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O sistema japonês de controle de qualidade

Article  in  Revista de Administração de Empresas · September 1986


DOI: 10.1590/S0034-75901986000300009

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José Carlos de Toledo


Universidade Federal de São Carlos
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ta perspectiva em mente, realizou uma pesquisa junto
Notas e comentários a uma indústria japonesa específica, a de aparelhos de
ar condicionado. Ela foi eleita por não ser uma indús-
tria de tecnologia de ponta e por não representar um dos
produtos carro-chefe da exportação japonesa, como é
1. Controle do processo e administração de o caso dos automóveis, televisores e semicondutores. E,
produtos; portanto, é de se esperar que ela não receba um trata-
2. Política, sistemas e assessoria de qualidade; mento prioritário por parte do setor governamental.
3. Atitudes da administração; Com a perspectiva de buscar explicações para a qua-
4. Política governamental. lidade da indústria japonesa e de tecer comparações com
5. Notas e comentários a indústria americana, foram pesquisadas sete empre-
sas japonesas e 11 empresas americanas do setor, as
quais respondem por aproximadamente 90070 das expor-
tações no ramo de aparelhos de ar condicionados dos

o sistema japonês de respectivos países .


O desempenho em qualidade das empresas deste se-
controle de qualidade tor foi medido a partir de três parâmetros básicos:

_ os índices de rejeição no recebimento de materiais e


componentes;
José Carlos de Toledo _ os índices de falhas internas, ou seja, defeitos obser-
vados antes do produto final deixar a fábrica, tanto
Professor no Departamento de Engenharia da Produção da
Universidade Federal de São Carlos, S.P. durante a fabricação como durante a montagem;
_ os índices de falhas externas, ou seja, defeitos obser-
vados no campo e medidos pelo número de solicita-
ções de reparos ocorridos durante o primeiro ano de
uso do produto.
Para cada uma dessas medidas o desempenho das
empresas japonesas foi superior às americanas, com ta-
xas médias de falhas das empresas japonesas em alguns
parâmetros chegando a ser de 17 a 70 vezes inferiores.
Além disso, mesmo a empresa japonesa de pior desem-
penho teve uma taxa de falhas global menor do que a
metade da empresa americana de melhor desempenho.
As empresas japonesas também demonstraram de-
sempenho mais consistente, sendo o sucesso em um dos
Na literatura mais recente da área de administração da parâmetros normalmente associado com o sucesso em
produção podem ser encontrados diversos trabalhos fa- outros, demonstrando uma estratégia mais integrada em
zendo citações sobre o controle de qualidade no Japão; relação aos vários aspectos da administração da quali-
entretanto, de uma maneira geral, estas são superficiais dade.
e se limitam apenas a apresentar generalidades, ou mes-
mo alguns mitos sobre a indústria japonesa. Um estu- No caso particular dessa indústria, algumas supo-
do mais profundo e criterioso foi realizado por Garvinl sições tradicionais sobre a estrutura industrial japone-
e permite esclarecer algumas falsas suposições sobre o sa não se mostraram verdadeiras. A especialização da
controle de qualidade no Japão, bem como identificar indústria, ou baixa diversificação das linhas de produ-
os fatores que preponderantemente contribuem para di- tos, que pode permitir uma redução das variabilidades
ferenciar a qualidade do produto japonês em relação a e, conseqüentemente, um maior controle da qualidade
através de uma maior estabilidade do processo, não é
outros países.
O autor inicialmente critica os trabalhos que pro- maior nas empresas japonesas, uma vez que o número
curam explicar o desempenho da indústria japonesa, em de modelos e de componentes, bem como a sazonalidade
termos de produtividade e qualidade, a partir de visões da produção, foram maiores nas empresas japonesas do
estritamente unidimensionais que apresentam respos- que nas americanas, sendo que nas empresas japonesas
tas genéricas ao nível macro como, por exemplo, o ní- havia maior estabilidade apenas em termos da mão-de-
vel de educação, a cultura, o estilo de administração, obra empregada. Além disso, verificou-se que outras su-
a política industrial do país, etc. Ou ainda respostas ao posições também comuns sobre a indústria japonesa,
nível micro, onde predominantemente atribui-se o su- do tipo "relacionamento de longo prazo entre empre-
cesso industrial japonês aos Círculos de Controle de sas e fornecedores"; "desenvolvimento de fornecedo-
Qualidade (CCQ). O autor, em seu trabalho, procura res únicos"; "paralisações freqüentes das linhas de
integrar essas duas perspectivas, ou seja, entender co- montagem para corrigir problemas de qualidade"; "a
mo variáveis macro e micro se ajustam, formando um inspeção durante o processo é responsabilidade dos tra-
sistema integrado para a qualidade industrial. Com es- balhadores da produção, com a redução do número de

Rio de Janeiro 26(3):77-79 jul. /set. 1986


Rev. Adm. Emp.
inspetores", nem sempre correspondiam à realidade 2. POLÍTICA, SISTEMAS E ASSESSORIA DE
dessa indústria japonesa. Observou-se que nestes aspec- QUALIDADE
tos coexistiam as mais diversas praticas entre as empre-
sas japonesas, enquanto havia regularidade e aproxima- Pode ser constatado também que enquanto nas em-
ção no desempenho em qualidade das mesmas. Essas presas americanas os departamentos de controle da qua-
práticas, portanto, não poderiam ser consideradas co- lidade desempenhavam um papel de policial da produ-
mo condições necessárias para o desempenho superior ção, nas empresas japonesas a responsabilidade final pe-
em qualidade. la qualidade era incorporada pelos próprios trabalha-
dores da produção, e os departamentos de controle de
Garvin identifica quatro categorias de fatores, qualidade desempnenhavam funções principalmente de
partindo-se de um nível micro para um nível macro, que coordenação, consultoria e de tratamento de informa-
contribuiriam para o desempenho superior em qualida- ções, processando e interpretando dados sobre a quali-
de da indústria japonesa:
dade para a produção e outras áreas da empresa. Os pro-
tótipos, as unidade de produção piloto e os produtos
1. controle do processo e administração da produção; acabados também eram testados e analisados muito
mais exaustivamente. Enquanto nas empresas america-
2. políticas, sistemas e assessoria de qualidade;
nas os dados sobre falhas internas e falhas externas eram
3. atitudes da administração; tratados por grupos diferentes - as falhas internas eram
tratadas pelo departamento de controle de qualidade e.
4. políticas governamentais. as externas pela assistência técnica, que era uma subdi-
visão do departamento de marketing - nas empresas
Juntos, eles constituiriam um sistema de interseção japonesas ambos os dados eram tratados pelo controle
mútua para a administração da qualidade. Vejamo-los da qualidade, permitindo, a partir desta interação, um
em detalhe: ganho efetivo em termos de conhecimento e domínio
dos problemas da qualidade. Também havia um acom-
panhamento efeedback contínuo dos defeitos de cam-
po dos produtos vendidos, possibilitando às empresas
1. CONTROLE DO PROCESSO E ADMINSTRA- respostas mais imediatas. Como conseqüência desse es-
çÃO DA PRODUÇÃO. forço mais intenso de controle, e ao contrário do que
se propaga, a percentagem da mão-de-obra do contro-
Muitas das vantagens em qualidade parecem advir de le da qualidade, em relação à mão-de-obra total, era
uma bem-sucedida política ("administração e controle quase o dobro no Japão, (11,60/0 versus 6,5% nos Es-
do processo produtivo: tados Unidos), relação esta que na realidade seria ain-
da maior, pois nas empresas japonesas os inspetores de
- rigorosos limites de controle são estabelecidos linha não eram considerados como mão-de-obra do
usando-se técnicas estatísticas; controle de qualidade, mas sim da produção. Deve-se
- sistemas automatizados c ~ armazenagem e movi- ressaltar ainda que os níveis de automação da produ-
mentação de materiais garantem a proteção do produ- ção entre as empresas japonesas e americanas eram bas-
to em processo ena armazenagem; tante próximos, o que torna estes números bastante sig-
- programas de manutenção preventiva e também a nificativos.
alocação e treinamento da mão-de-obra recém-
contratada procuram reduzir tais fontes de variabilida-
de; 3. A T/TUDES DA ADMINISTRAÇÃO
- grande número de inspetores acompanham o proces-
so, analisando os desvios não-esperados; Os projetos da área de qualidade eram privilegia-
- participação da mão-de-obra da produção no esfor- dos e considerados prioritários pela administração su-
ço de controle e melhoria da qualidade (via CCQ); perior. Os esforços intensivos de inspeção, muitas ve-
- extensivo levantamento e compilação de dados so- zes redundantes, o projeto do produto para uma vida
bre o desempenho em qualidade (informações sobre os média superior à esperada e exaustivos estudos de pes-
defeitos são compiladas diariamente e são analisadas quisa de mercado eram apoiados pela administração.
suas tendências), os quais são amplamente dissemina- Ao contrário das empresas americanas, que trabalham
dos por todas as divisões e setores das empresas. com o conceito tradicional de nível ótimo econômico pa-
ra os investimentos em qualidade, nas empresas japo-
Nas empresas japonesas o tratamento dado às in- nesas a administração parte do pressuposto ci" que me-
formações sobre defeitos e qualidade é no sentido de de- lhoramentos contínuos na qualidade são não só tecni-
talhar esses dados e repassá-los a cada setor de produ- camente possíveis, como economicamente desejáveis,
ção e a cada posto de trabalho, enquanto nos EUA, pe- sendo que o elemento indutor para a busca de melho-
lo contrário, o tratamento é no sentido de agregar e re- rias na qualidade dos produtos nas empresas era a bus-
sumir tais dados para serem repassados às administra- ca de reduções nas taxas de falhas enão dos custos. Ape-
ções médias e superiores. Ou seja, enquanto nas empre- sar de um aparente irracionalidade, esta abordagem
sas japonesas as informações sobre qualidade eram re- mostrou-se mais eficiente, pois, enquanto nas empre-
passadas a cada trabalhador individual, nas empresas sasjaponesas da indústria estudado o custo total da qua-
americanas o acesso a tais informações era restrito à ad- lidade (que engloba tanto os custos de controle da qua-
ministração superior.
lidade quanto os custos de falhas e perdas) variava em
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Revista de Administração de Empresas
torno de 1,3 OJodo faturamento, nas empresas america- consultores industriais aqui no Brasil como, por exem-
plo, a proliferação de CCQ não poderiam apresentar os
nas este custo variava, de 2,8OJo a 5,8OJo.
mesmos resultados que se pode esperar de uma estraté-
gia ampla e integrada para o problema, como ocorre no
4.POLÍTICA GOVERNAMENTAL Japão. Essas soluções, portanto, devem ser analisadas
criticamente.
o apoio governamental ao desenvolvimento da Embora grande parte das causas da produção de pe-
qualidade industrial no Japão tem se dado a partir de ças e produtos defeituosos resida no processo de traba-
lho, ou seja, na própria intervenção do operário sobre
três frentes.
O Instituto de Padronização Industrial (JIS), vin- a matéria-prima, produtos e equipamentos, é necessá-
culado ao Ministério da Indústria e Comércio Interna- rio um amplo equacionamento do problema da quali-
cional (Miti), atua através da definição de normas e pa- dade, que envolva aspectos não só internos mas também
drões e ainda da certificação da qualidade. A diferen- externos às empresas, em face dos inúmeros fatores que
ça em termos de certificação da qualidade é que enquan- determinam a qualidade final de um produto. As cau-
to nos EUA esta se aplica aos produtos, no Japão ela sas dos problemas da qualidade se encontram ampla-
se aplica principalmente ao processo produtivo. mente distribuídas, tanto ao nível do sistema social
As empresas também são assessoradas pela Divisão quanto ao nível do sistema técnico da empresa, e não
de Engenharia Industrial do Miti, através do acesso a basta cuidar apenas de um ou de outro aspecto para
bancos de dados estatísticos sobre a confiabilidade dos superá-los. Somente os esforços visando garantir a qua-
diversos componentes e insumos utilizados pelas indús- lidade em todos os níveis da empresa, bem como no seu
trias e dos produtos acabados. meio externo, serão eficientes.
Os desafios e o prestígio representados pelo Prêmio
Deming de Qualidade, oferecido pelo governo japonês Depreende-se ainda da experiência japonesa que os
às empresas detentoras de rigorosos padrões de quali- investimentos em qualidade apresentam resultados ape-
dade, bem como outros títulos oferecidos às empresas, nas a médio e longo prazos, e que os mesmos seriam,
numa escala crescente de valores como, por exemplo, entretanto, bastante compensadores. O problema da
o Ali Japan Quality A ward, também se constituem em qualidade e os investimentos necessários, portanto, não
importantes fatores motivacionais controlados pelo go- se coadunariam com uma análise que se preocupasse
verno para o aprimoramento da qualidade. apenas com retornos a curto prazo.
A lição que se pode tirar deste trabalho é que não
existe nenhum segredo único e simples por trás do su-
cesso da administração da qualidade no Japão; ao con-
trário, este resulta de um amplo e integrado sistema de
políticas, práticas e ações. Assim, as soluções simplis- 1 Garvin, D.A. Japanesequality management. Columbia Journal 01
tas para a questão da qualidade que são advogadas por WorldBusiness, 19(3): 3-12,1984.

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Siuema japonês

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