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1. Introdução
Muitas organizações têm usado nos últimos anos a Análise do Modo e Efeito da Falha
(FMEA) na análise dos seus processos. Contudo, a especificação técnica ISO/TS16949:2002
determina o uso desta ferramenta para todos os fornecedores da cadeia automotiva, durante o
projeto e o desenvolvimento de um novo produto, fato este que fez com que se olhasse para o
FMEA de uma maneira mais séria e consistente. Infelizmente, apesar dos manuais de
referência publicados e dos treinamentos constantemente realizados, a maior parte das
organizações não consegue utilizar todos os benefícios que um FMEA põe à sua disposição.
Através de um levantamento realizado em algumas empresas do segmento automotivo,
Aguiar e Salomon (2006) concluem que a maior parte das pessoas que conhece e usa o FMEA
não o vê como uma ferramenta poderosa, mas sim como algo que é preciso fazer de maneira a
cumprir requisitos normativos. Uma das principais razões deste tipo de abordagem está no
fato de que a maior parte dos FMEA’s são construídos e usados incorretamente.
Os FMEA’s podem e devem ser aplicados como um elemento chave no processo de
planejamento de qualidade nos processos das empresas. Autores como Stamatis (1995),
Palady (1997), Reid (2005) e Teng et al. (2006) convergem os pensamentos na idéia que as
organizações que usam corretamente o FMEA, poupam recursos e apresentam elevados níveis
de satisfação dos seus clientes. Assim, o FMEA pode ser uma ferramenta muito poderosa,
quando aplicada corretamente. Tal como qualquer outra ferramenta da qualidade, antes de ser
usada é preciso que seja compreendida e, uma vez obtida esta compreensão somada ao
comprometimento das pessoas envolvidas, torna-se possível desfrutar dos benefícios
financeiros resultantes das melhorias dos seus produtos e processos.
Empresas que implementam um processo de fabricação que responde à maioria dos controles
definidos nos FMEA’s desenvolvem sistemas que fornecem os dados exatos sobre os
impactos de sus falhas potenciais bem como das respectivas ocorrências e taxas de detecção.
Devido a essa precisão, os riscos de cada falha podem ser nitidamente identificados e caso
seja necessário realizar alguma modificação no processo produtivo, será preciso rever o
FMEA de Processo e o Plano de Controle, de maneira a determinar qual o impacto de tal
mudança.
Com o objetivo de demonstrar as diferenças entre aqueles que usam e que não usam o FMEA
de Processo de maneira correta e eficaz, o presente artigo apresenta uma aplicação desta
ferramenta baseada nos conceitos de abordagem por processo definidos norma NBR ISO
9001:2000, comparado a uma aplicação convencional utilizada por boa parte das organizações
que utilizam o FMEA de Processo sem a devida implementação. Para tanto, são inicialmente
apresentados os conceitos de abordagem por processo bem como os de FMEA de Processo e,
posteriormente é realizada uma comparação da aplicação do FMEA de Processo na atividade
de inspeção de recebimento de uma empresa do segmento automotivo.
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diversos idiomas. Em razão disso, optou-se por utilizar uma palavra curta e simples, derivada
do grego isos, que independente do idioma poderia preservar seu significado, de igualdade.
Ou seja, produzir normas cujo teor fosse o mesmo independente do país e da língua. A
primeira versão da família de normas ISO 9000 surgiu em 1987 definindo como as empresas
devem assegurar seus sistemas de gestão da qualidade (BAYATI e TAGHAVI, 2007).
Segundo Kartha (2004), estas diretrizes têm foco em procedimentos, controles e
documentação, com padrões projetados para ajudar as empresas a identificar vulnerabilidades,
agilizar suas operações e garantir um nível consistente de qualidade. A disseminação mundial
dessas normas impulsionou o avanço da gestão da qualidade e o seu atual estágio de evolução
nas organizações permitiu que sua adoção passasse a ser reconhecida no mercado como um
atestado de garantia da qualidade.
Conforme relatado por Valls (2004), a atual versão da norma “NBR ISO 9001 Sistemas de
gestão da qualidade – Requisitos”, homologada em dezembro de 2000, trouxe muitas
novidades em relação aos conceitos e fundamentos da gestão da qualidade. Um dos aspectos
mais marcantes é o relacionado à abordagem por processos, cujo conceito básico prevê uma
nova forma de estruturar e gerenciar as atividades por processos de forma sistemática e
integrada, alinhando as expectativas dos clientes à eficácia da organização como um todo.
Na concepção mais freqüente, processo é qualquer atividade ou conjunto de atividades que
toma um input, adiciona valor a ele e fornece um output a um cliente específico
(GONÇALVES, 2000), como mostra a figura 1.
Gonzales (2006) ainda destaca que a versão 2000 da norma NBR ISO 9001 amplia
significativamente o escopo da norma, que passa a incluir questões sobre a gestão do negócio,
considerando o desempenho da organização por meio da melhoria contínua dos seus
processos, diferente do modelo gerencial tradicional abordado na versão de 1994 que consistia
numa orientação para o produto.
3. FMEA de Processo
A metodologia de Análise do Modo e Efeito da Falha, conhecida como FMEA (Failure Mode
and Effect Analysis), tem os seus primeiros registros de utilização conceitual em 1949, onde
os militares americanos desenvolveram a ferramenta com o objetivo de determinar o efeito da
ocorrência de falha em sistemas e equipamentos. A primeira aplicação formal se deu na
década de 60, pela indústria aeroespacial dos EUA, especificamente no projeto Apollo da
agência norte-americana NASA (National Aeronautics and Space Administration) que,
conforme relatado por Fernandes e Rebelato (2006), desenvolveu um método para identificar,
de forma sistemática, falhas potenciais em processos pela definição de suas causas e efeitos e,
a partir disso, definir ações para reduzir ou eliminar o risco associado a essas falhas. De
acordo com Society of Automotive Engineers (2001), no fim dos anos 1960 e início dos anos
1970, vários grupos profissionais começaram a publicar procedimentos para executar o
FMEA, entre estes se destacam:
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− SAE ARP 926, publicado em 1967 com o título “Procedimento de Análise de Faltas e
Falhas” (Fault / Failure Analysis Procedure);
− MIL STD 1629, publicado em 1974 com o título “Procedimentos para Identificar um
Modo de Falha, Efeitos e Análise de Criticidade” (Procedures for Performing a Failure
Mode, Effects and Criticality Analysis).
Já nos anos 1980, o FMEA passa a se tornar uma referência para desenvolvimento de
processos, a princípio na indústria aeroespacial. Em 1988 a Ford Motor Company publicou o
manual de instruções de FMEA de Projeto (Design FMEA) e Processo (Process FMEA) que
aplica a metodologia para desenvolvimento de produtos, bem como para processos de
manufatura, (SOCIETY OF AUTOMOTIVE ENGINEERS, 2001).
Silva e Antonietti (2003) relatam que a indústria automotiva desenvolveu normas para seus
fornecedores visando a garantia da qualidade de seus produtos. De forma a harmonizar em um
único sistema os requisitos de qualidade a serem aplicados na cadeia de fornecedores, as
montadoras americanas General Motors Corporation, Chrysler Corporation e Ford Motor
Company criaram em 1994 a Norma QS-9000. Nesta norma foram desenvolvidos os
chamados Programas Avançados de Planejamento da Qualidade em Projetos e Processos
(APQP) onde, dentre outras metodologias, foi incorporada a do FMEA com algumas
alterações, basicamente nas definições dos critérios de pontuação. Atualmente, os sistemas de
qualidade das empresas brasileiras do setor automotivo seguem a especificação técnica
ISO/TS 16949:2002 que de certa forma herdou esta exigência do antigo sistema QS 9000.
Conforme afirma Pollock (2005), o FMEA deve ser aplicado para executar a avaliação de
risco entendendo quais serão os impactos no cliente se determinada função do processo vier a
falhar. A equipe deve fazer um exame da ação para minimizar os riscos dos processos e
orientar as atividades da melhoria. O FMEA é caracterizado como um documento vivo que
deve ser revisto e atualizado sempre que os processos são mudados, sendo necessária sua
consulta e alteração em casos onde o processo apresenta algum problema de qualidade, de
maneira a assegurar que todas as medidas possíveis para evitar uma nova ocorrência do
mesmo possam surgir no futuro. Puente et al. (2002) destacam que o FMEA avalia a
severidade de cada falha relativa ao impacto causado aos clientes, bem como sua
probabilidade de ocorrência e detecção antes de chegarem às mãos dos clientes.
Cassanelli et al. (2006) afirmam que o FMEA é conhecido por ser um procedimento para a
análise de um determinado sistema, usado para identificar os modos de falha potenciais, suas
causas e efeitos no desempenho do processo, sendo sua análise executada preferivelmente
com antecedência, dentro do ciclo de desenvolvimento de forma que a remoção ou a
mitigação do modo de falha seja válida e efetiva de modo preventivo. Esta análise pode ser
iniciada assim que o processo esteja definido. Reid (2005) ainda destaca que o FMEA tem a
capacidade de quantificar os riscos do processo de modo com que os riscos maiores sejam
facilmente identificados, o que é de grande relevância já que, no campo da qualidade, as ações
a serem tomadas não devem ser definidas de maneira intuitiva. Assim, o FMEA de Processo
pode ser representado como uma seqüência de três eventos definidos como Causas, Falhas e
Efeitos, conforme apresentado na figura 2.
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alteração no projeto do produto. Dentro da abordagem por processos definida pela norma
NBR ISO9001:2000, o FMEA de Processo se enquadra conforme apresentado na figura 4,
onde as falhas e as causas a serem analisadas estão dentro do atual processo em análise e seus
efeitos são tratados como saídas. Eventuais causas ou falhas pertinentes a processos anteriores
devem ser analisadas nos FMEAs destes processos anteriores, considerando como efeito o
impacto causado neste atual processo em análise.
FMEA de Processo
Processo Saídas
Figura 4 – FMEA de Processo dentro da abordagem por processos (Fonte: Elaboração Própria)
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Inicialmente, identifica-se, de forma bastante clara, que a definição do modo de falha não
considera a função do processo em questão. Além de estar definido de forma genérica, não
especificando o real modo de falha, tratam-se de falhas que pertencem a processos anteriores,
devendo ser analisadas em FMEAs correspondentes aos processos onde há a possibilidade de
ocorrência destas falhas. É importante ressaltar que falha e defeito não são a mesma coisa.
Scapin (1999) esclarece que a falha ocorre quando um componente ou sistema deixa de
desempenhar sua função, e o defeito ocorre quando um componente ou sistema não atende a
uma especificação técnica mensurável, mais aplicável em FMEA de Projeto. Assim, o fato de
existir material fora do especificado deve ser visto como um efeito da falha cuja função seria
algo relacionado à produção do material e não inspeção. Para o processo de inspeção de
recebimento, o material é uma das entradas, e se ele está dentro ou fora da especificação é uma
situação a ser analisada na saída do processo conforme apresentado na figura 6.
Visando evitar a definição do modo de falha referente a uma entrada do processo, Palady
(1997) recomenda que o mesmo seja redigido como uma expressão negativa da função do
processo. Como a função do processo de inspeção está relacionada ao fato de se garantir a
conformidade do produto, as falhas deste processo podem se resumir em “aprovar material não
conforme” ou “rejeitar material conforme”, porém para uma maior coerência nas pontuações,
é preciso especificar as características do material de acordo com as causas e efeitos
potenciais.
Para a definição do efeito, o termo “pode” contido na definição “pode ocasionar falta de
material na peça” (vide figura 5) está redundante, pois o efeito já é considerado como uma
possibilidade por sua definição: efeito(s) potencial(is) de falha. O mesmo ocorre quando
define-se o efeito com o termo “poderá danificar o material” (vide figura 5). Ainda se tratando
da definição do efeito, é possível identificar definições genéricas tais como: “não permite a
continuidade do processo” e “impossibilita o processo correto da peça” (vide figura 5) que não
especificam qual o real impacto potencial a ser gerado na seqüência do processo, não sendo
possível realizar a definição segura de um valor coerente para a pontuação de severidade.
Além desta situação, é possível observar outro tipo de incoerência na pontuação da severidade
que está no fato de se associar duas pontuações diferentes para efeitos idênticos, ou seja,
severidade com valor 5 para o efeito “pode ocasionar falta de material” e severidade de valor 4
para “ocasiona falta de material” (vide figura 5).
No caso da identificação das causas potenciais das falhas, uma vez que o FMEA da figura 5
não identificou nenhum modo de falha relacionado à operação de inspeção de recebimento,
nenhuma das causas definidas se refere ao processo em questão. É valido comentar que,
mesmo se este FMEA fosse uma análise das falhas do processo de fabricação das chapas, as
causas nele definidas na verdade são falhas. Para uma devida adequação dos termos “falha no
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Ocorrência /
Irregularidade
Aplicação
Modo de falha não relacionado com a função do
5/5
processo
Descrição genérica do efeito 2/5
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5. Conclusão
O presente estudo permitiu realizar uma comparação entre uma aplicação convencional do
FMEA de Processo sem a devida implementação de seus conceitos com uma proposta
baseada nos conceitos da norma NBR ISO 9001: 2000, mais especificamente se tratando das
definições sobre abordagem por processo. Nesta comparação realizada na atividade de
inspeção de recebimento de matéria-prima, foi possível identificar as diferenças entre a
aplicação do FMEA com a devida implementação dos conceitos em contraste a um exemplo
de situação onde o FMEA é realizado apenas o atendimento a requisitos normativos.
Mesmo com o formulário semelhante a um roteiro, a aplicação do FMEA de Processo é uma
atividade bastante complexa e, como a maioria das ferramentas da qualidade, antes de ser
aplicado, o FMEA deve ser claramente compreendido pela equipe multifuncional. Esta
compreensão deve levar em conta a seqüência de eventos na análise de falhas que
compreendem as causas e os efeitos, da mesma forma que constituem as seqüências de
entradas e saídas na definição da abordagem por processo tratada na norma NBR ISO 9001:
2000.
Nesta pesquisa foi possível concluir que se o modo de falha for definido sem se considerar a
função do processo e principalmente se não houver uma correta distinção entre os conceitos
de falha e defeito, o FMEA de Processo passa a ser realizado sem agregar nenhum valor à
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Gestão da Qualidade. Seu emprego de forma incorreta pode traduzir situações de problemas
de qualidade que acarretam desperdício de recursos em termos ações de contenções e
retrabalho que poderiam ser evitadas no caso da aplicação do FMEA de Processo com
implementação.
Uma proposta para estudo futuro consiste em medir o impacto da ocorrência de cada
irregularidade e obter uma classificação dentro de uma escala hierárquica. Esta medição pode
abordar as deficiências com que os pontos fracos do processo são identificados que resulta na
falsa impressão que o risco de falhas está reduzido a valores aceitáveis.
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