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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA – UFV

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – CCH


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – DCS
DISCIPLINA: CIÊNCIA POLÍTICA II (CIS 220) – 2016/1
PROFESSOR: DIOGO TOURINO DE SOUSA
DISCENTE: CAMILA OLÍDIA TEIXEIRA OLIVEIRA (85517)

PROVA 03 (HEGEL E MARX)

Questão 1:

O trecho de “Leviatã, ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e


civil” (1651) presente no enunciado traz um dos essenciais argumentos da teoria
hobbesiana: o conceito de contrato social, que segundo os pressupostos do autor é
alcançado através de uma união, onde cada indivíduo por ser livre abre a mão de sua
liberdade para o estabelecimento do contrato, e consequentemente do bem comum.
Assim, percebemos que cada indivíduo livre e racional almejou dar fim à guerra de
todos contra todos, ou seja, o contrato se fez legítimo porque aquele que o delegou fez
uso de sua liberdade e só o conseguiu através da mesma. Dessa forma, vemos que o
contrato em Hobbes traz diagnósticos importantes, o primeiro é que “o homem é o
artífice de sua condição, de seu destino, e não Deus ou a natureza” (RIBEIRO, 1988, p.
77), o segundo é o entendimento de que o homem por ser livre “pode conhecer tanto a
sua presente condição miserável quanto os meios de alcançar a paz e a prosperidade”
(ibidem, p. 77); a saída do estado de natureza e o estabelecimento do estado seria assim,
uma criação dos próprios indivíduos (ibidem, p. 76).

Partindo desses pressupostos podemos compreender aspectos fundamentais entre


o pensamento político de Hegel (dialético) em relação aos pensadores contratualistas
(jusnaturalistas), como Hobbes. O pensamento político contratual defende que são as
consciências individuais que por meio do contrato fundam o Estado, ou seja, é a partir
do indivíduo que o estado se realiza; em Hegel percebemos que é o Estado que funda o
indivíduo e possibilita as relações contratuais, sendo assim é o Estado que realiza a
liberdade.
“Percebe-se, então, o significado da critica de Hegel ao jusnaturalismo, em
especial aos teóricos contratualistas: a investigação, de modo especulativo,
do fundamento conceitual da liberdade. As teorias contratualistas defendem
as qualidades de um sujeito contratante sem investigar, porém, o seu
verdadeiro fundamento conceitual. Para Hegel, não basta aceitar o direito, a
liberdade individual, como momentos necessários para a fundação da vida
social e política. É preciso também demonstrar sua insuficiência a fim de
introduzir algo com maior conteúdo conceitual: o reconhecimento. Mas, isso
só ocorre na intersubjetividade, ou seja, nas mediações sociais. Esse aspecto,
portanto, é o que diferencia Hegel da filosofia de Hobbes e dos teóricos
contratualistas” (NETO, 2011, p. 90).

Portanto, vemos que Hegel trabalha a compreensão do Estado como um ente


racional em si e para si, onde o indivíduo apresenta sua liberdade apenas quando é
componente do mesmo, sendo somente a partir disso capaz da liberdade para além de
si, pois o Estado é o momento máximo da vida coletiva (BOBBIO, 1991).

Questão 2:

A Lei Maria da Penha, promulgada em 2006, é uma das leis mais influentes
referentes à proteção e garantia dos direitos das mulheres no mundo, sendo no Brasil a
conquista que alcançou maior amplitude para o movimento feminista nos últimos
tempos1. Para entender a lei dentro dos pressupostos hegelianos é necessário
compreender a Filosofia do Direito de Hegel, onde as leis seriam a codificação racional
dos costumes, ou seja, é no Estado que a liberdade se torna possível concretamente, pois
as constituições seriam “produto de uma lenta evolução social” (BOBBIO, 1991, p.
108) e deveriam se adequar para além de costumes, muitas vezes ultrapassados,
validando (juridicamente) as necessidades da sociedade, ao se adaptar ao que Hegel
chama de espírito do tempo (BOBBIO, 1991).

Essa adequação das leis às necessidades do presente aconteceria dentro do


método dialético de Hegel que é a sistematização das ideias, confronto e esclarecimento
das mesmas (tese, antítese e síntese) 2. A constituição, dessa forma, só atingiria seu
objetivo e grau superior quando realizada a partir da razão que é a “totalidade das
capacidades da natureza e do homem” (MARCUSE, 1969, p. 38) e deve voltar-se para a
prática social (MARCUSE, 1969). Com isso, as leis devem confrontar o atraso
inadequado da “vida real” e reivindicar uma atualização dos costumes em favor da
liberdade.

1
É importante saber que foi a partir da luta e resistência de Maria da Penha Maia Fernandes referente às
agressões domésticas que ela sofria por parte do marido que a Lei Maria da Penha foi promulgada. Para
saber mais ler Sobrevivi... Posso contar (PENHA, 2015).
2
VIEGAS, 2016.
A partir disso, vemos que a Lei Maria da Penha é um confronto a toda cultura
machista de dominação e segregação da mulher na sociedade brasileira, a lei sai assim
apenas de um viés constitucional para trazer um confronto estrutural. A Lei Maria da
Penha à luz da obra de Hegel pode ser entendida como uma forma de reivindicar os
direitos humanos e de liberdade também para as mulheres, saindo do senso comum
patriarcal e historicamente privilegiado pelos homens para a entrada no espírito do
tempo, que não se adéqua a uma legislação que marginalize as mulheres; em busca do
que Hegel chamou de Absoluto3. Assim, a preocupação pós-estabelecimento da lei, seria
sua efetivação, essa que caminha lentamente em nossa sociedade.

Questão 3:

Em um primeiro momento, é preciso observar que a filosofia política hegeliana,


conforme proposta por Norberto Bobbio, seria em conjunto a dissolução e culminação
da tradição jusnaturalista, sendo dissolução enquanto fundamentos sobre a relação
indivíduo/sociedade, onde Hegel não teoriza uma ligação entre a dimensão coletiva e a
dimensão individual a partir do contrato social que formaria o Estado, como acontece no
jusnaturalismo; culminação porque apesar das críticas ao modelo jusnaturalista, Hegel
realiza o objetivo do jusnaturalismo: a fundamentação de um Estado racional
(BOVERO, 1986).

Agora falando de Marx, na concepção de Bovero, podemos compreender em


quais aspectos sua teoria foi colocada como a culminação/realização e a dissolução da
teoria de Hegel na medida em que realiza “às extremas consequências a distinção entre
o social e o político teorizada por Hegel como traço característico da sociedade
moderna” (ibidem, p. 110); e a dissolução por apresentar um modelo radicalizado, de
negação do Estado, pois esse não representava os anseios da classe operária, se tornando
assim o Estado de poucos: o Estado da classe burguesa (ibidem, p. 110). Nesse aspecto,
Marx leva em conta (e radicaliza) a distinção hegeliana entre sociedade civil e Estado
político, ao passo que contesta a racionalização do Estado como realização da liberdade.
A liberdade, em Marx, realiza-se com o fim do Estado.

“Hegel projetou a sua visão histórico-mundial exclusivamente para o passado


e deixou a sua consumação esbater-se no presente, ao passo que Marx,
“profeticamente”, projetou-a, ao contrário, para o futuro e compreendeu o
presente como um simples trampolim” (ARENDT, 2008, p. 118).

3
O que podemos entender como a realidade em seu grau máximo.
Questão 4

A partir dos trechos de Marx presentes no enunciado, podemos compreender a


ação política em Marx de formas parecidas, porém com concepções diferenciadas. O
primeiro trecho, que se refere ao Manifesto do Partido Comunista abarca a ação política
através da associação, pois traz o argumento de que a vitória do proletariado, frente à
classe burguesa aconteceria com a união e luta da classe proletária, o que permitiria o
declínio da burguesia e a vitória revolucionária do operariado4. É importante entender
que para Marx a classe burguesa já apresentava uma dissolução, haja vista que a luta de
classes é historicamente produzida e a consequência é sempre a superação de uma
classe sobre outra.

O segundo trecho, que pertence ao Prefácio Para a Crítica da Economia


Política (1999), introduz a questão do ser social, que seria ideia de que o homem se
insere no cotidiano e realiza as atividades do dia-a-dia através das relações de produção,
logo, essa seria a condição essencial da vida e da sociabilidade, pois são as forças
produtivas materiais que determinam a consciência e todo modo de vida. A ação política
dessa maneira se dá pelo próprio indivíduo que por estar inserido dentro da
infraestrutura dos meios de produção é agente pré-determinado dentro da mesma. Isso
se refere ao que através de Marx entenderíamos como materialismo histórico, ou seja, a
concepção metodológica de que as relações de produção, marcada pelo mundo material,
determinariam os modos de vida da sociedade, isto é o que Marx conceituou como
infraestrutura econômica e superestrutura político-ideológica. Nesse sentido, o segundo
trecho está mais relacionado com o determinismo econômico do desenvolvimento
histórico, a ação política, portanto, é colocada em segundo plano em face das relações
de produção.

O terceiro e último trecho, referente a obra O 18 de Brumário de Luís


Bonaparte, traz a concepção de tradição, que seria um equilíbrio entre os outros dois
trechos citados, pois interliga a concepção de luta, associação e resistência do primeiro,
mas também fala do condicionamento dos homens a vida fortemente marcada pela
produção material. A partir disso compreendemos que o terceiro trecho coloca em voga
“os homens fazendo sua própria história”, e consequentemente a resolução da vida

4
Exemplo disso seriam os sindicatos de trabalhadores.
social, porém sempre condicionado para isso através da tradição e legado do seu meio
de convívio.

Questão 5

Como já falou Hannah Arendt (2008), “Hegel já havia, em termos políticos,


desacreditado e contraditado a sua visão histórico-mundial, quando Marx então a usou
para introduzir na política o princípio real e mortalmente antipolítico” (p. 118); a partir
disso percebemos que a compreensão da teoria política marxista advém do
entendimento de uma teoria contrária à própria política moderna, uma vez que, para
Marx a política e o Estado são os representantes da classe dominante, e sendo assim
correspondem aos interesses da mesma.

Desde o início da política moderna, de Maquiavel a Hegel, encontramos uma


forte tendência no uso e racionalização do Estado para o alcance da liberdade. Vemos
isso claramente em Locke e sua defesa de que a garantia dos direitos humanos deveria
acontecer através do estado. Dessa forma percebemos que Marx tem uma ruptura com
os teóricos anteriores, pois há em sua teoria a ideia de um estado que garante e reafirma
não as necessidades comuns, do povo geral, mas as necessidades daqueles que precisam
se manter no poder; o Estado seria não uma entidade democrática, mas uma entidade
usada para a manutenção do poder e dos privilégios de uma forma particular de vida, a
da burguesia.

“É assim que o jovem Marx toma partido de uma visão de mundo radical, de
que até hoje boa parte das pessoas discorda, muitas vezes com raiva. Mas
porque muitos ficam revoltados quando o marxismo vem ensinar que o
mundo está cindido de classes? Porque a sociedade capitalista nos estrutura e
nos ensina, ao contrário, que cada um é um. Marx, no entanto aponta para os
indivíduos em classes sociais. A verdade do mundo é a verdade das classes.
Contudo, até hoje não se aceita a leitura de classe. O formalismo jurídico
individualista nos chama a todos iguais, sem permitir ver as divisões de
classes que nos estruturam”. (MASCARO, 2015, p. 17)

A partir disso, temos em Marx um autor que não dialoga com a política
moderna, pois sua concepção não se liga a ideia de que o Estado atenderia as
necessidades comuns e seria a superestrutura a garantir a liberdade, proposta pelos
autores da política moderna; Marx atualiza essa concepção ao dizer que a realização da
liberdade só seria alcançada com o fim do Estado, que já compreende um desfecho
historicamente produzido pela história da luta de classes5, daí sua alcunha de autor
antipolítico.

Referências

ARENDT, Hannah. De Hegel a Marx. Tradução de Pedro Jorgensen Jr. In: ______. A
promessa da política. Rio de Janeiro: DIFEL, 2008.
BOBBIO, Norberto. Estudos sobre Hegel: direito, sociedade civil e Estado. Tradução
de Luiz Sérgio Henriques e Carlos Nelson Coutinho. São Pulo: Editora Brasiliense;
Editora UNESP, 1991.
BOVERO, Michelangelo. O modelo hegelo-marxiano. In: BOBBIO, Norberto &
BOVERO, Michelangelo. Sociedade e Estado na filosofia política moderna. Tradução
de Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.
MARCUSE, Herbert. Razão e Revolução: Hegel e o advento da teoria social. Rio de
Janeiro: Editora Saga, 1969.
MASCARO, Alysson Leandro. A crítica do Estado e do direito: a forma política e a
forma jurídica. In: Curso Livre Marx-Engels: A criação destruidora. São Paulo:
Boitempo. 2015.
NETO, José Aldo Camurça de Araújo. O contratualismo na perspectiva crítica de
Hegel. In: Revista Intuitio. ISSN1983-4012, Porto Alegre Vol.4 – Nº. 1. 2011, p. 75-90.

RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In: Os clássicos da política.


WEFFORT, Francisco São Paulo: Ática, 1989C. vol. I.. p. 53-77.

VIEGAS, Vanessa Alves Bezerra. Os avanços alcançados pela lei Maria da Penha à
luz dos Direitos Humanos. In: Jurisway: Sistema educacional online. Disponível em:
http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=17052. Acesso em: 06/07/2016.

5
Essa fala se refere a primeira frase de Marx em O Manifesto do Partido Comunista (1998).

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