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AULAS ESPECIAIS
PORTUGUÊS
OBRAS DA FUVEST

MAYOMBE
Nesse mesmo ano, Pepetela firmou-se em Luanda,
integrando a primeira delegação do MPLA, assumindo o
cargo de vice-ministro da educação, passando, também,
a dar aulas na Faculdade de Arquitetura de Luanda e
desenvolvendo sua carreira literária, que ganhou
notoriedade após a independência de seu país.
Pepetela recebeu vários prêmios e homenagens pelo
conjunto de sua obra, como o Prêmio Camões (Portugal),
em 1997; Rosália de Castro do Centro PEN Galiza
(Espanha), em 2014, ano em que foi consagrado
Personalidade do Ano na categoria escritor pelo
semanário Angolense.

MAYOMBE

A obra de Pepetela volta-se principalmente para a


experiência pós-colonial angolana, as consequências da
PEPETELA – BIOGRAFIA colonização portuguesa e as inter-relações entre a cultura
e a realidade política e econômica de Angola, propondo-
Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, se a criar e recriar mitos, solidificando a identidade
conhecido pelo pseudônimo de Pepetela (apelido angolana.
atribuído a ele na frente de guerrilha e que significa Em Mayombe, escrito na década de 1970, mas só
pestana, em Umbundo), nasceu em Benguela (Angola) publicado em 1980, Pepetela narra as aventuras de
em 29 de outubro de 1941. guerrilheiros, no interior da floresta localizada em
O escritor fez a liceu em Lubango, ocasião em que, Cabinda, em busca da construção de um país livre do
influenciado por um padre esquerdista, tomou ciência da colonialismo português, entrecruzando passado e
revolução pela qual Angola passava. Em 1960, ingressou presente por meio de uma diversidade de vozes
no Instituto Superior Técnico em Portugal para estudar narrativas (polifonia), que manifestam as influências do
engenharia, transferindo-se, logo depois, para o curso de multiculturalismo de Angola.
Letras. A floresta Mayombe tem papel especial na narrativa,
Pepetela tornou-se um militante do MPLA sendo ela uma personagem que colabora nas atitudes dos
(Movimento Popular para a Libertação da Angola) em guerrilheiros isolados em relação a Luanda, sendo
1963, licenciando-se em sociologia e partindo para a metaforicamente o útero de um povo que tentava
Argélia, onde se empenhou em propagandear a ideologia renascer após a colonização portuguesa, gestando um
do MPLA no exterior, ocasião em que escreveu o novo homem para Angola.
romance, Muana Puó, publicado apenas em 1978. Ao longo da narrativa de Mayombe, o leitor é
Em 1969, o escritor foi chamado a participar na luta conduzido a uma viagem pela história do país, entrando
pela libertação de Angola e, em Cabinda, foi guerrilheiro em contato com medos e angústias das personagens,
e responsável pelo setor de educação. Três anos depois, mimeses do povo angolano, que viu na independência de
foi transferido para a Frente Leste de Angola, onde ficou Portugal a possibilidade da abolição das diferenças
até o acordo de paz com o governo português, em 1974. étnicas e de se construir uma pátria para os angolanos.
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No entanto, os problemas como a disputa pelo poder e o eles, no departamento de informações e


tribalismo conduziram a população para uma realidade continuei. Saiu um livro sem saber quem era o
diferente da desejada pelo movimento de libertação. personagem Sem Medo (Entrevista publicada
No romance, a memória do povo é recriada no plano na Revista Ponto e Vírgula, n. 40, nov.-dez.
artístico em que a habilidade do autor desliza pelas 2000. Publicação da Secretaria Municipal de
diversas vozes do presente e do passado, denunciando a Cultura de Porto Alegre).
força colonialista, a necessidade da ruptura com o
sistema português e a concretização da estrutura social,
política, econômica e cultural do novo país.
Nesse relógio histórico que o romance Mayombe
apresenta, o cenário de fome, corrupção e massacre
ganha voz de denúncia por meio dos personagens que,
nomeados por palavras que simbolizam a guerra,
representam o povo angolano.
Nas narrativas em 1ª pessoa, as personagens refletem
sobre os acontecimentos vividos por elas e suas
motivações pessoais para lutarem pela independência, ao
lado dos demais guerrilheiros.
Sem Medo, comandante do grupo, e o Comissário
Político são as personagens centrais do romance,
estabelecendo-se entre eles uma relação semelhante a de
pai e filho; Teoria, professor de Base, vive o conflito de
ser mestiço, um “talvez” como ele mesmo diz; Muatânia
também reflete sobre a mistura de raças e sobre o
tribalismo, considerando-se membro de apenas uma tribo
que servia a nova Angola; Milagre relata suas
experiências com a crueldade do sistema colonial em
seus momentos mais intensos; Mundo Novo é o
intelectual ortodoxo que segue a teoria marxista como
doutrina; Lutamos, o ingênuo do grupo, não
ambicionava o poder e considerava o estudo
desnecessário; Ekuikui era o caçador intimidado com os
ataques dos obuses; Ingratidão do Tuga, guerrilheiro
Kimbundu, desestabiliza o grupo por causa de um roubo;
Vewê, vaidoso e seduzido pelo nepotismo, era um SÍNTESE DE MAYOMBE
guerrilheiro promissor.
De acordo com o próprio Pepetela: A MISSÃO

Mayombe é um livro que foi feito sem projeto. Teoria, o professor, mestiço, ao atravessar o Rio
Esse livro apareceu dum comunicado de guerra. Lombe escorrega numa pedra, ferindo o joelho. Sem
Nós fizemos uma operação militar e eu era o Medo sugere-lhe que se recupere enquanto os demais
responsável por mandar informações, redigir o seguiriam na operação programada, mas Teoria deseja
comunicado, como tinha passado a operação e seguir com o grupo para não o desfalcar.
enviar depois para o nosso departamento de Lutamos revela ao Comandante que Verdade
informação, que veiculava no rádio, no jornal. pretendia fuzilar os trabalhadores que estavam na
Eu escrevi aquela operação com que o livro extração da madeira e o Comissário determina que
começa e que é real. Acabei de escrever o nenhum homem do povo seja morto.
comunicado, uma coisa objetiva, assim fria. E O grupo segue pela floresta e, ao avistarem dois
não foi nada disso que se passou. E continuei o grupos de trabalhadores, preparam uma emboscada,
comunicado, tirei a primeira parte e mandei pra capturando-os, mas deixando fugir o português com o

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caminhão. No dia seguinte, os pertences dos trabalha- ONDINA


dores são devolvidos, porém falta uma nota de cem es-
cudos (dinheiro português na época) do mecânico. Todos A falta de comida e as discussões frequentes
são revistados e Ingratidão do Tuga deixa o dinheiro cair. inflamavam as brigas tribalistas que eram contornadas
Os guerrilheiros recomeçam a caminhada. Milagre pelo Comissário com cautela, a contragosto de Mundo
achava que o Comandante protegia os homens, os quais Novo que defendia ações mais severas do Comando.
pertenciam a tribos próximas a dele, desmerecendo os O Chefe de Operações retorna com a notícia de que
demais, acreditando que o Comissário estava ao lado do André havia fugido, pois fora pego no mato com Ondina,
Comandante contra o Chefe de Operações. a qual mandou uma carta para seu noivo, o Comissário,
O Chefe de Operações planeja uma nova emboscada dizendo que partiria de Dolisie. Acirra-se a questão
e alguns guerrilheiros, que estavam de vigia, são tribalista, uma vez que André era Kikongo e o
acordados por Sem Medo estimulando-os ao combate. Comissário, Kimbundo. São chamados à cidade o
Enquanto aguardavam a aproximação dos soldados e o Comissário e o Comandante.
momento de atacar, o Comandante recordava-se de Leli Sem Medo conta sua história ao Comissário: Ele
e de ele tê-la deixado por orgulho. vivia com Leli, mas, um dia, ela lhe disse que estava
O exército finalmente aparece e o combate se inicia, apaixonada por outro homem e ele compreendeu,
fazendo muitas vítimas entre os inimigos. No entanto, deixando-a partir. Quando Leli se fartou do novo amor,
Sem Medo ordena a retirada, pois não seria possível ela procurou Sem Medo, que, agora acostumando à vida
enfrentarem todos os adversários. Retornando o grupo de solteiro e envolvendo-se com diversas mulheres,
todo à Base, Ingratidão do Tuga é julgado e condenado ficara com Leli por apenas dois meses. Leli seguiu Sem
por todos os membros, sendo-lhe a punição o Medo e, no Congo, ela foi capturada por uma
fuzilamento, mas sua pena é convertida em seis meses de organização e morta por ser mestiça, peso que o
prisão, alteração que causa descontentamento de alguns Comandante carregará por toda sua vida.
membros. O Comissário conversa com Ondina e ela insiste em
partir, o que o faz agarrá-la e relacionar-se sexualmente
A BASE de uma maneira mais agressiva, satisfazendo-a, mas não
o suficiente para ela permanecer em Dolisie.
Chegam à Base oito novos integrantes, sendo um André é enviado a Brazaville para ser julgado. Para
deles Vewê, parente do Comandante, muito jovem e ele, os Kibundos teriam preparado uma armadilha para
tímido. Sem Medo reclama por não terem mandado tirá-lo do poder com o apoio de Sem Medo. Um antigo
comida e o Comandante recusa-se a ir a Dolisie pedir ao militante do MPLA informa a Sem Medo que os
primo André, por não ter um bom relacionamento com portugueses colonialistas (Tugas) se estabeleceram em
ele. É escolhido o Comissário para resolver o problema Pau-Caído, situação preocupante para a guerrilha.
de falta de comida. Sem Medo e Ondina conversam sobre a revolução,
Em Dolisie, o Comissário encontra Ondina, sua casamento, traição, sexo, beijam-se e relacionam-se
noiva, e, logo depois, encontra-se com André, que lhe sexualmente. Ele sugere a Ondina voltar para o
oferece dinheiro, cerveja e almoço, o que revolta o Comissário, mas ela se recusa, dizendo que Sem Medo
Comissário porque ele sabia que essas mordomias seriam seria o homem ideal para ela. A conversa é interrompida
pagas com o dinheiro do movimento. com os gritos de que a Base havia sido atacada.
O Comissário volta à Base com algum mantimento. Trinta homens cruzam a selva do Mayombe e
Sem Medo pergunta por Ondina e percebe que há algum encontram-se com o Chefe de Operações que suspeita da
problema de ordem sexual no relacionamento entre eles traição de Lutamos. Já nas proximidades da Base, eles
e que ele só descobriria o caso deitando-se com ela, mas decidem aguardar o amanhecer para atacar. O grupo se
Ondina não lhe interessava. divide para avançarem pelo rio e pela montanha
Sem Medo e o Comissário conversam e divergem simultaneamente. Sem Medo e Mundo Novo encontram
mais uma vez, mas decidem que uma nova operação era um mestiço banhando-se no rio e, ao se aproximarem
necessária, pois se o povo de Cabinda aderisse ao para o apunhalarem, reconhecem ser Teoria que negou
movimento, o tribalismo se esgotaria, porém, para isso, ter havido um ataque à Base.
era necessário o mantimento que o Chefe de Operações O Comissário esclareceu que uma surucucu
buscaria com André em Dolisie. preparava o bote para atacar Teoria, mas ele atirou na

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cobra e o estampido fez Vewê sair em busca de ajuda EPÍLOGO


acreditando ser um ataque. No entanto, havia uma
emergência real: atacar Pau-Caído. O Narrador Sou Eu, O Comissário Político.

A AMOREIRA A morte de Sem Medo constituiu para mim a


mudança de pele dos vinte e cinco anos, a metamorfose.
Enquanto o Comissário chefiava a operação de Pau- Dolorosa, como toda metamorfose. Só me apercebi do
Caído, Sem Medo retornava a Dolisie de onde Mundo que perdera (talvez o meu reflexo dez anos projectado à
Novo seria nomeado chefe, escolha que teve apoio de frente), quando o inevitável se deu.
Sem Medo, mesmo ambos tendo pensamentos diver- Sem Medo resolveu o seu problema fundamental:
gentes. para se manter ele próprio, teria de ficar ali, no
Sem Medo e Ondina se relacionam novamente: ela Mayombe. Terá nascido demasiado cedo ou demasiado
desejando viver com o Comandante no Leste e ele tarde? Em todo o caso, fora do seu tempo, como
sugerindo que ela reatasse com o Comissário. No retorno qualquer herói de tragédia.
à Base, Sem Medo é recebido friamente pelo Comissário, Eu evoluo e construo uma nova pele. Há os que
e sugere-lhe que tome a frente no ataque a Pau-Caído precisam de escrever para despir a pele que lhes não
para ganhar experiência. cabe já. Outros mudam de país. Outros de amante.
De madrugada, eles se dividem em grupos: um Outros de nome ou de penteado. Eu perdi o amigo.
liderado pelo Chefe de Operações e outro, pelo Do coração do Bié, a mil quilómetros do Mayombe,
Comissário. O acampamento dos Tugas é alvejado pelos depois de uma marcha de um mês, rodeado de amigos novos,
morteiros e tiros de bazuca. Os soldados que fugiram onde vim ocupar o lugar que ele não ocupou, contemplo o
pelo outro lado, encontram o grupo do Comissário que, passado e o futuro. E vejo quão irrisória é a existência do
para mostrar bravura, adianta-se. Lutamos segue na indivíduo. É, no entanto, ela que marca o avanço no tempo.
mesma direção do Comissário e é atingido por um tiro na Penso, como ele, que a fronteira entre a verdade e a
cabeça. Sem Medo, vendo a imprudência do Comissário, mentira é um caminho no deserto. Os homens dividem-se
ordena ao grupo que avance e é atingido por tiros em seu dos dois lados da fronteira. Quantos há que sabem onde
ventre. se encontra esse caminho de areia no meio da areia?
Enquanto os guerrilheiros atacam os soldados, o Existem, no entanto, e eu sou um deles.
Comissário auxilia Sem Medo, que o aconselha a voltar Sem Medo também o sabia. Mas insistia em que era
com Ondina e continuar com sua doutrina. A amoreira um caminho no deserto. Por isso se ria dos que diziam
gigante começa a soltar de flores brancas sobre o corpo que era um trilho cortando, nítido, o verde do Mayombe.
de Sem Medo. O Comissário ordena cavarem um túmulo Hoje sei que não há trilhos amarelos no meio do verde.
para Sem Medo e Lutamos, um kikongo e um cabinde, Tal é o destino de Ogun, o Prometeu africano.
que morreram pelo Comissário, que era um kimbundo. DOLISIE, 1971

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Exercícios
1. A polifonia conceituada por Mikhail Bakhtin d) Mundo Novo adapta a teoria marxista, vinculan-
consiste em um texto em que são percebidas diversas do-a às realidades de Angola.
vozes e consciências distintas. Em Mayombe de e) Comissário condiciona seu comportamento na
Pepetela, guerrilha ao de Milagre, sendo um o complemen-
I) as vozes de diversos narradores revelam pro- to do outro nas ações em combate.
blemas como o racismo e o tribalismo entre os
membros do grupo. 3. Em Mayombe, Pepetela registra sua experiência na
II) a polifonia permite reconhecer as contradições, guerra de Angola, procurando o autor desenvolver
ideologias, dúvidas e medos das personagens. perspectivas como
III) destaca-se a polifonia na fala da personagem a) Caracterizar o comportamento dos guerrilheiros
Ondina que manifesta a visão feminina da pelo afastamento das exigências da revolução e
guerrilha. pelas atitudes inescrupulosas e interesseiras,
como ocorre com a personagem Sem Medo.
Sobre as informações anteriores, pode-se afirmar que b) Denunciar o MPLA, revelando seu caráter
a) I e II corretas, apenas. colonialista, o que era defendido pela maioria
b) II e III corretas, apenas. dos angolanos, assim como também pelo
c) I e III corretas, apenas. personagem Comissário.
d) Todas corretas. c) Revelar a situação política de Angola em opo-
e) Todas incorretas. sição às tendências conservadoras e igualitárias
dos colonizadores portugueses, que procuravam
2. Sobre as personagens de Mayombe é correto afirmar liderar as guerrilhas.
que d) Criar poeticamente a floresta de Mayombe como
a) Ondina representa a força feminina dominadora um ambiente em que a vegetação ganha traços
dos instintos masculinos. humanos, promovendo-se o processo de
b) Teoria analisa a questão da mestiçagem e zoomorfização do ambiente.
considera-se um “talvez”. e) Tratar do conflito armado durante meados de
c) Sem Medo age guiado pela própria consciência, 1960 e o início da década seguinte, opondo o
como um conciliador que busca a unidade do poder colonial e os movimentos de libertação
grupo. nacionalista.

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GABARITO
PORTUGUÊS
OBRAS DA FUVEST

MAYOMBE
1) A personagem Ondina não manifesta a voz
feminina na guerra em Angola.
Resposta: A

2) O Comissário tem seu comportamento associado


ao da personagem Sem Medo.
Resposta: E

3) Pepetela buscou registrar em Mayombe suas


experiências durante a guerra em Angola em que
se opunham os ideais dos colonizadores ao grupo
nacionalista que buscava a definitiva libertação
de Angola do domínio português.
Resposta: E

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