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DIAGNÓSTICO

PSIQUIÁTRICO E
MODELOS DE
PSICOPATOLOGIA

José Luiz Dias Siqueira


Setembro, 2022
Programa
1. Reflexões sobre classificar a experiência humana

2. CID, DSM

3. Análise de uma categoria

4. Manual de intervenção para um transtorno específico


Reflexões iniciais
Poesia, filosofia
Perguntas em forma de cavalo-marinho
Que metro serve A que aspiramos?
para medir-nos? Que possuímos?
Que forma é nossa Que relembramos?
e que conteúdo? Onde jazemos?

Contemos algo? (Nunca se finda


Somos contidos? Nem se criara.
Dão-nos um nome? Mistério é o tempo,
Estamos vivos? inigualável).

Carlos Drummond de Andrade


Em: “Claro enigma” (1951)
Uma reflexão inicial sobre nomear
Inclassificáveis (Arnaldo Antunes)
Somos o que somos
Somos o que somos
Inclassificáveis
Inclassificáveis

Aqui somos mestiços, mulatos


Cafuzos, pardos, mamelucos, sararás
Crilouros, guaranisseis e judárabes
Ameriquítalos luso-nipo caboclos
Iberibárbaros indo-ciganagôs
Melhor evidência
disponível COMO?

Características Expertise do
do paciente profissional
Nosso problema inicial

PICOT = Paciente, Intervenção,


Comparação, Desfecho (Outcome),
Tempo

• O quê funciona? (I)


• Para quem? (P)
• Comparado com o quê? (C)
• O quê significa funcionar? (D)
• Por quanto tempo? (T)
Extremo 1
“cada pessoa é uma realidade única e inclassificável”

Maria, bibliotecária, 53 anos, mãe de três filhos, divorciada,


pensando em parar de dar aulas na universidade, há 5 anos
sente dor lombar intensa. Já fez 3 cirurgias, sem melhora. Muita
preocupação em relação aos sintomas. Incapacidade não
explicada pelos exames de imagem.

Como encontrar a melhor evidência disponível?


Extremo 2 - panaceia
Problema X

Problema Y
A “MINHA” Problemas
resolvidos
ABORDAGEM

Problema Z
“Com efeito, ter a noção de que a Cálias,
atingido de tal doença, tal remédio deu
alívio, e a Sócrates também, e da mesma
maneira, a outros tomados
singularmente, é da experiência”

“A arte aparece quando, de um


complexo de noções experimentadas, se
exprime um único juízo universal dos
casos semelhantes”

Experiência = conhecimento dos singulares


Arte = conhecimento dos universais
Um alerta importante

• Somente o individual é real (objetos


concretos e particulares)

• O universal não existe na natureza

• “espírito humano” capta e constitui as


ideias a partir do processo de
abstração e generalização
Categorias como protótipos construídos pelo
cérebro (Barret)
Ave = asas, penas, voa....
• variação (ex: avestruz)
• não muita distância
(ex: abelha voa)

2 processos:
• ignora diferenças nas
mesmas categorias
• magnifica diferenças
entre categorias
diferentes
Diagnóstico

Relação dialética
permanente entre o
individual, particular,
e o geral, universal
Diagnósticos pra quê?
Valores = conceitos que influenciam a
ação, emolduram nossas metas e modelam
como queremos viver nossas vidas e
desempenhar nossos papéis profissionais

Valores guiam os diagnósticos. Por isso,


devem ser trazidos do “background” para
o “foreground”

Ex: retirada do homossexualismo da lista


de transtornos mentais (Spitzer)
Diagnósticos pra quê?

Oferecer linguagem em comum:


• atuação de profissionais de saúde
mental
• financiamento de pesquisa
• elaboração de currículos para
educação de profissionais
• referência para entendimento da
sociedade
Como definir normalidade? (Dalgalarrondo)
• ausência de doença (redundante/definição negativa)
• ideal: estabelece-se o modelo do sadio –> desvio = patológico
• estatística: definição a partir da distribuição na população
• bem-estar (OMS): “completo bem-estar físico, mental e social”
• funcional: patológico = disfuncional
• como processo: considera-se o desenvolvimento do indivíduo
• subjetiva: ênfase na percepção do indivíduo sobre si
• como liberdade: doença = perda da liberdade existencial
• operacional: critério arbitrário com finalidade pragmática
Sistemas de classificação em
saúde mental
John Graunt (1620-1674)

Método de classificação
de doenças baseadas
nas causas: estimar
proporção de óbitos em
crianças
O primeiro “CID”

1891-93 –Jacques Bertillon (médico e


estatístico) – comitê:

“Classificação das causas de morte”

5 pequenas revisões em conferências


internacionais
A sexta revisão (1948)
• Classificação Internacional de Doenças (CID)

• Mortalidade e MORBIDADE

• Revisão, publicação e divulgação - OMS

• Cap. V: “Perturbações mentais, psiconeuroses e modificações


da personalidade” – 26 categorias, 60 subcategorias
Diagnósticos psiquiátricos nos EUA

• 1840: esforços para incluir no censo “idiocy/insanicy”

• 1880: 7 categorias no censo: mania, melancolia, monomania,


paresia, demência, dipsomania e epilepsia

• 1945: psicanalista William Menninger, chefe da psiquiatria do


exército: Technical Medical Bulletin no. 203
DSM I
• 1952 – muito similar ao medical 203

• 130 páginas, 106 transtornos

• Década de 50: início da era moderna


em psiquiatria
• clorpromazina (antipsicótico)
DSM II – uma ironia

Por que manter um sistema de


classificação paralelo ao CID?

APA (psiquiatria) e psicanálise


Neurose histérica

“Perda ou transtorno de função


psicogênica involuntários. Os
sintomas caracteristicamente
começam e terminam
repentinamente em situações
emocionalmente carregadas e são
simbólicos de conflitos
subjascentes”
• Remoção de homossexualidade do CID-II (1973)

• Psiquiatria: crise de credibilidade – necessidade de critérios


mais claros quanto a sintomas e transtornos – convite da APA

• Grupos de trabalho com experts em diferentes transtornos –


discussões conceituais até poder esboçar critérios pragmáticos
• Influência de Emil Kraepelin – observação, descrição de padrões de
sintomas

The Lancet Psychiatry 2016 3110-111DOI: (10.1016/S2215-0366(16)00007-9)


A ruptura

Exclusão do termo “neurose”

Rejeição de “conflitos intrapsíquicos”


como fatores causais

Esforços de classificação descritiva ao


invés de dinamicamente
Revisões

• DSM I (1952): 130 p, 106 transtornos


• DSM II (1968): 134 p, 182 transtornos
• DSM III (1980): 494 p, 265 transtornos
• DSM III-R (1987): 567 p, 292 transtornos
• DSM IV (1994): 886 p, 297 transtornos
• DSM IV-tr (2000): 943 p,
• DSM V (2015): 992 p, 157 transtornos
Os manuais atuais
Proposta do autor:
CID 11 substituir o
DSM ou os dois se
fundirem
Geoffrey Reed: não faz sentido manter dois sistemas distintos de
classificação

Vantagens do CID: produzido por colaboração internacional, objetivo


claro de reduzir o impacto dos problemas mentais no mundo, é
multidisciplinar (DSM é psiquiátrico), é aprovado por todos os países
membros da OMS, é distribuído globalmente a baixo custo

DSM: informações adicionais valiosas, que nunca farão parte do CID


Sobre o DSM
DSM 5

Procura fazer uma ponte com o CID:


• Critérios operacionais do DSM
• Codificação do CID

Mudança em direção a uma


abordagem mais dimensional, ao
invés de mais categórica
Transtornos continuam em categorias específicas, mas medidas
indicando grau de intensidade foram adicionadas a:

• TEA: combinação de 4 transtornos categóricos, como ocorrendo em


um espectro focado em comunicação social disfuncional e
comportamentos e interesses restritos/repetitivos

• Transtorno de uso de substância: combina abuso e dependência em


um espectro de 11 sintomas
DSM 5
Capítulos organizados na ordem do
ciclo de vida:

• Em cada capítulo, os transtornos que


podem ocorrer na infância são listados
primeiramente (eliminação da categoria:
transtornos da infância)

Sintomas relativos a um transtorno


intimamente relacionado podem ser
levados em conta, sem a necessidade
de um novo diagnóstico
Como o DSM é organizado?

3 seções:

1. Introdução e orientações sobre como usar o manual

2. Categorias diagnósticas (20 transtornos e 2 categorias adicionais)

3. Condições que requerem pesquisa futura, formulações culturais e


outras informações
Os 20 transtornos
1. Transtornos do 10. Transtornos alimentares
neurodesenvolvimento 11. Transtornos de eliminação
2. Espectro da esquizofrenia e outros 12. Transtornos de sono-vigília
transtornos psicóticos
3. Transtorno bipolar e transtornos 13. Disfunções sexuais
relacionados 14. Disforia de gênero
4. Transtornos depressivos 15. Transtornos disruptivos, do controle
5. Transtornos de ansiedade de impulsos e da conduta
6. Transtorno obsessivo-compulsivo e 16. Transtornos relacionados a
transtornos relacionados substâncias e transtornos aditivos
7. Transtornos relacionados ao trauma 17. Transtornos neurocognitivos
e estressores 18. Transtornos de personalidade
8. Transtornos dissociativos 19. Transtornos parafílicos
9. Transtornos de sintomas somáticos 20. Outros transtornos mentais
e transtornos relacionados
As duas categorias adicionais
1. Transtornos do Movimento Induzidos por Medicamentos e Outros Efeitos
Adversos de Medicamentos

2. Outras Condições que Podem ser Foco da Atenção Clínica


Análise de uma categoria
Transtornos de sintomas somáticos e
transtornos relacionados
DSM-IV: transtornos somatoformes (termo confuso)
• critérios superenfatizavam sintomas clinicamente inexplicados.
• transtornos de sintomas somáticos também podem acompanhar
doenças médicas diagnosticadas.
• confiabilidade para determinar que um sintoma somático é clinicamente
inexplicado é limitada.
• estabelecer um diagnóstico na ausência de uma explicação é algo
problemático e reforça a dicotomia mente-corpo.
• não é apropriado dar a um indivíduo um diagnóstico de transtorno
mental unicamente por não se conseguir demonstrar uma causa médica.
• a presença de um diagnóstico médico não exclui a possibilidade de um
transtorno mental comórbido
Característica geral: foco predominante em preocupações somáticas e
apresentação inicial sobretudo em contextos médicos em vez de nos de
saúde mental.
Os transtornos
Transtornos de sintomas somáticos (300.82; F45.1)
• sintomas somáticos que causam aflição/perturbação da vida diária

Transtorno de ansiedade de doença (300.7; 45.21)


• preocupação em ter doença grave

Transtorno Conversivo: transtornos de sintomas neurológicos funcionais (300.11; 44.5-7)


• sintomas de função motora ou sensorial alterada (incompatibilidade com
condições médicas)
Os transtornos
Fatores psicológicos que afetam outras condições médicas (316; F54)
• sofrimento psicológico, padrões de interação interpessoal, estilos de
enfrentamento, comportamentos mal-adaptativos (negação, má adesão)

Transtorno Factício (300.19; F68.10)


• falsificação de sintomas, indução de lesão ou doença – fraude identificada
• autoimposto; por procuração

Outro transtorno de Sintomas Somáticos e Transtorno relacionado


especificado (300.89; F45.8)
• transtorno de sintomas somáticos que causam sofrimento clinicamente significativo, mas não satisfazem
os critérios para qualquer transtorno na classe
Cada categoria diagnóstica
1. Critérios diagnósticos
2. Características diagnósticas
3. Características associadas que apoiam o diagnóstico
4. Prevalência
5. Desenvolvimento e curso
6. Fatores de risco e prognóstico
7. Questões diagnósticas relativas à cultura
8. Questões diagnósticas relativas ao gênero
9. Risco de suicídio
10. Consequências funcionais
11. Diagnóstico diferencial
12. Comorbidade
Análise de um diagnóstico
Transtorno de Sintomas Somáticos
Critérios diagnósticos: 300.82 (F45.1)
A) Um ou mais sintomas somáticos que causam aflição ou resultam em
perturbação significativa da vida diária.

B) Pensamentos, sentimentos ou comportamentos excessivos relacionados aos


sintomas somáticos ou associados a preocupações com a saúde manifestados
por pelo menos um dos seguintes:
1. pensamentos desproporcionais e persistentes sobre a gravidade dos sintomas.
2. nível de ansiedade persistentemente elevado sobre a saúde e os sintomas.
3. tempo e energia excessivos dedicados a sintomas/preocupações sobre saúde

C) Embora algum dos sintomas somáticos possa não estar continuamente


presente, a condição de estar sintomático é persistente (em geral mais de seis
meses)
Especificar:
• Com dor predominante (anteriormente transtorno doloroso)

• Persistente (mais de 6 meses)

• Gravidade:
• Leve (um dos sintomas do critério B)
• Moderado (dois ou mais)
• Grave (2 ou + do B e múltiplas queixas somáticas, ou somático grave)
Características Diagnósticas
Geralmente, apresentam sintomas somáticos múltiplos e atuais que provocam sofrimento
• específicos (ex: dor localizada)
• inespecíficos (ex: fadiga)
• sensações ou desconfortos normais que não significam doença grave

Ausência de explicação médica não é suficiente (sofrimento é autêntico, seja ou não explicado)

Sintomas podem ou não estarem associados a outra condição médica (ex: transtornos somáticos
pós infarto

Tendência a avaliar sintomas como ameaçadores, nocivos, problemáticos (temem a gravidade


médica, mesmo quando há evidências do contrário) – preocupações podem assumir papel central,
tornando-se um traço de sua identidade

Há com frequência alto nível de utilização de serviços médicos, raramente aliviando preocupações
Características que apoiam o diagnóstico
• Aspectos cognitivos (atenção focada em sintomas somáticos,
atribuição de sensações somáticas a doenças físicas,
preocupação com doenças e medo que atividade física
prejudique o corpo)
• Aspectos comportamentais (verificações repetidas, busca
reiterada de ajuda e garantias médicas, evitação de atividades
físicas)
• Encaminhamento a saúde mental é recebido com surpresa ou
recusa franca
• Frequentemente associado a depressão – risco maior de
suicídio
Prevalência
Desconhecida

Estimativa: 5-7% (maior no sexo feminino)


Curso e desenvolvimento
• Comuns em indivíduos mais velhos

• Critério B: essencial para o diagnóstico

• Pode ser subdiagnosticado em idosos (considerado parte do


envelhecimento normal)

• Em crianças, mais comum dor abdominal, cefaleia, fadiga e


náusea (resposta dos pais é importante)
Fatores de risco e prognóstico
• Temperamentais: afetividade negativa (neuroticismo),
ansiedade/depressão comórbida

• Ambientais: mais comum em indivíduos com pouca instrução e


baixo nível econômico e com eventos estressantes recentes

• Modificadores do curso: associados a aspectos demográficos


(sexo feminino, idade avançada, menor instrução e nível
socioeconômico, desemprego), história de abuso/adversidade na
infância, doença psiquiátrica crônica, transtorno psiquiátrico
concomitante, estresse social, sensibilidade à dor, atenção elevada
a sensações corporais, atribuição de sintomas corporais a doença)
Questões diagnósticas relativas à
cultura
Relação número de sintomas e preocupação é semelhante e
preocupação com doença está associada a prejuízo e mais
busca de tratamento em todas as culturas

Apresentações somáticas = idiomas de sofrimento (diferentes


descrições, significados)
• esgotamento, sensação de peso, gases, calor, queimação na cabeça:
raros em culturas, frequente em outras
• modelos explanatórios variam (estresses familiares, ocupacionais,
doença médica, supressão de raiva, perda de sêmen)
• diferenças nas buscas por tratamento
Consequências funcionais
• Comprometimento marcante do estado de saúde (mais de 2
desvios-padrão abaixo da população normal)
Diagnóstico diferencial
Outras condições médicas
• sintomas somáticos de etiologia incerta (fibromialgia, intestino
irritável, dor lombar) não são suficiente para o diagnóstico
• sintomas de distúrbio médico estabelecido não exclui o diagnóstico
• importante: critério B

Transtorno de pânico
• sintomas somáticos e ansiedade em episódios agudos

Transtorno de ansiedade generalizada


• preocupação com múltiplos eventos
Diagnóstico diferencial
Depressão
• frequentemente acompanhada por sintomas somáticos
• diferencial: humor deprimido e anedonia

Transtorno de ansiedade de doença


• preocupações extensas com saúde, com sintomas somáticos
mínimos

Transtorno delirante
• crenças sobre doença são mantidas com intensidade delirante
Diagnóstico diferencial
Transtorno dismórfico corporal
• preocupação excessiva com um defeito percebido em suas
características físicas, não com doença subjacente

Transtorno obsessivo-compulsivo
• ideias sobre sintomas somáticos são mais intrusivas, com
comportamentos repetitivos associados para reduzir a ansiedade
Comorbidade

Taxas elevadas de comorbidade com:

• doenças médicas: grau de prejuízo maior do que sem o transtorno

• ansiedade

• depressão
Voltando à Maria
Preocupação excessiva não só com a dor (filhas, pais, assalto, as
eleições, a economia, o clima....)

Diagnóstico diferencial: transtorno de ansiedade generalizada


(preocupação com múltiplos eventos)
Transtorno de Ansiedade Generalizada
Critérios diagnósticos: 300.02 (F41.1)
A) Ansiedade e preocupação excessivas (expectativa apreensiva),
ocorrendo na maioria dos dias por pelo menos seis meses, com diversos
eventos ou atividades (tais como desempenho escolar ou profissional).

B) O indivíduo considera difícil controlar a preocupação.

C) A ansiedade e a preocupação estão associadas com três (ou mais) dos


seguintes seis sintomas:
1. Inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele
2. Fatigabilidade
3. Dificuldade em concentrar-se ou sensações de “branco” na mente
4. Irritabilidade
5. Tensão muscular
6. Perturbação do sono
Transtorno de Ansiedade Generalizada
Critérios diagnósticos: 300.02 (F41.1)
D) A ansiedade, a preocupação ou os sintomas físicos causam
sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento
social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do
indivíduo

E) A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos de uma


substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou a outra
condição médica (p. ex., hipertireoidismo).

F) A perturbação não é mais bem explicada por outro transtorno


mental
Características Diagnósticas
Ansiedade e preocupação excessivas (expectativa apreensiva) acerca de diversos eventos ou
atividades

Intensidade, duração ou frequência da ansiedade e preocupação é desproporcional à


probabilidade real ou ao impacto do evento antecipado

Dificuldade de controlar a preocupação e de evitar que pensamentos preocupantes


interfiram na atenção às tarefas em questão

Distinção patologia x ansiedade normal


• preocupações excessivas, interferindo significativamente na vida
• preocupações mais disseminadas, intensas e angustiantes, maior duração, às vezes sem precipitantes
• preocupações mais acompanhadas por sintomas físicos (inquietação, “nervos à flor da pele”)
Características adicionais
• Tensão muscular
• Tremor
• Dor muscular
• Suor
• Náusea
• Diarreia
• Intestino irritável
• Excitação autonômica menos frequente do que em outros
transtornos
Prevalência
12 meses nos EUA: 0,9% em adolescentes e 2,9% em adultos
• Outros países: 0,4% a 3,6%

Ao longo da vida: 9%

Mulheres: 2x mais chance

Pico: meia idade (decresce nos últimos anos da vida)

Mais frequente em descendentes de europeus e em países


desenvolvidos
Curso e desenvolvimento
• Muitos reportam serem ansiosos a vida toda (temperamento
ansioso)

• Média de idade para início: 30 anos (amplo espectro, mas


dificilmente antes da adolescência)

• Sintomas tendem a serem crônicos e oscilarem ao longo da


vida

• Quanto mais cedo o início, maior tende a ser o prejuízo


Fatores de risco e prognóstico
• Temperamentais: inibição comportamental, neuroticismo e
evitação de danos

• Ambientais: adversidades na infância e superproteção


parental (sem fatores ambientais específicos)

• Genéticos e fisiológicos: 1/3 do risco é genético


(compartilhado com transtorno depressivo maior)
Questões diagnósticas relativas à
cultura
Variação cultural na expressão do transtorno:

• Em algumas culturas, predomínio dos sintomas somáticos

• Em outras, os cognitivos

• Importante levar em conta fatores culturais para identificar se uma


preocupação é excessiva
Questões diagnósticas relativas ao
gênero
Contexto clínico, diagnósticos 55% a 60% sexo feminino

Estudos epidemiológicos: 2/3 feminino

Comorbidade:
• Feminino: depressão unipolar
• Masculino: uso de substâncias
Consequências funcionais
• Preocupação excessiva prejudica a capacidade de fazer as
coisas de forma eficiente (toma tempo e energia)

• 110 milhões de dias de incapacidade por ano nos EUA


Diagnóstico diferencial
• Transtorno de ansiedade devido a outra condição médica
• Transtorno de ansiedade induzido por substância/medicamento
• Transtorno de ansiedade social
• Transtorno obsessivo-compulsivo
• TAG: anormalidade no excesso de preocupação
• TOC: obsessões são ideias inadequadas
• Transtorno de estresse pós-traumático e transtornos de adaptação
• adaptação – ansiedade em resposta a um estressor dentro de 3
meses do início e não persite por 6 messes
• Transtornos depressivo, bipolar e psicótico
Comorbidade

Indivíduos provavelmente já preencheram, ou preenchem


atualmente, os critérios para outro transtorno de ansiedade ou
transtorno depressivo unipolar.

O neuroticismo ou labilidade emocional que acompanha esse


padrão de comorbidade está associado a antecedentes
temperamentais e a fatores de risco genéticos e ambientais
compartilhados, embora caminhos independentes também sejam
possíveis
INTERVENÇÃO
Como o DSM pode auxiliar nossa PRÁTICA CLÍNICA
Barlow
• Últimas 2 décadas: desenvolvemos uma tecnologia de mudança
de comportamento que necessariemente difere de transtorno para
transtorno (e cada vez mais para classes de transtornos)

• Essa tecnologia compreende uma variedade de técnicas ou


procedimentos com mais ou menos efetividade comprovada para
apresentações específicas de psicopatologia

• Naturalmente, temos mais evidência da efetividade desses


tratamentos para alguns transtornos do que para outros

• Algumas habilidades clínicas são pré-requisito para aplicar essa


tecnologia mais efetivamente
Nossos guias
Informações iniciais
• Pré-requisito: familiarizado com natureza da ansiedade e
preocupação e com conceitos do tratamento

• Evidências tanto em grupo quanto individual

• Estilo socrático (resistir à tendência de palestrar)

• Frequência semanal
• Todos os clientes devem completar capítulos 1 a 8, 10 e 12
Sessão 1 – Natureza da TAG
Apresentação do programa

Estrutura:
• Check-in
• Negociar agenda
• Discussão dos objetivos e expectativas do cliente
• Negociar “tarefa de casa” (plano de ação)
• Resumo + feedback
Sessão 2 – Reconhecer a ansiedade

Estrutura:
• Check-in
• Negociar agenda
• Discussão sobre auto-monitoramento
• Negociar “tarefa de casa” (plano de ação)
• Resumo + feedback
Sessão 3 – a função da ansiedade

Estrutura:
• Check-in
• Negociar agenda
• Discussão sobre a natureza da ansiedade/medo
• Discussão sobre os componentes da ansiedade
• Negociar “tarefa de casa” (plano de ação)
• Resumo + feedback
Sessão 4 – etiologia e manutenção

Estrutura:
• Check-in
• Negociar agenda
• Discussão sobre a etiologia da ansiedade excessiva
• Discussão sobre a manutenção da ansiedade
• Negociar “tarefa de casa” (plano de ação)
• Resumo + feedback
Sessão 5 – aprender a relaxar

Estrutura:
• Check-in
• Negociar agenda
• Apresentação de relaxamento muscular progressivo
• Negociar “tarefa de casa” (plano de ação)
• Resumo + feedback
Sessão 6 – controle dos pensamentos I
(superestimar risco)
Estrutura:
• Check-in
• Negociar agenda
• Seguir com RMP
• Introdução de reestruturação cognitiva/probabilidade
superestimada
• Negociar “tarefa de casa” (plano de ação)
• Resumo + feedback
Sessão 7 – controle dos pensamentos II
(pensar o pior)
Estrutura:
• Check-in
• Negociar agenda
• Seguir com RMP
• Reestruturação cognitiva: pensamento catastrófico
• Negociar “tarefa de casa” (plano de ação)
• Resumo + feedback
Sessão 8 – o coração da preocupação:
encarar os seus medos
Estrutura:
• Check-in
• Negociar agenda
• Seguir com RMP
• Introdução de exposição à visualização de preocupação
• Negociar “tarefa de casa” (plano de ação)
• Resumo + feedback
Sessão 9 – do medo para os
comportamentos
Estrutura:
• Check-in
• Negociar agenda
• Seguir com RMP
• Seguir exposição à visualização de preocupação
• Introduzir exposição in vivo e prevenção de resposta
• Negociar “tarefa de casa” (plano de ação)
• Resumo + feedback
Sessão 10 – lidando com problemas
reais
Estrutura:
• Check-in
• Negociar agenda
• Seguir com RMP
• Seguir exposição à visualização de preocupação
• Seguir com exposição in vivo e prevenção de resposta
• Manejo de tempo, estabelecimento de metas, resolução de
problemas
• Negociar “tarefa de casa” (plano de ação)
• Resumo + feedback
Sessão 11 – discutindo medicação e sua
relação com o programa
Estrutura:
• Check-in
• Negociar agenda
• Seguir com RMP
• Seguir exposição à visualização de preocupação
• Seguir com exposição in vivo e prevenção de resposta
• Discutir medicação
• Preparação para término
• Negociar “tarefa de casa” (plano de ação)
• Resumo + feedback
Sessão 12 – conquistas e futuro
Estrutura:
• Check-in
• Negociar agenda
• Discutir término
Nosso livro apresenta a avaliação mais
sistemática de psicoterapias para uma
variedade de transtornos psicológicos

Convidamos experts para apresentar:


1. Descrição do transtorno
2. Revisão de suporte empírico para a intervenção
3. Implicações para pesquisa e prática

A estrutura se baseia no modelo de


David and Montgomery(2011)
Acceptance-Based Behavioral Therapy
• Roemer and Orsillo (2002) integração de estratégias baseadas em
aceitação e mudança no tratamento de pessoas com TAG, inspirados
nos modelos de esquiva experiencial e comportamento governado por
regras (Hayes et al.)

• ABBT integra técnicas de TCC (e.g., Borkovec & Roemer, 1994), ACT
(e.g., Hayes et al., 1999), DBT (e.g., Linehan, 1994) e mindfulness (e.g.,
Hahn, 1976).

• 3 princípios-guia:
• Expandir atenção ao momento presente
• Encorajar aceitação ao invés de julgamento e esquiva de experiências internas
• Promover ação em áreas importantes para o indivíduo
Evidência
• Roemer and Orsillo (2007): reduções de médias a grandes em severivdade dos
sintomas, preocupação, ansiedade, depressao e estresse e esquiva experiencia e
melhora grande em qualidade de vida. Todos os efeitos foram mantidos nos
follow ups de 3 meses. 3 de 4 consideradas recuperadas. 50% da amostra
considerada recuperada com alto funcionamento.

• Roemer, Orsillo, & Salters-Pedneault, 2008: ECT: severidade de sintomas,


preocupação, estresse, depressão, esquiva experiencial e medo de emoções todas
melhoraram significativamente no grupo ABBT vs. lista de espera. Respondentes:
75% vs. 8,3% do controle. Ganhos mantidos nos follow-ups de 3 e 6 meses.

• Treanor, Erisman, Salters-Pedneault, Roemer, & Orsillo, 2011: ABBT vs. lista:
melhoras em regulação emocional, medo de respostas emocionais, controle
percebido sobre ansiedade – melhora mantida nos follow-ups de 3 e 6 meses

• Dahlin et al., 2016: melhoras grandes nos sintomas de TAG, reduções moderadas
em sintomas de depressão, sem mudança em QV.
Este livro (6ªedição): não é uma
revisão de procedimentos para um
problema com recomendações para
mais pesquisas. É uma descrição
detalhada de protocolos de
tratamento em que clínicos
experientes implementam a
tecnologia de mudança
comportamental no contexto
Modelo comportamental baseado em
aceitação para TAG
• Indivíduos com TAG desenvolvem o hábito de se preocuparem, repetidamente
antecipando perigos e ameaças em potencial

• Os hábitos são fortalecidos através de repetição e consequências reforçadoras

• A preocupação é negativamente reforçada pela não ocorrência de resultados temidos e


pela ativação fisiológica reduzida, que é consequência do engajamento na preocupação

• Essas pessoas tendem a responder com auto-crítica e julgamenteo a pensamentos e


estados emocionais relacionados à ansiedade

• Para evitar ou fugir das experiências desconfortáveis e indesejáveis da preocupação e da


auto-avaliação negative, os indivíduos se engajam em uma variedade de comportamentos
potencialmente problemáticos
Os 3 comportamentos aprendidos
1. Reagir à experiências internas com criticismo, julgamento
(fusão)

2. Tentativas rígidas de evitar o sofrimento interno (esquiva


experiencial)

3. Engajamento limitado em ações pessoalmente significativas


(esquiva comportamental)
Aplicando ABBT
Contexto
• Primeiro estudo: grupal

• Ensaios posteriores: todos individuais

• É possível adaptar o modelo a settings específicos:

• Estudos para grupo, individual, cuidados primários, livro self-help e


uso de tecnologia
Características do terapeuta
(flexibilidade)
• Modelar uma maneira de responder a experiências intensas,
desafiadoras
• discernir emoções
• validar/normalizar
• abrir espaço para o desconforto na sessão

• Maneira descentrada de se relacionar com experiências


internas. Ao invés de: “você estava muito ansioso...”
• “parece que muitos pensamentos de preocupação estavam
presentes e você percebeu sensações de tensão e inquietação no
corpo”
Características do cliente
• Poucos critérios de exclusão (dependência de substâncias, TAB, esquizofrenia, TEA)

• O tratamento pode ter impacto positivo nas comorbidades mais comuns (depressão e
outros transtornos de ansiedade)

• Recomendamos integrar elementos de outros métodos baseados em evidência (ex:


ativação comportamental)

• Gênero, idade, severidade, frequência e intensidade da preocupação, sintomas


depressivos e comorbidades não predizem significativamente o resultado
Contexto cultural
• Necessita-se de mais pesquisa para determiner como a ABBT pode ser benéfica para
pessoas marginalizadas ou em contextos culturais não dominantes, bem como seu uso
para abordar estressores como discriminação e falta de recursos

• Estudos qualitativos, pequenos, revelam que clientes em contextos marginalizados


geralmente consideram a ABBT como útil (Fuchs, West, et al., 2016).
Medicação
• Clientes com uso estável da medicaçao foram aceitos nos ensaios clínicos.

• Medicação = uma das diversas maneiras de reduzir a intensidade das reações internas,
para que se torne mais fácil aceitá-las, ter compaixão consigo mesmo e engajar-se em
ações significativas.

• Função não evitativa da experiência – medicação ajuda a se engajar mais integralmente


na vida
Os elementos do tratamento
Programação

• 16 sessões semanais

• Primeiras 7 sessões: psicoeducação e construção de habilidades

• Sessões posteriores: aplicação das habilidades e engajamento em


ações baseadas em valores

• Duas últimas sessões: quinzenais, focadas em prevenção de


recaída
Avaliação (conceitualização do caso)
• Sintomas (pensamentos, sentimentos, sensações físicas, frequência
e severidade dos sintomas, auto-monitoramento, escalas,
entrevista semi-estruturada)

• Reações a experiências internas

• Esquiva experiencial

• Engajamento em ações relacionadas aos valores

• História e contexto
Relação terapêutica

• Importante contexto para a mudança

• Aceitação, compaixão

• Validar, empatizar

• Aprender e se sensibilizar por aspectos de culturas diferentes


Psicoeducação
• Componente importante, especialmente no início

• Discussão sobre a natureza de medo, ansiedade, preocupação,


emoção e suas funções

• Ensinar sobre inclinação natural de evitar dor e ameaças

• Diferença entre emoções claras (informação sobre respostas a


determinados contextos) e turvas (difusas, confusas)
Psicoeducação
• Diferença entre preocupação e resolução de problemas

• Descrição de habilidades de mindfulness

• Racional para o resto do tratamento

• As emoções podem se tornar turvas por um processo


compreensível (ex: falta de sono, chateação com um
desentendimento) = reduzir autocrítica
Mindfulness
Auto-monitoramento (central para o tratamento)

Prática formal regular


• Cliente escolhe a duração da prática diária (resolução de problemas se cliente não
estiver reservando tempo para isso)
• Relaxamento muscular progressivo adaptado
• Foco na respiração e no corpo
• Atenção em gostos e sons

Prática informal
• O objetivo é usar a habilidade para praticar na vida
• Começar com tarefas rotineiras (ex: lavar louça) e gradualmente praticar em
contexto mais desafiadores (conversas difíceis, reuniões, provas...)
Engajamento em ações
Terapeutas ajudam clientes a mudarem a atenção e esforço das
tentativas de controlar as experiências internas para um maior
engajamento em suas vidas

Começam explorando o que é importante para eles (tarefas


escritas):
• Descreva em que áreas a ansiedade te atrapalha
• Escreva como você estaria nessas áreas se não tivesse ansiedade
• Ajudar a esclarecer valores pessoais
• Traçar planos comportamentais para incorporar ações baseadas em
valores na vida diária
• Diferenciar valores e metas
Prevenção de recaída
• Ansiedade é uma resposta natural, habitual, assim como
reatividade a experiências internas e esquiva experiencial

• Desenvolvimento de plano para manter as práticas mais úteis

• Encorajar consultas aos handouts e folhas de monitoramento


sempre que preciso
O final do capítulo

Estudo de caso: descrição


das 16 sessões, com
transcrições de diálogos,
práticas e handouts/folhas
de monitoramento
utilizados
Obrigado
joseldsiqueira@gmail.com
Instagram: @zesiqueira
XI – DISQUISIÇÃO NA INSÔNIA

Que é loucura: ser cavaleiro andante


ou segui-lo como escudeiro?
De nós dois, quem o louco verdadeiro?
O que, acordado, sonha doidamente?
O que, mesmo vendado,
vê o real e segue o sonho
de um doido pelas bruxas embruxado?
Eis-me, talvez, o único maluco,
e me sabendo tal, sem grão de siso,
sou — que doideira — um louco de juízo.
Carlos Drummond de Andrade

Quixote e Sancho de Portinari, 1974

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