, bar, sal, mar) por ordem de apresentação após
os terem ouvido a um ritmo de duas palavras por segundo. 0 grupo de controle evocava as
sequências imediatamente após o final da apresentação destas. Os grupos experimentais
evocavam as sequências após ouvirem no final de cada uma um estímulo-sufixo. Para o
primeiro grupo experimental, o sufixo era um som musical emitido por vários instrumentos
musicais (um nota de piano, um toque de uma corda de viola, um som de um trompete).

Quando emitido pelo trompete o som musical assemelhava-se à sílaba nasal wa. 0
segundo grupo experimental deveria iniciar a evocação imediatamente após a audição de um
dos quatro sons de fala seguintes da, pin, wing e wa.

Os resultados obtidos, relativamente ao sufixo crucial wa, quando era produzido por sons
musicais (grupo experimental 1) ou através de um som da fala (grupo experimental 2) foram
diferentes. Como o sufixo era fisicamente o mesmo a diferença dos resultados observados nos
dois grupos experimentais foi explicada a partir da interpretação diferencial que os sujeitos
deram ao som wa.
Segundo o modelo de registo acústico pré-categorial (RAP) o sufixo wa deveria produzir o
mesmo efeito nos dois grupos, tendo em conta que o sufixo apresentado era fisicamente o
mesmo. No entanto o facto da diferença de resultados ter sido significativa levanta a questão
de que a memória sensorial auditiva (também conhecida por memória ecóica) não é tão pré-
categorial como Morton et al. (19.71) supunham, já que o efeito do estímulo-sufixo parece
depender da interpretação que o sujeito lhe der. Em qualquer das teorias referentes ao
estímulo-sufixo, este efeito tem sido interpretado como evidente.

Experiência

A experiência a descrever em seguida é uma replicação de algumas das condições incluídas na


experiência originalmente efectuada por Morton e Crowder (1969). Estes investigadores
pretenderam averiguar se a evocação serial de uma sequência de dígitos seria mais ou menos
afectada pela presença de um sufixo ou de um prefixo. Os resultados obtidos revelaram que
era mais afectada por um sufixo e é esta parte da experiência que irá ser replicada. Assim o
presente estudo experimental pretende analisar a influência do sufixo "0" no final de uma
sequência de oito dígitos, em comparação com a presença de um outro sufixo "um som breve"
de características exclusivamente acústicas. Os dígitos são apresentados ao ritmo de dois
dígitos por segundo e a reprodução (evocação) é serial, isto é., segundo a ordem apresentada.

Método

Sujeitos:. A amostra foi constituída por 37 estudantes de psicologia da Universidade do Porto


no ano lectivo de 1988/89. A grande maioria dos sujeitos pertenciam ao grupo etário dos 18 -
21 nos, sendo a maioria do sexo feminino.

Planeamento: Os sujeitos foram divididos aleatoriamente em dois grupos: um grupo de


controle e um grupo experimental. Instruções específicas foram dadas aos dois grupos com
vista ao desempenho da tarefa. Assim o grupo de controle foi instruído a evocar serialmente os
dígitos imediatamente após um sinal sonoro que era apresentado após o oitavo dígito. No
grupo experimental o sinal sonoro foi substituído pelo dígito "0", após o qual os sujeitos
deveriam evocar serialmente os oito dígitos. O intervalo de evocação para os dois grupos, que
se seguia imediatamente após a apresentação de cada uma das sequências, foi de 10
segundos. As variáveis independentes manipuladas foram: (1) A posição serial dos dígitos, com
8 posições seriais que correspondiam a outras tantas condições; (2) A presença ou ausência do
dígito "0" no final da sequência, isto é, a presença ou a ausência de um sufixo verbal. A variável
dependente registada foi a percentagem de erros em cada posição serial.

Material: Foram constituídas 14 sequências de oito dígitos cada. As primeiras quatro


sequências eram destinadas a uma fase de treino que precediam a apresentação das 10
sequências da fase experimental propriamente dita. Havia um intervalo de um minuto entre a
fase de treino e a fase experimental. As sequências do grupo experimental terminavam no
dígito "0" e as do grupo de controle terminavam com um breve sinal sonoro. Quanto aos
restantes dígitos as sequências eram exactamente iguais. Veja-se Apêndice 5, p. 107.

Os dígitos foram seleccionados ao acaso, obedecendo a elaboração das séries às seguintes


restrições: (1) não havia repetição do mesmo dígito em cada série; (2) nunca foram
apresentados mais de dois dígitos numa ordem crescente (exemplo: poderia existir 2 ... 3...,
mas nunca 2 ... 3 ... 4; (3) o dígito zero nunca foi incluído em nenhuma série; (4) as séries eram
as mesmas nos dois grupos, distinguindo-se apenas no sinal que precedia o início da evocação,
que num caso era zero, no outro um sinal sonoro. As séries de dígitos foram gravadas numa voz
masculina ao ritmo de um dígito cada 500 milésimos de segundo. A cada sujeito foi distribuída
uma folha de respostas constituída por 14 filas, sendo 4 destinadas aos ensaios de treino e 10 à
experiência propriamente dita. Cada fila era composta por oito pequenos quadrados seguidos,
espaços delimitados para a colocação de cada um dos oito dígitos.

Procedimento: A experiência realizou-se no Laboratório de Psicologia Experimental em


pequenos grupos de sujeitos. As instruções apresentadas a cada um dos grupos foram
genericamente as seguintes:

Ao grupo experimental foi dito que iam ser apresentadas sequências de oito dígitos ao ritmo
de um dígito cada meio segundo, que os sujeitos deveriam reproduzir na ordem em que foram
apresentados. Informou-se ainda que cada sequência terminava sempre com um zero, que não
deveria ser reproduzido na folha de resposta, já que servia de sinal do final da sequência. Para
evitar confusões, a folha de respostas apenas apresentava oito espaços ou quadrados. Se a
sequência fosse 7, 2, 9, 4, 5, 8, 3, 6, 0, a tarefa do sujeito consistia em reproduzir logo após a
audição do zero, o maior número possível de dígitos segundo a ordem apresentada.

Os sujeitos do grupo controle foram informados de que iam ser apresentadas 8 sequências de
dígitos, ao ritmo de um dígito cada meio segundo. No final da apresentação do último dígito
seria apresentado um breve sinal sonoro e nesse momento os sujeitos deveriam reproduzir a
totalidade dos dígitos na ordem em que foram apresentados. Se a sequência fosse por
exemplo, 7, 2, 9, 4, 5, 8, 3, 6, som, a tarefa do sujeito consistia em reproduzir o maior número
possível de dígitos segundo a ordem de apresentação logo após a audição do sinal sonoro.

Foram ainda fornecidas instruções comuns a ambos os grupos: (1) Os dígitos deviam ser
redigidos da esquerda para a direita colocando um dígito em cada quadrado da folha de
respostas; (2) O período de evocação seria de 10 segundos; (3) Havia quatro ensaios de treino,
seguidos por 10 ensaios experimentais, separados por um intervalo de cerca de um minuto e a
ser usado para eventuais esclarecimentos que pudessem surgir; (4) Se os sujeitos não fossem
capazes de recordar um dígito, deveriam deixar a respectiva posição em branco na folha de
respostas. Em caso de dúvida poderiam tentar adivinhar o dígito mais provável; (5) Havia uma
folha em branco que acompanhava a folha de respostas e tinha por finalidade ocultar as
sequências que iam sendo evocadas de forma a evitar possíveis interferências nas sequências a
evocar posteriormente.
Figura 5.2: Percentagem de erros obtidos pelos grupos experimental e de em cada uma das 8
posições seriais na presente experiência. (Pág.103)

Apresentação e análise dos resultados

A percentagem de erros obtidos no grupo de controle e no grupo experimental em cada uma


das oito posições seriais encontra-se exposta na Figura 5.2. A observação desta Figura indica
que as diferenças entre o grupo de controle e o grupo experimental são bastante mais
acentuadas nas três últimas posições seriais do que nas posições seriais precedentes. Esta
diferença parece revelar os efeitos negativos de um estímulo-sufixo com características
similares ao material anteriormente apresentado. Se se tiver em conta os resultados obtidos no
Laboratório de Psicologia Experimental desde o ano lectivo de 1986 até ao presente as
diferenças entre os grupos controle e experimental são ainda mais nítidas nas últimas posições
seriais, conforme se pode observar pela Figura 5.3.

Conclusão

Os resultados obtidos nesta experiência replicam o efeito de estímulo sufixo descoberto por
Morton e Crowder (1969). Os resultados revelam uma vez mais que a apresentação de um
sufixo com características similares aos itens anteriormente apresentados na sequência influi
significativamente na evocação dos dígitos das últimas posições seriais.

Figura 5.3: Percentagem de erros obtidos pelos grupos experimental e de controle em cada
uma das oito posições seriais desde os anos lectivos de 1986 a 1989 e que correspondem a um
total de 44 sujeitos para o grupo experimental e de 43 para o grupo de controle. (Pág. 104)

Embora o efeito do estímulo-sufixo fosse considerado durante muito tempo como um efeito
puramente laboratorial, recentemente descobriu-se que este efeito também podia ser obtido
em situações da vida quotidiana. Schilling e Weaver (1983) simularam a situação de uma
companhia de telefones local que instruiu as operadores a dizerem "Have a nice day" logo após
terem informado os clientes do número de telefone pretendido. Estes investigadores
formularam a hipótese de que a existência de um cumprimento deste género no final da
informação do número pretendido poderia ter efeitos negativos na recordação desse número
relativamente a uma outra situação em que o cumprimento era substituída por um sinal
sonoro.
De facto os resultados comprovaram a hipótese formulada, tendo-se verificado um
maior número de erros nas últimas posições seriais dos números seguidos de cumprimento em
relação aos mesmos números seguidos de um sinal sonoro.

Se esta situação for passível de generalização, então seria possível considerar que as
expressões "Percebes?..." "Certo!..." e "OK!.." frequentemente usadas na linguagem corrente
entre interlocutores possam funcionar como um estímulo-sufixo bloqueando o processamento
da informação acabada de ser registada, quer deslocando-a do registo sensorial quer
interferindo com ela.

Bibliografia citada e recomendada

Anderson, J. A. (1989). A rational analysis of human memory. In H. L. Roediger, 111 e F. 1. M.


Craik (Eds), Varieties of memory and consciousness: Essays in honour of Endel Tulving (p. 195-
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Atkinson, R. C., e Shiffrin, R. M. (1968). Human memory: A proposed system and its control
processes. In K. W. Spence e J. T. Spence (Eds.), The psychology of learning and motivation (Vol.
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Ayres, T. J., Jonides, J., Reitman, J. S., Ejan, J. C., e Howard, D. A. (1979). Differing suffix effects
for the same physical stimulus. Journal of Experimental Psychology: Human Learning and
Memory, 5, 315-321.

Crowder, R. C. (1989). Modularity and dissociatioms in memory systems. In H. L. Roediger, 111


e F. 1. M. Craik (Eds), Varieties of memory and consciousness: Essays in honour of Endel Tulving
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Crowder, R. C., e Morton, J. (1969). Precategorical acustic storage (PAS). Perception &
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Darwin, C. J., Turvey, M. T., e Crowder, R. G. (1972). An auditory analogue of the Sperling partial
report procedure. Cognitive Psychology, 3, 255, 267.

Gregg, V. H. (1986). Introduction to human memory. London: Routledge & Kegan Paul.

Morton, J., Crowder, R. C., e Prussin, H. A. (1971). Experiments with the stimulus suffix
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Paivio, A. (1986). Mental representations: A dual coding approach. Oxford: Oxford


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Schilling, R. F., e Weaver C. E. (1983). Effect of extraneous verbal information on


memory for telephone numbers. Journal of Applied Psychology, 68, 559-564.
Snodgrass, J. C. (1989). How many memory systems are there really?: Some evidence
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385-398.

Wingfield, A., e Byrnes, D. (1981). The psychology of human memory. New York: Academic
Press.

Apêndice 5

Instruções

Grupo Experimental: Nesta experiência de memória vão ser apresentadas sequências oito
dígitos ao ritmo de um dígito cada meio segundo. Cada sequência termina com a apresentação
do dígito zero. Quando ouvirem o dígito zero deverão reproduzir a sequência dos dígitos na
ordem em que foram apresentados. Se a sequência for, por exemplo, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 0, a
vossa tarefa consiste em reproduzir, logo após a audição do zero, o maior número possível de
dígitos segundo a ordem de apresentação. Os dígitos devem ser redigidos da esquerda para a
direita, colocando um dígito em cada quadrado da folha de respostas. 0 período de evocação
da tarefa é de 10 segundos. Vão ser apresentados 4 ensaios de treino e 10 ensaios
experimentais, separados por um intervalo da cerca de um minuto (entre treino e experiência).
Se tiverem dúvidas não se esqueçam de as colocar durante o intervalo. Quando não forem
capazes de recordar um dígito deixem a respectiva posição em branco. Em caso de dúvida
preencham o espaço tentando adivinhar o dígito mais provável.

Grupo de controle: Nesta experiência de memória vão ser apresentadas sequências de 8


dígitos ao ritmo de um dígito cada meio segundo. Cada sequência termina com a apresentação
de um sinal sonoro breve. Quando ouvirem o sinal sonoro deverão reproduzir a sequência dos
dígitos na ordem em que foram apresentados. Se a sequência for, por exemplo, 1, 2, 3, 4, 5, 6,
7, 8, sinal, a vossa tarefa consiste em reproduzir, logo após a audição do sinal, o maior número
possível de dígitos segundo a ordem de apresentação. Os dígitos devem ser redigidos da
esquerda para a direita, colocando um dígito em cada quadrado da folha de respostas. O
período de evocação da tarefa é 10 segundos. Vão ser apresentados 4 ensaios de treino e 10
ensaios experimentais, separados por um intervalo da cerca de um minuto (entre treino e
experiência). Se tiverem dúvidas não se esqueçam de as colocar durante o intervalo. Quando
não forem capazes de recordar um dígito deixem a respectiva posição em branco. Em caso de
dúvida preencham o espaço respectivo tentando adivinhar o dígito mais provável.

Tabela 5.1: Sequências de dígitos apresentados nos ensaios de treino (0) e nos ensaios
experimentais (1 a 10) no grupos experimental e de controle. (Pág. 107)

Os Efeitos do Agrupamento na Amplitude de Memória Imediata

A prova de memória de números é uma das provas de memória características da


determinação da amplitude de memória imediata ou memória a curto prazo, sendo
frequentemente usada em situações de avaliação cognitiva. Provavelmente a sua popularidade
deve-se por um lado ao grau de simplicidade que apresenta e por outro ao facto do
desempenho nesta prova aumentar uma unidade cada dois anos desde os dois-três anos até à
adolescência. Apesar da sua simplicidade aparente, os processos cognitivos envolvidos nesta
tarefa são bastante complexos. Este estudo faz uma breve descrição dos principais problemas
relacionados com esta prova de memória e em seguida apresenta um estudo experimental,
onde se pretendeu verificar se a introdução de uma estratégia de agrupamento facilitaria ou
não o desempenho na prova de memória de números. Os resultados obtidos confirmaram os
efeitos positivos das instruções de agrupamento ministradas. Na conclusão deste estudo
chama-se a atenção para certos aspectos metodológicos considerados importantes no
planeamento de experiências deste tipo.

Introdução

Os testes de amplitude de memória imediata têm sido objecto de investigação científica desde
os primeiros tempos do estudo experimental da memória humana (Ebbinghaus, 1885/1964).
Os primeiros estudos de amplitude de memória foram publicados por Ebbinghaus em 1885,
usando sílabas sem significado e dois anos depois por Jacobs (1887) usando dígitos.
Ebbinghaus descobriu que o número máximo de itens que podia recordar correctamente logo
após uma única apresentação não ultrapassava sete. Se o número de itens fosse superior a sete
Ebbinghaus necessitava normalmente de ler a lista de palavras mais do que uma vez. Esta
descontinuidade em torno dos sete itens, que segundo Ebbinghaus e outros investigadores
posteriores exprimiria a capacidade de memória imediata, veio a ter grandes repercussões na
investigação futura.
O teste de memória de números depressa se revelou como uma medida válida de capacidade
mental e não demorou muito a ser adoptado no diagnóstico clínico e em baterias de testes de
inteligência. Jacobs (1887) descobriu, por exemplo, uma relação consistente entre o nível
académico de um aluno na sala de aula e o respectivo resultado no teste de números. Por sua
vez Calton (1887) observou que os deficientes mentais não eram capazes de reproduzir
correctamente mais de dois a três dígitos.

A partir destes e outros estudos, o teste de amplitude de memória, usando dígitos como
material, teve um impacto crescente. Assim o teste fez parte da escala original de Binet,
publicada em 1905, assim como de todas as revisões posteriores e é talvez o teste que mais
frequentemente tem sido incluído nas diversas baterias de testes de inteligência existentes.

Uma das principais razões para a inclusão do teste de memória de números nas baterias de
testes de inteligência foi a descoberta de que a amplitude de memória aumentava uma
unidade cada dois anos, desde os três até cerca dos 14 anos, estabilizando a seguir pela vida
fora, excepto na velhice, onde costuma ocorrer um ligeiro decréscimo (e.g., Hunter, 1964;
Marques, 1969; Simões, 1982).

Uma outra razão para explicar o interesse que o teste de memória de números obteve residiu
sem dúvida no grau de simplicidade e numa presumível validade como medida de memória
imediata.

Apesar do relevo alcançado na psicologia dos testes, o conceito de amplitude de


memória imediata, que o teste de números supostamente pretende medir, não foi objecto de
análises experimentais aprofundadas durante várias décadas. Recentemente os psicólogos
cognitivistas começaram a dedicar-lhe um interesse crescente, tentando averiguar por um lado
quais as funções mentais que os testes de amplitude de memória mediriam, assim como as
relações entre a amplitude de memória imediata e outras medidas de memória a curto prazo*
(e.g., Cavanagh, 1972; Baddeley et al. (1975); Watkins, 1977; Chi, 1976; Drewnowsky, 1980;
Dempster, 1981).

* Os conceitos de memória imediata, memória primária e memória a curto prazo têm sido
usados frequentemente com significados equivalentes. Porém neste estudo os conceitos de
memória imediata e memória primária referem-se à quantidade de informação armazenada
num sistema de curta duração e capacidade limitada. O conceito de memória a curto prazo
(MCP) refere-se por outro lado às diversas provas de memória usadas para investigar a
natureza da informação armazenada na memória imediata.

Definição de amplitude de memória

Tem-se definido amplitude de memória imediata como sendo o número de itens não-
relacionados que um sujeito é capaz de reproduzir correctamente e por ordem a seguir a uma
única apresentação. No caso da prova de memória de números, por exemplo, os dígitos são
apresentados um de cada vez, geralmente ao ritmo de um por segundo. Começa-se
habitualmente por séries de dois dígitos e aumenta-se progressivamente a extensão da série
de itens até o sujeito falhar três vezes consecutivas. Há condições em que as sequências são
apresentadas numa ordem descendente ou ao acaso. Os resultados obtidos com jovens
adultos de educação média na prova de amplitude de memória de números situam-se
geralmente à volta dos sete dígitos.

Devido a inevitáveis variações nos resultados de amplitude de memória, a medida de


amplitude é definida em termos estatísticos. Trata-se da extensão de uma sequência de itens
em que a probabilidade de reprodução imediata após uma única apresentação se situa a um
nível arbitrário entre zero e um. Normalmente a probabilidade crítica escolhida costuma ser
50%. Portanto, a medida de amplitude de memória refere-se à extensão de uma sequência de
itens em que há uma probabilidade de 0.5 de reprodução perfeita. Outros critérios para além
de 50% têm sido considerados, mas quase todos revelam um alto grau de correlação (e. g.,
Guilford e Dallenbach, 1925).

Os testes de amplitude de memória imediata parecem ter seguramente determinadas


características que devem ter feito despertar um interesse crescente por este tipo de provas.
Para começar, os testes de amplitude revelam uma grande simplicidade. São provas que não
incluem procedimentos complexos e os conhecimentos necessários para as realizar são
bastante reduzidos. Além disto os resultados obtidos são facilmente quantificáveis.

Há indicações, ainda, de que os testes de amplitude de memória estão relacionados com


aspectos fundamentais do processamento humano de informação. Por exemplo, o teste de
memória apresenta uma correlação moderada com os outros nove subtestes da bateria
Wechsler Adult Intelligence Scale para as idades de 25 a 74 anos (0.30 a 0.53); apresenta uma
correlação elevada com várias medidas de aptidão e sucesso escolar, como sejam o "Scholastic
Aptitude Test": Verbal, r = 0.74; Matemática, r = 0.77, e o "College Entrance Examination Board
English Achievement Test", r = 0.81 (cf. Dempster, 1981); e ainda o aumento de amplitude é
paralelo a uma melhoria observada nas provas de Piaget de raciocínio concreto e formal
(McLaughlin, 1963).

Se o teste de memória de números estiver relacionado com a actividade intelectual, então é


natural que apresente um grande valor educativo. Tradicionalmente o valor educativo do teste
foi prever o sucesso escolar. Mais recentemente tem havido esforços no sentido de
compreender a causa ou as causas das diferenças de amplitude de memória imediata e
conseguir descobrir técnicas de treino que permitam melhorar os resultados dos indivíduos
com valores inferiores a média.

As características apontadas sugerem assim que o teste de amplitude de memória tem


potencialidades para avaliar certas funções cognitivas responsáveis pelo processamento de
informação por um lado e, por outro, para identificar as causas das diferenças observadas nos
resultados do teste. O teste pode revelar-se assim um bom auxiliar dos investigadores no
conhecimento das funções cognitivas humanas. No dizer de Dempster (1981), se não for
possível obter-se uma compreensão razoável das provas de amplitude, então parece altamente
improvável obter-se uma compreensão razoável de testes relacionados com funções cognitivas
mais complexas.
Quadro 6.1: Valores de amplitude de memória obtidos em épocas e sujeito, diferentes para
diversos tipos de material por Brener (1940), Pucket e Kausler (1984) e Pinto (1987). (Pág.112)

Amplitude e materiais escolhidos

As medidas de amplitude de memória imediata têm sido obtidas com diferentes materiais e os
resultados revelam diferenças acentuadas. Por exemplo, o Quadro 6.1 apresenta valores de
amplitude obtidos em duas investigações realizadas em alturas diferentes, uma por Brener
(1940) e outra por Pucket e Kausler (1984), além de um pequeno estudo efectuado pelo autor
(Pinto, 1987). Os procedimentos usados foram semelhantes, com apresentação visual ao ritmo
de um item cada dois segundos. Os sujeitos eram universitários jovens.

Estes resultados parecem indicar que a amplitude de memória muda de acordo com o grau de
complexidade e familiaridade dos materiais seleccionados. Apesar destas diferenças houve
investigadores que propuseram que a extensão da memória imediata representaria um
número constante de itens ou unidades informativas categorizadas (Miller, 1956).

Estes estudos revelaram que a amplitude de memória depende em grande medida do tipo de
material usado. Neste sentido uma das questões a que os investigadores tentaram responder
foi a seguinte:

Será que a amplitude de memória imediata representa um valor fixo ou variará


conforme o tipo de material seleccionado? Embora as investigações iniciais tenham usado
sílabas sem significado e dígitos, outros materiais foram também seleccionados, tendo-se
verificado que os valores de amplitude em amostras homogéneas de jovens adultos variava
entre 8,0 para dígitos até cerca de 2,0 para provérbios; no caso de palavras frequentes o valor
obtido é de cerca de 5,5 (e.g., Brener, 1940; Puckett e Kausler, 1984; Pinto, 1987).

Se, como se tem provado, a frequência e a familiaridade parecem ser uma das variáveis dos
materiais que mais influência exercem em geral no grau de retenção, parece razoável deduzir
que os valores de amplitude de memória dependerão também do grau de familiaridade do
material seleccionado. Foi talvez a pensar no elevado grau de familiaridade dos dígitos que os
investigadores os adoptaram como material preferencial nas provas de amplitude de memória.

Há quem pense no entanto (e.g., Simon, 1974) que o valor de amplitude de memória em
adultos, que se situa entre sete e oito dígitos na população americana e inglesa, se encontra
um pouco inflacionado, devido aos valores elevados de familiaridade nos adultos. Se a
familiaridade é de facto uma variável assim importante, as diferenças de amplitude de
memória que existem entre crianças dos sete e oito anos, cujo valor de amplitude é de cerca
de cinco e os adultos cujo valor de amplitude é de cerca de sete a oito, seriam devidas, não
apenas aos aumentos estruturais de capacidade de memória ao longo da idade, mas também
às diferenças de familiaridade dos itens apresentados.
Chi (1976) confirmou de facto esta tese ao seleccionar um tipo de material onde as crianças
apresentavam índices superiores de familiaridade relativamente aos adultos. A experiência
consistiu na apresentação a crianças e adultos de dois tipos de material: Reprodução de dígitos
por um lado e de peças de xadrez por outro. Quando a amplitude de memória foi medida em
dígitos observou-se as tradicionais diferenças entre crianças e adultos. Todavia quando a
amplitude de memória foi medida a partir do número de peças de xadrez correctamente
reproduzidas após uma única observação verificou-se que a amplitude de memória nas
crianças excedia significativamente a dos adultos.

Será então que a amplitude de memória aumenta de facto uma unidade cada dois em dois
anos até à adolescência (e.g., Hunter, 1964), ou será que representa um valor fixo sem grandes
variações ao longo do desenvolvimento? Parece haver um consenso generalizado entre os
investigadores de que os aumentos de amplitude de memória entre os três e os seis anos
seriam devidos em grande parte a mudanças verificadas na fisiologia cerebral. No que se refere
a outros períodos etários, as diferenças de resultados de amplitude não parecem depender
substancialmente de factores de crescimento e maturação.

As provas em apoio desta hipótese baseiam-se em experiências que usaram sequências de


itens pouco familiares em grupos etários diferentes. Por exemplo, além da investigação de Chi
(1976) atrás citada, Ross (1969) verificou que as crianças de sete anos recordavam quase tantas
palavras como adolescentes de 15 anos e Dempster (1981) obteve resultados semelhantes de
amplitude de memória entre as idades de sete e 12 anos, quer com palavras quer com
consoantes. Por outro lado, quando as condições experimentais destes estudos incluíram
materiais com níveis de familiaridade bastante mais elevados, as diferenças de amplitude
aumentaram de acordo com os períodos etários escolhidos.

Exceptuando assim a primeira infância parece não haver um grande apoio experimental para a
tese de que o aumento verificado na amplitude de memória desde a infância até à
adolescência seja devido ao aumento de capacidade de memória imediata. Em apoio de um
valor constante de capacidade há ainda resultados obtidos com outros tipos de amplitudes
cognitivas, como a amplitude perceptiva e a amplitude do efeito de recência, onde se tem
verificado a ausência de qualquer melhoria devido à idade.

O valor de amplitude mais provável

Se a amplitude de memória é aparentemente constante, qual será então o valor mais provável?
Pensa-se que o valor de amplitude de memória imediata representaria não só um espaço
limitado de registo de informação, mas também um espaço de processamento de informação.
Se o sujeito valoriza a quantidade de material a ser armazenado, então o processamento do
mesmo será desvalorizado; Se em contraste o sujeito valoriza o tipo de processamento, então a
quantidade de material a ser retido ficará em desvantagem.

A fim de tornar mais explícita a reciprocidade entre capacidade de armazenamento e


capacidade de processamento, Klatzky (1975) sugeriu uma metáfora ilustrativa. Segundo esta
investigadora a informação na memória imediata seria armazenada e processada de maneira
parecida com o trabalho efectuado pelo carpinteiro na mesa da sua oficina. O espaço
disponível na mesa podia ser usado tanto para armazenar os materiais e instrumentos como de
local de trabalho. Assim a vantagem em termos de espaço atribuída a um factor redundaria
numa desvantagem para o outro factor, tanto na mesa do carpinteiro como na memória
imediata. Nesta perspectiva os limites de capacidade de memória imediata seriam uma função
da natureza do processamento e do espaço disponível. Parece assim não ter grande sentido
fixar um valor para a capacidade de memória imediata. Aliás os valores que foram sendo
sugeridos ao longo destes últimos 30 anos nem sempre foram coincidentes. A amplitude de
memória foi estimada em sete por Miller (1956), seis por Sptiz (1972), cinco por Simon (1974) e
entre três a quatro por Broadbent (1975). 0 apoio apresentado para estas diferentes
estimativas teve em conta, (1) o tipo de material seleccionado, e de que já se fez uma análise;
(2) o critério fixado, 50 ou 100%; (3) a prova adoptada para se determinar a amplitude de
memória.

Segundo Broadbent (1975) se o critério convencional usado para determinar a amplitude de


memória for fixado acima do nível de 50%, então o valor de amplitude de memória obtido será
consideravelmente reduzido. No caso da fixação de um critério rigoroso, por exemplo 100%, o
valor de amplitude de memória obtido seria de cerca de três a quatro itens
independentemente do material usado.

O tipo de prova escolhida para determinar a amplitude de memória também influi bastante.
Para além da prova de evocação ,,criada de itens, que é a mais utilizada e aquela a que me
tenho referido até agora, há ainda uma prova de evocação contínua, em que são apresentados
aos sujeitos sequências de itens de extensão desconhecida, e que o sujeito tenta reproduzir
retroactivamente a partir de um item assinalado (e.g., Pollack, Johnson, e Knaff, 1959). Nesta
prova é habitual um adulto recordar apenas os últimos três ou quatro itens com precisão.

Além destas duas provas de amplitude de memória, há ainda a prova de evocação livre de listas
de palavras. Num estudo efectuado por Glanzer e Razel (1974), estes investigadores
examinaram 32 experiências publicadas, tendo todas elas usado listas de 12 ou mais palavras.
Em cada um destes estudos foi obtida uma estimativa de memória imediata baseada na
superioridade dos últimos seis itens relativamente aos itens do meio da lista. A distribuição de
frequências destas estimativas indicou que o número médio retido era de 2,2 com 0,64 de
desvio padrão. Os valores obtidos em três provas diferentes parecem sugerir que a amplitude
de memória é um valor fluido, dependendo em grande medida do material escolhido, da prova
de memória usada e do critério fixado.

Em resumo, parece apropriado referir que o conceito de amplitude de memória, que os


psicométricos tanto usaram nas baterias de inteligência, foi objecto de um exame extenso e
profundo por parte dos investigadores cognitivistas ao longo destes últimos 20 anos, tendo daí
resultado uma melhor clarificação sobre uma componente importante da memória humana.

Experiência
Esta experiência teve por objectivo determinar os valores de amplitude de memória imediata
para dígitos com sequências ascendentes e paralelamente verificar se o valor de amplitude
seria ou não afectado por instruções de agrupamentos dos dígitos da série de três em três.
Para melhor se reterem sequências de dígitos apresentados rapidamente, há várias estratégias
aconselháveis desde ritmos, repetição, agrupamentos em três, categorização, etc. (e.g., Pinto,
1985). Neste sentido pretendeu-se verificar se os resultados de um grupo experimental
instruído no uso do agrupamento de dígitos de três em três seria ou não superior
relativamente a um grupo de controle, onde esta estratégia tinha sido omitida.

Método

Sujeitos: A amostra foi constituída por 34 estudantes de psicologia da Universidade do Porto


inscritos no ano lectivo de 1987/88. A grande maioria dos sujeitos pertenciam ao grupo etário
dos 18 - 21 anos, sendo a maioria do sexo feminino.

Material: Foram seleccionadas 21 séries ou sequências com extensões de 4 a 10 dígitos. Houve


três séries iguais para cada extensão de 4 a 10 dígitos. A selecção dos dígitos obedeceu às
normas seguintes:

(1) Não houve sequências com mais de 2 números consecutivos em qualquer das
ordens; (2) Omitiram-se dígitos repetidos; (3) Controlou-se o número de sílabas dos dígitos de
cada sequência, por exemplo, numa sequência de quatro dígitos, dois tinham uma sílaba e os
restantes duas sílabas; (3) Procurou-se alternar as sequências onde predominavam dígitos com
uma sílaba e sequências onde predominavam os de duas sílabas. As sequências de dígitos
foram gravadas em fita magnética e o ritmo de apresentação dos dígitos foi de um dígito por
segundo. A Tabela 6.1, pág. 123, apresenta as 21 sequências de dígitos.

Planeamento: O planeamento adoptado foi o de grupos aleatórios com medidas pré e pós-
tratamento (e.g., Pinto, 1990, p. 108). A fase pré-tratamento foi dedicada à obtenção dos
valores de amplitude de memória para os sujeitos da amostra. Seguiu-se a fase de tratamento
que consistiu na ilustração do agrupamento dos dígitos três a três das séries a metade dos
sujeitos escolhidos ao acaso e que passaram a constituir o grupo experimental. A fase pós-
tratamento envolveu a obtenção do valor de amplitude de memória no grupo experimental e
no grupo de controle.

A variável independente manipulada foi a presença ou ausência da instrução de agrupamento,


formando-se dois grupos: O grupo experimental a quem foi ministrado a instrução de
agrupamento e o grupo de controle a quem se omitiu qualquer referência ao papel do
agrupamento. A variável dependente registada foi o número de sequências de dígitos
correctamente evocados segundo a ordem de apresentação. O planeamento foi inter-sujeitos.

Procedimento: A experiência foi efectuada em duas sessões com um intervalo de uma semana.
No início da primeira sessão os sujeitos foram instruídos de que iam ser apresentadas
auditivamente sequências de dígitos de extensão crescente, que deveriam reproduzir segundo
a ordem apresentada. O período de reprodução de cada sequência foi de 15 segundos no
máximo. No início da segunda sessão os sujeitos do grupo experimental foram informados de
que poderiam obter um desempenho superior nesta tarefa de memória se agrupassem os
dígitos ouvidos de três em três. Esta estratégia foi ilustrada com 4 ensaios de treino em que
foram apresentadas 2 sequências de 4 e 5 dígitos. Os sujeitos do grupo de controle foram
apenas informados de que iam repetir a prova de memória da semana anterior a fim de se
verificar se a repetição melhorava ou não o desempenho de memória. Os sujeitos do grupo de
controle efectuaram os mesmos 4 ensaios de treino apresentados ao grupo experimental. Em
ambas as sessões a experiência foi efectuada com pequenos grupos de estudantes.

Apresentação e análise dos resultados

Os valores de amplitude de memória imediata foram calculados de acordo com o método


numérico (Woodworth e Schlosberg, 1954). Este método inclui quatro fases: (1) Selecciona-se
para cada sujeito a sequência mais elevada, onde as três sequências foram correctamente
reproduzidos; (2) Determina-se o número das restantes sequências correctas; (3) Divide-se o
valor obtido na fase (2) por três; (4) Adicionam-se os valores obtidos nas fases (1) e (3). Os
resultados obtidos para o grupo experimental constituído por 18 sujeitos e para o grupo de
controle formado por 16, estão expostos no Quadro 6.2.

Quadro 6.2: Valores médios de amplitude de memória imediata obtidos pelo grupo
experimental (agrupamento três a três) e pelo grupo de controle (repetição da tarefa).
(Pág.118)

Os resultados indicam uma melhoria entre a primeira e segunda sessões, quer no grupo
experimental quer no grupo de controle. A fim de se verificar se as diferenças foram ou não
estatisticamente significativas aplicou-se o teste t-Student. Para o grupo experimental
verificou-se que as diferenças entre as duas sessões eram estatisticamente significativas, t(15)
= 3,4, p<0,01, o mesmo acontecendo para o grupo de controle, t(-17) = 3,8, p<0,01. No que se
refere ao grupo de controle estes resultados indicam que a simples repetição da experiência de
amplitude, mesmo sem o conhecimento de qualquer estratégia de memorização específica, foi
suficiente para proporcionar uma melhoria significativa nos resultados.

Discussão

Os resultados obtidos confirmaram que o agrupamento em três de séries de dígitos numa


prova de memória de números foi benéfico. Gostaria no entanto de chamar atenção para o
facto de que replicações desta experiência em anos lectivos diferentes nem sempre
apresentaram resultados semelhantes, particularmente no que se refere às diferenças entre
grupos nas fases pós-tratamento.

A realização desta experiência requer uma certa subtileza, particularmente no que se refere à
distribuição dos sujeitos na fase pré-tratamento e ao tipo de ensaios práticos ministrados no
início da fase pós-tratamento. Verificou-se às vezes que a distribuição aleatória dos sujeitos em
dois grupos após a obtenção de amplitude na fase pré-tratamento nem sempre apresentou
médias e desvios padrões semelhantes. Quando as diferenças são expressivas, os grupos não
são seguramente equivalentes quando partem para a segunda sessão.

A fim de se evitar distribuições por vezes caprichosos, o melhor é proceder a uma distribuição
gemeal. Neste tipo de distribuição os dois sujeitos com resultados mais elevados são atribuídos
aleatoriamente aos dois grupos da experiência; Procede-se da mesma forma para os dois
sujeitos seguintes com resultados mais elevados e assim sucessivamente até se atribuírem por
último ao acaso os dois sujeitos com resultados mais baixos. Esta distribuição garante uma
maior homogeneidade dos grupos e evita situações metodologicamente embaraçosas.

No que se refere ao tipo de ensaios práticos, é aconselhável apresentar apenas quatro ensaios
com as séries de dígitos mais baixas, de preferência as séries de 4 e de 5 dígitos. Nestas séries é
provável que os sujeitos do grupo experimental obtenham sucesso na aplicação da estratégia
de agrupamento e neste sentido talvez se sintam mais inclinados a usá-la sistematicamente nos
ensaios experimentais. Se as séries forem de 4, 6 e 8 é mais provável que ocorram erros. Se tal
acontecer é possível que os sujeitos mudem a estratégia aconselhada durante a experiência
pela estratégia que cada um julga mais adequada ou em que pelo menos se sente mais à
vontade.

Bibliografia citada e recomendada

Baddeley, A. D. (1990). Human memory: Theory and practice. London: Erlbaum.

Baddeley. A. D., Thompson, N., e Buchanan, M. (1975). Word length and the structure
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Woodworth R. S., e Schlosberg, H. (1954). Experimental psychology. London: Methuen.

Apêndice 6

Instruções

Fase pré-tratamento

Grupos experimental e de controle: A experiência que vai-nos realizar é uma experiência de


memória. Vão ser apresentadas sequências de dígitos com extensões de 4, 5 a 10 dígitos cada.
Haverá três sequências para cada extensão, de modo que esta sessão incluirá a apresentação
de 21 sequências de dígitos. As sequências estão gravadas e serão apresentadas numa ordem
ascendente, ou seja, de 4 dígitos até 10 dígitos. Quando terminar a apresentação de uma
sequência deverão reproduzir os dígitos pela ordem em que foram apresentados. O início e
final de uma sequência serão assinalados respectivamente por um som grave e outro agudo. O
período de reprodução terá uma duração máxima de 15 segundos. É considerada "uma
reprodução errada" sempre que houver alteração da ordem de apresentação dos dígitos,
mesmo que todos estejam certos. Vamos apresentar dois ensaios com sequências de 3 e 4
dígitos: 6 2 5; 7 4 1 3. Compreenderam? Então vamos começar.

Fase pós-tratamento
Grupo experimental: Vamos repetir a experiência de memória realizada na semana passada.
Antes porém gostaria de vos ensinar uma estratégia de retenção que é considerada por muitos
investigadores bastante eficaz na realização deste tipo de provas. Trata-se do agrupamento dos
dígitos das sequências apresentadas em três. Assim se for apresentada a sequência 7 4 1 3
deverão agrupá-la mentalmente da seguinte forma: setecentos e quarenta e um - três; se a
sequência for 1 5 7 6 0, deverão mentalmente agrupá-la assim: cento e cinquenta e sete -
sessenta. Vamos efectuar quatro ensaios de treino a fim de se familiarizarem com esta
estratégia.

8 4 5 0;

4 2 6 1;

02 9 4 5,

72 5 1 8.

Compreenderam? Então vamos começar.

Grupo de Controle: Vamos repetir a experiência de memória realizada na semana passada. O


objectivo é verificar se a repetição de uma tarefa de memória uma semana depois revela ou
não uma melhoria nos resultados. Há investigadores que obtiveram resultados comprovativos,
outros que não. Antes de começarmos propriamente vamos realizar 4 ensaios de treino.

8 4 5 0;

4 2 6 1;

0 2 9 4 5;

7 2 5 1 8.

Compreenderam? Então vamos começar.

Tabela 6.1: Lista das 21 séries ou sequências de dígitos apresentadas. (Pág.122)

Nas fases pré-tratamento e pós-tratamento os dígitos apresentados foram os mesmos. Na fase


pré-tratamento a ordem dos dígitos apresentada foi a desta Tabela. Mas na fase pós-
tratamento a ordem foi inversa. Assim se na fase pré-tratamento foi apresentado 7 2 6 0, na
fase pós-tratamento foi apresentado 0 6 2 7.

Libertação da Interferência Proactiva Segundo o Paradigma de Wickens (1970)

O fenómeno da interferência proactiva é considerado uma das descobertas importantes da


investigação psicológica (Underwood, 1957) e manifesta-se por uma diminuição de retenção ao
longo de vários ensaios, mesmo quando a aprendizagem de cada ensaio atingiu o critério de
100%. Este trabalho teve por objectivo demonstrar os efeitos do desenvolvimento da
interferência proactiva e respectiva libertação de acordo com o paradigma de Wickens (1970).
Para o efeito foram seleccionados dois grupos, um de controle e outro experimental, a quem
foram apresentados 8 ensaios do tipo Brown-Peterson. Enquanto o material apresentado ao
grupo de controle provinha em todos os ensaios da mesma categoria, o material do grupo
experimental diferia de categoria apenas no último ensaio de cada bloco de ensaios
apresentados. A análise dos resultados obtidos revelou um índice de libertação de
interferência proactiva da ordem dos 100%, valor previsível para o tipo de manipulação de
mudança de material efectuada. Em conclusão é discutida a controvérsia sobre a localização da
interferência proactiva, se na fase de aquisição ou fase de recuperação, sendo referidos para o
efeito alguns estudos experimentais.

Introdução

O início dos estudos experimentais sobre a memória a curto prazo (MCP) deveu-se a duas
experiências similares realizadas por John Brown (1958) em Inglaterra e por Lloyd e Margaret
Peterson (1959) nos Estados Unidos.

Estas duas experiências estudaram a retenção de informação para pequenos intervalos de


tempo. Na experiência dos Peterson era pedido aos sujeitos para tentarem evocar um trigrama
(combinação de três consoantes, por exemplo, LTC, JQN) após 3, 6, 9,12, 15 e 18 segundos. O
experimentador pronunciava primeiro um trigrama e logo a seguir um número de três dígitos.
Os sujeitos tinham sido instruídos a realizar uma contagem retrógrada a partir do número
apresentado até ser apresentado um sinal para se iniciar a evocação. Esta contagem retrógrada
constituía uma actividade distractiva, a fim de evitar que os sujeitos repetissem o trigrama a
ser evocado durante o intervalo de retenção.
Os resultados destas experiências demonstraram que o grau de retenção dos trigramas
diminuía à medida que aumentava o intervalo de retenção segundo uma função
progressivamente negativa, sendo o grau de evocação para o intervalo de 18 segundos da
ordem dos 15%. Os Peterson explicaram o esquecimento observado em função do intervalo de
tempo e não em função da interferência proactiva.

Esta explicação era apoiada no facto de que se a interferência proactiva tivesse actuado, então
os resultados obtidos nos quatro últimos ensaios (foram apresentados 8 ensaios em cada
intervalo de retenção) de cada intervalo de retenção apresentariam valores de retenção
inferiores aos dos primeiros quatro ensaios, já que a interferência proactiva era tanto maior
quanto maior fosse o número de ensaios realizados. Como tal não se verificou Peterson e
Peterson optaram pela interpretação do esquecimento em função do tempo decorrido durante
cada intervalo de retenção.

O procedimento usado por Brown e pelos Peterson para investigar a memória a curto prazo
(MCP) veio a ficar conhecido pelo paradigma de Brown-Peterson.

Keppel e Underwood (1962) criticaram as conclusões de Peterson e Peterson (1959) e


sugeriram que o esquecimento verificado poderia ter sido devido à interferência proactiva.
Para Keppel e Underwood a interferência proactiva aumentaria com o número de sílabas
apresentadas e seria maior para intervalos longos relativamente a intervalos pequenos. Os
resultados obtidos numa experiência realizada para o efeito por estes investigadores
confirmaram as hipóteses formuladas (Keppel e Underwood, 1962).

A disparidade de interpretações a respeito da natureza do esquecimento na MCP conduziu ao


planeamento de novas experiências durante a década de 60 a fim de se obter uma melhor
clarificação do assunto. Face a esta polémica Wickens (1963) sugeriu que, sendo importante
averiguar as circunstâncias em que a interferência proactiva se desenvolvia, seria no entanto
bem mais importante averiguar em que circunstâncias é que a interferência proactiva era
removida ou se dissipava. Para responder a esta questão Wickens (1963) inventou um
procedimento experimental que veio a ficar conhecido por libertação da interferência
proactiva.

Genericamente o procedimento para se investigar a libertação da interferência proactiva


consiste na apresentação ao grupo de controle de materiais pertencentes à mesma categoria
ao longo de vários ensaios do tipo do paradigma de Brown-Peterson. Ao grupo experimental
são apresentados os mesmos materiais do grupo de controle em cada ensaio, excepto no
último ensaio, onde o material da categoria precedente é substituído por um material
pertencente a uma nova categoria. Neste paradigma experimental observam-se normalmente
dois fenómenos: O desenvolvimento da interferência proactiva com uma diminuição
progressiva na evocação dos itens apresentados; A libertação da interferência proactiva com
uma melhoria notável na evocação dos itens apresentados no ensaio em que houve mudança
de categoria do material referente ao grupo experimental.

Embora haja grandes semelhanças entre os procedimentos experimentais adoptados por


Wickens e colaboradores quer na experiência inicialmente publicada em 1963 (Wickens, Born e
Allen, 1963), quer nas experiências publicadas em 1970 (Wickens, 1970), por razões de
simplicidade será somente descrito o procedimento referido em 1970.

No tipo de experiências descritas no estudo publicado em 1970, Wickens seleccionou um


grupo de controle e um grupo experimental, que efectuaram vários ensaios seguindo o
paradigma de BrownPeterson. No grupo de controle foram apresentados blocos de quatro
ensaios, em que era sempre usado o mesmo tipo de material (por ex., palavras provenientes da
categoria de "mamíferos") ao longo de todos os ensaios. No grupo experimental era
apresentado o mesmo material do grupo de controle nos três primeiros ensaios de cada bloco
(palavras da categoria de "mamíferos"), mas no quarto e último ensaio de cada bloco, o
experimentador substituía o material precedente por um novo. Assim se nos três primeiros
ensaios as palavras provinham da categoria de "mamíferos", no quarto ensaio as palavras
seleccionadas pertenciam à categoria de "frutos".

Este procedimento experimental revelou por um lado um aumento crescente da interferência


proactiva ao longo dos primeiros quatro ensaios no grupo de controle e uma melhoria
considerável no grau de evocação no grupo experimental no quarto ensaio. A diferença
observada no grau de retenção no quarto ensaio entre os grupos experimental e de controle é
uma expressão empírica do fenómeno da libertação da interferência proactiva".

Wickens (1970), além de outros investigadores, analisaram os efeitos de diferentes variáveis no


grau de libertação da interferência proactiva. Dos estudos realizados pode-se concluir o
seguinte:

1. As mudanças que produzem um maior grau de libertação da interferência proactiva são


mudanças de palavras para números; mudanças de categoria taxonómica, por exemplo,
"árvores" para "animais"; mudanças de diferencial semântico de Osgood, por exemplo,
palavras avaliadas positivamente como "sucesso" e "satisfação" relativamente a palavras
avaliadas negativamente, como "perigo" "doença"; mudanças de masculino para feminino, e
vice-versa em todos os casos precedentes. Geralmente mudanças de tipo semântico produzem
índices de libertação da interferência proactiva da ordem dos 50 a 100%. Mudanças de língua e
de frequência de palavras apresentam também valores de libertação elevados na ordem dos 50
a 70%.

2. As mudanças que produzem um grau menor de libertação da interferência proactiva . são de


natureza física. Por exemplo, mudanças no número de sílabas ou fonemas; mudanças na área
de exposição visual; mudanças de figura e fundo, e eventualmente de cor e modalidade
sensorial. Geralmente mudanças de tipo físico produzem índices de libertação da interferência
proactiva da ordem dos 10 a 25%. No entanto veja-se a propósito, Gardiner, Klee, Redman, e
Ball (1976).

Outras mudanças, de carácter predominantemente sintáctico, foram ainda estudadas,


como as de verbos para adjectivos e substantivos, mudanças de tempo verbal, do singular para
o plural, etc. Para uma informação mais detalhada veja-se Wickens (1972).

A melhoria observada no quarto ensaio do grupo experimental tem sido explicada


diferentemente.
Para uns a melhoria observada seria devida ao facto do sujeito ficar perceptivelmente alertado
para a mudança de material apresentado. Esta explicação tem sido posta em causa devido ao
facto da maioria dos sujeitos não terem consciência da mudança verificada, quando
interrogados a este propósito no final da sessão.

Para outros, o novo tipo de material ao diferir do precedente forneceria uma pista nova de
recuperação muito mais específica. Nos ensaios precedentes a pista usada na recuperação dos
itens seria menos específica devido ao facto do número de itens apresentados ser maior.
Haveria como que uma saturação do grau de especificidade da pista, quando os materiais
pertenciam à mesma categoria ao longo de vários ensaios. Assim durante os três primeiros
ensaios seria mais difícil obter uma pista específica do que no quarto ensaio do grupo
experimental.

Experiência

A experiência a seguir descrita pretende replicar o efeito experimental do desenvolvimento e


libertação de interferência proactiva, utilizando-se para o efeito mudanças de material ao nível
categorial das palavras.

Método

Sujeitos: A amostra foi constituída por 41 estudantes de psicologia da Universidade do Porto


inscritos no ano lectivo de 1988/89. A grande maioria dos sujeitos pertenciam ao grupo etário
dos 18 - 21 anos, sendo a maioria do sexo feminino.

Material: O material usado foram 12 palavras pertencentes à categoria de "mamíferos" e 6


pertencentes à categoria de "metais". As palavras de "mamíferos" foram organizadas em dois
blocos de quatro ensaios cada, sendo distribuídos, aleatoriamente, três palavras por cada
ensaio. Os nomes de mamíferos repetiam-se nos ensaios do segundo bloco, ainda que segundo
uma ordem e distribuição diferentes. As de "metais" foram atribuídas aleatoriamente ao
quarto ensaio do grupo experimental de cada bloco. No grupo experimental utilizaram-se, nos
três primeiros ensaios de cada bloco, as mesmas séries de três nomes de mamíferos
apresentados ao grupo de controle. Porém, no quarto ensaio de cada bloco a série de três
nomes de mamíferos do grupo de controle foi substituída por uma série de três palavras da
categoria de "metais". Veja-se Tabela 7.1, pág. 137. Seleccionaram-se, ainda, séries de três
dígitos, sete séries para cada um dos ensaios a fim de se preencher o período "distractivo" de
cada ensaio, que tinha uma duração de cerca de 18 segundos.

Planeamento: Os sujeitos foram divididos aleatoriamente em dois grupos: Um grupo de


controle e outro experimental. A variável independente manipulada foi a mudança de
categoria do material no quarto ensaio de cada bloco, havendo duas condições: Presença ou
ausência de mudança de categoria das palavras. * A variável dependente registada foi o
número de palavras correctamente evocadas em cada ensaio.

* Por razões de simplicidade foram usados apenas dois grupos nesta experiência. No entanto
as experiências de libertação da interferência proactiva requerem no mínimo um grupo
experimental e outro de controle, cada um destes subdividido em dois. Se o objectivo de uma
experiência for investigar o grau de libertação na mudança de material "X" para "Y", é
necessário ainda verificar se a libertação também se verifica de "Y" para "X". Assim a ordem de
apresentação do material aos quatro sub-grupos seria: Ao subgrupo experimental 1, "X, X, X,
Y"; ao subgrupo experimental 2, "Y, Y, Y, X"; ao subgrupo de controle 1, "X, X, X, X"; ao subgrupo
de controle 2, "Y, Y, Y, Y". No que se refere ao número de sujeitos por cada sub-grupo, Wickens
(1972) recomenda cerca de 50, num total de 200.

Sumariamente cada ensaio era formado pelas três fases seguintes: (1) Apresentação das
palavras a serem evocadas durante 2,5 segundos; (2) Apresentação de sete séries de três
dígitos cada com uma duração aproximada de 17,5 segundos; (3) Período de evocação das
palavras inicialmente apresentadas durante 10 segundos. A duração total do ensaio era de
cerca de 30 segundos.

Procedimento: A experiência foi realizada em pequenos grupos, pertencentes quer ao grupo


de controle quer ao grupo experimental. As instruções foram lidas e referiam que os sujeitos
iam realizar três tarefas: Uma de aprendizagem e memória, outra de rapidez de cálculo
aritmético e ainda uma outra de atenção sob a forma de busca de uma letra alvo. A tarefa de
aprendizagem e memória consistia na apresentação de três palavras que mais tarde seriam
objecto de reprodução; A tarefa aritmética consistia na apresentação de vários números de
três dígitos a que os sujeitos deveriam subtrair 3 e escrever o resultado na folha de respostas.
Eram ainda informados de que esta tarefa era apresentada a um ritmo bastante rápido e que
não havia alteração no dígito das centenas e das dezenas, mas apenas no das unidades. A
tarefa aritmética terminava com a apresentação de um sinal sonoro, que significava ainda o
começo do período de evocação das palavras. As palavras deveriam ser reproduzidas pela
ordem em que foram apresentadas. O final do período de evocação era também assinalado por
um breve sinal sonoro. Os sujeitos foram informados de que seria apresentado um ensaio de
treino, e pouco depois seguir-se-ia a apresentação de oito ensaios experimentais. Após o
quarto ensaio haveria um período de cerca de dois minutos de intervalo durante o qual seria
efectuada a tarefa de atenção.

Resultados

O desempenho dos sujeitos na prova de memória foi avaliado do seguinte modo. Por cada
palavra correctamente evocada era atribuído um ponto, havendo um máximo de três pontos
pela evocação das três palavras; no caso em que as três palavras tivessem sido evocadas
segundo a ordem de apresentação era atribuído um ponto suplementar. Portanto, a cotação
máxima de cada ensaio era de quatro pontos. A percentagem de palavras correctamente
evocadas pelo grupo de controle e pelo grupo experimental no total dos 8 ensaios estão
expostos na Figura 7.1.

A Figura 7.1 revela claramente, por um lado o declínio do grau de retenção ao longo dos quatro
ensaios no grupo de controle e nos três primeiros ensaios do grupo experimental e por outro
uma melhoria acentuada no grau de evocação no quarto ensaio do grupo experimental. O
declínio registado nos três primeiros ensaios do grupo experimental (ou nos quatro ensaios do
grupo de controle) tem sido denominado de desenvolvimento da interferência proactiva e a
melhoria observada no quarto ensaio do grupo experimental de libertação da interferência
proactiva.

Figura 7.1: Percentagem de palavras correctamente evocadas pelos sujeitos dos Grupos
experimental e de controle ao longo dos quatro ensaios dos blocos apresentados. (Pág. 131)

Wickens (1970) apresentou uma fórmula para se calcular o grau de libertação da interferência
proactiva (LIP) neste tipo de experiências. Assim a LIP seria igual à proporção entre a diferença
do 42 ensaio experimental com o 42 ensaio de controle, sobre a diferença entre o V ensaio de
controle com o 4- ensaio de controle, a multiplicar por 100.

LIP = 4º Ensaio Experimental - 4º Ensaio Controle X 100

1º Ensaio Controle - 4º Ensaio Controle

De acordo com esta fórmula, o valor de LIP obtido na presente experiência seria de 100%.

LIP = (80-36) X 100; LIP = 100%.

(80-36)

Um valor de 100% de libertação de interferência proactiva indica que a mudança de material


no 4º ensaio do grupo experimental foi capaz de libertar totalmente a interferência proactiva
que se vinha acumulando nos ensaios precedentes. Como foi referido anteriormente,
mudanças de natureza categorial produzem habitualmente valores elevados de libertação de
interferência proactiva, normalmente à volta dos 75%.
Conclusão

A libertação de interferência proactiva foi um procedimento experimental frequentemente


usado nos anos 60 e 70 a fim de se investigar a natureza de codificação dos itens na memória
humana, tendo-se procurado determinar quais as dimensões de um estímulo que produziam
libertação. Assim se se verificasse um índice apreciável de libertação, quando se efectuava uma
mudança numa dimensão do material, então poder-se-ia deduzir que a referida dimensão teria
sido codificada na altura da apresentação do item, tornando-se numa variável a ter em
consideração.

No âmbito desta temática um dos problemas que gerou bastantes investigações foi o de se
saber se a interferência proactiva (IP), que se ia rapidamente acumulando de ensaio para
ensaio, estaria localizada na fase inicial de codificação ou na fase final de recuperação.

Segundo Wickens (1970) os efeitos da IP estariam localizados na fase inicial de aquisição ou


codificação dos itens. Em apoio desta tese, Carey (1973) verificou a presença de IP em provas
de reconhecimento, quer reconhecimento imediato quer reconhecimento final. Se se
considerar que a prova de reconhecimento transpõe e supera algumas dificuldades de
recuperação típicas da prova de evocação, então a presença de IP numa prova de
reconhecimento poderia significar que houve uma degradação na qualidade de codificação dos
itens ao longo dos ensaios. Se houver de facto uma degradação, isto significa que os itens serão
mais facilmente esquecidos no decurso de vários ensaios apresentados. Se entretanto se
verificar uma mudança numa dimensão do material, é possível que esta mudança afecte a
qualidade de codificação, ou atraindo uma maior atenção do sujeito "obrigando-o" a fixar-se
mais, ou facilitando a produção de uma pista a ser usada posteriormente na fase de
recuperação.

Para outros investigadores a IP estaria localizada na fase de recuperação (e.g., Gardiner,


Craik, e Birtwistle, 1972; Watkins e Watkins, 1975). Numa experiência bastante citada, Gardiner
et al. (1972) investigaram a LIP com materiais provenientes da categoria de flores e jogos
apresentadas ao longo dos quatro ensaios. A mudança de material no 4º ensaio era efectuada
de uma subcategoria para outra. Assim se a subcategoria apresentada nos 3 primeiros ensaios
fosse jogos de interior, a mudança no 4º ensaio era para jogos de exterior; No caso de flores, a
mudança era de flores selvagens, para flores de jardim.

No primeiro ensaio todos os sujeitos eram informados da subcategoria a que pertenciam as


palavras, por exemplo "jogos de interior". No 4º ensaio as instruções ministradas
proporcionaram a formação de três grupos diferentes que até aí tinham sido tratados sempre
da mesma maneira. Um grupo (A) era informado na altura em que era apresentada a tríade de
jogos, que as palavras se relacionavam com "jogos de exterior"; A outro grupo (D) esta
informação era fornecida depois da apresentação da tríade e da tarefa distractiva e
imediatamente antes do período de evocação; O terceiro grupo (C) era de controle, havia
também mudança de subcategoria, mas os sujeitos não eram informados, nem antes nem
depois do material ser apresentado.
Os resultados revelaram que a LIP apenas se verificou nos grupos "A" e "D", sendo os valores
de LIP semelhantes nestes grupos. No grupo "C" não se verificou qualquer LIP. Os resultados
desta experiência têm sido interpretados como apoio da tese de que a IP se localizaria na fase
de recuperação, já que os sujeitos do grupo "D" obtiveram um índice de LIP semelhante ao
grupo "A", mesmo sendo informados da mudança depois dos itens terem sido adquiridos e
codificados.

A localização da IP na fase de aquisição ou de recuperação é uma das controvérsias à procura


de solução (veja-se Pinto, 1985, p. 30-34; Dillon e Bittner, 1975; O'Neill, Sutcliffe, e Tulving,
1976). Provavelmente a IP não se localizará exclusivamente ou na fase de aquisição ou na fase
de recuperação. De modo semelhante a muitos outros fenómenos de memória, a localização
da IP será possivelmente uma manifestação conjunta do que foi codificado e recuperado.

Por último o fenómeno da acumulação da IP e da sua libertação não ocorre apenas no


laboratório com materiais do género de sílabas sem significado, dígitos e palavras. É um
fenómeno que se tem observado com material mais complexo, como frases e pequenos textos.
Por exemplo, Blumenthal e Robbins (1977) observaram a LIP com mudanças de pequenos
textos de história para física e de música para desporto e vice-versa, mas em situações
experimentais muito específicas. Por outro lado, Gunter, Clifford, e Berry (1980) verificaram a
LIP com mudanças de informações noticiosas para informações desportivas e vice-versa. Estes
resultados revelam que o fenómeno de acumulação da IP e circunstâncias da respectiva
libertação são observáveis em situações quotidianas, de onde se pode inferir que as
investigações laboratoriais neste domínio apresentam uma validade ecológica apreciável.

Bibliografia citada e recomendada

Blumenthal, G. H., e Robbins, D. (1977). Delayed release from proactive interference


with meaningful material: How much we remember after reading brief prose passages? Journal
of Experimental Psycholog: Human Learning and Memory, 3, 754-761.

Brown, J. (1958). Some tests of the decay theory of immediate memory. Quarterly
Journal of Experimental Psychology, 8, 12-21.

Carey, S. T. (1973). Delayed recognition testing, incidental learning, and proactive


inhibition release. Journal of Experimental Psychology, 100, 361-367.

Dillon, R. F., e Bittner, L. A. (1975). Analysis of retrieval cues and release from proactive
inhibition. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 14, 616-622.

Gardiner, J. M., Craik, F. I. M., e Birtwistle, J. (1972). Retrieval cues and release from
proactive inhibition. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 11, 778-783.

Gardiner, J. M., Klee, H., Redrnan, C., e BalI, M. (1976). The role of stimulus material in
determining release from proactive inhibition. Quarterly Journal of Experimental Psychology,
28, 395-402.
Gunter, B., Clifford, B. R., e Berry, C. (1980). Release from proactive interference with
television news items: Evidence for encoding dimensions within televised news. Journal of
Experimental Psycholog: Human Learníng and Memory, 6, 216-233.

Keppel, C., e Underwood, B. J. (1962). Proactive inhibition in short-term retention of


single itens. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 1, 153-161.

O'Neill, M. E., Sutcliffe, J. A., e Tulving, E. (1976). Retrieval cues and release from
proactive inhibition. American Journal of Psychology, 89, 535-543.

Peterson, L. R., e Peterson M. J. (1959). Short-term retention of individual itens. Journal


of Experimental Psychology, 58, 193-198.

Pinto, A. C. (1984). Serial position effects in long-term memory tasks. Dissertação de


Doutoramento apresentada à Universidade do Porto.

Underwood, B. J. (1957). Interference and forgetting. Psychological Review, 70, 122-


129.

Watkins, O. C., e Watkins, M. J. (1975). Buildup of proactive inhibition as a cue-overload


effect. Journal of Experimental Psycholog: Human Learning and Memory, 1, 442-452.

Wickens, D. D. (1970). Encoding categories of words. An empirical approach to


meaning. Psychological Review, 117, 1-15.

Wickens, D. D. (1972). Characteristics of word encoding. In A. W. Melton e E. Martin


(Eds.), Coding processes in human memory. Washington, D. C.: Winston.

Wickens, D. D. (1973). Some characteristics of word encoding. Memory & Cognition, 1,


485-490.

Wickens, D. D., Born, D. C., e Allen, C. K. (1963). Proactive inhibition and item similarity
in short term memory. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 2, 440-445.

Wingfield, A., e Byrnes, D. (1981). The psychology of human memory. New York: Academic
Press.

Zechmeister, E. B., e Nyberg, S. E. (1982). Human memory. Monterey, Cal.: Brooks/Cole.

Apêndice 7

Instruções
A experiência que hoje vamos realizar é constituída por três tarefas: Uma de aprendizagem e
memória, outra de rapidez aritmética e ainda uma outra de atenção.

A tarefa de aprendizagem e memória é constituída pela apresentação auditiva de uma tríade


de palavras frequentes na língua Portuguesa, que deverão ser reproduzidas cerca de 20
segundos depois da sua apresentação no verso da folha de respostas.

A tarefa de aritmética consiste na apresentação auditiva de números de 3 dígitos (por exemplo,


467) aos quais deverão subtrair mentalmente 3 e escrever o resultado no reverso da folha de
respostas (neste caso, 464). Na prova de subtracção não há transporte, ou seja, nunca terão
que alterar o número das centenas e dezenas, mas apenas o das unidades. A subtracção e
escrita do resultado deverá ser feita depressa, porque o ritmo de apresentação dos números é
bastante rápido.

A tarefa de atenção compreende a busca visual de uma letra alvo (E) situada ao acaso num
conjunto de 300 letras similares impressas numa folha M.

A experiência é constituída por 8 ensaios, agrupados em dois blocos de 4 ensaios cada, além
de um ensaio de treino. Cada ensaio está organizado de forma idêntica ao longo da experiência
e apresenta a seguinte estrutura: (1) Apresentação da tríade de palavras a serem evocadas
durante cerca de 3 segundos, por exemplo, escola-casa-mesa; (2) Apresentação da actividade
aritmética de subtracção durante cerca de 18 segundos. 0 final desta tarefa é assinalado por
um som breve, que indica ainda o início da fase seguinte; (3) Período de reprodução das
palavras na ordem apresentada durante cerca de 10 segundos. Se não se recordarem da ordem
em que as palavras foram apresentadas, escrevam-nas mesmo assim. O final desta tarefa é
assinalado também por um som breve.

No final do 4º ensaio haverá uma interrupção de cerca de dois minutos a fim de se realizar a
tarefa de atenção.

Compreenderam? Vamos então realizar primeiramente um ensaio de treino.

Tabela 7.1: Material usado na experiência para ilustrar a libertação da interferência proactiva.
(Pág. 137)

Efeitos da Actividade Distractiva na Curva de Posição Serial


A evocação livre de uma lista de itens verbais em número superior ao valor médio de
amplitude, produz geralmente uma função assimétrica em forma de perfil longitudinal de um
barco, quando os itens recordados forem representados em função da posição na série ou lista.
A curva de posição serial, como é conhecida, é um fenómeno empírico de fácil obtenção e
apresenta dois efeitos importantes: Os efeitos de primazia e de recência, os quais reflectem
respectivamente a melhoria de evocação dos itens iniciais e finais. Esta experiência teve por
objectivo não só obter os efeitos típicos da curva de posição serial, mas também verificar se a
presença ou ausência de uma actividade distractiva de natureza aritmética durante o intervalo
de retenção afectaria ou não o efeito de recência. Os resultados revelaram o desaparecimento
do efeito de recência à medida que aumentava a duração do intervalo de retenção, preenchido
com uma actividade aritmética. Este estudo refere e discute ainda o suporte experimental que
os efeitos da posição serial proporcionaram a modelos de memória estruturais, em especial à
memória a curto prazo e à memória a longo prazo.

Introdução

Um dos fenómenos empíricos mais profundamente investigados nas últimas décadas na área
da memória humana foi a função sobre a posição serial de itens evocados livremente em
tarefas de aprendizagem verbal. Numa experiência típica apresenta-se ao sujeito uma lista de
itens, geralmente compreendida entre 10 e 20. Os itens, constituídos geralmente por palavras,
são apresentados um de cada vez e após a apresentação do último item, os sujeitos são
solicitados a evocarem os itens na ordem que preferirem. Após ter sido evocada a primeira
lista, uma nova lista de itens é apresentada e em seguida evocada pelos sujeitos e este ciclo
repete-se por várias listas. O resultado das evocações efectuadas pelos sujeitos, quando
analisadas em função da posição do item na respectiva lista, produz os efeitos da posição serial
que se exprime por uma curva assimétrica de formato parecido com o perfil longitudinal de um
barco, conforme se pode observar na Figura 8.1.

Os efeitos da posição serial

Sendo a curva da posição serial um fenómeno empírico de fácil obtenção, os investigadores


têm-lhe dedicado uma grande atenção desde os tempos de Ebbinghaus (1885/1964). Os
estudos experimentais efectuados sugerem que a curva de posição serial não é uma função
simples e unitária, mas contém três componentes.

Primeiro, os itens que ocupam as posições finais da lista normalmente são melhor evocados do
que todos os outros. Esta componente da curva é conhecida por efeito de recência, devido ao
facto dos itens terem sido os mais recentemente apresentados.

Segundo, os itens do início da lista tendem a ser evocados menos vezes do que os itens do final
da lista, mas a evocação destes itens é superior ao nível de evocação do meio da lista.
Finalmente, se se excluir os efeitos de primazia e de recência, a probabilidade de evocação dos
restantes itens é praticamente equivalente e produz a componente plana da curva. Será de
referir que a evocação dos itens da zona intermédia da lista ultrapassa o que seria de esperar
devido ao acaso.

Ebbinghaus (1885/1964) foi o primeiro investigador a referir os efeitos da posição serial.


Quando a lista de sílabas sem significado era superior a sete, Ebbinghaus observou que a
primeira e a última sílabas eram aprendidas mais facilmente do que os itens do meio dá lista.

É de salientar, no entanto, que nas experiências de Ebbinghaus a prova de evocação serial foi
utilizada em vez da prova de evocação livre, embora a curva de posição serial possa ser obtida
nos dois procedimentos de evocação. Apesar disto, a prova de evocação livre passou a ser mais
frequentemente usada a partir de meados do nosso século.

Figura 8.1. Ilustração dos efeitos da posição seria] de primazia, recência e zona intermédia com
uma lista de 16 itens. (Pág.140)

No início dos anos 60, Murdoch (1962) iniciou uma série de investigações a fim de estudar o
efeito de certas variáveis no formato da curva de posição serial. Este tipo de investigação atraiu
a atenção de outros investigadores e nos anos seguintes foram publicados um grande número
de estudos, relatando as variáveis que afectam especificamente cada efeito ou segmento da
função serial.

Factores determinantes da curva de posição serial

As investigações efectuadas sobre a curva de posição serial revelaram a existência de


factores que afectam o efeito de primazia, deixando inalterável o efeito de recência e vice-
versa. Entre os factores descobertos, o processo de repetição é o principal factor que afecta o
efeito de primazia.

Tem-se verificado que o efeito de primazia é bastante reduzido ou até eliminado sempre que
os sujeitos forem instruídos a repetirem um item de cada vez (e.g., Fischler, Rundus e Atkinson,
1970; Brodie e Prytulach, 1975). Neste caso, a concentração num item do processo de
repetição evita a formação de agrupamentos ou associações entre itens adjacentes, os quais
parecem contribuir para o fortalecimento do efeito de primazia. Em apoio desta hipótese
refira-se a ausência de efeitos de primazia nas tarefas de aprendizagem acidental (e.g.,
Marshall e Werder, 1972; Baddeley e Hitch, 1977). Na tarefa de aprendizagem acidental os
sujeitos desconhecem que vão ser objecto de uma prova de memória no final da experiência e
por isso não têm qualquer razão para repetirem ou agruparem os itens à medida que vão
sendo apresentados.
No que se refere à zona intermédia da curva de posição serial foram descobertos vários
factores que afectam negativa ou positivamente este segmento da função. Entre os factores
que afectam negativamente poderão referir-se:

(1) O ritmo de apresentação dos itens; Quanto mais rápida for a apresentação dos itens, menor
será a percentagem de itens correctamente evocados (e.g., Murdoch, 1962; Bernbach, 1975;
Brodie e Prytulach, 1975). É óbvio que tempos de exposição rápidos fazem diminuir o período
de processamento dos itens. No entanto, a velocidade de apresentação afecta a zona
intermédia, mas deixa inalterável o efeito de recência.

(2) A extensão da lista; Quanto maior for o número de itens da lista menor será o grau de
evocação (e.g., Murdoch, 1962; Postman e Phillips, 1965).

(3) A presença de tarefas concorrentes; Quanto mais difícil ou exigente for a actividade em que
o sujeito se encontra envolvido na altura em que os itens são apresentados, menor será a
percentagem de evocação (e.g., Murdoch, 1965; Baddeley e Hitch, 1974; Silverstein e Glanzer,
1971).

Em contraste com estes factores, há outras variáveis que facilitam o grau de evocação
na zona intermédia da função. Seriam de referir, por exemplo:

(4) O significado dos itens, de modo que quanto mais significativo for o material verbal
apresentado, melhor será o grau de evocação (e.g., Glanzer e Razel, 1974).

(5) A frequência dos itens; Assim quanto maior for a frequência dos itens na língua,
melhores serão os resultados obtidos (e.g., Sumby, 1963; Raymond, 1969).

(6) O relacionamento semântico, de modo que, quanto mais os itens se relacionarem


entre si devido à pertença a uma ou mais categorias, melhores serão os resultados (e.g., Deese
e Kaufman, 1957; Craik e Levy, 1970; Bruce e Crowley, 1970; Glanzer, Koppenaal, e Nelson,
1972).

(7) O nível de codificação; assim quanto mais profunda for a codificação e a análise dos
itens, melhor será o grau de evocação da zona intermédia (e.g., Seamon e Murray, 1976).

(8) A similaridade acústica. Esta variável tem um papel positivo nas provas de evocação
livre e um papel inibidor nas provas de evocação seriada (e.g., Craik e Levy, 1970; Bruce e
Crowley, 1970; Watkins, Watkins e Crowder, 1974).

(9) A idade dos sujeitos. Verificou-se por exemplo que o nível de resultados é superior
em jovens adultos do que em pessoas idosas (e.g., Arenberg, 1976; Wright, 1982; Pinto,
1984,1990).

No que se refere ao efeito de recência, os principais factores identificados foram os seguintes:

(1) A actividade distractiva intercalar; Se for solicitado aos sujeitos, entre o final da
apresentação de uma lista de itens e o começo do período de evocação, a realização de uma
actividade distractiva intercalar durante 10 a 30 segundos, o efeito de recência será bastante
reduzido ou até eliminado (e.g., Postman e Phillips, 1965; Glanzer e Cunitz, 1966; Baddeley e
Hitch, 1977).

(2) A ordem de evocação dos itens; O efeito de recência é também reduzido quando a ordem
de evocação deixa de ser livre e segue a ordem da apresentação inicial, como acontece no caso
da evocação serial. Neste caso, os itens que na lista foram apresentados em último lugar serão
evocados também em último lugar (e.g., Tulving e Arbuckle, 1963; Watkins e Watkins, 1974;
Goodwin, 1976; Dalezinan, 1976).

(3) A modalidade sensorial; Verificou-se que a apresentação auditiva de itens produz um efeito
de recência superior à apresentação visual (e.g., Murdoch e Walker, 1969; Gardiner e Gregg,
1979; Glenberg, 1984).

Em resumo, o empenho posto pelos investigadores durante vários anos nos factores
determinantes da curva de posição serial foi certamente devido à crença de que a função serial
representava um instrumento importante nas mãos dos psicólogos para analisar a memória
humana (e.g., Lindsay e Norman, 1977, p. 341).

Uma das teorias propostas para explicar os efeitos da posição serial foi a teoria das associações
remotas. Segundo esta teoria os itens de posição intermédia seriam objecto de um maior
número de associações, que por sua vez produziriam um maior grau de interferência. Uma
consequência desta teoria era que o efeito de posição serial deveria ser perfeitamente
simétrico, ou seja, o efeito da primazia e o efeito de recência seriam semelhantes. No entanto,
tal não se verifica já que a curva é geralmente assimétrica.

Uma outra explicação para o efeito da posição serial é a teoria da interferência que postula que
as palavras precedentes e consequentes interferem na memorização das palavras da zona
intermédia da lista. Esta teoria apesar de ser mais ampla do que a anterior, também partilha a
previsão de uma curva simétrica.

Uma outra teoria refere os efeitos contextuais do início e do final da lista. O contexto de
aquisição dos primeiros itens da lista seria muito mais específico do que a aquisição dos itens
intermédios e o mesmo voltaria a ocorrer com os itens finais. O início e o final de cada lista
seriam elementos de descontinuidade marcantes da actividade cognitiva do sujeito. A
especificidade do contexto aquisicional dos extremos da lista facilitaria a elaboração de pistas
ou indicadores que seriam usadas na altura da evocação (e.g., Pinto, 1984, p. 148-162).

Além destas interpretações, a curva de posição serial foi concebida como um suporte
experimental do modelo de memória de registo duplo.

A função serial como suporte de um modelo de memória de registo duplo Nos estudos
referidos anteriormente verificou-se que havia variáveis que afectavam um ou dois segmentos
da curva de posição serial, mas deixavam os restantes segmentos inalteráveis. Por exemplo, a
presença de uma actividade distractiva de 30 segundos, intercalada entre o final da lista e o
início do período de evocação, eliminava o efeito de recência, mas deixava inalterável o efeito
de primazia e a zona intermédia. No sentido de se encontrar uma explicação para a eliminação
do efeito de recência, alguns investigadores formularam a hipótese de que os sujeitos
tornavam-se progressivamente mais conscientes da aproximação do final da lista, procurando
então manter os itens finais num registo provisório de modo a "esvaziá-lo" logo que o período
de evocação surgisse.

Figura 8.2. A relação da MCP e a MLP com as zonas específicas da curva de posição serial. (Pág.
144)

Quando Postman e Phillips (1965) e Clanzer e Cunitz (1966) demonstraram que a presença de
uma actividade distractiva durante o período de retenção eliminava o efeito de recência,
pareceu ser um passo lógico propor que o efeito de primazia e o efeito de recência reflectiriam
os conteúdos de dois registos de memória diferentes. Neste sentido, o efeito de recência seria
atribuído a um registo provisório de acesso imediato, que se chamou memória a curto prazo,
enquanto que os restantes itens eram supostamente evocados a partir de um registo mais
permanente e de capacidade muito mais ampla, a que se chamou memória a longo prazo. Os
tipos de memória relacionados com as componentes da curva de posição serial estariam
ilustrados na Figura 8.2.

A distinção entre memória a curto prazo (MCP) e memória a longo prazo (MLP) foi
primeiramente enunciada por Flebb (1949) e Broadbent (1958). No entanto a eventual
existência da memória a curto prazo só obteve apoio experimental com os estudos de Conrad
(1957), Brown (1958) e Peterson e Peterson (1959). Estes estudos iniciais assim como outros
publicados na década de 1960 culminaram em dois dos mais pormenorizados e influentes
modelos de memória de registos múltiplos, que até então tinham sido formulados, os modelos
de Waugh e Norman (1965) e o de Atkinson e Shiffrin (1968).

A principal característica destes modelos de memória era o pressuposto de que a informação


obtida pelo sistema sensorial seria rapidamente transferida para um registo de memória a
curto prazo, onde a informação poderia ser mantida por um curto período de tempo por meio
do processo de repetição ou então substituída por outra informação que acabasse de dar
entrada. Aplicando este modelo ao que acontece na curva de posição serial, pode-se supor
que, à medida que a nova informação chega à MCP, a informação que já lá reside mantém-se
até ser deslocada por nova informação.

Portanto, numa tarefa de evocação livre, os itens apresentados imediatamente antes do


período de evocação e supostamente registados na MCP seriam facilmente evocados, devido
ao facto de ainda não terem sido substituídos por outros posteriormente apresentados. Por
outro lado, os itens apresentados inicialmente permaneceriam por um período mais
prolongado, devido a serem objecto de repetições sucessivas, o que permitiria não só uma
disponibilidade mais prolongada, como também a transferência para um registo mais
permanente, a memória a longo prazo.
As provas experimentais mais convincentes em apoio dum modelo de memória de
registo duplo e baseadas na curva de posição serial foram sugeridas pela investigação de Craik
(1970) num artigo sobre o efeito de recência negativo. A experiência consistiu na apresentação
de 10 listas de 15 palavras cada. No final da apresentação de cada lista procedia-se a uma
evocação livre imediata. A análise dos resultados revelou os habituais efeitos de recência para
este género de experiências. No entanto, quando o período de evocação da décima lista tinha
terminado, Craik pediu inesperadamente aos sujeitos para evocarem o maior número possível
de palavras de todas as listas. Os resultados deste teste final de evocação livre revelaram um
efeito de recência negativo na prova final de evocação livre. Isto é, as palavras apresentadas
nas últimas cinco posições seriais de cada lista, que tinham produzido um efeito de recência
positivo na prova de evocação livre imediatfl, revelaram um efeito de recência negativo na
evocação livre final.

Craik (1970) sugeriu que estes resultados podiam servir de apoio experimental ao modelo de
memória de registo duplo. Segundo Craik, logo após a apresentação de cada lista, os últimos
itens apresentados encontravam-se num registo provisório, a memória a curto prazo. No início
do período de evocação livre imediata, os itens finais eram "expelidos" rapidamente do registo
de MCP, de modo que o processamento a que poderiam estar sujeitos era interrompido,
ficando apenas armazenado um traço bastante débil na MLP. Deste modo seria de esperar um
efeito de recência positivo numa prova de evocação livre imediata' quando a recuperação fosse
efectuada a partir da MCP e um efeito de recência negativo numa prova de evocação livre,
quando a recuperação se realizava a partir da MLP.*

* Partes desta Introdução foram publicados em Pinto (1984, 1986).

Experiência

A experiência a seguir descrita teve por objectivo determinar os efeitos da curva de posição
serial numa prova de evocação livre e por outro lado verificar o efeito da presença ou ausência
de uma actividade distractiva intercalada de natureza aritmética na zona de recência.

Método

Sujeitos: A amostra foi constituída por 47 estudantes de psicologia da Universidade do Porto


inscritos no ano lectivo de 1988/89. Grande número dos sujeitos pertenciam ao grupo etário
dos 18 - 21 anos, sendo a maioria do sexo feminino.

Material: Foram seleccionadas cinco listas de palavras mediamente frequentes na língua


Portuguesa. Uma das listas serviu de treino e as restantes quatro listas de 16 palavras foram
utilizadas na parte experimental. Foram ainda seleccionados várias séries de números de três
dígitos para preencher o intervalo de retenção dos grupos experimentais. Veja-se Tabela 8.1,
pág. 157.

Planeamento: A variável independente manipulada foi o intervalo de retenção, que se seguiu à


apresentação da última palavra de cada lista. Assim no Grupo de Controle, o intervalo de
retenção foi nulo (zero segundos); no 12 Grupo Experimental, o intervalo de retenção foi de 5
segundos; no 2Q Grupo Experimental, o intervalo de retenção foi de 20 segundos. O intervalo
de retenção dos Grupos Experimentais foi preenchido com uma tarefa aritmética de subtracção
de 3 a cada um dos números de três dígitos apresentados, que no 1º Grupo foram 2 números e
no 2º Grupo foram oito. Os sujeitos foram distribuídos aleatoriamente pelos três grupos. A
ordem de apresentação das quatro listas foi contrabalançada pelos sujeitos de cada Grupo.

A variável dependente registada foi a percentagem de palavras correctamente evocadas em


cada uma das 16 posições seriais. Cada grupo realizou um ensaio de treino e quatro ensaios
experimentais. As palavras e os números foram apresentados auditivamente ao ritmo de um
item cada 2,5 segundos numa voz masculina. O período de evocação foi de 60 segundos.

Procedimento: A experiência foi realizada com pequenos grupos de sujeitos.

No início todos os sujeitos foram informados de que a experiência a realizar era de


aprendizagem e memória e consistia na apresentação de listas de 16 palavras a que deveriam
prestar atenção, pois iriam ser solicitados a evocá-las posteriormente numa ordem livre. Os
dois grupos experimentais foram ainda informados e instruídos a respeito da natureza da
actividade distractiva que se seguia ao final de cada lista.

Nos grupos experimentais, após a apresentação da última palavra da lista, era emitido um sinal
sonoro indicando o início da actividade distractiva. Esta consistia em subtrair 3 a cada um dos
números apresentados. Em seguida era emitido um novo sinal que marcava o início do período
de evocação livre. Todo este processo repetia-se de forma idêntica em cada um dos restantes
ensaios. No grupo de controle, como não havia actividade distractiva, o sinal sonoro
apresentado no final de cada lista era sempre indicativo do início do período de evocação.

Salvo as diferenças apontadas, os grupos experimentais e o grupo de controle não diferiam no


procedimento experimental em mais nenhum outro aspecto.

Apresentação e análise dos resultados

Os resultados obtidos em cada uma das 16 posições seriais e para cada um dos três grupos
estão expostos na Figura 8.3. Como se pode observar a interposição de uma actividade
distractiva a seguir à apresentação da última palavra da lista fez diminuir bastante o efeito de
recência no grupo experimental "5 segundos" e provocou o desaparecimento do efeito de
recência no grupo experimental "20 segundos". Verificou-se ainda que o efeito de primazia e a
zona intermédia da curva (assímptota) mantiveram-se praticamente inalteráveis nos três
Grupos.
Nesta experiência obteve-se ainda a média de palavras correctamente evocadas em cada uma
das quatro listas para cada um dos três grupos. Os resultados estão expostos no Quadro 8.1.
Uma análise do Quadro 8.1 revela um decréscimo de palavras correctamente evocadas nas
médias de todos os grupos da primeira para a segunda lista. A média conjunta das listas 2, 3 e 4
é de 5,7 palavras e este valor é bastante inferior à média da primeira lista (7,3). Esta diminuição
ilustra os efeitos do desenvolvimento da interferência proactiva. Segundo a teoria da
interferência os itens das listas antecedentes interferiram ou na aquisição ou na evocação dos
itens das listas posteriores, quer competindo com eles, quer provocando a sua
desaprendizagem.

Figura 8.3. Efeitos de períodos variáveis de actividade distractiva (0, 5 e 20 segundos) na curva
de posição serial ao nível da zona de recência. (Pág. 149)

Discussão e conclusão

Postman e Phillips (1965) e Glanzer e Cunitz (1966) realizaram estudos que demonstraram que
a presença de uma actividade distractiva durante o período de retenção eliminava o efeito de
recência. Os resultados obtidos nesta experiência demonstraram que a interposição de uma
actividade distractiva com a duração de 5 a 20 segundos no fim da apresentação de uma lista
de palavras afectou o efeito de recência, mas não o efeito de primazia.

O efeito de recência foi considerado nos anos 60 e parte dos anos 70 como a expressão
empírica da memória a curto prazo. Por outro lado, o efeito de primazia e a zona intermédia da
função reflectiriam um registo mais permanente e de capacidade mais ampla, a memória a
longo prazo. Veja-se a ilustração da Figura 8.2.

Quadro 8.1: Número médio de palavras correctamente evocadas em cada uma da quatro
listas apresentadas e para cada um dos três Grupos. (Pág. 150)

No início dos anos 70, o efeito de recência não era a única justificação para a divisão da
memória humana em dois ou mais registos, como a MCP e a MLP. Razões de ordem
neurofisiológica, entre outras, também a justificavam. No entanto, o efeito de recência era um
fenómeno facilmente demonstrável empiricamente, tendo-se mantido durante vários anos
como o principal suporte experimental da MCP. A pouco e pouco, vários investigadores foram
verificando que não havia uma grande correspondência entre os valores obtidos em provas
consideradas tipicamente de MCP e o efeito de recência. Estas dificuldades para a teoria de
memória de registo duplo só foram tidas verdadeiramente em conta, quando se descobriu um
efeito de recência em tarefas de MLP.
Um estudo de Bjork e Whitten (1974) foi considerado como o ponto de partida na mudança de
posição dos investigadores sobre o efeito de recência como suporte da MCP. Estes
investigadores utilizaram uma tarefa de aprendizagem verbal que veio a ser conhecida
posteriormente por tarefa de distracção intercalada. A tarefa consistia na apresentação de 13
pares de palavras durante dois segundos cada par. Antes ou depois de cada par de itens ser
apresentado, os sujeitos tinham que efectuar uma tarefa intercalada de natureza aritmética e
com funções distractivas durante 12 segundos. Após a apresentação da actividade intercalada
que se seguia ao décimo terceiro e último par, os sujeitos deveriam evocar os itens
previamente apresentados numa ordem qualquer.

A experiência incluía duas condições. Na 1ª condição, a actividade intercalada, apresentada


após o décimo terceiro par, tinha a duração de 12 segundos, finda a qual se iniciava o período
de evocação; na 2ª condição a actividade intercalada tinha a duração de 12 + 30 segundos num
total de 42 segundos. Inesperadamente, os resultados obtidos indicaram efeitos de recência
positivos nas duas condições.

Como o intervalo de retenção na segunda condição era de 42 segundos, e como este


intervalo de retenção excederia a duração da informação na MCP, supôs-se que o efeito de
recência obtido seria talvez devido a processos relacionados com a memória a longo prazo.

Estes resultados foram considerados surpreendentes, já que experiências anteriores tinham


demonstrado (do mesmo modo que os resultados desta experiência) que a presença de uma
actividade distractiva durante trinta segundos era suficiente para anular o efeito de recência
em tarefas de evocação livre de itens apresentados.

A experiência de Bjork e Whitten (1974) revelou que era possível obter também um efeito de
recência numa tarefa de evocação livre de itens, intercalados com uma actividade distractiva,
mesmo que o intervalo de retenção fosse precedido por uma actividade distractiva durante 42
segundos. Acrescente-se ainda que o efeito de recência obtido após 42 segundos foi também
obtido noutras experiências com intervalos de retenção de um dia e de duas semanas (e.g.,
Glenberg et al., 1983).

Os resultados obtidos por Bjork e Whitten (1974) levantam o problema de se saber se os


efeitos de recência por eles obtidos seriam da mesma natureza ou não dos resultados obtidos
em tarefas semelhantes às da experiência deste estudo. Por outras palavras, será verdade que
os efeitos de recência obtidos em tarefas de apresentação contínua de itens (e.g., tarefa deste
estudo) seriam o resultado dos mesmos processos e estratégias usadas pelos sujeitos em
tarefas de distracção intercalada, (e.g., tarefa de 13jork e Whitten (1974)?

Refira-se, no entanto, que as experiências efectuadas com tarefas de distracção intercalada


revelaram que o efeito de recência só era obtido se o valor do intervalo de retenção se situasse
dentro de certos limites relativamente ao intervalo de inter-apresentação dos itens a serem
evocados. Num exemplo, 13jork e Whitten (1974) referem que se for apresentada uma lista de
palavras por dia, durante uma semana, a evocação das sete listas de palavras ao oitavo dia
indicaria um efeito de recência, mas tal já não aconteceria se a evocação se efectuasse ao fim
de um mês. Com um intervalo de retenção de um dia, as listas de palavras constituiriam uma
série bem ordenada do ponto de vista do sujeito, mas tal já não aconteceria com um intervalo
de retenção de um mês.

Se o efeito de recência não for a expressão empírica da memória a curto prazo, então o
que é que significa? Será que os efeitos de recência obtidas nas duas tarefas serão da mesma
natureza ou não.

Os investigadores ainda não têm uma resposta definitiva para este problema. Parece no
entanto pouco provável que a curva de posição serial continue a servir de suporte a um
modelo de memória de registos múltiplos, como aconteceu durante os anos 60 e 70. Por outro
lado, o modelo de que curva de posição serial constituía a melhor técnica disponível para
separar os efeitos da MCP dos efeitos e operações da MLP já não é actualmente tão atractivo
devido à formulação alternativa de modelos de memória unitários (e.g., Craik e Lockhart
(1972); Cermak e Craik (1979); Craik e Tulving (1975).

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Apêndice 8

Instruções

Grupos Experimentais: A experiência que hoje vamos realizar é constituída por duas tarefas:
Uma de aprendizagem e memória e outra de rapidez aritmética. A tarefa de aprendizagem e
memória consiste na apresentação de várias listas de 16 palavras, mediamente frequentes na
língua Portuguesa, a que deverão prestar atenção porque irão ser solicitados a evocá-las
posteriormente. A evocação das palavras é livre. Isto significa que a recordação das palavras
pode ser feita na ordem que julgarem mais favorável. A 2ª tarefa tem por objectivo avaliar a
rapidez aritmética no domínio da subtracção. A este propósito serão apresentados vários
números de três dígitos a que deverão mentalmente subtrair três e escrever o resultado no
reverso da vossa folha de respostas. A tarefa aritmética é realizada no final da apresentação
das palavras em cada lista. Há um sinal sonoro que indica o final da lista e o começo da
actividade subtractiva e um outro sinal que indica o final desta actividade e o começo do
período de evocação. O período de evocação tem a duração de 60 segundos, durante o qual
deverão escrever o maior número de palavras anteriormente ouvidas no verso da vossa folha
de respostas. Antes da experiência começar propriamente vamos realizar um ensaio de treino.
Se tiverem dúvidas, apontem-nas no intervalo que se segue ao ensaio de treino.
Compreenderam? Então vamos começar.

Grupo de Controle: A experiência que hoje vamos realizar é constituída por uma tarefa de
aprendizagem e memória. Esta tarefa consiste na apresentação de várias listas de 16 palavras,
mediamente frequentes na língua Portuguesa, a que deverão prestar atenção porque irão ser
solicitados a evocá-las posteriormente. A evocação das palavras é livre. Isto significa que a
recordação das palavras pode ser feita na ordem que julgarem mais favorável. Há um sinal
sonoro que indica o final da lista e o começo do período de evocação.

O período de evocação tem a duração de 60 segundos, durante o qual deverão escrever o


maior número de palavras anteriormente ouvidas no verso da vossa folha de respostas. Antes
da experiência começar propriamente vamos realizar um ensaio de treino. Se tiverem dúvidas,
apontem-nas no intervalo que se segue ao ensaio de treino. Compreenderam? Então vamos
começar.

Tabela 8.1. Listas de 16 palavras e séries de números apresentados na experiência


realizada. (Pág.157)

Efeitos da Repetição em Provas Evocação e Reconhecimento numa Tarefa de Aprendizagem


Acidental

A repetição é um dos processos mentais mais frequentemente usados para aprender e


recordar. No entanto a repetição não é um fenómeno simples. Apresenta-se sob várias formas
e parece ter efeitos diferentes na retenção a curto e longo prazo. O principal objectivo deste
estudo foi tentar avaliar o efeito da repetição simples no grau de retenção numa tarefa de
aprendizagem acidental a partir de provas de evocação e de reconhecimento. Para o efeito foi
apresentada uma lista de 45 palavras composta por mini-listas de 13 palavras cada, começadas
por "B", por "M" e por outras consoantes diversas. A tarefa dos sujeitos consistia na repetição
silenciosa de cada palavra "B" até ser apresentada a próxima palavra "B". Entre outros aspectos
os resultados indicaram que o desempenho de memória foi sempre superior nas listas de
palavras repetidas em relação às listas não repetidas, quer em provas de evocação quer em
provas de reconhecimento, assim como em intervalos de retenção imediatos ou retardados. Os
resultados deste estudo são discutidos no âmbito dos resultados obtidos noutras experiências
similares.

Introdução

Quando se pretende memorizar alguma coisa, quais são os processos mentais mais
apropriados para o conseguir? Cada um de nós tem a experiência de que se repetir várias vezes
o mesmo material ou tarefa, a recordação posterior desse material costuma ser melhor. Se se
generalizar este principio poder-se-ia dizer que à medida que a repetição ou o treino aumenta
maior seria a habilidade para conduzir um carro, escrever à máquina ou preparar uma
disciplina para exame. Neste sentido a repetição é um processo mental que pode ser usado
proveitosamente para melhorar o grau de retenção.

Na sequência da reflexões dos filósofos associacionistas dos séculos XVII e XVIII, que
consideraram a repetição como o principal factor na aquisição de associações (e.g., preto -
branco, cão - gato, pai - mãe, etc.) Ebbinghaus (1885/1964) efectuou uma análise experimental
dos efeitos da repetição no grau de retenção. Numa experiência efectuada, Ebbinghaus
seleccionou listas de 16 sílabas sem significado e em seguida leu-as 0, 8, 16, 24, 32, 42, 53 e 64
vezes seguidas num determinado dia e 24 horas depois tentou reaprender as listas
anteriormente repetidas. Ao representar graficamente o tempo dispendido no segundo dia
com a reaprendizagem das listas em função do número de repetições efectuadas no dia
anterior, Ebbinghaus descobriu uma função linear negativa. Isto é, quanto maior fosse o
número de repetições efectuadas num dia, menos tempo era preciso para reaprender a lista no
dia seguinte.

Ebbinghaus (1885/1964) descobriu assim uma relação bem simples entre a quantidade do
material aprendido e o tempo dedicado à aprendizagem. Esta relação veio a ficar conhecida
por hipótese de tempo total.

Na aprendizagem de listas de sílabas sem significado, Ebbinghaus limitou-se a repetir as sílabas


sem efectuar qualquer esforço no sentido de as associar entre si dentro da mesma lista. Este
tipo de aprendizagem, baseado exclusivamente na repetição simples, veio a ficar conhecido
por aprendizagem de cor. Na aprendizagem de cor o sujeito reproduz frequentemente um item
na forma em que foi apresentado sem lhe acrescentar nada, isto é, sem efectuar associações,
agrupamentos ou categorizações. Este tipo de aprendizagem. caracterizou a maior parte dos
estudos que se efectuaram na primeira metade do séc. XX.

Em contraste com Ebbingliaus (1885/1964) e a tradição por ele iniciada, verificou-se, a partir da
segunda metade deste século, um interesse pelos diversos tipos de repetição e o seu efeito no
grau de retenção.

Neste sentido Craik e Lockhart (1972) efectuaram uma primeira distinção entre dois tipos de
repetição: A repetição simples e a repetição associativa. A repetição simples teria por objectivo
principal manter a disponibilidade dos itens na memória. É o que aconteceria, por exemplo, no
intervalo de tempo que medeia entre ler o número na lista telefónica e o final da acção de
discar o número. Este tipo de repetição também é conhecido por manutenção de informação.

A repetição associativa envolveria uma análise mais profunda dos itens a serem recordados,
procurando estabelecer-se relações e associações entre os vários estímulos percebidos ou
entre estes e a informação anteriormente memorizada. Assim, ao repetir-se de uma forma
associativa o número de telefone da Faculdade de Psicologia do Porto (e.g., 315 007), poder-se-
ia dividir os seis dígitos em dois grupos de três e associar o segundo grupo de dígitos à
conhecida série de filmes de James Bond. Este tipo de repetição é também conhecido por
assimilação ou elaboração de informação.

Têm sido realizados estudos no sentido de se demonstrar que a repetição simples não produz
um aumento significativo no grau de retenção a longo prazo. Estes estudos podem agrupar-se
segundo a metodologia usada em estudos de casos, estudos descritivos e estudos
experimentais. Um exemplo de cada será apresentado a seguir.

O estudo de um caso foi efectuado pelo professor Sanford com ele próprio (citado por Neisser,
1982, p. 176-177). O professor Sanford foi um distinto psicólogo das primeiras gerações de
psicólogos americanos. Um dia pôs a si próprio a seguinte questão: Será que a repetição tem
um efeito duradouro? Sanford lia todas as manhãs um conjunto de várias preces religiosas, de
forma maquinal e quase automática. Esta prática foi realizada ao longo de 25 anos com
pequenas interrupções, tendo sido efectuadas na pior das hipóteses pelo menos cinco mil
repetições das várias preces. Sanford um dia perguntou a si próprio se um número tão elevado
de repetições teria facilitado a memorização das referidas preces?

Quando o professor Sanford efectuou uma prova de memória tentando reproduzir por
escrito as preces que costumava ler quase diariamente, verificou que era apenas capaz de
evocar correctamente a "Oração do Senhor". Para todas as outras preces necessitou de
pequenas ajudas. Este caso revela que a leitura de preces, repetida talvez mais de cinco mil
vezes, não foi suficiente para se conseguir uma memorização perfeita.

O estudo descritivo foi efectuado por Bekerian e Baddeley (1980) sobre os efeitos de uma
campanha de publicidade saturante realizada pela BBC em 1978, na altura em que esta estação
foi obrigada a alterar o comprimento de onda das suas quatro estações radiofónicas. A fim de
informar os radio-ouvintes da mudança de comprimento de onda, a BBC levou a efeito uma
campanha publicitária durante dois meses, ao longo dos quais os programas eram
regularmente interrompidos para dar informações pormenorizadas sobre os novos
comprimentos de onda. Os programas foram ainda suplementados com "slogans" e excertos
musicais apropriados.

Bekerian e Baddeley (1980) procuraram avaliar o alcance desta campanha publicitária,


interrogando cerca de 50 pessoas na área de Cambridge. Após uma pequena entrevista, onde
se verificou que todas as pessoas da amostra teriam escutado os anúncios para cima de um
milhar de vezes nas últimas semanas, os sujeitos foram convidados a efectuar uma prova de
memória. A prova consistiu em indicar quais seriam os novos comprimentos de onda de cada
uma das quatro estações. A resposta podia ser dada tanto em termos numéricos, indicando o
número do comprimento de onda respectivo, como em termos espaciais, apontando num
mostrador de rádio desenhado numa folha o local aproximado da futura estação.

Os resultados revelaram que apenas cerca de 25% dos sujeitos avançaram com uma resposta
numérica, embora a maioria destas respostas estivesse errada. No que se refere à
representação espacial, houve de facto um maior número de tentativas de resposta, embora as
respostas certas não fossem superiores ao que seria de esperar pelo acaso. Apesar disto, 84%
dos sujeitos sabiam o dia exacto da mudança de comprimento de onda das estações de rádio.

Face a um padrão de resultados tão pobres, os autores interrogaram-se naturalmente sobre as


possíveis explicações. Em princípio poder-se-ia pensar que um milhar de ensaios seria mais do
que suficiente para comunicar a alguém a informação sobre os novos comprimentos de onda.
Como na realidade não foi suficiente, é possível que um desempenho tão pobre esteja
relacionado com o uso da repetição simples. Este tipo de repetição não assegura só por si uma
boa recordação futura, sendo crucial o modo como a informação é processada.

Um estudo experimental a referir foi realizado por Craik e Watkins (1973). Neste estudo foram
apresentadas visualmente 12 listas de 12 palavras cada. Ao lerem cada palavra os sujeitos
deveriam repeti-la de forma audível várias vezes. Os sujeitos foram ainda instruídos de que as
quatro últimas palavras da lista eram particularmente importantes e por isso seriam
apresentadas em maiúsculas. No final de cada lista apresentada havia duas provas de evocação
livre: Uma prova era efectuada imediatamente a seguir à 12ª palavra e a outra 20 segundos
depois. Este intervalo de retenção de 20 segundos não era preenchido, de modo que os
sujeitos tinham a possibilidade de efectuar repetições das palavras da lista. No final da
apresentação das doze listas, foi apresentada uma terceira prova de memória, solicitando-se
uma evocação do maior número de palavras de todas as listas apresentadas na sessão.

Os resultados das duas provas de evocação no final de cada lista revelaram uma curva de
posição serial típica, em que as últimas palavras apresentadas eram melhor evocadas do que as
do meio da lista. Assim, o desempenho elevado das últimas palavras da lista estava
directamente associado com o número de repetições efectuadas.

Em contraste com as provas de evocação no final de cada lista, os resultados da evocação final
de todas as listas indicaram que, apesar do número de repetições na zona de recência ter sido
elevado, a percentagem de evocações correctas na zona de recência foi a mais baixa das três
componentes da curva de posição serial. Este estudo parece demonstrar que a repetição
simples tem um papel positivo na retenção a curto prazo (provas de evocação imediata e
retardada de 20 seg.), mas não tem qualquer efeito na retenção a longo prazo (evocação final
de todas as palavras das doze listas).

O caso do professor Sanford, o estudo descritivo de Bekerian e Baddeley (1980) e o estudo de


Craik e Watkins (1973) parecem revelar que a simples repetição não facilita a retenção a longo
prazo. No entanto em todas estas situações os sujeitos desconheciam que iam ser objecto de
uma prova de memória posterior. Se o soubessem, a repetição simples teria algum efeito? De
acordo com um estudo de Rundus (1977) a resposta parece ser positiva.

Rundus (1977) efectuou uma experiência usando o paradigma de Brown-Peterson de forma


invertida. Neste paradigma, um trigrama de consoantes era inicialmente apresentado, logo
seguido por um intervalo de retenção preenchido com a contagem retrógrada de um número
de três dígitos. 0 ensaio terminava com a evocação do trigrama previamente apresentado. Na
experiência de Rundus (1977) o trigrama foi substituído por um número de três dígitos, o
intervalo de retenção foi preenchido por uma palavra em vez de um número, que os sujeitos
deveriam repetir sucessivamente durante 4, 8 e 12 segundos conforme as condições. No final
do intervalo de retenção, os sujeitos deveriam evocar o número inicial.

No início da experiência um grupo de sujeitos foi informado de que iria ser sujeito a uma prova
de memória no final da experiência sobre todas as palavras que viessem a ser repetidas
(aprendizagem intencional). Havia um segundo grupo de sujeitos para quem o teste final de
memória era uma tarefa inesperada (aprendizagem acidental). Os resultados do grupo de
aprendizagem intencional indicaram uma relação directa entre a extensão do intervalo de
retenção e a percentagem de evocações correctas. Em contraste, o grupo de aprendizagem
acidental não revelou qualquer melhoria em função do número de repetições efectuadas nos
intervalos de retenção mais curtos ou mais longos.

Os resultados da experiência de Rundus (1977) parecem sugerir que a repetição simples pode
ter um efeito positivo na retenção a longo prazo, no caso dos sujeitos saberem
antecipadamente que vão ser sujeitos a uma prova de memória.

Apesar de tudo, poder-se-ia argumentar que o tipo de repetição usado na condição de


aprendizagem intencional não era equivalente ao tipo de repetição empregue na condição de
aprendizagem acidental. Enquanto que na segunda condição era possível que os sujeitos
tivessem realizado uma repetição puramente simples, na primeira condição não é possível
excluir a hipótese de que a repetição efectuada fosse mais elaborada e de natureza associativa.

Apesar das múltiplas experiências realizadas ainda não está totalmente esclarecido qual o grau
de influência que a repetição simples, ou aprendizagem de cor, terá na retenção a longo prazo.

Experiência

A experiência que a seguir se descreve pretende avaliar os possíveis efeitos da repetição


simples em provas de memória realizadas imediatamente ou após um intervalo de retenção de
8 minutos. Objectivos suplementares da experiência são a análise dos efeitos de repetição nas
provas de memória seleccionadas, assim como os efeitos da presença ou ausência de
indicadores na altura da recuperação sobre a presença de uma mini-lista de palavras específica.

Neste estudo foi apresentado aos sujeitos uma lista de 45 palavras formada por quatro mini-
listas: Uma mini-lista de 13 palavras começadas por "B"; uma mini-lista de 13 palavras
começadas por "M"; ainda uma outra mini-lista de 13 palavras começadas por consoantes
diversas "X", e finalmente uma pequena lista-tampão "A" de seis palavras começadas por
vogais, sendo três destas palavras apresentadas no princípio e as restantes três no final da lista.
As três mini-listas "B", "M" e "X" de 13 palavras cada estavam distribuídas entre as posições
seriais 4 e 4251 e segundo uma ordem que obedecia ao princípio de que o número de palavras
intercaladas entre duas palavras-13 não excedesse 3.

A tarefa dos sujeitos consistia em repetir silenciosamente cada palavra "B" até ser apresentada
a próxima palavra, começada também por "B". Nesse momento deveriam abandonar a
repetição de uma e começar a repetição da nova palavra "B" e assim sucessivamente para as
restantes palavras "B".

O objectivo desta experiência foi triplo: Primeiro, saber se a retenção da lista de palavras "B"
seria superior à retenção da lista de palavras "M" que não foram objecto de qualquer tipo de
repetição. Segundo, verificar se os efeitos da repetição teriam efeito na retenção a curto e a
longo prazo? Terceiro, verificar se as eventuais diferenças de retenção entre as mini-listas "B" e
"M" seriam ou não anuladas a partir de instruções de evocação assinalando aos sujeitos a
existência de uma mini-lista de palavras "M".

Método

Sujeitos: A amostra foi constituída por 42 estudantes de psicologia da Universidade do Porto


inscritos no ano lectivo de 1988/89. Grande número dos sujeitos pertenciam ao grupo etário
dos 18 - 21 anos, sendo a maioria do sexo feminino.

Material: Uma lista de 45 palavras foi preparada tendo sido seleccionadas 13 palavras
começadas por "B", 13 palavras começadas por "M", 13 palavras começadas por várias
consoantes "X", sendo todas as consoantes diferentes entre si, e ainda uma lista de seis
palavras-tampão, começadas por vogais diferentes, excepto uma. As mini-listas de 13 palavras
"B", "M" e "X" foram misturadas ao acaso e apresentadas auditivamente a um ritmo de uma
palavra cada quatro segundos. As seis palavras-tampão foram apresentadas, metade no
principio e a outra metade no final da lista, a fim de absorver os efeitos de primazia e de
recência, que habitualmente ocorrem em tarefas de evocação livre. Neste sentido
pressupunha-se que a recuperação das palavras proviria exclusivamente da memória a longo
prazo.* Veja-se Tabela 9.1, pág. 173.

* Veja-se a propósito a Figura 8.2, página 144, do estudo anterior.

Planeamento: As variáveis independentes manipuladas nesta experiência foram: (1) O


intervalo de retenção com duas condições: Imediato e retardado (zero e oito minutos após a
apresentação da lista de 45 palavras);

(2) Tipo de mini-lista com três condições: a) Repetição de palavras categorizadas "B"; b) Não-
repetição de palavras categorizadas "M"; c) Não-repetição de palavras categorizadas "X";

(3) Prova de memória: Evocação e reconhecimento.

(4) Evocação auxiliada: Sim, através da informação dada da existência de uma mini-lista "M" na
altura da evocação; Não, desconhecimento da referida mini-lista.

As variáveis independentes foram organizadas num plano factorial misto, em que as variáveis
(1) e (4) foram inter-sujeitos e as variáveis (2) e (3) foram intra-sujeitos. A representação deste
planeamento encontra-se exposta no Quadro 9. 1.

A distribuição dos sujeitos pelos quatro grupos foi feita de forma aleatória. A prova de
evocação foi sempre seguida pela de reconhecimento. As palavras de cada mini-lista estavam
distribuídas numa ordem ao acaso entre as posições 4 e 42ª, com a restrição de que duas
palavras "B" adjacentes não tinham mais de três palavras de permeio.
A variável dependente registada foi o número de palavras correctamente evocadas e
reconhecidas.

Quadro 9.1: Representação do planeamento da experiência onde figuram as quatro variáveis


independentes manipuladas: Intervalo de retenção, tipo de mini-lista, prova de memória.
recuperação auxiliada. (Pág.166)

Procedimento: No início da experiência os sujeitos foram informados de que iriam participar


numa experiência de atenção e repetição, sendo apresentada para o efeito uma longa lista de
palavras. A apresentação da lista seria auditiva e haveria um grupo de palavras começadas por
"B". Não foi feita referência às mini-listas "M", "X", ou lista-tampão.

Os sujeitos foram ainda instruídos de que deveriam repetir as palavras começadas por "B" de
forma silenciosa fazendo um traço na folha de respostas por cada repetição efectuada. Logo
que uma nova palavra "B" fosse apresentada, os sujeitos deveriam abandonar a repetição da
palavra "B" anterior em que tinham estado ocupados e iniciar a repetição da nova palavra "B" e
assim sucessivamente até ao final da lista. Realizou-se um ensaio de treino com a apresentação
de uma pequena lista de seis palavras e duas repetições requeridas.

Depois de apresentada a lista de 45 palavras, um grupo de sujeitos foi solicitado a evocar


livremente o maior número de palavras. Um outro grupo recebeu, no momento das instruções
de evocação, a informação de que, além da lista de palavras "B" apresentada, havia também
uma outra lista com a mesma extensão de palavras começadas por "M".

A prova de evocação foi inesperadamente apresentada aos sujeitos e teve a duração de 3


minutos. Numa condição a evocação foi requerida imediatamente após a apresentação da lista
e noutra condição após terem decorrido oito minutos. Na condição de evocação retardada, o
intervalo de retenção foi preenchido com a realização de uma prova de memória sobre o
reconhecimento de elementos incluídos nas notas em circulação do banco de Portugal.
Imediatamente após o final da prova de evocação, os sujeitos foram ainda convidados a realizar
uma prova de reconhecimento, em que as 45 palavras-alvo foram misturadas com mais 45
palavras distractivas e apresentadas por ordem alfabética. Esta prova teve a duração de quatro
minutos.

Apresentação e análise dos resultados

Foi determinado para cada sujeito o número de palavras correctamente evocadas, tendo-se
excluído as palavras iniciais e finais da lista começadas por vogal. Neste sentido a recordação
correcta de todas as palavras limitou-se a 39 em vez de 45. Os resultados obtidos na prova de
evocação encontram-se expostos no Quadro 9.2.
Quadro 9.2: Percentagem de palavras correctamente evocadas nos três tipos de mini-listas nos
Grupos de evocação imediata e retardada, quer na condição de recuperação auxiliada, quer
não. (Pág.167)

Os resultados do Quadro 9.2 revelam que a percentagem de evocações correctas da mini-lista


"B" é muito mais elevada do que a evocação das restantes mini-listas que não foram objecto de
repetição e esta superioridade manifesta-se tanto na evocação imediata como na evocação
retardada. Estes resultados parecem provar sem margem para dúvidas que a repetição simples
tem efeitos positivos na retenção de listas de palavras em relação a situações experimentais
em que a repetição não ocorre.

Os resultados do Quadro 9.2 indicam ainda que a presença de instruções específicas na altura
da evocação quanto à existência de uma outra mini-lista de palavras começadas por "M" não
foi suficiente para anular ou pelo menos atenuar as diferenças entre listas "B" e "M". No
conjunto, os resultados do Quadro 9.2 indicam que os efeitos da repetição no grau de retenção
pouco têm a ver com processos que actuem exclusivamente ao nível da evocação.

Assim a superioridade da lista "B" resultou apenas do factor repetição e não do conhecimento
que os sujeitos possuíam na altura da evocação da existência de uma mini-lista de palavras
começadas por "B", de forma a orientar e auxiliar a respectiva evocação. Parece assim concluir-
se que a repetição actuou ao nível da codificação e aquisição e não ao nível da recuperação da
informação.

Quadro 9.3: Percentagem de palavras correctamente reconhecidas (e êxitos corrigidos entre


parênteses) em dois tipos de mini-listas nos Grupos de reconhecimento imediato e retardado,
em ambas as condições de recuperação, auxiliada ou não. (Pág.168)

Os resultados obtidos na prova de reconhecimento estão expostos no Quadro 9.3. Neste


Quadro estão indicadas não só a percentagem de palavras correctamente reconhecidas, mas
também a percentagem de êxitos corrigidos de acordo com a fórmula seguinte:

p [Êxitos corrigidos] = p [êxito obtido] - p [falso alarme]

1 - p [falso alarme]

Esta fórmula permite corrigir a percentagem de reconhecimentos, tendo em consideração o


número de falsos alarmes produzidos (Gregg, 1986, p. 277). O padrão dos resultados obtidos
na prova de reconhecimento confirma em grande parte o que foi observado na prova de
evocação. Assim as palavras repetidas "B" são melhor reconhecidas do que as palavras não
repetidas "M". Por outro lado a presença de instruções específicas sobre a existência de uma
mini-lista "M" não foi suficiente para atenuar as diferenças entre as mini-listas "B" e "M".

No que se refere às condições de reconhecimento imediato e retardado não se


notaram diferenças apreciáveis, como acontecera na evocação. Se o resultado não for espúrio,
então é possível que as diferenças de evocação imediata e retardada sejam devidas a
problemas de recuperação.

Acrescente-se por último que as palavras das mini-listas "M" e "X" foram objecto de um certo
processamento, na medida em que os sujeitos tiveram que as reconhecer, pelo menos como
palavras "não-B", a fim de decidirem se deveriam ou não interromper a repetição da palavra
em que estavam envolvidos. Esta identificação não foi no entanto suficiente, já que os valores
de evocação foram bastante baixos e os de reconhecimento ficaram aquém do valor esperado
pelo acaso (50%). Os valores superiores de retenção da lista "B" ficaram portanto a dever-se à
repetição simples.

Conclusão

A revisão da literatura efectuada na Introdução sugeria que os efeitos da repetição no grau de


retenção ocorreriam fundamentalmente na retenção a curto prazo e não na retenção a longo
prazo (e.g., Craik e Watkins, 1973). No entanto, os resultados da presente experiência
revelaram que a repetição tem efeitos positivos quer na retenção a curto prazo quer a longo
prazo numa tarefa de aprendizagem acidental. E possível que um intervalo de oito minutos não
seja assim tão longo para anular os efeitos da repetição na retenção a longo prazo.

Poderá ter acontecido também que os sujeitos que repetiam as palavras "B" não se limitassem
a um tipo de repetição puramente simples, antes procedessem a tipos de repetições de
natureza mais ou menos associativa, atendendo à experiência que tinham de outros estudos
em que participaram anteriormente. No entanto esta explicação não parece ter grande
cabimento, já que todos os participantes, quando interrogados para o efeito, afirmaram que
não lhes ocorrera a eventualidade de virem a ser sujeitos a uma prova de memória no final,
embora um estudante tivesse afirmado de que deveria ter desconfiado de tal!

Quer a repetição efectuada pelos sujeitos desta experiência tenha sido puramente simples ou
essencialmente elaborada e associativa, parece inegável afirmar a existência de mais do que
dois tipos de repetição. Como em muitos outros processos mentais, há também no processo
de repetição uma grande variedade de tipos que se situam ao longo de um continuum, cujos
extremos só teoricamente se poderiam definir de simples por um lado e elaborado ou
associativo por outro.

Bibliografia citada e recomendada


Bekerian D. A., e Baddeley A. D. (1980). Saturation advertising and the repetition effect. Journal
of Verbal Learning and Verbal Behavior, 19, 17 - 25.

Brodie, D. A., e Prytulak, L. S. (1975). Free recall curves: Nothing but rehearsing some itens
more or recalling them sooner? Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 14, 549-563.

Cermak, L. S., e Craik, F. 1. M. (1979). Levels of processing in human memory. HilIsdale, N. J:


Erlbaum. C

Craik, F. I. M., e Lockhart, R. S. (1972). Levels of processing: A framework for memory research.
Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 11, 671-684.

Craik, F. I. M., e Watkins, M. J. (1973). The role of rehearsal in short-term memory. Journal of
Verbal Learning and Verbal Behavior, 12, 599-607.

Ebbinghaus, H. (1964). Memory: A contribution to experimental psychology. (Trad. por H. Ruger


e C. E. Bussenius). New York: Dover. (Obra original publicada em 1885).

Fischler L, Rundus, D., e Atkinson, R. C. (1970). Effects of overt rehearsal procedures on free
recall. Psychonomic Science, 19, 249-250.

Gregg, V. H. (1986). Introduction to human memory. London: Routledge & Kegan Paul.

Neisser, U. (1982). Memory observed: Remembering in natural contexts. São Francisco:


Freeman.

Rundus, D. (1977). Maintenance rehearsal and single-level processing. Journal of Verbal


Learning and Verbal Behavior, 16, 665-681.

Zechmeister, E. B., e Nyberg, S. E. (1982). Human memory. . Monterey, Cal.: Brooks/Cole.

Apêndice 9

Instruções iniciais

Instruções iniciais comuns a todos os Grupos: A experiência que hoje vamos realizar é uma
experiência de atenção e repetição. Para o efeito vai ser apresentada auditivamente uma longa
lista de palavras de familiaridade média na língua Portuguesa. Algumas destas palavras
começam pela letra "B" (por exemplo, Baleia). Quando ouvirem uma destas palavras
começadas por "B" comecem de imediato a repeti-la de forma inaudível fazendo
simultaneamente riscos verticais na folha de respostas e tendo em conta que cada risco deverá
corresponder a uma repetição efectuada mentalmente. Quando ouvirem uma nova palavra
começada por "B", terminem a repetição da palavra "B" em que estavam envolvidos e passem
a repetir a nova palavra "B". Terminem de repetir esta segunda palavra '.'B", quando ouvirem
uma terceira e assim sucessivamente até ao fim da sessão. A apresentação da lista é inferior a 5
minutos. Entre outros objectivos, esta experiência pretende averiguar se são ou não capazes de
prestar atenção a todas as palavras "B" apresentadas e avaliar o número de repetições que
podem ser feitas por unidade de tempo. Vamos fazer um ensaio de treino com as seguintes
seis palavras:

Baleia - Macho - Livro - Baile - Serra - Margem.

Compreenderam? Há alguma dúvida? (Não há palavras na lista começadas por "V", por
exemplo, vinho). Então vamos começar.

Instruções após o final da apresentação da lista:

Grupo 1: Evocação e reconhecimento imediato (Desconhecimento da mini-lista "M"): (Logo


apôs a apresentação da última palavra da lista, as folhas de respostas com os riscos da
repetição foram recolhidas e substituídas por novas folhas de resposta). Além dos objectivos
anteriormente referidos, esta é também uma experiência de memória. Neste sentido gostaria
que evocassem o maior número de palavras apresentadas na lista que acabaram de ouvir. Têm
para o efeito 3 minutos. (Após o final da evocação da lista, a folha de respostas é recolhida e
substituída por uma nova folha de respostas). Antes de concluirmos esta sessão gostaria que
efectuassem mais uma prova de memória, neste caso de reconhecimento. À vossa frente têm
uma lista de 90 palavras ordenadas por ordem alfabética, das quais metade foram
apresentadas auditivamente. A vossa tarefa consiste em sublinhar todas as palavras da lista
que se recordarem.

Grupo 2: Evocação e reconhecimento imediato (Conhecimento da mini-lista "M"): (...


instruções idênticas às do Grupo 1). Neste sentido gostaria que evocassem o maior número de
palavras apresentadas na lista que acabaram de ouvir. Gostaria também de vos informar, que
além de uma pequena lista de palavras começadas por "B", havia também uma pequena lista
com o mesmo número de palavras começadas por "M". Têm para o efeito 3 minutos. (no
restante as instruções foram idênticas às do Grupo 1).

Grupo 3: Evocação e reconhecimento retardado (Desconhecimento da mini-lista "M"): (Logo


após a apresentação da última palavra da lista, as folhas de respostas com os riscos da
repetição foram recolhidas e substituídas por uma nova tarefa de reconhecimento de
características das notas do banco de Portugal em circulação. Esta tarefa tinha uma duração de
cerca de 6 a 7 minutos. No final eram apresentadas instruções, idênticas às do Grupo I.)
Grupo 4: Evocação e reconhecimento retardado (Conhecimento da mini-lista "M"): (Instruções
iniciais idênticas às do Grupo 3 e finais idênticas às do Grupo 2).

Tabela 9.1: Lista de palavras apresentada como tarefa de atenção e repetição. (Pág. 173)

Tabela 9.2: Lista de palavras apresentada na prova de reconhecimento. Esta lista inclui as 45
palavras da Tabela 9.1 mais 5 novas palavras. (Pág. 173)

10

O Efeito da Formação de Imagens no Grau de Retenção: Ilustração da Mnemónica dos Lugares

A facilidade de formar imagens visuais de objectos e acontecimentos é uma habilidade


bastante eficaz em termos de aprendizagem e memória. Este estudo teve por objectivo ilustrar
a eficácia da formação de imagens visuais na memória humana. Na introdução é feita
uma breve referência a pessoas com uma memória notável e ao uso que fizeram de algumas
técnicas de memória. Uma destas técnicas é a mnemónica dos lugares. Para que esta
mnemónica seja eficaz é necessário um treino prévio na produção de imagens visuais, que
devem ser tanto quanto possível bizarras, interactivas e cómicas, A aplicação desta mnemónica
é ilustrada com a apresentação de 4 listas de 36 palavras cada, que os sujeitos deverão evocar
serialmente imediatamente após o final de cada lista. As instruções sobre a aplicação da
mnemónica dos lugares foram apresentadas após a evocação da primeira lista e antes da
apresentação das restantes três. Os resultados demonstraram claramente a eficácia da
mnemónica dos lugares enquanto técnica de memorização. As vantagens desta mnemónica
são discutidas no âmbito da teoria de codificação dupla de Paivio e do princípio de codificação
específica de Tulving.

Introdução

Formar imagens de palavras, objectos e acontecimentos é um processo que pode ser bastante
eficaz em termos de retenção. A habilidade para formar imagens, se for devidamente treinada
e apurada, pode permitir a obtenção de feitos espantosos no domínio da memória humana.
Esta habilidade tem sido cultivada desde o tempo dos gregos e romanos (e.g., Yates, 1966) e
desde então sempre se soube da existência de várias pessoas que se evidenciaram através dos
seus dotes de memória. Os mnemonistas, nome por que são conhecidas tais personalidades,
foram durante muito tempo objecto de uma certa desconfiança, para já não dizer desprezo,
devido ao modo pouco respeitável como apregoavam as suas capacidades. Segundo uma certa
perspectiva académica, demonstrar as habilidades cognitivas numa feira, circo ou em outros
espectáculos semelhantes era uma tarefa pouco nobre e em nada prestigiava os seus
autores.Veja-se por exemplo a crítica de Miller, Galanter e Pribram, 1960, p. 132-136 ao
antagonismo dos psicólogos em relação aos mnemonistas.

Porém nestas últimas décadas os investigadores passaram a dedicar uma maior atenção aos
mnemonistas com base no argumento de que se de facto as técnicas por eles usadas
funcionavam de forma eficiente, então haveria a maior vantagem em estudá-las de perto.
Neste sentido as técnicas e procedimentos usadas por alguns dos mais célebres mnemonistas
conhecidos na época começaram a ser estudadas a partir dos anos 60 em livros e artigos (e.g.,
Luria, 1968; Hunt e Love, 1972; Stromeyer 111, 1970; Hunter, 1977; Neisser, 1982).

Na análise destes casos ressalta geralmente a extrema habilidade dos mnemonistas no uso de
imagens visuais. Um dos casos mais famosos é o mnemonista S, descrito por Luria (1968), que
era capaz de criar imediatamente uma imagem visual específica de números, cores, sons ou
qualquer outro fenómeno que experimentasse. Além de vívidas e expressivas, as imagens por
ele formadas eram frequentemente bizarras e específicas e envolviam experiências de dois ou
mais sentidos.

Quando o reconhecimento de uma palavra estimula além dos sentidos da visão ou audição, o
sabor, tacto ou outros sentidos obtém-se uma imagem ou experiência sinestésica. Apesar da
experiência sinestésica ser um caso raro ao nível de pessoas comuns, para o mnemonista S era
uma experiência habitual para a maioria das palavras.

Mesmo não possuindo as habilidades sinestésicas do sujeito S é possível melhorar


consideravelmente a capacidade de retenção recorrendo simultaneamente a técnicas de
formação de imagens e a sistemas mnemónicos. Uma das mnemónicas consideradas mais
eficazes é o método dos lugares, descoberto segundo Cícero pelo poeta grego Simónides de
Quéos. Veja-se Apêndice 10, pág. 185.

O método dos lugares consiste primeiramente na selecção de um determinado número de


lugares ao longo de um percurso. Em segundo lugar o método dos lugares requer a formação
de uma imagem mental entre o lugar seleccionado e a palavra, ideia ou acontecimento a
memorizar. Por último após a formação de diferentes imagens mentais entre lugares e itens a
reter é possível recordar posterior-mente os itens percorrendo mentalmente os lugares
situados ao longo do percurso e elicitando em cada lugar a imagem que a ele estava associada.

Para que a mnemónica dos lugares seja de facto eficaz é preciso que a selecção dos lugares e as
imagens a formar obedeçam a determinados requisitos. Quanto aos lugares a seleccionar, estes
podem ser os mais diversos desde fontanários, cafés, cinemas, discotecas, monumentos,
quiosques, vivendas, casas de familiares e amigos ou até mesmo os compartimentos de uma
habitação como a cozinha, sala ou quarto. Os lugares seleccionados devem ser familiares ao
sujeito e terem funções específicas tanto quanto possível diferentes em relação aos demais
lugares escolhidos. Os lugares seleccionados não devem ainda ser escuros, nem
exageradamente grandes ou pequenos.

No que respeita às características das imagens a formar é necessário que as imagens sejam
bizarras, interactivas e cómicas. Formar uma imagem bizarra entre um local (por exemplo, um
fontanário) e um item a recordar (por exemplo, a palavra livro) poderia ser imaginar um
fontanário com uma grande bica ou cano por onde sairiam simultaneamente livros e água. O
exagero da situação, assim como o aspecto excêntrico e bizarro da imagem aumenta bastante
o grau de singularidade e especificidade de um objecto tão frequente e familiar como é um
livro, facilitando provavelmente a retenção deste item.

Formar uma imagem interactiva implica que o lugar e o item a recordar estejam intimamente
relacionados. No entanto não basta uma simples relação, é preciso obter-se uma interacção
profunda. Os dois exemplos seguintes ilustram o que se designa por interacção.

Além da imagem atrás sugerida, fontanário e livro poderiam relacionar-se de duas


outras maneiras: Um livro pousado na parede de um fontanário indica uma relação, mas não
uma interacção. Por outro lado, um livro enrolado na bica de um fontanário dificultando o fluxo
de água, mas deixando mesmo assim passar algumas gotas de água suja de tinta revelaria uma
relação estreita e mais profunda entre o lugar e o item podendo considerar-se que este tipo de
relação seria predominantemente interactivo.

Acrescentar a uma imagem bizarra e interactiva um aspecto cómico é ainda bastante


importante. Às vezes os aspectos bizarros e interactivos da imagem geram o riso pelo
ineditismo da situação, outras vezes é necessário distorcer exageradamente a imagem ou
acentuar particularmente um dos aspectos para que surja o elemento cómico da situação, à
maneira talvez do caricaturista ao desenhar o rosto de uma personalidade pública. No entanto,
quando os lugares são à partida exageradamente grandes ou pequenos demais a distorção das
imagens por eles formadas torna-se menos bizarra e específica.*

* Uma imagem bizarra, interactiva e cómica é conhecida pela sigla BIC, formada a partir da
letra inicial de cada atributo.

Os estudos experimentais realizados por diversos investigadores têm revelado sempre uma
superioridade notória do grupo de sujeitos instruídos a formar imagens interactivas e bizarras
relativamente a outros grupos de sujeitos que seguem instruções diferentes destas. Bower
(1972), por exemplo, comparou o grau de retenção de três grupos de sujeitos que foram
instruídos a formar imagens interactivas, imagens separadas ou a repetir várias vezes o par de
palavras apresentado. Os resultados revelaram que o grau de evocação do grupo de imagens
separadas foi quase metade do grau de retenção observado no grupo de imagens interactivas e
praticamente semelhante ao grupo de repetição de palavras. Estes resultados demonstram que
a instrução de formar imagens interactivas, quando usada com habilidade, pode proporcionar
um grau de retenção superior em relação a outras estratégias alternativas.
Experiência *

* Esta experiência foi realizada em 129 lugar, após todas as outras experiências do livro, a fim
de se evitar eventuais transferências de aprendizagem.

A experiência a seguir descrita procura demonstrar os efeitos da formação de imagens no grau


de retenção a partir do uso da mnemónica dos lugares. A experiência consiste em aprender
uma lista de 36 palavras e depois evocar o maior número delas pela ordem de apresentação.
No primeiro ensaio a experiência é realizada sem o conhecimento da mnemónica dos lugares.
Este ensaio tem por objectivo estabelecer uma espécie de linha de base em relação ao qual se
irão comparar os resultados dos ensaios seguintes, realizados com o apoio da mnemónica dos
lugares.

Método

Sujeitos: A amostra foi constituída por 35 estudantes de psicologia da Universidade do Porto


inscritos no ano lectivo de 1989/90. Grande número dos sujeitos pertenciam ao grupo etário
dos 18 - 21 anos, sendo a maioria do sexo feminino.

Material: O material foi constituído por quatro listas de 36 palavras cada, mediamente
frequentes na língua portuguesa. As palavras foram apresentadas auditivamente ao ritmo de
uma palavra cada cinco segundos numa voz masculina. Além das listas de palavras foi
elaborada uma lista de 36 lugares de um percurso que começava na sala da associação dos
estudantes da Faculdade de Psicologia do Porto, seguia por diversas ruas bem conhecidas da
zona central da cidade do Porto e terminava na casa de cada um dos participantes. Veja-se
Apêndice 10, p. 186.

Planeamento: A variável independente manipulada foi a presença ou ausência de instruções de


uso da mnemónica dos lugares.

O primeiro ensaio foi efectuado sem os sujeitos terem conhecimento da mnemónica dos
lugares. Os sujeitos foram convidados a recorrer a estratégias pessoais de aprendizagem para
realizarem o melhor possível a tarefa. No fim do primeiro ensaio os sujeitos foram instruídos
no uso da mnemónica dos lugares, tendo seguidamente efectuado três ensaios com três listas
de palavras diferentes.

A variável dependente registada foi o número de palavras correctamente evocadas segundo a


ordem de apresentação em cada um dos ensaios. A ordem de apresentação das quatro listas
de palavras seleccionadas foi contrabalanceada por quatro grupos de sujeitos. O período de
evocação serial de cada lista foi de cinco minutos.
Procedimento: Esta experiência foi realizada em pequenos grupos ao longo de duas sessões
com uma semana de permeio. No início da primeira sessão os sujeitos foram informados de
que iria ser apresentada uma lista de 36 palavras, que deveriam evocar no final pela ordem
apresentada. Os sujeitos foram ainda instruídos a evocarem o maior número de palavras
recorrendo para tal às estratégias que julgassem mais adequadas.

Terminado o primeiro ensaio, os sujeitos foram informados pela primeira vez da mnemónica
dos lugares e das suas vantagens na aprendizagem e memória. Numa primeira fase a
mnemónica foi ilustrada com 10 palavras relacionadas com artigos de mercearia e um percurso
estereotipado de casa para a faculdade formado por 10 lugares (e.g., Lindsay e Norman, 1977).
Durante esta fase foi chamada a atenção para a necessidade de se formarem imagens tipo bic,
isto é, bizarras, interactivas e cómicas, entre os itens a recordar e cada lugar do percurso. Numa
segunda fase, a mnemónica dos lugares foi ilustrada com a lista de palavras usada no primeiro
ensaio da experiência. Para o efeito cada sujeito presente sugeriu uma imagem bic, entre a
palavra apresentada e um lugar do percurso. Após se terem formado 36 imagens e comentada
a qualidade bizarra e interactiva delas, os sujeitos foram convidados a memorizar os locais do
percurso segundo um critério de dois ensaios seguidos sem erros. Os sujeitos foram ainda
convidados a indicar quais os lugares referentes a cerca de uma dezena de números ao acaso
entre 1 e 36.

Antes de ser efectuado o segundo ensaio e o primeiro com a aplicação da mnemónica dos
lugares os sujeitos foram ainda instruídos a usarem apenas os 5 segundos disponíveis para
formarem a imagem respectiva; se forem incapazes de a formar, o melhor seria passar ao
ensaio seguinte a fim de evitarem atropelos e perdas de tempo.

A primeira sessão terminou com a realização do segundo ensaio, em virtude de já terem


decorrido cerca de duas horas. Os restantes dois ensaios foram realizados numa segunda
sessão, efectuada uma semana depois e sem quaisquer instruções suplementares.

Apresentação e análise dos resultados

Os resultados obtidos em cada um dos quatro ensaios realizados no ano lectivo de 1989/1990
encontram-se expostos na Figura 10.1. A Figura 10.1 apresenta o número médio de palavras
correctamente evocadas serialmente quer para o primeiro ensaio, quando os sujeitos usaram
estratégias individuais de aprendizagem e retenção, quer para os ensaios dois, três e quatro,
quando os sujeitos aplicaram o método dos lugares. Na Figura 10.1 encontram-se ainda
expostos os resultados obtidos nos anos lectivos precedentes, usando um procedimento
semelhante.

Embora as diferenças de médias sejam bastante convincentes, efectuou-se mesmo assim uma
análise de variância de medidas repetidas a fim de se verificar se as quatro médias diferiam
entre si e se tal fosse o caso quais as médias que entre si eram ou não estatisticamente
diferentes.
Figura 10.1: Número médio de palavras correctamente evocadas serialmente nos quatro
ensaios em 1989/90 e nos três anos lectivos anteriores. (Pág. 180)

A aplicação da análise de variância aos resultados obtidos no ano lectivo de 1989/1990 revelou
diferenças significativas, F(3,139) = 30,65, p<0,001. A fim de se verificar quais os ensaios que
diferiam ou não entre si aplicou-se o teste F de Scheffe ao nível de 95%. Os resultados do teste
revelaram que o lº ensaio diferia estatisticamente de todos os restantes ensaios e que os
ensaios 2, 3 e 4 não diferiam entre si, excepto os ensaios 2 e 4.

As diferenças observadas parecem consistentes e lógicas. De facto é entre o primeiro e os


ensaios seguintes que se observa a aplicação da mnemónica dos lugares. As diferenças
significativas entre o segundo e quarto ensaio podem ter sido devidas aos efeitos positivos da
prática acumulada.

Os resultados da presente experiência revelaram que a mnemónica dos lugares, enquanto


técnica de retenção e evocação serial de itens verbais, é bastante eficaz. A eficácia desta
mnemónica tem sido comprovada ao longo dos últimos anos lectivos com estudantes
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, tendo os
resultados obtidos revelado sistematicamente uma melhoria de evocação nos ensaios em que
a mnemónica foi aplicada.

É de assinalar por último que ao longo destes anos lectivos bastantes estudantes conseguiram
evocar mais de trinta palavras, tendo alguns conseguido mesmo evocar todas as 36 palavras
apresentadas num ou mais ensaios.

Discussão

O uso da mnemónica dos lugares, quando aplicada correctamente na aprendizagem e


recordação de listas de palavras, revela um desempenho excelente. Porque é que tal acontece?
Segundo Paivio (1971) a informação estaria representada no sistema de memória segundo dois
códigos ou representações: Um verbal e outro imaginal. O código imaginal estaria ligado à
experiência pessoal de cada um com objectos e acontecimentos concretos. Por outro lado
quanto maior fosse o grau de concreticidade de um estímulo, mais provável seria a elicitação
de um código de memória imaginal Neste caso uma palavra ou acontecimento concreto estaria
representado segundo dois códigos, imaginal e verbal, enquanto que uma palavra de natureza
mais abstracta estaria representado apenas pelo código verbal.

A teoria de codificação dupla de Paivio (1971) explica por um lado, porque é que listas
de figuras são mais facilmente adquiridas e recordadas do que listas de palavras e por outro
porque é que listas de palavras com um nível imaginário elevado são mais memoráveis do que
listas de palavras de nível imaginário inferior, mesmo quando o grau de frequência é mantido
constante. No primeiro caso a representação dupla seria não só possível, mas mais
rapidamente estabelecida; no outro a representação dupla mesmo possível seria muito mais
demorada e laboriosa.

Os resultados superiores obtidos nos ensaios em que a mnemónica dos lugares foi aplicada
seriam assim explicados pelo facto dos sujeitos estabelecerem para cada palavra da lista uma
representação dupla: Um código verbal inerente à palavra exposta e um código imaginal a
partir da criação de uma imagem associando a palavra com o local do percurso seleccionado.

A teoria de Paivio é fundamentalmente uma teoria de codificação, em vez de uma teoria de


codificação e recuperação. Os resultados deste estudo revelaram que a mnemónica dos lugares
é um procedimento eficaz quer ao nível da codificação quer da recuperação, ilustrando de
forma exemplar o princípio da codificação específica proposto por Tulving e colaboradores
(Tulving e Thomson, 1973; Tulving, 1983).

É uma técnica eficaz ao nível da codificação, porque recorre ao estabelecimento de imagens


interactivas entre a palavra a recordar e o local do percurso. E ainda um procedimento eficaz
ao nível da recuperação, porque utiliza durante a fase de evocação o mesmo contexto ou
indicadores que foram usados na fase de aquisição, estabelecendo desta forma uma
correspondência perfeita entre as duas fases principais de processamento cognitivo. O
contexto ou indicadores de codificação e recuperação são naturalmente os locais seleccionados
ao longo de percurso (Pinto, 1989).

Bibliografia citada e recomendada

Baddeley, A. D. (1990). Human memory: Theory and practice. London: Lawrence ErIbaum
Associates.

Bower, G. H. (1970). Imagery as a relational organizer in associative learning. Journal of


Verbal Learning and Verbal Behavior, 9, 529-533.

Bower, G. H. (1972). Mental imagery and associative learning. In L. W. Greg (Ed.).


Cognition in learning and memory. New York: Wiley.

Eysenck, M. W., e Keane, M. T. (1990). Cognitive psychology: A student's handbook.


London: Lawrence Erlbaurn Associates.

Hunt E., e Love T. (1972). How good can memory be? In A. W. Melton e E. Martin (Eds.),
Coding processes in human memory. Washington, D. C.: Winston.

Hunter, I. M. L. (1977). An exceptional memory. British Journal of Psychology, 68, 155-


164.

Lindsay, P. H., e Norman, D. A. (1977). Human information processing: An introduction


to psychology (2ª ed.). New York: Academic Press.
Luria, A. R. (1968). The mind of a mnemonist. (Trad. do russo por L. Solotaroff). New
York: Basic Books.

Miller, C. A., Calanter, E., e Pribram, K. H. (1960). Plans and the structure of behavior.
New York: Holt, Rinehart, & Winston.

Neisser, U. (1982). Memory observed: Remembering in natural contexts. São


Francisco: Freeman.

Paivio, A. (1971). Imagery and verbal processes. New York: Holt, Rinehart, & Winston.

Paivio, A. (1986). Mental representations: A dual coding approach. Oxford: Oxford


University Press. Pinto, A. C. (1989). Relações entre estratégias de aprendizagem e processos
de recordação: Análise de alguns factores cognitivos. Revista Portuguesa de Educação, 2, (2),
25-41.

Stromeyer III, C. F. (1970). Eidetikers. Psychology Today, Nov. 76 - 80.

Tulving, E. (1983). Elements of episodic memory. Oxford: Oxford University Press.

Tulving, E., e Thomson, D. M. (1973). Encoding specificity and retrieval processes in


episodic memory. Psychological Review, 80, 352-373.

Yates, F. A. (1966). The art of memory. London: Routledge & Kegan Paul.

Apêndice 10

Instruções do 1º ensaio:

"A experiência de hoje é uma experiência de aprendizagem e memória. Vai ser apresentada
uma lista de 36 palavras, a um ritmo de uma palavra cada cinco segundos. A vossa tarefa
consiste em prestar a maior atenção possível a cada palavra porque no final vão ser solicitados
a evocarem o maior número de palavras na ordem apresentada. Reparem que a evocação
nesta experiência é serial e não livre. Procurem obter os melhores resultados recorrendo para
o efeito ao que julgarem ser as vossas melhores estratégias de aprendizagem e memória. No
final da apresentação da lista surgirá um breve sinal sonoro, altura em que deverão iniciar a
evocação serial das palavras. O período de evocação é de cinco minutos."

Instruções do 2º ensaio:

Terminado o primeiro ensaio, os sujeitos foram informados pela primeira vez da mnemónica
dos lugares e das suas vantagens na aprendizagem e memória. Numa primeira fase a
mnemónica foi ilustrada com 10 palavras relacionadas com artigos de mercearia e um percurso
estereotipado de casa para a faculdade formado por 10 lugares. Durante esta fase foi chamada
a atenção para a necessidade de se formarem imagens tipo bic, isto é, bizarras, interactivas e
cómicas, entre os itens a recordar e cada lugar do percurso. Numa segunda fase, a mnemónica
dos lugares foi ilustrada com a lista de palavras usada no primeiro ensaio da experiência. Para o
efeito cada sujeito presente sugeriu uma imagem bic, entre a palavra apresentada e um lugar
do percurso. Após se terem formado 36 imagens e comentado a. qualidade bizarra e
interactiva delas, os sujeitos foram convidados a memorizarem os locais do percurso segundo
um critério de dois ensaios seguidos sem erros. Os sujeitos foram ainda convidados a indicar
quais os lugares referentes a cerca de uma dezena de números ao acaso entre 1 e 36.

Antes de ser efectuado propriamente o segundo ensaio e o primeiro com a aplicação da


mnemónica dos lugares os sujeitos foram ainda instruídos a usarem apenas os 5 segundos
disponíveis para formarem a respectiva imagem; No caso de serem incapazes de a formar, o
melhor seria passar ao ensaio seguinte a fim de evitarem atropelos e perdas de tempo. (O
tempo necessário para se apresentarem as instruções e realizar os dois ensaios de treino
referidos é de cerca de uma hora).

Instruções do 3º e 4º ensaios: (Segunda sessão). Vamos efectuar dois outros ensaios com a
aplicação da mnemónica dos lugares e com outras duas listas de 36 palavras diferentes. Antes
porém de ser apresentada a primeira lista, gostaria que mentalmente percorressem os 36
locais do percurso a fim de verificarem se ainda se recordam de todos os locais. Quando
estiverem prontos, começamos.

A tradição grega da arte de memória segundo Cícero em "De Oratore"

Scopas, nobre senhor de Tessália, deu um banquete e convidou Simónides de Quéos para lhe
cantar um panegírico. Simónides cantou de facto o panegírico em honra de Scopas, mas incluiu
uma referência de agradecimento aos deuses Castor e Polux. O avarento do Scopas recusou no
entanto pagar a soma previamente combinada, dando ao poeta Simónides apenas metade e
sugerindo que o poeta deveria obter o restante dos deuses Castor e Pollux.

Alguns minutos mais tarde, o mordomo da festa informa Simónides de que fora da sala estão
dois jovens que pretendem entregar-lhe uma mensagem. Simónides ausenta-se, mas quando
saiu não viu ninguém. Naquele momento o tecto da sala desabou sobre os convidados e
matou-os a todos, deixando-os num estado irreconhecível. Quando os familiares chegaram
para levantar os cadáveres, não eram capazes de os identificar. No entanto Simónides
recordava-se onde os convidados se encontravam sentados à mesa e conseguiu indicar às
pessoas o local dos familiares de cada um.

Segundo esta lenda os dois jovens mensageiros, os deuses Castor e Pollux, pagaram
principescamente a referência que lhes foi feita pelo poeta Simónides no panegírico a Scopas.

Esta experiência sugeriu ao poeta Simónides a arte de memória de que se diz ter ele sido o
inventor. Foi a partir da memória dos lugares onde os convidados se encontravam sentados,
que Simónides foi capaz de identificar os corpos, de modo que uma boa memória requer um
arranjo ordenado.

Lista dos 36 locais seleccionadas para a mnemónica dos lugares

1 .Sala da Associação dos Estudantes

2. Laboratório de Psicologia Experimental

3. Sala dos Computadores

4. Secretaria da Faculdade

5. Cantina (bar) de Psicologia

6. Fontanário

7. Palácio da Justiça: Tribunal

8. Edifício da antiga Cadeia da Relação do Porto

9. Quiosque (Jornais,Tabaco, Revistas, etc)

10. Café "Piolho"

11. Igreja do Carmo

12. Quartel da GNR

13. Hospital de S. António

14- Museu de Soares dos Reis

15. Palácio: Pavilhão de Exposições

16. Palácio: Lago e Barcos

17. Cinema "Pedro Cem"

18. Discoteca "Swing"

19. Monumento da Rotunda sobre a "Invasão Napoleónica"

20. Entrada do Shopping Brasília

21. Hospital Militar

22. Faculdade de Farmácia

23. Praça da República: Estátua do Padre Américo "Gaiatos")


24. Edifício do Jornal de Notícias

25. O Silo-auto

26. O Mercado do Bolhão

27. Teatro Rivoli

28. Estação de S. Bento

29. Torre dos Clérigos

30. Praça dos Leões

31. Entrada da Minha Casa

32. Quarto de Banho

33. Cozinha

34. Sala de Estar

35. Quarto de Dormir

36. Quarto de Dormir (objecto ou bibelot favorito)

Os locais a negritas foram considerados marcos numéricos no percurso adoptado e onde


parecia fácil estabelecer-se uma associação (por ex., 13 hospital - azar)

Tabela 10.1: Listas das 36 palavras apresentadas neste estudo. (Pág. 187)

11

Níveis de Processamento: O efeito de diferentes tarefas orientadoras no grau de retenção

Este estudo teve como objectivo verificar o efeito de diferentes tarefas orientadoras no grau de
retenção numa prova de aprendizagem acidental. Os sujeitos foram distribuídos por cinco
grupos diferentes: Quatro experimentais, que realizaram diferentes tarefas de classificação
duma lista de adjectivos; Um de controle, que apenas foi informado de que os adjectivos
apresentados seriam objecto de uma prova de memória no final da sessão. As tarefas
orientadoras manipuladas foram todas de tipo semântico, envolvendo em maior ou menor
grau a personalidade dos sujeitos. Assim duas tarefas orientadoras implicavam tarefas de
produção verbal ("anagramas" e produção de uma nova palavra com 10 silaba" idêntica) e as
restantes duas tarefas implicavam um envolvimento específico da personalidade de cada
sujeito (elicitação de "episódios" próprios, ou avaliação da própria "personalidade"). Os
resultados indicaram que o grau de retenção dependia do tipo de tarefa realizada, sendo
superior para os dois grupos de maior envolvimento pessoal em relação aos outros dois grupos
de produção verbal. Os resultados são discutidos no âmbito do modelo dos níveis de
processamento e em função do grau de extensão e de elaboração.

Introdução

Analisados numa perspectiva de processamento de informação, a maior parte dos estudos de


aprendizagem e memória podem ser considerados como procurando investigar os processos
mentais mais directamente relacionados com a fase de aquisição ou aprendizagem, ou mais
directamente relacionados com as fases de retenção e recuperação, ou memória. Sobre a fase
de aquisição há investigações que têm procurado explorar a existência de diferentes estratégias
que beneficiam o grau de retenção. Uma das estratégias que afectam a fase de aquisição é a
repetição, mas este processo nem sempre conduz a uma melhoria do grau de retenção, como
foi verificado pelos resultados obtidos por Craik e Watkins (1973).

Uma outra estratégia que afecta a fase de aquisição e que é frequentemente usada para
melhorar o grau de retenção é a técnica de transformação mental da informação a memorizar
em imagens mentais (e.g., Bower, 1972). Seguindo este procedimento é possível aumentar
significativamente o grau de retenção em relação à simples repetição.

Num modelo estrutural de memória do tipo proposto por Atkinson e Shiffrin (1968) era uma
condição essencial o recurso aos processos de repetição e formação de imagens para que se
processasse a passagem da informação da MCP para a MLP. Se estes processos não fossem
activados surgia o esquecimento.

Craik e Lockhart (1972) sugeriram que o grau de retenção dependia fundamentalmente do


modo como a informação uma vez percebida era processada a diferentes níveis e não do maior
ou menor apoio de diferentes processos na passagem da MCP para a MLP. Neste sentido Craik
e Lockhart propuseram um modelo alternativo de memória, que ficou conhecido pela "teoria
dos níveis de processamento". Segundo estes investigadores o grau de retenção estava
intimamente ligado ao modo como os estímulos eram percebidos.

Craik e Lockhart (1972) partiram dos seguintes pressupostos para o estudo da memória
humana:

1. A formação da memória seria um produto de séries sucessivas de análises efectuadas nos


estímulos percebidos.

Assim o nível mais baixo de processamento incluiria a análise física dos acontecimentos e
envolveria o processamento de certas características dos estímulos como linhas, ângulos e
brilho, quando estes eram apresentados visualmente, e características como a intensidade e a
frequência quando a informação era apresentada auditivamente.
2. Quanto maior fosse a profundidade de processamento maior seria o grau de retenção. Um
processamento mais profundo de um item a ser recordado corresponderia à elaboração
mental de diversas características de significado e imagens que com ele estivessem
predominantemente relacionadas na memória.

Por exemplo, repetir várias vezes a marca de computador Cyber envolve um grau de
processamento menor do que a associação de Cyber com a palavra cibernética e a partir desta
palavra com outras como informação e computadores.

3. A melhoria da capacidade de memorização estaria unicamente relacionada com um


aumento da profundidade da análise sobre a informação percebida e não com a repetição de
análises já realizadas.

Este pressuposto está relacionado com a distinção que a "teoria dos níveis do processamento"
fez entre dois tipos de repetição: A repetição de manutenção da informação, que se situaria a
um nível superficial de processamento e por outro lado a repetição de elaboração da
informação, situada a um nível mais profundo de análise.

A manutenção de informação também é conhecida por repetição simples e refere-se àqueles


casos em que o sujeito se limita a repetir sucessivamente uma palavra ou um número, mas
sem lhe acrescentar quaisquer elementos associativos, organizacionais ou imagéticos.

Em contraste, a elaboração da informação percebida implica acrescentar algo novo à


informação a ser repetida. Assim enquanto o sujeito repete uma palavra ou um número poderá
estar a efectuar associações e imagens e a organizar o novo material em relação a outro
material anteriormente adquirido.

Craik e Lockhart (1972) não distinguiram entre memória a curto prazo e memória a longo
prazo. Para estes investigadores a memória a curto prazo ou memória primária seria o
equivalente à manutenção da informação num determinado nível de processamento e não a
uma estrutura particular de memória.

4. A memória deveria ser estudada usando de preferência o paradigma da aprendizagem


acidental. A aprendizagem acidental difere da aprendizagem intencional pelo tipo de instruções
que são dadas aos sujeitos. Enquanto que na aprendizagem acidental os sujeitos não são
informados de que o material apresentado irá ser objecto de uma prova de memória, na
aprendizagem intencional os sujeitos têm conhecimento da prova de memória logo no início da
apresentação do material a ser recordado.

Como na aprendizagem acidental os sujeitos não sabem que vão ser avaliados, o
experimentador tem um certo controle sobre a natureza do processamento da informação
desses sujeitos. Parte-se assim do pressuposto de que numa situação de aprendizagem
acidental os sujeitos processariam o material a ser retido segundo um plano previamente
traçado pelo experimentador através de instruções específicas. No entanto algumas das
experiências que manipularam as condições de aprendizagem acidental e intencional
indicaram não haver diferenças significativas entre estes dois tipos de aprendizagem (e.g., Hyde
e Jenkins, 1973). Isto parece significar que o conhecimento antecipado da prova de memória só
por si não produz efeitos significativos. Em contraste, as instruções parecem influenciar
grandemente a qualidade e a quantidade do que se aprende.

Hyde e Jenkins (1973) efectuaram uma experiência que é bastante esclarecedora não só sobre
o tipo de aprendizagem seguida, mas também sobre a natureza das tarefas apresentadas aos
sujeitos para processamento do material na fase de aquisição. Hyde e Jenkins (1973)
seleccionaram cinco tarefas diferentes para os sujeitos processarem as listas de palavras que
lhes foram apresentadas:

(1) Um grupo de sujeitos deveria indicar se as palavras apresentadas eram nomes divisíveis em
número (e.g., pêras) ou indivisíveis (e.g., água); (2) O segundo grupo deveria referir se as
palavras apresentadas eram substantivos, adjectivos ou verbos; (3) 0 terceiro grupo deveria
apontar a presença ou não das letras T" e "G" nas palavras apresentadas; (4) O quarto grupo
deveria estimar o grau de frequência das palavras apresentadas na língua inglesa numa escala
de 0 a 5; (5) O quinto grupo deveria avaliar numa escala de 0 a 5 o grau de agrado ou
desagrado das palavras apresentadas.

A experiência foi realizada com 11 grupos de sujeitos, em que cinco grupos realizaram tarefas
de aprendizagem orientada intencional, cinco grupos realizaram tarefas de aprendizagem
orientada acidental e o 11º grupo, que actuou como grupo de controle, efectuou uma
aprendizagem intencional, mas não orientada por qualquer tarefa imposta pelo
experimentador.

Os resultados obtidos por Hyde e Jenkins (1973), indicaram um grau de retenção mais
elevado nos grupos que efectuaram tarefas de aprendizagem orientada de tipo semântico
(grupos 4 e 5) em relação aos grupos que efectuaram tarefas de aprendizagem orientada de
tipo físico (grupos 1, 2 e 3). Os resultados indicaram ainda a inexistência de diferenças
significativas entre os tipos de aprendizagem de natureza intencional e acidental.

A teoria dos níveis de processamento foi objecto de várias críticas ao longo dos anos 70, tendo
originado algumas remodelações quanto à sua formulação original de 1972 (e.g., Baddeley,
1978; Cermak e Craik, 1979; Eysenck, 1979).

Um dos pressupostos de Craik e Lockhart (1972) dizia respeito ao aumento do grau de retenção
a obter num processamento mais profundo da informação. Estes investigadores definiram os
"níveis de processamento" com base no desempenho obtido pelos sujeitos, ou seja, dadas
duas tarefas de memória, aquela em que houvesse melhores resultados era aquela que exigiria
um maior nível de processamento.

Vários investigadores questionaram a validade desta teoria, na medida em que envolveria um


raciocínio fechado de tipo círculo vicioso, não podendo portanto ser confirmada nem rejeitada.
O raciocínio poderia ser esquematizado do seguinte modo: Porque é que o sujeito A obteve
melhores resultados na tarefa X do que na tarefa Y? Porque a tarefa X envolve um
processamento mais profundo. E porque é que a tarefa X envolve um processamento mais
profundo? Porque os sujeitos obtêm melhores resultados em X do que em Y".
Numa tentativa de solucionar esta questão, Craik e Tulving (1975) realizaram uma série de
investigações com o objectivo de obterem uma definição menos falaciosa de "níveis de
processamento" e que fosse independente do desempenho do sujeito. Craik e Tulving (1975)
sugeriram que o nível de processamento poderia definir-se não apenas a partir do
desempenho do sujeito na tarefa, mas também a partir do tempo gasto pelo sujeito na
realização dessa tarefa.

A hipótese destes investigadores era a de que uma maior profundidade de processamento


poderia ser prevista a partir do tempo de realização mental das tarefas requeridas. Estes
investigadores verificaram que uma tarefa de tipo semântico demorava em média mais tempo
do que uma tarefa de tipo acústico e esta por sua vez demorava mais do que uma tarefa de
tipo físico.

Uma tarefa de tipo semântico seria, por exemplo, "A palavra AMIGO (e. g., NUVEM, etc.)
enquadra-se na frase: Ele encontrou na rua?" Uma tarefa de tipo acústico seria, por exemplo,
"A palavra AMIGO (e. g., NUVEM, etc.) rima com a palavra "artigo", (e. g., mundo, etc").

Uma tarefa de tipo físico seria, por exemplo, "A palavra AMIGO (e. g., nuvem, etc.) está escrita
em maiúsculas ou minúsculas".

Os resultados obtidos por Craik e Tulving (1975) sugerem que o tempo de realização mental
das tarefas requeridas não era ainda uma definição razoável de níveis de processamento.

Por um lado, verificou-se a ausência de uma relação sistemática entre o tempo de


processamento e o grau de retenção em algumas das experiências. Por exemplo, levava em
média 1,7 segundos a contar o número de letras da palavra AMIGO e apenas 0,7 segundos a
indicar se a palavra AMIGO se enquadrava na frase: Ele encontrou ____________ na rua?".
Apesar da primeira tarefa orientadora, considerada física, levar mais tempo a processar do que
a segunda, considerada semântica, o grau de retenção obtido foi no entanto em média de 53%
para a tarefa física e de 75% para a tarefa semântica.

Por outro lado, verificou-se que no caso da mesma tarefa, por exemplo uma tarefa de tipo
semântica, o grau de evocação era maior para uma resposta "sim" do que para uma resposta
"não". Craik e Tulving (1975) verificaram que o grau de evocação era superior para a palavra
AMIGO do que para a palavra NUVEM quando a tarefa dos sujeitos era indicar se tais palavras
se enquadravam ou não na frase: "Ele encontrou ______________ na rua". Segundo Craik e
Tulving (1975) as palavras associadas às respostas "sim" nesta tarefa são melhor recordadas,
porque são melhor elaboradas e integradas com as experiências passadas do sujeito. De facto
não há experiência de uma pessoa ter encontrado uma NUVEM na rua, mas o mesmo já não
acontece com o encontro de um AMIGO. Este efeito da supremacia das respostas "sim" sobre
as respostas "não" reflectiria o princípio de integração ou congruência, já que uma maior
profundidade de processamento e elaboração corresponderia a um aumento significativo do
grau de retenção.

A este respeito Craik e Tulving (1975) demonstraram que um processamento semântico


integrado numa estrutura sintáctica mais complexa e elaborada produziria melhores resultados
do que um processamento semântico, mas integrado numa estrutura sintáctica mais pobre.
Uma estrutura sintáctica pouco elaborada seria por exemplo "Ele deixou cair o RELÓGIO",
enquanto que uma estrutura sintáctica rica e elaborada poderia ser, por exemplo, "O velho
senhor atravessou a sala a coxear e pelo caminho levantou o lindo RELÓGIO que estava
pousado na artística mesa de mogno"). Quando estas estruturas sintácticas foram manipuladas
numa experiência, em que a tarefa dos sujeitos era aprender as palavras escritas a maiúsculas
integradas nas frases, o grau de evocação das palavras maiúsculas foi em média de 40% para a
frase com uma estrutura sintáctica simples e de 80% para a estrutura rica e elaborada.

Embora a palavra RELÓGIO seja processada a nível semântico em ambos as frases, as


diferenças de evocação persistiram. Isto significa que o nível de processamento só por si não
basta. A codificação do estímulo baseada num processamento enriquecido é essencial, mesmo
quando se trate de um processamento semântico.

Craik e Tulving (1975) propuseram que, além da profundidade de processamento dos


estímulos, seria de considerar o grau de extensão e de elaboração dos mesmos.

Embora não seja possível ainda hoje ultrapassar a crítica de que a teoria dos níveis de
processamento parece envolver um erro de tipo circular (e.g., Baddeley, 1978; Eysenck, 1978),
tem sido possível no entanto usar esta teoria de forma bastante satisfatória na explicação dos
resultados de experiências. Neste sentido a teoria dos níveis de processamento tem servido
frequentemente de modelo de memória alternativo ao modelo estrutural de Atkinson e
Shiffrin (1968).

Experiência

A experiência realizada insere-se na teoria dos níveis de processamento e tem por objectivo
determinar o efeito de quatro tipos de tarefas de aprendizagem orientada sobre o nível de
retenção do material apresentado. Todas as tarefas seleccionadas eram de carácter semântico.
Na realização desta experiência partiu-se do pressuposto de que o grau de retenção dos itens
estaria relacionado com o envolvimento maior ou menor do sujeito nas várias tarefas
semânticas a aplicar. Uma tarefa de envolvimento reduzido seria por exemplo a formação de
anagramas, enquanto que uma tarefa de envolvimento profundo seria a elicitação de episódios
pessoais ou avaliação da própria personalidade.

Método

Sujeitos: A amostra foi constituída por 45 estudantes de psicologia da Universidade do Porto


inscritos no ano lectivo de 1988/89. A grande maioria dos sujeitos pertenciam ao grupo etário
dos 18 - 21 anos, sendo a maioria do sexo feminino.

Material: O material era formado por uma lista de 45 adjectivos classificados qualitativamente
em três grupos de 15 adjectivos cada. Um grupo com conotação predominantemente negativa
(e. g., ríspido), outro grupo com conotação predominantemente positiva (e. g., honesto) e
ainda um outro de conotação intermédia (e. g., brando). Foram ainda seleccionados quatro
adjectivos adicionais para o ensaio de treino. 0 preenchimento do intervalo de retenção foi
ocupado com a resolução de um problema de transvasamento de líquidos. A lista de palavras
foi apresentada visualmente ao ritmo de uma palavra cada 8 segundos. Veja-se Apêndice 11, p.
203.

Planeamento: A variável independente manipulada foi o tipo de tarefa orientadora com cinco
condições: Formação de anagramas, produção de palavras com início silábico idêntico,
elicitação de episódios, avaliação da própria personalidade. Estes grupo denominaram-se
experimentais. O quinto grupo actuava como grupo de controle sem a incumbência de efectuar
qualquer tipo de tarefa sugerida pelo experimentador. A variável dependente registada foi o
número médio de palavras correctamente evocadas em cada uma das cinco condições. Os
sujeitos foram distribuídos ao acaso pelos cinco grupos.

Procedimento: A experiência foi realizada em pequenos grupos e apresentada aos Grupos


experimentais como se tratasse de avaliação de materiais para futuras experiências. Todos os
sujeitos dos quatro grupos experimentais foram inicialmente informados de que após a
projecção num écran de um adjectivo em letra maiúscula deveriam primeiramente escrevê-lo
na folha de respostas em letra maiúscula e em seguida efectuar a tarefa para que tinham sido
instruídos no início da experiência em letra minúscula. As folhas de respostas eram constituídas
por 49 pequenos papéis com a área de 1/4 de uma folha M. O quinto grupo (grupo de
controle) foi informado apenas de que iria realizar uma experiência de aprendizagem e
memória e que deveria prestar atenção às palavras que iam ser expostas, já que no final teria
de evocar o maior número delas. Houve um ensaio prático comum aos cinco grupos
(experimentais e controle) constituído por uma lista de quatro adjectivos que não foram
evocados no final. Após um pequeno intervalo de cerca de 2 minutos deu-se início à
apresentação da lista de 45 adjectivos a um ritmo de um adjectivo cada oito segundos.

O intervalo de retenção teve a duração de 5 minutos e foi preenchido com a resolução de um


problema de transvasamento de líquidos. No final do período pediu-se inesperadamente aos
sujeitos dos quatro grupos experimentais para evocarem durante 3 minutos e numa ordem
livre, o maior número de adjectivos expostos. O tipo de aprendizagem seguido foi portanto
acidental.

As instruções específicas ministradas a cada grupo foram:

Grupo 1 (Formação de anagramas): Se o adjectivo exposto for AUSTERO, então tente elaborar
um anagrama e escreva-o em letra minúscula no papel. Por exemplo, para o adjectivo
AUSTERO, o anagrama poderia ser rosutea";

Grupo 2 (Produção de palavras com início silábico idêntico). Se o adjectivo exposto for
AUSTERO elabore uma outra palavra (adjectivo ou não) a partir da primeira sílaba e escreva-a
na folha de respostas em letra minúscula. Por exemplo, a palavra austríaco.

Grupo 3 (Elicitação de episódios): Se o adjectivo apresentado for AUSTERO tente recordar-se de


um episódio da sua vida pessoal ou da vida dos seus amigos que se relacione com esta palavra.
Por exemplo, o episódio poderia ser o facto do seu professor da 3,1 classe não o ter dispensado
das aulas no dia de aniversário. Depois de pensar num episódio indique numa escala de 1 a 7
em que medida o episódio imaginado está ou não bem situado no espaço e no tempo. Por fim
escreva o valor da avaliação à frente do adjectivo correspondente.

Grupo 4 (Avaliação da própria personalidade): Após a apresentação de cada adjectivo pense


em que medida o adjectivo caracteriza ou não a sua personalidade. Para tal situe essa
caracterização numa escala de 1 a, 7. Por fim escreva o número da avaliação feita à frente do
adjectivo reproduzido no papel. Por exemplo, se o adjectivo apresentado for AUSTERO, a
avaliação de uma pessoa "X" poderia ser 3.

Grupo 5 (Controle): Após a apresentação de cada adjectivo escreva-o em letra maiúscula na


folha de respostas. A sua tarefa consiste em memorizar o melhor possível os adjectivos
apresentados, já que irão ser objecto de um teste de memória no final da sessão.

Apresentação e análise dos resultados

O número médio de palavras correctamente evocadas em cada uma das cinco condições
encontra-se exposto na Figura 11.1. Nesta Figura encontram-se ainda expostos os resultados
médios obtidos em todas as experiências realizadas desde o ano lectivo de 1987 até 1990 e
que seguiram um procedimento semelhante. No global o padrão de resultados é bastante
equivalente.

Figura 11.1. Número médio de palavras correctamente evocadas segundo o tipo de tarefa
realizada, quer no ano lectivo de 1989/90 quer nos anos lectivos de 1987 a 1990. (Pág.197)

A observação da Figura 1.1 revela algumas diferenças entre as condições experimentais


manipuladas. A fim de se verificar se as diferenças obtidas em 1989/90 eram ou não
estatisticamente significativas, os dados foram objecto de uma análise de variância unifactorial.
O valor obtido, F(4, 40) = 12,1, p < 0,001 revelou que as diferenças médias entre as várias
condições foram altamente significativas. Comparando as várias condições entre si a partir do
teste de Fisher, verificou-se que as médias dos grupos "anagramas" e 1ª sílaba " diferiam
estatisticamente dos restantes três grupos. Por sua vez o grupo "episódios" diferiu dos grupos
"personalidade" e controle".

Os resultados de 1989/90 indicaram ainda uma ligeira superioridade dos grupos de "episódios"
e "personalidade" relativamente ao grupo de controle. Estas diferenças não foram contudo
estatisticamente significativas. No entanto é de assinalar que o grupo de "personalidade"
obteve sempre uma média ligeiramente superior de palavras correctamente evocadas em
relação ao grupo de controle, cujos sujeitos sabiam de início que as palavras apresentadas
iriam ser objecto de uma prova final de evocação.
Esta experiência provou ainda que as diferenças entre aprendizagem acidental e aprendizagem
intencional podem ser atenuadas ou até mesmo anuladas quando forem ministradas as
instruções adequadas.

Discussão

As condições manipuladas nesta experiência revelaram que as tarefas orientadoras


seleccionadas tiveram um efeito marcante no grau de retenção, replicando neste sentido vários
outros estudos publicados (e. g., Hyde e Jenkins, 1973; Craik e Tulving, 1975). Todavia esta
experiência manipulou tarefas que envolviam somente processamento semântico. De facto os
sujeitos de todos os grupos, antes de efectuarem a tarefa para que tinham sido instruídos,
copiaram para a folha de respostas o adjectivo exposto. Assim é improvável que a cópia do
adjectivo não tenha sido processada a um nível semântico numa fase inicial.

Além disto, as tarefas de "anagramas" e produção de palavras com 12 sílaba" idêntica são para
todos os efeitos tarefas que envolvem o significado das palavras, embora a um nível talvez
qualitativamente diferente do das tarefas de "episódios" e "personalidade". Verificou-se
portanto que, apesar do processamento semântico preliminar de todos os adjectivos, os
resultados diferiram consoante o grau de processamento subjectivo de cada um.

Se o processamento semântico realizado implicava uma análise profunda dos materiais


apresentados, este tipo de processamento semântico varia provavelmente conforme o grau de
elaboração e envolvimento pessoal dos sujeitos da experiência. Osgood (1953/1973) num
comentário ao célebre estudo de Bartlett sobre a análise de esquecimento no conto "A guerra
dos fantasmas" afirmou que "Toda a personalidade do indivíduo, as suas emoções, as suas
atitudes e o seu quadro cultural de referências, contribui para aquilo de que ele se lembra"
(Ob. cit., pág. 654).

Em resumo, esta experiência parece provar por um lado que o grau de retenção depende do
modo como a informação é processada e por outro que o grau de retenção depende do maior
ou menor envolvimento da personalidade do sujeito no processamento dos materiais verbais.

Bibliografia citada e recomendada

Atkinson, R. C. e Shiffrin, R. M. (1968). Human memory: A proposed system and its control
processes. In K. W. Spence e J. T. Spence (Eds.), The psychology of learning and motivation:
Advances in research and theory (Vol. 2, p. 89-195). New York: Academic Press.

Baddeley, A. D. (1978). The trouble with levels: A reexamination of Craik and Lockhart's
frarnework for memory research. Psychological Review, 85, 139-152.
Baddeley, A. D. (1990). Human memory: Theory and practice. London: Lawrence Erlbaurn
Associates.

Bower, G. H. (1972). Mental imagery and associative learning. In L. W. Gregg (Ed.). Cognition in
learning and memory. New York: Wiley.

Cermak, L. S., e Craik, F. 1. M. (1979). Levels of processing in human memory. Hillsdale, N. J.:
Erlbaum.

Craik, F. I. M., e Jacoby, L. L. (1979). Elaboration and distinctiveness in episodic memory. In L. C.


Nilson (Ed.), Perspectives on memory research: Essays in honor of Uppsala Uníversity's 50ºth
Anniversary. Hillsdale, N. J.: Erlbaum.

Craik, F. I. M., e Lockhart, R. S. (1972). Levels of processing: A frarnework for memory research.
Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 11, 671-684.

Craik, F. 1. M., e Tulving, E. (1975). Depth of processing and the retention of words in episodic
mernory. Journal of Experimental Psychology: General, 104, 268-294. C

Craik, F. I. M., e Watkins, M. J. (1973). The role of rehearsal in short-term mernory. Joumal of
Verbal Learning and Verbal Behavior, 12, 599-607.

Eysenck, M. W. (1979). Depth, elaboration and distinctiveness. In L. S. Cermak e F. I. M. Craik


(Eds.), Levels of processing in human memory. Hillsdale, N. J: Erlbaum.

Eysenck, M. W., e Eysenck, M. C. (1979). Processing depth, elaboration of encoding, memory


stores, and expended processing capacity. Journal of Experimental Psychology: Human
Learning and Memory, 5, 472-84.

Eysenck, M. W., e Keane, M. T. (1990). Cognitive Psychology: A student's handbook. London:


Erlbaum.

Hyde, T. S., e Jenkins, J. J. (1973). Recall for words as a function of semantic, graphic, and
syntactic orienting tasks. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 12, 471-480.

Lockhart, R. S., Craik, F. I. M., e Jacoby, L. L. (1976). Depth of processing, recognition and recall:
Some aspects of a general memory system. In J. Brown (Ed.), Recall and recognítion. London:
Wiley.

Osgood, C. E. (1973). Método e teoria na psicologia experimental. (Trad. por Énio Ramalho).
Lisboa: Gulbenkian. (Obra original publicada em 1953).

Pinto, A. C. (1989). Relações entre estratégias de aprendizagem e processos de recordação:


Análise de alguns factores cognitivos. Revista Portuguesa de Educação, 2, (2), 25-41.

Tulving, E. (1983). Elements of episodic memory. Oxford: Oxford University Press.

Apêndice 11
Instruções gerais e específicas dos grupos experimentais: A experiência que vamos realizar tem
por objectivo recolher informações sobre algumas características específicas de adjectivos a
fim de serem usados como materiais em experiências posteriores. Uma lista de adjectivos vai
ser apresentada num écran. Os adjectivos são expostos individualmente e em letras maiúsculas
ao ritmo de um cada 8 segundos. A vossa tarefa consiste em copiar cada adjectivo apresentado
para uma das vossas folhas de respostas, também em letras maiúsculas, e depois efectuar a
seguinte actividade (Tarefa especifica conforme os grupos experimentais):

Grupo 1 (Formação de anagramas): "Após a transcrição do adjectivo, tentem elaborar um


anagrama e depois escrevam-no na folha de respostas em letras minúsculas. Por exemplo se o
adjectivo apresentado for AUSTERO, o anagrama poderia ser rosutea. "

Grupo 2 (Produção de palavras com início silábico idêntico): "Após a transcrição do adjectivo,
tentem construir uma outra palavra (adjectivo ou não) a partir da primeira sílaba do adjectivo
apresentado e por fim escrevam essa nova palavra na folha de respostas em letra minúscula.
Por exemplo, se o adjectivo apresentado for AUSTERO a nova palavra poderá ser austríaco."

Grupo 3 (Elicitação de episódios): "Após a transcrição do adjectivo, procurem pensar num


episódio da vossa vida pessoal ou da vida dos vossos conhecidos ou amigos. Se não tiverem
tempo de se lembrar de um episódio inventem, mas tentem associá-lo sempre a um contexto
real ou fictício. Os episódios devem ser imaginados e não descritos na folha de respostas.
Provavelmente alguns episódios estarão melhor situados no espaço e no tempo do que outros.
Assim depois de pensarem num episódio deverão indicar numa escala de 1 a 7 em que medida
o episódio imaginado está ou não bem situado no espaço e no tempo. Por fim escrevam o valor
da avaliação à frente do adjectivo correspondente. Por exemplo, se o adjectivo apresentado
fosse AUSTERO, o episódio poderia ser o facto do meu professor da 3ª classe não me ter
dispensado das aulas no dia do meu aniversário. A avaliação em termos de situação no espaço
e tempo poderia ser por exemplo "6".

Grupo 4 (Avaliação da própria personalidade): "Após a transcrição do adjectivo, tentem pensar


em que medida o adjectivo caracteriza ou não a vossa personalidade. Para tal situem essa
caracterização numa escala de 1 a 7, em que 1 significa uma relação mínima e 7 uma relação
máxima. Por fim escrevam o número da avaliação feita à frente do adjectivo reproduzido no
papel. Por exemplo, se o adjectivo apresentado fosse AUSTERO, a avaliação de uma
personalidade fictícia poderia ser"3". Sintam-se à vontade na avaliação que efectuarem, já que
as avaliações apenas serão do vosso conhecimento." Vamos efectuar um ensaio de treino com
quatro adjectivos:

austero, egoísta, livre, tranquilo.

Há dúvidas? Então vamos realizar a tarefa.

Instruções do grupo de controle: Vamos realizar uma experiência de aprendizagem e memória.


Para o efeito vai ser apresentada uma lista de adjectivos, em letras maiúsculas, ao ritmo de um
cada oito segundos. A vossa tarefa consiste em transcrevê-los para cada um das vossas folhas
de respostas em letras maiúsculas, e pensar sobre o adjectivo escrito, já que posteriormente
vão efectuar uma prova de memória. (Não foram feitas referências, nem à extensão da lista,
nem ao momento em que a prova de memória surgiria, se imediatamente ou após um
intervalo de retenção).

(No final da apresentação da lista para todos os grupos de sujeitos, recolhem-se as folhas de
respostas e entrega-se uma nova folha para a tarefa seguinte)

Agora gostaria que realizassem uma nova tarefa, considerada de raciocínio numérico e
espacial, denominada tarefa de transvazamento de líquidos. São apresentados três recipientes
com volumes de 8, 5 e 3 litros cada. O maior está completamente cheio de água. Os restantes
estão vazios. A vossa tarefa consiste em realizar tantos transvasamentos quantos os
necessários de forma a que no final das vossas operações tenham igual conteúdo de líquido
nos dois vasos maiores, isto é, 4 litros.

(A realização desta tarefa tem uma duração de 5 minutos. No final recolhe-se a folha de
respostas anterior e distribui-se uma nova folha)

Grupos experimentais e de controle: Para concluir esta sessão gostaria que escrevessem o
maior número de adjectivos na ordem que julgarem mais favorável, apresentados no écran na
primeira parte desta sessão. Para o efeito têm 3 minutos.

Tabela 11.1: Lista dos adjectivos apresentados na Experiência 1.1 (Pág. 203)

Nota: A ordem de apresentação dos adjectivos não foi a ordem alfabética aqui apresentada,
mas uma ordem ao acaso.

12

Efeito da Presença ou Ausência de Indicadores na Aquisição e Evocação de Listas de Palavras

Segundo Tulving uma boa retenção não depende apenas do modo como o material é
codificado, mas depende também do modo com é recuperado. Assim a recuperação será tanto
melhor quanto mais extensa for a reposição do contexto de aquisição na fase de recuperação.
Este estudo teve por objectivo replicar esta descoberta de Tulving, seleccionando algumas das
condições manipuladas em Tulving e Osler (1968). Para o efeito seleccionaram-se 4 Grupos de
sujeitos a quem foram apresentados uma lista de 25 palavras. Para dois Grupos, as palavras a
serem evocadas estavam integradas num contexto semântico com palavras pouco
relacionadas, isto é, indicadores; Para os restantes dois Grupos, os indicadores estavam
ausentes. Durante a fase de evocação os indicadores anteriormente apresentados eram
repostos numa condição e omitidos noutra. Os resultados obtidos indicaram que a presença do
mesmo indicador nas fases de codificação e evocação originou uma percentagem de evocações
correctas superior em relação às condições em que não havia tal correspondência. Os
resultados obtidos são discutidos no âmbito da teoria da codificação específica de Tulving e
colaboradores, sendo ressaltado o papel desta teoria na explicação de fenómenos de
esquecimento nomeadamente ao nível do reconhecimento.

Introdução

É opinião corrente que o esquecimento no dia a dia depende do modo como a informação foi
armazenada. Se a informação for codificada ou processada de uma forma profunda, elaborada
e extensa, então é provável que resista mais facilmente ao esquecimento. Este facto foi aliás
observado na Experiência anterior.

Tulving e colaboradores (e.g. Tulving e Thomson, 1973; Thomson e Tulving, 1970; Tulving,
1983) embora genericamente de acordo com esta hipótese, arguíram que a codificação por
mais extensa e elaborada que fosse não era suficiente, se não se tivesse em conta os
problemas relacionados com o processo de recuperação.

Segundo Tulving o esquecimento pode ser definitivo (esquecimento dependente do traço) ou


transitório (esquecimento dependente do indicador). Neste último caso, a informação está
armazenada na memória, isto é, está disponível, mas o respectivo acesso é árduo e custoso. A
dificuldade de acesso deve-se à ausência de indicador ou pista adequada. Assim, para Tulving,
uma boa retenção não depende apenas do modo como o material foi codificado, mas depende
também do modo com o material é recuperado.

Em apoio desta tese, Tulving e Osler (1968), numa célebre experiência cujos resultados foram
replicados por dezenas de investigadores, manipularam a presença ou ausência de indicadores
(ou pistas, ou contexto) na fase de codificação (apresentação de palavras) e na fase de
recuperação (evocação de palavras. Havia nesta experiência condições em que os indicadores
eram concordantes ou congruentes nas duas fases (1), condições em que os indicadores
estavam ausentes nas duas fases (4), e condições em que eram incongruentes, isto é, estavam
presentes numa fase e ausentes noutra (2) ou vice-versa (3). Veja-se o Quadro 12.1 para uma
melhor ilustração.

Os resultados obtidos por Tulving e Osler (1968), e posteriormente por Tulving e outros
colaboradores, revelaram um padrão de resultados muito semelhante. Isto é, a evocação era
habitualmente superior no grupo em que os indicadores tinham sido simultaneamente
apresentados na codificação e na evocação, relativamente aos grupos em que os indicadores
não estavam presentes numa das fases.
Na experiência realizada, Tulving e Osler (1968) usaram apenas indicadores remotos ou
fracos. Por exemplo, os indicadores para a palavra CARNEIRO, uma das 24 palavras da lista
apresentada, foram numa experiência "perna", noutra experiência "gordo" e ainda noutra
experiência "perna e gordo". Mesmo usando indicadores remotos, a evocação era
normalmente superior naquelas condições em que havia congruência de indicadores em
relação às condições em que havia incongruência. Por outro lado, o uso de dois indicadores
não era superior ao uso de um. Veja-se Quadro 12.2.

Tabela 12.1: Ilustração esquemática do planeamento experimental seguido por Tulving e Osler
(1968) para demonstrar o efeito da codificação específica. (Pág. 206)

Ao comentarem estes resultados, alguns investigadores mostraram-se cépticos quanto às


possibilidades do princípio de codificação específica se aplicar a indicadores fortes. Na palavra
CARNEIRO o uso dos indicadores fortes ou altamente relacionados seria provavelmente 1ã" ou
"ovelha" e não "perna" ou "gordo".

Considerando a pertinência destas críticas, Thomson e Tulving (1970) efectuaram uma nova
experiência usando indicadores fortemente associados num caso (por exemplo, BIFE - carne) e
remotamente associados noutro (por exemplo, BIFE - faca). Neste tipo de experiências o item a
ser evocado é a palavra escrita em maiúsculas.

O grupo que obteve os resultados mais elevados foi aquele em que foram apresentados
indicadores fortes na apresentação e na evocação, como aliás seria de prever (84%).

Todavia os resultados mais interessantes foram obtidos no grupo em que foram apresentados
indicadores de associação remota na fase de codificação (BIFE - faca) e que na evocação foi
dividido em dois subgrupos. Um subgrupo em que o indicador de associação remota da fase de
codificação (BIFE - faca) foi reposto na evocação (? - faca) e onde se obteve 65% de palavras
correctamente evocadas e o outro subgrupo em que foi apresentado na fase de evocação um
indicador forte (? - carne) e onde se obteve apenas 58% das palavras. Por outras palavras, se
um item for codificado num determinado contexto semântico (por ex., BIFE - faca), o melhor
processo de recuperar o referido item é reintroduzir o contexto inicial (faca) e não usar um
outro contexto (carne) mesmo que à partida seja considerado mais pertinente.

Quadro 12.2: Principais resultados obtidos por Tulving e Osler (1968) em função quer do tipo
de indicadores apresentados, quer da presença ou ausência de indicadores nas fases de
codificação e evocação. (Pág. 207)

Tulving e colaboradores defenderam a posição que nenhum indicador, pista ou contexto,


independentemente do maior ou menor grau de associação com o item a ser recordado,
poderia facilitar maximamente a evocação desse item, a menos que tivesse estado presente na
fase da codificação.

Neste sentido Tulving e Thomson (1973) formularam o princípio da codificação específica, que
teria por base os seguintes postulados:

1. O modo como os itens são percebidos afecta o modo como são retidos ou armazenados.

2. Os indicadores selecionados na altura da codificação determinam o tipo de indicadores que


facilitarão o acesso à informação retida.

3. Quanto maior for a concordância entre os indicadores usados na fase de codificação e na


fase de recuperação, melhores serão os resultados obtidos.

Em síntese a hipótese de codificação específica defende que um indicador só é maximamente


eficaz na recuperação da informação, se tiver sido usado na altura da apresentação na
codificação dos itens. Deste modo o esquecimento a que frequentemente estamos sujeitos,
como no caso do fenómeno da palavra na ponta da língua, é um esquecimento dependente do
indicador. Nestes casos a informação está disponível na memória, simplesmente o respectivo
acesso está dificultado ou impedido. Assim certos tipos de esquecimento não indicam só por si
uma ausência permanente de traço na memória' antes podem revelar uma dificuldade de
acesso num determinado momento.

Aplicando o princípio de codificação específica a situações extra-laboratoriais tem-se verificado


que o grau de evocação é superior naquelas condições em que há uma concordância de
indicadores entre as fases de codificação e de evocação. Por exemplo, Godden e Baddeley
(1975) verificaram que a evocação de listas de palavras por parte de mergulhadores era
superior sempre que se verificava uma concordância de contexto físico entre as fases de
apresentação e de evocação relativamente às condições em que havia discordância, conforme
pode ser observado no Quadro 12.3.

Quadro 12.3: Principais resultados obtidos por Godden e Baddeley (1975) numa experiência
em que o contexto físico foi manipulado nas fases de codificação e evocação (Pág. 208)

Esta experiência parece provar que a memória, ou mais propriamente a recordação, está
dependente do contexto externo, já que o grau de retenção é superior nas situações em que a
aquisição e a evocação ocorrem no mesmo ambiente físico, relativamente a situações em que a
aquisição e a evocação ocorreram em ambientes diversos.

Se na realidade esta dependência do contexto se verifica haverá alguma possibilidade de nos


libertarmos dela, já que na maioria dos casos a aquisição de informação é efectuada num
contexto e recordada noutro. Por exemplo, os estudantes efectuam a aquisição de
conhecimentos em locais como a sala de aula, a biblioteca, o quarto de estudo, o café, etc., e
mais tarde vão ser sujeitos a um exame numa sala onde provavelmente não tiveram aulas e
onde certamente nunca estudaram. Tendo em conta o princípio da codificação específica não
será que os estudantes irão ser prejudicados com a diversidade de ambientes?

Uma experiência efectuada por Smith (1979) parece sugerir, que em determinadas
circunstâncias é possível uma pessoa libertar-se da influência do contexto físico. Smith (1979)
apresentou a um grupo de 60 sujeitos uma lista de 80 palavras para estudo. A apresentação da
lista foi feita na cave de um edifício de cinco andares, decorada com tapetes e cortinas cor de
laranja, vários posters e gravuras nas paredes, além de mesas e cadeiras. No final houve um
pequeno teste de reconhecimento de apenas algumas palavras a fim dos sujeitos pensarem
que a sessão tinha terminado. No entanto todos os sujeitos foram solicitados a comparecer no
dia seguinte.

Na segunda sessão o grupo inicial de 60 sujeitos foi dividido em três grupos:

1. O primeiro grupo foi convidado a evocar as palavras da lista apresentada no dia anterior no
mesmo meio ambiente em que a lista tinha sido apresentada, isto é, a cave do edifício;

2. O segundo grupo foi convidado a deslocar-se a uma sala do 5º andar ocupada com
equipamento informático a quem foi também pedido para evocar a lista apresentada no dia
anterior.

3. Um terceiro grupo efectuou a evocação numa sala diferente da do dia anterior, mas antes da
prova de evocação propriamente dita os sujeitos foram convidados durante alguns minutos a
formarem uma imagem da sala da cave, onde decorrera a experiência da véspera e a
enumerarem os objectos aí vistos. Só depois desta tarefa é que iniciaram a evocação.

O número de palavras evocadas nos três grupos foi respectivamente de (18,0), (12,0) e (17,2).
Como os dados obtidos pelo 1º e 3º grupos são muito semelhantes, os resultados sugerem que
não é imprescindível a reposição física do contexto presente na fase de codificação no
momento da evocação, se os sujeitos forem capazes de repor o referido contexto a partir da
elaboração de imagens mentais.

Se a memória é afectada pelo contexto externo, será que o contexto interno apresenta
também alguma influência? É do conhecimento geral que as situações de sucesso são
acompanhadas por sentimentos de orgulho e as situações de fracasso por sentimentos de
desânimo. No contexto de cada uma destas situações recordámo-nos mais facilmente de
sentimentos congruentes com a situação actual do que com sentimentos divergentes. Se
estamos tristes lembramo-nos mais facilmente de situações tristes passadas connosco do que
de situações alegres. Se estamos alegres lembramo-nos mais facilmente de situações alegres
passadas do que de situações tristes.

Bower e colaboradores (e.g., Bower, Monteiro e Gilligan, 1978) estudaram o modo como a
memória estaria relacionada com certos estados emocionais do sujeito. Numa experiência
realizada, estes investigadores usaram a hipnose para induzir nos sujeitos comportamentos
tristes ou alegres. Estas emoções foram conseguidas pedindo aos sujeitos sob hipnose para
evocarem ou recriarem uma cena que sugerisse uma emoção alegre ou uma emoção triste.
Conseguido o estado emocional pretendido, foram apresentados aos sujeitos duas listas de
palavras que mais tarde evocaram num contexto emocionalmente congruente com o contexto
inicial ou num contexto divergente.

Figura 12.1: Resultados obtidos por Bower, Monteiro e Gilligan (1978) numa experiência em
que o contexto emocional foi manipulado nas fases de codificação e evocação. (Pág. 210)

Os resultados indicaram que a memória é de facto afectada pelo estado emocional. Assim
verificou-se que quanto maior fosse a concordância entre o estado emocional na fase de
aquisição e na fase de evocação melhor seria o grau de evocação, conforme pode ser
observado na Figura 12.1. A superioridade de evocação em contextos emocionais congruentes
tem sido observado em diversos estudos (e.g., Frijda, 1986; Clark e Teasdale, 1982, Bower,
1981; Blaney, 1986).

Os efeitos do contexto, quer físico quer orgânico, na aquisição e retenção de informação


apenas têm sido observados quando a prova de memória aplicada é a evocação. No entanto se
a prova for de reconhecimento raramente se observam efeitos de contexto na memória. Parece
assim deduzir-se que o esquecimento relacionado com aspectos contextuais seria devido a
factores que actuam na fase de recuperação e não a factores relacionados com a fase de
aquisição. Se tais factores estivessem relacionados com a fase de aquisição, então o efeito do
contexto seria também observado numa prova de reconhecimento (e.g., Eich, 1980; Bower e
Cohen, 1982).

Em resumo, o princípio de codificação específica é uma das contribuições recentes mais


inovadoras nos estudos de aprendizagem e memória humanas, ao permitir uma explicação
bastante satisfatória do esquecimento observado em diversas situações contextuais, quer
externas quer internas. Embora o número de estudos realizados neste domínio seja bastante
elevado, há ainda bastante a esperar das aplicações destas investigações laboratoriais a
situações extralaboratoriais.

Experiência

Esta experiência teve por objectivo investigar os efeitos da congruência e incongruência do


contexto semântico com a apresentação de listas de 25 palavras. Na apresentação da cada
palavra da lista havia uma condição em que a palavra a ser recordada era acompanhada por
outra palavra associada (o indicador) e uma segunda condição em que não havia qualquer
indicador. Na evocação havia também condições em que os indicadores estavam presentes e
ausentes. Esta experiência é uma versão abreviada do estudo de Tulving e Osler (1968) e
pretende replicar o efeito da presença ou ausência de indicadores nas fases de aquisição e de
evocação.
Método

Sujeitos: A amostra foi constituída por 56 estudantes de psicologia da Universidade do Porto


inscritos no ano lectivo de 1987/88. A grande maioria dos sujeitos pertenciam ao grupo etário
dos 18 - 21 anos, sendo a maioria do sexo feminino.

Planeamento: As variáveis independentes manipuladas foram: (1) Presença-ou ausência de


indicadores na fase de codificação com duas condições: a) Presença de indicadores; b)
Ausência de indicadores. (2) Presença ou ausência de indicadores na fase de evocação,
também com duas condições: a) Presença de indicadores; b) ausência de indicadores. As
condições de cada variável independente foram organizadas segundo um plano factorial 2x2,
do tipo ilustrado no Quadro 12.1.

Os participantes nesta experiência foram distribuídos aleatoriamente por cada um dos quatro
Grupos, correspondendo cada um destes grupos a uma das quatro condições experimentais.

A variável dependente registada foi o número de palavras correctamente evocadas em cada


uma das quatro situações anteriormente descritas.

Material: Foi seleccionada uma lista de 25 palavras para a realização da experiência


propriamente dita, e ainda uma lista prática constituída por apenas três palavras. As palavras
tinham uma frequência média na língua portuguesa. Cada palavra a ser evocada foi
apresentada visualmente no centro de um slide, durante quatro segundos, escrita a cor preta e
em letras maiúsculas. Nas condições 3 e 4 foram apenas apresentadas estas palavras
maiúsculas. Nas condições 1 e 2, estas palavras maiúsculas foram acompanhadas no canto
inferior esquerdo de indicadores, isto é, palavras escritas a minúsculas e parcialmente
relacionadas com os itens a serem evocados. Veja-se Tabela 12.1, p. 219. .No final da
apresentação de cada lista e antes do período de evocação foram apresentadas duas listas com
doze operações aritméticas (somas, subtracções, multiplicações, divisões) que os sujeitos
deveriam efectuar durante 30 segundos. O objectivo era absorver o efeito de recência.

Procedimento: No início da sessão os sujeitos foram informados de que a experiência consistia


numa prova de aprendizagem e memória e noutra prova de rapidez aritmética. Em seguida
foram lidas as instruções seguintes conforme as condições em que os sujeitos se integravam:

(1) Na fase de apresentação das palavras:

a) Aos Grupos 1 e 2 foi dito que iria ser apresentada uma lista de 25 palavras, sendo cada uma
delas apresentada em letras maiúsculas durante 4 segundos no centro superior de um slide. Os
sujeitos deveriam prestar-lhes toda a atenção, já que mais tarde seriam objecto de uma prova
de evocação.

Foi ainda acrescentado que no mesmo slide apareceria outra palavra relacionada com a palavra
a ser evocada no canto inferior esquerdo e em letras minúsculas. Estas palavras escritas a
minúsculas não eram para evocar posteriormente, mas seria conveniente prestar-lhes alguma
atenção, já que poderiam facilitar a prova de memória.
A tarefa aritmética consistia na apresentação de doze operações aritméticas de somar, subtrair,
multiplicar e dividir, sendo a tarefa dos sujeitos resolver o maior número de operações
apresentadas.

b) Aos Grupos 3 e 4 foi dito que iria ser apresentada uma lista de 25 palavras, sendo cada delas
apresentada em letras maiúsculas durante 4 segundos no centro superior de um slide. Os
sujeitos deveriam prestar-lhes toda a atenção, já que mais tarde estas palavras seriam objecto
de uma prova de evocação. Os sujeitos foram ainda informados da prova aritmética nos
mesmos termos dos Grupos 1 e 2.

(2) Na fase de evocação das palavras:

Aos Grupos 1 e 2 foram dadas as seguintes instruções por escrito, já que os sujeitos de ambos
os Grupos tiveram uma apresentação das palavras idêntica.

a) Ao Grupo 1 foi dito que tentassem evocar o maior número de palavras que anteriormente
tinham sido apresentadas em letras maiúsculas no centro superior de cada slide. A ordem de
evocação seria livre e dispunham para tal de 2 minutos. Foi ainda referido que no lado
esquerdo da folha das respostas se encontravam as palavras escritas em minúsculas por ordem
alfabética que foram apresentadas durante a exposição da lista. O objectivo da inclusão destas
palavras escritas a minúsculas era auxiliar a evocação do sujeito, já que apresentavam uma
certa semelhança com as palavras escritas a letras maiúsculas.

b) Aos sujeitos do Grupo 2 foi apenas dito que tentassem evocar livremente o maior número
de palavras expostas em letras maiúsculas e apresentadas no canto superior de cada slide
durante 2 minutos.

Os sujeitos dos Grupos 3 e 4, que tiveram uma apresentação idêntica da lista, foram
instruídos por escrito da forma seguinte.

c) Ao Grupo 3 foi dito que durante 2 minutos tentassem evocar livremente o maior número de
palavras que tinham sido expostas em letras maiúsculas no centro superior de cada slide. Foi
ainda referido que no lado esquerdo da folha de respostas havia uma lista de 25 palavras por
ordem alfabética que apresentavam uma certa semelhança com as palavras a evocar. O
objectivo da inclusão desta lista de palavras era facilitar o processo de evocação.

d) As instruções escritas apresentadas ao Grupo 4 foram idênticas às do Grupo 2.

Quadro 12.4: Número médio de palavras correctamente evocadas em cada uma das quatro
condições em 1989/90. Entre parênteses os resultados médios obtidos desde 1987 até 1990.
(Pág. 214)

Apresentação e análise dos resultados


O número médio de palavras correctamente evocadas em cada uma das quatro condições,
encontra-se exposta no Quadro 12.4. Neste Quadro encontram-se ainda expostos os resultados
médios obtidos desde o ano lectivo de 1987 até 1990. A fim de se verificar se as diferenças
entre os quatro Grupos em 1989/90 eram ou não estatisticamente significativas, aplicou-se
uma análise de variância bifactorial. Esta análise revelou que as médias obtidas não eram
estatisticamente significativas ao nível da codificação, F(1,52)<l, mas eram ao nível da
evocação, F(1,52) = 8,8, p = 0,005, e da interacção entre as duas variáveis, F(1,52) = 16,1, p =
0,0002. Afirmar que a interacção entre as duas variáveis principais foi significativa significa que
a eficácia da codificação dos itens depende do modo como são evocados.

O Quadro 12.4 indica que os melhores resultados foram obtidos no Grupo 1, onde se
verificou uma concordância objectiva de indicadores entre as fases de codificação e de
evocação. O segundo resultado mais elevado foi no Grupo 4 onde terá havido também uma
concordância de indicadores, mas subjectiva, elaborados pelo sujeito em vez de serem
sugeridos pelo experimentador. Os resultados inferiores observaram-se nos Grupos 2 e 3 onde
não se verificou a concordância de indicadores nas duas fases. Este padrão de resultados é
globalmente equivalente aos resultados obtidos inicialmente por Tulving e Osler (1968), assim
como noutros estudos posteriores (Tulving, 1983).

Discussão

O modelo de codificação específica propõe que os itens a serem recordados numa tarefa de
memória são codificados de forma única e específica e de acordo com o contexto em que
foram adquiridos. O contexto inclui estímulos externos e estímulos internos.

Os estímulos externos podem ser, quer o meio ambiente físico em que se realiza a tarefa, quer
a presença de outros itens verbais que acompanham o item a ser recordado e que foram
manipulados pelo experimentador. Os estímulos internos são gerados pelo próprio sujeito e
referem-se, quer a estados emocionais e a situações de agrado e desagrado provocados pela
situação no sujeito, quer a manipulações dos estados internos do sujeito resultantes da
ingestão de drogas ou elicitação de disposições emocionais através de sugestões hipnóticas.

Assim quanto maior for a extensão entre a sobreposição do contexto de codificação com o
contexto de recuperação, maior será a facilidade de recuperação dos itens. É por esta razão
que muitas vezes a audição de uma música antiga, certos aromas campestres ou sabores de
alimentos nos trazem inesperadamente à memória recordações antigas. Nestes casos, a
música, os aromas e sabores actuam como indicadores que repõem na evocação o contexto
inicial de codificação da informação.

O modelo de codificação específica consegue explicar ainda alguns fenómenos típicos do


esquecimento no dia a dia. Um deles é o caso frequente de depararmos com uma pessoa na
rua e cujo rosto nos é familiar apesar de não sabermos donde, vindo-se a descobrir mais tarde
que se trata de uma figura da televisão ou de um funcionário de uma repartição pública.
(Também pode acontecer com um amigo ou familiar encontrados inesperadamente no avião
ou na esplanada de um café numa cidade estrangeira). Esta dificuldade deve-se à falta do
contexto em que habitualmente a pessoa, se insere e que foi codificado com ela, mas está em
grande parte ausente no momento de reconhecimento.

Sem o contexto adequado o reconhecimento torna-se bastante árduo e custoso. Neste sentido
Tulving e colaboradores demonstraram a existência de um fenómeno aparentemente contra-
intuitivo: A recordação de itens numa tarefa episódica pode ser mais difícil sob uma prova de
reconhecimento do que sob uma prova de evocação. Para tal basta que o número de
indicadores repostos na altura da prova seja menor ou menos adequado no reconhecimento
do que na evocação (Tulving e Thompson, 1973; Watkins e Tulving, 1975; Tulving, 1983). Assim
se um dia não for capaz de reconhecer um amigo, primeiramente peça-lhe desculpa e depois
fale-lhe da teoria de codificação específica!

Bibliografia citada e recomendada

Blaney, P. H. (1986). Affect and memory in a review. Psychological Bulletin, 99, 229-246.

Bower, G. H. (1981). Mood and memory. American Psychologist, 36, 129-148.

Bower, G. H., e Cohen, P. R. (1982). Emotional influences in memory and thinking: Data and
theory. In M. S. Clark e S. T. Fiske (Eds.), Affect and cognition. Hillsdale, N. J.: ErIbaum.

Bower, G. H., Monteiro, K. P., e Cilligan, S. C. (l978) Emotional mood as a context for learning
and recall. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 17, 573-585.

Clark, D. M., e Teasdale, J. D. (1982). Diumal variation in clinical depression and acessibility of
memories of positive and negative experiences. Journal of Abnormal Psychology, 91, 87-95.

Eich, J. E. (1980). The cue dependent nature of state dependent retrieval. Memory and
Cognition, 8, 157-173.

Eich, J. E. (1989). Theorethical issues in state dependent memory. In H. L. Roediger, III e F. I. M.


Craik (Eds.), Varietíes of memory and consciousness: Essays in honour of Endel Tulving (p. 331-
334). Hillsdale, N. J.: Erlbaum.

Eysenck, M. W., e Keane, M. T. (1990). Cognitive Psychology: A studént's handbook. London:


Erlbaum.

Frijda, N. H. (1986). Studies in emotion and social interaction. Cambridge: Cambridge


University Press.

Godden, D. R., e Baddeley, A. D. (1975). Context-dependent memory in two natural


environrnents: On land and under water. British Joumal of Psychology, 66, 325-331.

Izawa, C. (Ed). (1989). Current issues in cognitive processes: The Tulane Flowerree symposium
on cognition. Hillsdale, N. J.: Erlbaum.
Roediger, III H. L., e Craik, F. I. M. (Eds). (1989). Varietíes of memory and consciousness: Essays
in honour of Endel Tulving. Hillsdale, N. J.: Erlbaum.

Smith, S. M. (1979). Remembering in and out of context. Jornal of Experimental Psychology:


Human Learning and Memory, 5, 460-471.

Thomson, D. M., e Tulving, E. (1970). Associative encoding and retrieval: Weak and strong cues.
Journal of Experimental Psychology, 86, 255 - 262.

Tulving, E. (1979). Relation between encoding specificity and levels of processing. In L S.


Cermak e F. I. M. Craik (Eds.), Levels of processing in human memory. HilIsdale, N. J.: Erlbaum.

Tulving, E. (1983), Elements of episodic memory. Oxford: Oxford University Press. Tulving,
E. (1985). How many memory systems are there? American Psychologist, 40, 385-398.

Tulving, E. (1989). Memory: Performance, knowledge, and experience. European Journal,of


Cognitive Psychology, 1, 3-26.

Tulving, E., e Osler, S. (1968). Effectiveness of retrieval cues in memory of words. Journal of
Experimental Psychology, 77, 593-601.

Tulving, E., e Thomson, D. M. (1973). Encoding specificity and retrieval processes in episodic
memory. Psychological Review, 80, 352-373.

Watkins, M. J., e Tulving, E. (1975). Episodic memory: When recognition fails. Journal of
Experimental Psychology: General, 104, 5-29.

Apêndice 12

(1) Instruções na fase de apresentação das palavras:

Grupos 1 e 2: Nesta sessão vamos realizar duas tarefas, uma de aprendizagem e memória e
outra de rapidez aritmética. Na 10 tarefa vai ser apresentada uma lista de 25 palavras no centro
superior de um slide, em letras maiúsculas, durante 4 segundos cada. Prestem-lhes atenção, já
que mais tarde serão convidados a evocá-las.

No mesmo slide aparece ainda uma outra palavra no canto inferior esquerdo e em letras
minúsculas que está relacionada com a palavra a ser evocada. Estas palavras a minúsculas não
são para evocar, mas será conveniente prestar-lhes alguma atenção, já que poderão facilitar a
evocação.

A tarefa aritmética consiste na apresentação de 12 operações de somar, subtrair, multiplicar e


dividir. Calculem mentalmente o resultado e depois escrevam-no na folha de respostas.

Grupos 3 e 4: Idêntico aos Grupos 1 e 2 tendo sido suprimido o 2º parágrafo (No mesmo
slide ... a evocação).
(2) Instruções na fase de evocação das palavras:

Se a experiência não for realizada individualmente é aconselhável apresentar as instruções de


evocação por escrito a cada participante.

Grupo 1: Tentem evocar livremente, por favor, o maior número de palavras apresentadas em
letras maiúsculas durante 2 minutos.

No lado esquerdo da folha de respostas encontra-se uma lista de palavras por ordem alfabética
que foram apresentadas durante a exposição da lista. Estas palavras podem ser de algum
auxílio, pois apresentam uma certa semelhança de significado com as palavras a evocar.

Grupo 2 e 4. Instruções idênticas às do Grupo 1 tendo sido suprimido o 2º parágrafo (No


lado ... a evocar.).

Grupo 3: Início idêntico ao lº parágrafo do Grupo 1, sendo acrescentado a seguir:

No lado esquerdo da vossa folha de respostas há uma lista de 25 palavras por ordem alfabética.
Estas palavras podem ser de algum auxílio, pois apresentam uma certa semelhança de
significado com as palavras a evocar.

Tabela 12.1: Listas de itens a serem evocados em maiúsculas e respectivos indicadores em


letras minúsculas. (Pág. 219)

Nota: Nesta experiência basta apenas apresentar uma lista aos 4 Grupos, que tanto pode ser a
lista 1 com a lista 2. No caso de cada Grupo ser subdividido em 2 ou 4 subgrupos pode-se
apresentar a metade deles a lista 1 e à outra a lista 2 de forma a contrabalancear a ordem das
listas pelos sujeitos ou subgrupos.

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