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10/04/2018 Pobre do pobre de direita

Pobre do pobre de direita


A conceituação do pobre de direita é a própria
aberração engendrada nos meios de comunicação
– que se não idiotizam – ao menos alienam.
Domesticados para atacar, muitas vezes têm as
suas correntes presas às mãos dos patrões ou a
um pensamento ideológico atrofiado.

Mailson Ramos*

Dos mesmos autores de ‘Bolsa Família é esmola’, ‘política de


cotas é privilégio para os negros’ e ‘pobre em aeroporto é um absurdo’,
vem aí o novo ideário da direita brasileira: o pobre que não gosta de
pobre. No espectro político, ele está no penúltimo degrau da escada
social, submetido aos trabalhos pesados, mas vive ainda dos
usufrutos do estado de bem estar social, promovido pelos últimos
governos.

O pobre de direita é contra as cotas raciais nas universidades públicas.


Subentende que pobre e negro deve pagar os seus estudos, pois, ao
aderir a uma política de concessão do estado, estaria contribuindo
com a discriminação. Ele, pobre e negro, não consegue compreender
a condição de excluído da sociedade, a histórica subserviência da
classe, a escravidão dos seus antepassados que durou 300 anos e foi
a última a acabar no mundo.

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10/04/2018 Pobre do pobre de direita

O pobre de direita não compreende o que é política de direita ou


de esquerda. Conceituado assim porque adere a pensamentos
conservadores e neoliberais (que ele também não compreende), este
cidadão absorve das premissas do contexto político um lugar que é
seu por osmose. Muitas vezes submete-se a um contexto familiar, a
uma conjuntura no espaço de trabalho, a qualquer motivo que não
seja a capacidade ideológica, racional e consciente de decidir e de
militar.

O pobre de direita é contrário às políticas sociais. Possivelmente


passou fome ou viu alguns dos seus passar; ou atravessou um mar de
necessidade, nos tempos em que o governo estendia a mão e junto o
cabresto. Viu crianças morrerem desnutridas e outras nascerem
mortas. Viu o suplício do nordestino com a seca e a morte dos seus
rebanhos. Viu o retirante partir para as grandes cidades, molambento,
para se humilhar nas portas das fábricas.

‘Bolsa Família é esmola’ virou mantra fundamental. Para além das


ideias conservadoras, era mais importante congelar investimentos em
Saúde e Educação durante 20 anos, do que reajustar um auxílio
social. Era preciso cortar. Porque pobre tem que trabalhar. Pobre tem
que morrer trabalhando. Sem direito a aposentadoria e sem o direito a
um trabalho digno. Isso é conversa de comunista.

O pobre de direita é o perdigueiro da classe média, que é o


perdigueiro da elite. Atiçados para aderir a uma ideia que no fundo só
os prejudicará, seguem os roteiros da matilha do neoliberalismo, do
estado mínimo, da ruptura democrática. Não são teleguiados
totalmente, mas se submetem a discursos e notícias falsas que
vicejam nas redes sociais. Ele é a representação do telespectador
modelo concebido pelo William Bonner: um Homer Simpson.

Ao pobre de direita não interessa saber o que é presunção de


inocência porque isso pode beneficiar aquele a quem considera um
adversário político. Mas se indigna quando a polícia invade a sua
casa; quando revista a mochila dos seus filhos a caminho da escola;
quando as forças do estado revistam os seus bolsos e, não
encontrando nada, atiram os seus documentos no chão. Para se
agachar. Para se sentir um trapo humano.

O pobre de direita tem uma ética caolha que não o permite enxergar a
corrosão do sistema político por inteiro. Que a corrupção é
sistemática, muitas vezes representada socialmente pelo que
chamamos de ‘o jeitinho brasileiro’. Furar fila, fraudar testes para obter
a CNH, fraudar institutos para receber diplomas e certificados,
adulterar, corromper, subornar, ludibriar.

Leia aqui todos os textos de Mailson Ramos

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10/04/2018 Pobre do pobre de direita

O Brasil é o único país do mundo onde prostituta se apaixona, cafetão


sente ciúmes, traficante se vicia e pobre é de direita. Atribui-se esta
frase a Tim Maia, cantor e compositor morto em 1998. O fato é que
este FLAxFLU entre direita e esquerda não vai acabar enquanto
pobres (classe trabalhadora) divergirem entre si. Porque a elite
brasileira não diverge. Quando quer destituir um governo, por
exemplo, mídia, políticos e mercado aderem a um só discurso.

E conseguem sempre angariar adeptos aos seus interesses. Pobre de


direita é barata fazendo propaganda para inseticida. Porque o
genocídio da população negra e pobre continua. Continuam – agora
mais do que nunca – os negros impossibilitados de entrar na
universidade. Voltam as crianças nordestinas a pedir esmolas nas
estradas. Que rumos são esses?

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