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A aldeia Taitetuwa foi, efetivamente, uma das primeiras visitadas pela equipe de
geodesia responsável pelos cáculos da demarcação física da Terra Indígena e, sem
conhecer ainda o modo de vida dos Waiãpi, decidiu fincar a peça bem no centro da
praça. Na perspectiva dos engenheiros este era o ponto ideal para o marco, que
deveria ser apropriado como um monumento, em torno do qual a aldeia poderia
crescer, como qualquer povoado. Os engenheiros recomendavam cuidados com o
marco, que deveria ficar no lugar para sempre, identificando o ponto exato a partir
do qual foram realizados os cálculos da obra demarcatória (1).
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Esta experiência de demarcação com participação indígena foi viabilizada através de um Projeto
envolvendo a Funai, a Sociedade Almã de Cooperação / GTZ e o Centro de Trabalho Indigenista /
CTI, responsável pela execução dos trabalhos, junto com a comunidade indígena
trabalhos da demarcação física dos quais eles participaram ativamente
representam uma etapa, entre várias outras que ainda estão por vir, de um
processo de transformação nas relações que eles mantêm há mais de dois séculos
com diversos segmentos da sociedade nacional. Nesta fase de sua trajetória, a
terra foi o mote de uma forma nova de busca pela autonomia. Hoje, procuram
alternativas de desenvolvimento (3) para a exploração exclusiva dos recursos da
terra cujos limites eles construíram, ao longo de muitos anos, modificando as
formas de gestão de seu espaço. Assim, se a experiência dos Waiãpi tem algum
valor para a reflexão sobre concepções de territorialidade, é porque ela
representou para esta comunidade indígena um exercício bem sucedido de manejo
coletivo, que é na verdade uma dimensão essencial da soberania que, enquanto
"índios", procuram exercer sobre porções de seu antigo território tradicional.
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Esperam de fato ampliar suas atuais alternativas econômicas, ente elas, a comercialização de
pequenas quantidades de ouro aluvionar , a produção incipiente de frutíferas, a venda de
artesanato. É significativo mencionar também que foi no contexto da demarcação que os chefes de
aldeia criaram um Conselho (também denominado APINA), cujos atuais líderes se preocupam em
atender a demanda diferenciada dos grupos locais, que se distribuem hoje entre 29 aldeias.
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cfr. documentários "A saga do chefe Waiwai" (1989), de Geoffrey O'Connor, "Meu amigo
garimpeiro..." (1995) e "Placa não fala" (1996), Video nas Aldeias / CTI .
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Uma característica das sociedades amazônicas, entre as quais os estudos etnográficos enfatizam
a inexistência de uma noção de território como base estruturante da cosmologia e da organização
social: “A relação entre uma sociedade indígena e seu território não é natural ou de origem... Não é
da natureza das sociedades indígenas estabeleceram limites territoriais precisos para o exercício
de sua sociablidade. Tal necessidade advém exclusivamente da situação colonial a que essas
sociedades são submetidas” (Oliveira,1989).
organização e ocupação territorial limitavam-se à percursos de ocupação
historicamente rememorados entre os membros de diferentes grupos locais - wan
para um “nós Waiãpi”, que surgiu no contexto de enfrentamento com um modo de
ser alheio e que, para existir, fixou-se numa base territorial que passou a ser
denominada "jane yvy, nossa terra". Esse termo só existe enquanto conceito
genérico acoplado à um “nós”, Waiãpi. Não faria sentido atribuir aos grupos locais,
concebidos na forma de um conjunto de relações acumuladas numa história de
relações interpessoais, uma base territorial. Não se diz “Mariry wan yvy”, “Wiririry
wan yvy”. Só há terra se há “Waiãpi”.
“Antes, não sabíamos que existiam limites para a terra, só sabíamos que tudo era
floresta... Agora, demarcamos nossa terra, porque é só o que sobra dos lugares
ocupados pelos antigos. Os nossos netos precisam defender esta terra para
continuar vivendo como waiãpi” (Kumai, chefe da aldeia Aramirã, março 1996).
A expectativa que os Waiãpi tem hoje, de verem seus "limites" respeitados, não se
relaciona apenas a conceitos fundiários de cunho jurídico, mas expressa profundas
conexões entre esta sociedade e seus ambientes, conforme uma estrutura social
que regula o uso coletivo da terra e revela instituições políticas locais que
proporcionam a gestão direta dos recursos.
O respeito à essa demanda dos Waiãpi exige reconhecermos que suas aspirações
não se limitam à preservação de florestas, mas à criação de um espaço de
relações sociais e políticas mais equilibradas com seu entorno. O espaço social,
muito mais que o natural, é quem define a qualidade de vida diferenciada que os
Waiãpi, como outras sociedades indígenas, reivindicam.
Referências bibliográficas
textowaiapi.rtf - 14.05.2000