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ALVES, Roberta. Tese Final de Graduação PDF
ALVES, Roberta. Tese Final de Graduação PDF
Faculdade de Ciências
Campus de Bauru
ESCOLAR
BAURU
2007
2
Faculdade de Ciências
Campus de Bauru
ESCOLAR
BAURU
3
2007
Agradecimentos
Agradeço ao meu irmão, João Gilberto e ao meu pai, Roberto, por sempre me
reportarem ao real valor da família em nosso cotidiano.
5
6
Dedicatória
Dedico este trabalho a todos aqueles que acreditam em uma educação
de qualidade, sem distinção de nenhuma natureza, a fim de
construirmos, desta maneira, uma nação mais humana e solidária.
7
Banca Examinadora
_______________________________
Clodoaldo Meneguello Cardoso
_______________________
Edílson Marques da Silva
_______________________________
Vera Lúcia Messias Fialho Capellini
___/___/___
9
RESUMO
Sumário
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1 O NEGRO NO BRASIL 13
1. 1. A Construção da Idéia de Inferioridade .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
13
1. 2. Da Abolição a Exclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
19
1. 3. A Resistência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
24
2 O NEGRO NO CONTEXTO EDUCATIVO 27
2. 1. O Aluno Negro e o Sistema Educacional Brasileiro . . . . . . . . . . .
27
2. 2. A Abordagem de Temas Raciais em Sala de Aula: Um Currículo
30
Discriminatório. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2. 2.1. Teoria do Déficit . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
45
4 REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA 49
4. 1. O Professor e as Mudanças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
49
4. 2. Três Experiências Didáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
52
4. 2. 1. Auto-retrato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4. 2. 2. O desenho do outro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
4. 2. 3. E que fim levou o Patinho Feio? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
56
CONSIDERAÇÕES FINAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
APÊNDICE
ANEXO
11
Introdução
São Paulo: educando pela diferença para igualdade, como um dos programas
governamentais criados para respaldar a prática pedagógica do professor em sala
de aula.
1 O NEGRO NO BRASIL
1
A opção pelo termo “vinda” entre aspas expressa uma reflexão acerca da real situação do negro
durante o período de tráfico e exploração da mão-de-obra escrava: vieram (por si) ou foram trazidos
(a contra gosto)? (grifos meus)
15
uma unidade de espécie. Segundo Santos (2002. p. 31), Voltaire “prefere atribuir as
variações à diferença de origem de cada ‘tipo’ humano”.
Assim ganha espaço nas ciências iluministas o estudo das raças ou
racialismo. Buffon foi o primeiro a utilizar o termo raça, mas este fora apenas
disseminado no século XIX. O uso da terminologia “raça”, extraído da zoologia,
determinou tal classificação hierarquizada, com explicações diversas para justificar
tal escala de valores. Voltaire, que acreditava em uma diversidade na origem dos
homens, alegava que inferioridade do negro se devia a sua espécie originária.
Buffon justificava a inferioridade do negro africano por meio das relações climáticas
nas quais estes povos se encontravam, pois
O que caracterizava o seu Ensaio era a divisão que fazia da raça branca.
Esta, segundo Gobineau, tinha três sub-grupos: os arianos, que são os
verdadeiros brancos e criadores da civilização; os albinos de origem
mongólica; e os mediterrâneos, de origem africana. Sustentava que se o
poder permanecesse nas mãos dos albinos e mediterrâneos, a
humanidade voltaria à barbárie. Gobineau desejava provar com o seu
Ensaio que a nobreza européia era ariana, descendente dos nórdicos. Ele
via diferenças qualitativas entre os brancos, que justificavam o domínio da
nobreza ariana sobre os demais brancos, que ele julgava pertencerem a
setores inferiores. Portanto, racismo de classe, que justifica a posição de
privilégio de uns sobre outros. (SANT’ANA, 2005, p.47)
Este autor frisava em seus estudos, segundo Santos (2002, p. 53), que “o
sangue negro deteriora o branco. O negro seria marcado pela imaginação,
sensibilidade e o branco, pela inteligência, praticidade, ética e moral”.
16
A definição do homem que servirá e do homem a ser servido faz com que
se recorra a uma diferenciação natural entre eles, (...) a desigualdade
social é apenas uma decorrência de uma desigualdade que se iniciou no
âmbito físico; cabe à sociedade usufruir dessa desigualdade em proveito
próprio (SANTOS, 2002, p. 42).
E de que valeria dar aos negros direitos, os quais não saberiam usar? É
preciso mudar lentamente a sociedade, escravos e feitores, para que se
possa exercer adequadamente deveres e direitos. Não é a liberdade que
pode transformar o escravo em cidadão útil. Se os anos de cativeiro, junto
aos senhores preocupados em transmitir aos seus escravos noções
morais, não foram capazes de transformá-los, se nem os castigos
corporais puderam fazê-lo por que o poderia a liberdade? (SANTOS, 2002.
p. 97-98)
Logo, o que se viu, com a abolição da escravatura, foi uma visita ao período
iluminista, mais precisamente as suas teorias, as quais demarcariam e
classificariam os capazes e os incapazes, de acordo com as características físicas.
De fato uma estratégia para construção e conseqüente manutenção de uma
hierarquia calcada na inferiorização e marginalização do outro.
1. 2 Da Abolição à Exclusão
A lei Rio branco extinguia, “por morte lenta” a escravidão, sem trazer
súbita desorganização do trabalho agrícola; mas os abolicionistas
ansiavam pela extinção pronta e total do cativeiro e continuavam a
generosa campanha. (SILVA, 1958, p.52).
Para o mundo, esta era a imagem que se passava à cerca das relações
étnico-raciais do povo brasileiro, com a total ausência de contendas. Desde a
escravidão, não se aceitou a fala sobre discriminação e preconceito de “cor” em
território nacional. O grande argumento dos senhores de engenho para justificarem
o uso da mão-de-obra escravo, a princípio a do ameríndio, logo a do africano, era
22
Este conceito é então utilizado como pretexto pelo estado brasileiro. Santos
(2002, p.129) revela essa situação:
1. 3 A Resistência
Sem teto, sem terra, sem família constituída, saíram a esmo, em busca de
alguma forma de sustentabilidade. Desse movimento, de diáspora das senzalas,
surge aquela que, para a grande maioria dos não-brancos, ainda é a única forma
de sobrevivência: a favela. Goulart (2002, p.20) evidencia que, mesmo sendo
agricultores na África ou no Brasil foram “enxotados para as cidades, sem lar e sem
profissão”.
Em pouco tempo, o que era questão de cor, tomou proporções exacerbadas
diante dos estudos científicos. Para não degenerar a hegemonia não se contrataria
a mão-de-obra dos ex-escravos, tirando destes a oportunidade de serem
assalariados, com poder de consumo. Logo os portos estavam abarrotados de
imigrantes, os quais tinham papel fundamental naquele início de século: tornar o
Brasil um país embranquecido e, conseqüentemente, desenvolvido, segundo as
teorias eugenistas. A regra a era explícita e não contribuía em nada com a
cidadania dos negros, já que:
Não se tem data precisa de quando o povo negro pôde se assentar nos
bancos escolares de nosso país, em caráter oficial, já que isto, mesmo antes da
abolição, era prática não regulamentada de alguns senhores de engenho, que
permitiam o estudo das crianças negras nas escolas de suas propriedades.
No entanto, acesso e permanência são questões que ainda fazem diferença
quanto à etnia do estudante. Dados do site Políticas de Cor apontam que
Não é nada fácil para uma criança negra ver sua identidade se esvair diante
das terríveis afirmações que surgem nas aulas de história com relação ao advento
de seu povo. O trabalho dos negros no Brasil não é visto como um ato de terror, no
qual, seres humanos são conduzidos criminosamente ao trabalho escravo.
que lhe é de direito, afinal “uma criança negra faz parte da cultura negra. Às vezes
o pertencer de uns é menos envolvente que o de outros, mas todos fazem parte
dessa cultura”. (CAVALLEIRO, 2001, p.174)
Esta obstinação dos negros, pouco citada nos portadores de textos didáticos
existiu, ainda existe. A luta dos povos que, mesmo diante de tamanha diversidade
topográfica (vinham de diversas localidades do continente africano), eram
encarados simplesmente como escravos, encontrou resistência numa figura que
mesmo depois de mais de três séculos de sua morte muitos estabelecimentos de
ensino ainda se recusam a tratar de sua figura. Zumbi dos Palmares, ícone da
resistência dos negros no Brasil traz em si uma esperança de ruptura na imagem
inerte e covarde que lhes fora atribuída.
Desse modo, se configura a falta de referência e conseqüentemente, um
processo de exclusão que se reflete em vários seguimentos sociais. Ser negro
passa a ser razão para o fracasso escolar. Logo, o autoconceito e a auto-estima do
aluno podem vir a reproduzir o que lhe é imposto por vias externas, pois
(...) o que somos é determinado também pela realidade exterior, por aquilo
ou aqueles que nos cercam. Quando adultos sabemos dimensionar
nossos valores e patrimônios tendo idéia de nossa contribuição. Quando
crianças, a realidade exterior nos é muito importante. É de fora que
transportamos essa realidade para dentro de nós. A “autenticidade” de
nossa personalidade é controlada pelo externo (CAVALLEIRO, 2001,
p.173).
O forte apelo ao estereótipo tido como preceito faz com que o aluno negro
tenha uma visão disforme de si, tornando-se empecilho para o estabelecimento de
relações sociais na instituição escolar. Silva (1998) traz em seu livro um retrato
dessa realidade. Por meio de um relato ficam claros os sentimentos de angústia e
consternação, aos quais se submetem as crianças negras, diante da pressão de
serem “diferentes”.
2. 2. 1 Teoria do déficit
2
Relatório intitulado Equality of Educational Opportunity, que ficou conhecido como “Coleman
Report” era, genericamente, o estudo que visava avaliar aspectos equitativos do sistema de ensino
32
(...) as famílias das crianças negras tinham renda mais baixa do que a dos
brancos e isso era apresentado como indicador de diferença na sua
capacidade de aproveitar, na mesma intensidade, a educação escolar.
Diante de tais indicadores não seria mais possível culpar o educando por
seu fracasso. Não seria, mas foi. A partir da década de 70 a teoria encontrou um
fértil terreno para se fixar no sistema educacional brasileiro.
Este sistema, classificado por Paixão (2006, p. 22) como “pouco atraente”
aos afrodescendentes faz com que o abismo racial seja estendido em proporções
críticas. Paixão continua seus grifos acerca do documento destacando que
Mas, frente a tal situação, qual a melhor opção para a tomada de decisão em
se tratando de uma realidade historicamente construída e que tem sido protelada a
cada dia letivo em nossas escolas?
Assim como no Brasil, as ações afirmativas não foram dadas pela elite
branca dos Estados Unidos; pelo contrário, elas foram conquistadas pelo
movimento negro daquele país, após décadas de lutas pelos direitos civis.
regime militar, a partir dos anos 70. Segundo Neves (2006), “o movimento negro
passa a reivindicar uma identidade negra pautada na origem comum dos
descendentes dos escravos”.
Da clandestinidade à organização social, a mobilização dos negros, a
princípio, se alicerçou no conceito de resistência e luta dos ancestrais do período
colonial, trazendo destes a conjuntura histórica para a compreensão da situação
contemporânea. Logo, numa perspectiva de visitar o passado em busca de
melhorias para o futuro, os ativistas se puseram a enfrentar a opressão pela
superação das desigualdades.
O grande desafio do movimento era ser uno (NEVES, 2006), já que o país,
de proporções continentais, nem sempre permitia a comunicação, bem como o
contato direto entre as organizações que se formavam. No sul do Brasil existia o
movimento Palmares, o qual propôs o dia 20 de novembro como “Dia nacional da
Consciência Negra”. Também cobrou-se unidade das organizações situadas no
estado paulista considerado, por muitos, segregado. Também havia grupos no Rio
de Janeiro, no Instituto de Pesquisas de Cultura Negra (IPCN) e a Sociedade de
Estudo de Cultura Negra no Brasil (SECNEB), A Sociedade de Intercâmbio Brasil
África (SINBA), o Grupo de Estudos André Rebouças, entre outros. Na Bahia o
Núcleo Cultural Afro-Brasileiro, o Grupo de Teatro Palmares etc. (NEVES, 2006)
A união dos grupos fortaleceria o movimento. Depois de alguns dos grupos
supracitados e outros se reunirem foi fundado, em 18 de junho de 1978, o
Movimento Unificado contra a Discriminação Racial (MUCDR). Este foi renomeado
no dia 23 de julho como Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial
(MNUCDR). (NEVES, 2006)
hoje. Com essa característica autônoma, o MNU tem obtido uma série de
conquistas no campo da educação e, conseqüentemente no combate as
disparidades existentes nas relações inter-raciais de nossa sociedade. (NEVES,
2006)
3
Ver anexo A, p. 68.
40
(...) parte dos debates sobre a questão racial, desde o início dos anos
1980, foi materializada nos PCNs – Pluralidade Cultural. Creio ter sido
uma tentativa de evidenciar as diferenças culturais e raciais, integrando-as
ao currículo e atendendo às reivindicações do movimento negro.
4
A ausência de lugar dentro da família, de aceitação, de valorização, de reconhecimento, o mesmo
ocorrendo em outras relações sociais, leva ao não-pertencimento, à dificuldade de encontrar com
quem e com o que se identificar. Nessa trajetória, apresenta-se o e a reincidência. A droga como
meio de se inserir em um grupo e de lidar com o sofrimento, o crime como meio de conquistar a
afirmação e o pertencimento (TEJADAS, 2005).
43
A partir dessa fala, pode-se perceber que nossa história narrou a questão do
negro com o mínimo de rigor científico, mas com muito argumento ideológico de
manipulação, por não se admitir oficialmente as condições de desigualdade que o
permeiam, pois como afirma Ribeiro (2004, p. 7-8),
O Projeto São Paulo: educando pela diferença para a igualdade, como citado
no capítulo anterior, vem como meio de articulação das medidas sancionadas pela
lei 10.639/ 03, no Estado de São Paulo. A partir de estudos sistemáticos, docentes
da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo,
elaboraram um material voltado, principalmente, para a capacitação de docentes da
Rede Oficial de Ensino do Estado.
Tendo como idealizadores, responsáveis e coordenadores da proposta, a
Profª Dra. Anete Abramowicz, a Profª Dra. Lúcia Maria Assunção Barbosa e o Prof.
Dr. Valter Roberto Silvério, docentes da Universidade Federal de São Carlos, o
projeto buscou desvelar, a partir de situações cotidianas de classe, atitudes
discriminatórias e preconceituosas a partir da instrumentalização de professores,
de modo a retomar o repertório que os docentes possuem acerca do tema,
“sistematizando com outros que possam contribuir para um trabalho em sala de
aula contra a discriminação” (SÃO PAULO, 2005).
Composto de dois módulos – fascículo azul para o Ensino Fundamental e o
marrom para o Ensino Médio, os volumes tem em seu conteúdo um composto de
teoria e prática.
No aspecto teórico, busca identificar as principais dificuldades do professor
em conceituar e diferenciar termos como racismo, preconceito, discriminação,
segregação e xenofobia. Também traz textos que analisam livros didáticos e outros
materiais pedagógicos salientando os estereótipos que estes trazem ocultos. E,
através de uma coletânea de leis, se dispõe a fundamentar a ação do professor.
Quadro 1- Tabulação das respostas dos participantes da pesquisa encontrada no site do Projeto
São Paulo: educando pela diferença para a igualdade.
Sim. Ajuda a combater o preconceito. 53.51%
Sim. Mas acho que não muda nada. 4.63%
Não. Ajuda a aumentar o preconceito. 41.87%
Total: 2508 votos
A tarefa não é simples, mas também não tem caráter utópico, de forma que
os séculos de exploração e a dor pela qual passou milhares de africanos não serão
sanados por um projeto ou uma lei, mas é possível se reescrever uma nova
história, pautada nos esforços contínuos em se romper com conjuntura de
inferioridade e a conseqüente desigualdade construída nos decorrer dos quase
cinco séculos de chegada negro no Brasil.
49
4. 1 O Professor e as Mudanças
5
Os planos de aula, referentes às atividades descritas neste item, estão disponíveis no apêndice, p
64.
51
4. 2.1. Auto-retrato6
6
Ver produções em anexo B, p. 69.
53
7
griots: (palavra francesa, para aqueles chamados de dieli, em bambara, língua da África
Ocidental): narradores orais, músicos e/ ou cantores. Os griots não são os únicos tradicionalistas,
mas podem tornar-se, se for a sua vocação. (BRASIL, 2006, p. 219).
8
O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer
parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita para aprendizagens sociais
54
4. 2. 2. O desenho do outro9
Nesta etapa das ações, os alunos deixaram de se ilustrar para retratarem a
imagem do (a) colega.
A atividade foi muito rica, pois contou com uma comunidade de investigação
precedente, que destacou a partir da leitura do para-didático “Mirradinho”, situações
em que, às vezes, não valorizamos, ou mesmo respeitamos o outro como este
mereceria. As crianças citaram momentos em que, nas atividades de sala, nem
sempre sabem de tudo, uns lêem bem, outros escrevem, outros desenham.
Lembraram também que freqüentemente pedem ajuda aos colegas quando não
sabem alguma coisa e como, em outras vezes, se sentem aptos a ajudarem.
Tiramos a conclusão coletiva de que diversidade “é quando todo mundo é diferente
e completa aquilo que o outro não tem ou não sabe fazer”. Uma simples inferência,
mas carregada de sentido.
Munidos das folhas de sulfite, as crianças receberam uma consigna, com a
orientação de se sentarem com sua dupla (previamente sorteada) e desenhá-la
como faziam os pintores clássicos, antes do advento da fotografia. Foi visível a
retidão com que faziam suas obras, já que qualquer brincadeira jocosa com a figura
do outro poderia lhe render uma correspondência. Como subsídio para este
trabalho, foram mostrados alguns auto-retratos, tais como os de Vincent Van Gogh
e Tarsila do Amaral. As crianças também aprenderam, previamente, noções de
proporção do rosto, nariz, boca, olhos etc., pois a pintura seria apenas do rosto até
a altura dos ombros.
As crianças estavam ansiosas por saber como tinham sido representadas.
Na apresentação dos quadros foram feitas algumas questões diretivas aos
“artistas”: porque você valorizou a roupa e não o colega? Por que a opção pelo
cabelo loiro se a colega é morena? No caso das crianças negras essa situação
ocorreu inversamente. Uma aluna negra se recusava a ser retratada de cabelos
curtos (sua real imagem). Foi solicitado para que ela descrevesse então como ela
deveria ter sido representada. Pela sua descrição, em sua imaginação pairava a
imagem de uma densa cabeleira longa e preta. Neste caso não se poderia agir com
a repreensão, mas sim com o auto-reconhecimento e valorização da real imagem,
por esta ser única. Ao se olhar no espelho disponível para a atividade de auto-
retrato a aluna se deparou com alguém que ela nunca havia visto com um olhar
conhecedor de si e de sua importância. O colega não apenas a desenhou, como
também caprichou nos detalhes referentes ao seu sorriso, seu olhar, agora
compreendidos como únicos, por isso tão importantes. Mais notáveis ainda por
serem dela e de mais ninguém.
(...) é fundamental fazer com que o assunto não seja reduzido a estudos
esporádicos ou unidades didáticas isoladas. Quando se dedica, apenas,
corre-se o risco de considerá-la uma questão exótica a ser estudada, sem
relação com a realidade vivida. A questão racial pode ser um tema tratado
em todas as propostas de trabalho, projetos e unidades de estudo ao
longo do ano letivo. (BRASIL, 2006, p. 72).
10
Ver anexo D, p. 71.
57
não se sentisse discriminado nem por sua família adotiva, nem pelos demais
habitantes da floresta.
Um dos textos mais interessantes foi elaborado por uma aluna que viu na
diferença do cisne a oportunidade deste ser visto como tão bonito quanto os
demais porque ele era único. A idiossincrasia suscitada pela história dessa criança
levantou a hipótese de que, seres individuais compõem um coletivo, no caso dos
homens, a sociedade. E é neste contexto que construímos nossa identidade.
58
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O negro no Brasil teve sua imagem, bem como sua aceitação marcada por
uma forte ideologia inferiorizante, a qual, baseada em estudos falaciosos,
desenvolvidos no chamado “Século das Luzes”, corroboraria ainda mais a questão
da discriminação racial no país.
Estes estudos seriam a justificativa ideal para a exploração do trabalho
escravo que, tinha por função, segundo estudos da época, humanizar o africano. A
religião também teve seu papel nesta conjuntura, ao afirmar por meio de sua
liturgia a virtude do branco, do claro, do alvo em detrimento dos vícios ditados pelo
preto e suas desinências.
O que era uma simbologia transpôs-se em realidade, considerando o negro
como degeneração da espécie humana. Destacam-se então, os elementos
fenotípicos desse grupo, como forma de segregação ampliando entre os
afrodescendentes, a desigualdade social.
Em contrapartida, os movimentos de resistência traziam em si, a esperança
por uma liberdade significativa, já que a abolição não contemplou os direitos dos
“livres”, negando-lhes uma aposentadoria, indenização ou ainda, uma reforma
agrária. Entraria em ação, no sentido de evitar contendas entre os libertos, a
conjectura da democracia racial, que avaliaria as relações raciais no Brasil como
saudáveis, e abertas à miscigenação da população.
Com vistas a contemporizar a emancipação dos negros, a democracia racial
se aliaria a outro conceito, o de eugenia, que assegurava aos negros, total
impotência intelectual e cognitiva, sem a mistura de raças.
Mesmo atuando em caráter de políticas públicas, a eugenia e a democracia
racial não romperam com a obstinação dos negros, que passaram a se organizar,
ao inferirem que não havia solução mais diplomática e eficiente que não fosse por
vias da educação formal.
Neste sentido, formou-se um movimento negro legitimado pelo denso
arcabouço teórico que conseguiu fomentar no decorrer de seus anos de
experiência.
Com visibilidade, o Movimento Negro Unificado teve participação efetiva na
elaboração de diversos projetos de lei. Dentre eles, a lei 10.639/ 03, apresentada
no trabalho como divisor de águas entre a ausência de especificidade nas
orientações didáticas sobre a cultura negra, na LDB de 1996, e a obrigatoriedade
59
O que foi possível perceber durante todo o trabalho, tanto na parte teórica
quanto na prática é que ainda é complexo para muitos educadores mudar ou
mesmo questionar sua conduta, no tocante a forma de tratar assuntos relacionados
aos negros e afrodescendentes em sala de aula. Muitas vezes o eufemismo,
herdado da democracia racial, se traduz no cotidiano plural como óbice para a
tomada de decisão frente aos caminhos a se assumir, já que não deve haver
nenhum tipo de protecionismo ou exclusão nas práticas educativas. A igualdade
almejada é obra de um trabalho sistemático, o qual preconiza uma formação ética e
política sólida por parte do educador. De certa maneira, esta será uma das formas
de se preparar, tanto docentes quanto alunos, para os conteúdos referentes à
emudecida História da África e dos afro-brasileiros.
REFERÊNCIAS
BENCINI, Roberta. Educação não tem Cor. Revista Nova Escola, Editora Abril,
nov. de 2004.
DEL PRIORE, Mary. História das crianças no Brasil. São Paulo. Contexto, 2002.
GENTILE, Paola. África de todos nós. Revista Nova Escola, Editora Abril, nov.
2005.
MEKSENAS, Paulo. Sociologia da Educação. São Paulo: 11ª ed. Loyola, 2003.
PAIXÃO, Marcelo. Desigualdade nas questões racial e social. In: A cor da Cultura:
Saberes e fazeres, v.3 : modos de interagir. Rio de Janeiro: Fundação Roberto
Marinho, 2006.
SANTOS, Joel Rufino dos. O que é racismo. São Paulo. Abril cultural/ Brasiliense,
1984.
SANTOS, Sales Augusto dos. A Lei no 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do
Movimento Negro. In: Educação anti-racista : caminhos abertos pela Lei
63
SÃO PAULO (Estado). Programa São Paulo: Educando pela diferença para a
igualdade. São Carlos. UFSCar, 2005.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das
Letras. 1993. 296 p.
SILVA, Antônio Carlos Arruda da. Questões legais e racismo na história do Brasil.
In: MUNANGA, Kabengele. Estratégias de Combate à Discriminação Racial
(org.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Estação Ciência, 1996.
SILVA, Joaquim. História do Brasil: quarta série ginasial. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1958.
SOUZA, Ana Lúcia Silva. Negritude, letramento e uso social da oralidade. In:
CAVALLEIRO, Eliane (org). Racismo e anti-racismo na educação: repensando
nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001. p. 179-194.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
SANTOS, Joel Rufino dos. Gosto de África: histórias de lá e daqui. São Paulo,
Global, 1999.
APÊNDICE
Dados
Objetivos
Objetivo Geral
Reconhecer a diversidade presente em sala e a importância da convivência pacífica frente às
diferenças, visando a construção de uma postura de tolerância e respeito ao outro.
Objetivos específicos:
Participar de comunidades de investigação filosófica(*) sobre a temática “A diversidade em
nossa escola”.
Retratar a própria imagem, ressaltando suas principais características físicas mais notáveis
(textura dos cabelos, altura, cor dos olhos, da pele...).
Retratar o colega, de modo a ser fidedigno quanto as suas características físicas (textura
dos cabelos, altura, cor dos olhos, da pele...).
Observar as produções, identificando e analisando as idiossincrasias dos colegas de classe,
relacionando tais especificidades à riqueza de valores e experiências que tamanha
heterogeneidade pode favorecer ao grupo.
_____________
()
O termo foi inicialmente cunhado por Pierce favorecendo a comunidade científica, depois ampliando essa
visão a sala de aula. “Uma comunidade de investigação pelo caminho que esta conduz do invés de ser
limitada pelas linhas divisórias das disciplinas existentes”. (LIPMAN, 1995).
Metodologia
1. Para iniciar, a classe deve estar disposta em um círculo, em que todos possam se ver. Será
feita a leitura do livro “Mirradinho”. Utilizando-se de uma alusão ao personagem Mirradinho, que
era menosprezado pelos outros, por ser árvore de pequeno porte, questionar se na realidade
isso ocorre, se alguma vez se sentiram depreciados por alguma característica que possuam.
Neste sentido, o colóquio se conduzirá a conclusões que evidenciem a importância da
convivência na diversidade enquanto meio de socialização de conhecimentos, valores, culturas e
outras características que possam compor a riqueza de um povo.
2. Após a comunidade de investigação filosófica é proposto ao aluno que faça o seu retrato. Para
tanto, deixa-se a disposição dos alunos um espelho (tomando-se os devidos cuidados).
3. É importante que se faça uma pequena exposição desses retratos na sala, para que as
crianças possam apreciar o desenho de todos, identificando o colega apenas pela ilustração, sem
saber quem a fez.
4. Logo, disponha a sala em duplas, escolhidas por sorteio. Como tarefa, solicite que cada um
da dupla desenhe seu par, ressaltando em seu retrato as características do colega quanto à
textura, comprimento e cor dos cabelos, cor e formato dos olhos,
67
estatura, cor da pele; fortalecendo sempre aos alunos que a intenção é retratar o colega e não
suas roupas e/ ou objetos pessoais.
5. Para encerrar, reúna os alunos novamente em círculo, para que possam falar sobre a
atividade, se concordam com a forma como foram retratados, quais foram os critérios que
utilizaram para reproduzir o colega de determinada maneira.
Recursos
Lápis de cor
Giz de cera
Folhas de papel sulfite
Lápis de escrever e borracha
Livro “Mirradinho”
Avaliação
Bibliografia
LIPMAN, Mathew. O Pensar na Educação. Tradução de Ann Mary Fighiera Pérpetuo. Petrópolis:
Vozes, 1995.
SOUZA, Irene Sales de. Trabalhando como preconceito e a discriminação na escola: Relato de
uma experiência. In: Pedagogia Cidadã – Cadernos de Formação – Fundamentos
Sociológicos e Antropológicos da Educação. São Paulo. Unesp, Pró Reitoria de Graduação,
2003.
Dados
Objetivos
Objetivos específicos:
Ouvir a leitura compartilhada de um conto de encantamento.
Contar a história lida, representando-a com bases no repertorio pessoal.
Identificar no final da história do patinho feio as ações segregacionistas e
discriminatórias em elas se apóiam.
Elaborar uma nova proposta de final para a história, a fim de valorizar a
convivência na diversidade.
Metodologia
1. Será feita a leitura compartilhada do conto de encantamento “O patinho feio”. Assim q o final
estiver próximo, por volta da parte em que o patinho vê uma revoada de aves iguais a si, será
feita uma breve interrupção. Será solicitado a um aluno que se dispuser, contar o final da
história de acordo com o fim desta ouvido em outras ocasiões.
Ouvida a versão dos alunos, serão feitas algumas questões reflexivas, tais como: apenas
convivendo com iguais a nós podemos ser felizes? Não pode uma criança branca ser amiga de
uma criança japonesa ou negra? As pessoas gordas viveriam apenas entre outras pessoas
gordas, apenas para não conviver com o diferente? Por que o patinho feio precisava sair de
casa, de perto de sua mãe adotiva para ser aceito? Alguma vez você já se comportou assim com
algum colega só por que ele tinha alguma diferença com relação a você?
Recursos
Avaliação
Bibliografia
ANDERSEN, Hans Christian. O patinho feio. In: Tesouro da Juventude. São Paulo: Gráfica
Editora Brasileira. 1936, v. 5. p. 263-267.
SOUZA, Irene Sales de. Trabalhando como preconceito e a discriminação na escola: Relato de
uma experiência. In: Pedagogia Cidadã – Cadernos de Formação – Fundamentos
Sociológicos e Antropológicos da Educação. São Paulo. Unesp, Pró Reitoria de Graduação,
2003.
Senado Federal
Subsecretaria de Informações
§ 3° (VETADO)"
"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como 'Dia Nacional da
Consciência Negra'."
Aluno 1.
Era uma vez uma pata que chocava. Seus ovos se quebraram. Quebrou um, quebrou
dois, quebrou três e aí seguindo, o último patinho foi estranhado. Todos o tratavam
mal. Até que um dia ele foi para a lagoa e... Percebeu que era diferente. Mas podia
conviver muito bem com os outros, mostrando o corpo e ensinando sobre os cisnes.
Então nunca mais ninguém o tratou mal.