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Secretaria de Estado de Educação do Estado do Pará

SEDUC-PA
Comum as Disciplinas de Professor Classe I:
• Artes

• Biologia

• Educação Física
• Filosofia

• Física

• Geografia

• História

• Inglês

• Português

• Matemática

• Química

• Sociologia

Edital Nº 01/2018 – SEAD, 19 de Março de 2018

MR075-2018
DADOS DA OBRA

Título da obra: Secretaria de Estado de Educação do Estado do Pará - SEDUC-PA

Cargo: Comum as Disciplinas de Professor Classe I:

(Baseado no Edital Nº 01/2018 – SEAD, 19 de Março de 2018)

• Língua Portuguesa
• Conhecimentos Didático-Pedagógicos

Gestão de Conteúdos
Emanuela Amaral de Souza

Autora
Ana Maria

Diagramação/ Editoração Eletrônica


Elaine Cristina
Igor de Oliveira
Camila Lopes
Thais Regis

Produção Editoral
Suelen Domenica Pereira
Julia Antoneli

Capa
Joel Ferreira dos Santos
APRESENTAÇÃO

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SUMÁRIO

Língua Portuguesa
Compreensão e interpretação de textos; ....................................................................................................................................................... 83
Denotação e conotação;........................................................................................................................................................................................ 76
Figuras;.......................................................................................................................................................................................................................... 76
Coesão e coerência;................................................................................................................................................................................................. 86
Tipologia textual;...................................................................................................................................................................................................... 85
Significação das palavras;...................................................................................................................................................................................... 76
Emprego das classes de palavras; ..................................................................................................................................................................... 07
Sintaxe da oração e do período; ....................................................................................................................................................................... 63
Pontuação; .................................................................................................................................................................................................................. 50
Concordância verbal e nominal; ........................................................................................................................................................................ 52
Regência verbal e nominal; .................................................................................................................................................................................. 58
Estudo da crase;........................................................................................................................................................................................................ 71
Semântica e estilística. ........................................................................................................................................................................................... 76
Redação Oficial.......................................................................................................................................................................................................... 91

Conhecimentos Didático-Pedagógicos

Fundamentos da Educação: conceitos e concepções pedagógicas, seus fins e papel na sociedade ocidental contempo-
rânea.............................................................................................................................................................................................................................. 01
Principais aspectos históricos da Educação Brasileira................................................................................................................................ 15
Aspectos legais e políticos da organização da educação brasileira: as Diretrizes Curriculares Nacionais e suas implica-
ções na prática pedagógica; Estatuto da Criança e do Adolescente; LDB Lei Federal nº 9394/96 e alterações posteriores;
Parâmetros Curriculares Nacionais.................................................................................................................................................................... 21
Educação, trabalho, formação profissional e as transformações da Educação Básica................................................................116
Função histórica e social da escola: a escola como campo de relações (espaços de diferenças, contradições e conflitos),
para o exercício e a formação da cidadania, difusão e construção do conhecimento...............................................................135
Organização do processo didático: planejamento, estratégias e metodologias, avaliação; Avaliação como processo con-
tínuo, investigativo e inclusivo; A didática como fundamento epistemológico do fazer docente.........................................153
O currículo e cultura, conteúdos curriculares e aprendizagem, projetos de trabalho; Interdisciplinaridade e contextuali-
zação; Multiculturalismo; A escola e o Projeto Político Pedagógico; O espaço da sala de aula como ambiente interativo;
a atuação do professor mediador; a atuação do aluno como sujeito na construção do conhecimento............................177
Planejamento e gestão educacional...............................................................................................................................................................208
Gestão da aprendizagem.....................................................................................................................................................................................214
O Professor: formação e profissão...................................................................................................................................................................216
A pesquisa na prática docente..........................................................................................................................................................................263
A educação em sua dimensão teórico-filosófica: filosofias tradicionais da Educação e teorias educacionais contemporâ-
neas; As concepções de aprendizagem/aluno/ensino/professor nessas abordagens teóricas...............................................266
Principais Teorias e práticas na educação; As bases empíricas, metodológicas e epistemológicas das diversas teorias de
aprendizagem; Contribuições de Piaget, Vygotsky e Wallon para a psicologia e pedagogia.................................................284
Psicologia do desenvolvimento: aspectos históricos e biopsicossociais..........................................................................................294
Temas contemporâneos: bullying, o papel da escola, a escolha da profissão, transtornos alimentares na adolescência,
família, escolhas sexuais.......................................................................................................................................................................................301
Ética Profissional.....................................................................................................................................................................................................322
LÍNGUA PORTUGUESA

Letra e Fonema.......................................................................................................................................................................................................... 01
Estrutura das Palavras............................................................................................................................................................................................. 04
Classes de Palavras e suas Flexões..................................................................................................................................................................... 07
Ortografia.................................................................................................................................................................................................................... 44
Acentuação................................................................................................................................................................................................................. 47
Pontuação.................................................................................................................................................................................................................... 50
Concordância Verbal e Nominal......................................................................................................................................................................... 52
Regência Verbal e Nominal................................................................................................................................................................................... 58
Frase, oração e período.......................................................................................................................................................................................... 63
Sintaxe da Oração e do Período......................................................................................................................................................................... 63
Termos da Oração.................................................................................................................................................................................................... 63
Coordenação e Subordinação............................................................................................................................................................................. 63
Crase.............................................................................................................................................................................................................................. 71
Colocação Pronominal............................................................................................................................................................................................ 74
Significado das Palavras......................................................................................................................................................................................... 76
Interpretação Textual............................................................................................................................................................................................... 83
Tipologia Textual....................................................................................................................................................................................................... 85
Gêneros Textuais....................................................................................................................................................................................................... 86
Coesão e Coerência................................................................................................................................................................................................. 86
Reescrita de textos/Equivalência de Estruturas............................................................................................................................................. 88
Estrutura Textual........................................................................................................................................................................................................ 90
Redação Oficial.......................................................................................................................................................................................................... 91
Funções do “que” e do “se”................................................................................................................................................................................100
Variação Linguística...............................................................................................................................................................................................101
O processo de comunicação e as funções da linguagem......................................................................................................................103
LÍNGUA PORTUGUESA

PROF. ZENAIDE AUXILIADORA PACHEGAS BRANCO

Graduada pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Adamantina. Especialista pela Universidade Estadual Paulista
– Unesp

LETRA E FONEMA

A palavra fonologia é formada pelos elementos gregos fono (“som, voz”) e log, logia (“estudo”, “conhecimento”). Significa
literalmente “estudo dos sons” ou “estudo dos sons da voz”. Fonologia é a parte da gramática que estuda os sons da lín-
gua quanto à sua função no sistema de comunicação linguística, quanto à sua organização e classificação. Cuida, também,
de aspectos relacionados à divisão silábica, à ortografia, à acentuação, bem como da forma correta de pronunciar certas
palavras. Lembrando que, cada indivíduo tem uma maneira própria de realizar estes sons no ato da fala. Particularidades na
pronúncia de cada falante são estudadas pela Fonética.
Na língua falada, as palavras se constituem de fonemas; na língua escrita, as palavras são reproduzidas por meio de
símbolos gráficos, chamados de letras ou grafemas. Dá-se o nome de fonema ao menor elemento sonoro capaz de esta-
belecer uma distinção de significado entre as palavras. Observe, nos exemplos a seguir, os fonemas que marcam a distinção
entre os pares de palavras:
amor – ator / morro – corro / vento - cento

Cada segmento sonoro se refere a um dado da língua portuguesa que está em sua memória: a imagem acústica que
você - como falante de português - guarda de cada um deles. É essa imagem acústica que constitui o fonema. Este forma
os significantes dos signos linguísticos. Geralmente, aparece representado entre barras: /m/, /b/, /a/, /v/, etc.

Fonema e Letra
- O fonema não deve ser confundido com a letra. Esta é a representação gráfica do fonema. Na palavra sapo, por
exemplo, a letra “s” representa o fonema /s/ (lê-se sê); já na palavra brasa, a letra “s” representa o fonema /z/ (lê-se zê).
- Às vezes, o mesmo fonema pode ser representado por mais de uma letra do alfabeto. É o caso do fonema /z/, que
pode ser representado pelas letras z, s, x: zebra, casamento, exílio.

- Em alguns casos, a mesma letra pode representar mais de um fonema. A letra “x”, por exemplo, pode representar:
- o fonema /sê/: texto
- o fonema /zê/: exibir
- o fonema /che/: enxame
- o grupo de sons /ks/: táxi

- O número de letras nem sempre coincide com o número de fonemas.


Tóxico = fonemas: /t/ó/k/s/i/c/o/ letras: t ó x i c o
1 2 3 4 5 6 7 12 3 45 6

Galho = fonemas: /g/a/lh/o/ letras: ga lho


1 2 3 4 12345

- As letras “m” e “n”, em determinadas palavras, não representam fonemas. Observe os exemplos: compra, conta. Nestas
palavras, “m” e “n” indicam a nasalização das vogais que as antecedem: /õ/. Veja ainda: nave: o /n/ é um fonema; dança: o
“n” não é um fonema; o fonema é /ã/, representado na escrita pelas letras “a” e “n”.

- A letra h, ao iniciar uma palavra, não representa fonema.


Hoje = fonemas: ho / j / e / letras: h o j e
1 2 3 1234

Classificação dos Fonemas


Os fonemas da língua portuguesa são classificados em:

1) Vogais
As vogais são os fonemas sonoros produzidos por uma corrente de ar que passa livremente pela boca. Em nossa língua,
desempenham o papel de núcleo das sílabas. Isso significa que em toda sílaba há, necessariamente, uma única vogal.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Na produção de vogais, a boca fica aberta ou entrea- 1) Ditongo


berta. As vogais podem ser:
É o encontro de uma vogal e uma semivogal (ou vice-
- Orais: quando o ar sai apenas pela boca: /a/, /e/, /i/, versa) numa mesma sílaba. Pode ser:
/o/, /u/. - Crescente: quando a semivogal vem antes da vogal:
sé-rie (i = semivogal, e = vogal)
- Nasais: quando o ar sai pela boca e pelas fossas na- - Decrescente: quando a vogal vem antes da semivo-
sais. gal: pai (a = vogal, i = semivogal)
/ã/: fã, canto, tampa - Oral: quando o ar sai apenas pela boca: pai
/ ẽ /: dente, tempero - Nasal: quando o ar sai pela boca e pelas fossas na-
/ ĩ/: lindo, mim sais: mãe
/õ/: bonde, tombo
/ ũ /: nunca, algum 2) Tritongo

- Átonas: pronunciadas com menor intensidade: até, É a sequência formada por uma semivogal, uma vo-
bola. gal e uma semivogal, sempre nesta ordem, numa só sílaba.
Pode ser oral ou nasal: Paraguai - Tritongo oral, quão - Tri-
- Tônicas: pronunciadas com maior intensidade: até, tongo nasal.
bola.
3) Hiato
Quanto ao timbre, as vogais podem ser:
- Abertas: pé, lata, pó É a sequência de duas vogais numa mesma palavra que
- Fechadas: mês, luta, amor pertencem a sílabas diferentes, uma vez que nunca há mais
- Reduzidas - Aparecem quase sempre no final das pa- de uma vogal numa mesma sílaba: saída (sa-í-da), poesia
lavras: dedo (“dedu”), ave (“avi”), gente (“genti”). (po-e-si-a).

2) Semivogais Encontros Consonantais

Os fonemas /i/ e /u/, algumas vezes, não são vogais. O agrupamento de duas ou mais consoantes, sem vo-
Aparecem apoiados em uma vogal, formando com ela uma gal intermediária, recebe o nome de encontro consonantal.
só emissão de voz (uma sílaba). Neste caso, estes fonemas Existem basicamente dois tipos:
são chamados de semivogais. A diferença fundamental en- 1-) os que resultam do contato consoante + “l” ou “r”
tre vogais e semivogais está no fato de que estas não de- e ocorrem numa mesma sílaba, como em: pe-dra, pla-no,
sempenham o papel de núcleo silábico. a-tle-ta, cri-se.
Observe a palavra papai. Ela é formada de duas sílabas: 2-) os que resultam do contato de duas consoantes
pa - pai. Na última sílaba, o fonema vocálico que se destaca pertencentes a sílabas diferentes: por-ta, rit-mo, lis-ta.
é o “a”. Ele é a vogal. O outro fonema vocálico “i” não é tão Há ainda grupos consonantais que surgem no início
forte quanto ele. É a semivogal. Outros exemplos: saudade, dos vocábulos; são, por isso, inseparáveis: pneu, gno-mo,
história, série. psi-có-lo-go.

3) Consoantes Dígrafos

Para a produção das consoantes, a corrente de ar expi- De maneira geral, cada fonema é representado, na es-
rada pelos pulmões encontra obstáculos ao passar pela ca- crita, por apenas uma letra: lixo - Possui quatro fonemas e
vidade bucal, fazendo com que as consoantes sejam verda- quatro letras.
deiros “ruídos”, incapazes de atuar como núcleos silábicos.
Seu nome provém justamente desse fato, pois, em portu- Há, no entanto, fonemas que são representados, na es-
guês, sempre consoam (“soam com”) as vogais. Exemplos: crita, por duas letras: bicho - Possui quatro fonemas e cinco
/b/, /t/, /d/, /v/, /l/, /m/, etc. letras.

Encontros Vocálicos Na palavra acima, para representar o fonema /xe/ fo-


ram utilizadas duas letras: o “c” e o “h”.
Os encontros vocálicos são agrupamentos de vogais e Assim, o dígrafo ocorre quando duas letras são usadas
semivogais, sem consoantes intermediárias. É importante para representar um único fonema (di = dois + grafo = le-
reconhecê-los para dividir corretamente os vocábulos em tra). Em nossa língua, há um número razoável de dígrafos
sílabas. Existem três tipos de encontros: o ditongo, o triton- que convém conhecer. Podemos agrupá-los em dois tipos:
go e o hiato. consonantais e vocálicos.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Dígrafos Consonantais

Letras Fonemas Exemplos


lh /lhe/ telhado
nh /nhe/ marinheiro
ch /xe/ chave
rr /re/ (no interior da palavra) carro
ss /se/ (no interior da palavra) passo
qu /k/ (qu seguido de e e i) queijo, quiabo
gu /g/ ( gu seguido de e e i) guerra, guia
sc /se/ crescer
sç /se/ desço
xc /se/ exceção

Dígrafos Vocálicos

Registram-se na representação das vogais nasais:

Fonemas Letras Exemplos


/ã/ am tampa
an canto
/ẽ/ em templo
en lenda
/ĩ/ im limpo
in lindo
õ/ om tombo
on tonto
/ũ/ um chumbo
un corcunda

* Observação: “gu” e “qu” são dígrafos somente quando seguidos de “e” ou “i”, representam os fonemas /g/ e /k/:
guitarra, aquilo. Nestes casos, a letra “u” não corresponde a nenhum fonema. Em algumas palavras, no entanto, o “u” repre-
senta um fonema - semivogal ou vogal - (aguentar, linguiça, aquífero...). Aqui, “gu” e “qu” não são dígrafos. Também não há
dígrafos quando são seguidos de “a” ou “o” (quase, averiguo) .
** Dica: Conseguimos ouvir o som da letra “u” também, por isso não há dígrafo! Veja outros exemplos: Água = /agua/ nós
pronunciamos a letra “u”, ou então teríamos /aga/. Temos, em “água”, 4 letras e 4 fonemas. Já em guitarra = /gitara/ - não
pronunciamos o “u”, então temos dígrafo [aliás, dois dígrafos: “gu” e “rr”]. Portanto: 8 letras e 6 fonemas).

Dífonos

Assim como existem duas letras que representam um só fonema (os dígrafos), existem letras que representam dois
fonemas. Sim! É o caso de “fixo”, por exemplo, em que o “x” representa o fonema /ks/; táxi e crucifixo também são exemplos
de dífonos. Quando uma letra representa dois fonemas temos um caso de dífono.

Fontes de pesquisa:
http://www.soportugues.com.br/secoes/fono/fono1.php
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sacconi. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
Português: novas palavras: literatura, gramática, redação / Emília Amaral... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000.
Português linguagens: volume 1 / Wiliam Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo:
Saraiva, 2010.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Questões
ESTRUTURA DAS PALAVRAS
1-) (PREFEITURA DE PINHAIS/PR – INTÉRPRETE DE LI-
BRAS – FAFIPA/2014) Em todas as palavras a seguir há um
dígrafo, EXCETO em
(A) prazo. As palavras podem ser analisadas sob o ponto de vista
(B) cantor. de sua estrutura significativa. Para isso, nós as dividimos
(C) trabalho. em seus menores elementos (partes) possuidores de sen-
(D) professor. tido. A palavra inexplicável, por exemplo, é constituída por
três elementos significativos:
1-)
(A) prazo – “pr” é encontro consonantal In = elemento indicador de negação
(B) cantor – “an” é dígrafo Explic – elemento que contém o significado básico da
(C) trabalho – “tr” encontro consonantal / “lh” é dígrafo palavra
(D) professor – “pr” encontro consonantal q “ss” é dí- Ável = elemento indicador de possibilidade
grafo
RESPOSTA: “A”. Estes elementos formadores da palavra recebem o
nome de morfemas. Através da união das informações
2-) (PREFEITURA DE PINHAIS/PR – INTÉRPRETE DE LI- contidas nos três morfemas de inexplicável, pode-se en-
BRAS – FAFIPA/2014) Assinale a alternativa em que os itens tender o significado pleno dessa palavra: “aquilo que não
destacados possuem o mesmo fonema consonantal em to- tem possibilidade de ser explicado, que não é possível tornar
das as palavras da sequência. claro”.
(A) Externo – precisa – som – usuário.
MORFEMAS = são as menores unidades significativas
(B) Gente – segurança – adjunto – Japão.
que, reunidas, formam as palavras, dando-lhes sentido.
(C) Chefe – caixas – deixo – exatamente.
(D) Cozinha – pesada – lesão – exemplo.
Classificação dos morfemas:
2-) Coloquei entre barras ( / / ) o fonema representado
Radical, lexema ou semantema – é o elemento por-
pela letra destacada:
tador de significado. É através do radical que podemos for-
(A) Externo /s/ – precisa /s/ – som /s/ – usuário /z/
mar outras palavras comuns a um grupo de palavras da
(B) Gente /j/ – segurança /g/ – adjunto /j/ – Japão /j/ mesma família. Exemplo: pequeno, pequenininho, pequenez.
(C) Chefe /x/ – caixas /x/ – deixo /x/ – exatamente O conjunto de palavras que se agrupam em torno de um
/z/ mesmo radical denomina-se família de palavras.
(D) cozinha /z/ – pesada /z/ – lesão /z/– exemplo /z/
RESPOSTA: “D”. Afixos – elementos que se juntam ao radical antes (os
prefixos) ou depois (sufixos) dele. Exemplo: beleza (sufi-
3-) (CORPO DE BOMBEIROS MILITAR/PI – CURSO DE xo), prever (prefixo), infiel.
FORMAÇÃO DE SOLDADOS – UESPI/2014) “Seja Sangue
Bom!” Na sílaba final da palavra “sangue”, encontramos Desinências - Quando se conjuga o verbo amar, ob-
duas letras representando um único fonema. Esse fenôme- têm-se formas como amava, amavas, amava, amávamos,
no também está presente em: amáveis, amavam. Estas modificações ocorrem à medida
A) cartola. que o verbo vai sendo flexionado em número (singular e
B) problema. plural) e pessoa (primeira, segunda ou terceira). Também
C) guaraná. ocorrem se modificarmos o tempo e o modo do verbo
D) água. (amava, amara, amasse, por exemplo). Assim, podemos
E) nascimento. concluir que existem morfemas que indicam as flexões das
palavras. Estes morfemas sempre surgem no fim das pala-
3-) Duas letras representando um único fonema = dí- vras variáveis e recebem o nome de desinências. Há desi-
grafo nências nominais e desinências verbais.
A) cartola = não há dígrafo
B) problema = não há dígrafo • Desinências nominais: indicam o gênero e o número
C) guaraná = não há dígrafo (você ouve o som do “u”) dos nomes. Para a indicação de gênero, o português cos-
D) água = não há dígrafo (você ouve o som do “u”) tuma opor as desinências -o/-a: garoto/garota; menino/
E) nascimento = dígrafo: sc menina. Para a indicação de número, costuma-se utilizar
RESPOSTA: “E”. o morfema –s, que indica o plural em oposição à ausência
de morfema, que indica o singular: garoto/garotos; garota/
garotas; menino/meninos; menina/meninas. No caso dos
nomes terminados em –r e –z, a desinência de plural assu-
me a forma -es: mar/mares; revólver/revólveres; cruz/cruzes.

4
LÍNGUA PORTUGUESA

• Desinências verbais: em nossa língua, as desinências Palavras primitivas: aquelas que, na língua portugue-
verbais pertencem a dois tipos distintos. Há desinências sa, não provêm de outra palavra: pedra, flor.
que indicam o modo e o tempo (desinências modo-tem-
porais) e outras que indicam o número e a pessoa dos ver- Palavras derivadas: aquelas que, na língua portugue-
bos (desinência número-pessoais): sa, provêm de outra palavra: pedreiro, floricultura.

cant-á-va-mos: Palavras simples: aquelas que possuem um só radical:


cant: radical / -á-: vogal temática / -va-: desinência mo- azeite, cavalo.
do-temporal (caracteriza o pretérito imperfeito do indicati-
vo) / -mos: desinência número-pessoal (caracteriza a primei- Palavras compostas: aquelas que possuem mais de
ra pessoa do plural) um radical: couve-flor, planalto.
* As palavras compostas podem ou não ter seus ele-
cant-á-sse-is: mentos ligados por hífen.
cant: radical / -á-: vogal temática / -sse-:desinência mo-
do-temporal (caracteriza o pretérito imperfeito do subjunti- Processos de Formação de Palavras
vo) / -is: desinência número-pessoal (caracteriza a segunda
pessoa do plural) Na Língua Portuguesa há muitos processos de forma-
ção de palavras. Entre eles, os mais comuns são a derivação,
Vogal temática a composição, a onomatopeia, a abreviação e o hibridismo.
Entre o radical cant- e as desinências verbais, surge Derivação por Acréscimo de Afixos
sempre o morfema –a. Este morfema, que liga o radical
às desinências, é chamado de vogal temática. Sua função É o processo pelo qual se obtêm palavras novas (deri-
é ligar-se ao radical, constituindo o chamado tema. É ao vadas) pela anexação de afixos à palavra primitiva. A deri-
tema (radical + vogal temática) que se acrescentam as de- vação pode ser: prefixal, sufixal e parassintética.
sinências. Tanto os verbos como os nomes apresentam vo-
gais temáticas. No caso dos verbos, a vogal temática indica
Prefixal (ou prefixação): a palavra nova é obtida por
as conjugações: -a (da 1.ª conjugação = cantar), -e (da 2.ª
acréscimo de prefixo.
conjugação = escrever) e –i (3.ªconjugação = partir).
In feliz des leal
• Vogais temáticas nominais: São -a, -e, e -o, quando
Prefixo radical prefixo radical
átonas finais, como em mesa, artista, perda, escola, base,
combate. Nestes casos, não poderíamos pensar que essas
terminações são desinências indicadoras de gênero, pois Sufixal (ou sufixação): a palavra nova é obtida por
mesa e escola, por exemplo, não sofrem esse tipo de flexão. acréscimo de sufixo.
A estas vogais temáticas se liga a desinência indicadora
de plural: mesa-s, escola-s, perda-s. Os nomes terminados Feliz mente leal dade
em vogais tônicas (sofá, café, cipó, caqui, por exemplo) não Radical sufixo radical sufixo
apresentam vogal temática.
Parassintética: a palavra nova é obtida pelo acréscimo
• Vogais temáticas verbais: São -a, -e e -i, que ca- simultâneo de prefixo e sufixo. Por parassíntese formam-
racterizam três grupos de verbos a que se dá o nome de se principalmente verbos.
conjugações. Assim, os verbos cuja vogal temática é -a per-
tencem à primeira conjugação; aqueles cuja vogal temática En trist ecer
é -e pertencem à segunda conjugação e os que têm vogal Prefixo radical sufixo
temática -i pertencem à terceira conjugação.
Em tard ecer
Interfixos prefixo radical sufixo

São os elementos (vogais ou consoantes) que se in- Outros Tipos de Derivação


tercalam entre o radical e o sufixo, para facilitar ou mes-
mo possibilitar a leitura de uma determinada palavra. Por Há dois casos em que a palavra derivada é formada
exemplo: sem que haja a presença de afixos. São eles: a derivação
Vogais: frutífero, gasômetro, carnívoro. regressiva e a derivação imprópria.
Consoantes: cafezal, sonolento, friorento.
Derivação regressiva: a palavra nova é obtida por re-
Formação das Palavras dução da palavra primitiva. Ocorre, sobretudo, na formação
de substantivos derivados de verbos.
Há em Português palavras primitivas, palavras deriva- janta (substantivo) - deriva de jantar (verbo) / pesca
das, palavras simples, palavras compostas. (substantivo) – deriva de pescar (verbo)

5
LÍNGUA PORTUGUESA

Derivação imprópria: a palavra nova (derivada) é ob- Fontes de pesquisa:


tida pela mudança de categoria gramatical da palavra pri-
mitiva. Não ocorre, pois, alteração na forma, mas somente http://www.brasilescola.com/gramatica/estrutura-e-
na classe gramatical. formacao-de-palavras-i.htm
Não entendi o porquê da briga. (o substantivo “porquê” SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
deriva da conjunção porque) coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
Seu olhar me fascina! (olhar aqui é substantivo, deriva Português linguagens: volume 1 / Wiliam Roberto Cere-
do verbo olhar). ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo:
Saraiva, 2010.
** Dica: A derivação regressiva “mexe” na estrutura da Português: novas palavras: literatura, gramática, reda-
palavra e geralmente transforma verbos em substantivos: ção / Emília Amaral... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000.
caça = deriva de caçar, saque = deriva de sacar.
A derivação imprópria não “mexe” com a palavra,
apenas faz com que ela pertença a uma classe gramatical Questões sobre Estrutura das Palavras
“imprópria” da qual ela realmente, ou melhor, costumeira-
mente faz parte. A alteração acontece devido à presença de 1-) (RIOPREVIDÊNCIA – ESPECIALISTA EM PREVIDÊN-
outros termos, como artigos, por exemplo: CIA SOCIAL – CEPERJ/2014) A palavra “infraestrutura” é for-
O verde das matas! (o adjetivo “verde” passou a fun- mada pelo seguinte processo:
cionar como substantivo devido à presença do artigo “o”) A) sufixação
Composição B) prefixação
C) parassíntese
Haverá composição quando se juntarem dois ou mais D) justaposição
radicais para formar uma nova palavra. Há dois tipos de E) aglutinação
composição: justaposição e aglutinação.
1-) Infra = prefixo + estrutura – temos a junção de um
Justaposição: ocorre quando os elementos que for- prefixo com um radical, portanto: derivação prefixal (ou
mam o composto são postos lado a lado, ou seja, justapos-
prefixação).
tos: para-raios, corre-corre, guarda-roupa, segunda-feira,
girassol.
RESPOSTA: “B”.
Composição por aglutinação: ocorre quando os ele-
mentos que formam o composto aglutinam-se e pelo me-
2-) (SECRETARIA DE ESTADO DE DEFESA SOCIAL/MG –
nos um deles perde sua integridade sonora: aguardente
AGENTE DE SEGURANÇA SOCIOEDUCATIVO – IBFC/2014)
(água + ardente), planalto (plano + alto), pernalta (perna +
alta), vinagre (vinho + acre). O vocábulo “entristecido”, presente na terceira estrofe, é
um exemplo de:
Outros processos de formação de palavras: a) palavra composta
b) palavra primitiva
Onomatopeia – é a palavra que procura reproduzir c) palavra derivada
certos sons ou ruídos: reco-reco, tique-taque, fom-fom. d) neologismo

Abreviação – é a redução de palavras até o limite per- 2-) en + triste + ido (com consoante de ligação “c”) =
mitido pela compreensão: moto (motocicleta), pneu (pneu- ao radical “triste” foram acrescidos o prefixo “en” e o sufixo
mático), metrô (metropolitano), foto (fotografia). “ido”, ou seja, “entristecido” é palavra derivada do processo
de formação de palavras chamado de: prefixação e sufixa-
* Observação: ção. Para o exercício, basta “derivada”!
- Abreviatura: é a redução na grafia de certas palavras,
limitando-as quase sempre à letra inicial ou às letras ini- RESPOSTA: “C”.
ciais: p. ou pág. (para página), sr. (para senhor).
- Sigla: é um caso especial de abreviatura, na qual se
reduzem locuções substantivas próprias às suas letras ini-
ciais (são as siglas puras) ou sílabas iniciais (siglas impuras),
que se grafam de duas formas: IBGE, MEC (siglas puras);
DETRAN ou Detran, PETROBRAS ou Petrobras (siglas impu-
ras).
- Hibridismo: é a palavra formada com elementos
oriundos de línguas diferentes.
automóvel (auto: grego; móvel: latim)
sociologia (socio: latim; logia: grego)
sambódromo (samba: dialeto africano; dromo: grego)

6
LÍNGUA PORTUGUESA

de lago lacustre
CLASSES DE PALAVRAS E SUAS FLEXÕES
de leão leonino
de lebre leporino
de lua lunar ou selênico
Adjetivo é a palavra que expressa uma qualidade ou
característica do ser e se relaciona com o substantivo, con- de madeira lígneo
cordando com este em gênero e número. de mestre magistral
de ouro áureo
As praias brasileiras estão poluídas.
de paixão passional
Praias = substantivo; brasileiras/poluídas = adjetivos de pâncreas pancreático
(plural e feminino, pois concordam com “praias”).
de porco suíno ou porcino
Locução adjetiva dos quadris ciático
de rio fluvial
Locução = reunião de palavras. Sempre que são ne-
cessárias duas ou mais palavras para falar sobre a mesma de sonho onírico
coisa, tem-se uma locução. Às vezes, uma preposição + de velho senil
substantivo tem o mesmo valor de um adjetivo: é a Locu- de vento eólico
ção Adjetiva (expressão que equivale a um adjetivo). Por
exemplo: aves da noite (aves noturnas), paixão sem freio de vidro vítreo ou hialino
(paixão desenfreada). de virilha inguinal
de visão óptico ou ótico
Observe outros exemplos:
* Observação: nem toda locução adjetiva possui um
de águia aquilino adjetivo correspondente, com o mesmo significado. Por
de aluno discente exemplo: Vi as alunas da 5ª série. / O muro de tijolos caiu.
de anjo angelical Morfossintaxe do Adjetivo (Função Sintática):
de ano anual
de aranha aracnídeo O adjetivo exerce sempre funções sintáticas (função
dentro de uma oração) relativas aos substantivos, atuando
de boi bovino como adjunto adnominal ou como predicativo (do sujeito
de cabelo capilar ou do objeto).
de cabra caprino
Adjetivo Pátrio (ou gentílico)
de campo campestre ou rural
de chuva pluvial Indica a nacionalidade ou o lugar de origem do ser.
Observe alguns deles:
de criança pueril
de dedo digital Estados e cidades brasileiras:
de estômago estomacal ou gástrico
de falcão falconídeo Alagoas alagoano
de farinha farináceo Amapá amapaense
de fera ferino Aracaju aracajuano ou aracajuense
de ferro férreo Amazonas amazonense ou baré
de fogo ígneo Belo Horizonte belo-horizontino
de garganta gutural Brasília brasiliense
de gelo glacial Cabo Frio cabo-friense
de guerra bélico Campinas campineiro ou campinense
de homem viril ou humano
de ilha insular
de inverno hibernal ou invernal

7
LÍNGUA PORTUGUESA

Adjetivo Pátrio Composto

Na formação do adjetivo pátrio composto, o primeiro elemento aparece na forma reduzida e, normalmente, erudita.
Observe alguns exemplos:

África afro- / Cultura afro-americana


Alemanha germano- ou teuto-/Competições teuto-inglesas
América américo- / Companhia américo-africana
Bélgica belgo- / Acampamentos belgo-franceses
China sino- / Acordos sino-japoneses
Espanha hispano- / Mercado hispano-português
Europa euro- / Negociações euro-americanas
França franco- ou galo- / Reuniões franco-italianas
Grécia greco- / Filmes greco-romanos
Inglaterra anglo- / Letras anglo-portuguesas
Itália ítalo- / Sociedade ítalo-portuguesa
Japão nipo- / Associações nipo-brasileiras
Portugal luso- / Acordos luso-brasileiros

Flexão dos adjetivos

O adjetivo varia em gênero, número e grau.

Gênero dos Adjetivos

Os adjetivos concordam com o substantivo a que se referem (masculino e feminino). De forma semelhante aos subs-
tantivos, classificam-se em:

Biformes - têm duas formas, sendo uma para o masculino e outra para o feminino: ativo e ativa, mau e má.
Se o adjetivo é composto e biforme, ele flexiona no feminino somente o último elemento: o moço norte-americano, a
moça norte-americana.

* Exceção: surdo-mudo e surda-muda.

Uniformes - têm uma só forma tanto para o masculino como para o feminino: homem feliz e mulher feliz.
Se o adjetivo é composto e uniforme, fica invariável no feminino: conflito político-social e desavença político-social.

Número dos Adjetivos

Plural dos adjetivos simples

Os adjetivos simples se flexionam no plural de acordo com as regras estabelecidas para a flexão numérica dos substan-
tivos simples: mau e maus, feliz e felizes, ruim e ruins, boa e boas.
Caso o adjetivo seja uma palavra que também exerça função de substantivo, ficará invariável, ou seja, se a palavra que
estiver qualificando um elemento for, originalmente, um substantivo, ela manterá sua forma primitiva. Exemplo: a palavra
cinza é, originalmente, um substantivo; porém, se estiver qualificando um elemento, funcionará como adjetivo. Ficará, en-
tão, invariável. Logo: camisas cinza, ternos cinza.

Veja outros exemplos:


Motos vinho (mas: motos verdes)
Paredes musgo (mas: paredes brancas).
Comícios monstro (mas: comícios grandiosos).

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LÍNGUA PORTUGUESA

Adjetivo Composto Observe que:


a) As formas menor e pior são comparativos de supe-
É aquele formado por dois ou mais elementos. Nor- rioridade, pois equivalem a mais pequeno e mais mau, res-
malmente, esses elementos são ligados por hífen. Apenas pectivamente.
o último elemento concorda com o substantivo a que se b) Bom, mau, grande e pequeno têm formas sintéticas
refere; os demais ficam na forma masculina, singular. Caso (melhor, pior, maior e menor), porém, em comparações fei-
um dos elementos que formam o adjetivo composto seja tas entre duas qualidades de um mesmo elemento, deve-se
um substantivo adjetivado, todo o adjetivo composto ficará usar as formas analíticas mais bom, mais mau,mais grande
invariável. Por exemplo: a palavra “rosa” é, originalmente, e mais pequeno. Por exemplo:
um substantivo, porém, se estiver qualificando um elemen- Pedro é maior do que Paulo - Comparação de dois ele-
to, funcionará como adjetivo. Caso se ligue a outra pala- mentos.
vra por hífen, formará um adjetivo composto; como é um Pedro é mais grande que pequeno - comparação de
substantivo adjetivado, o adjetivo composto inteiro ficará duas qualidades de um mesmo elemento.
invariável. Veja:
Camisas rosa-claro. Sou menos alto (do) que você. = Comparativo de Infe-
Ternos rosa-claro.
rioridade
Olhos verde-claros.
Sou menos passivo (do) que tolerante.
Calças azul-escuras e camisas verde-mar.
Telhados marrom-café e paredes verde-claras.
Superlativo
* Observação:
- Azul-marinho, azul-celeste, ultravioleta e qualquer O superlativo expressa qualidades num grau muito ele-
adjetivo composto iniciado por “cor-de-...” são sempre in- vado ou em grau máximo. Pode ser absoluto ou relativo e
variáveis: roupas azul-marinho, tecidos azul-celeste, vestidos apresenta as seguintes modalidades:
cor-de-rosa. Superlativo Absoluto: ocorre quando a qualidade de
- O adjetivo composto surdo-mudo tem os dois ele- um ser é intensificada, sem relação com outros seres. Apre-
mentos flexionados: crianças surdas-mudas. senta-se nas formas:
1-) Analítica: a intensificação é feita com o auxílio
Grau do Adjetivo de palavras que dão ideia de intensidade (advérbios). Por
exemplo: O concurseiro é muito esforçado.
Os adjetivos se flexionam em grau para indicar a inten- 2-) Sintética: nesta, há o acréscimo de sufixos. Por
sidade da qualidade do ser. São dois os graus do adjetivo: exemplo: O concurseiro é esforçadíssimo.
o comparativo e o superlativo.
Observe alguns superlativos sintéticos:
Comparativo
benéfico - beneficentíssimo
Nesse grau, comparam-se a mesma característica atri-
buída a dois ou mais seres ou duas ou mais características bom - boníssimo ou ótimo
atribuídas ao mesmo ser. O comparativo pode ser de igual- comum - comuníssimo
dade, de superioridade ou de inferioridade.
cruel - crudelíssimo
Sou tão alto como você. = Comparativo de Igualdade difícil - dificílimo
No comparativo de igualdade, o segundo termo da doce - dulcíssimo
comparação é introduzido pelas palavras como, quanto ou
quão. fácil - facílimo
fiel - fidelíssimo
Sou mais alto (do) que você. = Comparativo de Supe-
rioridade Analítico Superlativo Relativo: ocorre quando a qualidade de
No comparativo de superioridade analítico, entre os um ser é intensificada em relação a um conjunto de seres.
dois substantivos comparados, um tem qualidade supe- Essa relação pode ser:
rior. A forma é analítica porque pedimos auxílio a “mais...do 1-) De Superioridade: Essa matéria é a mais fácil de
que” ou “mais...que”.
todas.
2-) De Inferioridade: Essa matéria é a menos fácil de
O Sol é maior (do) que a Terra. = Comparativo de Supe-
todas.
rioridade Sintético

Alguns adjetivos possuem, para o comparativo de * Note bem:


superioridade, formas sintéticas, herdadas do latim. São 1) O superlativo absoluto analítico é expresso por meio
eles: bom /melhor, pequeno/menor, mau/pior, alto/superior, dos advérbios muito, extremamente, excepcionalmente, an-
grande/maior, baixo/inferior. tepostos ao adjetivo.

9
LÍNGUA PORTUGUESA

2) O superlativo absoluto sintético se apresenta sob - de inferioridade: menos + advérbio + que (do que):
duas formas: uma erudita - de origem latina - outra po- Renato fala menos alto do que João.
pular - de origem vernácula. A forma erudita é constituída - de superioridade:
pelo radical do adjetivo latino + um dos sufixos -íssimo, 1-) Analítico: mais + advérbio + que (do que): Renato
-imo ou érrimo: fidelíssimo, facílimo, paupérrimo. A forma fala mais alto do que João.
popular é constituída do radical do adjetivo português + o 2-) Sintético: melhor ou pior que (do que): Renato fala
sufixo -íssimo: pobríssimo, agilíssimo. melhor que João.
3-) Os adjetivos terminados em –io fazem o superlativo
com dois “ii”: frio – friíssimo, sério – seriíssimo; os termi- Grau Superlativo
nados em –eio, com apenas um “i”: feio - feíssimo, cheio
– cheíssimo. O superlativo pode ser analítico ou sintético:
- Analítico: acompanhado de outro advérbio: Renato
Fontes de pesquisa: fala muito alto.
http://www.soportugues.com.br/secoes/morf/morf32. muito = advérbio de intensidade / alto = advérbio de
php modo
Português linguagens: volume 2 / Wiliam Roberto Cere-
ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo: - Sintético: formado com sufixos: Renato fala altíssimo.
Saraiva, 2010.
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac- * Observação: as formas diminutivas (cedinho, perti-
coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010. nho, etc.) são comuns na língua popular.
Português: novas palavras: literatura, gramática, reda- Maria mora pertinho daqui. (muito perto)
ção / Emília Amaral... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000. A criança levantou cedinho. (muito cedo)

Advérbio Classificação dos Advérbios

Compare estes exemplos: De acordo com a circunstância que exprime, o advér-


bio pode ser de:
Lugar: aqui, antes, dentro, ali, adiante, fora, acolá, atrás,
O ônibus chegou.
além, lá, detrás, aquém, cá, acima, onde, perto, aí, abaixo,
O ônibus chegou ontem.
aonde, longe, debaixo, algures, defronte, nenhures, adentro,
afora, alhures, aquém, embaixo, externamente, a distância,
Advérbio é uma palavra invariável que modifica o sen-
à distância de, de longe, de perto, em cima, à direita, à es-
tido do verbo (acrescentando-lhe circunstâncias de tempo,
querda, ao lado, em volta.
de modo, de lugar, de intensidade), do adjetivo e do próprio Tempo: hoje, logo, primeiro, ontem, tarde, outrora,
advérbio. amanhã, cedo, dantes, depois, ainda, antigamente, antes,
Estudei bastante. = modificando o verbo estudei doravante, nunca, então, ora, jamais, agora, sempre, já, en-
Ele canta muito bem! = intensificando outro advérbio fim, afinal, amiúde, breve, constantemente, entrementes,
(bem) imediatamente, primeiramente, provisoriamente, sucessiva-
Ela tem os olhos muito claros. = relação com um adje- mente, às vezes, à tarde, à noite, de manhã, de repente, de
tivo (claros) vez em quando, de quando em quando, a qualquer momen-
to, de tempos em tempos, em breve, hoje em dia.
Quando modifica um verbo, o advérbio pode acrescen- Modo: bem, mal, assim, adrede, melhor, pior, depressa,
tar ideia de: acinte, debalde, devagar, às pressas, às claras, às cegas, à
Tempo: Ela chegou tarde. toa, à vontade, às escondidas, aos poucos, desse jeito, desse
Lugar: Ele mora aqui. modo, dessa maneira, em geral, frente a frente, lado a lado,
Modo: Eles agiram mal. a pé, de cor, em vão e a maior parte dos que terminam em
Negação: Ela não saiu de casa. “-mente”: calmamente, tristemente, propositadamente, pa-
Dúvida: Talvez ele volte. cientemente, amorosamente, docemente, escandalosamen-
te, bondosamente, generosamente.
Flexão do Advérbio Afirmação: sim, certamente, realmente, decerto, efeti-
vamente, certo, decididamente, deveras, indubitavelmente.
Os advérbios são palavras invariáveis, isto é, não apre- Negação: não, nem, nunca, jamais, de modo algum, de
sentam variação em gênero e número. Alguns advérbios, forma nenhuma, tampouco, de jeito nenhum.
porém, admitem a variação em grau. Observe: Dúvida: acaso, porventura, possivelmente, provavel-
mente, quiçá, talvez, casualmente, por certo, quem sabe.
Grau Comparativo Intensidade: muito, demais, pouco, tão, em excesso,
bastante, mais, menos, demasiado, quanto, quão, tanto, as-
Forma-se o comparativo do advérbio do mesmo modo saz, que (equivale a quão), tudo, nada, todo, quase, de todo,
que o comparativo do adjetivo: de muito, por completo, extremamente, intensamente, gran-
- de igualdade: tão + advérbio + quanto (como): Re- demente, bem (quando aplicado a propriedades graduá-
nato fala tão alto quanto João. veis).

10
LÍNGUA PORTUGUESA

Exclusão: apenas, exclusivamente, salvo, senão, somen- Locução Adverbial


te, simplesmente, só, unicamente. Por exemplo: Brando, o
vento apenas move a copa das árvores. Quando há duas ou mais palavras que exercem função
Inclusão: ainda, até, mesmo, inclusivamente, também. de advérbio, temos a locução adverbial, que pode expres-
Por exemplo: O indivíduo também amadurece durante a sar as mesmas noções dos advérbios. Iniciam ordinaria-
adolescência. mente por uma preposição. Veja:
Ordem: depois, primeiramente, ultimamente. Por lugar: à esquerda, à direita, de longe, de perto, para
exemplo: Primeiramente, eu gostaria de agradecer aos meus dentro, por aqui, etc.
amigos por comparecerem à festa. afirmação: por certo, sem dúvida, etc.
modo: às pressas, passo a passo, de cor, em vão, em
* Saiba que: geral, frente a frente, etc.
- Para se exprimir o limite de possibilidade, antepõe-se tempo: de noite, de dia, de vez em quando, à tarde, hoje
ao advérbio “o mais” ou “o menos”. Por exemplo: Ficarei em dia, nunca mais, etc.
o mais longe que puder daquele garoto. Voltarei o menos
tarde possível. * Observações:
- Quando ocorrem dois ou mais advérbios em -mente, - tanto a locução adverbial como o advérbio modifi-
em geral sufixamos apenas o último: Por exemplo: O aluno cam o verbo, o adjetivo e outro advérbio:
respondeu calma e respeitosamente. Chegou muito cedo. (advérbio)
Joana é muito bela. (adjetivo)
Distinção entre Advérbio e Pronome Indefinido De repente correram para a rua. (verbo)

Há palavras como muito, bastante, que podem apare- - Usam-se, de preferência, as formas mais bem e mais
cer como advérbio e como pronome indefinido. mal antes de adjetivos ou de verbos no particípio:
Advérbio: refere-se a um verbo, adjetivo, ou a outro Essa matéria é mais bem interessante que aquela.
advérbio e não sofre flexões. Por exemplo: Eu corri muito. Nosso aluno foi o mais bem colocado no concurso!
Pronome Indefinido: relaciona-se a um substantivo e - O numeral “primeiro”, ao modificar o verbo, é advér-
sofre flexões. Por exemplo: Eu corri muitos quilômetros. bio: Cheguei primeiro.

* Dica: Como saber se a palavra bastante é advérbio - Quanto a sua função sintática: o advérbio e a locução
(não varia, não se flexiona) ou pronome indefinido (varia, adverbial desempenham na oração a função de adjunto
sofre flexão)? Se der, na frase, para substituir o “bastante” adverbial, classificando-se de acordo com as circunstân-
por “muito”, estamos diante de um advérbio; se der para cias que acrescentam ao verbo, ao adjetivo ou ao advérbio.
substituir por “muitos” (ou muitas), é um pronome. Veja: Exemplo:
Meio cansada, a candidata saiu da sala. = adjunto ad-
1-) Estudei bastante para o concurso. (estudei muito, verbial de intensidade (ligado ao adjetivo “cansada”)
pois “muitos” não dá!). = advérbio Trovejou muito ontem. = adjunto adverbial de intensi-
dade e de tempo, respectivamente.
2-) Estudei bastantes capítulos para o concurso. (estudei
muitos capítulos) = pronome indefinido Fontes de pesquisa:
http://www.soportugues.com.br/secoes/morf/morf75.
Advérbios Interrogativos php
Português linguagens: volume 2 / Wiliam Roberto Cere-
São as palavras: onde? aonde? donde? quando? como? ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo:
por quê? nas interrogações diretas ou indiretas, referentes Saraiva, 2010.
às circunstâncias de lugar, tempo, modo e causa. Veja: Português: novas palavras: literatura, gramática, reda-
ção / Emília Amaral... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000.
Interrogação Direta Interrogação Indireta SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
Como aprendeu? Perguntei como aprendeu.
Onde mora? Indaguei onde morava. Artigo
Por que choras? Não sei por que choras.
O artigo integra as dez classes gramaticais, definindo-
Aonde vai? Perguntei aonde ia. se como o termo variável que serve para individualizar ou
Donde vens? Pergunto donde vens. generalizar o substantivo, indicando, também, o gênero
Quando voltas? Pergunto quando voltas. (masculino/feminino) e o número (singular/plural).
Os artigos se subdividem em definidos (“o” e as va-
riações “a”[as] e [os]) e indefinidos (“um” e as variações
“uma”[s] e “uns”).

11
LÍNGUA PORTUGUESA

Artigos definidos – São aqueles usados para indicar Mas, se o nome apresentar um caracterizador, a pre-
seres determinados, expressos de forma individual: sença do artigo será obrigatória: O professor visitará a bela
O concurseiro estuda muito. Os concurseiros estudam Roma.
muito.
- antes de pronomes de tratamento:
Artigos indefinidos – São aqueles usados para indicar Vossa Senhoria sairá agora?
seres de modo vago, impreciso: Exceção: O senhor vai à festa?
Uma candidata foi aprovada! Umas candidatas foram
aprovadas! - após o pronome relativo “cujo” e suas variações:
Esse é o concurso cujas provas foram anuladas?
Circunstâncias em que os artigos se manifestam: Este é o candidato cuja nota foi a mais alta.

* Considera-se obrigatório o uso do artigo depois do Fontes de pesquisa:


numeral “ambos”: http://www.brasilescola.com/gramatica/artigo.htm
Ambos os concursos cobrarão tal conteúdo. Português linguagens: volume 2 / Wiliam Roberto Cere-
ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo:
* Nomes próprios indicativos de lugar admitem o uso Saraiva, 2010.
do artigo, outros não: Português: novas palavras: literatura, gramática, reda-
São Paulo, O Rio de Janeiro, Veneza, A Bahia... ção / Emília Amaral... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000.SACCO-
NI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sacconi. 30ª ed.
* Quando indicado no singular, o artigo definido pode Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
indicar toda uma espécie: Português linguagens: volume 1 / Wiliam Roberto Cere-
O trabalho dignifica o homem. ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo:
Saraiva, 2010.
* No caso de nomes próprios personativos, denotando
a ideia de familiaridade ou afetividade, é facultativo o uso Conjunção
do artigo:
Marcela é a mais extrovertida das irmãs. Além da preposição, há outra palavra também invariá-
O Pedro é o xodó da família. vel que, na frase, é usada como elemento de ligação: a con-
junção. Ela serve para ligar duas orações ou duas palavras
* No caso de os nomes próprios personativos estarem de mesma função em uma oração:
no plural, são determinados pelo uso do artigo: O concurso será realizado nas cidades de Campinas e
Os Maias, os Incas, Os Astecas... São Paulo.
A prova não será fácil, por isso estou estudando muito.
* Usa-se o artigo depois do pronome indefinido to-
do(a) para conferir uma ideia de totalidade. Sem o uso dele Morfossintaxe da Conjunção
(o artigo), o pronome assume a noção de qualquer.
Toda a classe parabenizou o professor. (a sala toda) As conjunções, a exemplo das preposições, não exer-
Toda classe possui alunos interessados e desinteressa- cem propriamente uma função sintática: são conectivos.
dos. (qualquer classe)
Classificação da Conjunção
* Antes de pronomes possessivos, o uso do artigo é
facultativo: De acordo com o tipo de relação que estabelecem, as
Preparei o meu curso. Preparei meu curso. conjunções podem ser classificadas em coordenativas e
subordinativas. No primeiro caso, os elementos ligados
* A utilização do artigo indefinido pode indicar uma pela conjunção podem ser isolados um do outro. Esse iso-
ideia de aproximação numérica: lamento, no entanto, não acarreta perda da unidade de
O máximo que ele deve ter é uns vinte anos. sentido que cada um dos elementos possui. Já no segundo
caso, cada um dos elementos ligados pela conjunção de-
* O artigo também é usado para substantivar palavras pende da existência do outro. Veja:
pertencentes a outras classes gramaticais:
Não sei o porquê de tudo isso. Estudei muito, mas ainda não compreendi o conteúdo.
Podemos separá-las por ponto:
* Há casos em que o artigo definido não pode ser Estudei muito. Ainda não compreendi o conteúdo.
usado:
- antes de nomes de cidade e de pessoas conhecidas: Temos acima um exemplo de conjunção (e, conse-
O professor visitará Roma. quentemente, orações coordenadas) coordenativa – “mas”.
Já em:

12
LÍNGUA PORTUGUESA

Espero que eu seja aprovada no concurso! As conjunções subordinativas subdividem-se em inte-


Não conseguimos separar uma oração da outra, pois a grantes e adverbiais:
segunda “completa” o sentido da primeira (da oração prin-
cipal): 1. Integrantes - Indicam que a oração subordinada por
Espero o quê? Ser aprovada. Nesse período temos uma elas introduzida completa ou integra o sentido da principal.
oração subordinada substantiva objetiva direta (ela exerce Introduzem orações que equivalem a substantivos, ou seja,
a função de objeto direto do verbo da oração principal). as orações subordinadas substantivas. São elas: que, se.
Quero que você volte. (Quero sua volta)
Conjunções Coordenativas
2. Adverbiais - Indicam que a oração subordinada
São aquelas que ligam orações de sentido completo exerce a função de adjunto adverbial da principal. De acor-
e independente ou termos da oração que têm a mesma do com a circunstância que expressam, classificam-se em:
a) Causais: introduzem uma oração que é causa da
função gramatical. Subdividem-se em:
ocorrência da oração principal. São elas: porque, que, como
1) Aditivas: ligam orações ou palavras, expressando
(= porque, no início da frase), pois que, visto que, uma vez
ideia de acréscimo ou adição. São elas: e, nem (= e não),
que, porquanto, já que, desde que, etc.
não só... mas também, não só... como também, bem como, Ele não fez a pesquisa porque não dispunha de meios.
não só... mas ainda.
A sua pesquisa é clara e objetiva. b) Concessivas: introduzem uma oração que expressa
Não só dança, mas também canta. ideia contrária à da principal, sem, no entanto, impedir sua
realização. São elas: embora, ainda que, apesar de que, se
2) Adversativas: ligam duas orações ou palavras, ex- bem que, mesmo que, por mais que, posto que, conquanto,
pressando ideia de contraste ou compensação. São elas: etc.
mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no entanto, não Embora fosse tarde, fomos visitá-lo.
obstante.
Tentei chegar mais cedo, porém não consegui. c) Condicionais: introduzem uma oração que indica a
hipótese ou a condição para ocorrência da principal. São
3) Alternativas: ligam orações ou palavras, expressan- elas: se, caso, contanto que, salvo se, a não ser que, desde
do ideia de alternância ou escolha, indicando fatos que se que, a menos que, sem que, etc.
realizam separadamente. São elas: ou, ou... ou, ora... ora, já... Se precisar de minha ajuda, telefone-me.
já, quer... quer, seja... seja, talvez... talvez.
** Dica: você deve ter percebido que a conjunção con-
Ou escolho agora, ou fico sem presente de aniversário.
dicional “se” também é conjunção integrante. A diferença é
clara ao ler as orações que são introduzidas por ela. Acima,
4) Conclusivas: ligam a oração anterior a uma oração
ela nos dá a ideia da condição para que recebamos um
que expressa ideia de conclusão ou consequência. São elas: telefonema (se for preciso ajuda). Já na oração:
logo, pois (depois do verbo), portanto, por conseguinte, por Não sei se farei o concurso...
isso, assim. Não há ideia de condição alguma, há? Outra coisa: o
Marta estava bem preparada para o teste, portanto não verbo da oração principal (sei) pede complemento (objeto
ficou nervosa. direto, já que “quem não sabe, não sabe algo”). Portanto,
Você nos ajudou muito; terá, pois, nossa gratidão. a oração em destaque exerce a função de objeto direto da
oração principal, sendo classificada como oração subordi-
5) Explicativas: ligam a oração anterior a uma oração nada substantiva objetiva direta.
que a explica, que justifica a ideia nela contida. São elas: d) Conformativas: introduzem uma oração que expri-
que, porque, pois (antes do verbo), porquanto. me a conformidade de um fato com outro. São elas: confor-
Não demore, que o filme já vai começar. me, como (= conforme), segundo, consoante, etc.
Falei muito, pois não gosto do silêncio! O passeio ocorreu como havíamos planejado.

Conjunções Subordinativas e) Finais: introduzem uma oração que expressa a fina-


lidade ou o objetivo com que se realiza a oração principal.
São elas: para que, a fim de que, que, porque (= para que),
São aquelas que ligam duas orações, sendo uma delas
que, etc.
dependente da outra. A oração dependente, introduzida
Toque o sinal para que todos entrem no salão.
pelas conjunções subordinativas, recebe o nome de ora-
ção subordinada. Veja o exemplo: O baile já tinha começado f) Proporcionais: introduzem uma oração que expres-
quando ela chegou. sa um fato relacionado proporcionalmente à ocorrência do
O baile já tinha começado: oração principal expresso na principal. São elas: à medida que, à proporção
quando: conjunção subordinativa (adverbial temporal) que, ao passo que e as combinações quanto mais... (mais),
ela chegou: oração subordinada quanto menos... (menos), quanto menos... (mais), quanto
menos... (menos), etc.

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LÍNGUA PORTUGUESA

O preço fica mais caro à medida que os produtos escas- Fontes de pesquisa:
seiam. http://www.soportugues.com.br/secoes/morf/morf84.
php
* Observação: são incorretas as locuções proporcio- SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
nais à medida em que, na medida que e na medida em que. coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
Português linguagens: volume 2 / Wiliam Roberto Cere-
g) Temporais: introduzem uma oração que acrescenta ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo:
uma circunstância de tempo ao fato expresso na oração Saraiva, 2010.
principal. São elas: quando, enquanto, antes que, depois que, Português: novas palavras: literatura, gramática, reda-
logo que, todas as vezes que, desde que, sempre que, assim ção / Emília Amaral... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000.
que, agora que, mal (= assim que), etc. Interjeição
A briga começou assim que saímos da festa.
Interjeição é a palavra invariável que exprime emo-
h) Comparativas: introduzem uma oração que expres- ções, sensações, estados de espírito. É um recurso da lin-
sa ideia de comparação com referência à oração principal. guagem afetiva, em que não há uma ideia organizada de
São elas: como, assim como, tal como, como se, (tão)... como, maneira lógica, como são as sentenças da língua, mas sim
a manifestação de um suspiro, um estado da alma decor-
tanto como, tanto quanto, do que, quanto, tal, qual, tal qual,
rente de uma situação particular, um momento ou um con-
que nem, que (combinado com menos ou mais), etc.
texto específico. Exemplos:
O jogo de hoje será mais difícil que o de ontem.
Ah, como eu queria voltar a ser criança!
ah: expressão de um estado emotivo = interjeição
i) Consecutivas: introduzem uma oração que expressa Hum! Esse pudim estava maravilhoso!
a consequência da principal. São elas: de sorte que, de modo hum: expressão de um pensamento súbito = interjei-
que, sem que (= que não), de forma que, de jeito que, que ção
(tendo como antecedente na oração principal uma palavra
como tal, tão, cada, tanto, tamanho), etc. O significado das interjeições está vinculado à maneira
Estudou tanto durante a noite que dormiu na hora do como elas são proferidas. O tom da fala é que dita o senti-
exame. do que a expressão vai adquirir em cada contexto em que
for utilizada. Exemplos:
Atenção: Muitas conjunções não têm classificação úni- Psiu!
ca, imutável, devendo, portanto, ser classificadas de acor- contexto: alguém pronunciando esta expressão na rua
do com o sentido que apresentam no contexto (grifo ; significado da interjeição (sugestão): “Estou te chamando!
da Zê!). Ei, espere!”

O bom relacionamento entre as conjunções de um Psiu!


texto garante a perfeita estruturação de suas frases e pa- contexto: alguém pronunciando em um hospital; sig-
rágrafos, bem como a compreensão eficaz de seu conteú- nificado da interjeição (sugestão): “Por favor, faça silêncio!”
do. Interagindo com palavras de outras classes gramaticais
essenciais ao inter-relacionamento das partes de frases e Puxa! Ganhei o maior prêmio do sorteio!
textos - como os pronomes, preposições, alguns advérbios puxa: interjeição; tom da fala: euforia
e numerais -, as conjunções fazem parte daquilo a que se
pode chamar de “a arquitetura textual”, isto é, o con- Puxa! Hoje não foi meu dia de sorte!
junto das relações que garantem a coesão do enunciado. puxa: interjeição; tom da fala: decepção
O sucesso desse conjunto de relações depende do conhe-
cimento do valor relacional das conjunções, uma vez que As interjeições cumprem, normalmente, duas funções:
a) Sintetizar uma frase exclamativa, exprimindo alegria,
estas interferem semanticamente no enunciado.
tristeza, dor, etc.
Dessa forma, deve-se dedicar atenção especial às con-
Ah, deve ser muito interessante!
junções tanto na leitura como na produção de textos. Nos
textos narrativos, elas estão muitas vezes ligadas à expres-
b) Sintetizar uma frase apelativa.
são de circunstâncias fundamentais à condução da história, Cuidado! Saia da minha frente.
como as noções de tempo, finalidade, causa e consequên-
cia. Nos textos dissertativos, evidenciam muitas vezes a li- As interjeições podem ser formadas por:
nha expositiva ou argumentativa adotada - é o caso das a) simples sons vocálicos: Oh!, Ah!, Ó, Ô
exposições e argumentações construídas por meio de con- b) palavras: Oba! Olá! Claro!
trastes e oposições, que implicam o uso das adversativas e c) grupos de palavras (locuções interjetivas): Meu Deus!
concessivas. Ora bolas!

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LÍNGUA PORTUGUESA

Classificação das Interjeições 3) A interjeição pode ser considerada uma “palavra-


frase” porque sozinha pode constituir uma mensagem. Por
Comumente, as interjeições expressam sentido de: exemplo:
Advertência: Cuidado! Devagar! Calma! Sentido! Aten- Socorro! Ajudem-me! Silêncio! Fique quieto!
ção! Olha! Alerta!
Afugentamento: Fora! Passa! Rua! 4) Há, também, as interjeições onomatopaicas ou imi-
Alegria ou Satisfação: Oh! Ah! Eh! Oba! Viva! tativas, que exprimem ruídos e vozes. Por exemplo: Miau!
Alívio: Arre! Uf! Ufa! Ah! Bumba! Zás! Plaft! Pof! Catapimba! Tique-taque! Quá-quá-
Animação ou Estímulo: Vamos! Força! Coragem! Âni- quá!, etc.
mo! Adiante!
Aplauso ou Aprovação: Bravo! Bis! Apoiado! Viva! 5) Não se deve confundir a interjeição de apelo “ó” com
Concordância: Claro! Sim! Pois não! Tá! a sua homônima “oh!”, que exprime admiração, alegria,
Repulsa ou Desaprovação: Credo! Ih! Francamente! tristeza, etc. Faz-se uma pausa depois do “oh!” exclamativo
Essa não! Chega! Basta! e não a fazemos depois do “ó” vocativo. Por exemplo:
Desejo ou Intenção: Pudera! Tomara! Oxalá! Queira “Ó natureza! ó mãe piedosa e pura!” (Olavo Bilac)
Deus! Oh! a jornada negra!” (Olavo Bilac)
Desculpa: Perdão!
Dor ou Tristeza: Ai! Ui! Ai de mim! Que pena! Fontes de pesquisa:
Dúvida ou Incredulidade: Que nada! Qual o quê! http://www.soportugues.com.br/secoes/morf/morf89.
Espanto ou Admiração: Oh! Ah! Uai! Puxa! Céus! Quê! php
Caramba! Opa! Nossa! Hein? Cruz! Putz! SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
Impaciência ou Contrariedade: Hum! Raios! Puxa! Pô! coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
Ora! Português – Literatura, Produção de Textos & Gramática
Pedido de Auxílio: Socorro! Aqui! Piedade! – volume único / Samira Yousseff Campedelli, Jésus Barbosa
Saudação, Chamamento ou Invocação: Salve! Viva! Souza. – 3. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2002.
Adeus! Olá! Alô! Ei! Tchau! Psiu! Socorro! Valha-me, Deus! Numeral
Silêncio: Psiu! Silêncio!
Numeral é a palavra variável que indica quantidade
Terror ou Medo: Credo! Cruzes! Minha nossa!
numérica ou ordem; expressa a quantidade exata de pes-
soas ou coisas ou o lugar que elas ocupam numa determi-
* Saiba que: As interjeições são palavras invariáveis,
nada sequência.
isto é, não sofrem variação em gênero, número e grau
como os nomes, nem de número, pessoa, tempo, modo,
* Note bem: os numerais traduzem, em palavras, o que
aspecto e voz como os verbos. No entanto, em uso espe-
os números indicam em relação aos seres. Assim, quando
cífico, algumas interjeições sofrem variação em grau. Não
se trata de um processo natural desta classe de palavra, a expressão é colocada em números (1, 1.º, 1/3, etc.) não se
mas tão só uma variação que a linguagem afetiva permite. trata de numerais, mas sim de algarismos.
Exemplos: oizinho, bravíssimo, até loguinho. Além dos numerais mais conhecidos, já que refletem a
ideia expressa pelos números, existem mais algumas pala-
Locução Interjetiva vras consideradas numerais porque denotam quantidade,
proporção ou ordenação. São alguns exemplos: década,
Ocorre quando duas ou mais palavras formam uma dúzia, par, ambos(as), novena.
expressão com sentido de interjeição: Ora bolas!, Virgem
Maria!, Meu Deus!, Ó de casa!, Ai de mim!, Graças a Deus! Classificação dos Numerais
Toda frase mais ou menos breve dita em tom exclama-
tivo torna-se uma locução interjetiva, dispensando análise - Cardinais: indicam quantidade exata ou determina-
dos termos que a compõem: Macacos me mordam!, Valha- da de seres: um, dois, cem mil, etc. Alguns cardinais têm
me Deus!, Quem me dera! sentido coletivo, como por exemplo: século, par, dúzia, dé-
cada, bimestre.
* Observações:
1) As interjeições são como frases resumidas, sintéticas. - Ordinais: indicam a ordem, a posição que alguém ou
Por exemplo: alguma coisa ocupa numa determinada sequência: primei-
Ué! (= Eu não esperava por essa!) ro, segundo, centésimo, etc.
Perdão! (= Peço-lhe que me desculpe.)
* Observação importante:
2) Além do contexto, o que caracteriza a interjeição é As palavras anterior, posterior, último, antepenúltimo,
o seu tom exclamativo; por isso, palavras de outras classes final e penúltimo também indicam posição dos seres, mas
gramaticais podem aparecer como interjeições. Por exem- são classificadas como adjetivos, não ordinais.
plo:
Viva! Basta! (Verbos) - Fracionários: indicam parte de uma quantidade, ou
Fora! Francamente! (Advérbios) seja, uma divisão dos seres: meio, terço, dois quintos, etc.

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LÍNGUA PORTUGUESA

- Multiplicativos: expressam ideia de multiplicação - Para designar papas, reis, imperadores, séculos e par-
dos seres, indicando quantas vezes a quantidade foi au- tes em que se divide uma obra, utilizam-se os ordinais até
mentada: dobro, triplo, quíntuplo, etc. décimo e, a partir daí, os cardinais, desde que o numeral
venha depois do substantivo;
Flexão dos numerais
Ordinais Cardinais
Os numerais cardinais que variam em gênero são um/
uma, dois/duas e os que indicam centenas de duzentos/du- João Paulo II (segundo) Tomo XV (quinze)
zentas em diante: trezentos/trezentas; quatrocentos/quatro- D. Pedro II (segundo) Luís XVI (dezesseis)
centas, etc. Cardinais como milhão, bilhão, trilhão, variam
em número: milhões, bilhões, trilhões. Os demais cardinais Ato II (segundo) Capítulo XX (vinte)
são invariáveis. Século VIII (oitavo) Século XX (vinte)
Canto IX (nono) João XXIII ( vinte e três)
Os numerais ordinais variam em gênero e número:
- Se o numeral aparece antes do substantivo, será lido
primeiro segundo milésimo como ordinal: XXX Feira do Bordado. (trigésima)
primeira segunda milésima
** Dica: Ordinal lembra ordem. Memorize assim, por
primeiros segundos milésimos associação. Ficará mais fácil!
primeiras segundas milésimas - Para designar leis, decretos e portarias, utiliza-se o
ordinal até nono e o cardinal de dez em diante:
Os numerais multiplicativos são invariáveis quando
atuam em funções substantivas: Fizeram o dobro do esforço Artigo 1.° (primeiro) Artigo 10 (dez)
e conseguiram o triplo de produção. Artigo 9.° (nono) Artigo 21 (vinte e um)
Quando atuam em funções adjetivas, esses numerais
flexionam-se em gênero e número: Teve de tomar doses tri- - Ambos/ambas = numeral dual, porque sempre se
plas do medicamento. refere a dois seres. Significam “um e outro”, “os dois” (ou
Os numerais fracionários flexionam-se em gênero e “uma e outra”, “as duas”) e são largamente empregados
número. Observe: um terço/dois terços, uma terça parte/ para retomar pares de seres aos quais já se fez referência.
duas terças partes. Sua utilização exige a presença do artigo posposto: Ambos
Os numerais coletivos flexionam-se em número: uma os concursos realizarão suas provas no mesmo dia. O arti-
dúzia, um milheiro, duas dúzias, dois milheiros. go só é dispensado caso haja um pronome demonstrativo:
É comum na linguagem coloquial a indicação de grau Ambos esses ministros falarão à imprensa.
nos numerais, traduzindo afetividade ou especialização de
sentido. É o que ocorre em frases como: Função sintática do Numeral
“Me empresta duzentinho...”
É artigo de primeiríssima qualidade! O numeral tem mais de uma função sintática:
O time está arriscado por ter caído na segundona. (= - se na oração analisada seu papel é de adjetivo, o
segunda divisão de futebol) numeral assumirá a função de adjunto adnominal; se fizer
papel de substantivo, pode ter a função de sujeito, objeto
Emprego e Leitura dos Numerais direto ou indireto.
- Os numerais são escritos em conjunto de três alga- Visitamos cinco casas, mas só gostamos de duas.
rismos, contados da direita para a esquerda, em forma de Objeto direto = cinco casas
centenas, dezenas e unidades, tendo cada conjunto uma Núcleo do objeto direto = casas
separação através de ponto ou espaço correspondente a Adjunto adnominal = cinco
um ponto: 8.234.456 ou 8 234 456. Objeto indireto = de duas
- Em sentido figurado, usa-se o numeral para indicar
Núcleo do objeto indireto = duas
exagero intencional, constituindo a figura de linguagem
conhecida como hipérbole: Já li esse texto mil vezes.
- No português contemporâneo, não se usa a conjun-
ção “e” após “mil”, seguido de centena:
Nasci em mil novecentos e noventa e dois.
Seu salário será de mil quinhentos e cinquenta reais.

* Mas, se a centena começa por “zero” ou termina por


dois zeros, usa-se o “e”:
Seu salário será de mil e quinhentos reais. (R$1.500,00)
Gastamos mil e quarenta reais. (R$1.040,00)

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LÍNGUA PORTUGUESA

Quadro de alguns numerais

Cardinais Ordinais Multiplicativos Fracionários


um primeiro - -
dois segundo dobro, duplo meio
três terceiro triplo, tríplice terço
quatro quarto quádruplo quarto
cinco quinto quíntuplo quinto
seis sexto sêxtuplo sexto
sete sétimo sétuplo sétimo
oito oitavo óctuplo oitavo
nove nono nônuplo nono
dez décimo décuplo décimo
onze décimo primeiro - onze avos
doze décimo segundo - doze avos
treze décimo terceiro - treze avos
catorze décimo quarto - catorze avos
quinze décimo quinto - quinze avos
dezesseis décimo sexto - dezesseis avos
dezessete décimo sétimo - dezessete avos
dezoito décimo oitavo - dezoito avos
dezenove décimo nono - dezenove avos
vinte vigésimo - vinte avos
trinta trigésimo - trinta avos
quarenta quadragésimo - quarenta avos
cinqüenta quinquagésimo - cinquenta avos
sessenta sexagésimo - sessenta avos
setenta septuagésimo - setenta avos
oitenta octogésimo - oitenta avos
noventa nonagésimo - noventa avos
cem centésimo cêntuplo centésimo
duzentos ducentésimo - ducentésimo
trezentos trecentésimo - trecentésimo
quatrocentos quadringentésimo - quadringentésimo
quinhentos quingentésimo - quingentésimo
seiscentos sexcentésimo - sexcentésimo
setecentos septingentésimo - septingentésimo
oitocentos octingentésimo - octingentésimo
novecentos nongentésimo
ou noningentésimo - nongentésimo
mil milésimo - milésimo
milhão milionésimo - milionésimo
bilhão bilionésimo - bilionésimo

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LÍNGUA PORTUGUESA

fontes de pesquisa: Dicas sobre preposição


http://www.soportugues.com.br/secoes/morf/morf40.
php - O “a” pode funcionar como preposição, pronome
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac- pessoal oblíquo e artigo. Como distingui-los? Caso o “a”
coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010. seja um artigo, virá precedendo um substantivo, servindo
Português linguagens: volume 2 / Wiliam Roberto Cere- para determiná-lo como um substantivo singular e femi-
ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo: nino.
Saraiva, 2010. A matéria que estudei é fácil!
Português: novas palavras: literatura, gramática, reda-
ção / Emília Amaral... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000. - Quando é preposição, além de ser invariável, liga dois
Preposição termos e estabelece relação de subordinação entre eles.
Preposição é uma palavra invariável que serve para Irei à festa sozinha.
ligar termos ou orações. Quando esta ligação acontece, Entregamos a flor à professora!
normalmente há uma subordinação do segundo termo em *o primeiro “a” é artigo; o segundo, preposição.
relação ao primeiro. As preposições são muito importantes
na estrutura da língua, pois estabelecem a coesão textual - Se for pronome pessoal oblíquo estará ocupando o
e possuem valores semânticos indispensáveis para a com- lugar e/ou a função de um substantivo.
preensão do texto. Nós trouxemos a apostila. = Nós a trouxemos.

Tipos de Preposição Relações semânticas (= de sentido) estabelecidas


por meio das preposições:
1. Preposições essenciais: palavras que atuam exclusi-
vamente como preposições: a, ante, perante, após, até, com, Destino = Irei a Salvador.
contra, de, desde, em, entre, para, por, sem, sob, sobre, trás, Modo = Saiu aos prantos.
Lugar = Sempre a seu lado.
atrás de, dentro de, para com.
Assunto = Falemos sobre futebol.
Tempo = Chegarei em instantes.
2. Preposições acidentais: palavras de outras classes
Causa = Chorei de saudade.
gramaticais que podem atuar como preposições, ou seja,
Fim ou finalidade = Vim para ficar.
formadas por uma derivação imprópria: como, durante, ex-
Instrumento = Escreveu a lápis.
ceto, fora, mediante, salvo, segundo, senão, visto.
Posse = Vi as roupas da mamãe.
Autoria = livro de Machado de Assis
3. Locuções prepositivas: duas ou mais palavras va-
Companhia = Estarei com ele amanhã.
lendo como uma preposição, sendo que a última palavra é Matéria = copo de cristal.
uma (preposição): abaixo de, acerca de, acima de, ao lado Meio = passeio de barco.
de, a respeito de, de acordo com, em cima de, embaixo de, Origem = Nós somos do Nordeste.
em frente a, ao redor de, graças a, junto a, com, perto de, por Conteúdo = frascos de perfume.
causa de, por cima de, por trás de. Oposição = Esse movimento é contra o que eu penso.
Preço = Essa roupa sai por cinquenta reais.
A preposição é invariável, no entanto pode unir-se a
outras palavras e, assim, estabelecer concordância em gê- * Quanto à preposição “trás”: não se usa senão nas lo-
nero ou em número. Ex: por + o = pelo por + a = pela. cuções adverbiais (para trás ou por trás) e na locução pre-
positiva por trás de.
* Essa concordância não é característica da preposição,
mas das palavras às quais ela se une. Fontes de pesquisa:
Esse processo de junção de uma preposição com outra http://www.infoescola.com/portugues/preposicao/
palavra pode se dar a partir dos processos de: SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
1. Combinação: união da preposição “a” com o artigo Português linguagens: volume 2 / Wiliam Roberto Cere-
“o”(s), ou com o advérbio “onde”: ao, aonde, aos. Os vocá- ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo:
bulos não sofrem alteração. Saraiva, 2010.
2. Contração: união de uma preposição com outra pa- Português: novas palavras: literatura, gramática, reda-
lavra, ocorrendo perda ou transformação de fonema: de + ção / Emília Amaral... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000.
o = do, em + a = na, per + os = pelos, de + aquele = da- Pronome
quele, em + isso = nisso. Pronome é a palavra variável que substitui ou acom-
3. Crase: é a fusão de vogais idênticas: à (“a” prepo- panha um substantivo (nome), qualificando-o de alguma
sição + “a” artigo), àquilo (“a” preposição + 1.ª vogal do forma.
pronome “aquilo”). O homem julga que é superior à natureza, por isso o
homem destrói a natureza...

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LÍNGUA PORTUGUESA

Utilizando pronomes, teremos: Pronome Reto


O homem julga que é superior à natureza, por isso ele
a destrói... Pronome pessoal do caso reto é aquele que, na senten-
Ficou melhor, sem a repetição desnecessária de termos ça, exerce a função de sujeito: Nós lhe ofertamos flores.
(homem e natureza).
Os pronomes retos apresentam flexão de número, gê-
Grande parte dos pronomes não possuem significados nero (apenas na 3.ª pessoa) e pessoa, sendo essa última a
fixos, isto é, essas palavras só adquirem significação dentro principal flexão, uma vez que marca a pessoa do discurso.
de um contexto, o qual nos permite recuperar a referên- Dessa forma, o quadro dos pronomes retos é assim confi-
cia exata daquilo que está sendo colocado por meio dos gurado:
pronomes no ato da comunicação. Com exceção dos pro-
nomes interrogativos e indefinidos, os demais pronomes - 1.ª pessoa do singular: eu
têm por função principal apontar para as pessoas do dis- - 2.ª pessoa do singular: tu
curso ou a elas se relacionar, indicando-lhes sua situação - 3.ª pessoa do singular: ele, ela
no tempo ou no espaço. Em virtude dessa característica, - 1.ª pessoa do plural: nós
- 2.ª pessoa do plural: vós
os pronomes apresentam uma forma específica para cada
- 3.ª pessoa do plural: eles, elas
pessoa do discurso.
* Atenção: esses pronomes não costumam ser usa-
Minha carteira estava vazia quando eu fui assaltada. dos como complementos verbais na língua-padrão. Frases
[minha/eu: pronomes de 1.ª pessoa = aquele que fala] como “Vi ele na rua”, “Encontrei ela na praça”, “Trouxeram
Tua carteira estava vazia quando tu foste assaltada? eu até aqui”, comuns na língua oral cotidiana, devem ser
[tua/tu: pronomes de 2.ª pessoa = aquele a quem se evitadas na língua formal escrita ou falada. Na língua for-
fala] mal, devem ser usados os pronomes oblíquos correspon-
A carteira dela estava vazia quando ela foi assaltada. dentes: “Vi-o na rua”, “Encontrei-a na praça”, “Trouxeram-
[dela/ela: pronomes de 3.ª pessoa = aquele de quem me até aqui”.
se fala]
* Observação: frequentemente observamos a omissão
Em termos morfológicos, os pronomes são palavras do pronome reto em Língua Portuguesa. Isso se dá porque
variáveis em gênero (masculino ou feminino) e em núme- as próprias formas verbais marcam, através de suas desi-
ro (singular ou plural). Assim, espera-se que a referência nências, as pessoas do verbo indicadas pelo pronome reto:
através do pronome seja coerente em termos de gênero Fizemos boa viagem. (Nós)
e número (fenômeno da concordância) com o seu objeto,
mesmo quando este se apresenta ausente no enunciado. Pronome Oblíquo

Fala-se de Roberta. Ele quer participar do desfile da nos- Pronome pessoal do caso oblíquo é aquele que, na sen-
sa escola neste ano. tença, exerce a função de complemento verbal (objeto
[nossa: pronome que qualifica “escola” = concordância direto ou indireto): Ofertaram-nos flores. (objeto indireto)
adequada]
[neste: pronome que determina “ano” = concordância * Observação: o pronome oblíquo é uma forma va-
adequada] riante do pronome pessoal do caso reto. Essa variação in-
[ele: pronome que faz referência à “Roberta” = concor- dica a função diversa que eles desempenham na oração:
dância inadequada] pronome reto marca o sujeito da oração; pronome oblíquo
marca o complemento da oração.
Os pronomes oblíquos sofrem variação de acordo com
Existem seis tipos de pronomes: pessoais, possessivos,
a acentuação tônica que possuem, podendo ser átonos ou
demonstrativos, indefinidos, relativos e interrogativos.
tônicos.
Pronomes Pessoais Pronome Oblíquo Átono
São aqueles que substituem os substantivos, indicando São chamados átonos os pronomes oblíquos que não
diretamente as pessoas do discurso. Quem fala ou escreve são precedidos de preposição. Possuem acentuação tônica
assume os pronomes “eu” ou “nós”; usa-se os pronomes fraca: Ele me deu um presente.
“tu”, “vós”, “você” ou “vocês” para designar a quem se di- Tabela dos pronomes oblíquos átonos
rige, e “ele”, “ela”, “eles” ou “elas” para fazer referência à - 1.ª pessoa do singular (eu): me
pessoa ou às pessoas de quem se fala. - 2.ª pessoa do singular (tu): te
Os pronomes pessoais variam de acordo com as fun- - 3.ª pessoa do singular (ele, ela): o, a, lhe
ções que exercem nas orações, podendo ser do caso reto - 1.ª pessoa do plural (nós): nos
ou do caso oblíquo. - 2.ª pessoa do plural (vós): vos
- 3.ª pessoa do plural (eles, elas): os, as, lhes

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LÍNGUA PORTUGUESA

* Observações: - As preposições essenciais introduzem sempre prono-


- O “lhe” é o único pronome oblíquo átono que já se mes pessoais do caso oblíquo e nunca pronome do caso
apresenta na forma contraída, ou seja, houve a união en- reto. Nos contextos interlocutivos que exigem o uso da
tre o pronome “o” ou “a” e preposição “a” ou “para”. Por língua formal, os pronomes costumam ser usados desta
acompanhar diretamente uma preposição, o pronome forma:
“lhe” exerce sempre a função de objeto indireto na oração. Não há mais nada entre mim e ti.
Os pronomes me, te, nos e vos podem tanto ser objetos Não se comprovou qualquer ligação entre ti e ela.
diretos como objetos indiretos. Não há nenhuma acusação contra mim.
Os pronomes o, a, os e as atuam exclusivamente como Não vá sem mim.
objetos diretos.
* Atenção: Há construções em que a preposição, ape-
- Os pronomes me, te, lhe, nos, vos e lhes podem com- sar de surgir anteposta a um pronome, serve para introdu-
binar-se com os pronomes o, os, a, as, dando origem a for- zir uma oração cujo verbo está no infinitivo. Nesses casos,
mas como mo, mos, ma, mas; to, tos, ta, tas; lho, lhos, lha, o verbo pode ter sujeito expresso; se esse sujeito for um
lhas; no-lo, no-los, no-la, no-las, vo-lo, vo-los, vo-la, vo-las. pronome, deverá ser do caso reto.
Observe o uso dessas formas nos exemplos que seguem: Trouxeram vários vestidos para eu experimentar.
Trouxeste o pacote? Não vá sem eu mandar.
Sim, entreguei-to ainda há pouco.
Não contaram a novidade a vocês? * A frase: “Foi fácil para mim resolver aquela questão!”
Não, no-la contaram. está correta, já que “para mim” é complemento de “fácil”.
A ordem direta seria: Resolver aquela questão foi fácil para
No Brasil, essas combinações não são usadas; até mes- mim!
mo na língua literária atual, seu emprego é muito raro.
- A combinação da preposição “com” e alguns prono-
* Atenção: Os pronomes o, os, a, as assumem formas mes originou as formas especiais comigo, contigo, consigo,
especiais depois de certas terminações verbais.
conosco e convosco. Tais pronomes oblíquos tônicos fre-
- Quando o verbo termina em -z, -s ou -r, o pronome
quentemente exercem a função de adjunto adverbial de
assume a forma lo, los, la ou las, ao mesmo tempo que a
companhia.
terminação verbal é suprimida. Por exemplo:
Ele carregava o documento consigo.
fiz + o = fi-lo
fazeis + o = fazei-lo
- A preposição “até” exige as formas oblíquas tônicas:
dizer + a = dizê-la
Ela veio até mim, mas nada falou.
Mas, se “até” for palavra denotativa (com o sentido de)
- Quando o verbo termina em som nasal, o pronome
assume as formas no, nos, na, nas. Por exemplo: inclusão, usaremos as formas retas:
viram + o: viram-no Todos foram bem na prova, até eu! (=inclusive eu)
repõe + os = repõe-nos
retém + a: retém-na - As formas “conosco” e “convosco” são substituídas
tem + as = tem-nas por “com nós” e “com vós” quando os pronomes pessoais
são reforçados por palavras como outros, mesmos, próprios,
Pronome Oblíquo Tônico todos, ambos ou algum numeral.
Você terá de viajar com nós todos.
Os pronomes oblíquos tônicos são sempre precedidos Estávamos com vós outros quando chegaram as más
por preposições, em geral as preposições a, para, de e com. notícias.
Por esse motivo, os pronomes tônicos exercem a função Ele disse que iria com nós três.
de objeto indireto da oração. Possuem acentuação tônica
forte. Pronome Reflexivo
Quadro dos pronomes oblíquos tônicos:
- 1.ª pessoa do singular (eu): mim, comigo São pronomes pessoais oblíquos que, embora funcio-
- 2.ª pessoa do singular (tu): ti, contigo nem como objetos direto ou indireto, referem-se ao sujeito
- 3.ª pessoa do singular (ele, ela): si, consigo, ele, ela da oração. Indicam que o sujeito pratica e recebe a ação
- 1.ª pessoa do plural (nós): nós, conosco expressa pelo verbo.
- 2.ª pessoa do plural (vós): vós, convosco Quadro dos pronomes reflexivos:
- 3.ª pessoa do plural (eles, elas): si, consigo, eles, elas - 1.ª pessoa do singular (eu): me, mim.
Eu não me lembro disso.
Observe que as únicas formas próprias do pronome tô-
nico são a primeira pessoa (mim) e segunda pessoa (ti). As - 2.ª pessoa do singular (tu): te, ti.
demais repetem a forma do pronome pessoal do caso reto. Conhece a ti mesmo.

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LÍNGUA PORTUGUESA

- 3.ª pessoa do singular (ele, ela): se, si, consigo. * Observações:


Guilherme já se preparou. * Vossa Excelência X Sua Excelência: os pronomes de
Ela deu a si um presente. tratamento que possuem “Vossa(s)” são empregados em
Antônio conversou consigo mesmo. relação à pessoa com quem falamos: Espero que V. Ex.ª, Se-
nhor Ministro, compareça a este encontro.
- 1.ª pessoa do plural (nós): nos.
Lavamo-nos no rio. ** Emprega-se “Sua (s)” quando se fala a respeito
da pessoa: Todos os membros da C.P.I. afirmaram que Sua
- 2.ª pessoa do plural (vós): vos. Excelência, o Senhor Presidente da República, agiu com pro-
Vós vos beneficiastes com esta conquista. priedade.

- 3.ª pessoa do plural (eles, elas): se, si, consigo. - Os pronomes de tratamento representam uma for-
Eles se conheceram. ma indireta de nos dirigirmos aos nossos interlocutores. Ao
Elas deram a si um dia de folga. tratarmos um deputado por Vossa Excelência, por exemplo,
estamos nos endereçando à excelência que esse deputado
* O pronome é reflexivo quando se refere à mesma supostamente tem para poder ocupar o cargo que ocupa.
pessoa do pronome subjetivo (sujeito): Eu me arrumei e saí.
** É pronome recíproco quando indica reciprocidade - 3.ª pessoa: embora os pronomes de tratamento diri-
de ação: jam-se à 2.ª pessoa, toda a concordância deve ser feita
Nós nos amamos. com a 3.ª pessoa. Assim, os verbos, os pronomes possessi-
Olhamo-nos calados. vos e os pronomes oblíquos empregados em relação a eles
devem ficar na 3.ª pessoa.
Pronomes de Tratamento Basta que V. Ex.ª cumpra a terça parte das suas pro-
messas, para que seus eleitores lhe fiquem reconhecidos.
São pronomes utilizados no tratamento formal, ceri-
- Uniformidade de Tratamento: quando escrevemos ou
monioso. Apesar de indicarem nosso interlocutor (portan-
nos dirigimos a alguém, não é permitido mudar, ao longo
to, a segunda pessoa), utilizam o verbo na terceira pes-
do texto, a pessoa do tratamento escolhida inicialmente.
soa. Alguns exemplos:
Assim, por exemplo, se começamos a chamar alguém de
Vossa Alteza (V. A.) = príncipes, duques
“você”, não poderemos usar “te” ou “teu”. O uso correto
Vossa Eminência (V. E.ma) = cardeais
exigirá, ainda, verbo na terceira pessoa.
Vossa Reverendíssima (V. Ver.ma) = sacerdotes e religio-
sos em geral
Quando você vier, eu te abraçarei e enrolar-me-ei nos
Vossa Excelência (V. Ex.ª) = oficiais de patente superior
teus cabelos. (errado)
à de coronel, senadores, deputados, embaixadores, profes-
sores de curso superior, ministros de Estado e de Tribunais, Quando você vier, eu a abraçarei e enrolar-me-ei nos
governadores, secretários de Estado, presidente da Repú- seus cabelos. (correto) = terceira pessoa do singular
blica (sempre por extenso) ou
Vossa Magnificência (V. Mag.ª) = reitores de universi-
dades Quando tu vieres, eu te abraçarei e enrolar-me-ei nos
Vossa Majestade (V. M.) = reis, rainhas e imperadores teus cabelos. (correto) = segunda pessoa do singular
Vossa Senhoria (V. S.a) = comerciantes em geral, oficiais
até a patente de coronel, chefes de seção e funcionários de Pronomes Possessivos
igual categoria São palavras que, ao indicarem a pessoa gramatical
Vossa Meritíssima (sempre por extenso) = para juízes (possuidor), acrescentam a ela a ideia de posse de algo
de direito (coisa possuída).
Vossa Santidade (sempre por extenso) = tratamento Este caderno é meu. (meu = possuidor: 1ª pessoa do
cerimonioso singular)
Vossa Onipotência (sempre por extenso) = Deus
NÚMERO PESSOA PRONOME
Também são pronomes de tratamento o senhor, a se-
nhora e você, vocês. “O senhor” e “a senhora” são empre- singular primeira meu(s), minha(s)
gados no tratamento cerimonioso; “você” e “vocês”, no tra- singular segunda teu(s), tua(s)
tamento familiar. Você e vocês são largamente empregados
singular terceira seu(s), sua(s)
no português do Brasil; em algumas regiões, a forma tu é
de uso frequente; em outras, pouco empregada. Já a forma plural primeira nosso(s), nossa(s)
vós tem uso restrito à linguagem litúrgica, ultraformal ou plural segunda vosso(s), vossa(s)
literária.
plural terceira seu(s), sua(s)

21
LÍNGUA PORTUGUESA

* Note que: A forma do possessivo depende da pessoa *Em relação ao tempo:


gramatical a que se refere; o gênero e o número concordam - Este(s), esta(s) e isto = indicam o tempo presente em
com o objeto possuído: Ele trouxe seu apoio e sua contribui- relação à pessoa que fala:
ção naquele momento difícil. Esta manhã farei a prova do concurso!

* Observações: - Esse(s), essa(s) e isso = indicam o tempo passado, po-


- A forma “seu” não é um possessivo quando resultar rém relativamente próximo à época em que se situa a pes-
da alteração fonética da palavra senhor: Muito obrigado, soa que fala:
seu José. Essa noite dormi mal; só pensava no concurso!

- Aquele(s), aquela(s) e aquilo = indicam um afasta-


- Os pronomes possessivos nem sempre indicam pos-
mento no tempo, referido de modo vago ou como tempo
se. Podem ter outros empregos, como:
remoto:
a) indicar afetividade: Não faça isso, minha filha. Naquele tempo, os professores eram valorizados.
b) indicar cálculo aproximado: Ele já deve ter seus 40 *Em relação ao falado ou escrito (ou ao que se fala-
anos. rá ou escreverá):
- Este(s), esta(s) e isto = empregados quando se quer
c) atribuir valor indefinido ao substantivo: Marisa tem fazer referência a alguma coisa sobre a qual ainda se falará:
lá seus defeitos, mas eu gosto muito dela. Serão estes os conteúdos da prova: análise sintática, or-
tografia, concordância.
- Em frases onde se usam pronomes de tratamento,
o pronome possessivo fica na 3.ª pessoa: Vossa Excelência - Esse(s), essa(s) e isso = utilizados quando se pretende
trouxe sua mensagem? fazer referência a alguma coisa sobre a qual já se falou:
Sua aprovação no concurso, isso é o que mais deseja-
- Referindo-se a mais de um substantivo, o possessi- mos!
vo concorda com o mais próximo: Trouxe-me seus livros e
anotações. - Este e aquele são empregados quando se quer fa-
zer referência a termos já mencionados; aquele se refere
ao termo referido em primeiro lugar e este para o referido
- Em algumas construções, os pronomes pessoais oblí-
por último:
quos átonos assumem valor de possessivo: Vou seguir-lhe
os passos. (= Vou seguir seus passos) Domingo, no Pacaembu, jogarão Palmeiras e São Paulo;
este está mais bem colocado que aquele. (= este [São Paulo],
- O adjetivo “respectivo” equivale a “devido, seu, pró- aquele [Palmeiras])
prio”, por isso não se deve usar “seus” ao utilizá-lo, para ou
que não ocorra redundância: Coloque tudo nos respectivos
lugares. Domingo, no Pacaembu, jogarão Palmeiras e São Paulo;
aquele está mais bem colocado que este. (= este [São Paulo],
Pronomes Demonstrativos aquele [Palmeiras])

São utilizados para explicitar a posição de certa palavra - Os pronomes demonstrativos podem ser variáveis ou
em relação a outras ou ao contexto. Essa relação pode ser invariáveis, observe:
de espaço, de tempo ou em relação ao discurso. Variáveis: este(s), esta(s), esse(s), essa(s), aquele(s), aque-
la(s).
*Em relação ao espaço: Invariáveis: isto, isso, aquilo.
- Este(s), esta(s) e isto = indicam o que está perto da
* Também aparecem como pronomes demonstrativos:
pessoa que fala:
- o(s), a(s): quando estiverem antecedendo o “que” e
Este material é meu.
puderem ser substituídos por aquele(s), aquela(s), aquilo.
Não ouvi o que disseste. (Não ouvi aquilo que disseste.)
- Esse(s), essa(s) e isso = indicam o que está perto da Essa rua não é a que te indiquei. (não é aquela que te
pessoa com quem se fala: indiquei.)
Esse material em sua carteira é seu?
- mesmo(s), mesma(s), próprio(s), própria(s): variam em
- Aquele(s), aquela(s) e aquilo = indicam o que está dis- gênero quando têm caráter reforçativo:
tante tanto da pessoa que fala como da pessoa com quem Estas são as mesmas pessoas que o procuraram ontem.
se fala: Eu mesma refiz os exercícios.
Aquele material não é nosso. Elas mesmas fizeram isso.
Vejam aquele prédio! Eles próprios cozinharam.
Os próprios alunos resolveram o problema.

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LÍNGUA PORTUGUESA

- semelhante(s): Não tenha semelhante atitude. Os pronomes indefinidos podem ser divididos em va-
riáveis e invariáveis. Observe:
- tal, tais: Tal absurdo eu não comenteria.
Variáveis = algum, nenhum, todo, muito, pouco, vário,
* Note que: tanto, outro, quanto, alguma, nenhuma, toda, muita, pouca,
- Em frases como: O referido deputado e o Dr. Alcides vária, tanta, outra, quanta, qualquer, quaisquer*, alguns, ne-
eram amigos íntimos; aquele casado, solteiro este. (ou en- nhuns, todos, muitos, poucos, vários, tantos, outros, quantos,
tão: este solteiro, aquele casado) - este se refere à pessoa algumas, nenhumas, todas, muitas, poucas, várias, tantas,
mencionada em último lugar; aquele, à mencionada em outras, quantas.
primeiro lugar.
Invariáveis = alguém, ninguém, outrem, tudo, nada,
- O pronome demonstrativo tal pode ter conotação algo, cada.
irônica: A menina foi a tal que ameaçou o professor?
*
Qualquer é composto de qual + quer (do verbo que-
- Pode ocorrer a contração das preposições a, de, em rer), por isso seu plural é quaisquer (única palavra cujo plu-
com pronome demonstrativo: àquele, àquela, deste, desta, ral é feito em seu interior).
disso, nisso, no, etc: Não acreditei no que estava vendo. (no
= naquilo) - Todo e toda no singular e junto de artigo significa
inteiro; sem artigo, equivale a qualquer ou a todas as:
Pronomes Indefinidos Toda a cidade está enfeitada. (= a cidade inteira)
Toda cidade está enfeitada. (= todas as cidades)
São palavras que se referem à 3.ª pessoa do discurso, Trabalho todo o dia. (= o dia inteiro)
dando-lhe sentido vago (impreciso) ou expressando quan- Trabalho todo dia. (= todos os dias)
tidade indeterminada.
Alguém entrou no jardim e destruiu as mudas recém São locuções pronominais indefinidas: cada qual,
-plantadas. cada um, qualquer um, quantos quer (que), quem quer (que),
seja quem for, seja qual for, todo aquele (que), tal qual (=
Não é difícil perceber que “alguém” indica uma pessoa
certo), tal e qual, tal ou qual, um ou outro, uma ou outra, etc.
de quem se fala (uma terceira pessoa, portanto) de forma
Cada um escolheu o vinho desejado.
imprecisa, vaga. É uma palavra capaz de indicar um ser hu-
mano que seguramente existe, mas cuja identidade é des-
Indefinidos Sistemáticos
conhecida ou não se quer revelar. Classificam-se em:
Ao observar atentamente os pronomes indefinidos,
- Pronomes Indefinidos Substantivos: assumem o lu-
percebemos que existem alguns grupos que criam oposi-
gar do ser ou da quantidade aproximada de seres na frase.
São eles: algo, alguém, fulano, sicrano, beltrano, nada, nin- ção de sentido. É o caso de: algum/alguém/algo, que têm
guém, outrem, quem, tudo. sentido afirmativo, e nenhum/ninguém/nada, que têm
sentido negativo; todo/tudo, que indicam uma totalidade
Algo o incomoda? afirmativa, e nenhum/nada, que indicam uma totalidade
Quem avisa amigo é. negativa; alguém/ninguém, que se referem à pessoa, e
algo/nada, que se referem à coisa; certo, que particulariza,
- Pronomes Indefinidos Adjetivos: qualificam um ser e qualquer, que generaliza.
expresso na frase, conferindo-lhe a noção de quantidade Essas oposições de sentido são muito importantes na
aproximada. São eles: cada, certo(s), certa(s). construção de frases e textos coerentes, pois delas muitas
vezes dependem a solidez e a consistência dos argumen-
Cada povo tem seus costumes. tos expostos. Observe nas frases seguintes a força que os
Certas pessoas exercem várias profissões. pronomes indefinidos destacados imprimem às afirmações
de que fazem parte:
* Note que: Ora são pronomes indefinidos substanti- Nada do que tem sido feito produziu qualquer resultado
vos, ora pronomes indefinidos adjetivos: prático.
algum, alguns, alguma(s), bastante(s) (= muito, muitos), Certas pessoas conseguem perceber sutilezas: não são
demais, mais, menos, muito(s), muita(s), nenhum, nenhuns, pessoas quaisquer.
nenhuma(s), outro(s), outra(s), pouco(s), pouca(s), qualquer,
quaisquer, qual, que, quanto(s), quanta(s), tal, tais, tanto(s), *Nenhum é contração de nem um, forma mais enfática,
tanta(s), todo(s), toda(s), um, uns, uma(s), vários, várias. que se refere à unidade. Repare:
Nenhum candidato foi aprovado.
Menos palavras e mais ações. Nem um candidato foi aprovado. (um, nesse caso, é nu-
Alguns se contentam pouco. meral)

23
LÍNGUA PORTUGUESA

Pronomes Relativos - O pronome “cujo”: exprime posse; não concorda com


o seu antecedente (o ser possuidor), mas com o conse-
São aqueles que representam nomes já mencionados quente (o ser possuído, com o qual concorda em gênero
anteriormente e com os quais se relacionam. Introduzem e número); não se usa artigo depois deste pronome; “cujo”
as orações subordinadas adjetivas. equivale a do qual, da qual, dos quais, das quais.
O racismo é um sistema que afirma a superioridade de Existem pessoas cujas ações são nobres.
um grupo racial sobre outros. (antecedente) (consequente)
(afirma a superioridade de um grupo racial sobre outros
= oração subordinada adjetiva). *interpretação do pronome “cujo” na frase acima: ações
das pessoas. É como se lêssemos “de trás para frente”. Ou-
O pronome relativo “que” refere-se à palavra “sistema” tro exemplo:
e introduz uma oração subordinada. Diz-se que a palavra Comprei o livro cujo autor é famoso. (= autor do livro)
“sistema” é antecedente do pronome relativo que.
O antecedente do pronome relativo pode ser o prono- ** se o verbo exigir preposição, esta virá antes do pro-
me demonstrativo o, a, os, as. nome:
Não sei o que você está querendo dizer. O autor, a cujo livro você se referiu, está aqui! (referiu-
Às vezes, o antecedente do pronome relativo não vem se a)
expresso.
Quem casa, quer casa. - “Quanto” é pronome relativo quando tem por an-
tecedente um pronome indefinido: tanto (ou variações) e
Observe: tudo:
Pronomes relativos variáveis = o qual, cujo, quanto, os Emprestei tantos quantos foram necessários.
quais, cujos, quantos, a qual, cuja, quanta, as quais, cujas, (antecedente)
quantas. Ele fez tudo quanto havia falado.
Pronomes relativos invariáveis = quem, que, onde. (antecedente)

Note que: - O pronome “quem” se refere a pessoas e vem sem-


- O pronome “que” é o relativo de mais largo emprego, pre precedido de preposição.
sendo por isso chamado relativo universal. Pode ser subs- É um professor a quem muito devemos.
tituído por o qual, a qual, os quais, as quais, quando seu (preposição)
antecedente for um substantivo.
O trabalho que eu fiz refere-se à corrupção. (= o qual) - “Onde”, como pronome relativo, sempre possui an-
A cantora que acabou de se apresentar é péssima. (= a tecedente e só pode ser utilizado na indicação de lugar: A
qual) casa onde morava foi assaltada.
Os trabalhos que eu fiz referem-se à corrupção. (= os
quais) - Na indicação de tempo, deve-se empregar quando
As cantoras que se apresentaram eram péssimas. (= as ou em que.
quais) Sinto saudades da época em que (quando) morávamos
no exterior.
- O qual, os quais, a qual e as quais são exclusivamente
pronomes relativos, por isso são utilizados didaticamente - Podem ser utilizadas como pronomes relativos as pa-
para verificar se palavras como “que”, “quem”, “onde” (que lavras:
podem ter várias classificações) são pronomes relativos. To- - como (= pelo qual) – desde que precedida das pala-
dos eles são usados com referência à pessoa ou coisa por vras modo, maneira ou forma:
motivo de clareza ou depois de determinadas preposições: Não me parece correto o modo como você agiu semana
Regressando de São Paulo, visitei o sítio de minha tia, o qual passada.
me deixou encantado. O uso de “que”, neste caso, geraria
ambiguidade. Veja: Regressando de São Paulo, visitei o sítio - quando (= em que) – desde que tenha como antece-
de minha tia, que me deixou encantado (quem me deixou dente um nome que dê ideia de tempo:
encantado: o sítio ou minha tia?). Bons eram os tempos quando podíamos jogar videoga-
Essas são as conclusões sobre as quais pairam muitas me.
dúvidas? (com preposições de duas ou mais sílabas utiliza-
se o qual / a qual) - Os pronomes relativos permitem reunir duas orações
numa só frase.
- O relativo “que” às vezes equivale a o que, coisa que, e O futebol é um esporte. / O povo gosta muito deste es-
se refere a uma oração: Não chegou a ser padre, mas deixou porte.
de ser poeta, que era a sua vocação natural. = O futebol é um esporte de que o povo gosta muito.

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LÍNGUA PORTUGUESA

- Numa série de orações adjetivas coordenadas, pode -lugares: Alemanha, Portugal


ocorrer a elipse do relativo “que”: A sala estava cheia de -sentimentos: amor, saudade
gente que conversava, (que) ria, observava. -estados: alegria, tristeza
-qualidades: honestidade, sinceridade...
Pronomes Interrogativos -ações: corrida, pescaria...

São usados na formulação de perguntas, sejam elas di- Morfossintaxe do substantivo


retas ou indiretas. Assim como os pronomes indefinidos,
referem-se à 3.ª pessoa do discurso de modo impreciso. Nas orações, geralmente o substantivo exerce funções
São pronomes interrogativos: que, quem, qual (e variações), diretamente relacionadas com o verbo: atua como núcleo
quanto (e variações). do sujeito, dos complementos verbais (objeto direto ou
Com quem andas?
indireto) e do agente da passiva, podendo, ainda, funcio-
Qual seu nome?
nar como núcleo do complemento nominal ou do aposto,
Diz-me com quem andas, que te direi quem és.
como núcleo do predicativo do sujeito, do objeto ou como
Sobre os pronomes: núcleo do vocativo. Também encontramos substantivos
como núcleos de adjuntos adnominais e de adjuntos ad-
O pronome pessoal é do caso reto quando tem função verbiais - quando essas funções são desempenhadas por
de sujeito na frase. O pronome pessoal é do caso oblíquo grupos de palavras.
quando desempenha função de complemento.
1. Eu não sei essa matéria, mas ele irá me ajudar. Classificação dos Substantivos
2. Maria foi embora para casa, pois não sabia se devia
lhe ajudar. Substantivos Comuns e Próprios

Na primeira oração os pronomes pessoais “eu” e “ele” Observe a definição:


exercem função de sujeito, logo, são pertencentes ao caso
reto. Já na segunda oração, o pronome “lhe” exerce função Cidade: s.f. 1: Povoação maior que vila, com muitas ca-
de complemento (objeto), ou seja, caso oblíquo. sas e edifícios, dispostos em ruas e avenidas (no Brasil, toda a
Os pronomes pessoais indicam as pessoas do discurso. sede de município é cidade). 2. O centro de uma cidade (em
O pronome oblíquo “lhe”, da segunda oração, aponta para oposição aos bairros).
a segunda pessoa do singular (tu/você): Maria não sabia se
devia ajudar... Ajudar quem? Você (lhe).
Qualquer “povoação maior que vila, com muitas casas
e edifícios, dispostos em ruas e avenidas” será chamada
Os pronomes pessoais oblíquos podem ser átonos ou
tônicos: os primeiros não são precedidos de preposição, cidade. Isso significa que a palavra cidade é um substantivo
diferentemente dos segundos, que são sempre precedidos comum.
de preposição. Substantivo Comum é aquele que designa os seres de
- Pronome oblíquo átono: Joana me perguntou o que uma mesma espécie de forma genérica: cidade, menino,
eu estava fazendo. homem, mulher, país, cachorro.
- Pronome oblíquo tônico: Joana perguntou para mim Estamos voando para Barcelona.
o que eu estava fazendo.
O substantivo Barcelona designa apenas um ser da es-
Fontes de pesquisa: pécie cidade. Barcelona é um substantivo próprio – aquele
http://www.soportugues.com.br/secoes/morf/morf42. que designa os seres de uma mesma espécie de forma par-
php ticular: Londres, Paulinho, Pedro, Tietê, Brasil.
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010. Substantivos Concretos e Abstratos
Português linguagens: volume 2 / Wiliam Roberto Cere-
ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo: Substantivo Concreto: é aquele que designa o ser que
Saraiva, 2010. existe, independentemente de outros seres.
Português: novas palavras: literatura, gramática, reda-
ção / Emília Amaral... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000.
Observação: os substantivos concretos designam se-
res do mundo real e do mundo imaginário.
Substantivo
Seres do mundo real: homem, mulher, cadeira, cobra,
Substantivo é a classe gramatical de palavras variáveis, Brasília.
as quais denominam todos os seres que existem, sejam Seres do mundo imaginário: saci, mãe-d’água, fantas-
reais ou imaginários. Além de objetos, pessoas e fenôme- ma.
nos, os substantivos também nomeiam:

25
LÍNGUA PORTUGUESA

Substantivo Abstrato: é aquele que designa seres que enxoval roupas


dependem de outros para se manifestarem ou existirem.
Por exemplo: a beleza não existe por si só, não pode falange soldados, anjos
ser observada. Só podemos observar a beleza numa pes- fauna animais de uma região
soa ou coisa que seja bela. A beleza depende de outro ser
feixe lenha, capim
para se manifestar. Portanto, a palavra beleza é um subs-
tantivo abstrato. flora vegetais de uma região
Os substantivos abstratos designam estados, qualida- frota navios mercantes, ônibus
des, ações e sentimentos dos seres, dos quais podem ser
girândola fogos de artifício
abstraídos, e sem os quais não podem existir: vida (estado),
rapidez (qualidade), viagem (ação), saudade (sentimento). horda bandidos, invasores
médicos, bois, credores,
Substantivos Coletivos junta
examinadores

Ele vinha pela estrada e foi picado por uma abelha, ou- júri jurados
tra abelha, mais outra abelha. legião soldados, anjos, demônios
Ele vinha pela estrada e foi picado por várias abelhas. leva presos, recrutas
Ele vinha pela estrada e foi picado por um enxame.
malta malfeitores ou desordeiros
Note que, no primeiro caso, para indicar plural, foi ne- manada búfalos, bois, elefantes,
cessário repetir o substantivo: uma abelha, outra abelha, matilha cães de raça
mais outra abelha. No segundo caso, utilizaram-se duas
palavras no plural. No terceiro, empregou-se um substan- molho chaves, verduras
tivo no singular (enxame) para designar um conjunto de multidão pessoas em geral
seres da mesma espécie (abelhas).
insetos (gafanhotos,
nuvem
mosquitos, etc.)
O substantivo enxame é um substantivo coletivo.
penca bananas, chaves
Substantivo Coletivo: é o substantivo comum que, pinacoteca pinturas, quadros
mesmo estando no singular, designa um conjunto de seres
quadrilha ladrões, bandidos
da mesma espécie.
ramalhete flores
Substantivo coletivo Conjunto de: rebanho ovelhas
assembleia pessoas reunidas repertório peças teatrais, obras musicais
alcateia lobos réstia alhos ou cebolas
acervo livros romanceiro poesias narrativas
antologia trechos literários selecionados revoada pássaros
arquipélago ilhas sínodo párocos
banda músicos talha lenha
bando desordeiros ou malfeitores tropa muares, soldados
banca examinadores turma estudantes, trabalhadores
batalhão soldados vara porcos
cardume peixes
caravana viajantes peregrinos
cacho frutas
cancioneiro canções, poesias líricas
colmeia abelhas
concílio bispos
congresso parlamentares, cientistas
elenco atores de uma peça ou filme
esquadra navios de guerra

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LÍNGUA PORTUGUESA

Formação dos Substantivos Substantivos Uniformes: apresentam uma única forma,


Substantivos Simples e Compostos que serve tanto para o masculino quanto para o feminino.
Classificam-se em:
Chuva - subst. Fem. 1 - água caindo em gotas sobre a
terra. - Epicenos: referentes a animais. A distinção de sexo se
O substantivo chuva é formado por um único elemento faz mediante a utilização das palavras “macho” e “fêmea”: a
ou radical. É um substantivo simples. cobra macho e a cobra fêmea, o jacaré macho e o jacaré fêmea.
- Sobrecomuns: substantivos uniformes referentes a
Substantivo Simples: é aquele formado por um único pessoas de ambos os sexos: a criança, a testemunha, a víti-
elemento. ma, o cônjuge, o gênio, o ídolo, o indivíduo.
Outros substantivos simples: tempo, sol, sofá, etc. Veja - Comuns de Dois ou Comum de Dois Gêneros: in-
agora: O substantivo guarda-chuva é formado por dois ele- dicam o sexo das pessoas por meio do artigo: o colega e a
colega, o doente e a doente, o artista e a artista.
mentos (guarda + chuva). Esse substantivo é composto.
Substantivo Composto: é aquele formado por dois ou
Saiba que: Substantivos de origem grega terminados
mais elementos. Outros exemplos: beija-flor, passatempo.
em ema ou oma são masculinos: o fonema, o poema, o sis-
tema, o sintoma, o teorema.
Substantivos Primitivos e Derivados
- Existem certos substantivos que, variando de gênero,
Substantivo Primitivo: é aquele que não deriva de ne- variam em seu significado:
nhuma outra palavra da própria língua portuguesa. O subs- o águia (vigarista) e a águia (ave; perspicaz)
tantivo limoeiro, por exemplo, é derivado, pois se originou o cabeça (líder) e a cabeça (parte do corpo)
a partir da palavra limão. o capital (dinheiro) e a capital (cidade)
Substantivo Derivado: é aquele que se origina de ou- o coma (sono mórbido) e a coma (cabeleira, juba)
tra palavra. o lente (professor) e a lente (vidro de aumento)
o moral (estado de espírito) e a moral (ética; conclusão)
Flexão dos substantivos o praça (soldado raso) e a praça (área pública)
o rádio (aparelho receptor) e a rádio (estação emissora)
O substantivo é uma classe variável. A palavra é variá-
vel quando sofre flexão (variação). A palavra menino, por Formação do Feminino dos Substantivos Biformes
exemplo, pode sofrer variações para indicar:
Plural: meninos / Feminino: menina / Aumentativo: - Regra geral: troca-se a terminação -o por –a: aluno
meninão / Diminutivo: menininho - aluna.
- Substantivos terminados em -ês: acrescenta-se -a ao
Flexão de Gênero masculino: freguês - freguesa
- Substantivos terminados em -ão: fazem o feminino
Gênero é um princípio puramente linguístico, não de- de três formas:
vendo ser confundido com “sexo”. O gênero diz respeito 1- troca-se -ão por -oa. = patrão – patroa
a todos os substantivos de nossa língua, quer se refiram 2- troca-se -ão por -ã. = campeão - campeã
a seres animais providos de sexo, quer designem apenas 3- troca-se -ão por ona. = solteirão - solteirona
“coisas”: o gato/a gata; o banco, a casa.
* Exceções: barão – baronesa, ladrão- ladra, sultão -
Na língua portuguesa, há dois gêneros: masculino e
sultana
feminino. Pertencem ao gênero masculino os substantivos
que podem vir precedidos dos artigos o, os, um, uns. Veja - Substantivos terminados em -or:
estes títulos de filmes: acrescenta-se -a ao masculino = doutor – doutora
O velho e o mar troca-se -or por -triz: = imperador - imperatriz
Um Natal inesquecível
Os reis da praia - Substantivos com feminino em -esa, -essa, -isa: côn-
sul - consulesa / abade - abadessa / poeta - poetisa / duque
Pertencem ao gênero feminino os substantivos que - duquesa / conde - condessa / profeta - profetisa
podem vir precedidos dos artigos a, as, uma, umas:
A história sem fim - Substantivos que formam o feminino trocando o -e
Uma cidade sem passado final por -a: elefante - elefanta
As tartarugas ninjas
- Substantivos que têm radicais diferentes no masculi-
Substantivos Biformes e Substantivos Uniformes no e no feminino: bode – cabra / boi - vaca

Substantivos Biformes (= duas formas): apresentam - Substantivos que formam o feminino de maneira es-
uma forma para cada gênero: gato – gata, homem – mulher, pecial, isto é, não seguem nenhuma das regras anteriores:
poeta – poetisa, prefeito - prefeita czar – czarina, réu - ré

27
LÍNGUA PORTUGUESA

Formação do Feminino dos Substantivos Uniformes Femininos: a dinamite, a derme, a hélice, a omoplata, a
cataplasma, a pane, a mascote, a gênese, a entorse, a libido,
Epicenos: a cal, a faringe, a cólera (doença), a ubá (canoa).
Novo jacaré escapa de policiais no rio Pinheiros.
- São geralmente masculinos os substantivos de ori-
Não é possível saber o sexo do jacaré em questão. Isso gem grega terminados em -ma: o grama (peso), o quilo-
ocorre porque o substantivo jacaré tem apenas uma forma grama, o plasma, o apostema, o diagrama, o epigrama, o
para indicar o masculino e o feminino. telefonema, o estratagema, o dilema, o teorema, o trema, o
Alguns nomes de animais apresentam uma só forma
eczema, o edema, o magma, o estigma, o axioma, o traco-
para designar os dois sexos. Esses substantivos são cha-
ma, o hematoma.
mados de epicenos. No caso dos epicenos, quando houver
a necessidade de especificar o sexo, utilizam-se palavras
macho e fêmea. * Exceções: a cataplasma, a celeuma, a fleuma, etc.
A cobra macho picou o marinheiro.
A cobra fêmea escondeu-se na bananeira. Gênero dos Nomes de Cidades: Com raras exceções,
nomes de cidades são femininos.
Sobrecomuns: A histórica Ouro Preto.
Entregue as crianças à natureza. A dinâmica São Paulo.
A acolhedora Porto Alegre.
A palavra crianças se refere tanto a seres do sexo mas- Uma Londres imensa e triste.
culino, quanto a seres do sexo feminino. Nesse caso, nem Exceções: o Rio de Janeiro, o Cairo, o Porto, o Havre.
o artigo nem um possível adjetivo permitem identificar o
sexo dos seres a que se refere a palavra. Veja: Gênero e Significação
A criança chorona chamava-se João.
A criança chorona chamava-se Maria. Muitos substantivos têm uma significação no masculi-
no e outra no feminino. Observe:
Outros substantivos sobrecomuns: o baliza (soldado que, que à frente da tropa, indica os
a criatura = João é uma boa criatura. Maria é uma boa
movimentos que se deve realizar em conjunto; o que vai à
criatura.
frente de um bloco carnavalesco, manejando um bastão), a
o cônjuge = O cônjuge de João faleceu. O cônjuge de
Marcela faleceu baliza (marco, estaca; sinal que marca um limite ou proibi-
ção de trânsito), o cabeça (chefe), a cabeça (parte do cor-
Comuns de Dois Gêneros: po), o cisma (separação religiosa, dissidência), a cisma (ato
Motorista tem acidente idêntico 23 anos depois. de cismar, desconfiança), o cinza (a cor cinzenta), a cinza
(resíduos de combustão), o capital (dinheiro), a capital (ci-
Quem sofreu o acidente: um homem ou uma mulher? dade), o coma (perda dos sentidos), a coma (cabeleira), o
É impossível saber apenas pelo título da notícia, uma coral (pólipo, a cor vermelha, canto em coro), a coral (cobra
vez que a palavra motorista é um substantivo uniforme. venenosa), o crisma (óleo sagrado, usado na administração
A distinção de gênero pode ser feita através da análise da crisma e de outros sacramentos), a crisma (sacramento
do artigo ou adjetivo, quando acompanharem o substanti- da confirmação), o cura (pároco), a cura (ato de curar), o
vo: o colega - a colega; o imigrante - a imigrante; um jovem estepe (pneu sobressalente), a estepe (vasta planície de vege-
- uma jovem; artista famoso - artista famosa; repórter fran- tação), o guia (pessoa que guia outras), a guia (documento,
cês - repórter francesa pena grande das asas das aves), o grama (unidade de peso),
a grama (relva), o caixa (funcionário da caixa), a caixa (re-
- A palavra personagem é usada indistintamente nos cipiente, setor de pagamentos), o lente (professor), a lente
dois gêneros. (vidro de aumento), o moral (ânimo), a moral (honestidade,
a) Entre os escritores modernos nota-se acentuada
bons costumes, ética), o nascente (lado onde nasce o Sol), a
preferência pelo masculino: O menino descobriu nas nuvens
nascente (a fonte), o maria-fumaça (trem como locomotiva
os personagens dos contos de carochinha.
b) Com referência a mulher, deve-se preferir o femini- a vapor), maria-fumaça (locomotiva movida a vapor), o pala
no: O problema está nas mulheres de mais idade, que não (poncho), a pala (parte anterior do boné ou quepe, antepa-
aceitam a personagem. ro), o rádio (aparelho receptor), a rádio (emissora), o voga
(remador), a voga (moda).
- Diz-se: o (ou a) manequim Marcela, o (ou a) modelo
fotográfico Ana Belmonte. Flexão de Número do Substantivo

Observe o gênero dos substantivos seguintes: Em português, há dois números gramaticais: o singular,
Masculinos: o tapa, o eclipse, o lança-perfume, o dó que indica um ser ou um grupo de seres, e o plural, que
(pena), o sanduíche, o clarinete, o champanha, o sósia, o indica mais de um ser ou grupo de seres. A característica
maracajá, o clã, o herpes, o pijama, o suéter, o soprano, o do plural é o “s” final.
proclama, o pernoite, o púbis.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Plural dos Substantivos Simples - Flexionam-se os dois elementos, quando formados


de:
- Os substantivos terminados em vogal, ditongo oral e substantivo + substantivo = couve-flor e couves-flores
“n” fazem o plural pelo acréscimo de “s”: pai – pais; ímã – substantivo + adjetivo = amor-perfeito e amores-per-
ímãs; hífen - hifens (sem acento, no plural). Exceção: cânon feitos
- cânones. adjetivo + substantivo = gentil-homem e gentis-ho-
mens
- Os substantivos terminados em “m” fazem o plural numeral + substantivo = quinta-feira e quintas-feiras
em “ns”: homem - homens.
- Flexiona-se somente o segundo elemento, quando
- Os substantivos terminados em “r” e “z” fazem o plu- formados de:
ral pelo acréscimo de “es”: revólver – revólveres; raiz - raízes. verbo + substantivo = guarda-roupa e guarda-roupas
palavra invariável + palavra variável = alto-falante e al-
to-falantes
* Atenção: O plural de caráter é caracteres.
palavras repetidas ou imitativas = reco-reco e reco-re-
cos
- Os substantivos terminados em al, el, ol, ul flexionam-
se no plural, trocando o “l” por “is”: quintal - quintais; cara-
- Flexiona-se somente o primeiro elemento, quando
col – caracóis; hotel - hotéis. Exceções: mal e males, cônsul formados de:
e cônsules. substantivo + preposição clara + substantivo = água-
de-colônia e águas-de-colônia
- Os substantivos terminados em “il” fazem o plural de substantivo + preposição oculta + substantivo = cava-
duas maneiras: lo-vapor e cavalos-vapor
- Quando oxítonos, em “is”: canil - canis substantivo + substantivo que funciona como determi-
- Quando paroxítonos, em “eis”: míssil - mísseis. nante do primeiro, ou seja, especifica a função ou o tipo do
termo anterior: palavra-chave - palavras-chave, bomba-re-
Observação: a palavra réptil pode formar seu plural de lógio - bombas-relógio, homem-rã - homens-rã, peixe-espa-
duas maneiras: répteis ou reptis (pouco usada). da - peixes-espada.

- Os substantivos terminados em “s” fazem o plural de - Permanecem invariáveis, quando formados de:
duas maneiras: verbo + advérbio = o bota-fora e os bota-fora
1- Quando monossilábicos ou oxítonos, mediante o verbo + substantivo no plural = o saca-rolhas e os sa-
acréscimo de “es”: ás – ases / retrós - retroses ca-rolhas
2- Quando paroxítonos ou proparoxítonos, ficam inva-
riáveis: o lápis - os lápis / o ônibus - os ônibus. * Casos Especiais

- Os substantivos terminados em “ao” fazem o plural o louva-a-deus e os louva-a-deus


de três maneiras.
o bem-te-vi e os bem-te-vis
1- substituindo o -ão por -ões: ação - ações
2- substituindo o -ão por -ães: cão - cães o bem-me-quer e os bem-me-queres
3- substituindo o -ão por -ãos: grão - grãos o joão-ninguém e os joões-ninguém.

- Os substantivos terminados em “x” ficam invariáveis: Plural das Palavras Substantivadas


o látex - os látex.
As palavras substantivadas, isto é, palavras de outras
Plural dos Substantivos Compostos classes gramaticais usadas como substantivo, apresentam,
no plural, as flexões próprias dos substantivos.
- A formação do plural dos substantivos compostos Pese bem os prós e os contras.
depende da forma como são grafados, do tipo de palavras O aluno errou na prova dos noves.
que formam o composto e da relação que estabelecem en- Ouça com a mesma serenidade os sins e os nãos.
tre si. Aqueles que são grafados sem hífen comportam-se
como os substantivos simples: aguardente/aguardentes, gi- * Observação: numerais substantivados terminados
rassol/girassóis, pontapé/pontapés, malmequer/malmeque- em “s” ou “z” não variam no plural: Nas provas mensais con-
res. segui muitos seis e alguns dez.
O plural dos substantivos compostos cujos elementos
são ligados por hífen costuma provocar muitas dúvidas e
discussões. Algumas orientações são dadas a seguir:

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LÍNGUA PORTUGUESA

Plural dos Diminutivos Singular Plural


Flexiona-se o substantivo no plural, retira-se o “s” final Corpo (ô) corpos (ó)
e acrescenta-se o sufixo diminutivo. esforço esforços
fogo fogos
pãe(s) + zinhos = pãezinhos forno fornos
animai(s) + zinhos = animaizinhos fosso fossos
botõe(s) + zinhos = botõezinhos imposto impostos
chapéu(s) + zinhos = chapeuzinhos olho olhos
farói(s) + zinhos = faroizinhos osso (ô) ossos (ó)
tren(s) + zinhos = trenzinhos ovo ovos
colhere(s) + zinhas = colherezinhas poço poços
flore(s) + zinhas = florezinhas porto portos
mão(s) + zinhas = mãozinhas posto postos
papéi(s) + zinhos = papeizinhos tijolo tijolos
nuven(s) + zinhas = nuvenzinhas
funi(s) + zinhos = funizinhos Têm a vogal tônica fechada (ô): adornos, almoços, bol-
sos, esposos, estojos, globos, gostos, polvos, rolos, soros, etc.
túnei(s) + zinhos = tuneizinhos
pai(s) + zinhos = paizinhos * Observação: distinga-se molho (ô) = caldo (molho
pé(s) + zinhos = pezinhos de carne), de molho (ó) = feixe (molho de lenha).
pé(s) + zitos = pezitos
Particularidades sobre o Número dos Substantivos
Plural dos Nomes Próprios Personativos
- Há substantivos que só se usam no singular: o sul, o
Devem-se pluralizar os nomes próprios de pessoas norte, o leste, o oeste, a fé, etc.
sempre que a terminação preste-se à flexão. - Outros só no plural: as núpcias, os víveres, os pêsames,
as espadas/os paus (naipes de baralho), as fezes.
Os Napoleões também são derrotados. - Outros, enfim, têm, no plural, sentido diferente do
As Raquéis e Esteres. singular: bem (virtude) e bens (riquezas), honra (probidade,
bom nome) e honras (homenagem, títulos).
Plural dos Substantivos Estrangeiros - Usamos às vezes, os substantivos no singular, mas
com sentido de plural:
Substantivos ainda não aportuguesados devem ser es- Aqui morreu muito negro.
critos como na língua original, acrescentando-se “s” (exceto Celebraram o sacrifício divino muitas vezes em capelas
quando terminam em “s” ou “z”): os shows, os shorts, os jazz. improvisadas.

Substantivos já aportuguesados flexionam-se de acor- Flexão de Grau do Substantivo


do com as regras de nossa língua: os clubes, os chopes, os
jipes, os esportes, as toaletes, os bibelôs, os garçons, os ré- Grau é a propriedade que as palavras têm de exprimir
quiens. as variações de tamanho dos seres. Classifica-se em:

Observe o exemplo: - Grau Normal - Indica um ser de tamanho considera-


Este jogador faz gols toda vez que joga. do normal. Por exemplo: casa
O plural correto seria gois (ô), mas não se usa.
- Grau Aumentativo - Indica o aumento do tamanho
Plural com Mudança de Timbre
do ser. Classifica-se em:
Analítico = o substantivo é acompanhado de um adje-
Certos substantivos formam o plural com mudança de
tivo que indica grandeza. Por exemplo: casa grande.
timbre da vogal tônica (o fechado / o aberto). É um fato
fonético chamado metafonia (plural metafônico). Sintético = é acrescido ao substantivo um sufixo indi-
cador de aumento. Por exemplo: casarão.

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LÍNGUA PORTUGUESA

- Grau Diminutivo - Indica a diminuição do tamanho Classificação dos Verbos


do ser. Pode ser:
Analítico = substantivo acompanhado de um adjetivo Classificam-se em:
que indica pequenez. Por exemplo: casa pequena.
Sintético = é acrescido ao substantivo um sufixo indi- - Regulares: são aqueles que apresentam o radical
cador de diminuição. Por exemplo: casinha. inalterado durante a conjugação e desinências idênticas às
de todos os verbos regulares da mesma conjugação. Por
Fontes de pesquisa: exemplo: comparemos os verbos “cantar” e “falar”, conju-
http://www.soportugues.com.br/secoes/morf/morf12.php gados no presente do Modo Indicativo:
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
Português linguagens: volume 1 / Wiliam Roberto Cere- canto falo
ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo: cantas falas
Saraiva, 2010.
canta falas
Verbo cantamos falamos
cantais falais
Verbo é a palavra que se flexiona em pessoa, núme-
ro, tempo e modo. A estes tipos de flexão verbal dá-se o cantam falam
nome de conjugação (por isso também se diz que verbo
é a palavra que pode ser conjugada). Pode indicar, entre * Dica: Observe que, retirando os radicais, as desi-
outros processos: ação (amarrar), estado (sou), fenômeno nências modo-temporal e número-pessoal mantiveram-se
(choverá); ocorrência (nascer); desejo (querer). idênticas. Tente fazer com outro verbo e perceberá que se
repetirá o fato (desde que o verbo seja da primeira conju-
Estrutura das Formas Verbais gação e regular!). Faça com o verbo “andar”, por exemplo.
Substitua o radical “cant” e coloque o “and” (radical do ver-
Do ponto de vista estrutural, o verbo pode apresentar bo andar). Viu? Fácil!
os seguintes elementos:
- Radical: é a parte invariável, que expressa o significa- - Irregulares: são aqueles cuja flexão provoca altera-
do essencial do verbo. Por exemplo: fal-ei; fal-ava; fal-am. ções no radical ou nas desinências: faço, fiz, farei, fizesse.
(radical fal-) * Observação: alguns verbos sofrem alteração no ra-
- Tema: é o radical seguido da vogal temática que in- dical apenas para que seja mantida a sonoridade. É o caso
dica a conjugação a que pertence o verbo. Por exemplo: de: corrigir/corrijo, fingir/finjo, tocar/toquei, por exemplo.
fala-r. São três as conjugações: Tais alterações não caracterizam irregularidade, porque o
1.ª - Vogal Temática - A - (falar), 2.ª - Vogal Temática - fonema permanece inalterado.
E - (vender), 3.ª - Vogal Temática - I - (partir).
- Desinência modo-temporal: é o elemento que de-
- Defectivos: são aqueles que não apresentam conju-
signa o tempo e o modo do verbo. Por exemplo:
gação completa. Os principais são adequar, precaver, com-
falávamos ( indica o pretérito imperfeito do indicativo)
/ falasse ( indica o pretérito imperfeito do subjuntivo) putar, reaver, abolir, falir.
- Desinência número-pessoal: é o elemento que de-
signa a pessoa do discurso (1.ª, 2.ª ou 3.ª) e o número (sin- - Impessoais: são os verbos que não têm sujeito e, nor-
gular ou plural): malmente, são usados na terceira pessoa do singular. Os
falamos (indica a 1.ª pessoa do plural.) / falavam (in- principais verbos impessoais são:
dica a 3.ª pessoa do plural.)
* haver, quando sinônimo de existir, acontecer, realizar-
* Observação: o verbo pôr, assim como seus derivados se ou fazer (em orações temporais).
(compor, repor, depor), pertencem à 2.ª conjugação, pois a Havia muitos candidatos no dia da prova. (Havia = Exis-
forma arcaica do verbo pôr era poer. A vogal “e”, apesar tiam)
de haver desaparecido do infinitivo, revela-se em algumas Houve duas guerras mundiais. (Houve = Aconteceram)
formas do verbo: põe, pões, põem, etc. Haverá debates hoje. (Haverá = Realizar-se-ão)
Viajei a Madri há muitos anos. (há = faz)
Formas Rizotônicas e Arrizotônicas
* fazer, ser e estar (quando indicam tempo)
Ao combinarmos os conhecimentos sobre a estrutura Faz invernos rigorosos na Europa.
dos verbos com o conceito de acentuação tônica, perce- Era primavera quando o conheci.
bemos com facilidade que nas formas rizotônicas o acento Estava frio naquele dia.
tônico cai no radical do verbo: opino, aprendam, amo, por
exemplo. Nas formas arrizotônicas, o acento tônico não cai
no radical, mas sim na terminação verbal (fora do radical):
opinei, aprenderão, amaríamos.

31
LÍNGUA PORTUGUESA

* Todos os verbos que indicam fenômenos da natureza são impessoais: chover, ventar, nevar, gear, trovejar, amanhecer,
escurecer, etc. Quando, porém, se constrói, “Amanheci cansado”, usa-se o verbo “amanhecer” em sentido figurado. Qual-
quer verbo impessoal, empregado em sentido figurado, deixa de ser impessoal para ser pessoal, ou seja, terá conjugação
completa.
Amanheci cansado. (Sujeito desinencial: eu)
Choveram candidatos ao cargo. (Sujeito: candidatos)
Fiz quinze anos ontem. (Sujeito desinencial: eu)

* São impessoais, ainda:


- o verbo passar (seguido de preposição), indicando tempo: Já passa das seis.

- os verbos bastar e chegar, seguidos da preposição “de”, indicando suficiência:


Basta de tolices.
Chega de promessas.

- os verbos estar e ficar em orações como “Está bem, Está muito bem assim, Não fica bem, Fica mal”, sem referência a
sujeito expresso anteriormente (por exemplo: “ele está mal”). Podemos, nesse caso, classificar o sujeito como hipotético,
tornando-se, tais verbos, pessoais.

- o verbo dar + para da língua popular, equivalente de “ser possível”. Por exemplo:
Não deu para chegar mais cedo.
Dá para me arrumar uma apostila?

- Unipessoais: são aqueles que, tendo sujeito, conjugam-se apenas nas terceiras pessoas, do singular e do plural. São
unipessoais os verbos constar, convir, ser (= preciso, necessário) e todos os que indicam vozes de animais (cacarejar, cricrilar,
miar, latir, piar).

* Observação: os verbos unipessoais podem ser usados como verbos pessoais na linguagem figurada:
Teu irmão amadureceu bastante.
O que é que aquela garota está cacarejando?

Principais verbos unipessoais:

1. cumprir, importar, convir, doer, aprazer, parecer, ser (preciso, necessário):


Cumpre estudarmos bastante. (Sujeito: estudarmos bastante)
Parece que vai chover. (Sujeito: que vai chover)
É preciso que chova. (Sujeito: que chova)

2. fazer e ir, em orações que dão ideia de tempo, seguidos da conjunção que.
Faz dez anos que viajei à Europa. (Sujeito: que viajei à Europa)
Vai para (ou Vai em ou Vai por) dez anos que não a vejo. (Sujeito: que não a vejo)

* Observação: todos os sujeitos apontados são oracionais.

- Abundantes: são aqueles que possuem duas ou mais formas equivalentes, geralmente no particípio, em que, além
das formas regulares terminadas em -ado ou -ido, surgem as chamadas formas curtas (particípio irregular).
O particípio regular (terminado em “–do”) é utilizado na voz ativa, ou seja, com os verbos ter e haver; o irregular é em-
pregado na voz passiva, ou seja, com os verbos ser, ficar e estar. Observe:

Infinitivo Particípio Regular Particípio Irregular


Aceitar Aceitado Aceito
Acender Acendido Aceso
Anexar Anexado Anexo
Benzer Benzido Bento
Corrigir Corrigido Correto
Dispersar Dispersado Disperso

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LÍNGUA PORTUGUESA

Eleger Elegido Eleito


Envolver Envolvido Envolto
Imprimir Imprimido Impresso
Inserir Inserido Inserto
Limpar Limpado Limpo
Matar Matado Morto
Misturar Misturado Misto
Morrer Morrido Morto
Murchar Murchado Murcho
Pegar Pegado Pego
Romper Rompido Roto
Soltar Soltado Solto
Suspender Suspendido Suspenso
Tingir Tingido Tinto
Vagar Vagado Vago

* Importante:
- estes verbos e seus derivados possuem, apenas, o particípio irregular: abrir/aberto, cobrir/coberto, dizer/dito, escrever/
escrito, pôr/posto, ver/visto, vir/vindo.

- Anômalos: são aqueles que incluem mais de um radical em sua conjugação. Existem apenas dois: ser (sou, sois, fui) e
ir (fui, ia, vades).

- Auxiliares: São aqueles que entram na formação dos tempos compostos e das locuções verbais. O verbo principal
(aquele que exprime a ideia fundamental, mais importante), quando acompanhado de verbo auxiliar, é expresso numa das
formas nominais: infinitivo, gerúndio ou particípio.

Vou espantar todos!


(verbo auxiliar) (verbo principal no infinitivo)

Está chegando a hora!


(verbo auxiliar) (verbo principal no gerúndio)

* Observação: os verbos auxiliares mais usados são: ser, estar, ter e haver.

Conjugação dos Verbos Auxiliares

SER - Modo Indicativo

Presente Pret.Perfeito Pret. Imp. Pret.mais-que-perf. Fut.do Pres. Fut. Do Pretérito


sou fui era fora serei seria
és foste eras foras serás serias
é foi era fora será seria
somos fomos éramos fôramos seremos seríamos
sois fostes éreis fôreis sereis seríeis
são foram eram foram serão seriam

33
LÍNGUA PORTUGUESA

SER - Modo Subjuntivo


Presente Pretérito Imperfeito Futuro
que eu seja se eu fosse quando eu for
que tu sejas se tu fosses quando tu fores
que ele seja se ele fosse quando ele for
que nós sejamos se nós fôssemos quando nós formos
que vós sejais se vós fôsseis quando vós fordes
que eles sejam se eles fossem quando eles forem

SER - Modo Imperativo


Afirmativo Negativo
sê tu não sejas tu
seja você não seja você
sejamos nós não sejamos nós
sede vós não sejais vós
sejam vocês não sejam vocês

SER - Formas Nominais

Infinitivo Impessoal Infinitivo Pessoal Gerúndio Particípio


ser ser eu sendo sido
seres tu
ser ele
sermos nós
serdes vós
serem eles

ESTAR - Modo Indicativo



Presente Pret. perf. Pret. Imp. Pret.mais-q-perf. Fut.doPres. Fut.doPreté.
estou estive estava estivera estarei estaria
estás estiveste estavas estiveras estarás estarias
está esteve estava estivera estará estaria
estamos estivemos estávamos estivéramos estaremos estaríamos
estais estivestes estáveis estivéreis estareis estaríeis
estão estiveram estavam estiveram estarão estariam

ESTAR - Modo Subjuntivo e Imperativo

Presente Pretérito Imperfeito Futuro Afirmativo Negativo


esteja estivesse estiver
estejas estivesses estiveres está estejas
esteja estivesse estiver esteja esteja
estejamos estivéssemos estivermos estejamos estejamos
estejais estivésseis estiverdes estai estejais
estejam estivessem estiverem estejam estejam

34
LÍNGUA PORTUGUESA

ESTAR - Formas Nominais

Infinitivo Impessoal Infinitivo Pessoal Gerúndio Particípio


estar estar estando estado
estares
estar
estarmos
estardes
estarem

HAVER - Modo Indicativo

Presente Pret. Perf. Pret. Imp. Pret.Mais-Q-Perf. Fut.do Pres. Fut.doPreté.


hei houve havia houvera haverei haveria
hás houveste havias houveras haverás haverias
há houve havia houvera haverá haveria
havemos houvemos havíamos houvéramos haveremos haveríamos
haveis houvestes havíeis houvéreis havereis haveríeis
hão houveram haviam houveram haverão haveriam

HAVER - Modo Subjuntivo e Imperativo


Presente Pretérito Imperfeito Futuro Afirmativo Negativo
ja houvesse houver
hajas houvesses houveres há hajas
haja houvesse houver haja haja
hajamos houvéssemos houvermos hajamos hajamos
hajais houvésseis houverdes havei hajais
hajam houvessem houverem hajam hajam

HAVER - Formas Nominais


Infinitivo Impessoal Infinitivo Pessoal Gerúndio Particípio
haver haver havendo havido
haveres

haver

havermos
haverdes
haverem

TER - Modo Indicativo


Presente Pret. Perf. Pret. Imp. Preté.mais-q-perf. Fut. Do Pres. Fut. Do Preté.
tenho tive tinha tivera terei teria
tens tiveste tinhas tiveras terás terias
tem teve tinha tivera terá teria
temos tivemos tínhamos tivéramos teremos teríamos
tendes tivestes tínheis tivéreis tereis teríeis
têm tiveram tinham tiveram terão teriam

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LÍNGUA PORTUGUESA

TER - Modo Subjuntivo e Imperativo

Presente Pretérito Imperfeito Futuro Afirmativo Negativo


tenha tivesse tiver
tenhas tivesses tiveres tem tenhas
tenha tivesse tiver tenha tenha
tenhamos tivéssemos tivermos tenhamos tenhamos
tenhais tivésseis tiverdes tende tenhais
tenham tivessem tiverem tenham tenham

- Pronominais: São aqueles verbos que se conjugam com os pronomes oblíquos átonos me, te, se, nos, vos, se, na
mesma pessoa do sujeito, expressando reflexibilidade (pronominais acidentais) ou apenas reforçando a ideia já implícita no
próprio sentido do verbo (pronominais essenciais). Veja:

1. Essenciais: são aqueles que sempre se conjugam com os pronomes oblíquos me, te, se, nos, vos, se. São poucos:
abster-se, ater-se, apiedar-se, atrever-se, dignar-se, arrepender-se, etc. Nos verbos pronominais essenciais a reflexibilidade já
está implícita no radical do verbo. Por exemplo: Arrependi-me de ter estado lá.
A ideia é de que a pessoa representada pelo sujeito (eu) tem um sentimento (arrependimento) que recai sobre ela mes-
ma, pois não recebe ação transitiva nenhuma vinda do verbo; o pronome oblíquo átono é apenas uma partícula integrante
do verbo, já que, pelo uso, sempre é conjugada com o verbo. Diz-se que o pronome apenas serve de reforço da ideia refle-
xiva expressa pelo radical do próprio verbo.
Veja uma conjugação pronominal essencial (verbo e respectivos pronomes):
Eu me arrependo
Tu te arrependes
Ele se arrepende
Nós nos arrependemos
Vós vos arrependeis
Eles se arrependem

2. Acidentais: são aqueles verbos transitivos diretos em que a ação exercida pelo sujeito recai sobre o objeto repre-
sentado por pronome oblíquo da mesma pessoa do sujeito; assim, o sujeito faz uma ação que recai sobre ele mesmo. Em
geral, os verbos transitivos diretos ou transitivos diretos e indiretos podem ser conjugados com os pronomes mencionados,
formando o que se chama voz reflexiva. Por exemplo: A garota se penteava.
A reflexibilidade é acidental, pois a ação reflexiva pode ser exercida também sobre outra pessoa. Por exemplo: A garota
penteou-me.

* Observações:
- Por fazerem parte integrante do verbo, os pronomes oblíquos átonos dos verbos pronominais não possuem função
sintática.
- Há verbos que também são acompanhados de pronomes oblíquos átonos, mas que não são essencialmente prono-
minais - são os verbos reflexivos. Nos verbos reflexivos, os pronomes, apesar de se encontrarem na pessoa idêntica à do
sujeito, exercem funções sintáticas. Por exemplo:
Eu me feri. = Eu (sujeito) – 1.ª pessoa do singular; me (objeto direto) – 1.ª pessoa do singular

Modos Verbais

Dá-se o nome de modo às várias formas assumidas pelo verbo na expressão de um fato certo, real, verdadeiro. Existem
três modos:

Indicativo - indica uma certeza, uma realidade: Eu estudo para o concurso.


Subjuntivo - indica uma dúvida, uma possibilidade: Talvez eu estude amanhã.
Imperativo - indica uma ordem, um pedido: Estude, colega!

Formas Nominais

Além desses três modos, o verbo apresenta ainda formas que podem exercer funções de nomes (substantivo, adjetivo,
advérbio), sendo por isso denominadas formas nominais. Observe:

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LÍNGUA PORTUGUESA

1-) Infinitivo
1.1-) Impessoal: exprime a significação do verbo de modo vago e indefinido, podendo ter valor e função de substan-
tivo. Por exemplo:
Viver é lutar. (= vida é luta)
É indispensável combater a corrupção. (= combate à)

O infinitivo impessoal pode apresentar-se no presente (forma simples) ou no passado (forma composta). Por exemplo:
É preciso ler este livro.
Era preciso ter lido este livro.

1.2-) Infinitivo Pessoal: é o infinitivo relacionado às três pessoas do discurso. Na 1.ª e 3.ª pessoas do singular, não
apresenta desinências, assumindo a mesma forma do impessoal; nas demais, flexiona-se da seguinte maneira:
2.ª pessoa do singular: Radical + ES = teres (tu)
1.ª pessoa do plural: Radical + MOS = termos (nós)
2.ª pessoa do plural: Radical + DES = terdes (vós)
3.ª pessoa do plural: Radical + EM = terem (eles)
Foste elogiado por teres alcançado uma boa colocação.

2-) Gerúndio: o gerúndio pode funcionar como adjetivo ou advérbio. Por exemplo:
Saindo de casa, encontrei alguns amigos. (função de advérbio)
Água fervendo, pele ardendo. (função de adjetivo)

Na forma simples (1), o gerúndio expressa uma ação em curso; na forma composta (2), uma ação concluída:
Trabalhando (1), aprenderás o valor do dinheiro.
Tendo trabalhado (2), aprendeu o valor do dinheiro.

* Quando o gerúndio é vício de linguagem (gerundismo), ou seja, uso exagerado e inadequado do gerúndio:
1- Enquanto você vai ao mercado, vou estar jogando futebol.
2 – Sim, senhora! Vou estar verificando!

Em 1, a locução “vou estar” + gerúndio é adequada, pois transmite a ideia de uma ação que ocorre no momento da
outra; em 2, essa ideia não ocorre, já que a locução verbal “vou estar verificando” refere-se a um futuro em andamento,
exigindo, no caso, a construção “verificarei” ou “vou verificar”.

3-) Particípio: quando não é empregado na formação dos tempos compostos, o particípio indica, geralmente, o resul-
tado de uma ação terminada, flexionando-se em gênero, número e grau. Por exemplo: Terminados os exames, os candidatos
saíram.

Quando o particípio exprime somente estado, sem nenhuma relação temporal, assume verdadeiramente a função de
adjetivo. Por exemplo: Ela é a aluna escolhida pela turma.

(Ziraldo)

Tempos Verbais

Tomando-se como referência o momento em que se fala, a ação expressa pelo verbo pode ocorrer em diversos tempos.

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LÍNGUA PORTUGUESA

1. Tempos do Modo Indicativo


- Presente - Expressa um fato atual: Eu estudo neste colégio.
- Pretérito Imperfeito - Expressa um fato ocorrido num momento anterior ao atual, mas que não foi completamente
terminado: Ele estudava as lições quando foi interrompido.
- Pretérito Perfeito - Expressa um fato ocorrido num momento anterior ao atual e que foi totalmente terminado: Ele
estudou as lições ontem à noite.
- Pretérito-mais-que-perfeito - Expressa um fato ocorrido antes de outro fato já terminado: Ele já estudara as lições
quando os amigos chegaram. (forma simples).
- Futuro do Presente - Enuncia um fato que deve ocorrer num tempo vindouro com relação ao momento atual: Ele
estudará as lições amanhã.
- Futuro do Pretérito - Enuncia um fato que pode ocorrer posteriormente a um determinado fato passado: Se ele
pudesse, estudaria um pouco mais.

2. Tempos do Modo Subjuntivo


- Presente - Enuncia um fato que pode ocorrer no momento atual: É conveniente que estudes para o exame.
- Pretérito Imperfeito - Expressa um fato passado, mas posterior a outro já ocorrido: Eu esperava que ele vencesse o jogo.

Observação: o pretérito imperfeito é também usado nas construções em que se expressa a ideia de condição ou de-
sejo. Por exemplo: Se ele viesse ao clube, participaria do campeonato.

- Futuro do Presente - Enuncia um fato que pode ocorrer num momento futuro em relação ao atual: Quando ele vier
à loja, levará as encomendas.

Observação: o futuro do presente é também usado em frases que indicam possibilidade ou desejo. Por exemplo: Se
ele vier à loja, levará as encomendas.
** Há casos em que formas verbais de um determinado tempo podem ser utilizadas para indicar outro.
Em 1500, Pedro Álvares Cabral descobre o Brasil.
descobre = forma do presente indicando passado ( = descobrira/descobriu)

No próximo final de semana, faço a prova!


faço = forma do presente indicando futuro ( = farei)

Modo Indicativo

Presente do Indicativo
1.ª conjugação 2.ª conjugação 3.ª conjugação Desinência pessoal
CANTAR VENDER PARTIR
cantO vendO partO O
cantaS vendeS parteS S
canta vende parte -
cantaMOS vendeMOS partiMOS MOS
cantaIS vendeIS partIS IS
cantaM vendeM parteM M

Pretérito Perfeito do Indicativo


1.ª conjugação 2.ª conjugação 3.ª conjugação Desinência pessoal
CANTAR VENDER PARTIR
canteI vendI partI I
cantaSTE vendeSTE partISTE STE
cantoU vendeU partiU U
cantaMOS vendeMOS partiMOS MOS
cantaSTES vendeSTES partISTES STES
cantaRAM vendeRAM partiRAM RAM

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LÍNGUA PORTUGUESA

Pretérito mais-que-perfeito

1.ª conjugação 2.ª conjugação 3.ª conjugação Des. temporal Desinência pessoal
1.ª/2.ª e 3.ª conj.
CANTAR VENDER PARTIR
cantaRA vendeRA partiRA RA Ø
cantaRAS vendeRAS partiRAS RA S
cantaRA vendeRA partiRA RA Ø
cantáRAMOS vendêRAMOS partíRAMOS RA MOS
cantáREIS vendêREIS partíREIS RE IS
cantaRAM vendeRAM partiRAM RA M

Pretérito Imperfeito do Indicativo

1.ª conjugação 2.ª conjugação 3ª. conjugação


CANTAR VENDER PARTIR
cantAVA vendIA partIA
cantAVAS vendIAS partAS
CantAVA vendIA partIA
cantÁVAMOS vendÍAMOS partÍAMOS
cantÁVEIS vendÍEIS partÍEIS
cantAVAM vendIAM partIAM

Futuro do Presente do Indicativo

1.ª conjugação 2.ª conjugação 3.ª conjugação


CANTAR VENDER PARTIR
cantar ei vender ei partir ei
cantar ás vender ás partir ás
cantar á vender á partir á
cantar emos vender emos partir emos
cantar eis vender eis partir eis
cantar ão vender ão partir ão

Futuro do Pretérito do Indicativo

1.ª conjugação 2.ª conjugação 3.ª conjugação


CANTAR VENDER PARTIR
cantarIA venderIA partirIA
cantarIAS venderIAS partirIAS
cantarIA venderIA partirIA
cantarÍAMOS venderÍAMOS partirÍAMOS
cantarÍEIS venderÍEIS partirÍEIS
cantarIAM venderIAM partirIAM

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LÍNGUA PORTUGUESA

Presente do Subjuntivo

Para se formar o presente do subjuntivo, substitui-se a desinência -o da primeira pessoa do singular do presente do
indicativo pela desinência -E (nos verbos de 1.ª conjugação) ou pela desinência -A (nos verbos de 2.ª e 3.ª conjugação).

1.ª conjug. 2.ª conjug. 3.ª conju. Desinên. pessoal Des. temporal Des.temporal
1.ª conj. 2.ª/3.ª conj.
CANTAR VENDER PARTIR
cantE vendA partA E A Ø
cantES vendAS partAS E A S
cantE vendA partA E A Ø
cantEMOS vendAMOS partAMOS E A MOS
cantEIS vendAIS partAIS E A IS
cantEM vendAM partAM E A M

Pretérito Imperfeito do Subjuntivo

Para formar o imperfeito do subjuntivo, elimina-se a desinência -STE da 2.ª pessoa do singular do pretérito perfeito,
obtendo-se, assim, o tema desse tempo. Acrescenta-se a esse tema a desinência temporal -SSE mais a desinência de nú-
mero e pessoa correspondente.

1.ª conjugação 2.ª conjugação 3.ª conjugação Des. temporal Desin. pessoal
1.ª /2.ª e 3.ª conj.
CANTAR VENDER PARTIR
cantaSSE vendeSSE partiSSE SSE Ø
cantaSSES vendeSSES partiSSES SSE S
cantaSSE vendeSSE partiSSE SSE Ø
cantáSSEMOS vendêSSEMOS partíSSEMOS SSE MOS
cantáSSEIS vendêSSEIS partíSSEIS SSE IS
cantaSSEM vendeSSEM partiSSEM SSE M

Futuro do Subjuntivo

Para formar o futuro do subjuntivo elimina-se a desinência -STE da 2.ª pessoa do singular do pretérito perfeito, ob-
tendo-se, assim, o tema desse tempo. Acrescenta-se a esse tema a desinência temporal -R mais a desinência de número e
pessoa correspondente.

1.ª conjugação 2.ª conjugação 3.ª conjugação Des. temporal Desin. pessoal
1.ª /2.ª e 3.ª conj.
CANTAR VENDER PARTIR
cantaR vendeR partiR Ø
cantaRES vendeRES partiRES R ES
cantaR vendeR partiR R Ø
cantaRMOS vendeRMOS partiRMOS R MOS
cantaRDES vendeRDES partiRDES R DES
cantaREM vendeREM partiREM R EM

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LÍNGUA PORTUGUESA

Modo Imperativo

Imperativo Afirmativo

Para se formar o imperativo afirmativo, toma-se do presente do indicativo a 2.ª pessoa do singular (tu) e a segunda
pessoa do plural (vós) eliminando-se o “S” final. As demais pessoas vêm, sem alteração, do presente do subjuntivo. Veja:

Presente do Indicativo Imperativo Afirmativo Presente do Subjuntivo


Eu canto --- Que eu cante
Tu cantas CantA tu Que tu cantes
Ele canta Cante você Que ele cante
Nós cantamos Cantemos nós Que nós cantemos
Vós cantais CantAI vós Que vós canteis
Eles cantam Cantem vocês Que eles cantem

Imperativo Negativo

Para se formar o imperativo negativo, basta antecipar a negação às formas do presente do subjuntivo.

Presente do Subjuntivo Imperativo Negativo

Que eu cante ---


Que tu cantes Não cantes tu
Que ele cante Não cante você
Que nós cantemos Não cantemos nós
Que vós canteis Não canteis vós
Que eles cantem Não cantem eles
Observações:
- No modo imperativo não faz sentido usar na 3.ª pessoa (singular e plural) as formas ele/eles, pois uma ordem, pedido
ou conselho só se aplicam diretamente à pessoa com quem se fala. Por essa razão, utiliza-se você/vocês.
- O verbo SER, no imperativo, faz excepcionalmente: sê (tu), sede (vós).

Infinitivo Pessoal

1.ª conjugação 2.ª conjugação 3.ª conjugação


CANTAR VENDER PARTIR
cantar vender partir
cantarES venderES partirES
cantar vender partir
cantarMOS venderMOS partirMOS
cantarDES venderDES partirDES
cantarEM venderEM partirEM

* Observações:
- o verbo parecer admite duas construções:
Elas parecem gostar de você. (forma uma locução verbal)
Elas parece gostarem de você. (verbo com sujeito oracional, correspondendo à construção: parece gostarem de você).

- o verbo pegar possui dois particípios (regular e irregular):


Elvis tinha pegado minhas apostilas.
Minhas apostilas foram pegas.

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LÍNGUA PORTUGUESA

fontes de pesquisa: 3-) (POLÍCIA MILITAR/SP – OFICIAL ADMINISTRATIVO


http://www.soportugues.com.br/secoes/morf/morf54. – VUNESP/2014) Considere o trecho a seguir.
php Já __________ alguns anos que estudos a respeito da
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac- utilização abusiva dos smartphones estão sendo desen-
coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010. volvidos. Os especialistas acreditam _________ motivos para
Português linguagens: volume 2 / Wiliam Roberto Cere- associar alguns comportamentos dos adolescentes ao uso
ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo: prolongado desses aparelhos, e _________ alertado os pais
Saraiva, 2010. para que avaliem a necessidade de estabelecer limites aos
Português: novas palavras: literatura, gramática, reda- seus filhos.
ção / Emília Amaral... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000. De acordo com a norma-padrão da língua portuguesa,
as lacunas do texto devem ser preenchidas, correta e res-
pectivamente, com:
Questões sobre Verbo (A) faz … haver … têm
(B) fazem … haver … tem
1-) (TRE/MS - ESTÁGIO – JORNALISMO - TRE/MS – (C) faz … haverem … têm
2014) A assertiva correta quanto à conjugação verbal é: (D) fazem … haverem … têm
A) Houveram eleições em outros países este ano. (E) faz … haverem … tem
B) Se eu vir você por aí, acabou.
C) Tinha chego atrasado vinte minutos. 3-) Já FAZ (sentido de tempo: não sofre flexão) alguns
D) Fazem três anos que não tiro férias. anos que estudos a respeito da utilização abusiva dos
E) Esse homem possue muitos bens. smartphones estão sendo desenvolvidos. Os especialistas
acreditam HAVER (sentido de existir: não varia) motivos
1-) Correções à frente: para associar alguns comportamentos dos adolescentes ao
A) Houveram eleições em outros países este ano = uso prolongado desses aparelhos, e TÊM (concorda com o
houve termo “os especialistas”) alertado os pais para que avaliem
C) Tinha chego atrasado vinte minutos = tinha chegado a necessidade de estabelecer limites aos seus filhos.
D) Fazem três anos que não tiro férias = faz três anos Temos: faz, haver, têm.
RESPOSTA: “A”.
E) Esse homem possue muitos bens = possui
RESPOSTA: “B”.
Vozes do Verbo
2-) (POLÍCIA CIVIL/SC – AGENTE DE POLÍCIA – ACA-
Dá-se o nome de voz à maneira como se apresenta a
FE/2014) Complete as lacunas com os verbos, tempos e
ação expressa pelo verbo em relação ao sujeito, indicando
modos indicados entre parênteses, fazendo a devida con-
se este é paciente ou agente da ação. Importante lembrar
cordância.
que voz verbal não é flexão, mas aspecto verbal. São três
• O juiz agrário ainda não _________ no conflito porque
as vozes verbais:
surgiram fatos novos de ontem para hoje. (intervir - preté-
rito perfeito do indicativo) - Ativa = quando o sujeito é agente, isto é, pratica a
• Uns poucos convidados ___________-se com os vídeos ação expressa pelo verbo:
postados no facebook. (entreter - pretérito imperfeito do
indicativo) Ele fez o tra-
• Representantes do PCRT somente serão aceitos na balho.
composição da chapa quando se _________ de criticar a sujeito agente ação objeto
atual diretoria do clube, (abster-se - futuro do subjuntivo) (paciente)
A sequência correta, de cima para baixo, é:
A-) interveio - entretinham - abstiverem - Passiva = quando o sujeito é paciente, recebendo a
B-) interviu - entretiveram - absterem ação expressa pelo verbo:
C-) intervém - entreteram - abstêm
D-) interviera - entretêm - abstiverem O trabalho foi feito p o r
E-) intervirá - entretenham - abstiveram ele.
sujeito paciente ação agente
da passiva
2-) O verbo “intervir” deve ser conjugado como o ver-
bo “vir”. Este, no pretérito perfeito do Indicativo fica “veio”, - Reflexiva = quando o sujeito é, ao mesmo tempo,
portanto, “interveio” (não existe “interviu”, já que ele não agente e paciente, isto é, pratica e recebe a ação:
deriva do verbo “ver”). Descartemos a alternativa B. Como
não há outro item com a mesma opção, chegamos à res-
posta rapidamente!
RESPOSTA: “A”.

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LÍNGUA PORTUGUESA

O menino feriu-se. Conversão da Voz Ativa na Voz Passiva

* Observação: não confundir o emprego reflexivo do Pode-se mudar a voz ativa na passiva sem alterar subs-
verbo com a noção de reciprocidade: tancialmente o sentido da frase.
Os lutadores feriram-se. (um ao outro)
Nós nos amamos. (um ama o outro) O concurseiro comprou a apostila. (Voz Ativa)
Sujeito da Ativa objeto Direto
Formação da Voz Passiva
A apostila foi comprada pelo concurseiro.
A voz passiva pode ser formada por dois processos: (Voz Passiva)
analítico e sintético. Sujeito da Passiva Agente da Passi-
va
1- Voz Passiva Analítica = Constrói-se da seguinte ma-
neira: Observe que o objeto direto será o sujeito da passiva; o
sujeito da ativa passará a agente da passiva, e o verbo ativo
Verbo SER + particípio do verbo principal. Por exemplo: assumirá a forma passiva, conservando o mesmo tempo.
A escola será pintada pelos alunos. (na ativa teríamos: os Observe:
alunos pintarão a escola) - Os mestres têm constantemente aconselhado os alu-
O trabalho é feito por ele. (na ativa: ele faz o trabalho) nos.
Os alunos têm sido constantemente aconselhados pelos
* Observação: o agente da passiva geralmente é acom- mestres.
panhado da preposição por, mas pode ocorrer a constru-
ção com a preposição de. Por exemplo: A casa ficou cercada - Eu o acompanharei.
de soldados. Ele será acompanhado por mim.
- Pode acontecer de o agente da passiva não estar ex- * Observação: quando o sujeito da voz ativa for inde-
plícito na frase: A exposição será aberta amanhã. terminado, não haverá complemento agente na passiva.
Por exemplo: Prejudicaram-me. / Fui prejudicado.
- A variação temporal é indicada pelo verbo auxiliar
(SER), pois o particípio é invariável. Observe a transforma-
** Saiba que:
ção das frases seguintes:
- com os verbos neutros (nascer, viver, morrer, dormir,
acordar, sonhar, etc.) não há voz ativa, passiva ou reflexiva,
a) Ele fez o trabalho. (pretérito perfeito do Indicativo)
porque o sujeito não pode ser visto como agente, paciente
O trabalho foi feito por ele. (verbo ser no pretérito per-
ou agente-paciente.
feito do Indicativo, assim como o verbo principal da voz
ativa)
Fontes de pesquisa:
b) Ele faz o trabalho. (presente do indicativo) http://www.soportugues.com.br/secoes/morf/morf54.
O trabalho é feito por ele. (ser no presente do indica- php
tivo) SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
c) Ele fará o trabalho. (futuro do presente) Português linguagens: volume 2 / Wiliam Roberto Cere-
O trabalho será feito por ele. (futuro do presente) ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo:
Saraiva, 2010.
- Nas frases com locuções verbais, o verbo SER assume Português: novas palavras: literatura, gramática, reda-
o mesmo tempo e modo do verbo principal da voz ativa. ção / Emília Amaral... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000.
Observe a transformação da frase seguinte:
O vento ia levando as folhas. (gerúndio)
As folhas iam sendo levadas pelo vento. (gerúndio) Questões

2- Voz Passiva Sintética = A voz passiva sintética - ou 1-) (TRIBUNAL DE JUSTIÇA/GO – ANALISTA JUDICIÁ-
pronominal - constrói-se com o verbo na 3.ª pessoa, segui- RIO – FGV/2014 - adaptada) A frase “que foi trazida pelo
do do pronome apassivador “se”. Por exemplo: instituto Endeavor” equivale, na voz ativa, a:
Abriram-se as inscrições para o concurso. (A) que o instituto Endeavor traz;
Destruiu-se o velho prédio da escola. (B) que o instituto Endeavor trouxe;
(C) trazida pelo instituto Endeavor;
* Observação: o agente não costuma vir expresso na (D) que é trazida pelo instituto Endeavor;
voz passiva sintética. (E) que traz o instituto Endeavor.

43
LÍNGUA PORTUGUESA

1-) Se na voz passiva temos dois verbos, na ativa tere- Regras ortográficas
mos um: “que o instituto Endeavor trouxe” (manter o tem-
po verbal no pretérito – assim como na passiva). O fonema s
RESPOSTA: “B”.
S e não C/Ç

2-) (PRODAM/AM – ASSISTENTE – FUNCAB/2014 - palavras substantivadas derivadas de verbos com radi-
adaptada) Ao passarmos a frase “...e É CONSIDERADO por cais em nd, rg, rt, pel, corr e sent: pretender - pretensão /
muitos o maior maratonista de todos os tempos” para a expandir - expansão / ascender - ascensão / inverter - inver-
voz ativa, encontramos a seguinte forma verbal: são / aspergir - aspersão / submergir - submersão / divertir
A) consideravam. - diversão / impelir - impulsivo / compelir - compulsório /
B) consideram. repelir - repulsa / recorrer - recurso / discorrer - discurso /
C) considerem. sentir - sensível / consentir – consensual.
D) considerarão.
E) considerariam.
SS e não C e Ç
2-) É CONSIDERADO por muitos o maior maratonista
nomes derivados dos verbos cujos radicais terminem
de todos os tempos = dois verbos na voz passiva, então na
em gred, ced, prim ou com verbos terminados por tir ou
ativa teremos UM: muitos o consideram o maior marato-
nista de todos os tempos. -meter: agredir - agressivo / imprimir - impressão / admitir
RESPOSTA: “B”. - admissão / ceder - cessão / exceder - excesso / percutir -
percussão / regredir - regressão / oprimir - opressão / com-
prometer - compromisso / submeter – submissão.
3-) (TRT-16ª REGIÃO/MA - ANALISTA JUDICIÁRIO –
ÁREA ADMINISTRATIVA – FCC/2014) *quando o prefixo termina com vogal que se junta com
Transpondo-se para a voz passiva a frase “vou glosar a palavra iniciada por “s”. Exemplos: a + simétrico - assimé-
uma observação de Machado de Assis”, a forma verbal re- trico / re + surgir – ressurgir.
sultante deverá ser *no pretérito imperfeito simples do subjuntivo. Exem-
(A) terei glosado plos: ficasse, falasse.
(B) seria glosada
(C) haverá de ser glosada C ou Ç e não S e SS
(D) será glosada
(E) terá sido glosada vocábulos de origem árabe: cetim, açucena, açúcar.
vocábulos de origem tupi, africana ou exótica: cipó, Ju-
3-) “vou glosar uma observação de Machado de Assis” çara, caçula, cachaça, cacique.
– “vou glosar” expressa “glosarei”, então teremos na pas- sufixos aça, aço, ação, çar, ecer, iça, nça, uça, uçu,
siva: uma observação de Machado de Assis será glosada uço: barcaça, ricaço, aguçar, empalidecer, carniça, caniço,
por mim. esperança, carapuça, dentuço.
RESPOSTA: “D”. nomes derivados do verbo ter: abster - abstenção / de-
ter - detenção / ater - atenção / reter – retenção.
após ditongos: foice, coice, traição.
palavras derivadas de outras terminadas em -te, to(r):
ORTOGRAFIA marte - marciano / infrator - infração / absorto – absorção.

O fonema z
A ortografia é a parte da Fonologia que trata da correta
S e não Z
grafia das palavras. É ela quem ordena qual som devem
ter as letras do alfabeto. Os vocábulos de uma língua são
grafados segundo acordos ortográficos. sufixos: ês, esa, esia, e isa, quando o radical é subs-
tantivo, ou em gentílicos e títulos nobiliárquicos: freguês,
A maneira mais simples, prática e objetiva de apren- freguesa, freguesia, poetisa, baronesa, princesa.
der ortografia é realizar muitos exercícios, ver as palavras, sufixos gregos: ase, ese, ise e ose: catequese, metamor-
familiarizando-se com elas. O conhecimento das regras é fose.
necessário, mas não basta, pois há inúmeras exceções e, formas verbais pôr e querer: pôs, pus, quisera, quis, qui-
em alguns casos, há necessidade de conhecimento de eti- seste.
mologia (origem da palavra). nomes derivados de verbos com radicais terminados
em “d”: aludir - alusão / decidir - decisão / empreender -
empresa / difundir – difusão.

44
LÍNGUA PORTUGUESA

diminutivos cujos radicais terminam com “s”: Luís - Lui- CH e não X


sinho / Rosa - Rosinha / lápis – lapisinho.
após ditongos: coisa, pausa, pouso, causa. palavras de origem estrangeira: chave, chumbo, chassi,
verbos derivados de nomes cujo radical termina com mochila, espadachim, chope, sanduíche, salsicha.
“s”: anális(e) + ar - analisar / pesquis(a) + ar – pesquisar.
As letras “e” e “i”
Z e não S
Ditongos nasais são escritos com “e”: mãe, põem. Com
sufixos “ez” e “eza” das palavras derivadas de adjetivo: “i”, só o ditongo interno cãibra.
macio - maciez / rico – riqueza / belo – beleza. verbos que apresentam infinitivo em -oar, -uar são
sufixos “izar” (desde que o radical da palavra de ori- escritos com “e”: caçoe, perdoe, tumultue. Escrevemos com
gem não termine com s): final - finalizar / concreto – con- “i”, os verbos com infinitivo em -air, -oer e -uir: trai, dói,
cretizar. possui, contribui.
consoante de ligação se o radical não terminar com “s”:
pé + inho - pezinho / café + al - cafezal * Atenção para as palavras que mudam de sentido
quando substituímos a grafia “e” pela grafia “i”: área (super-
Exceção: lápis + inho – lapisinho. fície), ária (melodia) / delatar (denunciar), dilatar (expandir)
/ emergir (vir à tona), imergir (mergulhar) / peão (de estân-
O fonema j cia, que anda a pé), pião (brinquedo).

G e não J * Dica:
- Se o dicionário ainda deixar dúvida quanto à orto-
palavras de origem grega ou árabe: tigela, girafa, ges- grafia de uma palavra, há a possibilidade de consultar o
so. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), ela-
estrangeirismo, cuja letra G é originária: sargento, gim. borado pela Academia Brasileira de Letras. É uma obra de
terminações: agem, igem, ugem, ege, oge (com pou- referência até mesmo para a criação de dicionários, pois
cas exceções): imagem, vertigem, penugem, bege, foge. traz a grafia atualizada das palavras (sem o significado). Na
Internet, o endereço é www.academia.org.br.
Exceção: pajem.
Informações importantes
terminações: ágio, égio, ígio, ógio, ugio: sortilégio, - Formas variantes são formas duplas ou múltiplas,
litígio, relógio, refúgio. equivalentes: aluguel/aluguer, relampejar/relampear/re-
verbos terminados em ger/gir: emergir, eleger, fugir, lampar/relampadar.
mugir. - Os símbolos das unidades de medida são escritos
depois da letra “r” com poucas exceções: emergir, sur- sem ponto, com letra minúscula e sem “s” para indicar plu-
gir. ral, sem espaço entre o algarismo e o símbolo: 2kg, 20km,
depois da letra “a”, desde que não seja radical termina- 120km/h.
do com j: ágil, agente. Exceção para litro (L): 2 L, 150 L.
- Na indicação de horas, minutos e segundos, não deve
J e não G haver espaço entre o algarismo e o símbolo: 14h, 22h30min,
14h23’34’’(= quatorze horas, vinte e três minutos e trinta e
palavras de origem latinas: jeito, majestade, hoje. quatro segundos).
palavras de origem árabe, africana ou exótica: jiboia, - O símbolo do real antecede o número sem espaço:
manjerona. R$1.000,00. No cifrão deve ser utilizada apenas uma barra
palavras terminadas com aje: ultraje. vertical ($).

O fonema ch Fontes de pesquisa:


http://www.pciconcursos.com.br/aulas/portugues/or-
X e não CH tografia
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
palavras de origem tupi, africana ou exótica: abacaxi, coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
xucro. Português linguagens: volume 1 / Wiliam Roberto Cere-
palavras de origem inglesa e espanhola: xampu, lagar- ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo:
tixa. Saraiva, 2010.
depois de ditongo: frouxo, feixe. Português: novas palavras: literatura, gramática, reda-
depois de “en”: enxurrada, enxada, enxoval. ção / Emília Amaral... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000.

Exceção: quando a palavra de origem não derive de


outra iniciada com ch - Cheio - (enchente)

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LÍNGUA PORTUGUESA

Hífen ** O hífen é suprimido quando para formar outros ter-


mos: reaver, inábil, desumano, lobisomem, reabilitar.
O hífen é um sinal diacrítico (que distingue) usado para
ligar os elementos de palavras compostas (como ex-presi- Lembrete da Zê!
dente, por exemplo) e para unir pronomes átonos a verbos Ao separar palavras na translineação (mudança de li-
(ofereceram-me; vê-lo-ei). Serve igualmente para fazer a nha), caso a última palavra a ser escrita seja formada por
translineação de palavras, isto é, no fim de uma linha, se- hífen, repita-o na próxima linha. Exemplo: escreverei anti
parar uma palavra em duas partes (ca-/sa; compa-/nheiro). -inflamatório e, ao final, coube apenas “anti-”. Na próxima
linha escreverei: “-inflamatório” (hífen em ambas as linhas).
Uso do hífen que continua depois da Reforma Or-
tográfica: Não se emprega o hífen:

1. Em palavras compostas por justaposição que formam 1. Nas formações em que o prefixo ou falso prefixo
uma unidade semântica, ou seja, nos termos que se unem termina em vogal e o segundo termo inicia-se em “r” ou
para formarem um novo significado: tio-avô, porto-ale- “s”. Nesse caso, passa-se a duplicar estas consoantes: antir-
grense, luso-brasileiro, tenente-coronel, segunda- -fei- religioso, contrarregra, infrassom, microssistema, minissaia,
ra, conta-gotas, guarda-chuva, arco-íris, primeiro-ministro, microrradiografia, etc.
azul-escuro.
2. Nas constituições em que o prefixo ou pseudopre-
2. Em palavras compostas por espécies botânicas e fixo termina em vogal e o segundo termo inicia-se com
zoológicas: couve-flor, bem-te-vi, bem-me-quer, abóbora- vogal diferente: antiaéreo, extraescolar, coeducação, autoes-
-menina, erva-doce, feijão-verde. trada, autoaprendizagem, hidroelétrico, plurianual, autoes-
cola, infraestrutura, etc.
3. Nos compostos com elementos além, aquém, re-
cém e sem: além-mar, recém-nascido, sem-número, recém- 3. Nas formações, em geral, que contêm os prefixos
-casado. “dês” e “in” e o segundo elemento perdeu o “h” inicial: de-
sumano, inábil, desabilitar, etc.
4. No geral, as locuções não possuem hífen, mas algu-
mas exceções continuam por já estarem consagradas pelo 4. Nas formações com o prefixo “co”, mesmo quando o
uso: cor-de-rosa, arco-da-velha, mais-que-perfeito, pé-de- segundo elemento começar com “o”: cooperação, coobriga-
meia, água-de-colônia, queima-roupa, deus-dará. ção, coordenar, coocupante, coautor, coedição, coexistir, etc.

5. Nos encadeamentos de vocábulos, como: ponte Rio- 5. Em certas palavras que, com o uso, adquiriram noção
Niterói, percurso Lisboa-Coimbra-Porto e nas combinações de composição: pontapé, girassol, paraquedas, paraquedis-
históricas ou ocasionais: Áustria-Hungria, Angola-Brasil, ta, etc.
etc.
6. Em alguns compostos com o advérbio “bem”: benfei-
6. Nas formações com os prefixos hiper-, inter- e su- to, benquerer, benquerido, etc.
per- quando associados com outro termo que é iniciado
por “r”: hiper-resistente, inter-racial, super-racional, etc. - Os prefixos pós, pré e pró, em suas formas corres-
pondentes átonas, aglutinam-se com o elemento seguinte,
7. Nas formações com os prefixos ex-, vice-: ex-diretor, não havendo hífen: pospor, predeterminar, predeterminado,
ex-presidente, vice-governador, vice-prefeito. pressuposto, propor.
- Escreveremos com hífen: anti-horário, anti-infeccio-
8. Nas formações com os prefixos pós-, pré- e pró-: so, auto-observação, contra-ataque, semi-interno, sobre-
pré-natal, pré-escolar, pró-europeu, pós-graduação, etc. -humano, super-realista, alto-mar.
- Escreveremos sem hífen: pôr do sol, antirreforma,
9. Na ênclise e mesóclise: amá-lo, deixá-lo, dá-se, abra- antisséptico, antissocial, contrarreforma, minirrestaurante,
ça-o, lança-o e amá-lo-ei, falar-lhe-ei, etc. ultrassom, antiaderente, anteprojeto, anticaspa, antivírus,
autoajuda, autoelogio, autoestima, radiotáxi.
10. Nas formações em que o prefixo tem como se-
gundo termo uma palavra iniciada por “h”: sub-hepático, Fontes de pesquisa:
geo--história, neo-helênico, extra-humano, semi-hospitalar, http://www.pciconcursos.com.br/aulas/portugues/or-
super-homem. tografia
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
11. Nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
termina com a mesma vogal do segundo elemento: micro
-ondas, eletro-ótica, semi-interno, auto-observação, etc.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Questões Armandinho, personagem do cartunista Alexandre


Beck, sabe perfeitamente empregar os parônimos “cestas”
1-) (TRE/MS - ESTÁGIO – JORNALISMO - TRE/MS – 2014) “sestas” e “sextas”. Quanto ao emprego de parônimos, da-
De acordo com a nova ortografia, assinale o item em que das as frases abaixo,
todas as palavras estão corretas: I. O cidadão se dirigia para sua _____________ eleitoral.
A) autoajuda – anti-inflamatório – extrajudicial. II. A zona eleitoral ficava ___________ 200 metros de um
B) supracitado – semi-novo – telesserviço. posto policial.
C) ultrassofisticado – hidro-elétrica – ultra-som. III. O condutor do automóvel __________ a lei seca.
D) contrarregra – autopista – semi-aberto. IV. Foi encontrada uma __________ soma de dinheiro no
E) contrarrazão – infra-estrutura – coprodutor. carro.
V. O policial anunciou o __________ delito.
1-) Correção:
A) autoajuda – anti-inflamatório – extrajudicial = correta Assinale a alternativa cujos vocábulos preenchem cor-
B) supracitado – semi-novo – telesserviço = seminovo retamente as lacunas das frases.
C) ultrassofisticado – hidro-elétrica – ultra-som = hi- A) seção, acerca de, infligiu, vultosa, fragrante.
droelétrica, ultrassom B) seção, acerca de, infligiu, vultuosa, flagrante.
D) contrarregra – autopista – semi-aberto = semiaberto C) sessão, a cerca de, infringiu, vultosa, fragrante.
E) contrarrazão – infra-estrutura – coprodutor = infraes- D) seção, a cerca de, infringiu, vultosa, flagrante.
trutura E) sessão, a cerca de, infligiu, vultuosa, flagrante.
RESPOSTA: “A”.
3-) Questão que envolve ortografia.
I. O cidadão se dirigia para sua SEÇÃO eleitoral. (setor)
2-) (TRE/MS - ESTÁGIO – JORNALISMO - TRE/MS – 2014) II. A zona eleitoral ficava A CERCA DE 200 metros de um
De acordo com a nova ortografia, assinale o item em que
posto policial. (= aproximadamente)
todas as palavras estão corretas:
III. O condutor do automóvel INFRINGIU a lei seca. (re-
A) autoajuda – anti-inflamatório – extrajudicial.
lacione com infrator)
B) supracitado – semi-novo – telesserviço.
IV. Foi encontrada uma VULTOSA soma de dinheiro no
C) ultrassofisticado – hidro-elétrica – ultra-som.
carro. (de grande vulto, volumoso)
D) contrarregra – autopista – semi-aberto.
V. O policial anunciou o FLAGRANTE delito. (relacione
E) contrarrazão – infra-estrutura – coprodutor.
com “pego no flagra”)
2-) Correção: Seção / a cerca de / infringiu / vultosa / flagrante
A) autoajuda – anti-inflamatório – extrajudicial = correta RESPOSTA: “D”.
B) supracitado – semi-novo – telesserviço = seminovo
C) ultrassofisticado – hidro-elétrica – ultra-som = hi-
droelétrica, ultrassom
D) contrarregra – autopista – semi-aberto = semiaberto ACENTUAÇÃO
E) contrarrazão – infra-estrutura – coprodutor = infraes-
trutura
RESPOSTA: “A”.
Quanto à acentuação, observamos que algumas pala-
vras têm acento gráfico e outras não; na pronúncia, ora se
3-) (CASAL/AL - ADMINISTRADOR DE REDE - COPEVE/ dá maior intensidade sonora a uma sílaba, ora a outra. Por
UFAL/2014) isso, vamos às regras!

Regras básicas – Acentuação tônica

A acentuação tônica está relacionada à intensidade


com que são pronunciadas as sílabas das palavras. Aquela
que se dá de forma mais acentuada, conceitua-se como sí-
laba tônica. As demais, como são pronunciadas com menos
intensidade, são denominadas de átonas.
De acordo com a tonicidade, as palavras são classifica-
das como:
Oxítonas – São aquelas cuja sílaba tônica recai sobre
a última sílaba. Ex.: café – coração – Belém – atum – caju –
papel

Paroxítonas – São aquelas em que a sílaba tônica recai


na penúltima sílaba. Ex.: útil – tórax – táxi – leque – sapato
– passível

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LÍNGUA PORTUGUESA

Proparoxítonas - São aquelas cuja sílaba tônica está ** Alerta da Zê! Cuidado: Se os ditongos abertos esti-
na antepenúltima sílaba. Ex.: lâmpada – câmara – tímpano verem em uma palavra oxítona (herói) ou monossílaba (céu)
– médico – ônibus ainda são acentuados: dói, escarcéu.

Há vocábulos que possuem mais de uma sílaba, mas Antes Agora


em nossa língua existem aqueles com uma sílaba somente:
são os chamados monossílabos. assembléia assembleia
idéia ideia
Os acentos
geléia geleia
acento agudo (´) – Colocado sobre as letras “a” e “i”, jibóia jiboia
“u” e “e” do grupo “em” - indica que estas letras represen- apóia (verbo apoiar) apoia
tam as vogais tônicas de palavras como pá, caí, público.
paranóico paranoico
Sobre as letras “e” e “o” indica, além da tonicidade, timbre
aberto: herói – médico – céu (ditongos abertos).
Acento Diferencial
acento circunflexo (^) – colocado sobre as letras “a”,
“e” e “o” indica, além da tonicidade, timbre fechado: tâma-
Representam os acentos gráficos que, pelas regras de
ra – Atlântico – pêsames – supôs .
acentuação, não se justificariam, mas são utilizados para
acento grave (`) – indica a fusão da preposição “a”
diferenciar classes gramaticais entre determinadas palavras
com artigos e pronomes: à – às – àquelas – àqueles
e/ou tempos verbais. Por exemplo:
trema ( ¨ ) – De acordo com a nova regra, foi totalmen-
Pôr (verbo) X por (preposição) / pôde (pretérito perfeito
te abolido das palavras. Há uma exceção: é utilizado em
de Indicativo do verbo “poder”) X pode (presente do Indica-
palavras derivadas de nomes próprios estrangeiros: mülle-
tivo do mesmo verbo).
riano (de Müller)
Se analisarmos o “pôr” - pela regra das monossílabas:
til (~) – indica que as letras “a” e “o” representam vo-
terminada em “o” seguida de “r” não deve ser acentuada,
gais nasais: oração – melão – órgão – ímã
mas nesse caso, devido ao acento diferencial, acentua-se,
para que saibamos se se trata de um verbo ou preposição.
Regras fundamentais
Os demais casos de acento diferencial não são mais
utilizados: para (verbo), para (preposição), pelo (substanti-
Palavras oxítonas:
vo), pelo (preposição). Seus significados e classes gramati-
Acentuam-se todas as oxítonas terminadas em: “a”, “e”,
cais são definidos pelo contexto.
“o”, “em”, seguidas ou não do plural(s): Pará – café(s) – ci-
Polícia para o trânsito para realizar blitz. = o primeiro
pó(s) – Belém.
“para” é verbo; o segundo, preposição (com relação de fi-
Esta regra também é aplicada aos seguintes casos:
nalidade).
- Monossílabos tônicos terminados em “a”, “e”, “o”, se-
** Quando, na frase, der para substituir o “por” por
guidos ou não de “s”: pá – pé – dó – há
“colocar”, estaremos trabalhando com um verbo, portanto:
- Formas verbais terminadas em “a”, “e”, “o” tônicos,
“pôr”; nos outros casos, “por” preposição. Ex: Faço isso por
seguidas de lo, la, los, las: respeitá-lo, recebê-lo, compô-lo
você. / Posso pôr (colocar) meus livros aqui?
Paroxítonas:
Regra do Hiato:
Acentuam-se as palavras paroxítonas terminadas em:
- i, is: táxi – lápis – júri
Quando a vogal do hiato for “i” ou “u” tônicos, for a se-
- us, um, uns: vírus – álbuns – fórum
gunda vogal do hiato, acompanhado ou não de “s”, haverá
- l, n, r, x, ps: automóvel – elétron - cadáver – tórax –
acento. Ex.: saída – faísca – baú – país – Luís
fórceps
Não se acentuam o “i” e o “u” que formam hiato quan-
- ã, ãs, ão, ãos: ímã – ímãs – órfão – órgãos
do seguidos, na mesma sílaba, de l, m, n, r ou z. Ra-ul, Lu-iz,
- ditongo oral, crescente ou decrescente, seguido ou
sa-ir, ju-iz
não de “s”: água – pônei – mágoa – memória
Não se acentuam as letras “i” e “u” dos hiatos se esti-
verem seguidas do dígrafo nh. Ex: ra-i-nha, ven-to-i-nha.
** Dica: Memorize a palavra LINURXÃO. Para quê? Re-
Não se acentuam as letras “i” e “u” dos hiatos se vierem
pare que esta palavra apresenta as terminações das paro-
precedidas de vogal idêntica: xi-i-ta, pa-ra-cu-u-ba
xítonas que são acentuadas: L, I N, U (aqui inclua UM =
fórum), R, X, Ã, ÃO. Assim ficará mais fácil a memorização!
Observação importante:
Regras especiais:
Não serão mais acentuados “i” e “u” tônicos, formando
Os ditongos de pronúncia aberta “ei”, “oi” (ditongos
hiato quando vierem depois de ditongo (nas paroxítonas):
abertos), que antes eram acentuados, perderam o acento
de acordo com a nova regra, mas desde que estejam em
palavras paroxítonas.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Antes Agora Questões

bocaiúva bocaiuva 1-) (PREFEITURA DE SÃO PAULO/SP – AUDITOR FISCAL


feiúra feiura TRIBUTÁRIO MUNICIPAL – CETRO/2014 - adaptada) Assi-
nale a alternativa que contém duas palavras acentuadas
Sauípe Sauipe
conforme a mesma regra.
(A) “Hambúrgueres” e “repórter”.
O acento pertencente aos encontros “oo” e “ee” foi
(B) “Inacreditáveis” e “repórter”.
abolido:
(C) “Índice” e “dólares”.
(D) “Inacreditáveis” e “atribuídos”.
Antes Agora (E) “Atribuídos” e “índice”.
crêem creem
1-)
lêem leem
(A) “Hambúrgueres” = proparoxítona / “repórter” = pa-
vôo voo roxítona
enjôo enjoo (B) “Inacreditáveis” = paroxítona / “repórter” = paro-
xítona
** Dica: Memorize a palavra CREDELEVÊ. São os verbos (C) “Índice” = proparoxítona / “dólares” = proparoxí-
que, no plural, dobram o “e”, mas que não recebem mais tona
acento como antes: CRER, DAR, LER e VER. (D) “Inacreditáveis” = paroxítona / “atribuídos” = regra
Repare: do hiato
1-) O menino crê em você. / Os meninos creem em você. (E) “Atribuídos” = regra do hiato / “índice” = proparo-
2-) Elza lê bem! / Todas leem bem! xítona
3-) Espero que ele dê o recado à sala. / Esperamos que RESPOSTA: “B”.
os garotos deem o recado!
4-) Rubens vê tudo! / Eles veem tudo! 2-) (SEFAZ/RS – AUDITOR FISCAL DA RECEITA FEDERAL
Cuidado! Há o verbo vir: Ele vem à tarde! / Eles vêm à – FUNDATEC/2014 - adaptada)
tarde! Analise as afirmações que são feitas sobre acentuação
As formas verbais que possuíam o acento tônico na gráfica.
raiz, com “u” tônico precedido de “g” ou “q” e seguido de I. Caso o acento das palavras ‘trânsito’ e ‘específicos’
“e” ou “i” não serão mais acentuadas: seja retirado, essas continuam sendo palavras da língua
portuguesa.
II. A regra que explica a acentuação das palavras ‘vá-
Antes Depois rios’ e ‘país’ não é a mesma.
apazigúe (apaziguar) apazigue III. Na palavra ‘daí’, há um ditongo decrescente.
averigúe (averiguar) averigue IV. Acentua-se a palavra ‘vêm’ para diferenciá-la, em si-
tuação de uso, quanto à flexão de número.
argúi (arguir) argui Quais estão corretas?
A) Apenas I e III.
Acentuam-se os verbos pertencentes a terceira pessoa B) Apenas II e IV.
do plural de: ele tem – eles têm / ele vem – eles vêm (verbo C) Apenas I, II e IV.
vir) D) Apenas II, III e IV.
E) I, II, III e IV.
A regra prevalece também para os verbos conter, obter,
reter, deter, abster: ele contém – eles contêm, ele obtém – eles 2-)
obtêm, ele retém – eles retêm, ele convém – eles convêm. I. Caso o acento das palavras ‘trânsito’ e ‘específicos’
seja retirado, essas continuam sendo palavras da língua
Fontes de pesquisa: portuguesa = teremos “transito” e “especifico” – serão ver-
http://www.brasilescola.com/gramatica/acentuacao. bos (correta)
htm II. A regra que explica a acentuação das palavras ‘vá-
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac- rios’ e ‘país’ não é a mesma = vários é paroxítona terminada
coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010. em ditongo; país é a regra do hiato (correta)
Português linguagens: volume 1 / Wiliam Roberto Cere- III. Na palavra ‘daí’, há um ditongo decrescente = há um
ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo: hiato, por isso a acentuação (da - í) = incorreta.
Saraiva, 2010. IV. Acentua-se a palavra ‘vêm’ para diferenciá-la, em
situação de uso, quanto à flexão de número = “vêm” é uti-
lizado para a terceira pessoa do plural (correta)
RESPOSTA: “C”.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Dois pontos (:)


PONTUAÇÃO
1- Antes de uma citação
Vejamos como Afrânio Coutinho trata este assunto:

Os sinais de pontuação são marcações gráficas que 2- Antes de um aposto


servem para compor a coesão e a coerência textual, além Três coisas não me agradam: chuva pela manhã, frio à
de ressaltar especificidades semânticas e pragmáticas. tarde e calor à noite.
Um texto escrito adquire diferentes significados quando
pontuado de formas diversificadas. O uso da pontuação 3- Antes de uma explicação ou esclarecimento
depende, em certos momentos, da intenção do autor do Lá estava a deplorável família: triste, cabisbaixa, vivendo
discurso. Assim, os sinais de pontuação estão diretamente a rotina de sempre.
relacionados ao contexto e ao interlocutor.
4- Em frases de estilo direto
Principais funções dos sinais de pontuação
Maria perguntou:
- Por que você não toma uma decisão?
Ponto (.)

1- Indica o término do discurso ou de parte dele, en- Ponto de Exclamação (!)


cerrando o período.
1- Usa-se para indicar entonação de surpresa, cólera,
2- Usa-se nas abreviaturas: pág. (página), Cia. (Com- susto, súplica, etc.
panhia). Se a palavra abreviada aparecer em final de pe- Sim! Claro que eu quero me casar com você!
ríodo, este não receberá outro ponto; neste caso, o ponto
de abreviatura marca, também, o fim de período. Exemplo: 2- Depois de interjeições ou vocativos
Estudei português, matemática, constitucional, etc. (e não Ai! Que susto!
“etc..”) João! Há quanto tempo!

3- Nos títulos e cabeçalhos é opcional o emprego do Ponto de Interrogação (?)


ponto, assim como após o nome do autor de uma citação:
Haverá eleições em outubro Usa-se nas interrogações diretas e indiretas livres.
O culto do vernáculo faz parte do brio cívico. (Napoleão “- Então? Que é isso? Desertaram ambos?” (Artur Aze-
Mendes de Almeida) (ou: Almeida.) vedo)

4- Os números que identificam o ano não utilizam pon- Reticências (...)


to nem devem ter espaço a separá-los, bem como os nú-
meros de CEP: 1975, 2014, 2006, 17600-250. 1- Indica que palavras foram suprimidas: Comprei lápis,
canetas, cadernos...
Ponto e Vírgula ( ; )
2- Indica interrupção violenta da frase.
1- Separa várias partes do discurso, que têm a mesma “- Não... quero dizer... é verdad... Ah!”
importância: “Os pobres dão pelo pão o trabalho; os ricos
dão pelo pão a fazenda; os de espíritos generosos dão pelo
3- Indica interrupções de hesitação ou dúvida: Este
pão a vida; os de nenhum espírito dão pelo pão a alma...”
mal... pega doutor?
(VIEIRA)

2- Separa partes de frases que já estão separadas por 4- Indica que o sentido vai além do que foi dito: Deixa,
vírgulas: Alguns quiseram verão, praia e calor; outros, mon- depois, o coração falar...
tanhas, frio e cobertor.
Vírgula (,)
3- Separa itens de uma enumeração, exposição de mo-
tivos, decreto de lei, etc. Não se usa vírgula
Ir ao supermercado;
Pegar as crianças na escola; * separando termos que, do ponto de vista sintático,
Caminhada na praia; ligam-se diretamente entre si:
Reunião com amigos. - entre sujeito e predicado:
Todos os alunos da sala foram advertidos.
Sujeito predicado

50
LÍNGUA PORTUGUESA

- entre o verbo e seus objetos: Fontes de pesquisa:


O trabalho custou sacrifício aos http://www.infoescola.com/portugues/pontuacao/
realizadores. http://www.brasilescola.com/gramatica/uso-da-virgu-
V.T.D.I. O.D. O.I. la.htm
Português linguagens: volume 3 / Wiliam Roberto Cere-
Usa-se a vírgula: ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo:
Saraiva, 2010.
- Para marcar intercalação: SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
a) do adjunto adverbial: O café, em razão da sua abun- coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
dância, vem caindo de preço.
b) da conjunção: Os cerrados são secos e áridos. Estão Questões
produzindo, todavia, altas quantidades de alimentos.
c) das expressões explicativas ou corretivas: As indús- 1-) (SAAE/SP - FISCAL LEITURISTA - VUNESP - 2014)
trias não querem abrir mão de suas vantagens, isto é, não
querem abrir mão dos lucros altos.

- Para marcar inversão:


a) do adjunto adverbial (colocado no início da oração):
Depois das sete horas, todo o comércio está de portas fe-
chadas.
b) dos objetos pleonásticos antepostos ao verbo: Aos
pesquisadores, não lhes destinaram verba alguma.
c) do nome de lugar anteposto às datas: Recife, 15 de
maio de 1982.

- Para separar entre si elementos coordenados (dis-


postos em enumeração):
Era um garoto de 15 anos, alto, magro.
A ventania levou árvores, e telhados, e pontes, e animais.

- Para marcar elipse (omissão) do verbo:


Nós queremos comer pizza; e vocês, churrasco.

- Para isolar: (SAAE/SP - FISCAL LEITURISTA - VUNESP - 2014) Se-


- o aposto: São Paulo, considerada a metrópole brasilei- gundo a norma-padrão da língua portuguesa, a pontuação
ra, possui um trânsito caótico. está correta em:
- o vocativo: Ora, Thiago, não diga bobagem. A) Hagar disse, que não iria.
B) Naquela noite os Stevensens prometeram servir, bi-
Observações: fes e lagostas, aos vizinhos.
- Considerando-se que “etc.” é abreviatura da expres- C) Chegou, o convite dos Stevensens, bife e lagostas:
são latina et cetera, que significa “e outras coisas”, seria dis- para Hagar e Helga
pensável o emprego da vírgula antes dele. Porém, o acordo D) “Eles são chatos e, nunca param de falar”, disse, Ha-
ortográfico em vigor no Brasil exige que empreguemos etc. gar à Helga.
precedido de vírgula: Falamos de política, futebol, lazer, etc. E) Helga chegou com o recado: fomos convidados, pe-
los Stevensens, para jantar bifes e lagostas.
- As perguntas que denotam surpresa podem ter com-
binados o ponto de interrogação e o de exclamação: Você 1-) Correções realizadas:
falou isso para ela?! A) Hagar disse que não iria. = não há vírgula entre ver-
bo e seu complemento (objeto)
- Temos, ainda, sinais distintivos: B) Naquela noite os Stevensens prometeram servir bi-
1-) a barra ( / ) = usada em datas (25/12/2014), sepa- fes e lagostas aos vizinhos. = não há vírgula entre verbo e
ração de siglas (IOF/UPC); seu complemento (objeto)
2-) os colchetes ([ ]) = usados em transcrições feitas C) Chegou o convite dos Stevensens: bife e lagostas
pelo narrador ([vide pág. 5]), usado como primeira opção para Hagar e Helga.
aos parênteses, principalmente na matemática; D) “Eles são chatos e nunca param de falar”, disse Ha-
3-) o asterisco ( * ) = usado para remeter o leitor a gar à Helga.
uma nota de rodapé ou no fim do livro, para substituir um E) Helga chegou com o recado: fomos convidados, pe-
nome que não se quer mencionar. los Stevensens, para jantar bifes e lagostas.
RESPOSTA: “E”.

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LÍNGUA PORTUGUESA

2-) (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – MÉDICO DO TRA- Concordância Verbal


BALHO – CESPE/2014 - adaptada)
A correção gramatical do trecho “Entre as bebidas al- É a flexão que se faz para que o verbo concorde com
coólicas, cervejas e vinhos são as mais comuns em todo seu sujeito.
o mundo” seria prejudicada, caso se inserisse uma vírgula
logo após a palavra “vinhos”. a) Sujeito Simples - Regra Geral
( ) CERTO ( ) ERRADO O sujeito, sendo simples, com ele concordará o verbo
em número e pessoa. Veja os exemplos:
2-) Não se deve colocar vírgula entre sujeito e predi- A prova para ambos os cargos será aplicada
cado, a não ser que se trate de um aposto (1), predicativo às 13h.
do sujeito (2), ou algum termo que requeira estar separado 3.ª p. Singular 3.ª p. Singular
entre pontuações. Exemplos:
O Rio de Janeiro, cidade maravilhosa (1), está em festa! Os candidatos à vaga chegarão às 12h.
Os meninos, ansiosos (2), chegaram! 3.ª p. Plural 3.ª p. Plural
RESPOSTA: “CERTO”.
Casos Particulares
3-) (PRODAM/AM – ASSISTENTE – FUNCAB/2014) Em
apenas uma das opções a vírgula foi corretamente empre- 1) Quando o sujeito é formado por uma expressão par-
gada. Assinale-a. titiva (parte de, uma porção de, o grosso de, metade de, a
A) No dia seguinte, estavam todos cansados. maioria de, a maior parte de, grande parte de...) seguida de
B) Romperam a fita da vitória, os dois atletas. um substantivo ou pronome no plural, o verbo pode ficar
C) Os seus hábitos estranhos, deixavam as pessoas per- no singular ou no plural.
plexas. A maioria dos jornalistas aprovou / aprovaram a ideia.
D) A luta em defesa dos mais fracos, é necessária e Metade dos candidatos não apresentou / apresentaram
fundamental. proposta.
E) As florestas nativas do Brasil, sobrevivem em peque-
na parte do território. Esse mesmo procedimento pode se aplicar aos casos
dos coletivos, quando especificados: Um bando de vânda-
3-) los destruiu / destruíram o monumento.
A) No dia seguinte, estavam todos cansados. = correta
B) Romperam a fita da vitória, os dois atletas = não se Observação: nesses casos, o uso do verbo no singular
separa sujeito do predicado (o sujeito está no final). enfatiza a unidade do conjunto; já a forma plural confere
C) Os seus hábitos estranhos, deixavam as pessoas per- destaque aos elementos que formam esse conjunto.
plexas = não se separa sujeito do predicado.
D) A luta em defesa dos mais fracos, é necessária e fun- 2) Quando o sujeito é formado por expressão que in-
damental = não se separa sujeito do predicado. dica quantidade aproximada (cerca de, mais de, menos de,
E) As florestas nativas do Brasil, sobrevivem em peque- perto de...) seguida de numeral e substantivo, o verbo con-
na parte do território. = não se separa sujeito do predicado corda com o substantivo.
RESPOSTA: “A”. Cerca de mil pessoas participaram do concurso.
Perto de quinhentos alunos compareceram à solenidade.
Mais de um atleta estabeleceu novo recorde nas últimas
Olimpíadas.
CONCORDÂNCIA VERBAL E NOMINAL
Observação: quando a expressão “mais de um” asso-
ciar-se a verbos que exprimem reciprocidade, o plural é
obrigatório: Mais de um colega se ofenderam na discussão.
Os concurseiros estão apreensivos. (ofenderam um ao outro)
Concurseiros apreensivos.
3) Quando se trata de nomes que só existem no plu-
No primeiro exemplo, o verbo estar encontra-se na ral, a concordância deve ser feita levando-se em conta a
terceira pessoa do plural, concordando com o seu sujeito, ausência ou presença de artigo. Sem artigo, o verbo deve
os concurseiros. No segundo exemplo, o adjetivo “apreen- ficar no singular; com artigo no plural, o verbo deve ficar
sivos” está concordando em gênero (masculino) e núme- o plural.
ro (plural) com o substantivo a que se refere: concurseiros. Os Estados Unidos possuem grandes universidades.
Nesses dois exemplos, as flexões de pessoa, número e gê- Estados Unidos possui grandes universidades.
nero correspondem-se. Alagoas impressiona pela beleza das praias.
A correspondência de flexão entre dois termos é a con- As Minas Gerais são inesquecíveis.
cordância, que pode ser verbal ou nominal. Minas Gerais produz queijo e poesia de primeira.

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LÍNGUA PORTUGUESA

4) Quando o sujeito é um pronome interrogativo ou *Quando “um dos que” vem entremeada de substanti-
indefinido plural (quais, quantos, alguns, poucos, muitos, vo, o verbo pode:
quaisquer, vários) seguido por “de nós” ou “de vós”, o verbo a) ficar no singular – O Tietê é um dos rios que atravessa
pode concordar com o primeiro pronome (na terceira pes- o Estado de São Paulo. ( já que não há outro rio que faça o
soa do plural) ou com o pronome pessoal. mesmo).
Quais de nós são / somos capazes? b) ir para o plural – O Tietê é um dos rios que estão
Alguns de vós sabiam / sabíeis do caso? poluídos (noção de que existem outros rios na mesma con-
Vários de nós propuseram / propusemos sugestões ino- dição).
vadoras.
8) Quando o sujeito é um pronome de tratamento, o
Observação: veja que a opção por uma ou outra forma verbo fica na 3ª pessoa do singular ou plural.
indica a inclusão ou a exclusão do emissor. Quando alguém Vossa Excelência está cansado?
diz ou escreve “Alguns de nós sabíamos de tudo e nada fize- Vossas Excelências renunciarão?
mos”, ele está se incluindo no grupo dos omissos. Isso não
ocorre ao dizer ou escrever “Alguns de nós sabiam de tudo e 9) A concordância dos verbos bater, dar e soar faz-se de
nada fizeram”, frase que soa como uma denúncia. acordo com o numeral.
Nos casos em que o interrogativo ou indefinido estiver Deu uma hora no relógio da sala.
no singular, o verbo ficará no singular. Deram cinco horas no relógio da sala.
Qual de nós é capaz? Soam dezenove horas no relógio da praça.
Algum de vós fez isso. Baterão doze horas daqui a pouco.

5) Quando o sujeito é formado por uma expressão que Observação: caso o sujeito da oração seja a palavra re-
indica porcentagem seguida de substantivo, o verbo deve lógio, sino, torre, etc., o verbo concordará com esse sujeito.
concordar com o substantivo. O tradicional relógio da praça matriz dá nove horas.
25% do orçamento do país será destinado à Educação. Soa quinze horas o relógio da matriz.
85% dos entrevistados não aprovam a administração do
prefeito. 10) Verbos Impessoais: por não se referirem a nenhum
1% do eleitorado aceita a mudança. sujeito, são usados sempre na 3.ª pessoa do singular. São
1% dos alunos faltaram à prova. verbos impessoais: Haver no sentido de existir; Fazer indi-
cando tempo; Aqueles que indicam fenômenos da nature-
Quando a expressão que indica porcentagem não é za. Exemplos:
seguida de substantivo, o verbo deve concordar com o nú- Havia muitas garotas na festa.
mero. Faz dois meses que não vejo meu pai.
25% querem a mudança. Chovia ontem à tarde.
1% conhece o assunto.
b) Sujeito Composto
Se o número percentual estiver determinado por artigo
ou pronome adjetivo, a concordância far-se-á com eles: 1) Quando o sujeito é composto e anteposto ao verbo,
Os 30% da produção de soja serão exportados. a concordância se faz no plural:
Esses 2% da prova serão questionados. Pai e filho conversavam longamente.
Sujeito
6) O pronome “que” não interfere na concordância; já o
“quem” exige que o verbo fique na 3.ª pessoa do singular. Pais e filhos devem conversar com frequência.
Fui eu que paguei a conta. Sujeito
Fomos nós que pintamos o muro.
És tu que me fazes ver o sentido da vida. 2) Nos sujeitos compostos formados por pessoas gra-
Sou eu quem faz a prova. maticais diferentes, a concordância ocorre da seguinte ma-
Não serão eles quem será aprovado. neira: a primeira pessoa do plural (nós) prevalece sobre a
segunda pessoa (vós) que, por sua vez, prevalece sobre a
7) Com a expressão “um dos que”, o verbo deve assu- terceira (eles). Veja:
mir a forma plural. Teus irmãos, tu e eu tomaremos a decisão.
Ademir da Guia foi um dos jogadores que mais encan- Primeira Pessoa do Plural (Nós)
taram os poetas.
Este candidato é um dos que mais estudaram! Tu e teus irmãos tomareis a decisão.
Segunda Pessoa do Plural (Vós)
Se a expressão for de sentido contrário – nenhum dos
que, nem um dos que -, não aceita o verbo no singular: Pais e filhos precisam respeitar-se.
Nenhum dos que foram aprovados assumirá a vaga. Terceira Pessoa do Plural (Eles)
Nem uma das que me escreveram mora aqui.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Observação: quando o sujeito é composto, formado 5) Quando os núcleos do sujeito são unidos por “com”,
por um elemento da segunda pessoa (tu) e um da terceira o verbo fica no plural. Nesse caso, os núcleos recebem um
(ele), é possível empregar o verbo na terceira pessoa do mesmo grau de importância e a palavra “com” tem sentido
plural (eles): “Tu e teus irmãos tomarão a decisão.” – no muito próximo ao de “e”.
lugar de “tomaríeis”. O pai com o filho montaram o brinquedo.
O governador com o secretariado traçaram os planos
3) No caso do sujeito composto posposto ao verbo, para o próximo semestre.
passa a existir uma nova possibilidade de concordância: em O professor com o aluno questionaram as regras.
vez de concordar no plural com a totalidade do sujeito, o
verbo pode estabelecer concordância com o núcleo do su- Nesse mesmo caso, o verbo pode ficar no singular, se a
jeito mais próximo. ideia é enfatizar o primeiro elemento.
Faltaram coragem e competência. O pai com o filho montou o brinquedo.
Faltou coragem e competência. O governador com o secretariado traçou os planos para
o próximo semestre.
Compareceram todos os candidatos e o banca.
O professor com o aluno questionou as regras.
Compareceu o banca e todos os candidatos.
Observação: com o verbo no singular, não se pode
4) Quando ocorre ideia de reciprocidade, a concordân-
falar em sujeito composto. O sujeito é simples, uma vez
cia é feita no plural. Observe: que as expressões “com o filho” e “com o secretariado” são
Abraçaram-se vencedor e vencido. adjuntos adverbiais de companhia. Na verdade, é como se
Ofenderam-se o jogador e o árbitro. houvesse uma inversão da ordem. Veja:
“O pai montou o brinquedo com o filho.”
Casos Particulares “O governador traçou os planos para o próximo semes-
tre com o secretariado.”
1) Quando o sujeito composto é formado por núcleos “O professor questionou as regras com o aluno.”
sinônimos ou quase sinônimos, o verbo fica no singular.
Descaso e desprezo marca seu comportamento. *Casos em que se usa o verbo no singular:
A coragem e o destemor fez dele um herói. Café com leite é uma delícia!
O frango com quiabo foi receita da vovó.
2) Quando o sujeito composto é formado por núcleos
dispostos em gradação, verbo no singular: 6) Quando os núcleos do sujeito são unidos por ex-
Com você, meu amor, uma hora, um minuto, um segun- pressões correlativas como: “não só...mas ainda”, “não so-
do me satisfaz. mente”..., “não apenas...mas também”, “tanto...quanto”, o
verbo ficará no plural.
3) Quando os núcleos do sujeito composto são unidos Não só a seca, mas também o pouco caso castigam o
por “ou” ou “nem”, o verbo deverá ficar no plural, de acor- Nordeste.
do com o valor semântico das conjunções: Tanto a mãe quanto o filho ficaram surpresos com a no-
Drummond ou Bandeira representam a essência da poe- tícia.
sia brasileira.
Nem o professor nem o aluno acertaram a resposta. 7) Quando os elementos de um sujeito composto são
resumidos por um aposto recapitulativo, a concordância é
Em ambas as orações, as conjunções dão ideia de “adi- feita com esse termo resumidor.
Filmes, novelas, boas conversas, nada o tirava da apatia.
ção”. Já em:
Trabalho, diversão, descanso, tudo é muito importante
Juca ou Pedro será contratado.
na vida das pessoas.
Roma ou Buenos Aires será a sede da próxima Olim-
píada.
Outros Casos
* Temos ideia de exclusão, por isso os verbos ficam no 1) O Verbo e a Palavra “SE”
singular. Dentre as diversas funções exercidas pelo “se”, há duas
de particular interesse para a concordância verbal:
4) Com as expressões “um ou outro” e “nem um nem a) quando é índice de indeterminação do sujeito;
outro”, a concordância costuma ser feita no singular. b) quando é partícula apassivadora.
Um ou outro compareceu à festa. Quando índice de indeterminação do sujeito, o “se”
Nem um nem outro saiu do colégio. acompanha os verbos intransitivos, transitivos indiretos e
de ligação, que obrigatoriamente são conjugados na ter-
Com “um e outro”, o verbo pode ficar no plural ou no ceira pessoa do singular:
singular: Um e outro farão/fará a prova. Precisa-se de funcionários.
Confia-se em teses absurdas.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Quando pronome apassivador, o “se” acompanha ver- c) Quando o sujeito indicar peso, medida, quantidade e
bos transitivos diretos (VTD) e transitivos diretos e indiretos for seguido de palavras ou expressões como pouco, muito,
(VTDI) na formação da voz passiva sintética. Nesse caso, o menos de, mais de, etc., o verbo SER fica no singular:
verbo deve concordar com o sujeito da oração. Exemplos: Cinco quilos de açúcar é mais do que preciso.
Construiu-se um posto de saúde. Três metros de tecido é pouco para fazer seu vestido.
Construíram-se novos postos de saúde. Duas semanas de férias é muito para mim.
Aqui não se cometem equívocos
Alugam-se casas. d) Quando um dos elementos (sujeito ou predicativo)
for pronome pessoal do caso reto, com este concordará o
** Dica: Para saber se o “se” é partícula apassivadora verbo.
ou índice de indeterminação do sujeito, tente transformar No meu setor, eu sou a única mulher.
a frase para a voz passiva. Se a frase construída for “com- Aqui os adultos somos nós.
preensível”, estaremos diante de uma partícula apassivado-
ra; se não, o “se” será índice de indeterminação. Veja: Observação: sendo ambos os termos (sujeito e pre-
Precisa-se de funcionários qualificados. dicativo) representados por pronomes pessoais, o verbo
Tentemos a voz passiva: concorda com o pronome sujeito.
Funcionários qualificados são precisados (ou precisos)? Eu não sou ela.
Não há lógica. Portanto, o “se” destacado é índice de inde- Ela não é eu.
terminação do sujeito.
Agora: e) Quando o sujeito for uma expressão de sentido par-
Vendem-se casas. titivo ou coletivo e o predicativo estiver no plural, o verbo
Voz passiva: Casas são vendidas. Construção correta! SER concordará com o predicativo.
Então, aqui, o “se” é partícula apassivadora. (Dá para eu A grande maioria no protesto eram jovens.
passar para a voz passiva. Repare em meu destaque. Per- O resto foram atitudes imaturas.
cebeu semelhança? Agora é só memorizar!).
2) O Verbo “Ser” 3) O Verbo “Parecer”
O verbo parecer, quando é auxiliar em uma locução
A concordância verbal dá-se sempre entre o verbo e o verbal (é seguido de infinitivo), admite duas concordâncias:
sujeito da oração. No caso do verbo ser, essa concordân- a) Ocorre variação do verbo PARECER e não se flexiona
cia pode ocorrer também entre o verbo e o predicativo do o infinitivo: As crianças parecem gostar do desenho.
sujeito.
b) A variação do verbo parecer não ocorre e o infinitivo
Quando o sujeito ou o predicativo for: sofre flexão:
As crianças parece gostarem do desenho.
a)Nome de pessoa ou pronome pessoal – o verbo SER (essa frase equivale a: Parece gostarem do desenho as
concorda com a pessoa gramatical: crianças)
Ele é forte, mas não é dois.
Fernando Pessoa era vários poetas. Atenção: Com orações desenvolvidas, o verbo PARE-
A esperança dos pais são eles, os filhos. CER fica no singular. Por Exemplo: As paredes parece que
têm ouvidos. (Parece que as paredes têm ouvidos = oração
b)nome de coisa e um estiver no singular e o outro no subordinada substantiva subjetiva).
plural, o verbo SER concordará, preferencialmente, com o
que estiver no plural: Concordância Nominal
Os livros são minha paixão!
Minha paixão são os livros! A concordância nominal se baseia na relação entre
nomes (substantivo, pronome) e as palavras que a eles se
Quando o verbo SER indicar ligam para caracterizá-los (artigos, adjetivos, pronomes
adjetivos, numerais adjetivos e particípios). Lembre-se:
a) horas e distâncias, concordará com a expressão normalmente, o substantivo funciona como núcleo de um
numérica: termo da oração, e o adjetivo, como adjunto adnominal.
É uma hora. A concordância do adjetivo ocorre de acordo com as
São quatro horas. seguintes regras gerais:
Daqui até a escola é um quilômetro / são dois quilôme- 1) O adjetivo concorda em gênero e número quando
tros. se refere a um único substantivo: As mãos trêmulas denun-
ciavam o que sentia.
b) datas, concordará com a palavra dia(s), que pode
estar expressa ou subentendida: 2) Quando o adjetivo refere-se a vários substantivos, a
Hoje é dia 26 de agosto. concordância pode variar. Podemos sistematizar essa fle-
Hoje são 26 de agosto. xão nos seguintes casos:

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LÍNGUA PORTUGUESA

a) Adjetivo anteposto aos substantivos: ** Dica: Substitua o “só” por “apenas” ou “sozinho”. Se
- O adjetivo concorda em gênero e número com o a frase ficar coerente com o primeiro, trata-se de advérbio,
substantivo mais próximo. portanto, invariável; se houver coerência com o segundo,
Encontramos caídas as roupas e os prendedores. função de adjetivo, então varia:
Encontramos caída a roupa e os prendedores. Ela está só. (ela está sozinha) – adjetivo
Encontramos caído o prendedor e a roupa. Ele está só descansando. (apenas descansando) - ad-
vérbio
- Caso os substantivos sejam nomes próprios ou de pa-
rentesco, o adjetivo deve sempre concordar no plural. ** Mas cuidado! Se colocarmos uma vírgula depois de
As adoráveis Fernanda e Cláudia vieram me visitar. “só”, haverá, novamente, um adjetivo:
Encontrei os divertidos primos e primas na festa. Ele está só, descansando. (ele está sozinho e descansan-
do)
b) Adjetivo posposto aos substantivos: 7) Quando um único substantivo é modificado por dois
- O adjetivo concorda com o substantivo mais próximo ou mais adjetivos no singular, podem ser usadas as cons-
ou com todos eles (assumindo a forma masculina plural se truções:
houver substantivo feminino e masculino). a) O substantivo permanece no singular e coloca-se o
A indústria oferece localização e atendimento perfeito. artigo antes do último adjetivo: Admiro a cultura espanhola
A indústria oferece atendimento e localização perfeita. e a portuguesa.
A indústria oferece localização e atendimento perfeitos.
A indústria oferece atendimento e localização perfeitos. b) O substantivo vai para o plural e omite-se o artigo
antes do adjetivo: Admiro as culturas espanhola e portu-
Observação: os dois últimos exemplos apresentam guesa.
maior clareza, pois indicam que o adjetivo efetivamente se
refere aos dois substantivos. Nesses casos, o adjetivo foi Casos Particulares
flexionado no plural masculino, que é o gênero predomi-
nante quando há substantivos de gêneros diferentes. É proibido - É necessário - É bom - É preciso - É per-
mitido
- Se os substantivos possuírem o mesmo gênero, o ad-
jetivo fica no singular ou plural. a) Estas expressões, formadas por um verbo mais um
A beleza e a inteligência feminina(s). adjetivo, ficam invariáveis se o substantivo a que se referem
O carro e o iate novo(s). possuir sentido genérico (não vier precedido de artigo).
É proibido entrada de crianças.
3) Expressões formadas pelo verbo SER + adjetivo: Em certos momentos, é necessário atenção.
a) O adjetivo fica no masculino singular, se o substan- No verão, melancia é bom.
tivo não for acompanhado de nenhum modificador: Água É preciso cidadania.
é bom para saúde. Não é permitido saída pelas portas laterais.

b) O adjetivo concorda com o substantivo, se este for b) Quando o sujeito destas expressões estiver deter-
modificado por um artigo ou qualquer outro determinati- minado por artigos, pronomes ou adjetivos, tanto o verbo
vo: Esta água é boa para saúde. como o adjetivo concordam com ele.
É proibida a entrada de crianças.
4) O adjetivo concorda em gênero e número com os Esta salada é ótima.
pronomes pessoais a que se refere: Juliana encontrou-as A educação é necessária.
muito felizes. São precisas várias medidas na educação.

5) Nas expressões formadas por pronome indefinido Anexo - Obrigado - Mesmo - Próprio - Incluso - Qui-
neutro (nada, algo, muito, tanto, etc.) + preposição DE + te
adjetivo, este último geralmente é usado no masculino sin-
gular: Os jovens tinham algo de misterioso. Estas palavras adjetivas concordam em gênero e nú-
mero com o substantivo ou pronome a que se referem.
6) A palavra “só”, quando equivale a “sozinho”, tem fun- Seguem anexas as documentações requeridas.
ção adjetiva e concorda normalmente com o nome a que A menina agradeceu: - Muito obrigada.
se refere: Muito obrigadas, disseram as senhoras.
Cristina saiu só. Seguem inclusos os papéis solicitados.
Cristina e Débora saíram sós. Estamos quites com nossos credores.

Observação: quando a palavra “só” equivale a “somen-


te” ou “apenas”, tem função adverbial, ficando, portanto,
invariável: Eles só desejam ganhar presentes.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Bastante - Caro - Barato - Longe Questões

Estas palavras são invariáveis quando funcionam como 1-) (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA
advérbios. Concordam com o nome a que se referem quan- E COMÉRCIO EXTERIOR – ANALISTA TÉCNICO ADMINIS-
do funcionam como adjetivos, pronomes adjetivos, ou nu- TRATIVO – CESPE/2014) Em “Vossa Excelência deve estar
merais. satisfeita com os resultados das negociações”, o adjetivo
As jogadoras estavam bastante cansadas. (advérbio) estará corretamente empregado se dirigido a ministro de
Há bastantes pessoas insatisfeitas com o trabalho. (pro- Estado do sexo masculino, pois o termo “satisfeita” deve
nome adjetivo) concordar com a locução pronominal de tratamento “Vossa
Nunca pensei que o estudo fosse tão caro. (advérbio) Excelência”.
As casas estão caras. (adjetivo) ( ) CERTO ( ) ERRADO
Achei barato este casaco. (advérbio)
Hoje as frutas estão baratas. (adjetivo) 1-) Se a pessoa, no caso o ministro, for do sexo femi-
nino (ministra), o adjetivo está correto; mas, se for do sexo
Meio - Meia masculino, o adjetivo sofrerá flexão de gênero: satisfeito. O
pronome de tratamento é apenas a maneira de como tratar
a) A palavra “meio”, quando empregada como adjetivo, a autoridade, não concordando com o gênero (o pronome
concorda normalmente com o nome a que se refere: Pedi de tratamento, apenas).
meia porção de polentas. RESPOSTA: “ERRADO”.
b) Quando empregada como advérbio permanece in- 2-) (GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL – CADASTRO
variável: A candidata está meio nervosa. RESERVA PARA O METRÔ/DF – ADMINISTRADOR - IA-
DES/2014 - adaptada) Se, no lugar dos verbos destacados
** Dica! Dá para eu substituir por “um pouco”, assim no verso “Escolho os filmes que eu não vejo no elevador”,
saberei que se trata de um advérbio, não de adjetivo: “A
fossem empregados, respectivamente, Esquecer e gostar, a
candidata está um pouco nervosa”.
nova redação, de acordo com as regras sobre regência ver-
bal e concordância nominal prescritas pela norma-padrão,
Alerta - Menos
deveria ser
(A) Esqueço dos filmes que eu não gosto no elevador.
Essas palavras são advérbios, portanto, permanecem
(B) Esqueço os filmes os quais não gosto no elevador.
sempre invariáveis.
(C) Esqueço dos filmes aos quais não gosto no eleva-
Os concurseiros estão sempre alerta.
dor.
Não queira menos matéria!
(D) Esqueço dos filmes dos quais não gosto no eleva-
* Tome nota! dor.
Não variam os substantivos que funcionam como ad- (E) Esqueço os filmes dos quais não gosto no elevador.
jetivos:
Bomba – notícias bomba 2-) O verbo “esquecer” pede objeto direto; “gostar”, in-
Chave – elementos chave direto (com preposição): Esqueço os filmes dos quais não
Monstro – construções monstro gosto.
Padrão – escola padrão RESPOSTA: “E”.

Fontes de pesquisa: 3-) (SABESP – TECNÓLOGO – FCC/2014) Considerada a


http://www.soportugues.com.br/secoes/sint/sint49. substituição do segmento grifado pelo que está entre pa-
php rênteses ao final da transcrição, o verbo que deverá perma-
Português linguagens: volume 3 / Wiliam Roberto Cere- necer no singular está em:
ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo: (A) ... disse o pesquisador à Folha de S. Paulo. (os pes-
Saraiva, 2010. quisadores)
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac- (B) Segundo ele, a mudança climática contribuiu para a
coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010. ruína dessa sociedade... (as mudanças do clima)
Português: novas palavras: literatura, gramática, reda- (C) No sistema havia também uma estação... (várias es-
ção / Emília Amaral... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000. tações)
(D) ... a civilização maia da América Central tinha um
método sustentável de gerenciamento da água. (os povos
que habitavam a América Central)
(E) Um estudo publicado recentemente mostra que a
civilização maia... (Estudos como o que acabou de ser pu-
blicado).

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LÍNGUA PORTUGUESA

3-) 1-) Verbos Intransitivos


(A) ... disse (disseram) (os pesquisadores)
(B) Segundo ele, a mudança climática contribuiu (con- Os verbos intransitivos não possuem complemento. É
tribuíram) (as mudanças do clima) importante, no entanto, destacar alguns detalhes relativos
(C) No sistema havia (várias estações) = permanecerá aos adjuntos adverbiais que costumam acompanhá-los.
no singular - Chegar, Ir
(D) ... a civilização maia da América Central tinha (ti- Normalmente vêm acompanhados de adjuntos adver-
nham) (os povos que habitavam a América Central) biais de lugar. Na língua culta, as preposições usadas para
(E) Um estudo publicado recentemente mostra (mos- indicar destino ou direção são: a, para.
tram) (Estudos como o que acabou de ser publicado). Fui ao teatro.
RESPOSTA: “C”. Adjunto Adverbial de Lugar

Ricardo foi para a Espanha.


Adjunto Adverbial de Lugar
REGÊNCIA VERBAL E NOMINAL
- Comparecer
O adjunto adverbial de lugar pode ser introduzido por
em ou a.
Dá-se o nome de regência à relação de subordinação Comparecemos ao estádio (ou no estádio) para ver o
que ocorre entre um verbo (regência verbal) ou um nome último jogo.
(regência nominal) e seus complementos.
2-) Verbos Transitivos Diretos
Regência Verbal = Termo Regente: VERBO
Os verbos transitivos diretos são complementados por
A regência verbal estuda a relação que se estabelece objetos diretos. Isso significa que não exigem preposição
entre os verbos e os termos que os complementam (obje- para o estabelecimento da relação de regência. Ao empre-
tos diretos e objetos indiretos) ou caracterizam (adjuntos gar esses verbos, lembre-se de que os pronomes oblíquos
adverbiais). Há verbos que admitem mais de uma regência, o, a, os, as atuam como objetos diretos. Esses pronomes
o que corresponde à diversidade de significados que estes podem assumir as formas lo, los, la, las (após formas ver-
verbos podem adquirir dependendo do contexto em que bais terminadas em -r, -s ou -z) ou no, na, nos, nas (após
forem empregados. formas verbais terminadas em sons nasais), enquanto lhe e
A mãe agrada o filho = agradar significa acariciar, con- lhes são, quando complementos verbais, objetos indiretos.
tentar. São verbos transitivos diretos, dentre outros: aban-
A mãe agrada ao filho = agradar significa “causar agra- donar, abençoar, aborrecer, abraçar, acompanhar, acusar,
do ou prazer”, satisfazer. admirar, adorar, alegrar, ameaçar, amolar, amparar, auxiliar,
Conclui-se que “agradar alguém” é diferente de “agra- castigar, condenar, conhecer, conservar, convidar, defender,
dar a alguém”. eleger, estimar, humilhar, namorar, ouvir, prejudicar, prezar,
proteger, respeitar, socorrer, suportar, ver, visitar.
Saiba que: Na língua culta, esses verbos funcionam exatamente
O conhecimento do uso adequado das preposições é como o verbo amar:
um dos aspectos fundamentais do estudo da regência ver- Amo aquele rapaz. / Amo-o.
bal (e também nominal). As preposições são capazes de Amo aquela moça. / Amo-a.
modificar completamente o sentido daquilo que está sen- Amam aquele rapaz. / Amam-no.
do dito. Ele deve amar aquela mulher. / Ele deve amá-la.
Cheguei ao metrô.
Cheguei no metrô. Observação: os pronomes lhe, lhes só acompanham
No primeiro caso, o metrô é o lugar a que vou; no se- esses verbos para indicar posse (caso em que atuam como
gundo caso, é o meio de transporte por mim utilizado. adjuntos adnominais):
Quero beijar-lhe o rosto. (= beijar seu rosto)
A voluntária distribuía leite às crianças. Prejudicaram-lhe a carreira. (= prejudicaram sua car-
A voluntária distribuía leite com as crianças. reira)
Na primeira frase, o verbo “distribuir” foi empregado Conheço-lhe o mau humor! (= conheço seu mau hu-
como transitivo direto (objeto direto: leite) e indireto (obje- mor)
to indireto: às crianças); na segunda, como transitivo direto
(objeto direto: crianças; com as crianças: adjunto adverbial). 3-) Verbos Transitivos Indiretos

Para estudar a regência verbal, agruparemos os verbos Os verbos transitivos indiretos são complementados
de acordo com sua transitividade. Esta, porém, não é um por objetos indiretos. Isso significa que esses verbos exi-
fato absoluto: um mesmo verbo pode atuar de diferentes gem uma preposição para o estabelecimento da relação de
formas em frases distintas. regência. Os pronomes pessoais do caso oblíquo de ter-

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LÍNGUA PORTUGUESA

ceira pessoa que podem atuar como objetos indiretos são Informar
o “lhe”, o “lhes”, para substituir pessoas. Não se utilizam - Apresenta objeto direto ao se referir a coisas e objeto
os pronomes o, os, a, as como complementos de verbos indireto ao se referir a pessoas, ou vice-versa.
transitivos indiretos. Com os objetos indiretos que não re- Informe os novos preços aos clientes.
presentam pessoas, usam-se pronomes oblíquos tônicos Informe os clientes dos novos preços. (ou sobre os novos
de terceira pessoa (ele, ela) em lugar dos pronomes átonos preços)
lhe, lhes.
- Na utilização de pronomes como complementos, veja
Os verbos transitivos indiretos são os seguintes: as construções:
- Consistir - Tem complemento introduzido pela prepo- Informei-os aos clientes. / Informei-lhes os novos preços.
sição “em”: A modernidade verdadeira consiste em direitos Informe-os dos novos preços. / Informe-os deles. (ou so-
iguais para todos.
bre eles)
- Obedecer e Desobedecer - Possuem seus complemen-
Observação: a mesma regência do verbo informar é
tos introduzidos pela preposição “a”:
Devemos obedecer aos nossos princípios e ideais. usada para os seguintes: avisar, certificar, notificar, cientifi-
Eles desobedeceram às leis do trânsito. car, prevenir.

- Responder - Tem complemento introduzido pela pre- Comparar


posição “a”. Esse verbo pede objeto indireto para indicar “a Quando seguido de dois objetos, esse verbo admite as
quem” ou “ao que” se responde. preposições “a” ou “com” para introduzir o complemento
Respondi ao meu patrão. indireto: Comparei seu comportamento ao (ou com o) de
Respondemos às perguntas. uma criança.
Respondeu-lhe à altura.
Pedir
Observação: o verbo responder, apesar de transitivo Esse verbo pede objeto direto de coisa (geralmente na
indireto quando exprime aquilo a que se responde, admite forma de oração subordinada substantiva) e indireto de
voz passiva analítica: pessoa.
O questionário foi respondido corretamente.
Todas as perguntas foram respondidas satisfatoriamen- Pedi-lhe favores.
te.
Objeto Indireto Objeto Direto
- Simpatizar e Antipatizar - Possuem seus complemen-
Pedi-lhe que se mantivesse em silêncio.
tos introduzidos pela preposição “com”.
Antipatizo com aquela apresentadora. Objeto Indireto Oração Subordinada Subs-
Simpatizo com os que condenam os políticos que gover- tantiva Objetiva Direta
nam para uma minoria privilegiada.
Saiba que:
4-) Verbos Transitivos Diretos e Indiretos - A construção “pedir para”, muito comum na lingua-
gem cotidiana, deve ter emprego muito limitado na língua
Os verbos transitivos diretos e indiretos são acompa- culta. No entanto, é considerada correta quando a palavra
nhados de um objeto direto e um indireto. Merecem desta- licença estiver subentendida.
que, nesse grupo: agradecer, perdoar e pagar. São verbos Peço (licença) para ir entregar-lhe os catálogos em casa.
que apresentam objeto direto relacionado a coisas e objeto
indireto relacionado a pessoas. Observe que, nesse caso, a preposição “para” introduz
uma oração subordinada adverbial final reduzida de infiniti-
Agradeço aos ouvintes a audiência. vo (para ir entregar-lhe os catálogos em casa).
Objeto Indireto Objeto Direto
Preferir
Paguei o débito ao cobrador.
Na língua culta, esse verbo deve apresentar objeto in-
Objeto Direto Objeto Indireto
direto introduzido pela preposição “a”:
Prefiro qualquer coisa a abrir mão de meus ideais.
- O uso dos pronomes oblíquos átonos deve ser feito
com particular cuidado: Prefiro trem a ônibus.
Agradeci o presente. / Agradeci-o.
Agradeço a você. / Agradeço-lhe. Observação: na língua culta, o verbo “preferir” deve
Perdoei a ofensa. / Perdoei-a. ser usado sem termos intensificadores, tais como: muito,
Perdoei ao agressor. / Perdoei-lhe. antes, mil vezes, um milhão de vezes, mais. A ênfase já é
Paguei minhas contas. / Paguei-as. dada pelo prefixo existente no próprio verbo (pre).
Paguei aos meus credores. / Paguei-lhes.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Mudança de Transitividade - Mudança de Signifi- CHAMAR


cado - Chamar é transitivo direto no sentido de convocar,
solicitar a atenção ou a presença de.
Há verbos que, de acordo com a mudança de transitivi- Por gentileza, vá chamar a polícia. / Por favor, vá cha-
dade, apresentam mudança de significado. O conhecimen- má-la.
to das diferentes regências desses verbos é um recurso lin- Chamei você várias vezes. / Chamei-o várias vezes.
guístico muito importante, pois além de permitir a correta
interpretação de passagens escritas, oferece possibilidades - Chamar no sentido de denominar, apelidar pode
expressivas a quem fala ou escreve. Dentre os principais, apresentar objeto direto e indireto, ao qual se refere predi-
estão: cativo preposicionado ou não.
A torcida chamou o jogador mercenário.
AGRADAR A torcida chamou ao jogador mercenário.
A torcida chamou o jogador de mercenário.
- Agradar é transitivo direto no sentido de fazer cari-
A torcida chamou ao jogador de mercenário.
nhos, acariciar, fazer as vontades de.
Sempre agrada o filho quando.
- Chamar com o sentido de ter por nome é pronominal:
Aquele comerciante agrada os clientes.
Como você se chama? Eu me chamo Zenaide.
- Agradar é transitivo indireto no sentido de causar CUSTAR
agrado a, satisfazer, ser agradável a. Rege complemento in- - Custar é intransitivo no sentido de ter determinado
troduzido pela preposição “a”. valor ou preço, sendo acompanhado de adjunto adverbial:
O cantor não agradou aos presentes. Frutas e verduras não deveriam custar muito.
O cantor não lhes agradou.
- No sentido de ser difícil, penoso, pode ser intransitivo
*O antônimo “desagradar” é sempre transitivo indireto: ou transitivo indireto, tendo como sujeito uma oração re-
O cantor desagradou à plateia. duzida de infinitivo.

ASPIRAR Muito custa viver tão longe da família.


- Aspirar é transitivo direto no sentido de sorver, inspi- Verbo Intransitivo Oração Subordinada
rar (o ar), inalar: Aspirava o suave aroma. (Aspirava-o) Substantiva Subjetiva Reduzida de Infinitivo

- Aspirar é transitivo indireto no sentido de desejar, ter Custou-me (a mim) crer nisso.
como ambição: Aspirávamos a um emprego melhor. (Aspi- Objeto Indireto Oração Subordinada Subs-
rávamos a ele) tantiva Subjetiva Reduzida de Infinitivo

* Como o objeto direto do verbo “aspirar” não é pes- *A Gramática Normativa condena as construções que
soa, as formas pronominais átonas “lhe” e “lhes” não são atribuem ao verbo “custar” um sujeito representado por
utilizadas, mas, sim, as formas tônicas “a ele(s)”, “a ela(s)”. pessoa: Custei para entender o problema. = Forma
Veja o exemplo: Aspiravam a uma existência melhor. (= As- correta: Custou-me entender o problema.
piravam a ela)
IMPLICAR
- Como transitivo direto, esse verbo tem dois sentidos:
ASSISTIR
a) dar a entender, fazer supor, pressupor: Suas atitudes
- Assistir é transitivo direto no sentido de ajudar, pres-
implicavam um firme propósito.
tar assistência a, auxiliar.
b) ter como consequência, trazer como consequência,
As empresas de saúde negam-se a assistir os idosos.
acarretar, provocar: Uma ação implica reação.
As empresas de saúde negam-se a assisti-los.
- Como transitivo direto e indireto, significa compro-
- Assistir é transitivo indireto no sentido de ver, presen- meter, envolver: Implicaram aquele jornalista em questões
ciar, estar presente, caber, pertencer. econômicas.
Assistimos ao documentário.
Não assisti às últimas sessões. * No sentido de antipatizar, ter implicância, é transitivo
Essa lei assiste ao inquilino. indireto e rege com preposição “com”: Implicava com quem
não trabalhasse arduamente.
*No sentido de morar, residir, o verbo “assistir” é in-
transitivo, sendo acompanhado de adjunto adverbial de NAMORAR
lugar introduzido pela preposição “em”: Assistimos numa - Sempre transitivo direto: Luísa namora Carlos há dois
conturbada cidade. anos.

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LÍNGUA PORTUGUESA

OBEDECER - DESOBEDECER Há uma construção em que a coisa esquecida ou lem-


- Sempre transitivo indireto: brada passa a funcionar como sujeito e o verbo sofre leve
Todos obedeceram às regras. alteração de sentido. É uma construção muito rara na lín-
Ninguém desobedece às leis. gua contemporânea, porém, é fácil encontrá-la em textos
clássicos tanto brasileiros como portugueses. Machado de
*Quando o objeto é “coisa”, não se utiliza “lhe” nem Assis, por exemplo, fez uso dessa construção várias vezes.
“lhes”: As leis são essas, mas todos desobedecem a elas. Esqueceu-me a tragédia. (cair no esquecimento)
Lembrou-me a festa. (vir à lembrança)
PROCEDER Não lhe lembram os bons momentos da infância? (=
- Proceder é intransitivo no sentido de ser decisivo, ter momentos é sujeito)
cabimento, ter fundamento ou comportar-se, agir. Nessa
segunda acepção, vem sempre acompanhado de adjunto SIMPATIZAR - ANTIPATIZAR
adverbial de modo. - São transitivos indiretos e exigem a preposição “com”:
As afirmações da testemunha procediam, não havia Não simpatizei com os jurados.
como refutá-las. Simpatizei com os alunos.
Você procede muito mal.
Importante: A norma culta exige que os verbos e ex-
- Nos sentidos de ter origem, derivar-se (rege a prepo- pressões que dão ideia de movimento sejam usados com
sição “de”) e fazer, executar (rege complemento introduzido a preposição “a”:
pela preposição “a”) é transitivo indireto. Chegamos a São Paulo e fomos direto ao hotel.
O avião procede de Maceió. Cláudia desceu ao segundo andar.
Procedeu-se aos exames. Hoje, com esta chuva, ninguém sairá à rua.
O delegado procederá ao inquérito.
Regência Nominal
QUERER
- Querer é transitivo direto no sentido de desejar, ter É o nome da relação existente entre um nome (subs-
vontade de, cobiçar. tantivo, adjetivo ou advérbio) e os termos regidos por esse
Querem melhor atendimento. nome. Essa relação é sempre intermediada por uma prepo-
Queremos um país melhor. sição. No estudo da regência nominal, é preciso levar em
conta que vários nomes apresentam exatamente o mesmo
- Querer é transitivo indireto no sentido de ter afeição, regime dos verbos de que derivam. Conhecer o regime de
estimar, amar: Quero muito aos meus amigos. um verbo significa, nesses casos, conhecer o regime dos
nomes cognatos. Observe o exemplo: Verbo obedecer e os
VISAR nomes correspondentes: todos regem complementos in-
- Como transitivo direto, apresenta os sentidos de mi- troduzidos pela preposição a. Veja:
rar, fazer pontaria e de pôr visto, rubricar.
O homem visou o alvo. Obedecer a algo/ a alguém.
O gerente não quis visar o cheque. Obediente a algo/ a alguém.

- No sentido de ter em vista, ter como meta, ter como Se uma oração completar o sentido de um nome, ou
objetivo é transitivo indireto e rege a preposição “a”. seja, exercer a função de complemento nominal, ela será
O ensino deve sempre visar ao progresso social. completiva nominal (subordinada substantiva).
Prometeram tomar medidas que visassem ao bem-estar
público.

ESQUECER – LEMBRAR
- Lembrar algo – esquecer algo
- Lembrar-se de algo – esquecer-se de algo (pronomi-
nal)

No 1.º caso, os verbos são transitivos diretos, ou seja,


exigem complemento sem preposição: Ele esqueceu o livro.
No 2.º caso, os verbos são pronominais (-se, -me, etc) e
exigem complemento com a preposição “de”. São, portan-
to, transitivos indiretos:
- Ele se esqueceu do caderno.
- Eu me esqueci da chave.
- Eles se esqueceram da prova.
- Nós nos lembramos de tudo o que aconteceu.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Regência de Alguns Nomes

Substantivos
Admiração a, por Devoção a, para, com, por Medo a, de
Aversão a, para, por Doutor em Obediência a
Atentado a, contra Dúvida acerca de, em, sobre Ojeriza a, por
Bacharel em Horror a Proeminência sobre
Capacidade de, para Impaciência com Respeito a, com, para com, por
Adjetivos
Acessível a Diferente de Necessário a
Acostumado a, com Entendido em Nocivo a
Afável com, para com Equivalente a Paralelo a
Agradável a Escasso de Parco em, de
Alheio a, de Essencial a, para Passível de
Análogo a Fácil de Preferível a
Ansioso de, para, por Fanático por Prejudicial a
Apto a, para Favorável a Prestes a
Ávido de Generoso com Propício a
Benéfico a Grato a, por Próximo a
Capaz de, para Hábil em Relacionado com
Compatível com Habituado a Relativo a
Contemporâneo a, de Idêntico a Satisfeito com, de, em, por
Contíguo a Impróprio para Semelhante a
Contrário a Indeciso em Sensível a
Curioso de, por Insensível a Sito em
Descontente com Liberal com Suspeito de
Desejoso de Natural de Vazio de

Advérbios
Longe de Perto de

Observação: os advérbios terminados em -mente tendem a seguir o regime dos adjetivos de que são formados: para-
lela a; paralelamente a; relativa a; relativamente a.

Fontes de pesquisa:
http://www.soportugues.com.br/secoes/sint/sint61.php
Português linguagens: volume 3 / Wiliam Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo:
Saraiva, 2010.
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sacconi. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
Português: novas palavras: literatura, gramática, redação / Emília Amaral... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000.

Questões

1-) (PRODAM – AUXILIAR - MOTORISTA – FUNCAB/2014) Assinale a alternativa em que a frase segue a norma culta da
língua quanto à regência verbal.
A) Prefiro viajar de ônibus do que dirigir.
B) Eu esqueci do seu nome.
C) Você assistiu à cena toda?
D) Ele chegou na oficina pela manhã.
E) Sempre obedeço as leis de trânsito.

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LÍNGUA PORTUGUESA

1-) Quanto à estrutura da frase, as que possuem verbo


A) Prefiro viajar de ônibus do que dirigir. = prefiro viajar (oração) são estruturadas por dois elementos essenciais:
de ônibus a dirigir sujeito e predicado.
B) Eu esqueci do seu nome. = Eu me esqueci do seu O sujeito é o termo da frase que concorda com o verbo
nome em número e pessoa. É o “ser de quem se declara algo”, “o
C) Você assistiu à cena toda? = correta tema do que se vai comunicar”; o predicado é a parte da
D) Ele chegou na oficina pela manhã. = Ele chegou à frase que contém “a informação nova para o ouvinte”, é o
oficina pela manhã que “se fala do sujeito”. Ele se refere ao tema, constituindo
E) Sempre obedeço as leis de trânsito. = Sempre obe- a declaração do que se atribui ao sujeito.
deço às leis de trânsito Quando o núcleo da declaração está no verbo (que in-
RESPOSTA: “C”. dique ação ou fenômeno da natureza, seja um verbo signi-
ficativo), temos o predicado verbal. Mas, se o núcleo estiver
2-) (POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO/SP – em um nome (geralmente um adjetivo), teremos um predi-
MÉDICO LEGISTA – VUNESP/2014 - adaptada) Leia o se- cado nominal (os verbos deste tipo de predicado são os
guinte trecho para responder à questão. que indicam estado, conhecidos como verbos de ligação):
A pesquisa encontrou um dado curioso: homens com O menino limpou a sala. = “limpou” é verbo de ação
baixos níveis de testosterona tiveram uma resposta imuno- (predicado verbal)
lógica melhor a essa medida, similar _______________ . A prova foi fácil. – “foi” é verbo de ligação (ser); o nú-
A alternativa que completa, corretamente, o texto é: cleo é “fácil” (predicado nominal)
(A) das mulheres
(B) às mulheres Quanto ao período, ele denomina a frase constituída
(C) com das mulheres por uma ou mais orações, formando um todo, com sentido
(D) à das mulheres completo. O período pode ser simples ou composto.
(E) ao das mulheres
Período simples é aquele constituído por apenas uma
oração, que recebe o nome de oração absoluta.
2-) Similar significa igual; sua regência equivale à da
Chove.
palavra “igual”: igual a quê? Similar a quem? Similar à (su-
A existência é frágil.
bentendido: resposta imunológica) das mulheres.
Amanhã, à tarde, faremos a prova do concurso.
RESPOSTA: “D”.
Período composto é aquele constituído por duas ou
mais orações:
Cantei, dancei e depois dormi.
Quero que você estude mais.
FRASE, ORAÇÃO E PERÍODO
SINTAXE DA ORAÇÃO E DO PERÍODO Termos essenciais da oração
TERMOS DA ORAÇÃO
COORDENAÇÃO E SUBORDINAÇÃO O sujeito e o predicado são considerados termos
essenciais da oração, ou seja, são termos indispensáveis
para a formação das orações. No entanto, existem orações
formadas exclusivamente pelo predicado. O que define a
Frase é todo enunciado suficiente por si mesmo para oração é a presença do verbo. O sujeito é o termo que es-
estabelecer comunicação. Normalmente é composta por tabelece concordância com o verbo.
dois termos – o sujeito e o predicado – mas não obrigato- O candidato está preparado.
riamente, pois há orações ou frases sem sujeito: Trovejou Os candidatos estão preparados.
muito ontem à noite.
Na primeira frase, o sujeito é “o candidato”. “Candida-
Quanto aos tipos de frases, além da classificação em to” é a principal palavra do sujeito, sendo, por isso, deno-
verbais (possuem verbos, ou seja, são orações) e nominais minada núcleo do sujeito. Este se relaciona com o verbo,
(sem a presença de verbos), feita a partir de seus elementos estabelecendo a concordância (núcleo no singular, verbo
constituintes, elas podem ser classificadas a partir de seu no singular: candidato = está).
sentido global: A função do sujeito é basicamente desempenhada por
- frases interrogativas = o emissor da mensagem for- substantivos, o que a torna uma função substantiva da ora-
mula uma pergunta: Que dia é hoje? ção. Pronomes, substantivos, numerais e quaisquer outras
- frases imperativas = o emissor dá uma ordem ou faz palavras substantivadas (derivação imprópria) também po-
um pedido: Dê-me uma luz! dem exercer a função de sujeito.
- frases exclamativas = o emissor exterioriza um estado Os dois sumiram. (dois é numeral; no exemplo, subs-
afetivo: Que dia abençoado! tantivo)
- frases declarativas = o emissor constata um fato: A Um sim é suave e sugestivo. (sim é advérbio; no exem-
prova será amanhã. plo: substantivo)

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LÍNGUA PORTUGUESA

Os sujeitos são classificados a partir de dois elementos: 1-) com verbo na terceira pessoa do plural, desde que
o de determinação ou indeterminação e o de núcleo do o sujeito não tenha sido identificado anteriormente:
sujeito. Bateram à porta;
Um sujeito é determinado quando é facilmente iden- Andam espalhando boatos a respeito da queda do mi-
tificado pela concordância verbal. O sujeito determinado nistro.
pode ser simples ou composto.
A indeterminação do sujeito ocorre quando não é * Se o sujeito estiver identificado, poderá ser simples
possível identificar claramente a que se refere a concor- ou composto:
dância verbal. Isso ocorre quando não se pode ou não inte- Os meninos bateram à porta. (simples)
ressa indicar precisamente o sujeito de uma oração. Os meninos e as meninas bateram à porta. (composto)
Estão gritando seu nome lá fora.
Trabalha-se demais neste lugar. 2-) com o verbo na terceira pessoa do singular, acres-
cido do pronome “se”. Esta é uma construção típica dos
O sujeito simples é o sujeito determinado que apre- verbos que não apresentam complemento direto:
senta um único núcleo, que pode estar no singular ou no Precisa-se de mentes criativas.
plural; pode também ser um pronome indefinido. Abaixo, Vivia-se bem naqueles tempos.
sublinhei os núcleos dos sujeitos: Trata-se de casos delicados.
Nós estudaremos juntos. Sempre se está sujeito a erros.
A humanidade é frágil.
Ninguém se move. O pronome “se”, nestes casos, funciona como índice de
O amar faz bem. (“amar” é verbo, mas aqui houve uma indeterminação do sujeito.
derivação imprópria, transformando-o em substantivo)
As crianças precisam de alimentos saudáveis. As orações sem sujeito, formadas apenas pelo predi-
cado, articulam-se a partir de um verbo impessoal. A men-
O sujeito composto é o sujeito determinado que apre- sagem está centrada no processo verbal. Os principais ca-
sos de orações sem sujeito com:
senta mais de um núcleo.
Alimentos e roupas custam caro.
1-) os verbos que indicam fenômenos da natureza:
Ela e eu sabemos o conteúdo.
Amanheceu.
O amar e o odiar são duas faces da mesma moeda.
Está trovejando.
Além desses dois sujeitos determinados, é comum a
2-) os verbos estar, fazer, haver e ser, quando indicam
referência ao sujeito implícito na desinência verbal (o
fenômenos meteorológicos ou se relacionam ao tempo em
“antigo” sujeito oculto [ou elíptico]), isto é, ao núcleo do
geral:
sujeito que está implícito e que pode ser reconhecido pela Está tarde.
desinência verbal ou pelo contexto. Já são dez horas.
Abolimos todas as regras. = (nós) Faz frio nesta época do ano.
Falaste o recado à sala? = (tu) Há muitos concursos com inscrições abertas.
* Os verbos deste tipo de sujeito estão sempre na pri- Predicado é o conjunto de enunciados que contém a
meira pessoa do singular (eu) ou plural (nós) ou na segun- informação sobre o sujeito – ou nova para o ouvinte. Nas
da do singular (tu) ou do plural (vós), desde que os prono- orações sem sujeito, o predicado simplesmente enuncia
mes não estejam explícitos. um fato qualquer. Nas orações com sujeito, o predicado é
Iremos à feira juntos? (= nós iremos) – sujeito implícito aquilo que se declara a respeito deste sujeito. Com exceção
na desinência verbal “-mos” do vocativo - que é um termo à parte - tudo o que difere
Cantais bem! (= vós cantais) - sujeito implícito na desi- do sujeito numa oração é o seu predicado.
nência verbal “-ais” Chove muito nesta época do ano.
Houve problemas na reunião.
Mas:
Nós iremos à festa juntos? = sujeito simples: nós * Em ambas as orações não há sujeito, apenas predi-
Vós cantais bem! = sujeito simples: vós cado.

O sujeito indeterminado surge quando não se quer - As questões estavam fáceis!


ou não se pode - identificar a que o predicado da oração Sujeito simples = as questões
refere-se. Existe uma referência imprecisa ao sujeito, caso Predicado = estavam fáceis
contrário, teríamos uma oração sem sujeito.
Na língua portuguesa, o sujeito pode ser indetermina- Passou-me uma ideia estranha pelo pensamento.
do de duas maneiras: Sujeito = uma ideia estranha
Predicado = passou-me pelo pensamento

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LÍNGUA PORTUGUESA

Para o estudo do predicado, é necessário verificar se No primeiro exemplo, o verbo amanheceu apresenta
seu núcleo é um nome (então teremos um predicado no- duas funções: a de verbo significativo e a de verbo de liga-
minal) ou um verbo (predicado verbal). Deve-se considerar ção. Este predicado poderia ser desdobrado em dois: um
também se as palavras que formam o predicado referem- verbal e outro nominal.
se apenas ao verbo ou também ao sujeito da oração. O dia amanheceu. / O dia estava ensolarado.

Os homens sensíveis pedem amor sincero às mulheres No segundo exemplo, é o verbo julgar que relaciona
de opinião. o complemento homens com o predicativo “inconstantes”.
Predicado
Termos integrantes da oração
O predicado acima apresenta apenas uma palavra que
se refere ao sujeito: pedem. As demais palavras ligam-se Os complementos verbais (objeto direto e indireto) e o
direta ou indiretamente ao verbo. complemento nominal são chamados termos integrantes da
A cidade está deserta. oração.
Os complementos verbais integram o sentido dos ver-
O nome “deserta”, por intermédio do verbo, refere-se bos transitivos, com eles formando unidades significativas.
ao sujeito da oração (cidade). O verbo atua como elemento Estes verbos podem se relacionar com seus complementos
de ligação (por isso verbo de ligação) entre o sujeito e a diretamente, sem a presença de preposição, ou indireta-
palavra a ele relacionada (no caso: deserta = predicativo mente, por intermédio de preposição.
do sujeito).
O objeto direto é o complemento que se liga direta-
O predicado verbal é aquele que tem como núcleo mente ao verbo.
significativo um verbo: Houve muita confusão na partida final.
Chove muito nesta época do ano. Queremos sua ajuda.
Estudei muito hoje!
O objeto direto preposicionado ocorre principalmen-
Compraste a apostila?
te:
- com nomes próprios de pessoas ou nomes comuns
Os verbos acima são significativos, isto é, não servem
referentes a pessoas:
apenas para indicar o estado do sujeito, mas indicam pro-
Amar a Deus; Adorar a Xangô; Estimar aos pais.
cessos.
(o objeto é direto, mas como há preposição, denomi-
na-se: objeto direto preposicionado)
O predicado nominal é aquele que tem como núcleo
significativo um nome; este atribui uma qualidade ou esta- - com pronomes indefinidos de pessoa e pronomes
do ao sujeito, por isso é chamado de predicativo do sujei- de tratamento: Não excluo a ninguém; Não quero cansar a
to. O predicativo é um nome que se liga a outro nome da Vossa Senhoria.
oração por meio de um verbo (o verbo de ligação).
Nos predicados nominais, o verbo não é significativo, - para evitar ambiguidade: Ao povo prejudica a crise.
isto é, não indica um processo, mas une o sujeito ao pre- (sem preposição, o sentido seria outro: O povo prejudica
dicativo, indicando circunstâncias referentes ao estado do a crise)
sujeito: Os dados parecem corretos.
O verbo parecer poderia ser substituído por estar, an- O objeto indireto é o complemento que se liga indi-
dar, ficar, ser, permanecer ou continuar, atuando como ele- retamente ao verbo, ou seja, através de uma preposição.
mento de ligação entre o sujeito e as palavras a ele rela- Gosto de música popular brasileira.
cionadas. Necessito de ajuda.
* A função de predicativo é exercida, normalmente, por
um adjetivo ou substantivo. O termo que integra o sentido de um nome chama-se
complemento nominal, que se liga ao nome que comple-
O predicado verbo-nominal é aquele que apresen- ta por intermédio de preposição:
ta dois núcleos significativos: um verbo e um nome. No A arte é necessária à vida. = relaciona-se com a palavra
predicado verbo-nominal, o predicativo pode se referir ao “necessária”
sujeito ou ao complemento verbal (objeto). Temos medo de barata. = ligada à palavra “medo”
O verbo do predicado verbo-nominal é sempre sig-
nificativo, indicando processos. É também sempre por in- Termos acessórios da oração e vocativo
termédio do verbo que o predicativo se relaciona com o
termo a que se refere. Os termos acessórios recebem este nome por serem
1- O dia amanheceu ensolarado; explicativos, circunstanciais. São termos acessórios o ad-
2- As mulheres julgam os homens inconstantes. junto adverbial, o adjunto adnominal, o aposto e o vocativo
– este, sem relação sintática com outros temos da oração.

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LÍNGUA PORTUGUESA

O adjunto adverbial é o termo da oração que indi- O aposto pode ser classificado, de acordo com seu va-
ca uma circunstância do processo verbal ou intensifica o lor na oração, em:
sentido de um adjetivo, verbo ou advérbio. É uma função a) explicativo: A linguística, ciência das línguas huma-
adverbial, pois cabe ao advérbio e às locuções adverbiais nas, permite-nos interpretar melhor nossa relação com o
exercerem o papel de adjunto adverbial: Amanhã voltarei a mundo.
pé àquela velha praça. b) enumerativo: A vida humana compõe-se de muitas
coisas: amor, arte, ação.
As circunstâncias comumente expressas pelo adjunto c) resumidor ou recapitulativo: Fantasias, suor e sonho,
adverbial são: tudo forma o carnaval.
- assunto: Falavam sobre futebol. d) comparativo: Seus olhos, indagadores holofotes, fixa-
- causa: As folhas caíram com o vento. ram-se por muito tempo na baía anoitecida.
- companhia: Ficarei com meus pais.
- concessão: Apesar de você, serei feliz. O vocativo é um termo que serve para chamar, invocar
- conformidade: Fez tudo conforme o combinado. ou interpelar um ouvinte real ou hipotético, não mantendo
- dúvida: Talvez ainda chova. relação sintática com outro termo da oração. A função de
- fim: Estudou para o exame. vocativo é substantiva, cabendo a substantivos, pronomes
- instrumento: Fez o corte com a faca. substantivos, numerais e palavras substantivadas esse pa-
- intensidade: Falava bastante.
pel na linguagem.
- lugar: Vou à cidade.
João, venha comigo!
- matéria: Este prato é feito de porcelana.
Traga-me doces, minha menina!
- meio: Viajarei de trem.
- modo: Foram recrutados a dedo.
- negação: Não há ninguém que mereça.
- tempo: Ontem à tarde encontrou o velho amigo. Questões

O adjunto adnominal é o termo acessório que deter- 1-) (CASAL/AL - ADMINISTRADOR DE REDE - COPEVE/
mina, especifica ou explica um substantivo. É uma função UFAL/2014 - adaptada)
adjetiva, pois são os adjetivos e as locuções adjetivas que
exercem o papel de adjunto adnominal na oração. Também
atuam como adjuntos adnominais os artigos, os numerais
e os pronomes adjetivos.
O poeta inovador enviou dois longos trabalhos ao seu
amigo de infância.

O adjunto adnominal se liga diretamente ao substan-


tivo a que se refere, sem participação do verbo. Já o predi-
cativo do objeto se liga ao objeto por meio de um verbo.
O poeta português deixou uma obra originalíssima.
O poeta deixou-a.
(originalíssima não precisou ser repetida, portanto: ad-
junto adnominal)

O poeta português deixou uma obra inacabada. O cartaz acima divulga a peça de teatro “Quem tem
O poeta deixou-a inacabada. medo de Virginia Woolf?” escrita pelo norte-americano
(inacabada precisou ser repetida, então: predicativo do Edward Albee. O termo “de Virginia Woolf”, do título em
objeto)
português da peça, funciona como:
A) objeto indireto.
Enquanto o complemento nominal se relaciona a um
B) complemento nominal.
substantivo, adjetivo ou advérbio, o adjunto adnominal se
relaciona apenas ao substantivo. C) adjunto adnominal.
D) adjunto adverbial.
O aposto é um termo acessório que permite ampliar, E) agente da passiva.
explicar, desenvolver ou resumir a ideia contida em um ter-
mo que exerça qualquer função sintática: Ontem, segunda- 1-) O termo complementa a palavra “medo”, que é
feira, passei o dia mal-humorado. substantivo (nome – nominal). Portanto é um complemen-
to nominal. O verbo “ter” tem como complemento verbal
Segunda-feira é aposto do adjunto adverbial de tempo (objeto) a palavra “medo”, que exerce a função sintática de
“ontem”. O aposto é sintaticamente equivalente ao termo objeto direto.
que se relaciona porque poderia substituí-lo: Segunda-feira RESPOSTA: “B”.
passei o dia mal-humorado.

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LÍNGUA PORTUGUESA

2-) (TRT/AL - ANALISTA JUDICIÁRIO - FCC/2014) Coordenadas Assindéticas


... que acompanham as fronteiras ocidentais chinesas...
O verbo que, no contexto, exige o mesmo tipo de com- São orações coordenadas entre si e que não são liga-
plemento que o da frase acima está em: das através de nenhum conectivo. Estão apenas justapos-
(A) A Rota da Seda nunca foi uma rota única... tas.
(B) Esses caminhos floresceram durante os primórdios Entrei na sala, deitei-me no sofá, adormeci.
da Idade Média.
(C) ... viajavam por cordilheiras... Coordenadas Sindéticas
(D) ... até cair em desuso, seis séculos atrás.
(E) O maquinista empurra a manopla do acelerador. Ao contrário da anterior, são orações coordenadas en-
tre si, mas que são ligadas através de uma conjunção coor-
2-) Acompanhar é transitivo direto (acompanhar quem denativa, que dará à oração uma classificação. As orações
ou o quê - não há preposição): coordenadas sindéticas são classificadas em cinco tipos:
A = foi = verbo de ligação (ser) – não há complemento, aditivas, adversativas, alternativas, conclusivas e explicati-
mas sim, predicativo do sujeito (rota única); vas.
B = floresceram = intransitivo (durante os primórdios =
adjunto adverbial); ** Dica: Memorize SINdética = SIM, tem conjunção!
C = viajavam = intransitivo (por cordilheiras = adjunto Orações Coordenadas Sindéticas Aditivas: suas prin-
adverbial); cipais conjunções são: e, nem, não só... mas também, não
D = cair = intransitivo; só... como, assim... como.
E = empurra = transitivo direto (empurrar quem ou o Nem comprei o protetor solar nem fui à praia.
quê?) Comprei o protetor solar e fui à praia.
RESPOSTA: “E”.
Orações Coordenadas Sindéticas Adversativas: suas
Período Composto por Coordenação principais conjunções são: mas, contudo, todavia, entretan-
to, porém, no entanto, ainda, assim, senão.
O período composto se caracteriza por possuir mais de Fiquei muito cansada, contudo me diverti bastante.
uma oração em sua composição. Sendo assim: Li tudo, porém não entendi!
- Eu irei à praia. (Período Simples = um verbo, uma
oração) Orações Coordenadas Sindéticas Alternativas: suas
- Estou comprando um protetor solar, depois irei à principais conjunções são: ou... ou; ora...ora; quer...quer;
praia. (Período Composto =locução verbal + verbo, duas seja...seja.
orações) Ou uso o protetor solar, ou uso o óleo bronzeador.
- Já me decidi: só irei à praia, se antes eu comprar
um protetor solar. (Período Composto = três verbos, três Orações Coordenadas Sindéticas Conclusivas: suas
orações). principais conjunções são: logo, portanto, por fim, por con-
seguinte, consequentemente, pois (posposto ao verbo).
Há dois tipos de relações que podem se estabelecer Passei no concurso, portanto comemorarei!
entre as orações de um período composto: uma relação de A situação é delicada; devemos, pois, agir.
coordenação ou uma relação de subordinação.
Duas orações são coordenadas quando estão juntas Orações Coordenadas Sindéticas Explicativas: suas
em um mesmo período, (ou seja, em um mesmo bloco de principais conjunções são: isto é, ou seja, a saber, na verda-
informações, marcado pela pontuação final), mas têm, am- de, pois (anteposto ao verbo).
bas, estruturas individuais, como é o exemplo de: Não fui à praia, pois queria descansar durante o Do-
Estou comprando um protetor solar, depois irei à praia. mingo.
(Período Composto) Maria chorou porque seus olhos estão vermelhos.
Podemos dizer:
1. Estou comprando um protetor solar. Período Composto Por Subordinação
2. Irei à praia.
Separando as duas, vemos que elas são independen- Quero que você seja aprovado!
tes. Tal período é classificado como Período Composto Oração principal oração subordinada
por Coordenação.
Quanto à classificação das orações coordenadas, te- Observe que na oração subordinada temos o verbo
mos dois tipos: Coordenadas Assindéticas e Coordenadas “seja”, que está conjugado na terceira pessoa do singular
Sindéticas. do presente do subjuntivo, além de ser introduzida por
conjunção. As orações subordinadas que apresentam ver-
bo em qualquer dos tempos finitos (tempos do modo do
indicativo, subjuntivo e imperativo) e são iniciadas por con-
junção, chamam-se orações desenvolvidas ou explícitas.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Podemos modificar o período acima. Veja: * Atenção: Observe que a oração subordinada subs-
tantiva pode ser substituída pelo pronome “isso”. Assim,
Quero ser aprovado. temos um período simples:
Oração Principal Oração Subordinada É fundamental isso ou Isso é fundamental.
Desta forma, a oração correspondente a “isso” exercerá
A análise das orações continua sendo a mesma: “Que- a função de sujeito.
ro” é a oração principal, cujo objeto direto é a oração su- Veja algumas estruturas típicas que ocorrem na oração
bordinada “ser aprovado”. Observe que a oração subordi- principal:
nada apresenta agora verbo no infinitivo (ser). Além disso,
a conjunção “que”, conectivo que unia as duas orações, - Verbos de ligação + predicativo, em construções do
desapareceu. As orações subordinadas cujo verbo surge tipo: É bom - É útil - É conveniente - É certo - Parece certo - É
numa das formas nominais (infinitivo, gerúndio ou particí- claro - Está evidente - Está comprovado
pio) chamamos orações reduzidas ou implícitas. É bom que você compareça à minha festa.
* Observação: as orações reduzidas não são introdu-
- Expressões na voz passiva, como: Sabe-se, Soube-se,
zidas por conjunções nem pronomes relativos. Podem ser,
Conta-se, Diz-se, Comenta-se, É sabido, Foi anunciado, Ficou
eventualmente, introduzidas por preposição.
provado.
Sabe-se que Aline não gosta de Pedro.
1-) Orações Subordinadas Substantivas

A oração subordinada substantiva tem valor de subs- - Verbos como: convir - cumprir - constar - admirar -
tantivo e vem introduzida, geralmente, por conjunção inte- importar - ocorrer - acontecer
grante (que, se). Convém que não se atrase na entrevista.

Não sei se sairemos hoje. Observação: quando a oração subordinada substanti-


Oração Subordinada Substantiva va é subjetiva, o verbo da oração principal está sempre na
3.ª pessoa do singular.
Temos medo de que não sejamos aprovados.
Oração Subordinada Substantiva b) Objetiva Direta = exerce função de objeto direto
do verbo da oração principal:
Os pronomes interrogativos (que, quem, qual) também
introduzem as orações subordinadas substantivas, bem Todos querem sua aprovação no concurso.
como os advérbios interrogativos (por que, quando, onde, Objeto Direto
como).
Todos querem que você seja aprovado. (Todos
O garoto perguntou qual seu nome. querem isso)
Oração Subordinada Subs- Oração Principal oração Subordinada Substantiva
tantiva Objetiva Direta

Não sabemos quando ele virá. As orações subordinadas substantivas objetivas diretas
Oração Subordinada Substan- (desenvolvidas) são iniciadas por:
tiva - Conjunções integrantes “que” (às vezes elíptica) e
“se”: A professora verificou se os alunos estavam presentes.
Classificação das Orações Subordinadas Substanti-
vas
- Pronomes indefinidos que, quem, qual, quanto (às ve-
zes regidos de preposição), nas interrogações indiretas: O
Conforme a função que exerce no período, a oração
pessoal queria saber quem era o dono do carro importado.
subordinada substantiva pode ser:
a) Subjetiva - exerce a função sintática de sujeito do
verbo da oração principal: - Advérbios como, quando, onde, por que, quão (às ve-
zes regidos de preposição), nas interrogações indiretas: Eu
É fundamental o seu comparecimento à reu- não sei por que ela fez isso.
nião.
Sujeito c) Objetiva Indireta = atua como objeto indireto do
verbo da oração principal. Vem precedida de preposição.
É fundamental que você compareça à
reunião. Meu pai insiste em meu estudo.
Oração Principal Oração Subordinada Substan- Objeto Indireto
tiva Subjetiva

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LÍNGUA PORTUGUESA

Meu pai insiste em que eu estude. (Meu pai insiste 2-) Orações Subordinadas Adjetivas
nisso)
Oração Subordinada Substantiva Uma oração subordinada adjetiva é aquela que possui
Objetiva Indireta valor e função de adjetivo, ou seja, que a ele equivale. As
orações vêm introduzidas por pronome relativo e exercem
Observação: em alguns casos, a preposição pode estar a função de adjunto adnominal do antecedente.
elíptica na oração.
Marta não gosta (de) que a chamem de senhora. Esta foi uma redação bem-sucedida.
Oração Subordinada Substantiva Substantivo Adjetivo (Adjunto Adno-
Objetiva Indireta minal)

d) Completiva Nominal = completa um nome que O substantivo “redação” foi caracterizado pelo adjetivo
pertence à oração principal e também vem marcada por “bem-sucedida”. Neste caso, é possível formarmos outra
preposição. construção, a qual exerce exatamente o mesmo papel:

Sentimos orgulho de seu comportamento. Esta foi uma redação que fez sucesso.
Complemento Nominal Oração Principal Oração Subordinada
Adjetiva
Sentimos orgulho de que você se comportou. (Sen-
timos orgulho disso.) Perceba que a conexão entre a oração subordinada
Oração Subordinada Substantiva adjetiva e o termo da oração principal que ela modifica é
Completiva Nominal feita pelo pronome relativo “que”. Além de conectar (ou
relacionar) duas orações, o pronome relativo desempenha
Lembre-se: as orações subordinadas substantivas ob- uma função sintática na oração subordinada: ocupa o pa-
jetivas indiretas integram o sentido de um verbo, enquanto pel que seria exercido pelo termo que o antecede (no caso,
que orações subordinadas substantivas completivas nomi- “redação” é sujeito, então o “que” também funciona como
nais integram o sentido de um nome. Para distinguir uma sujeito).
da outra, é necessário levar em conta o termo complemen-
tado. Esta é a diferença entre o objeto indireto e o com-
Observação: para que dois períodos se unam num
plemento nominal: o primeiro complementa um verbo; o
período composto, altera-se o modo verbal da segunda
segundo, um nome.
oração.
e) Predicativa = exerce papel de predicativo do sujei-
Atenção: Vale lembrar um recurso didático para re-
to do verbo da oração principal e vem sempre depois do
conhecer o pronome relativo “que”: ele sempre pode ser
verbo ser.
substituído por: o qual - a qual - os quais - as quais
Nosso desejo era sua desistência. Refiro-me ao aluno que é estudioso. = Esta oração é
Predicativo do Sujeito equivalente a: Refiro-me ao aluno o qual estuda.

Nosso desejo era que ele desistisse. (Nosso desejo Forma das Orações Subordinadas Adjetivas
era isso)
Oração Subordinada Substantiva Quando são introduzidas por um pronome relativo e
Predicativa apresentam verbo no modo indicativo ou subjuntivo, as
orações subordinadas adjetivas são chamadas desenvolvi-
Observação: em certos casos, usa-se a preposição ex- das. Além delas, existem as orações subordinadas adjetivas
pletiva “de” para realce. Veja o exemplo: A impressão é de reduzidas, que não são introduzidas por pronome relativo
que não fui bem na prova. (podem ser introduzidas por preposição) e apresentam o
verbo numa das formas nominais (infinitivo, gerúndio ou
f) Apositiva = exerce função de aposto de algum ter- particípio).
mo da oração principal.
Ele foi o primeiro aluno que se apresentou.
Fernanda tinha um grande sonho: a felicidade! Ele foi o primeiro aluno a se apresentar.
Aposto
No primeiro período, há uma oração subordinada ad-
Fernanda tinha um grande sonho: ser feliz! jetiva desenvolvida, já que é introduzida pelo pronome re-
Oração subordinada lativo “que” e apresenta verbo conjugado no pretérito per-
substantiva apositiva reduzida de infinitivo feito do indicativo. No segundo, há uma oração subordina-
(Fernanda tinha um grande sonho: isso) da adjetiva reduzida de infinitivo: não há pronome relativo
e seu verbo está no infinitivo.
* Dica: geralmente há a presença dos dois pontos! (:)

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LÍNGUA PORTUGUESA

Classificação das Orações Subordinadas Adjetivas Naquele momento, senti uma das maiores emoções de
minha vida.
Na relação que estabelecem com o termo que caracteri- Quando vi o mar, senti uma das maiores emoções de
zam, as orações subordinadas adjetivas podem atuar de duas minha vida.
maneiras diferentes. Há aquelas que restringem ou especifi-
cam o sentido do termo a que se referem, individualizando-o. No primeiro período, “naquele momento” é um adjun-
Nestas orações não há marcação de pausa, sendo chamadas to adverbial de tempo, que modifica a forma verbal “sen-
subordinadas adjetivas restritivas. Existem também orações ti”. No segundo período, este papel é exercido pela oração
que realçam um detalhe ou amplificam dados sobre o ante-
“Quando vi o mar”, que é, portanto, uma oração subordi-
cedente, que já se encontra suficientemente definido. Estas
nada adverbial temporal. Esta oração é desenvolvida, pois
orações denominam-se subordinadas adjetivas explicativas.
Exemplo 1: é introduzida por uma conjunção subordinativa (quando)
Jamais teria chegado aqui, não fosse um homem que e apresenta uma forma verbal do modo indicativo (“vi”, do
passava naquele momento. pretérito perfeito do indicativo). Seria possível reduzi-la,
Oração obtendo-se:
Subordinada Adjetiva Restritiva Ao ver o mar, senti uma das maiores emoções de minha
vida.
No período acima, observe que a oração em destaque
restringe e particulariza o sentido da palavra “homem”: tra- A oração em destaque é reduzida, apresentando uma
ta-se de um homem específico, único. A oração limita o uni- das formas nominais do verbo (“ver” no infinitivo) e não é
verso de homens, isto é, não se refere a todos os homens, introduzida por conjunção subordinativa, mas sim por uma
mas sim àquele que estava passando naquele momento. preposição (“a”, combinada com o artigo “o”).

Exemplo 2: Observação: a classificação das orações subordinadas


O homem, que se considera racional, muitas vezes age adverbiais é feita do mesmo modo que a classificação dos
animalescamente. adjuntos adverbiais. Baseia-se na circunstância expressa
Oração Subordinada Adjetiva Explicativa pela oração.
Agora, a oração em destaque não tem sentido restritivo
Orações Subordinadas Adverbiais
em relação à palavra “homem”; na verdade, apenas explici-
ta uma ideia que já sabemos estar contida no conceito de
“homem”. a) Causal = A ideia de causa está diretamente ligada
àquilo que provoca um determinado fato, ao motivo do
** Saiba que: A oração subordinada adjetiva explicati- que se declara na oração principal. Principal conjunção su-
va é separada da oração principal por uma pausa que, na bordinativa causal: porque. Outras conjunções e locuções
escrita, é representada pela vírgula. É comum, por isso, que causais: como (sempre introduzido na oração anteposta à
a pontuação seja indicada como forma de diferenciar as ora- oração principal), pois, pois que, já que, uma vez que, visto
ções explicativas das restritivas; de fato, as explicativas vêm que.
sempre isoladas por vírgulas; as restritivas, não. As ruas ficaram alagadas porque a chuva foi muito forte.
Já que você não vai, eu também não vou.
3-) Orações Subordinadas Adverbiais
A diferença entre a subordinada adverbial causal e a
Uma oração subordinada adverbial é aquela que exerce sindética explicativa é que esta “explica” o fato que aconte-
a função de adjunto adverbial do verbo da oração principal. ceu na oração com a qual ela se relaciona; aquela apresenta
Assim, pode exprimir circunstância de tempo, modo, fim, a “causa” do acontecimento expresso na oração à qual ela
causa, condição, hipótese, etc. Quando desenvolvida, vem se subordina. Repare:
introduzida por uma das conjunções subordinativas (com
1-) Faltei à aula porque estava doente.
exclusão das integrantes, que introduzem orações subor-
2-) Melissa chorou, porque seus olhos estão vermelhos.
dinadas substantivas). Classifica-se de acordo com a con-
junção ou locução conjuntiva que a introduz (assim como Em 1, a oração destacada aconteceu primeiro que o
acontece com as coordenadas sindéticas). fato expresso na oração anterior, ou seja, o fato de estar
doente impediu-me de ir à aula. No exemplo 2, a oração
Durante a madrugada, eu olhei você dormindo. sublinhada relata um fato que aconteceu depois, já que
Oração Subordinada Adverbial primeiro ela chorou, depois seus olhos ficaram vermelhos.
b) Consecutiva = exprime um fato que é consequên-
A oração em destaque agrega uma circunstância de cia, é efeito do que se declara na oração principal. São in-
tempo. É, portanto, chamada de oração subordinada adver- troduzidas pelas conjunções e locuções: que, de forma que,
bial temporal. Os adjuntos adverbiais são termos acessórios de sorte que, tanto que, etc., e pelas estruturas tão...que, tan-
que indicam uma circunstância referente, via de regra, a to...que, tamanho...que.
um verbo. A classificação do adjunto adverbial depende da Principal conjunção subordinativa consecutiva: que
exata compreensão da circunstância que exprime. (precedido de tal, tanto, tão, tamanho)

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LÍNGUA PORTUGUESA

Nunca abandonou seus ideais, de sorte que acabou con- g) Final = indica a intenção, a finalidade daquilo que
cretizando-os. se declara na oração principal. Principal conjunção subordi-
Não consigo ver televisão sem bocejar. (Oração Reduzi- nativa final: a fim de. Outras conjunções finais: que, porque
da de Infinitivo) (= para que) e a locução conjuntiva para que.
Aproximei-me dela a fim de que ficássemos amigas.
c) Condicional = Condição é aquilo que se impõe Estudarei muito para que eu me saia bem na prova.
como necessário para a realização ou não de um fato. As
orações subordinadas adverbiais condicionais exprimem o h) Proporcional = exprime ideia de proporção, ou
que deve ou não ocorrer para que se realize - ou deixe de seja, um fato simultâneo ao expresso na oração principal.
se realizar - o fato expresso na oração principal. Principal locução conjuntiva subordinativa proporcional: à
Principal conjunção subordinativa condicional: se. Ou- proporção que. Outras locuções conjuntivas proporcio-
tras conjunções condicionais: caso, contanto que, desde que, nais: à medida que, ao passo que. Há ainda as estruturas:
salvo se, exceto se, a não ser que, a menos que, sem que, quanto maior...(maior), quanto maior...(menor), quanto me-
uma vez que (seguida de verbo no subjuntivo). nor...(maior), quanto menor...(menor), quanto mais...(mais),
Se o regulamento do campeonato for bem elaborado, quanto mais...(menos), quanto menos...(mais), quanto me-
certamente o melhor time será campeão. nos...(menos).
Caso você saia, convide-me. À proporção que estudávamos mais questões acertáva-
mos.
d) Concessiva = indica concessão às ações do verbo À medida que lia mais culto ficava.
da oração principal, isto é, admitem uma contradição ou
um fato inesperado. A ideia de concessão está diretamente i) Temporal = acrescenta uma ideia de tempo ao fato
ligada ao contraste, à quebra de expectativa. Principal con- expresso na oração principal, podendo exprimir noções de
junção subordinativa concessiva: embora. Utiliza-se tam- simultaneidade, anterioridade ou posterioridade. Principal
bém a conjunção: conquanto e as locuções ainda que, ainda conjunção subordinativa temporal: quando. Outras con-
quando, mesmo que, se bem que, posto que, apesar de que. junções subordinativas temporais: enquanto, mal e locu-
Só irei se ele for. ções conjuntivas: assim que, logo que, todas as vezes que,
A oração acima expressa uma condição: o fato de “eu”
antes que, depois que, sempre que, desde que, etc.
ir só se realizará caso essa condição seja satisfeita.
Assim que Paulo chegou, a reunião acabou.
Compare agora com:
Terminada a festa, todos se retiraram. (= Quando termi-
Irei mesmo que ele não vá.
nou a festa) (Oração Reduzida de Particípio)
A distinção fica nítida; temos agora uma concessão:
Fontes de pesquisa:
irei de qualquer maneira, independentemente de sua ida. A
http://www.pciconcursos.com.br/aulas/portugues/fra-
oração destacada é, portanto, subordinada adverbial con-
se-periodo-e-oracao
cessiva.
Observe outros exemplos: SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
Embora fizesse calor, levei agasalho. coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
Foi aprovado sem estudar (= sem que estudasse / em-
bora não estudasse). (reduzida de infinitivo)

e) Comparativa= As orações subordinadas adverbiais CRASE


comparativas estabelecem uma comparação com a ação
indicada pelo verbo da oração principal. Principal conjun-
ção subordinativa comparativa: como.
Ele dorme como um urso. (como um urso dorme) A crase se caracteriza como a fusão de duas vogais
Você age como criança. (age como uma criança age) idênticas, relacionadas ao emprego da preposição “a” com
o artigo feminino a(s), com o “a” inicial referente aos pro-
*geralmente há omissão do verbo. nomes demonstrativos – aquela(s), aquele(s), aquilo e com
o “a” pertencente ao pronome relativo a qual (as quais).
f) Conformativa = indica ideia de conformidade, ou Casos estes em que tal fusão encontra-se demarcada pelo
seja, apresenta uma regra, um modelo adotado para a acento grave ( ` ): à(s), àquela, àquele, àquilo, à qual, às
execução do que se declara na oração principal. Principal quais.
conjunção subordinativa conformativa: conforme. Outras O uso do acento indicativo de crase está condicionado
conjunções conformativas: como, consoante e segundo (to- aos nossos conhecimentos acerca da regência verbal e no-
das com o mesmo valor de conforme). minal, mais precisamente ao termo regente e termo regido.
Fiz o bolo conforme ensina a receita. Ou seja, o termo regente é o verbo - ou nome - que exige
Consoante reza a Constituição, todos os cidadãos têm complemento regido pela preposição “a”, e o termo regido
direitos iguais. é aquele que completa o sentido do termo regente, admi-
tindo a anteposição do artigo a(s).

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LÍNGUA PORTUGUESA

Refiro-me a (a) funcionária antiga, e não a (a)quela con- * A letra “a” que acompanha locuções femininas (ad-
tratada recentemente. verbiais, prepositivas e conjuntivas) recebe o acento grave:
Após a junção da preposição com o artigo (destacados - locuções adverbiais: às vezes, à tarde, à noite, às pres-
entre parênteses), temos: sas, à vontade...
Refiro-me à funcionária antiga, e não àquela contratada - locuções prepositivas: à frente, à espera de, à procura
recentemente. de...
- locuções conjuntivas: à proporção que, à medida que.
O verbo referir, de acordo com sua transitividade, clas-
sifica-se como transitivo indireto, pois sempre nos referi- * Cuidado: quando as expressões acima não exerce-
mos a alguém ou a algo. Houve a fusão da preposição a + o rem a função de locuções não ocorrerá crase. Repare:
artigo feminino (à) e com o artigo feminino a + o pronome Eu adoro a noite!
demonstrativo aquela (àquela). Adoro o quê? Adoro quem? O verbo “adoro” requer
objeto direto, no caso, a noite. Aqui, o “a” é artigo, não
Observação importante: Alguns recursos servem de preposição.
ajuda para que possamos confirmar a ocorrência ou não da
crase. Eis alguns: Casos passíveis de nota:
a) Substitui-se a palavra feminina por uma masculina
equivalente. Caso ocorra a combinação a + o(s), a crase *a crase é facultativa diante de nomes próprios femini-
está confirmada. nos: Entreguei o caderno a (à) Eliza.
Os dados foram solicitados à diretora.
Os dados foram solicitados ao diretor. *também é facultativa diante de pronomes possessivos
femininos: O diretor fez referência a (à) sua empresa.
b) No caso de nomes próprios geográficos, substitui-se
o verbo da frase pelo verbo voltar. Caso resulte na expres- *facultativa em locução prepositiva “até a”: A loja ficará
são “voltar da”, há a confirmação da crase. aberta até as (às) dezoito horas.
Faremos uma visita à Bahia.
Faz dois dias que voltamos da Bahia. (crase confirmada) * Constata-se o uso da crase se as locuções preposi-
tivas à moda de, à maneira de apresentarem-se implícitas,
Não me esqueço da viagem a Roma.
mesmo diante de nomes masculinos: Tenho compulsão por
Ao voltar de Roma, relembrarei os belos momentos ja-
comprar sapatos à Luis XV. (à moda de Luís XV)
mais vividos.
* Não se efetiva o uso da crase diante da locução ad-
Atenção: Nas situações em que o nome geográfico se
verbial “a distância”: Na praia de Copacabana, observamos
apresentar modificado por um adjunto adnominal, a crase
a queima de fogos a distância.
está confirmada.
Atendo-me à bela Fortaleza, senti saudades de suas
praias. Entretanto, se o termo vier determinado, teremos uma
locução prepositiva, aí sim, ocorrerá crase: O pedestre foi
** Dica: Use a regrinha “Vou A volto DA, crase HÁ; vou arremessado à distância de cem metros.
A volto DE, crase PRA QUÊ?” Exemplo: Vou a Campinas. =
Volto de Campinas. (crase pra quê?) - De modo a evitar o duplo sentido – a ambiguidade -,
Vou à praia. = Volto da praia. (crase há!) faz-se necessário o emprego da crase.
ATENÇÃO: quando o nome de lugar estiver especifica- Ensino à distância.
do, ocorrerá crase. Veja: Ensino a distância.
Retornarei à São Paulo dos bandeirantes. = mesmo
que, pela regrinha acima, seja a do “VOLTO DE” * Em locuções adverbiais formadas por palavras repeti-
Irei à Salvador de Jorge Amado. das, não há ocorrência da crase.
Ela ficou frente a frente com o agressor.
* A letra “a” dos pronomes demonstrativos aquele(s), Eu o seguirei passo a passo.
aquela(s) e aquilo receberão o acento grave se o termo re-
gente exigir complemento regido da preposição “a”. Casos em que não se admite o emprego da crase:
Entregamos a encomenda àquela menina.
(preposição + pronome demonstrativo) * Antes de vocábulos masculinos.
As produções escritas a lápis não serão corrigidas.
Iremos àquela reunião. Esta caneta pertence a Pedro.
(preposição + pronome demonstrativo)
* Antes de verbos no infinitivo.
Sua história é semelhante às que eu ouvia quando crian- Ele estava a cantar.
ça. (àquelas que eu ouvia quando criança) Começou a chover.
(preposição + pronome demonstrativo)

72
LÍNGUA PORTUGUESA

* Antes de numeral. Questões


O número de aprovados chegou a cem.
Faremos uma visita a dez países. 1-) (POLÍCIA CIVIL/SC – AGENTE DE POLÍCIA – ACA-
FE/2014) Assinale a alternativa que preenche corretamente
Observação: as lacunas da frase a seguir.
- Nos casos em que o numeral indicar horas – funcio- Quando________ três meses disse-me que iria _________
nando como uma locução adverbial feminina – ocorrerá Grécia para visitar ___ sua tia, vi-me na obrigação de ajudá
crase: Os passageiros partirão às dezenove horas. -la _______ resgatar as milhas _________ quais tinha direito.
A-) a - há - à - à - às
- Diante de numerais ordinais femininos a crase está B-) há - à - a - a – às
confirmada, visto que estes não podem ser empregados C-) há - a - há - à - as
sem o artigo: As saudações foram direcionadas à primeira D-) a - à - a - à - às
aluna da classe. E-) a - a - à - há – as
- Não ocorrerá crase antes da palavra casa, quan- 1-) Quando HÁ (sentido de tempo) três meses disse-
do essa não se apresentar determinada: Chegamos todos
me que iria À (“vou a, volto da, crase há!”) Grécia para vi-
exaustos a casa.
sitar A (artigo) sua tia, vi-me na obrigação de ajudá-la A
Entretanto, se vier acompanhada de um adjunto ad-
(ajudar “ela” a fazer algo) resgatar as milhas ÀS quais tinha
nominal, a crase estará confirmada: Chegamos todos exaus-
direito (tinha direito a quê? às milhas – regência nominal).
tos à casa de Marcela.
Teremos: há, à, a, a, às.
- não há crase antes da palavra “terra”, quando essa RESPOSTA: “B”.
indicar chão firme: Quando os navegantes regressaram a
terra, já era noite. 2-) (EMPLASA/SP – ANALISTA JURÍDICO – DIREITO –
Contudo, se o termo estiver precedido por um deter- VUNESP/2014)
minante ou referir-se ao planeta Terra, ocorrerá crase. A ministra de Direitos Humanos instituiu grupo de tra-
Paulo viajou rumo à sua terra natal. balho para proceder _____ medidas necessárias _____ exu-
O astronauta voltou à Terra. mação dos restos mortais do ex-presidente João Goulart,
sepultado em São Borja (RS), em 1976. Com a exumação de
- não ocorre crase antes de pronomes que requerem o Jango, o governo visa esclarecer se o ex-presidente morreu
uso do artigo. de causas naturais, ou seja, devido ____ uma parada cardía-
Os livros foram entregues a mim. ca – que tem sido a versão considerada oficial até hoje –, ou
Dei a ela a merecida recompensa. se sua morte se deve ______ envenenamento.
(http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,-
Observação: Pelo fato de os pronomes de tratamento governo-cria-grupo-exumar--restos-mortais-de- jan-
relativos à senhora, senhorita e madame admitirem artigo, go,1094178,0.htm 07. 11.2013. Adaptado)
o uso da crase está confirmado no “a” que os antecede, no
caso de o termo regente exigir a preposição. Segundo a norma-padrão da língua portuguesa, as la-
Todos os méritos foram conferidos à senhorita Patrícia. cunas da frase devem ser completadas, correta e respecti-
vamente, por
*não ocorre crase antes de nome feminino utilizado em (A) a ... à ... a ... a
sentido genérico ou indeterminado: (B) as ... à ... a ... à
Estamos sujeitos a críticas. (C) às ... a ... à ... a
Refiro-me a conversas paralelas. (D) à ... à ... à ... a
(E) a ... a ... a ... à
Fontes de pesquisa:
http://www.portugues.com.br/gramatica/o-uso-crase-.
2-) A ministra de Direitos Humanos instituiu grupo de
html
trabalho para proceder a medidas (palavra no plural, ge-
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010. neralizando) necessárias à (regência nominal pede prepo-
Português linguagens: volume 3 / Wiliam Roberto Cere- sição) exumação dos restos mortais do ex-presidente João
ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo: Goulart, sepultado em São Borja (RS), em 1976. Com a exu-
Saraiva, 2010. mação de Jango, o governo visa esclarecer se o ex-presi-
dente morreu de causas naturais, ou seja, devido a uma
(artigo indefinido) parada cardíaca – que tem sido a versão
considerada oficial até hoje –, ou se sua morte se deve a
(regência verbal) envenenamento. A / à / a / a
RESPOSTA: “A”.

73
LÍNGUA PORTUGUESA

3-) (SABESP/SP – ADVOGADO – FCC/2014) 2) Orações iniciadas por palavras interrogativas: Quem
Para chegar a esta conclusão, os pesquisadores fizeram lhe disse isso?
uma escavação arqueológica nas ruínas da antiga cidade
de Tikal, na Guatemala. 3) Orações iniciadas por palavras exclamativas: Quanto
O a empregado na frase acima, imediatamente depois se ofendem!
de chegar, deverá receber o sinal indicativo de crase caso o
segmento grifado seja substituído por: 4) Orações que exprimem desejo (orações optativas):
(A) Uma tal ilação. Que Deus o ajude.
(B) Afirmações como essa.
(C) Comprovação dessa assertiva. 5) A próclise é obrigatória quando se utiliza o pronome
(D) Emitir uma opinião desse tipo. reto ou sujeito expresso:
(E) Semelhante resultado. Eu lhe entregarei o material amanhã.
Tu sabes cantar?
3-)
(A) Uma tal ilação – chegar a uma (não há acento grave Mesóclise = É a colocação pronominal no meio do
antes de artigo) verbo. A mesóclise é usada:
(B) Afirmações como essa – chegar a afirmações (antes
de palavra no plural e o “a” no singular) Quando o verbo estiver no futuro do presente ou fu-
(C) Comprovação dessa assertiva – chegar à compro- turo do pretérito, contanto que esses verbos não estejam
vação precedidos de palavras que exijam a próclise. Exemplos:
(D) Emitir uma opinião desse tipo – chegar a emitir Realizar-se-á, na próxima semana, um grande evento
(verbo no infinitivo) em prol da paz no mundo.
(E) Semelhante resultado – chegar a semelhante (pala- Repare que o pronome está “no meio” do verbo “rea-
vra masculina) lizará”:
RESPOSTA: “C”. realizar – SE – á. Se houvesse na oração alguma palavra
que justificasse o uso da próclise, esta prevaleceria. Veja:
Não se realizará...
Não fossem os meus compromissos, acompanhar-te-ia
nessa viagem.
COLOCAÇÃO PRONOMINAL (com presença de palavra que justifique o uso de pró-
clise: Não fossem os meus compromissos, EU te acompanha-
ria nessa viagem).
Colocação Pronominal trata da correta colocação dos
Ênclise = É a colocação pronominal depois do verbo. A
pronomes oblíquos átonos na frase. ênclise é usada quando a próclise e a mesóclise não forem
possíveis:
* Dica: Pronome Oblíquo é aquele que exerce a função
de complemento verbal (objeto). Por isso, memorize: 1) Quando o verbo estiver no imperativo afirmativo:
OBlíquo = OBjeto! Quando eu avisar, silenciem-se todos.
Embora na linguagem falada a colocação dos prono- 2) Quando o verbo estiver no infinitivo impessoal: Não
mes não seja rigorosamente seguida, algumas normas de- era minha intenção machucá-la.
vem ser observadas na linguagem escrita.
3) Quando o verbo iniciar a oração. (até porque não se
Próclise = É a colocação pronominal antes do verbo. A inicia período com pronome oblíquo).
próclise é usada: Vou-me embora agora mesmo.
Levanto-me às 6h.
1) Quando o verbo estiver precedido de palavras que
atraem o pronome para antes do verbo. São elas: 4) Quando houver pausa antes do verbo: Se eu passo
a) Palavras de sentido negativo: não, nunca, ninguém, no concurso, mudo-me hoje mesmo!
jamais, etc.: Não se desespere!
b) Advérbios: Agora se negam a depor. 5-) Quando o verbo estiver no gerúndio: Recusou a pro-
c) Conjunções subordinativas: Espero que me expliquem posta fazendo-se de desentendida.
tudo!
d) Pronomes relativos: Venceu o concurseiro que se es- Colocação pronominal nas locuções verbais
forçou. - após verbo no particípio = pronome depois do verbo
e) Pronomes indefinidos: Poucos te deram a oportuni- auxiliar (e não depois do particípio):
dade. Tenho me deliciado com a leitura!
Eu tenho me deliciado com a leitura!
f) Pronomes demonstrativos: Isso me magoa muito. Eu me tenho deliciado com a leitura!

74
LÍNGUA PORTUGUESA

- não convém usar hífen nos tempos compostos e nas 1-) Primeiramente identifiquemos se temos objeto di-
locuções verbais: reto ou indireto. Reconhece o quê? Resposta: a informali-
Vamos nos unir! dade. Pergunta e resposta sem preposição, então: objeto
Iremos nos manifestar. direto. Não utilizaremos “lhe” – que é para objeto indireto.
Como temos a presença do “que” – independente de sua
- quando há um fator para próclise nos tempos com- função no período (pronome relativo, no caso!) – a regra
postos ou locuções verbais: opção pelo uso do pronome pede próclise (pronome oblíquo antes do verbo): que a re-
oblíquo “solto” entre os verbos = Não vamos nos preocupar conhecem.
(e não: “não nos vamos preocupar”). RESPOSTA: “A”.

Observações importantes: 2-) (SABESP – TECNÓLOGO – FCC/2014) A substitui-


ção do elemento grifado pelo pronome correspondente foi
Emprego de o, a, os, as realizada de modo INCORRETO em:
1) Em verbos terminados em vogal ou ditongo oral, os (A) que permitiu à civilização = que lhe permitiu
pronomes: o, a, os, as não se alteram. (B) envolveu diferentes fatores = envolveu-os
Chame-o agora. (C) para fazer a dragagem = para fazê-la
Deixei-a mais tranquila. (D) que desviava a água = que lhe desviava
(E) supriam a necessidade = supriam-na
2) Em verbos terminados em r, s ou z, estas consoantes
finais alteram-se para lo, la, los, las. Exemplos: 2-)
(Encontrar) Encontrá-lo é o meu maior sonho. (A) que permitiu à civilização = que lhe permitiu = cor-
(Fiz) Fi-lo porque não tinha alternativa. reta
(B) envolveu diferentes fatores = envolveu-os = correta
3) Em verbos terminados em ditongos nasais (am, em, (C) para fazer a dragagem = para fazê-la = correta
ão, õe), os pronomes o, a, os, as alteram-se para no, na, (D) que desviava a água = que lhe desviava = que a
nos, nas. desviava
Chamem-no agora. (E) supriam a necessidade = supriam-na = correta
Põe-na sobre a mesa. RESPOSTA: “D”.

* Dica: 3-) (TRT/AL - ANALISTA JUDICIÁRIO - FCC/2014)


Próclise – pró lembra pré; pré é prefixo que significa cruzando os desertos do oeste da China − que con-
“antes”! Pronome antes do verbo! tornam a Índia − adotam complexas providências
Ênclise – “en”... lembra, pelo “som”, /Ənd/ (end, em In- Fazendo-se as alterações necessárias, os segmentos
glês – que significa “fim, final!). Pronome depois do verbo! grifados acima foram corretamente substituídos por um
Mesóclise – pronome oblíquo no Meio do verbo pronome, respectivamente, em:
Pronome Oblíquo – função de objeto (A) os cruzando - que contornam-lhe - adotam-as
(B) cruzando-lhes - que contornam-na - as adotam
Fontes de pesquisa: (C) cruzando-os - que lhe contornam - adotam-lhes
http://www.portugues.com.br/gramatica/colocacao (D) cruzando-os - que a contornam - adotam-nas
-pronominal-.html (E) lhes cruzando - que contornam-a - as adotam
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010. 3-) Não podemos utilizar “lhes”, que corresponde ao
Português linguagens: volume 3 / Wiliam Roberto Cere- objeto indireto (verbo “cruzar” pede objeto direto: cruzar
ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo: o quê?), portanto já desconsideramos as alternativas “B”
Saraiva, 2010. e “D”. Ao iniciarmos um parágrafo ( já que no enunciado
temos uma oração assim) devemos usar ênclise: (cruzan-
Questões do-os); na segunda oração temos um pronome relativo (dá
para substituirmos por “o qual”), o que nos obriga a usar
1-) (IBGE - SUPERVISOR DE PESQUISAS – ADMINIS- a próclise (que a contorna); “adotam” exige objeto direto
TRAÇÃO - CESGRANRIO/2014) Em “Há políticas que reco- (adotam quem ou o quê?), chegando à resposta: adotam-
nhecem a informalidade”, ao substituir o termo destacado nas (quando o verbo terminar em “m” e usarmos um pro-
por um pronome, de acordo com a norma-padrão da lín- nome oblíquo direto, lembre-se do alfabeto: jklM – N!).
gua, o trecho assume a formulação apresentada em: RESPOSTA: “D”.
A) Há políticas que a reconhecem.
B) Há políticas que reconhecem-a.
C) Há políticas que reconhecem-na.
D) Há políticas que reconhecem ela.
E) Há políticas que lhe reconhecem.

75
LÍNGUA PORTUGUESA

c) Homógrafas e homófonas simultaneamente (ou


SIGNIFICADO DAS PALAVRAS perfeitas): São palavras iguais na escrita e na pronúncia:
caminho (subst.) e caminho (verbo);
cedo (verbo) e cedo (adv.);
livre (adj.) e livre (verbo).
Semântica é o estudo da significação das palavras e
das suas mudanças de significação através do tempo ou - Parônimos = palavras com sentidos diferentes, po-
em determinada época. A maior importância está em dis- rém de formas relativamente próximas. São palavras pa-
tinguir sinônimos e antônimos (sinonímia / antonímia) e recidas na escrita e na pronúncia: cesta (receptáculo de
homônimos e parônimos (homonímia / paronímia). vime; cesta de basquete/esporte) e sesta (descanso após o
almoço), eminente (ilustre) e iminente (que está para ocor-
Sinônimos rer), osso (substantivo) e ouço (verbo), sede (substantivo e/
ou verbo “ser” no imperativo) e cede (verbo), comprimento
São palavras de sentido igual ou aproximado: alfabeto (medida) e cumprimento (saudação), autuar (processar) e
- abecedário; brado, grito - clamor; extinguir, apagar - abolir. atuar (agir), infligir (aplicar pena) e infringir (violar), deferir
Duas palavras são totalmente sinônimas quando são (atender a) e diferir (divergir), suar (transpirar) e soar (emi-
substituíveis, uma pela outra, em qualquer contexto (cara tir som), aprender (conhecer) e apreender (assimilar; apro-
e rosto, por exemplo); são parcialmente sinônimas quando, priar-se de), tráfico (comércio ilegal) e tráfego (relativo a
ocasionalmente, podem ser substituídas, uma pela outra, movimento, trânsito), mandato (procuração) e mandado
em determinado enunciado (aguardar e esperar). (ordem), emergir (subir à superfície) e imergir (mergulhar,
afundar).
Observação: A contribuição greco-latina é responsá-
vel pela existência de numerosos pares de sinônimos: ad- Hiperonímia e Hiponímia
versário e antagonista; translúcido e diáfano; semicírculo e
Hipônimos e hiperônimos são palavras que pertencem
hemiciclo; contraveneno e antídoto; moral e ética; colóquio e
a um mesmo campo semântico (de sentido), sendo o hipô-
diálogo; transformação e metamorfose; oposição e antítese.
nimo uma palavra de sentido mais específico; o hiperôni-
mo, mais abrangente.
Antônimos
O hiperônimo impõe as suas propriedades ao hipôni-
mo, criando, assim, uma relação de dependência semânti-
São palavras que se opõem através de seu significado:
ca. Por exemplo: Veículos está numa relação de hiperoní-
ordem - anarquia; soberba - humildade; louvar - censurar; mia com carros, já que veículos é uma palavra de significa-
mal - bem. do genérico, incluindo motos, ônibus, caminhões. Veículos é
um hiperônimo de carros.
Observação: A antonímia pode se originar de um pre- Um hiperônimo pode substituir seus hipônimos em
fixo de sentido oposto ou negativo: bendizer e maldizer; quaisquer contextos, mas o oposto não é possível. A utili-
simpático e antipático; progredir e regredir; concórdia e dis- zação correta dos hiperônimos, ao redigir um texto, evita a
córdia; ativo e inativo; esperar e desesperar; comunista e an- repetição desnecessária de termos.
ticomunista; simétrico e assimétrico.
Fontes de pesquisa:
Homônimos e Parônimos http://www.coladaweb.com/portugues/sinonimos,-an-
tonimos,-homonimos-e-paronimos
- Homônimos = palavras que possuem a mesma grafia SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
ou a mesma pronúncia, mas significados diferentes. Podem coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
ser Português linguagens: volume 1 / Wiliam Roberto Cere-
ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo:
a) Homógrafas: são palavras iguais na escrita e dife- Saraiva, 2010.
rentes na pronúncia: Português: novas palavras: literatura, gramática, reda-
rego (subst.) e rego (verbo); ção / Emília Amaral... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000.
colher (verbo) e colher (subst.); XIMENES, Sérgio. Minidicionário Ediouro da Lìngua Por-
jogo (subst.) e jogo (verbo); tuguesa – 2ªed. reform. – São Paulo: Ediouro, 2000.
denúncia (subst.) e denuncia (verbo);
providência (subst.) e providencia (verbo). Denotação e Conotação

b) Homófonas: são palavras iguais na pronúncia e di- Exemplos de variação no significado das palavras:
ferentes na escrita:
acender (atear) e ascender (subir); Os domadores conseguiram enjaular a fera. (sentido li-
concertar (harmonizar) e consertar (reparar); teral)
cela (compartimento) e sela (arreio); Ele ficou uma fera quando soube da notícia. (sentido
censo (recenseamento) e senso ( juízo); figurado)
paço (palácio) e passo (andar). Aquela aluna é fera na matemática. (sentido figurado)

76
LÍNGUA PORTUGUESA

As variações nos significados das palavras ocasionam Polissemia


o sentido denotativo (denotação) e o sentido conotativo
(conotação) das palavras. Polissemia é a propriedade de uma palavra adquirir
multiplicidade de sentidos, que só se explicam dentro de
Denotação um contexto. Trata-se, realmente, de uma única palavra,
mas que abarca um grande número de significados dentro
Uma palavra é usada no sentido denotativo quando de seu próprio campo semântico.
apresenta seu significado original, independentemente Reportando-nos ao conceito de Polissemia, logo per-
do contexto em que aparece. Refere-se ao seu significado cebemos que o prefixo “poli” significa multiplicidade de
mais objetivo e comum, aquele imediatamente reconheci- algo. Possibilidades de várias interpretações levando-se em
do e muitas vezes associado ao primeiro significado que consideração as situações de aplicabilidade. Há uma infini-
aparece nos dicionários, sendo o significado mais literal da dade de exemplos em que podemos verificar a ocorrência
palavra. da polissemia:
A denotação tem como finalidade informar o receptor O rapaz é um tremendo gato.
da mensagem de forma clara e objetiva, assumindo um ca- O gato do vizinho é peralta.
ráter prático. É utilizada em textos informativos, como jor- Precisei fazer um gato para que a energia voltasse.
nais, regulamentos, manuais de instrução, bulas de medi- Pedro costuma fazer alguns “bicos” para garantir sua
camentos, textos científicos, entre outros. A palavra “pau”, sobrevivência
por exemplo, em seu sentido denotativo é apenas um pe- O passarinho foi atingido no bico.
daço de madeira. Outros exemplos:
O elefante é um mamífero. Nas expressões polissêmicas rede de deitar, rede de
As estrelas deixam o céu mais bonito! computadores e rede elétrica, por exemplo, temos em
comum a palavra “rede”, que dá às expressões o sentido
Conotação de “entrelaçamento”. Outro exemplo é a palavra “xadrez”,
que pode ser utilizada representando “tecido”, “prisão” ou
Uma palavra é usada no sentido conotativo quando “jogo” – o sentido comum entre todas as expressões é o
apresenta diferentes significados, sujeitos a diferentes in- formato quadriculado que têm.
terpretações, dependendo do contexto em que esteja inse-
rida, referindo-se a sentidos, associações e ideias que vão Polissemia e homonímia
além do sentido original da palavra, ampliando sua signifi-
cação mediante a circunstância em que a mesma é utiliza- A confusão entre polissemia e homonímia é bastante
da, assumindo um sentido figurado e simbólico. Como no comum. Quando a mesma palavra apresenta vários signifi-
exemplo da palavra “pau”: em seu sentido conotativo ela cados, estamos na presença da polissemia. Por outro lado,
pode significar castigo (dar-lhe um pau), reprovação (tomei quando duas ou mais palavras com origens e significados
pau no concurso). distintos têm a mesma grafia e fonologia, temos uma ho-
A conotação tem como finalidade provocar sentimen- monímia.
tos no receptor da mensagem, através da expressividade e A palavra “manga” é um caso de homonímia. Ela pode
afetividade que transmite. É utilizada principalmente numa significar uma fruta ou uma parte de uma camisa. Não é
linguagem poética e na literatura, mas também ocorre em polissemia porque os diferentes significados para a pala-
conversas cotidianas, em letras de música, em anúncios pu- vra “manga” têm origens diferentes. “Letra” é uma palavra
blicitários, entre outros. Exemplos: polissêmica: pode significar o elemento básico do alfabeto,
Você é o meu sol! o texto de uma canção ou a caligrafia de um determinado
Minha vida é um mar de tristezas. indivíduo. Neste caso, os diferentes significados estão in-
Você tem um coração de pedra! terligados porque remetem para o mesmo conceito, o da
escrita.
* Dica: Procure associar Denotação com Dicionário:
trata-se de definição literal, quando o termo é utilizado Polissemia e ambiguidade
com o sentido que consta no dicionário.
Polissemia e ambiguidade têm um grande impacto na
Fontes de pesquisa: interpretação. Na língua portuguesa, um enunciado pode
http://www.normaculta.com.br/conotacao-e-denota- ser ambíguo, ou seja, apresentar mais de uma interpreta-
cao/ ção. Esta ambiguidade pode ocorrer devido à colocação
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac- específica de uma palavra (por exemplo, um advérbio) em
coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010. uma frase. Vejamos a seguinte frase:
Português linguagens: volume 1 / Wiliam Roberto Cere- Pessoas que têm uma alimentação equilibrada frequen-
ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo: temente são felizes.
Saraiva, 2010. Neste caso podem existir duas interpretações diferen-
tes:

77
LÍNGUA PORTUGUESA

As pessoas têm alimentação equilibrada porque são feli- Observação: toda metáfora é uma espécie de compa-
zes ou são felizes porque têm uma alimentação equilibrada. ração implícita, em que o elemento comparativo não apa-
rece.
De igual forma, quando uma palavra é polissêmica, ela Seus olhos são como luzes brilhantes.
pode induzir uma pessoa a fazer mais do que uma interpre- O exemplo acima mostra uma comparação evidente,
tação. Para fazer a interpretação correta é muito importan- através do emprego da palavra como.
te saber qual o contexto em que a frase é proferida. Observe agora: Seus olhos são luzes brilhantes.
Muitas vezes, a disposição das palavras na construção Neste exemplo não há mais uma comparação (note a
do enunciado pode gerar ambiguidade ou, até mesmo, co- ausência da partícula comparativa), e sim símile, ou seja,
micidade. Repare na figura abaixo: qualidade do que é semelhante.
Por fim, no exemplo: As luzes brilhantes olhavam-me.
Há substituição da palavra olhos por luzes brilhantes. Esta
é a verdadeira metáfora.

Observe outros exemplos:


1) “Meu pensamento é um rio subterrâneo.” (Fernando
Pessoa)
Neste caso, a metáfora é possível na medida em que
o poeta estabelece relações de semelhança entre um rio
subterrâneo e seu pensamento (pode estar relacionando a
fluidez, a profundidade, a inatingibilidade, etc.).

2) Minha alma é uma estrada de terra que leva a lugar


(http://www.humorbabaca.com/fotos/diversas/corto- algum.
cabelo-e-pinto. Acesso em 15/9/2014). Uma estrada de terra que leva a lugar algum é, na frase
Poderíamos corrigir o cartaz de inúmeras maneiras, acima, uma metáfora. Por trás do uso dessa expressão que
indica uma alma rústica e abandonada (e angustiadamente
mas duas seriam:
inútil), há uma comparação subentendida: Minha alma é
Corte e coloração capilar
tão rústica, abandonada (e inútil) quanto uma estrada de
ou
terra que leva a lugar algum.
Faço corte e pintura capilar
A Amazônia é o pulmão do mundo.
Fontes de pesquisa:
Em sua mente povoa só inveja.
http://www.brasilescola.com/gramatica/polissemia.
htm Metonímia
Português linguagens: volume 1 / Wiliam Roberto Cere-
ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo: É a substituição de um nome por outro, em virtude de
Saraiva, 2010. existir entre eles algum relacionamento. Tal substituição
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac- pode acontecer dos seguintes modos:
coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
1 - Autor pela obra: Gosto de ler Machado de Assis. (=
Figura de Linguagem, Pensamento e Construção Gosto de ler a obra literária de Machado de Assis).
2 - Inventor pelo invento: Édson ilumina o mundo. (=
Figura de Palavra As lâmpadas iluminam o mundo).
3 - Símbolo pelo objeto simbolizado: Não te afastes
A figura de palavra consiste na substituição de uma da cruz. (= Não te afastes da religião).
palavra por outra, isto é, no emprego figurado, simbólico, 4 - Lugar pelo produto do lugar: Fumei um saboroso
seja por uma relação muito próxima (contiguidade), seja Havana. (= Fumei um saboroso charuto).
por uma associação, uma comparação, uma similaridade. 5 - Efeito pela causa: Sócrates bebeu a morte. (= Só-
Estes dois conceitos básicos - contiguidade e similaridade - crates tomou veneno).
permitem-nos reconhecer dois tipos de figuras de palavras: 6 - Causa pelo efeito: Moro no campo e como do meu
a metáfora e a metonímia. trabalho. (= Moro no campo e como o alimento que pro-
duzo).
Metáfora 7 - Continente pelo conteúdo: Bebeu o cálice todo. (=
Bebeu todo o líquido que estava no cálice).
Consiste em utilizar uma palavra ou uma expressão em 8 - Instrumento pela pessoa que utiliza: Os microfo-
lugar de outra, sem que haja uma relação real, mas em vir- nes foram atrás dos jogadores. (= Os repórteres foram atrás
tude da circunstância de que o nosso espírito as associa dos jogadores).
e percebe entre elas certas semelhanças. É o emprego da 9 - Parte pelo todo: Várias pernas passavam apres-
palavra fora de seu sentido normal. sadamente. (= Várias pessoas passavam apressadamente).

78
LÍNGUA PORTUGUESA

10 - Gênero pela espécie: Os mortais pensam e so- Fontes de pesquisa:


frem nesse mundo. (= Os homens pensam e sofrem nesse http://www.soportugues.com.br/secoes/estil/estil2.
mundo). php
11 - Singular pelo plural: A mulher foi chamada para SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac-
ir às ruas na luta por seus direitos. (= As mulheres foram coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
chamadas, não apenas uma mulher). Português linguagens: volume 1 / Wiliam Roberto Cere-
12 - Marca pelo produto: Minha filha adora danone. ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo:
(= Minha filha adora o iogurte que é da marca Danone). Saraiva, 2010.
13 - Espécie pelo indivíduo: O homem foi à Lua. (=
Alguns astronautas foram à Lua). Antítese
14 - Símbolo pela coisa simbolizada: A balança pen-
derá para teu lado. (= A justiça ficará do teu lado). Consiste no emprego de palavras que se opõem quan-
to ao sentido. O contraste que se estabelece serve, essen-
Saiba que: Sinédoque se relaciona com o conceito de cialmente, para dar uma ênfase aos conceitos envolvidos
extensão (como nos exemplos 9, 10 e 11, acima), enquanto que não se conseguiria com a exposição isolada dos mes-
que a metonímia abrange apenas os casos de analogia ou mos. Observe os exemplos:
de relação. Não há necessidade, atualmente, de se fazer “O mito é o nada que é tudo.” (Fernando Pessoa)
distinção entre ambas as figuras. O corpo é grande e a alma é pequena.
“Quando um muro separa, uma ponte une.”
Catacrese Não há gosto sem desgosto.

Trata-se de uma metáfora que, dado seu uso contínuo, Paradoxo ou oximoro
cristalizou-se. A catacrese costuma ocorrer quando, por
falta de um termo específico para designar um conceito, É a associação de ideias, além de contrastantes, contra-
toma-se outro “emprestado”. Assim, passamos a empregar ditórias. Seria a antítese ao extremo.
algumas palavras fora de seu sentido original. Exemplos: Era dor, sim, mas uma dor deliciosa.
“asa da xícara”, “batata da perna”, “maçã do rosto”, “pé da Ouvimos as vozes do silêncio.
mesa”, “braço da cadeira”, “coroa do abacaxi”.
Eufemismo
Perífrase ou Antonomásia
É o emprego de uma expressão mais suave, mais nobre
ou menos agressiva, para comunicar alguma coisa áspera,
Trata-se de uma expressão que designa um ser através
desagradável ou chocante.
de alguma de suas características ou atributos, ou de um
Depois de muito sofrimento, entregou a alma ao Senhor.
fato que o celebrizou. É a substituição de um nome por
(= morreu)
outro ou por uma expressão que facilmente o identifique: O prefeito ficou rico por meios ilícitos. (= roubou)
A Cidade Maravilhosa (= Rio de Janeiro) continua Fernando faltou com a verdade. (= mentiu)
atraindo visitantes do mundo todo. Faltar à verdade. (= mentir)
A Cidade-Luz (=Paris)
O rei das selvas (=o leão) Ironia
Observação: quando a perífrase indica uma pessoa, É sugerir, pela entoação e contexto, o contrário do que
recebe o nome de antonomásia. Exemplos: as palavras ou frases expressam, geralmente apresentando
O Divino Mestre (= Jesus Cristo) passou a vida pratican- intenção sarcástica. A ironia deve ser muito bem construí-
do o bem. da para que cumpra a sua finalidade; mal construída, pode
O Poeta dos Escravos (= Castro Alves) morreu muito jo- passar uma ideia exatamente oposta à desejada pelo emis-
vem. sor.
O Poeta da Vila (= Noel Rosa) compôs lindas canções. Como você foi bem na prova! Não tirou nem a nota mí-
nima.
Sinestesia Parece um anjinho aquele menino, briga com todos que
estão por perto.
Consiste em mesclar, numa mesma expressão, as sen- O governador foi sutil como um elefante.
sações percebidas por diferentes órgãos do sentido. É o
cruzamento de sensações distintas. Hipérbole
Um grito áspero revelava tudo o que sentia. (grito = au-
ditivo; áspero = tátil) É a expressão intencionalmente exagerada com o intui-
No silêncio escuro do seu quarto, aguardava os aconte- to de realçar uma ideia.
cimentos. (silêncio = auditivo; escuro = visual) Faria isso milhões de vezes se fosse preciso.
Tosse gorda. (sensação auditiva X sensação tátil) “Rios te correrão dos olhos, se chorares.” (Olavo Bilac)
O concurseiro quase morre de tanto estudar!

79
LÍNGUA PORTUGUESA

Prosopopeia ou Personificação Elipse

É a atribuição de ações ou qualidades de seres anima- Consiste na omissão de um ou mais termos numa ora-
dos a seres inanimados, ou características humanas a seres ção e que podem ser facilmente identificados, tanto por
não humanos. Observe os exemplos: elementos gramaticais presentes na própria oração, quanto
As pedras andam vagarosamente. pelo contexto.
O livro é um mudo que fala, um surdo que ouve, um A catedral da Sé. (a igreja catedral)
cego que guia. Domingo irei ao estádio. (no domingo eu irei ao está-
A floresta gesticulava nervosamente diante da serra. dio)
Chora, violão.
Zeugma
Apóstrofe
Zeugma é uma forma de elipse. Ocorre quando é feita
Consiste na “invocação” de alguém ou de alguma coisa a omissão de um termo já mencionado anteriormente.
personificada, de acordo com o objetivo do discurso, que Ele gosta de geografia; eu, de português. (eu gosto de
pode ser poético, sagrado ou profano. Caracteriza-se pelo português)
chamamento do receptor da mensagem, seja ele imaginá- Na casa dela só havia móveis antigos; na minha, só mo-
rio ou não. A introdução da apóstrofe interrompe a linha de dernos. (só havia móveis)
pensamento do discurso, destacando-se assim a entidade Ela gosta de natação; eu, de vôlei. (gosto de)
a que se dirige e a ideia que se pretende pôr em evidên-
cia com tal invocação. Realiza-se por meio do vocativo. Silepse
Exemplos:
Moça, que fazes aí parada? A silepse é a concordância que se faz com o termo que
“Pai Nosso, que estais no céu” não está expresso no texto, mas, sim, subentendido. É uma
Deus, ó Deus! Onde estás? concordância anormal, psicológica, porque se faz com um
termo oculto, facilmente identificado. Há três tipos de si-
Gradação lepse: de gênero, número e pessoa.

Silepse de Gênero - Os gêneros são masculino e femi-


Apresentação de ideias por meio de palavras, sinôni-
nino. Ocorre a silepse de gênero quando a concordância se
mas ou não, em ordem ascendente (clímax) ou descenden-
faz com a ideia que o termo comporta. Exemplos:
te (anticlímax). Observe este exemplo:
Havia o céu, havia a terra, muita gente e mais Joana
1) A bonita Porto Velho sofreu mais uma vez com o calor
com seus olhos claros e brincalhões...
intenso.
Neste caso, o adjetivo bonita não está concordando
O objetivo do narrador é mostrar a expressividade dos
com o termo Porto Velho, que gramaticalmente pertence
olhos de Joana. Para chegar a este detalhe, ele se refere ao
ao gênero masculino, mas com a ideia contida no termo (a
céu, à terra, às pessoas e, finalmente, a Joana e seus olhos. cidade de Porto Velho).
Nota-se que o pensamento foi expresso em ordem decres-
cente de intensidade. Outros exemplos: 2) Vossa Excelência está preocupado.
“Vive só para mim, só para a minha vida, só para meu O adjetivo preocupado concorda com o sexo da pes-
amor”. (Olavo Bilac) soa, que nesse caso é masculino, e não com o termo Vossa
“O trigo... nasceu, cresceu, espigou, amadureceu, colheu- Excelência.
se.” (Padre Antônio Vieira)
Silepse de Número - Os números são singular e plural.
Fontes de pesquisa: A silepse de número ocorre quando o verbo da oração não
http://www.soportugues.com.br/secoes/estil/estil5. concorda gramaticalmente com o sujeito da oração, mas
php com a ideia que nele está contida. Exemplos:
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sac- A procissão saiu. Andaram por todas as ruas da cidade
coni. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010. de Salvador.
Português linguagens: volume 1 / Wiliam Roberto Cere- O povo corria por todos os lados e gritavam muito alto.
ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo:
Saraiva, 2010. Note que nos exemplos acima, os verbos andaram e
gritavam não concordam gramaticalmente com os sujei-
As figuras de construção (ou sintática, de sintaxe) tos das orações (que se encontram no singular, procissão
ocorrem quando desejamos atribuir maior expressividade e povo, respectivamente), mas com a ideia que neles está
ao significado. Assim, a lógica da frase é substituída pela contida. Procissão e povo dão a ideia de muita gente, por
maior expressividade que se dá ao sentido. isso que os verbos estão no plural.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Silepse de Pessoa - Três são as pessoas gramaticais: Observação: o pleonasmo só tem razão de ser quan-
eu, tu e ele (as três pessoas do singular); nós, vós, eles (as do confere mais vigor à frase; caso contrário, torna-se um
três do plural). A silepse de pessoa ocorre quando há um pleonasmo vicioso:
desvio de concordância. O verbo, mais uma vez, não con- Vi aquela cena com meus próprios olhos.
corda com o sujeito da oração, mas sim com a pessoa que Vamos subir para cima.
está inscrita no sujeito. Exemplos: Ele desceu pra baixo.
O que não compreendo é como os brasileiros persista-
mos em aceitar essa situação. Anáfora
Os agricultores temos orgulho de nosso trabalho.
“Dizem que os cariocas somos poucos dados aos jardins É a repetição de uma ou mais palavras no início de vá-
públicos.” (Machado de Assis) rias frases, criando, assim, um efeito de reforço e de coe-
rência. Pela repetição, a palavra ou expressão em causa é
Observe que os verbos persistamos, temos e somos não posta em destaque, permitindo ao escritor valorizar de-
concordam gramaticalmente com os seus sujeitos (brasilei- terminado elemento textual. Os termos anafóricos podem
ros, agricultores e cariocas, que estão na terceira pessoa), muitas vezes ser substituídos por pronomes.
mas com a ideia que neles está contida (nós, os brasileiros, Encontrei um amigo ontem. Ele me disse que te conhe-
os agricultores e os cariocas). cia.
“Tudo cura o tempo, tudo gasta, tudo digere, tudo aca-
Polissíndeto / Assíndeto ba.” (Padre Vieira)
Para estudarmos as duas figuras de construção é ne- Anacoluto
cessário recordar um conceito estudado em sintaxe sobre
período composto. No período composto por coordena- Consiste na mudança da construção sintática no meio
ção, podemos ter orações sindéticas ou assindéticas. A da frase, ficando alguns termos desligados do resto do pe-
oração coordenada ligada por uma conjunção (conectivo)
ríodo. É a quebra da estrutura normal da frase para a intro-
é sindética; a oração que não apresenta conectivo é assin-
dução de uma palavra ou expressão sem nenhuma ligação
dética. Recordado esse conceito, podemos definir as duas
sintática com as demais.
figuras de construção:
Esses alunos da escola, não se pode duvidar deles.
Morrer, todo haveremos de morrer.
1) Polissíndeto - É uma figura caracterizada pela repe-
Aquele garoto, você não disse que ele chegaria logo?
tição enfática dos conectivos. Observe o exemplo: O meni-
no resmunga, e chora, e grita, e ninguém faz nada.
A expressão “esses alunos da escola”, por exemplo,
2) Assíndeto - É uma figura caracterizada pela ausên- deveria exercer a função de sujeito. No entanto, há uma
cia, pela omissão das conjunções coordenativas, resultando interrupção da frase e esta expressão fica à parte, não exer-
no uso de orações coordenadas assindéticas. Exemplos: cendo nenhuma função sintática. O anacoluto também é
Tens casa, tens roupa, tens amor, tens família. chamado de “frase quebrada”, pois corresponde a uma in-
“Vim, vi, venci.” (Júlio César) terrupção na sequência lógica do pensamento.

Pleonasmo Observação: o anacoluto deve ser usado com finalida-


de expressiva em casos muito especiais. Em geral, evite-o.
Consiste na repetição de um termo ou ideia, com as
mesmas palavras ou não. A finalidade do pleonasmo é real- Hipérbato / Inversão
çar a ideia, torná-la mais expressiva.
O problema da violência, é necessário resolvê-lo logo. É a inversão da estrutura frásica, isto é, a inversão da
ordem direta dos termos da oração, fazendo com que o
Nesta oração, os termos “o problema da violência” e sujeito venha depois do predicado:
“lo” exercem a mesma função sintática: objeto direto. As- Ao ódio venceu o amor. (Na ordem direta seria: O amor
sim, temos um pleonasmo do objeto direto, sendo o pro- venceu ao ódio)
nome “lo” classificado como objeto direto pleonástico. Ou- Dos meus problemas cuido eu! (Na ordem direta seria:
tro exemplo: Eu cuido dos meus problemas)
Aos funcionários, não lhes interessam tais medidas.
Aos funcionários, lhes = Objeto Indireto * Observação da Zê!
O nosso Hino Nacional é um exemplo de hipérbato, já
que, na ordem direta, teríamos:
Neste caso, há um pleonasmo do objeto indireto, e o “As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado re-
pronome “lhes” exerce a função de objeto indireto pleo- tumbante de um povo heroico”.
nástico.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Figuras de Som

Aliteração - Consiste na repetição de consoantes como recurso para intensificação do ritmo ou como efeito sonoro
significativo.
Três pratos de trigo para três tigres tristes.
Vozes veladas, veludosas vozes... (Cruz e Sousa)
Quem com ferro fere com ferro será ferido.

Assonância - Consiste na repetição ordenada de sons vocálicos idênticos:


“Sou um mulato nato no sentido lato mulato democrático do litoral.”

Onomatopéia - Ocorre quando se tentam reproduzir na forma de palavras os sons da realidade:


Os sinos faziam blem, blem, blem, blem.

Fontes de pesquisa:
http://www.soportugues.com.br/secoes/estil/estil8.php
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa Sacconi. 30ª ed. Rev. São Paulo: Nova Geração, 2010.
Português linguagens: volume 1 / Wiliam Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo:
Saraiva, 2010.

Questões
1-) (DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – TÉCNICO SUPERIOR ESPECIALIZADO EM BIBLIOTECO-
NOMIA – FGV/2014 - adaptada) Ao dizer que os shoppings são “cidades”, o autor do texto faz uso de um tipo de linguagem
figurada denominada
(A) metonímia.
(B) eufemismo.
(C) hipérbole.
(D) metáfora.
(E) catacrese.

1-) A metáfora consiste em retirar uma palavra de seu contexto convencional (denotativo) e transportá-la para um novo
campo de significação (conotativa), por meio de uma comparação implícita, de uma similaridade existente entre as duas.
(Fonte:http://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/metafora-figura-de-palavra-variacoes-e-exemplos.htm)
RESPOSTA: “D”.

2-) (PREFEITURA DE ARCOVERDE/PE - ADMINISTRADOR DE RECURSOS HUMANOS – CONPASS/2014) Identifique a


figura de linguagem presente na tira seguinte:

A) metonímia
B) prosopopeia
C) hipérbole
D) eufemismo
E) onomatopeia

82
LÍNGUA PORTUGUESA

2-) “Eufemismo = é o emprego de uma expressão mais Normalmente, numa prova, o candidato deve:
suave, mais nobre ou menos agressiva, para comunicar al-
guma coisa áspera, desagradável ou chocante”. No caso da 1- Identificar os elementos fundamentais de uma ar-
tirinha, é utilizada a expressão “deram suas vidas por nós” gumentação, de um processo, de uma época (neste caso,
no lugar de “que morreram por nós”. procuram-se os verbos e os advérbios, os quais definem o
RESPOSTA: “D”. tempo).
2- Comparar as relações de semelhança ou de diferen-
3-) (CASAL/AL - ADMINISTRADOR DE REDE - COPEVE/ ças entre as situações do texto.
UFAL/2014) 3- Comentar/relacionar o conteúdo apresentado com
Está tão quente que dá para fritar um ovo no asfalto. uma realidade.
O dito popular é, na maioria das vezes, uma figura de 4- Resumir as ideias centrais e/ou secundárias.
linguagem. Entre as 14h30min e às 15h desta terça-feira, 5- Parafrasear = reescrever o texto com outras pala-
horário do dia em que o calor é mais intenso, a tempera- vras.
tura do asfalto, medida com um termômetro de contato,
chegou a 65ºC. Para fritar um ovo, seria preciso que o local Condições básicas para interpretar
alcançasse aproximadamente 90ºC.
Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br. Acesso Fazem-se necessários:
em: 22 jan. 2014. - Conhecimento histórico-literário (escolas e gêneros
literários, estrutura do texto), leitura e prática;
O texto cita que o dito popular “está tão quente que - Conhecimento gramatical, estilístico (qualidades do
dá para fritar um ovo no asfalto” expressa uma figura de texto) e semântico;
linguagem. O autor do texto refere-se a qual figura de lin-
guagem? Observação – na semântica (significado das palavras)
A) Eufemismo. incluem-se: homônimos e parônimos, denotação e conota-
B) Hipérbole. ção, sinonímia e antonímia, polissemia, figuras de lingua-
C) Paradoxo. gem, entre outros.
D) Metonímia.
E) Hipérbato. - Capacidade de observação e de síntese;
- Capacidade de raciocínio.
3-) A expressão é um exagero! Ela serve apenas para
representar o calor excessivo que está fazendo. A figura
Interpretar / Compreender
que é utilizada “mil vezes” (!) para atingir tal objetivo é a
hipérbole.
Interpretar significa:
RESPOSTA: “B”.
- Explicar, comentar, julgar, tirar conclusões, deduzir.
- Através do texto, infere-se que...
- É possível deduzir que...
- O autor permite concluir que...
INTERPRETAÇÃO TEXTUAL - Qual é a intenção do autor ao afirmar que...

Compreender significa
Texto – é um conjunto de ideias organizadas e relacio- - entendimento, atenção ao que realmente está escrito.
nadas entre si, formando um todo significativo capaz de - o texto diz que...
produzir interação comunicativa (capacidade de codificar - é sugerido pelo autor que...
e decodificar). - de acordo com o texto, é correta ou errada a afirma-
Contexto – um texto é constituído por diversas frases. ção...
Em cada uma delas, há uma informação que se liga com - o narrador afirma...
a anterior e/ou com a posterior, criando condições para a
estruturação do conteúdo a ser transmitido. A essa interli- Erros de interpretação
gação dá-se o nome de contexto. O relacionamento entre
as frases é tão grande que, se uma frase for retirada de seu - Extrapolação (“viagem”) = ocorre quando se sai do
contexto original e analisada separadamente, poderá ter contexto, acrescentando ideias que não estão no texto,
um significado diferente daquele inicial. quer por conhecimento prévio do tema quer pela imagi-
Intertexto - comumente, os textos apresentam refe- nação.
rências diretas ou indiretas a outros autores através de cita- - Redução = é o oposto da extrapolação. Dá-se aten-
ções. Esse tipo de recurso denomina-se intertexto. ção apenas a um aspecto (esquecendo que um texto é um
Interpretação de texto - o objetivo da interpretação conjunto de ideias), o que pode ser insuficiente para o en-
de um texto é a identificação de sua ideia principal. A partir tendimento do tema desenvolvido.
daí, localizam-se as ideias secundárias - ou fundamenta- - Contradição = às vezes o texto apresenta ideias con-
ções -, as argumentações - ou explicações -, que levam ao trárias às do candidato, fazendo-o tirar conclusões equivo-
esclarecimento das questões apresentadas na prova. cadas e, consequentemente, errar a questão.

83
LÍNGUA PORTUGUESA

Observação - Muitos pensam que existem a ótica do - Observe as relações interparágrafos. Um parágrafo
escritor e a ótica do leitor. Pode ser que existam, mas numa geralmente mantém com outro uma relação de continua-
prova de concurso, o que deve ser levado em consideração ção, conclusão ou falsa oposição. Identifique muito bem
é o que o autor diz e nada mais. essas relações.
- Sublinhe, em cada parágrafo, o tópico frasal, ou seja,
Coesão - é o emprego de mecanismo de sintaxe que a ideia mais importante.
relaciona palavras, orações, frases e/ou parágrafos entre si. - Nos enunciados, grife palavras como “correto” ou
Em outras palavras, a coesão dá-se quando, através de um “incorreto”, evitando, assim, uma confusão na hora da
pronome relativo, uma conjunção (NEXOS), ou um prono- resposta – o que vale não somente para Interpretação de
me oblíquo átono, há uma relação correta entre o que se Texto, mas para todas as demais questões!
vai dizer e o que já foi dito. - Se o foco do enunciado for o tema ou a ideia princi-
pal, leia com atenção a introdução e/ou a conclusão.
Observação – São muitos os erros de coesão no dia - Olhe com especial atenção os pronomes relativos,
a dia e, entre eles, está o mau uso do pronome relativo e pronomes pessoais, pronomes demonstrativos, etc., cha-
do pronome oblíquo átono. Este depende da regência do mados vocábulos relatores, porque remetem a outros vo-
verbo; aquele, do seu antecedente. Não se pode esquecer cábulos do texto.
também de que os pronomes relativos têm, cada um, valor
semântico, por isso a necessidade de adequação ao ante- Fontes de pesquisa:
cedente. http://www.tudosobreconcursos.com/materiais/portu-
Os pronomes relativos são muito importantes na in- gues/como-interpretar-textos
terpretação de texto, pois seu uso incorreto traz erros de http://portuguesemfoco.com/pf/09-dicas-para-me-
coesão. Assim sendo, deve-se levar em consideração que lhorar-a-interpretacao-de-textos-em-provas
existe um pronome relativo adequado a cada circunstância, http://www.portuguesnarede.com/2014/03/dicas-pa-
a saber: ra-voce-interpretar-melhor-um.html
- que (neutro) - relaciona-se com qualquer anteceden- http://vestibular.uol.com.br/cursinho/questoes/ques-
te, mas depende das condições da frase. tao-117-portugues.htm
- qual (neutro) idem ao anterior.
- quem (pessoa) Questões
- cujo (posse) - antes dele aparece o possuidor e depois
o objeto possuído. 1-) (SECRETARIA DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO PÚ-
- como (modo) BLICA DO DISTRITO FEDERAL/DF – TÉCNICO EM ELETRÔ-
- onde (lugar) NICA – IADES/2014)
- quando (tempo)
- quanto (montante) Gratuidades
Exemplo: Crianças com até cinco anos de idade e adultos com
Falou tudo QUANTO queria (correto) mais de 65 anos de idade têm acesso livre ao Metrô-DF.
Falou tudo QUE queria (errado - antes do QUE, deveria Para os menores, é exigida a certidão de nascimento e, para
aparecer o demonstrativo O). os idosos, a carteira de identidade. Basta apresentar um
documento de identificação aos funcionários posicionados
Dicas para melhorar a interpretação de textos no bloqueio de acesso.
Disponível em: <http://www.metro.df.gov.br/estacoes/
- Leia todo o texto, procurando ter uma visão geral do gratuidades.html> Acesso em: 3/3/2014, com adaptações.
assunto. Se ele for longo, não desista! Há muitos candidatos
na disputa, portanto, quanto mais informação você absorver Conforme a mensagem do primeiro período do texto,
com a leitura, mais chances terá de resolver as questões. assinale a alternativa correta.
- Se encontrar palavras desconhecidas, não interrompa (A) Apenas as crianças com até cinco anos de idade
a leitura. e os adultos com 65 anos em diante têm acesso livre ao
- Leia, leia bem, leia profundamente, ou seja, leia o tex- Metrô-DF.
to, pelo menos, duas vezes – ou quantas forem necessárias. (B) Apenas as crianças de cinco anos de idade e os
- Procure fazer inferências, deduções (chegar a uma adultos com mais de 65 anos têm acesso livre ao Metrô-DF.
conclusão). (C) Somente crianças com, no máximo, cinco anos de
- Volte ao texto quantas vezes precisar. idade e adultos com, no mínimo, 66 anos têm acesso livre
- Não permita que prevaleçam suas ideias sobre as ao Metrô-DF.
do autor. (D) Somente crianças e adultos, respectivamente, com
- Fragmente o texto (parágrafos, partes) para melhor cinco anos de idade e com 66 anos em diante, têm acesso
compreensão. livre ao Metrô-DF.
- Verifique, com atenção e cuidado, o enunciado de (E) Apenas crianças e adultos, respectivamente, com
cada questão. até cinco anos de idade e com 65 anos em diante, têm
- O autor defende ideias e você deve percebê-las. acesso livre ao Metrô-DF.

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LÍNGUA PORTUGUESA

1-) Dentre as alternativas apresentadas, a única que 3-) Recorramos ao texto: “Localizada às margens do
condiz com as informações expostas no texto é “Somente Lago Paranoá, no Setor de Clubes Esportivos Norte (ao
crianças com, no máximo, cinco anos de idade e adultos lado do Museu de Arte de Brasília – MAB), está a Concha
com, no mínimo, 66 anos têm acesso livre ao Metrô-DF”. Acústica do DF. Projetada por Oscar Niemeyer”. As infor-
RESPOSTA: “C”. mações contidas nas demais alternativas são incoerentes
com o texto.
2-) (SUSAM/AM – TÉCNICO (DIREITO) – FGV/2014 - RESPOSTA: “A”.
adaptada) “Se alguém que é gay procura Deus e tem boa
vontade, quem sou eu para julgá‐lo?” a declaração do
Papa Francisco, pronunciada durante uma entrevista à im-
prensa no final de sua visita ao Brasil, ecoou como um TIPOLOGIA TEXTUAL
trovão mundo afora. Nela existe mais forma que substância
– mas a forma conta”. (...)
(Axé Silva, O Mundo, setembro 2013)
A todo o momento nos deparamos com vários textos,
O texto nos diz que a declaração do Papa ecoou como sejam eles verbais ou não verbais. Em todos há a presença
um trovão mundo afora. Essa comparação traz em si mes- do discurso, isto é, a ideia intrínseca, a essência daquilo
ma dois sentidos, que são que está sendo transmitido entre os interlocutores. Estes
(A) o barulho e a propagação. interlocutores são as peças principais em um diálogo ou
(B) a propagação e o perigo. em um texto escrito.
(C) o perigo e o poder. É de fundamental importância sabermos classificar os
(D) o poder e a energia.  textos com os quais travamos convivência no nosso dia a
(E)  a energia e o barulho.   dia. Para isso, precisamos saber que existem tipos textuais
e gêneros textuais.
Comumente relatamos sobre um acontecimento, um
2-) Ao comparar a declaração do Papa Francisco a um
fato presenciado ou ocorrido conosco, expomos nossa opi-
trovão, provavelmente a intenção do autor foi a de mostrar
nião sobre determinado assunto, descrevemos algum lugar
o “barulho” que ela causou e sua propagação mundo afora.
que visitamos, fazemos um retrato verbal sobre alguém
Você pode responder à questão por eliminação: a segun-
que acabamos de conhecer ou ver. É exatamente nessas
da opção das alternativas relaciona-se a “mundo afora”, ou
situações corriqueiras que classificamos os nossos textos
seja, que se propaga, espalha. Assim, sobraria apenas a al- naquela tradicional tipologia: Narração, Descrição e Dis-
ternativa A! sertação.
RESPOSTA: “A”.
As tipologias textuais caracterizam-se pelos aspec-
3-) (SECRETARIA DE ESTADO DE ADMINISTRAÇÃO PÚ- tos de ordem linguística
BLICA DO DISTRITO FEDERAL/DF – TÉCNICO EM CONTABI-
LIDADE – IADES/2014 - adaptada) Os tipos textuais designam uma sequência definida
Concha Acústica pela natureza linguística de sua composição. São observa-
Localizada às margens do Lago Paranoá, no Setor de dos aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações
Clubes Esportivos Norte (ao lado do Museu de Arte de lógicas. Os tipos textuais são o narrativo, descritivo, argu-
Brasília – MAB), está a Concha Acústica do DF. Projetada mentativo/dissertativo, injuntivo e expositivo.
por Oscar Niemeyer, foi inaugurada oficialmente em 1969
e doada pela Terracap à Fundação Cultural de Brasília (hoje - Textos narrativos – constituem-se de verbos de ação
Secretaria de Cultura), destinada a espetáculos ao ar livre. demarcados no tempo do universo narrado, como também
Foi o primeiro grande palco da cidade. de advérbios, como é o caso de antes, agora, depois, entre
Disponível em: <http://www.cultura.df.gov.br/nossa- outros: Ela entrava em seu carro quando ele apareceu. De-
cultura/concha- acustica.html>. Acesso em: 21/3/2014, pois de muita conversa, resolveram...
com adaptações.
- Textos descritivos – como o próprio nome indica,
Assinale a alternativa que apresenta uma mensagem descrevem características tanto físicas quanto psicológicas
compatível com o texto. acerca de um determinado indivíduo ou objeto. Os tempos
(A) A Concha Acústica do DF, que foi projetada por Os- verbais aparecem demarcados no presente ou no pretérito
car Niemeyer, está localizada às margens do Lago Paranoá, imperfeito: “Tinha os cabelos mais negros como a asa da
no Setor de Clubes Esportivos Norte. graúna...”
(B) Oscar Niemeyer projetou a Concha Acústica do DF
em 1969. - Textos expositivos – Têm por finalidade explicar um
(C) Oscar Niemeyer doou a Concha Acústica ao que assunto ou uma determinada situação que se almeje de-
hoje é a Secretaria de Cultura do DF. senvolvê-la, enfatizando acerca das razões de ela aconte-
(D) A Terracap transformou-se na Secretaria de Cultura cer, como em: O cadastramento irá se prorrogar até o dia 02
do DF. de dezembro, portanto, não se esqueça de fazê-lo, sob pena
(E) A Concha Acústica foi o primeiro palco de Brasília. de perder o benefício.

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LÍNGUA PORTUGUESA

- Textos injuntivos (instrucional) – Trata-se de uma


modalidade na qual as ações são prescritas de forma se- COESÃO E COERÊNCIA
quencial, utilizando-se de verbos expressos no imperativo,
infinitivo ou futuro do presente: Misture todos os ingredien-
te e bata no liquidificador até criar uma massa homogênea.
Na construção de um texto, assim como na fala, usamos
- Textos argumentativos (dissertativo) – Demarcam- mecanismos para garantir ao interlocutor a compreensão
se pelo predomínio de operadores argumentativos, revela- do que é dito, ou lido. Estes mecanismos linguísticos que
dos por uma carga ideológica constituída de argumentos estabelecem a coesão e retomada do que foi escrito - ou
e contra-argumentos que justificam a posição assumida falado - são os referentes textuais, que buscam garantir
acerca de um determinado assunto: A mulher do mundo a coesão textual para que haja coerência, não só entre os
contemporâneo luta cada vez mais para conquistar seu es- elementos que compõem a oração, como também entre a
paço no mercado de trabalho, o que significa que os gêneros sequência de orações dentro do texto. Essa coesão tam-
estão em complementação, não em disputa. bém pode muitas vezes se dar de modo implícito, baseado
em conhecimentos anteriores que os participantes do pro-
cesso têm com o tema.
Numa linguagem figurada, a coesão é uma linha ima-
ginária - composta de termos e expressões - que une os
diversos elementos do texto e busca estabelecer relações
GÊNEROS TEXTUAIS de sentido entre eles. Dessa forma, com o emprego de di-
ferentes procedimentos, sejam lexicais (repetição, substi-
tuição, associação), sejam gramaticais (emprego de prono-
mes, conjunções, numerais, elipses), constroem-se frases,
São os textos materializados que encontramos em orações, períodos, que irão apresentar o contexto – decor-
nosso cotidiano; tais textos apresentam características só- re daí a coerência textual.
cio-comunicativas definidas por seu estilo, função, com- Um texto incoerente é o que carece de sentido ou o
posição, conteúdo e canal. Como exemplos, temos: receita apresenta de forma contraditória. Muitas vezes essa incoe-
culinária, e-mail, reportagem, monografia, poema, editorial, rência é resultado do mau uso dos elementos de coesão
piada, debate, agenda, inquérito policial, fórum, blog, etc. textual. Na organização de períodos e de parágrafos, um
erro no emprego dos mecanismos gramaticais e lexicais
A escolha de um determinado gênero discursivo de- prejudica o entendimento do texto. Construído com os ele-
pende, em grande parte, da situação de produção, ou seja, mentos corretos, confere-se a ele uma unidade formal.
a finalidade do texto a ser produzido, quem são os locu- Nas palavras do mestre Evanildo Bechara, “o enunciado
tores e os interlocutores, o meio disponível para veicular o não se constrói com um amontoado de palavras e orações.
texto, etc. Elas se organizam segundo princípios gerais de dependência
e independência sintática e semântica, recobertos por unida-
Os gêneros discursivos geralmente estão ligados a es- des melódicas e rítmicas que sedimentam estes princípios”.
feras de circulação. Assim, na esfera jornalística, por exem- Não se deve escrever frases ou textos desconexos – é
plo, são comuns gêneros como notícias, reportagens, edito- imprescindível que haja uma unidade, ou seja, que as frases
riais, entrevistas e outros; na esfera de divulgação científica estejam coesas e coerentes formando o texto. Relembre-se
são comuns gêneros como verbete de dicionário ou de enci- de que, por coesão, entende-se ligação, relação, nexo entre
clopédia, artigo ou ensaio científico, seminário, conferência. os elementos que compõem a estrutura textual.

Fontes de pesquisa: Formas de se garantir a coesão entre os elementos


de uma frase ou de um texto:
http://www.brasilescola.com/redacao/tipologia-tex-
tual.htm
1. Substituição de palavras com o emprego de sinôni-
Português linguagens: volume 1 / Wiliam Roberto Cere-
mos - palavras ou expressões do mesmo campo associa-
ja, Thereza Cochar Magalhães. – 7ªed. Reform. – São Paulo: tivo.
Saraiva, 2010. 2. Nominalização – emprego alternativo entre um ver-
Português – Literatura, Produção de Textos & Gramática bo, o substantivo ou o adjetivo correspondente (desgastar
– volume único / Samira Yousseff Campedelli, Jésus Barbosa / desgaste / desgastante).
Souza. – 3. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2002. 3. Emprego adequado de tempos e modos verbais:
Embora não gostassem de estudar, participaram da aula.
4. Emprego adequado de pronomes, conjunções, pre-
posições, artigos:
O papa Francisco visitou o Brasil. Na capital brasileira,
Sua Santidade participou de uma reunião com a Presiden-
te Dilma. Ao passar pelas ruas, o papa cumprimentava as
pessoas. Estas tiveram a certeza de que ele guarda respeito
por elas.

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LÍNGUA PORTUGUESA

5. Uso de hipônimos – relação que se estabelece com Questões


base na maior especificidade do significado de um deles.
Por exemplo, mesa (mais específico) e móvel (mais gené- * As questões abaixo também envolvem o conteúdo
rico). “Conjunção”. Eu as coloquei neste tópico porque abordam
6. Emprego de hiperônimos - relações de um termo de - inclusive - coesão e coerência.
sentido mais amplo com outros de sentido mais específico.
Por exemplo, felino está numa relação de hiperonímia com 1-) (SEDUC/AM – ASSISTENTE SOCIAL – FGV/2014) As-
gato. sinale a opção que indica o segmento em que a conjunção
7. Substitutos universais, como os verbos vicários.
e tem valor adversativo e não aditivo.
* Ajuda da Zê: verbo vicário é aquele que substitui (A) “Em termos de escala, assiduidade e participação
outro já utilizado no período, evitando repetições. Geral- da população na escolha dos governantes,...”.
mente é o verbo fazer e ser. Exemplo: Não gosto de estudar. (B) “... o Brasil de 1985 a 2014 parece outro país, mo-
Faço porque preciso. O “faço” foi empregado no lugar de derno e dinâmico, no cotejo com a restrita experiência elei-
“estudo”, evitando repetição desnecessária. toral anterior”.
(C) “A hipótese de ruptura com o passado se fortalece
A coesão apoiada na gramática se dá no uso de conec- quando avaliamos a extensão dos mecanismos de distri-
tivos, como pronomes, advérbios e expressões adverbiais, buição de oportunidades e de mitigação de desigualdades
conjunções, elipses, entre outros. A elipse justifica-se quan- de hoje”.
do, ao remeter a um enunciado anterior, a palavra elidida (D) “A democracia brasileira contemporânea, e apenas
é facilmente identificável (Exemplo.: O jovem recolheu-se ela na história nacional, inventou o que mais perto se pode
cedo. Sabia que ia necessitar de todas as suas forças. O ter- chegar de um Estado de Bem-Estar num país de renda mé-
mo o jovem deixa de ser repetido e, assim, estabelece a
dia”.
relação entre as duas orações).
(E) “A baixa qualidade dos serviços governamentais
Dêiticos são elementos linguísticos que têm a pro- está ligada sobretudo à limitação do PIB, e não à falta de
priedade de fazer referência ao contexto situacional ou ao políticas públicas social-democratas”.
próprio discurso. Exercem, por excelência, essa função de
progressão textual, dada sua característica: são elementos 1-)
que não significam, apenas indicam, remetem aos compo- (A) “Em termos de escala, assiduidade e participação
nentes da situação comunicativa. = adição
Já os componentes concentram em si a significação. (B) “... o Brasil de 1985 a 2014 parece outro país, mo-
Elisa Guimarães ensina-nos a esse respeito: derno e dinâmico”. = adição
“Os pronomes pessoais e as desinências verbais indi- (C) “A hipótese de ruptura com o passado se fortalece
cam os participantes do ato do discurso. Os pronomes de- quando avaliamos a extensão dos mecanismos de distri-
monstrativos, certas locuções prepositivas e adverbiais, bem buição de oportunidades e de mitigação de desigualdades
como os advérbios de tempo, referenciam o momento da de hoje”. = adição
enunciação, podendo indicar simultaneidade, anterioridade
(D) “A democracia brasileira contemporânea, e apenas
ou posterioridade. Assim: este, agora, hoje, neste momento
(presente); ultimamente, recentemente, ontem, há alguns ela na história nacional”. = adição
dias, antes de (pretérito); de agora em diante, no próximo (E) “A baixa qualidade dos serviços governamentais
ano, depois de (futuro).” está ligada sobretudo à limitação do PIB, e não à falta =
adversativa (dá para substituirmos por “mas”)
A coerência de um texto está ligada: RESPOSTA: “E”.
- à sua organização como um todo, em que devem es-
tar assegurados o início, o meio e o fim;
- à adequação da linguagem ao tipo de texto. Um texto 2-) (DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL/
técnico, por exemplo, tem a sua coerência fundamentada DF – ANALISTA DE APOIO À ASSISTÊNCIA JURÍDICA –
em comprovações, apresentação de estatísticas, relato de FGV/2014) A alternativa em que os elementos unidos pela
experiências; um texto informativo apresenta coerência se conjunção E não estão em adição, mas sim em oposição, é:
trabalhar com linguagem objetiva, denotativa; textos poé- (A) “...a disposição do povo de agir por conta própria e
ticos, por outro lado, trabalham com a linguagem figurada,
fazer justiça com as próprias mãos...”
livre associação de ideias, palavras conotativas.
(B) “...como sintoma de descrença nos políticos e nas
Fontes de pesquisa: instituições:...”
http://www.mundovestibular.com.br/articles/2586/1/ (C) “...os nossos mascarados se inspiram menos nos
COESAO-E-COERENCIA-TEXTUAL/Paacutegina1.html anarquistas e mais nos fascistas italianos...”
Português – Literatura, Produção de Textos & Gramática (D) “...desprezando o passado e a tradição...”
– volume único / Samira Yousseff Campedelli, Jésus Barbosa (E) “...capaz de exprimir a experiência da violência, da
Souza. – 3. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2002. velocidade e do progresso...”

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LÍNGUA PORTUGUESA

2-) A Ordem dos Termos na Frase


(A) “...a disposição do povo de agir por conta própria e
fazer justiça com as próprias mãos”. = adição Leia novamente a frase contida no item 2. Note que
(B) “...como sintoma de descrença nos políticos e nas ela é organizada de maneira clara para produzir sentido.
instituições”. = adição Todavia, há diferentes maneiras de se organizar gramatical-
(C) “...os nossos mascarados se inspiram menos nos mente tal frase, tudo depende da necessidade ou da von-
anarquistas e mais nos fascistas italianos”. = ideia de opo- tade do redator em manter o sentido, ou mantê-lo, porém,
sição acrescentado ênfase a algum dos seus termos. Significa di-
(D) “...desprezando o passado e a tradição”. = adição zer que, ao escrever, podemos fazer uma série de inversões
(E) “...capaz de exprimir a experiência da violência, da e intercalações em nossas frases, conforme a nossa von-
velocidade e do progresso”. = adição tade e estilo. Tudo depende da maneira como queremos
RESPOSTA: “C”. transmitir uma ideia, do nosso estilo. Por exemplo, pode-
mos expressar a mensagem da frase 2 da seguinte maneira:

No Brasil e na América Latina, a globalização está cau-


sando desemprego.
REESCRITA DE TEXTOS/EQUIVALÊNCIA DE
ESTRUTURAS Neste caso, a mensagem é praticamente a mesma,
apenas mudamos a ordem das palavras para dar ênfase a
alguns termos (neste caso: No Brasil e na A. L.). Repare que,
para obter a clareza tivemos que fazer o uso de vírgulas.
“Ideias confusas geram redações confusas”. Esta frase Entre os sinais de pontuação, a vírgula é o mais usado e
leva-nos a refletir sobre a organização das ideias em um o que mais nos auxilia na organização de um período, pois
texto. Significa dizer que, antes da redação, naturalmen- facilita as boas “sintaxes”, boas misturas, ou seja, a vírgula
te devemos dominar o assunto sobre o qual iremos tratar ajuda-nos a não “embolar” o sentido quando produzimos
e, posteriormente, planejar o modo como iremos expô-lo, frases complexas. Com isto, “entregamos” frases bem orga-
do contrário haverá dificuldade em transmitir ideias bem nizadas aos nossos leitores.
acabadas. Portanto, a leitura, a interpretação de textos e a
experiência de vida antecedem o ato de escrever. O básico para a organização sintática das frases é a or-
Obtido um razoável conhecimento sobre o que iremos dem direta dos termos da oração. Os gramáticos estrutu-
escrever, feito o esquema de exposição da matéria, é ne- ram tal ordem da seguinte maneira:
cessário saber ordenar as ideias em frases bem estrutura-
das. Logo, não basta conhecer bem um determinado as- SUJEITO + VERBO + COMPLEMENTO VERBAL + CIR-
sunto, temos que o transmitir de maneira clara aos leitores. CUNSTÂNCIAS
O estudo da pontuação pode se tornar um valioso alia- A globalização + está causando + desemprego + no
do para organizarmos as ideias de maneira clara em frases. Brasil nos dias de hoje.
Para tanto, é necessário ter alguma noção de sintaxe. “Sin-
taxe”, conforme o dicionário Aurélio, é a “parte da gramá- Nem todas as orações mantêm esta ordem e nem to-
tica que estuda a disposição das palavras na frase e a das das contêm todos estes elementos, portanto cabem algu-
frases no discurso, bem como a relação lógica das frases mas observações:
entre si”; ou em outras palavras, sintaxe quer dizer “mistu-
ra”, isto é, saber misturar as palavras de maneira a produ- 1) As circunstâncias (de tempo, espaço, modo, etc.)
zirem um sentido evidente para os receptores das nossas normalmente são representadas por adjuntos adverbiais
mensagens. Observe: de tempo, lugar, etc. Note que, no mais das vezes, quan-
do queremos recordar algo ou narrar uma história, existe
1)A desemprego globalização no Brasil e no na está La- a tendência a colocar os adjuntos nos começos das frases:
tina América causando.
2) A globalização está causando desemprego no Brasil e “No Brasil e na América…” “Nos dias de hoje…” “Nas mi-
na América Latina. nhas férias…”, “No Brasil…”. e logo depois os verbos e ou-
tros elementos: “Nas minhas férias fui…”; “No Brasil existe…”
Ora, no item 1 não temos uma ideia, pois não há uma
frase, as palavras estão amontoadas sem a realização de Observações:
“uma sintaxe”, não há um contexto linguístico nem relação a) tais construções não estão erradas, mas rompem
inteligível com a realidade; no caso 2, a sintaxe ocorreu de com a ordem direta;
maneira perfeita e o sentido está claro para receptores de b) é preciso notar que em Língua Portuguesa, há mui-
língua portuguesa inteirados da situação econômica e cul- tas frases que não têm sujeito, somente predicado. Por
tural do mundo atual. exemplo: Está chovendo em Porto Alegre. Faz frio em Fri-
burgo. São quatro horas agora;

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LÍNGUA PORTUGUESA

c) Outras frases são construídas com verbos intransiti- Neste caso, há uma oração adjetiva intercalada.
vos, que não têm complemento: As orações adjetivas explicativas desempenham fre-
O menino morreu na Alemanha. (sujeito + verbo + ad- quentemente um papel semelhante ao do aposto explicati-
junto adverbial) vo, por isto são também isoladas por vírgula.
A globalização nasceu no século XX. (idem)
d) Há ainda frases nominais que não possuem verbos: A globalização causa, caro leitor, desemprego no Brasil…
cada macaco no seu galho. Nestes tipos de frase, a ordem Neste outro caso, há um vocativo entre o verbo e o seu
direta faz-se naturalmente. Usam-se apenas os termos complemento.
existentes nelas.
A globalização causa desemprego, e isto é lamentável,
Levando em consideração a ordem direta, podemos no Brasil…
estabelecer três regras básicas para o uso da vírgula: Aqui, há uma oração intercalada (note que ela não per-
1)Se os termos estão colocados na ordem direta não tence ao assunto: globalização, da frase principal, tal ora-
haverá a necessidade de vírgulas. A frase (2) é um exemplo ção é apenas um comentário à parte entre o complemento
disto: verbal e os adjuntos).
A globalização está causando desemprego no Brasil e na
América Latina. Observação: a simples negação em uma frase não exi-
ge vírgula: A globalização não causou desemprego no Brasil
Todavia, ao repetir qualquer um dos termos da oração e na América Latina.
por três vezes ou mais, então é necessário usar a vírgula,
mesmo que estejamos usando a ordem direta. Esta é a re- 3)Quando “quebramos” a ordem direta, invertendo-a,
gra básica nº1 para a colocação da vírgula. Veja: tal quebra torna a vírgula necessária. Esta é a regra nº3 da
A globalização, a tecnologia e a “ciranda financeira” colocação da vírgula.
causam desemprego…
(três núcleos do sujeito) No Brasil e na América Latina, a globalização está cau-
sando desemprego…
A globalização causa desemprego no Brasil, na América No fim do século XX, a globalização causou desemprego
Latina e na África. no Brasil…
(três adjuntos adverbiais)
Nota-se que a quebra da ordem direta frequentemente
A globalização está causando desemprego, insatisfação se dá com a colocação das circunstâncias antes do sujeito.
e sucateamento industrial no Brasil e na América Latina. Trata-se da ordem inversa. Estas circunstâncias, em gramá-
(três complementos verbais) tica, são representadas pelos adjuntos adverbiais. Muitas
vezes, elas são colocadas em orações chamadas adverbiais
2)Em princípio, não devemos, na ordem direta, sepa- que têm uma função semelhante a dos adjuntos adverbiais,
rar com vírgula o sujeito e o verbo, nem o verbo e o seu isto é, denotam tempo, lugar, etc. Exemplos:
complemento, nem o complemento e as circunstâncias, ou
seja, não devemos separar com vírgula os termos da ora- Quando o século XX estava terminando, a globalização
ção. Veja exemplos de tal incorreção: começou a causar desemprego.
Enquanto os países portadores de alta tecnologia de-
O Brasil, será feliz. A globalização causa, o desemprego. senvolvem-se, a globalização causa desemprego nos países
pobres.
Ao intercalarmos alguma palavra ou expressão entre Durante o século XX, a Globalização causou desempre-
os termos da oração, cabe isolar tal termo entre vírgulas, go no Brasil.
assim o sentido da ideia principal não se perderá. Esta é
a regra básica nº 2 para a colocação da vírgula. Dito em Observação: quanto à equivalência e transformação de
outras palavras: quando intercalamos expressões e frases estruturas, um exemplo muito comum cobrado em provas
entre os termos da oração, devemos isolar os mesmos com é o enunciado trazer uma frase no singular e pedir a passa-
vírgulas. Vejamos: gem para o plural, mantendo o sentido. Outro exemplo é a
A globalização, fenômeno econômico deste fim de sécu- mudança de tempos verbais.
lo XX, causa desemprego no Brasil.
Fonte de pesquisa:
Aqui um aposto à globalização foi intercalado entre o http://ricardovigna.wordpress.com/2009/02/02/estu-
sujeito e o verbo. dos-de-linguagem-1-estrutura-frasal-e-pontuacao/

Outros exemplos:
A globalização, que é um fenômeno econômico e cultu-
ral, está causando desemprego no Brasil e na América Lati-
na.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Questões
ESTRUTURA TEXTUAL
1-) (TRF/3ª REGIÃO - ANALISTA JUDICIÁRIO - FCC/2014
- adaptada)
Reunir-se para ouvir alguém ler tornou-se uma prática
necessária e comum no mundo laico da Idade Média. Até Primeiramente, o que nos faz produzir um texto é a ca-
a invenção da imprensa, a alfabetização era rara e os livros, pacidade que temos de pensar. Por meio do pensamento,
propriedade dos ricos, privilégio de um pequeno punhado elaboramos todas as informações que recebemos e orien-
de leitores. tamos as ações que interferem na realidade e organização
Embora alguns desses senhores afortunados ocasional- de nossos escritos. O que lemos é produto de um pensa-
mente emprestassem seus livros, eles o faziam para um nú- mento transformado em texto.
mero limitado de pessoas da própria classe ou família. Logo, como cada um de nós tem seu modo de pen-
(Adaptado de: MANGUEL, Alberto, op.cit.) sar, quando escrevemos sempre procuramos uma maneira
organizada do leitor compreender as nossas ideias. A fina-
Mantêm-se a correção e as relações de sentido estabe- lidade da escrita é direcionar totalmente o que você quer
lecidas no texto, substituindo-se Embora (2.º parágrafo) por dizer, por meio da comunicação.
(A) Contudo. Para isso, os elementos que compõem o texto se sub-
(B) Desde que. dividem em: introdução, desenvolvimento e conclusão. To-
(C) Porquanto. dos eles devem ser organizados de maneira equilibrada.
(D) Uma vez que.
(E) Conquanto. Introdução

1-) “Embora” é uma conjunção concessiva (apresenta Caracterizada pela entrada no assunto e a argumenta-
uma exceção à regra). A outra conjunção concessiva é “con- ção inicial. A ideia central do texto é apresentada nessa eta-
quanto”. pa. Essa apresentação deve ser direta, sem rodeios. O seu
RESPOSTA: “E”. tamanho raramente excede a 1/5 de todo o texto. Porém,
em textos mais curtos, essa proporção não é equivalente.
2-) (PRODEST/ES – ASSISTENTE ORGANIZACIONAL – Neles, a introdução pode ser o próprio título. Já nos textos
VUNESP/2014 - adaptada) Considere o trecho: “Se o senhor mais longos, em que o assunto é exposto em várias pági-
não se importa, vou levar minha sobrinha ao dentista, mas nas, ela pode ter o tamanho de um capítulo ou de uma par-
posso quebrar o galho e fazer sua corrida”. Esse trecho está te precedida por subtítulo. Nessa situação, pode ter vários
corretamente reescrito e mantém o sentido em: parágrafos. Em redações mais comuns, que em média têm
(A) Uma vez que o senhor não se importe, vou levar mi- de 25 a 80 linhas, a introdução será o primeiro parágrafo.
nha sobrinha ao dentista, assim que possa quebrar o galho
e fazer sua corrida. Desenvolvimento
(B) Já que o senhor não se importa, vou levar minha so-
brinha ao dentista, porque posso quebrar o galho e fazer A maior parte do texto está inserida no desenvol-
sua corrida. vimento, que é responsável por estabelecer uma ligação
(C) À medida que o senhor não se importe, vou levar entre a introdução e a conclusão. É nessa etapa que são
minha sobrinha ao dentista, logo que possa quebrar o galho elaboradas as ideias, os dados e os argumentos que sus-
e fazer sua corrida. tentam e dão base às explicações e posições do autor. É ca-
(D) Caso o senhor não se importe, vou levar minha so- racterizado por uma “ponte” formada pela organização das
brinha ao dentista, no entanto posso quebrar o galho e fazer ideias em uma sequência que permite formar uma relação
sua corrida. equilibrada entre os dois lados.
(E) Para que o senhor não se importe, vou levar minha O autor do texto revela sua capacidade de discutir um
sobrinha ao dentista, todavia posso quebrar o galho e fazer determinado tema no desenvolvimento, e é através desse
sua corrida. que o autor mostra sua capacidade de defender seus pon-
tos de vista, além de dirigir a atenção do leitor para a con-
2-) “Se o senhor não se importa, vou levar minha so- clusão. As conclusões são fundamentadas a partir daqui.
brinha ao dentista, mas posso quebrar o galho e fazer sua Para que o desenvolvimento cumpra seu objetivo, o es-
corrida” critor já deve ter uma ideia clara de como será a conclusão.
O primeiro período é introduzido por uma conjunção Daí a importância em planejar o texto.
condicional (“se”); o segundo, conjunção adversativa. As Em média, o desenvolvimento ocupa 3/5 do texto, no
conjunções apresentadas que têm a mesma classificação, mínimo. Já nos textos mais longos, pode estar inserido em
respectivamente, e que, por isso, poderiam substituir ade- capítulos ou trechos destacados por subtítulos. Apresentar-
quadamente as destacadas no enunciado são “caso” e “no se-á no formato de parágrafos medianos e curtos.
entanto”. Acredito que, mesmo que você não saiba a clas- Os principais erros cometidos no desenvolvimento são
sificação das conjunções, conseguiria responder à questão o desvio e a desconexão da argumentação. O primeiro está
apenas utilizando a coerência: as demais alternativas não relacionado ao autor tomar um argumento secundário que
a têm. se distancia da discussão inicial, ou quando se concentra
RESPOSTA: “D”. em apenas um aspecto do tema e esquece o seu todo. O

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LÍNGUA PORTUGUESA

segundo caso acontece quando quem redige tem muitas


ideias ou informações sobre o que está sendo discutido, REDAÇÃO OFICIAL
não conseguindo estruturá-las. Surge também a dificul-
dade de organizar seus pensamentos e definir uma linha
lógica de raciocínio.
Pronomes de tratamento na redação oficial
Conclusão
A redação oficial é a maneira utilizada pelo poder públi-
Considerada como a parte mais importante do texto, co para redigir atos normativos. Para redigi-los, muitas regras
é o ponto de chegada de todas as argumentações elabo- fazem-se necessárias. Entre elas, escrever de forma clara, con-
radas. As ideias e os dados utilizados convergem para essa cisa, sem muito comprometimento, bem como um uso ade-
parte, em que a exposição ou discussão se fecha. quado das formas de tratamento. Tais regras, acompanhadas
Em uma estrutura normal, ela não deve deixar uma de uma boa redação, com um bom uso da linguagem, asse-
brecha para uma possível continuidade do assunto; ou seja, guram que os atos normativos sejam bem executados.
possui atributos de síntese. A discussão não deve ser en- No Poder Público, nós nos deparamos com situações em
cerrada com argumentos repetitivos, como por exemplo: que precisamos escrever – ou falar – com pessoas com as
“Portanto, como já dissemos antes...”, “Concluindo...”, “Em quais não temos familiaridade. Nestes casos, os pronomes de
conclusão...”. tratamento assumem uma condição e precisam estar adequa-
Sua proporção em relação à totalidade do texto deve dos à categoria hierárquica da pessoa a quem nos dirigimos.
ser equivalente ao da introdução: de 1/5. Essa é uma das E mais, exige-se, em discurso falado ou escrito, uma homoge-
características de textos bem redigidos. neidade na forma de tratamento, não só nos pronomes como
Os seguintes erros aparecem quando as conclusões fi- também nos verbos. No entanto, as formas de tratamento
cam muito longas: não são do conhecimento de todos.
Abaixo, seguem as discriminações de usos dos pronomes
- O problema aparece quando não ocorre uma explo- de tratamento, com base no Manual da Presidência da Repú-
ração devida do desenvolvimento, o que gera uma invasão blica.
das ideias de desenvolvimento na conclusão.
- Outro fator consequente da insuficiência de funda- São de uso consagrado:
mentação do desenvolvimento está na conclusão precisar
de maiores explicações, ficando bastante vazia. Vossa Excelência, para as seguintes autoridades:
- Enrolar e “encher linguiça” são muito comuns no tex- a) do Poder Executivo
to em que o autor fica girando em torno de ideias redun- Presidente da República, Vice-Presidente da República, Mi-
dantes ou paralelas. nistro de Estado, Secretário-Geral da Presidência da República,
- Uso de frases vazias que, por vezes, são perfeitamen- Consultor-Geral da República, Chefe do Estado-Maior das For-
te dispensáveis. ças Armadas, Chefe do Gabinete Militar da Presidência da Re-
- Quando não tem clareza de qual é a melhor conclu- pública, Chefe do Gabinete Pessoal do Presidente da República,
são, o autor acaba se perdendo na argumentação final. Secretários da Presidência da República, Procurador – Geral da
República, Governadores e Vice-Governadores de Estado e do
Em relação à abertura para novas discussões, a con- Distrito Federal, Chefes de Estado – Maior das Três Armas, Ofi-
clusão não pode ter esse formato, exceto pelos seguintes ciais Generais das Forças Armadas, Embaixadores, Secretário
fatores: Executivo e Secretário Nacional de Ministérios, Secretários de
- Para não influenciar a conclusão do leitor sobre temas Estado dos Governos Estaduais, Prefeitos Municipais.
polêmicos, o autor deixa a conclusão em aberto.
- Para estimular o leitor a ler uma possível continuidade b) do Poder Legislativo:
do texto, o autor não fecha a discussão de propósito. Presidente, Vice–Presidente e Membros da Câmara dos
- Por apenas apresentar dados e informações sobre o Deputados e do Senado Federal, Presidente e Membros do Tri-
tema a ser desenvolvido, o autor não deseja concluir o as- bunal de Contas da União, Presidente e Membros dos Tribunais
sunto. de Contas Estaduais, Presidente e Membros das Assembleias
- Para que o leitor tire suas próprias conclusões, o autor Legislativas Estaduais, Presidente das Câmaras Municipais.
enumera algumas perguntas no final do texto.
c) do Poder Judiciário:
A maioria dessas falhas pode ser evitada se antes o au- Presidente e Membros do Supremo Tribunal Federal, Presi-
tor fizer um esboço de todas as suas ideias. Essa técnica dente e Membros do Superior Tribunal de Justiça, Presidente e
é um roteiro, em que estão presentes os planejamentos. Membros do Superior Tribunal Militar, Presidente e Membros do
Naquele devem estar indicadas as melhores sequências a Tribunal Superior Eleitoral, Presidente e Membros do Tribunal
serem utilizadas na redação; ele deve ser o mais enxuto Superior do Trabalho, Presidente e Membros dos Tribunais de
possível. Justiça, Presidente e Membros dos Tribunais Regionais Fede-
rais, Presidente e Membros dos Tribunais Regionais Eleitorais,
Fonte de pesquisa: Presidente e Membros dos Tribunais Regionais do Trabalho,
http://producao-de-textos.info/mos/view/Caracter%- Juízes e Desembargadores, Auditores da Justiça Militar.
C3%ADsticas_e_Estruturas_do_Texto/

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LÍNGUA PORTUGUESA

O vocativo a ser empregado em comunicações dirigidas A Impessoalidade


aos Chefes do Poder é Excelentíssimo Senhor, seguido do car- A finalidade da língua é comunicar, quer pela fala, quer
go respectivo: Excelentíssimo Senhor Presidente da República; pela escrita. Para que haja comunicação, são necessários: a)
Excelentíssimo Senhor Presidente do Congresso Nacional; Ex- alguém que comunique; b) algo a ser comunicado; c) alguém
celentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal. que receba essa comunicação. No caso da redação oficial,
E mais: As demais autoridades serão tratadas com o vo- quem comunica é sempre o Serviço Público (este ou aquele
cativo Senhor, seguido do cargo respectivo: Senhor Senador, Ministério, Secretaria, Departamento, Divisão, Serviço, Seção);
Senhor Juiz, Senhor Ministro, Senhor Governador. o que se comunica é sempre algum assunto relativo às atri-
O Manual ainda preceitua que a forma de tratamento buições do órgão que comunica; o destinatário dessa comu-
“Digníssimo” fica abolida para as autoridades descritas acima, nicação ou é o público, o conjunto dos cidadãos, ou outro
afinal, a dignidade é condição primordial para que tais cargos órgão público, do Executivo ou dos outros Poderes da União.
públicos sejam ocupados. Percebe-se, assim, que o tratamento impessoal que deve
Fica ainda dito que doutor não é forma de tratamento, ser dado aos assuntos que constam das comunicações oficiais
mas titulação acadêmica de quem defende tese de douto- decorre:
rado. Portanto, é aconselhável que não se use discriminada- a) da ausência de impressões individuais de quem comu-
mente tal termo. nica: embora se trate, por exemplo, de um expediente assina-
do por Chefe de determinada Seção, é sempre em nome do
As Comunicações Oficiais Serviço Público que é feita a comunicação. Obtém-se, assim,
uma desejável padronização, que permite que comunicações
1. Aspectos Gerais da Redação Oficial elaboradas em diferentes setores da Administração guardem
entre si certa uniformidade;
O que é Redação Oficial b) da impessoalidade de quem recebe a comunicação,
com duas possibilidades: ela pode ser dirigida a um cidadão,
Em uma frase, pode-se dizer que redação oficial é a ma- sempre concebido como público, ou a outro órgão público.
neira pela qual o Poder Público redige atos normativos Nos dois casos, temos um destinatário concebido de forma
e comunicações. Interessa-nos tratá-la do ponto de vista do homogênea e impessoal;
Poder Executivo. c) do caráter impessoal do próprio assunto tratado: se o
A redação oficial deve caracterizar-se pela impessoalida- universo temático das comunicações oficiais restringe-se a
de, uso do padrão culto de linguagem, clareza, concisão, for- questões que dizem respeito ao interesse público, é natural
malidade e uniformidade. Fundamentalmente esses atributos que não caiba qualquer tom particular ou pessoal.
decorrem da Constituição, que dispõe, no artigo 37: “A admi- Desta forma, não há lugar na redação oficial para impres-
nistração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer sões pessoais, como as que, por exemplo, constam de uma
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos carta a um amigo, ou de um artigo assinado de jornal, ou
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoali- mesmo de um texto literário. A redação oficial deve ser isenta
dade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”. Sendo a publi- da interferência da individualidade que a elabora.
cidade e a impessoalidade princípios fundamentais de toda A concisão, a clareza, a objetividade e a formalidade de
administração pública, claro que devem igualmente nortear a que nos valemos para elaborar os expedientes oficiais con-
elaboração dos atos e comunicações oficiais. tribuem, ainda, para que seja alcançada a necessária impes-
Não se concebe que um ato normativo de qualquer na- soalidade.
tureza seja redigido de forma obscura, que dificulte ou im-
possibilite sua compreensão. A transparência do sentido dos A Linguagem dos Atos e Comunicações Oficiais
atos normativos, bem como sua inteligibilidade, são requisitos A necessidade de empregar determinado nível de lingua-
do próprio Estado de Direito: é inaceitável que um texto le- gem nos atos e expedientes oficiais decorre, de um lado, do
gal não seja entendido pelos cidadãos. A publicidade implica, próprio caráter público desses atos e comunicações; de outro,
pois, necessariamente, clareza e concisão. de sua finalidade. Os atos oficiais, aqui entendidos como atos
Fica claro também que as comunicações oficiais são ne- de caráter normativo, ou estabelecem regras para a conduta
cessariamente uniformes, pois há sempre um único comuni- dos cidadãos, ou regulam o funcionamento dos órgãos públi-
cador (o Serviço Público) e o receptor dessas comunicações cos, o que só é alcançado se em sua elaboração for empre-
ou é o próprio Serviço Público (no caso de expedientes dirigi- gada a linguagem adequada. O mesmo se dá com os expe-
dos por um órgão a outro) – ou o conjunto dos cidadãos ou dientes oficiais, cuja finalidade precípua é a de informar com
instituições tratados de forma homogênea (o público). clareza e objetividade.
A redação oficial não é necessariamente árida e infensa à As comunicações que partem dos órgãos públicos fede-
evolução da língua. É que sua finalidade básica – comunicar rais devem ser compreendidas por todo e qualquer cidadão
com impessoalidade e máxima clareza – impõe certos parâ- brasileiro. Para atingir esse objetivo, há que evitar o uso de
metros ao uso que se faz da língua, de maneira diversa da- uma linguagem restrita a determinados grupos. Não há dú-
quele da literatura, do texto jornalístico, da correspondência vida de que um texto marcado por expressões de circulação
particular, etc. restrita, como a gíria, os regionalismos vocabulares ou o jar-
Apresentadas essas características fundamentais da re- gão técnico, tem sua compreensão dificultada.
dação oficial, passemos à análise pormenorizada de cada Ressalte-se que há necessariamente uma distância en-
uma delas. tre a língua falada e a escrita. Aquela é extremamente dinâ-
mica, reflete de forma imediata qualquer alteração de cos-

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tumes, e pode eventualmente contar com outros elementos Concisão e Clareza


que auxiliem a sua compreensão, como os gestos, a entoação, A concisão é antes uma qualidade do que uma caracte-
etc., para mencionar apenas alguns dos fatores responsáveis rística do texto oficial. Conciso é o texto que consegue trans-
por essa distância. Já a língua escrita incorpora mais lenta- mitir o máximo de informações com um mínimo de palavras.
mente as transformações, tem maior vocação para a perma- Para que se redija com essa qualidade, é fundamental que se
nência e vale-se apenas de si mesma para comunicar. tenha, além de conhecimento do assunto sobre o qual se es-
Os textos oficiais, devido ao seu caráter impessoal e sua creve, o necessário tempo para revisar o texto depois de pron-
finalidade de informar com o máximo de clareza e concisão, to. É nessa releitura que muitas vezes se percebem eventuais
requerem o uso do padrão culto da língua. Há consenso de redundâncias ou repetições desnecessárias de ideias.
que o padrão culto é aquele em que se observam as regras O esforço de sermos concisos atende, basicamente, ao
da gramática formal e se emprega um vocabulário comum princípio de economia linguística, à mencionada fórmula de
ao conjunto dos usuários do idioma. É importante ressaltar empregar o mínimo de palavras para informar o máximo. Não
que a obrigatoriedade do uso do padrão culto na redação se deve, de forma alguma, entendê-la como economia de
oficial decorre do fato de que ele está acima das diferenças pensamento, isto é, não se devem eliminar passagens subs-
lexicais, morfológicas ou sintáticas regionais, dos modismos tanciais do texto no afã de reduzi-lo em tamanho. Trata-se
vocabulares, das idiossincrasias linguísticas, permitindo, por exclusivamente de cortar palavras inúteis, redundâncias, pas-
essa razão, que se atinja a pretendida compreensão por todos sagens que nada acrescentem ao que já foi dito.
os cidadãos. A clareza deve ser a qualidade básica de todo texto ofi-
Lembre-se de que o padrão culto nada tem contra a sim- cial. Pode-se definir como claro aquele texto que possibilita
plicidade de expressão, desde que não seja confundida com imediata compreensão pelo leitor. No entanto, a clareza não
pobreza de expressão. De nenhuma forma o uso do padrão é algo que se atinja por si só: ela depende estritamente das
culto implica emprego de linguagem rebuscada, nem dos demais características da redação oficial. Para ela concorrem:
contorcionismos sintáticos e figuras de linguagem próprios - a impessoalidade, que evita a duplicidade de interpre-
da língua literária. tações que poderia decorrer de um tratamento personalista
Pode-se concluir, então, que não existe propriamente um dado ao texto;
“padrão oficial de linguagem”; o que há é o uso do padrão - o uso do padrão culto de linguagem, em princípio, de
culto nos atos e comunicações oficiais. É claro que haverá pre- entendimento geral e por definição avesso a vocábulos de
ferência pelo uso de determinadas expressões, ou será obe- circulação restrita, como a gíria e o jargão;
decida certa tradição no emprego das formas sintáticas, mas - a formalidade e a padronização, que possibilitam a im-
isso não implica, necessariamente, que se consagre a utiliza- prescindível uniformidade dos textos;
ção de uma forma de linguagem burocrática. O jargão buro- - a concisão, que faz desaparecer do texto os excessos
crático, como todo jargão, deve ser evitado, pois terá sempre linguísticos que nada lhe acrescentam.
sua compreensão limitada. É pela correta observação dessas características que se
A linguagem técnica deve ser empregada apenas em redige com clareza. Contribuirá, ainda, a indispensável relei-
situações que a exijam, evitando o seu uso indiscriminado. tura de todo texto redigido. A ocorrência, em textos oficiais,
Certos rebuscamentos acadêmicos, e mesmo o vocabulário de trechos obscuros e de erros gramaticais provém, principal-
próprio à determinada área, são de difícil entendimento por mente, da falta da releitura que torna possível sua correção.
quem não esteja com eles familiarizado. Deve-se ter o cui- A revisão atenta exige, necessariamente, tempo. A pressa
dado, portanto, de explicitá-los em comunicações encami- com que são elaboradas certas comunicações quase sempre
nhadas a outros órgãos da administração e em expedientes compromete sua clareza. Não se deve proceder à redação de
dirigidos aos cidadãos. um texto que não seja seguida por sua revisão. “Não há as-
suntos urgentes, há assuntos atrasados”, diz a máxima. Evite-se,
Formalidade e Padronização pois, o atraso, com sua indesejável repercussão no redigir.
As comunicações oficiais devem ser sempre formais, isto
é, obedecem a certas regras de forma: além das já mencio- Pronomes de Tratamento
nadas exigências de impessoalidade e uso do padrão culto Concordância com os Pronomes de Tratamento
de linguagem, é imperativo, ainda, certa formalidade de tra- Os pronomes de tratamento (ou de segunda pessoa indi-
tamento. Não se trata somente da eterna dúvida quanto ao reta) apresentam certas peculiaridades quanto à concordân-
correto emprego deste ou daquele pronome de tratamento cia verbal, nominal e pronominal. Embora se refiram à segun-
para uma autoridade de certo nível; mais do que isso, a for- da pessoa gramatical (à pessoa com quem se fala, ou a quem
malidade diz respeito à polidez, à civilidade no próprio enfo- se dirige a comunicação), levam a concordância para a terceira
que dado ao assunto do qual cuida a comunicação. pessoa. É que o verbo concorda com o substantivo que in-
A formalidade de tratamento vincula-se, também, à ne- tegra a locução como seu núcleo sintático: “Vossa Senhoria
cessária uniformidade das comunicações. Ora, se a administra- nomeará o substituto”; “Vossa Excelência conhece o assunto”.
ção federal é una, é natural que as comunicações que expede Da mesma forma, os pronomes possessivos referidos a
sigam um mesmo padrão. O estabelecimento desse padrão pronomes de tratamento são sempre os da terceira pessoa:
exige que se atente para todas as características da redação “Vossa Senhoria nomeará seu substituto” (e não “Vossa... vos-
oficial e que se cuide, ainda, da apresentação dos textos. so...”).
A clareza datilográfica, o uso de papéis uniformes para Já quanto aos adjetivos referidos a esses pronomes, o
o texto definitivo e a correta diagramação do texto são in- gênero gramatical deve coincidir com o sexo da pessoa a que
dispensáveis para a padronização. se refere, e não com o substantivo que compõe a locução.

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Assim, se nosso interlocutor for homem, o correto é “Vossa - deve ser utilizada fonte do tipo Times New Roman de
Excelência está atarefado”, “Vossa Senhoria deve estar satis- corpo 12 no texto em geral, 11 nas citações, e 10 nas notas
feito”; se for mulher, “Vossa Excelência está atarefada”, “Vossa de rodapé;
Senhoria deve estar satisfeita”. - para símbolos não existentes na fonte Times New Ro-
No envelope, o endereçamento das comunicações diri- man poder-se-á utilizar as fontes Symbol e Wingdings;
gidas às autoridades tratadas por Vossa Excelência, terá a se- - é obrigatório constar a partir da segunda página o
guinte forma: número da página;
- os ofícios, memorandos e anexos destes poderão ser
A Sua Excelência o Senhor impressos em ambas as faces do papel. Neste caso, as mar-
Fulano de Tal gens esquerda e direita terão as distâncias invertidas nas
Ministro de Estado da Justiça páginas pares (“margem espelho”);
70.064-900 – Brasília. DF - o campo destinado à margem lateral esquerda terá,
no mínimo, 3,0 cm de largura;
A Sua Excelência o Senhor
- o início de cada parágrafo do texto deve ter 2,5 cm de
Senador Fulano de Tal
distância da margem esquerda;
Senado Federal
70.165-900 – Brasília. DF - o campo destinado à margem lateral direita terá 1,5
cm;
Senhor Ministro, - deve ser utilizado espaçamento simples entre as li-
Submeto a Vossa Excelência projeto (...) nhas e de 6 pontos após cada parágrafo, ou, se o editor
de texto utilizado não comportar tal recurso, de uma linha
Fechos para Comunicações em branco;
O fecho das comunicações oficiais possui, além da fina- - não deve haver abuso no uso de negrito, itálico, sub-
lidade de arrematar o texto, a de saudar o destinatário. Os linhado, letras maiúsculas, sombreado, sombra, relevo, bor-
modelos para fecho que vinham sendo utilizados foram re- das ou qualquer outra forma de formatação que afete a
gulados pela Portaria nº1 do Ministério da Justiça, de 1937, elegância e a sobriedade do documento;
que estabelecia quinze padrões. Com o fito de simplificá-los - a impressão dos textos deve ser feita na cor preta em
e uniformiza-los, este Manual estabelece o emprego de so- papel branco. A impressão colorida deve ser usada apenas
mente dois fechos diferentes para todas as modalidades de para gráficos e ilustrações;
comunicação oficial: - todos os tipos de documentos do Padrão Ofício de-
a) para autoridades superiores, inclusive o Presidente vem ser impressos em papel de tamanho A-4, ou seja, 29,7
da República: Respeitosamente, x 21,0 cm;
b) para autoridades de mesma hierarquia ou de hie- - deve ser utilizado, preferencialmente, o formato de
rarquia inferior: Atenciosamente, arquivo Rich Text nos documentos de texto;
- dentro do possível, todos os documentos elabora-
Ficam excluídas dessa fórmula as comunicações dirigidas dos devem ter o arquivo de texto preservado para consulta
a autoridades estrangeiras, que atendem a rito e tradição pró- posterior ou aproveitamento de trechos para casos análo-
prios, devidamente disciplinados no Manual de Redação do gos;
Ministério das Relações Exteriores. - para facilitar a localização, os nomes dos arquivos de-
vem ser formados da seguinte maneira:
Identificação do Signatário
tipo do documento + número do documento + pala-
Excluídas as comunicações assinadas pelo Presidente da
vras-chaves do conteúdo
República, todas as demais comunicações oficiais devem trazer
Ex.: “Of. 123 - relatório produtividade ano 2002”
o nome e o cargo da autoridade que as expede, abaixo do local
de sua assinatura. A forma da identificação deve ser a seguinte:
Aviso e Ofício
(espaço para assinatura)
Nome Definição e Finalidade
Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República Aviso e ofício são modalidades de comunicação oficial
praticamente idênticas. A única diferença entre eles é que
(espaço para assinatura) o aviso é expedido exclusivamente por Ministros de Estado,
Nome para autoridades de mesma hierarquia, ao passo que o ofí-
Ministro de Estado da Justiça cio é expedido para e pelas demais autoridades. Ambos têm
como finalidade o tratamento de assuntos oficiais pelos ór-
Para evitar equívocos, recomenda-se não deixar a assi- gãos da Administração Pública entre si e, no caso do ofício,
natura em página isolada do expediente. Transfira para essa também com particulares.
página ao menos a última frase anterior ao fecho.
Forma e Estrutura
Forma de diagramação Quanto a sua forma, aviso e ofício seguem o modelo
Os documentos do Padrão Ofício devem obedecer à do padrão ofício, com acréscimo do vocativo, que invoca o
seguinte forma de apresentação: destinatário, seguido de vírgula.

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Exemplos: Em regra, a exposição de motivos é dirigida ao Presidente


Excelentíssimo Senhor Presidente da República da República por um Ministro de Estado.
Senhora Ministra Nos casos em que o assunto tratado envolva mais de um
Senhor Chefe de Gabinete Ministério, a exposição de motivos deverá ser assinada por to-
dos os Ministros envolvidos, sendo, por essa razão, chamada
Devem constar do cabeçalho ou do rodapé do ofício as de interministerial.
seguintes informações do remetente:
– nome do órgão ou setor; Forma e Estrutura - Formalmente, a exposição de mo-
– endereço postal; tivos tem a apresentação do padrão ofício. A exposição de
– telefone e e-mail. motivos, de acordo com sua finalidade, apresenta duas for-
mas básicas de estrutura: uma para aquela que tenha caráter
Observação: Estas informações estão ausentes no exclusivamente informativo e outra para a que proponha al-
guma medida ou submeta projeto de ato normativo.
memorando, pois se trata de comunicação interna - des-
No primeiro caso, o da exposição de motivos que sim-
tinatário e remetente possuem o mesmo endereço. Se o
plesmente leva algum assunto ao conhecimento do Presiden-
Aviso é de um Ministério para outro Ministério, também
te da República, sua estrutura segue o modelo antes referido
não precisa especificar o endereço. O Ofício é enviado para para o padrão ofício.
outras instituições, logo, são necessárias as informações do
remetente e o endereço do destinatário para que o ofício Mensagem
possa ser entregue e o remetente possa receber resposta.
Definição e Finalidade - É o instrumento de comunica-
Memorando ção oficial entre os Chefes dos Poderes Públicos, notadamente
as mensagens enviadas pelo Chefe do Poder Executivo ao Poder
Definição e Finalidade Legislativo para informar sobre fato da Administração Pública,
O memorando é a modalidade de comunicação entre expor o plano de governo por ocasião da abertura de sessão
unidades administrativas de um mesmo órgão, que podem legislativa, submeter ao Congresso Nacional matérias que de-
estar hierarquicamente em mesmo nível ou em nível dife- pendem de deliberação de suas Casas, apresentar veto, enfim,
rente. Trata-se, portanto, de uma forma de comunicação fazer e agradecer comunicações de tudo quanto seja de inte-
eminentemente interna. resse dos poderes públicos e da Nação.
Pode ter caráter meramente administrativo, ou ser em- Minuta de mensagem pode ser encaminhada pelos Mi-
pregado para a exposição de projetos, ideias, diretrizes, nistérios à Presidência da República, a cujas assessorias caberá
etc. a serem adotados por determinado setor do serviço a redação final.
público. As mensagens mais usuais do Poder Executivo ao Con-
Sua característica principal é a agilidade. A tramitação gresso Nacional têm as seguintes finalidades:
do memorando em qualquer órgão deve pautar-se pela ra- - encaminhamento de projeto de lei ordinária, comple-
pidez e pela simplicidade de procedimentos burocráticos. mentar ou financeira;
Para evitar desnecessário aumento do número de comu- - encaminhamento de medida provisória;
nicações, os despachos ao memorando devem ser dados - indicação de autoridades;
no próprio documento e, no caso de falta de espaço, em - pedido de autorização para o Presidente ou o Vice-Pre-
folha de continuação. Este procedimento permite formar sidente da República ausentarem-se do País por mais de 15
dias;
uma espécie de processo simplificado, assegurando maior
- encaminhamento de atos de concessão e renovação de
transparência à tomada de decisões e permitindo que se
concessão de emissoras de rádio e TV;
historie o andamento da matéria tratada no memorando.
- encaminhamento das contas referentes ao exercício an-
terior;
Forma e Estrutura - mensagem de abertura da sessão legislativa;
Quanto a sua forma, o memorando segue o modelo do - comunicação de sanção (com restituição de autógrafos);
padrão ofício, com a diferença de que o seu destinatário - comunicação de veto;
deve ser mencionado pelo cargo que ocupa. Ex: - outras mensagens.

Ao Sr. Chefe do Departamento de Administração Forma e Estrutura - As mensagens contêm:


Ao Sr. Subchefe para Assuntos Jurídicos a) a indicação do tipo de expediente e de seu número,
horizontalmente, no início da margem esquerda;
Exposição de Motivos b) vocativo, de acordo com o pronome de tratamento e o
cargo do destinatário, horizontalmente, no início da margem
Definição e Finalidade - Exposição de motivos é o ex- esquerda (Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Fede-
pediente dirigido ao Presidente da República ou ao Vice-Pre- ral);
sidente para: c) o texto, iniciando a 2,0 cm do vocativo;
a) informá-lo de determinado assunto; b) propor algu- d) o local e a data, verticalmente a 2,0 cm do final do
ma medida; ou c) submeter a sua consideração projeto de texto, e horizontalmente fazendo coincidir seu final com a
ato normativo. margem direita.

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A mensagem, como os demais atos assinados pelo Pre- Forma e Estrutura - Um dos atrativos de comunica-
sidente da República, não traz identificação de seu signa- ção por correio eletrônico é sua flexibilidade. Assim, não
tário. interessa definir forma rígida para sua estrutura. Entretanto,
deve-se evitar o uso de linguagem incompatível com uma
Telegrama comunicação oficial.
O campo “assunto” do formulário de correio eletrôni-
Definição e Finalidade - Com o fito de uniformizar a co mensagem deve ser preenchido de modo a facilitar a
terminologia e simplificar os procedimentos burocráticos, organização documental tanto do destinatário quanto do
passa a receber o título de telegrama toda comunicação remetente.
oficial expedida por meio de telegrafia, telex, etc. Para os arquivos anexados à mensagem, deve ser utili-
Por tratar-se de forma de comunicação dispendiosa aos zado, preferencialmente, o formato Rich Text. A mensagem
cofres públicos e tecnologicamente superada, deve restringir- que encaminha algum arquivo deve trazer informações mí-
se o uso do telegrama apenas àquelas situações que não seja nimas sobre seu conteúdo.
possível o uso de correio eletrônico ou fax e que a urgência Sempre que disponível, deve-se utilizar recurso de con-
justifique sua utilização. Em razão de seu custo elevado, esta firmação de leitura. Caso não seja disponível, deve constar
forma de comunicação deve pautar-se pela concisão. na mensagem o pedido de confirmação de recebimento.
Forma e Estrutura - Não há padrão rígido, devendo- Valor documental - Nos termos da legislação em vi-
se seguir a forma e a estrutura dos formulários disponíveis gor, para que a mensagem de correio eletrônico tenha valor
nas agências dos Correios e em seu sítio na Internet. documental, e para que possa ser aceito como documento
original, é necessário existir certificação digital que ateste
Fax a identidade do remetente, na forma estabelecida em lei.

Definição e Finalidade - O fax (forma abreviada já Elementos de Ortografia e Gramática


consagrada de fac-símile) é uma forma de comunicação
que está sendo menos usada devido ao desenvolvimento Problemas de Construção de Frases
da Internet. É utilizado para a transmissão de mensagens
urgentes e para o envio antecipado de documentos, de A clareza e a concisão na forma escrita são alcançadas,
cujo conhecimento há premência, quando não há condi- principalmente, pela construção adequada da frase, “a me-
ções de envio do documento por meio eletrônico. Quando nor unidade autônoma da comunicação”, na definição de
necessário o original, ele segue posteriormente pela via e Celso Pedro Luft.
na forma de praxe. A função essencial da frase é desempenhada pelo pre-
Se necessário o arquivamento, deve-se fazê-lo com có-
dicado, que, para Adriano da Gama Kury, pode ser entendi-
pia do fax e não com o próprio fax, cujo papel, em certos
do como “a enunciação pura de um fato qualquer”. Sempre
modelos, deteriora-se rapidamente.
que a frase possuir pelo menos um verbo, recebe o nome
de período, que terá tantas orações quantos forem os ver-
Forma e Estrutura - Os documentos enviados por fax
bos não auxiliares que o constituem.
mantêm a forma e a estrutura que lhes são inerentes.
Outra função relevante é a do sujeito – mas não indis-
É conveniente o envio, juntamente com o documento
pensável, pois há orações sem sujeito, ditas impessoais –,
principal, de folha de rosto e de pequeno formulário com
os dados de identificação da mensagem a ser enviada, con- de quem se diz algo, cujo núcleo é sempre um substantivo.
forme exemplo a seguir: Sempre que o verbo o exigir, teremos nas orações substan-
tivos (nomes ou pronomes) que desempenham a função
[Órgão Expedidor] de complementos (objetos direto e indireto, predicativo e
[setor do órgão expedidor] complemento adverbial). Função acessória desempenham
[endereço do órgão expedidor] os adjuntos adverbiais, que vêm geralmente ao final da
Destinatário:____________________________________ oração, mas que podem ser ou intercalados aos elementos
No do fax de destino:_______________ Data:___/___/___ que desempenham as outras funções, ou deslocados para
Remetente: ____________________________________ o início da oração.
Tel. p/ contato:____________ Fax/correio eletrônico:____ Temos, assim, a seguinte ordem de colocação dos ele-
No de páginas: ________ No do documento:____________ mentos que compõem uma oração (Observação: os parên-
teses indicam os elementos que podem não ocorrer):
Observações:___________________________________
(sujeito) - verbo - (complementos) - (adjunto adverbial).
Correio Eletrônico
Podem ser identificados seis padrões básicos para as
Definição e finalidade - O correio eletrônico (“e-mail”), orações pessoais (isto é, com sujeito) na língua portuguesa
por seu baixo custo e celeridade, transformou-se na princi- (a função que vem entre parênteses é facultativa e pode
pal forma de comunicação para transmissão de documen- ocorrer em ordem diversa):
tos.
1. Sujeito - verbo intransitivo - (Adjunto Adverbial)

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O Presidente - regressou - (ontem). Certo: Não vejo mal em o Governo proceder assim.

2. Sujeito - verbo transitivo direto - objeto direto - (ad- Errado: Antes destes requisitos serem cumpridos, (...).
junto adverbial) Certo: Antes de estes requisitos serem cumpridos, (...).
O Chefe da Divisão - assinou - o termo de posse - (na
manhã de terça-feira). Errado: Apesar da Assessoria ter informado em tempo, (...).
Certo: Apesar de a Assessoria ter informado em tempo, (...).
3. Sujeito - verbo transitivo indireto - objeto indireto -
(adjunto adverbial). Frases Fragmentadas
O Brasil - precisa - de gente honesta - (em todos os se- A fragmentação de frases “consiste em pontuar uma
tores). oração subordinada ou uma simples locução como se fosse
uma frase completa”. Decorre da pontuação errada de uma
frase simples. Embora seja usada como recurso estilístico na
4. Sujeito - verbo transitivo direto e indireto - obj. dire-
literatura, a fragmentação de frases deve ser evitada nos
to - obj. indireto - (adj. Adv.)
textos oficiais, pois muitas vezes dificulta a compreensão.
Os desempregados - entregaram - suas reivindicações -
Exemplo:
ao Deputado - (no Congresso). Errado: O programa recebeu a aprovação do Congresso
5. Sujeito - verbo transitivo indireto - complemento ad- Nacional. Depois de ser longamente debatido.
verbial - (adjunto adverbial) Certo: O programa recebeu a aprovação do Congresso
A reunião do Grupo de Trabalho - ocorrerá - em Buenos Nacional, depois de ser longamente debatido.
Aires - (na próxima semana). Certo: Depois de ser longamente debatido, o programa re-
O Presidente - voltou - da Europa - (na sexta-feira) cebeu a aprovação do Congresso Nacional.

6. Sujeito - verbo de ligação - predicativo - (adjunto ad- Errado: O projeto de Convenção foi oportunamente sub-
verbial) metido ao Presidente da República, que o aprovou. Consultadas
O problema - será - resolvido - prontamente. as áreas envolvidas na elaboração do texto legal.
Certo: O projeto de Convenção foi oportunamente subme-
Estes seriam os padrões básicos para as orações, ou seja, tido ao Presidente da República, que o aprovou, consultadas as
as frases que possuem apenas um verbo conjugado. Na cons- áreas envolvidas na elaboração do texto legal.
trução de períodos, as várias funções podem ocorrer em or-
dem inversa à mencionada, misturando-se e confundindo-se. Erros de Paralelismo
Não interessa aqui análise exaustiva de todos os padrões exis- Uma das convenções estabelecidas na linguagem escrita
tentes na língua portuguesa. O que importa é fixar a ordem “consiste em apresentar ideias similares numa forma gramati-
normal dos elementos nesses seis padrões básicos. Acrescen- cal idêntica”, o que se chama de paralelismo. Assim, incorre-se
te-se que períodos mais complexos, compostos por duas ou em erro ao conferir forma não paralela a elementos paralelos.
mais orações, em geral podem ser reduzidos aos padrões bá- Vejamos alguns exemplos:
sicos (de que derivam).
Os problemas mais frequentemente encontrados na Errado: Pelo aviso circular recomendou-se aos Ministérios eco-
construção de frases dizem respeito à má pontuação, à am- nomizar energia e que elaborassem planos de redução de despesas.
biguidade da ideia expressa, à elaboração de falsos paralelis-
Na frase temos, nas duas orações subordinadas que com-
mos, erros de comparação, etc. Decorrem, em geral, do des-
pletam o sentido da principal, duas estruturas diferentes para
conhecimento da ordem das palavras na frase. Indicam-se, a
ideias equivalentes: a primeira oração (economizar energia) é
seguir, alguns desses defeitos mais comuns e recorrentes na
reduzida de infinitivo, enquanto a segunda (que elaborassem
construção de frases, registrados em documentos oficiais. planos de redução de despesas) é uma oração desenvolvida
introduzida pela conjunção integrante que. Há mais de uma
Sujeito possibilidade de escrevê-la com clareza e correção; uma seria
Como dito, o sujeito é o ser de quem se fala ou que exe- a de apresentar as duas orações subordinadas como desen-
cuta a ação enunciada na oração. Ele pode ter complemen- volvidas, introduzidas pela conjunção integrante que:
to, mas não ser complemento. Devem ser evitadas, portanto,
construções como: Certo: Pelo aviso circular, recomendou-se aos Ministérios
que economizassem energia e (que) elaborassem planos para
Errado: É tempo do Congresso votar a emenda. redução de despesas.
Certo: É tempo de o Congresso votar a emenda.
Outra possibilidade: as duas orações são apresentadas
Errado: Apesar das relações entre os países estarem cor- como reduzidas de infinitivo:
tadas, (...). Certo: Pelo aviso circular, recomendou-se aos Ministérios
Certo: Apesar de as relações entre os países estarem cor- economizar energia e elaborar planos para redução de despesas.
tadas, (...).
Nas duas correções respeita-se a estrutura paralela na
Errado: Não vejo mal no Governo proceder assim. coordenação de orações subordinadas.

97
LÍNGUA PORTUGUESA

Mais um exemplo de frase inaceitável na língua escrita culta: Certo: O salário de um professor é mais baixo do que o de
Errado: No discurso de posse, mostrou determinação, não um médico.
ser inseguro, inteligência e ter ambição.
Errado: O alcance do Decreto é diferente da Portaria.
O problema aqui decorre de coordenar palavras (subs- Novamente, a não repetição dos termos comparados
tantivos) com orações (reduzidas de infinitivo). confunde. Alternativas para correção:
Para tornar a frase clara e correta, pode-se optar ou por Certo: O alcance do Decreto é diferente do alcance da Por-
transformá-la em frase simples, substituindo as orações redu- taria.
zidas por substantivos: Certo: O alcance do Decreto é diferente do da Portaria.
Certo: No discurso de posse, mostrou determinação, segu- Errado: O Ministério da Educação dispõe de mais verbas
rança, inteligência e ambição. do que os Ministérios do Governo.
No exemplo acima, a omissão da palavra “outros” (ou
Atentemos, ainda, para o problema inverso, o falso pa- “demais”) acarretou imprecisão:
ralelismo, que ocorre ao se dar forma paralela (equivalente) Certo: O Ministério da Educação dispõe de mais verbas do
a ideias de hierarquia diferente ou, ainda, ao se apresentar, que os outros Ministérios do Governo.
de forma paralela, estruturas sintáticas distintas: Certo: O Ministério da Educação dispõe de mais verbas do
Errado: O Presidente visitou Paris, Bonn, Roma e o Papa. que os demais Ministérios do Governo.
Ambiguidade
Nesta frase, colocou-se em um mesmo nível cidades (Pa-
ris, Bonn, Roma) e uma pessoa (o Papa). Uma possibilidade Ambígua é a frase ou oração que pode ser tomada em
de correção é transformá-la em duas frases simples, com o mais de um sentido. Como a clareza é requisito básico de
cuidado de não repetir o verbo da primeira (visitar): todo texto oficial, deve-se atentar para as construções que
Certo: O Presidente visitou Paris, Bonn e Roma. Nesta últi- possam gerar equívocos de compreensão.
ma capital, encontrou-se com o Papa. A ambiguidade decorre, em geral, da dificuldade de
identificar a qual palavra se refere um pronome que possui
Mencionemos, por fim, o falso paralelismo provocado mais de um antecedente na terceira pessoa. Pode ocorrer
pelo uso inadequado da expressão “e que” num período que com:
não contém nenhum “que” anterior.
Errado: O novo procurador é jurista renomado, e que tem - pronomes pessoais:
sólida formação acadêmica. Ambíguo: O Ministro comunicou a seu secretariado que
ele seria exonerado.
Para corrigir a frase, suprimimos o pronome relativo: Claro: O Ministro comunicou exoneração dele a seu se-
Certo: O novo procurador é jurista renomado e tem sólida cretariado.
formação acadêmica. Ou então, caso o entendimento seja outro:
Claro: O Ministro comunicou a seu secretariado a exo-
Outro exemplo de falso paralelismo com “e que”: neração deste.
Errado: Neste momento, não se devem adotar medidas
precipitadas, e que comprometam o andamento de todo o pro- - pronomes possessivos e pronomes oblíquos:
grama. Ambíguo: O Deputado saudou o Presidente da Repúbli-
Da mesma forma com que corrigimos o exemplo anterior, ca, em seu discurso, e solicitou sua intervenção no seu Esta-
aqui podemos suprimir a conjunção: do, mas isso não o surpreendeu.
Certo: Neste momento, não se devem adotar medidas pre- Observe a multiplicidade de ambiguidade no exemplo
cipitadas, que comprometam o andamento de todo o progra- acima, a qual torna incompreensível o sentido da frase.
ma. Claro: Em seu discurso o Deputado saudou o Presidente
da República. No pronunciamento, solicitou a intervenção
Erros de Comparação
federal em seu Estado, o que não surpreendeu o Presidente
da República.
A omissão de certos termos ao fazermos uma compara-
ção, omissão própria da língua falada, deve ser evitada na lín-
- pronome relativo:
gua escrita, pois compromete a clareza do texto: nem sempre
Ambíguo: Roubaram a mesa do gabinete em que eu
é possível identificar, pelo contexto, qual o termo omitido. A
costumava trabalhar.
ausência indevida de um termo pode impossibilitar o enten-
dimento do sentido que se quer dar a uma frase: Não fica claro se o pronome relativo da segunda ora-
ção faz referência “à mesa” ou “a gabinete”. Esta ambigui-
Errado: O salário de um professor é mais baixo do que um dade se deve ao pronome relativo “que”, sem marca de gê-
médico. nero. A solução é recorrer às formas o qual, a qual, os quais,
A omissão de termos provocou uma comparação indevi- as quais, que marcam gênero e número.
da: “o salário de um professor” com “um médico”. Claro: Roubaram a mesa do gabinete no qual eu costu-
Certo: O salário de um professor é mais baixo do que o mava trabalhar.
salário de um médico. Se o entendimento é outro, então:

98
LÍNGUA PORTUGUESA

Claro: Roubaram a mesa do gabinete na qual eu costu- dos pronomes de tratamento apresentados nas alternati-
mava trabalhar. vas, o pronome demonstrativo será “sua”. Descartamos, en-
tão, os itens A, C e E. Agora recorramos ao pronome ade-
Há, ainda, outro tipo de ambiguidade, que decorre da quado a ser utilizado para deputados. Segundo o Manual
dúvida sobre a que se refere a oração reduzida: de Redação Oficial, temos:
Ambíguo: Sendo indisciplinado, o Chefe admoestou o Vossa Excelência, para as seguintes autoridades:
funcionário. b) do Poder Legislativo: Presidente, Vice–Presidente e
Para evitar o tipo de ambiguidade do exemplo acima, Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal
deve-se deixar claro qual o sujeito da oração reduzida. (...).
Claro: O Chefe admoestou o funcionário por ser este RESPOSTA: “D”.
indisciplinado.
2-) (ANTAQ – ESPECIALISTA EM REGULAÇÃO DE SER-
Ambíguo: Depois de examinar o paciente, uma senhora VIÇOS DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS – CESPE/2014)
chamou o médico. Considerando aspectos estruturais e linguísticos das cor-
Claro: Depois que o médico examinou o paciente, foi respondências oficiais, julgue os itens que se seguem, de
chamado por uma senhora. acordo com o Manual de Redação da Presidência da Re-
pública.
O tratamento Digníssimo deve ser empregado para to-
Fontes de pesquisa:
das as autoridades do poder público, uma vez que a dig-
http://www.redacaooficial.com.br/redacao_oficial_pu-
nidade é tida como qualidade inerente aos ocupantes de
blicacoes_ver.php?id=2
cargos públicos.
http://portuguesxconcursos.blogspot.com.br/p/reda-
( ) CERTO ( ) ERRADO
cao-oficial-para-concursos.html
2-) Vamos ao Manual: O Manual ainda preceitua que a
Questões forma de tratamento “Digníssimo” fica abolida (...) afinal, a
dignidade é condição primordial para que tais cargos públi-
1-) (TJ-PA - MÉDICO PSIQUIATRA - VUNESP - 2014) cos sejam ocupados.
Leia o seguinte fragmento de um ofício, citado do Manual Fonte: http://www.redacaooficial.com.br/redacao_ofi-
de Redação da Presidência da República, no qual expres- cial_publicacoes_ver.php?id=2
sões foram substituídas por lacunas. RESPOSTA: “ERRADO”.

Senhor Deputado 3-) (TRIBUNAL DE JUSTIÇA/SE – TÉCNICO JUDICIÁRIO


Em complemento às informações transmitidas pelo te- – CESPE/2014) Em toda comunicação oficial, exceto nas di-
legrama n.º 154, de 24 de abril último, informo _____ de que recionadas a autoridades estrangeiras, deve-se fazer uso
as medidas mencionadas em ______ carta n.º 6708, dirigida dos fechos Respeitosamente ou Atenciosamente, de acor-
ao Senhor Presidente da República, estão amparadas pelo do com as hierarquias do destinatário e do remetente.
procedimento administrativo de demarcação de terras in- ( ) CERTO (
dígenas instituído pelo Decreto n.º 22, de 4 de fevereiro de ) ERRADO
1991 (cópia anexa).
(http://www.planalto.gov.br. Adaptado) 3-) Segundo o Manual de Redação Oficial: (...) Manual
estabelece o emprego de somente dois fechos diferentes
A alternativa que completa, correta e respectivamen- para todas as modalidades de comunicação oficial:
te, as lacunas do texto, de acordo com a norma-padrão a) para autoridades superiores, inclusive o Presidente
da língua portuguesa e atendendo às orientações oficiais da República: Respeitosamente,
a respeito do uso de formas de tratamento em correspon- b) para autoridades de mesma hierarquia ou de hierar-
quia inferior: Atenciosamente,
dências públicas, é:
Ficam excluídas dessa fórmula as comunicações dirigi-
A) Vossa Senhoria … tua.
das a autoridades estrangeiras, que atendem a rito e tra-
B) Vossa Magnificência … sua.
dição próprios, devidamente disciplinados no Manual de
C) Vossa Eminência … vossa.
Redação do Ministério das Relações Exteriores.
D) Vossa Excelência … sua. RESPOSTA: “CERTO”.
E) Sua Senhoria … vossa.

1-) Podemos começar pelo pronome demonstrativo.


Mesmo utilizando pronomes de tratamento “Vossa” (mui-
tas vezes confundido com “vós” e seu respectivo “vosso”),
os pronomes que os acompanham deverão ficar sempre na
terceira pessoa (do plural ou do singular, de acordo com o
número do pronome de tratamento). Então, em quaisquer

99
LÍNGUA PORTUGUESA

Não encontramos as pessoas que saíram.


FUNÇÕES DO “QUE” E DO “SE” • pronome indefinido: nesse caso, pode funcionar
como pronome substantivo ou pronome adjetivo.
• pronome substantivo: equivale a que coisa. Quando
for pronome substantivo, a palavra que exercerá as fun-
A palavra que em português pode ser: ções próprias do substantivo (sujeito, objeto direto, objeto
Interjeição: exprime espanto, admiração, surpresa. indireto, etc.)
Nesse caso, será acentuada e seguida de ponto de Que aconteceu com você?
exclamação. Usa-se também a variação  o quê! A pala-
vra que não exerce função sintática quando funciona como • pronome adjetivo: determina um substantivo. Nesse
interjeição. caso, exerce a função sintática de adjunto adnominal.

Quê! Você ainda não está pronto? Que vida é essa?


O quê! Quem sumiu?
Conjunção: relaciona entre si duas orações. Nesse
Substantivo: equivale a alguma coisa. caso, não exerce função sintática. Como conjunção, a pala-
Nesse caso, virá sempre antecedida de artigo ou outro vra que pode relacionar tanto orações coordenadas quan-
determinante, e receberá acento por ser monossílabo tô- to subordinadas, daí classificar-se como conjunção coorde-
nativa ou conjunção subordinativa. Quando funciona como
nico terminado em e. Como substantivo, designa também
conjunção coordenativa ou subordinativa, a palavra que
a 16ª letra de nosso alfabeto. Quando a palavra que for
recebe o nome da oração que introduz. Por exemplo:
substantivo, exercerá as funções sintáticas próprias dessa
Venha logo, que é tarde. (conjunção coordenativa ex-
classe de palavra (sujeito, objeto direto, objeto indireto,
plicativa)
predicativo, etc.) Falou tanto que ficou rouco. (conjunção subordinativa
consecutiva)
Ele tem certo quê misterioso. (substantivo na função
de núcleo do objeto direto) Quando inicia uma oração subordinada substantiva, a
palavra que recebe o nome de conjunção subordinativa
Preposição: liga dois verbos de uma locução verbal integrante.
em que o auxiliar é o verboter.
Equivale a de. Quando é preposição, a palavra que não Desejo que você venha logo.
exerce função sintática.

Tenho que sair agora. A palavra se 


Ele tem que dar o dinheiro hoje.
A palavra se, em português, pode ser:
Partícula expletiva ou de realce: pode ser retirada da
frase, sem prejuízo algum para o sentido. Conjunção: relaciona entre si duas orações. Nesse
Nesse caso, a palavra que  não exerce função sintáti- caso, não exerce função sintática. Como conjunção, a pala-
ca; como o próprio nome indica, é usada apenas para dar vra se pode ser:
realce. Como partícula expletiva, aparece também na ex- * conjunção subordinativa integrante: inicia uma ora-
pressão é que. ção subordinada substantiva.
Perguntei se ele estava feliz.
Quase que não consigo chegar a tempo. * conjunção subordinativa condicional: inicia uma ora-
Elas é que conseguiram chegar. ção adverbial condicional (equivale a caso).
Advérbio:  modifica um adjetivo ou um advérbio. Se todos tivessem estudado, as notas seriam boas.
Equivale a quão. Quando funciona como advérbio, a pala-
Partícula expletiva ou de realce: pode ser retirada da
vra que exerce a função sintática de adjunto adverbial; no
frase sem prejuízo algum para o sentido. Nesse caso, a pa-
caso, de intensidade.
lavra se não exerce função sintática. Como o próprio nome
indica, é usada apenas para dar realce.
Que lindas flores!
Passavam-se os dias e nada acontecia.
Que barato!
Parte integrante do verbo: faz parte integrante dos
Pronome: como pronome, a palavra que pode ser: verbos pronominais. Nesse caso, o se não exerce função
• pronome relativo: retoma um termo da oração an- sintática.
tecedente, projetando-o na oração consequente. Equivale Ele arrependeu-se do que fez.
a o qual e flexões.

100
LÍNGUA PORTUGUESA

Partícula apassivadora: ligada a verbo que pede ob- Quanto ao nível informal, por sua vez, representa o es-
jeto direto, caracteriza as orações que estão na voz passi- tilo considerado “de menor prestígio”, e isto tem gerado
va sintética. É também chamada de pronome apassivador. controvérsias entre os estudos da língua, uma vez que, para
Nesse caso, não exerce função sintática, seu papel é apenas a sociedade, aquela pessoa que fala ou escreve de maneira
apassivar o verbo. errônea é considerada “inculta”, tornando-se desta forma
um estigma.
Vendem-se casas. Compondo o quadro do padrão informal da lingua-
Aluga-se carro. gem, estão as chamadas variedades linguísticas, as quais
Compram-se joias. representam as variações de acordo com as condições so-
Índice de indeterminação do sujeito: vem ligando a ciais, culturais, regionais e históricas em que é utilizada.
um verbo que não é transitivo direto, tornando o sujeito Dentre elas destacam-se:
indeterminado. Não exerce propriamente uma função sin-
tática, seu papel é o de indeterminar o sujeito. Lembre-se Variações históricas: Dado o dinamismo que a lín-
de que, nesse caso, o verbo deverá estar na terceira pessoa gua apresenta, a mesma sofre transformações ao longo do
do singular. tempo. Um exemplo bastante representativo é a questão
da ortografia, se levarmos em consideração a palavra far-
Trabalha-se de dia. mácia, uma vez que a mesma era grafada com “ph”, con-
Precisa-se de vendedores. trapondo-se à linguagem dos internautas, a qual se fun-
damenta pela supressão do vocábulos. Analisemos, pois, o
Pronome reflexivo: quando a palavra se é pronome fragmento exposto:
pessoal, ela deverá estar sempre na mesma pessoa do su-
jeito da oração de que faz parte. Por isso o pronome oblí-
quo se sempre será reflexivo (equivalendo a a si mesmo), Antigamente
podendo assumir as seguintes funções sintáticas:
“Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e
eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos:
* objeto direto
completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas,
Ele cortou-se com o facão.
mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arras-
* objeto indireto
tando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio.”
Ele se atribui muito valor.
Carlos Drummond de Andrade
* sujeito de um infinitivo
Comparando-o à modernidade, percebemos um voca-
“Sofia deixou-se estar à janela.”
bulário antiquado.
* Texto adaptado por Por Marina Cabral Variações regionais: São os chamados dialetos, que
são as marcas determinantes referentes a diferentes re-
Fonte: http://brasilescola.uol.com.br/gramatica/classi- giões. Como exemplo, citamos a palavra mandioca que,
ficacao-das-palavras-que-e-se.htm em certos lugares, recebe outras nomenclaturas, tais como:
macaxeira e aipim. Figurando também esta modalidade es-
tão os sotaques, ligados às características orais da lingua-
gem.

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA. Variações sociais ou culturais: Estão diretamente li-


gadas aos grupos sociais de uma maneira geral e também
ao grau de instrução de uma determinada pessoa. Como
exemplo, citamos as gírias, os jargões e o linguajar caipira.
A linguagem é a característica que nos difere dos de- As gírias pertencem ao vocabulário específico de cer-
mais seres, permitindo-nos a oportunidade de expressar tos grupos, como os surfistas, cantores de rap, tatuadores,
sentimentos, revelar conhecimentos, expor nossa opinião entre outros. Os jargões estão relacionados ao profissiona-
frente aos assuntos relacionados ao nosso cotidiano e, so- lismo, caracterizando um linguajar técnico. Representando
bretudo, promovendo nossa inserção ao convívio social. a classe, podemos citar os médicos, advogados, profissio-
Dentre os fatores que a ela se relacionam destacam-se os nais da área de informática, dentre outros.
níveis da fala, que são basicamente dois: o nível de formali-
dade e o de informalidade. Vejamos um poema sobre o assunto:
O padrão formal está diretamente ligado à linguagem
escrita, restringindo-se às normas gramaticais de um modo Vício na fala
geral. Razão pela qual nunca escrevemos da mesma ma- Para dizerem milho dizem mio
neira que falamos. Este fator foi determinante para a que Para melhor dizem mió
a mesma pudesse exercer total soberania sobre as demais. Para pior pió

101
LÍNGUA PORTUGUESA

Para telha dizem teia Releva considerar, assim, o momento do discurso, que
Para telhado dizem teiado pode ser íntimo, neutro ou solene. O momento íntimo é o
E vão fazendo telhados. das liberdades da fala. No recesso do lar, na fala entre ami-
Oswald de Andrade gos, parentes, namorados, etc., portanto, são consideradas
perfeitamente normais construções do tipo:
Fonte: http://www.brasilescola.com/gramatica/varia- Eu não vi ela hoje.
coes-linguisticas.htm Ninguém deixou ele falar.
Deixe eu ver isso!
Eu te amo, sim, mas não abuse!
Níveis de linguagem Não assisti o filme nem vou assisti-lo.
Sou teu pai, por isso vou perdoá-lo.
A língua é um código de que se serve o homem para
elaborar mensagens, para se comunicar. Existem basica- Nesse momento, a informalidade prevalece sobre a
mente duas modalidades de língua, ou seja, duas línguas norma culta, deixando mais livres os interlocutores.
funcionais: O momento neutro é o do uso da língua-padrão, que
1) a língua funcional de modalidade culta, língua culta é a língua da Nação. Como forma de respeito, tomam-se
ou língua-padrão, que compreende a língua literária, tem por base aqui as normas estabelecidas na gramática, ou
por base a norma culta, forma linguística utilizada pelo seja, a norma culta. Assim, aquelas mesmas construções se
segmento mais culto e influente de uma sociedade. Cons- alteram:
titui, em suma, a língua utilizada pelos veículos de comu- Eu não a vi hoje.
nicação de massa (emissoras de rádio e televisão, jornais, Ninguém o deixou falar.
revistas, painéis, anúncios, etc.), cuja função é a de serem Deixe-me ver isso!
aliados da escola, prestando serviço à sociedade, colabo- Eu te amo, sim, mas não abuses!
rando na educação; Não assisti ao filme nem vou assistir a ele.
2) a língua funcional de modalidade popular; língua po-
Sou seu pai, por isso vou perdoar-lhe.
pular ou língua cotidiana, que apresenta gradações as mais
diversas, tem o seu limite na gíria e no calão.
Considera-se momento neutro o utilizado nos veículos
Norma culta:
de comunicação de massa (rádio, televisão, jornal, revista,
etc.). Daí o fato de não se admitirem deslizes ou transgres-
A norma culta, forma linguística que todo povo civiliza-
sões da norma culta na pena ou na boca de jornalistas,
do possui, é a que assegura a unidade da língua nacional.
quando no exercício do trabalho, que deve refletir serviço
E justamente em nome dessa unidade, tão importante do
à causa do ensino.
ponto de vista político--cultural, que é ensinada nas esco-
las e difundida nas gramáticas. Sendo mais espontânea e O momento solene, acessível a poucos, é o da arte
criativa, a língua popular afigura-se mais expressiva e dinâ- poética, caracterizado por construções de rara beleza.
mica. Temos, assim, à guisa de exemplificação: Vale lembrar, finalmente, que a língua é um costume.
Estou preocupado. (norma culta) Como tal, qualquer transgressão, ou chamado erro, deixa
Tô preocupado. (língua popular) de sê-lo no exato instante em que a maioria absoluta o co-
Tô grilado. (gíria, limite da língua popular) mete, passando, assim, a constituir fato linguístico registro
de linguagem definitivamente consagrado pelo uso, ainda
Não basta conhecer apenas uma modalidade de lín- que não tenha amparo gramatical. Exemplos:
gua; urge conhecer a língua popular, captando-lhe a es- Olha eu aqui! (Substituiu: Olha-me aqui!)
pontaneidade, expressividade e enorme criatividade, para Vamos nos reunir. (Substituiu: Vamo-nos reunir.)
viver; urge conhecer a língua culta para conviver. Não vamos nos dispersar. (Substituiu: Não nos vamos
Podemos, agora, definir gramática: é o estudo das nor- dispersar e Não vamos dispersar-nos.)
mas da língua culta. Tenho que sair daqui depressinha. (Substituiu: Tenho de
sair daqui bem depressa.)
O conceito de erro em língua: O soldado está a postos. (Substituiu: O soldado está no
seu posto.)
Em rigor, ninguém comete erro em língua, exceto nos
casos de ortografia. O que normalmente se comete são As formas impeço, despeço e desimpeço, dos verbos im-
transgressões da norma culta. De fato, aquele que, num pedir, despedir e desimpedir, respectivamente, são exemplos
momento íntimo do discurso, diz: “Ninguém deixou ele fa- também de transgressões ou “erros” que se tornaram fatos
lar”, não comete propriamente erro; na verdade, transgride linguísticos, já que só correm hoje porque a maioria viu
a norma culta. tais verbos como derivados de pedir, que tem início, na sua
Um repórter, ao cometer uma transgressão em sua fala, conjugação, com peço. Tanto bastou para se arcaizarem as
transgride tanto quanto um indivíduo que comparece a um formas então legítimas impido, despido e desimpido, que
banquete trajando xortes ou quanto um banhista, numa hoje nenhuma pessoa bem-escolarizada tem coragem de
praia, vestido de fraque e cartola. usar.

102
LÍNGUA PORTUGUESA

Em vista do exposto, será útil eliminar do vocabulário


escolar palavras como corrigir e correto, quando nos refe- O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO E AS
rimos a frases. “Corrija estas frases” é uma expressão que FUNÇÕES DA LINGUAGEM.
deve dar lugar a esta, por exemplo: “Converta estas frases
da língua popular para a língua culta”.
Uma frase correta não é aquela que se contrapõe a
uma frase “errada”; é, na verdade, uma frase elaborada con- Comunicação
forme as normas gramaticais; em suma, conforme a norma
culta. A comunicação constitui uma das ferramentas mais im-
portantes que os líderes têm à sua disposição para desem-
Língua escrita e língua falada. Nível de linguagem: penhar as suas funções de influência. A sua importância é
tal que alguns autores a consideram mesmo como o “san-
A língua escrita, estática, mais elaborada e menos eco- gue” que dá vida à organização. Esta importância deve-se
nômica, não dispõe dos recursos próprios da língua falada. essencialmente ao fato de apenas através de uma comuni-
A acentuação (relevo de sílaba ou sílabas), a entoação cação efetiva ser possível:
(melodia da frase), as pausas (intervalos significativos no
decorrer do discurso), além da possibilidade de gestos, - Estabelecer e dar a conhecer, com a participação de
olhares, piscadas, etc., fazem da língua falada a modalidade membros de todos os níveis hierárquicos da organização,
mais expressiva, mais criativa, mais espontânea e natural, os objetivos organizacionais por forma a que contemplem,
estando, por isso mesmo, mais sujeita a transformações e não apenas os interesses da organização, mas também os
a evoluções. interesses de todos os seus membros.
Nenhuma, porém, sobrepõe-se a outra em importân-
cia. Nas escolas, principalmente, costuma se ensinar a lín- - Definir e dar a conhecer, com a participação de mem-
gua falada com base na língua escrita, considerada supe- bros de todos os níveis hierárquicos da organização, a es-
rior. Decorrem daí as correções, as retificações, as emendas, trutura organizacional, quer ao nível do desenho organiza-
a que os professores sempre estão atentos. cional, quer ao nível da distribuição de autoridade, respon-
Ao professor cabe ensinar as duas modalidades, mos- sabilidade e tarefas.
trando as características e as vantagens de uma e outra,
sem deixar transparecer nenhum caráter de superioridade - Definir e dar a conhecer, com a participação de mem-
ou inferioridade, que em verdade inexiste. bros de todos os níveis hierárquicos da organização, de-
Isso não implica dizer que se deve admitir tudo na lín- cisões, planos, políticas, procedimentos e regras aceites e
gua falada. A nenhum povo interessa a multiplicação de respeitadas por todos os membros da organização.
línguas. A nenhuma nação convém o surgimento de diale-
tos, consequência natural do enorme distanciamento entre - Coordenar, dar apoio e controlar as atividades de to-
uma modalidade e outra. dos os membros da organização.
A língua escrita é, foi e sempre será mais bem-ela-
borada que a língua falada, porque é a modalidade que - Efetuar a integração dos diferentes departamentos e
mantém a unidade linguística de um povo, além de ser a permitir a ajuda e cooperação interdepartamental.
que faz o pensamento atravessar o espaço e o tempo. Ne-
nhuma reflexão, nenhuma análise mais detida será possível - Desempenhar eficazmente o papel de influência atra-
sem a língua escrita, cujas transformações, por isso mesmo, vés da compreensão e atuação em conformidade satisfa-
processam-se lentamente e em número consideravelmente ção das necessidades e sentimentos das pessoas por forma
menor, quando cotejada com a modalidade falada. a aumentar a sua motivação.
Importante é fazer o educando perceber que o nível da
linguagem, a norma linguística, deve variar de acordo com Elementos do Processo de Comunicação
a situação em que se desenvolve o discurso.
O ambiente sociocultural determina o nível da lingua- Para perceber desenvolver políticas de comunicação
gem a ser empregado. O vocabulário, a sintaxe, a pronúncia eficazes é necessário analisar antes cada um dos elemen-
e até a entoação variam segundo esse nível. Um padre não tos que fazem parte do processo de comunicação. Assim,
fala com uma criança como se estivesse em uma missa, as- fazem parte do processo de comunicação o emissor, um
sim como uma criança não fala como um adulto. Um enge- canal de transmissão, geralmente influenciado por ruídos,
nheiro não usará um mesmo discurso, ou um mesmo nível um receptor e ainda o feedback do receptor.
de fala, para colegas e para pedreiros, assim como nenhum
professor utiliza o mesmo nível de fala no recesso do lar e - Emissor (ou fonte da mensagem da comunicação):
na sala de aula. representa quem pensa, codifica e envia a mensagem, ou
Existem, portanto, vários níveis de linguagem e, entre seja, quem inicia o processo de comunicação. A codificação
esses níveis, destacam-se em importância o culto e o coti- da mensagem pode ser feita transformando o pensamento
diano, a que já fizemos referência. que se pretende transmitir em palavras, gestos ou símbolos
que sejam compreensíveis por quem recebe a mensagem.

103
LÍNGUA PORTUGUESA

- Canal de transmissão da mensagem: faz a ligação parte do emissor, nomeadamente com o fato de se tor-
entre o emissor e o receptor e representa o meio através narem impossíveis ou pelo menos difíceis as retificações e
do qual é transmitida a mensagem. Existe uma grande as novas explicações para melhor compreensão após a sua
variedade de canais de transmissão, cada um deles com transmissão. Assim, os principais cuidados a ter para que
vantagens e inconvenientes: destacam-se o ar (no caso do a mensagem seja perfeitamente recebida e compreendida
emissor e receptor estarem frente a frente), o telefone, os pelo(s) receptor(es) são o uso de caligrafia legível e unifor-
meios eletrônicos e informáticos, os memorandos, a rádio, me (se manuscrita), a apresentação cuidada, a pontuação
a televisão, entre outros. e ortografia corretas, a organização lógica das ideias, a ri-
queza vocabular e a correção frásica. O emissor deve ainda
- Receptor da mensagem: representa quem recebe e possuir um perfeito conhecimento dos temas e deve tentar
descodifica a mensagem. Aqui é necessário ter em atenção prever as reações/feedback à sua mensagem.
que a descodificação da mensagem resulta naquilo que Como principais vantagens da comunicação escrita,
efetivamente o emissor pretendia enviar (por exemplo, em podemos destacar o fato de ser duradoura e permitir um
diferentes culturas, um mesmo gesto pode ter significados registro e de permitir uma maior atenção à organização
diferentes). Podem existir apenas um ou numerosos recep- da mensagem sendo, por isso, adequada para a transmitir
tores para a mesma mensagem. políticas, procedimentos, normas e regras. Adequa-se tam-
bém a mensagens longas e que requeiram uma maior aten-
- Ruídos: representam obstruções mais ou menos in- ção e tempo por parte do receptor tais como relatórios e
tensas ao processo de comunicação e podem ocorrer em análises diversas. Como principais desvantagens destacam-
qualquer uma das suas fases. Denominam-se ruídos inter- se a já referida ausência do receptor o que impossibilita o
nos se ocorrem durante as fases de codificação ou desco- feedback imediato, não permite correções ou explicações
dificação e externos se ocorrerem no canal de transmissão. adicionais e obriga ao uso exclusivo da linguagem verbal.
Obviamente estes ruídos variam consoante o tipo de canal
de transmissão utilizado e consoante as características do Comunicação Oral
emissor e do(s) receptor(es), sendo, por isso, um dos crité-
rios utilizados na escolha do canal de transmissão quer do No caso da comunicação oral, a sua principal caracte-
tipo de codificação. rística é a presença do receptor (exclui-se, obviamente, a
comunicação oral que utilize a televisão, a rádio, ou as gra-
- Retro-informação (feedback): representa a resposta vações). Esta característica explica diversas das suas prin-
do(s) receptor(es) ao emissor da mensagem e pode ser cipais vantagens, nomeadamente o fato de permitir o fee-
utilizada como uma medida do resultado da comunicação. dback imediato, permitir a passagem imediata do receptor
Pode ou não ser transmitida pelo mesmo canal de trans- a emissor e vice-versa, permitir a utilização de comunica-
missão. ção não verbal como os gestos a mímica e a entoação, por
  exemplo, facilitar as retificações e explicações adicionais,
Embora os tipos de comunicação sejam inúmeros, po- permitir observar as reações do receptor, e ainda a grande
dem ser agrupados em comunicação verbal e comunica- rapidez de transmissão. Contudo, e para que estas vanta-
ção não verbal. Como comunicação não verbal podemos gens sejam aproveitadas é necessário o conhecimento dos
considerar os gestos, os sons, a mímica, a expressão facial, temas, a clareza, a presença e naturalidade, a voz agradável
as imagens, entre outros. É frequentemente utilizada em e a boa dicção, a linguagem adaptada, a segurança e auto-
locais onde o ruído ou a situação impede a comunicação domínio, e ainda a disponibilidade para ouvir.
oral ou escrita como por exemplo as comunicações entre Como principais desvantagens da comunicação oral
“dealers” nas bolsas de valores. É também muito utilizada destacam-se o fato de ser efêmera, não permitindo qual-
como suporte e apoio à comunicação oral. quer registro e, consequentemente, não se adequando a
Quanto à comunicação verbal, que inclui a comunica- mensagens longas e que exijam análise cuidada por parte
ção escrita e a comunicação oral, por ser a mais utilizada na do receptor.
sociedade em geral e nas organizações em particular, por
ser a única que permite a transmissão de ideias complexas Gêneros Escritos e Orais
e por ser um exclusivo da espécie humana, é aquela que
mais atenção tem merecido dos investigadores, caracteri- Gêneros textuais são tipos específicos de textos de
zando-a e estudando quando e como deve ser utilizada. qualquer natureza, literários ou não. Modalidades discur-
sivas constituem as estruturas e as funções sociais (narra-
Comunicação Escrita tivas, discursivas, argumentativas) utilizadas como formas
de organizar a linguagem. Dessa forma, podem ser consi-
A comunicação escrita teve o seu auge, e ainda hoje derados exemplos de gêneros textuais: anúncios, convites,
predomina, nas organizações burocráticas que seguem atas, avisos, programas de auditórios, bulas, cartas, comé-
os princípios da Teoria da Burocracia enunciados por Max dias, contos de fadas, crônicas, editoriais, ensaios, entrevis-
Weber. A principal característica é o fato do receptor estar tas, contratos, decretos, discursos políticos, histórias, ins-
ausente tornando-a, por isso, num monólogo permanente truções de uso, letras de música, leis, mensagens, notícias.
do emissor. Esta característica obriga a alguns cuidados por São textos que circulam no mundo, que têm uma função

104
LÍNGUA PORTUGUESA

específica, para um público específico e com características Exemplo de gêneros orais e escritos: Texto expositivo,
próprias. Aliás, essas características peculiares de um gêne- exposição oral, seminário, conferência, comunicação oral,
ro discursivo nos permitem abordar aspectos da textualida- palestra, entrevista de especialista, verbete, artigo enciclo-
de, tais como coerência e coesão textuais, impessoalidade, pédico, texto explicativo, tomada de notas, resumo de tex-
técnicas de argumentação e outros aspectos pertinentes tos expositivos e explicativos, resenha, relatório científico,
ao gênero em questão. relatório oral de experiência.
Gênero de texto então, refere-se às diferentes formas
de expressão textual. Nos estudos da Literatura, temos, por Domínios sociais de comunicação: Instruções e prescri-
exemplo, poesia, crônicas, contos, prosa, etc. ções.
Para a linguística, os gêneros textuais englobam estes Aspectos tipológicos: Descrever ações.
e todos os textos produzidos por usuários de uma língua. Capacidade de linguagem dominante: Regulação mú-
Assim, ao lado da crônica, do conto, vamos também iden- tua de comportamentos.
tificar a carta pessoal, a conversa telefônica, o email, e tan- Exemplo de gêneros orais e escritos: Instruções de mon-
tos outros exemplares de gêneros que circulam em nossa tagem, receita, regulamento, regras de jogo, instruções de
sociedade. uso, comandos diversos, textos prescritivos.
Quanto à forma ou estrutura das sequências linguís-
ticas encontradas em cada texto, podemos classificá-los
dentro dos tipos textuais a partir de suas estruturas e esti-
los composicionais. Funções da Linguagem
Domínios sociais de comunicação: Cultura Literária Fic-
cional. Quando se pergunta a alguém para que serve a lingua-
Aspectos tipológicos: Narrar. gem, a resposta mais comum é que ela serve para comuni-
Capacidade de linguagem dominante: Mimeses de ação car. Isso está correto. No entanto, comunicar não é apenas
através da criação da intriga no domínio do verossímil. transmitir informações. É também exprimir emoções, dar
Exemplo de gêneros orais e escritos: Conto de Fadas, fá- ordens, falar apenas para não haver silêncio. Para que serve
bula, lenda,narrativa de aventura, narrativa de ficção cien- a linguagem?
tífica, narrativa de enigma, narrativa mítica, sketch ou his- - A linguagem serve para informar: Função Referencial.
tória engraçada, biografia romanceada, romance, romance
histórico, novela fantástica, conto, crônica literária, adivi- “Estados Unidos invadem o Iraque”
nha, piada.
Domínios sociais de comunicação: Documentação e Essa frase, numa manchete de jornal, informa-nos so-
memorização das ações humana. bre um acontecimento do mundo.
Aspectos tipológicos: Relatar. Com a linguagem, armazenamos conhecimentos na
Capacidade de linguagem dominante: Representação memória, transmitimos esses conhecimentos a outras pes-
pelo discurso de experiências vividas, situadas no tempo. soas, ficamos sabendo de experiências bem-sucedidas, so-
Exemplo de gêneros orais e escritos: Relato de expe- mos prevenidos contra as tentativas mal sucedidas de fazer
riência vivida, relato de viagem, diário íntimo, testemunho, alguma coisa. Graças à linguagem, um ser humano recebe
anedota ou caso, autobiografia, curriculum vitae, notícia, de outro conhecimentos, aperfeiçoa-os e transmite-os.
reportagem, crônica social, crônica esportiva, histórico, re- Condillac, um pensador francês, diz: “Quereis aprender
lato histórico, ensaio ou perfil biográfico, biografia. ciências com facilidade? Começai a aprender vossa própria
língua!” Com efeito, a linguagem é a maneira como apren-
Domínios sociais de comunicação: Discussão de proble- demos desde as mais banais informações do dia a dia até
mas sociais controversos. as teorias científicas, as expressões artísticas e os sistemas
Aspectos tipológicos: Argumentar. filosóficos mais avançados.
Capacidade de linguagem dominante: Sustentação, re- A função informativa da linguagem tem importância
futação e negociação de tomadas de posição. central na vida das pessoas, consideradas individualmente
Exemplo de gêneros orais e escritos: Textos de opinião, ou como grupo social. Para cada indivíduo, ela permite co-
diálogo argumentativo, carta de leitor, carta de solicitação, nhecer o mundo; para o grupo social, possibilita o acúmulo
deliberação informal, debate regrado, assembleia, discurso de conhecimentos e a transferência de experiências. Por
de defesa (advocacia), discurso de acusação (advocacia), meio dessa função, a linguagem modela o intelecto.
resenha crítica, artigos de opinião ou assinados, editorial, É a função informativa que permite a realização do
ensaio. trabalho coletivo. Operar bem essa função da linguagem
possibilita que cada indivíduo continue sempre a aprender.
Domínios sociais de comunicação: Transmissão e cons- A função informativa costuma ser chamada também de
trução de saberes. função referencial, pois seu principal propósito é fazer com
Aspectos tipológicos: Expor. que as palavras revelem da maneira mais clara possível as
Capacidade de linguagem dominante: Apresentação coisas ou os eventos a que fazem referência.
textual de diferentes formas dos saberes.

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LÍNGUA PORTUGUESA

- A linguagem serve para influenciar e ser influenciado: insinuarem intimidade com ele e, portanto, de exprimirem
Função Conativa. a importância que lhes seria atribuída pela proximidade
com o poder. Inúmeras vezes, contamos coisas que fizemos
“Vem pra Caixa você também.” para afirmarmo-nos perante o grupo, para mostrar nossa
valentia ou nossa erudição, nossa capacidade intelectual ou
Essa frase fazia parte de uma campanha destinada a nossa competência na conquista amorosa.
aumentar o número de correntistas da Caixa Econômica Por meio do tipo de linguagem que usamos, do tom
Federal. Para persuadir o público alvo da propaganda a de voz que empregamos, etc., transmitimos uma imagem
adotar esse comportamento, formulou-se um convite com nossa, não raro inconscientemente.
uma linguagem bastante coloquial, usando, por exemplo, a Emprega-se a expressão função emotiva para designar
forma vem, de segunda pessoa do imperativo, em lugar de a utilização da linguagem para a manifestação do enuncia-
venha, forma de terceira pessoa prescrita pela norma culta dor, isto é, daquele que fala.
quando se usa você.
Pela linguagem, as pessoas são induzidas a fazer de- - A linguagem serve para criar e manter laços sociais:
terminadas coisas, a crer em determinadas ideias, a sen- Função Fática.
tir determinadas emoções, a ter determinados estados de
alma (amor, desprezo, desdém, raiva, etc.). Por isso, pode- __Que calorão, hein?
se dizer que ela modela atitudes, convicções, sentimentos, __Também, tem chovido tão pouco.
emoções, paixões. Quem ouve desavisada e reiteradamente __Acho que este ano tem feito mais calor do que nos
a palavra negro pronunciada em tom desdenhoso aprende outros.
a ter sentimentos racistas; se a todo momento nos dizem, __Eu não me lembro de já ter sentido tanto calor.
num tom pejorativo, “Isso é coisa de mulher”, aprendemos
os preconceitos contra a mulher. Esse é um típico diálogo de pessoas que se encontram
Não se interfere no comportamento das pessoas ape- num elevador e devem manter uma conversa nos poucos
nas com a ordem, o pedido, a súplica. Há textos que nos instantes em que estão juntas. Falam para nada dizer, ape-
influenciam de maneira bastante sutil, com tentações e nas porque o silêncio poderia ser constrangedor ou pare-
seduções, como os anúncios publicitários que nos dizem cer hostil.
como seremos bem sucedidos, atraentes e charmosos se Quando estamos num grupo, numa festa, não pode-
usarmos determinadas marcas, se consumirmos certos mos manter-nos em silêncio, olhando uns para os outros.
produtos. Por outro lado, a provocação e a ameaça expres- Nessas ocasiões, a conversação é obrigatória. Por isso,
sas pela linguagem também servem para fazer fazer. quando não se tem assunto, fala-se do tempo, repetem-se
Com essa função, a linguagem modela tanto bons ci- histórias que todos conhecem, contam-se anedotas velhas.
dadãos, que colocam o respeito ao outro acima de tudo, A linguagem, nesse caso, não tem nenhuma função que
quanto espertalhões, que só pensam em levar vantagem, não seja manter os laços sociais. Quando encontramos al-
e indivíduos atemorizados, que se deixam conduzir sem guém e lhe perguntamos “Tudo bem?”, em geral não que-
questionar. remos, de fato, saber se nosso interlocutor está bem, se
Emprega-se a expressão função conativa da linguagem está doente, se está com problemas.
quando esta é usada para interferir no comportamento A fórmula é uma maneira de estabelecer um vínculo
das pessoas por meio de uma ordem, um pedido ou uma social.
sugestão. A palavra conativo é proveniente de um verbo Também os hinos têm a função de criar vínculos, seja
latino (conari) que significa “esforçar-se” (para obter algo). entre alunos de uma escola, entre torcedores de um time
de futebol ou entre os habitantes de um país. Não importa
- A linguagem serve para expressar a subjetividade: que as pessoas não entendam bem o significado da letra
Função Emotiva. do Hino Nacional, pois ele não tem função informativa: o
importante é que, ao cantá-lo, sentimo-nos participantes
“Eu fico possesso com isso!” da comunidade de brasileiros.
Na nomenclatura da linguística, usa-se a expressão
Nessa frase, quem fala está exprimindo sua indignação função fática para indicar a utilização da linguagem para
com alguma coisa que aconteceu. Com palavras, objetiva- estabelecer ou manter aberta a comunicação entre um fa-
mos e expressamos nossos sentimentos e nossas emoções. lante e seu interlocutor.
Exprimimos a revolta e a alegria, sussurramos palavras de
amor e explodimos de raiva, manifestamos desespero, - A linguagem serve para falar sobre a própria lingua-
desdém, desprezo, admiração, dor, tristeza. Muitas ve- gem: Função Metalinguística.
zes, falamos para exprimir poder ou para afirmarmo-nos
socialmente. Durante o governo do presidente Fernando Quando dizemos frases como “A palavra ‘cão’ é um
Henrique Cardoso, ouvíamos certos políticos dizerem “A substantivo”; “É errado dizer ‘a gente viemos’”; “Estou usan-
intenção do Fernando é levar o país à prosperidade” ou “O do o termo ‘direção’ em dois sentidos”; “Não é muito elegan-
Fernando tem mudado o país”. Essa maneira informal de se te usar palavrões”, não estamos falando de acontecimen-
referirem ao presidente era, na verdade, uma maneira de tos do mundo, mas estamos tecendo comentários sobre a

106
LÍNGUA PORTUGUESA

própria linguagem. É o que chama função metalinguística. Verifica-se que a linguagem pode ser usada utilitaria-
A atividade metalinguística é inseparável da fala. Falamos mente ou esteticamente. No primeiro caso, ela é utilizada
sobre o mundo exterior e o mundo interior e ao mesmo para informar, para influenciar, para manter os laços sociais,
tempo, fazemos comentários sobre a nossa fala e a dos etc. No segundo, para produzir um efeito prazeroso de des-
outros. Quando afirmamos como diz o outro, estamos co- coberta de sentidos. Em função estética, o mais importante
mentando o que declaramos: é um modo de esclarecer que é como se diz, pois o sentido também é criado pelo ritmo,
não temos o hábito de dizer uma coisa tão trivial como a pelo arranjo dos sons, pela disposição das palavras, etc.
que estamos enunciando; inversamente, podemos usar a Na estrofe abaixo, retirada do poema “A Cavalgada”, de
metalinguagem como recurso para valorizar nosso modo Raimundo Correia, a sucessão dos sons oclusivos /p/, /t/,
de dizer. É o que se dá quando dizemos, por exemplo, Paro-
/k/, /b/, /d/, /g/ sugere o patear dos cavalos:
diando o padre Vieira ou Para usar uma expressão clássica,
vou dizer que “peixes se pescam, homens é que se não
E o bosque estala, move-se, estremece...
podem pescar”.
Da cavalgada o estrépito que aumenta
- A linguagem serve para criar outros universos. Perde-se após no centro da montanha...

A linguagem não fala apenas daquilo que existe, fala Apud: Lêdo Ivo. Raimundo Correia: Poesia. 4ª ed.
também do que nunca existiu. Com ela, imaginamos novos Rio de Janeiro, Agir, p. 29. Coleção Nossos Clássi-
mundos, outras realidades. Essa é a grande função da arte: cos.
mostrar que outros modos de ser são possíveis, que outros
universos podem existir. O filme de Woody Allen “A rosa Observe-se que a maior concentração de sons oclu-
púrpura do Cairo” (1985) mostra isso de maneira bem ex- sivos ocorre no segundo verso, quando se afirma que o
pressiva. Nele, conta-se a história de uma mulher que, para barulho dos cavalos aumenta.
consolar-se do cotidiano sofrido e dos maus-tratos infligi- Quando se usam recursos da própria língua para acres-
dos pelo marido, refugia-se no cinema, assistindo inúmeras centar sentidos ao conteúdo transmitido por ela, diz-se
vezes a um filme de amor em que a vida é glamorosa, e o que estamos usando a linguagem em sua função poética.
galã é carinhoso e romântico. Um dia, ele sai da tela e am-
bos vão viver juntos uma série de aventuras. Nessa outra Para melhor compreensão das funções de linguagem,
realidade, os homens são gentis, a vida não é monótona, o torna-se necessário o estudo dos elementos da comuni-
amor nunca diminui e assim por diante.
cação.
Antigamente, tinha-se a ideia que o diálogo era de-
- A linguagem serve como fonte de prazer: Função
Poética. senvolvido de maneira “sistematizada” (alguém pergunta
- alguém espera ouvir a pergunta, daí responde, enquanto
Brincamos com as palavras. Os jogos com o sentido outro escuta em silêncio, etc).
e os sons são formas de tornar a linguagem um lugar de Exemplo:
prazer. Divertimo-nos com eles. Manipulamos as palavras
para delas extrairmos satisfação. Elementos da comunicação
Oswald de Andrade, em seu “Manifesto antropófago”,
diz “Tupi or not tupi”; trata-se de um jogo com a frase sha- - Emissor - emite, codifica a mensagem;
kespeariana “To be or not to be”. Conta-se que o poeta Emí- - Receptor - recebe, decodifica a mensagem;
lio de Menezes, quando soube que uma mulher muito gor- - Mensagem - conteúdo transmitido pelo emissor;
da se sentara no banco de um ônibus e este quebrara, fez - Código - conjunto de signos usado na transmissão e
o seguinte trocadilho: “É a primeira vez que vejo um banco recepção da mensagem;
quebrar por excesso de fundos”. - Referente - contexto relacionado a emissor e recep-
A palavra banco está usada em dois sentidos: “móvel tor;
comprido para sentar-se” e “casa bancária”. Também está - Canal - meio pelo qual circula a mensagem.
empregado em dois sentidos o termo fundos: “nádegas” e Porém, com os estudos recentes dos linguistas, essa
“capital”, “dinheiro”.
teoria sofreu uma modificação, pois, chegou-se a conclu-
são que quando se trata da parole, entende-se que é um
Observe-se o uso do verbo bater, em expressões diver-
veículo democrático (observe a função fática), assim, admi-
sas, com significados diferentes, nesta frase do deputado
Virgílio Guimarães: te-se um novo formato de locução, ou, interlocução (diá-
logo interativo):
“ACM bate boca porque está acostumado a bater: bateu
continência para os militares, bateu palmas para o Collor e - locutor - quem fala (e responde);
quer bater chapa em 2002. Mas o que falta é que lhe bata - locutário - quem ouve e responde;
uma dor de consciência e bata em retirada.” - interlocução - diálogo
(Folha de S. Paulo)

107
LÍNGUA PORTUGUESA

As respostas, dos “interlocutores” podem ser gestuais, EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES


faciais etc. por isso a mudança (aprimoração) na teoria. SOBRE: LÍNGUA PORTUGUESA
As atitudes e reações dos comunicantes são também
referentes e exercem influência sobre a comunicação 1-) (FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC/
SP – ADMINISTRADOR - VUNESP/2013) Assinale a al-
Lembramo-nos: ternativa correta quanto à concordância, de acordo
com a norma-padrão da língua portuguesa.
- Emotiva (ou expressiva): a mensagem centra-se no (A) A má distribuição de riquezas e a desigualdade
“eu” do emissor, é carregada de subjetividade. Ligada a esta social está no centro dos debates atuais.
função está, por norma, a poesia lírica. (B) Políticos, economistas e teóricos diverge em re-
- Função apelativa (imperativa): com este tipo de men- lação aos efeitos da desigualdade social.
sagem, o emissor atua sobre o receptor, afim de que este (C) A diferença entre a renda dos mais ricos e a dos
assuma determinado comportamento; há frequente uso mais pobres é um fenômeno crescente.
do vocativo e do imperativo. Esta função da linguagem é (D) A má distribuição de riquezas tem sido muito
frequentemente usada por oradores e agentes de publici- criticado por alguns teóricos.
dade. (E) Os debates relacionado à distribuição de rique-
- Função metalinguística: função usada quando a lín- zas não são de exclusividade dos economistas.
gua explica a própria linguagem (exemplo: quando, na aná-
Realizei a correção nos itens:
lise de um texto, investigamos os seus aspectos morfossin-
(A) A má distribuição de riquezas e a desigualdade so-
táticos e/ou semânticos).
cial está = estão
- Função informativa (ou referencial): função usada
(B) Políticos, economistas e teóricos diverge = diver-
quando o emissor informa objetivamente o receptor de
gem
uma realidade, ou acontecimento.
(C) A diferença entre a renda dos mais ricos e a dos
- Função fática: pretende conseguir e manter a atenção
mais pobres é um fenômeno crescente.
dos interlocutores, muito usada em discursos políticos e
(D) A má distribuição de riquezas tem sido muito criti-
textos publicitários (centra-se no canal de comunicação). cado = criticada
- Função poética: embeleza, enriquecendo a mensa- (E) Os debates relacionado = relacionados
gem com figuras de estilo, palavras belas, expressivas, rit-
mos agradáveis, etc. RESPOSTA: “C”.
Também podemos pensar que as primeiras falas cons- 2-) (COREN/SP – ADVOGADO – VUNESP/2013) Se-
cientes da raça humana ocorreu quando os sons emitidos guindo a norma-padrão da língua portuguesa, a frase
evoluíram para o que podemos reconhecer como “interjei- – Um levantamento mostrou que os adolescentes ame-
ções”. As primeiras ferramentas da fala humana. ricanos consomem em média 357 calorias diárias dessa
fonte. – recebe o acréscimo correto das vírgulas em:
A função biológica e cerebral da linguagem é aquilo (A) Um levantamento mostrou, que os adolescentes
que mais profundamente distingue o homem dos outros americanos consomem em média 357 calorias, diárias
animais. dessa fonte.
(B) Um levantamento mostrou que, os adolescentes
Podemos considerar que o desenvolvimento desta fun- americanos consomem, em média 357 calorias diárias
ção cerebral ocorre em estreita ligação com a bipedia e a dessa fonte.
libertação da mão, que permitiram o aumento do volume (C) Um levantamento mostrou que os adolescentes
do cérebro, a par do desenvolvimento de órgãos fonadores americanos consomem, em média, 357 calorias diárias
e da mímica facial dessa fonte.
(D) Um levantamento, mostrou que os adolescentes
Devido a estas capacidades, para além da linguagem americanos, consomem em média 357 calorias diárias
falada e escrita, o homem, aprendendo pela observação de dessa fonte.
animais, desenvolveu a língua de sinais adaptada pelos sur- (E) Um levantamento mostrou que os adolescentes
dos em diferentes países, não só para melhorar a comuni- americanos, consomem em média 357 calorias diárias,
cação entre surdos, mas também para utilizar em situações dessa fonte.
especiais, como no teatro e entre navios ou pessoas e não
animais que se encontram fora do alcance do ouvido, mas Assinalei com um “X” onde há pontuação inadequada
que se podem observar entre si. ou faltante:
(A) Um levantamento mostrou, (X) que os adolescentes
americanos consomem (X) em média (X) 357 calorias, (X)
diárias dessa fonte.
(B) Um levantamento mostrou que, (X) os adolescentes
americanos consomem, em média (X) 357 calorias diárias
dessa fonte.

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LÍNGUA PORTUGUESA

(C) Um levantamento mostrou que os adolescentes Distribuímos = regra do hiato


americanos consomem, em média, 357 calorias diárias des- (A) sócio = paroxítona terminada em ditongo
sa fonte. (B) sofrê-lo = oxítona (não se considera o pronome
(D) Um levantamento, (X) mostrou que os adolescentes oblíquo. Nunca!)
americanos, (X) consomem (X) em média (X) 357 calorias (C) lúcidos = proparoxítona
diárias dessa fonte. (D) constituí = regra do hiato (diferente de “constitui”
(E) Um levantamento mostrou que os adolescentes – oxítona: cons-ti-tui)
americanos, (X) consomem (X) em média (X) 357 calorias (E) órfãos = paroxítona terminada em “ão”
diárias, (X) dessa fonte.
RESPOSTA: “D”.
RESPOSTA: “C”.
5-) (TRT/PE – ANALISTA JUDICIÁRIO – FCC/2012)
3-) (TRT/RO E AC – ANALISTA JUDICIÁRIO – A concordância verbal está plenamente observada na
FCC/2011) Estão plenamente observadas as normas de frase:
concordância verbal na frase: (A) Provocam muitas polêmicas, entre crentes e
a) Destinam-se aos homens-placa um lugar visível materialistas, o posicionamento de alguns religiosos e
nas ruas e nas praças, ao passo que lhes é suprimida a parlamentares acerca da educação religiosa nas escolas
visibilidade social. públicas.
b) As duas tábuas em que se comprimem o famige- (B) Sempre deverão haver bons motivos, junto
rado homem-placa carregam ditos que soam irônicos, àqueles que são contra a obrigatoriedade do ensino
como “compro ouro”. religioso, para se reservar essa prática a setores da ini-
c) Não se compara aos vexames dos homens-placa ciativa privada.
a exposição pública a que se submetem os guardadores (C) Um dos argumentos trazidos pelo autor do tex-
de carros. to, contra os que votam a favor do ensino religioso na
d) Ao se revogarem o emprego de carros-placa na escola pública, consistem nos altos custos econômicos
propaganda imobiliária, poupou-se a todos uma de- que acarretarão tal medida.
monstração de mau gosto. (D) O número de templos em atividade na cidade
e) Não sensibilizavam aos possíveis interessados de São Paulo vêm gradativamente aumentando, em
em apartamentos de luxo a visão grotesca daqueles ve- proporção maior do que ocorrem com o número de es-
lhos carros-placa. colas públicas.
(E) Tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Fiz as correções entre parênteses: como a regulação natural do mercado sinalizam para
a) Destinam-se (destina-se) aos homens-placa um lu- as inconveniências que adviriam da adoção do ensino
gar visível nas ruas e nas praças, ao passo que lhes é supri- religioso nas escolas públicas.
mida a visibilidade social.
b) As duas tábuas em que se comprimem (comprime) (A) Provocam = provoca (o posicionamento)
o famigerado homem-placa carregam ditos que soam irô- (B) Sempre deverão haver bons motivos = deverá haver
nicos, como “compro ouro”. (C) Um dos argumentos trazidos pelo autor do texto,
c) Não se compara aos vexames dos homens-placa a contra os que votam a favor do ensino religioso na escola
exposição pública a que se submetem os guardadores de pública, consistem = consiste.
carros. (D) O número de templos em atividade na cidade de
d) Ao se revogarem (revogar) o emprego de carros- São Paulo vêm gradativamente aumentando, em propor-
-placa na propaganda imobiliária, poupou-se a todos uma ção maior do que ocorrem = ocorre
demonstração de mau gosto. (E) Tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação como
e) Não sensibilizavam (sensibilizava) aos possíveis in- a regulação natural do mercado sinalizam para as inconve-
teressados em apartamentos de luxo a visão grotesca da- niências que adviriam da adoção do ensino religioso nas
queles velhos carros-placa. escolas públicas.

RESPOSTA: “C”. RESPOSTA: “E”.

4-) (TRE/PA- ANALISTA JUDICIÁRIO – FGV/2011) 6-) (TRE/PA- ANALISTA JUDICIÁRIO – FGV/2011)
Assinale a palavra que tenha sido acentuada seguindo a Segundo o Manual de Redação da Presidência da Repú-
mesma regra que distribuídos. blica, NÃO se deve usar Vossa Excelência para
(A) sócio (A) embaixadores.
(B) sofrê-lo (B) conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais.
(C) lúcidos (C) prefeitos municipais.
(D) constituí (D) presidentes das Câmaras de Vereadores.
(E) órfãos (E) vereadores.

109
LÍNGUA PORTUGUESA

(...) O uso do pronome de tratamento Vossa Senhoria (D) As instituições fundamentais de um regime demo-
(abreviado V. Sa.) para vereadores está correto, sim. Numa crático não pode (podem) estar subordinado (subordina-
Câmara de Vereadores só se usa Vossa Excelência para o seu das) às ordens indiscriminadas de um único poder central.
presidente, de acordo com o Manual de Redação da Presi- (E) O interesse de todos os cidadãos estão (está) vol-
dência da República (1991). tados (voltado) para o momento eleitoral, que expõem (ex-
(Fonte: http://www.linguabrasil.com.br/nao-tropece- põe) as diferentes opiniões existentes na sociedade.
-detail.php?id=393)
RESPOSTA: “A”.
RESPOSTA: “E”.
9-) (TRE/AL – ANALISTA JUDICIÁRIO – FCC/2010)
A frase que admite transposição para a voz passiva é:
7-) (TRE/AL – TÉCNICO JUDICIÁRIO – FCC/2010)
(A) O cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sa-
... valores e princípios que sejam percebidos pela so-
grado.
ciedade como tais. (B) O conceito de espetáculo unifica e explica uma
Transpondo para a voz ativa a frase acima, o verbo grande diversidade de fenômenos.
passará a ser, corretamente, (C) O espetáculo é ao mesmo tempo parte da so-
(A) perceba. ciedade, a própria sociedade e seu instrumento de uni-
(B) foi percebido. ficação.
(C) tenham percebido. (D) As imagens fluem desligadas de cada aspecto
(D) devam perceber. da vida (...).
(E) estava percebendo. (E) Por ser algo separado, ele é o foco do olhar ilu-
dido e da falsa consciência.
... valores e princípios que sejam percebidos pela so-
ciedade como tais = dois verbos na voz passiva, então te- (A) O cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sagra-
remos um na ativa: que a sociedade perceba os valores e do.
princípios... (B) O conceito de espetáculo unifica e explica uma
grande diversidade de fenômenos.
RESPOSTA: “A” - Uma grande diversidade de fenômenos é unificada e
explicada pelo conceito...
(C) O espetáculo é ao mesmo tempo parte da socieda-
8-) (TRE/AL – TÉCNICO JUDICIÁRIO – FCC/2010) A
de, a própria sociedade e seu instrumento de unificação.
concordância verbal e nominal está inteiramente corre-
(D) As imagens fluem desligadas de cada aspecto da
ta na frase: vida (...).
(A) A sociedade deve reconhecer os princípios e (E) Por ser algo separado, ele é o foco do olhar iludido
valores que determinam as escolhas dos governantes, e da falsa consciência.
para conferir legitimidade a suas decisões.
(B) A confiança dos cidadãos em seus dirigentes RESPOSTA: “B”.
devem ser embasados na percepção dos valores e prin-
cípios que regem a prática política. 10-) (MPE/AM - AGENTE DE APOIO ADMINISTRA-
(C) Eleições livres e diretas é garantia de um verda- TIVO - FCC/2013) “Quando a gente entra nas serrarias,
deiro regime democrático, em que se respeita tanto as vê dezenas de caminhões parados”, revelou o analista
liberdades individuais quanto as coletivas. ambiental Geraldo Motta.
(D) As instituições fundamentais de um regime de- Substituindo-se Quando por Se, os verbos subli-
mocrático não pode estar subordinado às ordens indis- nhados devem sofrer as seguintes alterações:
criminadas de um único poder central. (A) entrar − vira
(E) O interesse de todos os cidadãos estão voltados (B) entrava − tinha visto
para o momento eleitoral, que expõem as diferentes (C) entrasse − veria
opiniões existentes na sociedade. (D) entraria − veria
(E) entrava − teria visto
Fiz os acertos entre parênteses:
(A) A sociedade deve reconhecer os princípios e valores
Se a gente entrasse (verbo no singular) na serraria, ve-
que determinam as escolhas dos governantes, para confe-
ria = entrasse / veria.
rir legitimidade a suas decisões.
(B) A confiança dos cidadãos em seus dirigentes de- RESPOSTA: “C”.
vem (deve) ser embasados (embasada) na percepção dos
valores e princípios que regem a prática política.
(C) Eleições livres e diretas é (são) garantia de um ver-
dadeiro regime democrático, em que se respeita (respei-
tam) tanto as liberdades individuais quanto as coletivas.

110
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Fundamentos da Educação: conceitos e concepções pedagógicas, seus fins e papel na sociedade ocidental contempo-
rânea.............................................................................................................................................................................................................................. 01
Principais aspectos históricos da Educação Brasileira................................................................................................................................ 15
Aspectos legais e políticos da organização da educação brasileira: as Diretrizes Curriculares Nacionais e suas implica-
ções na prática pedagógica; Estatuto da Criança e do Adolescente; LDB Lei Federal nº 9394/96 e alterações posteriores;
Parâmetros Curriculares Nacionais.................................................................................................................................................................... 21
Educação, trabalho, formação profissional e as transformações da Educação Básica................................................................116
Função histórica e social da escola: a escola como campo de relações (espaços de diferenças, contradições e conflitos),
para o exercício e a formação da cidadania, difusão e construção do conhecimento...............................................................135
Organização do processo didático: planejamento, estratégias e metodologias, avaliação; Avaliação como processo con-
tínuo, investigativo e inclusivo; A didática como fundamento epistemológico do fazer docente.........................................153
O currículo e cultura, conteúdos curriculares e aprendizagem, projetos de trabalho; Interdisciplinaridade e contextuali-
zação; Multiculturalismo; A escola e o Projeto Político Pedagógico; O espaço da sala de aula como ambiente interativo;
a atuação do professor mediador; a atuação do aluno como sujeito na construção do conhecimento............................177
Planejamento e gestão educacional...............................................................................................................................................................208
Gestão da aprendizagem.....................................................................................................................................................................................214
O Professor: formação e profissão...................................................................................................................................................................216
A pesquisa na prática docente..........................................................................................................................................................................263
A educação em sua dimensão teórico-filosófica: filosofias tradicionais da Educação e teorias educacionais contemporâ-
neas; As concepções de aprendizagem/aluno/ensino/professor nessas abordagens teóricas...............................................266
Principais Teorias e práticas na educação; As bases empíricas, metodológicas e epistemológicas das diversas teorias de
aprendizagem; Contribuições de Piaget, Vygotsky e Wallon para a psicologia e pedagogia.................................................284
Psicologia do desenvolvimento: aspectos históricos e biopsicossociais..........................................................................................294
Temas contemporâneos: bullying, o papel da escola, a escolha da profissão, transtornos alimentares na adolescência,
família, escolhas sexuais.......................................................................................................................................................................................301
Ética Profissional.....................................................................................................................................................................................................322
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

PROFª. MESTRE ANA MARIA BARBOSA QUIQUETO articulado, assim como planejado sistemicamente, que responda
Assistente Social, Professora Universitária e Pesquisadora às exigências dos estudantes, de suas aprendizagens nas diversas
em Assuntos Educacionais. Aluna ouvinte do Programa de fases do desenvolvimento físico, intelectual, emocional e social.
Doutorado da Universidade Estadual Paulista - UNESP, Mestre Atende-se à dimensão orgânica quando são observadas as
em Educação pela Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE especificidades e as diferenças de cada uma das três etapas de
e Especialista em Gestão de Políticas Públicas pela Faculdade escolarização da Educação Básica e das fases que as compõem,
de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP). Atua como sem perda do que lhes é comum: as semelhanças, as identidades
Assistente Social na Prefeitura Municipal de Arco-Íris, no inerentes à condição humana em suas determinações históricas
segmento Gestão de Políticas Públicas Sociais. Professora de e não apenas do ponto de vista da qualidade da sua estrutura
Graduação e Pós-Graduação na Universidade Paulista (UNIP). e organização. Cada etapa do processo de escolarização
Pesquisadora e Membro do Comitê Científico de Pesquisa constitui-se em unidade, que se articula organicamente com
da Revista Espanhola Iberoamérica Social: Revista-red de as demais de maneira complexa e intrincada, permanecendo
estudios sociales - ISSN 2341-0485. Escritora de assuntos todas elas, em suas diferentes modalidades, individualizadas,
socioassistenciais e educacionais, mais especificamente na ao logo do percurso do escolar, apesar das mudanças por que
área acadêmica e elaboração de materiais para concursos passam por força da singularidade de cada uma, bem assim a
públicos nos diversos tipos de escolaridade. dos sujeitos que lhes dão vida.
Atende-se à dimensão sequencial quando os processos
educativos acompanham as exigências de aprendizagem
FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO: CONCEITOS definidas em cada etapa da trajetória escolar da Educação
Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio), até a
E CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS, SEUS
Educação Superior. São processos educativos que, embora se
FINS E PAPEL NA SOCIEDADE OCIDENTAL constituam em diferentes e insubstituíveis momentos da vida
CONTEMPORÂNEA. dos estudantes, inscritos em tempos e espaços educativos
próprios a cada etapa do desenvolvimento humano, inscrevem-
se em trajetória que deve ser contínua e progressiva.
Sistema Nacional de Educação
O Sistema Nacional de Educação é tema que vem A articulação das dimensões orgânica e sequencial
suscitando o aprofundamento da compreensão sobre sistema, das etapas e modalidades da Educação
no contexto da história da educação, nesta Nação tão diversa Básica, e destas com a Educação Superior, implica a ação
geográfica, econômica, social e culturalmente. O que a proposta coordenada e integradora do seu conjunto; o exercício efetivo
de organização do Sistema Nacional de Educação enfrenta é, do regime de colaboração entre os entes federados, cujos
fundamentalmente, o desafio de superar a fragmentação das sistemas de ensino gozam de autonomia constitucionalmente
políticas públicas e a desarticulação institucional dos sistemas de reconhecida. Isso pressupõe o estabelecimento de regras
ensino entre si, diante do impacto na estrutura do financiamento, de equivalência entre as funções distributiva, supletiva, de
comprometendo a conquista da qualidade social das regulação normativa, de supervisão e avaliação da educação
aprendizagens, mediante conquista de uma articulação orgânica. nacional, respeitada a autonomia dos sistemas e valorizadas
Os debates sobre o Sistema Nacional de Educação, em vários as diferenças regionais. Sem essa articulação, o projeto
momentos, abordaram o tema das diretrizes para a Educação educacional – e, por conseguinte, o projeto nacional – corre o
Básica. Ambas as questões foram objeto de análise em interface, perigo de comprometer a unidade e a qualidade pretendida,
durante as diferentes etapas preparatórias da Conferência inclusive quanto ao disposto no artigo 22 da LDB: desenvolver
Nacional de Educação (CONAE) de 2009, uma vez que são temas o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável
que se vinculam a um objetivo comum: articular e fortalecer o para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para
sistema nacional de educação em regime de colaboração. progredir no trabalho e em estudos posteriores, inspirada nos
Para Saviani, o sistema é a unidade de vários elementos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana.
intencionalmente reunidos de modo a formar um conjunto Mais concretamente, há de se prever que a transição entre
coerente e operante (2009, p. 38). Caracterizam, portanto, Pré-Escola e Ensino Fundamental pode se dar no interior de uma
a noção de sistema: a intencionalidade humana; a unidade mesma instituição, requerendo formas de articulação das dimensões
e variedade dos múltiplos elementos que se articulam; a orgânica e sequencial entre os docentes de ambos os segmentos
coerência interna articulada com a externa. que assegurem às crianças a continuidade de seus processos
Alinhado com essa conceituação, este Parecer adota o peculiares de aprendizagem e desenvolvimento. Quando a
entendimento de que sistema resulta da atividade intencional transição se dá entre instituições diferentes, essa articulação deve
e organicamente concebida, que se justifica pela realização ser especialmente cuidadosa, garantida por instrumentos de
de atividades voltadas para as mesmas finalidades ou para a registro – portfólios, relatórios que permitam, aos docentes do
concretização dos mesmos objetivos. Nessa perspectiva, e no Ensino Fundamental de uma outra escola, conhecer os processos
contexto da estrutura federativa brasileira, em que convivem de desenvolvimento e aprendizagem vivenciados pela criança na
sistemas educacionais autônomos, faz-se necessária a Educação Infantil da escola anterior. Mesmo no interior do Ensino
institucionalização de um regime de colaboração que dê Fundamental, há de se cuidar da fluência da transição da fase dos
efetividade ao projeto de educação nacional. União, Estados, anos iniciais para a fase dos anos finais, quando a criança passa a
Distrito Federal e Municípios, cada qual com suas peculiares ter diversos docentes, que conduzem diferentes componentes e
competências, são chamados a colaborar para transformar atividades, tornando-se mais complexas a sistemática de estudos
a Educação Básica em um conjunto orgânico, sequencial, e a relação com os professores.

1
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

A transição para o Ensino Médio apresenta contornos Quanto à família, os pais ou responsáveis são obrigados
bastante diferentes dos anteriormente referidos, uma vez a matricular a criança no Ensino Fundamental, a partir dos 6
que, ao ingressarem no Ensino Médio, os jovens já trazem anos de idade, sendo que é prevista sanção a esses e/ou ao
maior experiência com o ambiente escolar e suas rotinas; poder público, caso descumpram essa obrigação de garantia
além disso, a dependência dos adolescentes em relação às dessa etapa escolar.
suas famílias é quantitativamente menor e qualitativamente Quanto à obrigatoriedade de permanência do estudante
diferente. Mas, certamente, isso não significa que não se na escola, principalmente no Ensino Fundamental, há, na
criem tensões, que derivam, principalmente, das novas mesma Lei, exigências que se centram nas relações entre a
expectativas familiares e sociais que envolvem o jovem. escola, os pais ou responsáveis, e a comunidade, de tal modo
Tais expectativas giram em torno de três variáveis principais que a escola e os sistemas de ensino tornam-se responsáveis
conforme o estrato sociocultural em que se produzem: a) por:
os “conflitos da adolescência”; - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à
b) a maior ou menor aproximação ao mundo do escola;
trabalho; c) a crescente aproximação aos rituais da - articular-se com as famílias e a comunidade, criando
passagem da Educação Básica para a Educação Superior. processos de integração da sociedade com a escola;
Em resumo, o conjunto da Educação Básica deve - informar os pais e responsáveis sobre a frequência e o
se constituir em um processo orgânico, sequencial e rendimento dos estudantes, bem como sobre a execução de
articulado, que assegure à criança, ao adolescente, sua proposta pedagógica;
ao jovem e ao adulto de qualquer condição e região
- notificar ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz
do País a formação comum para o pleno exercício da
competente da Comarca e ao respectivo representante do
cidadania, oferecendo as condições necessárias para o seu
Ministério Público a relação dos estudantes que apresentem
desenvolvimento integral. Estas são finalidades de todas as
quantidade de faltas acima de cinquenta por cento do
etapas constitutivas da Educação Básica, acrescentando-se
percentual permitido em lei.
os meios para que possa progredir no mundo do trabalho
No Ensino Fundamental e, nas demais etapas da Educação
e acessar a Educação Superior. São referências conceituais
Básica, a qualidade não tem sido tão estimulada quanto à
e legais, bem como desafio para as diferentes instâncias quantidade. Depositar atenção central sobre a quantidade,
responsáveis pela concepção, aprovação e execução das visando à universalização do acesso à escola, é uma medida
políticas educacionais. necessária, mas que não assegura a permanência, essencial
para compor a qualidade. Em outras palavras, a oportunidade
Acesso e permanência para a conquista da qualidade de acesso, por si só, é destituída de condições suficientes para
social inserção no mundo do conhecimento.
O conceito de qualidade na escola, numa perspectiva
A qualidade social da educação brasileira é uma ampla e basilar, remete a uma determinada ideia de qualidade
conquista a ser construída de forma negociada, pois de vida na sociedade e no planeta Terra. Inclui tanto a
significa algo que se concretiza a partir da qualidade da qualidade pedagógica quanto a qualidade política, uma vez
relação entre todos os sujeitos que nela atuam direta e que requer compromisso com a permanência do estudante
indiretamente.4 Significa compreender que a educação é na escola, com sucesso e valorização dos profissionais da
um processo de socialização da cultura da vida, no qual se educação. Trata-se da exigência de se conceber a qualidade na
constroem, se mantêm e se transformam conhecimentos e escola como qualidade social, que se conquista por meio de
valores. Socializar a cultura inclui garantir a presença dos acordo coletivo. Ambas as qualidades – pedagógica e política
sujeitos das aprendizagens na escola. Assim, a qualidade – abrangem diversos modos avaliativos comprometidos
social da educação escolar supõe a sua permanência, não com a aprendizagem do estudante, interpretados como
só com a redução da evasão, mas também da repetência e indicações que se interpenetram ao longo do processo
da distorção idade/ano/série. didáticopedagógico, o qual tem como alvo o desenvolvimento
Para assegurar o acesso ao Ensino Fundamental, do conhecimento e dos saberes construídos histórica e
como direito público subjetivo, no seu artigo 5º, a LDB socialmente.
instituiu medidas que se interpenetram ou complementam, O compromisso com a permanência do estudante na
estabelecendo que, para exigir o cumprimento pelo Estado escola é, portanto, um desafio a ser assumido por todos,
desse ensino obrigatório, qualquer cidadão, grupo de porque, além das determinações sociopolíticas e culturais,
cidadãos, associação comunitária, organização sindical, das diferenças individuais e da organização escolar vigente,
entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, há algo que supera a política reguladora dos processos
o Ministério Público, podem acionar o poder público. educacionais: há os fluxos migratórios, além de outras variáveis
Esta medida se complementa com a obrigatoriedade que se refletem no processo educativo. Essa é uma variável
atribuída aos Estados e aos Municípios, em regime de externa que compromete a gestão macro da educação,
colaboração, e com a assistência da União, de recensear a em todas as esferas, e, portanto, reforça a premência de se
população em idade escolar para o Ensino Fundamental, e criarem processos gerenciais que proporcionem a efetivação
os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso, para que do disposto no artigo 5º e no inciso VIII do artigo 12 da LDB,
seja efetuada a chamada pública correspondente. quanto ao direito ao acesso e à permanência na escola de
qualidade.

2
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Assim entendida, a qualidade na escola exige de todos VIII – valorização dos profissionais da educação, com
os sujeitos do processo educativo: programa de formação continuada, critérios de acesso,
I – a instituição da Política Nacional de Formação de permanência, remuneração compatível com a jornada de
Profissionais do Magistério da Educação Básica, com a trabalho definida no projeto político-pedagógico;
finalidade de organizar, em regime de colaboração entre IX – realização de parceria com órgãos, tais como os
a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a de assistência social, desenvolvimento e direitos humanos,
formação inicial e continuada dos profissionais do magistério cidadania, ciência e tecnologia, esporte, turismo, cultura e
para as redes públicas da educação (Decreto nº 6.755, de 29 arte, saúde, meio ambiente.
de janeiro de 2009); No documento “Indicadores de Qualidade na Educação”
II – ampliação da visão política expressa por meio de (Ação Educativa, 2004), a qualidade é vista com um caráter
habilidades inovadoras, fundamentadas na capacidade para dinâmico, porque cada escola tem autonomia para refletir,
aplicar técnicas e tecnologias orientadas pela ética e pela propor e agir na busca da qualidade do seu trabalho, de
estética; acordo com os contextos socioculturais locais.
III – responsabilidade social, princípio educacional Segundo o autor, os indicadores de qualidade são
que norteia o conjunto de sujeitos comprometidos com o sinais adotados para que se possa qualificar algo, a partir
projeto que definem e assumem como expressão e busca da dos critérios e das prioridades institucionais. Destaque-
qualidade da escola, fruto do empenho de todos. se que os referenciais e indicadores de avaliação são
Construir a qualidade social pressupõe conhecimento componentes curriculares, porque tê-los em mira facilita a
dos interesses sociais da comunidade escolar para que aproximação entre a escola que se tem e aquela que se quer,
seja possível educar e cuidar mediante interação efetivada traduzida no projeto político-pedagógico, para além do
entre princípios e finalidades educacionais, objetivos, que fica disposto no inciso IX do artigo 4º da LDB: definição
conhecimento e concepções curriculares. Isso abarca mais de padrões mínimos de qualidade de ensino, como a
que o exercício político-pedagógico que se viabiliza mediante variedade e quantidade mínimas, por estudante, de insumos
atuação de todos os sujeitos da comunidade educativa. indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-
Ou seja, efetiva-se não apenas mediante participação de aprendizagem.
todos os sujeitos da escola – estudante, professor, técnico, Essa exigência legal traduz a necessidade de se
funcionário, coordenador – mas também mediante aquisição reconhecer que a avaliação da qualidade associa-se à ação
e utilização adequada dos objetos e espaços (laboratórios, planejada, coletivamente, pelos sujeitos da escola e supõe
equipamentos, mobiliário, salas-ambiente, biblioteca, que tais sujeitos tenham clareza quanto:
videoteca etc.) requeridos para responder ao projeto I – aos princípios e às finalidades da educação, além do
político-pedagógico pactuado, vinculados às condições/ reconhecimento e análise dos dados indicados pelo IDEB e/
disponibilidades mínimas para se instaurar a primazia da ou outros indicadores, que complementem ou substituam
aquisição e do desenvolvimento de hábitos investigatórios estes;
para construção do conhecimento. II – à relevância de um projeto político-pedagógico
A escola de qualidade social adota como centralidade o concebido e assumido coletivamente pela comunidade
diálogo, a colaboração, os sujeitos e as aprendizagens, o que educacional, respeitadas as múltiplas diversidades e a
pressupõe, sem dúvida, atendimento a requisitos tais como: pluralidade cultural;
I – revisão das referências conceituais quanto aos III – à riqueza da valorização das diferenças manifestadas
diferentes espaços e tempos educativos, abrangendo pelos sujeitos do processo educativo, em seus diversos
espaços sociais na escola e fora dela; segmentos, respeitados o tempo e o contexto sociocultural;
II – consideração sobre a inclusão, a valorização das IV – aos padrões mínimos de qualidade (Custo Aluno
diferenças e o atendimento à pluralidade e à diversidade Qualidade inicial – CAQi7), que apontam para quanto deve
cultural, resgatando e respeitando os direitos humanos, ser investido por estudante de cada etapa e modalidade da
individuais e coletivos e as várias manifestações de cada Educação Básica, para que o País ofereça uma educação de
comunidade; qualidade a todos os estudantes.
III – foco no projeto político-pedagógico, no gosto pela Para se estabelecer uma educação com um padrão
aprendizagem, e na avaliação das aprendizagens como mínimo de qualidade, é necessário investimento com
instrumento de contínua progressão dos estudantes; valor calculado a partir das despesas essenciais ao
IV – interrelação entre organização do currículo, do desenvolvimento dos processos e procedimentos formativos,
trabalho pedagógico e da jornada de trabalho do professor, que levem, gradualmente, a uma educação integral, dotada
tendo como foco a aprendizagem do estudante; de qualidade social: creches e escolas possuindo condições
V – preparação dos profissionais da educação, gestores, de infraestrutura e de adequados equipamentos e de
professores, especialistas, técnicos, monitores e outros; acessibilidade; professores qualificados com remuneração
VI – compatibilidade entre a proposta curricular e a adequada e compatível com a de outros profissionais com
infraestrutura entendida como espaço formativo dotado igual nível de formação, em regime de trabalho de 40 horas
de efetiva disponibilidade de tempos para a sua utilização em tempo integral em uma mesma escola; definição de uma
e acessibilidade; relação adequada entre o número de estudantes por turma
VII – integração dos profissionais da educação, e por professor, que assegure aprendizagens relevantes;
os estudantes, as famílias, os agentes da comunidade pessoal de apoio técnico e administrativo que garanta o
interessados na educação; bom funcionamento da escola.

3
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Organização curricular: conceito, limites, As fronteiras são demarcadas quando se admite tão
possibilidades somente a ideia de currículo formal. Mas as reflexões teóricas
sobre currículo têm como referência os princípios educacionais
No texto “Currículo, conhecimento e cultura”, Moreira e garantidos à educação formal. Estes estão orientados pela
Candau (2006) apresentam diversas definições atribuídas a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura,
currículo, a partir da concepção de cultura como prática social, o pensamento, a arte e o conhecimento científico, além do
ou seja, como algo que, em vez de apresentar significados pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, assim
intrínsecos, como ocorre, por exemplo, com as manifestações como a valorização da experiência extraescolar, e a vinculação
artísticas, a cultura expressa significados atribuídos a partir entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
da linguagem. Em poucas palavras, essa concepção é Assim, e tendo como base o teor do artigo 27 da LDB,
definida como “experiências escolares que se desdobram em pode-se entender que o processo didático em que se realizam
torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais, as aprendizagens fundamenta-se na diretriz que assim delimita
buscando articular vivências e saberes dos alunos com os o conhecimento para o conjunto de atividades:
conhecimentos historicamente acumulados e contribuindo Os conteúdos curriculares da Educação Básica observarão,
para construir as identidades dos estudantes” (idem, p. 22). ainda, as seguintes diretrizes:
Uma vez delimitada a ideia sobre cultura, os autores definem I – a difusão de valores fundamentais ao interesse social,
currículo como: conjunto de práticas que proporcionam a aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem
produção, a circulação e o consumo de significados no espaço comum e à ordem democrática;
social e que contribuem, intensamente, para a construção de II – consideração das condições de escolaridade dos
identidades sociais e culturais. O currículo é, por consequência, estudantes em cada estabelecimento;
um dispositivo de grande efeito no processo de construção III – orientação para o trabalho;
da identidade do (a) estudante (p. 27). Currículo refere-se, IV – promoção do desporto educacional e apoio às
portanto, a criação, recriação, contestação e transgressão práticas desportivas não-formais.
(Moreira e Silva, 1994). Desse modo, os valores sociais, bem como os direitos e
Nesse sentido, a fonte em que residem os conhecimentos deveres dos cidadãos, relacionam-se com o bem comum e
escolares são as práticas socialmente construídas. Segundo com a ordem democrática. Estes são conceitos que requerem
os autores, essas práticas se constituem em “âmbitos de
a atenção da comunidade escolar para efeito de organização
referência dos currículos” que correspondem:
curricular, cuja discussão tem como alvo e motivação a
a) às instituições produtoras do conhecimento científico
temática da construção de identidades sociais e culturais. A
(universidades e centros de pesquisa);
problematização sobre essa temática contribui para que se
b) ao mundo do trabalho;
possa compreender, coletivamente, que educação cidadã
c) aos desenvolvimentos tecnológicos;
consiste na interação entre os sujeitos, preparando-os por
d) às atividades desportivas e corporais;
meio das atividades desenvolvidas na escola, individualmente
e) à produção artística;
f) ao campo da saúde; e em equipe, para se tornarem aptos a contribuir para a
g) às formas diversas de exercício da cidadania; construção de uma sociedade mais solidária, em que se exerça
h) aos movimentos sociais. a liberdade, a autonomia e a responsabilidade.
Daí entenderem que toda política curricular é uma política Nessa perspectiva, cabe à instituição escolar compreender
cultural, pois o currículo é fruto de uma seleção e produção de como o conhecimento é produzido e socialmente valorizado
saberes: campo conflituoso de produção de cultura, de embate e como deve ela responder a isso. É nesse sentido que as
entre pessoas concretas, concepções de conhecimento e instâncias gestoras devem se fortalecer instaurando um
aprendizagem, formas de imaginar e perceber o mundo. Assim, processo participativo organizado formalmente, por meio
as políticas curriculares não se resumem apenas a propostas de colegiados, da organização estudantil e dos movimentos
e práticas enquanto documentos escritos, mas incluem os sociais.
processos de planejamento, vivenciados e reconstruídos em A escola de Educação Básica é espaço coletivo de convívio,
múltiplos espaços e por múltiplas singularidades no corpo onde são privilegiadas trocas, acolhimento e aconchego para
social da educação. Para Lopes (2004, p. 112), mesmo sendo garantir o bem-estar de crianças, adolescentes, jovens e
produções para além das instâncias governamentais, não adultos, no relacionamento entre si e com as demais pessoas.
significa desconsiderar o poder privilegiado que a esfera É uma instância em que se aprende a valorizar a riqueza das
governamental possui na produção de sentidos nas políticas, raízes culturais próprias das diferentes regiões do País que,
pois as práticas e propostas desenvolvidas nas escolas também juntas, formam a Nação. Nela se ressignifica e recria a cultura
são produtoras de sentidos para as políticas curriculares. herdada, reconstruindo as identidades culturais, em que se
Os efeitos das políticas curriculares, no contexto da aprende a valorizar as raízes próprias das diferentes regiões
prática, são condicionados por questões institucionais e do País.
disciplinares que, por sua vez, têm diferentes histórias, Essa concepção de escola exige a superação do rito escolar,
concepções pedagógicas e formas de organização, expressas desde a construção do currículo até os critérios que orientam a
em diferentes publicações. As políticas estão sempre em organização do trabalho escolar em sua multidimensionalidade,
processo de vir-a-ser, sendo múltiplas as leituras possíveis privilegia trocas, acolhimento e aconchego, para garantir o
de serem realizadas por múltiplos leitores, em um constante bem-estar de crianças, adolescentes, jovens e adultos, no
processo de interpretação das interpretações. relacionamento interpessoal entre todas as pessoas.

4
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Cabe, pois, à escola, diante dessa sua natureza, assumir Tendo em vista a amplitude do papel socioeducativo
diferentes papéis, no exercício da sua missão essencial, que é atribuído ao conjunto orgânico da Educação Básica, cabe
a de construir uma cultura de direitos humanos para preparar aos sistemas educacionais, em geral, definir o programa de
cidadãos plenos. A educação destina-se a múltiplos sujeitos escolas de tempo parcial diurno (matutino e/ou vespertino),
e tem como objetivo a troca de saberes, a socialização e o tempo parcial noturno e tempo integral (turno e contraturno
confronto do conhecimento, segundo diferentes abordagens, ou turno único com jornada escolar de 7 horas, no mínimo ,
exercidas por pessoas de diferentes condições físicas, sensoriais, durante todo o período letivo), o que requer outra e diversa
intelectuais e emocionais, classes sociais, crenças, etnias, gêneros, organização e gestão do trabalho pedagógico, contemplando
origens, contextos socioculturais, e da cidade, do campo e de as diferentes redes de ensino, a partir do pressuposto de que
aldeias. Por isso, é preciso fazer da escola a instituição acolhedora, compete a todas elas o desenvolvimento integral de suas
inclusiva, pois essa é uma opção “transgressora”, porque rompe demandas, numa tentativa de superação das desigualdades
com a ilusão da homogeneidade e provoca, quase sempre, uma de natureza sociocultural, socioeconômica e outras.
espécie de crise de identidade institucional. Há alguns anos, se tem constatado a necessidade de a
A escola é, ainda, espaço em que se abrigam desencontros criança, o adolescente e o jovem, particularmente aqueles das
de expectativas, mas também acordos solidários, norteados classes sociais trabalhadoras, permanecerem mais tempo na
por princípios e valores educativos pactuados por meio escola.
do projeto político- pedagógico concebido segundo as Tem-se defendido que o estudante poderia beneficiar-se
demandas sociais e aprovado pela comunidade educativa. da ampliação da jornada escolar, no espaço único da escola
Por outro lado, enquanto a escola se prende às ou diferentes espaços educativos, nos quais a permanência do
características de metodologias tradicionais, com relação estudante se liga tanto à quantidade e qualidade do tempo
ao ensino e à aprendizagem como ações concebidas diário de escolarização, quanto à diversidade de atividades de
separadamente, as características de seus estudantes requerem aprendizagens.
outros processos e procedimentos, em que aprender, ensinar, Assim, a qualidade da permanência em tempo integral
pesquisar, investigar, avaliar ocorrem de modo indissociável. do estudante nesses espaços implica a necessidade da
Os estudantes, entre outras características, aprendem a incorporação efetiva e orgânica no currículo de atividades e
receber informação com rapidez, gostam do processo estudos pedagogicamente planejados e acompanhados ao
paralelo, de realizar várias tarefas ao mesmo tempo, preferem longo de toda a jornada.
fazer seus gráficos antes de ler o texto, enquanto os docentes No projeto nacional de educação, tanto a escola de
creem que acompanham a era digital apenas porque digitam tempo integral quanto a de tempo parcial, diante da sua
e imprimem textos, têm e-mail, não percebendo que os responsabilidade educativa, social e legal, assumem a
estudantes nasceram na era digital. aprendizagem compreendendo- a como ação coletiva
As tecnologias da informação e comunicação constituem conectada com a vida, com as necessidades, possibilidades
uma parte de um contínuo desenvolvimento de tecnologias, a e interesses das crianças, dos jovens e dos adultos. O direito
começar pelo giz e os livros, todos podendo apoiar e enriquecer de aprender é, portanto, intrínseco ao direito à dignidade
as aprendizagens. Como qualquer ferramenta, devem ser usadas humana, à liberdade, à inserção social, ao acesso aos bens
e adaptadas para servir a fins educacionais e como tecnologia sociais, artísticos e culturais, significando direito à saúde em
assistiva; desenvolvidas de forma a possibilitar que a interatividade todas as suas implicações, ao lazer, ao esporte, ao respeito, à
virtual se desenvolva de modo mais intenso, inclusive na integração familiar e comunitária.
produção de linguagens. Assim, a infraestrutura tecnológica, Conforme o artigo 34 da LDB, o Ensino Fundamental
como apoio pedagógico às atividades escolares, deve também incluirá, pelo menos, quatro horas de trabalho efetivo em
garantir acesso dos estudantes à biblioteca, ao rádio, à televisão, sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período
à internet aberta às possibilidades da convergência digital. de permanência na escola, até que venha a ser ministrado
Essa distância necessita ser superada, mediante aproximação em tempo integral (§ 2º). Essa disposição, obviamente, só é
dos recursos tecnológicos de informação e comunicação, factível para os cursos do período diurno, tanto é que o § 1º
estimulando a criação de novos métodos didático-pedagógicos, ressalva os casos do ensino noturno.
para que tais recursos e métodos sejam inseridos no cotidiano Os cursos em tempo parcial noturno, na sua maioria, são
escolar. Isto porque o conhecimento científico, nos tempos atuais, de Educação de Jovens e Adultos (EJA) destinados, mormente,
exige da escola o exercício da compreensão, valorização da ciência e a estudantes trabalhadores, com maior maturidade e
da tecnologia desde a infância e ao longo de toda a vida, em busca experiência de vida. São poucos, porém, os cursos regulares
da ampliação do domínio do conhecimento científico: uma das noturnos destinados a adolescentes e jovens de 15 a 18 anos
condições para o exercício da cidadania. O conhecimento científico ou pouco mais, os quais são compelidos ao estudo nesse
e as novas tecnologias constituem-se, cada vez mais, condição para turno por motivos de defasagem escolar e/ou de inadaptação
que a pessoa saiba se posicionar frente a processos e inovações aos métodos adotados e ao convívio com colegas de idades
que a afetam. Não se pode, pois, ignorar que se vive: o avanço menores. A regra tem sido induzi-los a cursos de EJA, quando
do uso da energia nuclear; da nanotecnologia; a conquista da o necessário são cursos regulares, com programas adequados
produção de alimentos geneticamente modificados; a clonagem à sua faixa etária, como, aliás, é claramente prescrito no inciso
biológica. Nesse contexto, tanto o docente quanto o estudante e VI do artigo 4º da LDB: oferta de ensino noturno regular,
o gestor requerem uma escola em que a cultura, a arte, a ciência e adequado às condições do educando.
a tecnologia estejam presentes no cotidiano escolar, desde o início
da Educação Básica.

5
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Formas para a organização curricular Na organização e gestão do currículo, as abordagens


disciplinar, pluridisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar
Retoma-se aqui o entendimento de que currículo requerem a atenção criteriosa da instituição escolar, porque
é o conjunto de valores e práticas que proporcionam a revelam a visão de mundo que orienta as práticas pedagógicas
produção e a socialização de significados no espaço social dos educadores e organizam o trabalho do estudante.
e que contribuem, intensamente, para a construção de Perpassam todos os aspectos da organização escolar, desde o
identidades sociais e culturais dos estudantes. E reitera- planejamento do trabalho pedagógico, a gestão administrativo-
se que deve difundir os valores fundamentais do interesse acadêmica, até a organização do tempo e do espaço físico e a
social, dos direitos e deveres dos cidadãos, do respeito ao seleção, disposição e utilização dos equipamentos e mobiliário
bem comum e à ordem democrática, bem como considerar da instituição, ou seja, todo o conjunto das atividades que se
as condições de escolaridade dos estudantes em cada realizam no espaço escolar, em seus diferentes âmbitos. As
estabelecimento, a orientação para o trabalho, a promoção abordagens multidisciplinar, pluridisciplinar e interdisciplinar
de práticas educativas formais e não-formais. fundamentam-se nas mesmas bases, que são as disciplinas, ou
Na Educação Básica, a organização do tempo curricular seja, o recorte do conhecimento.
deve ser construída em função das peculiaridades de seu Para Basarab Nicolescu (2000, p. 17), em seu artigo
meio e das características próprias dos seus estudantes, “Um novo tipo de conhecimento: transdisciplinaridade”, a
não se restringindo às aulas das várias disciplinas. O disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a transdisciplinaridade
percurso formativo deve, nesse sentido, ser aberto e e a interdisciplinaridade são as quatro flechas de um único e
contextualizado, incluindo não só os componentes mesmo arco: o do conhecimento.
curriculares centrais obrigatórios, previstos na legislação Enquanto a multidisciplinaridade expressa frações do
e nas normas educacionais, mas, também, conforme conhecimento e o hierarquiza, a pluridisciplinaridade estuda
cada projeto escolar estabelecer, outros componentes um objeto de uma disciplina pelo ângulo de várias outras ao
flexíveis e variáveis que possibilitem percursos formativos mesmo tempo. Segundo Nicolescu, a pesquisa pluridisciplinar
que atendam aos inúmeros interesses, necessidades e traz algo a mais a uma disciplina, mas restringe-se a ela, está
características dos educandos. a serviço dela.
Quanto à concepção e à organização do espaço A transdisciplinaridade refere-se ao conhecimento próprio
curricular e físico, se imbricam e se alargam, por incluir da disciplina, mas está para além dela. O conhecimento situa-
no desenvolvimento curricular ambientes físicos, didático- se na disciplina, nas diferentes disciplinas e além delas, tanto no
pedagógicos e equipamentos que não se reduzem às espaço quanto no tempo. Busca a unidade do conhecimento
salas de aula, incluindo outros espaços da escola e de na relação entre a parte e o todo, entre o todo e a parte. Adota
outras instituições escolares, bem como os socioculturais atitude de abertura sobre as culturas do presente e do passado,
e esportivo-recreativos do entorno, da cidade e mesmo da uma assimilação da cultura e da arte. O desenvolvimento da
região. capacidade de articular diferentes referências de dimensões da
Essa ampliação e diversificação dos tempos e espaços pessoa humana, de seus direitos, e do mundo é fundamento
curriculares pressupõe profissionais da educação dispostos básico da transdisciplinaridade. De acordo com Nicolescu (p.
a reinventar e construir essa escola, numa responsabilidade 15), para os adeptos da transdisciplinaridade, o pensamento
compartilhada com as demais autoridades encarregadas clássico é o seu campo de aplicação, por isso é complementar
da gestão dos órgãos do poder público, na busca de à pesquisa pluri e interdisciplinar.
parcerias possíveis e necessárias, até porque educar é
responsabilidade da família, do Estado e da sociedade. A interdisciplinaridade pressupõe a transferência de
A escola precisa acolher diferentes saberes, diferentes métodos de uma disciplina para outra.
manifestações culturais e diferentes óticas, empenhar-se
para se constituir, ao mesmo tempo, em um espaço de Ultrapassa-as, mas sua finalidade inscreve-se no
heterogeneidade e pluralidade, situada na diversidade estudo disciplinar. Pela abordagem interdisciplinar ocorre a
em movimento, no processo tornado possível por meio transversalidade do conhecimento constitutivo de diferentes
de relações intersubjetivas, fundamentada no princípio disciplinas, por meio da ação didáticopedagógica mediada pela
emancipador. Cabe, nesse sentido, às escolas desempenhar pedagogia dos projetos temáticos. Estes facilitam a organização
o papel socioeducativo, artístico, cultural, ambiental, coletiva e cooperativa do trabalho pedagógico, embora sejam
fundamentadas no pressuposto do respeito e da ainda recursos que vêm sendo utilizados de modo restrito
valorização das diferenças, entre outras, de condição física, e, às vezes, equivocados. A interdisciplinaridade é, portanto,
sensorial e socioemocional, origem, etnia, gênero, classe entendida aqui como abordagem teóricometodológica em que
social, contexto sociocultural, que dão sentido às ações a ênfase incide sobre o trabalho de integração das diferentes
educativas, enriquecendo-as, visando à superação das áreas do conhecimento, um real trabalho de cooperação e
desigualdades de natureza sociocultural e socioeconômica. troca, aberto ao diálogo e ao planejamento (Nogueira, 2001,
Contemplar essas dimensões significa a revisão dos p. 27). Essa orientação deve ser enriquecida, por meio de
ritos escolares e o alargamento do papel da instituição proposta temática trabalhada transversalmente ou em redes
escolar e dos educadores, adotando medidas proativas e de conhecimento e de aprendizagem, e se expressa por meio
ações preventivas. de uma atitude que pressupõe planejamento sistemático e
integrado e disposição para o diálogo.

6
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

A transversalidade é entendida como uma forma Nessa perspectiva, cada sistema pode conferir à
de organizar o trabalho didáticopedagógico em que comunidade escolar autonomia para seleção dos temas
temas, eixos temáticos são integrados às disciplinas, e delimitação dos espaços curriculares a eles destinados,
às áreas ditas convencionais de forma a estarem bem como a forma de tratamento que será conferido
presentes em todas elas. A transversalidade difere-se da à transversalidade. Para que sejam implantadas com
interdisciplinaridade e complementam-se; ambas rejeitam sucesso, é fundamental que as ações interdisciplinares
a concepção de conhecimento que toma a realidade sejam previstas no projeto político-pedagógico, mediante
como algo estável, pronto e acabado. A primeira se pacto estabelecido entre os profissionais da educação,
refere à dimensão didáticopedagógica e a segunda, à responsabilizando-se pela concepção e implantação do
abordagem epistemológica dos objetos de conhecimento. projeto interdisciplinar na escola, planejando, avaliando
A transversalidade orienta para a necessidade de se as etapas programadas e replanejando-as, ou seja,
instituir, na prática educativa, uma analogia entre aprender reorientando o trabalho de todos, em estreito laço com
conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender as famílias, a comunidade, os órgãos responsáveis pela
sobre a realidade) e as questões da vida real (aprender na observância do disposto em lei, principalmente, no ECA.
realidade e da realidade). Dentro de uma compreensão Com a implantação e implementação da LDB, a
interdisciplinar do conhecimento, a transversalidade expressão “matriz” foi adotada formalmente pelos
tem significado, sendo uma proposta didática que diferentes sistemas educativos, mas ainda não conseguiu
possibilita o tratamento dos conhecimentos escolares de provocar ampla e aprofundada discussão pela comunidade
forma integrada. Assim, nessa abordagem, a gestão do educacional. O que se pode constatar é que a matriz foi
conhecimento parte do pressuposto de que os sujeitos são entendida e assumida carregando as mesmas características
agentes da arte de problematizar e interrogar, e buscam da “grade” burocraticamente estabelecida. Em sua história,
procedimentos interdisciplinares capazes de acender esta recebeu conceitos a partir dos quais não se pode
a chama do diálogo entre diferentes sujeitos, ciências, considerar que matriz e grade sejam sinônimas. Mas
saberes e temas. o que é matriz? E como deve ser entendida a expressão
“curricular”, se forem consideradas as orientações para a
A prática interdisciplinar é, portanto, uma abordagem
educação nacional, pelos atos legais e normas vigentes?
que facilita o exercício da transversalidade, constituindo-
Se o termo matriz for concebido tendo como referência
se em caminhos facilitadores da integração do processo
o discurso das ciências econômicas, pode ser apreendida
formativo dos estudantes, pois ainda permite a sua
como correlata de grade. Se for considerada a partir de
participação na escolha dos temas prioritários. Desse
sua origem etimológica, será entendida como útero (lugar
ponto de vista, a interdisciplinaridade e o exercício da
onde o feto de desenvolve), ou seja, lugar onde algo é
transversalidade ou do trabalho pedagógico centrado em
concebido, gerado e/ou criado (como a pepita vinda da
eixos temáticos, organizados em redes de conhecimento, matriz) ou, segundo Antônio Houaiss (2001,
contribuem para que a escola dê conta de tornar os p. 1870), aquilo que é fonte ou origem, ou ainda,
seus sujeitos conscientes de seus direitos e deveres e da segundo o mesmo autor, a casa paterna ou materna,
possibilidade de se tornarem aptos a aprender a criar novos espaço de referência dos filhos, mesmo após casados.
direitos, coletivamente. De qualquer forma, esse percurso é Admitindo a acepção de matriz como lugar onde algo é
promovido a partir da seleção de temas entre eles o tema dos concebido, gerado ou criado ou como aquilo que é fonte
direitos humanos, recomendados para serem abordados ao ou origem, não se admite equivalência de sentido, menos
longo do desenvolvimento de componentes curriculares ainda como desenho simbólico ou instrumental da matriz
com os quais guardam intensa ou relativa relação temática, curricular com o mesmo formato e emprego atribuído
em função de prescrição definida pelos órgãos do sistema historicamente à grade curricular. A matriz curricular
educativo ou pela comunidade educacional, respeitadas as deve, portanto, ser entendida como algo que funciona
características próprias da etapa da Educação Básica que a assegurando movimento, dinamismo, vida curricular e
justifica. educacional na sua multidimensionalidade, de tal modo
Conceber a gestão do conhecimento escolar que os diferentes campos do conhecimento possam se
enriquecida pela adoção de temas a serem tratados sob coadunar com o conjunto de atividades educativas e
a perspectiva transversal exige da comunidade educativa instigar, estimular o despertar de necessidades e desejos
clareza quanto aos princípios e às finalidades da educação, nos sujeitos que dão vida à escola como um todo. A matriz
além de conhecimento da realidade contextual, em que curricular constitui-se no espaço em que se delimita o
as escolas, representadas por todos os seus sujeitos e a conhecimento e representa, além de alternativa operacional
sociedade, se acham inseridas. Para isso, o planejamento que subsidia a gestão de determinado currículo escolar,
das ações pedagógicas pactuadas de modo sistemático subsídio para a gestão da escola (organização do tempo e
e integrado é pré-requisito indispensável à organicidade, espaço curricular; distribuição e controle da carga horária
sequencialidade e articulação do conjunto das docente) e primeiro passo para a conquista de outra forma
aprendizagens perspectivadas, o que requer a participação de gestão do conhecimento pelos sujeitos que dão vida
de todos. Parte-se, pois, do pressuposto de que, para ser ao cotidiano escolar, traduzida como gestão centrada
tratada transversalmente, a temática atravessa, estabelece na abordagem interdisciplinar. Neste sentido, a matriz
elos, enriquece, complementa temas e/ou atividades curricular deve se organizar por “eixos temáticos”, definidos
tratadas por disciplinas, eixos ou áreas do conhecimento. pela unidade escolar ou pelo sistema educativo.

7
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Para a definição de eixos temáticos norteadores da Formação básica comum e parte diversificada
organização e desenvolvimento curricular, parte-se do
entendimento de que o programa de estudo aglutina A LDB definiu princípios e objetivos curriculares gerais
investigações e pesquisas sob diferentes enfoques. O eixo para o Ensino Fundamental e Médio, sob os aspectos:
temático organiza a estrutura do trabalho pedagógico, I – duração: anos, dias letivos e carga horária mínimos;
limita a dispersão temática e fornece o cenário no qual II – uma base nacional comum;
são construídos os objetos de estudo. O trabalho com eixos III – uma parte diversificada.
temáticos permite a concretização da proposta de trabalho Entende-se por base nacional comum, na Educação
pedagógico centrada na visão interdisciplinar, pois facilita a Básica, os conhecimentos, saberes e valores produzidos
organização dos assuntos, de forma ampla e abrangente, a culturalmente, expressos nas políticas públicas e que são
problematização e o encadeamento lógico dos conteúdos e gerados nas instituições produtoras do conhecimento
a abordagem selecionada para a análise e/ou descrição dos científico e tecnológico; no mundo do trabalho; no
temas. O recurso dos eixos temáticos propicia o trabalho em desenvolvimento das linguagens; nas atividades desportivas
equipe, além de contribuir para a superação do isolamento das e corporais; na produção artística; nas formas diversas e
pessoas e de conteúdos fixos. Os professores com os estudantes exercício da cidadania; nos movimentos sociais, definidos no
têm liberdade de escolher temas, assuntos que desejam estudar,
texto dessa Lei, artigos 26 e 33 , que assim se traduzem:
contextualizando-os em interface com outros.
I – na Língua Portuguesa;
Incide sobre a aprendizagem, subsidiada pela consciência de
II – na Matemática;
que o processo de comunicação entre estudantes e professores
é efetivado por meio de práticas e recursos tradicionais e por III – no conhecimento do mundo físico, natural, da
práticas de aprendizagem desenvolvidas em ambiente virtual. realidade social e política, especialmente do Brasil, incluindo-
Pressupõe compreender que se trata de aprender em rede e não se o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena,
de ensinar na rede, exigindo que o ambiente de aprendizagem seja IV – na Arte em suas diferentes formas de expressão,
dinamizado e compartilhado por todos os sujeitos do processo incluindo-se a música;
educativo. Esses são procedimentos que não se confundem. V – na Educação Física;
Por isso, as redes de aprendizagem constituem-se em VI – no Ensino Religioso.
ferramenta didáticopedagógica relevante também nos Tais componentes curriculares são organizados pelos
programas de formação inicial e continuada de profissionais sistemas educativos, em forma de áreas de conhecimento,
da educação. Esta opção requer planejamento sistemático disciplinas, eixos temáticos, preservando-se a especificidade
integrado, estabelecido entre sistemas educativos docentes dos diferentes campos do conhecimento, por meio dos
como infraestrutura favorável, prática por projetos, respeito quais se desenvolvem as habilidades indispensáveis ao
ao tempo escolar, avaliação planejada, perfil do professor, exercício da cidadania, em ritmo compatível com as etapas
perfil e papel da direção escolar, formação do corpo docente, do desenvolvimento integral do cidadão.
valorização da leitura, atenção individual ao estudante, A parte diversificada enriquece e complementa a base
atividades complementares e parcerias. nacional comum, prevendo o estudo das características
Mas inclui outros aspectos como interação com as famílias regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e
e a comunidade, valorização docente e outras medidas, entre da comunidade escolar. Perpassa todos os tempos e espaços
as quais a instituição de plano de carreira, cargos e salários. curriculares constituintes do Ensino Fundamental e do Médio,
As experiências em andamento têm revelado êxitos e desafios independentemente do ciclo da vida no qual os sujeitos
vividos pelas redes na busca da qualidade da educação. Os tenham acesso à escola. É organizada em temas gerais, em
desafios centram-se, predominantemente, nos obstáculos para a forma de áreas do conhecimento, disciplinas, eixos temáticos,
gestão participativa, a qualificação dos funcionários, a integração selecionados pelos sistemas educativos e pela unidade
entre instituições escolares de diferentes sistemas educativos escolar, colegiadamente, para serem desenvolvidos de forma
(estadual e municipal, por exemplo) e a inclusão de estudantes
transversal. A base nacional comum e a parte diversificada
com deficiência. São ressaltados, como pontos positivos, o
não podem se constituir em dois blocos distintos, com
intercâmbio de informações; a agilidade dos fluxos; os recursos
disciplinas específicas para cada uma dessas partes.
que alimentam relações e aprendizagens coletivas, orientadas por
um propósito comum: a garantia do direito de aprender. A compreensão sobre base nacional comum, nas suas
Entre as vantagens, podem ser destacadas aquelas que relações com a parte diversificada, foi objeto de vários
se referem à multiplicação de aulas de transmissão em tempo pareceres emitidos pelo CNE, cuja síntese se encontra no
real por meio de tele aulas, com elevado grau de qualidade e Parecer CNE/CEB nº 14/2000, da lavra da conselheira Edla de
amplas possibilidades de acesso, em telessalas ou em qualquer Araújo Lira Soares. Após retomar o texto dos artigos 26 e 27
outro lugar, previamente preparado, para acesso pelos sujeitos da LDB, a conselheira assim se pronuncia:
da aprendizagem; aulas simultâneas para várias salas (e várias (…) a base nacional comum interage com a parte
unidades escolares) com um professor principal e professores diversificada, no âmago do processo de constituição de
assistentes locais, combinadas com atividades on-line em conhecimentos e valores das crianças, jovens e adultos,
plataformas digitais; aulas gravadas e acessadas a qualquer tempo evidenciando a importância da participação de todos
e de qualquer lugar por meio da internet ou da TV digital, tratando os segmentos da escola no processo de elaboração da
de conteúdo, compreensão e avaliação dessa compreensão; e proposta da instituição que deve nos termos da lei, utilizar
oferta de esclarecimentos de dúvidas em determinados momentos a parte diversificada para enriquecer e complementar a base
do processo didáticopedagógico. nacional comum.

8
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

(…) tanto a base nacional comum quanto a parte V – compreender os efeitos da “infoera”, sabendo
diversificada são fundamentais para que o currículo faça que estes atuam, cada vez mais, na vida das crianças, dos
sentido como um todo. adolescentes e adultos, para que se reconheçam, de um
Cabe aos órgãos normativos dos sistemas de lado, os estudantes, de outro, os profissionais da educação
ensino expedir orientações quanto aos estudos e às e a família, mas reconhecendo que os recursos midiáticos
atividades correspondentes à parte diversificada do devem permear todas as atividades de aprendizagem.
Ensino Fundamental e do Médio, de acordo com a Na organização da matriz curricular, serão observados
legislação vigente. A LDB, porém, inclui expressamente o os critérios:
estudo de, pelo menos, uma língua estrangeira moderna I – de organização e programação de todos os tempos
como componente necessário da parte diversificada, (carga horária) e espaços curriculares (componentes), em
sem determinar qual deva ser, cabendo sua escolha à forma de eixos, módulos ou projetos, tanto no que se
comunidade escolar, dentro das possibilidades da escola, refere à base nacional comum, quanto à parte diversificada,
que deve considerar o atendimento das características sendo que a definição de tais eixos, módulos ou projetos
locais, regionais, nacionais e transnacionais, tendo deve resultar de amplo e verticalizado debate entre os
em vista as demandas do mundo do trabalho e da atores sociais atuantes nas diferentes instâncias educativas;
internacionalização de toda ordem de relações. A língua II – de duração mínima anual de 200 (duzentos) dias
espanhola, no entanto, por força de lei específica (Lei nº letivos, com o total de, no mínimo, 800 (oitocentas) horas,
11.161/2005) passou a ser obrigatoriamente ofertada no recomendada a sua ampliação, na perspectiva do tempo
Ensino Médio, embora facultativa para o estudante, bem integral, sabendo-se que as atividades escolares devem ser
como possibilitada no Ensino Fundamental, do 6º ao 9º programadas articulada e integradamente, a partir da base
ano. Outras leis específicas, a latere da LDB, determinam nacional comum enriquecida e complementada pela parte
que sejam incluídos componentes não disciplinares, como diversificada, ambas formando um todo;
as questões relativas ao meio ambiente, à condição e III – da interdisciplinaridade e da contextualização, que
direito do idoso e ao trânsito. devem ser constantes em todo o currículo, propiciando a
interlocução entre os diferentes campos do conhecimento
Correspondendo à base nacional comum, ao longo do
e a transversalidade do conhecimento de diferentes
processo básico de escolarização, a criança, o adolescente,
disciplinas, bem como o estudo e o desenvolvimento de
o jovem e o adulto devem ter oportunidade de desenvolver,
projetos referidos a temas concretos da realidade dos
no mínimo, habilidades segundo as especificidades de
estudantes;
cada etapa do desenvolvimento humano, privilegiando-
IV – da destinação de, pelo menos, 20% do total da
se os aspectos intelectuais, afetivos, sociais e políticos
carga horária anual ao conjunto de programas e projetos
que se desenvolvem de forma entrelaçada, na unidade do
interdisciplinares eletivos criados pela escola, previstos no
processo didático. projeto pedagógico, de modo que os sujeitos do Ensino
Organicamente articuladas, a base comum nacional e a Fundamental e Médio possam escolher aqueles com que
parte diversificada são organizadas e geridas de tal modo se identifiquem e que lhes permitam melhor lidar com o
que também as tecnologias de informação e comunicação conhecimento e a experiência. Tais programas e projetos
perpassem transversalmente a proposta curricular desde a devem ser desenvolvidos de modo dinâmico, criativo e
Educação Infantil até o Ensino Médio, imprimindo direção flexível, em articulação com a comunidade em que a escola
aos projetos político-pedagógicos. Ambas possuem como esteja inserida;
referência geral o compromisso com saberes de dimensão V – da abordagem interdisciplinar na organização e
planetária para que, ao cuidar e educar, seja possível à gestão do currículo, viabilizada pelo trabalho desenvolvido
escola conseguir: coletivamente, planejado previamente, de modo integrado
I – ampliar a compreensão sobre as relações entre o e pactuado com a comunidade educativa;
indivíduo, o trabalho, a sociedade e a espécie humana, VI – de adoção, nos cursos noturnos do
seus limites e suas potencialidades, em outras palavras, sua Ensino Fundamental e do Médio, da metodologia
identidade terrena; didáticopedagógica pertinente às características dos
II – adotar estratégias para que seja possível, ao longo sujeitos das aprendizagens, na maioria trabalhadores, e,
da Educação Básica, desenvolver o letramento emocional, se necessário, sendo alterada a duração do curso, tendo
social e ecológico; o conhecimento científico pertinente como referência o mínimo correspondente à base nacional
aos diferentes tempos, espaços e sentidos; a compreensão comum, de modo que tais cursos não fiquem prejudicados;
do significado das ciências, das letras, das artes, do esporte VII – do entendimento de que, na proposta curricular,
e do lazer; as características dos jovens e adultos trabalhadores das
III – ensinar a compreender o que é ciência, qual a sua turmas do período noturno devem ser consideradas como
história e a quem ela se destina; subsídios importantes para garantir o acesso ao Ensino
IV – viver situações práticas a partir das quais seja Fundamental e ao Ensino Médio, a permanência e o
possível perceber que não há uma única visão de mundo, sucesso nas últimas séries, seja em curso de tempo regular,
portanto, um fenômeno, um problema, uma experiência seja em curso na modalidade de Educação de Jovens e
podem ser descritos e analisados segundo diferentes Adultos, tendo em vista o direito à frequência a uma escola
perspectivas e correntes de pensamento, que variam no que lhes dê uma formação adequada ao desenvolvimento
tempo, no espaço, na intencionalidade; de sua cidadania;

9
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

VIII – da oferta de atendimento educacional educativo, educadores e estudantes se defrontarem com


especializado, complementar ou suplementar à formação a complexidade e a tensão em que se circunscreve o
dos estudantes público-alvo da Educação Especial, previsto processo no qual se dá a formação do humano em sua
no projeto político-pedagógico da escola. multidimensionalidade.
A organização curricular assim concebida supõe outra Na Educação Básica, o respeito aos estudantes e a seus
forma de trabalho na escola, que consiste na seleção tempos mentais, socioemocionais, culturais, identitários,
adequada de conteúdos e atividades de aprendizagem, é um princípio orientador de toda a ação educativa. É
de métodos, procedimentos, técnicas e recursos didático- responsabilidade dos sistemas educativos responderem
pedagógicos. A perspectiva da articulação interdisciplinar pela criação de condições para que crianças, adolescentes,
é voltada para o desenvolvimento não apenas de jovens e adultos, com sua diversidade (diferentes condições
conhecimentos, mas também de habilidades, valores e físicas, sensoriais e socioemocionais, origens, etnias, gênero,
práticas. crenças, classes sociais, contexto sociocultural), tenham a
Considera, ainda, que o avanço da qualidade na educação oportunidade de receber a formação que corresponda à
brasileira depende, fundamentalmente, do compromisso idade própria do percurso escolar, da Educação Infantil, ao
político, dos gestores educacionais das diferentes instâncias Ensino Fundamental e ao Médio.
da educação, do respeito às diversidades dos estudantes, Adicionalmente, na oferta de cada etapa pode
da competência dos professores e demais profissionais corresponder uma ou mais das modalidades de ensino:
da educação, da garantia da autonomia responsável das Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos,
instituições escolares na formulação de seu projeto político- Educação do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação
pedagógico que contemple uma proposta consistente da Profissional e Tecnológica, Educação a Distância, a educação
organização do trabalho. nos estabelecimentos penais e a educação quilombola.
Assim referenciadas, estas Diretrizes compreendem
Organização da Educação Básica orientações para a elaboração das diretrizes específicas
para cada etapa e modalidade da Educação Básica, tendo
Em suas singularidades, os sujeitos da Educação Básica, como centro e motivação os que justificam a existência
em seus diferentes ciclos de desenvolvimento, são ativos, da instituição escolar: os estudantes em desenvolvimento.
social e culturalmente, porque aprendem e interagem; são Reconhecidos como sujeitos do processo de aprendizagens,
cidadãos de direito e deveres em construção; copartícipes têm sua identidade cultural e humana respeitada,
do processo de produção de cultura, ciência, esporte e arte, desenvolvida nas suas relações com os demais que
compartilhando saberes, ao longo de seu desenvolvimento compõem o coletivo da unidade escolar, em elo com outras
físico, cognitivo, socioafetivo, emocional, tanto do ponto de unidades escolares e com a sociedade, na perspectiva da
vista ético, quanto político e estético, na sua relação com a inclusão social exercitada em compromisso com a equidade
escola, com a família e com a sociedade em movimento. Ao e a qualidade. É nesse sentido que se deve pensar e
se identificarem esses sujeitos, é importante considerar os conceber o projeto político-pedagógico, a relação com a
dizeres de Narodowski (1998). Ele entende, apropriadamente, família, o Estado, a escola e tudo o que é nela realizado.
que a escola convive hoje com estudantes de uma infância, Sem isso, é difícil consolidar políticas que efetivem o
de uma juventude (des) realizada, que estão nas ruas, em processo de integração entre as etapas e modalidades da
situação de risco e exploração, e aqueles de uma infância e Educação Básica e garanta ao estudante o acesso, a inclusão,
juventude (hiper) realizada com pleno domínio tecnológico a permanência, o sucesso e a conclusão de etapa, e a
da internet, do orkut, dos chats. Não há mais como tratar: continuidade de seus estudos. Diante desse entendimento,
os estudantes como se fossem homogêneos, submissos, a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais
sem voz; os pais e a comunidade escolar como objetos. para a Educação Básica e a revisão e a atualização das
Eles são sujeitos plenos de possibilidades de diálogo, diretrizes específicas de cada etapa e modalidade devem
de interlocução e de intervenção. Exige-se, portanto, da ocorrer mediante diálogo vertical e horizontal, de modo
escola, a busca de um efetivo pacto em torno do projeto simultâneo e indissociável, para que se possa assegurar a
educativo escolar, que considere os sujeitos-estudantes necessária coesão dos fundamentos que as norteiam.
jovens, crianças, adultos como parte ativa de seus processos
de formação, sem minimizar a importância da autoridade Etapas da Educação Básica
adulta.
Na organização curricular da Educação Básica, devem- Quanto às etapas correspondentes aos diferentes
se observar as diretrizes comuns a todas as suas etapas, momentos constitutivos do desenvolvimento educacional,
modalidades e orientações temáticas, respeitadas suas a Educação Básica compreende:
especificidades e as dos sujeitos a que se destinam. Cada I – a Educação Infantil, que compreende: a Creche,
etapa é delimitada por sua finalidade, princípio e/ou por seus englobando as diferentes etapas do desenvolvimento da
objetivos ou por suas diretrizes educacionais, claramente criança até 3 (três) anos e 11 (onze) meses; e a Pré-Escola,
dispostos no texto da Lei nº 9.394/96, fundamentando-se na com duração de 2 (dois) anos.
inseparabilidade dos conceitos referenciais: cuidar e educar, II – o Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, com
pois esta é uma concepção norteadora do projeto político- duração de 9 (nove) anos, é organizado e tratado em duas
pedagógico concebido e executado 35 pela comunidade fases: a dos 5 (cinco) anos iniciais e a dos 4 (quatro) anos
educacional. Mas vão além disso quando, no processo finais;

10
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

III – o Ensino Médio, com duração mínima de 3 (três) é também um documento em que se registra o resultado
anos. do processo negocial estabelecido por aqueles atores
Estas etapas e fases têm previsão de idades próprias, as que estudam a escola e por ela respondem em parceria
quais, no entanto, são diversas quando se atenta para alguns (gestores, professores, técnicos e demais funcionários,
pontos como atraso na matrícula e/ou no percurso escolar, representação estudantil, representação da família e da
repetência, retenção, retorno de quem havia abandonado comunidade local). É, portanto, instrumento de previsão e
os estudos, estudantes com deficiência, jovens e adultos suporte para a avaliação das ações educativas programadas
sem escolarização ou com esta incompleta, habitantes de para a instituição como um todo; referência e transcende
zonas rurais, indígenas e quilombolas, adolescentes em o planejamento da gestão e do desenvolvimento escolar,
regime de acolhimento ou internação, jovens e adultos em porque suscita e registra decisões colegiadas que envolvem
situação de privação de liberdade nos estabelecimentos a comunidade escolar como um todo, projetando-as para
penais. além do período do mandato de cada gestor. Assim, cabe
à escola, considerada a sua identidade e a de seus sujeitos,
O projeto político-pedagógico e o regimento articular a formulação do projeto político-pedagógico com
escolar os planos de educação nacional, estadual, municipal, o
plano da gestão, o contexto em que a escola se situa e as
O projeto político-pedagógico, nomeado na LDB como necessidades locais e as de seus estudantes. A organização
proposta ou projeto pedagógico, representa mais do que e a gestão das pessoas, do espaço, dos processos e os
um documento. É um dos meios de viabilizar a escola procedimentos que viabilizam o trabalho de todos aqueles
democrática e autônoma para todos, com qualidade social. que se inscrevem no currículo em movimento expresso no
Autonomia pressupõe liberdade e capacidade de decidir projeto político-pedagógico representam o conjunto de
a partir de regras relacionais. O exercício da autonomia elementos que integram o trabalho pedagógico e a gestão
administrativa e pedagógica da escola pode ser traduzido da escola tendo como fundamento o que dispõem os
como a capacidade de governar a si mesmo, por meio de artigos 14, 12 e 13, da LDB, respectivamente.
normas próprias.
Na elaboração do projeto político-pedagógico, a
A autonomia da escola numa sociedade democrática
concepção de currículo e de conhecimento escolar deve
é, sobretudo, a possibilidade de ter uma compreensão
ser enriquecida pela compreensão de como lidar com
particular das metas da tarefa de educar e cuidar, das
temas significativos que se relacionem com problemas
relações de interdependência, da possibilidade de fazer
e fatos culturais relevantes da realidade em que a escola
escolhas visando a um trabalho educativo eticamente
se inscreve. O conhecimento prévio sobre como funciona
responsável, que devem ser postas em prática nas
o financiamento da educação pública, tanto em nível
instituições educacionais, no cumprimento do artigo 3º
da LDB, em que vários princípios derivam da Constituição federal quanto em estadual e municipal, pela comunidade
Federal. Essa autonomia tem como suporte a Constituição educativa, contribui, significativamente, no momento
Federal e o disposto no artigo 15 da LDB: em que se estabelecem as prioridades institucionais.
Os sistemas de ensino assegurarão às unidades A natureza e a finalidade da unidade escolar, o papel
escolares públicas de Educação Básica que os integram socioeducativo, artístico, cultural, ambiental, as questões
progressivos graus de autonomia pedagógica e de gênero, etnia, classe social e diversidade cultural
administrativa e de gestão financeira, observadas as que compõem as ações educativas, particularmente a
normas gerais de direito financeiro público. organização e a gestão curricular, são os componentes que
O ponto de partida para a conquista da autonomia subsidiam as demais partes integrantes do projeto político-
pela instituição educacional tem por base a construção da pedagógico. Nele, devem ser previstas as prioridades
identidade de cada escola, cuja manifestação se expressa institucionais que a identificam. Além de se observar
no seu projeto pedagógico e no regimento escolar próprio, tais critérios e compromisso, deve-se definir o conjunto
enquanto manifestação de seu ideal de educação e que das ações educativas próprias das etapas da Educação
permite uma nova e democrática ordenação pedagógica Básica assumidas pela unidade escolar, de acordo com
das relações escolares. O projeto político-pedagógico as especificidades que lhes correspondam, preservando a
deve, pois, ser assumido pela comunidade educativa, ao articulação orgânica daquelas etapas.
mesmo tempo, como sua força indutora do processo Reconhecendo o currículo como coração que faz pulsar
participativo na instituição e como um dos instrumentos o trabalho pedagógico na sua multidimensionalidade
de conciliação das diferenças, de busca da construção de e dinamicidade, o projeto político-pedagógico deve
responsabilidade compartilhada por todos os membros constituir-se:
integrantes da comunidade escolar, sujeitos históricos I – do diagnóstico da realidade concreta dos sujeitos
concretos, situados num cenário geopolítico preenchido do processo educativo, contextualizado no espaço e no
por situações cotidianas desafiantes. tempo;
Assim concebido, o processo de formulação do projeto II – da concepção sobre educação, conhecimento,
político-pedagógico tem como referência a democrática avaliação da aprendizagem e mobilidade escolar;
ordenação pedagógica das relações escolares, cujo III – da definição de qualidade das aprendizagens e, por
horizonte de ação procura abranger a vida humana em sua consequência, da escola, no contexto das desigualdades
globalidade. Por outro lado, o projeto político-pedagógico que nela se refletem;

11
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

IV – de acompanhamento sistemático dos resultados VII – preveja a formação continuada dos gestores e
do processo de avaliação interna e externa (SAEB, Prova professores para que estes tenham a oportunidade de se
Brasil, dados estatísticos resultantes das avaliações em rede manter atualizados quanto ao campo do conhecimento
nacional e outras; pesquisas sobre os sujeitos da Educação que lhes cabe manejar, trabalhar e quanto à adoção, à
Básica), incluindo resultados que compõem o Índice de opção da metodologia didáticopedagógica mais própria às
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e/ou que aprendizagens que devem vivenciar e estimular, incluindo
complementem ou substituam os desenvolvidos pelas aquelas pertinentes às Tecnologias de Informação e
unidades da federação e outros; Comunicação (TIC);
V – da implantação dos programas de acompanhamento VIII – realize encontros pedagógicos periódicos,
do acesso, de permanência dos estudantes e de superação da com tempo e espaço destinados a estudos, debates e
retenção escolar; troca de experiências de aprendizagem dos sujeitos do
VI – da explicitação das bases que norteiam a organização processo coletivo de gestão e pedagógico pelos gestores,
do trabalho pedagógico tendo como foco os fundamentos professores e estudantes, para a reorientação de caminhos
da gestão democrática, compartilhada e participativa (órgãos e estratégias; IX – defina e justifique, claramente, a
colegiados, de representação estudantil e dos pais). opção por um ou outro método de trabalho docente e a
No projeto político-pedagógico, deve-se conceber a compreensão sobre a qualidade das aprendizagens como
organização do espaço físico da instituição escolar de tal direito social dos sujeitos e da escola: qualidade formal e
modo que este seja compatível com as características de seus qualidade política (saber usar a qualidade formal);
sujeitos, além da natureza e das finalidades da educação, X – traduza, claramente, os critérios orientadores da
deliberadas e assumidas pela comunidade educacional. Assim, distribuição e organização do calendário escolar e da carga
a despadronização curricular pressupõe a despadronização do horária destinada à gestão e à docência, de tal modo que se
espaço físico e dos critérios de organização da carga horária viabilize a concretização do currículo escolar e, ao mesmo
do professor. A exigência – o rigor no educar e cuidar – é a tempo, que os profissionais da educação sejam valorizados
chave para a conquista e recuperação dos níveis de qualidade e estimulados a trabalharem prazerosamente;
educativa de que as crianças e os jovens necessitam para
XI – contemple programas e projetos com os quais
continuar a estudar em etapas e níveis superiores, para
a escola desenvolverá ações inovadoras, cujo foco incida
integrar-se no mundo do trabalho em seu direito inalienável
na prevenção das consequências da incivilidade que
de alcançar o lugar de cidadãos responsáveis, formados nos
vem ameaçando a saúde e o bem-estar, particularmente
valores democráticos e na cultura do esforço e da solidariedade.
das juventudes, assim como na reeducação dos sujeitos
Nessa perspectiva, a comunidade escolar assume o
vitimados por esse fenômeno psicossocial;
projeto político-pedagógico não como peça constitutiva
XII – avalie as causas da distorção de idade/ano/série,
da lógica burocrática, menos ainda como elemento mágico
capaz de solucionar todos os problemas da escola, mas como projetando a sua superação, por intermédio da implantação
instância de construção coletiva, que respeita os sujeitos de programas didático-pedagógicos fundamentados por
das aprendizagens, entendidos como cidadãos de direitos à metodologia específica.
proteção e à participação social, de tal modo que: Daí a necessidade de se estimularem novas formas de
I – estimule a leitura atenta da realidade local, regional organização dos componentes curriculares dispondo-os
e mundial, por meio da qual se podem perceber horizontes, em eixos temáticos, que são considerados eixos fundantes,
tendências e possibilidades de desenvolvimento; pois conferem relevância ao currículo. Desse modo, no
II – preserve a clareza sobre o fazer pedagógico, em sua projeto político-pedagógico, a comunidade educacional
multidimensionalidade, prevendo-se a diversidade de ritmo de deve engendrar o entrelaçamento entre trabalho, ciência,
desenvolvimento dos sujeitos das aprendizagens e caminhos tecnologia, cultura e arte, por meio de atividades próprias
por eles escolhidos; às características da etapa de desenvolvimento humano do
III – institua a compreensão dos conflitos, das divergências escolar a que se destinarem, prevendo:
e diferenças que demarcam as relações humanas e sociais; I – as atividades integradoras de iniciação científica e
IV – esclareça o papel dos gestores da instituição, da no campo artístico-cultural, desde a Educação Infantil;
organização estudantil e dos conselhos: comunitário, de II – os princípios norteadores da educação nacional,
classe, de pais e outros; a metodologia da problematização como instrumento
V – perceba e interprete o perfil real dos sujeitos – de incentivo à pesquisa, à curiosidade pelo inusitado e
crianças, jovens e adultos – que justificam e instituem a vida da ao desenvolvimento do espírito inventivo, nas práticas
e na escola, do ponto de vista intelectual, cultural, emocional, didáticas;
afetivo, socioeconômico, como base da reflexão sobre as III – o desenvolvimento de esforços pedagógicos com
relações vida-conhecimento-cultura-professor estudante e intenções educativas, comprometidas com a educação
instituição escolar; cidadã;
VI – considere como núcleo central das aprendizagens IV – a avaliação do desenvolvimento das aprendizagens
pelos sujeitos do processo educativo (gestores, professores, como processo formativo e permanente de reconhecimento
técnicos e funcionários, estudantes e famílias) a curiosidade de conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e emoções;
e a pesquisa, incluindo, de modo cuidadoso e sistemático, as V – a valorização da leitura em todos os campos do
chamadas referências virtuais de aprendizagem que se dão em conhecimento, desenvolvendo a capacidade de letramento
contextos digitais; dos estudantes;

12
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

VI – o comportamento ético e solidário, como ponto Nessa perspectiva, o regimento, discutido e aprovado
de partida para o reconhecimento dos deveres e direitos da pela comunidade escolar e conhecido por todos, constitui-
cidadania, para a prática do humanismo contemporâneo, se em um dos instrumentos de execução, com transparência
pelo reconhecimento, respeito e acolhimento da identidade e responsabilidade, do seu projeto político-pedagógico.
do outro; As normas nele definidas servem, portanto, para reger o
VII – a articulação entre teoria e prática, vinculando o trabalho pedagógico e a vida da instituição escolar, em
trabalho intelectual com atividades práticas experimentais; consonância com o projeto políticopedagógico e com a
VIII – a promoção da integração das atividades educativas legislação e as normas educacionais.
com o mundo do trabalho, por meio de atividades práticas e
de estágios, estes para os estudantes do Ensino Médio e da Avaliação
Educação Profissional e Tecnológica;
IX – a utilização de novas mídias e tecnologias Do ponto de vista teórico, muitas são as formulações
educacionais, como processo de dinamização dos ambientes que tratam da avaliação. No ambiente educacional, ela
de aprendizagem; compreende três dimensões básicas:
X – a oferta de atividades de estudo com utilização I – avaliação da aprendizagem;
de novas tecnologias de comunicação. XI – a promoção II – avaliação institucional interna e externa;
de atividades sociais que estimulem o convívio humano e III – avaliação de redes de Educação Básica.
interativo do mundo dos jovens;
XII – a organização dos tempos e dos espaços com Nestas Diretrizes, é a concepção de educação que
ações efetivas de interdisciplinaridade e contextualização dos fundamenta as dimensões da avaliação e das estratégias
conhecimentos; didáticopedagógica a serem utilizadas. Essas três dimensões
XIII – a garantia do acompanhamento da vida escolar dos devem estar previstas no projeto político-pedagógico para
estudantes, desde o diagnóstico preliminar, acompanhamento nortearem a relação pertinente que estabelece o elo entre a
do desempenho e integração com a família; gestão escolar, o professor, o estudante, o conhecimento e
XIV – a promoção da aprendizagem criativa como processo
a sociedade em que a escola se situa. No nível operacional,
de sistematização dos conhecimentos elaborados, como
a avaliação das aprendizagens tem como referência o
caminho pedagógico de superação à mera memorização;
conjunto de habilidades, conhecimentos, princípios e
XV – o estímulo da capacidade de aprender do estudante,
valores que os sujeitos do processo educativo projetam para
desenvolvendo o autodidatismo e autonomia dos estudantes;
si de modo integrado e articulado com aqueles princípios e
XVI – a indicação de exames otorrino, laringo, oftálmico
valores definidos para a Educação Básica, redimensionados
e outros sempre que o estudante manifestar dificuldade de
para cada uma de suas etapas.
concentração e/ou mudança de comportamento;
A avaliação institucional interna, também denominada
XVII – a oferta contínua de atividades complementares e
de reforço da aprendizagem, proporcionando condições para autoavaliação institucional, realiza-se anualmente,
que o estudante tenha sucesso em seus estudos; considerando as orientações contidas na regulamentação
XVIII – a oferta de atividades de estudo com utilização de vigente, para revisão do conjunto de objetivos e metas,
novas tecnologias de comunicação. mediante ação dos diversos segmentos da comunidade
Nesse sentido, o projeto político-pedagógico, concebido educativa, o que pressupõe delimitação de indicadores
pela escola e que passa a orientá-la, deve identificar a compatíveis com a natureza e a finalidade institucionais,
Educação Básica, simultaneamente, como o conjunto e além de clareza quanto à qualidade social das aprendizagens
pluralidade de espaços e tempos que favorecem processos e da escola.
em que a infância e a adolescência se humanizam ou se A avaliação institucional externa, promovida pelos
desumanizam, porque se inscrevem numa teia de relações órgãos superiores dos sistemas educacionais, inclui,
culturais mais amplas e complexas, histórica e socialmente entre outros instrumentos, pesquisas, provas, tais como
tecidas. Daí a relevância de se ter, como fundamento desse as do SAEB, Prova Brasil, ENEM e outras promovidas por
nível da educação, os dois pressupostos: cuidar e educar. Este sistemas de ensino de diferentes entes federativos, dados
é o foco a ser considerado pelos sistemas educativos, pelas estatísticos, incluindo os resultados que compõem o Índice
unidades escolares, pela comunidade educacional, em geral, de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e/ou que
e pelos sujeitos educadores, em particular, na elaboração e o complementem ou o substituem, e os decorrentes da
execução de determinado projeto institucional e regimento supervisão e verificações in loco. A avaliação de redes de
escolar. Educação Básica é periódica, feita por órgãos externos às
O regimento escolar trata da natureza e da finalidade da escolas e engloba os resultados da avaliação institucional,
instituição; da relação da gestão democrática com os órgãos que sinalizam para a sociedade se a escola apresenta
colegiados; das atribuições de seus órgãos e sujeitos; das qualidade suficiente para continuar funcionando.
suas normas pedagógicas, incluindo os critérios de acesso,
promoção, e a mobilidade do escolar; e dos direitos e
deveres dos seus sujeitos: estudantes, professores, técnicos,
funcionários, gestores, famílias, representação estudantil e
função das suas instâncias colegiadas.

13
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Avaliação da aprendizagem ao processo industrial. É como se lhe coubesse produzir


cidadãos em série, em linha de montagem. Há de se admitir
No texto da LDB, a avaliação da aprendizagem, na que a sociedade mudou significativamente. A classificação,
Educação Básica, é norteada pelos artigos 24 e 31, que nos termos regidos pela LDB (inciso II do artigo 24), é, pois,
se complementam. De um lado, o artigo 24, orienta o uma figura que se dá em qualquer momento do percurso
Ensino Fundamental e Médio, definindo que a avaliação escolar, exceto no primeiro ano do Ensino Fundamental, e
será organizada de acordo com regras comuns a essas realiza-se:
duas etapas. De outro lado, o artigo 31 trata da Educação I – por promoção, para estudantes que cursaram, com
Infantil, estabelecendo que, nessa etapa, a avaliação aproveitamento, a unidade de percurso anterior, na própria
será realizada mediante acompanhamento e registro do escola;
desenvolvimento da criança, sem o objetivo de promoção, II – por transferência, para candidatos procedentes de
mesmo em se tratando de acesso ao Ensino Fundamental. outras escolas;
Essa determinação pode ser acolhida para o ciclo da III – independentemente de escolarização anterior,
infância de acordo com o Parecer CNE/CEB nº 4/2008, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de
anteriormente citado, que orienta para não retenção nesse desenvolvimento e experiência do candidato e permita
ciclo. sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme
O direito à educação constitui grande desafio para a regulamentação do respectivo sistema de ensino.
escola: requer mais do que o acesso à educação escolar, pois A organização de turmas seguia o pressuposto de classes
determina gratuidade na escola pública, obrigatoriedade organizadas por série anual. Com a implantação da Lei, a
da Pré-Escola ao Ensino Médio, permanência e sucesso, concepção ampliou-se, uma vez que poderão ser organizadas
com superação da evasão e retenção, para a conquista da classes ou turmas, com estudantes de séries distintas, com
qualidade social. O Conselho Nacional de Educação, em níveis equivalentes de adiantamento na matéria, para o
mais de um Parecer em que a avaliação da aprendizagem ensino de línguas estrangeiras, artes, ou outros componentes
escolar é analisada, recomenda, aos sistemas de ensino e curriculares (inciso IV do artigo 24 da LDB).
às escolas públicas e particulares, que o caráter formativo
A consciência de que a escola se situa em um determinado
deve predominar sobre o quantitativo e classificatório. A
tempo e espaço impõe-lhe a necessidade de apreender
este respeito, é preciso adotar uma estratégia de progresso
o máximo o estudante: suas circunstâncias, seu perfil, suas
individual e contínuo que favoreça o crescimento do
necessidades. Uma situação cada vez mais presente em
estudante, preservando a qualidade necessária para a sua
nossas escolas é a mobilidade dos estudantes. Quantas vezes
formação escolar.
a escola pergunta sobre o que fazer com os estudantes que
ela recebe, provenientes de outras instituições, de outros
Promoção, aceleração de estudos e classificação
sistemas de ensino, dentro ou fora do Município ou Estado.
No Ensino Fundamental e no Médio, a figura da As análises apresentadas em diferentes fóruns de discussão
promoção e da classificação pode ser adotada em qualquer sobre essa matéria vêm mencionando dificuldades para
ano, série ou outra unidade de percurso escolhida, exceto incluir esse estudante no novo contexto escolar.
no primeiro ano do Ensino Fundamental. Essas duas figuras A mobilidade escolar ou a conhecida transferência
fundamentam-se na orientação de que a verificação do também tem sido objeto de regulamento para o que a LDB
rendimento escolar observará os seguintes critérios: dispõe, por meio de instrumentos normativos emitidos pelos
I – avaliação contínua e cumulativa do desempenho do Conselhos de Educação. Inúmeras vezes, os estudantes
estudante, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre transferidos têm a sensação de abandono ou descaso,
os quantitativos e dos resultados ao longo do período semelhante ao que costuma ocorrer com estudantes que não
sobre os de eventuais provas finais; acompanham o ritmo de seus colegas. A LDB estabeleceu,
II – possibilidade de aceleração de estudos para no § 1º do artigo 23, que a escola poderá reclassificar os
estudantes com atraso escolar; estudantes, inclusive quando se tratar de transferências entre
III – possibilidade de avanço nos cursos e nas séries estabelecimentos situados no País e no exterior, tendo como
mediante verificação do aprendizado; base as normas curriculares gerais.
IV – aproveitamento de estudos concluídos com êxito; De acordo com essas normas, a mobilidade entre turmas,
V – obrigatoriedade de apoio pedagógico destinado séries, ciclos, módulos ou outra forma de organização, e
à recuperação contínua e concomitante de aprendizagem escolas ou sistemas, deve ser pensada, prioritariamente,
de estudantes com déficit de rendimento escolar, a ser na dimensão pedagógica: o estudante transferido de um
previsto no regimento escolar. para outro regime diferente deve ser incluído onde houver
A classificação pode resultar da promoção ou da compatibilidade com o seu desenvolvimento e com as suas
adaptação, numa perspectiva que respeita e valoriza as aprendizagens, o que se intitula reclassificação. Nenhum
diferenças individuais, ou seja, pressupõe uma outra ideia estabelecimento de Educação Básica, sob nenhum pretexto,
de temporalização e espacialização, entendida como pode recusar a matrícula do estudante que a procura. Essa
sequência do percurso do escolar, já que cada criatura é atitude, de caráter aparentemente apenas administrativo,
singular. Tradicionalmente, a escola tem tratado o estudante deve ser entendida pedagogicamente como a continuidade
como se todos se desenvolvessem padronizadamente nos dos estudos iniciados em outra turma, série, ciclo, módulo ou
mesmos ritmos e contextos educativos, semelhantemente outra forma, e escola ou sistema.

14
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Em seu novo percurso, o estudante transferido deve Uma escola que inclui todos supõe tratar o conhecimento
receber cuidadoso acompanhamento sobre a sua adaptação como processo e, portanto, como uma vivência que não
na instituição que o acolhe, em termos de relacionamento se harmoniza com a ideia de interrupção, mas sim de
com colegas e professores, de preferências, de respostas construção, em que o estudante, enquanto sujeito da ação,
aos desafios escolares, indo além de uma simples análise do está continuamente sendo formado, ou melhor, formando-
seu currículo escolar. Nesse sentido, os sistemas educativos se, construindo significados, a partir das relações dos
devem ousar propor a inversão da lógica escolar: ao invés homens entre si e destes com a natureza. Nessa perspectiva,
de conteúdos disciplinados estanques (substantivados), a avaliação requer outra forma de gestão da escola, de
devem investir em ações pedagógicas que priorizem organização curricular, dos materiais didáticos, na relação
aprendizagens através da operacionalidade de linguagens professor-estudante-conhecimento-escola, pois, na medida
visando à transformação dos conteúdos em modos de em que o percurso escolar é marcado por diferentes etapas
pensar, em que o que interessa, fundamentalmente, é o de aprendizagem, a escola precisará, também, organizar
vivido com outros, aproximando mundo, escola, sociedade, espaços e formas diferenciadas de atendimento, a fim de
ciência, tecnologia, trabalho, cultura e vida. evitar que uma defasagem de conhecimentos se transforme
A possibilidade de aceleração de estudos destina-se numa lacuna permanente. Esse avanço materializa-se quando
a estudantes com algum atraso escolar, aqueles que, por a concepção de conhecimento e a proposta curricular estão
alguma razão, encontram-se em descompasso de idade. As fundamentadas numa epistemologia que considera o
razões mais indicadas têm sido: ingresso tardio, retenção, conhecimento uma construção sociointerativa que ocorre na
dificuldades no processo de ensino-aprendizagem ou escola e em outras instituições e espaços sociais. Nesse caso,
outras. A progressão pode ocorrer segundo dois critérios: percebe-se já existirem múltiplas iniciativas entre professores
regular ou parcial. A escola brasileira sempre esteve no sentido de articularem os diferentes campos de saber
organizada para uma ação pedagógica inscrita num entre si e, também, com temas contemporâneos, baseados
panorama de relativa estabilidade. Isso significa que já no princípio da interdisciplinaridade, o que normalmente
vem lidando, razoavelmente, com a progressão regular. O resulta em mudanças nas práticas avaliativas.
desafio que se enfrenta incide sobre a progressão parcial,
que, se aplicada a crianças e jovens, requer o redesenho da Fonte:
organização das ações pedagógicas. Em outras palavras, a BRASIL: Diretrizes Curriculares Nacionais Da Educação
escola deverá prever para professor e estudante o horário Básica, 2013
de trabalho e espaço de atuação que se harmonize entre
estes, respeitadas as condições de locomoção de ambos,
lembrando-se de que outro conjunto de recursos didático-
pedagógicos precisa ser elaborado e desenvolvido. PRINCIPAIS ASPECTOS HISTÓRICOS DA
A LDB, no artigo 24, inciso III, prevê a possibilidade de EDUCAÇÃO BRASILEIRA.
progressão parcial nos estabelecimentos que adotam a
progressão regular por série, lembrando que o regimento
escolar pode admiti-la “desde que preservada a sequência
do currículo, observadas as normas do respectivo sistema HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
de ensino”. A Lei, entretanto, não é impositiva quanto à
adoção de progressão parcial. Caso a instituição escolar Contexto Histórico
a adote, é pré-requisito que a sequência do currículo seja
preservada, observadas as normas do respectivo sistema A formação do Brasil implica necessariamente na
de ensino, (inciso III do artigo 24), previstas no projeto estruturação de nosso modelo de ensino porque desde
político-pedagógico e no regimento, cuja aprovação se dá os primeiros anos de nossa descoberta sofremos da falta
mediante participação da comunidade escolar (artigo 13). de estrutura e investimento nessa área. Contudo, além do
Também, no artigo 32, inciso IV, § 2º, quando trata componente histórico que parece ser de comum aceitação,
especificamente do Ensino Fundamental, a LDB refere aparece o problema do modelo pedagógico adotado. Neste
que os estabelecimentos que utilizam progressão aspecto ocorre uma polarização e até uma divisão tripla
regular por série podem adotar o regime de progressão se quisermos englobar a escola técnica (anos 70). Ou seja,
continuada, sem prejuízo da avaliação do processo ensino- as posturas mais adotadas em nosso país são justamente
aprendizagem, observadas as normas do respectivo a pedagogia tradicional (método fonético) e a escola nova
sistema de ensino. A forma de progressão continuada (construtivismo).
jamais deve ser entendida como “promoção automática”, o Segundo Xavier, de um lado está a escola tradicional,
que supõe tratar o conhecimento como processo e vivência aquela que dirige que modela, que é ‘comprometida’; de
que não se harmoniza com a ideia de interrupção, mas sim outro está a escola nova, a verdadeira escola, a que não dirige,
de construção, em que o estudante, enquanto sujeito da mas abre ao humano todas as suas possibilidades de ser. É,
ação, está em processo contínuo de formação, construindo portanto, ‘descompromissada’. É o produzir contra o deixar
significados. ser; é a escola escravizadora contra a escola libertadora;
é o compromisso dos tradicionais que deve ceder lugar à
neutralidade dos jovens educadores esclarecidos.

15
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Aparentemente temos a impressão de que o grande A segunda contribuição para a formação de nosso
problema de nossa deficiência educacional se resume a o sistema educacional deficitário é justamente o conteúdo do
problema da rigidez do modelo tradicional de ensino, mas ensino dos Jesuíta, “caracterizado sobretudo por uma enérgica
ao aprofundarmos nossa investigação constáramos que reação contra o pensamento crítico”, contudo, a maneira como
a péssima qualidade de ensino presente nas escolas do os Jesuítas cultivavam as letras permitiu algum alvorecer em
Brasil acontece devido, em parte tanto a falta de estrutura nossa literatura.
educacional adequada como pela desestruturação das
poucas bases presentes na pedagogia tradicional, causada O conflito entre as diferentes posturas de ensino
pela crítica dos escolanovistas, que acreditavam piamente
que puramente pela crítica se atingiria uma melhoria no A relação entre escola e democracia depende de
aprendizado. diferentes aspectos presentes na sociedade. Contudo, parece
No entender de SAVIANI a escola tradicional procurava que o problema aparece realmente nas teorias de educação.
ensinar e transmitia conhecimento, a escola nova estava Isso se expressa pelo elevado índice de analfabetismo
preocupada em apenas considerara o aprender a aprender. E funcional, configurando uma marginalidade desses indivíduos
posteriormente a escola técnica detinha-se em simplesmente analfabetos. Por outro lado, “no segundo grupo, estão as
considerar necessário o ensino da técnica. Até o início teorias que entendem ser a educação um instrumento de
do século XX a educação no Brasil esteve praticamente discriminação social, logo, um fator de marginalização”
abandonada, no entender de Romanelli: a economia colonial (SAVIANI, 2003).
brasileira fundada na grande propriedade e não na mão-de- Deste modo, podemos constatar que ambos os
obra escrava teve implicações de ordem social e política grupos explicam a questão da marginalidade a partir de
bastante profundas. Ela favorece o aparecimento da unidade uma determinada concepção da relação entre educação e
básica do sistema de produção, de vida social e do sistema sociedade. Assim, ambos os grupos destoam partindo de um
de poder representado pela família patriarcal. mesmo referencial, com isso, para os não-críticos (primeiro
Assim, a educação no Brasil caminhou por veredas grupo)
tortuosas desde o início, reservada a uma elite dominante A sociedade é concebida como essencialmente harmoniosa,
e totalmente exploradora, sempre esteve voltada a tendendo a integração de seus membros. A marginalidade é,
estratificação e dominação social. Esteve arraigada por pois, um fenômeno acidental que afeta individualmente um
diversos séculos em nossa sociedade a concepção de número maior ou menor de seus membros, o que, no entanto,
dominação cultural de uma parte minúscula da mesma, constitui um desvio, uma distorção que não pode como deve
configurando-se na ideia básica de que o ensino era apenas ser corrigida.
para alguns, e por isso os demais não precisariam aprender. A superação dessa distorção far-se-ia por intermédio da
As oligarquias do período colonial e monárquico educação. Tendo por função “reforçar os laços sociais, promover
estavam profundamente fundamentadas na dominação via a coesão e garantir a integração de todos os indivíduos no
controle do saber. Caracterizou-se nesse período colonial, corpo social”, permitindo a superação da marginalidade. Por
bem como no monárquico, um modelo de importação de outro lado, os que defendem uma postura crítica entendem
pensamento, principalmente da Europa e consequentemente que a sociedade como sendo essencialmente marcada pela
a matriz de aprendizagem escolar fora introduzida no mesmo divisão entre grupos ou classes antagônicas que se relacionam
momento. Nas palavras de Romanelli, foi a família patriarcal à base da força, a qual se manifesta fundamentalmente nas
que favoreceu, pela natural receptividade, a importação condições de produção da vida material. Nesse quadro a
de formas de pensamento e ideias dominantes na cultura marginalidade é entendida como um fenômeno inerente à
medieval europeia, feita através da obra dos Jesuítas”. própria estrutura da sociedade.
Assim, a classe dominante tinha de ser detentora Assim, a educação assume um papel de produtora da
dos meios de conhecimento e de ensino. Isso implicou no marginalização, porque produz a marginalidade cultural e
modelo aristocrático de vida presente em nossa sociedade de maneira especifica a escolar. No entender de Saviani
colonial e posteriormente na corte de D. Pedro. Existiram dois existem três modalidades diferentes de configurar os
fatores fundamentais na formação do modelo educacional modelos educacionais expressos pelas duas teorias expressas
brasileiro, ou seja, “a organização social (...) e o conteúdo anteriormente, isto é, a tradicional, fundada na relação ensino
cultural que foi transportado para a colônia, através da aprendizagem e na relação professor aluno; a escola nova,
formação dos padres da companhia de Jesus”. que entende como fundamental a necessidade de aprender
No primeiro fator aparece com mais intensidade a a aprender e na função de acompanhar o desenvolvimento
predominância de uma minoria de donos de terra e senhores individual do estudante por parte do professor; e por último
de engenho sobre uma massa de agregados e escravos. aparece a concepção técnica que se funda no fazer e elimina
Apenas àqueles cabia o direito à educação e, mesmo assim, totalmente a relação professor aluno.
em número restrito, porquanto deveriam estar excluídos Segundo Saviani a concepção crítica não apresenta
dessa minoria as mulheres e os filho primogênitos. Limitava- nenhuma proposta para substituir a pedagogia tradicional
se o ensino a uma determinada classe da população, ou e por isso não permite ser pensada como uma solução do
seja, apenas a classe dominante. Surge claramente um dos problema da relação entre escola e marginalidade social. Ao
fundamentos da baixa escolaridade de nossa população e apresentar uma solução possível para a questão Saviani aponta
da falta de recursos para a eliminação das diferenças entre para a definição de prioridades políticas fundadas no princípio
as classes. aristotélico de animal político, tudo englobaria o ato de educar.

16
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Assim, a educação sempre possui uma dimensão Com efeito, promover, pois, a qualidade ética em
política tenhamos ou não consciência disso, portanto educação, componente indispensável da qualidade total,
assume-se um caráter educativo e político para a educação e reformular o modo de se relacionar de todos os atores
e este só cumpre seu papel quando permite a formação na escola, educadores e educandos, de acordo com as
integral do indivíduo. Mas o desafio permanece, como diferentes características do agir humano radicado na
podemos falar em educação global se vivemos em uma liberdade e voltado para o bem. Portanto, a complexidade
sociedade fragmentada, imbuída de diferentes conceitos de como teoria de ação precisa levar em conta a ética na
razão, educação, ética, política, marginalidade, sociedade e conduta pratica do profissional da educação.
cultura?
No entender de Saviani existem onze teses acerca da Referência:
educação que precisam ser consideradas como fundamentais STIGAR, R.; SCHUCK, N: Refletindo sobre a História da
no engajamento político. Isto é, o agir educativo sempre Educação no Brasil.
cumpre um papel fundamental na estruturação da
sociedade. O modelo tortuoso e desorganizado de nosso OS PERÍODOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
sistema educacional gera aberrações como as que vemos
nas instituições de ensino público superior. Ou seja, os que Os períodos foram divididos a partir das concepções
deveriam ter acesso as escolas públicas superiores não do autor em termos de importância histórica.
conseguem e os que podem pagar adentram as portas das Se considerarmos a História como um processo em
universidades públicas. eterna evolução não podemos considerar este trabalho
como terminado. Novas rupturas estão acontecendo no
A teoria da complexidade e sua relação com a educação exato momento em que esse texto está sendo lido. A
contemporânea educação brasileira evolui em saltos desordenados, em
diversas direções.
Segundo MORIN a sociedade contemporânea possui
elementos diversificados e complexos, isto significa que
Período Jesuítico
o ensino precisa estar atento a complexidade da vida
contemporânea.
A educação indígena foi interrompida com a chegada
Desta forma, a incorporação dos sete saberes como
dos jesuítas. Os primeiros chegaram ao território brasileiro
fundamentos para desenvolver o homem moderno. Dentro
em março de 1549. Comandados pelo Padre Manoel de
deste cenário a sociedade se preocupa cada vez mais
Nóbrega, quinze dias após a chegada edificaram a primeira
com a realidade escolar e com a formação dos indivíduos,
escola elementar brasileira, em Salvador, tendo como
sobretudo precisa-se de criatividade para mudar a
realidade brasileira. Contudo, “O conhecimento disciplinar, mestre o Irmão Vicente Rodrigues, contando apenas 21
e consequentemente a educação, têm priorizado a defesa anos. Irmão Vicente tornou-se o primeiro professor nos
de saberes concluídos, inibindo a criação de novos moldes europeus, em terras brasileiras, e durante mais
saberes e determinando um comportamento social a eles de 50 anos dedicou-se ao ensino e a propagação da fé
subordinado”. religiosa.
Por isso a interdisciplinaridade entre os diferentes No Brasil os jesuítas se dedicaram à pregação da fé
saberes seria essencial para resolver esse problema. Morin católica e ao trabalho educativo. Perceberam que não
entende que o conhecimento na complexidade seria possível converter os índios à fé católica sem que
É a viagem em busca de um modo de pensamento capaz soubessem ler e escrever. De Salvador a obra jesuítica
de respeitar a multidimensionalidade, a riqueza, o mistério estendeu-se para o sul e, em 1570, vinte e um anos após
do real; e de saber que as determinações – cerebral, cultural, a chegada, já era composta por cinco escolas de instrução
social, histórica – que impõem a todo o pensamento, co- elementar (Porto Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo
determinam sempre o objeto de conhecimento. É isto que e São Paulo de Piratininga) e três colégios (Rio de Janeiro,
eu designo por pensamento complexo. Pernambuco e Bahia).
Trata-se de um pensamento desprovido de certezas Quando os jesuítas chegaram por aqui eles não
e verdades científicas, que considera a diversidade e trouxeram somente a moral, os costumes e a religiosidade
a incompatibilidade de ideias, crenças e percepções, europeia; trouxeram também os métodos pedagógicos.
integrando-as à sua complementaridade. “A consciência Todas as escolas jesuítas eram regulamentadas por um
nunca tem a certeza de transpor a ambiguidade e a documento, escrito por Inácio de Loiola, o Ratio Studiorum.
incerteza”. Morin refere-se ao princípio da incerteza tal Eles não se limitaram ao ensino das primeiras letras; além
como formulado por Werner Heisenberg, físico, um dos do curso elementar mantinham cursos de Letras e Filosofia,
precursores da mecânica quântica. Esse princípio baseia- considerados secundários, e o curso de Teologia e Ciências
se na falibilidade lógica, no surgimento da contradição Sagradas, de nível superior, para formação de sacerdotes.
presente na realidade física e na indeterminabilidade da No curso de Letras estudava-se Gramática Latina,
verdade científica. Assim, o conceito de lógica tradicional Humanidades e Retórica; e no curso de Filosofia estudava-
fundado em Aristóteles não pode mais responder aos se Lógica, Metafísica, Moral, Matemática e Ciências Físicas
anseios da sociedade moderna, a lógica da complexidade e Naturais.
assume novas probabilidades e possibilidades.

17
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Este modelo funcionou absoluto durante 210 anos, de 1549 Período Joanino
a 1759, quando uma nova ruptura marca a História da Educação
no Brasil: a expulsão dos jesuítas por Marquês de Pombal. Se A vinda da Família Real, em 1808, permitiu uma nova
existia algo muito bem estruturado, em termos de educação, o ruptura com a situação anterior. Para atender as necessidades
que se viu a seguir foi o mais absoluto caos. de sua estadia no Brasil, D. João VI abriu Academias
No momento da expulsão os jesuítas tinham 25 residências, Militares, Escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca Real, o
36 missões e 17 colégios e seminários, além de seminários Jardim Botânico e, sua iniciativa mais marcante em termos
menores e escolas de primeiras letras instaladas em todas as de mudança, a Imprensa Régia. Segundo alguns autores, o
cidades onde havia casas da Companhia de Jesus. A educação Brasil foi finalmente “descoberto” e a nossa História passou
brasileira, com isso, vivenciou uma grande ruptura histórica a ter uma complexidade maior. O surgimento da imprensa
num processo já implantado e consolidado como modelo permitiu que os fatos e as ideias fossem divulgados e
educacional. discutidos no meio da população letrada, preparando
terreno propício para as questões políticas que permearam
Período Pombalino o período seguinte da História do Brasil.
A educação, no entanto, continuou a ter uma
Com a expulsão saíram do Brasil 124 jesuítas da Bahia, 53 importância secundária. Para o professor Lauro de Oliveira
de Pernambuco, 199 do Rio de Janeiro e 133 do Pará. Com eles Lima (1921- ) “a ‘abertura dos portos’, além do significado
levaram também a organização monolítica baseada no Ratio comercial da expressão, significou a permissão dada
Studiorum. aos ‘brasileiros’ (madeireiros de pau-brasil) de tomar
Desta ruptura, pouca coisa restou de prática educativa no conhecimento de que existia, no mundo, um fenômeno
Brasil. Continuaram a funcionar o Seminário Episcopal, no Pará, e chamado civilização e cultura”.
os Seminários de São José e São Pedro, que não se encontravam
sob a jurisdição jesuítica; a Escola de Artes e Edificações Militares, Período Imperial
na Bahia, e a Escola de Artilharia, no Rio de Janeiro.
Os jesuítas foram expulsos das colônias em função de D. João VI volta a Portugal em 1821. Em 1822 seu filho
radicais diferenças de objetivos com os dos interesses da Corte. D. Pedro I proclama a Independência do Brasil e, em 1824,
Enquanto os jesuítas preocupavam-se com o proselitismo e o outorga a primeira Constituição brasileira. O Art. 179 desta
noviciado, Pombal pensava em reerguer Portugal da decadência Lei Magna dizia que a “instrução primária é gratuita para
que se encontrava diante de outras potências europeias da todos os cidadãos”.
época. Além disso, Lisboa passou por um terremoto que destruiu Em 1823, na tentativa de se suprir a falta de professores
parte significativa da cidade e precisava ser reerguida. A educação institui-se o Método Lancaster, ou do “ensino mútuo”, onde
jesuítica não convinha aos interesses comerciais emanados por um aluno treinado (decurião) ensinava um grupo de dez
Pombal. Ou seja, se as escolas da Companhia de Jesus tinham alunos (decúria) sob a rígida vigilância de um inspetor.
por objetivo servir aos interesses da fé, Pombal pensou em Em 1826 um Decreto institui quatro graus de
organizar a escola para servir aos interesses do Estado. instrução: Pedagogias (escolas primárias), Liceus, Ginásios
Através do alvará de 28 de junho de 1759, ao mesmo tempo e Academias. Em 1827 um projeto de lei propõe a criação
em que suprimia as escolas jesuíticas de Portugal e de todas as de pedagogias em todas as cidades e vilas, além de prever
colônias, Pombal criava as aulas régias de Latim, Grego e Retórica. o exame na seleção de professores, para nomeação.
Criou também a Diretoria de Estudos que só passou a funcionar Propunha ainda a abertura de escolas para meninas.
após o afastamento de Pombal. Cada aula régia era autônoma Em 1834 o Ato Adicional à Constituição dispõe que as
e isolada, com professor único e uma não se articulava com as províncias passariam a ser responsáveis pela administração
outras. do ensino primário e secundário. Graças a isso, em 1835,
Portugal logo percebeu que a educação no Brasil estava surge a primeira Escola Normal do país, em Niterói. Se
estagnada e era preciso oferecer uma solução. Para isso instituiu houve intenção de bons resultados não foi o que aconteceu,
o “subsídio literário” para manutenção dos ensinos primário e já que, pelas dimensões do país, a educação brasileira
médio. Criado em 1772 o “subsídio” era uma taxação, ou um perdeu-se mais uma vez, obtendo resultados pífios.
imposto, que incidia sobre a carne verde, o vinho, o vinagre Em 1837, onde funcionava o Seminário de São Joaquim,
e a aguardente. Além de exíguo, nunca foi cobrado com na cidade do Rio de Janeiro, é criado o Colégio Pedro II,
regularidade e os professores ficavam longos períodos sem com o objetivo de se tornar um modelo pedagógico para
receber vencimentos a espera de uma solução vinda de Portugal. o curso secundário. Efetivamente o Colégio Pedro II não
Os professores geralmente não tinham preparação para a conseguiu se organizar até o fim do Império para atingir
função, já que eram improvisados e mal pagos. Eram nomeados tal objetivo.
por indicação ou sob concordância de bispos e se tornavam Até a Proclamação da República, em 1889 praticamente
“proprietários” vitalícios de suas aulas régias. nada se fez de concreto pela educação brasileira. O
O resultado da decisão de Pombal foi que, no princípio do Imperador D. Pedro II, quando perguntado que profissão
século XIX, a educação brasileira estava reduzida a praticamente escolheria não fosse Imperador, afirmou que gostaria de
nada. O sistema jesuítico foi desmantelado e nada que pudesse ser “mestre-escola”. Apesar de sua afeição pessoal pela
chegar próximo deles foi organizado para dar continuidade a um tarefa educativa, pouco foi feito, em sua gestão, para que
trabalho de educação. se criasse, no Brasil, um sistema educacional.

18
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Período da Primeira República Em 1932 um grupo de educadores lança à nação o


Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido por
A República proclamada adotou o modelo político Fernando de Azevedo e assinado por outros conceituados
americano baseado no sistema presidencialista. Na organização educadores da época.
escolar percebe-se influência da filosofia positivista. A Reforma Em 1934 a nova Constituição (a segunda da República)
de Benjamin Constant tinha como princípios orientadores a dispõe, pela primeira vez, que a educação é direito de
liberdade e laicidade do ensino, como também a gratuidade da todos, devendo ser ministrada pela família e pelos Poderes
escola primária. Estes princípios seguiam a orientação do que Públicos.
estava estipulado na Constituição brasileira. Ainda em 1934, por iniciativa do governador Armando
Uma das intenções desta Reforma era transformar o ensino Salles Oliveira, foi criada a Universidade de São Paulo. A
em formador de alunos para os cursos superiores e não apenas primeira a ser criada e organizada segundo as normas do
preparador. Outra intenção era substituir a predominância literária Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931.
pela científica. Em 1935 o Secretário de Educação do Distrito Federal,
Esta Reforma foi bastante criticada: pelos positivistas, já que Anísio Teixeira, cria a Universidade do Distrito Federal, no
não respeitava os princípios pedagógicos de Comte; pelos que atual município do Rio de Janeiro, com uma Faculdade de
defendiam a predominância literária, já que o que ocorreu foi Educação na qual se situava o Instituto de Educação.
o acréscimo de matérias científicas às tradicionais, tornando o
ensino enciclopédico. Período do Estado Novo
O Código Epitácio Pessoa, de 1901, inclui a lógica entre as
matérias e retira a biologia, a sociologia e a moral, acentuando, Refletindo tendências fascistas é outorgada uma nova
assim, a parte literária em detrimento da científica. Constituição em 1937. A orientação político-educacional
A Reforma Rivadávia Correa, de 1911, pretendeu que o para o mundo capitalista fica bem explícita em seu texto
curso secundário se tornasse formador do cidadão e não como sugerindo a preparação de um maior contingente de mão-
simples promotor a um nível seguinte. Retomando a orientação de-obra para as novas atividades abertas pelo mercado.
positivista, prega a liberdade de ensino, entendendo-se como a
Neste sentido a nova Constituição enfatiza o ensino pré-
possibilidade de oferta de ensino que não seja por escolas oficiais,
vocacional e profissional.
e de frequência. Além disso, prega ainda a abolição do diploma
Por outro lado propõe que a arte, a ciência e o
em troca de um certificado de assistência e aproveitamento
ensino sejam livres à iniciativa individual e à associação
e transfere os exames de admissão ao ensino superior para as
ou pessoas coletivas públicas e particulares, tirando do
faculdades. Os resultados desta Reforma foram desastrosos para
Estado o dever da educação. Mantém ainda a gratuidade
a educação brasileira.
e a obrigatoriedade do ensino primário Também dispõe
Num período complexo da História do Brasil surge a Reforma
João Luiz Alves que introduz a cadeira de Moral e Cívica com a como obrigatório o ensino de trabalhos manuais em todas
intenção de tentar combater os protestos estudantis contra o as escolas normais, primárias e secundárias.
governo do presidente Arthur Bernardes. No contexto político o estabelecimento do Estado
A década de vinte foi marcada por diversos fatos relevantes Novo, segundo a historiadora Otaíza Romanelli, faz
no processo de mudança das características políticas brasileiras. com que as discussões sobre as questões da educação,
Foi nesta década que ocorreu o Movimento dos 18 do Forte profundamente ricas no período anterior, entrem “numa
(1922), a Semana de Arte Moderna (1922), a fundação do Partido espécie de hibernação”. As conquistas do movimento
Comunista (1922), a Revolta Tenentista (1924) e a Coluna Prestes renovador, influenciando a Constituição de 1934, foram
(1924 a 1927). enfraquecidas nessa nova Constituição de 1937. Marca
Além disso, no que se refere à educação, foram realizadas uma distinção entre o trabalho intelectual, para as classes
diversas reformas de abrangência estadual, como as de Lourenço mais favorecidas, e o trabalho manual, enfatizando o ensino
Filho, no Ceará, em 1923, a de Anísio Teixeira, na Bahia, em 1925, profissional para as classes mais desfavorecidas.
a de Francisco Campos e Mario Casassanta, em Minas, em 1927, a Em 1942, por iniciativa do Ministro Gustavo Capanema,
de Fernando de Azevedo, no Distrito Federal (atual Rio de Janeiro), são reformados alguns ramos do ensino. Estas Reformas
em 1928 e a de Carneiro Leão, em Pernambuco, em 1928. receberam o nome de Leis Orgânicas do Ensino, e são
compostas por Decretos-lei que criam o Serviço Nacional
Período da Segunda República de Aprendizagem Industrial – SENAI e valoriza o ensino
profissionalizante.
A Revolução de 30 foi o marco referencial para a entrada do O ensino ficou composto, neste período, por cinco
Brasil no mundo capitalista de produção. A acumulação de capital, anos de curso primário, quatro de curso ginasial e três de
do período anterior, permitiu com que o Brasil pudesse investir colegial, podendo ser na modalidade clássico ou científico.
no mercado interno e na produção industrial. A nova realidade O ensino colegial perdeu o seu caráter propedêutico, de
brasileira passou a exigir uma mão-de-obra especializada e para preparatório para o ensino superior, e passou a se preocupar
tal era preciso investir na educação. Sendo assim, em 1930, foi mais com a formação geral. Apesar dessa divisão do ensino
criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e, em 1931, o secundário, entre clássico e científico, a predominância
governo provisório sanciona decretos organizando o ensino recaiu sobre o científico, reunindo cerca de 90% dos alunos
secundário e as universidades brasileiras ainda inexistentes. Estes do colegial.
Decretos ficaram conhecidos como “Reforma Francisco Campos”.

19
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Período da Nova República Período do Regime Militar

O fim do Estado Novo consubstanciou-se na adoção Em 1964, um golpe militar aborta todas as iniciativas de
de uma nova Constituição de cunho liberal e democrático. se revolucionar a educação brasileira, sob o pretexto de que
Esta nova Constituição, na área da Educação, determina as propostas eram “comunizantes e subversivas”.
a obrigatoriedade de se cumprir o ensino primário e dá O Regime Militar espelhou na educação o caráter
competência à União para legislar sobre diretrizes e bases antidemocrático de sua proposta ideológica de governo:
da educação nacional. Além disso, a nova Constituição fez professores foram presos e demitidos; universidades foram
voltar o preceito de que a educação é direito de todos, invadidas; estudantes foram presos e feridos, nos confronto com
inspirada nos princípios proclamados pelos Pioneiros, no a polícia, e alguns foram mortos; os estudantes foram calados
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, nos primeiros e a União Nacional dos Estudantes proibida de funcionar; o
anos da década de 30. Decreto-Lei 477 calou a boca de alunos e professores.
Ainda em 1946 o então Ministro Raul Leitão da Cunha Neste período deu-se a grande expansão das
regulamenta o Ensino Primário e o Ensino Normal, além universidades no Brasil. Para acabar com os “excedentes”
de criar o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - (aqueles que tiravam notas suficientes para serem aprovados,
SENAC, atendendo as mudanças exigidas pela sociedade mas não conseguiam vaga para estudar), foi criado o
após a Revolução de 1930. vestibular classificatório.
Baseado nas doutrinas emanadas pela Carta Magna de Para erradicar o analfabetismo foi criado o Movimento
1946, o Ministro Clemente Mariani, cria uma comissão com Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, aproveitando-se, em
o objetivo de elaborar um anteprojeto de reforma geral da sua didática, do expurgado Método Paulo Freire. O MOBRAL
educação nacional. Esta comissão, presidida pelo educador propunha erradicar o analfabetismo no Brasil. Não conseguiu.
Lourenço Filho, era organizada em três subcomissões: E, entre denúncias de corrupção, acabou por ser extinto e, no
uma para o Ensino Primário, uma para o Ensino Médio e seu lugar criou-se a Fundação Educar.
outra para o Ensino Superior. Em novembro de 1948 este É no período mais cruel da ditadura militar, onde qualquer
anteprojeto foi encaminhado à Câmara Federal, dando início expressão popular contrária aos interesses do governo era
a uma luta ideológica em torno das propostas apresentadas. abafada, muitas vezes pela violência física, que é instituída a
Num primeiro momento as discussões estavam voltadas às Lei 5.692, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
interpretações contraditórias das propostas constitucionais. em 1971. A característica mais marcante desta Lei era tentar
Num momento posterior, após a apresentação de um dar a formação educacional um cunho profissionalizante.
substitutivo do Deputado Carlos Lacerda, as discussões mais
marcantes relacionaram-se à questão da responsabilidade Período da Abertura Política
do Estado quanto à educação, inspirados nos educadores
da velha geração de 1930, e a participação das instituições No fim do Regime Militar a discussão sobre as questões
privadas de ensino. educacionais já haviam perdido o seu sentido pedagógico
Depois de 13 anos de acirradas discussões foi promulgada e assumido um caráter político. Para isso contribuiu a
a Lei 4.024, em 20 de dezembro de 1961, sem a pujança participação mais ativa de pensadores de outras áreas do
do anteprojeto original, prevalecendo as reivindicações da conhecimento que passaram a falar de educação num
Igreja Católica e dos donos de estabelecimentos particulares sentido mais amplo do que as questões pertinentes à escola,
de ensino no confronto com os que defendiam o monopólio à sala de aula, à didática, à relação direta entre professor e
estatal para a oferta da educação aos brasileiros. estudante e à dinâmica escolar em si mesma. Impedidos de
Se as discussões sobre a Lei de Diretrizes e Bases para a atuarem em suas funções, por questões políticas durante o
Educação Nacional foi o fato marcante, por outro lado muitas Regime Militar, profissionais de outras áreas, distantes do
iniciativas marcaram este período como, talvez, o mais fértil conhecimento pedagógico, passaram a assumir postos na
da História da Educação no Brasil: em 1950, em Salvador, no área da educação e a concretizar discursos em nome do
Estado da Bahia, Anísio Teixeira inaugura o Centro Popular saber pedagógico.
de Educação (Centro Educacional Carneiro Ribeiro), dando No bojo da nova Constituição, um Projeto de Lei para uma
início a sua ideia de escola-classe e escola-parque; em 1952, nova LDB foi encaminhado à Câmara Federal, pelo Deputado
em Fortaleza, Estado do Ceará, o educador Lauro de Oliveira Octávio Elísio, em 1988. No ano seguinte o Deputado Jorge
Lima inicia uma didática baseada nas teorias científicas de Hage enviou à Câmara um substitutivo ao Projeto e, em
Jean Piaget: o Método Psicogenético; em 1953 a educação 1992, o Senador Darcy Ribeiro apresenta um novo Projeto
passa a ser administrada por um Ministério próprio: o que acabou por ser aprovado em dezembro de 1996, oito
Ministério da Educação e Cultura; em 1961 a tem início anos após o encaminhamento do Deputado Octávio Elísio.
uma campanha de alfabetização, cuja didática, criada pelo Neste período, do fim do Regime Militar aos dias de hoje,
pernambucano Paulo Freire, propunha alfabetizar em 40 a fase politicamente marcante na educação, foi o trabalho
horas adultos analfabetos; em 1962 é criado o Conselho do economista e Ministro da Educação Paulo Renato de
Federal de Educação, que substitui o Conselho Nacional de Souza. Logo no início de sua gestão, através de uma Medida
Educação e os Conselhos Estaduais de Educação e, ainda em Provisória extinguiu o Conselho Federal de Educação e criou
1962 é criado o Plano Nacional de Educação e o Programa o Conselho Nacional de Educação, vinculado ao Ministério
Nacional de Alfabetização, pelo Ministério da Educação e da Educação e Cultura. Esta mudança tornou o Conselho
Cultura, inspirado no Método Paulo Freire. menos burocrático e mais político.

20
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Mesmo que possamos não concordar com a forma


como foram executados alguns programas, temos que
reconhecer que, em toda a História da Educação no ASPECTOS LEGAIS E POLÍTICOS DA
Brasil, contada a partir do descobrimento, jamais houve ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA:
execução de tantos projetos na área da educação numa só AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS E
administração. SUAS IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA PEDAGÓGICA;
O mais contestado deles foi o Exame Nacional de ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE;
Cursos e o seu “Provão”, onde os alunos das universidades LDB LEI FEDERAL Nº 9394/96 E ALTERAÇÕES
têm que realizar uma prova ao fim do curso para receber
POSTERIORES; PARÂMETROS CURRICULARES
seus diplomas. Esta prova, em que os alunos podem
simplesmente assinar a ata de presença e se retirar sem
NACIONAIS.
responder nenhuma questão, é levada em consideração
como avaliação das instituições. Além do mais, entre outras
questões, o exame não diferencia as regiões do país.
Até os dias de hoje muito tem se mexido no DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS E SUAS
planejamento educacional, mas a educação continua a ter IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA PEDAGÓGICA;
as mesmas características impostas em todos os países
do mundo, que é mais o de manter o “status quo”, para RESOLUÇÃO Nº 4, DE 13 DE JULHO DE 20101
aqueles que frequentam os bancos escolares, e menos de
oferecer conhecimentos básicos, para serem aproveitados Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
pelos estudantes em suas vidas práticas. Educação Básica.
Concluindo podemos dizer que a História da Educação
Brasileira tem um princípio, meio e fim bem demarcado e O Presidente da Câmara de Educação Básica do
facilmente observável. Ela é feita em rupturas marcantes, Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições
onde em cada período determinado teve características legais, e de conformidade com o disposto na alínea “c” do
próprias. § 1º do artigo 9º da Lei nº 4.024/1961, com a redação dada
A bem da verdade, apesar de toda essa evolução e pela Lei nº 9.131/1995, nos artigos 36, 36A, 36-B, 36-C, 36-
rupturas inseridas no processo, a educação brasileira não D, 37, 39, 40, 41 e 42 da Lei nº 9.394/1996, com a redação
evoluiu muito no que se refere à questão da qualidade. dada pela Lei nº 11.741/2008, bem como no Decreto nº
As avaliações, de todos os níveis, estão priorizadas na 5.154/2004, e com fundamento no Parecer CNE/CEB nº
aprendizagem dos estudantes, embora existam outros 7/2010, homologado por Despacho do Senhor Ministro de
critérios. O que podemos notar, por dados oferecidos pelo Estado da Educação, publicado no DOU de 9 de julho de
próprio Ministério da Educação, é que os estudantes não 2010.
aprendem o que as escolas se propõem a ensinar.
Embora os Parâmetros Curriculares Nacionais estejam RESOLVE:
sendo usados como norma de ação, nossa educação só
teve caráter nacional no período da Educação jesuítica. Art. 1º A presente Resolução define Diretrizes
Após isso o que se presenciou foi o caos e muitas
Curriculares Nacionais Gerais para o conjunto orgânico,
propostas desencontradas que pouco contribuíram para o
sequencial e articulado das etapas e modalidades da
desenvolvimento da qualidade da educação oferecida.
Educação Básica, baseando-se no direito de toda pessoa ao
É provável que estejamos próximos de uma nova ruptura.
seu pleno desenvolvimento, à preparação para o exercício
E esperamos que ela venha com propostas desvinculadas
da cidadania e à qualificação para o trabalho, na vivência
do modelo europeu de educação, criando soluções novas
e convivência em ambiente educativo, e tendo como
em respeito às características brasileiras. Como fizeram os
fundamento a responsabilidade que o Estado brasileiro,
países do bloco conhecidos como Tigres Asiáticos, que
a família e a sociedade têm de garantir a democratização
buscaram soluções para seu desenvolvimento econômico
investindo em educação. Ou como fez Cuba que, por do acesso, a inclusão, a permanência e a conclusão com
decisão política de governo, erradicou o analfabetismo sucesso das crianças, dos jovens e adultos na instituição
em apenas um ano e trouxe para a sala de aula todos os educacional, a aprendizagem para continuidade dos
cidadãos cubanos. estudos e a extensão da obrigatoriedade e da gratuidade
Na evolução da História da Educação brasileira a da Educação Básica.
próxima ruptura precisaria implantar um modelo que fosse
único, que atenda às necessidades de nossa população e
que seja eficaz.

Fonte:
BELLO, J. L. P.
1 Resolução CNE/CEB 4/2010. Diário Oficial da União, Bra-
sília, 14 de julho de 2010, Seção 1, p. 824.

21
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

TÍTULO I Art. 5º A Educação Básica é direito universal e alicerce


OBJETIVOS indispensável para o exercício da cidadania em plenitude, da
qual depende a possibilidade de conquistar todos os demais
Art. 2º Estas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais direitos, definidos na Constituição Federal, no Estatuto da
para a Educação Básica têm por objetivos: Criança e do Adolescente (ECA), na legislação ordinária e
I - sistematizar os princípios e as diretrizes gerais nas demais disposições que consagram as prerrogativas do
da Educação Básica contidos na Constituição, na Lei de cidadão.
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e demais Art. 6º Na Educação Básica, é necessário considerar as
dispositivos legais, traduzindo-os em orientações que dimensões do educar e do cuidar, em sua inseparabilidade,
contribuam para assegurar a formação básica comum buscando recuperar, para a função social desse nível da
nacional, tendo como foco os sujeitos que dão vida ao educação, a sua centralidade, que é o educando, pessoa em
currículo e à escola; formação na sua essência humana.
II - estimular a reflexão crítica e propositiva que deve
subsidiar a formulação, a execução e a avaliação do projeto TÍTULO III
político-pedagógico da escola de Educação Básica; SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO
III - orientar os cursos de formação inicial e continuada
de docentes e demais profissionais da Educação Básica, Art. 7º A concepção de educação deve orientar a
os sistemas educativos dos diferentes entes federados e institucionalização do regime de colaboração entre União,
as escolas que os integram, indistintamente da rede a que Estados, Distrito Federal e Municípios, no contexto da
pertençam. estrutura federativa brasileira, em que convivem sistemas
educacionais autônomos, para assegurar efetividade ao
Art. 3º As Diretrizes Curriculares Nacionais específicas projeto da educação nacional, vencer a fragmentação das
para as etapas e modalidades da Educação Básica devem políticas públicas e superar a desarticulação institucional.
evidenciar o seu papel de indicador de opções políticas, § 1º Essa institucionalização é possibilitada por um
Sistema Nacional de Educação, no qual cada ente federativo,
sociais, culturais, educacionais, e a função da educação,
com suas peculiares competências, é chamado a colaborar
na sua relação com um projeto de Nação, tendo como
para transformar a Educação Básica em um sistema orgânico,
referência os objetivos constitucionais, fundamentando-se
sequencial e articulado.
na cidadania e na dignidade da pessoa, o que pressupõe
§ 2º O que caracteriza um sistema é a atividade
igualdade, liberdade, pluralidade, diversidade, respeito,
intencional e organicamente concebida, que se justifica pela
justiça social, solidariedade e sustentabilidade.
realização de atividades voltadas para as mesmas finalidades
ou para a concretização dos mesmos objetivos.
TÍTULO II
§ 3º O regime de colaboração entre os entes federados
REFERÊNCIAS CONCEITUAIS pressupõe o estabelecimento de regras de equivalência entre
as funções distributiva, supletiva, normativa, de supervisão e
Art. 4º As bases que dão sustentação ao projeto avaliação da educação nacional, respeitada a autonomia dos
nacional de educação responsabilizam o poder público, sistemas e valorizadas as diferenças regionais.
a família, a sociedade e a escola pela garantia a todos os
educandos de um ensino ministrado de acordo com os TÍTULO IV
princípios de: ACESSO E PERMANÊNCIA PARA A CONQUISTA DA
I - igualdade de condições para o acesso, inclusão, QUALIDADE SOCIAL
permanência e sucesso na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar Art. 8º A garantia de padrão de qualidade, com
a cultura, o pensamento, a arte e o saber; pleno acesso, inclusão e permanência dos sujeitos das
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; aprendizagens na escola e seu sucesso, com redução da
IV - respeito à liberdade e aos direitos; evasão, da retenção e da distorção de idade/ano/série,
V - coexistência de instituições públicas e privadas de resulta na qualidade social da educação, que é uma conquista
ensino; coletiva de todos os sujeitos do processo educativo.
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos
oficiais; Art. 9º A escola de qualidade social adota como
VII - valorização do profissional da educação escolar; centralidade o estudante e a aprendizagem, o que pressupõe
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma atendimento aos seguintes requisitos:
da legislação e das normas dos respectivos sistemas de I - revisão das referências conceituais quanto aos
ensino; diferentes espaços e tempos educativos, abrangendo
IX - garantia de padrão de qualidade; espaços sociais na escola e fora dela;
X - valorização da experiência extraescolar; II - consideração sobre a inclusão, a valorização das
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e diferenças e o atendimento à pluralidade e à diversidade
as práticas sociais. cultural, resgatando e respeitando as várias manifestações
de cada comunidade;

22
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

III - foco no projeto político-pedagógico, no gosto TÍTULO V


pela aprendizagem e na avaliação das aprendizagens como ORGANIZAÇÃO CURRICULAR: CONCEITO, LIMITES,
instrumento de contínua progressão dos estudantes; POSSIBILIDADES
IV - inter-relação entre organização do currículo, do trabalho
pedagógico e da jornada de trabalho do professor, tendo como Art. 11. A escola de Educação Básica é o espaço em que se
objetivo a aprendizagem do estudante; ressignifica e se recria a cultura herdada, reconstruindo-se as
V - preparação dos profissionais da educação, gestores, identidades culturais, em que se aprende a valorizar as raízes
professores, especialistas, técnicos, monitores e outros; próprias das diferentes regiões do País.
VI - compatibilidade entre a proposta curricular e a Parágrafo único. Essa concepção de escola exige a
infraestrutura entendida como espaço formativo dotado superação do rito escolar, desde a construção do currículo até
de efetiva disponibilidade de tempos para a sua utilização e os critérios que orientam a organização do trabalho escolar
acessibilidade; em sua multidimensionalidade, privilegia trocas, acolhimento e
VII - integração dos profissionais da educação, dos aconchego, para garantir o bem-estar de crianças, adolescentes,
estudantes, das famílias, dos agentes da comunidade jovens e adultos, no relacionamento entre todas as pessoas.
interessados na educação;
VIII - valorização dos profissionais da educação, com Art. 12. Cabe aos sistemas educacionais, em geral, definir
programa de formação continuada, critérios de acesso, o programa de escolas de tempo parcial diurno (matutino ou
permanência, remuneração compatível com a jornada de vespertino), tempo parcial noturno, e tempo integral (turno e
trabalho definida no projeto político-pedagógico; contra turno ou turno único com jornada escolar de 7 horas,
IX - realização de parceria com órgãos, tais como os de no mínimo, durante todo o período letivo), tendo em vista a
assistência social e desenvolvimento humano, cidadania, ciência amplitude do papel socioeducativo atribuído ao conjunto
e tecnologia, esporte, turismo, cultura e arte, saúde, meio orgânico da Educação Básica, o que requer outra organização e
ambiente. gestão do trabalho pedagógico.
§ 1º Deve-se ampliar a jornada escolar, em único ou
Art. 10. A exigência legal de definição de padrões mínimos diferentes espaços educativos, nos quais a permanência do
de qualidade da educação traduz a necessidade de reconhecer estudante vincula-se tanto à quantidade e qualidade do tempo
que a sua avaliação associa-se à ação planejada, coletivamente, diário de escolarização quanto à diversidade de atividades de
pelos sujeitos da escola. aprendizagens.
§ 1º O planejamento das ações coletivas exercidas pela § 2º A jornada em tempo integral com qualidade implica
escola supõe que os sujeitos tenham clareza quanto: a necessidade da incorporação efetiva e orgânica, no currículo,
I - aos princípios e às finalidades da educação, além do de atividades e estudos pedagogicamente planejados e
reconhecimento e da análise dos dados indicados pelo Índice acompanhados.
de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e/ou outros § 3º Os cursos em tempo parcial noturno devem
indicadores, que o complementem ou substituam; estabelecer metodologia adequada às idades, à maturidade e
II - à relevância de um projeto político-pedagógico concebido à experiência de aprendizagens, para atenderem aos jovens e
e assumido colegiadamente pela comunidade educacional, adultos em escolarização no tempo regular ou na modalidade
respeitadas as múltiplas diversidades e a pluralidade cultural; de Educação de Jovens e Adultos.
III - à riqueza da valorização das diferenças manifestadas
pelos sujeitos do processo educativo, em seus diversos CAPÍTULO I
segmentos, respeitados o tempo e o contexto sociocultural; FORMAS PARA A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR
IV - aos padrões mínimos de qualidade (Custo Aluno-
Qualidade Inicial – CAQi); Art. 13. O currículo, assumindo como referência os
§ 2º Para que se concretize a educação escolar, exige- princípios educacionais garantidos à educação, assegurados no
se um padrão mínimo de insumos, que tem como base um artigo 4º desta Resolução, configura-se como o conjunto de
investimento com valor calculado a partir das despesas essenciais valores e práticas que proporcionam a produção, a socialização
ao desenvolvimento dos processos e procedimentos formativos, de significados no espaço social e contribuem intensamente
que levem, gradualmente, a uma educação integral, dotada de para a construção de identidades socioculturais dos educandos.
qualidade social: § 1º O currículo deve difundir os valores fundamentais
I - creches e escolas que possuam condições de infraestrutura do interesse social, dos direitos e deveres dos cidadãos, do
e adequados equipamentos; respeito ao bem comum e à ordem democrática, considerando
II - professores qualificados com remuneração adequada as condições de escolaridade dos estudantes em cada
e compatível com a de outros profissionais com igual nível de estabelecimento, a orientação para o trabalho, a promoção de
formação, em regime de trabalho de 40 (quarenta) horas em práticas educativas formais e não-formais.
tempo integral em uma mesma escola; § 2º Na organização da proposta curricular, deve-se
III - definição de uma relação adequada entre o número de assegurar o entendimento de currículo como experiências
alunos por turma e por professor, que assegure aprendizagens escolares que se desdobram em torno do conhecimento,
relevantes; permeadas pelas relações sociais, articulando vivências e
IV - pessoal de apoio técnico e administrativo que responda saberes dos estudantes com os conhecimentos historicamente
às exigências do que se estabelece no projeto político- acumulados e contribuindo para construir as identidades dos
pedagógico. educandos.

23
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 3º A organização do percurso formativo, aberto IX - adoção de rede de aprendizagem, também, como


e contextualizado, deve ser construída em função das ferramenta didático-pedagógica relevante nos programas
peculiaridades do meio e das características, interesses e de formação inicial e continuada de profissionais da
necessidades dos estudantes, incluindo não só os componentes educação, sendo que esta opção requer planejamento
curriculares centrais obrigatórios, previstos na legislação e nas sistemático integrado estabelecido entre sistemas
normas educacionais, mas outros, também, de modo flexível e educativos ou conjunto de unidades escolares;
variável, conforme cada projeto escolar, e assegurando: § 4º A transversalidade é entendida como uma forma
I - concepção e organização do espaço curricular e físico de organizar o trabalho didático pedagógico em que temas
que se imbriquem e alarguem, incluindo espaços, ambientes e e eixos temáticos são integrados às disciplinas e às áreas
equipamentos que não apenas as salas de aula da escola, mas, ditas convencionais, de forma a estarem presentes em
igualmente, os espaços de outras escolas e os socioculturais todas elas.
e esportivo recreativos do entorno, da cidade e mesmo da § 5º A transversalidade difere da interdisciplinaridade
região; e ambas complementam-se, rejeitando a concepção de
II - ampliação e diversificação dos tempos e espaços conhecimento que toma a realidade como algo estável,
curriculares que pressuponham profissionais da educação pronto e acabado.
dispostos a inventar e construir a escola de qualidade § 6º A transversalidade refere-se à dimensão didático-
social, com responsabilidade compartilhada com as demais pedagógica, e a interdisciplinaridade, à abordagem
autoridades que respondem pela gestão dos órgãos do poder epistemológica dos objetos de conhecimento.
público, na busca de parcerias possíveis e necessárias, até
porque educar é responsabilidade da família, do Estado e da CAPÍTULO II
sociedade; FORMAÇÃO BÁSICA COMUM E PARTE
III - escolha da abordagem didático-pedagógica disciplinar, DIVERSIFICADA
pluridisciplinar, interdisciplinar ou transdisciplinar pela escola,
que oriente o projeto político-pedagógico e resulte de pacto Art. 14. A base nacional comum na Educação Básica
estabelecido entre os profissionais da escola, conselhos
constitui-se de conhecimentos, saberes e valores produzidos
escolares e comunidade, subsidiando a organização da matriz
culturalmente, expressos nas políticas públicas e gerados
curricular, a definição de eixos temáticos e a constituição de
nas instituições produtoras do conhecimento científico e
redes de aprendizagem;
tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento
IV - compreensão da matriz curricular entendida como
das linguagens; nas atividades desportivas e corporais;
propulsora de movimento, dinamismo curricular e educacional,
na produção artística; nas formas diversas de exercício da
de tal modo que os diferentes campos do conhecimento
cidadania; e nos movimentos sociais.
possam se coadunar com o conjunto de atividades educativas;
§ 1º Integram a base nacional comum nacional: a) a
V - organização da matriz curricular entendida como
alternativa operacional que embase a gestão do currículo Língua Portuguesa;
escolar e represente subsídio para a gestão da escola (na b) a Matemática;
organização do tempo e do espaço curricular, distribuição e c) o conhecimento do mundo físico, natural, da realidade
controle do tempo dos trabalhos docentes), passo para uma social e política, especialmente do Brasil, incluindo-se o
gestão centrada na abordagem interdisciplinar, organizada estudo da História e das Culturas Afro-Brasileira e Indígena,
por eixos temáticos, mediante interlocução entre os diferentes d) a Arte, em suas diferentes formas de expressão,
campos do conhecimento; incluindo-se a música;
VI - entendimento de que eixos temáticos são uma forma e) a Educação Física;
de organizar o trabalho pedagógico, limitando a dispersão do f) o Ensino Religioso.
conhecimento, fornecendo o cenário no qual se constroem § 2º Tais componentes curriculares são organizados
objetos de estudo, propiciando a concretização da proposta pelos sistemas educativos, em forma de áreas de
pedagógica centrada na visão interdisciplinar, superando conhecimento, disciplinas, eixos temáticos, preservando-se
o isolamento das pessoas e a compartimentalização de a especificidade dos diferentes campos do conhecimento,
conteúdos rígidos; por meio dos quais se desenvolvem as habilidades
VII - estímulo à criação de métodos didático-pedagógicos indispensáveis ao exercício da cidadania, em ritmo
utilizando-se recursos tecnológicos de informação e compatível com as etapas do desenvolvimento integral do
comunicação, a serem inseridos no cotidiano escolar, a fim de cidadão.
superar a distância entre estudantes que aprendem a receber § 3º A base nacional comum e a parte diversificada
informação com rapidez utilizando a linguagem digital e não podem se constituir em dois blocos distintos, com
professores que dela ainda não se apropriaram; disciplinas específicas para cada uma dessas partes, mas
VIII - constituição de rede de aprendizagem, entendida devem ser organicamente planejadas e geridas de tal
como um conjunto de ações didático-pedagógicas, com modo que as tecnologias de informação e comunicação
foco na aprendizagem e no gosto de aprender, subsidiada perpassem transversalmente a proposta curricular, desde a
pela consciência de que o processo de comunicação entre Educação Infantil até o Ensino Médio, imprimindo direção
estudantes e professores é efetivado por meio de práticas e aos projetos políticopedagógico.
recursos diversos;

24
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 15. A parte diversificada enriquece e complementa a II - a dimensão sequencial compreende os


base nacional comum, prevendo o estudo das características processos educativos que acompanham as exigências
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da de aprendizagens definidas em cada etapa do percurso
comunidade escolar, perpassando todos os tempos e espaços formativo, contínuo e progressivo, da Educação Básica
curriculares constituintes do Ensino Fundamental e do Ensino até a Educação Superior, constituindo-se em diferentes e
Médio, independentemente do ciclo da vida no qual os sujeitos insubstituíveis momentos da vida dos educandos;
tenham acesso à escola. III - a articulação das dimensões orgânica e sequencial
§ 1º A parte diversificada pode ser organizada em temas das etapas e das modalidades da Educação Básica, e destas
gerais, na forma de eixos temáticos, selecionados colegiadamente com a Educação Superior, implica ação coordenada e
pelos sistemas educativos ou pela unidade escolar. integradora do seu conjunto.
§ 2º A LDB inclui o estudo de, pelo menos, uma língua § 2º A transição entre as etapas da Educação Básica
estrangeira moderna na parte diversificada, cabendo sua e suas fases requer formas de articulação das dimensões
escolha à comunidade escolar, dentro das possibilidades da orgânica e sequencial que assegurem aos educandos,
escola, que deve considerar o atendimento das características sem tensões e rupturas, a continuidade de seus processos
locais, regionais, nacionais e transnacionais, tendo em vista as peculiares de aprendizagem e desenvolvimento.
demandas do mundo do trabalho e da internacionalização de
toda ordem de relações. Art. 19. Cada etapa é delimitada por sua finalidade,
§ 3º A língua espanhola, por força da Lei nº 11.161/2005, seus princípios, objetivos e diretrizes educacionais,
é obrigatoriamente ofertada no Ensino Médio, embora fundamentando-se na inseparabilidade dos conceitos
facultativa para o estudante, bem como possibilitada no Ensino referenciais: cuidar e educar, pois esta é uma concepção
Fundamental, do 6º ao 9º ano. norteadora do projeto político-pedagógico elaborado e
executado pela comunidade educacional.
Art. 16. Leis específicas, que complementam a LDB,
determinam que sejam incluídos componentes não disciplinares, Art. 20. O respeito aos educandos e a seus tempos
como temas relativos ao trânsito, ao meio ambiente e à condição mentais, socioemocionais, culturais e identitários é um
e direitos do idoso. princípio orientador de toda a ação educativa, sendo
responsabilidade dos sistemas a criação de condições
Art. 17. No Ensino Fundamental e no Ensino Médio, para que crianças, adolescentes, jovens e adultos, com sua
destinar-se-ão, pelo menos, 20% do total da carga horária anual diversidade, tenham a oportunidade de receber a formação
ao conjunto de programas e projetos interdisciplinares eletivos que corresponda à idade própria de percurso escolar.
criados pela escola, previsto no projeto pedagógico, de modo
que os estudantes do Ensino Fundamental e do Médio possam CAPÍTULO I
escolher aquele programa ou projeto com que se identifiquem ETAPAS DA EDUCAÇÃO BÁSICA
e que lhes permitam melhor lidar com o conhecimento e a
experiência. Art. 21. São etapas correspondentes a diferentes
§ 1º Tais programas e projetos devem ser desenvolvidos momentos constitutivos do desenvolvimento educacional:
de modo dinâmico, criativo e flexível, em articulação com a I - a Educação Infantil, que compreende: a Creche,
comunidade em que a escola esteja inserida. englobando as diferentes etapas do desenvolvimento da
§ 2º A interdisciplinaridade e a contextualização devem criança até 3 (três) anos e 11 (onze) meses; e a Pré-Escola,
assegurar a transversalidade do conhecimento de diferentes com duração de 2 (dois) anos;
disciplinas e eixos temáticos, perpassando todo o currículo e II - o Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, com
propiciando a interlocução entre os saberes e os diferentes duração de 9 (nove) anos, é organizado e tratado em duas
campos do conhecimento. fases: a dos 5 (cinco) anos iniciais e a dos 4 (quatro) anos
finais; III - o Ensino Médio, com duração mínima de 3 (três)
TÍTULO VI anos.
ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA Parágrafo único. Essas etapas e fases têm previsão de
idades próprias, as quais, no entanto, são diversas quando
Art. 18. Na organização da Educação Básica, devem-se se atenta para sujeitos com características que fogem à
observar as Diretrizes Curriculares Nacionais comuns a todas as norma, como é o caso, entre outros:
suas etapas, modalidades e orientações temáticas, respeitadas as I - de atraso na matrícula e/ou no percurso escolar;
suas especificidades e as dos sujeitos a que se destinam. II - de retenção, repetência e retorno de quem havia
§ 1º As etapas e as modalidades do processo de escolarização abandonado os estudos;
estruturam-se de modo orgânico, sequencial e articulado, de III - de portadores de deficiência limitadora;
maneira complexa, embora permanecendo individualizadas ao IV - de jovens e adultos sem escolarização ou com esta
logo do percurso do estudante, apesar das mudanças por incompleta;
que passam: V - de habitantes de zonas rurais;
I - a dimensão orgânica é atendida quando são VI - de indígenas e quilombolas;
observadas as especificidades e as diferenças de cada VII - de adolescentes em regime de acolhimento ou
sistema educativo, sem perder o que lhes é comum: as internação, jovens e adultos em situação de privação de
semelhanças e as identidades que lhe são inerentes; liberdade nos estabelecimentos penais.

25
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Seção I Art. 24. Os objetivos da formação básica das crianças,


Educação Infantil definidos para a Educação Infantil, prolongam-se durante
os anos iniciais do Ensino Fundamental, especialmente
Art. 22. A Educação Infantil tem por objetivo o no primeiro, e completam-se nos anos finais, ampliando
desenvolvimento integral da criança, em seus aspectos físico, e intensificando, gradativamente, o processo educativo,
afetivo, psicológico, intelectual, social, complementando a mediante:
ação da família e da comunidade. I - desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo
§ 1º As crianças provêm de diferentes e singulares como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e
contextos socioculturais, socioeconômicos e étnicos, do cálculo;
por isso devem ter a oportunidade de ser acolhidas e II - foco central na alfabetização, ao longo dos 3 (três)
respeitadas pela escola e pelos profissionais da educação, primeiros anos;
com base nos princípios da individualidade, igualdade, III - compreensão do ambiente natural e social, do
liberdade, diversidade e pluralidade. sistema político, da economia, da tecnologia, das artes, da
§ 2º Para as crianças, independentemente das diferentes cultura e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
condições físicas, sensoriais, intelectuais, linguísticas, IV - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem,
étnico-raciais, socioeconômicas, de origem, de religião, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e
entre outras, as relações sociais e intersubjetivas no espaço a formação de atitudes e valores;
escolar requerem a atenção intensiva dos profissionais V - fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de
da educação, durante o tempo de desenvolvimento das solidariedade humana e de respeito recíproco em que se
atividades que lhes são peculiares, pois este é o momento assenta a vida social.
em que a curiosidade deve ser estimulada, a partir da
brincadeira orientada pelos profissionais da educação. Art. 25. Os sistemas estaduais e municipais devem
§ 3º Os vínculos de família, dos laços de solidariedade estabelecer especial forma de colaboração visando à oferta
humana e do respeito mútuo em que se assenta a vida social do Ensino Fundamental e à articulação sequente entre a
primeira fase, no geral assumida pelo Município, e a segunda,
devem iniciar-se na Educação Infantil e sua intensificação
pelo Estado, para evitar obstáculos ao acesso de estudantes
deve ocorrer ao longo da Educação Básica.
que se transfiram de uma rede para outra para completar
§ 4º Os sistemas educativos devem envidar esforços
esta escolaridade obrigatória, garantindo a organicidade e a
promovendo ações a partir das quais as unidades de
totalidade do processo formativo do escolar.
Educação Infantil sejam dotadas de condições para acolher
as crianças, em estreita relação com a família, com agentes
Seção III
sociais e com a sociedade, prevendo programas e projetos
Ensino Médio
em parceria, formalmente estabelecidos.
§ 5º A gestão da convivência e as situações em que Art. 26. O Ensino Médio, etapa final do processo
se torna necessária a solução de problemas individuais formativo da Educação Básica, é orientado por princípios e
e coletivos pelas crianças devem ser previamente finalidades que preveem:
programadas, com foco nas motivações estimuladas e I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos
orientadas pelos professores e demais profissionais da adquiridos no Ensino
educação e outros de áreas pertinentes, respeitados os Fundamental, possibilitando o prosseguimento de
limites e as potencialidades de cada criança e os vínculos estudos;
desta com a família ou com o seu responsável direto. II - a preparação básica para a cidadania e o trabalho,
tomado este como princípio educativo, para continuar
Seção II aprendendo, de modo a ser capaz de enfrentar novas
Ensino Fundamental condições de ocupação e aperfeiçoamento posteriores;
III - o desenvolvimento do educando como pessoa
Art. 23. O Ensino Fundamental com 9 (nove) anos de humana, incluindo a formação ética e estética, o
duração, de matrícula obrigatória para as crianças a partir desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento
dos 6 (seis) anos de idade, tem duas fases sequentes com crítico;
características próprias, chamadas de anos iniciais, com 5 IV - a compreensão dos fundamentos científicos e
(cinco) anos de duração, em regra para estudantes de 6 tecnológicos presentes na sociedade contemporânea,
(seis) a 10 (dez) anos de idade; e anos finais, com 4 (quatro) relacionando a teoria com a prática.
anos de duração, para os de 11 (onze) a 14 (quatorze) anos. § 1º O Ensino Médio deve ter uma base unitária sobre
Parágrafo único. No Ensino Fundamental, acolher a qual podem se assentar possibilidades diversas como
significa também cuidar e educar, como forma de garantir preparação geral para o trabalho ou, facultativamente,
a aprendizagem dos conteúdos curriculares, para que para profissões técnicas; na ciência e na tecnologia, como
o estudante desenvolva interesses e sensibilidades que iniciação científica e tecnológica; na cultura, como ampliação
lhe permitam usufruir dos bens culturais disponíveis na da formação cultural.
comunidade, na sua cidade ou na sociedade em geral, § 2º A definição e a gestão do currículo inscrevem-se
e que lhe possibilitem ainda sentir-se como produtor em uma lógica que se dirige aos jovens, considerando suas
valorizado desses bens. singularidades, que se situam em um tempo determinado.

26
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 3º Os sistemas educativos devem prever currículos § 1º Os sistemas de ensino devem matricular os estudantes
flexíveis, com diferentes alternativas, para que os jovens com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
tenham a oportunidade de escolher o percurso formativo altas habilidades/superdotação nas classes comuns do ensino
que atenda seus interesses, necessidades e aspirações, para regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE),
que se assegure a permanência dos jovens na escola, com complementar ou suplementar à escolarização, ofertado em
proveito, até a conclusão da Educação Básica. salas de recursos multifuncionais ou em centros de AEE da
rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais
CAPÍTULO II ou filantrópicas sem fins lucrativos.
MODALIDADES DA EDUCAÇÃO BÁSICA § 2º Os sistemas e as escolas devem criar condições
para que o professor da classe comum possa explorar as
Art. 27. A cada etapa da Educação Básica pode potencialidades de todos os estudantes, adotando uma
corresponder uma ou mais das modalidades de ensino: pedagogia dialógica, interativa, interdisciplinar e inclusiva e,
Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial, Educação na interface, o professor do AEE deve identificar habilidades
Profissional e Tecnológica, Educação do Campo, Educação e necessidades dos estudantes, organizar e orientar sobre os
Escolar Indígena e Educação a Distância. serviços e recursos pedagógicos e de acessibilidade para a
participação e aprendizagem dos estudantes.
Seção I § 3º Na organização desta modalidade, os sistemas
Educação de Jovens e Adultos de ensino devem observar as seguintes orientações
fundamentais:
Art. 28. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) destina- I - o pleno acesso e a efetiva participação dos estudantes
se aos que se situam na faixa etária superior à considerada no ensino regular;
própria, no nível de conclusão do Ensino Fundamental e do II - a oferta do atendimento educacional especializado;
Ensino Médio. III - a formação de professores para o AEE e para o
§ 1º Cabe aos sistemas educativos viabilizar a oferta de desenvolvimento de práticas educacionais inclusivas;
cursos gratuitos aos jovens e aos adultos, proporcionando- IV - a participação da comunidade escolar;
lhes oportunidades educacionais apropriadas, consideradas V - a acessibilidade arquitetônica, nas comunicações
as características do alunado, seus interesses, condições e informações, nos mobiliários e equipamentos e nos
de vida e de trabalho, mediante cursos, exames, ações transportes;
integradas e complementares entre si, estruturados em um VI - a articulação das políticas públicas intersetoriais.
projeto pedagógico próprio.
§ 2º Os cursos de EJA, preferencialmente tendo a Seção III
Educação Profissional articulada com a Educação Básica, Educação Profissional e Tecnológica
devem pautar-se pela flexibilidade, tanto de currículo quanto
de tempo e espaço, para que seja(m): Art. 30. A Educação Profissional e Tecnológica, no
I - rompida a simetria com o ensino regular para crianças e cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-
adolescentes, de modo a permitir percursos individualizados se aos diferentes níveis e modalidades de educação e
e conteúdos significativos para os jovens e adultos; às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia, e
II - providos o suporte e a atenção individuais às diferentes articula-se com o ensino regular e com outras modalidades
necessidades dos estudantes no processo de aprendizagem, educacionais: Educação de Jovens e Adultos, Educação
mediante atividades diversificadas; Especial e Educação a Distância.
III - valorizada a realização de atividades e vivências
socializadoras, culturais, recreativas e esportivas, geradoras Art. 31. Como modalidade da Educação Básica, a
de enriquecimento do percurso formativo dos estudantes; Educação Profissional e Tecnológica ocorre na oferta de
IV - desenvolvida a agregação de competências para o cursos de formação inicial e continuada ou qualificação
trabalho; profissional e nos de Educação Profissional Técnica de nível
V - promovida a motivação e a orientação permanente médio.
dos estudantes, visando maior participação nas aulas e seu
melhor aproveitamento e desempenho; Art. 32. A Educação Profissional Técnica de nível médio
VI - realizada, sistematicamente, a formação continuada, é desenvolvida nas seguintes formas:
destinada, especificamente, aos educadores de jovens e I - articulada com o Ensino Médio, sob duas formas: a)
adultos. integrada, na mesma instituição; ou
b) concomitante, na mesma ou em distintas instituições;
Seção II II - subsequente, em cursos destinados a quem já tenha
Educação Especial concluído o Ensino Médio.
§ 1º Os cursos articulados com o Ensino Médio,
Art. 29. A Educação Especial, como modalidade organizados na forma integrada, são cursos de matrícula
transversal a todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, única, que conduzem os educandos à habilitação
é parte integrante da educação regular, devendo ser prevista profissional técnica de nível médio ao mesmo tempo em
no projeto político-pedagógico da unidade escolar. que concluem a última etapa da Educação Básica.

27
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 2º Os cursos técnicos articulados com o Ensino Médio, Seção V


ofertados na forma concomitante, com dupla matrícula e Educação Escolar Indígena
dupla certificação, podem ocorrer:
I - na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as Art. 37. A Educação Escolar Indígena ocorre em unidades
oportunidades educacionais disponíveis; educacionais inscritas em suas terras e culturas, as quais têm uma
II - em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as realidade singular, requerendo pedagogia própria em respeito
oportunidades educacionais disponíveis; à especificidade étnico-cultural de cada povo ou comunidade
III - em instituições de ensino distintas, mediante e formação específica de seu quadro docente, observados os
convênios de intercomplementaridade, com planejamento e princípios constitucionais, a base nacional comum e os princípios
desenvolvimento de projeto pedagógico unificado. que orientam a Educação Básica brasileira.
§ 3º São admitidas, nos cursos de Educação Profissional Parágrafo único. Na estruturação e no funcionamento
Técnica de nível médio, a organização e a estruturação em das escolas indígenas, é reconhecida a sua condição de
etapas que possibilitem qualificação profissional intermediária. possuidores de normas e ordenamento jurídico próprios, com
§ 4º A Educação Profissional e Tecnológica pode ensino intercultural e bilíngue, visando à valorização plena das
ser desenvolvida por diferentes estratégias de educação culturas dos povos indígenas e à afirmação e manutenção de
continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de sua diversidade étnica.
trabalho, incluindo os programas e cursos de aprendizagem,
previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Art. 38. Na organização de escola indígena, deve ser
considerada a participação da comunidade, na definição do
Art. 33. A organização curricular da Educação Profissional e modelo de organização e gestão, bem como:
Tecnológica por eixo tecnológico fundamenta-se na identificação I - suas estruturas sociais;
das tecnologias que se encontram na base de uma dada formação II - suas práticas socioculturais e religiosas;
profissional e dos arranjos lógicos por elas constituídos. III - suas formas de produção de conhecimento, processos
próprios e métodos de ensino-aprendizagem;
Art. 34. Os conhecimentos e as habilidades adquiridos IV - suas atividades econômicas;
tanto nos cursos de Educação Profissional e Tecnológica, como V - edificação de escolas que atendam aos interesses das
os adquiridos na prática laboral pelos trabalhadores, podem comunidades indígenas;
ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para VI - uso de materiais didático-pedagógicos produzidos de
prosseguimento ou conclusão de estudos. acordo com o contexto sociocultural de cada povo indígena.

Seção IV Seção VI
Educação Básica do Campo Educação a Distância

Art. 35. Na modalidade de Educação Básica do Campo, a Art. 39. A modalidade Educação a Distância caracteriza-se
educação para a população rural está prevista com adequações pela mediação didáticopedagógica nos processos de ensino
necessárias às peculiaridades da vida no campo e de cada e aprendizagem que ocorre com a utilização de meios e
região, definindo-se orientações para três aspectos essenciais tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e
à organização da ação pedagógica: professores desenvolvendo atividades educativas em lugares
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às ou tempos diversos.
reais necessidades e interesses dos estudantes da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo adequação do Art. 40. O credenciamento para a oferta de cursos e
calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições programas de Educação de Jovens e Adultos, de Educação
climáticas; Especial e de Educação Profissional Técnica de nível médio e
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural. Tecnológica, na modalidade a distância, compete aos sistemas
estaduais de ensino, atendidas a regulamentação federal e as
Art. 36. A identidade da escola do campo é definida pela normas complementares desses sistemas.
vinculação com as questões inerentes à sua realidade, com
propostas pedagógicas que contemplam sua diversidade Seção VII
em todos os aspectos, tais como sociais, culturais, políticos, Educação Escolar Quilombola
econômicos, de gênero, geração e etnia.
Parágrafo único. Formas de organização e metodologias Art. 41. A Educação Escolar Quilombola é desenvolvida
pertinentes à realidade do campo devem ter acolhidas, em unidades educacionais inscritas em suas terras e cultura,
como a pedagogia da terra, pela qual se busca um trabalho requerendo pedagogia própria em respeito à especificidade
pedagógico fundamentado no princípio da sustentabilidade, étnico-cultural de cada comunidade e formação específica de
para assegurar a preservação da vida das futuras gerações, seu quadro docente, observados os princípios constitucionais,
e a pedagogia da alternância, na qual o estudante participa, a base nacional comum e os princípios que orientam a
concomitante e alternadamente, de dois ambientes/situações Educação Básica brasileira.
de aprendizagem: o escolar e o laboral, supondo parceria Parágrafo único. Na estruturação e no funcionamento
educativa, em que ambas as partes são corresponsáveis pelo das escolas quilombolas, bem com nas demais, deve ser
aprendizado e pela formação do estudante. reconhecida e valorizada a diversidade cultural.

28
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

TÍTULO VII IV - as bases norteadoras da organização do trabalho


ELEMENTOS CONSTITUTIVOS PARA A pedagógico;
ORGANIZAÇÃO DAS V - a definição de qualidade das aprendizagens e, por
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS GERAIS consequência, da escola, no contexto das desigualdades
PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA que se refletem na escola;
VI - os fundamentos da gestão democrática,
Art. 42. São elementos constitutivos para a compartilhada e participativa (órgãos colegiados e de
operacionalização destas Diretrizes o projeto político- representação estudantil);
pedagógico e o regimento escolar; o sistema de avaliação; VII - o programa de acompanhamento de acesso, de
a gestão democrática e a organização da escola; o professor permanência dos estudantes e de superação da retenção
e o programa de formação docente. escolar;
VIII - o programa de formação inicial e continuada dos
CAPÍTULO I profissionais da educação, regentes e não regentes;
O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO E O IX - as ações de acompanhamento sistemático dos
REGIMENTO ESCOLAR resultados do processo de avaliação interna e externa
(Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB, Prova
Art. 43. O projeto políticopedagógico, Brasil, dados estatísticos, pesquisas sobre os sujeitos da
interdependentemente da autonomia pedagógica, Educação Básica), incluindo dados referentes ao IDEB e/ou
administrativa e de gestão financeira da instituição que complementem ou substituam os desenvolvidos pelas
educacional, representa mais do que um documento, sendo unidades da federação e outros;
um dos meios de viabilizar a escola democrática para todos X - a concepção da organização do espaço físico da
e de qualidade social. instituição escolar de tal modo que este seja compatível com
§ 1º A autonomia da instituição educacional baseia-se as características de seus sujeitos, que atenda as normas
na busca de sua identidade, que se expressa na construção de acessibilidade, além da natureza e das finalidades da
educação, deliberadas e assumidas pela comunidade
de seu projeto pedagógico e do seu regimento escolar,
educacional.
enquanto manifestação de seu ideal de educação e que
permite uma nova e democrática ordenação pedagógica
Art. 45. O regimento escolar, discutido e aprovado pela
das relações escolares.
comunidade escolar e conhecido por todos, constitui-se
§ 2º Cabe à escola, considerada a sua identidade e a
em um dos instrumentos de execução do projeto político
de seus sujeitos, articular a formulação do projeto político-
pedagógico, com transparência e responsabilidade.
pedagógico com os planos de educação – nacional,
Parágrafo único. O regimento escolar trata da natureza
estadual, municipal –, o contexto em que a escola se situa e e da finalidade da instituição, da relação da gestão
as necessidades locais e de seus estudantes. democrática com os órgãos colegiados, das atribuições
§ 3º A missão da unidade escolar, o papel socioeducativo, de seus órgãos e sujeitos, das suas normas pedagógicas,
artístico, cultural, ambiental, as questões de gênero, etnia incluindo os critérios de acesso, promoção, mobilidade
e diversidade cultural que compõem as ações educativas, do estudante, dos direitos e deveres dos seus sujeitos:
a organização e a gestão curricular são componentes estudantes, professores, técnicos e funcionários, gestores,
integrantes do projeto político-pedagógico, devendo ser famílias, representação estudantil e função das suas
previstas as prioridades institucionais que a identificam, instâncias colegiadas.
definindo o conjunto das ações educativas próprias das
etapas da Educação Básica assumidas, de acordo com as CAPÍTULO II
especificidades que lhes correspondam, preservando a sua AVALIAÇÃO
articulação sistêmica.
Art. 46. A avaliação no ambiente educacional
Art. 44. O projeto político-pedagógico, instância compreende 3 (três) dimensões básicas:
de construção coletiva que respeita os sujeitos das I - avaliação da aprendizagem;
aprendizagens, entendidos como cidadãos com direitos à II - avaliação institucional interna e externa;
proteção e à participação social, deve contemplar: III - avaliação de redes de Educação Básica.
I - o diagnóstico da realidade concreta dos sujeitos
do processo educativo, contextualizados no espaço e no Seção I
tempo; Avaliação da aprendizagem
II - a concepção sobre educação, conhecimento,
avaliação da aprendizagem e mobilidade escolar; Art. 47. A avaliação da aprendizagem baseia-se na
III - o perfil real dos sujeitos – crianças, jovens e concepção de educação que norteia a relação professor-
adultos – que justificam e instituem a vida da e na estudante-conhecimento-vida em movimento, devendo
escola, do ponto de vista intelectual, cultural, emocional, ser um ato reflexo de reconstrução da prática pedagógica
afetivo, socioeconômico, como base da reflexão sobre as avaliativa, premissa básica e fundamental para se questionar
relações vida-conhecimento-cultura professor-estudante e o educar, transformando a mudança em ato, acima de tudo,
instituição escolar; político.

29
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 1º A validade da avaliação, na sua função diagnóstica, Art. 50. A progressão pode ser regular ou parcial, sendo
liga-se à aprendizagem, possibilitando o aprendiz a recriar, que esta deve preservar a sequência do currículo e observar
refazer o que aprendeu, criar, propor e, nesse contexto, as normas do respectivo sistema de ensino, requerendo o
aponta para uma avaliação global, que vai além do aspecto redesenho da organização das ações pedagógicas, com
quantitativo, porque identifica o desenvolvimento da previsão de horário de trabalho e espaço de atuação para
autonomia do estudante, que é indissociavelmente ético, professor e estudante, com conjunto próprio de recursos
social, intelectual. didático pedagógico.
§ 2º Em nível operacional, a avaliação da aprendizagem
tem, como referência, o conjunto de conhecimentos, Art. 51. As escolas que utilizam organização por série
habilidades, atitudes, valores e emoções que os sujeitos do podem adotar, no Ensino Fundamental, sem prejuízo da
processo educativo projetam para si de modo integrado avaliação do processo ensino-aprendizagem, diversas formas
e articulado com aqueles princípios definidos para a de progressão, inclusive a de progressão continuada, jamais
Educação Básica, redimensionados para cada uma de suas entendida como promoção automática, o que supõe tratar o
etapas, bem assim no projeto político-pedagógico da conhecimento como processo e vivência que não se harmoniza
escola. com a ideia de interrupção, mas sim de construção, em que
§ 3º A avaliação na Educação Infantil é realizada o estudante, enquanto sujeito da ação, está em processo
contínuo de formação, construindo significados.
mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento
da criança, sem o objetivo de promoção, mesmo em se
Seção III
tratando de acesso ao Ensino Fundamental.
Avaliação institucional
§ 4º A avaliação da aprendizagem no Ensino
Fundamental e no Ensino Médio, de caráter formativo Art. 52. A avaliação institucional interna deve ser prevista
predominando sobre o quantitativo e classificatório, no projeto político pedagógico e detalhada no plano de
adota uma estratégia de progresso individual e contínuo gestão, realizada anualmente, levando em consideração as
que favorece o crescimento do educando, preservando a orientações contidas na regulamentação vigente, para rever
qualidade necessária para a sua formação escolar, sendo o conjunto de objetivos e metas a serem concretizados,
organizada de acordo com regras comuns a essas duas mediante ação dos diversos segmentos da comunidade
etapas. educativa, o que pressupõe delimitação de indicadores
compatíveis com a missão da escola, além de clareza quanto
Seção II ao que seja qualidade social da aprendizagem e da escola.
Promoção, aceleração de estudos e classificação
Seção IV
Art. 48. A promoção e a classificação no Ensino Avaliação de redes de Educação Básica
Fundamental e no Ensino Médio podem ser utilizadas
em qualquer ano, série, ciclo, módulo ou outra unidade Art. 53. A avaliação de redes de Educação Básica ocorre
de percurso adotada, exceto na primeira do Ensino periodicamente, é realizada por órgãos externos à escola e
Fundamental, alicerçando-se na orientação de que a engloba os resultados da avaliação institucional, sendo que
avaliação do rendimento escolar observará os seguintes os resultados dessa avaliação sinalizam para a sociedade
critérios: se a escola apresenta qualidade suficiente para continuar
I - avaliação contínua e cumulativa do desempenho do funcionando como está.
estudante, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre
os quantitativos e dos resultados ao longo do período CAPÍTULO III
sobre os de eventuais provas finais; GESTÃO DEMOCRÁTICA E ORGANIZAÇÃO DA
II - possibilidade de aceleração de estudos para ESCOLA
estudantes com atraso escolar;
Art. 54. É pressuposto da organização do trabalho
III - possibilidade de avanço nos cursos e nas séries
pedagógico e da gestão da escola conceber a organização e a
mediante verificação do aprendizado;
gestão das pessoas, do espaço, dos processos e procedimentos
IV - aproveitamento de estudos concluídos com êxito; que viabilizam o trabalho expresso no projeto político-
V - oferta obrigatória de apoio pedagógico destinado pedagógico e em planos da escola, em que se conformam as
à recuperação contínua e concomitante de aprendizagem condições de trabalho definidas pelas instâncias colegiadas.
de estudantes com déficit de rendimento escolar, a ser § 1º As instituições, respeitadas as normas legais e as
previsto no regimento escolar. do seu sistema de ensino, têm incumbências complexas e
abrangentes, que exigem outra concepção de organização
Art. 49. A aceleração de estudos destina-se a estudantes do trabalho pedagógico, como distribuição da carga horária,
com atraso escolar, àqueles que, por algum motivo, remuneração, estratégias claramente definidas para a ação
encontram-se em descompasso de idade, por razões como didático-pedagógica coletiva que inclua a pesquisa, a criação
ingresso tardio, retenção, dificuldades no processo de de novas abordagens e práticas metodológicas, incluindo a
ensino-aprendizagem ou outras. produção de recursos didáticos adequados às condições da
escola e da comunidade em que esteja ela inserida.

30
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 2º É obrigatória a gestão democrática no ensino público a) o conhecimento da escola como organização complexa
e prevista, em geral, para todas as instituições de ensino, o que que tem a função de promover a educação para e na cidadania;
implica decisões coletivas que pressupõem a participação da b) a pesquisa, a análise e a aplicação dos resultados de
comunidade escolar na gestão da escola e a observância dos investigações de interesse da área educacional;
princípios e finalidades da educação. c) a participação na gestão de processos educativos e na
§ 3º No exercício da gestão democrática, a escola deve organização e funcionamento de sistemas e instituições de
se empenhar para constituir-se em espaço das diferenças e ensino;
da pluralidade, inscrita na diversidade do processo tornado d) a temática da gestão democrática, dando ênfase à
possível por meio de relações intersubjetivas, cuja meta é a de construção do projeto político pedagógico, mediante trabalho
se fundamentar em princípio educativo emancipador, expresso coletivo de que todos os que compõem a comunidade escolar
na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a são responsáveis.
cultura, o pensamento, a arte e o saber.
Art. 57. Entre os princípios definidos para a educação
Art. 55. A gestão democrática constitui-se em instrumento nacional está a valorização do profissional da educação, com
de horizontalização das relações, de vivência e convivência a compreensão de que valorizá-lo é valorizar a escola, com
colegiada, superando o autoritarismo no planejamento e qualidade gestorial, educativa, social, cultural, ética, estética,
na concepção e organização curricular, educando para a ambiental.
conquista da cidadania plena e fortalecendo a ação conjunta § 1º A valorização do profissional da educação escolar
que busca criar e recriar o trabalho da e na escola mediante: vincula-se à obrigatoriedade da garantia de qualidade e ambas
I - a compreensão da globalidade da pessoa, enquanto ser se associam à exigência de programas de formação inicial
que aprende, que sonha e ousa, em busca de uma convivência e continuada de docentes e não docentes, no contexto do
social libertadora fundamentada na ética cidadã; conjunto de múltiplas atribuições definidas para os sistemas
II - a superação dos processos e procedimentos educativos, em que se inscrevem as funções do professor.
burocráticos, assumindo com pertinência e relevância: os § 2º Os programas de formação inicial e continuada dos
planos pedagógicos, os objetivos institucionais e educacionais,
profissionais da educação, vinculados às orientações destas
e as atividades de avaliação contínua;
Diretrizes, devem prepará-los para o desempenho de suas
III - a prática em que os sujeitos constitutivos da
atribuições, considerando necessário:
comunidade educacional discutam a própria práxis pedagógica
a) além de um conjunto de habilidades cognitivas,
impregnando-a de entusiasmo e de compromisso com a sua
saber pesquisar, orientar, avaliar e elaborar propostas, isto é,
própria comunidade, valorizando-a, situando-a no contexto
interpretar e reconstruir o conhecimento coletivamente;
das relações sociais e buscando soluções conjuntas;
b) trabalhar cooperativamente em equipe;
IV - a construção de relações interpessoais solidárias,
geridas de tal modo que os professores se sintam estimulados c) compreender, interpretar e aplicar a linguagem e os
a conhecer melhor os seus pares (colegas de trabalho, instrumentos produzidos ao longo da evolução tecnológica,
estudantes, famílias), a expor as suas ideias, a traduzir as suas econômica e organizativa;
dificuldades e expectativas pessoais e profissionais; d) desenvolver competências para integração com a
V - a instauração de relações entre os estudantes, comunidade e para relacionamento com as famílias.
proporcionando-lhes espaços de convivência e situações
de aprendizagem, por meio dos quais aprendam a se Art. 58. A formação inicial, nos cursos de licenciatura,
compreender e se organizar em equipes de estudos e de não esgota o desenvolvimento dos conhecimentos, saberes
práticas esportivas, artísticas e políticas; e habilidades referidas, razão pela qual um programa de
VI - a presença articuladora e mobilizadora do gestor formação continuada dos profissionais da educação será
no cotidiano da escola e nos espaços com os quais a escola contemplado no projeto político-pedagógico.
interage, em busca da qualidade social das aprendizagens que
lhe caiba desenvolver, com transparência e responsabilidade. Art. 59. Os sistemas educativos devem instituir orientações
para que o projeto de formação dos profissionais preveja:
CAPÍTULO IV a) a consolidação da identidade dos profissionais da
O PROFESSOR E A FORMAÇÃO INICIAL E educação, nas suas relações com a escola e com o estudante;
CONTINUADA b) a criação de incentivos para o resgate da imagem
social do professor, assim como da autonomia docente tanto
Art. 56. A tarefa de cuidar e educar, que a fundamentação da individual como coletiva;
ação docente e os programas de formação inicial e continuada c) a definição de indicadores de qualidade social da
dos profissionais da educação instauram, reflete-se na eleição educação escolar, a fim de que as agências formadoras de
de um ou outro método de aprendizagem, a partir do qual é profissionais da educação revejam os projetos dos cursos
determinado o perfil de docente para a Educação Básica, em de formação inicial e continuada de docentes, de modo que
atendimento às dimensões técnicas, políticas, éticas e estéticas. correspondam às exigências de um projeto de Nação.
§ 1º Para a formação inicial e continuada, as escolas de
formação dos profissionais da educação, sejam gestores, Art. 60. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua
professores ou especialistas, deverão incluir em seus publicação.
currículos e programas:

31
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE; Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em


geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a
Desde a sua criação, em 13 de julho de 1990, o Estatuto efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação,
da Criança e do Adolescente é de referência mundial como à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
legislação destinada a proteger a juventude. à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
Fruto de um extraordinário processo de mobilização comunitária.
social e política, que envolveu representantes do Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
Legislativo, do mundo jurídico e do movimento social, a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
este ordenamento legal adota a chamada Doutrina da circunstâncias;
Proteção Integral, concepção que é a base da Convenção b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou
Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela de relevância pública;
Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989. c) preferência na formulação e na execução das políticas
Anos após sua promulgação, no entanto, o estatuto sociais públicas;
ainda não foi plenamente implantado no país. Para que d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
isso ocorra, é necessário que seus fundamentos sejam relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
compreendidos e praticados em todos os municípios
brasileiros. Faz-se importante, tarefa de divulgar o texto Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de
legal, para tirá-lo, definitivamente, do papel. qualquer forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei
LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais.
Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente
e dá outras providências. Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os
fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum,
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição
Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: peculiar da criança e do adolescente como pessoas em
desenvolvimento.
Título I
Das Disposições Preliminares
Título II
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à Dos Direitos Fundamentais
criança e ao adolescente. Capítulo I
Do Direito à Vida e à Saúde
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a
pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção
aquela entre doze e dezoito anos de idade. à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento
excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
vinte e um anos de idade.
Art. 8º É assegurado a todas as mulheres o acesso aos
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento
os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção
sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento
assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema
as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o Único de Saúde. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, § 1º O atendimento pré-natal será realizado por
em condições de liberdade e de dignidade. profissionais da atenção primária. (Redação dada pela Lei nº
Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei 13.257, de 2016)
aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem § 2º Os profissionais de saúde de referência da gestante
discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, garantirão sua vinculação, no último trimestre da gestação, ao
raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição estabelecimento em que será realizado o parto, garantido o
pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição direito de opção da mulher. (Redação dada pela Lei nº 13.257,
econômica, ambiente social, região e local de moradia ou de 2016)
outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a § 3º Os serviços de saúde onde o parto for realizado
comunidade em que vivem. (Incluído pela Lei nº 13.257, de assegurarão às mulheres e aos seus filhos recém-nascidos alta
2016) hospitalar responsável e contrarreferência na atenção primária,
bem como o acesso a outros serviços e a grupos de apoio à
amamentação. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)

32
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 4º Incumbe ao poder público proporcionar assistência II - identificar o recém-nascido mediante o registro


psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós- de sua impressão plantar e digital e da impressão digital
natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela
consequências do estado puerperal. autoridade administrativa competente;
§ 5º A assistência referida no § 4o deste artigo deverá III - proceder a exames visando ao diagnóstico e
ser prestada também a gestantes e mães que manifestem terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-
interesse em entregar seus filhos para adoção, bem como nascido, bem como prestar orientação aos pais;
a gestantes e mães que se encontrem em situação de IV - fornecer declaração de nascimento onde constem
privação de liberdade. (Redação dada pela Lei nº 13.257, necessariamente as intercorrências do parto e do
de 2016) desenvolvimento do neonato;
§ 6º A gestante e a parturiente têm direito a 1 (um) V - manter alojamento conjunto, possibilitando ao
acompanhante de sua preferência durante o período do neonato a permanência junto à mãe.
VI - acompanhar a prática do processo de
pré-natal, do trabalho de parto e do pós-parto imediato.
amamentação, prestando orientações quanto à técnica
(Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
adequada, enquanto a mãe permanecer na unidade
§ 7º A gestante deverá receber orientação sobre
hospitalar, utilizando o corpo técnico já existente. (Incluído
aleitamento materno, alimentação complementar saudável
pela Lei nº 13.436, de 2017)
e crescimento e desenvolvimento infantil, bem como sobre
formas de favorecer a criação de vínculos afetivos e de Art. 11. É assegurado acesso integral às linhas de
estimular o desenvolvimento integral da criança. (Incluído cuidado voltadas à saúde da criança e do adolescente,
pela Lei nº 13.257, de 2016) por intermédio do Sistema Único de Saúde, observado o
§ 8º A gestante tem direito a acompanhamento princípio da equidade no acesso a ações e serviços para
saudável durante toda a gestação e a parto natural promoção, proteção e recuperação da saúde. (Redação
cuidadoso, estabelecendo-se a aplicação de cesariana dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
e outras intervenções cirúrgicas por motivos médicos. § 1º A criança e o adolescente com deficiência serão
(Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) atendidos, sem discriminação ou segregação, em suas
§ 9º A atenção primária à saúde fará a busca ativa da necessidades gerais de saúde e específicas de habilitação
gestante que não iniciar ou que abandonar as consultas de e reabilitação. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
pré-natal, bem como da puérpera que não comparecer às § 2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente,
consultas pós-parto. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) àqueles que necessitarem, medicamentos, órteses, próteses
§ 10. Incumbe ao poder público garantir, à gestante e e outras tecnologias assistivas relativas ao tratamento,
à mulher com filho na primeira infância que se encontrem habilitação ou reabilitação para crianças e adolescentes,
sob custódia em unidade de privação de liberdade, de acordo com as linhas de cuidado voltadas às suas
ambiência que atenda às normas sanitárias e assistenciais necessidades específicas. (Redação dada pela Lei nº 13.257,
do Sistema Único de Saúde para o acolhimento do filho, em de 2016)
articulação com o sistema de ensino competente, visando § 3º Os profissionais que atuam no cuidado diário
ao desenvolvimento integral da criança. (Incluído pela Lei ou frequente de crianças na primeira infância receberão
nº 13.257, de 2016) formação específica e permanente para a detecção de
sinais de risco para o desenvolvimento psíquico, bem como
Art. 9º O poder público, as instituições e os empregadores para o acompanhamento que se fizer necessário. (Incluído
pela Lei nº 13.257, de 2016)
propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno,
inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa
Art. 12. Os estabelecimentos de atendimento à saúde,
de liberdade.
inclusive as unidades neonatais, de terapia intensiva e de
§ 1º Os profissionais das unidades primárias de saúde
cuidados intermediários, deverão proporcionar condições
desenvolverão ações sistemáticas, individuais ou coletivas, para a permanência em tempo integral de um dos pais
visando ao planejamento, à implementação e à avaliação ou responsável, nos casos de internação de criança ou
de ações de promoção, proteção e apoio ao aleitamento adolescente. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de
materno e à alimentação complementar saudável, de forma 2016)
contínua. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
§ 2º Os serviços de unidades de terapia intensiva Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de castigo
neonatal deverão dispor de banco de leite humano ou físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos
unidade de coleta de leite humano. (Incluído pela Lei nº contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente
13.257, de 2016) comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade,
sem prejuízo de outras providências legais. (Redação dada
Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de pela Lei nº 13.010, de 2014)
atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são § 1º As gestantes ou mães que manifestem interesse em
obrigados a: entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente
I - manter registro das atividades desenvolvidas, através encaminhadas, sem constrangimento, à Justiça da Infância
de prontuários individuais, pelo prazo de dezoito anos; e da Juventude. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)

33
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 2º Os serviços de saúde em suas diferentes portas de Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade
entrada, os serviços de assistência social em seu componente da integridade física, psíquica e moral da criança e do
especializado, o Centro de Referência Especializado de adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da
Assistência Social (Creas) e os demais órgãos do Sistema de identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos
Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente deverão espaços e objetos pessoais.
conferir máxima prioridade ao atendimento das crianças na
faixa etária da primeira infância com suspeita ou confirmação Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da
de violência de qualquer natureza, formulando projeto criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer
terapêutico singular que inclua intervenção em rede e, se tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
necessário, acompanhamento domiciliar. (Incluído pela Lei nº constrangedor.
13.257, de 2016)
Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de
Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou
de assistência médica e odontológica para a prevenção das de tratamento cruel ou degradante, como formas de
enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto,
e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos
alunos. responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas
§ 1º É obrigatória a vacinação das crianças nos casos socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de
recomendados pelas autoridades sanitárias. (Renumerado cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los. (Incluído
do parágrafo único pela Lei nº 13.257, de 2016) pela Lei nº 13.010, de 2014)
§ 2º O Sistema Único de Saúde promoverá a atenção à Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se:
saúde bucal das crianças e das gestantes, de forma transversal, (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)
integral e intersetorial com as demais linhas de cuidado I - castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva
direcionadas à mulher e à criança. (Incluído pela Lei nº 13.257, aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o
adolescente que resulte em: (Incluído pela Lei nº 13.010, de
de 2016)
2014)
§ 3º A atenção odontológica à criança terá função educativa
a) sofrimento físico; ou (Incluído pela Lei nº 13.010, de
protetiva e será prestada, inicialmente, antes de o bebê nascer,
2014)
por meio de aconselhamento pré-natal, e, posteriormente, no
b) lesão; (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)
sexto e no décimo segundo anos de vida, com orientações
II - tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma
sobre saúde bucal. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente
§ 4º A criança com necessidade de cuidados odontológicos
que: (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)
especiais será atendida pelo Sistema Único de Saúde. (Incluído a) humilhe; ou (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)
pela Lei nº 13.257, de 2016). b) ameace gravemente; ou (Incluído pela Lei nº 13.010,
§ 5º É obrigatória a aplicação a todas as crianças, nos de 2014)
seus primeiros dezoito meses de vida, de protocolo ou outro c) ridicularize. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)
instrumento construído com a finalidade de facilitar a detecção,
em consulta pediátrica de acompanhamento da criança, de Art. 18-B. Os pais, os integrantes da família ampliada,
risco para o seu desenvolvimento psíquico. (Incluído pela Lei os responsáveis, os agentes públicos executores de medidas
nº 13.438, de 2017) (Vigência) socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar
de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou
Capítulo II protegê-los que utilizarem castigo físico ou tratamento
Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade cruel ou degradante como formas de correção, disciplina,
educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas,
ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso:
de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)
e sociais garantidos na Constituição e nas leis. I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário
de proteção à família; Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes II - encaminhamento a tratamento psicológico ou
aspectos: psiquiátrico; (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)
I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços III - encaminhamento a cursos ou programas de
comunitários, ressalvadas as restrições legais; orientação; (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)
II - opinião e expressão; IV - obrigação de encaminhar a criança a tratamento
III - crença e culto religioso; especializado; (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)
IV - brincar, praticar esportes e divertir-se; V - advertência. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)
V - participar da vida familiar e comunitária, sem
discriminação; Parágrafo único. As medidas previstas neste artigo serão
VI - participar da vida política, na forma da lei; aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras
VII - buscar refúgio, auxílio e orientação. providências legais. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

34
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Capítulo III § 3º A busca à família extensa, conforme definida nos


Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária termos do parágrafo único do art. 25 desta Lei, respeitará o
Seção I prazo máximo de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual
Disposições Gerais período. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 4º Na hipótese de não haver a indicação do genitor e
Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado de não existir outro representante da família extensa apto
e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, a receber a guarda, a autoridade judiciária competente
em família substituta, assegurada a convivência familiar e deverá decretar a extinção do poder familiar e determinar
comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento a colocação da criança sob a guarda provisória de quem
integral. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016) estiver habilitado a adotá-la ou de entidade que desenvolva
§ 1º Toda criança ou adolescente que estiver inserido programa de acolhimento familiar ou institucional. (Incluído
em programa de acolhimento familiar ou institucional pela Lei nº 13.509, de 2017)
terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) § 5º Após o nascimento da criança, a vontade da mãe
meses, devendo a autoridade judiciária competente, com ou de ambos os genitores, se houver pai registral ou pai
base em relatório elaborado por equipe interprofissional indicado, deve ser manifestada na audiência a que se
ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela refere o § 1o do art. 166 desta Lei, garantido o sigilo sobre
possibilidade de reintegração familiar ou colocação em a entrega. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
família substituta, em quaisquer das modalidades previstas § 6º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
no art. 28 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) § 7º Os detentores da guarda possuem o prazo de 15
Vigência (quinze) dias para propor a ação de adoção, contado do
§ 2º A permanência da criança e do adolescente em dia seguinte à data do término do estágio de convivência.
programa de acolhimento institucional não se prolongará (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
por mais de 18 (dezoito meses), salvo comprovada § 8º Na hipótese de desistência pelos genitores
necessidade que atenda ao seu superior interesse, - manifestada em audiência ou perante a equipe
devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. interprofissional - da entrega da criança após o nascimento,
(Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)
a criança será mantida com os genitores, e será determinado
§ 3º A manutenção ou a reintegração de criança ou
pela Justiça da Infância e da Juventude o acompanhamento
adolescente à sua família terá preferência em relação a
familiar pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias. (Incluído
qualquer outra providência, caso em que será esta incluída
pela Lei nº 13.509, de 2017)
em serviços e programas de proteção, apoio e promoção,
§ 9º É garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o
nos termos do § 1º do art. 23, dos incisos I e IV do caput do
nascimento, respeitado o disposto no art. 48 desta Lei.
art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei.
(Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
(Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
§ 4º Será garantida a convivência da criança e do § 10. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
adolescente com a mãe ou o pai privado de liberdade, por
meio de visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, Art. 19-B. A criança e o adolescente em programa de
nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade acolhimento institucional ou familiar poderão participar de
responsável, independentemente de autorização judicial. programa de apadrinhamento. (Incluído pela Lei nº 13.509,
(Incluído pela Lei nº 12.962, de 2014) de 2017)
§ 5º Será garantida a convivência integral da criança § 1º O apadrinhamento consiste em estabelecer e
com a mãe adolescente que estiver em acolhimento proporcionar à criança e ao adolescente vínculos externos
institucional. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017) à instituição para fins de convivência familiar e comunitária
§ 6º A mãe adolescente será assistida por equipe e colaboração com o seu desenvolvimento nos aspectos
especializada multidisciplinar. (Incluído pela Lei nº 13.509, social, moral, físico, cognitivo, educacional e financeiro.
de 2017) (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 2º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
Art. 19-A. A gestante ou mãe que manifeste interesse § 3º Pessoas jurídicas podem apadrinhar criança ou
em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o adolescente a fim de colaborar para o seu desenvolvimento.
nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
Juventude. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017) § 4º O perfil da criança ou do adolescente a ser
§ 1º A gestante ou mãe será ouvida pela equipe apadrinhado será definido no âmbito de cada programa
interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, que de apadrinhamento, com prioridade para crianças ou
apresentará relatório à autoridade judiciária, considerando adolescentes com remota possibilidade de reinserção
inclusive os eventuais efeitos do estado gestacional e familiar ou colocação em família adotiva. (Incluído pela Lei
puerperal. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017) nº 13.509, de 2017)
§ 2o De posse do relatório, a autoridade judiciária § 5º Os programas ou serviços de apadrinhamento
poderá determinar o encaminhamento da gestante ou mãe, apoiados pela Justiça da Infância e da Juventude poderão
mediante sua expressa concordância, à rede pública de ser executados por órgãos públicos ou por organizações
saúde e assistência social para atendimento especializado. da sociedade civil. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
(Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)

35
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 6º Se ocorrer violação das regras de apadrinhamento, Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento poderão
os responsáveis pelo programa e pelos serviços de ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente,
acolhimento deverão imediatamente notificar a autoridade no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante
judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017) escritura ou outro documento público, qualquer que seja a
origem da filiação.
Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos o nascimento do filho ou suceder-lhe ao falecimento, se
e qualificações, proibidas quaisquer designações deixar descendentes.
discriminatórias relativas à filiação.
Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito
Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser
condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer
a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, restrição, observado o segredo de Justiça.
em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária
competente para a solução da divergência. Seção III
Da Família Substituta
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda Subseção I
e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no Disposições Gerais
interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as
determinações judiciais. Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á
Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente
têm direitos iguais e deveres e responsabilidades da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos
compartilhados no cuidado e na educação da criança, desta Lei.
devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar § 1º Sempre que possível, a criança ou o adolescente
de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da
será previamente ouvido por equipe interprofissional,
criança estabelecidos nesta Lei. (Incluído pela Lei nº
respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de
13.257, de 2016)
compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua
opinião devidamente considerada.
Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não
§ 2º Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade,
constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do
será necessário seu consentimento, colhido em audiência.
poder familiar.
§ 3º Na apreciação do pedido levar-se-á em conta
§ 1º Não existindo outro motivo que por si só autorize
o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de
a decretação da medida, a criança ou o adolescente
será mantido em sua família de origem, a qual deverá afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências
obrigatoriamente ser incluída em serviços e programas decorrentes da medida.
oficiais de proteção, apoio e promoção. (Redação dada § 4º Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção,
pela Lei nº 13.257, de 2016) tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada
§ 2º A condenação criminal do pai ou da mãe não a comprovada existência de risco de abuso ou outra
implicará a destituição do poder familiar, exceto na situação que justifique plenamente a excepcionalidade de
hipótese de condenação por crime doloso, sujeito à pena solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o
de reclusão, contra o próprio filho ou filha. (Incluído pela rompimento definitivo dos vínculos fraternais.
Lei nº 12.962, de 2014) § 5º A colocação da criança ou adolescente em família
substituta será precedida de sua preparação gradativa
Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão e acompanhamento posterior, realizados pela equipe
decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da
nos casos previstos na legislação civil, bem como na Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos
hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e responsáveis pela execução da política municipal de
obrigações a que alude o art. 22. garantia do direito à convivência familiar.
§ 6º Em se tratando de criança ou adolescente indígena
Seção II ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo,
Da Família Natural é ainda obrigatório:
I - que sejam consideradas e respeitadas sua identidade
Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como
formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com
Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela
ampliada aquela que se estende para além da unidade Constituição Federal;
pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes II - que a colocação familiar ocorra prioritariamente no
próximos com os quais a criança ou adolescente convive e seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma
mantém vínculos de afinidade e afetividade. etnia;

36
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

III - a intervenção e oitiva de representantes do órgão § 2º Na hipótese do § 1o deste artigo a pessoa ou


federal responsável pela política indigenista, no caso de casal cadastrado no programa de acolhimento familiar poderá
crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, receber a criança ou adolescente mediante guarda, observado o
perante a equipe interprofissional ou multidisciplinar que disposto nos arts. 28 a 33 desta Lei.
irá acompanhar o caso. § 3º A União apoiará a implementação de serviços de
acolhimento em família acolhedora como política pública, os
Art. 29. Não se deferirá colocação em família substituta quais deverão dispor de equipe que organize o acolhimento
a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade temporário de crianças e de adolescentes em residências de
com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar famílias selecionadas, capacitadas e acompanhadas que não
adequado. estejam no cadastro de adoção. (Incluído pela Lei nº 13.257, de
Art. 30. A colocação em família substituta não admitirá 2016)
transferência da criança ou adolescente a terceiros ou a § 4º Poderão ser utilizados recursos federais, estaduais,
entidades governamentais ou não-governamentais, sem distritais e municipais para a manutenção dos serviços de
autorização judicial. acolhimento em família acolhedora, facultando-se o repasse de
recursos para a própria família acolhedora. (Incluído pela Lei nº
Art. 31. A colocação em família substituta estrangeira 13.257, de 2016)
constitui medida excepcional, somente admissível na
modalidade de adoção. Art. 35. A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo,
mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público.
Art. 32. Ao assumir a guarda ou a tutela, o responsável
prestará compromisso de bem e fielmente desempenhar o Subseção III
encargo, mediante termo nos autos. Da Tutela

Subseção II Art. 36. A tutela será deferida, nos termos da lei civil, a
Da Guarda pessoa de até 18 (dezoito) anos incompletos.
Parágrafo único. O deferimento da tutela pressupõe a prévia
decretação da perda ou suspensão do poder familiar e implica
Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência
necessariamente o dever de guarda.
material, moral e educacional à criança ou adolescente,
conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros,
Art. 37. O tutor nomeado por testamento ou qualquer
inclusive aos pais.
documento autêntico, conforme previsto no parágrafo único do
§ 1º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato,
art. 1.729 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código
podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos
Civil, deverá, no prazo de 30 (trinta) dias após a abertura da
procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção sucessão, ingressar com pedido destinado ao controle judicial
por estrangeiros. do ato, observando o procedimento previsto nos arts. 165 a 170
§ 2º Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos desta Lei.
casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares Parágrafo único. Na apreciação do pedido, serão observados
ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo os requisitos previstos nos arts. 28 e 29 desta Lei, somente sendo
ser deferido o direito de representação para a prática de deferida a tutela à pessoa indicada na disposição de última
atos determinados. vontade, se restar comprovado que a medida é vantajosa ao
§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a tutelando e que não existe outra pessoa em melhores condições
condição de dependente, para todos os fins e efeitos de de assumi-la.
direito, inclusive previdenciários.
§ 4º Salvo expressa e fundamentada determinação Art. 38. Aplica-se à destituição da tutela o disposto no art. 24.
em contrário, da autoridade judiciária competente, ou
quando a medida for aplicada em preparação para adoção, Subseção IV
o deferimento da guarda de criança ou adolescente a Da Adoção
terceiros não impede o exercício do direito de visitas
pelos pais, assim como o dever de prestar alimentos, que Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á
serão objeto de regulamentação específica, a pedido do segundo o disposto nesta Lei.
interessado ou do Ministério Público. § 1º A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual
se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de
Art. 34. O poder público estimulará, por meio manutenção da criança ou adolescente na família natural ou
de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei.
o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou § 2º É vedada a adoção por procuração.
adolescente afastado do convívio familiar. § 3º Em caso de conflito entre direitos e interesses do
§ 1º A inclusão da criança ou adolescente em programas adotando e de outras pessoas, inclusive seus pais biológicos,
de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento devem prevalecer os direitos e os interesses do adotando.
institucional, observado, em qualquer caso, o caráter (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
temporário e excepcional da medida, nos termos desta Lei.

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 40. O adotando deve contar com, no máximo, Art. 46. A adoção será precedida de estágio de
dezoito anos à data do pedido, salvo se já estiver sob a convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que
guarda ou tutela dos adotantes. a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades
do caso.
Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, § 1º O estágio de convivência poderá ser dispensado
com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do
desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, adotante durante tempo suficiente para que seja possível
salvo os impedimentos matrimoniais. avaliar a conveniência da constituição do vínculo.
§ 1º Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do § 2º A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a
outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado dispensa da realização do estágio de convivência.
e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos § 2º-A. O prazo máximo estabelecido no caput deste
parentes. artigo pode ser prorrogado por até igual período, mediante
§ 2º É recíproco o direito sucessório entre o adotado, decisão fundamentada da autoridade judiciária. (Incluído
seus descendentes, o adotante, seus ascendentes, pela Lei nº 13.509, de 2017)
descendentes e colaterais até o 4º grau, observada a ordem § 3º Em caso de adoção por pessoa ou casal residente
de vocação hereditária. ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência será
de, no mínimo, 30 (trinta) dias e, no máximo, 45 (quarenta
Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, e cinco) dias, prorrogável por até igual período, uma
independentemente do estado civil. única vez, mediante decisão fundamentada da autoridade
§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do judiciária. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)
adotando.
§ 2º Para adoção conjunta, é indispensável que os § 3o-A. Ao final do prazo previsto no § 3o deste
adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união artigo, deverá ser apresentado laudo fundamentado pela
estável, comprovada a estabilidade da família. equipe mencionada no § 4o deste artigo, que recomendará
§ 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos ou não o deferimento da adoção à autoridade judiciária.
mais velho do que o adotando. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 4º Os divorciados, os judicialmente separados e os ex- § 4º O estágio de convivência será acompanhado pela
companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e
acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos
estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do responsáveis pela execução da política de garantia do
período de convivência e que seja comprovada a existência direito à convivência familiar, que apresentarão relatório
de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não minucioso acerca da conveniência do deferimento da
detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da medida.
concessão. § 5º O estágio de convivência será cumprido no
§ 5º Nos casos do § 4o deste artigo, desde que território nacional, preferencialmente na comarca de
demonstrado efetivo benefício ao adotando, será residência da criança ou adolescente, ou, a critério do juiz,
assegurada a guarda compartilhada, conforme previsto em cidade limítrofe, respeitada, em qualquer hipótese, a
no art. 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - competência do juízo da comarca de residência da criança.
Código Civil. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 6º A adoção poderá ser deferida ao adotante que,
após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença
curso do procedimento, antes de prolatada a sentença. judicial, que será inscrita no registro civil mediante
mandado do qual não se fornecerá certidão.
Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar § 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes
reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos como pais, bem como o nome de seus ascendentes.
legítimos. § 2º O mandado judicial, que será arquivado, cancelará
o registro original do adotado.
Art. 44. Enquanto não der conta de sua administração e § 3º A pedido do adotante, o novo registro poderá ser
saldar o seu alcance, não pode o tutor ou o curador adotar lavrado no Cartório do Registro Civil do Município de sua
o pupilo ou o curatelado. residência.
§ 4º Nenhuma observação sobre a origem do ato
Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais poderá constar nas certidões do registro.
ou do representante legal do adotando. § 5º A sentença conferirá ao adotado o nome do
§ 1º. O consentimento será dispensado em relação à adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar
criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou a modificação do prenome.
tenham sido destituídos do poder familiar. § 6º Caso a modificação de prenome seja requerida pelo
§ 2º. Em se tratando de adotando maior de doze anos adotante, é obrigatória a oitiva do adotando, observado o
de idade, será também necessário o seu consentimento. disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 desta Lei.

38
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 7º A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito § 6º Haverá cadastros distintos para pessoas ou casais
em julgado da sentença constitutiva, exceto na hipótese residentes fora do País, que somente serão consultados na
prevista no § 6o do art. 42 desta Lei, caso em que terá força inexistência de postulantes nacionais habilitados nos cadastros
retroativa à data do óbito. mencionados no § 5o deste artigo.
§ 8º O processo relativo à adoção assim como outros a § 7º As autoridades estaduais e federais em matéria de
ele relacionados serão mantidos em arquivo, admitindo-se adoção terão acesso integral aos cadastros, incumbindo-lhes
seu armazenamento em microfilme ou por outros meios, a troca de informações e a cooperação mútua, para melhoria
garantida a sua conservação para consulta a qualquer do sistema.
tempo. § 8º A autoridade judiciária providenciará, no prazo de 48
§ 9º Terão prioridade de tramitação os processos de (quarenta e oito) horas, a inscrição das crianças e adolescentes
adoção em que o adotando for criança ou adolescente em condições de serem adotados que não tiveram colocação
com deficiência ou com doença crônica. (Incluído pela Lei familiar na comarca de origem, e das pessoas ou casais que
nº 12.955, de 2014) tiveram deferida sua habilitação à adoção nos cadastros
§ 10. O prazo máximo para conclusão da ação de adoção estadual e nacional referidos no § 5o deste artigo, sob pena
será de 120 (cento e vinte) dias, prorrogável uma única vez de responsabilidade.
por igual período, mediante decisão fundamentada da § 9º Compete à Autoridade Central Estadual zelar pela
autoridade judiciária.  (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017) manutenção e correta alimentação dos cadastros, com
posterior comunicação à Autoridade Central Federal Brasileira.
Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem § 10. Consultados os cadastros e verificada a ausência
biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo de pretendentes habilitados residentes no País com perfil
no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, compatível e interesse manifesto pela adoção de criança ou
após completar 18 (dezoito) anos. adolescente inscrito nos cadastros existentes, será realizado
Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção o encaminhamento da criança ou adolescente à adoção
poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 internacional. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 11. Enquanto não localizada pessoa ou casal interessado
(dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e
em sua adoção, a criança ou o adolescente, sempre que
assistência jurídica e psicológica.
possível e recomendável, será colocado sob guarda de família
cadastrada em programa de acolhimento familiar.
Art. 49. A morte dos adotantes não restabelece o poder
§ 12. A alimentação do cadastro e a convocação criteriosa
familiar dos pais naturais.
dos postulantes à adoção serão fiscalizadas pelo Ministério
Público.
Art. 50. A autoridade judiciária manterá, em cada
§ 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de
comarca ou foro regional, um registro de crianças e candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente
adolescentes em condições de serem adotados e outro de nos termos desta Lei quando:
pessoas interessadas na adoção. I - se tratar de pedido de adoção unilateral;
§ 1º O deferimento da inscrição dar-se-á após II - for formulada por parente com o qual a criança ou
prévia consulta aos órgãos técnicos do juizado, ouvido o adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;
Ministério Público. III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda
§ 2º Não será deferida a inscrição se o interessado não legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde
satisfazer os requisitos legais, ou verificada qualquer das que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação
hipóteses previstas no art. 29. de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a
§ 3º A inscrição de postulantes à adoção será precedida ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos
de um período de preparação psicossocial e jurídica, arts. 237 ou 238 desta Lei.
orientado pela equipe técnica da Justiça da Infância e da § 14. Nas hipóteses previstas no § 13 deste artigo, o
Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos candidato deverá comprovar, no curso do procedimento,
responsáveis pela execução da política municipal de que preenche os requisitos necessários à adoção, conforme
garantia do direito à convivência familiar. previsto nesta Lei.
§ 4º Sempre que possível e recomendável, a preparação § 15. Será assegurada prioridade no cadastro a pessoas
referida no § 3o deste artigo incluirá o contato com crianças interessadas em adotar criança ou adolescente com deficiência,
e adolescentes em acolhimento familiar ou institucional com doença crônica ou com necessidades específicas de
em condições de serem adotados, a ser realizado sob saúde, além de grupo de irmãos. (Incluído pela Lei nº 13.509,
a orientação, supervisão e avaliação da equipe técnica de 2017)
da Justiça da Infância e da Juventude, com apoio dos
técnicos responsáveis pelo programa de acolhimento e Art. 51. Considera-se adoção internacional aquela na
pela execução da política municipal de garantia do direito qual o pretendente possui residência habitual em país-parte
à convivência familiar. da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à
§ 5º Serão criados e implementados cadastros estaduais Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção
e nacional de crianças e adolescentes em condições de Internacional, promulgada pelo Decreto no 3.087, de 21 junho
serem adotados e de pessoas ou casais habilitados à de 1999, e deseja adotar criança em outro país-parte da
adoção. Convenção. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)

39
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 1º A adoção internacional de criança ou adolescente VII - verificada, após estudo realizado pela Autoridade
brasileiro ou domiciliado no Brasil somente terá lugar Central Estadual, a compatibilidade da legislação estrangeira
quando restar comprovado: (Redação dada pela Lei nº com a nacional, além do preenchimento por parte dos
12.010, de 2009) Vigência postulantes à medida dos requisitos objetivos e subjetivos
I - que a colocação em família adotiva é a solução necessários ao seu deferimento, tanto à luz do que dispõe
adequada ao caso concreto; (Redação dada pela Lei nº esta Lei como da legislação do país de acolhida, será expedido
13.509, de 2017) laudo de habilitação à adoção internacional, que terá validade
II - que foram esgotadas todas as possibilidades de por, no máximo, 1 (um) ano;
colocação da criança ou adolescente em família adotiva VIII - de posse do laudo de habilitação, o interessado será
brasileira, com a comprovação, certificada nos autos, da autorizado a formalizar pedido de adoção perante o Juízo
inexistência de adotantes habilitados residentes no Brasil da Infância e da Juventude do local em que se encontra a
com perfil compatível com a criança ou adolescente, após criança ou adolescente, conforme indicação efetuada pela
consulta aos cadastros mencionados nesta Lei; (Redação Autoridade Central Estadual.
dada pela Lei nº 13.509, de 2017) § 1º Se a legislação do país de acolhida assim o autorizar,
III - que, em se tratando de adoção de adolescente, admite-se que os pedidos de habilitação à adoção internacional
este foi consultado, por meios adequados ao seu estágio sejam intermediados por organismos credenciados.
de desenvolvimento, e que se encontra preparado para § 2º Incumbe à Autoridade Central Federal Brasileira
a medida, mediante parecer elaborado por equipe o credenciamento de organismos nacionais e estrangeiros
interprofissional, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do encarregados de intermediar pedidos de habilitação à adoção
art. 28 desta Lei. internacional, com posterior comunicação às Autoridades
§ 2º Os brasileiros residentes no exterior terão Centrais Estaduais e publicação nos órgãos oficiais de
preferência aos estrangeiros, nos casos de adoção imprensa e em sítio próprio da internet.
internacional de criança ou adolescente brasileiro. § 3º Somente será admissível o credenciamento de
§ 3º A adoção internacional pressupõe a intervenção organismos que:
das Autoridades Centrais Estaduais e Federal em matéria I - sejam oriundos de países que ratificaram a Convenção
de adoção internacional. de Haia e estejam devidamente credenciados pela Autoridade
Central do país onde estiverem sediados e no país de acolhida
Art. 52. A adoção internacional observará o do adotando para atuar em adoção internacional no Brasil;
procedimento previsto nos arts. 165 a 170 desta Lei, com II - satisfizerem as condições de integridade moral,
as seguintes adaptações: competência profissional, experiência e responsabilidade
I - a pessoa ou casal estrangeiro, interessado em adotar exigidas pelos países respectivos e pela Autoridade Central
criança ou adolescente brasileiro, deverá formular pedido Federal Brasileira;
de habilitação à adoção perante a Autoridade Central em III - forem qualificados por seus padrões éticos e sua
matéria de adoção internacional no país de acolhida, assim formação e experiência para atuar na área de adoção
entendido aquele onde está situada sua residência habitual; internacional;
II - se a Autoridade Central do país de acolhida IV - cumprirem os requisitos exigidos pelo ordenamento
considerar que os solicitantes estão habilitados e aptos jurídico brasileiro e pelas normas estabelecidas pela
para adotar, emitirá um relatório que contenha informações Autoridade Central Federal Brasileira.
sobre a identidade, a capacidade jurídica e adequação dos § 4º Os organismos credenciados deverão ainda:
solicitantes para adotar, sua situação pessoal, familiar e I - perseguir unicamente fins não lucrativos, nas condições
médica, seu meio social, os motivos que os animam e sua e dentro dos limites fixados pelas autoridades competentes
aptidão para assumir uma adoção internacional; do país onde estiverem sediados, do país de acolhida e pela
III - a Autoridade Central do país de acolhida enviará o Autoridade Central Federal Brasileira;
relatório à Autoridade Central Estadual, com cópia para a II - ser dirigidos e administrados por pessoas qualificadas
Autoridade Central Federal Brasileira; e de reconhecida idoneidade moral, com comprovada
IV - o relatório será instruído com toda a documentação formação ou experiência para atuar na área de adoção
necessária, incluindo estudo psicossocial elaborado por internacional, cadastradas pelo Departamento de Polícia
equipe interprofissional habilitada e cópia autenticada da Federal e aprovadas pela Autoridade Central Federal
legislação pertinente, acompanhada da respectiva prova de Brasileira, mediante publicação de portaria do órgão federal
vigência; competente;
V - os documentos em língua estrangeira serão III - estar submetidos à supervisão das autoridades
devidamente autenticados pela autoridade consular, competentes do país onde estiverem sediados e no país de
observados os tratados e convenções internacionais, acolhida, inclusive quanto à sua composição, funcionamento
e acompanhados da respectiva tradução, por tradutor e situação financeira;
público juramentado; IV - apresentar à Autoridade Central Federal Brasileira,
VI - a Autoridade Central Estadual poderá fazer a cada ano, relatório geral das atividades desenvolvidas,
exigências e solicitar complementação sobre o estudo bem como relatório de acompanhamento das adoções
psicossocial do postulante estrangeiro à adoção, já internacionais efetuadas no período, cuja cópia será
realizado no país de acolhida; encaminhada ao Departamento de Polícia Federal;

40
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

V - enviar relatório pós-adotivo semestral para a Art. 52-A. É vedado, sob pena de responsabilidade e
Autoridade Central Estadual, com cópia para a Autoridade descredenciamento, o repasse de recursos provenientes
Central Federal Brasileira, pelo período mínimo de 2 (dois) de organismos estrangeiros encarregados de intermediar
anos. O envio do relatório será mantido até a juntada pedidos de adoção internacional a organismos nacionais ou
de cópia autenticada do registro civil, estabelecendo a a pessoas físicas.
cidadania do país de acolhida para o adotado; Parágrafo único. Eventuais repasses somente poderão ser
VI - tomar as medidas necessárias para garantir que efetuados via Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente
os adotantes encaminhem à Autoridade Central Federal e estarão sujeitos às deliberações do respectivo Conselho de
Brasileira cópia da certidão de registro de nascimento Direitos da Criança e do Adolescente.
estrangeira e do certificado de nacionalidade tão logo lhes Art. 52-B. A adoção por brasileiro residente no exterior em
sejam concedidos. país ratificante da Convenção de Haia, cujo processo de adoção
§ 5º A não apresentação dos relatórios referidos no § 4o tenha sido processado em conformidade com a legislação
vigente no país de residência e atendido o disposto na Alínea
deste artigo pelo organismo credenciado poderá acarretar
“c” do Artigo 17 da referida Convenção, será automaticamente
a suspensão de seu credenciamento.
recepcionada com o reingresso no Brasil.
§ 6º O credenciamento de organismo nacional ou
§ 1º Caso não tenha sido atendido o disposto na Alínea
estrangeiro encarregado de intermediar pedidos de adoção
“c” do Artigo 17 da Convenção de Haia, deverá a sentença ser
internacional terá validade de 2 (dois) anos. homologada pelo Superior Tribunal de Justiça.
§ 7º A renovação do credenciamento poderá ser § 2º O pretendente brasileiro residente no exterior em país
concedida mediante requerimento protocolado na não ratificante da Convenção de Haia, uma vez reingressado
Autoridade Central Federal Brasileira nos 60 (sessenta) dias no Brasil, deverá requerer a homologação da sentença
anteriores ao término do respectivo prazo de validade. estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça.
§ 8º Antes de transitada em julgado a decisão que
concedeu a adoção internacional, não será permitida a Art. 52-C. Nas adoções internacionais, quando o Brasil for
saída do adotando do território nacional. o país de acolhida, a decisão da autoridade competente do
§ 9º Transitada em julgado a decisão, a autoridade país de origem da criança ou do adolescente será conhecida
judiciária determinará a expedição de alvará com pela Autoridade Central Estadual que tiver processado o
autorização de viagem, bem como para obtenção de pedido de habilitação dos pais adotivos, que comunicará o fato
passaporte, constando, obrigatoriamente, as características à Autoridade Central Federal e determinará as providências
da criança ou adolescente adotado, como idade, cor, sexo, necessárias à expedição do Certificado de Naturalização
eventuais sinais ou traços peculiares, assim como foto Provisório.
recente e a aposição da impressão digital do seu polegar § 1º A Autoridade Central Estadual, ouvido o Ministério
direito, instruindo o documento com cópia autenticada da Público, somente deixará de reconhecer os efeitos daquela
decisão e certidão de trânsito em julgado. decisão se restar demonstrado que a adoção é manifestamente
§ 10. A Autoridade Central Federal Brasileira poderá, a contrária à ordem pública ou não atende ao interesse superior
qualquer momento, solicitar informações sobre a situação da criança ou do adolescente.
das crianças e adolescentes adotados. § 2º Na hipótese de não reconhecimento da adoção,
§ 11. A cobrança de valores por parte dos organismos prevista no § 1o deste artigo, o Ministério Público deverá
credenciados, que sejam considerados abusivos imediatamente requerer o que for de direito para resguardar
pela Autoridade Central Federal Brasileira e que não os interesses da criança ou do adolescente, comunicando-
se as providências à Autoridade Central Estadual, que fará
estejam devidamente comprovados, é causa de seu
a comunicação à Autoridade Central Federal Brasileira e à
descredenciamento.
Autoridade Central do país de origem.
§ 12. Uma mesma pessoa ou seu cônjuge não podem
ser representados por mais de uma entidade credenciada
Art. 52-D. Nas adoções internacionais, quando o Brasil
para atuar na cooperação em adoção internacional. for o país de acolhida e a adoção não tenha sido deferida no
§ 13. A habilitação de postulante estrangeiro ou país de origem porque a sua legislação a delega ao país de
domiciliado fora do Brasil terá validade máxima de 1 (um) acolhida, ou, ainda, na hipótese de, mesmo com decisão, a
ano, podendo ser renovada. criança ou o adolescente ser oriundo de país que não tenha
§ 14. É vedado o contato direto de representantes de aderido à Convenção referida, o processo de adoção seguirá
organismos de adoção, nacionais ou estrangeiros, com as regras da adoção nacional.
dirigentes de programas de acolhimento institucional
ou familiar, assim como com crianças e adolescentes em Capítulo IV
condições de serem adotados, sem a devida autorização Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao
judicial. Lazer
§ 15. A Autoridade Central Federal Brasileira poderá
limitar ou suspender a concessão de novos credenciamentos Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação,
sempre que julgar necessário, mediante ato administrativo visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo
fundamentado. para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho,
assegurando-se-lhes:

41
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

I - igualdade de condições para o acesso e permanência Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os
na escola; valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto
II - direito de ser respeitado por seus educadores; social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura.
recorrer às instâncias escolares superiores;
IV - direito de organização e participação em entidades Art. 59. Os municípios, com apoio dos estados e da
estudantis; União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e
V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua espaços para programações culturais, esportivas e de lazer
residência. voltadas para a infância e a juventude.
Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter
ciência do processo pedagógico, bem como participar da Capítulo V
definição das propostas educacionais. Do Direito à Profissionalização e à Proteção no
Trabalho
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao
adolescente: Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz.
para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; (Vide Constituição Federal)
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e
gratuidade ao ensino médio; Art. 61. A proteção ao trabalho dos adolescentes é
III - atendimento educacional especializado aos regulada por legislação especial, sem prejuízo do disposto
portadores de deficiência, preferencialmente na rede nesta Lei.
regular de ensino;
IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças Art. 62. Considera-se aprendizagem a formação
de zero a cinco anos de idade; (Redação dada pela Lei nº técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e
13.306, de 2016)
bases da legislação de educação em vigor.
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da
pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de
Art. 63. A formação técnico-profissional obedecerá aos
cada um;
seguintes princípios:
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às
I - garantia de acesso e frequência obrigatória ao
condições do adolescente trabalhador;
ensino regular;
VII - atendimento no ensino fundamental, através de
II - atividade compatível com o desenvolvimento do
programas suplementares de material didático-escolar,
adolescente;
transporte, alimentação e assistência à saúde.
III - horário especial para o exercício das atividades.
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito
público subjetivo.
§ 2º O não oferecimento do ensino obrigatório Art. 64. Ao adolescente até quatorze anos de idade é
pelo poder público ou sua oferta irregular importa assegurada bolsa de aprendizagem.
responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º Compete ao poder público recensear os educandos Art. 65. Ao adolescente aprendiz, maior de quatorze
no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto anos, são assegurados os direitos trabalhistas e
aos pais ou responsável, pela frequência à escola. previdenciários.

Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de Art. 66. Ao adolescente portador de deficiência é
matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino. assegurado trabalho protegido.

Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino Art. 67. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime
fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de: familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em
I - maus-tratos envolvendo seus alunos; entidade governamental ou não-governamental, é vedado
II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão trabalho:
escolar, esgotados os recursos escolares; I - noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um
III - elevados níveis de repetência. dia e as cinco horas do dia seguinte;
II - perigoso, insalubre ou penoso;
Art. 57. O poder público estimulará pesquisas, III - realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao
experiências e novas propostas relativas a calendário, seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;
seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação, com IV - realizado em horários e locais que não permitam a
vistas à inserção de crianças e adolescentes excluídos do frequência à escola.
ensino fundamental obrigatório.

42
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 68. O programa social que tenha por base o IV - o apoio e o incentivo às práticas de resolução
trabalho educativo, sob responsabilidade de entidade pacífica de conflitos que envolvam violência contra a
governamental ou não-governamental sem fins lucrativos, criança e o adolescente; (Incluído pela Lei nº 13.010, de
deverá assegurar ao adolescente que dele participe 2014)
condições de capacitação para o exercício de atividade V - a inclusão, nas políticas públicas, de ações que
regular remunerada. visem a garantir os direitos da criança e do adolescente,
§ 1º Entende-se por trabalho educativo a atividade desde a atenção pré-natal, e de atividades junto aos pais e
laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao responsáveis com o objetivo de promover a informação, a
desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem reflexão, o debate e a orientação sobre alternativas ao uso
sobre o aspecto produtivo. de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante no
§ 2º A remuneração que o adolescente recebe pelo processo educativo; (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)
trabalho efetuado ou a participação na venda dos produtos VI - a promoção de espaços intersetoriais locais para a
de seu trabalho não desfigura o caráter educativo.
articulação de ações e a elaboração de planos de atuação
conjunta focados nas famílias em situação de violência,
Art. 69. O adolescente tem direito à profissionalização e
com participação de profissionais de saúde, de assistência
à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos,
social e de educação e de órgãos de promoção, proteção
entre outros:
I - respeito à condição peculiar de pessoa em e defesa dos direitos da criança e do adolescente. (Incluído
desenvolvimento; pela Lei nº 13.010, de 2014)
II - capacitação profissional adequada ao mercado de Parágrafo único. As famílias com crianças e adolescentes
trabalho. com deficiência terão prioridade de atendimento nas ações
e políticas públicas de prevenção e proteção. (Incluído pela
Título III Lei nº 13.010, de 2014)
Da Prevenção
Capítulo I Art. 70-B. As entidades, públicas e privadas, que
Disposições Gerais atuem nas áreas a que se refere o art. 71, dentre outras,
devem contar, em seus quadros, com pessoas capacitadas
Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de a reconhecer e comunicar ao Conselho Tutelar suspeitas
ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente. ou casos de maus-tratos praticados contra crianças e
adolescentes. (Incluído pela Lei nº 13.046, de 2014)
Art. 70-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Parágrafo único. São igualmente responsáveis
Municípios deverão atuar de forma articulada na elaboração pela comunicação de que trata este artigo, as pessoas
de políticas públicas e na execução de ações destinadas a encarregadas, por razão de cargo, função, ofício, ministério,
coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou profissão ou ocupação, do cuidado, assistência ou guarda
degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e adolescentes, punível, na forma deste Estatuto,
de crianças e de adolescentes, tendo como principais o injustificado retardamento ou omissão, culposos ou
ações: (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014) dolosos. (Incluído pela Lei nº 13.046, de 2014)
I - a promoção de campanhas educativas permanentes
para a divulgação do direito da criança e do adolescente de Art. 71. A criança e o adolescente têm direito a
serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos
de tratamento cruel ou degradante e dos instrumentos de e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar
proteção aos direitos humanos; (Incluído pela Lei nº 13.010,
de pessoa em desenvolvimento.
de 2014)
II - a integração com os órgãos do Poder Judiciário,
Art. 72. As obrigações previstas nesta Lei não excluem
do Ministério Público e da Defensoria Pública, com o
da prevenção especial outras decorrentes dos princípios
Conselho Tutelar, com os Conselhos de Direitos da Criança
e do Adolescente e com as entidades não governamentais por ela adotados.
que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da
criança e do adolescente; (Incluído pela Lei nº 13.010, de Art. 73. A inobservância das normas de prevenção
2014) importará em responsabilidade da pessoa física ou jurídica,
III - a formação continuada e a capacitação dos nos termos desta Lei.
profissionais de saúde, educação e assistência social e
dos demais agentes que atuam na promoção, proteção
e defesa dos direitos da criança e do adolescente para
o desenvolvimento das competências necessárias à
prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e
ao enfrentamento de todas as formas de violência contra
a criança e o adolescente; (Incluído pela Lei nº 13.010, de
2014)

43
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Capítulo II Seção II
Da Prevenção Especial Dos Produtos e Serviços
Seção I
Da informação, Cultura, Lazer, Esportes, Diversões e Art. 81. É proibida a venda à criança ou ao adolescente
Espetáculos de:
I - armas, munições e explosivos;
Art. 74. O poder público, através do órgão competente, II - bebidas alcoólicas;
regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a III - produtos cujos componentes possam causar
natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais dependência física ou psíquica ainda que por utilização
e horários em que sua apresentação se mostre inadequada. indevida;
Parágrafo único. Os responsáveis pelas diversões e IV - fogos de estampido e de artifício, exceto aqueles
espetáculos públicos deverão afixar, em lugar visível e de fácil que pelo seu reduzido potencial sejam incapazes de
acesso, à entrada do local de exibição, informação destacada provocar qualquer dano físico em caso de utilização
sobre a natureza do espetáculo e a faixa etária especificada no indevida;
certificado de classificação. V - revistas e publicações a que alude o art. 78;
VI - bilhetes lotéricos e equivalentes.
Art. 75. Toda criança ou adolescente terá acesso às diversões
e espetáculos públicos classificados como adequados à sua Art. 82. É proibida a hospedagem de criança ou
faixa etária. adolescente em hotel, motel, pensão ou estabelecimento
Parágrafo único. As crianças menores de dez anos somente congênere, salvo se autorizado ou acompanhado pelos
poderão ingressar e permanecer nos locais de apresentação ou pais ou responsável.
exibição quando acompanhadas dos pais ou responsável.
Seção III
Art. 76. As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, Da Autorização para Viajar
no horário recomendado para o público infanto juvenil,
programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e
Art. 83. Nenhuma criança poderá viajar para fora
informativas.
da comarca onde reside, desacompanhada dos pais ou
Parágrafo único. Nenhum espetáculo será apresentado
responsável, sem expressa autorização judicial.
ou anunciado sem aviso de sua classificação, antes de sua
§ 1º A autorização não será exigida quando:
transmissão, apresentação ou exibição.
a) tratar-se de comarca contígua à da residência da
criança, se na mesma unidade da Federação, ou incluída na
Art. 77. Os proprietários, diretores, gerentes e funcionários
de empresas que explorem a venda ou aluguel de fitas de mesma região metropolitana;
programação em vídeo cuidarão para que não haja venda ou b) a criança estiver acompanhada:
locação em desacordo com a classificação atribuída pelo órgão 1) de ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau,
competente. comprovado documentalmente o parentesco;
Parágrafo único. As fitas a que alude este artigo deverão 2) de pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai,
exibir, no invólucro, informação sobre a natureza da obra e a mãe ou responsável.
faixa etária a que se destinam. § 2º A autoridade judiciária poderá, a pedido dos pais
ou responsável, conceder autorização válida por dois anos.
Art. 78. As revistas e publicações contendo material
impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser Art. 84. Quando se tratar de viagem ao exterior, a
comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de autorização é dispensável, se a criança ou adolescente:
seu conteúdo. I - estiver acompanhado de ambos os pais ou
Parágrafo único. As editoras cuidarão para que as capas responsável;
que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam II - viajar na companhia de um dos pais, autorizado
protegidas com embalagem opaca. expressamente pelo outro através de documento com
firma reconhecida.
Art. 79. As revistas e publicações destinadas ao público
infanto-juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, Art. 85. Sem prévia e expressa autorização judicial,
legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, nenhuma criança ou adolescente nascido em território
armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais nacional poderá sair do País em companhia de estrangeiro
da pessoa e da família. residente ou domiciliado no exterior.

Art. 80. Os responsáveis por estabelecimentos que explorem


comercialmente bilhar, sinuca ou congênere ou por casas de
jogos, assim entendidas as que realizem apostas, ainda que
eventualmente, cuidarão para que não seja permitida a entrada
e a permanência de crianças e adolescentes no local, afixando
aviso para orientação do público.

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

PARTE ESPECIAL VI - integração operacional de órgãos do Judiciário,


TÍTULO I Ministério Público, Defensoria, Conselho Tutelar e
encarregados da execução das políticas sociais básicas e de
Da Política de Atendimento assistência social, para efeito de agilização do atendimento
Capítulo I de crianças e de adolescentes inseridos em programas
Disposições Gerais de acolhimento familiar ou institucional, com vista na sua
rápida reintegração à família de origem ou, se tal solução
Art. 86. A política de atendimento dos direitos da se mostrar comprovadamente inviável, sua colocação em
criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto família substituta, em quaisquer das modalidades previstas
articulado de ações governamentais e não-governamentais, no art. 28 desta Lei;
da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. VII - mobilização da opinião pública para a indispensável
participação dos diversos segmentos da sociedade.
Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento: VIII - especialização e formação continuada dos
I - políticas sociais básicas; profissionais que trabalham nas diferentes áreas da
II - serviços, programas, projetos e benefícios de atenção à primeira infância, incluindo os conhecimentos
assistência social de garantia de proteção social e de sobre direitos da criança e sobre desenvolvimento infantil;
prevenção e redução de violações de direitos, seus (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
agravamentos ou reincidências; (Redação dada pela Lei nº IX - formação profissional com abrangência dos
13.257, de 2016) diversos direitos da criança e do adolescente que favoreça
III - serviços especiais de prevenção e atendimento a intersetorialidade no atendimento da criança e do
médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus- adolescente e seu desenvolvimento integral; (Incluído pela
tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; Lei nº 13.257, de 2016)
IV - serviço de identificação e localização de pais, X - realização e divulgação de pesquisas sobre
responsável, crianças e adolescentes desaparecidos; desenvolvimento infantil e sobre prevenção da violência.
V - proteção jurídico-social por entidades de defesa (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
dos direitos da criança e do adolescente.
VI - políticas e programas destinados a prevenir ou Art. 89. A função de membro do conselho nacional
abreviar o período de afastamento do convívio familiar e a e dos conselhos estaduais e municipais dos direitos da
garantir o efetivo exercício do direito à convivência familiar criança e do adolescente é considerada de interesse público
de crianças e adolescentes; relevante e não será remunerada.
VII - campanhas de estímulo ao acolhimento sob
forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do Capítulo II
convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, Das Entidades de Atendimento
de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades Seção I
específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de Disposições Gerais
irmãos.
Art. 90. As entidades de atendimento são responsáveis
Art. 88. São diretrizes da política de atendimento: pela manutenção das próprias unidades, assim como pelo
I - municipalização do atendimento; planejamento e execução de programas de proteção e
II - criação de conselhos municipais, estaduais e socioeducativos destinados a crianças e adolescentes, em
nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos regime de:
deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, I - orientação e apoio sócio-familiar;
assegurada a participação popular paritária por meio II - apoio socioeducativo em meio aberto;
de organizações representativas, segundo leis federal, III - colocação familiar;
estaduais e municipais; IV - acolhimento institucional;
III - criação e manutenção de programas específicos, V - prestação de serviços à comunidade;
observada a descentralização político-administrativa; VI - liberdade assistida;
IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e VII - semiliberdade; e
municipais vinculados aos respectivos conselhos dos VIII - internação.
direitos da criança e do adolescente; § 1º As entidades governamentais e não governamentais
V - integração operacional de órgãos do Judiciário, deverão proceder à inscrição de seus programas,
Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e especificando os regimes de atendimento, na forma
Assistência Social, preferencialmente em um mesmo definida neste artigo, no Conselho Municipal dos Direitos
local, para efeito de agilização do atendimento inicial a da Criança e do Adolescente, o qual manterá registro das
adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional; inscrições e de suas alterações, do que fará comunicação
ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária.

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 2º Os recursos destinados à implementação e VI - evitar, sempre que possível, a transferência para


manutenção dos programas relacionados neste artigo outras entidades de crianças e adolescentes abrigados;
serão previstos nas dotações orçamentárias dos órgãos VII - participação na vida da comunidade local;
públicos encarregados das áreas de Educação, Saúde VIII - preparação gradativa para o desligamento;
e Assistência Social, dentre outros, observando-se o IX - participação de pessoas da comunidade no processo
princípio da prioridade absoluta à criança e ao adolescente educativo.
preconizado pelo caput do art. 227 da Constituição Federal § 1º O dirigente de entidade que desenvolve programa
e pelo caput e parágrafo único do art. 4o desta Lei. de acolhimento institucional é equiparado ao guardião, para
§ 3º Os programas em execução serão reavaliados todos os efeitos de direito.
pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e § 2º Os dirigentes de entidades que desenvolvem
do Adolescente, no máximo, a cada 2 (dois) anos, programas de acolhimento familiar ou institucional
constituindo-se critérios para renovação da autorização de remeterão à autoridade judiciária, no máximo a cada 6 (seis)
funcionamento: meses, relatório circunstanciado acerca da situação de cada
I - o efetivo respeito às regras e princípios desta Lei, bem criança ou adolescente acolhido e sua família, para fins da
como às resoluções relativas à modalidade de atendimento reavaliação prevista no § 1o do art. 19 desta Lei.
prestado expedidas pelos Conselhos de Direitos da Criança § 3º Os entes federados, por intermédio dos Poderes
e do Adolescente, em todos os níveis; Executivo e Judiciário, promoverão conjuntamente a
II - a qualidade e eficiência do trabalho desenvolvido, permanente qualificação dos profissionais que atuam direta
atestadas pelo Conselho Tutelar, pelo Ministério Público e ou indiretamente em programas de acolhimento institucional
pela Justiça da Infância e da Juventude; e destinados à colocação familiar de crianças e adolescentes,
III - em se tratando de programas de acolhimento incluindo membros do Poder Judiciário, Ministério Público e
institucional ou familiar, serão considerados os índices de Conselho Tutelar.
sucesso na reintegração familiar ou de adaptação à família § 4º Salvo determinação em contrário da autoridade
substituta, conforme o caso. judiciária competente, as entidades que desenvolvem
programas de acolhimento familiar ou institucional, se
necessário com o auxílio do Conselho Tutelar e dos órgãos
Art. 91. As entidades não-governamentais somente
de assistência social, estimularão o contato da criança ou
poderão funcionar depois de registradas no Conselho
adolescente com seus pais e parentes, em cumprimento ao
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual
disposto nos incisos I e VIII do caput deste artigo.
comunicará o registro ao Conselho Tutelar e à autoridade
§ 5º As entidades que desenvolvem programas de
judiciária da respectiva localidade.
acolhimento familiar ou institucional somente poderão
§ 1º Será negado o registro à entidade que:
receber recursos públicos se comprovado o atendimento dos
a) não ofereça instalações físicas em condições
princípios, exigências e finalidades desta Lei.
adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e § 6º O descumprimento das disposições desta Lei
segurança; pelo dirigente de entidade que desenvolva programas
b) não apresente plano de trabalho compatível com os de acolhimento familiar ou institucional é causa de sua
princípios desta Lei; destituição, sem prejuízo da apuração de sua responsabilidade
c) esteja irregularmente constituída; administrativa, civil e criminal.
d) tenha em seus quadros pessoas inidôneas. § 7º Quando se tratar de criança de 0 (zero) a 3 (três)
e) não se adequar ou deixar de cumprir as resoluções anos em acolhimento institucional, dar-se-á especial
e deliberações relativas à modalidade de atendimento atenção à atuação de educadores de referência estáveis e
prestado expedidas pelos Conselhos de Direitos da Criança qualitativamente significativos, às rotinas específicas e ao
e do Adolescente, em todos os níveis. atendimento das necessidades básicas, incluindo as de afeto
§ 2º O registro terá validade máxima de 4 (quatro) anos, como prioritárias. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
cabendo ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e
do Adolescente, periodicamente, reavaliar o cabimento de Art. 93. As entidades que mantenham programa de
sua renovação, observado o disposto no § 1o deste artigo. acolhimento institucional poderão, em caráter excepcional
e de urgência, acolher crianças e adolescentes sem
Art. 92. As entidades que desenvolvam programas de prévia determinação da autoridade competente, fazendo
acolhimento familiar ou institucional deverão adotar os comunicação do fato em até 24 (vinte e quatro) horas ao Juiz
seguintes princípios: da Infância e da Juventude, sob pena de responsabilidade.
I - preservação dos vínculos familiares e promoção da Parágrafo único. Recebida a comunicação, a autoridade
reintegração familiar; judiciária, ouvido o Ministério Público e se necessário com
II - integração em família substituta, quando esgotados o apoio do Conselho Tutelar local, tomará as medidas
os recursos de manutenção na família natural ou extensa; necessárias para promover a imediata reintegração familiar
III - atendimento personalizado e em pequenos grupos; da criança ou do adolescente ou, se por qualquer razão não
IV - desenvolvimento de atividades em regime de for isso possível ou recomendável, para seu encaminhamento
coeducação; a programa de acolhimento familiar, institucional ou a família
V - não desmembramento de grupos de irmãos; substituta, observado o disposto no § 2o do art. 101 desta Lei.

46
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 94. As entidades que desenvolvem programas de Seção II


internação têm as seguintes obrigações, entre outras: Da Fiscalização das Entidades
I - observar os direitos e garantias de que são titulares
os adolescentes; Art. 95. As entidades governamentais e não-
II - não restringir nenhum direito que não tenha sido governamentais referidas no art. 90 serão fiscalizadas
objeto de restrição na decisão de internação; pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pelos Conselhos
III - oferecer atendimento personalizado, em pequenas Tutelares.
unidades e grupos reduzidos;
IV - preservar a identidade e oferecer ambiente de
Art. 96. Os planos de aplicação e as prestações de
respeito e dignidade ao adolescente;
contas serão apresentados ao estado ou ao município,
V - diligenciar no sentido do restabelecimento e da
conforme a origem das dotações orçamentárias.
preservação dos vínculos familiares;
VI - comunicar à autoridade judiciária, periodicamente,
os casos em que se mostre inviável ou impossível o Art. 97. São medidas aplicáveis às entidades de
reatamento dos vínculos familiares; atendimento que descumprirem obrigação constante do
VII - oferecer instalações físicas em condições art. 94, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal de
adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e seus dirigentes ou prepostos:
segurança e os objetos necessários à higiene pessoal; I - às entidades governamentais:
VIII - oferecer vestuário e alimentação suficientes e a) advertência;
adequados à faixa etária dos adolescentes atendidos; b) afastamento provisório de seus dirigentes;
IX - oferecer cuidados médicos, psicológicos, c) afastamento definitivo de seus dirigentes;
odontológicos e farmacêuticos; d) fechamento de unidade ou interdição de programa.
X - propiciar escolarização e profissionalização; II - às entidades não-governamentais:
XI - propiciar atividades culturais, esportivas e de lazer; a) advertência;
XII - propiciar assistência religiosa àqueles que b) suspensão total ou parcial do repasse de verbas
desejarem, de acordo com suas crenças; públicas;
XIII - proceder a estudo social e pessoal de cada caso; c) interdição de unidades ou suspensão de programa;
XIV - reavaliar periodicamente cada caso, com intervalo
d) cassação do registro.
máximo de seis meses, dando ciência dos resultados à
§ 1º Em caso de reiteradas infrações cometidas por
autoridade competente;
entidades de atendimento, que coloquem em risco
XV - informar, periodicamente, o adolescente internado
sobre sua situação processual; os direitos assegurados nesta Lei, deverá ser o fato
XVI - comunicar às autoridades competentes todos comunicado ao Ministério Público ou representado perante
os casos de adolescentes portadores de moléstias autoridade judiciária competente para as providências
infectocontagiosas; cabíveis, inclusive suspensão das atividades ou dissolução
XVII - fornecer comprovante de depósito dos pertences da entidade.
dos adolescentes; § 2º As pessoas jurídicas de direito público e as
XVIII - manter programas destinados ao apoio e organizações não governamentais responderão pelos
acompanhamento de egressos; danos que seus agentes causarem às crianças e aos
XIX - providenciar os documentos necessários ao adolescentes, caracterizado o descumprimento dos
exercício da cidadania àqueles que não os tiverem; princípios norteadores das atividades de proteção
XX - manter arquivo de anotações onde constem data específica.
e circunstâncias do atendimento, nome do adolescente,
seus pais ou responsável, parentes, endereços, sexo, Título II
idade, acompanhamento da sua formação, relação de Das Medidas de Proteção
seus pertences e demais dados que possibilitem sua Capítulo I
identificação e a individualização do atendimento.
Disposições Gerais
§ 1º Aplicam-se, no que couber, as obrigações
constantes deste artigo às entidades que mantêm
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao
programas de acolhimento institucional e familiar.
§ 2º No cumprimento das obrigações a que alude este adolescente são aplicáveis sempre que os direitos
artigo as entidades utilizarão preferencialmente os recursos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
da comunidade. I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
Art. 94-A. As entidades, públicas ou privadas, que III - em razão de sua conduta.
abriguem ou recepcionem crianças e adolescentes, ainda
que em caráter temporário, devem ter, em seus quadros,
profissionais capacitados a reconhecer e reportar ao
Conselho Tutelar suspeitas ou ocorrências de maus-tratos.
(Incluído pela Lei nº 13.046, de 2014)

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Capítulo II XI - obrigatoriedade da informação: a criança e o


Das Medidas Específicas de Proteção adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento
e capacidade de compreensão, seus pais ou responsável
Art. 99. As medidas previstas neste Capítulo poderão devem ser informados dos seus direitos, dos motivos que
ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como determinaram a intervenção e da forma como esta se
substituídas a qualquer tempo. processa;
XII - oitiva obrigatória e participação: a criança e o
Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em adolescente, em separado ou na companhia dos pais, de
conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas responsável ou de pessoa por si indicada, bem como os
que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e seus pais ou responsável, têm direito a ser ouvidos e a
comunitários. participar nos atos e na definição da medida de promoção
Parágrafo único. São também princípios que regem a dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente
aplicação das medidas: considerada pela autoridade judiciária competente,
I - condição da criança e do adolescente como sujeitos observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 desta Lei.
de direitos: crianças e adolescentes são os titulares dos
direitos previstos nesta e em outras Leis, bem como na Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas
Constituição Federal; no art. 98, a autoridade competente poderá determinar,
II - proteção integral e prioritária: a interpretação e dentre outras, as seguintes medidas:
aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei deve I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante
ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de termo de responsabilidade;
que crianças e adolescentes são titulares; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - responsabilidade primária e solidária do poder III - matrícula e frequência obrigatórias em
público: a plena efetivação dos direitos assegurados a estabelecimento oficial de ensino fundamental;
crianças e a adolescentes por esta Lei e pela Constituição IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou
comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da
Federal, salvo nos casos por esta expressamente ressalvados,
criança e do adolescente; (Redação dada pela Lei nº 13.257,
é de responsabilidade primária e solidária das 3 (três)
de 2016)
esferas de governo, sem prejuízo da municipalização do
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou
atendimento e da possibilidade da execução de programas
psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
por entidades não governamentais;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de
IV - interesse superior da criança e do adolescente: a
auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
intervenção deve atender prioritariamente aos interesses
VII - acolhimento institucional;
e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;
consideração que for devida a outros interesses legítimos IX - colocação em família substituta.
no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso § 1º O acolhimento institucional e o acolhimento
concreto; familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis
V - privacidade: a promoção dos direitos e proteção da como forma de transição para reintegração familiar ou, não
criança e do adolescente deve ser efetuada no respeito pela sendo esta possível, para colocação em família substituta,
intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada; não implicando privação de liberdade.
VI - intervenção precoce: a intervenção das autoridades § 2º Sem prejuízo da tomada de medidas emergenciais
competentes deve ser efetuada logo que a situação de para proteção de vítimas de violência ou abuso sexual
perigo seja conhecida; e das providências a que alude o art. 130 desta Lei, o
VII - intervenção mínima: a intervenção deve ser afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar
exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições é de competência exclusiva da autoridade judiciária e
cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos importará na deflagração, a pedido do Ministério Público
direitos e à proteção da criança e do adolescente; ou de quem tenha legítimo interesse, de procedimento
VIII - proporcionalidade e atualidade: a intervenção judicial contencioso, no qual se garanta aos pais ou ao
deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em responsável legal o exercício do contraditório e da ampla
que a criança ou o adolescente se encontram no momento defesa.
em que a decisão é tomada; § 3º Crianças e adolescentes somente poderão ser
IX - responsabilidade parental: a intervenção deve ser encaminhados às instituições que executam programas
efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres de acolhimento institucional, governamentais ou não,
para com a criança e o adolescente; por meio de uma Guia de Acolhimento, expedida pela
X - prevalência da família: na promoção de direitos e autoridade judiciária, na qual obrigatoriamente constará,
na proteção da criança e do adolescente deve ser dada dentre outros:
prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem I - sua identificação e a qualificação completa de seus
na sua família natural ou extensa ou, se isso não for pais ou de seu responsável, se conhecidos;
possível, que promovam a sua integração em família II - o endereço de residência dos pais ou do responsável,
adotiva; (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017) com pontos de referência;

48
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

III - os nomes de parentes ou de terceiros interessados § 11. A autoridade judiciária manterá, em cada
em tê-los sob sua guarda; comarca ou foro regional, um cadastro contendo informações
IV - os motivos da retirada ou da não reintegração ao atualizadas sobre as crianças e adolescentes em regime de
convívio familiar. acolhimento familiar e institucional sob sua responsabilidade,
§ 4º Imediatamente após o acolhimento da criança ou com informações pormenorizadas sobre a situação jurídica
do adolescente, a entidade responsável pelo programa de de cada um, bem como as providências tomadas para sua
acolhimento institucional ou familiar elaborará um plano reintegração familiar ou colocação em família substituta, em
individual de atendimento, visando à reintegração familiar, qualquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei.
ressalvada a existência de ordem escrita e fundamentada § 12. Terão acesso ao cadastro o Ministério Público, o
em contrário de autoridade judiciária competente, caso em Conselho Tutelar, o órgão gestor da Assistência Social e os
que também deverá contemplar sua colocação em família Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente
substituta, observadas as regras e princípios desta Lei. e da Assistência Social, aos quais incumbe deliberar sobre a
§ 5º O plano individual será elaborado sob a implementação de políticas públicas que permitam reduzir
responsabilidade da equipe técnica do respectivo o número de crianças e adolescentes afastados do convívio
programa de atendimento e levará em consideração a familiar e abreviar o período de permanência em programa de
opinião da criança ou do adolescente e a oitiva dos pais ou acolhimento.
do responsável.
§ 6º Constarão do plano individual, dentre outros: Art. 102. As medidas de proteção de que trata este Capítulo
I - os resultados da avaliação interdisciplinar; serão acompanhadas da regularização do registro civil.
II - os compromissos assumidos pelos pais ou § 1º Verificada a inexistência de registro anterior, o assento
responsável; e de nascimento da criança ou adolescente será feito à vista dos
III - a previsão das atividades a serem desenvolvidas elementos disponíveis, mediante requisição da autoridade
com a criança ou com o adolescente acolhido e seus judiciária.
pais ou responsável, com vista na reintegração familiar § 2º Os registros e certidões necessários à regularização
de que trata este artigo são isentos de multas, custas e
ou, caso seja esta vedada por expressa e fundamentada
emolumentos, gozando de absoluta prioridade.
determinação judicial, as providências a serem tomadas
§ 3º Caso ainda não definida a paternidade, será deflagrado
para sua colocação em família substituta, sob direta
procedimento específico destinado à sua averiguação, conforme
supervisão da autoridade judiciária.
previsto pela Lei no 8.560, de 29 de dezembro de 1992.
§ 7º O acolhimento familiar ou institucional ocorrerá no
§ 4º Nas hipóteses previstas no § 3o deste artigo, é dispensável
local mais próximo à residência dos pais ou do responsável
o ajuizamento de ação de investigação de paternidade pelo
e, como parte do processo de reintegração familiar, sempre
Ministério Público se, após o não comparecimento ou a recusa
que identificada a necessidade, a família de origem será
do suposto pai em assumir a paternidade a ele atribuída, a
incluída em programas oficiais de orientação, de apoio e de criança for encaminhada para adoção.
promoção social, sendo facilitado e estimulado o contato § 5º Os registros e certidões necessários à inclusão, a
com a criança ou com o adolescente acolhido. qualquer tempo, do nome do pai no assento de nascimento são
§ 8º Verificada a possibilidade de reintegração familiar, isentos de multas, custas e emolumentos, gozando de absoluta
o responsável pelo programa de acolhimento familiar prioridade. (Incluído dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
ou institucional fará imediata comunicação à autoridade § 6º São gratuitas, a qualquer tempo, a averbação requerida
judiciária, que dará vista ao Ministério Público, pelo prazo do reconhecimento de paternidade no assento de nascimento
de 5 (cinco) dias, decidindo em igual prazo. e a certidão correspondente. (Incluído dada pela Lei nº 13.257,
§ 9º Em sendo constatada a impossibilidade de de 2016)
reintegração da criança ou do adolescente à família de
origem, após seu encaminhamento a programas oficiais ou Título III
comunitários de orientação, apoio e promoção social, será Da Prática de Ato Infracional
enviado relatório fundamentado ao Ministério Público, no Capítulo I
qual conste a descrição pormenorizada das providências Disposições Gerais
tomadas e a expressa recomendação, subscrita pelos
técnicos da entidade ou responsáveis pela execução da Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta
política municipal de garantia do direito à convivência descrita como crime ou contravenção penal.
familiar, para a destituição do poder familiar, ou destituição
de tutela ou guarda. Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de
§ 10. Recebido o relatório, o Ministério Público terá o dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
prazo de 15 (quinze) dias para o ingresso com a ação de Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser
destituição do poder familiar, salvo se entender necessária considerada a idade do adolescente à data do fato.
a realização de estudos complementares ou de outras
providências indispensáveis ao ajuizamento da demanda. Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança
(Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017) corresponderão as medidas previstas no art. 101.

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Capítulo II III - prestação de serviços à comunidade;


Dos Direitos Individuais IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semiliberdade;
Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua VI - internação em estabelecimento educacional;
liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em
competente. conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a
Parágrafo único. O adolescente tem direito à gravidade da infração.
identificação dos responsáveis pela sua apreensão, § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será
devendo ser informado acerca de seus direitos. admitida a prestação de trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou
Art. 107. A apreensão de qualquer adolescente e deficiência mental receberão tratamento individual e
o local onde se encontra recolhido serão incontinenti especializado, em local adequado às suas condições.
comunicados à autoridade judiciária competente e à família
do apreendido ou à pessoa por ele indicada. Art. 113. Aplica-se a este Capítulo o disposto nos arts.
Parágrafo único. Examinar-se-á, desde logo e sob pena 99 e 100.
de responsabilidade, a possibilidade de liberação imediata.
Art. 114. A imposição das medidas previstas nos
Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser incisos II a VI do art. 112 pressupõe a existência de provas
determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias. suficientes da autoria e da materialidade da infração,
Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art. 127.
basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada
demonstrada a necessidade imperiosa da medida. sempre que houver prova da materialidade e indícios
suficientes da autoria.
Art. 109. O adolescente civilmente identificado não
será submetido a identificação compulsória pelos órgãos
Seção II
policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de
Da Advertência
confrontação, havendo dúvida fundada.
Art. 115. A advertência consistirá em admoestação
Capítulo III
verbal, que será reduzida a termo e assinada.
Das Garantias Processuais
Seção III
Art. 110. Nenhum adolescente será privado de sua
liberdade sem o devido processo legal. Da Obrigação de Reparar o Dano

Art. 111. São asseguradas ao adolescente, entre outras, Art. 116. Em se tratando de ato infracional com
as seguintes garantias: reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se
I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o
infracional, mediante citação ou meio equivalente; ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o
II - igualdade na relação processual, podendo prejuízo da vítima.
confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a
as provas necessárias à sua defesa; medida poderá ser substituída por outra adequada.
III - defesa técnica por advogado;
IV - assistência judiciária gratuita e integral aos Seção IV
necessitados, na forma da lei; Da Prestação de Serviços à Comunidade
V - direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade
competente; Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste
VI - direito de solicitar a presença de seus pais ou na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por
responsável em qualquer fase do procedimento. período não excedente a seis meses, junto a entidades
assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos
Capítulo IV congêneres, bem como em programas comunitários ou
Das Medidas Socioeducativas governamentais.
Seção I Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme
Disposições Gerais as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas
durante jornada máxima de oito horas semanais, aos
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo
autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal
seguintes medidas: de trabalho.
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;

50
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Seção V § 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos


Da Liberdade Assistida de idade.
§ 6º Em qualquer hipótese a desinternação será
Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério
que se afigurar a medida mais adequada para o fim de Público.
acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. § 7º A determinação judicial mencionada no § 1o
§ 1º A autoridade designará pessoa capacitada para poderá ser revista a qualquer tempo pela autoridade
acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por judiciária. (Incluído pela Lei nº 12.594, de 2012) (Vide)
entidade ou programa de atendimento.
§ 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada
de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, quando:
revogada ou substituída por outra medida, ouvido o I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave
orientador, o Ministério Público e o defensor. ameaça ou violência a pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras infrações
Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a graves;
supervisão da autoridade competente, a realização dos III - por descumprimento reiterado e injustificável da
seguintes encargos, entre outros: medida anteriormente imposta.
I - promover socialmente o adolescente e sua família, § 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste
fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo
em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência ser decretada judicialmente após o devido processo legal.
social; (Redação dada pela Lei nº 12.594, de 2012) (Vide)
II - supervisionar a frequência e o aproveitamento § 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação,
escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua havendo outra medida adequada.
matrícula;
III - diligenciar no sentido da profissionalização do
Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade
adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho;
exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele
IV - apresentar relatório do caso.
destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por
critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.
Seção VI
Parágrafo único. Durante o período de internação,
Do Regime de Semiliberdade
inclusive provisória, serão obrigatórias atividades
pedagógicas.
Art. 120. O regime de semiliberdade pode ser
determinado desde o início, ou como forma de transição
para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades Art. 124. São direitos do adolescente privado de
externas, independentemente de autorização judicial. liberdade, entre outros, os seguintes:
§ 1º São obrigatórias a escolarização e a I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do
profissionalização, devendo, sempre que possível, ser Ministério Público;
utilizados os recursos existentes na comunidade. II - peticionar diretamente a qualquer autoridade;
§ 2º A medida não comporta prazo determinado III - avistar-se reservadamente com seu defensor;
aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à IV - ser informado de sua situação processual, sempre
internação. que solicitada;
V - ser tratado com respeito e dignidade;
Seção VII VI - permanecer internado na mesma localidade
Da Internação ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou
responsável;
Art. 121. A internação constitui medida privativa VII - receber visitas, ao menos, semanalmente;
da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos;
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e
em desenvolvimento. asseio pessoal;
§ 1º Será permitida a realização de atividades externas, X - habitar alojamento em condições adequadas de
a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa higiene e salubridade;
determinação judicial em contrário. XI - receber escolarização e profissionalização;
§ 2º A medida não comporta prazo determinado, XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer:
devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão XIII - ter acesso aos meios de comunicação social;
fundamentada, no máximo a cada seis meses. XIV - receber assistência religiosa, segundo a sua
§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de crença, e desde que assim o deseje;
internação excederá a três anos. XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor
§ 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante
anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em daqueles porventura depositados em poder da entidade;
regime de semiliberdade ou de liberdade assistida.

51
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

XVI - receber, quando de sua desinternação, os Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou
documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade. abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade
§ 1º Em nenhum caso haverá incomunicabilidade. judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o
§ 2º A autoridade judiciária poderá suspender afastamento do agressor da moradia comum.
temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsável, se Parágrafo único. Da medida cautelar constará, ainda, a
existirem motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos fixação provisória dos alimentos de que necessitem a criança
interesses do adolescente. ou o adolescente dependentes do agressor. (Incluído pela Lei nº
12.415, de 2011)
Art. 125. É dever do Estado zelar pela integridade física e
mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas Título V
de contenção e segurança. Do Conselho Tutelar
Capítulo I
Capítulo V Disposições Gerais
Da Remissão
Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e
Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de
apuração de ato infracional, o representante do Ministério zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente,
Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do definidos nesta Lei.
processo, atendendo às circunstâncias e consequências do fato,
ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e Art. 132. Em cada Município e em cada Região Administrativa
sua maior ou menor participação no ato infracional. do Distrito Federal haverá, no mínimo, 1 (um) Conselho Tutelar
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da como órgão integrante da administração pública local, composto
remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou de 5 (cinco) membros, escolhidos pela população local para
extinção do processo. mandato de 4 (quatro) anos, permitida 1 (uma) recondução,
mediante novo processo de escolha. (Redação dada pela Lei nº
Art. 127. A remissão não implica necessariamente o 12.696, de 2012)
reconhecimento ou comprovação da responsabilidade,
nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir Art. 133. Para a candidatura a membro do Conselho Tutelar,
eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas serão exigidos os seguintes requisitos:
em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade e a I - reconhecida idoneidade moral;
internação. II - idade superior a vinte e um anos;
III - residir no município.
Art. 128. A medida aplicada por força da remissão poderá
ser revista judicialmente, a qualquer tempo, mediante pedido Art. 134. Lei municipal ou distrital disporá sobre o local,
expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar, inclusive
Ministério Público. quanto à remuneração dos respectivos membros, aos quais
é assegurado o direito a: (Redação dada pela Lei nº 12.696, de
Título IV 2012)
Das Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsável I - cobertura previdenciária; (Incluído pela Lei nº 12.696, de
2012)
Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável: II - gozo de férias anuais remuneradas, acrescidas de 1/3
I - encaminhamento a serviços e programas oficiais ou (um terço) do valor da remuneração mensal; (Incluído pela Lei
comunitários de proteção, apoio e promoção da família; nº 12.696, de 2012)
(Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016) III - licença-maternidade; (Incluído pela Lei nº 12.696, de
II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, 2012)
orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; IV - licença-paternidade; (Incluído pela Lei nº 12.696, de
III - encaminhamento a tratamento psicológico ou 2012)
psiquiátrico; V - gratificação natalina. (Incluído pela Lei nº 12.696, de
IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação; 2012)
V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar Parágrafo único. Constará da lei orçamentária municipal
sua frequência e aproveitamento escolar; e da do Distrito Federal previsão dos recursos necessários ao
VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a funcionamento do Conselho Tutelar e à remuneração e formação
tratamento especializado; continuada dos conselheiros tutelares. (Redação dada pela Lei nº
VII - advertência; 12.696, de 2012)
VIII - perda da guarda;
IX - destituição da tutela; Art. 135. O exercício efetivo da função de conselheiro
X - suspensão ou destituição do poder familiar. Vigência constituirá serviço público relevante e estabelecerá presunção
Parágrafo único. Na aplicação das medidas previstas nos de idoneidade moral. (Redação dada pela Lei nº 12.696, de 2012)
incisos IX e X deste artigo, observar-se-á o disposto nos arts. 23
e 24.

52
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Capítulo II Capítulo IV
Das Atribuições do Conselho Da Escolha dos Conselheiros

Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar: Art. 139. O processo para a escolha dos membros
I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses do Conselho Tutelar será estabelecido em lei municipal e
previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal
no art. 101, I a VII; dos Direitos da Criança e do Adolescente, e a fiscalização
II - atender e aconselhar os pais ou responsável, do Ministério Público. (Redação dada pela Lei nº 8.242, de
aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII; 12.10.1991)
III - promover a execução de suas decisões, podendo § 1º O processo de escolha dos membros do Conselho
para tanto: Tutelar ocorrerá em data unificada em todo o território
a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, nacional a cada 4 (quatro) anos, no primeiro domingo
educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança; do mês de outubro do ano subsequente ao da eleição
b) representar junto à autoridade judiciária nos casos presidencial. (Incluído pela Lei nº 12.696, de 2012)
de descumprimento injustificado de suas deliberações. § 2º A posse dos conselheiros tutelares ocorrerá no dia
IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato 10 de janeiro do ano subsequente ao processo de escolha.
que constitua infração administrativa ou penal contra os (Incluído pela Lei nº 12.696, de 2012)
direitos da criança ou adolescente; § 3º No processo de escolha dos membros do Conselho
V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua Tutelar, é vedado ao candidato doar, oferecer, prometer ou
competência; entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal de qualquer
VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade natureza, inclusive brindes de pequeno valor. (Incluído pela
judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a VI, para o Lei nº 12.696, de 2012)
adolescente autor de ato infracional;
VII - expedir notificações; Capítulo V
Dos Impedimentos
VIII - requisitar certidões de nascimento e de óbito de
criança ou adolescente quando necessário;
Art. 140. São impedidos de servir no mesmo Conselho
IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração
marido e mulher, ascendentes e descendentes, sogro e
da proposta orçamentária para planos e programas de
genro ou nora, irmãos, cunhados, durante o cunhadio, tio e
atendimento dos direitos da criança e do adolescente;
sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado.
X - representar, em nome da pessoa e da família, contra
Parágrafo único. Estende-se o impedimento do
a violação dos direitos previstos no art. 220, § 3º, inciso II,
conselheiro, na forma deste artigo, em relação à autoridade
da Constituição Federal; judiciária e ao representante do Ministério Público com
XI - representar ao Ministério Público para efeito das atuação na Justiça da Infância e da Juventude, em exercício
ações de perda ou suspensão do poder familiar, após na comarca, foro regional ou distrital.
esgotadas as possibilidades de manutenção da criança ou
do adolescente junto à família natural. Título VI
XII - promover e incentivar, na comunidade e nos Do Acesso à Justiça
grupos profissionais, ações de divulgação e treinamento Capítulo I
para o reconhecimento de sintomas de maus-tratos em Disposições Gerais
crianças e adolescentes. (Incluído pela Lei nº 13.046,
de 2014) Art. 141. É garantido o acesso de toda criança ou
Parágrafo único. Se, no exercício de suas atribuições, adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público e
o Conselho Tutelar entender necessário o afastamento ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos.
do convívio familiar, comunicará incontinenti o fato ao § 1º. A assistência judiciária gratuita será prestada aos
Ministério Público, prestando-lhe informações sobre os que dela necessitarem, através de defensor público ou
motivos de tal entendimento e as providências tomadas advogado nomeado.
para a orientação, o apoio e a promoção social da família. § 2º As ações judiciais da competência da Justiça
da Infância e da Juventude são isentas de custas e
Art. 137. As decisões do Conselho Tutelar somente emolumentos, ressalvada a hipótese de litigância de má-fé.
poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de
quem tenha legítimo interesse. Art. 142. Os menores de dezesseis anos serão
representados e os maiores de dezesseis e menores de vinte
Capítulo III e um anos assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na
Da Competência forma da legislação civil ou processual.
Parágrafo único. A autoridade judiciária dará curador
Art. 138. Aplica-se ao Conselho Tutelar a regra de especial à criança ou adolescente, sempre que os interesses
competência constante do art. 147. destes colidirem com os de seus pais ou responsável, ou
quando carecer de representação ou assistência legal ainda
que eventual.

53
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 143. E vedada a divulgação de atos judiciais, IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses
policiais e administrativos que digam respeito a crianças individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao
e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional. adolescente, observado o disposto no art. 209;
Parágrafo único. Qualquer notícia a respeito do fato não V - conhecer de ações decorrentes de irregularidades
poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se em entidades de atendimento, aplicando as medidas
fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, cabíveis;
residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome. VI - aplicar penalidades administrativas nos casos
(Redação dada pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003) de infrações contra norma de proteção à criança ou
adolescente;
Art. 144. A expedição de cópia ou certidão de atos VII - conhecer de casos encaminhados pelo Conselho
a que se refere o artigo anterior somente será deferida Tutelar, aplicando as medidas cabíveis.
pela autoridade judiciária competente, se demonstrado o Parágrafo único. Quando se tratar de criança ou
interesse e justificada a finalidade. adolescente nas hipóteses do art. 98, é também competente
a Justiça da Infância e da Juventude para o fim de:
Capítulo II a) conhecer de pedidos de guarda e tutela;
Da Justiça da Infância e da Juventude b) conhecer de ações de destituição do poder familiar,
Seção I perda ou modificação da tutela ou guarda;
Disposições Gerais c) suprir a capacidade ou o consentimento para o
casamento;
Art. 145. Os estados e o Distrito Federal poderão d) conhecer de pedidos baseados em discordância
criar varas especializadas e exclusivas da infância e da paterna ou materna, em relação ao exercício do poder
juventude, cabendo ao Poder Judiciário estabelecer sua familiar;
proporcionalidade por número de habitantes, dotá-las de e) conceder a emancipação, nos termos da lei civil,
infraestrutura e dispor sobre o atendimento, inclusive em quando faltarem os pais;
plantões. f) designar curador especial em casos de apresentação
de queixa ou representação, ou de outros procedimentos
Seção II judiciais ou extrajudiciais em que haja interesses de criança
Do Juiz ou adolescente;
g) conhecer de ações de alimentos;
Art. 146. A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da h) determinar o cancelamento, a retificação e o
Infância e da Juventude, ou o juiz que exerce essa função, suprimento dos registros de nascimento e óbito.
na forma da lei de organização judiciária local.
Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar,
Art. 147. A competência será determinada: através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:
I - pelo domicílio dos pais ou responsável; I - a entrada e permanência de criança ou adolescente,
II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável, em:
à falta dos pais ou responsável. a) estádio, ginásio e campo desportivo;
§ 1º. Nos casos de ato infracional, será competente a b) bailes ou promoções dançantes;
autoridade do lugar da ação ou omissão, observadas as c) boate ou congêneres;
regras de conexão, continência e prevenção. d) casa que explore comercialmente diversões
§ 2º A execução das medidas poderá ser delegada eletrônicas;
à autoridade competente da residência dos pais ou e) estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e
responsável, ou do local onde sediar-se a entidade que televisão.
abrigar a criança ou adolescente. II - a participação de criança e adolescente em:
§ 3º Em caso de infração cometida através de a) espetáculos públicos e seus ensaios;
transmissão simultânea de rádio ou televisão, que atinja b) certames de beleza.
mais de uma comarca, será competente, para aplicação da § 1º Para os fins do disposto neste artigo, a autoridade
penalidade, a autoridade judiciária do local da sede estadual judiciária levará em conta, dentre outros fatores:
da emissora ou rede, tendo a sentença eficácia para todas a) os princípios desta Lei;
as transmissoras ou retransmissoras do respectivo estado. b) as peculiaridades locais;
c) a existência de instalações adequadas;
Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é d) o tipo de frequência habitual ao local;
competente para: e) a adequação do ambiente a eventual participação
I - conhecer de representações promovidas pelo ou frequência de crianças e adolescentes;
Ministério Público, para apuração de ato infracional f) a natureza do espetáculo.
atribuído a adolescente, aplicando as medidas cabíveis; § 2º As medidas adotadas na conformidade deste
II - conceder a remissão, como forma de suspensão ou artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as
extinção do processo; determinações de caráter geral.
III - conhecer de pedidos de adoção e seus incidentes;

54
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Seção III Seção II


Dos Serviços Auxiliares Da Perda e da Suspensão do Poder Familiar

Art. 150. Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua Art. 155. O procedimento para a perda ou a suspensão do
proposta orçamentária, prever recursos para manutenção poder familiar terá início por provocação do Ministério Público
de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça ou de quem tenha legítimo interesse.
da Infância e da Juventude.
Art. 156. A petição inicial indicará:
Art. 151. Compete à equipe interprofissional dentre I - a autoridade judiciária a que for dirigida;
outras atribuições que lhe forem reservadas pela II - o nome, o estado civil, a profissão e a residência do
legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante requerente e do requerido, dispensada a qualificação em se
laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim tratando de pedido formulado por representante do Ministério
desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, Público;
encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata III - a exposição sumária do fato e o pedido;
subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre IV - as provas que serão produzidas, oferecendo, desde
manifestação do ponto de vista técnico. logo, o rol de testemunhas e documentos.
Parágrafo único. Na ausência ou insuficiência de
servidores públicos integrantes do Poder Judiciário Art. 157. Havendo motivo grave, poderá a autoridade
responsáveis pela realização dos estudos psicossociais judiciária, ouvido o Ministério Público, decretar a suspensão do
ou de quaisquer outras espécies de avaliações técnicas poder familiar, liminar ou incidentalmente, até o julgamento
exigidas por esta Lei ou por determinação judicial, a definitivo da causa, ficando a criança ou adolescente confiado
autoridade judiciária poderá proceder à nomeação de a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade.
perito, nos termos do art. 156 da Lei no 13.105, de 16 de § 1º Recebida a petição inicial, a autoridade judiciária
março de 2015 (Código de Processo Civil). (Incluído pela Lei determinará, concomitantemente ao despacho de citação
nº 13.509, de 2017) e independentemente de requerimento do interessado,
a realização de estudo social ou perícia por equipe
Capítulo III interprofissional ou multidisciplinar para comprovar a presença
Dos Procedimentos de uma das causas de suspensão ou destituição do poder
Seção I familiar, ressalvado o disposto no § 10 do art. 101 desta Lei, e
Disposições Gerais observada a Lei no 13.431, de 4 de abril de 2017. (Incluído pela
Lei nº 13.509, de 2017)
Art. 152. Aos procedimentos regulados nesta Lei § 2º Em sendo os pais oriundos de comunidades
aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na indígenas, é ainda obrigatória a intervenção, junto à equipe
legislação processual pertinente. interprofissional ou multidisciplinar referida no § 1o deste
§ 1º É assegurada, sob pena de responsabilidade, artigo, de representantes do órgão federal responsável pela
prioridade absoluta na tramitação dos processos e política indigenista, observado o disposto no § 6o do art. 28
procedimentos previstos nesta Lei, assim como na execução desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
dos atos e diligências judiciais a eles referentes.
§ 2º Os prazos estabelecidos nesta Lei e aplicáveis Art. 158. O requerido será citado para, no prazo de dez
aos seus procedimentos são contados em dias corridos, dias, oferecer resposta escrita, indicando as provas a serem
excluído o dia do começo e incluído o dia do vencimento, produzidas e oferecendo desde logo o rol de testemunhas e
vedado o prazo em dobro para a Fazenda Pública e o documentos.
Ministério Público. (Incluído pela Lei nº 13.509, de § 1º A citação será pessoal, salvo se esgotados todos os
2017) meios para sua realização. (Incluído pela Lei nº 12.962, de 2014)
§ 2º O requerido privado de liberdade deverá ser citado
Art. 153. Se a medida judicial a ser adotada não pessoalmente. (Incluído pela Lei nº 12.962, de 2014)
corresponder a procedimento previsto nesta ou em outra § 3º Quando, por 2 (duas) vezes, o oficial de justiça houver
lei, a autoridade judiciária poderá investigar os fatos e procurado o citando em seu domicílio ou residência sem o
ordenar de ofício as providências necessárias, ouvido o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, informar
Ministério Público. qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica do dia útil em que voltará a fim de efetuar a citação, na hora
para o fim de afastamento da criança ou do adolescente que designar, nos termos do art. 252 e seguintes da Lei no
de sua família de origem e em outros procedimentos 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
necessariamente contenciosos. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 4º Na hipótese de os genitores encontrarem-se em local
Art. 154. Aplica-se às multas o disposto no art. 214. incerto ou não sabido, serão citados por edital no prazo de 10
(dez) dias, em publicação única, dispensado o envio de ofícios
para a localização. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 159. Se o requerido não tiver possibilidade de § 3º A decisão será proferida na audiência, podendo a
constituir advogado, sem prejuízo do próprio sustento e autoridade judiciária, excepcionalmente, designar data para
de sua família, poderá requerer, em cartório, que lhe seja sua leitura no prazo máximo de 5 (cinco) dias. (Incluído pela
nomeado dativo, ao qual incumbirá a apresentação de Lei nº 13.509, de 2017)
resposta, contando-se o prazo a partir da intimação do § 4º Quando o procedimento de destituição de poder
despacho de nomeação. familiar for iniciado pelo Ministério Público, não haverá
Parágrafo único. Na hipótese de requerido privado necessidade de nomeação de curador especial em favor da
de liberdade, o oficial de justiça deverá perguntar, no criança ou adolescente. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
momento da citação pessoal, se deseja que lhe seja
nomeado defensor. (Incluído pela Lei nº 12.962, de 2014) Art. 163. O prazo máximo para conclusão do procedimento
será de 120 (cento e vinte) dias, e caberá ao juiz, no caso de
Art. 160. Sendo necessário, a autoridade judiciária notória inviabilidade de manutenção do poder familiar, dirigir
requisitará de qualquer repartição ou órgão público a esforços para preparar a criança ou o adolescente com vistas
apresentação de documento que interesse à causa, de ofício à colocação em família substituta. (Redação dada pela Lei nº
ou a requerimento das partes ou do Ministério Público. 13.509, de 2017)
Parágrafo único. A sentença que decretar a perda ou
Art. 161. Se não for contestado o pedido e tiver sido a suspensão do poder familiar será averbada à margem do
concluído o estudo social ou a perícia realizada por equipe registro de nascimento da criança ou do adolescente.
interprofissional ou multidisciplinar, a autoridade judiciária
dará vista dos autos ao Ministério Público, por 5 (cinco) Seção III
dias, salvo quando este for o requerente, e decidirá em Da Destituição da Tutela
igual prazo. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 1º A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento Art. 164. Na destituição da tutela, observar-se-á o
das partes ou do Ministério Público, determinará a oitiva procedimento para a remoção de tutor previsto na lei
de testemunhas que comprovem a presença de uma das processual civil e, no que couber, o disposto na seção anterior.
causas de suspensão ou destituição do poder familiar
previstas nos arts. 1.637 e 1.638 da Lei no 10.406, de 10 Seção IV
de janeiro de 2002 (Código Civil), ou no art. 24 desta Lei. Da Colocação em Família Substituta
(Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 2º (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.509, de Art. 165. São requisitos para a concessão de pedidos de
2017) colocação em família substituta:
§ 3º Se o pedido importar em modificação de guarda, I - qualificação completa do requerente e de seu eventual
será obrigatória, desde que possível e razoável, a oitiva cônjuge, ou companheiro, com expressa anuência deste;
da criança ou adolescente, respeitado seu estágio de II - indicação de eventual parentesco do requerente e de
desenvolvimento e grau de compreensão sobre as seu cônjuge, ou companheiro, com a criança ou adolescente,
implicações da medida. especificando se tem ou não parente vivo;
§ 4º É obrigatória a oitiva dos pais sempre que eles III - qualificação completa da criança ou adolescente e de
forem identificados e estiverem em local conhecido, seus pais, se conhecidos;
ressalvados os casos de não comparecimento perante a IV - indicação do cartório onde foi inscrito nascimento,
Justiça quando devidamente citados. (Redação dada pela anexando, se possível, uma cópia da respectiva certidão;
Lei nº 13.509, de 2017) V - declaração sobre a existência de bens, direitos ou
§ 5º Se o pai ou a mãe estiverem privados de liberdade, rendimentos relativos à criança ou ao adolescente.
a autoridade judicial requisitará sua apresentação para a Parágrafo único. Em se tratando de adoção, observar-se-
oitiva. (Incluído pela Lei nº 12.962, de 2014) ão também os requisitos específicos.

Art. 162. Apresentada a resposta, a autoridade judiciária Art. 166. Se os pais forem falecidos, tiverem sido
dará vista dos autos ao Ministério Público, por cinco dias, destituídos ou suspensos do poder familiar, ou houverem
salvo quando este for o requerente, designando, desde aderido expressamente ao pedido de colocação em família
logo, audiência de instrução e julgamento. substituta, este poderá ser formulado diretamente em
§ 1º (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.509, de cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes,
2017) dispensada a assistência de advogado.
§ 2º Na audiência, presentes as partes e o Ministério § 1o Na hipótese de concordância dos pais, o juiz:
Público, serão ouvidas as testemunhas, colhendo-se (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)
oralmente o parecer técnico, salvo quando apresentado I - na presença do Ministério Público, ouvirá as partes,
por escrito, manifestando-se sucessivamente o requerente, devidamente assistidas por advogado ou por defensor
o requerido e o Ministério Público, pelo tempo de 20 (vinte) público, para verificar sua concordância com a adoção, no
minutos cada um, prorrogável por mais 10 (dez) minutos. prazo máximo de 10 (dez) dias, contado da data do protocolo
(Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017) da petição ou da entrega da criança em juízo, tomando por
termo as declarações; e (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

II - declarará a extinção do poder familiar. (Incluído pela Seção V


Lei nº 13.509, de 2017) Da Apuração de Ato Infracional Atribuído a
§ 2º O consentimento dos titulares do poder familiar será Adolescente
precedido de orientações e esclarecimentos prestados pela
equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, Art. 171. O adolescente apreendido por força de
em especial, no caso de adoção, sobre a irrevogabilidade da ordem judicial será, desde logo, encaminhado à autoridade
medida. judiciária.
§ 3º São garantidos a livre manifestação de vontade
dos detentores do poder familiar e o direito ao sigilo das Art. 172. O adolescente apreendido em flagrante de
informações. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017) ato infracional será, desde logo, encaminhado à autoridade
§ 4º O consentimento prestado por escrito não terá policial competente.
validade se não for ratificado na audiência a que se refere o Parágrafo único. Havendo repartição policial
§ 1o deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017) especializada para atendimento de adolescente e em se
§ 5º O consentimento é retratável até a data da realização tratando de ato infracional praticado em coautoria com
da audiência especificada no § 1o deste artigo, e os pais maior, prevalecerá a atribuição da repartição especializada,
podem exercer o arrependimento no prazo de 10 (dez) dias, que, após as providências necessárias e conforme o caso,
contado da data de prolação da sentença de extinção do encaminhará o adulto à repartição policial própria.
poder familiar. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 6º O consentimento somente terá valor se for dado Art. 173. Em caso de flagrante de ato infracional
após o nascimento da criança. cometido mediante violência ou grave ameaça a pessoa, a
§ 7º A família natural e a família substituta receberão autoridade policial, sem prejuízo do disposto nos arts. 106,
a devida orientação por intermédio de equipe técnica parágrafo único, e 107, deverá:
interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da I - lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e
Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos o adolescente;
II - apreender o produto e os instrumentos da infração;
responsáveis pela execução da política municipal de garantia
III - requisitar os exames ou perícias necessários à
do direito à convivência familiar. (Redação dada pela Lei nº
comprovação da materialidade e autoria da infração.
13.509, de 2017)
Parágrafo único. Nas demais hipóteses de flagrante,
a lavratura do auto poderá ser substituída por boletim de
Art. 167. A autoridade judiciária, de ofício ou a
ocorrência circunstanciada.
requerimento das partes ou do Ministério Público,
determinará a realização de estudo social ou, se possível,
Art. 174. Comparecendo qualquer dos pais ou
perícia por equipe interprofissional, decidindo sobre a responsável, o adolescente será prontamente liberado
concessão de guarda provisória, bem como, no caso de pela autoridade policial, sob termo de compromisso e
adoção, sobre o estágio de convivência. responsabilidade de sua apresentação ao representante do
Parágrafo único. Deferida a concessão da guarda Ministério Público, no mesmo dia ou, sendo impossível, no
provisória ou do estágio de convivência, a criança ou o primeiro dia útil imediato, exceto quando, pela gravidade do
adolescente será entregue ao interessado, mediante termo ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente
de responsabilidade. permanecer sob internação para garantia de sua segurança
pessoal ou manutenção da ordem pública.
Art. 168. Apresentado o relatório social ou o laudo pericial,
e ouvida, sempre que possível, a criança ou o adolescente, Art. 175. Em caso de não liberação, a autoridade policial
dar-se-á vista dos autos ao Ministério Público, pelo prazo de encaminhará, desde logo, o adolescente ao representante
cinco dias, decidindo a autoridade judiciária em igual prazo. do Ministério Público, juntamente com cópia do auto de
apreensão ou boletim de ocorrência.
Art. 169. Nas hipóteses em que a destituição da tutela, a § 1º Sendo impossível a apresentação imediata, a
perda ou a suspensão do poder familiar constituir pressuposto autoridade policial encaminhará o adolescente à entidade
lógico da medida principal de colocação em família substituta, de atendimento, que fará a apresentação ao representante
será observado o procedimento contraditório previsto nas do Ministério Público no prazo de vinte e quatro horas.
Seções II e III deste Capítulo. § 2º Nas localidades onde não houver entidade de
Parágrafo único. A perda ou a modificação da guarda atendimento, a apresentação far-se-á pela autoridade policial.
poderá ser decretada nos mesmos autos do procedimento, À falta de repartição policial especializada, o adolescente
observado o disposto no art. 35. aguardará a apresentação em dependência separada da
destinada a maiores, não podendo, em qualquer hipótese,
Art. 170. Concedida a guarda ou a tutela, observar-se-á o exceder o prazo referido no parágrafo anterior.
disposto no art. 32, e, quanto à adoção, o contido no art. 47.
Parágrafo único. A colocação de criança ou adolescente Art. 176. Sendo o adolescente liberado, a autoridade
sob a guarda de pessoa inscrita em programa de acolhimento policial encaminhará imediatamente ao representante do
familiar será comunicada pela autoridade judiciária à entidade Ministério Público cópia do auto de apreensão ou boletim
por este responsável no prazo máximo de 5 (cinco) dias. de ocorrência.

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 177. Se, afastada a hipótese de flagrante, houver Art. 183. O prazo máximo e improrrogável para a
indícios de participação de adolescente na prática conclusão do procedimento, estando o adolescente
de ato infracional, a autoridade policial encaminhará internado provisoriamente, será de quarenta e cinco dias.
ao representante do Ministério Público relatório das
investigações e demais documentos. Art. 184. Oferecida a representação, a autoridade
judiciária designará audiência de apresentação do
Art. 178. O adolescente a quem se atribua autoria de ato adolescente, decidindo, desde logo, sobre a decretação ou
infracional não poderá ser conduzido ou transportado em manutenção da internação, observado o disposto no art.
compartimento fechado de veículo policial, em condições 108 e parágrafo.
atentatórias à sua dignidade, ou que impliquem risco à sua § 1º O adolescente e seus pais ou responsável serão
integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade. cientificados do teor da representação, e notificados a
comparecer à audiência, acompanhados de advogado.
Art. 179. Apresentado o adolescente, o representante § 2º Se os pais ou responsável não forem localizados, a
do Ministério Público, no mesmo dia e à vista do auto de autoridade judiciária dará curador especial ao adolescente.
apreensão, boletim de ocorrência ou relatório policial, § 3º Não sendo localizado o adolescente, a autoridade
devidamente autuados pelo cartório judicial e com judiciária expedirá mandado de busca e apreensão,
informação sobre os antecedentes do adolescente, procederá determinando o sobrestamento do feito, até a efetiva
imediata e informalmente à sua oitiva e, em sendo possível, apresentação.
de seus pais ou responsável, vítima e testemunhas. § 4º Estando o adolescente internado, será requisitada
Parágrafo único. Em caso de não apresentação, o a sua apresentação, sem prejuízo da notificação dos pais
representante do Ministério Público notificará os pais ou ou responsável.
responsável para apresentação do adolescente, podendo
requisitar o concurso das polícias civil e militar. Art. 185. A internação, decretada ou mantida pela
autoridade judiciária, não poderá ser cumprida em
Art. 180. Adotadas as providências a que alude o artigo
estabelecimento prisional.
anterior, o representante do Ministério Público poderá:
§ 1º Inexistindo na comarca entidade com as
I - promover o arquivamento dos autos;
características definidas no art. 123, o adolescente deverá
II - conceder a remissão;
ser imediatamente transferido para a localidade mais
III - representar à autoridade judiciária para aplicação de
próxima.
medida sócio-educativa.
§ 2º Sendo impossível a pronta transferência, o
adolescente aguardará sua remoção em repartição policial,
Art. 181. Promovido o arquivamento dos autos ou
concedida a remissão pelo representante do Ministério desde que em seção isolada dos adultos e com instalações
Público, mediante termo fundamentado, que conterá o apropriadas, não podendo ultrapassar o prazo máximo de
resumo dos fatos, os autos serão conclusos à autoridade cinco dias, sob pena de responsabilidade.
judiciária para homologação. Art. 186. Comparecendo o adolescente, seus pais ou
§ 1º Homologado o arquivamento ou a remissão, a responsável, a autoridade judiciária procederá à oitiva
autoridade judiciária determinará, conforme o caso, o dos mesmos, podendo solicitar opinião de profissional
cumprimento da medida. qualificado.
§ 2º Discordando, a autoridade judiciária fará remessa § 1º Se a autoridade judiciária entender adequada a
dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante despacho remissão, ouvirá o representante do Ministério Público,
fundamentado, e este oferecerá representação, designará proferindo decisão.
outro membro do Ministério Público para apresentá-la, ou § 2º Sendo o fato grave, passível de aplicação de medida
ratificará o arquivamento ou a remissão, que só então estará de internação ou colocação em regime de semiliberdade,
a autoridade judiciária obrigada a homologar. a autoridade judiciária, verificando que o adolescente
não possui advogado constituído, nomeará defensor,
Art. 182. Se, por qualquer razão, o representante designando, desde logo, audiência em continuação,
do Ministério Público não promover o arquivamento ou podendo determinar a realização de diligências e estudo
conceder a remissão, oferecerá representação à autoridade do caso.
judiciária, propondo a instauração de procedimento para § 3º O advogado constituído ou o defensor nomeado,
aplicação da medida sócio-educativa que se afigurar a mais no prazo de três dias contado da audiência de apresentação,
adequada. oferecerá defesa prévia e rol de testemunhas.
§ 1º A representação será oferecida por petição, que § 4º Na audiência em continuação, ouvidas as
conterá o breve resumo dos fatos e a classificação do ato testemunhas arroladas na representação e na defesa prévia,
infracional e, quando necessário, o rol de testemunhas, cumpridas as diligências e juntado o relatório da equipe
podendo ser deduzida oralmente, em sessão diária instalada interprofissional, será dada a palavra ao representante
pela autoridade judiciária. do Ministério Público e ao defensor, sucessivamente,
§ 2º A representação independe de prova pré-constituída pelo tempo de vinte minutos para cada um, prorrogável
da autoria e materialidade. por mais dez, a critério da autoridade judiciária, que em
seguida proferirá decisão.

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 187. Se o adolescente, devidamente notificado, não § 1º A autoridade judicial e o Ministério Público poderão
comparecer, injustificadamente à audiência de apresentação, requisitar relatórios parciais da operação de infiltração antes
a autoridade judiciária designará nova data, determinando do término do prazo de que trata o inciso II do § 1º deste
sua condução coercitiva. artigo. (Incluído pela Lei nº 13.441, de 2017)
§ 2º Para efeitos do disposto no inciso I do § 1º deste
Art. 188. A remissão, como forma de extinção ou artigo, consideram-se: (Incluído pela Lei nº 13.441, de 2017)
suspensão do processo, poderá ser aplicada em qualquer I – dados de conexão: informações referentes a hora, data,
fase do procedimento, antes da sentença. início, término, duração, endereço de Protocolo de Internet (IP)
utilizado e terminal de origem da conexão; (Incluído pela Lei nº
Art. 189. A autoridade judiciária não aplicará qualquer 13.441, de 2017)
medida, desde que reconheça na sentença: II – dados cadastrais: informações referentes a nome e
I - estar provada a inexistência do fato; endereço de assinante ou de usuário registrado ou autenticado
II - não haver prova da existência do fato; para a conexão a quem endereço de IP, identificação de usuário
III - não constituir o fato ato infracional; ou código de acesso tenha sido atribuído no momento da
IV - não existir prova de ter o adolescente concorrido conexão.
para o ato infracional. § 3º A infiltração de agentes de polícia na internet não
Parágrafo único. Na hipótese deste artigo, estando o será admitida se a prova puder ser obtida por outros meios.
adolescente internado, será imediatamente colocado em (Incluído pela Lei nº 13.441, de 2017)
liberdade.
Art. 190-B. As informações da operação de infiltração
Art. 190. A intimação da sentença que aplicar medida de serão encaminhadas diretamente ao juiz responsável pela
internação ou regime de semiliberdade será feita: autorização da medida, que zelará por seu sigilo. (Incluído pela
I - ao adolescente e ao seu defensor; Lei nº 13.441, de 2017)
II - quando não for encontrado o adolescente, a seus Parágrafo único. Antes da conclusão da operação, o
acesso aos autos será reservado ao juiz, ao Ministério Público
pais ou responsável, sem prejuízo do defensor.
e ao delegado de polícia responsável pela operação, com o
§ 1º Sendo outra a medida aplicada, a intimação far-se-á
objetivo de garantir o sigilo das investigações. (Incluído pela
unicamente na pessoa do defensor.
Lei nº 13.441, de 2017)
§ 2º Recaindo a intimação na pessoa do adolescente,
deverá este manifestar se deseja ou não recorrer da sentença.
Art. 190-C. Não comete crime o policial que oculta a sua
identidade para, por meio da internet, colher indícios de autoria
Seção V-A
e materialidade dos crimes previstos nos arts. 240, 241, 241-A,
(Incluído pela Lei nº 13.441, de 2017) 241-B, 241-C e 241-D desta Lei e nos arts. 154-A, 217-A, 218,
218-A e 218-B do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
Da Infiltração de Agentes de Polícia para a Investigação 1940 (Código Penal). (Incluído pela Lei nº 13.441, de 2017)
de Crimes contra a Dignidade Sexual de Criança e de Parágrafo único. O agente policial infiltrado que deixar de
Adolescente” observar a estrita finalidade da investigação responderá pelos
excessos praticados. (Incluído pela Lei nº 13.441, de 2017)
Art. 190-A. A infiltração de agentes de polícia na internet
com o fim de investigar os crimes previstos nos arts. 240, Art. 190-D. Os órgãos de registro e cadastro público
241, 241-A, 241-B, 241-C e 241-D desta Lei e nos arts. 154-A, poderão incluir nos bancos de dados próprios, mediante
217-A, 218, 218-A e 218-B do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de procedimento sigiloso e requisição da autoridade judicial, as
dezembro de 1940 (Código Penal), obedecerá às seguintes informações necessárias à efetividade da identidade fictícia
regras: (Incluído pela Lei nº 13.441, de 2017) criada. (Incluído pela Lei nº 13.441, de 2017)
I – será precedida de autorização judicial devidamente Parágrafo único. O procedimento sigiloso de que trata
circunstanciada e fundamentada, que estabelecerá os limites esta Seção será numerado e tombado em livro específico.
da infiltração para obtenção de prova, ouvido o Ministério (Incluído pela Lei nº 13.441, de 2017)
Público; (Incluído pela Lei nº 13.441, de 2017)
II – dar-se-á mediante requerimento do Ministério Art. 190-E. Concluída a investigação, todos os atos
Público ou representação de delegado de polícia e conterá eletrônicos praticados durante a operação deverão ser
a demonstração de sua necessidade, o alcance das tarefas registrados, gravados, armazenados e encaminhados ao
dos policiais, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas juiz e ao Ministério Público, juntamente com relatório
e, quando possível, os dados de conexão ou cadastrais que circunstanciado. (Incluído pela Lei nº 13.441, de 2017)
permitam a identificação dessas pessoas; (Incluído pela Lei Parágrafo único. Os atos eletrônicos registrados citados
nº 13.441, de 2017) no caput deste artigo serão reunidos em autos apartados e
III – não poderá exceder o prazo de 90 (noventa) dias, apensados ao processo criminal juntamente com o inquérito
sem prejuízo de eventuais renovações, desde que o total não policial, assegurando-se a preservação da identidade do
exceda a 720 (setecentos e vinte) dias e seja demonstrada agente policial infiltrado e a intimidade das crianças e dos
sua efetiva necessidade, a critério da autoridade judicial. adolescentes envolvidos. (Incluído pela Lei nº 13.441, de 2017)
(Incluído pela Lei nº 13.441, de 2017)

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Seção VI II - por oficial de justiça ou funcionário legalmente


Da Apuração de Irregularidades em Entidade de habilitado, que entregará cópia do auto ou da representação
Atendimento ao requerido, ou a seu representante legal, lavrando
certidão;
Art. 191. O procedimento de apuração de III - por via postal, com aviso de recebimento, se não
irregularidades em entidade governamental e não- for encontrado o requerido ou seu representante legal;
governamental terá início mediante portaria da autoridade IV - por edital, com prazo de trinta dias, se incerto
judiciária ou representação do Ministério Público ou do ou não sabido o paradeiro do requerido ou de seu
Conselho Tutelar, onde conste, necessariamente, resumo representante legal.
dos fatos. Art. 196. Não sendo apresentada a defesa no prazo
Parágrafo único. Havendo motivo grave, poderá a legal, a autoridade judiciária dará vista dos autos do
autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público, decretar Ministério Público, por cinco dias, decidindo em igual
liminarmente o afastamento provisório do dirigente da prazo.
entidade, mediante decisão fundamentada.
Art. 197. Apresentada a defesa, a autoridade judiciária
Art. 192. O dirigente da entidade será citado para, procederá na conformidade do artigo anterior, ou, sendo
no prazo de dez dias, oferecer resposta escrita, podendo necessário, designará audiência de instrução e julgamento.
juntar documentos e indicar as provas a produzir. Parágrafo único. Colhida a prova oral, manifestar-se-
ão sucessivamente o Ministério Público e o procurador
Art. 193. Apresentada ou não a resposta, e sendo do requerido, pelo tempo de vinte minutos para cada um,
necessário, a autoridade judiciária designará audiência de prorrogável por mais dez, a critério da autoridade judiciária,
instrução e julgamento, intimando as partes. que em seguida proferirá sentença.
§ 1º Salvo manifestação em audiência, as partes e o
Ministério Público terão cinco dias para oferecer alegações Seção VIII
finais, decidindo a autoridade judiciária em igual prazo. Da Habilitação de Pretendentes à Adoção
§ 2º Em se tratando de afastamento provisório ou
definitivo de dirigente de entidade governamental, a Art. 197-A. Os postulantes à adoção, domiciliados no
autoridade judiciária oficiará à autoridade administrativa Brasil, apresentarão petição inicial na qual conste:
imediatamente superior ao afastado, marcando prazo para I - qualificação completa;
a substituição. II - dados familiares;
§ 3º Antes de aplicar qualquer das medidas, a III - cópias autenticadas de certidão de nascimento
autoridade judiciária poderá fixar prazo para a remoção ou casamento, ou declaração relativa ao período de união
das irregularidades verificadas. Satisfeitas as exigências, o estável;
processo será extinto, sem julgamento de mérito. IV - cópias da cédula de identidade e inscrição no
§ 4º A multa e a advertência serão impostas ao dirigente Cadastro de Pessoas Físicas;
da entidade ou programa de atendimento. V - comprovante de renda e domicílio;
VI - atestados de sanidade física e mental;
Seção VII VII - certidão de antecedentes criminais;
Da Apuração de Infração Administrativa às Normas VIII - certidão negativa de distribuição cível.
de Proteção à Criança e ao Adolescente
Art. 197-B. A autoridade judiciária, no prazo de 48
Art. 194. O procedimento para imposição de penalidade (quarenta e oito) horas, dará vista dos autos ao Ministério
administrativa por infração às normas de proteção à Público, que no prazo de 5 (cinco) dias poderá:
criança e ao adolescente terá início por representação I - apresentar quesitos a serem respondidos pela
do Ministério Público, ou do Conselho Tutelar, ou auto equipe interprofissional encarregada de elaborar o estudo
de infração elaborado por servidor efetivo ou voluntário técnico a que se refere o art. 197-C desta Lei;
credenciado, e assinado por duas testemunhas, se possível. II - requerer a designação de audiência para oitiva dos
§ 1º No procedimento iniciado com o auto de infração, postulantes em juízo e testemunhas;
poderão ser usadas fórmulas impressas, especificando-se a III - requerer a juntada de documentos complementares
natureza e as circunstâncias da infração. e a realização de outras diligências que entender
§ 2º Sempre que possível, à verificação da infração necessárias.
seguir-se-á a lavratura do auto, certificando-se, em caso
contrário, dos motivos do retardamento. Art. 197-C. Intervirá no feito, obrigatoriamente,
equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e
Art. 195. O requerido terá prazo de dez dias para da Juventude, que deverá elaborar estudo psicossocial,
apresentação de defesa, contado da data da intimação, que conterá subsídios que permitam aferir a capacidade
que será feita: e o preparo dos postulantes para o exercício de uma
I - pelo autuante, no próprio auto, quando este for paternidade ou maternidade responsável, à luz dos
lavrado na presença do requerido; requisitos e princípios desta Lei.

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 1º É obrigatória a participação dos postulantes em § 4º Após 3 (três) recusas injustificadas, pelo habilitado,
programa oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude, à adoção de crianças ou adolescentes indicados dentro
preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis do perfil escolhido, haverá reavaliação da habilitação
pela execução da política municipal de garantia do direito concedida. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
à convivência familiar e dos grupos de apoio à adoção § 5º A desistência do pretendente em relação à guarda
devidamente habilitados perante a Justiça da Infância e da para fins de adoção ou a devolução da criança ou do
Juventude, que inclua preparação psicológica, orientação adolescente depois do trânsito em julgado da sentença de
e estímulo à adoção inter-racial, de crianças ou de adoção importará na sua exclusão dos cadastros de adoção
adolescentes com deficiência, com doenças crônicas ou (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
com necessidades específicas de saúde, e de grupos de
irmãos. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017) Art. 197-F. O prazo máximo para conclusão da
§ 2º Sempre que possível e recomendável, a etapa habilitação à adoção será de 120 (cento e vinte) dias,
obrigatória da preparação referida no § 1o deste artigo prorrogável por igual período, mediante decisão
incluirá o contato com crianças e adolescentes em regime fundamentada da autoridade judiciária. (Incluído pela Lei
de acolhimento familiar ou institucional, a ser realizado nº 13.509, de 2017)
sob orientação, supervisão e avaliação da equipe técnica
da Justiça da Infância e da Juventude e dos grupos de Capítulo IV
apoio à adoção, com apoio dos técnicos responsáveis pelo Dos Recursos
programa de acolhimento familiar e institucional e pela
execução da política municipal de garantia do direito à Art. 198. Nos procedimentos afetos à Justiça da
convivência familiar. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução
2017) das medidas socioeducativas, adotar-se-á o sistema
§ 3º É recomendável que as crianças e os adolescentes recursal da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código
acolhidos institucionalmente ou por família acolhedora de Processo Civil), com as seguintes adaptações:
sejam preparados por equipe interprofissional antes da I - os recursos serão interpostos independentemente
inclusão em família adotiva. (Incluído pela Lei nº 13.509, de preparo;
de 2017) II - em todos os recursos, salvo nos embargos de
declaração, o prazo para o Ministério Público e para a
Art. 197-D. Certificada nos autos a conclusão da defesa será sempre de 10 (dez) dias;
participação no programa referido no art. 197-C desta Lei, III - os recursos terão preferência de julgamento e
a autoridade judiciária, no prazo de 48 (quarenta e oito) dispensarão revisor;
horas, decidirá acerca das diligências requeridas pelo IV - Revogado
Ministério Público e determinará a juntada do estudo V - Revogado
psicossocial, designando, conforme o caso, audiência de VI - Revogado
instrução e julgamento. VII - antes de determinar a remessa dos autos à superior
Parágrafo único. Caso não sejam requeridas diligências, instância, no caso de apelação, ou do instrumento, no
ou sendo essas indeferidas, a autoridade judiciária caso de agravo, a autoridade judiciária proferirá despacho
determinará a juntada do estudo psicossocial, abrindo a fundamentado, mantendo ou reformando a decisão, no
seguir vista dos autos ao Ministério Público, por 5 (cinco) prazo de cinco dias;
dias, decidindo em igual prazo. VIII - mantida a decisão apelada ou agravada, o escrivão
remeterá os autos ou o instrumento à superior instância
Art. 197-E. Deferida a habilitação, o postulante será dentro de vinte e quatro horas, independentemente de
inscrito nos cadastros referidos no art. 50 desta Lei, sendo a novo pedido do recorrente; se a reformar, a remessa dos
sua convocação para a adoção feita de acordo com ordem autos dependerá de pedido expresso da parte interessada
cronológica de habilitação e conforme a disponibilidade de ou do Ministério Público, no prazo de cinco dias, contados
crianças ou adolescentes adotáveis. da intimação.
§ 1º A ordem cronológica das habilitações somente
poderá deixar de ser observada pela autoridade judiciária Art. 199. Contra as decisões proferidas com base no
nas hipóteses previstas no § 13 do art. 50 desta Lei, quando art. 149 caberá recurso de apelação.
comprovado ser essa a melhor solução no interesse do
adotando. Art. 199-A. A sentença que deferir a adoção produz
§ 2º A habilitação à adoção deverá ser renovada no efeito desde logo, embora sujeita a apelação, que será
mínimo trienalmente mediante avaliação por equipe recebida exclusivamente no efeito devolutivo, salvo se se
interprofissional. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de tratar de adoção internacional ou se houver perigo de dano
2017) irreparável ou de difícil reparação ao adotando
§ 3º Quando o adotante candidatar-se a uma nova
adoção, será dispensável a renovação da habilitação, Art. 199-B. A sentença que destituir ambos ou qualquer
bastando a avaliação por equipe interprofissional. (Incluído dos genitores do poder familiar fica sujeita a apelação, que
pela Lei nº 13.509, de 2017) deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo.

61
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 199-C. Os recursos nos procedimentos de VII - instaurar sindicâncias, requisitar diligências
adoção e de destituição de poder familiar, em face da investigatórias e determinar a instauração de inquérito
relevância das questões, serão processados com prioridade policial, para apuração de ilícitos ou infrações às normas de
absoluta, devendo ser imediatamente distribuídos, ficando proteção à infância e à juventude;
vedado que aguardem, em qualquer situação, oportuna VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias
distribuição, e serão colocados em mesa para julgamento legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo
sem revisão e com parecer urgente do Ministério Público. as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis;
IX - impetrar mandado de segurança, de injunção e
Art. 199-D. O relator deverá colocar o processo em habeas corpus, em qualquer juízo, instância ou tribunal,
mesa para julgamento no prazo máximo de 60 (sessenta) na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis
dias, contado da sua conclusão. afetos à criança e ao adolescente;
Parágrafo único. O Ministério Público será intimado X - representar ao juízo visando à aplicação de
da data do julgamento e poderá na sessão, se entender penalidade por infrações cometidas contra as normas
necessário, apresentar oralmente seu parecer. de proteção à infância e à juventude, sem prejuízo da
promoção da responsabilidade civil e penal do infrator,
Art. 199-E. O Ministério Público poderá requerer quando cabível;
a instauração de procedimento para apuração de XI - inspecionar as entidades públicas e particulares
responsabilidades se constatar o descumprimento das de atendimento e os programas de que trata esta Lei,
providências e do prazo previstos nos artigos anteriores. adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais
necessárias à remoção de irregularidades porventura
Capítulo V verificadas;
Do Ministério Público XII - requisitar força policial, bem como a colaboração
dos serviços médicos, hospitalares, educacionais e de
Art. 200. As funções do Ministério Público previstas assistência social, públicos ou privados, para o desempenho
nesta Lei serão exercidas nos termos da respectiva lei de suas atribuições.
orgânica. § 1º A legitimação do Ministério Público para as ações
cíveis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas
Art. 201. Compete ao Ministério Público: mesmas hipóteses, segundo dispuserem a Constituição e
I - conceder a remissão como forma de exclusão do esta Lei.
processo; § 2º As atribuições constantes deste artigo não
II - promover e acompanhar os procedimentos relativos excluem outras, desde que compatíveis com a finalidade
às infrações atribuídas a adolescentes; do Ministério Público.
III - promover e acompanhar as ações de alimentos e § 3º O representante do Ministério Público, no exercício
os procedimentos de suspensão e destituição do poder de suas funções, terá livre acesso a todo local onde se
familiar, nomeação e remoção de tutores, curadores encontre criança ou adolescente.
e guardiães, bem como oficiar em todos os demais § 4º O representante do Ministério Público será
procedimentos da competência da Justiça da Infância e da responsável pelo uso indevido das informações e
Juventude; documentos que requisitar, nas hipóteses legais de sigilo.
IV - promover, de ofício ou por solicitação dos § 5º Para o exercício da atribuição de que trata o inciso
interessados, a especialização e a inscrição de hipoteca legal VIII deste artigo, poderá o representante do Ministério
e a prestação de contas dos tutores, curadores e quaisquer Público:
administradores de bens de crianças e adolescentes nas a) reduzir a termo as declarações do reclamante,
hipóteses do art. 98; instaurando o competente procedimento, sob sua
V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para presidência;
a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos b) entender-se diretamente com a pessoa ou autoridade
relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos reclamada, em dia, local e horário previamente notificados
no art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal; ou acertados;
VI - instaurar procedimentos administrativos e, para c) efetuar recomendações visando à melhoria dos
instruí-los: serviços públicos e de relevância pública afetos à criança
a) expedir notificações para colher depoimentos e ao adolescente, fixando prazo razoável para sua perfeita
ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento adequação.
injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela
polícia civil ou militar; Art. 202. Nos processos e procedimentos em que não
b) requisitar informações, exames, perícias e for parte, atuará obrigatoriamente o Ministério Público
documentos de autoridades municipais, estaduais e na defesa dos direitos e interesses de que cuida esta Lei,
federais, da administração direta ou indireta, bem como hipótese em que terá vista dos autos depois das partes,
promover inspeções e diligências investigatórias; podendo juntar documentos e requerer diligências, usando
c) requisitar informações e documentos a particulares os recursos cabíveis.
e instituições privadas;

62
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 203. A intimação do Ministério Público, em VII - de acesso às ações e serviços de saúde;
qualquer caso, será feita pessoalmente. VIII - de escolarização e profissionalização dos
adolescentes privados de liberdade.
Art. 204. A falta de intervenção do Ministério Público IX - de ações, serviços e programas de orientação, apoio
acarreta a nulidade do feito, que será declarada de ofício e promoção social de famílias e destinados ao pleno exercício
pelo juiz ou a requerimento de qualquer interessado. do direito à convivência familiar por crianças e adolescentes.
X - de programas de atendimento para a execução
Art. 205. As manifestações processuais do representante das medidas socioeducativas e aplicação de medidas de
do Ministério Público deverão ser fundamentadas. proteção.
§ 1º As hipóteses previstas neste artigo não excluem da
Capítulo VI proteção judicial outros interesses individuais, difusos ou
Do Advogado coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos
pela Constituição e pela Lei.
Art. 206. A criança ou o adolescente, seus pais ou § 2º A investigação do desaparecimento de crianças ou
responsável, e qualquer pessoa que tenha legítimo interesse adolescentes será realizada imediatamente após notificação
na solução da lide poderão intervir nos procedimentos de aos órgãos competentes, que deverão comunicar o fato
que trata esta Lei, através de advogado, o qual será intimado aos portos, aeroportos, Polícia Rodoviária e companhias de
para todos os atos, pessoalmente ou por publicação oficial, transporte interestaduais e internacionais, fornecendo-lhes
respeitado o segredo de justiça. todos os dados necessários à identificação do desaparecido.
Parágrafo único. Será prestada assistência judiciária
integral e gratuita àqueles que dela necessitarem. Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão
propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer
Art. 207. Nenhum adolescente a quem se atribua a a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta
prática de ato infracional, ainda que ausente ou foragido, para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça
será processado sem defensor.
Federal e a competência originária dos tribunais superiores.
§ 1º Se o adolescente não tiver defensor, ser-lhe-á
nomeado pelo juiz, ressalvado o direito de, a todo tempo,
Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses
constituir outro de sua preferência.
coletivos ou difusos, consideram-se legitimados
§ 2º A ausência do defensor não determinará o
concorrentemente:
adiamento de nenhum ato do processo, devendo o juiz
I - o Ministério Público;
nomear substituto, ainda que provisoriamente, ou para o
II - a União, os estados, os municípios, o Distrito Federal
só efeito do ato.
§ 3º Será dispensada a outorga de mandato, quando e os territórios;
se tratar de defensor nomeado ou, sido constituído, tiver III - as associações legalmente constituídas há pelo
sido indicado por ocasião de ato formal com a presença da menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais
autoridade judiciária. a defesa dos interesses e direitos protegidos por esta Lei,
dispensada a autorização da assembleia, se houver prévia
Capítulo VII autorização estatutária.
Da Proteção Judicial dos Interesses Individuais, § 1º Admitir-se-á litisconsórcio facultativo entre os
Difusos e Coletivos Ministérios Públicos da União e dos estados na defesa dos
interesses e direitos de que cuida esta Lei.
Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações § 2º Em caso de desistência ou abandono da ação
de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à por associação legitimada, o Ministério Público ou outro
criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento legitimado poderá assumir a titularidade ativa.
ou oferta irregular:
I - do ensino obrigatório; Art. 211. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar
II - de atendimento educacional especializado aos dos interessados compromisso de ajustamento de sua
portadores de deficiência; conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título
III – de atendimento em creche e pré-escola às crianças executivo extrajudicial.
de zero a cinco anos de idade; (Redação dada pela Lei nº
13.306, de 2016) Art. 212. Para defesa dos direitos e interesses protegidos
IV - de ensino noturno regular, adequado às condições por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de ações
do educando; pertinentes.
V - de programas suplementares de oferta de material § 1º Aplicam-se às ações previstas neste Capítulo as
didático-escolar, transporte e assistência à saúde do normas do Código de Processo Civil.
educando do ensino fundamental; § 2º Contra atos ilegais ou abusivos de autoridade pública
VI - de serviço de assistência social visando à proteção ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do
à família, à maternidade, à infância e à adolescência, bem poder público, que lesem direito líquido e certo previsto
como ao amparo às crianças e adolescentes que dele nesta Lei, caberá ação mandamental, que se regerá pelas
necessitem; normas da lei do mandado de segurança.

63
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento Art. 220. Qualquer pessoa poderá e o servidor público
de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, prestando-
tutela específica da obrigação ou determinará providências lhe informações sobre fatos que constituam objeto de ação
que assegurem o resultado prático equivalente ao do civil, e indicando-lhe os elementos de convicção.
adimplemento.
§ 1º Sendo relevante o fundamento da demanda e Art. 221. Se, no exercício de suas funções, os juízos e
havendo justificado receio de ineficácia do provimento tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar
final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após a propositura de ação civil, remeterão peças ao Ministério
justificação prévia, citando o réu. Público para as providências cabíveis.
§ 2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou
na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente Art. 222. Para instruir a petição inicial, o interessado
de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a poderá requerer às autoridades competentes as certidões e
informações que julgar necessárias, que serão fornecidas no
obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do
prazo de quinze dias.
preceito.
§ 3º A multa só será exigível do réu após o trânsito
Art. 223. O Ministério Público poderá instaurar, sob sua
em julgado da sentença favorável ao autor, mas será presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer pessoa,
devida desde o dia em que se houver configurado o organismo público ou particular, certidões, informações,
descumprimento. exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá
ser inferior a dez dias úteis.
Art. 214. Os valores das multas reverterão ao fundo § 1º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as
gerido pelo Conselho dos Direitos da Criança e do diligências, se convencer da inexistência de fundamento para
Adolescente do respectivo município. a propositura da ação cível, promoverá o arquivamento dos
§ 1º As multas não recolhidas até trinta dias após o autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o
trânsito em julgado da decisão serão exigidas através de fundamentadamente.
execução promovida pelo Ministério Público, nos mesmos § 2º Os autos do inquérito civil ou as peças de informação
autos, facultada igual iniciativa aos demais legitimados. arquivados serão remetidos, sob pena de se incorrer em
§ 2º Enquanto o fundo não for regulamentado, o falta grave, no prazo de três dias, ao Conselho Superior do
dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de Ministério Público.
crédito, em conta com correção monetária. § 3º Até que seja homologada ou rejeitada a promoção de
arquivamento, em sessão do Conselho Superior do Ministério
Art. 215. O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos público, poderão as associações legitimadas apresentar
recursos, para evitar dano irreparável à parte. razões escritas ou documentos, que serão juntados aos autos
do inquérito ou anexados às peças de informação.
Art. 216. Transitada em julgado a sentença que impuser § 4º A promoção de arquivamento será submetida a
condenação ao poder público, o juiz determinará a remessa exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério
de peças à autoridade competente, para apuração da Público, conforme dispuser o seu regimento.
responsabilidade civil e administrativa do agente a que se § 5º Deixando o Conselho Superior de homologar a
atribua a ação ou omissão. promoção de arquivamento, designará, desde logo, outro
órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação.
Art. 217. Decorridos sessenta dias do trânsito em
Art. 224. Aplicam-se subsidiariamente, no que couber, as
julgado da sentença condenatória sem que a associação
disposições da Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985.
autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério
Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados. Título VII
Dos Crimes e Das Infrações Administrativas
Art. 218. O juiz condenará a associação autora a Capítulo I
pagar ao réu os honorários advocatícios arbitrados na Dos Crimes
conformidade do § 4º do art. 20 da Lei n.º 5.869, de 11 Seção I
de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), quando Disposições Gerais
reconhecer que a pretensão é manifestamente infundada.
Parágrafo único. Em caso de litigância de má-fé, Art. 225. Este Capítulo dispõe sobre crimes praticados
a associação autora e os diretores responsáveis pela contra a criança e o adolescente, por ação ou omissão, sem
propositura da ação serão solidariamente condenados ao prejuízo do disposto na legislação penal.
décuplo das custas, sem prejuízo de responsabilidade por
perdas e danos. Art. 226. Aplicam-se aos crimes definidos nesta Lei
as normas da Parte Geral do Código Penal e, quanto ao
Art. 219. Nas ações de que trata este Capítulo, não processo, as pertinentes ao Código de Processo Penal.
haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários
periciais e quaisquer outras despesas. Art. 227. Os crimes definidos nesta Lei são de ação
pública incondicionada

64
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Seção II Art. 237. Subtrair criança ou adolescente ao poder de


Dos Crimes em Espécie quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem
judicial, com o fim de colocação em lar substituto:
Art. 228. Deixar o encarregado de serviço ou o dirigente Pena - reclusão de dois a seis anos, e multa.
de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de
manter registro das atividades desenvolvidas, na forma e Art. 238. Prometer ou efetivar a entrega de filho ou
prazo referidos no art. 10 desta Lei, bem como de fornecer pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa:
à parturiente ou a seu responsável, por ocasião da alta Pena - reclusão de um a quatro anos, e multa.
médica, declaração de nascimento, onde constem as Parágrafo único. Incide nas mesmas penas quem
intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato: oferece ou efetiva a paga ou recompensa.
Pena - detenção de seis meses a dois anos.
Parágrafo único. Se o crime é culposo: Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato
Pena - detenção de dois a seis meses, ou multa. destinado ao envio de criança ou adolescente para o
exterior com inobservância das formalidades legais ou com
Art. 229. Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente o fito de obter lucro:
de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa.
identificar corretamente o neonato e a parturiente, por Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave
ocasião do parto, bem como deixar de proceder aos ameaça ou fraude:
exames referidos no art. 10 desta Lei: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena
Pena - detenção de seis meses a dois anos. correspondente à violência.
Parágrafo único. Se o crime é culposo:
Pena - detenção de dois a seis meses, ou multa. Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar
ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou
Art. 230. Privar a criança ou o adolescente de sua pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:
liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da § 1º Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita,
autoridade judiciária competente: recruta, coage, ou de qualquer modo intermedeia a
Pena - detenção de seis meses a dois anos. participação de criança ou adolescente nas cenas referidas
Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena.
procede à apreensão sem observância das formalidades § 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente
legais. comete o crime:
I – no exercício de cargo ou função pública ou a
Art. 231. Deixar a autoridade policial responsável pela pretexto de exercê-la;
apreensão de criança ou adolescente de fazer imediata II – prevalecendo-se de relações domésticas, de
comunicação à autoridade judiciária competente e à família coabitação ou de hospitalidade; ou
do apreendido ou à pessoa por ele indicada: III – prevalecendo-se de relações de parentesco
Pena - detenção de seis meses a dois anos. consanguíneo ou afim até o terceiro grau, ou por adoção,
de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou de
Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela,
sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a ou com seu consentimento.
constrangimento:
Pena - detenção de seis meses a dois anos. Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo
ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou
Art. 233. Revogado pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Art. 234. Deixar a autoridade competente, sem justa
causa, de ordenar a imediata liberação de criança ou Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir,
adolescente, tão logo tenha conhecimento da ilegalidade distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive
da apreensão: por meio de sistema de informática ou telemático,
Pena - detenção de seis meses a dois anos. fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena
de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou
Art. 235. Descumprir, injustificadamente, prazo fixado adolescente:
nesta Lei em benefício de adolescente privado de liberdade: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Pena - detenção de seis meses a dois anos. § 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento
Art. 236. Impedir ou embaraçar a ação de autoridade das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput
judiciária, membro do Conselho Tutelar ou representante deste artigo;
do Ministério Público no exercício de função prevista nesta II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de
Lei: computadores às fotografias, cenas ou imagens de que
Pena - detenção de seis meses a dois anos. trata o caput deste artigo.

65
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 2º As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1o Art. 242. Vender, fornecer ainda que gratuitamente ou
deste artigo são puníveis quando o responsável legal pela entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente arma,
prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de munição ou explosivo:
desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos.
deste artigo.
Art. 243. Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar,
Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou
qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros
que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica produtos cujos componentes possam causar dependência
envolvendo criança ou adolescente: física ou psíquica: (Redação dada pela Lei nº 13.106, de 2015)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Pena - detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se
§ 1º A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se o fato não constitui crime mais grave. (Redação dada
de pequena quantidade o material a que se refere o caput pela Lei nº 13.106, de 2015)
deste artigo.
§ 2º Não há crime se a posse ou o armazenamento tem Art. 244. Vender, fornecer ainda que gratuitamente ou
a finalidade de comunicar às autoridades competentes a entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente fogos
ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241, 241-A de estampido ou de artifício, exceto aqueles que, pelo seu
e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por: reduzido potencial, sejam incapazes de provocar qualquer
I – agente público no exercício de suas funções; dano físico em caso de utilização indevida:
II – membro de entidade, legalmente constituída, que Pena - detenção de seis meses a dois anos, e multa.
inclua, entre suas finalidades institucionais, o recebimento,
o processamento e o encaminhamento de notícia dos Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais
crimes referidos neste parágrafo; definidos no caput do art. 2o desta Lei, à prostituição ou à
III – representante legal e funcionários responsáveis de exploração sexual:
provedor de acesso ou serviço prestado por meio de rede Pena – reclusão de quatro a dez anos e multa, além da
de computadores, até o recebimento do material relativo à perda de bens e valores utilizados na prática criminosa em
notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou favor do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente da
ao Poder Judiciário. unidade da Federação (Estado ou Distrito Federal) em que foi
§ 3º As pessoas referidas no § 2o deste artigo deverão cometido o crime, ressalvado o direito de terceiro de boa-fé.
manter sob sigilo o material ilícito referido. (Redação dada pela Lei nº 13.440, de 2017)
§ 1º Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o
Art. 241-C. Simular a participação de criança ou gerente ou o responsável pelo local em que se verifique a
adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica submissão de criança ou adolescente às práticas referidas no
por meio de adulteração, montagem ou modificação de caput deste artigo.
fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação § 2º Constitui efeito obrigatório da condenação a
visual: cassação da licença de localização e de funcionamento do
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. estabelecimento.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem
vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor
divulga por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou
material produzido na forma do caput deste artigo. induzindo-o a praticá-la:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, § 1º Incorre nas penas previstas no caput deste artigo
por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de quem pratica as condutas ali tipificadas utilizando-se de
com ela praticar ato libidinoso: quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. internet.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: § 2º As penas previstas no caput deste artigo são
I – facilita ou induz o acesso à criança de material aumentadas de um terço no caso de a infração cometida ou
contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o induzida estar incluída no rol do art. 1o da Lei no 8.072, de 25
fim de com ela praticar ato libidinoso; de julho de 1990. Capítulo II
II – pratica as condutas descritas no caput deste
artigo com o fim de induzir criança a se exibir de forma Das Infrações Administrativas
pornográfica ou sexualmente explícita.
Art. 245. Deixar o médico, professor ou responsável por
Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental,
Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente
compreende qualquer situação que envolva criança ou os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou
adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente:
simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança Pena - multa de três a vinte salários de referência,
ou adolescente para fins primordialmente sexuais aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

66
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 246. Impedir o responsável ou funcionário de Art. 252. Deixar o responsável por diversão ou
entidade de atendimento o exercício dos direitos constantes espetáculo público de afixar, em lugar visível e de fácil
nos incisos II, III, VII, VIII e XI do art. 124 desta Lei: acesso, à entrada do local de exibição, informação
Pena - multa de três a vinte salários de referência, destacada sobre a natureza da diversão ou espetáculo e
aplicando-se o dobro em caso de reincidência. a faixa etária especificada no certificado de classificação:
Pena - multa de três a vinte salários de referência,
Art. 247. Divulgar, total ou parcialmente, sem aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
autorização devida, por qualquer meio de comunicação,
nome, ato ou documento de procedimento policial, Art. 253. Anunciar peças teatrais, filmes ou quaisquer
administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente representações ou espetáculos, sem indicar os limites de
a que se atribua ato infracional: idade a que não se recomendem:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, Pena - multa de três a vinte salários de referência,
aplicando-se o dobro em caso de reincidência. duplicada em caso de reincidência, aplicável,
§ 1º Incorre na mesma pena quem exibe, total ou separadamente, à casa de espetáculo e aos órgãos de
parcialmente, fotografia de criança ou adolescente divulgação ou publicidade.
envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe
diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão,
forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente. espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso
§ 2º Se o fato for praticado por órgão de imprensa de sua classificação:
ou emissora de rádio ou televisão, além da pena prevista Pena - multa de vinte a cem salários de referência;
neste artigo, a autoridade judiciária poderá determinar a duplicada em caso de reincidência a autoridade judiciária
apreensão da publicação ou a suspensão da programação poderá determinar a suspensão da programação da
da emissora até por dois dias, bem como da publicação do emissora por até dois dias.
periódico até por dois números.
Art. 255. Exibir filme, trailer, peça, amostra ou congênere
Art. 248. Deixar de apresentar à autoridade judiciária classificado pelo órgão competente como inadequado às
de seu domicílio, no prazo de cinco dias, com o fim de crianças ou adolescentes admitidos ao espetáculo:
regularizar a guarda, adolescente trazido de outra comarca Pena - multa de vinte a cem salários de referência; na
para a prestação de serviço doméstico, mesmo que reincidência, a autoridade poderá determinar a suspensão
autorizado pelos pais ou responsável: (Vide Lei nº 13.431, do espetáculo ou o fechamento do estabelecimento por
de 2017) (Vigência) até quinze dias.
Pena - multa de três a vinte salários de referência,
aplicando-se o dobro em caso de reincidência, Art. 256. Vender ou locar a criança ou adolescente
independentemente das despesas de retorno do fita de programação em vídeo, em desacordo com a
adolescente, se for o caso. classificação atribuída pelo órgão competente:
Pena - multa de três a vinte salários de referência;
Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os em caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá
deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de determinar o fechamento do estabelecimento por até
tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade quinze dias.
judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, Art. 257. Descumprir obrigação constante dos arts. 78
aplicando-se o dobro em caso de reincidência. e 79 desta Lei:
Pena - multa de três a vinte salários de referência,
Art. 250. Hospedar criança ou adolescente duplicando-se a pena em caso de reincidência, sem prejuízo
desacompanhado dos pais ou responsável, ou sem de apreensão da revista ou publicação.
autorização escrita desses ou da autoridade judiciária, em
hotel, pensão, motel ou congênere: Art. 258. Deixar o responsável pelo estabelecimento ou
Pena – multa. o empresário de observar o que dispõe esta Lei sobre o
§ 1º Em caso de reincidência, sem prejuízo da pena acesso de criança ou adolescente aos locais de diversão, ou
de multa, a autoridade judiciária poderá determinar o sobre sua participação no espetáculo:
fechamento do estabelecimento por até 15 (quinze) dias. Pena - multa de três a vinte salários de referência;
§ 2º Se comprovada a reincidência em período inferior em caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá
a 30 (trinta) dias, o estabelecimento será definitivamente determinar o fechamento do estabelecimento por até
fechado e terá sua licença cassada. quinze dias.

Art. 251. Transportar criança ou adolescente, por Art. 258-A. Deixar a autoridade competente de
qualquer meio, com inobservância do disposto nos arts. providenciar a instalação e operacionalização dos cadastros
83, 84 e 85 desta Lei: previstos no art. 50 e no § 11 do art. 101 desta Lei:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, Pena - multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 3.000,00
aplicando-se o dobro em caso de reincidência. (três mil reais).

67
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas a autoridade § 2º Os conselhos nacional, estaduais e municipais dos
que deixa de efetuar o cadastramento de crianças e de direitos da criança e do adolescente fixarão critérios de
adolescentes em condições de serem adotadas, de pessoas utilização, por meio de planos de aplicação, das dotações
ou casais habilitados à adoção e de crianças e adolescentes subsidiadas e demais receitas, aplicando necessariamente
em regime de acolhimento institucional ou familiar. percentual para incentivo ao acolhimento, sob a forma
de guarda, de crianças e adolescentes e para programas
Art. 258-B. Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de atenção integral à primeira infância em áreas de maior
de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de carência socioeconômica e em situações de calamidade.
efetuar imediato encaminhamento à autoridade judiciária (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
de caso de que tenha conhecimento de mãe ou gestante § 3º O Departamento da Receita Federal, do Ministério
interessada em entregar seu filho para adoção: da Economia, Fazenda e Planejamento, regulamentará a
Pena - multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 3.000,00
comprovação das doações feitas aos fundos, nos termos
(três mil reais).
deste artigo.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena o funcionário
de programa oficial ou comunitário destinado à garantia § 4º O Ministério Público determinará em cada comarca
do direito à convivência familiar que deixa de efetuar a a forma de fiscalização da aplicação, pelo Fundo Municipal
comunicação referida no caput deste artigo. dos Direitos da Criança e do Adolescente, dos incentivos
fiscais referidos neste artigo.
Art. 258-C. Descumprir a proibição estabelecida no § 5º Observado o disposto no § 4o do art. 3o da Lei no
inciso II do art. 81: (Redação dada pela Lei nº 13.106, de 9.249, de 26 de dezembro de 1995, a dedução de que trata
2015) o inciso I do caput:
Pena - multa de R$ 3.000,00 (três mil reais) a R$ I - será considerada isoladamente, não se submetendo
10.000,00 (dez mil reais); Redação dada pela Lei nº 13.106, a limite em conjunto com outras deduções do imposto; e
de 2015) II - não poderá ser computada como despesa
Medida Administrativa - interdição do estabelecimento operacional na apuração do lucro real.
comercial até o recolhimento da multa aplicada.
(Redação dada pela Lei nº 13.106, de 2015) Art. 260-A. A partir do exercício de 2010, ano-calendário
de 2009, a pessoa física poderá optar pela doação de que
Disposições Finais e Transitórias trata o inciso II do caput do art. 260 diretamente em sua
Declaração de Ajuste Anual.
Art. 259. A União, no prazo de noventa dias contados
§ 1º A doação de que trata o caput poderá ser deduzida
da publicação deste Estatuto, elaborará projeto de lei
até os seguintes percentuais aplicados sobre o imposto
dispondo sobre a criação ou adaptação de seus órgãos às
diretrizes da política de atendimento fixadas no art. 88 e ao apurado na declaração:
que estabelece o Título V do Livro II. I - (VETADO);
Parágrafo único. Compete aos estados e municípios II - (VETADO);
promoverem a adaptação de seus órgãos e programas às III - 3% (três por cento) a partir do exercício de 2012.
diretrizes e princípios estabelecidos nesta Lei. § 2º A dedução de que trata o caput:
I - está sujeita ao limite de 6% (seis por cento) do
Art. 260. Os contribuintes poderão efetuar doações imposto sobre a renda apurado na declaração de que trata
aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente o inciso II do caput do art. 260;
nacional, distrital, estaduais ou municipais, devidamente II - não se aplica à pessoa física que:
comprovadas, sendo essas integralmente deduzidas do a) utilizar o desconto simplificado;
imposto de renda, obedecidos os seguintes limites: b) apresentar declaração em formulário; ou
I - 1% (um por cento) do imposto sobre a renda devido c) entregar a declaração fora do prazo;
apurado pelas pessoas jurídicas tributadas com base no III - só se aplica às doações em espécie; e
lucro real; e IV - não exclui ou reduz outros benefícios ou deduções
II - 6% (seis por cento) do imposto sobre a renda em vigor.
apurado pelas pessoas físicas na Declaração de Ajuste § 3º O pagamento da doação deve ser efetuado até a
Anual, observado o disposto no art. 22 da Lei no 9.532, de
data de vencimento da primeira quota ou quota única do
10 de dezembro de 1997.
imposto, observadas instruções específicas da Secretaria
§ 1º - Revogado
§ 1o-A. Na definição das prioridades a serem atendidas da Receita Federal do Brasil.
com os recursos captados pelos fundos nacional, estaduais § 4º O não pagamento da doação no prazo estabelecido
e municipais dos direitos da criança e do adolescente, no § 3o implica a glosa definitiva desta parcela de dedução,
serão consideradas as disposições do Plano Nacional de ficando a pessoa física obrigada ao recolhimento da
Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e diferença de imposto devido apurado na Declaração
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária e as do de Ajuste Anual com os acréscimos legais previstos na
Plano Nacional pela Primeira Infância. (Redação dada pela legislação.
Lei nº 13.257, de 2016)

68
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 5º A pessoa física poderá deduzir do imposto b) para as pessoas jurídicas, o valor contábil dos bens.
apurado na Declaração de Ajuste Anual as doações Parágrafo único. O preço obtido em caso de leilão
feitas, no respectivo ano-calendário, aos fundos não será considerado na determinação do valor dos bens
controlados pelos Conselhos dos Direitos da Criança e doados, exceto se o leilão for determinado por autoridade
do Adolescente municipais, distrital, estaduais e nacional judiciária.
concomitantemente com a opção de que trata o caput,
respeitado o limite previsto no inciso II do art. 260. Art. 260-F. Os documentos a que se referem os arts.
260-D e 260-E devem ser mantidos pelo contribuinte por
Art. 260-B. A doação de que trata o inciso I do art. 260 um prazo de 5 (cinco) anos para fins de comprovação da
poderá ser deduzida: dedução perante a Receita Federal do Brasil.
I - do imposto devido no trimestre, para as pessoas Art. 260-G. Os órgãos responsáveis pela administração
jurídicas que apuram o imposto trimestralmente; e das contas dos Fundos dos Direitos da Criança e do
II - do imposto devido mensalmente e no ajuste Adolescente nacional, estaduais, distrital e municipais
anual, para as pessoas jurídicas que apuram o imposto devem:
anualmente. I - manter conta bancária específica destinada
Parágrafo único. A doação deverá ser efetuada dentro exclusivamente a gerir os recursos do Fundo;
do período a que se refere a apuração do imposto. II - manter controle das doações recebidas; e
III - informar anualmente à Secretaria da Receita Federal
Art. 260-C. As doações de que trata o art. 260 desta Lei do Brasil as doações recebidas mês a mês, identificando os
podem ser efetuadas em espécie ou em bens. seguintes dados por doador:
Parágrafo único. As doações efetuadas em espécie a) nome, CNPJ ou CPF;
devem ser depositadas em conta específica, em instituição b) valor doado, especificando se a doação foi em
financeira pública, vinculadas aos respectivos fundos de espécie ou em bens.
que trata o art. 260.
Art. 260-H. Em caso de descumprimento das
obrigações previstas no art. 260-G, a Secretaria da Receita
Art. 260-D. Os órgãos responsáveis pela administração
Federal do Brasil dará conhecimento do fato ao Ministério
das contas dos Fundos dos Direitos da Criança e do
Público.
Adolescente nacional, estaduais, distrital e municipais
devem emitir recibo em favor do doador, assinado por
Art. 260-I. Os Conselhos dos Direitos da Criança e
pessoa competente e pelo presidente do Conselho
do Adolescente nacional, estaduais, distrital e municipais
correspondente, especificando:
divulgarão amplamente à comunidade:
I - número de ordem;
I - o calendário de suas reuniões;
II - nome, Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) II - as ações prioritárias para aplicação das políticas de
e endereço do emitente; atendimento à criança e ao adolescente;
III - nome, CNPJ ou Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) III - os requisitos para a apresentação de projetos a
do doador; serem beneficiados com recursos dos Fundos dos Direitos
IV - data da doação e valor efetivamente recebido; e da Criança e do Adolescente nacional, estaduais, distrital
V - ano-calendário a que se refere a doação. ou municipais;
§ 1º O comprovante de que trata o caput deste artigo IV - a relação dos projetos aprovados em cada
pode ser emitido anualmente, desde que discrimine os ano-calendário e o valor dos recursos previstos para
valores doados mês a mês. implementação das ações, por projeto;
§ 2º No caso de doação em bens, o comprovante V - o total dos recursos recebidos e a respectiva
deve conter a identificação dos bens, mediante descrição destinação, por projeto atendido, inclusive com
em campo próprio ou em relação anexa ao comprovante, cadastramento na base de dados do Sistema de Informações
informando também se houve avaliação, o nome, CPF ou sobre a Infância e a Adolescência; e
CNPJ e endereço dos avaliadores. VI - a avaliação dos resultados dos projetos beneficiados
com recursos dos Fundos dos Direitos da Criança e do
Art. 260-E. Na hipótese da doação em bens, o doador Adolescente nacional, estaduais, distrital e municipais.
deverá:
I - comprovar a propriedade dos bens, mediante Art. 260-J. O Ministério Público determinará, em
documentação hábil; cada Comarca, a forma de fiscalização da aplicação dos
II - baixar os bens doados na declaração de bens e incentivos fiscais referidos no art. 260 desta Lei.
direitos, quando se tratar de pessoa física, e na escrituração, Parágrafo único. O descumprimento do disposto nos
no caso de pessoa jurídica; e arts. 260-G e 260-I sujeitará os infratores a responder por
III - considerar como valor dos bens doados: ação judicial proposta pelo Ministério Público, que poderá
a) para as pessoas físicas, o valor constante da última atuar de ofício, a requerimento ou representação de
declaração do imposto de renda, desde que não exceda o qualquer cidadão.
valor de mercado;

69
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 260-K. A Secretaria de Direitos Humanos da Art. 264. O art. 102 da Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro
Presidência da República (SDH/PR) encaminhará à de 1973, fica acrescido do seguinte item:
Secretaria da Receita Federal do Brasil, até 31 de outubro de “Art. 102 ....................................................................
cada ano, arquivo eletrônico contendo a relação atualizada 6º) a perda e a suspensão do pátrio poder. “
dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente
nacional, distrital, estaduais e municipais, com a indicação Art. 265. A Imprensa Nacional e demais gráficas da União, da
dos respectivos números de inscrição no CNPJ e das contas administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e
bancárias específicas mantidas em instituições financeiras mantidas pelo poder público federal promoverão edição popular
públicas, destinadas exclusivamente a gerir os recursos dos do texto integral deste Estatuto, que será posto à disposição das
Fundos. escolas e das entidades de atendimento e de defesa dos direitos
da criança e do adolescente.
Art. 260-L. A Secretaria da Receita Federal do Brasil
expedirá as instruções necessárias à aplicação do disposto Art. 265-A. O poder público fará periodicamente ampla
nos arts. 260 a 260-K. divulgação dos direitos da criança e do adolescente nos meios de
comunicação social. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
Art. 261. A falta dos conselhos municipais dos direitos Parágrafo único. A divulgação a que se refere o caput será
da criança e do adolescente, os registros, inscrições e veiculada em linguagem clara, compreensível e adequada a
alterações a que se referem os arts. 90, parágrafo único, e crianças e adolescentes, especialmente às crianças com idade
91 desta Lei serão efetuados perante a autoridade judiciária inferior a 6 (seis) anos. (Incluído dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
da comarca a que pertencer a entidade.
Parágrafo único. A União fica autorizada a repassar Art. 266. Esta Lei entra em vigor noventa dias após sua
aos estados e municípios, e os estados aos municípios, os publicação.
recursos referentes aos programas e atividades previstos Parágrafo único. Durante o período de vacância deverão
nesta Lei, tão logo estejam criados os conselhos dos direitos ser promovidas atividades e campanhas de divulgação e
da criança e do adolescente nos seus respectivos níveis. esclarecimentos acerca do disposto nesta Lei.

Art. 267. Revogam-se as Leis n.º 4.513, de 1964, e 6.697,


Art. 262. Enquanto não instalados os Conselhos
de 10 de outubro de 1979 (Código de Menores), e as demais
Tutelares, as atribuições a eles conferidas serão exercidas
disposições em contrário.
pela autoridade judiciária.
Brasília, 13 de julho de 1990; 169º da Independência e 102º
Art. 263. O Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro
da República.
de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes
alterações: Fonte
1) Art. 121 ............................................................ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.
§ 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de htm
um terço, se o crime resulta de inobservância de regra
técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa LDB LEI FEDERAL Nº 9394/96 E ALTERAÇÕES
de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir POSTERIORES;
as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em
flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996
de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor
de catorze anos. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
2) Art. 129 ...............................................................
§ 7º Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso
qualquer das hipóteses do art. 121, § 4º. Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
§ 8º Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do
art. 121. TÍTULO I
3) Art. 136................................................................. Da Educação
§ 3º Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é
praticado contra pessoa menor de catorze anos. Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se
4) Art. 213 .................................................................. desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho,
Parágrafo único. Se a ofendida é menor de catorze nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
anos: organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
Pena - reclusão de quatro a dez anos. § 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve,
5) Art. 214................................................................... predominantemente, por meio do ensino, em instituições
Parágrafo único. Se o ofendido é menor de catorze próprias.
anos: § 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do
Pena - reclusão de três a nove anos trabalho e à prática social.

70
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

TÍTULO II VII - oferta de educação escolar regular para jovens e


Dos Princípios e Fins da Educação Nacional adultos, com características e modalidades adequadas às
suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada forem trabalhadores as condições de acesso e permanência
nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade na escola;
humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do VIII - atendimento ao educando, em todas as etapas da
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua educação básica, por meio de programas suplementares
qualificação para o trabalho. de material didático-escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde; 
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos
princípios: como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de
I - igualdade de condições para o acesso e permanência insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de
na escola; ensino-aprendizagem.
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar X – vaga na escola pública de educação infantil ou de
a cultura, o pensamento, a arte e o saber; ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; idade.
V - coexistência de instituições públicas e privadas de
ensino; Art. 5° O acesso à educação básica obrigatória é direito
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de
oficiais; cidadãos, associação comunitária, organização sindical,
VII - valorização do profissional da educação escolar; entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda,
o Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo.   
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma
§ 1o  O poder público, na esfera de sua competência
desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;
federativa, deverá: 
IX - garantia de padrão de qualidade;
I - recensear anualmente as crianças e adolescentes
X - valorização da experiência extraescolar;
em idade escolar, bem como os jovens e adultos que não
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e
concluíram a educação básica; 
as práticas sociais.
II - fazer-lhes a chamada pública;
XII - consideração com a diversidade étnico-racial. 
III - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência
à escola.
TÍTULO III § 2º Em todas as esferas administrativas, o Poder Público
Do Direito à Educação e do Dever de Educar assegurará em primeiro lugar o acesso ao ensino obrigatório,
nos termos deste artigo, contemplando em seguida os demais
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar níveis e modalidades de ensino, conforme as prioridades
pública será efetivado mediante a garantia de: constitucionais e legais.
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) § 3º Qualquer das partes mencionadas no  caput  deste
aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte artigo tem legitimidade para peticionar no Poder Judiciário,
forma:  na hipótese do § 2º do art. 208 da Constituição Federal, sendo
a) pré-escola;  gratuita e de rito sumário a ação judicial correspondente.
b) ensino fundamental;  § 4º Comprovada a negligência da autoridade competente
c) ensino médio;  para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá
II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 ela ser imputada por crime de responsabilidade.
(cinco) anos de idade;  § 5º Para garantir o cumprimento da obrigatoriedade de
III - atendimento educacional especializado gratuito ensino, o Poder Público criará formas alternativas de acesso
aos educandos com deficiência, transtornos globais do aos diferentes níveis de ensino, independentemente da
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, escolarização anterior.
transversal a todos os níveis, etapas e modalidades,
preferencialmente na rede regular de ensino;  Art. 6°  É dever dos pais ou responsáveis efetuar a
IV - acesso público e gratuito aos ensinos fundamental matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4
e médio para todos os que não os concluíram na idade (quatro) anos de idade. 
própria; 
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da Art. 7º O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as
pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de seguintes condições:
cada um; I - cumprimento das normas gerais da educação nacional
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às e do respectivo sistema de ensino;
condições do educando; II - autorização de funcionamento e avaliação de
qualidade pelo Poder Público;
III - capacidade de autofinanciamento, ressalvado o
previsto no art. 213 da Constituição Federal.

71
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

TÍTULO IV § 2° Para o cumprimento do disposto nos incisos V a


Da Organização da Educação Nacional IX, a União terá acesso a todos os dados e informações
necessários de todos os estabelecimentos e órgãos
Art. 8º A União, os Estados, o Distrito Federal e os educacionais.
Municípios organizarão, em regime de colaboração, os § 3º As atribuições constantes do inciso IX poderão
respectivos sistemas de ensino. ser delegadas aos Estados e ao Distrito Federal, desde que
§ 1º Caberá à União a coordenação da política nacional mantenham instituições de educação superior.
de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e  
exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de:
relação às demais instâncias educacionais. I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e
§ 2º Os sistemas de ensino terão liberdade de instituições oficiais dos seus sistemas de ensino;
organização nos termos desta Lei. II - definir, com os Municípios, formas de colaboração na
oferta do ensino fundamental, as quais devem assegurar a
Art. 9º A União incumbir-se-á de: (Regulamento) distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo
I - elaborar o Plano Nacional de Educação, em com a população a ser atendida e os recursos financeiros
colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público;
Municípios; III - elaborar e executar políticas e planos educacionais,
II - organizar, manter e desenvolver os órgãos e em consonância com as diretrizes e planos nacionais de
instituições oficiais do sistema federal de ensino e o dos educação, integrando e coordenando as suas ações e as
Territórios; dos seus Municípios;
III - prestar assistência técnica e financeira aos Estados, IV - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar
ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de
de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário educação superior e os estabelecimentos do seu sistema
à escolaridade obrigatória, exercendo sua função de ensino;
redistributiva e supletiva; V - baixar normas complementares para o seu sistema
IV - estabelecer, em colaboração com os Estados, o de ensino;
Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes VI - assegurar o ensino fundamental e oferecer, com
para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino prioridade, o ensino médio a todos que o demandarem,
respeitado o disposto no art. 38 desta Lei; 
médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos
VII - assumir o transporte escolar dos alunos da rede
mínimos, de modo a assegurar formação básica comum;
estadual. 
IV-A - estabelecer, em colaboração com os Estados, o
Parágrafo único. Ao Distrito Federal aplicar-se-ão as
Distrito Federal e os Municípios, diretrizes e procedimentos
competências referentes aos Estados e aos Municípios.
para identificação, cadastramento e atendimento, na
educação básica e na educação superior, de alunos com
Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
altas habilidades ou superdotação; (Incluído pela Lei nº
I - organizar, manter e desenvolver os órgãos
13.234, de 2015)
e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino,
V - coletar, analisar e disseminar informações sobre a
integrando-os às políticas e planos educacionais da União
educação; e dos Estados;
VI - assegurar processo nacional de avaliação do II - exercer ação redistributiva em relação às suas
rendimento escolar no ensino fundamental, médio e escolas;
superior, em colaboração com os sistemas de ensino, III - baixar normas complementares para o seu sistema
objetivando a definição de prioridades e a melhoria da de ensino;
qualidade do ensino; IV - autorizar, credenciar e supervisionar os
VII - baixar normas gerais sobre cursos de graduação e estabelecimentos do seu sistema de ensino;
pós-graduação; V - oferecer a educação infantil em creches e pré-
VIII - assegurar processo nacional de avaliação das escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental,
instituições de educação superior, com a cooperação dos permitida a atuação em outros níveis de ensino somente
sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de quando estiverem atendidas plenamente as necessidades
ensino; de sua área de competência e com recursos acima dos
IX - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal
e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de à manutenção e desenvolvimento do ensino.
educação superior e os estabelecimentos do seu sistema VI - assumir o transporte escolar dos alunos da rede
de ensino.       municipal. 
§ 1º Na estrutura educacional, haverá um Conselho Parágrafo único. Os Municípios poderão optar, ainda,
Nacional de Educação, com funções normativas e de por se integrar ao sistema estadual de ensino ou compor
supervisão e atividade permanente, criado por lei. com ele um sistema único de educação básica.

72
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito
as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a Federal compreendem:
incumbência de: I - as instituições de ensino mantidas, respectivamente,
I - elaborar e executar sua proposta pedagógica; pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal;
II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e II - as instituições de educação superior mantidas pelo
financeiros; Poder Público municipal;
III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas- III - as instituições de ensino fundamental e médio
aula estabelecidas; criadas e mantidas pela iniciativa privada;
IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de IV - os órgãos de educação estaduais e do Distrito
cada docente; Federal, respectivamente.
V - prover meios para a recuperação dos alunos de Parágrafo único. No Distrito Federal, as instituições de
menor rendimento; educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada,
VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando integram seu sistema de ensino.
processos de integração da sociedade com a escola;
VII - informar pai e mãe, conviventes ou não com Art. 18. Os sistemas municipais de ensino compreendem:
seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre I - as instituições do ensino fundamental, médio e de
a frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre a educação infantil mantidas pelo Poder Público municipal;
execução da proposta pedagógica da escola; II - as instituições de educação infantil criadas e
VIII – notificar ao Conselho Tutelar do Município, ao mantidas pela iniciativa privada;
juiz competente da Comarca e ao respectivo representante III – os órgãos municipais de educação.
do Ministério Público a relação dos alunos que apresentem
quantidade de faltas acima de cinquenta por cento do Art. 19. As instituições de ensino dos diferentes níveis
percentual permitido em lei. classificam-se nas seguintes categorias administrativas:
(Regulamento)
Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de: I - públicas, assim entendidas as criadas ou incorporadas,
I - participar da elaboração da proposta pedagógica do
mantidas e administradas pelo Poder Público;
estabelecimento de ensino;
II - privadas, assim entendidas as mantidas e
II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a
administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito
proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
privado.
III - zelar pela aprendizagem dos alunos;
IV - estabelecer estratégias de recuperação para os
Art. 20. As instituições privadas de ensino se
alunos de menor rendimento;
enquadrarão nas seguintes categorias: (Regulamento)
V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos,
além de participar integralmente dos períodos dedicados I - particulares em sentido estrito, assim entendidas as
ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento que são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas
profissional; físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem
VI - colaborar com as atividades de articulação da as características dos incisos abaixo;
escola com as famílias e a comunidade. II - comunitárias, assim entendidas as que são instituídas
por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem fins
gestão democrática do ensino público na educação básica, lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora
de acordo com as suas peculiaridades e conforme os representantes da comunidade; 
seguintes princípios: III - confessionais, assim entendidas as que são
I - participação dos profissionais da educação na instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais
elaboração do projeto pedagógico da escola; pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e
II - participação das comunidades escolar e local em ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior;
conselhos escolares ou equivalentes. IV - filantrópicas, na forma da lei.

Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às TÍTULO V


unidades escolares públicas de educação básica que os Dos Níveis e das Modalidades de Educação e
integram progressivos graus de autonomia pedagógica Ensino
e administrativa e de gestão financeira, observadas as CAPÍTULO I
normas gerais de direito financeiro público. Da Composição dos Níveis Escolares

Art. 16. O sistema federal de ensino Art. 21. A educação escolar compõe-se de:
compreende:(Regulamento) I - educação básica, formada pela educação infantil,
I - as instituições de ensino mantidas pela União; ensino fundamental e ensino médio;
II - as instituições de educação superior criadas e II - educação superior.
mantidas pela iniciativa privada;
III - os órgãos federais de educação.

73
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

CAPÍTULO II a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do


DA EDUCAÇÃO BÁSICA aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os
Seção I quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre
Das Disposições Gerais os de eventuais provas finais;
b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos
Art. 22. A educação básica tem por finalidades com atraso escolar;
desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries
indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe mediante verificação do aprendizado;
meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito;
e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de
Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em preferência paralelos ao período letivo, para os casos de
séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas
regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com instituições de ensino em seus regimentos;
base na idade, na competência e em outros critérios, ou VI - o controle de frequência fica a cargo da escola,
por forma diversa de organização, sempre que o interesse conforme o disposto no seu regimento e nas normas do
do processo de aprendizagem assim o recomendar. respectivo sistema de ensino, exigida a frequência mínima
§ 1º A escola poderá reclassificar os alunos, inclusive de setenta e cinco por cento do total de horas letivas para
quando se tratar de transferências entre estabelecimentos aprovação;
situados no País e no exterior, tendo como base as normas VII - cabe a cada instituição de ensino expedir históricos
curriculares gerais. escolares, declarações de conclusão de série e diplomas ou
§ 2º O calendário escolar deverá adequar-se às certificados de conclusão de cursos, com as especificações
peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, cabíveis.
a critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso § 1º A carga horária mínima anual de que trata o inciso
reduzir o número de horas letivas previsto nesta Lei. I do caput deverá ser ampliada de forma progressiva, no
ensino médio, para mil e quatrocentas horas, devendo os
Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco
médio, será organizada de acordo com as seguintes regras anos, pelo menos mil horas anuais de carga horária, a partir
comuns: de 2 de março de 2017. (Incluído pela Lei nº 13.415, de
I - a carga horária mínima anual será de oitocentas 2017)
horas para o ensino fundamental e para o ensino médio, § 2º Os sistemas de ensino disporão sobre a oferta de
distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo educação de jovens e adultos e de ensino noturno regular,
trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames adequado às condições do educando, conforme o inciso VI
do art. 4o. (Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017)
finais, quando houver; (Redação dada pela Lei nº 13.415,
de 2017);
Art. 25. Será objetivo permanente das autoridades
II - a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a
responsáveis alcançar relação adequada entre o número
primeira do ensino fundamental, pode ser feita:
de alunos e o professor, a carga horária e as condições
a) por promoção, para alunos que cursaram, com
materiais do estabelecimento.
aproveitamento, a série ou fase anterior, na própria escola;
Parágrafo único. Cabe ao respectivo sistema de ensino,
b) por transferência, para candidatos procedentes de
à vista das condições disponíveis e das características
outras escolas;
regionais e locais, estabelecer parâmetro para atendimento
c) independentemente de escolarização anterior,
do disposto neste artigo.
mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau
de desenvolvimento e experiência do candidato e permita Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino
sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme fundamental e do ensino médio devem ter base nacional
regulamentação do respectivo sistema de ensino; comum, a ser complementada, em cada sistema de
III - nos estabelecimentos que adotam a progressão ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte
regular por série, o regimento escolar pode admitir formas diversificada, exigida pelas características regionais e locais
de progressão parcial, desde que preservada a sequência da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.
do currículo, observadas as normas do respectivo sistema (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
de ensino; § 1º Os currículos a que se refere o caput devem
IV - poderão organizar-se classes, ou turmas, com abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa
alunos de séries distintas, com níveis equivalentes de e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural
adiantamento na matéria, para o ensino de línguas e da realidade social e política, especialmente do Brasil.
estrangeiras, artes, ou outros componentes curriculares; § 2º O ensino da arte, especialmente em suas
V - a verificação do rendimento escolar observará os expressões regionais, constituirá componente curricular
seguintes critérios: obrigatório da educação básica. (Redação dada pela Lei nº
13.415, de 2017)

74
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da história da África e dos africanos, a luta dos negros e
da escola, é componente curricular obrigatório da educação dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena
básica, sendo sua prática facultativa ao aluno: (Redação brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade
dada pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003) nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
I – que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
seis horas; (Incluído pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003) (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).
II – maior de trinta anos de idade; (Incluído pela Lei nº § 2º Os conteúdos referentes à história e cultura
10.793, de 1º.12.2003) afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão
III – que estiver prestando serviço militar inicial ou que, ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em
em situação similar, estiver obrigado à prática da educação especial nas áreas de educação artística e de literatura e
física; (Incluído pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003) história brasileiras. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de
IV – amparado pelo Decreto-Lei no 1.044, de 21 de 2008).
outubro de 1969; (Incluído pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003)
V – (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003) Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica
VI – que tenha prole. (Incluído pela Lei nº 10.793, de observarão, ainda, as seguintes diretrizes:
1º.12.2003) I - a difusão de valores fundamentais ao interesse
§ 4º O ensino da História do Brasil levará em conta social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao
as contribuições das diferentes culturas e etnias para a bem comum e à ordem democrática;
formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes II - consideração das condições de escolaridade dos
indígena, africana e europeia. alunos em cada estabelecimento;
§ 5º No currículo do ensino fundamental, a partir do III - orientação para o trabalho;
sexto ano, será ofertada a língua inglesa. (Redação dada IV - promoção do desporto educacional e apoio às
pela Lei nº 13.415, de 2017) práticas desportivas não-formais.
§ 6º As artes visuais, a dança, a música e o teatro são
as linguagens que constituirão o componente curricular de Art. 28. Na oferta de educação básica para a população
que trata o § 2o deste artigo. (Redação dada pela Lei nº rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações
13.278, de 2016) necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural
§ 7º A integralização curricular poderá incluir, a critério e de cada região, especialmente:
dos sistemas de ensino, projetos e pesquisas envolvendo I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas
os temas transversais de que trata o caput. (Redação dada às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
pela Lei nº 13.415, de 2017) II - organização escolar própria, incluindo adequação
§ 8º A exibição de filmes de produção nacional do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às
constituirá componente curricular complementar integrado condições climáticas;
à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição III - adequação à natureza do trabalho na zona rural.
obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais. Parágrafo único. O fechamento de escolas do campo,
(Incluído pela Lei nº 13.006, de 2014) indígenas e quilombolas será precedido de manifestação
§ 9º Conteúdos relativos aos direitos humanos e à do órgão normativo do respectivo sistema de ensino, que
prevenção de todas as formas de violência contra a criança considerará a justificativa apresentada pela Secretaria de
e o adolescente serão incluídos, como temas transversais, Educação, a análise do diagnóstico do impacto da ação e a
nos currículos escolares de que trata o caput deste artigo, manifestação da comunidade escolar. (Incluído pela Lei nº
tendo como diretriz a Lei no 8.069, de 13 de julho de 12.960, de 2014)
1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), observada
a produção e distribuição de material didático adequado. Seção II
(Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014) Da Educação Infantil
§ 10. A inclusão de novos componentes curriculares
de caráter obrigatório na Base Nacional Comum Curricular Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação
dependerá de aprovação do Conselho Nacional de básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral
Educação e de homologação pelo Ministro de Estado da da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico,
Educação. (Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017) psicológico, intelectual e social, complementando a ação
da família e da comunidade. (Redação dada pela Lei nº
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental 12.796, de 2013)
e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório
o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. Art. 30. A educação infantil será oferecida em:
(Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008). I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de
§ 1º O conteúdo programático a que se refere este até três anos de idade;
artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura II - pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco)
que caracterizam a formação da população brasileira, anos de idade. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo

75
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo § 5º O currículo do ensino fundamental incluirá,
com as seguintes regras comuns: (Redação dada pela Lei obrigatoriamente, conteúdo que trate dos direitos das
nº 12.796, de 2013) crianças e dos adolescentes, tendo como diretriz a Lei
I - Avaliação mediante acompanhamento e registro no 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto
do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de da Criança e do Adolescente, observada a produção e
promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental; distribuição de material didático adequado.
(Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013) § 6º O estudo sobre os símbolos nacionais será
II - Carga horária mínima anual de 800 (oitocentas) incluído como tema transversal nos currículos do ensino
fundamental.
horas, distribuída por um mínimo de 200 (duzentos) dias
de trabalho educacional; (Incluído pela Lei nº 12.796, de
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é
2013)
parte integrante da formação básica do cidadão e constitui
III - atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) disciplina dos horários normais das escolas públicas de
horas diárias para o turno parcial e de 7 (sete) horas para a ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade
jornada integral; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013) cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de
IV - Controle de frequência pela instituição de educação proselitismo. (Redação dada pela Lei nº 9.475, de
pré-escolar, exigida a frequência mínima de 60% (sessenta 22.7.1997)
por cento) do total de horas; (Incluído pela Lei nº 12.796, § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os
de 2013) procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino
V - Expedição de documentação que permita atestar os religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e
processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança. admissão dos professores. (Incluído pela Lei nº 9.475,
(Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013) de 22.7.1997)
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil,
Seção III constituída pelas diferentes denominações religiosas, para
Do Ensino Fundamental a definição dos conteúdos do ensino religioso.

Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração Art. 34. A jornada escolar no ensino fundamental
incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em
de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se
sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período
aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação
de permanência na escola.
básica do cidadão, mediante: (Redação dada pela Lei
§ 1º São ressalvados os casos do ensino noturno e das
nº 11.274, de 2006) formas alternativas de organização autorizadas nesta Lei.
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, § 2º O ensino fundamental será ministrado
tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da progressivamente em tempo integral, a critério dos
escrita e do cálculo; sistemas de ensino.
II - a compreensão do ambiente natural e social, do
sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em Seção IV
que se fundamenta a sociedade; Do Ensino Médio
III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem,
tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica,
e a formação de atitudes e valores; com duração mínima de três anos, terá como finalidades:
IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços I - a consolidação e o aprofundamento dos
de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que conhecimentos adquiridos no ensino fundamental,
se assenta a vida social. possibilitando o prosseguimento de estudos;
§ 1º É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania
ensino fundamental em ciclos. do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser
capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de
§ 2º Os estabelecimentos que utilizam progressão
ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
regular por série podem adotar no ensino fundamental o
III - o aprimoramento do educando como pessoa
regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação
humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento
do processo de ensino-aprendizagem, observadas as da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
normas do respectivo sistema de ensino. IV - a compreensão dos fundamentos científico-
§ 3º O ensino fundamental regular será ministrado em tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a
língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
a utilização de suas línguas maternas e processos próprios
de aprendizagem. Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular definirá
§ 4º O ensino fundamental será presencial, sendo o direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio,
ensino a distância utilizado como complementação da conforme diretrizes do Conselho Nacional de Educação,
aprendizagem ou em situações emergenciais. nas seguintes áreas do conhecimento: (Incluído pela
Lei nº 13.415, de 2017)

76
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

I - linguagens e suas tecnologias; (Incluído pela Lei nº Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela
13.415, de 2017) Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos,
II - matemática e suas tecnologias; (Incluído pela Lei nº que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes
13.415, de 2017) arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto
III - ciências da natureza e suas tecnologias; (Incluído local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber: (Redação
pela Lei nº 13.415, de 2017) dada pela Lei nº 13.415, de 2017)
IV - ciências humanas e sociais aplicadas. (Incluído pela I - linguagens e suas tecnologias; (Redação dada pela Lei
Lei nº 13.415, de 2017) nº 13.415, de 2017)
§ 1º A parte diversificada dos currículos de que trata o II - matemática e suas tecnologias; (Redação dada pela Lei
caput do art. 26, definida em cada sistema de ensino, deverá nº 13.415, de 2017)
estar harmonizada à Base Nacional Comum Curricular e ser III - ciências da natureza e suas tecnologias; (Redação dada
articulada a partir do contexto histórico, econômico, social, pela Lei nº 13.415, de 2017)
ambiental e cultural. (Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017) IV - ciências humanas e sociais aplicadas; (Redação dada
§ 2o A Base Nacional Comum Curricular referente ao pela Lei nº 13.415, de 2017)
ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas V - formação técnica e profissional. (Incluído pela Lei nº
de educação física, arte, sociologia e filosofia. (Incluído pela 13.415, de 2017)
Lei nº 13.415, de 2017) § 1º A organização das áreas de que trata o caput e das
§ 3o O ensino da língua portuguesa e da matemática respectivas competências e habilidades será feita de acordo
será obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino.
às comunidades indígenas, também, a utilização das (Redação dada pela Lei nº 13.415, de 2017)
respectivas línguas maternas. (Incluído pela Lei nº I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.415, de 2017)
13.415, de 2017) II - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.415, de 2017)
§ 4º Os currículos do ensino médio incluirão, § 2º (Revogado pela Lei nº 11.741, de 2008)
obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão § 3º A critério dos sistemas de ensino, poderá ser composto
itinerário formativo integrado, que se traduz na composição de
ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo,
componentes curriculares da Base Nacional Comum Curricular
preferencialmente o espanhol, de acordo com a
- BNCC e dos itinerários formativos, considerando os incisos I a
disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos
V do caput. (Redação dada pela Lei nº 13.415, de 2017)
sistemas de ensino. (Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017)
§ 5º Os sistemas de ensino, mediante disponibilidade de
§ 5º A carga horária destinada ao cumprimento da
vagas na rede, possibilitarão ao aluno concluinte do ensino
Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a
médio cursar mais um itinerário formativo de que trata o caput.
mil e oitocentas horas do total da carga horária do ensino
(Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017)
médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino.
§ 6º A critério dos sistemas de ensino, a oferta de formação
(Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017)
com ênfase técnica e profissional considerará: Incluído pela Lei
§ 6º A União estabelecerá os padrões de desempenho nº 13.415, de 2017)
esperados para o ensino médio, que serão referência nos I - a inclusão de vivências práticas de trabalho no setor
processos nacionais de avaliação, a partir da Base Nacional produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo
Comum Curricular. (Incluído pela Lei nº 13.415, de parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de instrumentos
2017) estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional;
§ 7º Os currículos do ensino médio deverão considerar (Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017)
a formação integral do aluno, de maneira a adotar um II - a possibilidade de concessão de certificados
trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida intermediários de qualificação para o trabalho, quando
e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e a formação for estruturada e organizada em etapas com
socioemocionais. (Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017) terminalidade. (Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017)
§ 8º Os conteúdos, as metodologias e as formas de § 7º A oferta de formações experimentais relacionadas
avaliação processual e formativa serão organizados nas ao inciso V do caput, em áreas que não constem do
redes de ensino por meio de atividades teóricas e práticas, Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, dependerá, para sua
provas orais e escritas, seminários, projetos e atividades on- continuidade, do reconhecimento pelo respectivo Conselho
line, de tal forma que ao final do ensino médio o educando Estadual de Educação, no prazo de três anos, e da inserção
demonstre: (Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017) no Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, no prazo de cinco
I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos anos, contados da data de oferta inicial da formação. (Incluído
que presidem a produção moderna; (Incluído pela Lei nº pela Lei nº 13.415, de 2017)
13.415, de 2017) § 8º A oferta de formação técnica e profissional a que
II - conhecimento das formas contemporâneas de se refere o inciso V do caput, realizada na própria instituição
linguagem. (Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017) ou em parceria com outras instituições, deverá ser aprovada
previamente pelo Conselho Estadual de Educação, homologada
pelo Secretário Estadual de Educação e certificada pelos
sistemas de ensino. (Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017)

77
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 9º As instituições de ensino emitirão certificado com I - os objetivos e definições contidos nas diretrizes
validade nacional, que habilitará o concluinte do ensino curriculares nacionais estabelecidas pelo Conselho
médio ao prosseguimento dos estudos em nível superior ou Nacional de Educação;
em outros cursos ou formações para os quais a conclusão II - as normas complementares dos respectivos
do ensino médio seja etapa obrigatória. (Incluído pela Lei sistemas de ensino;
nº 13.415, de 2017) III - as exigências de cada instituição de ensino, nos
§ 10. Além das formas de organização previstas no art. termos de seu projeto pedagógico.
23, o ensino médio poderá ser organizado em módulos e
adotar o sistema de créditos com terminalidade específica. Art. 36-C. A educação profissional técnica de nível
(Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017) médio articulada, prevista no inciso I do caput do art. 36-B
§ 11. Para efeito de cumprimento das exigências desta Lei, será desenvolvida de forma:
curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino I - integrada, oferecida somente a quem já tenha
poderão reconhecer competências e firmar convênios concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado
com instituições de educação a distância com notório de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional
reconhecimento, mediante as seguintes formas de técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino,
comprovação: (Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017) efetuando-se matrícula única para cada aluno;
I - demonstração prática; (Incluído pela Lei nº 13.415, II - concomitante, oferecida a quem ingresse no ensino
de 2017) médio ou já o esteja cursando, efetuando-se matrículas
II - experiência de trabalho supervisionado ou outra distintas para cada curso, e podendo ocorrer:
experiência adquirida fora do ambiente escolar; (Incluído a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as
pela Lei nº 13.415, de 2017) oportunidades educacionais disponíveis;
III - atividades de educação técnica oferecidas em b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se
outras instituições de ensino credenciadas; (Incluído pela as oportunidades educacionais disponíveis;
Lei nº 13.415, de 2017) c) em instituições de ensino distintas, mediante
convênios de intercomplementaridade, visando ao
IV - cursos oferecidos por centros ou programas
planejamento e ao desenvolvimento de projeto pedagógico
ocupacionais; (Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017)
unificado.
V - estudos realizados em instituições de ensino
nacionais ou estrangeiras; (Incluído pela Lei nº 13.415, de
Art. 36-D. Os diplomas de cursos de educação
2017)
profissional técnica de nível médio, quando registrados,
VI - cursos realizados por meio de educação a
terão validade nacional e habilitarão ao prosseguimento
distância ou educação presencial mediada por tecnologias.
de estudos na educação superior.
(Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017)
Parágrafo único. Os cursos de educação profissional
§ 12. As escolas deverão orientar os alunos no processo técnica de nível médio, nas formas articulada concomitante
de escolha das áreas de conhecimento ou de atuação e subsequente, quando estruturados e organizados em
profissional previstas no caput. (Incluído pela Lei nº 13.415, etapas com terminalidade, possibilitarão a obtenção
de 2017) de certificados de qualificação para o trabalho após
a conclusão, com aproveitamento, de cada etapa que
Seção IV-A caracterize uma qualificação para o trabalho.
Da Educação Profissional Técnica de Nível Médio
Seção V
Art. 36-A. Sem prejuízo do disposto na Seção IV deste Da Educação de Jovens e Adultos
Capítulo, o ensino médio, atendida a formação geral do
educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada
técnicas. àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de
Parágrafo único. A preparação geral para o trabalho estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
e, facultativamente, a habilitação profissional poderão ser § 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente
desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os
médio ou em cooperação com instituições especializadas estudos na idade regular, oportunidades educacionais
em educação profissional apropriadas, consideradas as características do alunado,
seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante
Art. 36-B. A educação profissional técnica de nível cursos e exames.
médio será desenvolvida nas seguintes formas: (Incluído § 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso
pela Lei nº 11.741, de 2008) e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações
I - articulada com o ensino médio; integradas e complementares entre si.
II - subsequente, em cursos destinados a quem já tenha § 3º A educação de jovens e adultos deverá articular-se,
concluído o ensino médio. preferencialmente, com a educação profissional, na forma
Parágrafo único. A educação profissional técnica de do regulamento.
nível médio deverá observar:

78
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e CAPÍTULO IV


exames supletivos, que compreenderão a base nacional DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de
estudos em caráter regular. Art. 43. A educação superior tem por finalidade:
§ 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se- I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do
ão: espírito científico e do pensamento reflexivo;
I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para II - formar diplomados nas diferentes áreas de
os maiores de quinze anos; conhecimento, aptos para a inserção em setores
II - no nível de conclusão do ensino médio, para os profissionais e para a participação no desenvolvimento da
maiores de dezoito anos. sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;
§ 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação
pelos educandos por meios informais serão aferidos e científica, visando o desenvolvimento da ciência e da
reconhecidos mediante exames. tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo,
desenvolver o entendimento do homem e do meio em que
CAPÍTULO III vive;
DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL IV - promover a divulgação de conhecimentos
Da Educação Profissional e Tecnológica culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio
da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de
Art. 39. A educação profissional e tecnológica, no publicações ou de outras formas de comunicação;
cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra- V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento
se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às cultural e profissional e possibilitar a correspondente
dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia. concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo
§ 1º Os cursos de educação profissional e tecnológica adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do
poderão ser organizados por eixos tecnológicos, conhecimento de cada geração;
possibilitando a construção de diferentes itinerários VI - estimular o conhecimento dos problemas do
formativos, observadas as normas do respectivo sistema e mundo presente, em particular os nacionais e regionais,
nível de ensino. prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer
§ 2º A educação profissional e tecnológica abrangerá com esta uma relação de reciprocidade;
os seguintes cursos: VII - promover a extensão, aberta à participação da
I – de formação inicial e continuada ou qualificação população, visando à difusão das conquistas e benefícios
profissional; resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e
II – de educação profissional técnica de nível médio; tecnológica geradas na instituição.
III – de educação profissional tecnológica de graduação VIII - atuar em favor da universalização e do
e pós-graduação. aprimoramento da educação básica, mediante a formação
§ 3º Os cursos de educação profissional tecnológica e a capacitação de profissionais, a realização de pesquisas
de graduação e pós-graduação organizar-se-ão, no que pedagógicas e o desenvolvimento de atividades de
concerne a objetivos, características e duração, de acordo extensão que aproximem os dois níveis escolares. (Incluído
com as diretrizes curriculares nacionais estabelecidas pelo pela Lei nº 13.174, de 2015)
Conselho Nacional de Educação.
Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes
Art. 40. A educação profissional será desenvolvida cursos e programas: 
em articulação com o ensino regular ou por diferentes I - cursos sequenciais por campo de saber, de
estratégias de educação continuada, em instituições diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que
especializadas ou no ambiente de trabalho. (Regulamento) atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de
ensino, desde que tenham concluído o ensino médio ou
Art. 41. O conhecimento adquirido na educação equivalente;
profissional e tecnológica, inclusive no trabalho, poderá II - de graduação, abertos a candidatos que tenham
ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido
prosseguimento ou conclusão de estudos. classificados em processo seletivo;
III - de pós-graduação, compreendendo programas
Art. 42. As instituições de educação profissional e de mestrado e doutorado, cursos de especialização,
tecnológica, além dos seus cursos regulares, oferecerão aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados
cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada em cursos de graduação e que atendam às exigências das
a matrícula à capacidade de aproveitamento e não instituições de ensino;
necessariamente ao nível de escolaridade. IV - de extensão, abertos a candidatos que atendam aos
requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de
ensino.

79
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 1º. Os resultados do processo seletivo referido no § 1º As instituições informarão aos interessados,


inciso II do caput deste artigo serão tornados públicos antes de cada período letivo, os programas dos cursos e
pelas instituições de ensino superior, sendo obrigatória a demais componentes curriculares, sua duração, requisitos,
divulgação da relação nominal dos classificados, a respectiva qualificação dos professores, recursos disponíveis e critérios
ordem de classificação, bem como do cronograma das de avaliação, obrigando-se a cumprir as respectivas
chamadas para matrícula, de acordo com os critérios para condições, e a publicação deve ser feita, sendo as 3 (três)
preenchimento das vagas constantes do respectivo edital. primeiras formas concomitantemente: (Redação dada pela
(Incluído pela Lei nº 11.331, de 2006) (Renumerado do lei nº 13.168, de 2015).
parágrafo único para § 1º pela Lei nº 13.184, de 2015). I - em página específica na internet no sítio eletrônico
§ 2º No caso de empate no processo seletivo, as oficial da instituição de ensino superior, obedecido o
instituições públicas de ensino superior darão prioridade seguinte: (Incluído pela lei nº 13.168, de 2015)
de matrícula ao candidato que comprove ter renda familiar a) toda publicação a que se refere esta Lei deve ter
inferior a dez salários mínimos, ou ao de menor renda como título “Grade e Corpo Docente”; (Incluída pela lei nº
familiar, quando mais de um candidato preencher o critério 13.168, de 2015)
inicial. (Incluído pela Lei nº 13.184, de 2015) b) a página principal da instituição de ensino
§ 3º O processo seletivo referido no inciso II considerará superior, bem como a página da oferta de seus cursos
as competências e as habilidades definidas na Base Nacional aos ingressantes sob a forma de vestibulares, processo
Comum Curricular. (Incluído pela lei nº 13.415, de 2017) seletivo e outras com a mesma finalidade, deve conter a
ligação desta com a página específica prevista neste inciso;
Art. 45. A educação superior será ministrada em (Incluída pela lei nº 13.168, de 2015)
instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com c) caso a instituição de ensino superior não possua sítio
variados graus de abrangência ou especialização. eletrônico, deve criar página específica para divulgação
das informações de que trata esta Lei; (Incluída pela lei nº
Art. 46. A autorização e o reconhecimento de cursos, 13.168, de 2015)
bem como o credenciamento de instituições de educação
d) a página específica deve conter a data completa de
superior, terão prazos limitados, sendo renovados,
sua última atualização; (Incluída pela lei nº 13.168, de 2015)
periodicamente, após processo regular de avaliação.
II - em toda propaganda eletrônica da instituição de
(Regulamento)
ensino superior, por meio de ligação para a página referida
§ 1º Após um prazo para saneamento de deficiências
no inciso I; (Incluído pela lei nº 13.168, de 2015)
eventualmente identificadas pela avaliação a que se
III - em local visível da instituição de ensino superior e
refere este artigo, haverá reavaliação, que poderá resultar,
de fácil acesso ao público; (Incluído pela lei nº 13.168, de
conforme o caso, em desativação de cursos e habilitações,
2015)
em intervenção na instituição, em suspensão temporária
de prerrogativas da autonomia, ou em descredenciamento. IV - deve ser atualizada semestralmente ou anualmente,
§ 2º No caso de instituição pública, o Poder Executivo de acordo com a duração das disciplinas de cada curso
responsável por sua manutenção acompanhará o processo oferecido, observando o seguinte: (Incluído pela lei nº
de saneamento e fornecerá recursos adicionais, se 13.168, de 2015)
necessários, para a superação das deficiências. a) caso o curso mantenha disciplinas com duração
§ 3º No caso de instituição privada, além das sanções diferenciada, a publicação deve ser semestral; (Incluída
previstas no § 1º, o processo de reavaliação poderá resultar pela lei nº 13.168, de 2015)
também em redução de vagas autorizadas, suspensão b) a publicação deve ser feita até 1 (um) mês antes do
temporária de novos ingressos e de oferta de cursos. início das aulas; (Incluída pela lei nº 13.168, de 2015)
(Incluído pela Medida Provisória nº 785, de 2017) c) caso haja mudança na grade do curso ou no
§ 4º É facultado ao Ministério da Educação, mediante corpo docente até o início das aulas, os alunos devem
procedimento específico e com a aquiescência da ser comunicados sobre as alterações; (Incluída pela lei nº
instituição de ensino, com vistas a resguardar o interesse 13.168, de 2015)
dos estudantes, comutar as penalidades previstas nos § 1o V - deve conter as seguintes informações: (Incluído
e § 3º em outras medidas, desde que adequadas para a pela lei nº 13.168, de 2015)
superação das deficiências e irregularidades constatadas. a) a lista de todos os cursos oferecidos pela instituição
(Incluído pela Medida Provisória nº 785, de 2017) de ensino superior; (Incluída pela lei nº 13.168, de 2015)
§ 5º Para fins de regulação, os Estados e o Distrito b) a lista das disciplinas que compõem a grade
Federal deverão adotar os critérios definidos pela União curricular de cada curso e as respectivas cargas horárias;
para autorização de funcionamento de curso de graduação (Incluída pela lei nº 13.168, de 2015)
em Medicina. (Incluído pela Lei nº 13.530, de 2017) c) a identificação dos docentes que ministrarão as aulas
em cada curso, as disciplinas que efetivamente ministrará
Art. 47. Na educação superior, o ano letivo regular, naquele curso ou cursos, sua titulação, abrangendo a
independente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos dias qualificação profissional do docente e o tempo de casa
de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo reservado do docente, de forma total, contínua ou intermitente.
aos exames finais, quando houver. (Incluída pela lei nº 13.168, de 2015)

80
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 2º Os alunos que tenham extraordinário I - produção intelectual institucionalizada mediante o


aproveitamento nos estudos, demonstrado por meio de estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes,
provas e outros instrumentos de avaliação específicos, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional
aplicados por banca examinadora especial, poderão ter e nacional;
abreviada a duração dos seus cursos, de acordo com as II - um terço do corpo docente, pelo menos, com
normas dos sistemas de ensino. titulação acadêmica de mestrado ou doutorado;
§ 3º É obrigatória a frequência de alunos e professores, III - um terço do corpo docente em regime de tempo
salvo nos programas de educação a distância. integral.
§ 4º As instituições de educação superior oferecerão, Parágrafo único. É facultada a criação de universidades
no período noturno, cursos de graduação nos mesmos especializadas por campo do saber. (Regulamento)
padrões de qualidade mantidos no período diurno, sendo
obrigatória a oferta noturna nas instituições públicas, Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas
garantida a necessária previsão orçamentária. às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes
atribuições:
I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e
Art. 48. Os diplomas de cursos superiores reconhecidos,
programas de educação superior previstos nesta Lei,
quando registrados, terão validade nacional como prova da
obedecendo às normas gerais da União e, quando for o
formação recebida por seu titular.
caso, do respectivo sistema de ensino; (Regulamento)
§ 1º Os diplomas expedidos pelas universidades II - fixar os currículos dos seus cursos e programas,
serão por elas próprias registrados, e aqueles conferidos observadas as diretrizes gerais pertinentes;
por instituições não-universitárias serão registrados III - estabelecer planos, programas e projetos de
em universidades indicadas pelo Conselho Nacional de pesquisa científica, produção artística e atividades de
Educação. extensão;
§ 2º Os diplomas de graduação expedidos por IV - fixar o número de vagas de acordo com a
universidades estrangeiras serão revalidados por capacidade institucional e as exigências do seu meio;
universidades públicas que tenham curso do mesmo V - elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos
nível e área ou equivalente, respeitando-se os acordos em consonância com as normas gerais atinentes;
internacionais de reciprocidade ou equiparação. VI - conferir graus, diplomas e outros títulos;
§ 3º Os diplomas de Mestrado e de Doutorado VII - firmar contratos, acordos e convênios;
expedidos por universidades estrangeiras só poderão ser VIII - aprovar e executar planos, programas e projetos
reconhecidos por universidades que possuam cursos de de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições
pós-graduação reconhecidos e avaliados, na mesma área em geral, bem como administrar rendimentos conforme
de conhecimento e em nível equivalente ou superior. dispositivos institucionais;
IX - administrar os rendimentos e deles dispor na forma
Art. 49. As instituições de educação superior aceitarão prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos
a transferência de alunos regulares, para cursos afins, na estatutos;
hipótese de existência de vagas, e mediante processo X - receber subvenções, doações, heranças, legados
seletivo. e cooperação financeira resultante de convênios com
Parágrafo único. As transferências ex officio dar-se-ão entidades públicas e privadas.
na forma da lei. (Regulamento) § 1º Para garantir a autonomia didático-científica
das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino
e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários
Art. 50. As instituições de educação superior, quando
disponíveis, sobre: (Redação dada pela Lei nº 13.490, de
da ocorrência de vagas, abrirão matrícula nas disciplinas
2017)
de seus cursos a alunos não regulares que demonstrarem
I - criação, expansão, modificação e extinção de cursos;
capacidade de cursá-las com proveito, mediante processo
(Redação dada pela Lei nº 13.490, de 2017)
seletivo prévio. II - ampliação e diminuição de vagas; (Redação dada
pela Lei nº 13.490, de 2017)
Art. 51. As instituições de educação superior III - elaboração da programação dos cursos; (Redação
credenciadas como universidades, ao deliberar sobre dada pela Lei nº 13.490, de 2017)
critérios e normas de seleção e admissão de estudantes, IV - programação das pesquisas e das atividades de
levarão em conta os efeitos desses critérios sobre a extensão; (Redação dada pela Lei nº 13.490, de 2017)
orientação do ensino médio, articulando-se com os órgãos V - contratação e dispensa de professores; (Redação
normativos dos sistemas de ensino. dada pela Lei nº 13.490, de 2017)
VI - planos de carreira docente. (Redação dada pela Lei
Art. 52. As universidades são instituições nº 13.490, de 2017)
pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais § 2º As doações, inclusive monetárias, podem ser
de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio dirigidas a setores ou projetos específicos, conforme
e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: acordo entre doadores e universidades. (Incluído pela Lei
(Regulamento) nº 13.490, de 2017)

81
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

§ 3º No caso das universidades públicas, os recursos CAPÍTULO V


das doações devem ser dirigidos ao caixa único da DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
instituição, com destinação garantida às unidades a serem
beneficiadas. (Incluído pela Lei nº 13.490, de 2017) Art. 58. Entende-se por educação especial, para os
efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida
Art. 54. As universidades mantidas pelo Poder Público preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos
gozarão, na forma da lei, de estatuto jurídico especial para com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e altas habilidades ou superdotação.  
financiamento pelo Poder Público, assim como dos seus § 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio
especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades
planos de carreira e do regime jurídico do seu pessoal.
da clientela de educação especial.
§ 1º No exercício da sua autonomia, além das atribuições
§ 2º O atendimento educacional será feito em classes,
asseguradas pelo artigo anterior, as universidades públicas escolas ou serviços especializados, sempre que, em função
poderão: das condições específicas dos alunos, não for possível a sua
I - propor o seu quadro de pessoal docente, técnico e integração nas classes comuns de ensino regular.
administrativo, assim como um plano de cargos e salários, § 3º A oferta de educação especial, dever constitucional do
atendidas as normas gerais pertinentes e os recursos Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a
disponíveis; educação infantil.
II - elaborar o regulamento de seu pessoal em
conformidade com as normas gerais concernentes; Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos
III - aprovar e executar planos, programas e projetos de com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em altas habilidades ou superdotação: 
geral, de acordo com os recursos alocados pelo respectivo I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e
Poder mantenedor; organização específicos, para atender às suas necessidades;
IV - elaborar seus orçamentos anuais e plurianuais; II - terminalidade específica para aqueles que não puderem
V - adotar regime financeiro e contábil que atenda às atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental,
suas peculiaridades de organização e funcionamento; em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em
VI - realizar operações de crédito ou de financiamento, menor tempo o programa escolar para os superdotados;
III - professores com especialização adequada em nível
com aprovação do Poder competente, para aquisição de
médio ou superior, para atendimento especializado, bem como
bens imóveis, instalações e equipamentos;
professores do ensino regular capacitados para a integração
VII - efetuar transferências, quitações e tomar desses educandos nas classes comuns;
outras providências de ordem orçamentária, financeira e IV - educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva
patrimonial necessárias ao seu bom desempenho. integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas
§ 2º Atribuições de autonomia universitária poderão ser para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho
estendidas a instituições que comprovem alta qualificação competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins,
para o ensino ou para a pesquisa, com base em avaliação bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior
realizada pelo Poder Público. nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;
V - acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais
Art. 55. Caberá à União assegurar, anualmente, em seu suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino
Orçamento Geral, recursos suficientes para manutenção e regular.
desenvolvimento das instituições de educação superior por
ela mantidas. Art. 59-A. O poder público deverá instituir cadastro
nacional de alunos com altas habilidades ou superdotação
Art. 56. As instituições públicas de educação superior matriculados na educação básica e na educação superior, a
obedecerão ao princípio da gestão democrática, assegurada fim de fomentar a execução de políticas públicas destinadas
a existência de órgãos colegiados deliberativos, de que ao desenvolvimento pleno das potencialidades desse alunado.
(Incluído pela Lei nº 13.234, de 2015)
participarão os segmentos da comunidade institucional,
local e regional.
Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino
Parágrafo único. Em qualquer caso, os docentes estabelecerão critérios de caracterização das instituições
ocuparão setenta por cento dos assentos em cada órgão privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação
colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem da exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e
elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem financeiro pelo Poder Público.
como da escolha de dirigentes. Parágrafo único.  O poder público adotará, como alternativa
preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com
Art. 57. Nas instituições públicas de educação superior, deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
o professor ficará obrigado ao mínimo de oito horas habilidades ou superdotação na própria rede pública regular de
semanais de aulas. (Regulamento) ensino, independentemente do apoio às instituições previstas
neste artigo.  

82
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

TÍTULO VI § 4o  A União, o Distrito Federal, os Estados e os


Dos Profissionais da Educação Municípios adotarão mecanismos facilitadores de acesso e
permanência em cursos de formação de docentes em nível
Art. 61. Consideram-se profissionais da educação superior para atuar na educação básica pública.
escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e § 5o  A União, o Distrito Federal, os Estados e os
tendo sido formados em cursos reconhecidos, são:  Municípios incentivarão a formação de profissionais do
I – professores habilitados em nível médio ou superior magistério para atuar na educação básica pública mediante
para a docência na educação infantil e nos ensinos programa institucional de bolsa de iniciação à docência a
fundamental e médio;  estudantes matriculados em cursos de licenciatura, de
II – trabalhadores em educação portadores de graduação plena, nas instituições de educação superior. 
diploma de pedagogia, com habilitação em administração, § 6o  O Ministério da Educação poderá estabelecer
planejamento, supervisão, inspeção e orientação nota mínima em exame nacional aplicado aos concluintes
educacional, bem como com títulos de mestrado ou do ensino médio como pré-requisito para o ingresso em
doutorado nas mesmas áreas;  cursos de graduação para formação de docentes, ouvido o
III - trabalhadores em educação, portadores de diploma Conselho Nacional de Educação - CNE. 
de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim; § 7o (Vetado). 
IV - profissionais com notório saber reconhecido pelos § 8o Os currículos dos cursos de formação de docentes
respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos terão por referência a Base Nacional Comum Curricular.
de áreas afins à sua formação ou experiência profissional, (Incluído pela lei nº 13.415, de 2017) (Vide Lei nº 13.415,
atestados por titulação específica ou prática de ensino de 2017)
em unidades educacionais da rede pública ou privada
ou das corporações privadas em que tenham atuado, Art. 62. A-   A formação dos profissionais a que se
exclusivamente para atender ao inciso V do caput do art. refere o inciso III do art. 61 far-se-á por meio de cursos de
36; (Incluído pela lei nº 13.415, de 2017) conteúdo técnicopedagógico, em nível médio ou superior,
V - profissionais graduados que tenham feito incluindo habilitações tecnológicas.  
complementação pedagógica, conforme disposto pelo Parágrafo único.   Garantir-se-á formação continuada
Conselho Nacional de Educação. (Incluído pela lei nº para os profissionais a que se refere o  caput, no local de
13.415, de 2017) trabalho ou em instituições de educação básica e superior,
Parágrafo único.  A formação dos profissionais da incluindo cursos de educação profissional, cursos superiores
educação, de modo a atender às especificidades do de graduação plena ou tecnológicos e de pós-graduação.  
exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das
diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá Art. 62-B. O acesso de professores das redes públicas
como fundamentos:  de educação básica a cursos superiores de pedagogia e
I – a presença de sólida formação básica, que propicie licenciatura será efetivado por meio de processo seletivo
o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de diferenciado. (Incluído pela Lei nº 13.478, de 2017)
suas competências de trabalho;  § 1º Terão direito de pleitear o acesso previsto no caput
II – a associação entre teorias e práticas, mediante deste artigo os professores das redes públicas municipais,
estágios supervisionados e capacitação em serviço; estaduais e federal que ingressaram por concurso público,
III – o aproveitamento da formação e experiências tenham pelo menos três anos de exercício da profissão e
anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades. não sejam portadores de diploma de graduação. (Incluído
pela Lei nº 13.478, de 2017)
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação § 2º As instituições de ensino responsáveis pela oferta
básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura de cursos de pedagogia e outras licenciaturas definirão
plena, admitida, como formação mínima para o exercício critérios adicionais de seleção sempre que acorrerem aos
do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros certames interessados em número superior ao de vagas
anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, disponíveis para os respectivos cursos. (Incluído pela Lei nº
na modalidade normal. (Redação dada pela lei nº 13.415, 13.478, de 2017)
de 2017) § 3º Sem prejuízo dos concursos seletivos a serem
§ 1º  A União, o Distrito Federal, os Estados e os definidos em regulamento pelas universidades, terão
Municípios, em regime de colaboração, deverão promover prioridade de ingresso os professores que optarem por
a formação inicial, a continuada e a capacitação dos cursos de licenciatura em matemática, física, química,
profissionais de magistério. biologia e língua portuguesa. (Incluído pela Lei nº 13.478,
§ 2º  A formação continuada e a capacitação dos de 2017)
profissionais de magistério poderão utilizar recursos e
tecnologias de educação a distância. Art. 63. Os institutos superiores de educação manterão: 
§ 3º A formação inicial de profissionais de magistério I - cursos formadores de profissionais para a educação
dará preferência ao ensino presencial, subsidiariamente básica, inclusive o curso normal superior, destinado à
fazendo uso de recursos e tecnologias de educação a formação de docentes para a educação infantil e para as
distância. primeiras séries do ensino fundamental;

83
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

II - programas de formação pedagógica para portadores TÍTULO VII


de diplomas de educação superior que queiram se dedicar Dos Recursos financeiros
à educação básica;
III - programas de educação continuada para os Art. 68. Serão recursos públicos destinados à educação
profissionais de educação dos diversos níveis. os originários de:
I - receita de impostos próprios da União, dos Estados,
Art. 64. A formação de profissionais de educação do Distrito Federal e dos Municípios;
para administração, planejamento, inspeção, supervisão e II - receita de transferências constitucionais e outras
orientação educacional para a educação básica, será feita transferências;
em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós- III - receita do salário-educação e de outras
graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, contribuições sociais;
nesta formação, a base comum nacional. IV - receita de incentivos fiscais;
V - outros recursos previstos em lei.
Art. 65. A formação docente, exceto para a educação
superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas Art. 69. A União aplicará, anualmente, nunca menos de
horas. dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
vinte e cinco por cento, ou o que consta nas respectivas
Art. 66. A preparação para o exercício do magistério Constituições ou Leis Orgânicas, da receita resultante de
superior far-se-á em nível de pós-graduação, impostos, compreendidas as transferências constitucionais,
prioritariamente em programas de mestrado e doutorado. na manutenção e desenvolvimento do ensino público. (Vide
Parágrafo único. O notório saber, reconhecido por Medida Provisória nº 773, de 2017) (Vigência encerrada).
universidade com curso de doutorado em área afim, § 1º A parcela da arrecadação de impostos transferida
poderá suprir a exigência de título acadêmico. pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios,
ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não será
Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo,
dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive receita do governo que a transferir.
nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do § 2º Serão consideradas excluídas das receitas de
magistério público: impostos mencionadas neste artigo as operações de crédito
I - ingresso exclusivamente por concurso público de por antecipação de receita orçamentária de impostos.
provas e títulos; § 3º Para fixação inicial dos valores correspondentes aos
II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive mínimos estatuídos neste artigo, será considerada a receita
com licenciamento periódico remunerado para esse fim; estimada na lei do orçamento anual, ajustada, quando for o
III - piso salarial profissional; caso, por lei que autorizar a abertura de créditos adicionais,
IV - progressão funcional baseada na titulação ou com base no eventual excesso de arrecadação.
habilitação, e na avaliação do desempenho; § 4º As diferenças entre a receita e a despesa
V - período reservado a estudos, planejamento e previstas e as efetivamente realizadas, que resultem no
avaliação, incluído na carga de trabalho; não atendimento dos percentuais mínimos obrigatórios,
VI - condições adequadas de trabalho. serão apuradas e corrigidas a cada trimestre do exercício
§ 1o  A experiência docente é pré-requisito para o financeiro.
exercício profissional de quaisquer outras funções de § 5º O repasse dos valores referidos neste artigo do
magistério, nos termos das normas de cada sistema de caixa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
ensino. Municípios ocorrerá imediatamente ao órgão responsável
§ 2o Para os efeitos do disposto no § 5º do art. 40 e no § pela educação, observados os seguintes prazos:
8   do art. 201 da Constituição Federal, são consideradas
o
I - recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de
funções de magistério as exercidas por professores e cada mês, até o vigésimo dia;
especialistas em educação no desempenho de atividades II - recursos arrecadados do décimo primeiro ao
educativas, quando exercidas em estabelecimento de vigésimo dia de cada mês, até o trigésimo dia;
educação básica em seus diversos níveis e modalidades, III - recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao
incluídas, além do exercício da docência, as de direção de final de cada mês, até o décimo dia do mês subsequente.
unidade escolar e as de coordenação e assessoramento § 6º O atraso da liberação sujeitará os recursos a
pedagógico. correção monetária e à responsabilização civil e criminal
§ 3o  A União prestará assistência técnica aos Estados, das autoridades competentes.
ao Distrito Federal e aos Municípios na elaboração de
concursos públicos para provimento de cargos dos Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e
profissionais da educação.   desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com
vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições
educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se
destinam a:

84
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

I - remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente Art. 75. A ação supletiva e redistributiva da União e dos
e demais profissionais da educação; Estados será exercida de modo a corrigir, progressivamente,
II - aquisição, manutenção, construção e conservação as disparidades de acesso e garantir o padrão mínimo de
de instalações e equipamentos necessários ao ensino; qualidade de ensino.
III – uso e manutenção de bens e serviços vinculados § 1º A ação a que se refere este artigo obedecerá a fórmula
ao ensino; de domínio público que inclua a capacidade de atendimento
IV - levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas e a medida do esforço fiscal do respectivo Estado, do Distrito
visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e Federal ou do Município em favor da manutenção e do
à expansão do ensino; desenvolvimento do ensino.
V - realização de atividades-meio necessárias ao § 2º A capacidade de atendimento de cada governo será
funcionamento dos sistemas de ensino; definida pela razão entre os recursos de uso constitucionalmente
VI - concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas obrigatório na manutenção e desenvolvimento do ensino e o
custo anual do aluno, relativo ao padrão mínimo de qualidade.
públicas e privadas;
§ 3º Com base nos critérios estabelecidos nos §§ 1º e 2º,
VII - amortização e custeio de operações de crédito
a União poderá fazer a transferência direta de recursos a cada
destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo;
estabelecimento de ensino, considerado o número de alunos
VIII - aquisição de material didático-escolar e
que efetivamente frequentam a escola.
manutenção de programas de transporte escolar. § 4º A ação supletiva e redistributiva não poderá ser
exercida em favor do Distrito Federal, dos Estados e dos
Art. 71. Não constituirão despesas de manutenção e Municípios se estes oferecerem vagas, na área de ensino de
desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com: sua responsabilidade, conforme o inciso VI do art. 10 e o inciso
I - pesquisa, quando não vinculada às instituições de V do art. 11 desta Lei, em número inferior à sua capacidade de
ensino, ou, quando efetivada fora dos sistemas de ensino, atendimento.
que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de sua
qualidade ou à sua expansão; Art. 76. A ação supletiva e redistributiva prevista no artigo
II - subvenção a instituições públicas ou privadas de anterior ficará condicionada ao efetivo cumprimento pelos
caráter assistencial, desportivo ou cultural; Estados, Distrito Federal e Municípios do disposto nesta Lei,
III - formação de quadros especiais para a administração sem prejuízo de outras prescrições legais.
pública, sejam militares ou civis, inclusive diplomáticos;
IV - programas suplementares de alimentação, Art. 77. Os recursos públicos serão destinados às escolas
assistência médico-odontológica, farmacêutica e públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias,
psicológica, e outras formas de assistência social; confessionais ou filantrópicas que:
V - obras de infraestrutura, ainda que realizadas para I - comprovem finalidade não-lucrativa e não distribuam
beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar; resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcela
VI - pessoal docente e demais trabalhadores da de seu patrimônio sob nenhuma forma ou pretexto;
educação, quando em desvio de função ou em atividade II - apliquem seus excedentes financeiros em educação;
alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino. III - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra
escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder
Art. 72. As receitas e despesas com manutenção e Público, no caso de encerramento de suas atividades;
desenvolvimento do ensino serão apuradas e publicadas IV - prestem contas ao Poder Público dos recursos
recebidos.
nos balanços do Poder Público, assim como nos relatórios
§ 1º Os recursos de que trata este artigo poderão ser
a que se refere o § 3º do art. 165 da Constituição Federal.
destinados a bolsas de estudo para a educação básica, na
Art. 73. Os órgãos fiscalizadores examinarão,
forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de
prioritariamente, na prestação de contas de recursos
recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares
públicos, o cumprimento do disposto no  art. 212 da da rede pública de domicílio do educando, ficando o Poder
Constituição Federal, no  art. 60 do Ato das Disposições Público obrigado a investir prioritariamente na expansão da
Constitucionais Transitórias e na legislação concernente. sua rede local.
§ 2º As atividades universitárias de pesquisa e extensão
Art. 74. A União, em colaboração com os Estados, o poderão receber apoio financeiro do Poder Público, inclusive
Distrito Federal e os Municípios, estabelecerá padrão mediante bolsas de estudo.
mínimo de oportunidades educacionais para o ensino
fundamental, baseado no cálculo do custo mínimo por TÍTULO VIII
aluno, capaz de assegurar ensino de qualidade. Das Disposições Gerais
Parágrafo único. O custo mínimo de que trata este
artigo será calculado pela União ao final de cada ano, com Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração
validade para o ano subsequente, considerando variações das agências federais de fomento à cultura e de assistência
regionais no custo dos insumos e as diversas modalidades aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino
de ensino. e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e
intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:

85
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, I - custos de transmissão reduzidos em canais
a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens e
de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas em outros meios de comunicação que sejam explorados
e ciências; mediante autorização, concessão ou permissão do poder
II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o público;
acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos II - concessão de canais com finalidades exclusivamente
da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e educativas;
não-índias. III - reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder
Público, pelos concessionários de canais comerciais.
Art. 79. A União apoiará técnica e financeiramente os
sistemas de ensino no provimento da educação intercultural Art. 81. É permitida a organização de cursos ou
às comunidades indígenas, desenvolvendo programas instituições de ensino experimentais, desde que obedecidas
integrados de ensino e pesquisa. as disposições desta Lei.
§ 1º Os programas serão planejados com audiência das
comunidades indígenas. Art. 82. Os sistemas de ensino estabelecerão as normas
§ 2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos de realização de estágio em sua jurisdição, observada a lei
nos Planos Nacionais de Educação, terão os seguintes federal sobre a matéria.
objetivos:
I - fortalecer as práticas socioculturais e a língua Art. 83. O ensino militar é regulado em lei específica,
materna de cada comunidade indígena; admitida a equivalência de estudos, de acordo com as
II - manter programas de formação de pessoal normas fixadas pelos sistemas de ensino.
especializado, destinado à educação escolar nas
comunidades indígenas; Art. 84. Os discentes da educação superior poderão
III - desenvolver currículos e programas específicos, ser aproveitados em tarefas de ensino e pesquisa pelas
neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas instituições, exercendo funções de monitoria,
respectivas comunidades; de acordo com seu rendimento e seu plano de estudos.
IV - elaborar e publicar sistematicamente material
didático específico e diferenciado. Art. 85. Qualquer cidadão habilitado com a titulação
§ 3o No que se refere à educação superior, sem prejuízo própria poderá exigir a abertura de concurso público de
de outras ações, o atendimento aos povos indígenas provas e títulos para cargo de docente de instituição pública
efetivar-se-á, nas universidades públicas e privadas, de ensino que estiver sendo ocupado por professor não
mediante a oferta de ensino e de assistência estudantil, concursado, por mais de seis anos, ressalvados os direitos
assim como de estímulo à pesquisa e desenvolvimento de assegurados pelos arts. 41 da Constituição Federal e 19 do
programas especiais. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Art. 79-A. (Vetado) Art. 86. As instituições de educação superior


constituídas como universidades integrar-se-ão, também,
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de na sua condição de instituições de pesquisa, ao Sistema
novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’. Nacional de Ciência e Tecnologia, nos termos da legislação
específica.
Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimento
e a veiculação de programas de ensino a distância, em TÍTULO IX
todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação Das Disposições Transitórias
continuada. (Regulamento)
§ 1º A educação a distância, organizada com abertura Art. 87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se
e regime especiais, será oferecida por instituições um ano a partir da publicação desta Lei.
especificamente credenciadas pela União. § 1º A União, no prazo de um ano a partir da publicação
§ 2º A União regulamentará os requisitos para a desta Lei, encaminhará, ao Congresso Nacional, o Plano
realização de exames e registro de diploma relativos a Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez
cursos de educação a distância. anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial
§ 3º As normas para produção, controle e avaliação de sobre Educação para Todos.
programas de educação a distância e a autorização para § 2º (Revogado)
sua implementação, caberão aos respectivos sistemas de § 3o O Distrito Federal, cada Estado e Município, e,
ensino, podendo haver cooperação e integração entre os supletivamente, a União, devem:
diferentes sistemas. (Regulamento) I - (Revogado)
§ 4º A educação a distância gozará de tratamento a) (Revogado) 
diferenciado, que incluirá: b) (Revogado) 
c) (Revogado)

86
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

II - prover cursos presenciais ou a distância aos jovens PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS.


e adultos insuficientemente escolarizados;
III - realizar programas de capacitação para todos os Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) são
professores em exercício, utilizando também, para isto, os a referência básica para a elaboração das matrizes de
recursos da educação a distância; referência. Os PCNs foram elaborados para difundir os
IV - integrar todos os estabelecimentos de ensino princípios da reforma curricular e orientar os professores
fundamental do seu território ao sistema nacional de na busca de novas abordagens e metodologias. Eles
avaliação do rendimento escolar. traçam um novo perfil para o currículo, apoiado em
§ 4º (Revogado) competências básicas para a inserção dos jovens na vida
§ 5º Serão conjugados todos os esforços objetivando a adulta; orientam os professores quanto ao significado do
progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino conhecimento escolar quando contextualizado e quanto
fundamental para o regime de escolas de tempo integral. à interdisciplinaridade, incentivando o raciocínio e a
capacidade de aprender.
§ 6º A assistência financeira da União aos Estados, ao
Segundo as orientações dos PCNs o currículo está
Distrito Federal e aos Municípios, bem como a dos Estados
sempre em construção e deve ser compreendido como um
aos seus Municípios, ficam condicionadas ao cumprimento
processo contínuo que influencia positivamente a prática
do  art. 212 da Constituição Federal  e dispositivos legais
do professor. Com base nessa prática e no processo de
pertinentes pelos governos beneficiados. aprendizagem dos alunos os currículos devem ser revistos
e sempre aperfeiçoados.
Art. 87.A- (Vetado).   A opção teórica adotada é a que pressupõe a
existência de competências cognitivas e habilidades a
Art. 88. A União, os Estados, o Distrito Federal e os serem desenvolvidas pelo aluno no processo de ensino-
Municípios adaptarão sua legislação educacional e de aprendizagem.
ensino às disposições desta Lei no prazo máximo de um
ano, a partir da data de sua publicação. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES:
§ 1º As instituições educacionais adaptarão seus O QUE SÃO OS PARÂMETROS CURRICULARES
estatutos e regimentos aos dispositivos desta Lei e às NACIONAIS?
normas dos respectivos sistemas de ensino, nos prazos por
estes estabelecidos. Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem
§ 2º O prazo para que as universidades cumpram o um referencial de qualidade para a educação no Ensino
disposto nos incisos II e III do art. 52 é de oito anos. Fundamental em todo o País. Sua função é orientar
e garantir a coerência dos investimentos no sistema
Art. 89. As creches e pré-escolas existentes ou que educacional, socializando discussões, pesquisas e
venham a ser criadas deverão, no prazo de três anos, a recomendações, subsidiando a participação de técnicos
contar da publicação desta Lei, integrar-se ao respectivo e professores brasileiros, principalmente daqueles que
sistema de ensino. se encontram mais isolados, com menor contato com a
produção pedagógica atual.
Art. 90. As questões suscitadas na transição entre o Por sua natureza aberta, configuram uma proposta
regime anterior e o que se institui nesta Lei serão resolvidas flexível, a ser concretizada nas decisões regionais e locais
pelo Conselho Nacional de Educação ou, mediante sobre currículos e sobre programas de transformação da
delegação deste, pelos órgãos normativos dos sistemas de realidade educacional empreendidos pelas autoridades
governamentais, pelas escolas e pelos professores. Não
ensino, preservada a autonomia universitária.
configuram, portanto, um modelo curricular homogêneo
e impositivo, que se sobreporia à competência político-
Art. 91. Esta Lei entra em vigor na data de sua
executiva dos Estados e Municípios, à diversidade
publicação.
sociocultural das diferentes regiões do País ou à autonomia
de professores e equipes pedagógicas.
Art. 92. Revogam-se as disposições das Leis nºs 4.024, O conjunto das proposições aqui expressas responde
de 20 de dezembro de 1961, e 5.540, de 28 de novembro à necessidade de referenciais a partir dos quais o sistema
de 1968, não alteradas pelas  Leis nºs 9.131, de 24 de educacional do País se organize, a fim de garantir que,
novembro de 1995 e 9.192, de 21 de dezembro de 1995 e, respeitadas as diversidades culturais, regionais, étnicas,
ainda, as Leis nºs 5.692, de 11 de agosto de 1971 e 7.044, religiosas e políticas que atravessam uma sociedade
de 18 de outubro de 1982, e as demais leis e decretos- múltipla, estratificada e complexa, a educação possa atuar,
lei que as modificaram e quaisquer outras disposições em decisivamente, no processo de construção da cidadania,
contrário. tendo como meta o ideal de uma crescente igualdade
de direitos entre os cidadãos, baseado nos princípios
democráticos. Essa igualdade implica necessariamente o
acesso à totalidade dos bens públicos, entre os quais o
conjunto dos conhecimentos socialmente relevantes.

87
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Entretanto, se estes Parâmetros Curriculares Nacionais O Plano Decenal de Educação, em consonância com o
podem funcionar como elemento catalisador de ações na que estabelece a Constituição de 1988, afirma a necessidade
busca de uma melhoria da qualidade da educação brasileira, e a obrigação de o Estado elaborar parâmetros claros no
de modo algum pretendem resolver todos os problemas que campo curricular capazes de orientar as ações educativas
afetam a qualidade do ensino e da aprendizagem no País. A do ensino obrigatório, de forma a adequá-lo aos ideais
busca da qualidade impõe a necessidade de investimentos democráticos e à busca da melhoria da qualidade do
em diferentes frentes, como a formação inicial e continuada ensino nas escolas brasileiras.
de professores, uma política de salários dignos, um plano de Nesse sentido, a leitura atenta do texto constitucional
carreira, a qualidade do livro didático, de recursos televisivos vigente mostra a ampliação das responsabilidades do poder
e de multimídia, a disponibilidade de materiais didáticos. Mas público para com a educação de todos, ao mesmo tempo
esta qualificação almejada implica colocar também, no centro que a Emenda Constitucional n. 14, de 12 de setembro
do debate, as atividades escolares de ensino e aprendizagem de 1996, priorizou o ensino fundamental, disciplinando
e a questão curricular como de inegável importância para a a participação de Estados e Municípios no tocante ao
política educacional da nação brasileira. financiamento desse nível de ensino.

BREVE HISTÓRICO A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


(Lei Federal n. 9.394), aprovada em 20 de dezembro de
Até dezembro de 1996 o ensino fundamental esteve 1996, consolida e amplia o dever do poder público para
estruturado nos termos previstos pela Lei Federal n. 5.692, de com a educação em geral e em particular para com o
11 de agosto de 1971. Essa lei, ao definir as diretrizes e bases ensino fundamental. Assim, vê-se no art. 22 dessa lei que
da educação nacional, estabeleceu como objetivo geral, tanto a educação básica, da qual o ensino fundamental é parte
para o ensino fundamental (primeiro grau, com oito anos de integrante, deve assegurar a todos “a formação comum
escolaridade obrigatória) quanto para o ensino médio (segundo indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes
grau, não obrigatório), proporcionar aos educandos a formação meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”,
necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como
fato que confere ao ensino fundamental, ao mesmo tempo,
elemento de auto realização, preparação para o trabalho e para
um caráter de terminalidade e de continuidade.
o exercício consciente da cidadania.
Também generalizou as disposições básicas sobre
Essa LDB reforça a necessidade de se propiciar a todos
o currículo, estabelecendo o núcleo comum obrigatório
a formação básica comum, o que pressupõe a formulação
em âmbito nacional para o ensino fundamental e médio.
de um conjunto de diretrizes capaz de nortear os currículos
Manteve, porém, uma parte diversificada a fim de contemplar
e seus conteúdos mínimos, incumbência que, nos termos
as peculiaridades locais, a especificidade dos planos dos
estabelecimentos de ensino e as diferenças individuais do art. 9º, inciso IV, é remetida para a União. Para dar
dos alunos. Coube aos Estados a formulação de propostas conta desse amplo objetivo, a LDB consolida a organização
curriculares que serviriam de base às escolas estaduais, curricular de modo a conferir uma maior flexibilidade no
municipais e particulares situadas em seu território, trato dos componentes curriculares, reafirmando desse
compondo, assim, seus respectivos sistemas de ensino. modo o princípio da base nacional comum (Parâmetros
Essas propostas foram, na sua maioria, reformuladas durante Curriculares Nacionais), a ser complementada por uma
os anos 80, segundo as tendências educacionais que se parte diversificada em cada sistema de ensino e escola na
generalizaram nesse período. prática, repetindo o art. 210 da Constituição Federal.
Em 1990 o Brasil participou da Conferência Mundial de Em linha de síntese, pode-se afirmar que o currículo,
Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia, convocada tanto para o ensino fundamental quanto para o ensino
pela Unesco, Unicef, PNUD e Banco Mundial. Dessa médio, deve obrigatoriamente propiciar oportunidades
conferência, assim como da Declaração de Nova Delhi — para o estudo da língua portuguesa, da matemática, do
assinada pelos nove países em desenvolvimento de maior mundo físico e natural e da realidade social e política,
contingente populacional do mundo —, resultaram posições enfatizando-se o conhecimento do Brasil. Também são áreas
consensuais na luta pela satisfação das necessidades básicas curriculares obrigatórias o ensino da Arte e da Educação
de aprendizagem para todos, capazes de tornar universal a Física, necessariamente integradas à proposta pedagógica.
educação fundamental e de ampliar as oportunidades de O ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna
aprendizagem para crianças, jovens e adultos. passa a se constituir um componente curricular obrigatório,
Tendo em vista o quadro atual da educação no Brasil e os a partir da quinta série do ensino fundamental (art. 26, §
compromissos assumidos internacionalmente, o Ministério 5o). Quanto ao ensino religioso, sem onerar as despesas
da Educação e do Desporto coordenou a elaboração públicas, a LDB manteve a orientação já adotada pela política
do Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003), educacional brasileira, ou seja, constitui disciplina dos
concebido como um conjunto de diretrizes políticas em horários normais das escolas públicas, mas é de matrícula
contínuo processo de negociação, voltado para a recuperação facultativa, respeitadas as preferências manifestadas pelos
da escola fundamental, a partir do compromisso com a alunos ou por seus responsáveis (art. 33).
equidade e com o incremento da qualidade, como também
com a constante avaliação dos sistemas escolares, visando ao
seu contínuo aprimoramento.

88
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

O ensino proposto pela LDB está em função do objetivo A proposta dos parâmetros curriculares nacionais
maior do ensino fundamental, que é o de propiciar a todos em face da situação do ensino fundamental
formação básica para a cidadania, a partir da criação na escola de
condições de aprendizagem para: Durante as décadas de 70 e 80 a tônica da política
“I- o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como educacional brasileira recaiu sobre a expansão das
meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; oportunidades de escolarização, havendo um aumento
II- a compreensão do ambiente natural e social, do sistema expressivo no acesso à escola básica. Todavia, os altos
político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se índices de repetência e evasão apontam problemas que
fundamenta a sociedade; evidenciam a grande insatisfação com o trabalho realizado
III- o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, pela escola.
tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a Indicadores fornecidos pela Secretaria de
formação de atitudes e valores; Desenvolvimento e Avaliação Educacional (Sediae), do
IV- o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de Ministério da Educação e do Desporto, reafirmam a
solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se necessidade de revisão do projeto educacional do País, de
assenta a vida social” (art. 32). modo a concentrar a atenção na qualidade do ensino e da
Verifica-se, pois, como os atuais dispositivos relativos à aprendizagem.
organização curricular da educação escolar caminham no sentido
de conferir ao aluno, dentro da estrutura federativa, efetivação Número de alunos e de estabelecimentos
dos objetivos da educação democrática.
A oferta de vagas está praticamente universalizada
O processo de elaboração dos Parâmetros Curriculares no País. O maior contingente de crianças fora da escola
Nacionais encontra-se na região Nordeste. Nas regiões Sul e Sudeste
há desequilíbrios na localização das escolas e, no caso
O processo de elaboração dos Parâmetros Curriculares das grandes cidades, insuficiência de vagas, provocando a
Nacionais teve início a partir do estudo de propostas curriculares
existência de um número excessivo de turnos e a criação de
de Estados e Municípios brasileiros, da análise realizada pela
escolas unidocentes ou multisseriadas.
Fundação Carlos Chagas sobre os currículos oficiais e do contato
Em 1994, os 31,2 milhões de alunos do ensino
com informações relativas a experiências de outros países. Foram
fundamental concentravam-se predominantemente
analisados subsídios oriundos do Plano Decenal de Educação,
nas regiões Sudeste (39%) e Nordeste (31%), seguidas
de pesquisas nacionais e internacionais, dados estatísticos sobre
das regiões Sul (14%), Norte (9%) e Centro-Oeste (7 %),
desempenho de alunos do ensino fundamental, bem como
conforme indicado no gráfico 1.
experiências de sala de aula difundidas em encontros, seminários
e publicações.
Formulou-se, então, uma proposta inicial que, apresentada
em versão preliminar, passou por um processo de discussão em
âmbito nacional, em 1995 e 1996, do qual participaram docentes
de universidades públicas e particulares, técnicos de secretarias
estaduais e municipais de educação, de instituições representativas
de diferentes áreas de conhecimento, especialistas e educadores.
Desses interlocutores foram recebidos aproximadamente
setecentos pareceres sobre a proposta inicial, que serviram de
referência para a sua reelaboração.
A discussão da proposta foi estendida em inúmeros
encontros regionais, organizados pelas delegacias do MEC
nos Estados da federação, que contaram com a participação
de professores do ensino fundamental, técnicos de secretarias A maioria absoluta dos alunos frequentava escolas
municipais e estaduais de educação, membros de conselhos públicas (88,4%) localizadas em áreas urbanas (82,5%),
estaduais de educação, representantes de sindicatos e entidades como resultado do processo de urbanização do País nas
ligadas ao magistério. Os resultados apurados nesses encontros últimas décadas, e da crescente participação do setor
também contribuíram para a reelaboração do documento. público na oferta de matrículas. O setor privado responde
Os pareceres recebidos, além das análises críticas e apenas por 11,6% da oferta, em consequência de sua
sugestões em relação ao conteúdo dos documentos, em sua participação declinante desde o início dos anos 70.
quase-totalidade, apontaram a necessidade de uma política de No que se refere ao número de estabelecimentos de
implementação da proposta educacional inicialmente explicitada. ensino, ao todo 194.487, mais de 70% das escolas são rurais,
Além disso, sugeriram diversas possibilidades de atuação das apesar de responderem por apenas 17,5% da demanda
universidades e das faculdades de educação para a melhoria do de ensino fundamental. Na verdade, as escolas rurais
ensino nas séries iniciais, as quais estão sendo incorporadas na concentram-se sobretudo na região Nordeste (50%), não
elaboração de novos programas de formação de professores, só em função de suas características socioeconômicas, mas
vinculados à implementação dos Parâmetros Curriculares também devido à ausência de planejamento do processo
Nacionais.  de expansão da rede física (gráfico 2).

89
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

queda razoável das taxas médias de repetência e evasão,


que atingem, respectivamente, 33% e 5% em 1992.
Essa tendência é muito significativa. Estudos indicam
que a repetência constitui um dos problemas do quadro
educacional do País, uma vez que os alunos passam, em
média, 5 anos na escola antes de se evadirem ou levam cerca
de 11,2 anos para concluir as oito séries de escolaridade
obrigatória. No entanto, a grande maioria da população
estudantil acaba desistindo da escola, desestimulada em
razão das altas taxas de repetência e pressionada por
fatores socioeconômicos que obrigam boa parte dos
alunos ao trabalho precoce.
Apesar da melhoria observada nos índices de evasão,
o comportamento das taxas de promoção e repetência na
primeira série do ensino fundamental está ainda longe do
desejável: apenas 51% do total de alunos são promovidos,
enquanto 44% repetem, reproduzindo assim o ciclo de
retenção que acaba expulsando os alunos da escola
(gráficos 3, 4 e 5).

A situação mostra-se grave ao se observar a evolução


da distribuição da população por nível de escolaridade. Se
é verdade que houve considerável avanço na escolaridade
correspondente à primeira fase do ensino fundamental
(primeira a quarta séries), é também verdade que em
relação aos demais níveis de ensino a escolaridade ainda é
muito insuficiente: em 1990, apenas 19% da população do
País possuía o primeiro grau completo; 13%, o nível médio;
e 8% possuía o nível superior. Considerando a importância
do ensino fundamental e médio para assegurar a formação
de cidadãos aptos a participar democraticamente da vida
social, esta situação indica a urgência das tarefas e o
esforço que o estado e a sociedade civil deverão assumir
para superar a médio prazo o quadro existente.
Além das imensas diferenças regionais no que concerne
ao número médio de anos de estudo, que apontam a região
Nordeste bem abaixo da média nacional, cabe destacar a
grande oscilação deste indicador em relação à variável cor,
mas relativo equilíbrio do ponto de vista de gênero.

Com efeito, mais do que refletir as desigualdades


regionais e as diferenças de gênero e cor, o quadro de
escolarização desigual do País revela os resultados do
processo de extrema concentração de renda e níveis
elevados de pobreza.

Promoção, repetência e evasão

Em relação às taxas de transição, houve substancial


melhoria dos índices de promoção, repetência e evasão do
ensino fundamental. Verifica-se, no período de 1981-92,
tendência ascendente das taxas de promoção — sobem
de 55% em 1984, para 62% em 1992 — acompanhada de

90
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Do ponto de vista regional, com exceção do Norte e


do Nordeste, as demais regiões apresentam tendência à As taxas de repetência evidenciam a baixa qualidade
elevação das taxas médias de promoção e à queda dos do ensino e a incapacidade dos sistemas educacionais e das
índices de repetência (gráficos 6 e 7), indicando relativo escolas de garantir a permanência do aluno, penalizando
processo de melhoria da eficiência do sistema. Ressalta- principalmente os alunos de níveis de renda mais baixos.
se, contudo, tendência à queda das taxas de evasão nas O “represamento” no sistema causado pelo número
regiões Norte e Nordeste que, em 1992, chegam muito excessivo de reprovações nas séries iniciais contribui de
próximas da média nacional (gráfico 8). forma significativa para o aumento dos gastos públicos, ainda
acrescidos pela subutilização de recursos humanos e materiais
nas séries finais, devido ao número reduzido de alunos.
Uma das consequências mais nefastas das elevadas
taxas de repetência manifesta-se nitidamente nas acentuadas
taxas de distorção série/idade, em todas as séries do ensino
fundamental (gráfico 9). Apesar da ligeira queda observada em
todas as séries, no período 1984-94, a situação é dramática:
- mais de 63% dos alunos do ensino fundamental têm
idade superior à faixa etária correspondente a cada série;
- as regiões Sul e Sudeste, embora situem-se abaixo da
média nacional, ainda apresentam índices bastante elevados,
respectivamente, cerca de 42% e de 54%;
- as regiões Norte e Nordeste situam-se bem acima da
média nacional (respectivamente, 78% e 80%).

Para reverter esse quadro, alguns Estados e Municípios


começam a implementar programas de aceleração do
fluxo escolar, com o objetivo de promover, a médio prazo, a
melhoria dos indicadores de rendimento escolar. São iniciativas
extremamente importantes, uma vez que a pesquisa realizada
pelo MEC, em 1995, por meio do Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Básica (SAEB) mostra que quanto maior a
distorção idade/série, pior o rendimento dos alunos em Língua
Portuguesa e Matemática, tanto no ensino fundamental como
no médio. A repetência, portanto, parece não acrescentar nada
ao processo de ensino e aprendizagem.

91
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Desempenho Professores

O perfil da educação brasileira apresentou significativas O desempenho dos alunos remete-nos diretamente
mudanças nas duas últimas décadas. à necessidade de se considerarem aspectos relativos à
Houve substancial queda da taxa de analfabetismo, formação do professor. Pelo Censo Educacional de 1994
aumento expressivo do número de matrículas em todos foi feito um levantamento da quantidade de professores
os níveis de ensino e crescimento sistemático das taxas de que atuam no ensino fundamental, bem como grau de
escolaridade média da população. escolaridade. Do total de funções docentes do ensino
A progressiva queda da taxa de analfabetismo, que fundamental (cerca de 1,3 milhão), 86,3% encontram-se na
passa de 39,5% para 20,1% nas quatro últimas décadas, foi rede pública; mais de 79% relacionam-se às escolas da área
paralela ao processo de universalização do atendimento urbana e apenas 20,4% à zona rural.
escolar na faixa etária obrigatória (sete a quatorze anos),
A exigência legal de formação inicial para atuação no
tendência que se acentua de meados dos anos 70 para cá,
ensino fundamental nem sempre pode ser cumprida, em
sobretudo como resultado do esforço do setor público na
função das deficiências do sistema educacional. No entanto,
promoção das políticas educacionais.
a má qualidade do ensino não se deve simplesmente à
Esse movimento não ocorreu de forma homogênea.
não formação inicial de parte dos professores, resultando
Ele acompanhou as características de desenvolvimento também da má qualidade da formação que tem sido
socioeconômico do País e reflete suas desigualdades. ministrada. Este levantamento mostra a urgência de se
Por outro lado, resultados obtidos em pesquisa atuar na formação inicial dos professores.
realizada pelo SAEB/95, baseados em uma amostra nacional Além de uma formação inicial consistente, é preciso
que abrangeu 90.499 alunos de 2.793 escolas públicas considerar um investimento educativo contínuo e
e privadas, reafirmam a baixa qualidade atingida no sistemático para que o professor se desenvolva como
desempenho dos alunos no ensino fundamental em relação profissional de educação. O conteúdo e a metodologia
à leitura e principalmente em habilidade matemática. para essa formação precisam ser revistos para que haja
possibilidade de melhoria do ensino. A formação não pode
Os resultados de desempenho em matemática mostram ser tratada como um acúmulo de cursos e técnicas, mas
um rendimento geral insatisfatório, pois os percentuais em sim como um processo reflexivo e crítico sobre a prática
sua maioria situam-se abaixo de 50%. Ao indicarem um educativa. Investir no desenvolvimento profissional dos
rendimento melhor nas questões classificadas como de professores é também intervir em suas reais condições de
compreensão de conceitos do que nas de conhecimento trabalho.
de procedimentos e resolução de problemas, os dados
parecem confirmar o que vem sendo amplamente Princípios e Fundamentos dos Parâmetros
debatido, ou seja, que o ensino da matemática ainda é Curriculares Nacionais
feito sem levar em conta os aspectos que a vinculam com
a prática cotidiana, tornando-a desprovida de significado Na sociedade democrática, ao contrário do que ocorre
para o aluno. Outro fato que chama a atenção é que o pior nos regimes autoritários, o processo educacional não pode
índice refere-se ao campo da geometria. ser instrumento para a imposição, por parte do governo,
Os dados apresentados pela pesquisa confirmam a de um projeto de sociedade e de nação. Tal projeto
necessidade de investimentos substanciais para a melhoria deve resultar do próprio processo democrático, nas suas
da qualidade do ensino e da aprendizagem no ensino dimensões mais amplas, envolvendo a contraposição de
diferentes interesses e a negociação política necessária
fundamental.
para encontrar soluções para os conflitos sociais.
Mesmo os alunos que conseguem completar os oito
Não se pode deixar de levar em conta que, na atual
anos do ensino fundamental acabam dispondo de menos
realidade brasileira, a profunda estratificação social e a
conhecimento do que se espera de quem concluiu a
injusta distribuição de renda têm funcionado como um
escolaridade obrigatória. Aprenderam pouco, e muitas entrave para que uma parte considerável da população
vezes o que aprenderam não facilita sua inserção e atuação possa fazer valer os seus direitos e interesses fundamentais.
na sociedade. Dentre outras deficiências do processo de Cabe ao governo o papel de assegurar que o processo
ensino e aprendizagem, são relevantes o desinteresse geral democrático se desenvolva de modo a que esses entraves
pelo trabalho escolar, a motivação dos alunos centrada diminuam cada vez mais. É papel do Estado democrático
apenas na nota e na promoção, o esquecimento precoce investir na escola, para que ela prepare e instrumentalize
dos assuntos estudados e os problemas de disciplina. crianças e jovens para o processo democrático, forçando
Desde os anos 80, experiências concretas no âmbito o acesso à educação de qualidade para todos e às
dos Estados e Municípios vêm sendo tentadas para a possibilidades de participação social.
transformação desse quadro educacional mas, ainda que Para isso faz-se necessária uma proposta educacional
tenham obtido sucesso, são experiências circunscritas a que tenha em vista a qualidade da formação a ser oferecida
realidades específicas. a todos os estudantes. O ensino de qualidade que a
sociedade demanda atualmente expressa-se aqui como

92
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

a possibilidade de o sistema educacional vir a propor capacidade de iniciativa e inovação e, mais do que nunca,
uma prática educativa adequada às necessidades sociais, “aprender a aprender”. Isso coloca novas demandas para a
políticas, econômicas e culturais da realidade brasileira, escola. A educação básica tem assim a função de garantir
que considere os interesses e as motivações dos alunos e condições para que o aluno construa instrumentos que o
garanta as aprendizagens essenciais para a formação de capacitem para um processo de educação permanente.
cidadãos autônomos, críticos e participativos, capazes de
atuar com competência, dignidade e responsabilidade na Para tanto, é necessário que, no processo de ensino
sociedade em que vivem. e aprendizagem, sejam exploradas: a aprendizagem
O exercício da cidadania exige o acesso de todos de metodologias capazes de priorizar a construção de
à totalidade dos recursos culturais relevantes para a estratégias de verificação e comprovação de hipóteses
intervenção e a participação responsável na vida social. na construção do conhecimento, a construção de
O domínio da língua falada e escrita, os princípios da argumentação capaz de controlar os resultados desse
reflexão matemática, as coordenadas espaciais e temporais processo, o desenvolvimento do espírito crítico capaz
que organizam a percepção do mundo, os princípios da de favorecer a criatividade, a compreensão dos limites e
explicação científica, as condições de fruição da arte e das
alcances lógicos das explicações propostas. Além disso,
mensagens estéticas, domínios de saber tradicionalmente
é necessário ter em conta uma dinâmica de ensino que
presentes nas diferentes concepções do papel da educação
favoreça não só o descobrimento das potencialidades do
no mundo democrático, até outras tantas exigências que se
trabalho individual, mas também, e sobretudo, do trabalho
impõem no mundo contemporâneo.
Essas exigências apontam a relevância de discussões coletivo. Isso implica o estímulo à autonomia do sujeito,
sobre a dignidade do ser humano, a igualdade de desenvolvendo o sentimento de segurança em relação às
direitos, a recusa categórica de formas de discriminação, suas próprias capacidades, interagindo de modo orgânico
a importância da solidariedade e do respeito. Cabe ao e integrado num trabalho de equipe e, portanto, sendo
campo educacional propiciar aos alunos as capacidades capaz de atuar em níveis de interlocução mais complexos
de vivenciar as diferentes formas de inserção sociopolítica e diferenciados.
e cultural. Apresenta-se para a escola, hoje mais do que
nunca, a necessidade de assumir-se como espaço social Natureza e função dos Parâmetros Curriculares
de construção dos significados éticos necessários e Nacionais
constitutivos de toda e qualquer ação de cidadania.
Cada criança ou jovem brasileiro, mesmo de locais
No contexto atual, a inserção no mundo do trabalho com pouca infraestrutura e condições socioeconômicas
e do consumo, o cuidado com o próprio corpo e com a desfavoráveis, deve ter acesso ao conjunto de
saúde, passando pela educação sexual, e a preservação conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos
do meio ambiente são temas que ganham um novo como necessários para o exercício da cidadania para
estatuto, num universo em que os referenciais tradicionais, deles poder usufruir. Se existem diferenças socioculturais
a partir dos quais eram vistos como questões locais ou marcantes, que determinam diferentes necessidades de
individuais, já não dão conta da dimensão nacional e até aprendizagem, existe também aquilo que é comum a todos,
mesmo internacional que tais temas assumem, justificando, que um aluno de qualquer lugar do Brasil, do interior ou do
portanto, sua consideração. Nesse sentido, é papel litoral, de uma grande cidade ou da zona rural, deve ter o
preponderante da escola propiciar o domínio dos recursos direito de aprender e esse direito deve ser garantido pelo
capazes de levar à discussão dessas formas e sua utilização Estado.
crítica na perspectiva da participação social e política. Mas, na medida em que o princípio da equidade
Desde a construção dos primeiros computadores, na reconhece a diferença e a necessidade de haver condições
metade deste século, novas relações entre conhecimento e
diferenciadas para o processo educacional, tendo em vista
trabalho começaram a ser delineadas. Um de seus efeitos é
a garantia de uma formação de qualidade para todos,
a exigência de um reequacionamento do papel da educação
o que se apresenta é a necessidade de um referencial
no mundo contemporâneo, que coloca para a escola
comum para a formação escolar no Brasil, capaz de indicar
um horizonte mais amplo e diversificado do que aquele
que, até poucas décadas atrás, orientava a concepção e aquilo que deve ser garantido a todos, numa realidade
construção dos projetos educacionais. Não basta visar à com características tão diferenciadas, sem promover
capacitação dos estudantes para futuras habilitações em uma uniformização que descaracterize e desvalorize
termos das especializações tradicionais, mas antes trata- peculiaridades culturais e regionais.
se de ter em vista a formação dos estudantes em termos É nesse sentido que o estabelecimento de uma referência
de sua capacitação para a aquisição e o desenvolvimento curricular comum para todo o País, ao mesmo tempo que
de novas competências, em função de novos saberes que fortalece a unidade nacional e a responsabilidade do
se produzem e demandam um novo tipo de profissional, Governo Federal com a educação, busca garantir, também,
preparado para poder lidar com novas tecnologias e o respeito à diversidade que é marca cultural do País,
linguagens, capaz de responder a novos ritmos e processos. mediante a possibilidade de adaptações que integrem as
Essas novas relações entre conhecimento e trabalho exigem diferentes dimensões da prática educacional.

93
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Para compreender a natureza dos Parâmetros O terceiro nível de concretização refere-se à elaboração
Curriculares Nacionais, é necessário situá-los em relação da proposta curricular de cada instituição escolar,
a quatro níveis de concretização curricular considerando contextualizada na discussão de seu projeto educativo.
a estrutura do sistema educacional brasileiro. Tais níveis Entende-se por projeto educativo a expressão da identidade
não representam etapas sequenciais, mas sim amplitudes de cada escola em um processo dinâmico de discussão,
distintas da elaboração de propostas curriculares, com reflexão e elaboração contínua. Esse processo deve contar
responsabilidades diferentes, que devem buscar uma com a participação de toda equipe pedagógica, buscando
integração e, ao mesmo tempo, autonomia. um comprometimento de todos com o trabalho realizado,
com os propósitos discutidos e com a adequação de tal
Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem o projeto às características sociais e culturais da realidade
primeiro nível de concretização curricular. em que a escola está inserida. É no âmbito do projeto
São uma referência nacional para o ensino fundamental; educativo que professores e equipe pedagógica discutem e
estabelecem uma meta educacional para a qual devem organizam os objetivos, conteúdos e critérios de avaliação
convergir as ações políticas do Ministério da Educação e do para cada ciclo.
Desporto, tais como os projetos ligados à sua competência Os Parâmetros Curriculares Nacionais e as propostas
na formação inicial e continuada de professores, à análise e
das Secretarias devem ser vistos como materiais que
compra de livros e outros materiais didáticos e à avaliação
subsidiarão a escola na constituição de sua proposta
nacional. Têm como função subsidiar a elaboração ou a
educacional mais geral, num processo de interlocução em
revisão curricular dos Estados e Municípios, dialogando
com as propostas e experiências já existentes, incentivando que se compartilham e explicitam os valores e propósitos
a discussão pedagógica interna das escolas e a elaboração que orientam o trabalho educacional que se quer
de projetos educativos, assim como servir de material de desenvolver e o estabelecimento do currículo capaz de
reflexão para a prática de professores. atender às reais necessidades dos alunos.
Todos os documentos aqui apresentados configuram
uma referência nacional em que são apontados conteúdos O quarto nível de concretização curricular é o momento
e objetivos articulados, critérios de eleição dos primeiros, da realização da programação das atividades de ensino
questões de ensino e aprendizagem das áreas, que e aprendizagem na sala de aula. É quando o professor,
permeiam a prática educativa de forma explícita ou segundo as metas estabelecidas na fase de concretização
implícita, propostas sobre a avaliação em cada momento anterior, faz sua programação, adequando-a àquele
da escolaridade e em cada área, envolvendo questões grupo específico de alunos. A programação deve garantir
relativas a o que e como avaliar. Assim, além de conter uma uma distribuição planejada de aulas, distribuição dos
exposição sobre seus fundamentos, contém os diferentes conteúdos segundo um cronograma referencial, definição
elementos curriculares — tais como Caracterização das das orientações didáticas prioritárias, seleção do material
Áreas, Objetivos, Organização dos Conteúdos, Critérios a ser utilizado, planejamento de projetos e sua execução.
de Avaliação e Orientações Didáticas —, efetivando uma Apesar de a responsabilidade ser essencialmente de cada
proposta articuladora dos propósitos mais gerais de professor, é fundamental que esta seja compartilhada
formação de cidadania, com sua operacionalização no com a equipe da escola por meio da corresponsabilidade
processo de aprendizagem. estabelecida no projeto educativo.
Apesar de apresentar uma estrutura curricular completa, Tal proposta, no entanto, exige uma política
os Parâmetros Curriculares Nacionais são abertos e flexíveis, educacional que contemple a formação inicial e continuada
uma vez que, por sua natureza, exigem adaptações para dos professores, uma decisiva revisão das condições
a construção do currículo de uma Secretaria ou mesmo salariais, além da organização de uma estrutura de apoio
de uma escola. Também pela sua natureza, eles não se que favoreça o desenvolvimento do trabalho (acervo de
impõem como uma diretriz obrigatória: o que se pretende
livros e obras de referência, equipe técnica para supervisão,
é que ocorram adaptações, por meio do diálogo, entre
materiais didáticos, instalações adequadas para a realização
estes documentos e as práticas já existentes, desde as
de trabalho de qualidade), aspectos que, sem dúvida,
definições dos objetivos até as orientações didáticas para a
manutenção de um todo coerente. implicam a valorização da atividade do professor.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais estão situados FUNDAMENTOS DOS PARÂMETROS CURRICULARES


historicamente — não são princípios atemporais. Sua NACIONAIS
validade depende de estarem em consonância com a
realidade social, necessitando, portanto, de um processo A tradição pedagógica brasileira
periódico de avaliação e revisão, a ser coordenado pelo
MEC. A prática de todo professor, mesmo de forma
O segundo nível de concretização diz respeito às inconsciente, sempre pressupõe uma concepção de ensino
propostas curriculares dos Estados e Municípios. Os e aprendizagem que determina sua compreensão dos
Parâmetros Curriculares Nacionais poderão ser utilizados papéis de professor e aluno, da metodologia, da função
como recurso para adaptações ou elaborações curriculares social da escola e dos conteúdos a serem trabalhados.
realizadas pelas Secretarias de Educação, em um processo A discussão dessas questões é importante para que se
definido pelos responsáveis em cada local. explicitem os pressupostos pedagógicos que subjazem à

94
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

atividade de ensino, na busca de coerência entre o que A “pedagogia renovada” é uma concepção que inclui
se pensa estar fazendo e o que realmente se faz. Tais várias correntes que, de uma forma ou de outra, estão
práticas se constituem a partir das concepções educativas ligadas ao movimento da Escola Nova ou Escola Ativa. Tais
e metodologias de ensino que permearam a formação correntes, embora admitam divergências, assumem um
educacional e o percurso profissional do professor, aí mesmo princípio norteador de valorização do indivíduo
incluídas suas próprias experiências escolares, suas como ser livre, ativo e social. O centro da atividade escolar
experiências de vida, a ideologia compartilhada com seu não é o professor nem os conteúdos disciplinares, mas sim
grupo social e as tendências pedagógicas que lhe são o aluno, como ser ativo e curioso. O mais importante não
contemporâneas. é o ensino, mas o processo de aprendizagem. Em oposição
As tendências pedagógicas que se firmam nas escolas à Escola Tradicional, a Escola Nova destaca o princípio da
brasileiras, públicas e privadas, na maioria dos casos aprendizagem por descoberta e estabelece que a atitude
não aparecem em forma pura, mas com características de aprendizagem parte do interesse dos alunos, que, por
particulares, muitas vezes mesclando aspectos de mais de sua vez, aprendem fundamentalmente pela experiência,
uma linha pedagógica. pelo que descobrem por si mesmos.
O professor é visto, então, como facilitador no processo
A análise das tendências pedagógicas no Brasil deixa de busca de conhecimento que deve partir do aluno.
evidente a influência dos grandes movimentos educacionais Cabe ao professor organizar e coordenar as situações de
internacionais, da mesma forma que expressam as aprendizagem, adaptando suas ações às características
especificidades de nossa história política, social e cultural, a individuais dos alunos, para desenvolver suas capacidades
cada período em que são consideradas. Pode-se identificar, e habilidades intelectuais.
na tradição pedagógica brasileira, a presença de quatro A ideia de um ensino guiado pelo interesse dos alunos
grandes tendências: a tradicional, a renovada, a tecnicista e acabou, em muitos casos, por desconsiderar a necessidade
aquelas marcadas centralmente por preocupações sociais de um trabalho planejado, perdendo-se de vista o que deve
e políticas. Tais tendências serão sintetizadas em grandes ser ensinado e aprendido. Essa tendência, que teve grande
penetração no Brasil na década de 30, no âmbito do ensino
traços que tentam recuperar os pontos mais significativos
pré-escolar ( jardim de infância), até hoje influencia muitas
de cada uma das propostas. Este documento não ignora o
práticas pedagógicas.
risco de uma certa redução das concepções, tendo em vista
a própria síntese e os limites desta apresentação.
Nos anos 70 proliferou o que se chamou de “tecnicismo
A “pedagogia tradicional” é uma proposta de educação
educacional”, inspirado nas teorias behavioristas da
centrada no professor, cuja função se define como a de
aprendizagem e da abordagem sistêmica do ensino, que
vigiar e aconselhar os alunos, corrigir e ensinar a matéria.
definiu uma prática pedagógica altamente controlada e
A metodologia decorrente de tal concepção baseia-
dirigida pelo professor, com atividades mecânicas inseridas
se na exposição oral dos conteúdos, numa sequência numa proposta educacional rígida e passível de ser
predeterminada e fixa, independentemente do contexto totalmente programada em detalhes. A supervalorização
escolar; enfatiza-se a necessidade de exercícios repetidos da tecnologia programada de ensino trouxe consequências:
para garantir a memorização dos conteúdos. A função a escola se revestiu de uma grande autossuficiência,
primordial da escola, nesse modelo, é transmitir reconhecida por ela e por toda a comunidade atingida,
conhecimentos disciplinares para a formação geral do criando assim a falsa ideia de que aprender não é algo
aluno, formação esta que o levará, ao inserir-se futuramente natural do ser humano, mas que depende exclusivamente
na sociedade, a optar por uma profissão valorizada. Os de especialistas e de técnicas. O que é valorizado nessa
conteúdos do ensino correspondem aos conhecimentos perspectiva não é o professor, mas a tecnologia; o
e valores sociais acumulados pelas gerações passadas professor passa a ser um mero especialista na aplicação de
como verdades acabadas, e, embora a escola vise à manuais e sua criatividade fica restrita aos limites possíveis
preparação para a vida, não busca estabelecer relação e estreitos da técnica utilizada. A função do aluno é
entre os conteúdos que se ensinam e os interesses dos reduzida a um indivíduo que reage aos estímulos de forma
alunos, tampouco entre esses e os problemas reais que a corresponder às respostas esperadas pela escola, para ter
afetam a sociedade. Na maioria das escolas essa prática êxito e avançar. Seus interesses e seu processo particular
pedagógica se caracteriza por sobrecarga de informações não são considerados e a atenção que recebe é para ajustar
que são veiculadas aos alunos, o que torna o processo de seu ritmo de aprendizagem ao programa que o professor
aquisição de conhecimento, para os alunos, muitas vezes deve implementar. Essa orientação foi dada para as escolas
burocratizado e destituído de significação. No ensino pelos organismos oficiais durante os anos 60, e até hoje
dos conteúdos, o que orienta é a organização lógica das está presente em muitos materiais didáticos com caráter
disciplinas, o aprendizado moral, disciplinado e esforçado. estritamente técnico e instrumental.

Nesse modelo, a escola se caracteriza pela postura No final dos anos 70 e início dos 80, a abertura política
conservadora. O professor é visto como a autoridade decorrente do final do regime militar coincidiu com a
máxima, um organizador dos conteúdos e estratégias de intensa mobilização dos educadores para buscar uma
ensino e, portanto, o guia exclusivo do processo educativo. educação crítica a serviço das transformações sociais,

95
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

econômicas e políticas, tendo em vista a superação das O enfoque social dado aos processos de ensino e
desigualdades existentes no interior da sociedade. Ao aprendizagem traz para a discussão pedagógica aspectos
lado das denominadas teorias crítico-reprodutivistas, de extrema relevância, em particular no que se refere
firma-se no meio educacional a presença da “pedagogia à maneira como se devem entender as relações entre
libertadora” e da “pedagogia crítico-social dos conteúdos”, desenvolvimento e aprendizagem, à importância da
assumida por educadores de orientação marxista. relação interpessoal nesse processo, à relação entre cultura
A “pedagogia libertadora” tem suas origens nos e educação e ao papel da ação educativa ajustada às
movimentos de educação popular que ocorreram no situações de aprendizagem e às características da atividade
final dos anos 50 e início dos anos 60, quando foram mental construtiva do aluno em cada momento de sua
interrompidos pelo golpe militar de 1964; teve seu escolaridade.
desenvolvimento retomado no final dos anos 70 e início
dos anos 80. Nessa proposta, a atividade escolar pauta-se A psicologia genética propiciou aprofundar a
em discussões de temas sociais e políticos e em ações sobre compreensão sobre o processo de desenvolvimento na
construção do conhecimento. Compreender os mecanismos
a realidade social imediata; analisam-se os problemas, seus
pelos quais as crianças constroem representações internas
fatores determinantes e organiza-se uma forma de atuação
de conhecimentos construídos socialmente, em uma
para que se possa transformar a realidade social e política.
perspectiva psicogenética, traz uma contribuição para além
O professor é um coordenador de atividades que organiza das descrições dos grandes estágios de desenvolvimento.
e atua conjuntamente com os alunos. A pesquisa sobre a psicogênese da língua escrita
A “pedagogia crítico-social dos conteúdos” que surge chegou ao Brasil em meados dos anos 80 e causou grande
no final dos anos 70 e início dos 80 se põe como uma reação impacto, revolucionando o ensino da língua nas séries
de alguns educadores que não aceitam a pouca relevância iniciais e, ao mesmo tempo, provocando uma revisão do
que a “pedagogia libertadora” dá ao aprendizado do tratamento dado ao ensino e à aprendizagem em outras
chamado “saber elaborado”, historicamente acumulado, áreas do conhecimento. Essa investigação evidencia a
que constitui parte do acervo cultural da humanidade. atividade construtiva do aluno sobre a língua escrita, objeto
A “pedagogia crítico-social dos conteúdos” assegura a de conhecimento reconhecidamente escolar, mostrando
função social e política da escola mediante o trabalho com a presença importante dos conhecimentos específicos
conhecimentos sistematizados, a fim de colocar as classes sobre a escrita que a criança já tem, os quais, embora não
populares em condições de uma efetiva participação nas coincidam com os dos adultos, têm sentido para ela.
lutas sociais. Entende que não basta ter como conteúdo A metodologia utilizada nessas pesquisas foi muitas
escolar as questões sociais atuais, mas que é necessário vezes interpretada como uma proposta de pedagogia
que se tenha domínio de conhecimentos, habilidades construtivista para alfabetização, o que expressa um
e capacidades mais amplas para que os alunos possam duplo equívoco: redução do construtivismo a uma teoria
interpretar suas experiências de vida e defender seus psicogenética de aquisição de língua escrita e transformação
interesses de classe. de uma investigação acadêmica em método de ensino.
Com esses equívocos, difundiram-se, sob o rótulo de
As tendências pedagógicas que marcam a tradição pedagogia construtivista, as ideias de que não se devem
educacional brasileira e aqui foram expostas sinteticamente corrigir os erros e de que as crianças aprendem fazendo
trazem, de maneira diferente, contribuições para uma “do seu jeito”. Essa pedagogia, dita construtivista, trouxe
proposta atual que busque recuperar aspectos positivos sérios problemas ao processo de ensino e aprendizagem,
das práticas anteriores em relação ao desenvolvimento e pois desconsidera a função primordial da escola que é
ensinar, intervindo para que os alunos aprendam o que,
à aprendizagem, realizando uma releitura dessas práticas
sozinhos, não têm condições de aprender.
à luz dos avanços ocorridos nas produções teóricas, nas
investigações e em fatos que se tornaram observáveis
A orientação proposta nos Parâmetros Curriculares
nas experiências educativas mais recentes realizadas em Nacionais reconhece a importância da participação
diferentes Estados e Municípios do Brasil. construtiva do aluno e, ao mesmo tempo, da intervenção
No final dos anos 70, pode-se dizer que havia no Brasil, do professor para a aprendizagem de conteúdos específicos
entre as tendências didáticas de vanguarda, aquelas que que favoreçam o desenvolvimento das capacidades
tinham um viés mais psicológico e outras cujo viés era mais necessárias à formação do indivíduo. Ao contrário de uma
sociológico e político; a partir dos anos 80 surge com maior concepção de ensino e aprendizagem como um processo
evidência um movimento que pretende a integração entre que se desenvolve por etapas, em que a cada uma delas o
essas abordagens. Se por um lado não é mais possível deixar conhecimento é “acabado”, o que se propõe é uma visão da
de se ter preocupações com o domínio de conhecimentos complexidade e da provisoriedade do conhecimento. De
formais para a participação crítica na sociedade, considera- um lado, porque o objeto de conhecimento é “complexo”
se também que é necessária uma adequação pedagógica de fato e reduzi-lo seria falsificá-lo; de outro, porque
às características de um aluno que pensa, de um professor o processo cognitivo não acontece por justaposição,
que sabe e aos conteúdos de valor social e formativo. senão por reorganização do conhecimento. É também
Esse momento se caracteriza pelo enfoque centrado “provisório”, uma vez que não é possível chegar de imediato
no caráter social do processo de ensino e aprendizagem e ao conhecimento correto, mas somente por aproximações
é marcado pela influência da psicologia genética. sucessivas que permitem sua reconstrução.

96
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Os Parâmetros Curriculares Nacionais, tanto planejadas com o propósito de contribuir para que os
nos objetivos educacionais que propõem quanto na alunos se apropriem dos conteúdos de maneira crítica e
conceitualização do significado das áreas de ensino e dos construtiva. A escola, por ser uma instituição social com
temas da vida social contemporânea que devem permeá- propósito explicitamente educativo, tem o compromisso
las, adotam como eixo o desenvolvimento de capacidades de intervir efetivamente para promover o desenvolvimento
do aluno, processo em que os conteúdos curriculares e a socialização de seus alunos.
atuam não como fins em si mesmos, mas como meios para Essa função socializadora remete a dois aspectos: o
a aquisição e desenvolvimento dessas capacidades. Nesse desenvolvimento individual e o contexto social e cultural. É
sentido, o que se tem em vista é que o aluno possa ser nessa dupla determinação que os indivíduos se constroem
sujeito de sua própria formação, em um complexo processo como pessoas iguais, mas, ao mesmo tempo, diferentes de
interativo em que também o professor se veja como sujeito todas as outras. Iguais por compartilhar com outras pessoas
de conhecimento. um conjunto de saberes e formas de conhecimento que,
por sua vez, só é possível graças ao que individualmente
Escola e constituição da cidadania se puder incorporar. Não há desenvolvimento individual
possível à margem da sociedade, da cultura. Os processos
A importância dada aos conteúdos revela um de diferenciação na construção de uma identidade pessoal
compromisso da instituição escolar em garantir o acesso e os processos de socialização que conduzem a padrões de
aos saberes elaborados socialmente, pois estes se identidade coletiva constituem, na verdade, as duas faces
constituem como instrumentos para o desenvolvimento, de um mesmo processo.
a socialização, o exercício da cidadania democrática e a A escola, na perspectiva de construção de cidadania,
atuação no sentido de refutar ou reformular as deformações precisa assumir a valorização da cultura de sua própria
dos conhecimentos, as imposições de crenças dogmáticas comunidade e, ao mesmo tempo, buscar ultrapassar seus
e a petrificação de valores. Os conteúdos escolares que são limites, propiciando às crianças pertencentes aos diferentes
ensinados devem, portanto, estar em consonância com as grupos sociais o acesso ao saber, tanto no que diz respeito
questões sociais que marcam cada momento histórico. aos conhecimentos socialmente relevantes da cultura
Isso requer que a escola seja um espaço de formação brasileira no âmbito nacional e regional como no que faz
e informação, em que a aprendizagem de conteúdos deve parte do patrimônio universal da humanidade.
necessariamente favorecer a inserção do aluno no dia-
a-dia das questões sociais marcantes e em um universo O desenvolvimento de capacidades, como as de
cultural maior. A formação escolar deve propiciar o relação interpessoal, as cognitivas, as afetivas, as motoras,
desenvolvimento de capacidades, de modo a favorecer as éticas, as estéticas de inserção social, torna-se possível
a compreensão e a intervenção nos fenômenos sociais e mediante o processo de construção e reconstrução de
culturais, assim como possibilitar aos alunos usufruir das conhecimentos. Essa aprendizagem é exercida com o
manifestações culturais nacionais e universais. aporte pessoal de cada um, o que explica por que, a partir
No contexto da proposta dos Parâmetros Curriculares dos mesmos saberes, há sempre lugar para a construção
Nacionais se concebe a educação escolar como uma prática de uma infinidade de significados, e não a uniformidade
que tem a possibilidade de criar condições para que todos destes. Os conhecimentos que se transmitem e se recriam
os alunos desenvolvam suas capacidades e aprendam os na escola ganham sentido quando são produtos de uma
conteúdos necessários para construir instrumentos de construção dinâmica que se opera na interação constante
compreensão da realidade e de participação em relações entre o saber escolar e os demais saberes, entre o que o
sociais, políticas e culturais diversificadas e cada vez mais aluno aprende na escola e o que ele traz para a escola, num
amplas, condições estas fundamentais para o exercício da processo contínuo e permanente de aquisição, no qual
cidadania na construção de uma sociedade democrática e interferem fatores políticos, sociais, culturais e psicológicos.
não excludente. As questões relativas à globalização, as transformações
científicas e tecnológicas e a necessária discussão ético-
A prática escolar distingue-se de outras práticas valorativa da sociedade apresentam para a escola a
educativas, como as que acontecem na família, no trabalho, imensa tarefa de instrumentalizar os jovens para participar
na mídia, no lazer e nas demais formas de convívio social, da cultura, das relações sociais e políticas. A escola, ao
por constituir-se uma ação intencional, sistemática, posicionar-se dessa maneira, abre a oportunidade para que
planejada e continuada para crianças e jovens durante os alunos aprendam sobre temas normalmente excluídos
um período contínuo e extenso de tempo. A escola, ao e atua propositalmente na formação de valores e atitudes
tomar para si o objetivo de formar cidadãos capazes de do sujeito em relação ao outro, à política, à economia, ao
atuar com competência e dignidade na sociedade, buscará sexo, à droga, à saúde, ao meio ambiente, à tecnologia, etc.
eleger, como objeto de ensino, conteúdos que estejam em Um ensino de qualidade, que busca formar cidadãos
consonância com as questões sociais que marcam cada capazes de interferir criticamente na realidade para
momento histórico, cuja aprendizagem e assimilação são as transformá-la, deve também contemplar o desenvolvimento
consideradas essenciais para que os alunos possam exercer de capacidades que possibilitem adaptações às complexas
seus direitos e deveres. Para tanto ainda é necessário que condições e alternativas de trabalho que temos hoje e a
a instituição escolar garanta um conjunto de práticas lidar com a rapidez na produção e na circulação de novos

97
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

conhecimentos e informações, que têm sido avassaladores e Esse projeto deve ser entendido como um processo
crescentes. A formação escolar deve possibilitar aos alunos que inclui a formulação de metas e meios, segundo a
condições para desenvolver competência e consciência particularidade de cada escola, por meio da criação e
profissional, mas não restringir-se ao ensino de habilidades da valorização de rotinas de trabalho pedagógico em
imediatamente demandadas pelo mercado de trabalho. grupo e da corresponsabilidade de todos os membros da
comunidade escolar, para além do planejamento de início
A discussão sobre a função da escola não pode ignorar de ano ou dos períodos de “reciclagem”.
as reais condições em que esta se encontra. A situação A experiência acumulada por seus profissionais é
de precariedade vivida pelos educadores, expressa nos naturalmente a base para a reflexão e a elaboração do
baixos salários, na falta de condições de trabalho, de projeto educativo de uma escola. Além desse repertório,
metas a serem alcançadas, de prestígio social, na inércia outras fontes importantes para a definição de um projeto
de grande parte dos órgãos responsáveis por alterar esse educativo são os currículos locais, a bibliografia especializada,
quadro, provoca, na maioria das pessoas, um descrédito o contato com outras experiências educacionais, assim
na transformação da situação. Essa desvalorização objetiva como os Parâmetros Curriculares Nacionais, que formulam
do magistério acaba por ser interiorizada, bloqueando as questões essenciais sobre o que, como e quando ensinar,
motivações. Outro fator de desmotivação dos profissionais constituindo um referencial significativo e atualizado sobre
da rede pública é a mudança de rumo da educação diante a função da escola, a importância dos conteúdos e o
da orientação política de cada governante. Às vezes as tratamento a ser dado a eles.
transformações propostas reafirmam certas posições, às Ao elaborar seu projeto educativo, a escola discute
vezes outras. Esse movimento de vai e volta gera, para a e explicita de forma clara os valores coletivos assumidos.
maioria dos professores, um desânimo para se engajar nos Delimita suas prioridades, define os resultados desejados
projetos de trabalho propostos, mesmo que lhes pareçam e incorpora a auto avaliação ao trabalho do professor.
interessantes, pois eles dificilmente terão continuidade. Assim, organiza-se o planejamento, reúne-se a equipe de
trabalho, provoca-se o estudo e a reflexão contínuos, dando
sentido às ações cotidianas, reduzindo a improvisação
Em síntese, as escolas brasileiras, para exercerem a
e as condutas estereotipadas e rotineiras que, muitas
função social aqui proposta, precisam possibilitar o cultivo
vezes, são contraditórias com os objetivos educacionais
dos bens culturais e sociais, considerando as expectativas
compartilhados.
e as necessidades dos alunos, dos pais, dos membros
da comunidade, dos professores, enfim, dos envolvidos
A contínua realização do projeto educativo possibilita
diretamente no processo educativo. É nesse universo que
o conhecimento das ações desenvolvidas pelos diferentes
o aluno vivencia situações diversificadas que favorecem o
professores, sendo base de diálogo e reflexão para toda a
aprendizado, para dialogar de maneira competente com a equipe escolar. Nesse processo evidencia-se a necessidade
comunidade, aprender a respeitar e a ser respeitado, a ouvir da participação da comunidade, em especial dos pais,
e a ser ouvido, a reivindicar direitos e a cumprir obrigações, tomando conhecimento e interferindo nas propostas da
a participar ativamente da vida científica, cultural, social e escola e em suas estratégias. O resultado que se espera é
política do País e do mundo. a possibilidade de os alunos terem uma experiência escolar
coerente e bem-sucedida.
Escola: uma construção coletiva e permanente Deve ser ressaltado que uma prática de reflexão coletiva
não é algo que se atinge de uma hora para outra e a escola
Nessa perspectiva, é essencial a vinculação da escola é uma realidade complexa, não sendo possível tratar as
com as questões sociais e com os valores democráticos, questões como se fossem simples de serem resolvidas. Cada
não só do ponto de vista da seleção e tratamento dos escola encontra uma realidade, uma trama, um conjunto de
conteúdos, como também da própria organização escolar. circunstâncias e de pessoas. É preciso que haja incentivo
As normas de funcionamento e os valores, implícitos e do poder público local, pois o desenvolvimento do projeto
explícitos, que regem a atuação das pessoas na escola são requer tempo para análise, discussão e reelaboração
determinantes da qualidade do ensino, interferindo de contínua, o que só é possível em um clima institucional
maneira significativa sobre a formação dos alunos. favorável e com condições objetivas de realização.

Com a degradação do sistema educacional brasileiro, Aprender e ensinar, construir e interagir


pode-se dizer que a maioria das escolas tende a ser apenas
um local de trabalho individualizado e não uma organização Por muito tempo a pedagogia focou o processo de
com objetivos próprios, elaborados e manifestados pela ensino no professor, supondo que, como decorrência,
ação coordenada de seus diversos profissionais. estaria valorizando o conhecimento. O ensino, então,
Para ser uma organização eficaz no cumprimento de ganhou autonomia em relação à aprendizagem, criou seus
propósitos estabelecidos em conjunto por professores, próprios métodos e o processo de aprendizagem ficou
coordenadores e diretor, e garantir a formação coerente relegado a segundo plano. Hoje sabe-se que é necessário
de seus alunos ao longo da escolaridade obrigatória, é ressignificar a unidade entre aprendizagem e ensino, uma
imprescindível que cada escola discuta e construa seu vez que, em última instância, sem aprendizagem o ensino
projeto educativo. não se realiza.

98
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

A busca de um marco explicativo que permita essa O que o aluno pode aprender em determinado momento
ressignificação, além da criação de novos instrumentos da escolaridade depende das possibilidades delineadas
de análise, planejamento e condução da ação educativa pelas formas de pensamento de que dispõe naquela fase
na escola, tem se situado, atualmente, para muitos dos de desenvolvimento, dos conhecimentos que já construiu
teóricos da educação, dentro da perspectiva construtivista. anteriormente e do ensino que recebe. Isto é, a intervenção
A perspectiva construtivista na educação é configurada pedagógica deve-se ajustar ao que os alunos conseguem
por uma série de princípios explicativos do desenvolvimento realizar em cada momento de sua aprendizagem, para se
e da aprendizagem humana que se complementam, constituir verdadeira ajuda educativa. O conhecimento
integrando um conjunto orientado a analisar, compreender é resultado de um complexo e intrincado processo de
e explicar os processos escolares de ensino e aprendizagem. modificação, reorganização e construção, utilizado pelos
A configuração do marco explicativo construtivista alunos para assimilar e interpretar os conteúdos escolares.
para os processos de educação escolar deu-se, entre Por mais que o professor, os companheiros de classe e
outras influências, a partir da psicologia genética, da os materiais didáticos possam, e devam, contribuir para que
teoria sociointeracionista e das explicações da atividade a aprendizagem se realize, nada pode substituir a atuação
significativa. Vários autores partiram dessas ideias para do próprio aluno na tarefa de construir significados sobre
desenvolver e conceitualizar as várias dimensões envolvidas os conteúdos da aprendizagem. É ele quem modifica,
na educação escolar, trazendo inegáveis contribuições à enriquece e, portanto, constrói novos e mais potentes
teoria e à prática educativa. instrumentos de ação e interpretação.
Mas o desencadeamento da atividade mental
O núcleo central da integração de todas essas construtiva não é suficiente para que a educação escolar
contribuições refere-se ao reconhecimento da importância alcance os objetivos a que se propõe: que as aprendizagens
da atividade mental construtiva nos processos de estejam compatíveis com o que significam socialmente.
aquisição de conhecimento. Daí o termo construtivismo, O processo de atribuição de sentido aos conteúdos
denominando essa convergência. Assim, o conhecimento escolares é, portanto, individual; porém, é também cultural
não é visto como algo situado fora do indivíduo, a ser na medida em que os significados construídos remetem a
adquirido por meio de cópia do real, tampouco como
formas e saberes socialmente estruturados.
algo que o indivíduo constrói independentemente da
Conceber o processo de aprendizagem como
realidade exterior, dos demais indivíduos e de suas
propriedade do sujeito não implica desvalorizar o
próprias capacidades pessoais. É, antes de mais nada, uma
papel determinante da interação com o meio social e,
construção histórica e social, na qual interferem fatores de
particularmente, com a escola. Ao contrário, situações
ordem cultural e psicológica.
escolares de ensino e aprendizagem são situações
A atividade construtiva, física ou mental, permite
comunicativas, nas quais os alunos e professores atuam
interpretar a realidade e construir significados, ao mesmo
como corresponsáveis, ambos com uma influência decisiva
tempo que permite construir novas possibilidades de ação
e de conhecimento. para o êxito do processo.
Nesse processo de interação com o objeto a ser A abordagem construtivista integra, num único
conhecido, o sujeito constrói representações, que esquema explicativo, questões relativas ao desenvolvimento
funcionam como verdadeiras explicações e se orientam individual e à pertinência cultural, à construção de
por uma lógica interna que, por mais que possa parecer conhecimentos e à interação social.
incoerente aos olhos de um outro, faz sentido para o Considera o desenvolvimento pessoal como o
sujeito. As ideias “equivocadas”, ou seja, construídas e processo mediante o qual o ser humano assume a cultura
transformadas ao longo do desenvolvimento, fruto de do grupo social a que pertence. Processo no qual o
aproximações sucessivas, são expressão de uma construção desenvolvimento pessoal e a aprendizagem da experiência
inteligente por parte do sujeito e, portanto, interpretadas humana culturalmente organizada, ou seja, socialmente
como erros construtivos. produzida e historicamente acumulada, não se excluem
A tradição escolar — que não faz diferença entre nem se confundem, mas interagem. Daí a importância
erros integrantes do processo de aprendizagem e simples das interações entre crianças e destas com parceiros
enganos ou desconhecimentos — trabalha com a ideia de experientes, dentre os quais destacam-se professores e
que a ausência de erros na tarefa escolar é a manifestação outros agentes educativos.
da aprendizagem. Hoje, graças ao avanço da investigação
científica na área da aprendizagem, tornou-se possível O conceito de aprendizagem significativa, central na
interpretar o erro como algo inerente ao processo de perspectiva construtivista, implica, necessariamente, o
aprendizagem e ajustar a intervenção pedagógica para trabalho simbólico de “significar” a parcela da realidade
ajudar a superá-lo. A superação do erro é resultado que se conhece. As aprendizagens que os alunos realizam
do processo de incorporação de novas ideias e de na escola serão significativas à medida que conseguirem
transformação das anteriores, de maneira a dar conta das estabelecer relações substantivas e não-arbitrárias entre
contradições que se apresentarem ao sujeito para, assim, os conteúdos escolares e os conhecimentos previamente
alcançar níveis superiores de conhecimento. construídos por eles, num processo de articulação de
novos significados.

99
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Cabe ao educador, por meio da intervenção pedagógica, funcionamento da instituição escolar e os valores implícitos
promover a realização de aprendizagens com o maior e explícitos que permeiam as relações entre os membros da
grau de significado possível, uma vez que esta nunca é escola; são fatores determinantes da qualidade de ensino
absoluta — sempre é possível estabelecer alguma relação e podem chegar a influir de maneira significativa sobre o
entre o que se pretende conhecer e as possibilidades de que e como os alunos aprendem. Os alunos não contam
observação, reflexão e informação que o sujeito já possui. exclusivamente com o contexto escolar para a construção
A aprendizagem significativa implica sempre alguma de conhecimento sobre conteúdos considerados escolares.
ousadia: diante do problema posto, o aluno precisa A mídia, a família, a igreja, os amigos, são também fontes
elaborar hipóteses e experimentá-las. Fatores e processos de influência educativa que incidem sobre o processo
afetivos, motivacionais e relacionais são importantes nesse de construção de significado desses conteúdos. Essas
momento. Os conhecimentos gerados na história pessoal e influências sociais normalmente somam-se ao processo de
educativa têm um papel determinante na expectativa que o aprendizagem escolar, contribuindo para consolidá-lo; por
aluno tem da escola, do professor e de si mesmo, nas suas isso é importante que a escola as considere e as integre ao
motivações e interesses, em seu autoconceito e em sua trabalho. Porém, algumas vezes, essa mesma influência pode
autoestima. Assim como os significados construídos pelo apresentar obstáculos à aprendizagem escolar, ao indicar
aluno estão destinados a ser substituídos por outros no uma direção diferente, ou mesmo oposta, daquela presente
transcurso das atividades, as representações que o aluno no encaminhamento escolar. É necessário que a escola
tem de si e de seu processo de aprendizagem também. É considere tais direções e forneça uma interpretação dessas
fundamental, portanto, que a intervenção educativa escolar diferenças, para que a intervenção pedagógica favoreça a
propicie um desenvolvimento em direção à disponibilidade ultrapassagem desses obstáculos num processo articulado
exigida pela aprendizagem significativa. de interação e integração. Se o projeto educacional exige
ressignificar o processo de ensino e aprendizagem, este
Se a aprendizagem for uma experiência de sucesso, precisa se preocupar em preservar o desejo de conhecer e
o aluno constrói uma representação de si mesmo como de saber com que todas as crianças chegam à escola. Precisa
alguém capaz. Se, ao contrário, for uma experiência de manter a boa qualidade do vínculo com o conhecimento
fracasso, o ato de aprender tenderá a se transformar e não destruí-lo pelo fracasso reiterado. Mas garantir
em ameaça, e a ousadia necessária se transformará em
experiências de sucesso não significa omitir ou disfarçar o
medo, para o qual a defesa possível é a manifestação de
fracasso; ao contrário, significa conseguir realizar a tarefa
desinteresse.
a que se propôs. Relaciona-se, portanto, com propostas e
A aprendizagem é condicionada, de um lado, pelas
intervenções pedagógicas adequadas.
possibilidades do aluno, que englobam tanto os níveis
de organização do pensamento como os conhecimentos
O professor deve ter propostas claras sobre o que,
e experiências prévias, e, de outro, pela interação com os
quando e como ensinar e avaliar, a fim de possibilitar o
outros agentes.
Para a estruturação da intervenção educativa é planejamento de atividades de ensino para a aprendizagem
fundamental distinguir o nível de desenvolvimento real do de maneira adequada e coerente com seus objetivos. É
potencial. O nível de desenvolvimento real se determina a partir dessas determinações que o professor elabora
como aquilo que o aluno pode fazer sozinho em uma a programação diária de sala de aula e organiza sua
situação determinada, sem ajuda de ninguém. O nível intervenção de maneira a propor situações de aprendizagem
de desenvolvimento potencial é determinado pelo que ajustadas às capacidades cognitivas dos alunos.
o aluno pode fazer ou aprender mediante a interação Em síntese, não é a aprendizagem que deve se ajustar
com outras pessoas, conforme as observa, imitando, ao ensino, mas sim o ensino que deve potencializar a
trocando ideias com elas, ouvindo suas explicações, sendo aprendizagem.
desafiado por elas ou contrapondo-se a elas, sejam essas
pessoas o professor ou seus colegas. Existe uma zona de Organização dos parâmetros curriculares nacionais
desenvolvimento próximo, dada pela diferença existente
entre o que um aluno pode fazer sozinho e o que pode fazer A análise das propostas curriculares oficiais para o
ou aprender com a ajuda dos outros. De acordo com essa ensino fundamental, elaborada pela Fundação Carlos
concepção, falar dos mecanismos de intervenção educativa Chagas, aponta dados relevantes que auxiliam a reflexão
equivale a falar dos mecanismos interativos pelos quais sobre a organização curricular e a forma como seus
professores e colegas conseguem ajustar sua ajuda aos componentes são abordados.
processos de construção de significados realizados pelos Segundo essa análise, as propostas, de forma geral,
alunos no decorrer das atividades escolares de ensino e apontam como grandes diretrizes uma perspectiva
aprendizagem. democrática e participativa, e que o ensino fundamental
deve se comprometer com a educação necessária para
Existem ainda, dentro do contexto escolar, outros a formação de cidadãos críticos, autônomos e atuantes.
mecanismos de influência educativa, cuja natureza e No entanto, a maioria delas apresenta um descompasso
funcionamento em grande medida são desconhecidos, entre os objetivos anunciados e o que é proposto para
mas que têm incidência considerável sobre a aprendizagem alcançá-los, entre os pressupostos teóricos e a definição de
dos alunos. Dentre eles destacam-se a organização e o conteúdos e aspectos metodológicos.

100
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

A estrutura dos Parâmetros Curriculares Nacionais A avaliação é considerada como elemento favorecedor
buscou contribuir para a superação dessa contradição. da melhoria de qualidade da aprendizagem, deixando de
A integração curricular assume as especificidades de funcionar como arma contra o aluno. É assumida como parte
cada componente e delineia a operacionalização do integrante e instrumento de auto-regulação do processo de
processo educativo desde os objetivos gerais do ensino ensino e aprendizagem, para que os objetivos propostos
fundamental, passando por sua especificação nos objetivos sejam atingidos. A avaliação diz respeito não só ao aluno,
gerais de cada área e de cada tema transversal, deduzindo mas também ao professor e ao próprio sistema escolar.
desses objetivos os conteúdos apropriados para configurar
as reais intenções educativas. Assim, os objetivos, que A opção de organização da escolaridade em ciclos,
tendência predominante nas propostas mais atuais, é
definem capacidades, e os conteúdos, que estarão a
referendada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais.
serviço do desenvolvimento dessas capacidades, formam
A organização em ciclos é uma tentativa de superar a
uma unidade orientadora da proposta curricular. segmentação excessiva produzida pelo regime seriado e
Para que se possa discutir uma prática escolar que de buscar princípios de ordenação que possibilitem maior
realmente atinja seus objetivos, os Parâmetros Curriculares integração do conhecimento.
Nacionais apontam questões de tratamento didático por Os componentes curriculares foram formulados a partir
área e por ciclo, procurando garantir coerência entre da análise da experiência educacional acumulada em todo
os pressupostos teóricos, os objetivos e os conteúdos, o território nacional. Pautaram-se, também, pela análise das
mediante sua operacionalização em orientações didáticas tendências mais atuais de investigação científica, a fim de
e critérios de avaliação. Em outras palavras, apontam o que poderem expressar um avanço na discussão em torno da
e como se pode trabalhar, desde as séries iniciais, para que busca de qualidade de ensino e aprendizagem.
se alcancem os objetivos pretendidos.
As propostas curriculares oficiais dos Estados estão A organização da escolaridade em ciclos
organizadas em disciplinas e/ou áreas. Apenas alguns
Municípios optam por princípios norteadores, eixos Na década de 80, vários Estados e Municípios
ou temas, que visam tratar os conteúdos de modo reestruturaram o ensino fundamental a partir das séries
interdisciplinar, buscando integrar o cotidiano social com iniciais. Esse processo de reorganização, que tinha como
o saber escolar. objetivo político minimizar o problema da repetência e
da evasão escolar, adotou como princípio norteador a
flexibilização da seriação, o que abriria a possibilidade
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, optou-se
de o currículo ser trabalhado ao longo de um período de
por um tratamento específico das áreas, em função da tempo maior e permitiria respeitar os diferentes ritmos de
importância instrumental de cada uma, mas contemplou- aprendizagem que os alunos apresentam.
se também a integração entre elas. Quanto às questões Desse modo, a seriação inicial deu lugar ao ciclo
sociais relevantes, reafirma-se a necessidade de sua básico com a duração de dois anos, tendo como objetivo
problematização e análise, incorporando-as como temas propiciar maiores oportunidades de escolarização voltada
transversais. As questões sociais abordadas são: ética, para a alfabetização efetiva das crianças. As experiências,
saúde, meio ambiente, orientação sexual e pluralidade ainda que tenham apresentado problemas estruturais e
cultural. necessidades de ajustes da prática, acabaram por mostrar
Quanto ao modo de incorporação desses temas no que a organização por ciclos contribui efetivamente para
currículo, propõe-se um tratamento transversal, tendência a superação dos problemas do desenvolvimento escolar.
que se manifesta em algumas experiências nacionais e Tanto isso é verdade que, onde foram implantados, os ciclos
internacionais, em que as questões sociais se integram na se mantiveram, mesmo com mudanças de governantes.
própria concepção teórica das áreas e de seus componentes
curriculares. Os Parâmetros Curriculares Nacionais adotam a proposta
De acordo com os princípios já apontados, os conteúdos de estruturação por ciclos, pelo reconhecimento de que tal
proposta permite compensar a pressão do tempo que é
são considerados como um meio para o desenvolvimento
inerente à instituição escolar, tornando possível distribuir os
amplo do aluno e para a sua formação como cidadão.
conteúdos de forma mais adequada à natureza do processo
Portanto, cabe à escola o propósito de possibilitar aos de aprendizagem. Além disso, favorece uma apresentação
alunos o domínio de instrumentos que os capacitem a menos parcelada do conhecimento e possibilita as
relacionar conhecimentos de modo significativo, bem aproximações sucessivas necessárias para que os alunos
como a utilizar esses conhecimentos na transformação e se apropriem dos complexos saberes que se intenciona
construção de novas relações sociais. transmitir.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam Sabe-se que, fora da escola, os alunos não têm as
os conteúdos de tal forma que se possa determinar, no mesmas oportunidades de acesso a certos objetos de
momento de sua adequação às particularidades de Estados conhecimento que fazem parte do repertório escolar.
e Municípios, o grau de profundidade apropriado e a sua Sabe-se também que isso influencia o modo e o processo
melhor forma de distribuição no decorrer da escolaridade, como atribuirão significados aos objetos de conhecimento
de modo a constituir um corpo de conteúdos consistentes na situação escolar: alguns alunos poderão estar mais
e coerentes com os objetivos. avançados na reconstrução de significados do que outros.

101
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Ao se falar em ritmos diferentes de aprendizagem, é processo de ensino e aprendizagem de seus alunos. Para
preciso cuidado para não incorrer em mal-entendidos a concretização dos ciclos como modalidade organizativa,
perigosos. Uma vez que não há uma definição precisa e é necessário que se criem condições institucionais que
clara de quais seriam esses ritmos, os educadores podem permitam destinar espaço e tempo à realização de reuniões
ser levados a rotular alguns alunos como mais lentos que de professores, para discutir os diferentes aspectos do
outros, estigmatizando aqueles que estão se iniciando na processo educacional.
interação com os objetos de conhecimento escolar. Ao se considerar que dois ou três anos de escolaridade
pertencem a um único ciclo de ensino e aprendizagem,
No caso da aprendizagem da língua escrita, por podem-se definir objetivos e práticas educativas que
exemplo, se um aluno ingressa na primeira série sabendo permitam aos alunos avançar continuadamente na
escrever alfabeticamente, isso se explica porque seu ritmo concretização das metas do ciclo. A organização por
é mais rápido ou porque teve múltiplas oportunidades de ciclos tende a evitar as frequentes rupturas e a excessiva
atuar como leitor e escritor? Se outros ingressam sem saber fragmentação do percurso escolar, assegurando a
sequer como se pega um livro, é porque são lentos ou continuidade do processo educativo, dentro do ciclo
porque estão interatuando pela primeira vez com os objetos e na passagem de um ciclo ao outro, ao permitir que
com que os outros interatuam desde que nasceram? E, no os professores realizem adaptações sucessivas da ação
caso desta última hipótese, por mais rápidos que possam pedagógica às diferentes necessidades dos alunos, sem
ser, será que poderão em alguns dias percorrer o caminho que deixem de orientar sua prática pelas expectativas de
que outros realizaram em anos? aprendizagem referentes ao período em questão.
Outras vezes, o que se interpreta como “lentidão” é a
expressão de dificuldades relacionadas a um sentimento Os Parâmetros Curriculares Nacionais estão organizados
de incapacidade para a aprendizagem que chega a causar em ciclos de dois anos, mais pela limitação conjuntural em
bloqueios nesse processo. que estão inseridos do que por justificativas pedagógicas.
É fundamental que se considerem esses aspectos e é Da forma como estão aqui organizados, os ciclos não
necessário que o professor possa intervir para alterar as trazem incompatibilidade com a atual estrutura do ensino
situações desfavoráveis ao aluno. fundamental. Assim, o primeiro ciclo se refere às primeira e
Em suma, o que acontece é que cada aluno tem, segunda séries; o segundo ciclo, à terceira e à quarta séries;
habitualmente, desempenhos muito diferentes na relação e assim subsequentemente para as outras quatro séries.
com objetos de conhecimento diferentes e a prática Essa estruturação não contempla os principais
escolar tem buscado incorporar essa diversidade de modo problemas da escolaridade no ensino fundamental: não
a garantir respeito aos alunos e a criar condições para que une as quarta e quinta séries para eliminar a ruptura
possam progredir nas suas aprendizagens. desastrosa que aí se dá e tem causado muita repetência e
A adoção de ciclos, pela flexibilidade que permite, evasão, como também não define uma etapa maior para o
possibilita trabalhar melhor com as diferenças e início da escolaridade, que deveria (a exemplo da imensa
está plenamente coerente com os fundamentos maioria dos países) incorporar à escolaridade obrigatória
psicopedagógicos, com a concepção de conhecimento as crianças desde os seis anos. Portanto, o critério de
e da função da escola que estão explicitados no item dois anos para a organização dos ciclos, nos Parâmetros
Fundamentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Curriculares Nacionais, não deve ser considerado como
decorrência de seus princípios e fundamentações, nem
Os conhecimentos adquiridos na escola passam por como a única estratégia de intervenção no contexto atual
um processo de construção e reconstrução contínua e não da problemática educacional.
por etapas fixadas e definidas no tempo. As aprendizagens
não se processam como a subida de degraus regulares, A organização do conhecimento escolar: Áreas e
mas como avanços de diferentes magnitudes. Temas Transversais
Embora a organização da escola seja estruturada em
anos letivos, é importante uma perspectiva pedagógica em As diferentes áreas, os conteúdos selecionados em
que a vida escolar e o currículo possam ser assumidos e cada uma delas e o tratamento transversal de questões
trabalhados em dimensões de tempo mais flexíveis. Vale sociais constituem uma representação ampla e plural dos
ressaltar que para o processo de ensino e aprendizagem campos de conhecimento e de cultura de nosso tempo,
se desenvolver com sucesso não basta flexibilizar o tempo: cuja aquisição contribui para o desenvolvimento das
dispor de mais tempo sem uma intervenção efetiva para capacidades expressas nos objetivos gerais.
garantir melhores condições de aprendizagem pode apenas O tratamento da área e de seus conteúdos integra
adiar o problema e perpetuar o sentimento negativo de uma série de conhecimentos de diferentes disciplinas,
autoestima do aluno, consagrando, da mesma forma, o que contribuem para a construção de instrumentos de
fracasso da escola. compreensão e intervenção na realidade em que vivem
A lógica da opção por ciclos consiste em evitar que os alunos. A concepção da área evidencia a natureza dos
o processo de aprendizagem tenha obstáculos inúteis, conteúdos tratados, definindo claramente o corpo de
desnecessários e nocivos. Portanto, é preciso que a equipe conhecimentos e o objeto de aprendizagem, favorecendo
pedagógica das escolas se co-responsabilize com o aos alunos a construção de representações sobre o que

102
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

estudam. Essa caracterização da área é importante também constituem novas áreas, mas antes um conjunto de temas
para que os professores possam se situar dentro de um que aparecem transversalizados nas áreas definidas, isto é,
conjunto definido e conceitualizado de conhecimentos permeando a concepção, os objetivos, os conteúdos e as
que pretendam que seus alunos aprendam, condição orientações didáticas de cada área, no decorrer de toda a
necessária para proceder a encaminhamentos que auxiliem escolaridade obrigatória. A transversalidade pressupõe um
as aprendizagens com sucesso. tratamento integrado das áreas e um compromisso das
Se é importante definir os contornos das áreas, relações interpessoais e sociais escolares com as questões
é também essencial que estes se fundamentem em que estão envolvidas nos temas, a fim de que haja uma
uma concepção que os integre conceitualmente, e coerência entre os valores experimentados na vivência que
essa integração seja efetivada na prática didática. Por a escola propicia aos alunos e o contato intelectual com
exemplo, ao trabalhar conteúdos de Ciências Naturais, tais valores.
os alunos buscam informações em suas pesquisas, As aprendizagens relativas a esses temas se explicitam
registram observações, anotam e quantificam dados. na organização dos conteúdos das áreas, mas a discussão
Portanto, utilizam-se de conhecimentos relacionados da conceitualização e da forma de tratamento que devem
à área de Língua Portuguesa, à de Matemática, além de receber no todo da ação educativa escolar está especificada
outras, dependendo do estudo em questão. O professor, em textos de fundamentação por tema.
considerando a multiplicidade de conhecimentos em jogo
nas diferentes situações, pode tomar decisões a respeito O conjunto de documentos dos Temas Transversais
de suas intervenções e da maneira como tratará os temas, comporta uma primeira parte em que se discute a sua
de forma a propiciar aos alunos uma abordagem mais necessidade para que a escola possa cumprir sua função
significativa e contextualizada. social, os valores mais gerais e unificadores que definem
todo o posicionamento relativo às questões que são
Para que estes parâmetros não se limitassem a uma tratadas nos temas, a justificativa e a conceitualização
orientação técnica da prática pedagógica, foi considerada do tratamento transversal para os temas sociais e um
a fundamentação das opções teóricas e metodológicas da documento específico para cada tema: Ética, Saúde, Meio
área para que, a partir destas, seja possível instaurar reflexões Ambiente, Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, eleitos
sobre a proposta educacional indicada. Na apresentação de por envolverem problemáticas sociais atuais e urgentes,
cada área são abordados os seguintes aspectos: descrição consideradas de abrangência nacional e até mesmo de
da problemática específica da área por meio de um breve caráter universal.
histórico no contexto educacional brasileiro; justificativa A grande abrangência dos temas não significa que
de sua presença no ensino fundamental; fundamentação devam ser tratados igualmente; ao contrário, exigem
epistemológica da área; sua relevância na sociedade atual; adaptações para que possam corresponder às reais
fundamentação psicopedagógica da proposta de ensino e necessidades de cada região ou mesmo de cada escola.
aprendizagem da área; critérios para organização e seleção As características das questões ambientais, por exemplo,
de conteúdos e objetivos gerais da área para o ensino ganham especificidades diferentes nos campos de seringa
fundamental. no interior da Amazônia e na periferia de uma grande
A partir da Concepção de Área assim fundamentada, cidade.
segue-se o detalhamento da estrutura dos Parâmetros Além das adaptações dos temas apresentados, é
Curriculares para cada ciclo (primeiro e segundo), importante que sejam eleitos temas locais para integrar
especificando Objetivos e Conteúdos, bem como Critérios o componente Temas Transversais; por exemplo, muitas
de Avaliação, Orientações para Avaliação e Orientações cidades têm elevadíssimos índices de acidentes com
Didáticas. vítimas no trânsito, o que faz com que suas escolas
Se a escola pretende estar em consonância com as necessitem incorporar a educação para o trânsito em seu
demandas atuais da sociedade, é necessário que trate de currículo. Além deste, outros temas relativos, por exemplo,
questões que interferem na vida dos alunos e com as quais à paz ou ao uso de drogas podem constituir subtemas dos
se veem confrontados no seu dia-a-dia. As temáticas sociais, temas gerais; outras vezes, no entanto, podem exigir um
por essa importância inegável que têm na formação dos tratamento específico e intenso, dependendo da realidade
alunos, já há muito têm sido discutidas e frequentemente de cada contexto social, político, econômico e cultural.
incorporadas aos currículos das áreas ligadas às Ciências Nesse caso, devem ser incluídos como temas básicos.
Naturais e Sociais, chegando até mesmo, em algumas
propostas, a constituir novas áreas. Objetivos
Mais recentemente, algumas propostas indicaram
a necessidade do tratamento transversal de temáticas Os objetivos propostos nos Parâmetros Curriculares
sociais na escola, como forma de contemplá-las na sua Nacionais concretizam as intenções educativas em termos
complexidade, sem restringi-las à abordagem de uma de capacidades que devem ser desenvolvidas pelos alunos
única área. ao longo da escolaridade.
Adotando essa perspectiva, as problemáticas sociais A decisão de definir os objetivos educacionais
são integradas na proposta educacional dos Parâmetros em termos de capacidades é crucial nesta proposta,
Curriculares Nacionais como Temas Transversais. Não pois as capacidades, uma vez desenvolvidas, podem

103
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

se expressar numa variedade de comportamentos. O situadas. Quanto à capacidade de inserção social, refere-
professor, consciente de que condutas diversas podem se à possibilidade de o aluno perceber-se como parte
estar vinculadas ao desenvolvimento de uma mesma de uma comunidade, de uma classe, de um ou vários
capacidade, tem diante de si maiores possibilidades de grupos sociais e de comprometer-se pessoalmente com
atender à diversidade de seus alunos. questões que considere relevantes para a vida coletiva. Essa
Assim, os objetivos se definem em termos de capacidade é nuclear ao exercício da cidadania, pois seu
capacidades de ordem cognitiva, física, afetiva, de relação desenvolvimento é necessário para que se possa superar
interpessoal e inserção social, ética e estética, tendo em o individualismo e atuar (no cotidiano ou na vida política)
vista uma formação ampla. levando em conta a dimensão coletiva. O aprendizado de
diferentes formas e possibilidades de participação social é
A capacidade cognitiva tem grande influência na essencial ao desenvolvimento dessa capacidade.
postura do indivíduo em relação às metas que quer
atingir nas mais diversas situações da vida, vinculando- Para garantir o desenvolvimento dessas capacidades
se diretamente ao uso de formas de representação e de é preciso uma disponibilidade para a aprendizagem de
comunicação, envolvendo a resolução de problemas, de modo geral. Esta, por sua vez, depende em boa parte da
maneira consciente ou não. A aquisição progressiva de história de êxitos ou fracassos escolares que o aluno traz
códigos de representação e a possibilidade de operar com e vão determinar o grau de motivação que apresentará
eles interfere diretamente na aprendizagem da língua, da em relação às aprendizagens atualmente propostas. Mas
matemática, da representação espacial, temporal e gráfica depende também de que os conteúdos de aprendizagem
e na leitura de imagens. A capacidade física engloba o tenham sentido para ele e sejam funcionais. O papel do
autoconhecimento e o uso do corpo na expressão de professor nesse processo é, portanto, crucial, pois a ele cabe
emoções, na superação de estereotipias de movimentos, apresentar os conteúdos e atividades de aprendizagem
nos jogos, no deslocamento com segurança. A afetiva de forma que os alunos compreendam o porquê e o para
refere-se às motivações, à autoestima, à sensibilidade que do que aprendem, e assim desenvolvam expectativas
e à adequação de atitudes no convívio social, estando positivas em relação à aprendizagem e sintam-se motivados
vinculada à valorização do resultado dos trabalhos para o trabalho escolar.
produzidos e das atividades realizadas. Esses fatores Para tanto, é preciso considerar que nem todas as
levam o aluno a compreender a si mesmo e aos outros. A pessoas têm os mesmos interesses ou habilidades, nem
capacidade afetiva está estreitamente ligada à capacidade aprendem da mesma maneira, o que muitas vezes exige
de relação interpessoal, que envolve compreender, conviver uma atenção especial por parte do professor a um ou outro
e produzir com os outros, percebendo distinções entre as aluno, para que todos possam se integrar no processo
pessoas, contrastes de temperamento, de intenções e de de aprender. A partir do reconhecimento das diferenças
estados de ânimo. O desenvolvimento da inter-relação existentes entre pessoas, fruto do processo de socialização
permite ao aluno se colocar do ponto de vista do outro e do desenvolvimento individual, será possível conduzir
e a refletir sobre seus próprios pensamentos. No trabalho um ensino pautado em aprendizados que sirvam a novos
escolar o desenvolvimento dessa capacidade é propiciado aprendizados.
pela realização de trabalhos em grupo, por práticas de
cooperação que incorporam formas participativas e A escola preocupada em fazer com que os alunos
possibilitam a tomada de posição em conjunto com os desenvolvam capacidades ajusta sua maneira de ensinar
outros. A capacidade estética permite produzir arte e e seleciona os conteúdos de modo a auxiliá-los a se
apreciar as diferentes produções artísticas produzidas em adequarem às várias vivências a que são expostos em
diferentes culturas e em diferentes momentos históricos. seu universo cultural; considera as capacidades que os
A capacidade ética é a possibilidade de reger as próprias alunos já têm e as potencializa; preocupa-se com aqueles
ações e tomadas de decisão por um sistema de princípios alunos que encontram dificuldade no desenvolvimento das
segundo o qual se analisam, nas diferentes situações da capacidades básicas.
vida, os valores e opções que envolvem. A construção Embora os indivíduos tendam, em função de
interna, pessoal, de princípios considerados válidos para si sua natureza, a desenvolver capacidades de maneira
e para os demais implica considerar-se um sujeito em meio heterogênea, é importante salientar que a escola tem
a outros sujeitos. O desenvolvimento dessa capacidade como função potencializar o desenvolvimento de todas
permite considerar e buscar compreender razões, nuanças, as capacidades, de modo a tornar o ensino mais humano,
condicionantes, consequências e intenções, isto é, permite mais ético.
a superação da rigidez moral, no julgamento e na atuação
pessoal, na relação interpessoal e na compreensão Os Parâmetros Curriculares Nacionais, na explicitação
das relações sociais. A ação pedagógica contribui com das mencionadas capacidades, apresentam inicialmente
tal desenvolvimento, entre outras formas afirmando os Objetivos Gerais do ensino fundamental, que são as
claramente seus princípios éticos, incentivando a reflexão grandes metas educacionais que orientam a estruturação
e a análise crítica de valores, atitudes e tomadas de decisão curricular. A partir deles são definidos os Objetivos
e possibilitando o conhecimento de que a formulação de Gerais de Área, os dos Temas Transversais, bem como o
tais sistemas é fruto de relações humanas, historicamente desdobramento que estes devem receber no primeiro e

104
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

no segundo ciclos, como forma de conduzir às conquistas No entanto, qualquer que seja a linha pedagógica,
intermediárias necessárias ao alcance dos objetivos gerais. professores e alunos trabalham, necessariamente, com
Um exemplo de desdobramento dos objetivos é o que se conteúdos. O que diferencia radicalmente as propostas é
apresenta a seguir. a função que se atribui aos conteúdos no contexto escolar
- Objetivo Geral do Ensino Fundamental: utilizar e, em decorrência disso, as diferentes concepções quanto à
diferentes linguagens — verbal, matemática, gráfica, maneira como devem ser selecionados e tratados.
plástica, corporal — como meio para expressar e comunicar Nesta proposta, os conteúdos e o tratamento que
suas ideias, interpretar e usufruir das produções da cultura. a eles deve ser dado assumem papel central, uma vez
- Objetivo Geral do Ensino de Matemática: analisar que é por meio deles que os propósitos da escola são
informações relevantes do ponto de vista do conhecimento operacionalizados, ou seja, manifestados em ações
e estabelecer o maior número de relações entre elas, pedagógicas. No entanto, não se trata de compreendê-
fazendo uso do conhecimento matemático para interpretá- los da forma como são comumente aceitos pela tradição
las e avaliá-las criticamente. escolar. O projeto educacional expresso nos Parâmetros
- Objetivo do Ensino de Matemática para o Primeiro Ciclo: Curriculares Nacionais demanda uma reflexão sobre
identificar, em situações práticas, que muitas informações
a seleção de conteúdos, como também exige uma
são organizadas em tabelas e gráficos para facilitar a leitura
ressignificação, em que a noção de conteúdo escolar se
e a interpretação, e construir formas pessoais de registro
amplia para além de fatos e conceitos, passando a incluir
para comunicar informações coletadas.
Os objetivos constituem o ponto de partida para se procedimentos, valores, normas e atitudes. Ao tomar como
refletir sobre qual é a formação que se pretende que os objeto de aprendizagem escolar conteúdos de diferentes
alunos obtenham, que a escola deseja proporcionar e tem naturezas, reafirma-se a responsabilidade da escola com a
possibilidades de realizar, sendo, nesse sentido, pontos formação ampla do aluno e a necessidade de intervenções
de referência que devem orientar a atuação educativa conscientes e planejadas nessa direção.
em todas as áreas, ao longo da escolaridade obrigatória.
Devem, portanto, orientar a seleção de conteúdos a Neste documento, os conteúdos são abordados em três
serem aprendidos como meio para o desenvolvimento grandes categorias: conteúdos conceituais, que envolvem
das capacidades e indicar os encaminhamentos didáticos fatos e princípios; conteúdos procedimentais e conteúdos
apropriados para que os conteúdos estudados façam atitudinais, que envolvem a abordagem de valores, normas
sentido para os alunos. Finalmente, devem constituir-se e atitudes.
uma referência indireta da avaliação da atuação pedagógica Conteúdos conceituais referem-se à construção ativa
da escola. das capacidades intelectuais para operar com símbolos,
ideias, imagens e representações que permitem organizar
As capacidades expressas nos Objetivos dos Parâmetros a realidade. A aprendizagem de conceitos se dá por
Curriculares Nacionais são propostas como referenciais aproximações sucessivas. Para aprender sobre digestão,
gerais e demandam adequações a serem realizadas nos subtração ou qualquer outro objeto de conhecimento, o
níveis de concretização curricular das secretarias estaduais aluno precisa adquirir informações, vivenciar situações
e municipais, bem como das escolas, a fim de atender às em que esses conceitos estejam em jogo, para poder
demandas específicas de cada localidade. Essa adequação construir generalizações parciais que, ao longo de suas
pode ser feita mediante a redefinição de graduações e o experiências, possibilitarão atingir conceitualizações cada
reequacionamento de prioridades, desenvolvendo alguns vez mais abrangentes; estas o levarão à compreensão de
aspectos e acrescentando outros que não estejam explícitos. princípios, ou seja, conceitos de maior nível de abstração,
como o princípio da igualdade na matemática, o princípio
Conteúdos
da conservação nas ciências, etc. A aprendizagem de
conceitos permite organizar a realidade, mas só é possível
Os Parâmetros Curriculares Nacionais propõem uma
a partir da aprendizagem de conteúdos referentes a
mudança de enfoque em relação aos conteúdos curriculares:
ao invés de um ensino em que o conteúdo seja visto como fatos (nomes, imagens, representações), que ocorre,
fim em si mesmo, o que se propõe é um ensino em que num primeiro momento, de maneira eminentemente
o conteúdo seja visto como meio para que os alunos mnemônica. A memorização não deve ser entendida como
desenvolvam as capacidades que lhes permitam produzir e processo mecânico, mas antes como recurso que torna
usufruir dos bens culturais, sociais e econômicos. o aluno capaz de representar informações de maneira
A tendência predominante na abordagem de conteúdos genérica — memória significativa — para poder relacioná-
na educação escolar se assenta no binômio transmissão- las com outros conteúdos.
incorporação, considerando a incorporação de conteúdos Dependendo da diversidade presente nas atividades
pelo aluno como a finalidade essencial do ensino. Existem, realizadas, os alunos buscam informações (fatos), notam
no entanto, outros posicionamentos: há quem defenda regularidades, realizam produtos e generalizações que,
a posição de indiferença em relação aos conteúdos por mesmo sendo sínteses ou análises parciais, permitem
considerá-los somente como suporte ao desenvolvimento verificar se o conceito está sendo aprendido. Exemplo 1:
cognitivo dos alunos e há ainda quem acuse a determinação para compreender o que vem a ser um texto jornalístico é
prévia de conteúdos como uma afronta às questões sociais necessário que o aluno tenha contato com esse texto, use-o
e políticas vivenciadas pelos diversos grupos. para obter informações, conheça seu vocabulário, conheça

105
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

sua estrutura e sua função social. Exemplo 2: a solidariedade Ao ensinar procedimentos também se ensina um certo
só pode ser compreendida quando o aluno passa por modo de pensar e produzir conhecimento. Exemplo: uma
situações em que atitudes que a suscitem estejam em das questões centrais do trabalho em matemática refere-se
jogo, de modo que, ao longo de suas experiências, adquira à validação.
informações que contribuam para a construção de tal Trata-se de o aluno saber por seus próprios meios
conceito. Aprender conceitos permite atribuir significados se o resultado que obteve é razoável ou absurdo, se o
aos conteúdos aprendidos e relacioná-los a outros. procedimento utilizado é correto ou não, se o argumento de
Tal aprendizado está diretamente relacionado à seu colega é consistente ou contraditório.
segunda categoria de conteúdos: a procedimental. Os Já os conteúdos atitudinais permeiam todo o
procedimentos expressam um saber fazer, que envolve conhecimento escolar. A escola é um contexto socializador,
tomar decisões e realizar uma série de ações, de forma gerador de atitudes relativas ao conhecimento, ao professor,
ordenada e não aleatória, para atingir uma meta. Assim, aos colegas, às disciplinas, às tarefas e à sociedade. A não-
os conteúdos procedimentais sempre estão presentes nos compreensão de atitudes, valores e normas como conteúdos
projetos de ensino, pois uma pesquisa, um experimento, escolares faz com estes sejam comunicados sobretudo de
um resumo, uma maquete, são proposições de ações forma inadvertida — acabam por ser aprendidos sem que
presentes nas salas de aula. haja uma deliberação clara sobre esse ensinamento. Por
No entanto, conteúdos procedimentais são abordados isso, é imprescindível adotar uma posição crítica em relação
muitas vezes de maneira equivocada, não sendo tratados aos valores que a escola transmite explícita e implicitamente
como objeto de ensino, que necessitam de intervenção mediante atitudes cotidianas. A consideração positiva de
direta do professor para serem de fato aprendidos. O certos fatos ou personagens históricos em detrimento
aprendizado de procedimentos é, por vezes, considerado de outros é um posicionamento de valor, o que contradiz
como algo espontâneo, dependente das habilidades a pretensa neutralidade que caracteriza a apresentação
individuais. Ensinam-se procedimentos acreditando estar- escolar do saber científico.
se ensinando conceitos; a realização de um procedimento Ensinar e aprender atitudes requer um posicionamento
claro e consciente sobre o que e como se ensina na
adequado passa, então, a ser interpretada como o
escola. Esse posicionamento só pode ocorrer a partir do
aprendizado do conceito. O exemplo mais evidente
estabelecimento das intenções do projeto educativo da
dessa abordagem ocorre no ensino das operações: o
escola, para que se possam adequar e selecionar conteúdos
fato de uma criança saber resolver contas de adição não
básicos, necessários e recorrentes.
necessariamente corresponde à compreensão do conceito
É sabido que a aprendizagem de valores e atitudes é
de adição.
de natureza complexa e pouco explorada do ponto de vista
pedagógico. Muitas pesquisas apontam para a importância
É preciso analisar os conteúdos referentes a da informação como fator de transformação de valores e
procedimentos não do ponto de vista de uma aprendizagem atitudes; sem dúvida, a informação é necessária, mas não é
mecânica, mas a partir do propósito fundamental da suficiente. Para a aprendizagem de atitudes é necessária uma
educação, que é fazer com que os alunos construam prática constante, coerente e sistemática, em que valores
instrumentos para analisar, por si mesmos, os resultados e atitudes almejados sejam expressos no relacionamento
que obtêm e os processos que colocam em ação para entre as pessoas e na escolha dos assuntos a serem tratados.
atingir as metas a que se propõem. Por exemplo: para Além das questões de ordem emocional, tem relevância no
realizar uma pesquisa, o aluno pode copiar um trecho aprendizado dos conteúdos atitudinais o fato de cada aluno
da enciclopédia, embora esse não seja o procedimento pertencer a um grupo social, com seus próprios valores e
mais adequado. É preciso auxiliá-lo, ensinando os atitudes.
procedimentos apropriados, para que possa responder
com êxito à tarefa que lhe foi proposta. É preciso que o Embora esteja sempre presente nos conteúdos
aluno aprenda a pesquisar em mais de uma fonte, registrar específicos que são ensinados, os conteúdos atitudinais não
o que for relevante, relacionar as informações obtidas para têm sido formalmente reconhecidos como tal. A análise dos
produzir um texto de pesquisa. Dependendo do assunto a conteúdos, à luz dessa dimensão, exige uma tomada de
ser pesquisado, é possível orientá-lo para fazer entrevistas decisão consciente e eticamente comprometida, interferindo
e organizar os dados obtidos, procurar referências em diretamente no esclarecimento do papel da escola na
diferentes jornais, em filmes, comparar as informações formação do cidadão. Ao enfocar os conteúdos escolares
obtidas para apresentá-las num seminário, produzir sob essa dimensão, questões de convívio social assumem
um texto. Ao exercer um determinado procedimento, é um outro status no rol dos conteúdos a serem abordados.
possível ao aluno, com ajuda ou não do professor, analisar Considerar conteúdos procedimentais e atitudinais
cada etapa realizada para adequá-la ou corrigi-la, a fim de como conteúdos do mesmo nível que os conceituais não
atingir a meta proposta. A consideração dos conteúdos implica aumento na quantidade de conteúdos a serem
procedimentais no processo de ensino é de fundamental trabalhados, porque eles já estão presentes no dia-a-dia da
importância, pois permite incluir conhecimentos que têm sala de aula; o que acontece é que, na maioria das vezes, não
sido tradicionalmente excluídos do ensino, como a revisão estão explicitados nem são tratados de maneira consciente.
do texto escrito, a argumentação construída, a comparação A diferente natureza dos conteúdos escolares deve ser
dos dados, a verificação, a documentação e a organização, contemplada de maneira integrada no processo de ensino
entre outros. e aprendizagem e não em atividades específicas.

106
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, os conteúdos escrita, análise e reflexão sobre a língua; é possível aprender
referentes a conceitos, procedimentos, valores, normas e sobre a língua escrita sem necessariamente estabelecer
atitudes estão presentes nos documentos tanto de áreas uma relação direta com a língua oral; por outro lado, não
quanto de Temas Transversais, por contribuírem para a é possível aprender a analisar e a refletir sobre a língua
aquisição das capacidades definidas nos Objetivos Gerais sem o apoio da língua oral, ou da escrita. Dessa forma, a
do Ensino Fundamental. A consciência da importância inter-relação dos elementos de um bloco, ou entre blocos,
desses conteúdos é essencial para garantir-lhes tratamento é determinada pelo objeto da aprendizagem, configurado
apropriado, em que se vise um desenvolvimento amplo, pela proposta didática realizada pelo professor.
harmônico e equilibrado dos alunos, tendo em vista sua
vinculação à função social da escola. Eles são apresentados Dada a diversidade existente no País, é natural e
nos blocos de conteúdos e/ou organizações temáticas. desejável que ocorram alterações no quadro proposto. A
definição dos conteúdos a serem tratados deve considerar
Os blocos de conteúdos e/ou organizações temáticas
o desenvolvimento de capacidades adequadas às
são agrupamentos que representam recortes internos
características sociais, culturais e econômicas particulares
à área e visam explicitar objetos de estudo essenciais
de cada localidade.
à aprendizagem. Distinguem as especificidades dos
conteúdos, para que haja clareza sobre qual é o objeto do Assim, a definição de conteúdos nos Parâmetros
trabalho, tanto para o aluno como para o professor — é Curriculares Nacionais é uma referência suficientemente
importante ter consciência do que se está ensinando e do aberta para técnicos e professores analisarem, refletirem e
que se está aprendendo. Os conteúdos são organizados tomarem decisões, resultando em ampliações ou reduções
em função da necessidade de receberem um tratamento de certos aspectos, em função das necessidades de
didático que propicie um avanço contínuo na ampliação aprendizagem de seus alunos.
de conhecimentos, tanto em extensão quanto em
profundidade, pois o processo de aprendizagem dos Avaliação
alunos requer que os mesmos conteúdos sejam tratados
de diferentes maneiras e em diferentes momentos da A concepção de avaliação dos Parâmetros Curriculares
escolaridade, de forma a serem “revisitados”, em função Nacionais vai além da visão tradicional, que focaliza o
das possibilidades de compreensão que se alteram pela controle externo do aluno mediante notas ou conceitos,
contínua construção de conhecimentos e em função da para ser compreendida como parte integrante e intrínseca
complexidade conceitual de determinados conteúdos. Por ao processo educacional.
exemplo, ao apresentar problemas referentes às operações A avaliação, ao não se restringir ao julgamento
de adição e subtração. sobre sucessos ou fracassos do aluno, é compreendida
como um conjunto de atuações que tem a função de
Exemplo 1: Pedro tinha 8 bolinhas de gude, jogou uma alimentar, sustentar e orientar a intervenção pedagógica.
partida e perdeu 3. Com quantas bolinhas ficou? (8 - 3 = 5 ou Acontece contínua e sistematicamente por meio da
3 + ? = 8). Exemplo 2: Pedro jogou uma partida de bolinha interpretação qualitativa do conhecimento construído
de gude. Na segunda partida, perdeu 3 bolinhas, ficando pelo aluno. Possibilita conhecer o quanto ele se aproxima
com 5 no final. Quantas bolinhas Pedro ganhou na primeira ou não da expectativa de aprendizagem que o professor
partida? (? - 3 = 5 ou 8 - 3 = 5 ou 3 + ? = 8). O problema 1 é tem em determinados momentos da escolaridade, em
resolvido pela maioria das crianças no início da escolaridade função da intervenção pedagógica realizada. Portanto, a
obrigatória em função do conhecimento matemático
avaliação das aprendizagens só pode acontecer se forem
que já têm; no entanto, o problema 2 para ser resolvido
relacionadas com as oportunidades oferecidas, isto é,
necessita que o aluno tenha tido diferentes oportunidades
analisando a adequação das situações didáticas propostas
para operar com os conceitos envolvidos, caso contrário
não o resolverá. O mesmo conteúdo — adição e subtração aos conhecimentos prévios dos alunos e aos desafios que
— para ser compreendido requer uma abordagem mais estão em condições de enfrentar.
ampla dos conceitos que o envolvem. Com esses exemplos
buscou-se apontar também que situações aparentemente A avaliação subsidia o professor com elementos para
fáceis e simples são complexas tanto do ponto de vista do uma reflexão contínua sobre a sua prática, sobre a criação de
objeto como da aprendizagem. No problema 2 a variação novos instrumentos de trabalho e a retomada de aspectos
no local da incógnita solicita um tipo de raciocínio diferente que devem ser revistos, ajustados ou reconhecidos como
do problema 1. A complexidade dos próprios conteúdos adequados para o processo de aprendizagem individual ou
e as necessidades das aprendizagens compõem um todo de todo grupo. Para o aluno, é o instrumento de tomada de
dinâmico, sendo impossível esgotar a aprendizagem em consciência de suas conquistas, dificuldades e possibilidades
um curto espaço de tempo. O conhecimento não é um para reorganização de seu investimento na tarefa de
bem passível de acumulação, como uma espécie de doação aprender. Para a escola, possibilita definir prioridades e
da fonte de informações para o aprendiz. localizar quais aspectos das ações educacionais demandam
Para o tratamento didático dos conteúdos é preciso maior apoio.
considerar também o estabelecimento de relações internas Tomar a avaliação nessa perspectiva e em todas essas
ao bloco e entre blocos. Exemplificando: os blocos de dimensões requer que esta ocorra sistematicamente
conteúdos de Língua Portuguesa são língua oral, língua durante todo o processo de ensino e aprendizagem e

107
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

não somente após o fechamento de etapas do trabalho, propôs, é indispensável para se saber se todos os alunos
como é o habitual. Isso possibilita ajustes constantes, estão aprendendo e quais condições estão sendo ou não
num mecanismo de regulação do processo de ensino e favoráveis para isso, o que diz respeito às responsabilidades
aprendizagem, que contribui efetivamente para que a do sistema educacional.
tarefa educativa tenha sucesso. Um sistema educacional comprometido com o
O acompanhamento e a reorganização do processo de desenvolvimento das capacidades dos alunos, que se
ensino e aprendizagem na escola inclui, necessariamente, expressam pela qualidade das relações que estabelecem
uma avaliação inicial, para o planejamento do professor, e e pela profundidade dos saberes constituídos, encontra,
uma avaliação ao final de uma etapa de trabalho. na avaliação, uma referência à análise de seus propósitos,
A avaliação investigativa inicial instrumentalizará o que lhe permite redimensionar investimentos, a fim de que
professor para que possa pôr em prática seu planejamento os alunos aprendam cada vez mais e melhor e atinjam os
de forma adequada às características de seus alunos. Esse objetivos propostos.
é o momento em que o professor vai se informar sobre Esse uso da avaliação, numa perspectiva democrática,
o que o aluno já sabe sobre determinado conteúdo para, só poderá acontecer se forem superados o caráter de
a partir daí, estruturar sua programação, definindo os terminalidade e de medição de conteúdos aprendidos
conteúdos e o nível de profundidade em que devem ser — tão arraigados nas práticas escolares — a fim de que
abordados. A avaliação inicial serve para o professor obter os resultados da avaliação possam ser concebidos como
informações necessárias para propor atividades e gerar indicadores para a reorientação da prática educacional e
novos conhecimentos, assim como para o aluno tomar nunca como um meio de estigmatizar os alunos.
consciência do que já sabe e do que pode ainda aprender Utilizar a avaliação como instrumento para o
sobre um determinado conjunto de conteúdos. É importante desenvolvimento das atividades didáticas requer que ela
que ocorra uma avaliação no início do ano; o fato de o não seja interpretada como um momento estático, mas
aluno estar iniciando uma série não é informação suficiente antes como um momento de observação de um processo
para que o professor saiba sobre suas necessidades de dinâmico e não-linear de construção de conhecimento.
aprendizagem. Mesmo que o professor acompanhe a classe
de um ano para o outro, e tenha registros detalhados sobre Em suma, a avaliação contemplada nos Parâmetros
o desempenho dos alunos no ano anterior, não se exclui
Curriculares Nacionais é compreendida como: elemento
essa investigação inicial, pois os alunos não deixam de
integrador entre a aprendizagem e o ensino; conjunto de
aprender durante as férias e muita coisa pode ser alterada
ações cujo objetivo é o ajuste e a orientação da intervenção
no intervalo dos períodos letivos. Mas essas avaliações não
pedagógica para que o aluno aprenda da melhor forma;
devem ser aplicadas exclusivamente nos inícios de ano
conjunto de ações que busca obter informações sobre o
ou de semestre; são pertinentes sempre que o professor
que foi aprendido e como; elemento de reflexão contínua
propuser novos conteúdos ou novas sequências de
para o professor sobre sua prática educativa; instrumento
situações didáticas.
que possibilita ao aluno tomar consciência de seus avanços,
É importante ter claro que a avaliação inicial não dificuldades e possibilidades; ação que ocorre durante todo
implica a instauração de um longo período de diagnóstico, o processo de ensino e aprendizagem e não apenas em
que acabe por se destacar do processo de aprendizagem momentos específicos caracterizados como fechamento
que está em curso, no qual o professor não avança em suas de grandes etapas de trabalho. Uma concepção desse
propostas, perdendo o escasso e precioso tempo escolar tipo pressupõe considerar tanto o processo que o aluno
de que dispõe. Ela pode se realizar no interior mesmo de desenvolve ao aprender como o produto alcançado.
um processo de ensino e aprendizagem, já que os alunos Pressupõe também que a avaliação se aplique não apenas
põem inevitavelmente em jogo seus conhecimentos ao aluno, considerando as expectativas de aprendizagem,
prévios ao enfrentar qualquer situação didática. mas às condições oferecidas para que isso ocorra. Avaliar a
O processo também contempla a observação dos aprendizagem, portanto, implica avaliar o ensino oferecido
avanços e da qualidade da aprendizagem alcançada — se, por exemplo, não há a aprendizagem esperada
pelos alunos ao final de um período de trabalho, seja este significa que o ensino não cumpriu com sua finalidade: a
determinado pelo fim de um bimestre, ou de um ano, seja de fazer aprender.
pelo encerramento de um projeto ou sequência didática.
Na verdade, a avaliação contínua do processo acaba por Orientações para avaliação
subsidiar a avaliação final, isto é, se o professor acompanha
o aluno sistematicamente ao longo do processo pode saber, Como avaliar se define a partir da concepção de
em determinados momentos, o que o aluno já aprendeu ensino e aprendizagem, da função da avaliação no
sobre os conteúdos trabalhados. Esses momentos, por processo educativo e das orientações didáticas postas em
outro lado, são importantes por se constituírem boas prática. Embora a avaliação, na perspectiva aqui apontada,
situações para que alunos e professores formalizem o que aconteça sistematicamente durante as atividades de ensino
foi e o que não foi aprendido. Esta avaliação, que intenciona e aprendizagem, é preciso que a perspectiva de cada
averiguar a relação entre a construção do conhecimento momento da avaliação seja definida claramente, para que
por parte dos alunos e os objetivos a que o professor se se possa alcançar o máximo de objetividade possível.

108
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Para obter informações em relação aos processos cumpre o papel de contribuir com a objetividade desejada
de aprendizagem, é necessário considerar a importância na avaliação, uma vez que esta só poderá ser construída
de uma diversidade de instrumentos e situações, para com a coordenação dos diferentes pontos de vista tanto do
possibilitar, por um lado, avaliar as diferentes capacidades aluno quanto do professor.
e conteúdos curriculares em jogo e, por outro lado,
contrastar os dados obtidos e observar a transferência das Critérios de avaliação
aprendizagens em contextos diferentes.
Avaliar significa emitir um juízo de valor sobre a
É fundamental a utilização de diferentes códigos, como realidade que se questiona, seja a propósito das exigências
o verbal, o oral, o escrito, o gráfico, o numérico, o pictórico, de uma ação que se projetou realizar sobre ela, seja a
de forma a se considerar as diferentes aptidões dos alunos. propósito das suas consequências.
Por exemplo, muitas vezes o aluno não domina a escrita Portanto, a atividade de avaliação exige critérios claros
suficientemente para expor um raciocínio mais complexo que orientem a leitura dos aspectos a serem avaliados.
sobre como compreende um fato histórico, mas pode fazê- No caso da avaliação escolar, é necessário que se
lo perfeitamente bem em uma situação de intercâmbio oral, estabeleçam expectativas de aprendizagem dos alunos
como em diálogos, entrevistas ou debates. Considerando em consequência do ensino, que devem se expressar
essas preocupações, o professor pode realizar a avaliação nos objetivos, nos critérios de avaliação propostos e na
por meio de: definição do que será considerado como testemunho das
- observação sistemática: acompanhamento do aprendizagens.
processo de aprendizagem dos alunos, utilizando alguns Do contraste entre os critérios de avaliação e os
instrumentos, como registro em tabelas, listas de controle, indicadores expressos na produção dos alunos surgirá o
diário de classe e outros; juízo de valor, que se constitui a essência da avaliação.
- análise das produções dos alunos: considerar a Os critérios de avaliação têm um papel importante, pois
variedade de produções realizadas pelos alunos, para explicitam as expectativas de aprendizagem, considerando
que se possa ter um quadro real das aprendizagens objetivos e conteúdos propostos para a área e para o
conquistadas. Por exemplo: se a avaliação se dá sobre a ciclo, a organização lógica e interna dos conteúdos, as
competência dos alunos na produção de textos, deve-se particularidades de cada momento da escolaridade e as
considerar a totalidade dessa produção, que envolve desde possibilidades de aprendizagem decorrentes de cada
os primeiros registros escritos, no caderno de lição, até os etapa do desenvolvimento cognitivo, afetivo e social em
registros das atividades de outras áreas e das atividades uma determinada situação, na qual os alunos tenham
realizadas especificamente para esse aprendizado, além do boas condições de desenvolvimento do ponto de vista
texto produzido pelo aluno para os fins específicos desta pessoal e social. Os critérios de avaliação apontam as
avaliação; experiências educativas a que os alunos devem ter acesso
- atividades específicas para a avaliação: nestas, os e são consideradas essenciais para o seu desenvolvimento
alunos devem ter objetividade ao expor sobre um tema, e socialização. Nesse sentido, os critérios de avaliação
ao responder um questionário. Para isso é importante, em devem refletir de forma equilibrada os diferentes tipos de
primeiro lugar, garantir que sejam semelhantes às situações capacidades e as três dimensões de conteúdos, e servir
de aprendizagem comumente estruturadas em sala de para encaminhar a programação e as atividades de ensino
aula, isto é, que não se diferenciem, em sua estrutura, e aprendizagem.
das atividades que já foram realizadas; em segundo lugar,
deixar claro para os alunos o que se pretende avaliar, pois, É importante assinalar que os critérios de avaliação
inevitavelmente, os alunos estarão mais atentos a esses representam as aprendizagens imprescindíveis ao final
aspectos. do ciclo e possíveis à maioria dos alunos submetidos
às condições de aprendizagem propostas; não podem,
Quanto mais os alunos tenham clareza dos conteúdos no entanto, ser tomados como objetivos, pois isso
e do grau de expectativa da aprendizagem que se espera, significaria um injustificável rebaixamento da oferta de
mais terão condições de desenvolver, com a ajuda do ensino e, consequentemente, o impedimento a priori da
professor, estratégias pessoais e recursos para vencer possibilidade de realização de aprendizagens consideradas
dificuldades. essenciais.
A avaliação, apesar de ser responsabilidade do professor, Os critérios não expressam todos os conteúdos que
não deve ser considerada função exclusiva dele. Delegá-la foram trabalhados no ciclo, mas apenas aqueles que
aos alunos, em determinados momentos, é uma condição são fundamentais para que se possa considerar que um
didática necessária para que construam instrumentos de aluno adquiriu as capacidades previstas de modo a poder
auto regulação para as diferentes aprendizagens. A auto continuar aprendendo no ciclo seguinte, sem que seu
avaliação é uma situação de aprendizagem em que o aluno aproveitamento seja comprometido.
desenvolve estratégias de análise e interpretação de suas Os Critérios de Avaliação por Área e por Ciclo, definidos
produções e dos diferentes procedimentos para se avaliar. nestes Parâmetros Curriculares Nacionais, ainda que
Além desse aprendizado ser, em si, importante, porque indiquem o tipo e o grau de aprendizagem que se espera
é central para a construção da autonomia dos alunos, que os alunos tenham realizado a respeito dos diferentes

109
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

conteúdos, apresentam formulação suficientemente ampla encaminhamentos é uma realidade que precisa ser alterada
para ser referência para as adaptações necessárias em cada gradativamente, para que se possam oferecer condições
escola, de modo a poderem se constituir critérios reais de desenvolvimento para os alunos com necessidades
para a avaliação e, portanto, contribuírem para efetivar diferentes de aprendizagem.
a concretização das intenções educativas no decorrer do A aprovação ou a reprovação é uma decisão pedagógica
trabalho nos ciclos. Os critérios de avaliação devem permitir que visa garantir as melhores condições de aprendizagem
concretizações diversas por meio de diferentes indicadores; para os alunos. Para tal, requer-se uma análise dos
assim, além do enunciado que os define, deverá haver professores a respeito das diferentes capacidades do aluno,
um breve comentário explicativo que contribua para que permitirão o aproveitamento do ensino na próxima
a identificação de indicadores nas produções a serem série ou ciclo. Se a avaliação está a serviço do processo
avaliadas, facilitando a interpretação e a flexibilização de ensino e aprendizagem, a decisão de aprovar ou
desses critérios, em função das características do aluno e reprovar não deve ser a expressão de um “castigo” nem ser
dos objetivos e conteúdos definidos. unicamente pautada no quanto se aprendeu ou se deixou
de aprender dos conteúdos propostos. Para tal decisão
Exemplo de um critério de avaliação de Língua é importante considerar, simultaneamente aos critérios
Portuguesa para o primeiro ciclo: “Escrever utilizando tanto de avaliação, os aspectos de sociabilidade e de ordem
o conhecimento sobre a correspondência fonográfica emocional, para que a decisão seja a melhor possível, tendo
como sobre a segmentação do texto em palavras e frases. em vista a continuidade da escolaridade sem fracassos. No
Com este critério espera-se que o aluno escreva textos caso de reprovação, a discussão nos conselhos de classe,
alfabeticamente. Isso significa utilizar corretamente a letra assim como a consideração das questões trazidas pelos
(o grafema) que corresponda ao som (o fonema), ainda pais nesse processo decisório, podem subsidiar o professor
que a convenção ortográfica não esteja sendo respeitada. para a tomada de decisão amadurecida e compartilhada
Espera-se, também, que o aluno utilize seu conhecimento pela equipe da escola.
sobre a segmentação das palavras e de frases, ainda que a
convenção não esteja sendo respeitada (no caso da palavra, Os altos índices de repetência em nosso país têm
podem tanto ocorrer uma escrita sem segmentação, como sido objeto de muita discussão, uma vez que explicitam
em ‘derepente’, como uma segmentação indevida, como o fracasso do sistema público de ensino, incomodando
em ‘de pois’; no caso da frase, o aluno pode separar frases demais tanto educadores como políticos. No entanto,
sem utilizar o sistema de pontuação, fazendo uso de muitas vezes se cria uma falsa questão, em que a repetência
recursos como ‘e’, ‘aí’, ‘daí’, por exemplo)”. é vista como um problema em si e não como um sintoma
A definição dos critérios de avaliação deve considerar da má qualidade do ensino e, consequentemente, da
aspectos estruturais de cada realidade; por exemplo, muitas aprendizagem, que, de forma geral, o sistema educacional
vezes, seja por conta das repetências ou de um ingresso não tem conseguido resolver.
tardio na escola, a faixa etária dos alunos de primeiro ciclo Como resultado, ao reprovar os alunos que não realizam
não corresponde aos sete ou oito anos. Sabe-se, também, as aprendizagens esperadas, cristaliza-se uma situação em
que as condições de escolaridade em uma escola rural e que o problema é do aluno e não do sistema educacional.
multisseriada são bastante singulares, o que determinará A repetência deve ser um recurso extremo; deve ser
expectativas de aprendizagem e, portanto, de critérios de estudada caso a caso, no momento que mais se adequar a
avaliação bastante diferenciados. cada aluno, para que esteja de fato a serviço da escolaridade
A adequação dos critérios estabelecidos nestes com sucesso.
parâmetros e dos indicadores especificados ao trabalho A permanência em um ano ou mais no ciclo deve ser
que cada escola se propõe a realizar não deve perder compreendida como uma medida educativa para que
de vista a busca de uma meta de qualidade de ensino e o aluno tenha oportunidade e expectativa de sucesso e
aprendizagem explicitada na presente proposta. motivação, para garantir a melhoria de condições para
a aprendizagem. Quer a decisão seja de reprovar ou
Decisões associadas aos resultados da avaliação aprovar um aluno com dificuldades, esta deve sempre
ser acompanhada de encaminhamentos de apoio e
Tão importante quanto o que e como avaliar são as ajuda para garantir a qualidade das aprendizagens e o
decisões pedagógicas decorrentes dos resultados da desenvolvimento das capacidades esperadas.
avaliação, que não devem se restringir à reorganização
da prática educativa encaminhada pelo professor no dia- As avaliações oficiais: boletins e diplomas
a-dia; devem se referir, também, a uma série de medidas
didáticas complementares que necessitem de apoio Um outro lado na questão da avaliação é o aspecto
institucional, como o acompanhamento individualizado normativo do sistema de ensino que diz respeito ao
feito pelo professor fora da classe, o grupo de apoio, as controle social. À escola é socialmente delegada a tarefa
lições extras e outras que cada escola pode criar, ou até de promover o ensino e a aprendizagem de determinados
mesmo a solicitação de profissionais externos à escola conteúdos e contribuir de maneira efetiva na formação
para debate sobre questões emergentes ao trabalho. A de seus cidadãos; por isso, a escola deve responder à
dificuldade de contar com o apoio institucional para esses sociedade por essa responsabilidade. Para tal, estabelece

110
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

uma série de instrumentos para registro e documentação No entanto, há determinadas considerações a fazer a
da avaliação e cria os atestados oficiais de aproveitamento. respeito do trabalho em sala de aula, que extravasam as
Assim, as notas, conceitos, boletins, recuperações, fronteiras de um tema ou área de conhecimento. Estas
aprovações, reprovações, diplomas, etc., fazem parte das considerações evidenciam que o ensino não pode estar
decisões que o professor deve tomar em seu dia-a-dia para limitado ao estabelecimento de um padrão de intervenção
responder à necessidade de um testemunho oficial e social homogêneo e idêntico para todos os alunos. A prática
do aproveitamento do aluno. O professor pode aproveitar educativa é bastante complexa, pois o contexto de sala de
os momentos de avaliação bimestral ou semestral, aula traz questões de ordem afetiva, emocional, cognitiva,
quando precisa dar notas ou conceitos, para sistematizar física e de relação pessoal. A dinâmica dos acontecimentos
os procedimentos que selecionou para o processo de em uma sala de aula é tal que mesmo uma aula planejada,
avaliação, em função das necessidades psicopedagógicas. detalhada e consistente dificilmente ocorre conforme o
É importante ressaltar a diferença que existe entre a imaginado: olhares, tons de voz, manifestações de afeto ou
comunicação da avaliação e a qualificação. desafeto e diversas outras variáveis interferem diretamente
Uma coisa é a necessidade de comunicar o que se na dinâmica prevista. No texto que se segue, são apontados
observou na avaliação, isto é, o retorno que o professor
alguns tópicos sobre didática considerados essenciais
dá aos alunos e aos pais do que pôde observar sobre o
pela maioria dos profissionais em educação: autonomia;
processo de aprendizagem, incluindo também o diálogo
diversidade; interação e cooperação; disponibilidade para
entre a sua avaliação e a auto avaliação realizada pelo
aluno. Outra coisa é a qualificação que se extrai dela, e se a aprendizagem; organização do tempo; organização do
expressa em notas ou conceitos, histórico escolar, boletins, espaço; e seleção de material.
diplomas, e cumprem uma função social. Se a comunicação
da avaliação estiver pautada apenas em qualificações, Autonomia
pouco poderá contribuir para o avanço significativo das
aprendizagens; mas, se as notas não forem o único canal Nos Parâmetros Curriculares Nacionais a autonomia
que o professor oferece de comunicação sobre a avaliação, é tomada ao mesmo tempo como capacidade a ser
podem constituir-se uma referência importante, uma desenvolvida pelos alunos e como princípio didático geral,
vez que já se instituem como representação social do orientador das práticas pedagógicas.
aproveitamento escolar. A realização dos objetivos propostos implica
necessariamente que sejam desde sempre praticados, pois
Orientações didáticas não se desenvolve uma capacidade sem exercê-la. Por isso
didática é um instrumento de fundamental importância,
A conquista dos objetivos propostos para o ensino na medida em que possibilita e conforma as relações
fundamental depende de uma prática educativa que que alunos e educadores estabelecem entre si, com o
tenha como eixo a formação de um cidadão autônomo conhecimento que constroem, com a tarefa que realizam
e participativo. Nessa medida, os Parâmetros Curriculares e com a instituição escolar. Por exemplo, para que possa
Nacionais incluem orientações didáticas, que são subsídios refletir, participar e assumir responsabilidades, o aluno
à reflexão sobre como ensinar. necessita estar inserido em um processo educativo que
Na visão aqui assumida, os alunos constroem valorize tais ações.
significados a partir de múltiplas e complexas interações. Este é o sentido da autonomia como princípio didático
Cada aluno é sujeito de seu processo de aprendizagem, geral proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais: uma
enquanto o professor é o mediador na interação dos opção metodológica que considera a atuação do aluno na
alunos com os objetos de conhecimento; o processo de construção de seus próprios conhecimentos, valoriza suas
aprendizagem compreende também a interação dos alunos
experiências, seus conhecimentos prévios e a interação
entre si, essencial à socialização. Assim sendo, as orientações
professor-aluno e aluno-aluno, buscando essencialmente
didáticas apresentadas enfocam fundamentalmente a
a passagem progressiva de situações em que o aluno é
intervenção do professor na criação de situações de
aprendizagem coerentes com essa concepção. dirigido por outrem a situações dirigidas pelo próprio
Para cada tema e área de conhecimento corresponde aluno.
um conjunto de orientações didáticas de caráter mais
abrangente — orientações didáticas gerais — que indicam A autonomia refere-se à capacidade de posicionar-
como a concepção de ensino proposta se estabelece se, elaborar projetos pessoais e participar enunciativa e
no tratamento da área. Para cada bloco de conteúdo cooperativamente de projetos coletivos, ter discernimento,
correspondem orientações didáticas específicas, que organizar-se em função de metas eleitas, governar-se,
expressam como determinados conteúdos podem ser participar da gestão de ações coletivas, estabelecer critérios
tratados. e eleger princípios éticos, etc. Isto é, a autonomia fala de uma
Assim, as orientações didáticas permeiam as relação emancipada, íntegra com as diferentes dimensões
explicitações sobre o ensinar e o aprender, bem como as da vida, o que envolve aspectos intelectuais, morais,
explicações dos blocos de conteúdos ou temas, uma vez afetivos e sociopolíticos. Ainda que na escola se destaque
que a opção de recorte de conteúdos para uma situação a autonomia na relação com o conhecimento — saber o
de ensino e aprendizagem é também determinada pelo que se quer saber, como fazer para buscar informações e
enfoque didático da área. possibilidades de desenvolvimento de tal conhecimento,

111
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

manter uma postura crítica comparando diferentes visões É importante ressaltar que a construção da autonomia
e reservando para si o direito de conclusão, por exemplo não se confunde com atitudes de independência. O
—, ela não ocorre sem o desenvolvimento da autonomia aluno pode ser independente para realizar uma série
moral (capacidade ética) e emocional que envolvem auto de atividades, enquanto seus recursos internos para se
respeito, respeito mútuo, segurança, sensibilidade, etc. governar são ainda incipientes. A independência é uma
Como no desenvolvimento de outras capacidades, a manifestação importante para o desenvolvimento, mas não
aprendizagem de determinados procedimentos e atitudes deve ser confundida com autonomia.
— tais como planejar a realização de uma tarefa, identificar
formas de resolver um problema, formular boas perguntas Diversidade
e boas respostas, levantar hipóteses e buscar meios de
verificá-las, validar raciocínios, resolver conflitos, cuidar As adaptações curriculares previstas nos níveis de
da própria saúde e da de outros, colocar-se no lugar do concretização apontam a necessidade de adequar objetivos,
outro para melhor refletir sobre uma determinada situação, conteúdos e critérios de avaliação, de forma a atender a
considerar as regras estabelecidas — é o instrumento para diversidade existente no País. Essas adaptações, porém,
a construção da autonomia. Procedimentos e atitudes não dão conta da diversidade no plano dos indivíduos em
dessa natureza são objeto de aprendizagem escolar, ou uma sala de aula.
seja, a escola pode ensiná-los planejada e sistematicamente Para corresponder aos propósitos explicitados
criando situações que auxiliem os alunos a se tornarem nestes parâmetros, a educação escolar deve considerar
progressivamente mais autônomos. Por isso é importante a diversidade dos alunos como elemento essencial a
que desde as séries iniciais as propostas didáticas busquem, ser tratado para a melhoria da qualidade de ensino e
em aproximações sucessivas, cada vez mais essa meta. aprendizagem.
O desenvolvimento da autonomia depende de suportes Atender necessidades singulares de determinados
materiais, intelectuais e emocionais. alunos é estar atento à diversidade: é atribuição do
No início da escolaridade, a intervenção do professor é professor considerar a especificidade do indivíduo, analisar
mais intensa na definição desses suportes: tempo e forma suas possibilidades de aprendizagem e avaliar a eficácia
de realização das atividades, organização dos grupos, das medidas adotadas.
materiais a serem utilizados, resolução de conflitos, A atenção à diversidade deve se concretizar em
medidas que levem em conta não só as capacidades
cuidados físicos, estabelecimentos de etapas para a
intelectuais e os conhecimentos de que o aluno dispõe,
realização das atividades.
mas também seus interesses e motivações. Esse conjunto
Também é preciso considerar tanto o trabalho
constitui a capacidade geral do aluno para aprendizagem
individual como o coletivo-cooperativo. O individual é
em um determinado momento.
potencializado pelas exigências feitas aos alunos para se
Desta forma, a atuação do professor em sala de aula
responsabilizarem por suas ações, suas ideias, suas tarefas,
deve levar em conta fatores sociais, culturais e a história
pela organização pessoal e coletiva, pelo envolvimento
educativa de cada aluno, como também características
com o objeto de estudo.
pessoais de déficit sensorial, motor ou psíquico, ou
O trabalho em grupo, ao valorizar a interação como de superdotação intelectual. Deve-se dar especial
instrumento de desenvolvimento pessoal, exige que os alunos atenção ao aluno que demonstrar a necessidade de
considerem diferenças individuais, tragam contribuições, resgatar a autoestima. Trata-se de garantir condições
respeitem as regras estabelecidas, proponham outras, de aprendizagem a todos os alunos, seja por meio de
atitudes que propiciam o desenvolvimento da autonomia incrementos na intervenção pedagógica ou de medidas
na dimensão grupal. extras que atendam às necessidades individuais.
É importante salientar que a autonomia não é um A escola, ao considerar a diversidade, tem como
estado psicológico geral que, uma vez atingido, esteja valor máximo o respeito às diferenças — não o elogio à
garantido para qualquer situação. Por um lado, por desigualdade. As diferenças não são obstáculos para o
envolver a necessidade de conhecimentos e condições cumprimento da ação educativa; podem e devem, portanto,
específicas, uma pessoa pode ter autonomia para atuar ser fator de enriquecimento.
em determinados campos e não em outros; por outro, Concluindo, a atenção à diversidade é um princípio
por implicar o estabelecimento de relações democráticas comprometido com a equidade, ou seja, com o direito de
de poder e autoridade é possível que alguém exerça a todos os alunos realizarem as aprendizagens fundamentais
capacidade de agir com autonomia em algumas situações para seu desenvolvimento e socialização.
e não noutras, nas quais não pode interferir. É portanto
necessário que a escola busque sua extensão aos diferentes Interação e cooperação
campos de atuação. Para tanto, é necessário que as decisões
assumidas pelo professor auxiliem os alunos a desenvolver Um dos objetivos da educação escolar é que os alunos
essas atitudes e a aprender os procedimentos adequados aprendam a assumir a palavra enunciada e a conviver em
a uma postura autônoma, que só será efetivamente grupo de maneira produtiva e cooperativa. Dessa forma,
alcançada mediante investimentos sistemáticos ao longo são fundamentais as situações em que possam aprender a
de toda a escolaridade. dialogar, a ouvir o outro e ajudá-lo, a pedir ajuda, aproveitar

112
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

críticas, explicar um ponto de vista, coordenar ações para O convívio escolar pretendido depende do
obter sucesso em uma tarefa conjunta, etc. É essencial estabelecimento de regras e normas de funcionamento e
aprender procedimentos dessa natureza e valorizá-los de comportamento que sejam coerentes com os objetivos
como forma de convívio escolar e social. Trabalhar em definidos no projeto educativo. A comunicação clara
grupo de maneira cooperativa é sempre uma tarefa difícil, dessas normas possibilita a compreensão pelos alunos
mesmo para adultos convencidos de sua necessidade.
das atitudes de disciplina demonstradas pelos professores
A criação de um clima favorável a esse aprendizado
depende do compromisso do professor em aceitar dentro e fora da classe.
contribuições dos alunos (respeitando-as, mesmo quando
apresentadas de forma confusa ou incorreta) e em favorecer Disponibilidade para a aprendizagem
o respeito, por parte do grupo, assegurando a participação
de todos os alunos. Para que uma aprendizagem significativa possa
Assim, a organização de atividades que favoreçam a acontecer, é necessária a disponibilidade para o
fala e a escrita como meios de reorganização e reconstrução envolvimento do aluno na aprendizagem, o empenho
das experiências compartilhadas pelos alunos ocupa papel em estabelecer relações entre o que já sabe e o que está
de destaque no trabalho em sala de aula. A comunicação aprendendo, em usar os instrumentos adequados que
propiciada nas atividades em grupo levará os alunos a conhece e dispõe para alcançar a maior compreensão
perceberem a necessidade de dialogar, resolver mal-
possível. Essa aprendizagem exige uma ousadia para
entendidos, ressaltar diferenças e semelhanças, explicar e
exemplificar, apropriando-se de conhecimentos. se colocar problemas, buscar soluções e experimentar
O estabelecimento de condições adequadas para a novos caminhos, de maneira totalmente diferente da
interação não pode estar pautado somente em questões aprendizagem mecânica, na qual o aluno limita seu esforço
cognitivas. Os aspectos emocionais e afetivos são tão apenas em memorizar ou estabelecer relações diretas e
relevantes quanto os cognitivos, principalmente para superficiais.
os alunos prejudicados por fracassos escolares ou A aprendizagem significativa depende de uma
que não estejam interessados no que a escola pode motivação intrínseca, isto é, o aluno precisa tomar para si
oferecer. A afetividade, o grau de aceitação ou rejeição, a a necessidade e a vontade de aprender. Aquele que estuda
competitividade e o ritmo de produção estabelecidos em apenas para passar de ano, ou para tirar notas, não terá
um grupo interferem diretamente na produção do trabalho.
motivos suficientes para empenhar-se em profundidade na
A participação de um aluno muitas vezes varia em aprendizagem.
função do grupo em que está inserido. A disposição para a aprendizagem não depende
Em síntese, a disponibilidade cognitiva e emocional dos exclusivamente do aluno, demanda que a prática didática
alunos para a aprendizagem é fator essencial para que haja garanta condições para que essa atitude favorável se
uma interação cooperativa, sem depreciação do colega manifeste e prevaleça. Primeiramente, a expectativa que o
por sua eventual falta de informação ou incompreensão. professor tem do tipo de aprendizagem de seus alunos fica
Aprender a conviver em grupo supõe um domínio definida no contrato didático estabelecido. Se o professor
progressivo de procedimentos, valores, normas e atitudes. espera uma atitude curiosa e investigativa, deve propor
A organização dos alunos em grupos de trabalho prioritariamente atividades que exijam essa postura, e não a
influencia o processo de ensino e aprendizagem, e pode
passividade. Deve valorizar o processo e a qualidade, e não
ser otimizada quando o professor interfere na organização
dos grupos. Organizar por ordem alfabética ou por idade apenas a rapidez na realização. Deve esperar estratégias
não é a mesma coisa que organizar por gênero ou por criativas e originais e não a mesma resposta de todos.
capacidades específicas; por isso é importante que o A intervenção do professor precisa, então, garantir
professor discuta e decida os critérios de agrupamento que o aluno conheça o objetivo da atividade, situe-se em
dos alunos. Por exemplo: desempenho diferenciado ou relação à tarefa, reconheça os problemas que a situação
próximo, equilíbrio entre meninos e meninas, afinidades apresenta, e seja capaz de resolvê-los. Para tal, é necessário
para o trabalho e afetividade, possibilidade de cooperação, que o professor proponha situações didáticas com objetivos
ritmo de trabalho, etc. e determinações claros, para que os alunos possam tomar
Não existe critério melhor ou pior de organização decisões pensadas sobre o encaminhamento de seu
de grupos para uma atividade. É necessário que o trabalho, além de selecionar e tratar ajustadamente os
professor decida a forma de organização social em cada
conteúdos. A complexidade da atividade também interfere
tipo de atividade, em cada momento do processo de
ensino e aprendizagem, em função daqueles alunos no envolvimento do aluno. Um nível de complexidade
específicos. Agrupamentos adequados, que levem em muito elevado, ou muito baixo, não contribui para a
conta a diversidade dos alunos, tornam-se eficazes na reflexão e o debate, situação que indica a participação ativa
individualização do ensino. e compromissada do aluno no processo de aprendizagem.
Nas escolas multisseriadas, as decisões sobre As atividades propostas precisam garantir organização e
agrupamentos adquirem especial relevância. É possível ajuste às reais possibilidades dos alunos, de forma que cada
reunir grupos que não sejam estruturados por série e sim uma não seja nem muito difícil nem demasiado fácil. Os
por objetivos, em que a diferenciação se dê pela exigência alunos devem poder realizá-la numa situação desafiadora.
adequada ao desempenho de cada um.

113
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Nesse enfoque de abordagem profunda da Em geral, os alunos buscam corresponder às


aprendizagem, o tempo reservado para a atuação dos expectativas de aprendizagem significativa, desde que haja
alunos é determinante. Se a exigência é de rapidez, a saída um clima favorável de trabalho, no qual a avaliação e a
mais comum é estudar de forma superficial. O professor observação do caminho por eles percorrido seja, de fato,
precisa buscar um equilíbrio entre as necessidades da instrumento de auto-regulação do processo de ensino e
aprendizagem e o exíguo tempo escolar, coordenando-o aprendizagem.
para cada proposta que encaminha. Quando não se instaura na classe um clima favorável
Outro fator que interfere na disponibilidade do aluno de confiança, compromisso e responsabilidade, os
para a aprendizagem é a unidade entre escola, sociedade e encaminhamentos do professor ficam comprometidos.
cultura, o que exige trabalho com objetos socioculturais do
cotidiano extraescolar, como, por exemplo, jornais, revistas, Organização do tempo
filmes, instrumentos de medida, etc., sem esvaziá-los de
A consideração do tempo como variável que interfere
significado, ou seja, sem que percam sua função social real,
na construção da autonomia permite ao professor criar
contribuindo, assim, para imprimir sentido às atividades
situações em que o aluno possa progressivamente controlar
escolares.
a realização de suas atividades. Por meio de erros e acertos,
Mas isso tudo não basta. Mesmo garantindo todas essas
o aluno toma consciência de suas possibilidades e constrói
condições, pode acontecer que a ansiedade presente na mecanismos de auto-regulação que possibilitam decidir
situação de aprendizagem se torne muito intensa e impeça como alocar seu tempo.
uma atitude favorável. A ansiedade pode estar ligada ao Por essa razão, são importantes as atividades em
medo de fracasso, desencadeado pelo sentimento de que o professor seja somente um orientador do trabalho,
incapacidade para realização da tarefa ou de insegurança cabendo aos alunos o planejamento e a execução, o que os
em relação à ajuda que pode ou não receber de seu levará a decidir e a vivenciar o resultado de suas decisões
professor, ou de seus colegas, e consolidar um bloqueio sobre o uso do tempo.
para aprender. Delegar esse controle não quer dizer, de modo algum,
Quando o sujeito está aprendendo, se envolve que os alunos devam arbitrar livremente a respeito de como
inteiramente. O processo, assim como seu resultado, e quando atuar na escola. A vivência do controle do tempo
repercutem de forma global. Assim, o aluno, ao desenvolver pelos alunos se insere dentro de limites criteriosamente
as atividades escolares, aprende não só sobre o conteúdo estabelecidos pelo professor, que se tornarão menos
em questão mas também sobre o modo como aprende, restritivos à medida que o grupo desenvolva sua autonomia.
construindo uma imagem de si como estudante. Essa Assim, é preciso que o professor defina claramente
autoimagem é também influenciada pelas representações as atividades, estabeleça a organização em grupos,
que o professor e seus colegas fazem dele e, de uma forma disponibilize recursos materiais adequados e defina o
ou outra, são explicitadas nas relações interpessoais do período de execução previsto, dentro do qual os alunos
convívio escolar. Falta de respeito e forte competitividade, serão livres para tomar suas decisões. Caso contrário,
se estabelecidas na classe, podem reforçar os sentimentos a prática de sala de aula torna-se insustentável pela
de incompetência de certos alunos e contribuir de forma indisciplina que gera.
efetiva para consolidar o seu fracasso. Outra questão relevante é o horário escolar, que deve
O aluno com um autoconceito negativo, que se obedecer ao tempo mínimo estabelecido pela legislação
considera fracassado na escola, ou admite que a culpa é sua vigente para cada uma das áreas de aprendizagem do
e se convence de que é um incapaz, ou vai buscar ao seu currículo. A partir desse critério, e em função das opções
do projeto educativo da escola, é que se poderá fazer a
redor outros culpados: o professor é chato, as lições não
distribuição horária mais adequada.
servem para nada. Acaba por desenvolver comportamentos
No terceiro e no quarto ciclos, nos quais as aulas se
problemáticos e de indisciplina.
organizam por áreas com professores específicos e tempo
previamente estabelecido, é interessante pensar que uma
Aprender é uma tarefa árdua, na qual se convive o das maneiras de otimizar o tempo escolar é organizar aulas
tempo inteiro com o que ainda não é conhecido. Para o duplas, pois assim o professor tem condições de propor
sucesso da empreitada, é fundamental que exista uma atividades em grupo que demandam maior tempo (aulas
relação de confiança e respeito mútuo entre professor e curtas tendem a ser expositivas).
aluno, de maneira que a situação escolar possa dar conta
de todas as questões de ordem afetiva. Mas isso não Organização do espaço
fica garantido apenas e exclusivamente pelas ações do
professor, embora sejam fundamentais dada a autoridade Uma sala de aula com carteiras fixas dificulta o trabalho
que ele representa, mas também deve ser conseguido nas em grupo, o diálogo e a cooperação; armários trancados
relações entre os alunos. O trabalho educacional inclui não ajudam a desenvolver a autonomia do aluno, como
as intervenções para que os alunos aprendam a respeitar também não favorecem o aprendizado da preservação do
diferenças, a estabelecer vínculos de confiança e uma bem coletivo. A organização do espaço reflete a concepção
prática cooperativa e solidária. metodológica adotada pelo professor e pela escola.

114
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Em um espaço que expresse o trabalho proposto A menção ao uso de computadores, dentro de um


nos Parâmetros Curriculares Nacionais é preciso que as amplo leque de materiais, pode parecer descabida perante
carteiras sejam móveis, que as crianças tenham acesso aos as reais condições das escolas, pois muitas não têm sequer
materiais de uso frequente, as paredes sejam utilizadas para giz para trabalhar.
exposição de trabalhos individuais ou coletivos, desenhos, Sem dúvida essa é uma preocupação que exige
murais. posicionamento e investimento em alternativas criativas
Nessa organização é preciso considerar a possibilidade para que as metas sejam atingidas.
de os alunos assumirem a responsabilidade pela decoração,
ordem e limpeza da classe. Quando o espaço é tratado Considerações finais
dessa maneira, passa a ser objeto de aprendizagem e
respeito, o que somente ocorrerá por meio de investimentos A qualidade da atuação da escola não pode depender
sistemáticos ao longo da escolaridade. somente da vontade de um ou outro professor. É preciso
É importante salientar que o espaço de aprendizagem a participação conjunta dos profissionais (orientadores,
não se restringe à escola, sendo necessário propor supervisores, professores polivalentes e especialistas) para
atividades que ocorram fora dela. A programação deve tomada de decisões sobre aspectos da prática didática, bem
contar com passeios, excursões, teatro, cinema, visitas a como sua execução. Essas decisões serão necessariamente
fábricas, marcenarias, padarias, enfim, com as possibilidades diferenciadas de escola para escola, pois dependem do
existentes em cada local e as necessidades de realização do ambiente local e da formação dos professores.
trabalho escolar. As metas propostas não se efetivarão a curto prazo.
No dia-a-dia devem-se aproveitar os espaços externos É necessário que os profissionais estejam comprometidos,
para realizar atividades cotidianas, como ler, contar histórias, disponham de tempo e de recursos. Mesmo em condições
fazer desenho de observação, buscar materiais para ótimas de recursos, dificuldades e limitações sempre
coleções. Dada a pouca infraestrutura de muitas escolas, estarão presentes, pois na escola se manifestam os conflitos
é preciso contar com a improvisação de espaços para o existentes na sociedade.
desenvolvimento de atividades específicas de laboratório, As considerações feitas pretendem auxiliar os
teatro, artes plásticas, música, esportes, etc. professores na reflexão sobre suas práticas e na elaboração
Concluindo, a utilização e a organização do espaço e do projeto educativo de sua escola. Não são regras a respeito
do tempo refletem a concepção pedagógica e interferem
do que devem ou não fazer. No entanto, é necessário
diretamente na construção da autonomia.
estabelecer acordos nas escolas em relação às estratégias
didáticas mais adequadas. A qualidade da intervenção do
Seleção de material
professor sobre o aluno ou grupo de alunos, os materiais
didáticos, horários, espaço, organização e estrutura
Todo material é fonte de informação, mas nenhum
das classes, a seleção de conteúdos e a proposição de
deve ser utilizado com exclusividade. É importante haver
diversidade de materiais para que os conteúdos possam atividades concorrem para que o caminho seja percorrido
ser tratados da maneira mais ampla possível. com sucesso.
O livro didático é um material de forte influência na
prática de ensino brasileira. É preciso que os professores Objetivos gerais do ensino fundamental
estejam atentos à qualidade, à coerência e a eventuais
restrições que apresentem em relação aos objetivos Os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam como
educacionais propostos. Além disso, é importante objetivos do ensino fundamental que os alunos sejam
considerar que o livro didático não deve ser o único capazes de:
material a ser utilizado, pois a variedade de fontes de - compreender a cidadania como participação social
informação é que contribuirá para o aluno ter uma visão e política, assim como exercício de direitos e deveres
ampla do conhecimento. políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes
Materiais de uso social frequente são ótimos recursos de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças,
de trabalho, pois os alunos aprendem sobre algo que tem respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito;
função social real e se mantêm atualizados sobre o que - posicionar-se de maneira crítica, responsável e
acontece no mundo, estabelecendo o vínculo necessário construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando
entre o que é aprendido na escola e o conhecimento o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar
extraescolar. decisões coletivas;
A utilização de materiais diversificados como - conhecer características fundamentais do Brasil nas
jornais, revistas, folhetos, propagandas, computadores, dimensões sociais, materiais e culturais como meio para
calculadoras, filmes, faz o aluno sentir-se inserido no construir progressivamente a noção de identidade nacional
mundo à sua volta. e pessoal e o sentimento de pertinência ao País;
É indiscutível a necessidade crescente do uso de - conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio
computadores pelos alunos como instrumento de sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais
aprendizagem escolar, para que possam estar atualizados de outros povos e nações, posicionando-se contra
em relação às novas tecnologias da informação e se qualquer discriminação baseada em diferenças culturais,
instrumentalizarem para as demandas sociais presentes e de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras
futuras. características individuais e sociais;

115
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

- perceber-se integrante, dependente e agente O ensinar e o aprender em cada ciclo enfoca as


transformador do ambiente, identificando seus elementos necessidades e possibilidades de trabalho da área no ciclo
e as interações entre eles, contribuindo ativamente para a e indica os Objetivos de Ciclo por Área, estabelecendo as
melhoria do meio ambiente; conquistas intermediárias que os alunos deverão atingir
- desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo para que progressivamente cumpram com as intenções
e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, educativas gerais. Segue-se a apresentação dos Blocos de
física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e Conteúdos e/ou Organizações Temáticas de Área por Ciclo.
de inserção social, para agir com perseverança na busca de Esses conteúdos estão detalhados em um texto explicativo
conhecimento e no exercício da cidadania; dos conteúdos que abrangem e das principais orientações
- conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e didáticas que envolvem. Nesta primeira fase de definição
adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos dos Parâmetros Curriculares Nacionais, segundo prioridade
da qualidade de vida e agindo com responsabilidade em dada pelo Ministério da Educação e do Desporto, há
relação à sua saúde e à saúde coletiva; especificação dos Blocos de Conteúdos apenas para
- utilizar as diferentes linguagens — verbal,
primeiro e segundo ciclos.
matemática, gráfica, plástica e corporal — como meio para
A eleição de objetivos e conteúdos de área por ciclo
produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e
está diretamente relacionada com os Objetivos Gerais do
usufruir das produções culturais, em contextos públicos e
privados, atendendo a diferentes intenções e situações de Ensino Fundamental e com os Objetivos Gerais de Área, da
comunicação; mesma forma que também expressa a concepção de área
- saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos adotada.
tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos; Os Critérios de Avaliação explicitam as aprendizagens
- questionar a realidade formulando-se problemas e fundamentais a serem realizadas em cada ciclo e se
tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento constituem em indicadores para a reorganização do
lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise processo de ensino e aprendizagem. Vale reforçar que
crítica, selecionando procedimentos e verificando sua tais critérios não devem ser confundidos com critérios de
adequação. aprovação e reprovação de alunos.
O último item são as Orientações Didáticas, que
Estrutura organizacional dos Parâmetros discutem questões sobre a aprendizagem de determinados
Curriculares Nacionais conteúdos e sobre como ensiná-los de maneira coerente
com a fundamentação explicitada anteriormente.
Todas as definições conceituais, bem como a
estrutura organizacional dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, foram pautadas nos Objetivos Gerais do Ensino EDUCAÇÃO, TRABALHO, FORMAÇÃO
Fundamental, que estabelecem as capacidades relativas
aos aspectos cognitivo, afetivo, físico, ético, estético, PROFISSIONAL E AS TRANSFORMAÇÕES DA
de atuação e de inserção social, de forma a expressar a EDUCAÇÃO BÁSICA.
formação básica necessária para o exercício da cidadania.
Essas capacidades, que os alunos devem ter adquirido ao
término da escolaridade obrigatória, devem receber uma
No momento atual observa-se um aparente consenso
abordagem integrada em todas as áreas constituintes do
dos atores sociais quanto à importância da educação
ensino fundamental. A seleção adequada dos elementos
profissional e tecnológica para o desenvolvimento do país.
da cultura — conteúdos — é que contribuirá para o
desenvolvimento de tais capacidades arroladas como Porém, existem divergências profundas tanto em relação
Objetivos Gerais do Ensino Fundamental. ao significado do desenvolvimento, quanto ao papel
Os documentos das áreas têm uma estrutura comum: desempenhado pela educação profissional e tecnológica
iniciam com a exposição da Concepção de Área para nesse processo.
todo o ensino fundamental, na qual aparece definida Em relação ao desenvolvimento, explicita-se a rejeição
a fundamentação teórica do tratamento da área nos aos modelos tradicionais, excludentes e não sustentáveis
Parâmetros Curriculares Nacionais. social e ambientalmente, que envolvem concentração de
Os Objetivos Gerais de Área, da mesma forma que renda e submissão à divisão internacional do trabalho;
os Objetivos Gerais do Ensino Fundamental, expressam dilapidação da força de trabalho, e das riquezas naturais;
capacidades que os alunos devem adquirir ao final da competição, promoção do individualismo e destruição dos
escolaridade obrigatória, mas diferenciam-se destes últimos valores das culturas populares.
por explicitar a contribuição específica dos diferentes Em seu lugar, na perspectiva da outra globalização – na
âmbitos do saber presentes na cultura; trata-se, portanto, esteira dos movimentos sociais que afirmam nas sucessivas
de objetivos vinculados ao corpo de conhecimentos de edições do Fórum Social Mundial que outro mundo
cada área. Os Objetivos Gerais do Ensino Fundamental e é possível – é preciso defender um desenvolvimento
os Objetivos Gerais de Área para o Ensino Fundamental sócio econômico ambiental, em que a inserção do Brasil
foram formulados de modo a respeitar a diversidade social no mundo se dê de forma independente, garantindo a
e cultural e são suficientemente amplos e abrangentes para cada um, individual e coletivamente, a apropriação dos
que possam conter as especificidades locais. benefícios de tal desenvolvimento.

116
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Seguindo este raciocínio, também deve ser rejeitada Desses pressupostos decorre um princípio de
a concepção que vê a educação como salvação do país ordem epistemológica, que consiste em compreender
e a educação profissional e tecnológica como a porta da o conhecimento como uma produção do pensamento
empregabilidade, entendida como condição individual pela qual se apreende e se representam as relações que
necessária ao ingresso e permanência no mercado de constituem e estruturam a realidade objetiva. Apreender e
trabalho, de responsabilidade exclusiva dos trabalhadores. determinar essas relações exige um método, que parte do
Isto significa desmistificar a pretensa relação direta entre concreto empírico – forma como a realidade se manifesta
qualificação e emprego, fortemente disseminada pela – e, mediante uma determinação mais precisa através da
mídia e assumida pelo Governo Federal de 1994 a 2002, análise, chega a relações gerais que são determinantes da
como eixo das políticas públicas de trabalho, contribuindo realidade concreta. O processo de conhecimento implica,
para a atual explosão da oferta de cursos privados de após a análise, elaborar a síntese que representa o concreto,
educação profissional. agora como uma reprodução do pensamento conduzido
No plano teórico, significa confrontar a Teoria do pelas determinações que o constituem.
Capital Humano e suas variantes contemporâneas,
Discutiremos aqui o primeiro sentido, de natureza
demonstrando a sua incapacidade de explicar ou contribuir
filosófica, que atribuímos à integração expressando uma
com a elaboração de políticas de trabalho emprego e renda
concepção de formação humana, com base na integração
que, de fato, incluam de forma cidadã milhões de pessoas
no mundo do trabalho. de todas as dimensões da vida no processo educativo,
No plano político, significa ir além do campo visando à formação omnilateral dos sujeitos. Essas
educacional, atuando também e simultaneamente nos dimensões são o trabalho, a ciência e a cultura. O trabalho
campos da produção e do Estado, envolvendo os sujeitos compreendido como realização humana inerente ao ser
trabalhadores no debate, na perspectiva da construção (sentido ontológico) e como prática econômica (sentido
de um verdadeiro consenso da importância da educação histórico associado ao modo de produção); a ciência
profissional e tecnológica apontadas nas intervenções compreendida como os conhecimentos produzidos pela
ocorridas no Fórum Mundial. humanidade que possibilita o contraditório avanço das
forças produtivas; e a cultura, que corresponde aos valores
Conceitos e concepções éticos e estéticos que orientam as normas de conduta de
uma sociedade.
Formação humana integral
Ciavatta, ao se propor a refletir sobre o que é ou
A ideia de formação integrada sugere superar o ser que pode vir a ser a formação integrada pergunta: que
humano dividido historicamente pela divisão social do é integrar? A autora remete o termo, ao seu sentido
trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir de completude, de compreensão das partes no seu
ou planejar. Trata-se de superar a redução da preparação todo ou da unidade no diverso, o que implica tratar
para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado, a educação como uma totalidade social, isto é, nas
escoimado dos conhecimentos que estão na sua gênese múltiplas mediações históricas que concretizam os
científico-tecnológica e na sua apropriação histórico-social. processos educativos. No caso da formação integrada
Como formação humana, o que se busca é garantir ao ou do ensino médio integrado ao ensino técnico, o que
adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a se quer com a concepção de educação integrada é que a
uma formação completa para a leitura do mundo e para a educação geral se torne parte inseparável da educação
atuação como cidadão pertencente a um país, integrado profissional em todos os campos onde se dá a preparação
dignamente à sua sociedade política. Formação que,
para o trabalho: seja nos processos produtivos, seja nos
neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais
processos educativos como a formação inicial, o ensino
subjacentes a todos os fenômenos.
técnico, tecnológico ou superior. Significa que buscamos
Para isto precisamos partir de alguns pressupostos,
nos termos descritos por Ramos. O primeiro deles é enfocar o trabalho como princípio educativo, no sentido
compreender que homens e mulheres são seres histórico- de superar a dicotomia trabalho manual / trabalho
sociais que atuam no mundo concreto para satisfazerem intelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao
suas necessidades subjetivas e sociais e, nessa ação, trabalho produtivo, de formar trabalhadores capazes
produzem conhecimentos. Assim, a história da humanidade de atuar como dirigentes e cidadãos.
é a história da produção da existência humana e a história
do conhecimento é a história do processo de apropriação No trabalho pedagógico, o método de exposição
social dos potenciais da natureza para o próprio homem, deve restabelecer as relações dinâmicas e dialéticas entre
mediada pelo trabalho. Por isto, o trabalho é mediação os conceitos, reconstituindo as relações que configuram
ontológica e histórica na produção de conhecimento. a totalidade concreta da qual se originaram, de modo
O segundo pressuposto é que a realidade concreta é que o objeto a ser conhecido revele-se gradativamente
uma totalidade, síntese de múltiplas relações. Totalidade em suas peculiaridades próprias. O currículo integrado
significa um todo estruturado e dialético, do qual ou no organiza o conhecimento e desenvolve o processo de
qual um fato ou conjunto de fatos pode ser racionalmente ensinoaprendizagem de forma que os conceitos sejam
compreendido pela determinação das relações que os apreendidos como sistema de relações de uma totalidade
constituem. concreta que se pretende explicar/compreender.

117
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Cidadania A educação, não obstante ser enquadrada dentre os


direitos sociais, foi um fator decisivo em todos os países
Cidadania é conceito empregado hegemonicamente em que os direitos civis e políticos se anteciparam aos
em sua acepção liberal-burguesa. Apoia-se na concepção sociais, os mais desenvolvidos economicamente. Neles,
de homem portador de direitos naturais, não obstante sua oferta pública e universal é experimentada e levada
tal natureza ser sócio historicamente produzida. Tal à condição de implementação do projeto republicano
historicidade se faz irrefutável pela própria constatação da democrático da classe recém hegemonizada. Exemplos
sucessão das ditas gerações de direitos humanos desde ao maiores, não à toa: Inglaterra e França. Portanto, junto
menos o século XVII, com a primeira revolução burguesa, com a educação cidadã modernizante, patrocinada
a inglesa. Estas gerações costumam ser apresentadas ainda que precariamente pelo Estado brasileiro, vem seu
linear e logicamente encadeadas a partir dos direitos corolário papel de reprodução das condições ideológicas
civis, seguindo-se a dos direitos políticos e, embora para da sociabilidade contraditória das desigualdades
muitos autores avançando para além da terceira geração, equalizadas ou igualdades assimétricas. Porém, desta
substancialmente tem sua conclusão na dos direitos sociais. volta atualizado.
Uma cidadania assim, aqui brevemente esboçada,
será plena se e somente se as três dimensões dos direitos Nesse e para esse contexto de cidadania que a
humanos ou naturais forem contempladas na existência educação é definida como alavanca, instrumento, quiçá
social (liberdade, igualdade e propriedade). Tal plenitude privilegiado. A reforma educacional da década seguinte,
se apresenta tanto uma promessa quanto uma expectativa onde, além da LDB, são produzidos os Parâmetros
histórica de uma concepção de homem e projeto de Curriculares Nacionais (PCN), a regulamentação da
sociedade hegemonizados a partir de uma particularidade, educação profissional pelo Decreto 2.208/97, as DCN para
qual seja da perspectiva da classe burguesa – em dado educação básica e profissional, se empenha por adaptar o
momento histórico, cumpridora de papel revolucionário aparelho educacional a esta nova inflexão do capital. Uma
das condições materiais de produção da vida social. educação para o consumo, adaptada à nova circunstância
Sabemos que a realização da razão na história, a de pobreza e esvaziamentos dos direitos humanos, ao
história da liberdade do homem, não se realiza como um desemprego e à identidade que a cultura mediaticamente
desdobramento de si própria, nem linearmente nem por globalizada forjar. O que confere unidade ao contexto
força de uma dialética idealista. A emancipação humana aqui esboçado é a certeza de que não há mais certeza a
não é uma questão de lógica! Os direitos políticos, buscar, não há mais previsibilidade a construir: há, sim,
constata-se, são facilmente reduzidos ao ritual cívico do apenas cálculo pragmático-epistemológico, quando
voto. Convivem com a liberdade de pensamento e todos muito, a se fazer em meio à positividade da realidade
os demais direitos civis e sociais, mas o desemprego e os apenas discursiva. A constante produção de consenso e
baixos salários, as violências urbana e no campo, a baixa esclarecimento de discursos, sempre lábeis, acompanha a
qualidade e ainda precária oferta de educação pública, o labilidade do comportamento autorregulador do mercado
difícil acesso à justiça e seus desiguais condicionamentos – por natureza, complexo mistério de temperamento.
de classe, a saúde pública deficiente quanto à observância Esfumam-se profissões, projetos de trajetórias pessoais,
dos princípios de integralidade, universalidade e equidade esforço de emancipação humana pela efetiva socialização
– tudo isso é exemplo da persistência de uma condição política. Para tanto, bastam algumas poucas competências
social e cidadã perversa aos brasileiros; mas não só a nós. aos filhos da classe trabalhadora.
É que aquela plenitude cidadã ou democrática não
pode se realizar por força da estrutura em que se concebe. Trabalho, ciência, tecnologia e cultura: categorias
No modo de produção da existência hegemonizado desde indissociáveis da formação humana
a inauguração da Idade Moderna, o capitalismo, vigem
contradições que impedem esta realização. De um lado, Partimos do conceito de trabalho pelo fato de o
uma contradição econômica: convivem numa razão direta compreendermos como uma mediação de primeira ordem
a socialização do trabalho e a privatização dos meios de no processo de produção da existência e objetivação da
produção. De outro, uma contradição política: a, por assim vida humana. A dimensão ontológica do trabalho é, assim,
dizer, socialização da política, embalada na proposta o ponto de partida para a produção de conhecimentos e de
democrática moderna de soberania popular, caminha de cultura pelos grupos sociais.
mãos dadas com a privatização do poder. O caráter teleológico da intervenção humana sobre o
Nossa carta constitucional, que o entusiasmo pós- meio material, isto é, a capacidade de ter consciência de
ditadura civil-militar batizou de constituição cidadã, alinha- suas necessidades e de projetar meios para satisfazê-las,
se do início ao fim com os princípios, as concepções e as diferencia o homem do animal, uma vez que este último
contradições da democracia classista. Estão lá todos os não distingue a sua atividade vital de si mesmo, enquanto o
direitos, se desenrolando numa esteira aberta pelos direitos homem faz da sua atividade vital um objeto de sua vontade
à propriedade privada e à livre iniciativa. Algo em torno de e consciência. Os animais podem reproduzir, mas o fazem
dez anos após a promulgação da CF, a lei que regulamenta somente para si mesmos; o homem reproduz, porém de
a matéria educacional em suas diretrizes e bases, a LDB, modo transformador, toda a natureza, o que tanto lhe
corrobora a centralidade da cidadania como valor, princípio atesta quanto lhe confere liberdade e universalidade. Desta
e fim da educação básica, o que poderíamos estender a forma, produz conhecimentos que, sistematizados sob o
todos os níveis e modalidades, a rigor. crivo social e por um processo histórico, constitui a ciência.

118
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Nesses termos, compreendemos o conhecimento deve ser compreendida no seu sentido mais ampliado
como uma produção do pensamento pela qual se apreende possível, ou seja, como a articulação entre o conjunto
e se representam as relações que constituem e estruturam de representações e comportamentos e o processo
a realidade. Apreender e determinar essas relações exige dinâmico de socialização, constituindo o modo de vida de
um método, que parte do concreto empírico – forma como uma população determinada. Uma formação integrada,
a realidade se manifesta – e, mediante uma determinação portanto, não somente possibilita o acesso a conhecimentos
mais precisa através da análise, chega a relações gerais que científicos, mas também promove a reflexão crítica sobre os
são determinantes do fenômeno estudado. A compreensão padrões culturais que se constituem normas de conduta de
do real como totalidade exige que se conheçam as partes um grupo social, assim como a apropriação de referências
e as relações entre elas, o que nos leva a constituir seções e tendências estéticas que se manifestam em tempos
tematizadas da realidade. Quando essas relações são e espaços históricos, os quais expressam concepções,
arrancadas de seu contexto originário e mediatamente problemas, crises e potenciais de uma sociedade, que se
ordenadas, tem-se a teoria. A teoria, então, é o real elevado vê traduzida e/ou questionada nas manifestações e obras
ao plano do pensamento. Sendo assim, qualquer fenômeno artísticas.
que sempre existiu como força natural só se constituiu A partir da compreensão do trabalho em seu sentido
em conhecimento quando o ser humano dela se apropria ontológico evidencia-se a unicidade entre as dimensões
tornando-a força produtiva para si. Por exemplo, a descarga científica-tecnológica-cultural.
elétrica, os raios, a eletricidade estática como fenômenos
naturais sempre existiram, mas não são conhecimentos O trabalho como princípio educativo
enquanto o ser humano não se apropria desses fenômenos
conceitualmente, formulando teorias que potencializam o A concepção do trabalho como princípio educativo é a
avanço das forças produtivas. base para a organização e desenvolvimento curricular em
A ciência, portanto, é a parte do conhecimento seus objetivos conteúdos e métodos.
sistematizado e deliberadamente expresso na forma Compreender a relação indissociável entre trabalho,
de conceitos representativos das relações de forças ciência, tecnologia e cultura significa entender o trabalho
determinadas e apreendidas da realidade considerada. como princípio educativo, o que não significa aprender
O conhecimento de uma seção da realidade concreta fazendo, nem é sinônimo de formar para o exercício do
ou a realidade concreta tematizada constitui os campos trabalho. Considerar o trabalho como princípio educativo
da ciência, as disciplinas científicas. Conhecimentos equivale dizer que o ser humano é produtor de sua
assim produzidos e legitimados socialmente ao longo da realidade e, por isto, se apropria dela e pode transformá-
história são resultados de um processo empreendido pela la. Equivale dizer, ainda, que nós somos sujeitos de nossa
humanidade na busca da compreensão e transformação história e de nossa realidade. Em síntese, o trabalho é a
dos fenômenos naturais e sociais. Nesse sentido, a ciência primeira mediação entre o homem e a realidade material
conforma conceitos e métodos cuja objetividade permite a e social.
transmissão para diferentes gerações, ao mesmo tempo em
que podem ser questionados e superados historicamente, O trabalho também se constitui como prática
no movimento permanente de construção de novos econômica, obviamente porque nós garantimos
conhecimentos. nossa existência, produzindo riquezas e satisfazendo
necessidades. Na sociedade moderna a relação econômica
A revolução industrial, o taylorismo, o fordismo e a vai se tornando fundamento da profissionalização. Mas
automação expressam a história da tecnologia nos marcos sob a perspectiva da integração entre trabalho, ciência e
da transformação da ciência em força produtiva. Definem, cultura, a profissionalização se opõe à redução da formação
assim, duas características da relação entre ciência e para o mercado de trabalho. Antes, ela incorpora valores
tecnologia. A primeira é que tal relação se desenvolve éticos-políticos e conteúdos históricos e científicos que
com a produção industrial. A segunda é que esse caracterizam a práxis humana.
desenvolvimento visa à satisfação de necessidades que a
humanidade se coloca, o que nos leva a perceber que a Portanto, a educação profissional não é meramente
tecnologia é uma extensão das capacidades humanas. A ensinar a fazer e preparar para o mercado de trabalho,
partir do nascimento da ciência moderna, podemos definir mas é proporcionar a compreensão das dinâmicas
a técnica e a tecnologia, então, como mediação entre sócio produtivas das sociedades modernas, com as
conhecimento científico (apreensão e desvelamento do suas conquistas e os seus revezes, e também habilitar
real) e produção (intervenção no real). as pessoas para o exercício autônomo e crítico de
Entendemos cultura como o processo de produção de profissões, sem nunca se esgotar a elas.
símbolos, de representações, de significados e, ao mesmo
tempo, prática constituinte e constituída do/pelo tecido Apresentados esses pressupostos, defendemos que
social, norma de comportamento dos indivíduos numa o projeto unitário de educação profissional não elide
sociedade e como expressão da organização político- as singularidades dos grupos sociais, mas se constitui
econômica desta sociedade, no que se refere às ideologias como síntese do diverso, tem o trabalho como o primeiro
que cimentam o bloco social. Por essa perspectiva, a cultura fundamento da educação como prática social. Além do

119
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

sentido ontológico do trabalho, a partir das finalidades razões, dos problemas e das dúvidas que motivaram
atribuídas pela LDB ao ensino médio, em particular na o avanço do conhecimento numa sociedade. Esta é a
sua forma de oferta com a educação profissional, nesta base do historicismo como método, que ajuda a superar
etapa da educação básica toma especial importância seu o enciclopedismo – quando conceitos históricos são
sentido histórico. É onde se explicita mais claramente transformados em dogmas – e o espontaneísmo, forma
o modo como o saber se relaciona com o processo de acrítica de apropriação dos fenômenos que não ultrapassa
trabalho, convertendo-se em força produtiva. Ressalta-se, o senso comum.
neste caso, o trabalho também como categoria econômica, Em um projeto unitário, ao mesmo tempo em que
a partir do qual se justificam projetos que incorporem a o trabalho se configura como princípio educativo –
formação específica para o trabalho. condensando em si as concepções de ciência e cultura –,
Na base da construção de um projeto de formação também se constitui como contexto econômico (o mundo
– que enquanto reconhece e valoriza o diverso, supera do trabalho) que justifica a formação específica para
a dualidade histórica entre formação básica e formação atividades diretamente produtivas.
profissional – está a compreensão do trabalho no seu Do ponto de vista organizacional, essa relação deve
duplo sentido: integrar em um mesmo currículo a formação plena do
educando, possibilitando construções intelectuais elevadas;
a) ontológico, como práxis humana e, então, como a a apropriação de conceitos necessários para a intervenção
forma pela qual o homem produz sua própria existência consciente na realidade e a compreensão do processo
na relação com a natureza e com os outros homens e, histórico de construção do conhecimento.
assim, produz conhecimentos; Com isto queremos erigir a escola ativa e criadora
b) histórico, que no sistema capitalista se transforma organicamente identificada com o dinamismo social da
em trabalho assalariado ou fator econômico, forma classe trabalhadora. Como nos diz Gramsci, essa identidade
específica da produção da existência humana sob o orgânica é construída a partir de um princípio educativo
capitalismo; portanto, como categoria econômica e que unifique, na pedagogia, éthos, logos e técnos, tanto
práxis produtiva que, baseadas em conhecimentos no plano metodológico quanto no epistemológico. Isso
existentes, produzem novos conhecimentos. porque esse projeto materializa, no processo de formação
humana, o entrelaçamento entre trabalho, ciência e cultura,
Pelo primeiro sentido, o trabalho é princípio educativo revelando um movimento permanente de inovação do
à medida que proporciona a compreensão do processo mundo material e social.
histórico de produção científica e tecnológica, como
conhecimentos desenvolvidos e apropriados socialmente A produção do conhecimento: pensando a pesquisa
para a transformação das condições naturais da vida e a como princípio pedagógico
ampliação das capacidades, das potencialidades e dos
sentidos humanos. O trabalho, no sentido ontológico, é Esse princípio está intimamente relacionado ao
princípio e organiza a base unitária. trabalho como princípio educativo, o qual ao ser assumido
Pelo segundo sentido, o trabalho é princípio educativo em uma educação integrada contribui para a formação
na medida em que coloca exigências específicas para o de sujeitos autônomos que possam compreender-se no
processo educacional, visando a participação direta dos mundo e dessa forma nele atuar por meio do trabalho,
membros da sociedade no trabalho socialmente produtivo. transformando a natureza em função das necessidades
Com este sentido, conquanto também organize a base coletivas da humanidade e, ao mesmo tempo, cuidar de
unitária do ensino médio, fundamenta e justifica a formação sua preservação face às necessidades dos demais seres
específica para o exercício de profissões, essas entendidas humanos e das gerações futuras. A necessária autonomia
como uma forma contratual socialmente reconhecida, do para que o ser humano possa, por meio do trabalho, atuar
processo de compra e venda da força de trabalho. Como dessa forma pode e deve ser potencializada pela pesquisa,
razão da formação específica, o trabalho aqui se configura a qual contribui para a construção da autonomia intelectual
também como contexto. e deve ser intrínseca ao ensino, bem como estar orientada
Se pela formação geral as pessoas adquirem ao estudo e à busca de soluções para as questões teóricas
conhecimentos que permitam compreender a realidade, e práticas da vida cotidiana dos sujeitos trabalhadores.
na formação profissional o conhecimento científico Nesse sentido, é necessário que a pesquisa como
adquire, para o trabalhador, o sentido de força produtiva, princípio pedagógico esteja presente em toda a educação
traduzindo-se em técnicas e procedimentos, a partir da escolar dos que vivem/viverão do próprio trabalho. Ela
compreensão dos conceitos científicos e tecnológicos instiga o estudante no sentido da curiosidade em direção
básicos que o possibilitarão à atuação autônoma e ao mundo que o cerca, gera inquietude, para que não
consciente na dinâmica econômica da sociedade. sejam incorporados pacotes fechados de visão de mundo,
Por fim, a concepção de cultura que embasa a síntese de informações e de saberes, quer sejam do senso comum,
entre formação geral e formação específica a compreende escolares ou científicos.
como as diferentes formas de criação da sociedade, Essa atitude de inquietação diante da realidade
de tal forma que o conhecimento característico de um potencializada pela pesquisa, quando despertada nas
tempo histórico e de um grupo social traz a marca das primeiras fases escolares, contribui para que, nas faixas

120
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

etárias e níveis educacionais mais avançados, o sujeito Evidentemente, esse quadro, além de outros aspectos,
possa, individual e coletivamente, formular questões de contribui para que, a cada dia, aumente o número de
investigação e buscar respostas na esfera mais formal adolescentes excluídos do ensino médio na faixa etária
no âmbito acadêmico, seja na forma aplicada ou na denominada como própria ou regular.
denominada pesquisa de base/acadêmica, como também Além disso, essa etapa educacional é pobre de
em outros processos de trabalho, em um processo sentido tanto na esfera pública quanto privada. Nessa
autônomo de (re)construção de conhecimentos. perspectiva, é necessário conferir-lhe uma identidade que
Além disso, é fundamental que essa (re)produção possa contribuir para a formação integral dos estudantes.
de conhecimento esteja orientada por um sentido ético. Uma formação voltada para a superação da dualidade
Desse modo, é imprescindível potencializar uma concepção estrutural entre cultura geral e cultura técnica ou formação
de pesquisa, aplicada ou não, assim como de ciência e instrumental (para os filhos da classe operária) versus
de desenvolvimento tecnológico comprometidos com formação acadêmica (para os filhos das classes média-alta
a produção de conhecimentos, saberes, bens e serviços e alta)36. Esse ensino médio dever ser orientado, tanto em
que tenham como finalidade melhorar as condições da sua vertente dirigida aos adolescentes como ao público da
vida coletiva e não apenas produzir bens de consumo EJA, à formação de cidadãos capazes de compreender a
para fortalecer o mercado e privilegiar o valor de troca realidade social, econômica, política, cultural e do mundo
em detrimento do valor de uso, concentrando riqueza e do trabalho para nela inserir-se e atuar de forma ética e
aumentando o fosso entre os incluídos e os excluídos. competente, técnica e politicamente, visando contribuir
Nesse sentido, é necessário fortalecer a relação entre para a transformação da sociedade em função dos
o ensino e a pesquisa, na perspectiva de contribuir com a interesses sociais e coletivos.
edificação da autonomia intelectual dos sujeitos frente à Entretanto, esse tipo de oferta não é amplamente
(re)construção do conhecimento e outras práticas sociais, proporcionada à população, pois grande parte das
o que inclui a conscientização e a autonomia diante do escolas privadas concentram seus esforços em aprovar os
trabalho. Isto significa contribuir, entre outros aspectos, estudantes nos vestibulares das universidades, adotando
para o desenvolvimento das capacidades de, ao longo uma concepção de educação equivocada, na qual se
da vida, interpretar, analisar, criticar, refletir, rejeitar idéias substitui o todo (formação integral) pela parte (aprovação
fechadas, aprender, buscar soluções e propor alternativas, no vestibular).
potencializadas pela investigação e pela responsabilidade Por outro lado, embora haja escolas públicas de
ética assumida diante das questões políticas, sociais, excelente qualidade, essa não é a regra geral. Dessa forma,
culturais e econômicas. grande parte dessas escolas, nas quais estudam os filhos
Uma importante estratégia na consolidação da pesquisa da classe trabalhadora, tentam reproduzir o academicismo
como princípio pedagógico pode ser a sua vinculação com das escolas privadas, mas não conseguem fazê-lo por falta
a produção de tecnologias sociais, fundamento de uma de condições materiais. Deste modo, em geral, a formação
intervenção social junto às comunidades no território de proporcionada nem confere uma contribuição efetiva para
atuação da unidade escolar. o ingresso digno no mundo de trabalho, nem contribui de
forma significativa para o prosseguimento dos estudos no
Por uma Política Pública Educacional nível superior.

Possibilidades para o ensino médio É nesse contexto que a educação profissional técnica
de nível médio – ao habilitar para o exercício de profissões
O Decreto 5.154/04 surge na realidade educacional técnicas – pode explicitar o significado da formação no
brasileira em um momento de profunda crise do ensino ensino médio, como última etapa da educação básica.
médio. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos Em especial na forma integrada, a educação profissional
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2008, técnica de nível médio representa a oportunidade ótima
pouco mais de 51% da população entre 15 e 17 anos de realização dos princípios do nível médio da educação
encontrava-se no ensino médio, correspondendo a 62,4% básica, em virtude da experiência pedagógica integradora
(cerca de 5,2 milhões) dos 8,3 milhões de estudantes entre os fundamentos científicos e apropriações culturais
matriculados na oferta dita regular estavam nessa faixa e o processo produtivo em geral, manifesto pela
etária. Naquele ano, 21 milhões de pessoas com mais de particularidade de sua habilitação técnica.
18 anos compunham a demanda potencial para o ensino Para que a educação integrada constitua-se em
médio, porém, foram registradas apenas 1,6 milhão de política pública educacional é necessário que essa assuma
matrículas na modalidade EJA. uma amplitude nacional na perspectiva de que as ações
Além dos problemas na oferta, a falta de sentido e realizadas nesse âmbito possam enraizar-se em todo o
identidade para o tipo de ensino médio que é proporcionado território brasileiro.
à população conduz a uma baixa expectativa quanto à sua Para que isso possa ocorrer é fundamental que as
realização e conclusão por parte de adolescentes, jovens ações desencadeadas nesse domínio sejam orientadas
e adultos. Essa falta de sentido/identidade está posta em por um regime de coordenação e cooperação entre as
duas dimensões. Uma relativa à sua própria concepção e esferas públicas em vários níveis. Em nível nacional, entre
outra relacionada com o deficiente financiamento público. o MEC e outros ministérios – tendo em vista a articulação

121
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

com outras políticas setoriais –; internamente, entre suas Se o regime de colaboração propugna o
secretarias; e externamente, com as instituições públicas de compartilhamento de responsabilidades e encargos
educação superior – principalmente as que integram a Rede educacionais entre os entes federados – podendo se dar
Federal –, os sistemas estaduais e os sistemas municipais pela via de convênios, acordos, termos de cooperação,
de ensino. Em cada estado, entre o respectivo sistema planos, entre outros instrumentos, há de esperar uma
estadual, as instituições públicas de educação superior e atuação efetiva das redes estaduais e federal.
os sistemas municipais de educação. De forma análoga o Embora previsto no texto constitucional, a consecução
Distrito Federal. Pressupõe igualmente a cooperação entre de tal colaboração esbarra em inúmeras barreiras.
órgãos ou entidades responsáveis pelas políticas setoriais As experiências registradas em diversos programas
no âmbito estadual e dos municípios. educacionais da década de 90 apontam para um quadro
É essa colaboração mútua que deverá contribuir para de concorrência e não de cooperação entre os entes.
que os sistemas e redes públicos de ensino que atuam/ Estudos sobre a matéria apontam entre as dificuldades à
atuarão em uma educação integrada possam fazê-lo sua difusão:
a partir de soluções adequadas para questões centrais
como: financiamento; existência de quadro específico a) a ausência de regras institucionais que aprofundem o
de professores efetivos para atuar nos diversos cursos; estímulo a práticas cooperativas entre os entes;
formação inicial e continuada de docentes, técnicos b) a precariedade de dados e informações sobre a
administrativos e equipes dirigentes; infraestrutura física realidade escolar no país;
necessária a cada tipo de instituição, entre outros aspectos c) a tradição autoritária nas relações intergovernamentais,
relevantes. aqui caracterizada pela tendência à centralização e
concentração do poder decisório nas esferas federal e
Uma política educacional dessa natureza requer sua estaduais;
articulação com outras políticas setoriais vinculadas a d) a carência de espaços oficiais de coordenação,
diversos ministérios responsáveis por políticas públicas barganha e deliberação conjunta entre as instâncias
estruturantes da sociedade brasileira. Portanto, ao se federadas, em que pesem as iniciativas tanto do CONSED
pensar a educação integrada como política pública quanto da UNDIME nessa área
educacional é necessário pensá-la também na perspectiva
de sua contribuição para a consolidação das políticas de Atualmente, as políticas educacionais têm sido
ciência e tecnologia, de geração de emprego e renda, estruturadas em programas mais abrangentes que podem
de desenvolvimento agrário, de saúde pública, de se realizar sob um efetivo regime de colaboração entre
desenvolvimento da indústria e do comércio, entre outras. o sistema federal de ensino e os estaduais, dadas as
Enfim, é necessário buscar o seu papel estratégico no seguintes características: a) implicam, respectivamente, as
marco de um projeto de desenvolvimento socioeconômico redes estaduais e a federal, atingindo, então, a totalidade
do Estado brasileiro. do sistema público que atua na educação profissional;
b) apresentam metas físicas e financeiras claras; c)
O necessário exercício do regime de colaboração vêm acompanhados de documentos que dispõe sobre
princípios e diretrizes fundamentais para as ações políticas
Outro importante nível de articulação e interação que e pedagógicas realizadas sob a sua égide. O fato de esses
precisa ser aperfeiçoado encontra-se, internamente, entre programas terem como um dos princípios a implantação
as secretarias e departamentos do MEC, assim como entre o desse tipo de ensino, juntamente com as características
MEC e os estados e municípios. Para que essa interlocução antes referidas apontam, finalmente, para respostas
entre o MEC e as unidades da federação se concretize, se concretas à possibilidade jurídica emanada do Decreto
faz necessário convocar entidades afetas à questão para 5.154/04.
uma efetiva participação: o CNE, os Conselhos Estaduais Nesse processo, a reestruturação da Rede Federal
de Educação (CEE), os Conselhos Municipais de Educação pode cumprir um papel fundamental de articulação entre
(CME), o CONSED, o Conselho Nacional de Secretários os entes federados. Um plano estratégico e estruturante da
de Ciência e Tecnologia (CONSECT), a União Nacional de política de educação integrada implicaria, necessariamente,
Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), o CONIF, a cooperação, a colaboração e a interação com os sistemas
entre outras. estaduais e municipais, quando for o caso, no sentido de
Também no plano local (município) e regional (estado contribuir para que tais sistemas construam e implementem
ou mesorregião) é imprescindível a articulação e, além disso, seus currículos a partir de suas próprias realidades.
a interação entre os entes que recebem financiamento No campo das ações estruturantes que podem ser
público na perspectiva de consolidar a política educacional desenvolvidas em regime de colaboração entre a Rede
em discussão. Esta questão nos remete ao regime de Federal e os sistemas estaduais, merece destaque a formação
colaboração entre os entes federados, nos termos em de profissionais para atuar nessa esfera educacional, em
que a CF de 1988 dispõe (art. 211, caput) e a LDB (art. 8o, especial, a formação docente. Alguns dessas instituições
caput), qual seja: A União, os Estados, o Distrito Federal e federais, principalmente as mais antigas, atuam na
os Municípios organizarão em regime de colaboração os formação de professores para a educação profissional há
seus sistemas de ensino. décadas. Além disso, nos últimos anos, outras instituições

122
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

da Rede Federal vêm gradativamente passando a atuar nas Quadro docente permanente e sua formação
licenciaturas voltadas para a educação básica, de forma
que estão construindo um bom corpo de conhecimentos Para efetivação de uma política é necessário conhecer
nesse campo. Evidentemente, além dessas instituições, as as fragilidades dos sistemas educacionais, na busca da
próprias universidades públicas podem e devem constituir- sua superação, e explorar suas potencialidades. Como já
se em lócus dessa formação. explicitado anteriormente, na década de 1990, com o recuo
Outro aspecto importante que será potencializado por na oferta de cursos técnicos na Rede Federal e o completo
uma maior interação entre os sistemas estaduais/municipais desmonte do que se tinha nos sistemas estaduais, não
e a Rede Federal é a construção do conhecimento nessa houve por parte dos sistemas concursos públicos para
esfera educacional, pois ela constitui-se em uma inovação compor o quadro de professores da área específica. A
no quadro educacional brasileiro. É fundamental que se primeira fragilidade, portanto, diz respeito à falta de
estruturem e se fomentem grupos de investigação nesse quadro de professores efetivos no domínio da educação
campo, os quais devem surgir associados aos processos de profissional, principalmente nos estados. Em decorrência,
formação de professores. com vistas à expansão da oferta da educação profissional,
A evidência da necessidade de envolvimento encontra
é fundamental (re)constituir esses quadros efetivos,
sua manifestação no tema central da Conferência Nacional
uma vez que não se poderá trabalhar nessa perspectiva
de Educação de 2010, nas reflexões sobre o sistema
curricular com professores contratados precariamente /
nacional articulado de educação e o plano nacional de
educação. Segundo Saviani, temporariamente.
É responsabilidade dos governos federal, estaduais
No que se refere à construção do Sistema Nacional e municipais a (re)composição de seus quadros de
de Educação propriamente dito, o ponto de referência é o professores. A segunda fragilidade a ser superada é a
regime de colaboração entre a União, os estados/Distrito formação de professores que constituirão esses quadros
Federal e os municípios, estabelecido pela Constituição efetivos, a ser abordada em duas dimensões: a inicial e a
Federal. A implementação do regime de colaboração continuada.
implicará uma repartição das responsabilidades entre Considerando a primeira dimensão, evidencia-se o
os entes federativos, todos voltados para o objetivo de fato dos professores das disciplinas específicas serem, via
prover uma educação com o mesmo padrão de qualidade de regra, bacharéis que em seus cursos superiores não
a toda a população brasileira. Assim, deixam de ter sentido receberam formação para a docência. Neste sentido, o
os argumentos contra o sistema nacional baseados no Parecer do CNE/CEB 2/97 dispõe sobre programas especiais
caráter federativo que pressupõe a autonomia de estados de formação pedagógica de professores para a educação
e municípios. O regime de colaboração é um preceito profissional. No entanto, os debates sobre a formação
constitucional que, obviamente, não fere a autonomia dos de docentes para a educação profissional e tecnológica
entes federativos. Mesmo porque, como já afirmei, sistema apontam para a insuficiência de tais programas no
não é a unidade da identidade, mas unidade da variedade. atendimento às necessidades de formação, principalmente
Logo, a melhor maneira de preservar a diversidade e as dos sistemas estaduais.
peculiaridades locais não é isolá-las e considerá-las em si Em 2006, foi realizado em cooperação com o INEP, no
mesmas, secundarizando suas interrelações. Ao contrário, Simpósio Educação Superior em Debate, o encontro com o
trata-se de articulá-las num todo coerente, como elementos tema Formação de Professores para Educação Profissional e
que são da mesma nação, a brasileira, no interior da qual se Tecnológica. Em 2007, foi constituído o Grupo de Trabalho
expressam toda a sua força e significado. Formação de Professores para a Educação Profissional e
Para que educação integrada se torne, efetivamente, Tecnológica cujo resultado foi sistematizado no documento
política pública, não pode prescindir, do envolvimento das
Diferenciais Inovadores na Formação de Professores para
distintas esferas de governo, do mesmo modo que exige
a Educação Profissional. Nesse mesmo ano, as propostas
maior articulação com movimentos sociais, economias
contidas nesse documento foram debatidas em diversos
locais e sociedade civil em geral.
Finalmente, é preciso ter claro que os movimentos encontros locais promovidos por instituições da Rede
sociais, ao exercerem pressão sobre o poder público em Federal.
defesa de suas demandas educacionais, tornam-se sujeitos Com base nos resultados dos debates ocorridos
indispensáveis ao processo de planejamento e formação no Simpósio de 2006 e dos trabalhos de 2007, a SETEC,
teórico-epistemológica sobre educação integrada, por em 2008, encaminhou ao CNE proposta de DCN para as
gerarem também conhecimento em seus campos de licenciaturas destinadas à formação de professores para
atuação. Enfim, as concepções de currículo, a construção atuar na educação profissional e tecnológica, atualmente
e a atualização de projetos pedagógicos, as condições e o em análise nesse colegiado.
tamanho da oferta dos cursos são aspectos para os quais Em 2010, foi enviada à SETEC/MEC uma proposta de
muito têm a contribuir os movimentos sociais, a exemplo parecer contendo cinco possibilidades de formação de
do que do que se tem reivindicado e avançado no âmbito professores para a educação profissional: quatro resultantes
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e dos debates promovidos durante os anos de 2006 e 2007 e
das comunidades indígenas, que identificam a formação constantes no documento encaminhado, em 2008, ao CNE
integrada como uma necessidade coerente com suas pela SETEC e uma já constante na Resolução CNE/CP no
realidades. 2/97, quais sejam: Curso de licenciatura para graduados;

123
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Curso de licenciatura integrado com curso de graduação pesquisa, sindicatos e outras entidades do campo da
em tecnologia; Curso de licenciatura para técnicos de educação superior em geral, da formação de professores
nível médio ou equivalente; Curso de licenciatura para e da educação profissional e tecnológica, assim como os
concluintes do ensino médio; Cursos de especialização, sistemas estaduais e municipais de educação.
pós-graduação lato sensu, em programas especiais para Essa formação deve ir além da aquisição de técnicas
profissionais já graduados em nível superior. didáticas de transmissão de conteúdos para os professores
e de técnicas de gestão para os dirigentes. Assim, seu
Na análise da proposição do CNE, a SETEC manifestou objetivo macro deve ser necessariamente mais ambicioso,
sua concordância com a normatização de apenas três das centrado no âmbito das políticas públicas, principalmente,
cinco formas apresentadas: Curso de licenciatura para as educacionais e, particularmente, as relativas à integração
graduados; Curso de licenciatura para técnicos de nível entre a educação profissional e a educação básica. Esse
médio ou equivalente e Curso de licenciatura integrado direcionamento tem o objetivo de orientar a formação
com curso de graduação. desses profissionais por uma visão que englobe a técnica,
Na análise encaminhada ao CNE a SETEC considera mas que vá além dela, incorporando aspectos que possam
que a licenciatura para graduados pode substituir, com contribuir para uma perspectiva de superação do modelo
vantagens, os cursos de especialização, pós-graduação de desenvolvimento socioeconômico vigente e, dessa
lato sensu e os programas especiais intencionalmente forma, privilegie mais o ser humano trabalhador e suas
destinados à formação de docentes para a educação relações com o meio ambiente do que, simplesmente, o
profissional (quinta forma apresentada na proposta de mercado de trabalho e o fortalecimento da economia.
parecer). Essa licenciatura, em relação à proposta contida Nesse processo educativo de caráter crítico-reflexivo,
na Resolução CNE/CP no 2/97, ao prever uma carga- o professor deve assumir uma atitude orientada pela
horária mínima maior, possibilita uma formação mais e para a responsabilidade social. Nessa perspectiva,
consistente, incluindo mais tempo destinado ao estágio o docente deixa de ser um transmissor de conteúdos
supervisionado, além de superar o caráter de oferta acríticos e definidos por especialistas externos, para
esporádica que têm marcado a formação de docentes para assumir uma atitude de problematizador e mediador no
a educação profissional. processo ensinoaprendizagem sem, no entanto, perder
Essa forma permite também que ao se identificar sua autoridade nem, tampouco, a responsabilidade com a
demandas pontuais que justifiquem ofertas de caráter competência técnica dentro de sua área do conhecimento.
esporádico, possam ser abertas turmas específicas para seu Importa destacar ainda a característica plural da EJA, ao
atendimento. Essa forma de licenciatura traz ainda como lidar com diferentes modos cognitivos e de aprendizagens,
vantagem para os formados a autorização para docência situação complexa em si para a organização do processo
em cursos de formação de profissionais cujas profissões pedagógico e para a formação de professores que atuam
são regulamentadas e se exige que o docente da parte nesse campo.
específica seja também profissional da área. Além disso, são necessários esforços em três dimensões
Também é necessário levar em consideração que distintas e igualmente importantes: A formação daqueles
mesmo os professores licenciados carecem de formação profissionais que já estão em exercício, os que estão em
com vistas à atuação em uma proposta de educação processo de formação e os que ainda vão iniciar formação
integrada, posto que tiveram sua formação voltada para como futuros profissionais da educação profissional e
a atuação no ensino fundamental e no ensino médio tecnológica.
de caráter propedêutico, uma vez que as licenciaturas No caso específico dos professores, em qualquer dessas
brasileiras, em geral, não contemplam em seus currículos dimensões, ao revisitar Moura e Santos, incorporando
estudos sobre as relações entre trabalho e educação ou, alguns elementos novos, conclui-se que essa formação,
mais especificamente, sobre a educação profissional e suas dentre outros aspectos, deve contemplar quatro eixos
relações com a educação básica. fundamentais:
O segundo aspecto a ser considerado é o da formação a) Formação científica, com atenção às necessidades
continuada. Para consolidar uma política é necessária educacionais em cada eixo tecnológico, de integração entre
uma mudança na cultura pedagógica que rompa com os ensino-pesquisa-extensão, da perspectiva interdisciplinar,
conhecimentos fragmentados. A formação continuada do diálogo das ciências humanas e da natureza com a
para professores, gestores e técnicos tem um papel cultura e com os conhecimentos tecnológicos;
estratégico na consolidação desta política. O MEC por meio b) Formação tecnológica, considerando a interação
das instituições da Rede Federal e universidades federais e entre teoria e prática, a atual complexidade do mundo
os estados, por meio da universidades estaduais, deverão do trabalho, o aumento das exigências de qualidade na
atuar em conjunto nas suas regiões para elaborar e executar produção e nos serviços, a exigência de maior atenção
ações de formação para os professores que forem atuar na à justiça social, questões éticas e de sustentabilidade
área básica ou na específica. ambiental, necessidades sociais e alternativas tecnológicas;
Além disso, a construção dessa formação, tanto inicial c) Formação didáticopedagógica, tendo em boa conta
quanto continuada, necessariamente envolverá o MEC, as especificidades históricas, sociológicas, filosóficas,
por meio, no mínimo, da SETEC, SESU, SEB e SECAD. econômicas, organizacionais e políticas da educação
Igualmente, deverão ser envolvidas as associações de profissional e tecnológica, incluindo seus conteúdos,

124
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

métodos, processos de avaliação, identidade de docentes das três esferas de governo (federal, estadual/distrital e
e discentes, gestão de sistemas, redes e instituições e municipal). Seus recursos são realizados automaticamente
suas relações com o contexto econômico e social, com as (transferência constitucional obrigatória) em favor dos
políticas sociais e de desenvolvimento; estados e municípios, com base no número de estudantes
d) Conhecimentos sobre o desenvolvimento sócio- matriculados, com diferentes taxas de ponderação em
econômico-ambiental dos territórios e sobre a diversidade função da etapa, da modalidade, forma de oferta dos
dos sujeitos, das formas de produção e dos processos de cursos e tipos de estabelecimento de ensino.
trabalho dos diferentes lócus onde os cursos ocorrem. Apesar do avanço que representa, sendo hoje a única
fonte regular de financiamento, por meio de transferência
Esses três eixos devem interagir permanentemente obrigatória, que alcança a oferta pública de educação
entre si e estarem orientados a um constante diálogo com profissional, o FUNDEB restringe-se ao financiamento da
a sociedade em geral e com o mundo do trabalho. oferta estadual de cursos técnicos na forma integrada ao
Tais eixos devem ainda contemplar: ensino médio regular ou na modalidade EJA. As ofertas
municipais e federais não são abarcadas pelo Fundo,
a) as relações entre estado, sociedade, ciência, assim como não o são os cursos ofertados na forma
subsequente ou concomitante ao ensino médio, nem os
tecnologia, trabalho, cultura, formação humana e
cursos de qualificação profissional integrados com o ensino
educação;
fundamental na modalidade EJA.
b) políticas públicas e, sobretudo, educacionais
Outro ponto a ser analisado diz respeito ao impacto
de uma forma geral e da educação profissional e na divisão dos recursos pela ampliação do escopo de
tecnológica em particular; financiamento – com a inclusão da educação infantil,
c) papel dos profissionais da educação, em geral, e do ensino médio e da EJA – sobre a mesma base de
da educação profissional e tecnológica, em particular; arrecadação – apesar da receita proveniente de impostos
d) concepção da unidade ensino-pesquisa; e transferências dos estados, municípios e Distrito Federal,
e) concepção de docência que se sustente numa ter passado de 15% (durante a vigência do FUNDEF) para
base humanista; 20 % (FUNDEB a partir de 2009). De acordo com a Portaria
f) a profissionalização do docente da educação Interministerial 538-A, de 26 de abril de 2010, estima-se
profissional e tecnológica: formação inicial e que o total da receita alcance, este ano, R$ 83 bilhões,
continuada, carreira, remuneração e condições de sendo R$ 6,8 bilhões provenientes de complementação
trabalho; da União a ser distribuído entre 9 estados. O valor mínimo
g) desenvolvimento local e inovação. por estudante matriculado no ensino médio integrado
à educação profissional técnica de nível médio (fator de
A formação de professores precisa ser pensada, ponderação de 1,3 – o mais alto do Fundo) é de R$1.839,30
inclusive, na perspectiva da formação de formadores com e R$1.414,85 quando na modalidade EJA (fator de
o objetivo de contribuir para a constituição de um quadro ponderação de 1,0).
de profissionais nessa área educacional. Afora o previsto no FUNDEB, não existe atualmente
Além disso, é necessário produzir conhecimento nesse a definição de fontes de financiamento perenes para
novo campo e, para isso, deve-se estimular a criação de educação profissional e tecnológica. A cada ano, as verbas
grupos de pesquisa e programas de pós-graduação orçamentárias a ela destinadas são definidas a partir da
vinculados à formação desses profissionais. luta por recursos escassos no processo de elaboração do
Na formação continuada, é fundamental estimular Orçamento Geral da União, onde, usualmente, o parâmetro
ações dirigidas à elaboração e implementação de projetos predominante é o da série histórica. Esse é um critério que
de cursos de especialização destinados aos profissionais do tende a cristalizar as diferenças existentes. Nos últimos
anos, tem sido utilizada uma combinação entre essas
ensino público que atuam/atuarão na educação profissional
séries e a quantidade de estudantes matriculados, o que
técnica de nível médio.
não altera a lógica linear e meramente quantitativa para a
definição orçamentária.
Financiamento público Além disso, historicamente, esses recursos são
insuficientes para atender às necessidades globais da
Sendo a educação profissional técnica de nível educação profissional e tecnológica pública nas instâncias
médio integrante da educação básica, sua manutenção e federal, estadual e municipal. Por outro lado, há uma
desenvolvimento necessariamente vincula-se às questões grande dispersão de recursos distribuídos entre vários
de financiamento desse nível de ensino. O Fundo de ministérios e outros órgãos da administração pública, o
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de que efetivamente dificulta a construção, implementação e
Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), que coordenação da execução de uma política pública nesse
substituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento domínio. Grabowski; Ribeiro e Silva identificaram 39 fontes
do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério públicas que financiam ações da educação profissional
(FUNDEF) – o qual só garantia vinculação constitucional sem que haja uma efetiva coordenação e articulação entre
de recursos para o ensino fundamental –, em vigor desde os entes públicos envolvidos, resultando em zonas de
janeiro de 2007 estendendo-se até 2020, é um fundo sombreamento, como também em lacunas na oferta da
de natureza contábil formado com recursos originados educação profissional e tecnológica.

125
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Cabe destacar que dentre esses fundos públicos citados pública, gratuita e de qualidade deve ser um direito de
nos estudos, encontram-se os recursos do Ministério da todos os cidadãos independentemente de sua origem
Previdência e Assistência Social (MPAS) provenientes da socioeconômica, étnica, racial, religiosa etc. posicionaram-
arrecadação de contribuição compulsória de 2,5% sobre se a favor da criação do FUNDEP. De outro lado, os
a folha de pagamento das empresas para financiamento altos dirigentes e assessores das instituições vinculadas
dos sistemas patronais de formação profissional às entidades patronais posicionaram-se explícita e
formados pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem e publicamente de forma contrária à criação do mencionado
respectivos Serviços Sociais. A existência de uma fonte Fundo.
de financiamento permanente coloca essas instituições
em situação privilegiada em relação às demais. A título de Embora não exista um fundo nacional, alguns
exemplo, em 2005, foram destinados cerca de 600 milhões estados buscam alternativas próprias, a exemplo do Mato
de reais à Rede Federal, enquanto os Serviços Nacionais de Grosso que, desde 2003, conta com o Fundo Estadual de
Aprendizagem recebem em torno de 5 bilhões de reais de Educação Profissional (FEEP) criado por meio de Emenda à
recursos públicos a cada ano. Constituição Estadual.
Todavia, nos últimos anos, repasses voluntários da
Além dos recursos provenientes das contribuições União mediante convênio com os estados têm possibilitado
citadas, essas entidades podem aumentar substantivamente a ampliação e desenvolvimento da oferta de educação
suas receitas pela venda de seus serviços à sociedade. profissional técnica de nível médio, em especial, na forma
Em que pese a origem pública de significativa parcela do integrada ao ensino médio. Com dotação orçamentária na
seu financiamento, atualmente prevalece a prestação de casa de um bilhão de reais, o atual programa tem como
serviços pagos pela sociedade em detrimento da oferta foco o fortalecimento do ensino médio técnico nas redes
pública e gratuita. públicas, diferentemente do PROEP, que privilegiou o
Derivado da necessidade de ampliar a oferta gratuita financiamento da educação profissional desvinculada da
dessas entidades, o acordo estabelecido, em 2008, entre o educação básica em todos os sistemas, com forte apoio às
Governo Federal e os Serviços Nacionais de Aprendizagem iniciativas privadas (segmento comunitário). Ainda que o
Industrial (SENAI) e Comercial (SENAC) e Serviços Sociais problema da sustentabilidade financeira da continuidade
da Indústria (SESI) e do Comércio (SESC), estabelece o e consolidação dessa política se mantenha, o fomento
aumento gradual da gratuidade tendo como meta o inicial promovido pelo Governo Federal aponta a educação
comprometimento de 33,3% de suas receitas até 2014. profissional pública – especialmente na forma integrada
A criação de um fundo que possa garantir de ao ensino médio, por contar com recursos de manutenção
forma perene o financiamento da manutenção e do provenientes do FUNDEB – como uma estratégia relevante
desenvolvimento da educação profissional exige alterações da formulação de um projeto de sociedade mais autônoma
na Constituição Federal, por meio de Projeto de Emenda e soberana.
Constitucional (PEC). A tramitação e a aprovação de
um fundo de tal natureza no Congresso Nacional não é Organização e Desenvolvimento Curricular
tarefa fácil face à diversidade de interesses e projetos
sociais em disputa. Nos últimos anos, diferentes projetos Fundamentos para um projeto político pedagógico
receberam parecer por inadmissibilidade seja pelo uso de integrado
técnica legislativa inadequada, por violação a princípios
constitucionais, por erro na fundamentação legal ou por O primeiro fundamento para a construção do projeto
inconsistência textual. político-pedagógico de qualquer escola é a sua construção
A criação do fundo para a educação profissional tem coletiva. O projeto político-pedagógico só existe de fato
sido uma das maiores reivindicações dos sistemas públicos – não como um texto formal ou uma peça de ficção, mas
de ensino. As discussões em torno do tema evidenciam os como expressão viva de concepções, princípios, finalidades,
conflitos entre distintos projetos societários. Exemplo disso objetivos e normas que unificam a comunidade escolar – se
foram os embates travados nas Conferências Estaduais ele verdadeiramente pertencer a este grupo; se o grupo
de Educação Profissional e Tecnológica, realizadas nos se identificar com ele; se reconhecer nele. Para isto todos
estados da federação, entre maio e junho de 2006, como devem ser autores e sujeitos de seu desenvolvimento.
fase preparatória à Conferência Nacional de Educação Quando o projeto político-pedagógico é construído
Profissional e Tecnológica, realizada em novembro de 2006, de forma coletiva, participativa e democrática, mesmo
em Brasília. No roteiro elaborado pelo MEC para orientar havendo discordâncias de alguém em relação a algo nele
os debates, as propostas foram agrupadas em cinco eixos apregoado, o fato de a decisão ser fruto de debates abertos,
temáticos, sendo o segundo deles o financiamento. extensos, francos e aprofundados fará com que todos
A proposta no 1 desse eixo foi, precisamente, a criação reconheçam que as decisões expressam a vontade coletiva
do Fundo de Desenvolvimento da Educação Profissional e não o poder de pessoas ou segmentos específicos.
(FUNDEP). Essa medida foi suficiente para gerar uma Vontade coletiva não é o mesmo que vontade da maioria,
polarização em quase todas as conferências estaduais, posto que não é a quantidade de pessoas que defendem
assim como na Conferência Nacional. De um lado, os que ou aprovam uma idéia que determina as escolhas, mas
defendem um projeto de sociedade em que a educação sim a compreensão coletiva de que, nas condições dadas,

126
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

determinadas decisões dão mais unidade ao grupo social necessárias e devem ser progressivamente perseguidas:
que outras. A validade das propostas é avaliada com a) a instituição de quadro próprio de professores, com a
essa referência, escolhendo-se aquelas que poderão dar realização de novos concursos; b) a consolidação de planos
direção ao trabalho coletivo organizado, pautado pela de carreira em que seja prevista a dedicação exclusiva
coerência entre princípios, finalidades, objetivos e métodos dos professores e a melhoria salarial; e c) a melhoria da
de ação. Isto, em outras palavras, caracteriza a práxis estrutura física, material e tecnológica das escolas. Porém,
coletiva, a coerência e a unidade entre teoria e prática. é fundamental que as instituições não esperarem que tais
Para a implantação de uma política educacional, é preciso condições sejam plenamente atingidas para se construir
que a comunidade escolar se convença da pertinência de um projeto político-pedagógico em que se acordem os
implantá-lo e se mobilize para isto. princípios e as bases do ensino integrado, visando, com
A história pouco democrática das relações institucionais isto, também a busca de estrutura física e pedagógica para
em nosso país – incluindo as que se realizam nos sistemas seu desenvolvimento. Por vezes, é o seu desenvolvimento
de ensino e nas escolas, bem como as condições do que fundará as bases para a conquista das condições.
trabalho pedagógico, com sobrecarga dos professores Como síntese, são apresentados alguns pressupostos
e indisponibilidade de espaço e tempo para atividades
que os sistemas e instituições devem considerar para a
coletivas – leva-nos à hipótese de que a discussão do
elaboração do projeto político-pedagógico integrado,
currículo na escola não seja uma prática muito recorrente.
apropriados de Ciavatta):
Se isto é verdade, torna-se ainda mais complexa a proposta
Não reduzir a educação às necessidades do mercado
de construção coletiva do projeto político-pedagógico e
do currículo para a educação integrada. de trabalho, mas não ignorar as exigências da produção
Assim, faz-se necessária uma ação mais concentrada econômica, como campo de onde os sujeitos sociais retiram
na escola, buscando na prática social e pedagógica do os meios de vida. Em consequência, é importante considerar
professor os elementos e os mecanismos de superação do os estudos locais, a identificação das oportunidades
estado de coisas presente. A premissa que orienta o projeto ocupacionais, as tendências da dinâmica sócio produtiva
de educação integrada é a de centralizar e aprofundar local, regional, nacional e global.
o caráter humanista do ato de educar, desconstruindo o Construir e contar com a adesão de gestores e
parâmetro colonialista e dual que caracteriza a relação educadores responsáveis pela formação geral e da
entre educação básica e profissional. formação específica, bem como da comunidade em geral.
É preciso discutir e elaborar coletivamente as estratégias
É muito comum a afirmação de não ser possível a acadêmico-científicas de integração. Tanto os processos
implantação de educação integrada devido à ausência de ensinoaprendizagem, como os de elaboração curricular
de condições para tal nas escolas. Embora devam ser devem ser objeto de reflexão e de sistematização do
garantidas, não é possível aguardar as condições ideais conhecimento através das disciplinas básicas e do
para dar início a um projeto de tamanha relevância. Sua desenvolvimento de projetos que articulem o geral e o
própria definição e conquista é uma tarefa coletiva. específico, a teoria e a prática dos conteúdos, inclusive com
Assim, a primeira providência é a geração de tempos e o aproveitamento de aprendizagens que os ambientes de
espaços para a realização de atividades coletivas. Por vezes trabalho podem proporcionar (visitas, estágios etc.).
pode ser pertinente a realização de seminários e encontros Articular a instituição com familiares dos estudantes e a
com convidados externos, tais como intelectuais e gestores sociedade em geral. As experiências de formação integrada
da educação, proporcionando a discussão sobre concepções não se fazem no isolamento institucional. A escola deve
e políticas, oportunizando à comunidade escolar a levar em conta a visão que os alunos têm de si mesmos;
apresentação de questões conceituais e operacionais, as possibilidades de inserção social e profissional que o
numa estratégia de envolvimento dos educadores e mundo externo lhes oferece; as modalidades formativas
estudantes com o tema. Realizar oficinas, cursos e debates
oferecidas pela escola. Isto exige um processo de diálogo e
na esfera regional, reunindo diversas escolas é também
de conscientização dos alunos e de suas famílias sobre as
profícuo. Isto, entretanto, não é suficiente. Não obstante,
próprias expectativas e sua possível realização.
é fundamental dar continuidade a processos mais locais e
Considerar as necessidades materiais dos estudantes,
interativos, pois os educadores precisam, no diálogo entre
si, perceber que um projeto dessa natureza é necessário e bem como proporcionar condições didáticopedagógicas
possível na sua escola; que não é uma ilusão de intelectuais, às escolas e aos professores. Os sistemas e as instituições
ou uma promoção da secretaria ou do MEC que passará não podem estar alheios às necessidades materiais para
quando chegar a outra gestão. levar adiante um processo educacional dessa natureza.
Para que isto seja possível é preciso, entretanto, que Por exemplo, as necessidades dos alunos para cumprir
os gestores nacionais e estaduais implementem medidas a jornada de estudos, em termos de locomoção, de
concretas que produzam a confiança por parte dos alimentação, de renda mínima para se manter e manter-
educadores de que se trata de uma política de Estado. se na escola; segundo, a existência de instalações que
Assim, além da geração de condições de tempo e espaço ofereçam laboratórios, biblioteca, ateliês, espaços de lazer,
para os professores, bem como a promoção de estratégias oficinas onde aprender a teoria e a prática das disciplinas e
de formação continuada, medidas como as seguintes são dos projetos em curso.

127
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Transformar o projeto de formação integrada em uma contemporânea que se pode compreender a realidade e
experiência de democracia participativa e de recriação a própria ciência no seu desenvolvimento histórico. Os
permanente. Ela não ocorre sob o autoritarismo, porque processos de trabalho e as tecnologias correspondem a
deve ser uma ação coletiva, já que o movimento de momentos da evolução das forças materiais de produção
integração é, necessariamente, interdisciplinar. Requer que e podem ser tomados como um ponto de partida para o
os professores se abram à inovação, a temas e experiências processo pedagógico. Com isto estabelecem-se relações
mais adequados à integração. Idéias em curso nas escolas históricas, posto que se evidenciam, juntamente com os
são, por exemplo, projetos que articulam arte e ciência; conceitos, as razões, os problemas, as necessidades e as
projetos de iniciação científica; componentes curriculares dúvidas que constituem o contexto de produção de um
voltados para a compreensão dos fundamentos sócio- conhecimento. A apreensão de conhecimentos na sua
políticos da área profissional, dentre outros. Há que se forma mais elaborada permite entender os fundamentos
dar ao aluno horizontes de captação do mundo além das prévios que levaram ao estágio atual de compreensão do
rotinas escolares, dos limites estabelecidos e normatizados fenômeno estudado.
da disciplina escolar, para que ele se aproprie da teoria e Essa é uma perspectiva da relação entre parte-
da prática que tornam o trabalho uma atividade criadora, totalidade numa visão histórica: o conhecimento
fundamental ao ser humano. contemporâneo guarda em si a história da sua construção.
Resgatar a escola como um lugar de memória. A outra perspectiva é o estudo de um fenômeno, de um
Sucessivas reformas educacionais e carências materiais problema, ou de um processo de trabalho com a realidade
diversas traduzem-se em uma dificuldade intrínseca em que se insere; portanto, da relação entre partes que
às escolas e a seus professores, de pensaram de modo compõem a realidade, e conseguir ir além dessa parte para
orgânico e criativo projetos autônomos de educação. O compreender a realidade em seu conjunto. Em se tratando
desenvolvimento consensual de um projeto de resgate da da formação profissional de nível médio, assume-se que
escola como um lugar de memória, das lembranças de seus os conhecimentos específicos de uma área profissional não
personagens e momentos mais expressivos. Documentos são suficientes para proporcionar a compreensão global da
dispersos, preservados na história particular de muitos, realidade. Por isto deve-se contemplar também a formação
fotografias, livros, papéis e objetos guardados com zelo e geral. É por essa razão que nos cursos subsequentes faz-se
nostalgia podem alimentar a perspectiva de uma escola e
necessário restabelecer a relação entre o todo e as partes,
de uma formação integrada e mais completa para os mais
entre os conhecimentos do ensino médio e os específicos
jovens, com reconhecimento e orgulho de si mesmos como
do processo de produção no contexto da formação técnica.
mestres.
Tanto se pode ir aprendendo conceitos específicos a partir
dos conceitos gerais quanto o contrário. Entretanto, quando
A relação parte-totalidade na proposta curricular
se parte dos conceitos gerais tende-se a ficar no abstrato,
pois a realidade não se dá a conhecer imediatamente; é
Como podemos proporcionar compreensões
preciso analisá-la. Mas tampouco a apresentação aos
globais, totalizantes da realidade a partir da seleção de
componentes e conteúdos curriculares? Como orientar a estudantes de conceitos e teorias produzidos por essa
seleção de conteúdos no currículo da formação integrada? análise (que se apresentam como conteúdos de ensino,
A resposta a tais perguntas implica buscar relacionar partes muitas vezes nos livros didáticos) terá qualquer significado
e totalidade. para os estudantes se não se vincularem a problemas
Segundo Kosik, cada fato ou conjunto de fatos, na sua concretos.
essência, reflete toda a realidade com maior ou menor
riqueza ou completude. Por esta razão, é possível que um Em uma formação integrada esses problemas podem
fato deponha mais que um outro na explicação do real. ser aqueles que advêm da área de atuação profissional para
Assim, a possibilidade de se conhecer a totalidade a partir a qual se preparam os estudantes. Mesmo que os processos
das partes é dada pela possibilidade de se identificar os de produção dessas áreas se constituam em partes da
fatos ou conjunto de fatos que deponham mais sobre realidade mais completa, é possível estudá-los em múltiplas
a essência do real; e, ainda, de distinguir o essencial do dimensões, de forma que, para compreendê-los, torna-se
acessório, assim como o sentido objetivo dos fatos. necessário recorrer a conhecimentos que explicam outros
Para fins formativos, isto significa identificar fenômenos que tenham o mesmo fundamento. Portanto,
componentes e conteúdos curriculares que permitam fazer a partir de questões específicas pode-se necessitar de
relações sincrônicas e diacrônicas cada vez mais amplas e conhecimentos gerais e, assim, apreendê-los para diversos
profundas entre os fenômenos que se quer apreender e a fins além daqueles que motivaram sua apreensão.
realidade em que eles se inserem. Para que isto seja possível, entretanto, como afirmamos,
Por exemplo, dever-se-ia iniciar o estudo de um é preciso estudar os problemas de uma área profissional
fenômeno químico ensinando os modelos atômicos de em múltiplas dimensões, tais como econômica, social,
Dalton e de Rutherford-Bohr, já superados historicamente, política, cultural e técnica. Os conceitos pontos-de-partida
ou ensinando os conceitos contemporâneos que expressam para esse estudo revertem-se em conteúdos de ensino
o estágio atingido pelo conhecimento nessa área? De sistematizados nas diferentes áreas de conhecimento e
fato, é a partir do conhecimento na sua forma mais suas disciplinas.

128
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Por exemplo, se tomarmos o eixo tecnológico - o estudo do meio ambiente, da saúde e da


Hospitalidade e Lazer, com foco no turismo em cidades segurança, inclusive conhecimentos de ecologia,
brasileiras, para a formação de um técnico de nível médio, ergonomia, saúde e psicologia do trabalho, no sentido
teríamos o processo de produção do turismo com um da prevenção das doenças ocupacionais;
conjunto de questões a serem estudadas. Mas este eixo
não esgota toda a vida em sociedade; é só uma parte dela. A integração de conhecimentos no currículo depende
Como, então, poderíamos desenvolver uma formação que, de uma postura epistemológica, cada qual de seu lugar,
não separando formação geral e profissional, viabilizasse o mas construindo permanentemente relações com o outro.
ensinoaprendizagem de conhecimentos que possibilitam a O professor de Química, de Matemática, de História, de
compreensão da vida social como um todo? Precisaríamos Língua Portuguesa etc. podem tentar pensar em sua
analisar os problemas do turismo na perspectiva físico- atuação não somente como professores da formação
ambiental, por exemplo, donde adviriam conceitos geral, mas também da formação profissional, desde que
da Geografia, da Biologia, da Física, da Matemática, se conceba o processo de produção das respectivas
da Química, dentre outros. Já a análise na perspectiva habilitações profissionais na perspectiva da totalidade e na
econômico-produtiva nos levaria a perguntar, por exemplo, sua historicidade.
o que significa o crescimento do turismo para a economia
de uma região. Disto surgiriam conceitos da História, da O estágio curricular
Sociologia, da Filosofia, das Linguagens etc. Do ponto
de vista histórico-cultural, pelo qual poderíamos pensar A Lei 11.788/08 trata exclusivamente do estágio
nas relações construídas na prática e gozo do turismo, como ato educativo supervisionado, em outras palavras
também conhecimentos daquelas áreas e de outras seriam restringe-se ao estágio previsto como componente
necessários. curricular de uma dada formação. Ele não se confunde
com o training oferecido por empresa nem com o trabalho
Estaríamos, assim, relacionando parte e totalidade, social voluntário.
conhecimentos gerais e específicos, contemporaneidade e Trata-se de um dos mais importantes momentos de
historicidade. A interdisciplinaridade aparece, aqui, como integração dos conhecimentos trabalhados na escola a
necessidade e, portanto, como princípio organizador do
partir da prática. Jamais deve ser confundido com emprego.
currículo e como método de ensinoaprendizagem, pois os
Mesmo ocorrendo no ambiente de trabalho é estritamente
conceitos de diversas disciplinas seriam relacionados à luz
um momento de formação orientada e supervisionada,
das questões concretas que se pretende compreender. Isto,
necessariamente previsto no projeto do curso. Por mais
por sua vez, não compromete a identidade epistemológica
próximo que seja esse momento formativo da realidade de
das diversas disciplinas, posto que o respectivo
trabalho do profissional é ainda uma simulação do real, pois
aprofundamento científico será requerido sempre que
a relação do estudante estagiário com a parte concedente
a compreensão de um conceito exigir a relação com
conceitos de um mesmo campo disciplinar. É certo que do estágio é diversa da relação entre empregado e
o exercício profissional de um sujeito como Técnico Guia empregador. A primeira é caracterizada pela oportunidade
de Turismo exigiria dele conhecimentos e habilidades educacional de contextualização curricular através da
próprias dessa profissão. Daí advêm alguns conhecimentos prática. A segunda pela venda da força de trabalho.
específicos; mas esses teriam como base a compreensão O art. 2º dispõe sobre os tipos de estágio, resumindo-
global da realidade e não somente o recorte do campo e os a dois: o estágio obrigatório e o não-obrigatório. O que
da atividade profissional. determina a obrigatoriedade ou não, segundo a Lei, é o
A base científica não deve ser compreendida disposto nas “diretrizes curriculares da etapa, modalidade e
como restrita àqueles conteúdos que fundamentam a área de ensino e o projeto pedagógico do curso”. Ou seja, se
tecnologia específica (por exemplo, a Física nos cursos de não há obrigatoriedade expressa nas diretrizes curriculares,
Eletromecânica). Ao contrário, a incorporação das ciências a escola não precisa prever nos projetos pedagógicos
humanas na formação do trabalhador é fundamental para de seus cursos o estágio como componente curricular.
garantir o currículo integrado. Essa concepção de formação Ela poderá fazê-lo ou não, dependendo de sua proposta
engloba, entre outras questões: pedagógica. As DCN para o ensino, por exemplo, não
obrigam a realização de estágio nessa etapa da educação
- a história social do trabalho, da tecnologia e das básica. Na inexistência de norma do sistema estadual
profissões; dispondo em contrário, é facultado às escolas de ensino
- a compreensão, no âmbito da geografia, da médio estabelecer ou não o estágio como componente
produção e difusão territorial das tecnologias e da curricular em seus cursos. Caso a escola opte por colocar o
divisão internacional do trabalho; estágio no currículo de seus cursos terá ainda que definir
- a filosofia, pelo estudo da ética e estética do se ele será obrigatório ou não-obrigatório para o aluno.
trabalho, além de fundamentos da epistemologia que Em outras palavras, se não há previsão no currículo não há
garantam uma iniciação científica consistente; de se falar em estágio, se há, será no projeto pedagógico
- a sociologia do trabalho, com o estudo da que constará a obrigatoriedade ou não para conclusão do
organização dos processos de trabalho e da organização curso. Exemplo diverso são os cursos onde as diretrizes
social do trabalho; curriculares da área de ensino tornam compulsória a

129
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

realização do estágio para a conclusão da formação. Esse Além disso, o contrato deve ter duração máxima de dois
é o caso de grande parte dos cursos na área de Saúde. anos, exceto no caso de aprendiz com deficiência, sendo
Em conformidade com a Lei, nessas condições, as escolas admitido, nos locais onde não há oferta de ensino médio,
deverão necessariamente incluir o estágio obrigatório nos a contratação de aprendiz que não esteja frequentando a
currículos dos cursos em questão. escola desde que já tenha concluído o ensino fundamental.
A jornada de trabalho do aprendiz é de no máximo seis
A carga-horária destinada ao estágio é sempre horas, sendo vedada prorrogação e sua compensação. Esta
acrescida à carga-horária total do curso, seja quando limitação é dada por sua finalidade de aprendizagem e não
componente curricular obrigatória para a conclusão do de produtividade da empresa. Não é permitido o trabalho
curso e diplomação (estágio obrigatório), seja quando noturno (inciso XXXIII, do art. 7º, da CF) e em atividades ou
componente curricular opcional (estágio não-obrigatório). locais insalubres e perigosos.
Atividades de extensão, monitoria ou iniciação Os programas de aprendizagem visam a formação em
científica podem a critério da escola ser consideradas como curso profissional e a celebração de contrato de trabalho
estágio, devendo ser explicitada no projeto do curso essa
em empresa, possibilitando um estreito relacionamento
equiparação. Igualmente, a critério da instituição de ensino,
entre o estudado na instituição de ensino e a prática
atividades realizadas no trabalho (quando da existência de
laboral. O art. 429 da CLT permite que os programas de
vínculo de emprego) podem ser reconhecidas para efeito de
contagem da carga-horária de estágio obrigatório, desde aprendizagem sejam ofertados pelas instituições dos
que tal equivalência esteja prevista no projeto pedagógico Serviços Nacionais de Aprendizagem, escolas técnicas e
e no Termo de Compromisso e ocorram sob supervisão e entidades educacionais sem fins lucrativos.
orientação nos termos da Lei. Por sua natureza, os cursos da educação profissional
Devido à complexidade de sua organização e a técnica de nível médio, de estabelecimentos de ensino
importância de sua realização na educação profissional oficiais, devidamente autorizados pelos órgãos reguladores
e tecnológica faz-se necessário que o CNE estabeleça de seu sistema de ensino, podem ser reconhecidos como
diretrizes específicas, à luz da Lei 11.788/08, ressaltando programas de aprendizagem profissional pelo MTE,
que o estágio supervisionado não caracteriza vínculo observada a legislação correlata.
empregatício do estudante com a concedente e, por Segundo orientação do MTE, o projeto pedagógico
extensão, não cria contradição entre o direito do do programa de aprendizagem deverá incluir plano
adolescente, jovem ou adulto à educação profissional e sua de realização de atividades práticas, sistematicamente
proteção no local de trabalho. organizadas em tarefas de complexidade progressiva,
sendo que a instituição ofertante do curso deve estar
A relação com os Programas de Aprendizagem inscrita no Cadastro Nacional de Aprendizagem do MTE
Profissional e manter cópia do projeto pedagógico à disposição dos
órgãos de fiscalização.
A legislação brasileira por meio da Consolidação das As atividades práticas realizadas durante a vigência do
Leis do Trabalho (CLT), com as alterações dadas pelas Leis contrato de aprendizagem podem ser reconhecidas para
10.097/00 e 11.788/08, regulamenta um tipo de contrato efeitos de contagem da carga-horária do estágio desde que
especial de trabalho que permite a contratação de explicitada tal previsão no projeto pedagógico do curso e
adolescentes e jovens entre 14 e 24 anos. Os contratos de que os critérios desta equivalência constem no Termo de
trabalho do aprendiz, conforme o art. 428 da CLT, devem Compromisso firmado entre o estagiário, a instituição de
ser ajustados por escrito e por prazo determinado. Nele é ensino e a parte concedente do estágio.
estabelecida como competência do empregador a inscrição
do jovem em programa de aprendizagem profissional,
A organização por eixo tecnológico
compatível com seu desenvolvimento físico, moral e
psicológico, sem prejuízo de sua formação escolar básica.
O Estatuto da Criança e do Adolescente nos artigos de A mudança na metodologia de organização da
60 a 67 estabelecem normas de direito à profissionalização educação profissional foi resultante de um longo processo
e à proteção no trabalho. Para os contratos de trabalho de debates, iniciado em 2006, no contexto da elaboração
de aprendizes deve ser garantida a frequência no ensino do Catálogo Nacional dos Cursos Superiores de Tecnologia.
regular, o exercício de atividades compatíveis com o Os catálogos surgiram da necessidade de organizar e
seu desenvolvimento, horário especial para o exercício orientar a oferta destes cursos e, posteriormente, dos
das atividades, assegurados os direitos trabalhistas e cursos técnicos de nível médio.
previdenciários. A antiga forma de organização, considerando as áreas
As alterações dadas pela Lei 11. 788/08 especificam profissionais, seguia a lógica das atividades econômicas,
que a validade do contrato de aprendizagem pressupõe não guardando unicidade de critérios de classificação. As
anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, 21 áreas existentes tanto se referiam a setores da economia
matrícula e frequência do aprendiz na escola, caso não – Agropecuária, Comércio, Indústria – como a segmentos
haja concluído o ensino médio, e inscrição em programa de setores econômicos – Construção Civil, Mineração,
de aprendizagem desenvolvido sob orientação de entidade Turismo –, a nichos tecnológicos específicos – Informática,
qualificada em formação técnico-profissional metódica art. Telecomunicações, Geomática – e a áreas profissionais
19). em si – Saúde, Artes, Serviços de Apoio Escolar. Ao longo

130
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

do tempo, essa diversidade de critérios gerou grande ampliação das capacidades e potencialidades e dos sentidos
heterogeneidade entre as áreas com relação ao tamanho humanos. Em outras palavras, assumir o trabalho (condição
e abrangência. Como vários cursos podiam ser alocados humana de intervenção) como princípio orientador do
em mais de uma área, com foco ora em produtos, ora em processo formativo.
processos, predominou a tendência que o nome refletisse Esta forma de estruturação do currículo requer a
as características e especificidades da formação. Isto gerou identificação das tecnologias que se encontram associadas
uma enorme dispersão e multiplicidade de denominações, na produção de um bem ou um serviço. O curso técnico
dificultando a supervisão ou mesmo a realização de censos em Cozinha, por exemplo, encontra-se classificado no eixo
educacionais. Hospitalidade e Lazer, que engloba tecnologias típicas
A adoção do eixo tecnológico busca coerência com dos processos de recepção, viagens, eventos, serviços de
a especificidade do campo da educação profissional e alimentação, bebidas, turismo, interação, entretenimento,
tecnológica, que tem na tecnologia seu objeto de estudo gastronomia, entre outros. Entende-se que o técnico
e intervenção. É através do registro, da sistematização, da em Cozinha faz uso das técnicas de cozimento, dos
compreensão e da utilização dos conceitos de tecnologia, conhecimentos sobre as propriedades dos alimentos etc.
histórica e socialmente construídos, como elementos de com a finalidade de preparar alimentos que darão prazer
ensino, pesquisa e extensão que a educação profissional a quem irá saborear o prato. A alimentação é tratada no
e tecnológica é assumida como instrumento de inovação âmbito dos serviços de gastronomia. Por outro lado, os
e transformação das atividades econômicas, podendo cursos classificados no eixo de Produção Alimentícia se
contribuir com a formação do cidadão e o desenvolvimento assentam em tecnologias associadas ao beneficiamento
do país. e à industrialização dos alimentos, em sua produção
Segue-se, pois, um único critério para a classificação e conservação, na forma ideal de acondicionamento,
dos cursos: a identificação e compreensão de um armazenagem, distribuição e consumo. O técnico em
conjunto de tecnologias convergentes que apoiam a Alimentos realiza análises físico-químicas, utiliza técnicas
produção. Isto requer o resgate do histórico e da lógica do de processamento, sanitização etc. A alimentação é tratada
desenvolvimento dos conhecimentos tecnológicos, além no âmbito industrial. É neste sentido que o eixo perpassa
do diálogo das necessidades e dos desafios de inovação transversalmente e sustenta a organização curricular e a
tecnológica com políticas científicas e tecnológicas e de identidade dos cursos.
desenvolvimento.
Embora existam diferentes conceitos de tecnologia Ao identificar essas tecnologias torna-se possível
alguns aspectos são recorrentes nas definições encontradas. agrupá-las a partir de uma determinada lógica. Lembrando
A tecnologia sempre modifica uma realidade a partir da que toda classificação é um convenção, contendo certo
utilização de um conjunto complexo de conhecimentos grau de arbitrariedade, esses conjuntos podem ser
tecnológicos acumulados, transformando tanto a base organizados seja pelo suporte, aplicação ou outra categoria
técnica como as relações humanas. Como objeto de pré-determinada. Estes agrupamentos ordenados de
estudo a tecnologia pode ser entendida como uma ciência informações tecnológicas, cujos conteúdos encontram-
transdisciplinar das atividades humanas de produção, do se articulados em seus aspectos lógicos e históricos, são
uso dos objetos técnicos e dos fatos tecnológicos. Do chamados de matrizes tecnológicas.
ponto de vista escolar é a disciplina que estuda o trabalho Os eixos tecnológicos e suas respectivas matrizes
humano e suas relações com os processos técnicos. tecnológicas encontram-se descritos no anexo do
Segundo Lucília Machado, em texto sobre a formação Parecer CNE/CES 277/06. Porém, podem ser atualizados
de professores para a educação profissional, é próprio anualmente juntamente com os Catálogos Nacionais
do ensinar-aprender tecnologia tratar da intervenção dos Cursos Superiores de Tecnologia e dos Cursos
humana na reorganização do mundo físico e social e Técnicos. Inicialmente, constavam dez eixos: Ambiente,
das contradições inerentes a estes processos, exigindo Saúde e Segurança; Controle e Processos Industriais;
discutir questões relacionadas às necessidades sociais e às Gestão e Negócios; Hospitalidade e Lazer; Informação
alternativas tecnológicas. e Comunicação; Infraestrutura; Produção Alimentícia;
Produção Cultural e Design; Produção Industrial; e Recursos
Para os estudantes de cursos técnicos de nível médio Naturais. Com a elaboração do Catálogo Nacional dos
tais discussões se tornam acessíveis à medida que é capaz Cursos Técnicos foram incorporados os eixos Apoio Escolar;
de compreender os princípios gerais sobre os quais se e Militar. Na última atualização do CNCST foi criado o eixo
fundamentam a multiplicidade de processos e técnicas de Segurança que compreende tecnologias, infraestrutura
fundamentais aos sistemas de produção. É esta a essência e processos direcionados à prevenção, à preservação
dos núcleos politécnicos comuns previstos na organização e à proteção dos seres vivos, dos recursos ambientais,
curricular dos cursos técnicos de nível médio. naturais e do patrimônio. A atualização permanente busca
O estudo destes princípios implica necessariamente não só corrigir eventuais distorções como responder a
a compreensão do processo histórico de produção dinamicidade dos setores produtivos, sem perder de vista
científica e tecnológica e do entendimento de como tem que estas mudanças tecnológicas permanecem alicerçadas
se dado a apropriação social desses conhecimentos para em bases científicas, nos conceitos e princípios das ciências
a transformação das condições naturais da vida e para a da natureza, da matemática e das ciências humanas.

131
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

A estruturação das componentes curriculares nessa A vinculação com o desenvolvimento local e o território
perspectiva tem como objetivo permitir que os estudantes exige a abordagem de outras propostas de organização da
compreendam de forma reflexiva e crítica os mundos do produção, como, por exemplo, as fundadas nos princípios
trabalho, dos objetos e dos sistemas tecnológicos dentro da Economia Solidária, considerando os modos de
dos quais estes evoluem; as motivações e interferências produção cooperativos, associados e familiares como uma
das organizações sociais pelas quais e para as quais estes alternativa real para muitas comunidades.
objetos e sistemas foram criados e existem; a evolução A Política Nacional de Educação Ambiental – PNEA
do mundo natural e social do ponto de vista das relações e seu decreto de regulamentação (Decreto 4.281/02)
humanas com o progresso tecnológico; como os produtos e estabelecem a educação ambiental como componente
processos tecnológicos são concebidos, fabricados e como essencial e permanente da educação nacional, devendo
podem ser utilizados; métodos de trabalho dos ambientes estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e
tecnológicos e das organizações de trabalho. modalidades do processo educativo formal e não-formal
O agrupamento dos cursos a partir da identificação (art. 2º da Lei 9.795/99).
de suas matrizes tecnológicas e dos núcleos politécnicos Para enfrentamento dos desafios socioambientais
comuns permite mapear entre as oportunidades contemporâneos, o Plano Nacional sobre Mudança do
educacionais disponíveis – cursos de qualificação Clima propõe a implementação de espaços educadores
profissional, cursos técnicos e superiores, especializações sustentáveis (PNMC, Parte IV.4, item 12) entre as principais
– aquelas que se encontram articuladas considerando uma ações de educação ambiental.
estrutura sócio ocupacional. Em outras palavras, propicia A presença da educação ambiental na educação
mais elementos para determinar as possibilidades de profissional técnica de nível médio contribui para a
formação que um estudante poderá acessar na construção construção desses espaços educadores, caracterizados por
de uma trajetória educacional consistente. A instituição possuírem a intencionalidade pedagógica de ser referências
de ensino pode assim estabelecer os possíveis itinerários de sustentabilidade socioambiental, isto é, espaços que
de formação, orientando o estudante e o trabalhador mantêm uma relação equilibrada com o meio ambiente
em suas escolhas. Nessa compreensão, os itinerários e compensam seus impactos com o desenvolvimento de
formativos não se constituem de percursos desordenados, tecnologias apropriadas, de modo a garantir qualidade de
fragmentados, mas do desenho de caminhos consistentes, vida para as gerações presentes e futuras.
propositivamente delineados. Nesta perspectiva, o Grupo de Trabalho Matriz
Energética para o Desenvolvimento com Equidade
Articulação com o desenvolvimento sócioeconômico e a e Responsabilidade Socioambiental do Conselho de
educação ambiental Desenvolvimento Econômico e Social – CDES, ressalta:

A relação da educação profissional e tecnológica Para que a educação ambiental seja efetiva e
com o desenvolvimento exige a consciência de que um contribua para a mitigação dos efeitos das mudanças
país não logra êxito sem o domínio crítico e ético do do clima e a formação de uma nova cidadania, foi
conhecimento científico-tecnológico desde sua construção consenso nas discussões entre os conselheiros que as
à sua aplicação e transferência. Pretende-se a formação de instituições de ensino sejam incubadoras de mudanças
profissionais que em suas atividades produtivas busquem concretas na realidade social articulando três eixos:
o uso consciente e, consequentemente, a preservação edificações, gestão e currículo.
dos recursos naturais de modo a extrair os meios que
favoreçam a melhoria da qualidade de vida da população As instituições de educação profissional e tecnológica
brasileira com responsabilidade socioambiental. são desafiadas a adotar critérios de sustentabilidade
A oferta dos cursos deve apoiar-se nos necessários na construção, adequação, reforma e manutenção
enlaces da educação com a ordenação territorial e com dos prédios, visando a baixa emissão de carbono, a
o desenvolvimento socioeconômico. Pois, é no território minimização do desperdício e da degradação ambiental.
que as clivagens culturais e sociais, dadas pela geografia Com o fortalecimento da educação ambiental, elas podem
e pela história, se estabelecem e se reproduzem. E é na promover uma gestão sustentável e a inserção da dimensão
perspectiva do desenvolvimento que se visualizam e se socioambiental nos currículos, na formação de professores
constituem as interfaces entre a educação e outras áreas e na elaboração de materiais didáticos.
de atuação do Estado. Assim, urge considerar um conjunto de iniciativas
A escolha do lugar de implantação de uma escola, no processo de planejamento e gestão dos cursos
a escolha dos cursos a serem ofertados e a construção de educação profissional: abordagem da educação
de seus currículos deve, pois, considerar os arranjos ambiental numa perspectiva sistêmica, integrada, inter e
locais, dados sócioeconômico, ambientais e culturais e transdisciplinar, contínua e permanente em todas as áreas
as potencialidades de desenvolvimento local. Diversas de conhecimento e componentes curriculares; inserir a
metodologias podem ser utilizadas para a integração de dimensão socioambiental na formação dos diversos perfis
informações úteis a este respeito, considerando a análise profissionais, relacionando-a ao exercício das funções
de demandas da sociedade, de mercado e de preservação técnico-profissionais; incentivo à pesquisa e à apropriação
ambiental. de instrumentos técnicos e metodológicos que aprimorem

132
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

a cidadania ambiental, com a participação ativa nas tomadas plena, o Brasil compromete-se com a eliminação dos
de decisão, com responsabilidade individual e coletiva em modelos de sistemas paralelos e segregados de ensino
relação ao meio ambiente local, regional e global; promover às pessoas com deficiência e com a adoção de medidas
a educação ambiental, em todas as áreas técnicas, com o políticas educacionais para a acessibilidade e o pleno
estudo sobre a legislação ambiental e gestão ambiental acesso aos espaços comuns de ensino e aprendizagem.
aplicáveis às respectivas áreas e atividades profissionais e Por esta compreensão, considerando o respeito pela
empresariais; reflexão a partir da dimensão socioambiental dignidade inerente à autonomia individual, inclusive a
específica relacionada a cada habilitação profissional e ao liberdade de fazer as próprias escolhas, e a percepção do
exercício de cada atividade produtiva e laboral; incentivo atendimento às necessidades educacionais específicas dos
à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias e estudantes, as instituições de ensino não podem restringir
práticas produtivas limpas e apropriadas que permitam o acesso a qualquer curso da educação profissional por
a sustentabilidade ambiental nas atividades econômicas, motivo de deficiência. Tal discriminação configura violação
abordando o consumo sustentável e considerando da dignidade e do valor inerentes ao ser humano. No tocante
processos desde a matéria-prima até o descarte final de ao acesso às ofertas de cursos da educação profissional e
resíduos. tecnológica, dever-se-á não somente prover os recursos
Faz-se necessário também, como proposto no de acessibilidade necessários, como dar plena ciência ao
documento final da 1ª CONAE, consolidar a expansão de educando e seus familiares das características da formação
uma educação profissional de qualidade, que atenda às e atuação do profissional na habilitação pretendida.
demandas produtivas e sociais locais, regionais e nacionais, Considerando a garantia da acessibilidade e o
em consonância com a sustentabilidade socioambiental e desenvolvimento da autonomia no processo educacional,
com a inclusão social. a decisão sobre a formação profissional deverá ser tomada
pelo próprio estudante, com a orientação da família e da
O atendimento de pessoas com deficiência, transtornos escola. As instituições ofertantes de educação profissional
globais do desenvolvimento e altas habilidades e tecnológica devem integrar, em seu projeto pedagógico,
a concepção de organização pedagógica inclusiva que
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva promova respostas às necessidades educacionais de todos
da Educação Inclusiva (2008) define a educação especial os estudantes.
como modalidade de ensino transversal a todos os níveis, Para tanto, deverão prever os recursos necessários ao
etapas e modalidades de ensino, que disponibiliza recursos,
provimento das condições adequadas para o acesso, a
serviços e realiza o atendimento educacional especializado
participação e a aprendizagem, o que implica a participação
– AEE aos estudantes com deficiência, transtornos globais
da família e a articulação com outras políticas públicas,
do desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação,
como as de emprego, de saúde e de desenvolvimento
de forma complementar ou suplementar à escolarização.
social. Cabe ainda às instituições de ensino garantir a
Na perspectiva da inclusão educacional e social,
transversalidade das ações da educação especial em todos
a educação especial é parte integrante da proposta
os seus cursos, assim como eliminar as barreiras físicas,
pedagógica da escola, conforme disposto na Resolução
CNE/CEB nº 4/09, que institui as Diretrizes Operacionais de comunicação e de informação que possam restringir
para o Atendimento Educacional Especializado na Educação a participação e a aprendizagem dos educandos com
Básica, e a Resolução CNE/CEB nº 4/10, que define as deficiência.
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação
Básica. Nesse sentido, faz-se necessário organizar processos
A educação profissional de pessoas com deficiência, de ensino e aprendizagem adequados às necessidades
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades educacionais de todos os estudantes, incluindo as
ou superdotação segue, pois, os princípios e orientações possibilidades de dilatamento de prazo para conclusão
expressos nos atos normativos da educação especial, o que da formação, de certificação intermediária, ou
implica assegurar igualdade de condições para o acesso e antecipação de estudos, que não limitem o direito dos
permanência na escola e o AEE, preferencialmente na rede estudantes de aprender com autonomia, sob alegação
regular de ensino. da deficiência.
Conforme expresso na Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, Para o atendimento desses objetivos, os sistemas e
promulgada no Brasil por meio do Decreto 6.949/09, a redes públicas de ensino – federal, estaduais, municipais e
deficiência é um conceito em evolução, resultante da do Distrito Federal – deverão contemplar, no planejamento
interação entre pessoas com deficiência e as barreiras e gestão dos seus recursos técnicos e financeiros, contando
devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena com o apoio do Ministério da Educação, conforme previsto
e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em no art.3º do Decreto 6.571/08, a implantação de salas
igualdade de oportunidades com as demais pessoas. de recursos multifuncionais; a formação continuada de
Para a efetivação do direito constitucional de acesso a professores para o atendimento educacional especializado;
um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, em a formação de gestores, educadores e demais profissionais
ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico da escola para a educação inclusiva; a adequação
e social dos estudantes, de acordo com a meta de inclusão arquitetônica de prédios escolares e elaboração, produção e

133
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

distribuição de recursos educacionais para a acessibilidade, O material didático se constitui no instrumento


bem como a estruturação de núcleos de acessibilidade com facilitador da construção do conhecimento e mediador
vistas à implementação e à integração das diferentes ações da interlocução entre os sujeitos do processo educacional.
institucionais de inclusão de forma a prover condições para Pode ser composto de material impresso, audiovisual, além
o desenvolvimento acadêmico dos educandos, propiciando daqueles desenvolvidos para ambientes virtuais de ensino e
sua inclusão e plena e efetiva participação na sociedade. aprendizagem Web. Devido a sua importância no processo
4.8.A mediação pelas tecnologias de informação e de mediação, sua avaliação deve ser rigorosa. Em sua
comunicação: a organização dos cursos a distância elaboração deve-se explorar a convergência e a integração
A história da educação a distância profissionalizante no entre os conteúdos, tendo como base a perspectiva
Brasil iniciou, em 1904, com o ensino por correspondência. de construção do conhecimento e o favorecimento da
Com o avanço das novas tecnologias de informação e interação entre sujeitos envolvidos com o processo
comunicação, foram impulsionadas a pesquisa e a oferta educativo.
de cursos superiores a distância. A LDB de 1996 oficializou Em qualquer mídia, o material didático para EaD
deve ter características que favoreçam o processo
a EaD como válida para todos os níveis e modalidades de
de mediação pedagógica de forma autodirigida pelo
ensino (art. 80).
estudante, privilegiando, por exemplo, textos dialógicos,
parágrafos relativamente curtos, conexões com diferentes
A regulamentação dada pelo Decreto de 5.622/05, meios didáticos para aprofundamento do assunto
ainda em vigência, caracteriza a EaD como modalidade (hiperlinks), questões ou exercícios de aprendizagem para
educacional na qual a mediação didáticopedagógica nos autoavaliação constante, apoio de ilustrações, animações
processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização e jogos didáticos, além de uma identidade visual que
de meios e tecnologias de informação e comunicação, favoreça a motive a aprendizagem. A interatividade é uma
com estudantes e professores desenvolvendo atividades característica essencial, pois o estudante procurará construir
educativas em lugares e/ou tempos diversos. sua aprendizagem em uma relação autônoma, contando
Todos os princípios, conceitos e concepções que também com recursos para aprendizagem colaborativa no
orientam a educação profissional e tecnológica são ambiente virtual de aprendizagem e a mediação do tutor.
igualmente válidos em sua oferta na modalidade EaD. A O polo de apoio presencial é uma unidade operacional
oferta de cursos técnicos de nível médio nesta modalidade para o desenvolvimento descentralizado de atividades
segue a mesma lógica de organização da forma presencial. pedagógicas e administrativas relativas aos cursos
Ambas se orientam pelo Catálogo Nacional de Cursos e programas ofertados a distância. Nestas unidades
Técnicos, realizam acompanhamento pedagógico, estágio realizam-se atividades presenciais, tais como avaliações,
supervisionado, práticas em laboratórios de ensino, acompanhamento e orientação de estágio, orientação aos
trabalhos de conclusão de curso, conforme o caso. estudantes pelos tutores, defesas de trabalho de conclusão
Ademais, possuem definição dos momentos presenciais de curso, aulas práticas em laboratórios específicos,
e obrigatórios previstos em lei, realizam diversos tipos quando for o caso, videoconferência, atividades de estudo
de avaliação de aprendizagem, com a obrigatoriedade individual ou em grupo, com a utilização do laboratório
e prevalência das presenciais sobre outras formas de de informática e de biblioteca, entre outras. Esta unidade
avaliação, além da exigência de assiduidade nas aulas é de grande importância não somente pelo apoio ao
teóricas e práticas. desenvolvimento do curso como por se tornar ponto de
A qualidade dos cursos técnicos a distância também referência essencial para os estudantes em horários de
reside em suas especificidades, tais como: tutorias atendimento diversificados. No andamento dos cursos
da educação profissional e tecnológica, pela necessidade
presenciais e a distância, sistemas de comunicação e
de muitas atividades práticas o apoio presencial é de
informação eficientes, material didático e ambientes
fundamental importância.
específicos de aprendizagem com sua linguagem própria e
infraestrutura física de apoio presencial. O reconhecimento de saberes e a certificação profissional
O ensino a distância pressupõe uma forte estrutura de
apoio ao aluno e acompanhamento deste em sua trajetória A atual LDB estabelece no artigo 41 que o conhecimento
formativa, nos momentos presenciais e a distância. No adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho,
primeiro momento, exigem-se tutores capacitados no poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e
conteúdo das disciplinas, que auxiliem os alunos no certificação para prosseguimento ou conclusão de
desenvolvimento de suas atividades individuais e em estudos. O Parecer CNE/CEB 16/99 ao abordar este artigo
grupo, em horários pré-estabelecidos, nos polos de apoio reconhece que os conhecimentos adquiridos no trabalho
presencial. também poderão ser aproveitados, mediante avaliação
No segundo momento, o acompanhamento é realizado da escola que oferece a referida habilitação profissional.
por meio das plataformas virtuais de ensino, inclusive Este ato normativo orienta que a responsabilidade por
videotutoria, telefones e outros recursos. Os tutores a tal processo é da escola que avalia, reconhece e certifica
distância possuem a responsabilidade de promover espaços o conhecimento adquirido alhures, considerando-o
de construção coletiva de conhecimento, selecionar equivalente aos componentes curriculares do curso por ela
material de apoio e participam dos processos avaliativos oferecido, respeitada as diretrizes e normas dos respectivos
de ensinoaprendizagem junto aos docentes. sistemas de ensino.

134
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

O reconhecimento de saberes e a certificação apresentam a desenvolver uma rede colaborativa capaz de promover
enormes desafios para as instituições de ensino uma vez que efetivamente transformações sociais em benefício do
historicamente estas têm se distanciado das culturas dos trabalhador e do país. Tratando-se de ação que articula
trabalhadores. Tais processos implicam necessariamente a as políticas educacionais com as de trabalho e emprego,
compreensão de outras formas de sistematização de saberes torna-se fundamental a cooperação entre o Ministério da
que se operam fora dos processos educativos formais, ou Educação e o Ministério do Trabalho e Emprego, bem como
seja, investigar como os trabalhadores produzem suas vidas, a participação de outros Ministérios que demandam políticas
como se apropriam das linguagens do mundo do trabalho e setoriais de qualificação profissional tais como os Ministérios
como traduzem seus conhecimentos. da Saúde, do Turismo, da Cultura, da Agricultura, Pecuária e
Da mesma forma, o desenvolvimento de metodologias Abastecimento, da Pesca e Aquicultura entre outros. Estes
de reconhecimento de saberes requer o entendimento que a órgãos devem subsidiar os sistemas de ensino na regulação
ação produtiva não se limita à habilidade de realização de uma de processos de formação e certificação profissional, que
tarefa ou a flexibilidade de adaptar-se às mudanças no mundo possibilitem aos cidadãos o aproveitamento e a validação de
do trabalho. Exige a compreensão do trabalhador como saberes profissionais adquiridos em experiências de trabalho
sujeito ativo integral. O desenvolvimento social e produtivo e de estudos formais e não formais e a orientação para a
construído a partir e por meio do trabalho é o elo integrador educação ao longo da vida dentro de itinerários formativos
e de sustentação da capacidade humana de criar sua própria coerentes com suas respectivas histórias profissionais.
história de vida. É este o ponto de partida do reconhecimento, Neste ponto, faz-se necessária uma diferenciação entre
validação e certificação de saberes adquiridos no mundo do os processos de certificação profissional aqui propostos e
trabalho, nas especificidades de cada atividade profissional e os voltados para o aproveitamento de estudos anteriores e
na trajetória de vida dos trabalhadores desde uma proposta validação de estudos realizados no exterior. No segundo caso, o
que encara a formação profissional em um processo de estudante brasileiro ou estrangeiro que tenha concluído o ensino
desenvolvimento integral do ser humano. Para as instituições médio e/ou curso técnico no exterior necessita protocolar, junto
de educação profissional significa elaborar instrumentos ao órgão responsável no sistema de ensino estadual, solicitação
metodológicos de avaliação e validação de conhecimentos, de equivalência aos padrões brasileiros. Já o aproveitamento de
experiências e saberes a partir da concepção do trabalho estudos é solicitado quando da transferência ou de interrupção
como princípio educativo. e retorno de estudos na mesma instituição, nos casos de
A realização de avaliação diagnóstica para identificação mudança na oferta (alteração no fluxo, forma de oferta, de
dos conhecimentos, experiências e saberes resultantes da componentes curriculares, carga-horária etc.) ou em outra
trajetória profissional e de vida permite também a identificação instituição de ensino e é normatizada pelos sistemas de ensino
de insuficiências formativas. Sua utilização pode orientar o e/ou regimento interno da instituição que detém autonomia
trabalhador na complementação e ou prosseguimento dos
didáticopedagógica, com base nas orientações do Conselho
estudos e no exercício profissional.
Nacional de Educação. A LDB prevê ainda, no art. 47 § 2º, que os
alunos que tenham extraordinário aproveitamento nos estudos,
Vinculados ao desenho de itinerários formativos pela
demonstrado por meio de provas e outros instrumentos de
instituição de ensino, os processos para reconhecimento
avaliação específicos, aplicados por banca examinadora especial,
de saberes e certificação profissional devem orientar
poderão ter abreviada a duração dos seus cursos, de acordo com
o trabalhador no acesso a formações mais atrativas ou
necessárias à construção de seu percurso escolar de forma as normas dos sistemas de ensino. 
coerente com sua trajetória de vida profissional.
Devido às contradições decorrentes dos modos de
produção que impactam diretamente na forma como o FUNÇÃO HISTÓRICA E SOCIAL DA ESCOLA:
trabalhador constrói seus conhecimentos em seu cotidiano A ESCOLA COMO CAMPO DE RELAÇÕES
de trabalho e vida, as propostas de certificação profissional (ESPAÇOS DE DIFERENÇAS, CONTRADIÇÕES
necessitam se guiar por princípios como a legitimidade E CONFLITOS), PARA O EXERCÍCIO E A
– obtida em consensos eticamente estabelecidos entre
FORMAÇÃO DA CIDADANIA, DIFUSÃO E
os envolvidos –; a confiabilidade – pela assunção de um
processo considerado competente, idôneo e transparente CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO.
pelo uso de mecanismos sociais de divulgação e socialização
das informações para acesso e desenvolvimento das ações de
diagnóstico e formação –; a validade – no reconhecimento
pelos setores produtivos, representações profissionais, FUNÇÃO SOCIOCULTURAL DA EDUCAÇÃO E DA
instituições educacionais e órgãos fiscalizadores do exercício ESCOLA
profissional –; e a credibilidade – aferida na aceitação dos Neste texto de Oliveira, Moraes e Dourado, vamos discutir
profissionais certificados pela sociedade, a sua acessibilidade a função social da educação e da escola no processo de
aos sistemas formais de educação na perspectiva da formação dos homens como sujeitos históricos, enfatizando
continuidade e aprofundamento de sua formação. o papel da organização escolar como instituição criada
Estes princípios apontam para a necessidade de por esses sujeitos e seus desdobramentos na organização
cooperação entre instituições de ensino, organismos da sociedade. Nesse sentido, começaremos discutindo a
governamentais e não-governamentais, empresas, concepção e a função da educação como uma construção
representações de trabalhadores, entre outros, de forma histórica.

135
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Nas comunidades primitivas, os fins da educação Nessa ótica, a concepção de educação que estamos
derivam da estrutura homogênea do ambiente social, preconizando fundamenta-se numa perspectiva crítica
identificam-se como os interesses comuns do grupo, e se que conceba o homem na sua totalidade, enquanto ser
realizam igualitariamente em todos os seus membros, de constituído pelo biológico, material, afetivo, estético
modo espontâneo e integral: espontâneo na medida em e lúdico. Portanto, no desenvolvimento das práticas
que não existe nenhuma instituição destinada a inculcá-los, educacionais, precisamos ter em mente que os sujeitos dos
integral no sentido que cada membro da tribo incorporava processos educativos são os homens e suas múltiplas e
mais ou menos bem tudo o que na referida comunidade históricas necessidades.
era possível receber e elaborar. Considerando os sujeitos históricos, o projeto de
Com as mudanças da vida em sociedade, do próprio educação a ser desenvolvido nas nossas escolas tem que
homem e com a transição da comunidade primitiva para estar pautado na realidade, visando a sua transformação,
a antiguidade, novas formas de organização vão surgindo, pois se compreende que a realidade não é algo pronto
sobretudo com a substituição da propriedade comum e acabado. Não se trata, no entanto, de atribuir à
pela propriedade privada. A relação entre os homens, que escola nenhuma função salvacionista, mas reconhecer
na sociedade primitiva se fundamentava na propriedade seu incontestável papel social no desenvolvimento de
coletiva, passa a ser privada e o que rege as relações é o processos educativos, na sistematização e socialização da
poder do homem, que se impõe aos demais. Assim, com cultura historicamente produzida pelos homens.
o desaparecimento dos interesses comuns a todos os
A educação e sua função social
membros iguais de um grupo e a sua substituição por
interesses distintos, pouco a pouco antagônicos, o processo
Ao discutirmos a função social da educação e da
educativo, que até então era único, sofreu uma partição: escola, estamos entendendo a educação no seu sentido
a desigualdade econômica entre os ‘organizadores’ e os ampliado, ou seja, enquanto prática social que se dá nas
‘executores’ trouxe, necessariamente, a desigualdade das relações sociais que os homens estabelecem entre si, nas
educações respectivas. diversas instituições e movimentos sociais, sendo, portanto,
Nesse sentido, os ideais educacionais nessa nova forma constituinte e constitutiva dessas relações.
de organização da sociedade não são mais os mesmos para O homem, no processo de transformação da natureza,
todos, tendo em vista que não só a classe dominante tem instaura leis que regem a sua convivência com os demais
ideais substancialmente distintos dos da classe dominada, grupos, cria estruturas sociais básicas que se estabelecem
como também tenta fazer com que a classe trabalhadora e se solidificam à medida que se vai constituindo em locus
aceite essa desigualdade educacional como desigualdade de formação humana. Nesse sentido, a escola, enquanto
natural, sendo, assim, inútil lutar contra ela. criação do homem, só se justifica e se legitima diante da
Com o advento da sociedade capitalista e com o sociedade, ao cumprir a finalidade para a qual foi criada.
aperfeiçoamento da maquinaria, muda não só a forma de Assim, a escola, no desempenho de sua função
organização da sociedade, mas também as relações sociais social de formadora de sujeitos históricos, precisa ser um
de produção, a concepção de homem, de trabalho e de espaço de sociabilidade que possibilite a construção e a
educação. socialização do conhecimento produzido, tendo em vista
Na sociedade organizada sob o modo de produção que esse conhecimento não é dado a priori. Trata-se de
capitalista, o homem não é aquele ser histórico que conhecimento vivo e que se caracteriza como processo em
se humaniza nas relações que estabelece com outros construção.
homens, mas resume-se ao indivíduo que vende a sua A educação, como prática social que se desenvolve nas
força de trabalho e, ao vendê-la, transforma-se em fator relações estabelecidas entre os grupos, seja na escola ou
de produção. em outras esferas da vida social, se caracteriza como campo
A educação, segundo a ótica dominante, tem como social de disputa hegemônica, disputa essa que se dá “na
finalidade habilitar técnica, social e ideologicamente os perspectiva de articular as concepções, a organização dos
processos e dos conteúdos educativos na escola e, mais
diversos grupos de trabalhadores, para servir ao mundo
amplamente, nas diferentes esferas da vida social, aos
do trabalho. Segundo Frigotto, “trata-se de subordinar
interesses de classes”. Assim, a educação se constitui numa
a função social da educação de forma controlada para
atividade humana e histórica que se define na totalidade
responder às demandas do capital”. das relações sociais.
Diferentemente da perspectiva dominante, para a Nessa ótica, as relações sociais desenvolvidas nas
classe trabalhadora a “educação é, antes de mais nada, diferentes esferas da vida social, inclusive no trabalho,
desenvolvimento de potencialidades e apropriação de constituem-se em processos educativos, assim como os
‘saber social’ (conjunto de conhecimentos e habilidades, processos educativos desenvolvidos na escola consistem
atitudes e valores que são produzidos pelas classes, em em processos de trabalho, desde que este seja entendido
uma situação histórica dada de relações, para dar conta de como ação e criação humanas.
seus interesses e necessidades)”, objetivando a formação Contudo, na forma como se opera o modo de produção
integral do homem, ou seja, o desenvolvimento físico, capitalista, a sociedade não se apresenta enquanto
político, social, cultural, filosófico, profissional, afetivo, totalidade, mas é compreendida a partir de diversos fatores
entre outros. que interagem entre si e se sobrepõem de forma isolada.

136
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Nessa perspectiva, “a educação e a formação humana GESTÃO DO CONFLITO ESCOLAR:


terão como sujeito definidor as necessidades, as demandas DA CLASSIFICAÇÃO DOS CONFLITOS AOS MODELOS
do processo de acumulação de capital sob as diferentes DE MEDIAÇÃO
formas históricas de sociabilidade que assumem”, e não o
desenvolvimento de potencialidades e a apropriação dos Álvaro Chrispino
conhecimentos culturais, políticos, filosóficos, historicamente Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15,
produzidos pelos homens. n.54, p. 11-28, jan./mar. 2007
Segundo Frigotto (1999), a escola é uma instituição Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/
social que, mediante sua prática no campo do conhecimento, v15n54/a02v1554.pdf
dos valores, atitudes e, mesmo por sua desqualificação,
articula determinados interesses e desarticula outros. Nessa A sequência de episódios violentos envolvendo o
contradição existente no seu interior, está a possibilidade da espaço escolar não deixa dúvida quanto à necessidade
mudança, haja vista as lutas que aí são travadas. Portanto,
de se trazer este tema à grande arena de debates da
pensar a função social da escola implica repensar o seu
educação brasileira. Os acontecimentos que se repetem
próprio papel, sua organização e os atores que a compõem.
nos diversos pontos do país, e que nos privaremos de
Para Petitat (1994), a escola contribui para a reprodução
da ordem social. No entanto, ela também participa de sua citar por ser absolutamente desnecessário para a análise,
transformação, às vezes intencionalmente. Outras vezes, as expõem uma dificuldade brasileira pela qual já passaram
mudanças se dão, apesar da escola. outros países, o que seria, por si só, um convite para a
Nesse contexto, o dirigente escolar, o professor, os pais reflexão de educadores e de gestores políticos, visto que
de alunos e a comunidade em geral precisam entender que o movimento mundial em educação indica semelhança de
a escola é um espaço contraditório e, portanto, se torna acontecimentos mesmo que em momentos diferentes da
fundamental que ela construa seu Projeto Políticopedagógico. linha de tempo.
Cabe ressaltar, nessa direção, que qualquer ato pedagógico Já dissemos alhures (CHRISPINO; CHRISPINO, 2002)
é um ato dotado de sentido e se vincula a determinadas que os problemas novos da violência escolar no Brasil
concepções (autoritárias ou democráticas), que podem estar são um problema antigo em outros países como Estados
explícitas ou não. Unidos, França, Reino Unido, Espanha, Argentina e
Assim, pensar a função social da educação e da escola Chile, dentre outros, onde já se percebe um conjunto de
implica problematizar a escola que temos na tentativa de políticas públicas mais ou menos eficientes dirigidas aos
construirmos a escola que queremos. Nesse processo, a diversos atores que compõem este complexo sistema que
articulação entre os diversos segmentos que compõem a é o fenômeno violência escolar. Estes países possuem já
escola e a criação de espaços e mecanismos de participação alguma tradição em programa de redução da violência
são prerrogativas fundamentais para o exercício do jogo escolar como apontam Debarbieux e Blaya (2002) e,
democrático, na construção de um processo de gestão no Brasil, é possível enumerar alguns estudos pontuais
democrática. até aproximadamente 2000, quando passamos a contar
Como você pode perceber, as discussões feitas no com um número maior de estudos e pesquisas sobre os
decorrer do texto giraram em torno da administração/gestão diversos ângulos da violência escolar como, por exemplo,
escolar. A gestão aqui foi entendida no sentido amplo, não Abramovay e Rua (2002), Ortega e Del Rey (2002), Chrispino
apenas como gestão de processos administrativos, mas e Chrispino (2002), dentre outros.
como gestão de processos políticopedagógicos, envolvendo
os diversos momentos de participação e de estruturação da
Os diversos estudos publicados em língua portuguesa
unidade escolar.
disseminaram ideias, aclararam os problemas e listaram
Nessa concepção de gestão, a função do dirigente
alternativas já testadas em sociedades distintas, permitindo
escolar não se restringe ao desenvolvimento das atividades
burocráticas e à organização do trabalho na escola. que a comunidade educacional brasileira reunisse
Pauta-se, sim, em ações colegiadas, articuladas com os informações para enfrentar um problema importante, no
atores sociais que a compõem. esforço de tirar a “diferença” causada por alguns anos de
atraso na percepção do problema e na busca de soluções
Referências: próprias. No rastro dessas iniciativas, a produção acadêmica
OLIVEIRA, J. F. de; MORAES, K. N. de; DOURADO, L. F. brasileira já começa a demonstrar bons resultados no tema,
Função social da educação e da escola. Políticas de Gestão. apesar de serem encontrados apenas 7 grupos de pesquisa
Disponível em: http://escoladegestores.mec.gov.br/ no Diretório LATTES, quando consultado utilizando as
site/4-sala_politica_gestao_escolar/pdf/saibamais_8.pdf palavras chave “violência escolar” e “violência na escola”, o
que indica que a produção deve estar vinculada a grupos
A ESCOLA COMO CAMPO DE RELAÇÕES com linhas de pesquisa e temas de pesquisa outros que
Ampla pesquisa sobre as políticas públicas e as ações absorvem os assuntos correlacionados com o universo da
desenvolvidas em diferentes países e capazes de atender a uma violência escolar.
questão premente: a violência escolar. O ponto de partida é Experiências importantes vêm sendo realizadas como
o reconhecimento da diversidade de experiências entre os a do programa de Mestrado da Universidade Católica
alunos que a escola, reproduzindo padrões ultrapassados de de Brasília/ Observatório da Violência que já produz
comportamento, insiste em tratar como iguais. uma série de pesquisas focada na violência escolar, mas

137
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

correlacionando-a com a visão docente (OLIVEIRA, M. G. P., 2003; OLIVEIRA, R. B. L., 2004), com a comunidade (SILVA, 2004),
com o rendimento escolar (VALE, 2004), com a gestão escolar (CARREIRA, 2005), com a visão discente (RIBEIRO, 2004;
FERNANDES, 2006), dentre outras.
Tudo leva a crer que o tema tenha ocupado um lugar de destaque na sociedade e academia brasileiras, o que pode
resultar na transferência da escola da editoria policial para a editoria de direitos sociais nos grandes veículos de mídia
nacional.

Educação, juventude e violência

A formação de opinião sobre a escola e a juventude exclusivamente pelas manchetes de jornais e televisão, resulta
numa visão por ângulos restritos da realidade educacional.
A educação – apesar da existência de programas importantes como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF–, vem sofrendo com a falta de políticas públicas de longo
prazo e efetivas que atendam às necessidades da comunidade, vem sendo esvaziada pelo afastamento de bons docentes
por conta do desprestígio e da perda significativa de salários, vem sendo “sucateada” pela ineficácia dos sistemas de gestão
e por recursos cada vez mais reduzidos, vem se tornando cada vez mais “profanada” quando a história nos ensinou sobre
uma escola cercada de respeito, pertencimento e “sacralidade”.
No que pese tudo isto, recentemente o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio de Janeiro – Sinepe Rio –,
solicitou ao IBOPE uma pesquisa intitulada “O jovem, a sociedade e a ética” (RIO DE JANEIRO, 2006), que recolheu opiniões
de jovens entre 14 e 18 anos. O resultado mostra o quanto a escola e a educação povoam o imaginário dos jovens, o quanto
estes ainda veem na escola e na educação instrumentos importantes para suas vidas e o quanto a violência na escola os
afasta de seus sonhos ou os amedronta. Vejamos alguns resultados:
Pergunta: Dentre estes, quais são os dois mais graves problemas do Brasil?

138
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Pergunta: Gostaria que você dissesse, para cada uma das pessoas e instituições que vou falar, se você confia ou não
confia

INSTITUIÇÕES CONFIA NÃO CONFIA NÃO TEM OPINIÃO


Professores 84% 13% 3%
Escola Particular 77% 18% 5%
Escola Pública 76% 19% 5%
Médicos 75% 21% 4%
Religião 71% 23% 6%
Igreja Católica 66% 26% 8%
Igreja Evangélica 61% 30% 8%
Televisão 60% 36% 4%
Rádios 62% 35% 4%
Jornais 59% 37% 4%

Pergunta: Para cada frase citada, gostaria de saber se você concorda ou discorda

PONTOS CONCORDA DISCORDA


A educação dos jovens deve ter limites bem definidos 82% 14%
No Brasil, é possível melhorar a condição 73% 21%
social através do voto
No Estado, um cidadão não tem só direitos, tem 70% 24%
deveres para com a sociedade
O voto pode mudar a situação do país 64% 30%
O importante para os jovens é viver o momento, sem 57% 40%
se preocupar com o futuro
Os jovens são desmotivados e nada lhes interessa 50% 46%
A experiência profissional é mais importante 49% 46%
que a educação
Os direitos humanos no Brasil só protegem os que não 49% 44%
respeitam os direitos dos outros

Pergunta: Dentre estes, para qual ponto você julga que uma boa escola deveria estar voltada? (1º e 2º lugares)

Podemos depreender da pesquisa (1) que o jovem identifica na violência o maior problema da sociedade atual,
superando, inclusive, o desemprego; (2) que a escola ocupa o segundo lugar entre as instituições importantes para o
desenho de seu futuro, perdendo apenas para a família; (3) professores e escolas são as duas “instituições” que encabeçam
a lista de confiança com altos índices percentuais; (4) os jovens, diferentemente do que diz o senso comum, solicitam os
limites próprios à juventude e (5) confirmando o item 4, o jovem julga que a disciplina rígida, juntamente com criatividade
e diálogo, fazem parte da boa escola, para desespero de gestores e docentes que defendem o “vai-levando” ou o laissez-
faire, certamente pela lei de menor esforço, já que o salário é o mesmo no final do mês.

139
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Apesar de todas as dificuldades, o jovem ainda crê na educação como alternativa e na escola como instrumento de
mobilidade social e de diferenciação para o futuro.
Motivado por isso, podemos buscar entender melhor o que pode estar causando a violência na escola, sempre lembrando
que a nossa é uma leitura, uma proposta, uma alternativa. Certamente haverá outras, desenvolvidas e amparadas a partir
de outras percepções e experiências.

O conflito e o conflito na escola

Conflito é toda opinião divergente ou maneira diferente de ver ou interpretar algum acontecimento. A partir disso,
todos os que vivemos em sociedade temos a experiência do conflito.
Desde os conflitos próprios da infância, passamos pelos conflitos pessoais da adolescência e, hoje, visitados pela
maturidade, continuamos a conviver com o conflito intrapessoal (ir/não ir, fazer/não fazer, falar/não falar, comprar/não
comprar, vender/não vender, casar/não casar etc.) ou interpessoal, sobre o qual nos deteremos.
São exemplos de conflito interpessoal a briga de vizinhos, a separação familiar, a guerra e o desentendimento entre
alunos. (CHRISPINO; CHRISPINO, 2002).
Poderemos buscar, numa adaptação de Redorta (2004, p. 33), grandes exemplos de conflito nos conhecidos movimentos
de rompimento de paradigmas:

AUTOR TIPO DE CONFLITO PROCESSO RESULTANTE SÍNTESE


Freud Conflito entre o desejo e a proibição Repressão e defesa Luta pelo dever
Darwin Conflito entre o sujeito e o meio Diferenciação e adaptação Luta por existir
Marx Conflito entre classes sociais Estratificação social
hierarquia Luta pela igualdade
Piaget Conflito nas decisões e experiências Aprendizagem
Resolução de problemas Luta por ser

O conflito, pois, é parte integrante da vida e da atividade social, quer contemporânea, quer antiga. Ainda no esforço de
entendimento do conceito, podemos dizer que o conflito se origina da diferença de interesses, de desejos e de aspirações.
Percebe-se que não existe aqui a noção estrita de erro e de acerto, mas de posições que são defendidas frente a outras,
diferentes.
Um exemplo claro da dificuldade que temos para lidar com o conflito é a nossa incapacidade de identificar as
circunstâncias que derivam do conflito ou redundam nele. Em geral, nas escolas e na vida, só percebemos o conflito
quando este produz suas manifestações violentas. Daí podemos tirar, pelo menos, duas conclusões: a primeira é que se ele
se manifestou de forma violenta é porque já existia antes na forma de divergência ou antagonismo, e nós não soubemos ou
não fomos preparados para identificá-lo; a segunda é que toda a vez que o conflito se manifesta, nós agimos para resolvê-
lo, coibindo a manifestação violenta. E neste caso, esquecemos que problemas mal resolvidos se repetem! (CHRISPINO;
CHRISPINO, 2002)
Ao definirmos conflito como o resultado da diferença de opinião ou interesse de pelos menos duas pessoas ou conjunto
de pessoas, devemos esperar que, no universo da escola, a divergência de opinião entre alunos e professores, entre alunos e
entre os professores seja uma causa objetiva de conflitos. Uma segunda causa de conflitos é a dificuldade de comunicação,
de assertividade das pessoas, de condições para estabelecer o diálogo.
Temos defendido que a massificação da educação se, por um lado, garantiu o acesso dos alunos à escola, por outro,
expôs a expôs a escola a um contingente de alunos cujo perfil ela – a escola – não estava preparada para absorver.

Antes, em passado remoto, a escola era procurada por um tipo padrão de aluno, com expectativas padrões, com passados
semelhantes, com sonhos e limites aproximados. Os grupos eram formados por estudantes de perfis muito próximos.
Com a massificação, trouxemos para o mesmo espaço alunos com diferentes vivências, com diferentes expectativas, com
diferentes sonhos, com diferentes valores, com diferentes culturas e com diferentes hábitos [...], mas a escola permaneceu
a mesma! Parece óbvio que este conjunto de diferenças é causador de conflitos que, quando não trabalhados, provocam
uma manifestação violenta. Eis, na nossa avaliação, a causa primordial da violência escolar.
A fim de exemplificar a tese que defendemos, podemos lançar mão da pesquisa de Fernandes (2006, p. 103) realizada
com alunos e professores de diferentes escolas do Distrito Federal. Ao solicitar que professores e alunos identifiquem níveis
de gravidade de violência a partir de ocorrências cotidianas, percebe-se a divergência de opinião: isto dá origem a conflitos.
Vejamos alguns exemplos:

140
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

ATITUDES ESCOLA 1–PÚBLICA ESCOLA 2–PRIVADA


OPINIÃO DISCENTE DOCENTE DISCENTE DOCENTE
Aluno bate em colega menor 47,4 64,6 (alta) 51,6 (alta) 61,2
(média) (alta)
Briga entre alunos 38,1 60,5 (alta) 52,9 (alta) 55,8
(média) (alta)
Toque de mão no colega com sentido sexual 32,0 60,5 (alta) 27,2 54,9
(média) (baixa) (alta)
Insulto de aluno a aluno 32,0 56,5 (alta) 31,8 54,9
(média) (média) (alta)

Podemos esperar que, pela diferença entre as opiniões, haja conflito no espaço escolar. Um conflito criado pela diferença
de conceito ou pelo valor diferente que se dá ao mesmo ato. Professores e alunos dão valores diferentes à mesma ação
e reagem diferentemente ao mesmo ato: isso é conflito. Como a escola está acostumada historicamente a lidar com um
tipo padrão de aluno, ela apresenta a regra e requer dos alunos enquadramento automático. Quanto mais diversificado
for o perfil dos alunos (e dos professores), maior será a possibilidade de conflito ou de diferença de opinião. E isso numa
comunidade que está treinada para inibir o conflito, pois este é visto como algo ruim, uma anomalia do controle social.
Porém, o mito de que o conflito é ruim está ruindo. O conflito começa a ser visto como uma manifestação mais
natural e, por conseguinte, necessária às relações entre pessoas, grupos sociais, organismos políticos e Estados. O conflito
é inevitável e não se devem suprimir seus motivos, até porque ele possui inúmeras vantagens dificilmente percebidas por
aqueles que veem nele algo a ser evitado:
- Ajuda a regular as relações sociais;
- ensina a ver o mundo pela perspectiva do outro;
- permite o reconhecimento das diferenças, que não são ameaça, mas resultado natural de uma situação em que há
recursos escassos;
- ajuda a definir as identidades das partes que defendem suas posições;
- permite perceber que o outro possui uma percepção diferente;
- racionaliza as estratégias de competência e de cooperação;
- ensina que a controvérsia é uma oportunidade de crescimento e de amadurecimento social.

Outro mito importante construído em torno do conflito, e que está também sendo superado, é aquele que diz que o
mesmo atenta contra a ordem. Na verdade, o conflito é a manifestação da ordem em que ele próprio se produz e da qual
se derivam suas consequências principais. O conflito é a manifestação da ordem democrática, que o garante e o sustenta.
A ordem e o conflito são resultado da interação entre os seres humanos. A ordem, em toda sociedade humana, não é
outra coisa senão uma normatização do conflito. Tomemos como exemplo o conflito político: apesar de parecer ruptura da
ordem anterior, há continuidade e regularidade em alguns aspectos tidos como indispensável pela sociedade, que exige a
ordem e de onde emanam os conflitos.
Somente estudo e compreensão das relações que existem dentro da ordem podem permitir o entendimento completo
dos conflitos que nela se originam e que, por fim, são a razão de sua existência. Por exemplo, os sócios que brigam. É
necessário ver as condições em que se fez a sociedade e as expectativas dos sócios. Possivelmente, cada um deles terá
entendimento pessoal das regras que iniciaram a sociedade e possuíam, por derivação, expectativas diferentes. Instala-se
o conflito!
O conflito está regulado de tal modo que nem sempre nos damos conta sequer de sua existência. Como exemplo disso,
temos o futebol ou o desfile das escolas de samba: eles excluem a violência como a entendemos comumente e preveem
um modelo de comportamento cooperativo, mas os interesses são frontalmente conflitantes!

Acontece, muitas vezes, que o conflito é deflagrado e não sabemos exatamente o que o provoca, pois, a posição
conflitante é diferente do interesse real das partes. O interesse é a motivação objetiva/subjetiva de uma conduta, a partir
da qual esta se estrutura e se distingue da posição, que é a forma exterior do conflito, que pode esconder o real interesse
envolvido. Os comerciantes têm interesses conflitantes: o vendedor quer vender mais caro, enquanto o comprador quer
pagar menos [...], mas os interesses são claros e definidos. Diferentemente com o que ocorre no conflito causado pela
separação de casais que brigam pela posse da casa onde moravam, mesmo possuindo outros imóveis de igual valor. Na
verdade, a posição de posse da casa esconde um interesse implícito: quem ficar com a casa do casal tem a sensação de
vitória sobre o outro.

141
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Classificações dos conflitos

A fim de melhor entender suas possibilidades, buscaremos alguns exemplos de classificação de conflito, pois, segundo
Redorta (2004, p. 95), classificar é uma forma de dar sentido.
A classificação costuma ser hierárquica e permite estabelecer relações de pertencimento. Ao classificar definimos, e ao
defini-lo, tomamos uma decisão a respeito da essência de algo.
Vamos buscar algumas classificações gerais de conflito segundo Moore (1998), Deutsch (apud MARTINEZ ZAMPA,
2004) e Redorta (2004) e classificações de conflitos escolares a partir de Martinez Zampa (2004) e Nebot (2000).
Para Moore (1998, p. 62), os conflitos podem ser classificados em estruturais, de valor, de relacionamento de interesse
e quanto aos dados:

TIPOS DE CONFLITO CAUSAS DOS CONFLITOS


Estruturais Padrões destrutivos de comportamento ou interação; controle,
posse ou distribuição desigual de recursos; poder e autoridade
desiguais; fatores geográficos, físicos ou ambientais que impeçam a
cooperação; pressões de tempo.
De valor Critérios diferentes para avaliar ideias ou comportamentos;
objetivos exclusivos intrinsecamente valiosos; modos de vida,
ideologia ou religião diferente.
De relacionamento Emoções fortes; percepções equivocadas ou estereótipos;
comunicação inadequada ou deficiente; comportamento negativo –
repetitivo.
De interesse Competição percebida ou real sobre interesses fundamentais
(conteúdo); interesses quanto a procedimentos; interesses
psicológicos.
Quanto aos dados Falta de informação; informação errada; pontos de vista diferentes
sobre o que é importante; interpretações diferentes dos dados;
procedimentos de avaliação diferentes.

Para Deutsch, os conflitos podem ser classificados em 6 tipos: Verídicos (conflitos que existem objetivamente),
contingentes (situações que dependem de circunstâncias que mudam facilmente), descentralizados (conflitos que ocorrem
fora do conflito central), mal atribuídos (se apresentam entre partes que não mantêm contatos entre si), latentes (conflitos
cuja origem não se exteriorizam) e falsos (se baseiam em má interpretação ou percepção equivocada).
Para Redorta (2004), a tipologia de conflito é de tal importância que ele dedica toda uma obra a essa tarefa. Podemos
sintetizar a sua tipologia, no quadro a seguir:

142
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

É possível, ainda, identificar conflitos escolares ou sistemas escolares ou oriundos das relações que envolvem
mesmo educacionais a partir de Martinez Zampa (2005) e de os atores da comunidade educacional mais ampla.
Nebot (2000). Certamente, a característica da escola ou do Certamente poderíamos ainda apontar os que derivam dos
sistema educacional favorecem este tipo de categorização, exercícios de poder, dos que se originam das diferenças
por se restringirem a um universo conhecido, com atores pessoais, dos que resultam de intolerâncias de toda ordem,
permanentes (alunos, professores, técnicos e comunidade) os que possuem fundo político ou ideológico, o que fugiria
e com rotinas estabelecidas (temática, horários, espaços do foco principal deste trabalho, voltado pela a escola
físicos etc). A maneira de lidar com o conflito escolar e seu entorno. Saindo do universo geral dos conflitos
ou educacional é que irá variar de uma escola que veja educacionais – enumerados restritamente – podemos
o conflito como instrumento de crescimento ou que o relacionar os que chamaremos de conflitos escolares, por
interpreta como um grave problema que deva ser abafado. acontecerem no espaço próprio da escola /ou com seus
Na comunidade escolar existem pontos que contribuem atores diretos.
para o surgimento dos conflitos e que, no mais das vezes, Dentre as classificações possíveis, escolhemos adaptar
a de Martinez Zampa (2005, p. 31-32) para ilustrar o texto.
não são explícitos ou mesmo percebidos. A prioridade
Os conflitos que ocorrem com maior frequência se dão:
que se dá para os diferentes conflitos escolares é um
• Entre docentes, por:
primeiro ponto. Martinez Zampa (2005, p. 29) diz que os
• falta de comunicação;
professores consideram que os conflitos mais freqüentes • interesses pessoais;
e importantes se dão entre seus colegas e diretores, • questões de poder;
colocando em segundo lugar de importância os conflitos • conflitos anteriores;
entre alunos. Essa posição não é ratificada por Oliveira e • valores diferentes;
Gomes (2004, p. 52-53), que descrevem como os docentes • busca de “pontuação” (posição de destaque);
veem os valores e violência escolares. Ao se referirem às • conceito anual entre docentes;
escolas que foram pesquisadas, escrevem: O clima entre • não-indicação para cargos de ascensão hierárquica;
direção, professores e alunos parecia bastante amistoso. • divergência em posições políticas ou ideológicas.
No entanto, a Associação de Pais e Mestres e o Conselho • Entre alunos e docentes, por:
Escolar funcionavam precariamente devido à falta de • não entender o que explicam;
participação e envolvimento da comunidade escolar. • notas arbitrárias;
O relacionamento entre os professores parecia muito • divergência sobre critério de avaliação;
bom, manifestado, inclusive, pelos intervalos muito • avaliação inadequada (na visão do aluno);
animados. Segundo informações colhidas, a amizade • descriminação;
entre os docentes continuava fora dos muros da escola, • falta de material didático;
nas festas de confraternizações, aniversários, churrascos e • não serem ouvidos (tanto alunos quanto docentes);
outras. A leitura externa da comunidade (cidadãos e pais) • desinteresse pela matéria de estudo.
pode achar que professores e diretores – profissionais e • Entre alunos, por:
adultos que são –, devam lidar profissionalmente com as • mal-entendidos;
possíveis dificuldades que surjam no exercício da atividade • brigas;
docente e que os conflitos entre alunos, e destes com seus • rivalidade entre grupos;
professores, é que efetivamente merecem ser vistos como • descriminação;
prioridade. Como conflitos educacionais ou entre membros • bullying;
da comunidade educacional, Martinez Zampa (2005) • uso de espaços e bens;
• namoro;
enumera 4 tipos diferentes:
• assédio sexual;
- Conflito em torno da pluralidade de pertencimento:
• perda ou dano de bens escolares;
surge quando o docente faz parte de diferentes
• eleições (de variadas espécies);
estabelecimentos de ensino ou mesmo de níveis diferentes • viagens e festas.
de ensino. • Entre pais, docentes e gestores, por:
- Conflitos para definir o projeto institucional: surge • agressões ocorridas entre alunos e entre os
porque a construção do projeto educacional favorece a professores;
manifestação de diferentes posições quanto a objetivos, • perda de material de trabalho;
procedimentos e exigências no estabelecimento escolar. • associação de pais e amigos;
- Conflito para operacionalizar o projeto educativo: • cantina escolar ou similar;
surge porque, no momento de executar o projeto • falta ao serviço pelos professores;
institucional, surgem divergências nos âmbitos de • falta de assistência pedagógica pelos professores;
planejamento, execução e avaliação, levando a direção a • critérios de avaliação, aprovação e reprovação;
lançar mão de processos de coalizão, adesões, etc. • uso de uniforme escolar;
- Conflito entre as autoridades formal e funcional: • não-atendimento a requisitos “burocráticos” e
surge quando não há coincidência entre a figura da administrativos da gestão. Segundo Nebot (2000, p. 81-
autoridade formal (diretor) e da autoridade funcional 82), os conflitos escolares podem ser categorizados em
(líder situacional). Os conflitos educacionais, para efeito de organizacionais, culturais, pedagógicos e de atores. A
estudo, são aqueles provenientes de ações próprias dos seguir, detalhamos cada um dos tipos:

143
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

• Organizacionais Apresentamos a tese onde o conflito surge da


1. setoriais: são aqueles se produzem a partir da divisão diferença de opiniões e divergência de interpretações.
de trabalho e do desenho hierárquico da instituição, que Logo, se a escola é o universo que reúne alunos diferentes,
gera a rotina de tarefas e de funções (direção, técnico ela é o palco onde certamente o conflito se instalará. E,
administrativos, professores, alunos, etc); se o conflito é inevitável, devemos aprender o ofício da
2. o salário e as formas como o dinheiro se distribui no mediação de conflito para que esta técnica se aprimore
coletivo, afetando a qualidade de vida dos funcionários e facultando a cultura da mediação de conflito. Chamaremos
docentes, etc de mediação de conflito o procedimento no qual os
3. se são públicas ou privadas. participantes, com a assistência de uma pessoa imparcial
• Culturais – o mediador –, colocam as questões em disputa com o
1. comunitários: são aqueles que emanam de redes objetivo de desenvolver opções, considerar alternativas
sociais de diferentes atores onde está situada a escola. e chegar a um acordo que seja mutuamente aceitável. A
Rompem-se as concepções rígidas dos muros da escola, mediação pode induzir a uma reorientação das relações
ampliando-se as fronteiras (por exemplo, os bairros e sociais, a novas formas de cooperação, de confiança e de
suas características, as organizações sociais do bairro, as solidariedade; formas mais maduras, espontâneas e livres
condições econômicas de seus habitantes, etc) de resolver as diferenças pessoais ou grupais. A mediação
2. raciais e identidades: são aqueles grupos sociais induz atitudes de tolerância, responsabilidade e iniciativa
que possuem um pertencimento e afiliação que faz a individual que podem contribuir para uma nova ordem
sua condição de existência no mundo. Estes, com suas social.
características culturais, folclóricas, ritualísticas, patrocinam O primeiro ponto para a introdução da mediação de
uma série de práticas e habitus que retroalimentam o conflito no universo escolar é assumir que existem conflitos
estabelecimento de ensino (por exemplo, a presença de e que estes devem ser superados a fim de que a escola
fortes componentes migratórios na região, etc) cumpra melhor as suas reais finalidades. Há, portanto,
• Pedagógicos São aqueles que derivam do desenho dois tipos de escola: aquela que assume a existência de
estratégico da formação e dos dispositivos de controle de conflito e o transforma em oportunidade e aquela que
qualidade e das formas de ensinar, seus ajustes ao currículo nega a existência do conflito e, com toda a certeza, terá
que lidar com a manifestação violenta do conflito, que é a
acadêmico e suas formas de produção (por exemplo, não
tão conhecida violência escolar. As escolas que valorizam
é a mesma coisa ensinar matemática que literatura, e
o conflito e aprendem a trabalhar com essa realidade, são
ambas possuem procedimentos similares, mas diferentes; a
aquelas onde o diálogo é permanente, objetivando ouvir
organização dos horários de das turmas e dos professores;
as diferenças para melhor decidirem; são aquelas onde o
as avaliações, etc)
exercício da explicitação do pensamento é incentivado,
• Atores São aqueles que denominamos “pessoas” e
objetivando o aprendizado da exposição madura das ideias
que devem ser distinguidos:
por meio da assertividade e da comunicação eficaz; onde o
1. em grupos e subgrupos, que ocorrem em qualquer
currículo considera as oportunidades para discutir soluções
âmbito (turma, corpo docente, direção etc)
alternativas para os diversos exemplos de conflito no
2. familiares, donde derivam as ações que caracterizam campo das ideias, das ideologias, do poder, da posse, das
a dinâmica familiar que afeta diretamente a pessoa, diferenças de toda ordem; onde as regras e aquilo que é
podendo produzir o fenômeno de afastamento familiar exigido do aluno nunca estão no campo do subjetivo ou do
que acarreta o “depósito” do aluno na escola. entendimento tácito: estão explícitos, falados e discutidos.
3. individuais, que são aqueles onde a “patologia” toma Em síntese, devemos ser explícitos naquilo que
um membro da organização escolar. Neste caso, há sempre esperamos dos estudantes e naquilo que nos propomos a
o risco da estigmatização do membro da comunidade fazer. Sobre a gestão destes itens, escreve Heredia, citando
que é o causador do conflito. No momento em que Ray Scanhaltz (apud HEREDIA, 1998), diretor de programas
realçamos o conflito na escola, gostaríamos de chamar à educacionais de San Francisco: Pedir aos estudantes
atenção a capacidade da escola em perceber a existência disciplina, sem provê-los das habilidades requeridas, é
do conflito e a sua capacidade de reagir positivamente a como pedir a um transeunte que encontre Topeka, Kansas,
ele, transformando-o em ferramenta do que chamamos sem fazer uso de uma bússola [...]. Não podemos esperar
de tecnologia social, uma vez que o aprendizado de que os estudantes se comportem de um modo disciplinado
convivência e gestão do conflito são para sempre. Por que se não possuem as habilidades para fazê-lo. É possível,
a mediação do conflito na escola Façamos um retrospecto também pensar na introdução do tema mediação de
do que foi apresentado até aqui a fim de melhor conflito no currículo escolar, o que seria uma oportunidade
encaminhar os pontos seguintes. Até aqui apresentamos para verbalizar a questão e tornar claro o que se espera
as expectativas dos estudantes com a ascensão social por dele – o jovem – no conjunto de comportamentos sociais.
meio da educação, sua confiança nos professores e na De outra forma, é dizer ao jovem e à criança que suas
escola, suas dificuldades por conta da violência que lança diferenças podem transformar-se em antagonismos e que,
seus tentáculos nas escolas e discutimos o conflito em se estes não forem entendidos, evoluem para o conflito,
geral e na escola, em particular. que deságua na violência.

144
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Cabe ressaltar que esse aprendizado e essa percepção social, quando ocorrem com o estudante, são para sempre. Eis
algumas vantagens identificadas para a mediação do conflito escolar (CHRISPINO, 2004):
- O conflito faz parte de nossa vida pessoal e está presente nas instituições. ‘É melhor enfrentá-lo com habilidade
pessoal do que evitá-lo’ (HEREDIA, 1998 apud CHRISPINO, 2004).
- Apresenta uma visão positiva do conflito, rompendo com a imagem histórica de que ele é sempre negativo.
- Constrói um sentimento mais forte de cooperação e fraternidade na escola.
- Cria sistemas mais organizados para enfrentar o problema divergência ➔ antagonismo ➔ conflito ➔ violência.
- O uso de técnicas de mediação de conflitos pode melhorar a qualidade das relações entre os atores escolares e
melhorar o “clima escolar”.
- O uso da mediação de conflitos terá consequências nos índices de violência contra pessoas, vandalismo, violência
contra o patrimônio, incivilidades, etc.
- Melhora as relações entre alunos, facultando melhores condições para o bom desenvolvimento da aula.
- Desenvolve o autoconhecimento e o pensamento crítico, uma vez que o aluno é chamado a fazer parte da solução
do conflito.
- Consolida a boa convivência entre diferentes e divergentes, permitindo o surgimento e o exercício da tolerância.
- Permite que a vivência da tolerância seja um patrimônio individual que se manifestará em outros momentos da vida
social. Cremos que as vantagens dos programas de mediação escolar são bastante numerosas. Apesar disso, poucas são as
avaliações quantitativas sobre o impacto dos programas de mediação de conflito. Kmitta (1999, p. 293) ensaia um estudo
de resultados quantitativos a partir de dez programas de mediação escolar nos Estados Unidos, que podem indicar alguns
resultados promissores nesse tipo de técnica e nesse esforço de implantação da cultura de mediação de conflito. Aponta
ele:

Resumo de estudos que documentam mediações e porcentagens de êxito

Algumas questões norteadoras para o modelo de programa de mediação escolar. Todo programa que se proponha a
envolver grande número de variáveis, como é o caso das escolas, deve ter o cuidado de trabalhar a partir de generalizações.
O Programa deve comportar-se tal qual um grande e delicado tecido jogado sobre um conjunto de peças com contornos
distintos. O tecido é o mesmo, mas ao alcançar a peça, toma a forma desta! Ele se amolda a cada realidade. Com um
programa de mediação de conflito escolar não será diferente. Nossa pretensão, ao apresentar um conjunto de distintas
classificações de conflito foi permitir alternativas para identificação particularizada de cada contexto escolar.
Não há receita na mediação de conflito que possa ser aplicada indistintamente a escolas diferentes. Cada escola é uma
rede complexa de relações e de valores e, por tal, merecerá um diagnóstico específico de conflitos e um modelo próprio.
Temos algumas questões que representam eixos padrões de decisão que devem ser atendidos, ou não, no momento em
que a escola debate a instalação de um programa de mediação. Identificado o tipo de conflito que existe em cada escola,
a partir das inúmeras classificações apresentadas anteriormente, a equipe disposta a implantar o programa de mediação
de conflito escolar deverá responder a uma série de itens que definirão o tipo de programa que irão implantar. Escolhemos
dez itens para este exercício de provocação e reflexão, em grande parte adaptados daqueles apresentados por Schvarstein
(1998) e Chrispino e Chrispino (2002):
1. Caráter da Mediação de Conflito: obrigatório ou voluntário?
2. Alcance da Mediação de Conflito: Todos os conflitos ou apenas alguns conflitos?

145
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

3. Ênfase da Mediação de Conflito: No produto ou no processo?


4. Atores da Mediação de Conflito: todos os membros do universo escolar ou alguns membros do universo escolar?
5. Limites da Mediação de Conflito na Escola: sem limites de série, idade, turno, etc, ou com limites?
6. Relação da Mediação de Conflito com as Regras Disciplinares: sem relação ou com relação?
7. Relação da Mediação de Conflito com a Avaliação: sem relação ou com relação?
8. Identificação dos Mediadores de Conflito: mediação por pares ou outros mediadores?
9. Escolha dos Mediadores de Conflito: ação institucional ou escolha das partes?
10. Critérios para a Seleção dos Mediadores de Conflito: desempenho acadêmico ou “respeitabilidade” entre os pares?
À guisa de conclusão. Enquanto refletimos sobre a validade ou não de um programa de mediação de conflito, somos
visitados por alguns pensamentos que estão no imaginário educacional, tais como: não foi para isso que estudei e me
formei! Não foi para cuidar de problemas de aluno que fiz concurso público! Não sou pago para este tipo de trabalho! Isso
é trabalho de orientador educacional! Estou perto de me aposentar!

Não é nossa a proposta de contrapormo-nos a partir de cada uma dessas expressões. No exercício de controvérsia
que pregamos ao longo deste trabalho, vamos, mais uma vez, apresentar grandes ideias que contemplam o “outro lado” e
deixar que cada um reflita e decida. Afinal, podemos pensar diferentemente e isso faz parte das relações humanas. Vejamos
o que nos diz Porro (2004):

PARA O EXERCÍCIO E A FORMAÇÃO DA CIDADANIA,

A Escola como Espaço de Relações e Aprendizagem

De acordo com Gadotti, a escola é um espaço de relações. Nesse sentido cada escola é única, fruto de sua história
particular, de seu projeto e de seus agentes. Como lugar de pessoas e de relações, é também um lugar de representações
sociais. Como instituição social ela tem tanto contribuído para a manutenção quanto para a transformação social. Numa
visão transformadora ela tem um papel essencialmente crítico e criativo.
A escola não é só um lugar para estudar, mas para se encontrar, conversar, confrontar-se com o outro, discutir, fazer
política. Deve gerar insatisfação com o já dito, o já sabido, o já estabelecido. Só é harmoniosa a escola autoritária. A escola
não é só um espaço físico. É, acima de tudo, um modo de ser, de ver. Ela se define pelas relações sociais que desenvolve. E
se ela quiser sobreviver como instituição, no século 21, precisa buscar o que é específico dela numa sociedade de redes e
de movimentos que é a sociedade atual. A escola não pode mudar tudo e nem pode mudar a si mesma sozinha. Ela está
intimamente ligada à sociedade que a mantém. Ela é, ao mesmo tempo, fator e produto da sociedade. Como instituição
social, ela depende da sociedade e para mudar-se depende também da relação que mantém com outras escolas, com as
famílias, aprendendo em rede com elas, estabelecendo alianças com a sociedade, com a população.
Não somos seres determinados, mas, como seres inconclusos, inacabados e incompletos, somos seres condicionados.
O que aprendemos depende das condições de aprendizagem. Somos programados para aprender, mas o que aprendemos
depende do tipo de comunidade de aprendizagem a que pertencemos. A primeira comunidade de aprendizagem a que
pertencemos é a família, o grupo social da infância. Daí a importância desse condicionante no desenvolvimento futuro
da criança. A escola, como segunda comunidade de aprendizagem da criança, precisa levar em conta a comunidade não-
escolar dos aprendentes.
Quando os pais, mães, ou seus responsáveis, acompanham a vida escolar de seus filhos, aumentam as chances da
criança aprender. Os pais precisam também continuar aprendendo. Se qualidade de ensino é aluno aprendendo, é preciso
que ele saiba disso: é preciso “combinar” com ele, envolvê-lo como protagonista de qualquer mudança educacional. O
fracasso de muitos projetos educacionais está no fato de desconhecer a participação dos alunos. O aluno aprende quando
o professor aprende; ambos aprendem quando pesquisam. Como diz Paulo Freire em sua Pedagogia da autonomia, “não
há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino,

146
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, como “escola cidadã”, definida por ele, mais tarde, como
porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso “escola de companheirismo que vive a experiência tensa da
para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo democracia”, como expressão concreta da “escola pública
e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não popular”.
conheço e comunicar ou anunciar a novidade”. Como o demonstra José Eustáquio Romão em várias de
Vivemos hoje numa sociedade de múltiplas suas obras, a escola cidadã é o resultado de um movimento
oportunidades de aprendizagem, chamada de “sociedade crescente de renovação educacional tal como o movimento
aprendente”, na qual as consequências para a escola, para da Escola Nova no final do século XIX, um movimento
o professor e para a educação em geral, são enormes. enraizado nas experiências das gestões populares e
Torna-se fundamental aprender a pensar autonomamente, democráticas da escola, inspiradas na pedagogia freiriana.
saber comunicar-se, saber pesquisar, saber fazer, ter Caracteriza-se pelo pluralismo de instituições e de projetos
raciocínio lógico, aprender a trabalhar colaborativamente, políticopedagógicos.
fazer sínteses e elaborações teóricas, saber organizar o Paulo Freire defendeu a Escola Pública Popular como
próprio trabalho, ter disciplina, ser sujeito da construção escola autônoma, escola cidadã, mas teve dificuldades
na sua implementação, inclusive por divergências na sua
do conhecimento, estar aberto a novas aprendizagens,
equipe e porque essa não era a concepção majoritária no
conhecer as fontes de informação, saber articular o
Partido dos Trabalhadores, que havia conquistado o governo
conhecimento com a prática e com outros saberes.
municipal. Penso que o subtítulo do seu livro Pedagogia da
Nesse contexto de impregnação da informação, o
autonomia, “saberes necessários à prática educativa”, pode
professor é muito mais um mediador do conhecimento, um ser traduzido como “os saberes necessários ao educador
problematizador. O aluno precisa construir e reconstruir o para a construção da escola autônoma, da escola cidadã”.
conhecimento a partir do que faz. Para isso, o professor Porque esses saberes referem-se a uma pedagogia da
também precisa ser curioso, buscar sentido para o que faz educação, como prática da liberdade e da autonomia. Essa
e apontar novos sentidos para o quefazer dos seus alunos. ideia ele repetiu diversas vezes no Instituto Paulo Freire,
Ele deixará de ser um lecionador para ser um organizador um dos espaços onde mais ele analisou e refletiu sobre
do conhecimento e da aprendizagem. os últimos temas que o preocuparam, inclusive o tema da
Poderíamos dizer que o professor se tornou um aprendiz ecologia, com seu querido amigo Francisco Gutiérrez.
permanente, um construtor de sentidos, um cooperador, Considero que o título “pedagogia da autonomia”, é
e, sobretudo, um organizador da aprendizagem. Não há uma espécie de reflexão crítica sobre o que conseguiu e
ensino-e-aprendizagem fora da “procura, da boniteza o que não conseguiu realizar e que, no ano em que ele a
e da alegria”, dizia-nos Paulo Freire. A estética não está publicou, representava uma “reinvenção” do que ele havia
separada da ética. E elas se farão presentes quando houver feito como Secretário. Isso em nada tira a importância da
prazer e sentido no conhecimento que construímos. Por sua obra como Secretário. A repercussão reinventada do
isso, precisamos também saber o quê, por que, para que que ele fez pode ser percebida em numerosas prefeituras
estamos aprendendo. que adotaram, posteriormente, as mesmas prioridades
que a gestão dele em São Paulo adotou. Na verdade ele se
A Escola como Espaço da Cidadania e da Democracia identificava muito com essas novas experiências de gestão
que estavam retomando o que ele havia feito, sem copiá-
Ninguém nega a importância da escola para a formação lo.
da cidadania e como forma de se preparar para o trabalho. Paulo sentia-se constrangido, às vezes, quando alguns
Entretanto, muitos se perguntam para que servem esses “seguidores” repetiam mecanicamente o que havia escrito,
anos de estudo. Por isso, saber distinguir o essencial do dito ou feito. Ele era radicalmente contrário aos “repetidores
de ideias”. Sempre retomava suas ideias a partir do contexto
secundário é muito importante; saber distinguir o estrutural
onde se encontrava e, assim, nos deu exemplo de que não
do conjuntural é decisivo. E saber aonde queremos chegar
era um repetidor de suas próprias ideias. Era coerente
é crucial. Educar para quê? Com que mundo sonhamos?
com elas, sem repeti-las. Daí que, para mim, Pedagogia da
Como educar para um outro mundo possível? A escola é
autonomia representa não só seu último livro, mas um dos
consequência de um longo processo de compreensão/ livros mais importantes que ele escreveu. Sem dúvida, o
realização do que é essencial, do que é permanente, e do mais importante para a formação do professor e para o
que é transitório para que um cidadão exerça criticamente a gestor público. Em sua última mensagem ele nos chama
sua cidadania e construa um projeto de vida considerando a atenção para a importância da formação do professor
as dimensões individual e coletiva para viver bem em para a autonomia da escola. Para ele, a autonomia é uma
sociedade. conquista. Não é doação. A autonomia não distanciará as
Paulo Freire foi um defensor da escola pública que escolas de um padrão nacional de qualidade. Ao contrário,
é a escola da maioria, das periferias, dos cidadãos que quanto maior for a autonomia da escola, maior será a sua
só podem contar com ela. A escola pública do futuro, capacidade de chegar a esse padrão.
numa visão cidadã freireana, tem por objetivo oferecer O professor precisa saber muitas coisas para ensinar.
possibilidades concretas de libertação para todos. Ele Mas, o mais importante não é o que é preciso saber para
entendia a escola pública como “escola pública popular” ensinar, mas, como devemos ser para ensinar. O essencial

147
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

é não matar a criança que existe dentro de nós. Matá-la de resistência às ameaças das políticas neoliberais e, ao
seria uma forma de matar o aluno que está à nossa frente. mesmo tempo, uma esperança de construção da educação
O aluno só aprenderá quando tiver um projeto de vida e necessária para um “outro mundo possível”.
sentir prazer no que está aprendendo. O aluno quer saber, O que é educar para um outro mundo possível?
mas nem sempre quer aprender o que lhes é ensinado. Educar para um outro mundo possível é visibilizar o que
Devemos aprender com a rebeldia do aluno, que é um foi escondido para oprimir, dar voz aos que não são
sinal de sua vitalidade, um sinal de sua inteligência e de escutados; é educar para conscientizar, para desalienar,
seu desejo de apender. Ela deve ser canalizada para a para desfetichizar, para desmercantilizar a vida; é educar
criatividade social e não para a violência. para a emergência do que ainda não é, o ainda-não, a
Educar é sempre impregnar de sentido todos os atos utopia; é também educar para a ruptura, para a rebeldia,
da nossa vida cotidiana. É entender e transformar o mundo para a recusa; é fazer da educação, tanto formal, quanto
e a si mesmo. É compartilhar o mundo: compartilhar mais não-formal, um espaço de formação crítica e cidadã, e não
do que conhecimentos, ideias... compartilhar o coração. apenas de formação de mão-de-obra para o mercado; é
Numa sociedade violenta como a nossa, é preciso educar inventar novos espaços de formação alternativos ao sistema
para o entendimento. Educar é também desequilibrar, formal de educação e negar a sua forma hierarquizada
duvidar, suspeitar, lutar, tomar partido, estar presente no numa estrutura de mando e subordinação; é educar para
mundo. Educar é posicionar-se, não se omitir. mudar radicalmente nossa maneira de produzir e de
Educar é reproduzir ou transformar, repetir servilmente reproduzir nossa existência no planeta, portanto, é uma
aquilo que foi, optar pela segurança do conformismo, educação para a sustentabilidade.
pela fidelidade à tradição, ou, ao contrário, fazer frente à Paulo Freire deixou marcas profundas em muita gente,
ordem estabelecida e correr o risco da aventura; querer enquanto pessoas humanas e enquanto profissionais.
que o passado configure todo o futuro ou partir dele para Não apenas pelas suas ideias, mas, sobretudo, pelo seu
construir outra coisa. Por tudo isso, ser professor é um compromisso ético-político. Foi assim que, em Los Angeles,
privilégio. Não podemos imaginar um futuro sem ele. Um no dia 12 de abril de 1991, numa reunião com educadores
dos primeiros saberes da prática educativo crítica, segundo e amigos, entre eles Carlos Alberto Torres, Paulo Freire
Paulo Freire:
ficou entusiasmado com a ideia da criação de um instituto,
já sugerida no Brasil por José Eustáquio Romão e Walter
É o saber do futuro como um problema e não como
Esteves Garcia e, mais tarde, secundada por Francisco
inexorabilidade. É o saber da História como possibilidade
Gutiérrez. Seu desejo era encontrar uma forma de reunir
e não como determinação. O mundo não é. O mundo está
pessoas e instituições do mundo todo que, movidas pela
sendo».
mesma utopia de uma educação como prática da liberdade,
pudessem refletir, trocar experiências, desenvolver práticas
Um Outro Mundo é Possível
pedagógicas nas diferentes áreas do conhecimento que
Não se pode entender o pensamento pedagógico contribuíssem para a construção de um mundo com mais
de Paulo Freire descolado de um projeto social e político. justiça social e solidariedade. Assim surgiu o Instituto Paulo
Por isso, não se pode “ser freireano” apenas cultivando Freire (IPF).
suas ideias. Isso exige, sobretudo, comprometer-se com a Hoje, Paulo Freire já não está entre nós, ou melhor,
construção de um “outro mundo possível”. Sua “pedagogia está em todos os nós da rede que teceu. O IPF está hoje
sem fronteiras” é um convite para transformar o mundo. presente em mais de vinte países, buscando manter viva
Esta afirmação de Paulo Freire tem tudo a ver com o lema a sua luta, continuando e reinventado Freire. Não se pode
do Fórum Social Mundial: “um outro mundo é possível”. É continuar Freire sem reinventá-lo. Para esta tarefa não
para construir esse outro mundo possível que Paulo Freire designou uma ou outra pessoa ou instituição. Esta tarefa
propôs a sua “pedagogia da luta”, expressão que define a ele a deixou a todos nós, a todas e a todos os que estão
essência de sua obra segundo Carlos Alberto Torres. É para comprometidos com a causa dos oprimidos.
isso que ensinamos e aprendemos: colocamos nosso saber Para nós, do IPF, Paulo Freire continua sendo, no século
à disposição de uma causa. O Fórum Social Mundial (FSM) 21, a grande referência de uma educação como prática da
não teria sido criado no Brasil, em 2001, sem a trajetória de liberdade. Ele pode ser comparado a muitos educadores do
mais de meio século de lutas do movimento da educação século XX, mas nenhum, melhor do que ele, formulou uma
popular, do qual Paulo Freire é um dos grandes inspiradores. pedagogia dos silenciados e da responsabilidade social, ao
Dentre os inúmeros fóruns gerados a partir do FSM, mesmo tempo dos oprimidos, dando-lhes voz, e daqueles
destaca-se, sem dúvida, o Fórum Mundial de Educação. que não são oprimidos, mas estão comprometidos com
Contra a ofensiva neoliberal, crescente no neste século, eles e com eles lutam. Colocar Paulo Freire no passado é
também no campo da educação, o Fórum Mundial de não querer mexer na cultura opressiva de hoje.
Educação aprovou, em sua quinta edição, realizada
em Nairóbi (Quênia), no final de janeiro de 2007, uma Fonte:
Plataforma Mundial em defesa do direito à educação pública GADOTTI, M. Reinventando Paulo Freire na Escola do
e contra a mercantilização da educação. Nesse contexto, Século XXI
o Fórum Mundial de Educação representa uma força real

148
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

DIFUSÃO E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO. de outras formas de conhecimento. Ou seja, vemos o


conhecimento escolar como um tipo de conhecimento
Esclarecendo o que entendemos por conhecimento produzido pelo sistema escolar e pelo contexto social e
escolar econômico mais amplo, produção essa que se dá em meio
a relações de poder estabelecidas no aparelho escolar e
Que devemos entender por conhecimento escolar? entre esse aparelho e a sociedade. O currículo, nessa
Reiteramos que ele é um dos elementos centrais do perspectiva, constitui um dispositivo em que se concentram
currículo e que sua aprendizagem constitui condição as relações entre a sociedade e a escola, entre os saberes
indispensável para que os conhecimentos socialmente e as práticas socialmente construídos e os conhecimentos
produzidos possam ser apreendidos, criticados e escolares. Podemos dizer que os primeiros constituem as
reconstruídos por todos/as os/as estudantes do país. Daí origens dos segundos.
a necessidade de um ensino ativo e efetivo, com um/a
professor/a comprometido(a), que conheça bem, escolha, Em outras palavras, os conhecimentos escolares provêm
organize e trabalhe os conhecimentos a serem aprendidos de saberes e conhecimentos socialmente produzidos nos
pelos(as) alunos(as). Daí a importância de selecionarmos, chamados “âmbitos de referência dos currículos”. Que são
para inclusão no currículo, conhecimentos relevantes e esses âmbitos de referência? Podemos considerá-los como
significativos. Mas, para que nossos pontos de vista sejam correspondendo:
bem compreendidos, é preciso esclarecer o que estamos
considerando como qualidade e relevância na educação (a) às instituições produtoras do conhecimento
e no currículo. A nosso ver, uma educação de qualidade científico (universidades e centros de pesquisa);
deve propiciar ao(à) estudante ir além dos referentes (b) ao mundo do trabalho;
presentes em seu mundo cotidiano, assumindo-o e (c) aos desenvolvimentos tecnológicos;
ampliando-o, transformando-se, assim, em um sujeito (d) às atividades desportivas e corporais;
ativo na mudança de seu contexto. Que se faz necessário (e) à produção artística;
para que esse movimento ocorra? A nosso ver, são (f) ao campo da saúde;
indispensáveis conhecimentos escolares que facilitem (g) às formas diversas de exercício da cidadania;
(h) aos movimentos sociais.
ao(à) aluno(a) uma compreensão acurada da realidade em
que está inserido, que possibilitem uma ação consciente e
Nesses espaços, produzem-se os diferentes saberes
segura no mundo imediato e que, além disso, promovam
dos quais derivam os conhecimentos escolares. Os
a ampliação de seu universo cultural. Entendemos
conhecimentos oriundos desses diferentes âmbitos são,
relevância, então, como o potencial que o currículo possui
então, selecionados e “preparados” para constituir o
de tornar as pessoas capazes de compreender o papel que
currículo formal, para constituir o conhecimento escolar
devem ter na mudança de seus contextos imediatos e da
que se ensina e se aprende nas salas de aula. Ressalte-se
sociedade em geral, bem como de ajudá-las a adquirir os
que, além desses espaços, a própria escola constitui local
conhecimentos e as habilidades necessárias para que isso em que determinados saberes são também elaborados,
aconteça. Relevância sugere conhecimentos e experiências ensinados e aprendidos. Exemplifique-se com a gramática
que contribuam para formar sujeitos autônomos, críticos escolar, historicamente criada pela própria escola, na escola
e criativos que analisem como as coisas passaram a ser o e para a escola. Que importância tem para nós, professores
que são e como fazer para que elas sejam diferentes do e gestores, compreender o que se chama de conhecimento
que hoje são. Que implicações esses pontos de vistas têm escolar? De que modo conhecer essa noção modifica
para a prática curricular? Julgamos que uma educação nossa prática? Cientificamo-nos de que os conhecimentos
de qualidade, como a que defendemos, requer a seleção ensinados na escola não são cópias exatas de conhecimentos
de conhecimentos relevantes, que incentivem mudanças socialmente construídos. Assim, não há como inserir, nas
individuais e sociais, assim como formas de organização salas de aula e nas escolas, os saberes e as práticas tal como
e de distribuição dos conhecimentos escolares que funcionam em seus contextos de origem. Para se tornarem
possibilitem sua apreensão e sua crítica. Tais processos conhecimentos escolares, os conhecimentos de referência
necessariamente implicam o diálogo com os saberes sofrem uma descontextualização e, a seguir, um processo
disciplinares assim como com outros saberes socialmente de recontextualização.
produzidos. Referimo-nos a conhecimentos escolares
relevantes e significativos. Mas talvez não tenhamos, até A atividade escolar, portanto, supõe uma certa
o momento, esclarecido suficientemente o que estamos ruptura com as atividades próprias dos campos de
denominando de conhecimento escolar. Que aspectos o referência. Essa constatação certamente afeta o trabalho
caracterizam? Quem o constrói? Onde? Inicialmente, cabe pedagógico. Como? Cientes das transformações por que
ressaltar que concebemos o conhecimento escolar como passam os conhecimentos de referência até se tornarem
uma construção específica da esfera educativa, não como conhecimentos escolares, não iremos mais supor que a
uma mera simplificação de conhecimentos produzidos escola possa ser organizada, para o ensino de Ciências,
fora da escola. Consideramos, ainda, que o conhecimento por exemplo, como um pequeno laboratório, similar aos
escolar tem características próprias que o distinguem que existem em outros locais. A investigação científica, tal

149
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

como se desenvolve em um laboratório de pesquisas, é oportuno, então, que buscássemos, na escola, verificar se
bem distinta da sequência de passos estipulados em um e como tais questões se expressam nos livros didáticos
manual didático de experiências científicas escolares. Outro com que trabalhamos? Como, tendo em vista o que vimos
exemplo pode ser encontrado no campo das atividades apresentando, poderíamos pensar em novas estratégias
desportivas. A prática do desporto apresenta, em locais de crítica e de utilização dos livros? Como poderíamos
de treinamento de atletas profissionais, características preencher algumas das “lacunas” neles observadas?
bem diferenciadas das experiências oferecidas ao(à) Não seria pertinente procurarmos complementar os
estudante nas aulas de Educação Física. Torna-se sem conhecimentos incluídos nos livros com informações e
sentido, portanto, qualquer tentativa de transformar tais discussões referentes aos processos de construção dos
aulas em momentos de preparação de futuros atletas. Os conhecimentos de referência, tais como ocorrem em outros
dois exemplos citados permitem-nos perceber como a espaços sociais? Que interesses, conflitos e disputas os
concepção de conhecimento escolar que propomos pode têm marcado? Como podemos nos informar melhor sobre
influir na seleção e na organização das experiências de tais processos? A quem podemos recorrer? Julgamos que
aprendizagem a serem vividas por estudantes e docentes. Em o debate dessas e de outras questões similares pode, na
síntese, a visão de conhecimento escolar por nós adotada, escola, estimular novas e criativas formas de se trabalhar
bem como o reconhecimento de que devemos trabalhar tanto o livro didático quanto outros materiais e outras
com conhecimentos significativos e relevantes, terão fontes que nos auxiliam no complexo processo de favorecer
certamente efeitos no processo de elaboração do projeto a aprendizagem de nossos(as) estudantes. Em segundo
político-pedagógico da escola. Mas em que consistem lugar, ressaltamos a subordinação dos conhecimentos
os mencionados processos de descontextualização e escolares ao que conhecemos sobre o desenvolvimento
recontextualização do conhecimento escolar? Que processos humano. Ou seja, os conhecimentos escolares costumam
são empregados na “fabricação” dos conhecimentos ser selecionados e organizados com base nos ritmos e nas
escolares? Mencionaremos alguns deles, apoiando-nos em sequências propostas pela psicologia do desenvolvimento.
Terigi. Em primeiro lugar, destacamos a descontextualização É bastante comum, em nossas salas de aula, o esforço
dos saberes e das práticas, que costuma fazer com que do(a) professor(a) por escolher atividades e conteúdos que
o conhecimento escolar dê a impressão de “pronto”, se mostrem adequados à etapa do desenvolvimento em
“acabado”, impermeável a críticas e discussões. O processo que supostamente se encontra o(a) aluno(a). Em muitos
de produção, com todos os seus conflitos e interesses, casos, a consequência é ignorarmos o quanto muitos(as)
tende a ser omitido. Qual a consequência dessa omissão?
de nossos(as) estudantes conseguem “queimar etapas” e
O estudante acaba aprendendo simplesmente o produto, o
aprender, de modo que nos surpreende, conhecimentos
resultado de um longo trajeto, cuja complexidade também
que julgávamos acima de seu alcance. Para o adolescente
se perde. Ao observarmos com cuidado os livros didáticos,
familiarizado com as inúmeras possibilidades oferecidas
podemos verificar que eles não costumam incluir, entre os
pela internet, o acesso a informações e saberes se faz,
conteúdos selecionados, os debates, as discordâncias, os
frequentemente, de modo não linear e não gradativo. Será
processos de revisão e de questionamento que marcam os
que, na escola, estamos sabendo tirar suficiente proveito
conhecimentos e os saberes em muitos de seus contextos
das vantagens resultantes do uso de novas tecnologias?
originais. Dificilmente encontramos, em programas e em
materiais didáticos, menções às disputas que se travam, por Como poderíamos aproveitá-las melhor?
exemplo, no avanço do próprio conhecimento científico.
Em terceiro lugar, os conhecimentos escolares tendem
Devemos avaliar o processo de descontextualização a se submeter aos ritmos e às rotinas que permitem sua
que vimos discutindo como totalmente nocivo ao processo avaliação. Ou seja, tendemos a ensinar conhecimentos que
curricular? A nosso ver, certo grau de descontextualização possam ser, de algum modo, avaliados. Mas, é claro, nem
se faz necessário no ensino, já que os saberes e as práticas todos os conteúdos são avaliados da mesma forma. Os que
produzidos nos âmbitos de referência do currículo historicamente têm sido vistos como os mais “importantes”
não podem ser ensinados tal como funcionam em seu costumam ser avaliados segundo padrões vistos como
contexto de origem. Todavia, precisamos estar atentos mais “rigorosos”, ainda que não se problematize quem
para o risco de perda de sentido dos conhecimentos, ganha e quem perde com essa “hierarquia”. Chega- se
possível de acontecer se trabalharmos com uma forte mesmo a aceitar, sem questionamentos, que as vozes de
descontextualização. Conhecimentos totalmente docentes de determinadas disciplinas sejam ouvidas, nos
descontextualizados, aparentemente “puros”, perdem Conselhos de Classe, com mais intensidade que as de
suas inevitáveis conexões com o mundo social em que docentes de disciplinas em que o processo de avaliação
são construídos e funcionam. Conhecimentos totalmente não se centra em provas ou testes escritos. Em quarto lugar,
descontextualizados não permitem que se evidencie o processo de construção do conhecimento escolar sofre,
como os saberes e as práticas envolvem, necessariamente, inegavelmente, efeitos de relações de poder. Recorrendo
questões de identidade social, interesses, relações de mais uma vez ao Conselho de Classe: a “hierarquia” que
poder e conflitos interpessoais. Conhecimentos totalmente se encontra no currículo, com base na qual se valorizam
descontextualizados desfavorecem, assim, um ensino mais diferentemente os conhecimentos escolares e se “justifica”
reflexivo e uma aprendizagem mais significativa. Não seria a prioridade concedida à matemática em detrimento da

150
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

língua estrangeira ou da geografia, deriva, certamente, ser mesmo considerado um traidor? Em 1964 houve uma
de relações de poder. Nessa hierarquia, se supervalorizam revolução ou um golpe? Esses e outros inúmeros pontos
as chamadas disciplinas científicas, secundarizando-se os controversos de nossa História são discutidos por docentes
saberes referentes às artes e ao corpo. Nessa hierarquia, e alunos(as), o que faz brotar uma análise bem mais lúcida
separam-se a razão da emoção, a teoria da prática, o dos diferentes e conflitantes motivos implicados nos fatos
conhecimento da cultura. Nessa hierarquia, legitimam- históricos, antes vistos como “objetivos” e tratados com
se saberes socialmente reconhecidos e estigmatizam-se base em uma única versão, aceita sem questionamento.
saberes populares. Nessa hierarquia, silenciam-se as vozes
de muitos indivíduos e grupos sociais e classificam-se A consequência é que a análise se amplia e se
seus saberes como indignos de entrarem na sala de aula enriquece pelo confronto de pontos de vista. Além dessa
e de serem ensinados e aprendidos. Nessa hierarquia, ampliação da análise, muitos docentes têm também
reforçam-se relações de poder favoráveis à manutenção procurado incluir no currículo outras Histórias: a das
das desigualdades e das diferenças que caracterizam mulheres, a dos povos indígenas, a dos negros, por
nossa estrutura social. De que modo a compreensão dos exemplo. Tais inclusões preenchem algumas das lacunas
processos de construção do conhecimento escolar é útil mais encontradas nas propostas curriculares oficiais,
ao(à) professor(a)? Se o(a) professor(a) entende como o trazendo à cena vozes e culturas negadas e silenciadas no
conhecimento escolar se produz, saberá melhor distinguir currículo. Segundo Torres Santomé, as culturas ou vozes
em que momento os mecanismos implicados nessa dos grupos sociais minoritários e/ ou marginalizados
produção estão favorecendo ou atravancando o trabalho que não dispõem de estruturas de poder costumam
docente. Em outras palavras, a compreensão do processo ser excluídas das salas de aula, chegando mesmo a ser
de construção do conhecimento escolar facilita ao professor deformadas ou estereotipadas, para que se dificultem (ou
uma maior compreensão do próprio processo pedagógico, de fato se anulem) suas possibilidades de reação, de luta
o que pode estimular novas abordagens, na tentativa e de afirmação de direitos. Cabe evitar atribuir qualquer
tanto de bem selecionar e organizar os conhecimentos caráter exótico às manifestações culturais de grupos
quanto de conferir uma orientação cultural ao currículo. minoritários. Ademais, sua presença no currículo não deve
Vejamos, então, como abordar, nas decisões curriculares, assumir o tom fortuito, “turístico”, tão criticado por Torres
a diversidade cultural que marca nossa sociedade. ... O Santomé. É preciso que os estudos desenvolvidos venham
processo de construção do conhecimento escolar sofre, a catalisar, junto aos membros das culturas negadas e
inegavelmente, efeitos de relações de poder. silenciadas, a formação de uma auto-imagem positiva.
Para esse mesmo propósito, pode ser útil a discussão, em
O currículo com um espaço em que se reescreve o diferentes disciplinas, dos rumos de diferentes movimentos
conhecimento escolar sociais (negros, mulheres, indígenas, homossexuais), para
que se compreendam e se acentuem avanços, dificuldades
Sugerimos que se procure, no currículo, reescrever e desafios. Líderes desses grupos podem ser convidados
o conhecimento escolar usual, tendo-se em mente as a participar das atividades. Exposições e cartazes podem
diferentes raízes étnicas e os diferentes pontos de vista ilustrar trajetórias e conquistas. Cabe esclarecer que não
envolvidos em sua produção. No processo de construção estamos argumentando a favor do efeito Robin Hood,
do conhecimento escolar, que já abordamos, se “retiram” segundo o qual se tira de um para dar ao outro, ou seja, não
os interesses e os objetivos usualmente envolvidos na estamos recomendando que simplesmente se substitua
pesquisa e na produção do conhecimento de origem. O um conhecimento por outro. O que estamos sugerindo é
conhecimento escolar tende a ficar, em decorrência desse que se explorem e se confrontem perspectivas, enfoques e
processo, “asséptico”, “neutro”, despido de qualquer “cor” intenções, para que possam vir à tona propósitos, escolhas,
ou “sabor”. O que estamos desejando, em vez disso, é que disputas, relações de poder, repressões, silenciamentos,
os interesses ocultados sejam identificados, evidenciados exclusões. O trabalho com notícias difundidas pela mídia,
e subvertidos, para que possamos, então, reescrever os frequentemente derivadas de leituras distintas e até mesmo
conhecimentos. Desejamos que o aluno perceba o quanto, contraditórias dos fatos, assim como com músicas, vídeos e
em Geografia, os conhecimentos referentes aos diversos outras produções culturais, permite ilustrar com clareza os
continentes foram construídos em íntima associação confrontos que pretendemos ver explicitados. Examinando
com o interesse, de certos países, em aumentar suas diferentes interpretações, os(as) alunos(as) poderão melhor
riquezas pela conquista e colonização de outros povos. perceber, por exemplo, os objetivos e os jogos, por vezes
Em conformidade com essa proposta, encontram-se já escusos, implicados em muitas medidas de nossos políticos
numerosos(as) professores(as) de História que não mais e governantes. Certamente a análise atenta e a discussão
se contentam em ensinar aos(às) estudantes apenas a crítica de notícias referentes à decisão de invadir o Iraque,
visão do dominante, do vencedor. Já se fazem frequentes, tomada pelo presidente George Bush, após os ataques
em suas aulas na escola fundamental, discussões como: terroristas de 11 de setembro de 2001, poderão ajudar o(a)
o Brasil foi descoberto ou invadido pelos portugueses? A aluno(a) a contrapor à versão oficial norte-americana uma
Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, pretendeu de fato outra versão dos acontecimentos em pauta.
beneficiar os escravos? Domingos Fernandes Calabar deve

151
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

A leitura crítica de jornais permite também verificar de cruzamento de culturas e saberes. A escola deve ser
como, na França, se tenta impedir que meninas muçulmanas concebida como um espaço ecológico de cruzamento de
frequentem as salas de aula usando seus véus. A justificativa culturas. A responsabilidade específica que a distingue de
é que as escolas francesas são seculares e que os símbolos outros espaços de socialização e lhe confere identidade
religiosos, portanto, devem ser banidos de suas práticas. e relativa autonomia é exatamente a possibilidade de
Proibições similares têm ocorrido também na Alemanha, promover análises e interações das influências plurais
vetando-se às professoras o uso do véu. O que não se que as diferentes culturas exercem, de forma permanente,
divulga é como tal medida acaba por solapar importante sobre as novas gerações.
elemento da identidade dessas jovens, desrespeitando
o direito à diferença que deve pautar toda sociedade O responsável definitivo da natureza, do sentido e da
que se quer democrática, plural e inclusiva. Ou seja, a consistência do que os alunos e as alunas aprendem em
compreensão dos diferentes pontos de vista envolvidos na sua vida escolar é este vivo, fluido e complexo cruzamento
contenda permite que o(a) aluno(a) desconstrua o olhar do de culturas que se produz na escola, entre as propostas da
poder hegemônico e infira que outros olhares descortinam cultura crítica, alojada nas disciplinas científicas, artísticas
e filosóficas; as determinações da cultura acadêmica,
outros ângulos, outras razões, outros interesses. Leva-o(a) a
refletidas nas definições que constituem o currículo;
compreender melhor alguns dos elementos que promovem
os influxos da cultura social, constituída pelos valores
a persistência, no mundo de hoje, do ódio, da violência,
hegemônicos do cenário social; as pressões do cotidiano
do racismo, da xenofobia, do fundamentalismo. Não será
da cultura institucional, presente nos papéis, nas normas,
indispensável que a escola procure denunciar e colocar em nas rotinas e nos ritos próprios da escola como instituição
xeque essa persistência? Professores dos primeiros anos do específica; e as características da cultura experiencial,
ensino fundamental podem também estimular o(a) aluno(a) adquirida individualmente pelo aluno através da experiência
a reescrever conhecimentos, saberes, mitos, costumes, nos intercâmbios espontâneos com seu meio.
lendas, contos. Inúmeras histórias infantis, por exemplo, Conceber a dinâmica escolar nesse enfoque supõe
têm sido reescritas com base no emprego de pontos de repensar seus diferentes componentes e romper com
vista distintos dos usuais. O caso dos Três Porquinhos pode a tendência homogeneizadora e padronizadora que
surpreender se a figura do Lobo representar o especulador impregna suas práticas. Para Moreira e Candau, a escola
imobiliário que tão bem conhecemos. sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a
diferença. Tende a silenciá-las e neutralizá-las. Sente-se
As atitudes da Cigarra e da Formiga podem ser mais confortável com a homogeneização e a padronização.
reavaliadas, tendo-se em mente a forma como se No entanto, abrir espaços para a diversidade, a diferença e
concebem e se organizam trabalho e lazer na sociedade para o cruzamento de culturas constitui o grande desafio
contemporânea. O desfecho do passeio de Chapeuzinho que está chamada a enfrentar.
Vermelho à casa da avó pode ser outro, caso imaginemos
novos perfis e novas relações para os personagens da
história. Ou seja, de novos patamares podemos perceber A escola precisa, assim, acolher, criticar e colocar em
novos horizontes, novas trajetórias, novas possibilidades. contato diferentes saberes, diferentes manifestações
O que estamos sugerindo é que nos situemos, na prática culturais e diferentes óticas. A contemporaneidade
pedagógica culturalmente orientada, além da visão das requer culturas que se misturem e ressoem mutuamente,
culturas como inter-relacionadas, como mutuamente que convivam e se modifiquem. Que se modifiquem
geradas e influenciadas, e procuremos facilitar a modificando outras culturas pela convivência ressonante.
compreensão do mundo pelo olhar do subalternizado. Ou seja, um processo contínuo, que não pare nunca, por não
No currículo, trata-se de desestabilizar o modo como o se limitar a um dar ou receber, mas por ser contaminação,
ressonância.
outro é mobilizado e representado. “O olhar do poder, suas
normas e pressupostos, precisa ser desconstruído”. Ou seja,
Fonte
trata-se de desafiar a ótica do dominante e de promover o
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/
atrito de diferentes abordagens, diferentes obras literárias,
indag3.pdf
diferentes interpretações de eventos históricos, para que
se favoreça ao(à) aluno(a) entender como o conhecimento
socialmente valorizado tem sido escrito de uma dada forma
e como pode, então, ser reescrito. Não se espera, cabe
reiterar, substituir um conhecimento por outro, mas sim
propiciar aos(às) estudantes a compreensão das relações
de poder envolvidas na hierarquização das manifestações
culturais e dos saberes, assim como nas diversas imagens
e leituras que resultam quando certos olhares são
privilegiados em detrimento de outros. Nessa perspectiva,
é importante que consideremos a escola como um espaço

152
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

“Naquele momento, o Golpe Militar de 1964 já


ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DIDÁTICO: implantava a repressão, impedindo rapidamente que um
PLANEJAMENTO, ESTRATÉGIAS E trabalho mais crítico e reflexivo, no qual as relações entre
educação e sociedade pudessem ser problematizadas, fosse
METODOLOGIAS, AVALIAÇÃO; AVALIAÇÃO
vivenciadas pelos educadores, criando, assim, um “terreno”
COMO PROCESSO CONTÍNUO, INVESTIGATIVO propício para o avanço daquela que foi denominada
E INCLUSIVO; A DIDÁTICA COMO “tendência tecnicista” da educação escolar. ”
FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO DO FAZER Mas não se pode pensar que o regime político era o
DOCENTE. único fator que influenciava no pensamento com relação à
elaboração dos planos de aulas; as teorias da administração
também refletiam no ato de planejar do professor, uma vez
que essas teorias traziam conceitos que iriam auxiliar na
PLANEJAMENTO, ESTRATÉGIAS E METODOLOGIAS, definição do tipo de organização educacional que seria
AVALIAÇÃO; adotado por uma determinada instituição.
No início da história da humanidade, o planejamento era
“O planejar é uma realidade que acompanhou a utilizado sem que as pessoas percebessem sua importância,
trajetória histórica da humanidade. O homem sempre porém com a evolução da vida humana, principalmente no
sonhou, pensou e imaginou algo na sua vida”. setor industrial e comercial, houve a necessidade adaptá-lo
Segundo Moretto, percebe-se que o planejamento é para os diversos setores. Nas escolas ele também era muito
fundamental na vida do homem, porém no contexto escolar utilizado; a princípio, o planejamento era uma maneira de
ele não tem tanta importância assim: “o planejamento no controlar a ação dos professores de modo a não interferir
contexto escolar não parece ter a importância que deveria no regime político da época. Hoje o planejamento já não
ter”. Este fato acontece porque o planejamento só passou tem a função reguladora dentro das escolas, ele serve
a ser bem definido a partir do século passado, com a como uma ferramenta importantíssima para organizar e
revolução comunista que construiu a União Soviética.
subsidiar o trabalho do professor, assunto este que será
No mundo capitalista, segundo Gandin (2008), o
abordado mais detalhadamente nos próximos capítulos
planejamento passa a ser utilizado pelo governo, após a
desta pesquisa.
segunda guerra mundial, para a resolução de questões
mais complexas. A adoção do planejamento pelo governo
Planejamento, Plano (s), Projeto (s) – Compreensão
teve uma adesão tão grande que as outras instituições
Necessária
se sentiram motivadas e passaram a se preocupar com a
importância do planejamento, uma vez que ele visava a
suprir as necessidades de um comércio em ascensão que “Hoje vivemos a segunda grande onda do planejamento.
exigia uma nova organização. Com isso pode-se dizer que A primeira entra em crise na década de 70. A década de
foi a partir desta época que o planejamento se universalizou. 80, embora, na prática, se apresente como uma grande
Na educação esta realidade também não poderia resistência ao planejamento, contém os mais efetivos anos
ter sido diferente, uma vez que, segundo Kuenzer “o em termos da compreensão da necessidade, do estudo, do
planejamento de educação também é estabelecido a partir esclarecimento e da confirmação desta ferramenta. ”.
das regras e relações da produção capitalista, herdando, A citação demonstra a dimensão da necessidade de se
portanto, as formas, os fins, as capacidades e os domínios compreender a importância do ato de planejar, não apenas
do capitalismo monopolista do Estado. ” no nosso dia-a-dia, mas principalmente, no dia-a-dia de
Aqui no Brasil, Padilha explica que “Durante o regime sala de aula.
autoritário (1964-1985), eles foram utilizados com um Para Moretto (2007), planejar é organizar ações. Essa
sentido autocrático. Toda decisão política era centralizada é uma definição simples, mas que mostra uma dimensão
e justificada tecnicamente por tecnocratas à sombra do da importância do ato de planejar, uma vez que o
poder. ” Kuenzer complementa a citação acima explicando planejamento deve existir para facilitar o trabalho tanto do
que “A ideologia do Planejamento então oferecida a professor como do aluno.
todos, no entanto, escondia essas determinações político- O planejamento deve ser uma organização das ideias
econômicas mais abrangentes e decididas em restritos e informações.
centros de poder. ” Gandin (2008) sugere que se pense no planejamento
O regime autoritário fez com que muitos educadores como uma ferramenta para dar eficiência à ação humana,
criassem uma resistência com relação à elaboração de ou seja, deve ser utilizado para a organização na tomada
planos, uma vez que esses planos eram supervisionados de decisões e para melhor entender isto precisa-se
ou elaborados por técnicos que delimitavam o que compreender alguns conceitos, tais como: planejar,
professor deveria ensinar, priorizando as necessidades do planejamento e planos que segundo Menegolla & Sant’Anna
regime político. “Num regime político de contenção, o (2001) “são palavras sofisticadamente pedagógicas e que
planejamento passa a ser bandeira altamente eficaz para “rolam” de boca em boca, no dia-a-dia da vida escolar. ”
o controle e ordenamento de todo o sistema educativo”. Porém, para Padilha (2003, p. 29), estes termos têm sido
Apesar de se ter claro a importância do planejamento compreendidos de muitas maneiras. Dentre elas destaca-
na formação, Fusari (2008) explica que: se:

153
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

- Planejamento: Professor x Plano de Aula: Inimigos Ou Aliados?


“É um instrumento direcional de todo o processo
educacional, pois estabelece e determina as grandes “A educação, a escola e o ensino são os grandes meios
urgências, indica as prioridades básicas, ordena e determina que o homem busca para poder realizar o seu projeto de
todos os recursos e meios necessários para a consecução vida. Portanto, cabe à escola e aos professores o dever de
de grandes finalidades, metas e objetivos da educação. ” planejar a sua ação educativa para construir o seu bem
- Plano Nacional de Educação: viver.
“Nele se reflete a política educacional de um povo, A citação acima deixa clara a importância tanto da
num determinado momento histórico do país. É o de maior escola como dos professores na formação humana; por
abrangência porque interfere nos planejamentos feitos no este motivo todas as ações educativas devem ter como
nível nacional, estadual e municipal. ” perspectiva a construção de uma sociedade consciente
- Plano de Curso: de seus direitos e obrigações, sejam eles individuais ou
“O plano de curso é a sistematização da proposta geral coletivos.
de trabalho do professor naquela determinada disciplina Infelizmente, apesar do planejamento da ação educativa
ou área de estudo, numa dada realidade. Pode ser anual ou ser de suma importância, existem professores que são
semestral, dependendo da modalidade em que a disciplina negligentes na sua prática educativa, improvisando suas
é oferecida. ” atividades. Em consequência, não conseguem alcançar os
- Plano de Aula: objetivos quanto à formação do cidadão.
“É a sequência de tudo o que vai ser desenvolvido “A ausência de um processo de planejamento de ensino
em um dia letivo. (...) é a sistematização de todas as nas escolas, aliado às demais dificuldades enfrentadas
atividades que se desenvolvem no período de tempo em pelos docentes do seu trabalho, tem levado a uma contínua
que o professor e o aluno interagem, numa dinâmica de improvisação pedagógica das aulas. Em outras palavras,
ensinoaprendizagem. ” aquilo que deveria ser uma prática eventual acaba sendo
- Plano de Ensino: uma “regra”, prejudicando, assim, a aprendizagem dos
“É a previsão dos objetivos e tarefas do trabalho alunos e o próprio trabalho escolar como um todo. ”
docente para um ano ou um semestre; é um documento Para Moretto (2007) “Há, ainda, quem pense que sua
mais elaborado, no qual aparecem objetivos específicos, experiência como professor seja suficiente para ministrar
conteúdos e desenvolvimento metodológico. ” suas aulas com competência. ” Professores com este tipo de
- Projeto Político Pedagógico: pensamento desconhecem a função do planejamento bem
“É o planejamento geral que envolve o processo de como sua importância. Simplesmente estão preocupados
reflexão, de decisões sobre a organização, o funcionamento em ministrar conteúdos, desconsiderando a realidade e a
e a proposta pedagógica da instituição. É um processo de herança cultural existente em cada comunidade escolar
organização e coordenação da ação dos professores. Ele bem como suas necessidades.
articula a atividade escolar e o contexto social da escola. É Outro aspecto que vem influenciando o ato de planejar
o planejamento que define os fins do trabalho pedagógico. dos professores são os materiais didáticos ou as instruções
” metodológicas para os professores que acompanham estes
Os conceitos apresentados têm por objetivo mostrar materiais. Na presente pesquisa não se pretende discutir
para o professor a importância, a funcionalidade e se eles são bons ou ruins e sim a forma com a qual estão
principalmente a relação íntima existente entre essas sendo utilizados pelos professores. O que acontece é que o
tipologias. Segundo Fusari (2008), “Apesar de os educadores professor faz um apanhado geral dos conteúdos dispostos
no material e confronta com o tempo que tem disponível
em geral utilizarem, no cotidiano do trabalho, os termos
para ensinar esses conteúdos aos alunos e a partir desses
“planejamento” e “plano” como sinônimos, estes não o
dados divide-os atribuindo a este ato erroneamente o
são. ” Outro aspecto importante, segundo Schmitz (2000) é
nome de plano de aula.
que “as denominações variam muito. Basta que fique claro
“Muitas vezes os professores trocam o que seria
o que se entende por cada um desses planos e como se
o seu planejamento pela escolha de um livro didático.
caracterizam. ” O que se faz necessário é estar consciente
Infelizmente, quando isso acontece, na maioria das
que:
vezes, esses professores acabam se tornando simples
“Qualquer atividade, para ter sucesso, necessita ser
administradores do livro escolhido. Deixam de planejar seu
planejada. O planejamento é uma espécie de garantia dos
trabalho a partir da realidade de seus alunos para seguir o
resultados. E sendo a educação, especialmente a educação
que o autor do livro considerou como mais indicado”.
escolar, uma atividade sistemática, uma organização da Outra situação muito comum em relação à elaboração
situação de aprendizagem, ela necessita evidentemente do plano de aula é que “em muitos casos, os professores
de planejamento muito sério. Não se pode improvisar a copiam ou fazem cópia do plano do ano anterior e o
educação, seja ela qual for o seu nível. ” entregam a secretaria da escola, com a sensação de mais
uma atividade burocrática”.

154
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Luckesi (2001) afirma que o ato de planejar, em nosso Partindo do princípio de que o professor deve ensinar
país, principalmente na educação, tem sido considerada os conteúdos e também formar o aluno para que ele se
como uma atividade sem significado, ou seja, os professores torne atuante na sociedade, ele deve organizar seu plano
estão muito preocupados com os roteiros bem elaborados de aula de modo que o aluno possa perceber a importância
e esquecem do aperfeiçoamento do ato político do do que está sendo ensinado, seja num contexto histórico,
planejamento. para o seu dia-a-dia ou para seu futuro.
Os professores precisam quebrar o paradigma de que É claro que integrar estes dois aspectos, senso comum
o planejamento é um ato simplesmente técnico e passar a e consciência filosófica, nem sempre é tão fácil. Para que
se questionarem sobre o tipo de cidadão que pretendem isso aconteça faz-se necessário muito empenho por parte
formar, analisando a sociedade na qual ele está inserido, do professor.
bem como suas necessidades para se tornar atuante nesta “(...) um mínimo de intimidade com a realidade concreta
sociedade. Para Luckesi (2001): das escolas é necessário à formação do educador. Sem isso,
“O planejamento não será nem exclusivamente abre-se a possibilidade de improvisação ou, o que é pior,
um ato político-filosófico, nem exclusivamente um ato de experimentação para ver se “dá certo” em termos do
técnico; será sim um ato ao mesmo tempo político-social, encaminhamento do ensino. Até que o professor se situe
científico e técnico: político-social, na medida em que
criticamente no contexto de sala de aula, os alunos passam
está comprometido com as finalidades sociais e políticas;
a ser cobaias desse profissional. ”
científicas na medida em que não pode planejar sem um
Menegolla & Sant’Anna (2001) explicam que o
conhecimento da realidade; técnico, na medida em que o
planejamento exige uma definição de meios eficientes para planejamento também serve para desenvolver tanto nos
se obter resultados. ” professores como nos alunos uma ação eficaz de ensino
O ato de planejar não pode priorizar o lado técnico e aprendizagem, uma vez que ambos são atuantes em
em detrimento do lado político-social ou vice-versa, ambos sala de aula. Porém é de responsabilidade do professor
são importantes. Por este motivo, devem ser muito bem elaborar o plano de aula, pois é ele quem conhece as reais
pensados ao serem formulados visando à transformação aspirações de cada turma.
da sociedade. “O preparo das aulas é uma das atividades mais
importantes do trabalho do profissional de educação
Plano de Aula: do senso comum à consciência filosófica escolar. Nada substitui a tarefa de preparação da aula em
si. (...) faz parte da competência teórica do professor, e dos
Considerando que o planejamento deve ser pensado compromissos com a democratização do ensino, a tarefa
como um ato político- -social, não se pode conceber que o cotidiana de preparar suas aulas (...)”
professor não realize o mínimo de planejamento necessário Moretto (2007) acredita que o professor, ao elaborar
para seus alunos, afinal, o planejamento, no processo o plano de aula, deve considerar alguns componentes
educativo, segundo Menegolla & Sant’Anna (2001), não fundamentais, tais como: conhecer a sua personalidade
deve ser visto como regulador das ações humanas, ou seja, enquanto professor, conhecer seus alunos (características
um limitador das ações tanto pessoais como sociais, e sim psicossociais e cognitivas), conhecer a epistemologia
ser visto e planejado no intuito de nortear o ser humano na e a metodologia mais adequada às características das
busca da autonomia, na tomada de decisões, na resolução disciplinas, conhecer o contexto social de seus alunos.
de problemas e principalmente na capacidade de escolher Conhecer todos os componentes acima possibilita ao
seus caminhos. professor escolher as estratégias que melhor se encaixam
“Essencialmente, educar/ensinar é um ato político. nas características citadas aumentando as chances de se
Entendamos bem essa proposição: a essência política obter sucesso nas aulas.
do ato pedagógico orienta a práxis do educador quanto Outro grupo que deve estar atento à importância de
aos objetivos a serem atingidos, aos conteúdos a serem
se elaborar planos de aula são os professores em início
transmitidos e aos procedimentos a serem utilizados,
de carreira, pois, para Schmitz (2000), esses profissionais
quando do trabalho junto a um determinado grupo de
iniciando sua carreira no magistério adquirem confiança
alunos. ”.
Menegolla & Sant’Anna (2001) ainda completam para dar aula, uma vez que, no plano de aula, é possível
argumentando que o plano das aulas visa à liberdade de esclarecer os objetivos da mesma, sistematizar as atividades
ação e não pode ser planejado somente pelo bom senso, e facilitar seu acompanhamento.
sem bases científicas que norteiem o professor. Segundo Mediante todos os fatos pesquisados até agora, não
Gutenberg (2008) essa base científica utilizada para se discute a necessidade e a importância de se elaborar
organizar o trabalho pedagógico são os pilares e princípios o plano de aula, porém, segundo Schmitz (2000), ele
da Educação, anunciados e exigidos pela Lei de Diretrizes não precisa ser descrito minuciosamente, mas deve ser
e Bases da Educação (Lei 9.394/96); por este motivo faz-se estruturado, escrito ou mentalmente. “Trata-se de fazer
necessário conhecê-los e compreendê-los muito bem. uma organização mental e uma tomada de consciência do
“Todo mestre precisa entender que esse conjunto de que o professor de fato pretende fazer e alcançar. Se tiver
regras, embora pareça muito burocrático e teórico para esse planejamento presente, evitará ser colhido de surpresa
uns, ou mesmo inútil para outros, trata-se de uma tentativa por acontecimentos imprevistos. A sua criatividade, a sua
clara para que os alunos aprendam e apreendam o que for intuição, torna-se mais aguçada e com mais facilidade
necessário durante o período escolar. ” percebe novas oportunidades. ”

155
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Alguns autores sugerem que o planejamento tenha Foi possível também compreender que as tipologias
algumas etapas principais, pois serão estas etapas que utilizadas têm suas diferenças e devem ser usadas de
darão uma visão do que é necessário e conveniente ao acordo com a necessidade de delimitar o tipo de plano e a
professor e aos alunos. São elas: que ele se destina.
Com relação ao fato do plano de aula ser inimigo
- Objetivos: ou aliado do professor, pode-se observar que ele é um
“Os objetivos indicam aquilo que o aluno deverá aliado, uma vez que é por intermédio do planejamento
ser capaz como consequência de seu desempenho em que o professor vai delinear suas ações para alcançar seus
atividades de uma determinada escola, série, disciplina ou objetivos ao longo de um período.
mesmo uma aula. ” Outro aspecto importante abordado foi com relação
- Conteúdo: ao fato de que o planejamento não deve ser usado como
“É um conjunto de assuntos que serão estudados um regulador das ações humanas e sim um norteador
durante o curso em cada disciplina. Assuntos que fazem na busca da autonomia, na tomada de decisões, nas
parte do acervo cultural da humanidade traduzida em resoluções de problemas e nas escolhas dos caminhos a
linguagem escolar para facilitar sua apropriação pelos serem percorridos partindo de o senso comum até atingir
estudantes. Estes assuntos são selecionados e organizados as bases científicas.
a partir da definição dos objetivos, sendo assim meios para Conhecer as principais etapas do planejamento
que os alunos atinjam os objetivos de ensino”. também foi de suma importância, pois através do
- Metodologia: conhecimento dessas etapas o professor poderá descrever
“Tratam-se de atividades, procedimentos, métodos, com maior clareza seus objetivos, a forma com que irá
técnicas e modalidades de ensino, selecionados com o aplicar o conteúdo, os conteúdos que serão ministrados e
propósito de facilitar a aprendizagem. São, propriamente, como fará o diagnóstico dos resultados obtidos ao longo
os diversos modos de organizar as condições externas mais do processo.
Com esta pesquisa foi possível perceber que o plano
adequadas à promoção da aprendizagem. ”
de aula é realmente importante na prática pedagógica do
- Avaliação:
professor como organizador e norteador do seu trabalho.
“Na verdade, a avaliação acompanha todo o processo
É o plano de aula que dá ao professor a dimensão da
de aprendizagem e não só um momento privilegiado (o
importância de sua aula e os objetivos a que ela se destina,
de prova ou teste) pois é um instrumento de feedback
bem como o tipo de cidadão que pretende formar. Por este
contínuo para o educando e para todos os participantes.
motivo, pensar que a experiência de anos de docência é
Nesse sentido, fala da consecução ou não dos objetivos
suficiente para a realização de um bom trabalho é um dos
da aprendizagem. (...) O processo de avaliação se coloca
principais motivos que levam um professor a não obter
como uma situação frequentemente carregada de ameaça,
sucesso em suas aulas.
pressão ou terror. ”
A partir das definições das principais etapas que devem Referência:
conter um planejamento, o professor já tem condições CASTRO, P. A. P. P. de; TUCUNDUVA, C. C.; ARNS, E. M.
necessárias para fazê-lo e utilizá-lo adequadamente. Vale
lembrar, porém, que segundo Menegolla & Sant’anna AVALIAÇÃO COMO PROCESSO CONTÍNUO,
(2001, p. 46), não existe um modelo único de planejamento INVESTIGATIVO E INCLUSIVO;
e sim vários esquemas e modelos. Também não existe um
modelo melhor do que o outro, cabe ao professor escolher Avaliação
aquele que melhor atenda suas necessidades bem como
as de seus alunos, que seja funcional e de bons resultados. Do ponto de vista teórico, muitas são as formulações
que tratam da avaliação. No ambiente educacional, ela
Considerações finais compreende três dimensões básicas:
I – avaliação da aprendizagem;
O objetivo principal ao estudar o tema “A importância II – avaliação institucional interna e externa;
do planejamento para a organização do trabalho do III – avaliação de redes de Educação Básica.
professor em sua prática pedagógica” era analisar se o Nestas Diretrizes, é a concepção de educação
plano de aula é realmente importante ou apenas uma que fundamenta as dimensões da avaliação e das
questão burocrática exigida pelas escolas para aumentar o estratégias didáticopedagógicas a serem utilizadas.
trabalho do professor. Para tanto foi preciso compreender Essas três dimensões devem estar previstas no projeto
o contexto histórico do planejamento na vida das pessoas, políticopedagógico para nortearem a relação pertinente
sua influência e importância ao longo da evolução que estabelece o elo entre a gestão escolar, o professor,
humana, desde a sua utilização de forma inconsciente nos o estudante, o conhecimento e a sociedade em que a
primórdios, até os dias atuais no qual o planejamento é escola se situa. No nível operacional, a avaliação das
utilizado para nortear um caminho a ser percorrido para aprendizagens tem como referência o conjunto de
se atingir objetivos traçados ou resolver alguma situação. habilidades, conhecimentos, princípios e valores que os

156
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

sujeitos do processo educativo projetam para si de modo Promoção, aceleração de estudos e classificação
integrado e articulado com aqueles princípios e valores
definidos para a Educação Básica, redimensionados para No Ensino Fundamental e no Médio, a figura da
cada uma de suas etapas. promoção e da classificação pode ser adotada em qualquer
A avaliação institucional interna, também denominada ano, série ou outra unidade de percurso escolhida, exceto
autoavaliação institucional, realiza-se anualmente, no primeiro ano do Ensino Fundamental. Essas duas figuras
considerando as orientações contidas na regulamentação fundamentam-se na orientação de que a verificação do
vigente, para revisão do conjunto de objetivos e metas, rendimento escolar observará os seguintes critérios:
mediante ação dos diversos segmentos da comunidade I – avaliação contínua e cumulativa do desempenho do
educativa, o que pressupõe delimitação de indicadores estudante, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre
compatíveis com a natureza e a finalidade institucionais, os quantitativos e dos resultados ao longo do período
além de clareza quanto à qualidade social das aprendizagens sobre os de eventuais provas finais;
e da escola. II – possibilidade de aceleração de estudos para
A avaliação institucional externa, promovida pelos estudantes com atraso escolar;
órgãos superiores dos sistemas educacionais, inclui, III – possibilidade de avanço nos cursos e nas séries
entre outros instrumentos, pesquisas, provas, tais como mediante verificação do aprendizado;
as do SAEB, Prova Brasil, ENEM e outras promovidas por IV – aproveitamento de estudos concluídos com êxito;
sistemas de ensino de diferentes entes federativos, dados V – obrigatoriedade de apoio pedagógico destinado
estatísticos, incluindo os resultados que compõem o Índice à recuperação contínua e concomitante de aprendizagem
de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e/ou que de estudantes com déficit de rendimento escolar, a ser
o complementem ou o substituem, e os decorrentes da previsto no regimento escolar.
supervisão e verificações in loco. A avaliação de redes de A classificação pode resultar da promoção ou da
Educação Básica é periódica, feita por órgãos externos às adaptação, numa perspectiva que respeita e valoriza as
escolas e engloba os resultados da avaliação institucional, diferenças individuais, ou seja, pressupõe uma outra ideia
que sinalizam para a sociedade se a escola apresenta de temporalização e espacialização, entendida como
sequência do percurso do escolar, já que cada criatura é
qualidade suficiente para continuar funcionando.
singular. Tradicionalmente, a escola tem tratado o estudante
como se todos se desenvolvessem padronizadamente nos
Avaliação da aprendizagem
mesmos ritmos e contextos educativos, semelhantemente
ao processo industrial. É como se lhe coubesse produzir
No texto da LDB, a avaliação da aprendizagem, na
cidadãos em série, em linha de montagem. Há de se admitir
Educação Básica, é norteada pelos artigos 24 e 31, que
que a sociedade mudou significativamente. A classificação,
se complementam. De um lado, o artigo 24, orienta o
nos termos regidos pela LDB (inciso II do artigo 24), é, pois,
Ensino Fundamental e Médio, definindo que a avaliação
uma figura que se dá em qualquer momento do percurso
será organizada de acordo com regras comuns a essas escolar, exceto no primeiro ano do Ensino Fundamental, e
duas etapas. De outro lado, o artigo 31 trata da Educação realiza-se:
Infantil, estabelecendo que, nessa etapa, a avaliação I – por promoção, para estudantes que cursaram, com
será realizada mediante acompanhamento e registro do aproveitamento, a unidade de percurso anterior, na própria
desenvolvimento da criança, sem o objetivo de promoção, escola;
mesmo em se tratando de acesso ao Ensino Fundamental. II – por transferência, para candidatos procedentes de
Essa determinação pode ser acolhida para o ciclo da outras escolas;
infância de acordo com o Parecer CNE/CEB nº 4/2008, III – independentemente de escolarização anterior,
anteriormente citado, que orienta para não retenção nesse mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau
ciclo. de desenvolvimento e experiência do candidato e permita
O direito à educação constitui grande desafio para a sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme
escola: requer mais do que o acesso à educação escolar, pois regulamentação do respectivo sistema de ensino.
determina gratuidade na escola pública, obrigatoriedade A organização de turmas seguia o pressuposto de
da Pré-Escola ao Ensino Médio, permanência e sucesso, classes organizadas por série anual. Com a implantação
com superação da evasão e retenção, para a conquista da da Lei, a concepção ampliou-se, uma vez que poderão ser
qualidade social. O Conselho Nacional de Educação, em organizadas classes ou turmas, com estudantes de séries
mais de um Parecer em que a avaliação da aprendizagem distintas, com níveis equivalentes de adiantamento na
escolar é analisada, recomenda, aos sistemas de ensino e matéria, para o ensino de línguas estrangeiras, artes, ou
às escolas públicas e particulares, que o caráter formativo outros componentes curriculares (inciso IV do artigo 24 da
deve predominar sobre o quantitativo e classificatório. A LDB).
este respeito, é preciso adotar uma estratégia de progresso A consciência de que a escola se situa em um
individual e contínuo que favoreça o crescimento do determinado tempo e espaço impõe-lhe a necessidade
estudante, preservando a qualidade necessária para a sua de apreender o máximo o estudante: suas circunstâncias,
formação escolar. seu perfil, suas necessidades. Uma situação cada vez mais
presente em nossas escolas é a mobilidade dos estudantes.

157
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Quantas vezes a escola pergunta sobre o que fazer com organização das ações pedagógicas. Em outras palavras, a
os estudantes que ela recebe, provenientes de outras escola deverá prever para professor e estudante o horário
instituições, de outros sistemas de ensino, dentro ou fora de trabalho e espaço de atuação que se harmonize entre
do Município ou Estado. As análises apresentadas em estes, respeitadas as condições de locomoção de ambos,
diferentes fóruns de discussão sobre essa matéria vêm lembrando-se de que outro conjunto de recursos didático-
mencionando dificuldades para incluir esse estudante no pedagógicos precisa ser elaborado e desenvolvido.
novo contexto escolar. A LDB, no artigo 24, inciso III, prevê a possibilidade
A mobilidade escolar ou a conhecida transferência de progressão parcial nos estabelecimentos que adotam a
também tem sido objeto de regulamento para o que progressão regular por série, lembrando que o regimento
a LDB dispõe, por meio de instrumentos normativos escolar pode admiti-la “desde que preservada a sequência
emitidos pelos Conselhos de Educação. Inúmeras vezes, do currículo, observadas as normas do respectivo sistema
os estudantes transferidos têm a sensação de abandono de ensino”. A Lei, entretanto, não é impositiva quanto à
ou descaso, semelhante ao que costuma ocorrer com adoção de progressão parcial. Caso a instituição escolar
estudantes que não acompanham o ritmo de seus colegas. a adote, é pré-requisito que a sequência do currículo seja
A LDB estabeleceu, no § 1º do artigo 23, que a escola preservada, observadas as normas do respectivo sistema
poderá reclassificar os estudantes, inclusive quando se de ensino, (inciso III do artigo 24), previstas no projeto
tratar de transferências entre estabelecimentos situados no políticopedagógico e no regimento, cuja aprovação se dá
País e no exterior, tendo como base as normas curriculares mediante participação da comunidade escolar (artigo 13).
gerais. Também, no artigo 32, inciso IV, § 2º, quando trata
especificamente do Ensino Fundamental, a LDB refere
De acordo com essas normas, a mobilidade entre turmas, que os estabelecimentos que utilizam progressão
séries, ciclos, módulos ou outra forma de organização, e regular por série podem adotar o regime de progressão
escolas ou sistemas, deve ser pensada, prioritariamente, continuada, sem prejuízo da avaliação do processo ensino-
na dimensão pedagógica: o estudante transferido de um aprendizagem, observadas as normas do respectivo
para outro regime diferente deve ser incluído onde houver sistema de ensino. A forma de progressão continuada
compatibilidade com o seu desenvolvimento e com as suas jamais deve ser entendida como “promoção automática”, o
aprendizagens, o que se intitula reclassificação. Nenhum
que supõe tratar o conhecimento como processo e vivência
estabelecimento de Educação Básica, sob nenhum pretexto,
que não se harmoniza com a ideia de interrupção, mas sim
pode recusar a matrícula do estudante que a procura. Essa
de construção, em que o estudante, enquanto sujeito da
atitude, de caráter aparentemente apenas administrativo,
ação, está em processo contínuo de formação, construindo
deve ser entendida pedagogicamente como a continuidade
significados.
dos estudos iniciados em outra turma, série, ciclo, módulo
ou outra forma, e escola ou sistema.
Uma escola que inclui todos supõe tratar o
Em seu novo percurso, o estudante transferido deve
conhecimento como processo e, portanto, como uma
receber cuidadoso acompanhamento sobre a sua adaptação
na instituição que o acolhe, em termos de relacionamento vivência que não se harmoniza com a ideia de interrupção,
com colegas e professores, de preferências, de respostas mas sim de construção, em que o estudante, enquanto
aos desafios escolares, indo além de uma simples análise do sujeito da ação, está continuamente sendo formado,
seu currículo escolar. Nesse sentido, os sistemas educativos ou melhor, formando-se, construindo significados, a
devem ousar propor a inversão da lógica escolar: ao invés partir das relações dos homens entre si e destes com a
de conteúdos disciplinados estanques (substantivados), natureza. Nessa perspectiva, a avaliação requer outra
devem investir em ações pedagógicas que priorizem forma de gestão da escola, de organização curricular,
aprendizagens através da operacionalidade de linguagens dos materiais didáticos, na relação professor-estudante-
visando à transformação dos conteúdos em modos de conhecimento-escola, pois, na medida em que o percurso
pensar, em que o que interessa, fundamentalmente, é o escolar é marcado por diferentes etapas de aprendizagem,
vivido com outros, aproximando mundo, escola, sociedade, a escola precisará, também, organizar espaços e formas
ciência, tecnologia, trabalho, cultura e vida. diferenciadas de atendimento, a fim de evitar que uma
A possibilidade de aceleração de estudos destina-se defasagem de conhecimentos se transforme numa
a estudantes com algum atraso escolar, aqueles que, por lacuna permanente. Esse avanço materializa-se quando a
alguma razão, encontram-se em descompasso de idade. As concepção de conhecimento e a proposta curricular estão
razões mais indicadas têm sido: ingresso tardio, retenção, fundamentadas numa epistemologia que considera o
dificuldades no processo de ensino-aprendizagem ou conhecimento uma construção sociointerativa que ocorre
outras. A progressão pode ocorrer segundo dois critérios: na escola e em outras instituições e espaços sociais. Nesse
regular ou parcial. A escola brasileira sempre esteve caso, percebe-se já existirem múltiplas iniciativas entre
organizada para uma ação pedagógica inscrita num professores no sentido de articularem os diferentes campos
panorama de relativa estabilidade. Isso significa que já de saber entre si e, também, com temas contemporâneos,
vem lidando, razoavelmente, com a progressão regular. O baseados no princípio da interdisciplinaridade, o que
desafio que se enfrenta incide sobre a progressão parcial, normalmente resulta em mudanças nas práticas avaliativas.
que, se aplicada a crianças e jovens, requer o redesenho da

158
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Referência: para o processo. O terceiro objetivo está relacionado com


Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação a identificação das causas, de dificuldades recorrentes na
Básica. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, aprendizagem. Assim é possível rever a ação educativa para
Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional sanar os problemas.
e Tecnológica. Conselho Nacional da Educação. Câmara b) A avaliação formativa (controladora) é aquela
Nacional de Educação Básica. Diretrizes Curriculares que tem como função controlar, devendo ser realizada
Nacionais Gerais da Educação Básica / Ministério da durante todo o período letivo, com o intuito de verificar
Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de se os estudantes estão alcançando os objetivos propostos
Currículos e Educação Integral. Brasília: MEC, SEB, DICEI, anteriormente. Esta função da avaliação visa, basicamente,
2013. avaliar se o aluno domina gradativamente e hierarquicamente
cada etapa da aprendizagem, antes de avançar para outra
FUNÇÕES DA AVALIAÇÃO etapa subsequente de ensino-aprendizagem.
É com a avaliação formativa que o aluno toma
De acordo com os estudos de Bloom (1993) a avaliação conhecimento dos seus erros e acertos e encontra estimulo
do processo ensino-aprendizagem, apresenta três tipos de para continuar os estudos de forma sistemática. Para que esta
funções: diagnóstica (analítica), formativa (controladora) e forma de avaliação ocorra é necessário que seja controlada,
somativa (classificatória). porque orienta o estudo do aluno ao trabalho do professor,
a) A avaliação diagnóstica (analítica) é adequada também podemos dizer que é motivadora porque evita as
para o início do período letivo, pois permite conhecer a tensões causadas pela as avaliações tradicionais.
realidade na qual o processo de ensino-aprendizagem A avaliação formativa permite ao professor detectar e
vai acontecer. O professor tem como principal objetivo identificar deficiências na forma de ensinar, auxiliando na
verificar o conhecimento prévio de cada aluno, tendo reformulação do seu trabalho didático, visando aperfeiçoá-
como finalidade de constata os pré-requisitos necessários lo. Para que seja realizada com eficiência, ela deve ser
de conhecimento ou habilidades imprescindíveis de que os planejada em função de todos os objetivos, deste modo o
estudantes possuem para o preparo de uma nova etapa de instrutor continuará seu trabalho ou irá direcionar de modo
aprendizagem. que a maioria dos alunos alcance plenamente todos os
objetivos propostos.
“Para que a avaliação diagnóstica seja possível, é
Por depender mais da sensibilidade e do olhar técnico
preciso compreendê-la e realizá-la comprometida com uma
do educador, esse formato de avaliação fornece mais
concepção pedagógica. No caso, considerarmos que ela
informações que permitem a customização do trabalho
deva estar comprometida com uma proposta pedagógica
do professor com base nas necessidades de cada aluno.
histórico-crítica, uma vez que esta concepção está
Nesse sentido a avaliação é um instrumento de controle
preocupada com a perspectiva de que o educando deverá
da qualidade, tendo como maior objetivo um ensino de
apropriar-se criticamente de conhecimentos e habilidades
excelência em todos os níveis.
necessárias à sua realização como sujeito crítico dentro c) A avaliação somativa (classificatória), tem como
desta sociedade que se caracteriza pelo modo capitalista função básica a classificação dos alunos, sendo realizada
de produção. A avaliação diagnostica não se propõe e ao final de um curso ou unidade de ensino. Classificando
nem existe uma forma solta isolada. É condição de sua os estudantes de acordo com os níveis de aproveitamento
existência e articulação com uma concepção pedagógica previamente estabelecidos.
progressista”. (LUCKESI 2003, p.82). Atualmente a classificação dos estudantes se processa
Esta forma de avaliação é utilizada objetivando segundo o rendimento alcançado, tendo por base os
pré-determinar a maneira pela qual o educador deverá objetivos previstos. Para Bloom (1983), a avaliação somativa
encaminhar, através do planejamento, a sua ação educativa. “objetiva avaliar de maneira geral o grau em que os
Terá como função estabelecer os limites para tornar o resultados mais amplos têm sido alcançados ao longo e
processo de aprendizagem mais eficiente e eficaz. Esta final de um curso”.
didática pode ser considerada como o ponto de partida É através deste tipo de avaliação que são fornecidos aos
para todo trabalho a ser desenvolvido durante o ano pelo estudantes os chamados feedback que informa o nível de
educador. aprendizagem alcançado, se este for o objetivo central da
Esta forma de avaliação pode ser utilizada antes e avaliação formativa; e presta-se à comparação de resultados
durante o processo ensino-aprendizagem, tendo diferentes obtidos, visando também a atribuição de notas.
finalidades. Sendo realizada antes do processo, tem como
foco sondar se o aluno apresenta os conhecimentos Essas três funções da avaliação devem ser vinculadas
necessários para que a aprendizagem possa ser iniciada. Se ou conjugadas para se garantir a eficiência e eficácia
ocorrer durante o processo, será utilizada para identificar do sistema de avaliação e assim tendo como resultado
as causas das falhas de aprendizagem e possibilitar a final a excelência do processo ensino-aprendizagem. Por
implementação de recursos para corrigi-las. outro lado, é importante lembrar, que é necessário em
É possível observar que a avaliação diagnóstica possui todos os casos levar em conta a realidade administrativa
três objetivos. O primeiro é identificar a realidade de cada da instituição como, por exemplo, o número de alunos,
aluno que irá participar do processo. O segundo é verificar objetivos, conhecimento técnico do professor, materiais,
se o aluno apresenta ou não habilidades e pré-requisitos etc.

159
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Qualquer decisão nas formas de como avaliar é preciso envolver direção, professor, alunos e responsáveis (quando é o
caso). Se entendermos que a forma atual de avaliação está ruim, todos precisam se comprometer com o novo processo de
melhorá-la, e isso envolve muitas mudança, sendo o processo longo, assim como todo processo de ensino-aprendizagem.

Fonte
http://www.pedagogia.com.br/artigos/funcoes_avaliacao/index.php?pagina=2

AVALIAÇÃO

Zabala, Antoni.

Por que se deve avaliar? Esclarecimentos prévios sobre a avaliação

Habitualmente, quando se fala de avaliação se pensa, de forma prioritária ou mesmo exclusiva, nos resultados obtidos
pelos alunos. Hoje em dia, este continua sendo o principal alvo de qualquer aproximação ao fator avaliador. Os professores,
as administrações, os pais e os próprios alunos se referem à avaliação como instrumento ou processo para avaliar o
grau de alcance, de cada menino e menina, em relação a determinados objetivos previstos nos diversos níveis escolares.
Basicamente, a avaliação é considerada como um instrumento sancionador e classificador, em que o sujeito da avaliação é
o aluno e somente o aluno, e o objetivo da avaliação são as aprendizagens realizadas segundo certos objetivos mínimos
para todos.
Mesmo assim, já faz muito tempo que, a partir da literatura pedagógica, as declarações de princípios das reformas
educacionais empreendidas em diferentes países e grupos de educadores mais inquietos que se propõem formas de
entender a avaliação que não se limitam à valoração dos resultados obtidos pelos alunos. O processo seguido pelos
meninos e meninas, o progresso pessoal, o processo coletivo de ensino / aprendizagem, etc, aparecem como elementos ou
dimensões da avaliação. Deste modo, é possível encontrar definições de avaliação bastante diferentes e, em muitos casos,
bastante ambíguas, cujos sujeitos e objetos de estudo aparecem de maneira confusa e indeterminada. Em alguns casos
o sujeito da avaliação é o aluno, em outros é o grupo / classe, ou inclusive o professor ou professora, ou equipe docente.
Quanto ao objeto da avaliação, às vezes é o processo de aprendizagem seguido pelo aluno ou os resultados obtidos,
enquanto que outras vezes se desloca para a própria intervenção do professor.
Para esclarecer o alcance das diferentes definições pode ser útil fazer um quadro de dupla entrada que contenha, por
um lado e de modo separado, o processo de ensino / aprendizagem individual que segue cada aluno e, por outro lado e
para cada um deles, os possíveis objetos e sujeitos da avaliação.
No Quadro 8.1 podemos ver que toda intervenção educativa na aula se articula em torno de alguns processos de ensino
/ aprendizagem que podem ser analisados desde diferentes pontos de vista. Examinemos, em primeiro lugar, o processo
que cada aluno segue. Neste caso pode se distinguir entre a maneira como o menino ou menina está aprendendo e o que
faz o professor/a para que aprenda, quer dizer, o processo de ensino. Apesar de que ensino e aprendizagem se encontram
estreitamente ligados e fazem parte de uma mesma unidade dentro da aula, podemos distinguir claramente dois processos
avaliáveis: como o aluno aprende e como o professor ou professora ensina. Portanto, temos dois sujeitos da avaliação, o
que poderíamos denominar uma dupla dimensão, aplicável também ao processo que todo o grupo / classe segue.

Quadro 8. 1

PROCESSO INDIVIDUAL Sujeito Aluno/a Professor/a

ENSINO/APRENDIZAGEM Objeto Processo aprendizagem Processo ensino


PROCESSO GRUPAL Sujeito Grupo/Classe Equipe docente

ENSINO/APRENDIZAGEM Objeto Processo aprendizagem Processo ensino

No entanto, as definições mais habituais da avaliação remetem a um todo diferenciado, que inclui processos individuais
e grupais, o aluno ou a aluna e os professores. Este ponto de vista é perfeitamente justificável, já que os processos que
têm lugar na aula são processos globais em que é difícil, e certamente desnecessário, separar claramente os diferentes
elementos que os compõem. Nossa tradição avaliadora tem se centrado exclusivamente nos resultados obtidos pelos
alunos. Assim, é conveniente dar-se conta de que ao falar de avaliação na aula pode se aludir particularmente a algum dos
componentes do processo de ensino/aprendizagem, como também a todo o processo em sua globalidade.
Talvez a pergunta que nos permita esclarecer em cada momento qual deve ser o objeto e o sujeito da avaliação seja
aquela que corresponde aos próprios fins do ensino: por que temos que avaliar? Certamente, a partir da resposta a esta
pergunta surgirão outras, por exemplo, o que se tem que avaliar, a quem se tem que avaliar, como se deve avaliar, como
temos que comunicar o conhecimento obtido através da avaliação, etc.

160
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Neste capítulo formularemos estas questões e tentaremos encontrar respostas. Posto que se trata de um tema polêmico,
que pode ser enfocado de diferentes perspectivas, não pretendemos trazer soluções definitivas, mas sim coerentes com os
marcos de referência que formos adotando.

Quem e o que se deve avaliar? Os sujeitos e os objetos da avaliação

Como em outras variáveis de ensino, e como já dissemos reiteradamente em outros itens deste livro, muitos dos
problemas de compreensão do que acontece nas escolas não se devem tanto às dificuldades reais. Devem-se mais aos
usos e costumes acumulados de uma tradição escolar, cuja função básica foi seletiva e propedêutica. Numa concepção
do ensino centrado na seleção dos alunos mais preparados para continuar e escolarização até os estudos universitários, é
lógico que o sujeito de avaliação seja o aluno e que se considerem objeto da avaliação as aprendizagens alcançadas em
relação às necessidades futuras que foram estabelecidas - as universitárias. Desta forma se dá prioridade a uma clara função
sancionadora: qualificar e sancionar desde pequenos aqueles que podem triunfar nesta carreira até a universidade.
No entanto, podemos entender que a função social do ensino não consiste apenas em promover e selecionar os “mais
aptos” para a universidade, mas que abarca outras dimensões da personalidade. Quando a formação integral é a finalidade
principal do ensino e, portanto, seu objetivo é o desenvolvimento de todas as capacidades da pessoa e não apenas as
cognitivas, muitos dos pressupostos da avaliação mudam. Em primeiro lugar, e isto é muito importante, os conteúdos
de aprendizagem a serem avaliados não serão unicamente conteúdos associados às necessidades do caminho para a
universidade. Será necessário, também, levar em consideração os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais que
promovam as capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção social. Uma
opção desta natureza implica uma mudança radical na maneira de conceber a avaliação, posto que o ponto de vista já não
é seletivo, já que não consiste em ir separando os que não podem superar distintos obstáculos, mas em oferecer a cada
um dos meninos e meninas a oportunidade de desenvolver, no maior grau possível, todas suas capacidades. O objetivo
do ensino não centra sua atenção em certos parâmetros finalistas para todos, mas nas possibilidades pessoais de cada um
dos alunos.
O problema não está em conseguir que o máximo de meninos e meninas tenham acesso à universidade, mas em como
conseguir desenvolver ao máximo todas as suas capacidades, e entre elas, evidentemente, aquelas necessárias para chegar
a serem bons profissionais. Tudo isto envolve mudanças substanciais nos conteúdos da avaliação e no caráter e na forma
das informações que devem se proporcionar sobre o conhecimento que se tem das aprendizagens realizadas, considerando
as capacidades previstas. Por enquanto, digamos unicamente que se trata de informações complexas, que não combinam
com um tratamento estritamente quantitativo; se referem a valorações e indicadores personalizados que raramente podem
se traduzir em notas e qualificações clássicas.

Avaliação formativa: inicial, reguladora, final integradora

A tomada de posição em relação às finalidades do ensino, relacionada a um modelo centrado na formação integral do
pessoal, implica mudanças fundamentais, especialmente nos conteúdos e no sentido da avaliação. Além do mais, quando na
análise da avaliação introduzimos a concepção construtivista do ensino e a aprendizagem como referencial psicopedagógico,
o objeto da avaliação deixa de se centrar exclusivamente nos resultados obtidos e se situa prioritariamente no processo
de ensino/aprendizagem, tanto do grupo/classe como de cada um dos alunos. Por outro lado, o sujeito da avaliação não
apenas se centra no aluno, como também na equipe que intervém no processo.
Como pudemos observar, procedemos de uma tradição educacional prioritariamente uniformizadora, que parte do
princípio de que as diferenças entre os alunos das mesmas idades não são motivo suficiente para mudar as formas de
ensino, mas que constituem uma evidência que valida a função seletiva do sistema e, portanto, sua capacidade para
escolher os melhores. A uniformidade é um valor de qualidade do sistema, já que é o que permite reconhecer e validar os
que servem. Quer dizer, são bons alunos aqueles que se adaptam a um ensino igual para todos; não é o ensino quem deve
se adaptar às diferenças dos alunos.
O conhecimento que temos sobre como se produzem as aprendizagens revela a extraordinária singularidade destes
processos, de tal maneira que é cada vez mais difícil estabelecer propostas universais que vão além da constatação destas
diferenças e singularidades. O fato de que as experiências vividas constituam o valor básico de qualquer aprendizagem
obriga a levar em conta a diversidade dos processos de aprendizagem e, portanto, a necessidade de que os processos de
ensino, e especialmente os avaliadores, não apenas os observem, como os tomem como eixo vertebrador (Quadro 8.2).

161
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Quadro 8. 2

Função social e aprendizagem Objeto Sujeito Referencial Avaliação Informe


Seletiva e propedêutica
Resultados Alunos Disciplinas Sanção Quantitativo
Uniformizador e transmissor
Formação Integral Alunos / Descritivo /
Processo Capacidades Ajuda
At. Diversidade construtivo professores interpretativo

Sob uma perspectiva uniformizadora e seletiva, o que interessa são determinados resultados em conformidade com
certos níveis pré-determinados. Quando o ponto de partida é a singularidade de cada aluno, é impossível estabelecer
níveis universais. Aceitamos que cada aluno chega à escola com uma bagagem determinada e diferente em relação às
experiências vividas, conforme o ambiente sociocultural e familiar em que vive, e condicionado por suas características
pessoais. Esta diversidade óbvia implica a relativização de duas das variáveis das propostas uniformizadoras – os objetivos
e os conteúdos e a forma de ensinar – e a exigência de serem tratadas em função da diversidade dos alunos. Portanto, a
primeira necessidade do educador é responder às perguntas: que sabem os alunos em relação ao que eu quero ensinar? Que
experiências tiveram? O que são capazes de aprender? Quais são seus interesses? Quais são seus estilos de aprendizagem?
Neste marco a avaliação já não pode ser estática, de análise de resultado, porque se torna um processo. E uma das primeiras
fases do processo consiste em conhecer o que cada um dos alunos sabe, sabe fazer e é, e o que pode chegar a saber, saber
fazer ou ser, e como aprendê-lo. A avaliação é um processo em que sua primeira fase se denomina avaliação inicial.
O conhecimento do que cada aluno sabe, sabe fazer e como é, é o ponto de partida que deve nos permitir, em relação
aos objetivos e conteúdos de aprendizagem previstos, estabelecer o tipo de atividades e tarefas que têm que favorecer a
aprendizagem de cada menino ou menina. Assim, pois, nos proporciona referências para definir uma proposta hipotética de
intervenção, a organização de uma série de atividades de aprendizagem que, dada nossa experiência e nosso conhecimento
pessoais, supomos que possibilitará o progresso dos alunos. Mas não é mais do que uma hipótese de trabalho, já que
dificilmente a resposta a nossas propostas será sempre a mesma, nem a que nós esperamos. A complexidade do fato
educacional impede dar, como respostas definitivas, soluções que tiveram bom resultado anteriormente. Não apenas os
alunos são diferentes em cada ocasião, como as experiências educacionais também são diferentes e não se repetem. Isto
supõe que, no processo de aplicação, em aula, do plano de intervenção previsto, será necessário adequar às necessidades
de cada aluno as diferentes variáveis educativas: as tarefas e as atividades, seu conteúdo, as formas de agrupamento, os
tempos, etc. Conforme se desenvolva o plano previsto e conforme a resposta dos meninos e meninas a nossas propostas,
haverá que ir introduzindo atividades novas que comportem desafios mais adequados e ajudas mais contingentes. O
conhecimento de como cada aluno aprende ao longo do processo de ensino / aprendizagem, para se adaptar às novas
necessidades que se colocam, é o que podemos denominar avaliação reguladora.

Alguns educadores, e o próprio vocabulário da Reforma, utilizam o termo de avaliação formativa. Pessoalmente, para
designar este processo prefiro usar o termo avaliação reguladora já que explica melhor as características de adaptação
e adequação. Ao mesmo tempo, esta opção permite reservar o termo formativo para uma determinada concepção da
avaliação em geral, entendida como aquela que tem como propósito a modificação e a melhora contínua do aluno que
se avalia; quer dizer, que entende que a finalidade da avaliação é ser um instrumento educativo que informa e faz uma
valoração do processo de aprendizagem seguido pelo aluno, com o objetivo de lhe oportunizar, em todo momento, as
propostas educacionais mais adequadas.
O conjunto de atividades de ensino/aprendizagem realizadas permitiu que cada aluno atingisse os objetivos previstos
num determinado grau. A fim de validar as atividades realizadas, conhecer a situação de cada aluno e poder tomar as
medidas educativas pertinentes, haverá que sistematizar o conhecimento do progresso seguido. Isto requer, por um lado,
apurar os resultados obtidos – quer dizer, as competências conseguidas em relação aos objetivos previstos – e, por outro,
analisar o processo e a progressão que cada aluno seguiu, a fim de continuar sua formação levando em conta a suas
características específicas.
Seguidamente o conhecimento dos resultados obtidos é designado com o termo avaliação final ou avaliação somativa.
Pessoalmente, acho que a utilização conjunta dos dois termos é ambígua e não ajuda a identificar ou diferenciar estas duas
necessidades: o conhecimento do resultado obtido e processo que o aluno seguiu. Prefiro utilizar o termo avaliação final
para me referir aos resultados obtidos e aos conhecimentos adquiridos, e reservar o termo avaliação somativa ou integradora
para o conhecimento e a avaliação de todo o percurso do aluno. Assim, esta avaliação somativa ou integradora é entendida
como um informe global do processo que, a partir do conhecimento inicial (avaliação inicial), manifesta a trajetória seguida
pelo aluno, as medidas específicas que foram tomadas, o resultado final de todo o processo e, especialmente, a partir deste
conhecimento, as previsões sobre o que é necessário continuar fazendo ou o que é necessário fazer de novo.

162
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

No Quadro 8.1, no começo deste tópico, situamos os quatro possíveis objetos da avaliação (processo de aprendizagem
individual, aprendizagem do grupo, ensino individual e ensino do grupo) e os quatro sujeitos da avaliação (o aluno/a,
o grupo/classe, o professor/a e a equipe docente). Na descrição que fizemos das diferentes fases da avaliação (inicial,
reguladora ou formativa, final e integradora), os diferentes objetos e sujeitos se confundem, já que não fica muito claro,
desde o princípio, qual é a intencionalidade da avaliação.
Por que avaliar? O aperfeiçoamento da prática educativa é o objetivo básico de todo educador. E se entende
este aperfeiçoamento como meio para que todos os alunos consigam o maior grau de competências, conforme suas
possibilidades reais. O alcance dos objetivos por parte de cada aluno é um alvo que exige conhecer os resultados e os
processos de aprendizagem que os alunos seguem. E para melhorar a qualidade do ensino é preciso conhecer e poder
avaliar a intervenção pedagógica dos professores de forma que a ação avaliadora observe simultaneamente os processos
individuais e os grupais. Referimo-nos tanto aos processos de aprendizagem como aos de ensino, já que, desde uma
perspectiva profissional, o conhecimento de como os meninos e meninas aprendem é, em primeiro lugar, um meio para
ajudá-los em seu crescimento e, em segundo lugar, é o instrumento que tem que nos permitir melhorar nossa atuação na
aula.

ESQUEMA DE AVALIAÇÃO FORMATIVA

Avaliação inicial, planejamento, adequação do plano (avaliação reguladora), avaliação final, avaliação integradora.

A partir de uma opção que contempla corno finalidade fundamental do ensino a formação integral da pessoa, e
conforme uma concepção construtivista, a avaliação sempre tem que ser formativa, de maneira que o processo avaliador,
independentemente de seu objeto de estudo, tem que observar as diferentes fases de uma intervenção que deverá ser
estratégica. Quer dizer, que permita conhecer qual é a situação de partida, em função de determinados objetivos gerais
bem definidos (avaliação inicial); um planejamento da intervenção fundamentado e, ao mesmo tempo, flexível, entendido
como uma hipótese de intervenção; uma atuação na aula, em que as atividades e tarefas e os próprios conteúdos de
trabalho se adequarão constantemente (avaliação reguladora) às necessidades que vão se apresentando para chegar
a determinados resultados (avaliação final) e a uma compreensão e valoração sobre o processo seguido, que permita
estabelecer novas propostas de intervenção (avaliação integradora).

Conteúdos da avaliação: avaliação dos conteúdos conforme sua tipologia

Como já comentamos, as capacidades definidas nos objetivos educativos são o referencial básico de todo processo de
ensino e, portanto, da avaliação. Mas também é preciso ter presente que os conteúdos de aprendizagem, sobretudo no
próprio processo de ensino/ aprendizagem, e concretamente em cada uma das atividades ou tarefas que o configuram, são
o referencial funcional para avaliar e acompanhar os avanços dos meninos e meninas.
Como podemos saber o que os alunos sabem, dominam ou são? Ou em outras palavras, como podemos saber o grau
e tipo de aprendizagem que os alunos têm em relação aos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais? Podemos
nos fazer esta pergunta em qualquer das diferentes fases do processo de avaliação.
Uma escola centrada quase que exclusivamente nos conteúdos conceituais, especialmente os factuais, de conhecimento
enciclopédico, limita os instrumentos avaliativos habitualmente utilizados às provas de papel e lápis. Esta forma de conhecer
os resultados obtidos pode ser bastante adequada no caso dos conteúdos factuais, mas não é tanto quando se trata de
conteúdos conceituais ou procedimentais. E podemos afirmar que não o é, em absoluto, quando os conteúdos a serem
avaliados são de caráter atitudinal.

Avaliação dos conteúdos factuais

Quando consideramos que um aluno tem que conhecer um fato, o nome da capital da Itália, a descrição de um
acontecimento ou a relação das obras mais importantes de Emília Pardo Bazan, o que pretendemos é que saiba nos dizer
com a máxima fidelidade o nome da capital, o acontecimento ou os títulos das obras. É evidente que queremos que este
conhecimento seja significativo, que não seja uma simples verbalização mecânica e, portanto, que a enumeração dos
fatos não implique um desconhecimento dos conceitos associados a cada um deles. Queremos que Roma seja muito mais
do que um nome, que o aluno entenda o que quer dizer ser a capital de um país, neste caso da Itália, e que tenha uma
representação geográfica onde possa situá-la. Queremos que o acontecimento histórico memorizado seja algo mais do que
uma série de dados desconexos; que juntamente com a relação das obras de Pardo Bazan tenha lugar una interpretação
do que representam. Uma aprendizagem significativa de fatos envolve sempre a associação dos fatos aos conceitos que
permitem transformar este conhecimento em instrumento para a concepção e interpretação das situações ou fenômenos
que explicam.

163
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Uma vez aceita e entendida a necessidade de que a que acontece: lembra ou não o nome da capital da Itália,
aprendizagem de fatos implique o conhecimento e a sabe ou não quando aconteceu a Revolução Francesa.
compreensão dos conceitos (conceitos de capital, país, Podem ser respostas de tudo ou nada. De qualquer forma,
processos históricos, características literárias...), dos quais inclusive nos conteúdos factuais, nem sempre é assim, já
cada um dos fatos é um elemento singular, queremos que pode se saber mais ou menos o que aconteceu em
que estes fatos sejam lembrados e possam ser utilizados Dois de maio, pode se conhecer um maior ou menor
com fluência quando convenha. Assim, pois, se aceitamos número de obras de arte, ou pode se estar mais mi
esta relação necessária entre os fatos e os conceitos, menos certo, etc. Quando os conteúdos de aprendizagem
perceberemos que é necessário que as atividades para são conceituais, o grau de compreensão dos conceitos
dominar estes conteúdos factuais contemplem a utilização é em muitos casos, limitado. Sempre pode se ter um
conjunta de fatos e conceitos. Na escola, em muitas conhecimento mais profundo e elaborado dos conceitos
ocasiões, temos a necessidade de saber se os meninos e de capital, revolução, densidade ou neoclassicismo.
meninas são capazes de lembrar alguns dados, os nomes Dificilmente podemos dizer que a aprendizagem de um
de alguns personagens, os títulos de algumas obras, etc., conceito está concluída. Em todo caso, o que faremos é
independentemente dos conceitos associados, porque já dar por bom certo grau de conceitualização. E aqui é onde
sabemos que os entenderam. Sabemos muito bem que começamos a ver a dificuldade que representa avaliar a
os alunos entendem o que é um quadro, uma igreja ou aprendizagem de conceitos. Teremos que falar de graus ou
qualquer outra obra romântica, que compreendem o que níveis de profundidade e compreensão, algo que implica a
é uma conquista, uma colonização, uma guerra, etc., ou necessidade de propor atividades em que os alunos possam
que entendem as características gerais e particulares de demonstrar que entenderam, assim como sua capacidade
um autor e a corrente artística a que pertence. O que nos para utilizar convenientemente os conceitos aprendidos.
interessa saber, neste momento, é se são capazes de lembrar A tendência de se utilizar formas de avaliação que são
os nomes, os dados, os títulos, as datas, etc. Quando a nossa bastante válidas para os conteúdos factuais deu lugar a
necessidade é esta, a atividade mais apropriada para avaliar uma mesma utilização para os conceitos. Assim, é habitual,
o que sabem será a simples pergunta. A rapidez da resposta embora cada vez menos, a proposição de provas orais ou
e sua certeza nos permitem conhecer suficientemente o escritas em que se tem que responder a algumas perguntas
grau de competência do aluno e, o que é mais importante, que pedem que se defina um conceito, de maneira que
identificar o tipo de ajuda ou medida que haverá que a resposta mais adequada é a que coincide exatamente
propor para contribuir para o progresso do aluno. com a definição dos apontamentos de classe ou do livro
Se o número de alunos ou a dinâmica e o ritmo do didático. O aluno responde como se estivesse enumerando
grupo/classe não permitem fazer as perguntas de modo as obras mais importantes de qualquer pintor ou os
individual, uma prova escrita simples, que proponha personagens principais de qualquer movimento literário,
resposta a uma série de perguntas, pode ser extremamente como se descrevesse um fato de forma mecânica. Muitos
eficaz para estabelecer com grande certeza o grau de de nós aprendemos neste sistema e, portanto, somos
conhecimento dos conteúdos factuais. A fim de que este capazes de repetir perfeitamente a definição do princípio
conhecimento seja o menos rotineiro possível, é conveniente de Arquimedes, o enunciado da lei de Gay Lussac ou
que as perguntas obriguem a alterar as sequências em a definição de ilha, sem relacionar o que dizemos com
que foram enunciadas em aula, nos apontamentos ou nas nenhuma interpretação do que acontece quando estamos
fontes de informação utilizadas. As provas denominadas imersos num líquido, nem de que relações existem entre
objetivas podem ser bastante úteis para a avaliação do a temperatura que faz e o que sentimos sobre a pressão
domínio ou do conhecimento dos fatos, mas se as provas atmosférica, para não dizer entre o conceito real que temos
não são exaustivas não nos permitirão saber que tipo de ilha e o que pronunciamos quando a definimos.
de ajuda necessita cada aluno. Se seu uso não tem uma As atividades para conhecer qual é a compreensão
função formativa ou reguladora, mas pretende sancionar de um determinado conceito não podem se basear na
alguns resultados, a falta de exaustividade deixa nas mãos repetição de algumas definições. Seu enunciado nos diz
da sorte, algo evidentemente injusto, algumas decisões unicamente, que quem as faz é capaz de lembrar com
que podem ser muito transcendentes em algumas etapas precisão a definição, mas não nos permite averiguar se foi
do ensino. capaz de integrar este conhecimento em suas estruturas
interpretativas. Além domais, mesmo que se pedisse que
Avaliação de conteúdos conceituais o aluno fosse capaz de definir autonomamente, sem
repetir uma definição padronizada, deveríamos saber que
Se uma prova escrita, relativamente simples, é bastante este é um dos graus mais difíceis de conceitualização.
eficaz para determinar o conhecimento que se tem de um Num trabalho culto, todos nós somos capazes de utilizar
fato, sua confiabilidade é muito mais precária quando o que termos de grande complexidade conceitual, corretamente
temos que determinar e avaliar é o processo e o grau de e em toda sua amplitude; mas se tivéssemos que defini-
aprendizagem dos conteúdos conceituais. Apesar de que los, nos encontraríamos diante de uma situação bastante
a aprendizagem nunca é uma questão de tudo ou nada, complicada. Somos capazes de utilizar os conceitos
no caso dos conteúdos factuais a distinção entre o “sabe” “redondo” e “circular ” com todo o rigor e escolhemos um
e o “não sabe” “pode ser” às vezes muito representativa do ou outro termo segundo seu significado no contexto

164
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

da frase. Assim, pois, podemos dizer que dominamos No caso de disciplinas como matemática, física, química
ambos os conceitos, mas imagine que complicado seria e outras com muitos conteúdos, que giram em torno da
defini-los sem fazer nenhum gesto com as mãos para resolução de problemas, estas provas são a forma mais
nos ajudar na explicação. Na vida cotidiana, inclusive nos apropriada para responder à necessidade de conhecer a
discursos mais rigorosos, os conceitos utilizados não são aprendizagem dos conceitos. Mas é indispensável que os
definidos constantemente. Geralmente, em vez de fazer problemas que se propõem não estejam padronizados e
uma definição procuramos dar exemplos que ajudem a não tratem unicamente do último tema que trabalharam.
compreender o que querem dizer. A tendência de utilizar a Evidentemente, os meninos e meninas tendem a fazer o
definição dos conceitos é o resultado de uma compreensão mais fácil e, no caso dos problemas, isto significa dispor
muito simplista da aprendizagem que, de certo modo, de pequenas estratégias que lhes permitam relacionar um
assume que não existe nenhuma diferença entre expressão problema com uma fórmula de resolução estereotipada.
verbal e compreensão. Deste modo, o que muitos alunos realmente aprendem
Quais são as atividades mais adequadas para conhecer é encontrar a forma de solucionar o problema antes
o grau de compreensão dos conteúdos conceituais? de tentar compreender o que lhes propõe. Nas provas
Infelizmente, não podem ser simples. As atividades que escritas, é conveniente propor problemas e exercícios
podem garantir um melhor conhecimento do que cada chie não correspondam ao tema que se está trabalhando.
aluno compreende implicam a observação do uso de cada E preciso incluir problemas de temas anteriores e outros
uni dos conceitos em diversas situações e nos casos em que que ainda não tenham sido trabalhados. Além do mais, é
o menino ou a menina os utilizam em suas explicações preciso proporcionar mais informação do que a necessária
espontâneas. Assim, pois, a observação do uso dos para resolver o problema. Em primeiro lugar, porque, do
conceitos em trabalhos de equipe, debates, exposições e contrário o aluno identificará as variáveis que existem e
sobretudo diálogos será a melhor fonte de informação do buscará qual é a forma que as relaciona sem fazer o esforço
verdadeiro domínio do termo e o meio mais adequado para necessário de compreensão. Em segundo lugar, porque nas
poder oferecer a ajuda de que cada aluno precisa. Agora, situações reais os problemas nunca aparecem identificados
o número de alunos ou o tempo de que dispomos podem conforme os parâmetros disciplinares, e as variáveis
impedir que realizemos sempre atividades que facilitem a necessárias para solucioná-los nunca são segmentadas. Por
exemplo, quando na escola se propõem problemas sobre
observação dos alunos em situações naturais. Isso pode nos
circuitos elétricos e o tema que se tratou é a lei de Ohm
obrigar a utilizar a prova escrita e, neste caso, é bom saber
(V=IR), geralmente se propõem exercícios de aplicação da
que limitações a prova tem e elaborá-la tentando superar
fórmula, quer dizer, se dá a voltagem (V) e a intensidade (Y)
estas deficiências. Se o que queremos da aprendizagem de
e se pede o valor da resistência (R). Em outros exercícios se
conceitos é que os alunos sejam capazes de utilizá-los em
modifica a demanda, mas sempre está relacionada com a
qualquer momento ou situação que o requeira, teremos
aplicação da fórmula. Uma situação real nunca será como
que propor exercícios que não consistam tanto numa
um problema da lei de Ohm, senão que nos encontraremos
explicação do que entendemos sobre os conceitos, como
diante de um circuito elétrico em que intervêm muitas
ira resolução de conflitos ou problemas a partir do uso dos variáveis e o que teremos de fazer em primeiro lugar será
conceitos. Exercícios que lhes obriguem a usar o conceito. compreender em chie consiste o problema, que variáveis
Mas no caso de que nos interesses que o aluno saiba devemos levar em conta e quais temos que ignorar.
explicar o que entende sobre, por exemplo, o princípio de
Arquimedes, o processo de mitose da célula, a lei de Ohm ou Avaliação de conteúdos procedimentais
as razões dos movimentos migratórios, alguns professores
adotam uma opção muito simples. Esta consiste em pedir Os conteúdos conceituais, tanto os fatos como
que, numa face da folha, expliquem, com suas próprias os conceitos, se situam, fundamentalmente, dentro
palavras, sem recorrer ás que foram utilizadas em classe, e das capacidades cognitivas. Temos que verificar o que
com exemplos pessoais, o que entendem ou entenderam os alunos sabem sobre estes conteúdos. Portanto, as
sobre o tema e na outra, que façam o mesmo, utilizando, atividades para poder conhecer este saber, embora com
desta vez, os termos científicos. Desta forma poderemos dificuldades, como vimos, podem ser de papel e lápis já
determinar com mais segurança o nível de compreensão que, com maior ou menor dificuldade, e conforme a idade,
e as necessidades de aprendizagem a respeito de cada é possível expressar por escrito o conhecimento que se
conceito, ao mesmo tempo que saberemos se os alunos tem. Os conteúdos procedimentais implicam saber fazer, e
são capazes de utilizar corretamente os termos científicos. o conhecimento sobre o domínio deste saber fazer só pode
Se as denominadas provas objetivas estão bem-feitas, ser verificado em situações de aplicação destes conteúdos.
permitirão saber se os alunos são capazes de relacionar Para aprender um conteúdo procedimental é necessário ter
e utilizar os conceitos em algumas situações muito uma compreensão do que representa como processo, para
determinadas. Entretanto, não contribuirão com dados que serve, quais são os passos ou fases que o configuram,
suficientes sobre o grau de aprendizagem e dificuldades etc. O que define sua aprendizagem não é o conhecimento
de compreensão que cada aluno tem, o que nos impedirá que se tem dele, mas o domínio ao transferi-lo para a
de dispor de pistas sobre o tipo de ajuda a proporcionar. prática. O conhecimento reflexivo do uso da língua é
imprescindível para adquirir competências linguísticas;

165
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

o conhecimento das fases de uma pesquisa é necessário que sobre estas perguntas plana a visão sancionadora e
para poder se realizar uma pesquisa; a compreensão dos classificatória da avaliação, que pode levar a posições
passos de um algoritmo matemático deve permitir um uso extremas que questionem a possibilidade do trabalho sobre
correto. Mas em todos estes casos o que se pede é sua os conteúdos atitudinais por falta de instrumentos que
capacidade de uso, a competência na ação, o saber fazer. As permitam avaliar as aprendizagens de forma “científica”. E
atividades adequadas para conhecer o grau de domínio, as como se no caso da medicina, por exemplo, não se levasse
dificuldades e obstáculos em sua aprendizagem só podem em conta, e, portanto, não serão tratados, a dor, o enjoo ou
ser as que proponham situações em que se utilizem estes o stress, aduzindo que não existem instrumentos capazes
conteúdos procedimentais. Atividades e situações que nos de valorá-los de forma tão exata como a febre, a pressão
permitam realizar a observação sistemática de cada um dos arterial ou o número de glóbulos vermelhos presentes no
alunos. Conhecer até que ponto sabem dialogar, debater, sangue.
trabalhar em equipe, fazer uma pesquisa bibliográfica, O problema da avaliação dos conteúdos atitudinais não
utilizar um instrumento, se orientar no espaço, etc., só está na dificuldade de expressão do conhecimento que os
é possível quando os alunos realizam atividades que meninos e meninas têm, mas na dificuldade da aquisição
implicam dialogar, debater, fazer uma pesquisa, etc. deste conhecimento. Para poder saber de que os alunos
As habituais provas de papel e lápis, no caso dos realmente precisam e o que valorizam e, principalmente,
conteúdos procedimentais, só têm sentido quando se trata quais são suas atitudes, é necessário que na classe e na
de procedimentos que se realizam utilizando papel, como escola surjam suficientes situações “conflitantes”, que
a escrita, o desenho, a representação gráfica do espaço, permitam a observação do comportamento de cada um
os algoritmos matemáticos; ou quando são conteúdos dos meninos e meninas. Num modelo de intervenção em
de caráter mais cognitivo, que podem ser, expressos por que não se observe a possibilidade do conflito, em que
escrito, como a transferência, a classificação, a dedução se evitem os problemas interpessoais, em que se limite
e a inferência. Mas em outros casos, que são a maioria, a capacidade de atuação dos alunos, em que não haja
só é possível avaliar o nível de competência dos alunos espaços para expressar autonomamente a opinião pessoal
se os situamos frente a atividades que- lhes obriguem nem se proponham atividades que obriguem a conviver em
a desenvolver o conteúdo procedimental e que sejam
situações complexas, dificilmente será possível observar os
facilmente observáveis. Devem ser atividades abertas,
avanços e as dificuldades de progresso de cada aluno neste
feitas em aula, que permitam um trabalho de atenção por
terreno, assim como avaliar a necessidade de oferecer
parte dos professores e a observação sistemática de como
ajudas educativas.
cada um dos alunos transfere o conteúdo para a prática.
A fonte de informação para conhecer os avanços nas
aprendizagens de conteúdos atitudinais será a observação
Avaliação de conteúdos atitudinais
sistemática de opiniões e das atuações nas atividades
grupais, nos debates das assembleias, nas manifestações
A natureza dos conteúdos atitudinais, seus
componentes cognitivos, condutuais e afetivos fazem dentro e fora da aula, nas visitas, passeios e excursões,
com que seja consideravelmente complexo determinar na distribuição das tarefas e responsabilidades, durante o
o grau de aprendizagem de cada aluno. Se no caso da recreio, nas atividades esportivas, etc.
avaliação das aprendizagens conceituais e procedimentais
a subjetividade faz com que não seja nada fácil encontrar Compartilhar objetivos, condição indispensável
dois professores que façam a mesma interpretação do para uma avaliação formativa
nível e das características da competência de cada aluno,
no âmbito dos conteúdos atitudinais surge uma notável Pelo que vimos até agora, o meio mais adequado para
insegurança na avaliação dos processos de aprendizagem nos informarmos do processo de aprendizagem e do grau
que os alunos seguem. Isso porque o pensamento de de desenvolvimento e competência que os meninos e
cada professor está ainda mais condicionado por posições meninas alcançam consiste na observação sistemática de
ideológicas do que nos outros tipos de conteúdos. Ao cada um deles na realização das diferentes atividades e
mesmo tempo, nos encontramos diante de uma tradição tarefas. Também pudemos constatar que as provas escritas,
escolar que tendeu formalmente a menosprezar estes como instrumentos de conhecimento, são extremamente
conteúdos e que reduziu a avaliação a uma função limitadas, embora sejam adequadas quando o que se quer
sancionadora, expressada quantitativamente, fato que conhecer tem um caráter basicamente cognitivo e se têm
provocou a ilusão de se acreditar no rigor de suas suficientes habilidades para sabê-lo expressar por escrito:
afirmações porque são matematizáveis. Esta necessidade conteúdos factuais, conceituais, conteúdos procedimentais
de quantificação, juntamente com a falta de experiências de papel e lápis, algumas estratégias cognitivas,
e trabalhos neste campo, faz com que, muitas vezes, se argumentações de valores e opiniões sobre normas
questione a necessidade de avaliar os conteúdos atitudinais de comportamento. Quanto ao resto dos conteúdos, e
pela impossibilidade de estabelecer avaliações tão “exatas” também ao que acabamos de mencionar, a observação
como no caso de outros tipos de conteúdo. Como pode sistemática é o melhor instrumento, quando não o único,
se valorar a solidariedade ou atitude não-sexista? A quem para a aquisição do conhecimento da aprendizagem dos
podemos dar uma boa “nota” em tolerância? E evidente alunos.

166
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Mas para que esta observação seja possível são E principalmente:


necessárias situações que possam ser observadas e um Para que servirá esta informação? Para ajudar, sancionar,
clima de confiança que favoreça a colaboração entre os selecionar, promover...
professores e os alunos. Devemos levar em conta que se o E surge ainda outra pergunta:
objetivo fundamental da avaliação é conhecer para ajudar, -- Os informes têm que ser iguais para todos? Quer
a forma como tradicionalmente as provas escritas foram dizer, temos que informar sobre o mesmo e da mesma
desenvolvidas, pelo fato de terem caráter sancionador, maneira independentemente dos destinatários desta
estabeleceu uma dinâmica que faz com que o objetivo informação e do uso que farão dela?
básico do aluno não seja dar a conhecer suas deficiências Estas perguntas podem parecer improcedentes se
para que o professor ou a professora ajudem-no, mas, ao nos fixamos numa tradição escolar que as evitou porque
contrário, demonstrar ou aparentar que sabe muito mais. As estabeleceu um modelo extremamente simples, em que
roxas estão viciadas desde o princípio, já que se estabelecem apenas se informam os resultados obtidos, e se faz da
determina as reações entre os professores e alunos que mesma forma tanto em classe, como para o aluno, para os
estão tingidas de hipocrisia, quando não de inimizade. A pais ou para a administração, com uma função de seleção,
filosofia da prova é a do engano, a do caçador e da caça
fundamentalmente. A seguir tentaremos revisar as variáveis
e, portanto, não promove a cumplicidade necessária entre
que intervêm neste processo informativo e responder a
professor e aluno. Comparamos, anteriormente, a função
estas perguntas.
educativa com a médica. Agora esta comparação pode nos
servir de novo. Quando vamos ao médico, não tentamos
lhe esconder os sintomas nem o resultado do tratamento, Sobre o que deve se informar?
porque consideramos que seus objetivos são os mesmos
que os nossos, que o que ele quer é nos ajudar. Infelizmente, No momento da avaliação final, especialmente quando
esta não é a imagem que muitos de nossos alunos têm tem implicações na promoção, é habitual que em muitas
de nós. O peso de um ensino orientado para a seleção escolas se produzam discussões entre os componentes
contribuiu para uma série de hábitos, de maneiras de fazer, da equipe docente: deve se aprovar aqueles alunos que
que configurou a forma de atuar e pensar da maioria do não alcançaram os mínimos? O que se deve fazer com
professorado e, seguindo esta trajetória, o pensamento dos os que manifestaram um grau de interesse e um esforço
pais e mães e inclusive dos próprios alunos. mínimos, apesar de terem um conhecimento bastante
Dificilmente podemos conceber a avaliação como bom da matéria? Busca-se resolver ambos os casos
formativa se não nos desfazemos de algumas maneiras de subindo ou baixando a nota referente ao conhecimento
fazer que impedem mudar as relações entre os alunos e adquirido, conforme o nível de envolvimento do aluno.
os professores. Conseguir um clima de respeito mútuo, de Mas muito seguidamente esta solução é criticada por
colaboração, de compromisso com um objetivo comum é causa da subjetividade da decisão e por argumentos que
condição indispensável para que a atuação docente possa racionalizam a necessidade de dar informações “rigorosas”
se adequar às necessidades de uma formação que leve em e, portanto, ajustadas ao conhecimento real alcançado.
conta as possibilidades reais de cada menino e menina e o Neste debate volta a aparecer, embora não de maneira
desenvolvimento de todas as capacidades. A observação explícita, a situação contraditória entre um pensamento
da atuação dos alunos em situações o menos artificiais seletivo e propedêutico e outro que contempla como
possível, com um clima de cooperação e cumplicidade, é a finalidade a formação integral da pessoa.
melhor maneira, para não dizer a única, de que dispomos O costume de trabalhar conforme um modelo seletivo
para realizar uma avaliação que pretenda ser formativa. proporcionou uma fórmula extremamente simples e ao
mesmo tempo simplista. No fundo, o que tem que se
A informação do conhecimento dos processos e os
fazer é ir precisando o quanto antes a capacidade de cada
resultados da aprendizagem
aluno para superar os diferentes obstáculos que encontrará
no percurso até a universidade. Uma vez diagnosticadas
Ao longo do processo de ensino/aprendizagem fomos
adquirindo um conhecimento do que acontece na aula. as matérias ou disciplinas necessárias para realizar este
Se prestamos atenção, pudemos nos familiarizar com os percurso, é necessário determinar se os alunos são
processos que foram seguidos e os resultados obtidos em capazes de alcançar os mínimos para cada uma destas
relação aos diferentes objetos e sujeitos da avaliação. Por matérias. A informação deve ir comunicando se o aluno
um lado, dispomos de um acúmulo de dados e, por outro, avança ou não neste percurso, entendendo por avançar
de uma série de pessoas ou instâncias que necessitam ou a superação dos limites estabelecidos. A informação
querem conhecer estes dados. se resume em se o menino ou a menina supera ou não
Como falamos da faceta informativa da avaliação, não supera, aprova ou não aprova, é suficiente ou insuficiente,
podemos evitar de nos colocar a seguinte pergunta: progride adequadamente ou necessita melhorar. Se é
Sobre o que deve se informar? Sobre resultados, necessário definir um pouco mais, estabelecemos, nos
processos, necessidades, limitações... níveis superiores, uma gradação que em muitos casos se
Mas também temos que nos perguntar: expressa por eufemismos das convencionais notas de 1 a
A quem devemos informar? Ao grupo / classe, 10. Devemos ter presente que hoje em dia os referenciais
aos alunos, à família, ao grupo de professores ou à de todo estudante continuam sendo o vestibular e a nota
administração. média que lhe permitirá ter acesso a uma faculdade ou

167
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

outra. O peso da nota, as experiências acumuladas durante nossas possibilidades, quando ainda não renunciamos
muitos anos e um uso tão fácil e socialmente bem aceito a continuar aprendendo. Ao final da escolarização, sem
fazem com que seja extraordinariamente complicado e dúvida, teremos que falar de resultados, de competências,
difícil introduzir mudanças que aparentemente são muito de objetivos alcançados, mas ao longo do ensino nossa
lógicas desde a perspectiva atual do conhecimento dos obrigação profissional consiste em incentivar, animar e
processos de aprendizagem e ensino. potencializar a autoestima, estimular a aprender cada
Para poder resolver esta verdadeira esquizofrenia dia mais. E isto não significa que devamos esconder o
entre um pensamento centrado na formação integral da que cada um é capaz de fazer, já que um dos objetivos
pessoa e os hábitos e os costumes de um modelo seletivo do ensino é que cada menino e menina consiga conhecer
e propedêutico, acreditamos que é conveniente diferenciar profundamente suas possibilidades e suas limitações. O
claramente, em primeiro lugar, o processo sancionador que não pode é que os resultados sejam utilizados como
ao final da escolarização obrigatória (em nosso caso, aos único referencial e sob determinados parâmetros seletivos.
dezesseis anos) e todas as informações que se oferecem ao
Temos que avaliar os processos que cada aluno segue, a
longo da escolarização.
fim de obter o máximo rendimento de suas possibilidades.
E lógico que ao final da etapa escolar obrigatória
Assim, ao longo da escolarização lhe proporcionaremos as
a, sociedade exija uma informação compreensível e
informações que, sem negar sua situação quanto a certos
homologável das capacidades adquiridas por cada aluno;
um informe que expresse com o máximo, rigor possível objetivos gerais, o ajudem a progredir.
as competências adquiridas. E é evidente que, dadas as Ao longo das diferentes etapas do ensino obrigatório
características diferenciais de cada aluno, os resultados temos que diferenciar entre o processo que cada aluno
obtidos não serão os mesmos para cada um deles. O sistema segue e os resultados ou competências que vai adquirindo.
educacional tem a obrigação de informar os resultados Um dos problemas que colocávamos no começo deste
obtidos, e é a sociedade quem estabelece as necessidades tópico era a dificuldade de expressar com uma única
ou requisitos prévios para cada uma das carreiras ou nota ou indicação o conhecimento que temos a respeito
alternativas profissionais. Mas isto não implica que desde da aprendizagem do aluno, geralmente numa disciplina.
pequenos o filtro tenha que ser esta seleção profissional. A informação de que dispomos não se refere apenas aos
Não podemos pré-julgar ou avaliar negativamente desde conhecimentos que adquiriu, como também à dedicação
o começo. Devemos levar em conta que se estamos que despendeu e ao progresso que realizou. E evidente
pensando em “todos” os meninos e meninas, em todos que dificilmente poderemos resumir numa indicação
os cidadãos e cidadãs, não existe nenhum sistema que apenas, seja uma nota ou um conceito, a complexidade
possa garantir o “melhor posto” para todos. Por sorte, da informação. Por isso é imprescindível elaborar alguns
nem todos podemos ou queremos ser banqueiros, registros completos que ajudem a entender o que está
engenheiros de telecomunicações, economistas ou acontecendo a cada menino e menina, que incluam
qualquer outro profissional considerado de prestígio num observações suficientes, com todos os dados que permitam
determinado momento. A função da escola e da verdadeira conhecer em profundidade a complexidade dos processos
responsabilidade profissional passam por conseguir que que cada aluno realiza. Esquematicamente, deveríamos
nossos alunos atinjam o maior grau de competência em poder diferenciar entre o que se espera de cada aluno,
todas as suas capacidades, investindo todos os esforços o processo seguido, as dificuldades que encontrou, sua
em superar as deficiências que muitos deles carregam por implicação na aprendizagem, os resultados obtidos e as
motivos sociais, culturais e pessoais. Uma vez alcançado medidas que é preciso tomar.
este objetivo, é evidente que a sociedade fará as seleções Em segundo lugar, é preciso diferenciar entre o que
correspondentes. O que não podemos fazer ao longo de
representam os resultados obtidos de acordo com os
todo o ensino obrigatório (em muitos casos desde os três
objetivos previstos para cada menino e menina, conforme
anos até os dezesseis, quer dizer, durante treze anos da
suas possibilidades, e o que estes resultados representam
vida da criança) é medir ou etiquetar o aluno conforme sua
em relação aos objetivos gerais para todo o grupo. O
capacidade de ser um “vencedor”. Todos sabemos que hoje
em dia ainda existem escolas, além do mais consideradas conhecimento que temos sobre como se aprende nos
de prestígio, que realizam esta seleção aos seis anos, já obriga a enfocar a aprendizagem como um processo de
que não aceitam alunos que ainda (!) não saibam ler nem crescimento individual, singular, em que cada aluno avança
escrever ou que apresentem algum tipo de “deficiência com um ritmo e um estilo diferentes. Se entendemos o
escolar”. ensino como um ato em que se propõem metas e ajudas
personalizadas, dificilmente pode se entender uma
Esta necessidade de diferenciar a função seletiva do informação que não contemple este processo pessoal ou
processo seguido pelo aluno e, portanto, de informá- que não relacione o processo que cada aluno segue aos
lo fundamentalmente sobre seu processo pessoal, não objetivos que consideramos que devem ser alcançados.
obedece a razões de “caridade”, mas de eficiência. Além do mais, tampouco podemos deixar de relacionar
Todos aprendemos mais e melhor quando nos sentimos estas aprendizagens pessoais com aqueles objetivos
estimulados, quando temos um bom autoconceito, quando correspondentes ao grupo/ classe, conforme o que
nos propomos metas desafiantes, mas acessíveis para determina o projeto da escola.

168
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Em terceiro lugar, na análise e avaliação das muito, necessita melhorar mais porque não dedica muito
aprendizagens é indispensável diferenciar os conteúdos esforço? E um PA? Quer dizer que se trata de um menino
que são de natureza diferente e não situá-los num mesmo que não sabe muito, mas que está progredindo muito,
indicador. Não podemos resolver a valoração de um aluno conforme suas possibilidades? E evidente que estas não
numa determina área com um único dado que se refira às são as interpretações que se pretendem. No findo, um
aprendizagens de conteúdos conceituais, procedimentais NM é um eufemismo do reprovado ou insuficiente e um
e atitudinais ao mesmo tempo. Nenhuma afirmação sobre PA do aprovado ou suficiente. E se examinamos a, etapa
uma área ou uma matéria terá valor explicativo se o que do secundário obrigatório, veremos que a proposta é a
indica não e suficientemente compreensível para que convencional, ou seja, o que se pretende é que com um
se possa tomar as medidas educativas pertinentes. Por único indicador por área se faça uma avaliação que não
exemplo, supondo que possamos considerar aproveitável leva em conta a tão mencionada atenção à diversidade.
a nota quantificada, se a informação acerca de um aluno Como pudemos constatar, a resposta à pergunta sobre
nos diz que obteve um 7 num determinado tema de o que se tem que informar está claramente condicionada
matemática, que interpretação podemos fazer desta nota? pela função social que atribuímos ao ensino e. a concepção
Obteve um 7 nos conteúdos conceituais do tema, um 7 que temos da aprendizagem. Estas concepções são
nos procedimentais e um 7 nos atitudinais? Ou por acaso também as que determinam o papel que devem ter os
este 7 é a média proporcional? E caso se trate da média informes segundo os destinatários da avaliação.
proporcional: que nota daremos ao aluno que obteve um
10 nos conteúdos conceituais, um 8 nos procedimentais Informes segundo os destinatários
e um 3 nos atitudinais? Também lhe daremos um 7? O
que nos indicarão estes 7 sucessivos? Se nossa intenção é O costume nos faz considerar como algo normal que
conhecer realmente para adotar as medidas educativas de um mesmo informe sirva para qualquer um dos possíveis
que cada aluno necessita, esta informação dificilmente será interessados na informação que decorre da avaliação. Os
útil se não especifica os resultados ou a situação concreta boletins de notas foram o instrumento único de transmissão
para cada tipo de conteúdo. da informação, independente dos receptores. Os possíveis
interessados em conhecer a avaliação de um aluno são
Em quarto lugar, temos que diferenciar entre as os professores, o próprio aluno, seus familiares, a escola
demandas da administração e as necessidades de e a administração. Se nos deixamos levar pelos costumes
avaliação que temos na escola, em nossa responsabilidade adquiridos, certamente não nos faremos a pergunta capital
profissional. As administrações costumam ser entidades ao refletir sobre qual é o tipo de informe de que necessita
complexas e com tendências burocratizantes. Os critérios cada um destes possíveis receptores e proporemos o
e as formas exigidas pelos processos avaliadores devem mesmo para todos. O que deve ou deveria fazer cada
ser, pelo que estamos vendo, eminentemente qualitativos. receptor com esta informação? Qual é a função que deve
Por outro lado, as administrações tendem a simplificar, com ter, conforme o destinatário? A resposta a estas perguntas
argumentos seguidamente paternalistas: os educadores não apenas indicará que tipo de informe se requer, como
que temos não saberão fazê-lo, logo simplifiquemos. também que conteúdos deve ter.
Além do mais, a quantificação ou a resposta em poucos Como qualquer outra variável metodológica, as
pontos sempre é mais fácil de controlar e, portanto, características da avaliação dependem das finalidades que
exige um menor investimento em recursos que permitam atribuímos ao ensino. A pergunta que estamos fazendo
desenvolver processos qualitativos. E preciso acrescentar agora logicamente dependerá destes objetivos. A opção
também a exigência de selecionar que, gostemos ou não, escola seletiva e propedêutica dá como resultado uma
a administração terá que fazer num ou noutro momento avaliação sancionadora e um instrumento informativo
e que faz com que a filosofia da promoção para níveis único - o boletim de notas - centrado nos resultados
superiores acabe impregnando as decisões administrativas. obtidos por áreas ou matérias. N. resposta a esta pergunta
Um bom reflexo desta situação é a contradição entre será substancialmente diferente quando a opção for a de
as propostas curriculares da maioria das comunidades uma escola que presta atenção à diversidade e que busca a
autônomas, por um lado, com manifestações explícitas a formação integral da pessoa. A breve análise que propomos
favor da formação integral, da concepção construtivista para cada destinatário parte desta opção.
do ensino e aprendizagem e, portanto, da necessidade Nós professores e professoras ternos que dispor de
de atender à diversidade, e, por outro, certos modelos de todos os dados que nos permitam conhecer em todo
informes que continuam tendo como referência concepções momento que atividades cada aluno necessita para sua
tradicionais de informações por áreas ou matérias, com formação. Os dados devem se referir ao processo seguido
indicadores globais, onde são prioritários os resultados pelo aluno: no começo, durante e ao finalizá-lo e deverão
obtidos em vez do processo seguido. E paradoxal que num permitir determinar que necessidades tem e, portanto, que
modelo que parte da atenção à diversidade, no primário, medidas educativas temos que lhe oferecer. Esta informação
se proponha como indicadores de resultados o NM necessária não apenas se refere a sua aprendizagem, como
(necessita melhorar) e o PA (progride adequadamente). O também às medidas que foram adotadas ao longo de todo
que significa um NM num modelo que propõe a atenção o processo. Assim, pois, é preciso ter um bom registro das
à diversidade? O que é uma menina que, apesar de saber incidências de cada aluno em relação ao processo seguido,

169
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

aos resultados obtidos e às medidas utilizadas. Portanto, implica romper com certo tipo de informação que, pelo
este registro deve contemplar a informação de que fato de se fixar unicamente nos resultados chocos, faz
dispomos quanto ao percurso, o grau de realização dos com que às vezes se felicite quem trabalhou abaixo de
objetivos previstos e o grau de aprendizagem adquirido suas possibilidades, estimulando-o a continuar atuando da
em cada conteúdo. Quer dizer, precisamos conhecer, além mesma forma e, por outro lado, se castigue aquele que se
de como o conseguiu, a descrição do que sabe, sabe fazer esforçou muito, potencializando assim sua desmotivação.
e como é, para poder efetuar uma avaliação a respeito O costume tem feito com que a primeira demanda dos
dele mesmo e outra a respeito do que consideramos familiares seja comparativa, exigindo uma avaliação similar
como finalidades gerais do ciclo ou do curso. Enfim, uma a que eles tiveram como alunos. E lógico que seja assim, é
informação que possibilite situar o aluno em relação a suas o que sempre viram e teoricamente lhes foi útil. E coerente
possibilidades reais e ao que poderíamos considerar a numa lógica seletiva. Foi reprovado ou não foi reprovado?
média desse curso. Está entre os primeiros ou os últimos? Estas são as
perguntas habituais. Obviamente, não pode se esconder o
O aluno necessita de incentivos e estímulos. É conhecimento que temos do aluno nestas questões. Temos
necessário que conheça sua situação, em primeiro lugar, que fazer com que os familiares compreendam que nos
em relação a si mesmo e, em segundo lugar, em relação aos fixarmos unicamente nesta variável não ajudará seu filho
demais. Sem incentivos, sem estímulos e sem entusiasmo ou filha, que o que deve preocupá-los é como colocar à
dificilmente poderá enfrentar o trabalho que lhe é disposição os meios que possibilitem seu crescimento E isto
proposto. Vimos e sabemos que sem uma atitude favorável só será possível se seu foco de atenção são os progressos
em relação à aprendizagem não se avança, e esta atitude que está fazendo em relação às suas possibilidades. Um
depende estreitamente da autoestima e do autoconceito dos melhores meios de comunicação é a entrevista pessoal,
de cada aluno. E imprescindível oferecer a informação já que permite adequar a informação às características dos
que o ajude a superar os desafios escolares. Portanto, familiares e priorizar convenientemente os diferentes dados
tem que ser uma verdadeira ajuda, não unicamente uma transmitidos. Por outro lado, o informe escrito, embora
constatação de carências que certamente o próprio aluno deva ser compreensível, não pode ser uma simplificação
já conhece bastante bem. Tem que receber informação que ou banalização da riqueza de matizes e conteúdos que
o anime a continuar trabalhando ou a trabalhar. O recurso compreende todo o processo de ensino/aprendizagem.
da provocação mediante a comparação só é útil quando as A escola, a equipe docente, a fim de garantir a
metas estão a seu alcance, além de ser uma solução parcial continuidade e a coerência no percurso do aluno, tem que
que origina outros problemas. O informe tem que propor dispor de todos os dados necessários para este objetivo.
algumas metas que o aluno sabe que lhe são acessíveis, Esta informação deverá contemplar tudo quanto possa
que não estejam muito distantes de suas possibilidades e, ajudar os professores de cada série e de cada área a
sobretudo, que para superá-las possa contar com a ajuda tomar as medidas adequadas às características pessoais
dos professores. Tem que saber qual é o processo seguido a de cada um de seus alunos. Deverão ser dados referentes
fim de compreender as causas dos avanços e dos tropeços. ao processo seguido, aos resultados obtidos, às medidas
E esta é a função prioritária da informação que o aluno tem específicas utilizadas e a qualquer incidente significativo.
que receber ao longo de sua escolarização. Porém, isto não De certo modo, têm que ser uma síntese dos diferentes
é o suficiente; é necessário que conheça periodicamente registros de cada um dos professores e professoras que o
qual é sua situação em relação a determinados objetivos aluno teve na escola.
gerais de grupo, não com finalidade classificatória, mas Finalmente, a administração. E evidente que a única
com a intenção de conhecer suas verdadeiras forças. resposta possível neste caso é que a informaremos sobre
A avaliação deve ser efetuada em relação a si mesmo. E o que nos peça. Agora, numa perspectiva de atenção
preciso ter presente que informar o menino ou a menina à diversidade e de ensino compreensivo, que tipo de
sobre suas aprendizagens é uma das atividades de ensino/ informação deveria nos pedir? Por coerência com esta opção
aprendizagem com mais incidência formativa. Quer dizer, – e ao contrário da que se propõe atualmente – a informação
temos que tratá-la como uma atividade de aprendizagem e exigida nunca deveria ser simples. A administração
não como uma ação independente da maneira de ensinar. educacional é gerida por educadores; portanto, seria
A informação que os familiares do aluno recebem lógico que a informação fosse o mais profissional possível,
também tem urna incidência educativa e, portanto, deverá com critérios que permitissem a interpretação do caminho
ser tratada como tal. Conforme o uso que os pais fizerem seguido pelos meninos e meninas, conforme modelos
desta informação, poderão estimular o menino ou a menina tão complexos como complexa é a tarefa educativa. E
ou, pelo contrário, transformar-se num impedimento para incoerente falar de atenção à diversidade, globalização,
seu progresso. A informação que têm que receber, como transversalidade, objetivos gerais de etapa em forma de
a do aluno, tem que se centrar, fundamentalmente, no capacidades, conteúdos conceituais, procedimentais e
processo que segue e nos avanços que realiza, assim como atitudinais, etc., se toda esta riqueza tem que ficar diluída,
nas medidas que a família pode adotar para fomentar o escondida numa nota, do tipo que for, por área ou matéria.
trabalho que se faz na escola. A referência básica deve ser o Defendem-se certos modelos, mas o caráter seletivo
processo pessoal, situado em relação a suas possibilidades, aparece de maneira recorrente, embora aparentemente
a fim de que a avaliação se centre no que pode fazer. Isto não se queira. O mais triste de tudo é que os modelos da

170
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

administração acabam por se transformar na referência Assim, pois, convém entender que todo o processo de
da maioria. Para os demais, estes modelos são um motivo ensino/aprendizagem tem alguma coisa, para não dizer
a mais de desencanto quando se dão conta de que tudo muito, de relação pessoal. E todas as relações têm uma
pode ficar em palavras grandiloquentes, quando vêem que dimensão pública, uma dimensão privada e uma dimensão
por culpa de algumas propostas simplistas tudo se resume íntima. Temos que analisar se os sistemas tradicionais de
a boas intenções, porque, no final, os critérios de avaliação, comunicar os resultados das avaliações, assim como a
ou o que tem que constar nos informes de avaliação, divulgação inadequada, se situam na dimensão eticamente
condicionará tudo quanto se faz na escola, os conteúdos correspondente. Amparar-se no pseudoargumenta que
de aprendizagem e a maneira de ensinar. afirma que se fez assim toda a vida não é mais do que
constatar que se atuou basicamente por inércia.
Fizemos um exame dos diferentes receptores possíveis
do conhecimento que temos do rendimento escolar e de
Conclusões
como o adquirimos. Mas nos esquecemos de alguém que
até agora tem sido um receptor habitual. Referimo-nos aos Apesar de que se disse muitas vezes, convém não
colegas do mesmo grupo / classe e inclusive das outras perder de vista que, dado que a avaliação é um elemento-
turmas. chave de todo o processo de ensinar e aprender, sua
Sem dúvida, o peso da história e das rotinas adquiridas função se encontra estreitamente ligada à função
na tarefa docente sancionam como “normais” determinadas que se atribui a todo o processo. Neste sentido, suas
formas de atuar que, com um olhar novo e objetivo, nos possibilidades e potencialidades se vinculam à forma
pareceriam fora de lugar e dificilmente justificáveis. Isto que as próprias situações didáticas adotam. Quando são
acontece no caso dos procedimentos, através dos quais homogeneizadoras, fechadas, rotineiras, a avaliação –
fica publicamente difundido o resultado das avaliações dos na função formativa e reguladora que ternos atribuído
meninos e meninas. Talvez seja um tributo que se tenha a ela – tem pouca margem para se transformar num
de pagar pela longa permanência de um sistema educativo fato habitual e cotidiano. Contrariamente, as propostas
essencialmente seletivo e propedêutico, que tem como abertas, que favorecem a participação dos alunos e de
finalidade última selecionar os “melhores” alunos para possibilidade de observar, por parte dos professores,
levá-los à universidade (o que implica, de forma paralela, oferecem a oportunidade para uma avaliação que ajude a
a identificação dos alunos menos capacitados e seu desvio acompanhar todo o processo e, portanto, a assegurar sua
idoneidade. Também são estas situações que dão margem
para outras opções). Agora, em nenhum caso parece
à autoavaliação.
legítima a prática de tornar públicos os nomes daqueles
Agora, é preciso lembrar que avaliar, e avaliar de uma
que estão academicamente bem situados e dos que estão determinada maneira – diversificada tanto em relação aos
no fim da lista. objetos como aos sujeitos da avaliação, e com o objetivo de
tomar decisões de diferente caráter – não é, exclusivamente,
Optar por um modelo de educação integral, que tem uma questão de oportunidade.
como principal objetivo ajudar todos os alunos a crescer e A presença de determinadas opções claras, de tipo
formá-los nas diversas capacidades, sem deixar de atender geral, sobre a função do ensino e da maneira de entender
os que têm menos possibilidades, obriga a modificar os processos de ensino/ aprendizagem, que dão um
muitos dos costumes e das rotinas que herdamos de sentido ou outro à avaliação, soma-se a necessidade de
um ensino de caráter seletivo. No âmbito da avaliação e objetivos ou finalidades específicas que atuam como
da comunicação dos resultados, não devemos perder referencial concreto d., atividade avaliadora, que a faça
de vista que os professores têm acesso, graças a seu menos arbitrária, arais justa e útil. Ao mesmo tempo, exige
conhecimento profissional, a aspectos da personalidade uma atitude observadora e indagadora por parte dos
dos alunos que temos que considerar estritamente íntimos. professores, que os impulsionem a analisar o que acontece
Este conhecimento tem que ser utilizado unicamente e a tomar decisões para reorientar a situação, quando for
para contribuir para o progresso tanto do aluno como necessário. Esta atitude se aprende. E também tem que se
do professor: aos professores, para que possam adaptar aprender a confiar nas próprias possibilidades para se levar
a cabo este trabalho, a confiar na grande quantidade de
o ensino às necessidades do aluno e para que valorizem
dados, às vezes assistemáticos e informais, que obtemos ao
seu esforço; ao do aluno, para que se conscientize de sua
longo do trabalho diário e que não têm porque ser pouco
situação e analise seus progressos, seus retrocessos e seu úteis embora sejam de caráter pouco “técnico”.
envolvimento pessoal. Também devemos aprender a confiar nas possibilidades
Por tudo isso, a informação e o conhecimento têm que de os alunos para auto avaliar seu processo. O melhor
permanecer na privacidade do aluno e de seu professor em caminho para fazê-lo é ajudar os alunos a alcançar os
virtude do contrato que os vincula ao longo de uma série critérios que lhes permitam se auto avaliar, combinando
escolar. Não é justo nem útil que se proclamem aos quatro e estabelecendo o papel que esta atividade tem na
ventos de maneira indiscriminada. E não é útil porque aprendizagem e nas decisões de avaliação que tomam. A
devemos duvidar do hipotético efeito estimulante de uma autoavaliação não pode ser um episódio nem um engano;
atuação que, pelo contrário, tem muitas possibilidades também é um processo de aprendizagem de avaliação do
de ser prejudicial para os meninos e meninas quanto tem próprio esforço e, portanto, é algo que convém planejar e
conotações negativas. levar a sério.

171
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Por último, devemos ter presente que, na aula e na Diz Martins, “historicamente, é muito comum ouvir nos
escola, avaliamos muito mais do que se pensa, e inclusive meios educacionais, sobretudo entre alunos, afirmações
mais do que temos consciência. Um olhar, um gesto, urna como: “aquele professor não tem didática...”; “ele tem
expressão de alento ou de confiança, uma recusa, um não conhecimento, mas não sabe comunicar”; “o professor
levar em conta o que se fez, uma manifestação de afeto... conhece o assunto da sua matéria, mas não sabe transmitir”.
tudo isto também funciona, para um menino ou uma E acrescenta adiante “a didática é usualmente vista como
menina, como um indicador de avaliação. E impossível sinônimo de métodos e técnicas de ensino e, mais que
que estes detalhes não nos escapem, mas devemos tentar isso, que a escola é tida como a instituição que transmite
ser discretos e ponderados em nossos julgamentos. conhecimentos” (2006, p. 75-76).
Efetivamente, o tema da avaliação complexo porque nos Contudo, o modo de atuar educacionalmente, requer
proporciona informação e muitas vezes questiona todo o adequações ao mundo atual e suas transformações ágeis
processo de ensino/aprendizagem. Por tudo isso, temos que não permitem a estagnação, o que cobra do professor
que lidar com ele como for possível. uma posição dinâmica frente ao processo educacional.
Segundo Veiga (2004):
Fonte
Enfatizar o processo didático da perspectiva relacional
ZABALA, Antoni. in A Prática Educativa. Como Ensinar.
significa analisar suas características a partir de quatros
Artmed, P. Alegre, 1998.
dimensões: ensinar, aprender, pesquisar e avaliar. O processo
A DIDÁTICA COMO FUNDAMENTO didático, assim, desenvolve-se mediante a ação reciproca e
EPISTEMOLÓGICO DO FAZER DOCENTE. interdisciplinar das dimensões fundamentais. Integram-se,
são complementares.
Considerada uma ciência que estuda os saberes
necessários à prática docente a Didática é um dos principais Pimenta et al (2013), também descreve a nova postura
instrumentos para a formação do professor, pois é nela da didática diante da importância na formação profissional
que se baseiam para adquirir os ensinamentos necessários quando enfatiza que:
para a prática. De acordo com Libâneo (1990, p. 26) “a [...] didática é, acima de tudo, a construção de
didática trata da teoria geral do ensino”. Como disciplina é conhecimentos que possibilitem a mediação entre o que é
entendida como um estudo sistematizado, intencional, de preciso ensinar e o que é necessário aprender; entre o saber
investigação e de prática (LIBÂNEO, 1990). estruturado nas disciplinas e o saber ensinável mediante
Ainda, nesta mesma linha de pensamento, Pimenta et al as circunstâncias e os momentos; entre as atuais formas
(2013, p.146), diz que: A didática, como área da pedagogia, de relação com o saber e as novas formas possíveis de
estuda o fenômeno ensino. As recentes modificações nos reconstruí-las.
sistemas escolares e, especialmente, na área de formação A Didática integra diversas dimensões que buscam
de professores configuram uma “explosão didática”. Sua uma ligação entre os pares que correspondem ao chamado
ressignificação aponta para um balanço do ensino como “triangulo didático”. Para Libâneo (2012, p. 1), “os elementos
prática social, das pesquisas e das transformações que têm integrantes do triângulo didático – o conteúdo, o professor,
provocado na prática social de ensinar. o aluno, as condições de ensinoaprendizagem - articulam-
Masetto (1997, p. 13), infere que “a didática como se com aqueles socioculturais, linguísticos, éticos, estéticos,
reflexão é o estudo das teorias de ensino e aprendizagem comunicacionais e midiáticos”.
aplicadas ao processo educativo que se realiza na escola, Veiga (1989, p. 22), sobre a importância da Didática
bem como dos resultados obtidos”. no currículo do professor diz que “o papel fundamental da
Portanto, estudar Didática no Ensino Superior, não Didática no currículo de formação de professor é o de ser
significa acumular informações sobre as práticas e técnicas
instrumento de uma prática pedagógica reflexiva e crítica,
do processo de ensino e aprendizagem, mas sim acrescentar
contribuindo para a formação da consciência crítica”.
em cada sujeito a capacidade crítica em questionar e fazer
E, diante desta interação, percebe-se que a construção
reflexão sobre as informações adquiridas ao longo de
de novos conhecimentos acontece de forma paralela à
todo processo de ensino-aprendizado. Veiga (2010) diz
que é preciso “tornar o ensino da Didática mais atraente relação professor-aluno, visto que este traz para o cotidiano
e respaldado nos resultados das investigações envolvendo escolar sua experiência do contexto social em que vive e,
alunos em processo de formação”. com a ajuda mediadora do professor que deve conhecê-
Para Rios (2001) “tratar o fenômeno do ensino como lo enquanto ser social considerando seus conhecimentos
uma totalidade concreta, buscar suas determinações, prévios, e ajudando-o, assim, a transformar essas vivências
pensá-lo em conexão com outras práticas sociais é o que em conhecimentos relevantes dotados de significados.
se espera fazer, do ponto de vista de uma concepção crítica
do trabalho da didática”. Articular teoria e prática, uma relação necessária.
Por muito tempo ensinar era nada mais do que ter A formação do educador exige uma inter-relação entre
conteúdos para transmitir para os alunos, e estes eram a teoria e a prática, sendo que a teoria se ocupa da pesquisa
considerados seres sem luz, incapazes de construir unindo-se com os problemas reais que surgem na prática
conhecimentos próprios. e, esta, por sua vez, se determina pela teoria.

172
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

De acordo com Guimarães (2004, p. 31): Perrenoud (2000, p. 14), aponta como procedimentos
O que deve mover a discussão dessa temática é o da atuação do professor 10 (dez) famílias de competências
empenho na formação profissional, é a convicção de que que influenciam a formação contínua do educador:
a educação é processo imprescindível para que o homem Eis as 10 famílias:
sobreviva e se humanize e de que a escola é instituição 1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem.
ainda necessária neste processo, enfim, a relevância 2. Administrar a progressão das aprendizagens.
dessa temática está na compreensão da urgência, da 3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de
complexidade e da utopia do projeto de escolarização diferenciação.
obrigatória e da qualidade por uma sociedade efetivamente 4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu
mais democrática. trabalho.
5. Trabalhar em equipe.
Os educadores enquanto seres sociais que transformam 6. Participar da administração da escola.
a realidade quando realizam sua prática, precisam estar 7. Informar e envolver os pais.
conscientes da base teórica, a fim de se orientar por ela ao 8. Utilizar novas tecnologias.
mesmo tempo em que a teoria se alimenta da prática. 9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão.
Freire (1996), aborda a importância da reflexão crítica, 10. Administrar sua própria formação contínua.
em que professor deve fazer da prática sobre a teoria e
vice-versa. Contudo, muitos profissionais não vêm necessidade
Por isso é que, na formação permanente dos em se apropriar da teoria como base para suas ações,
professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica consideram a boa atuação como “vocação natural ou
sobre a prática, é pensando criticamente a prática de hoje somente da experiência prática, descartando-se a teoria”
ou de ontem que se pode melhorar a próxima pratica. O (LIBÂNEO, 1990).
próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem Entretanto, para Freire (1996), uma verdadeira formação
de ser de tal concreto que quase se confunda com a prática. docente acontece somente através de um novo olhar sobre
No mesmo ponto de vista Solé e Coll (1996), também a curiosidade epistemológica, pois:
indagam a importância da teoria sobre a prática quando Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-
dizem: se alheada, de um lado, do exercício da criticidade que
Necessitamos de teorias que nos sirvam de referencial implica a promoção da curiosidade ingênua a curiosidade
para contextualizar e priorizar metas e finalidades; para epistemológica, e de outro, sem o reconhecimento do valor
planejar a atuação; para analisar seu desenvolvimento e
das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição
modifica-lo paulatinamente, em função daquilo que ocorre
ou adivinhação.
e para tomar decisões sobre a adequação de tudo.
E, acrescenta a seguir, que “o importante, não resta
Freire (1996) afirma que, “a reflexão crítica sobre a
dúvida, é não pararmos satisfeitos ao nível das intuições,
prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática
mas submetê-las a análise metodicamente rigorosa de
sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática,
nossa curiosidade epistemológica” (FREIRE, 1996, 51).
ativismo”.
E reforça a seguir que, “quando vivemos a autenticidade De acordo com Giroux (1988), as instituições de ensino
exigida pela prática de ensinar e aprender participamos de se omitem ao negar aos docentes seu verdadeiro papel,
uma experiência total, diretiva, ideológica, gnosiológica, que é educá-los como intelectuais, pois ao ignorarem a
pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar- criatividade e o discernimento do professor separa-se a
se de mãos dadas com a decência e com a seriedade” teoria da prática.
(FREIRE, 1996). Do ponto de vista de Veiga (2010, p. 51) “a tarefa está
Um dos campos específicos da Didática aplica-se à em criar outras práticas, o desafio é construir de modo
constante articulação entre teoria e prática com outras coletivo uma Didática que faça pensar sobre nossas práticas
áreas do conhecimento para assim dar suporte ao professor pedagógicas”. A autora também se utiliza da afirmação de
no desenvolvimento de suas habilidades e competências que a prática pedagógica é também uma dimensão da
diante da educação. prática social inserida num contexto social, e que nossa
Ao referir-se a tal assunto Libanêo (2012, p. 16) diz que: obrigação enquanto educadores é possibilitar condições
[...] a formação de professores precisa buscar uma para que ela se realize (VEIGA, 1989).
unidade do processo formativo. A meu ver essa unidade Vemos assim que teoria e prática não se dissociam
implica em reconhecer que a formação inicial e continuada uma da outra, o que garante um pensamento crítico e uma
de professores precisa estabelecer relações teóricas e práticas ressignificação de atitude, já que para garantir satisfação
mais sólidas entre a didática e a epistemologia das ciências, na prática é preciso estar numa relação consciente e direta
de modo a romper com a separação entre conhecimentos com a teoria e basear-se nela em ações educacionais
disciplinares e conhecimentos pedagógico-didáticos. futuras.
Nesta perspectiva percebe-se a importância da Didática
visto que ela “se caracteriza como mediação entre as bases
teórico-cientificas da educação escolar e a prática docente”
(LIBÂNEO, 1990, p. 28).

173
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

A construção da identidade profissional [...] um professor de profissão não é somente alguém que
aplica conhecimentos produzidos por outros, não é somente
A construção da identidade profissional é um processo um agente determinado por mecanismos sociais: é um ator
de ressignificação em que o sujeito situado se constrói no sentido forte do termo, isto é, um sujeito que assume
historicamente. sua pratica a partir dos significados que ele mesmo lhe
O professor em formação tem que estar ciente sobre dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer
sua reflexão enquanto educador e de sua atualização sobre provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele
o conteúdo aprendido; ele precisa estar em constante estrutura e a orienta.
estado de aprendizagem para melhorar suas competências
tanto como profissional, quanto na sua metodologia de No que concerne à identidade profissional do professor
ensino. pode-se dizer que o mesmo tem que ser mais do que um
Libâneo (2001, p. 36) se refere à ação docente quando coadjuvante no ensino, que cativa e tem a atenção do aluno;
diz que: mais do que isso, tem que promover situações em que os
É certo, assim, que a tarefa de ensinar a pensar requer alunos sejam capazes de construir-se e reconstruir-se a
dos professores o conhecimento de estratégias de ensino partir de uma educação epistemologicamente cientifica,
e o desenvolvimento de suas próprias competências que garante ao aluno um ensino produtivo e significativo
do pensar. Se o professor não dispõe de habilidades de cognitivamente, estabelecendo intrínseca relação com a
pensamento, se não sabe “aprender a aprender”, se é solidariedade, a democracia e o desenvolvimento humano
incapaz de organizar e regular suas próprias atividades enquanto ser social e histórico.
de aprendizagem, será impossível ajudar os alunos a Vale dizer que sendo sujeito de sua própria prática, o
potencializarem suas capacidades cognitivas. professor constrói sua história a partir de seus valores e
Para o autor, a formação docente é um processo atitudes de seu dia a dia como cidadão, fundamentando
pedagógico, que deve acontecer de forma a levar o assim sua identidade.
professor a agir de maneira competente no processo de
ensino (LIBÂNEO, 2001). Considerações finais
Maia, Scheibel e Urban (2009, p. 18), discorrem sobre
A Didática como disciplina, deve desenvolver a
os fatores que possibilitam a identidade do professor:
capacidade a crítica dos professores em formação, para
- Significação social da profissão;
que possam analisar de forma clara e objetiva a realidade
- Revisão constante dos significados sociais da
do ensino de modo a possibilitar que o educando construa
profissão;
seu próprio saber.
- Revisão das tradições;
Entender que a Educação é um processo que faz parte
- Reafirmação de práticas consagradas culturalmente
do conteúdo global da sociedade significa entender que a
e que permanecem significativas (resistentes a inovações);
prática pedagógica é parte integrante do todo social.
- Significação conferida pelo professor à atividade Vale ressaltar que as bases teóricas que influenciam
docente no seu cotidiano (a visão de mundo do professor); a prática estão intrinsicamente ligadas à formação da
- Rede de relações com outros professores, em escolas, identidade profissional do professor, visto que, para uma
sindicatos e outros agrupamentos. formação completa, é preciso uma visão holística da práxis
pedagógica.
Gadotti (2007), diz que “o poder do professor está Necessidade indiscutível é a presença do professor
tanto na sua capacidade de refletir criticamente sobre a na sociedade e, esta presença, se faz pelo trabalho e
realidade para transformá-la, quanto na possibilidade de comprometimento em tratar a educação e os valores
construir um coletivo para lutar por uma causa comum”. advindos da sociedade na qual este profissional se insere.
Imbernón (2002) afirma que “[...] ser um profissional da Percebe-se então, a necessidade da constância
educação significa participar da emancipação das pessoas. em buscar uma Didática que valorize os envolvidos e
O objetivo da educação é ajudar a tornar as pessoas mais transforme os processos educacionais com propósito de
livres, menos dependentes do poder econômico, político integração. Sabendo que o fazer pedagógico do professor
e social. E a profissão de ensinar tem essa obrigação não se restringe a um fazer exclusivamente acadêmico, e
intrínseca”. que é preciso analisar criticamente o projeto econômico,
Os professores precisam repensar o modo pelo qual político e social para atuar satisfatoriamente no contexto
agem diante da sociedade e qual sua contribuição, uma atual, que é desafiador diante das mudanças dinâmicas que
vez que identidade não é inerente ao ser humano, e sim, acontecem dia após dia. Reconhece-se a Didática como
uma posição que se constrói quer seja com certezas e/ instrumento que garante a grandiosidade no atendimento
ou incertezas estabelecidas nas relações com a realidade educacional.
social. Freire (1996) enfatiza a respeito da formação que
“quem forma se forma e reforma ao formar e quem é Fonte:
formado forma-se e forma ao ser formado”. BARBOSA, F. A. dos S; FREITAS, F. J. C. de. A didática e
De acordo com Tardif (): sua contribuição no processo de formação do professor.

174
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

CONCEITUANDO DIDÁTICA Com o passar dos anos e o desenvolvimento da


sociedade, da ciência e dos meios de produção, o clero
A palavra didática vem do grego (techné didaktiké), e a nobreza foram perdendo aos poucos seus “poderes”,
que se pode traduzir como arte ou técnica de ensinar. enquanto crescia o da burguesia. Essas transformações
A didática é a parte da pedagogia que se ocupa dos fizeram crescer a necessidade de um ensino ligado ás
métodos e técnicas de ensino, destinados a colocar em exigências do mundo atual, que contemplasse o livre
prática as diretrizes da teoria pedagógica. A didática desenvolvimento das capacidades e dos interesses
individuais de cada um.
estuda os diferentes processos de ensino e aprendizagem.
Jean Jacques Rousseau (1712–1778) foi um pensador
O educador Jan Amos Komenský, mais conhecido por que percebeu essas novas necessidades e propôs uma nova
Comenius, é reconhecido como o pai da didática moderna, concepção de ensino, baseada nos interesses e necessidades
e um dos maiores educadores do século XVII. imediatas da criança, sendo esse o centro de suas ideias.
A palavra “didática” se encontra inserida a uma expressão Enquanto Comênio, ao seguir as “pegadas da natureza”,
grega que se traduz por técnica de ensinar. É interessante pensava em “domar as paixões das crianças”, Rousseau
conhecer que desde uma perspectiva etimológica a palavra parte da ideia da bondade natural do homem, corrompido
“didática” na sua língua de origem, destacava a realização pela sociedade.
lenta de um acionar através do tempo, própria do processo Veiga diz que “[...] dessa forma não se poderia pensar
de instruir. O vocábulo didático aparece quando os adultos em uma prática pedagógica, e muito menos em uma
perspectiva transformadora na educação”. A metodologia de
começam a intervir na atividade de aprendizagem das
ensino (didática) era entendida somente como um conjunto
crianças e jovens através da direção deliberada e planejada
de regras e normas prescritivas que visam a orientação do
do ensino – aprendizagem. ensino e do estudo.
O termo “didático” aparece somente quando há a Após os jesuítas não ocorreram no país grandes
intervenção intencional e planejada no processo de ensino- movimentos pedagógicos, a nova organização instituída
aprendizagem, deixando de ser assim um ato espontâneo. por Pombal representou pedagogicamente, um retrocesso
A escola se torna assim, um local onde o processo de no sistema educativo, pois professores leigos começaram
ensino passa a ser sistematizado, estruturando o ensino a ser admitidos para ministrar “aulas-régias”, introduzidas
de acordo com a idade e capacidade de cada criança. O pela reforma pombalina.
responsável pela “teorização” da didática será Comênio: Para Veiga dada a predominância da influência da
A formação da teoria da didática para investigar as pedagogia nova na legislação educacional e nos cursos
de formação para o magistério, o professor absorveu seu
ligações entre ensino aprendizagem e suas leis ocorre no
ideário.
século XVII, quando João Amós Comênio (1592-1670), um Segundo Libâneo (1994) “um entendimento crítico
pastor protestante, escreve a primeira obra clássica sobre da realidade através do estudo das matérias escolares...”,
didática, a Didática Magna (LIBÂNEO, 1994). e assim os alunos podem expressar de forma elaborada
Foi o primeiro educador a formular a ideia da difusão os conhecimentos que correspondem aos interesses
dos conhecimentos educativos a todos, criou regras e prioritários da sociedade e inserir-se ativamente nas lutas
princípios de ensino, desenvolvendo um estudo sobre sociais, ou seja, defender seus ideais de acordo com sua
a didática. Suas ideias eram calcadas na visão ética realidade.
religiosa, mesmo assim eram inovadoras para a época e Comênio acreditava poder definir um método capaz de
se contrapunham ás ideias conservadoras da nobreza ensinar tudo a todos, ou como ele cita em sua obra “a arte
e do clero, que exerciam uma grande influência naquele de ensinar tudo a todos” e esclarece:
A proa e a popa de nossa Didática será investigar e
período. Algumas das principais características da didática
descobrir o método segundo o qual os professores ensinem
de Comênio, segundo Libâneo (1994) eram de que a menos e os estudantes aprendam mais: nas escolas haja
educação era um elo que conduzia a felicidade eterna menos barulho, menos enfado, menos trabalho inútil, e,
com Deus, portanto, a educação é um direito natural de ao contrário, haja mais recolhimentos, mais atrativo e mais
todos, a didática deveria estudar características e métodos sólido progresso; na Cristandade, haja menos trevas, menos
de ensino que respeitem o desenvolvimento natural do confusão, menos dissídios, e mais luz, mais ordem, mais
homem, a idade, as percepções, observações; deveria paz, mais tranquilidade.
também ensinar uma coisa de cada vez, respeitando a De certo modo podemos dizer que a Didática é
compreensão da criança, partindo do conhecido para o uma ciência cujo objetivo fundamental é ocupar-se das
desconhecido. estratégias de ensino, das questões práticas relativas à
As ideias de Comênio, infelizmente não obtiveram metodologia e das estratégias de aprendizagem.
Ao longo do estudo sobre o processo de ensino na
repercussão imediata naquela época (século XVII), o modelo
escola podemos observar a relação entre o ensino e a
de educação que prevalecia era o ensino intelectualista,
aprendizagem através da atividade do professor em relação
verbalista e dogmático, os ensinamentos do professor
a do aluno. Desta forma a didática se manifesta no contexto
(centro do ensino) eram baseados na repetição mecânica e
de se organizar o ensino; de maneira que se tracem os
memorização dos conteúdos, o aluno não deveria participar
objetivos, estipulando os métodos a serem seguidos e
do processo, o ensino separava a vida da realidade.
planejando as ações conjuntas dentro da escola.

175
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Dentro dessa perspectiva percebemos que “a atividade lado a “aprendizagem casual” definida como uma forma
de ensinar é vista, comumente, como transmissão de espontânea que surge naturalmente da interação entre
matéria aos alunos, realização de exercícios repetitivos, pessoas com o meio; isto é ressaltado pelo fato de que
memorização de definições e fórmulas”. Essa caracterização a observação, experiência e acontecimentos do cotidiano
de ensino é vista em muitas escolas em que o professor é o proporcionam também aprendizagem e que isto deve ser
elemento ativo que fala, interpreta e transmite o conteúdo; observado pelo professor de forma que se possa utilizar
levando ao aluno à tarefa de reproduzir mecanicamente o didaticamente.
que absorveu; o que na visão de Libâneo é chamado de A aprendizagem escolar também está vinculada com
“ensino tradicional”. a motivação dos alunos tanto para atender necessidades
Concordamos com o autor quando diz que o professor orgânicas ou sócias; quanto para atender exigências
não proporcionar através desse método o desenvolvimento da escola, da família e até mesmo dos colegas. Essa
individual de conhecimento; com isso é observável que aprendizagem resulta da reflexão proporcionada pela
o livro didático é feito para ser vencido, o trabalho do percepção prático-sensorial e pelas ações mentais que
professor fica restrito às paredes de sala de aula, a realidade; caracterizam o pensamento, estes vão sendo formados
assim como o nível e condições que o aluno é submetido de acordo com a organização lógica e psicológica das
para chegar até o conhecimento não são levados em conta. matérias de ensino, sendo que nos remete a ideia de
Nesse contexto a Didática é de extrema importância que o desenvolvimento escolar é progressivo, ou seja, a
para um bom funcionamento e desenvolvimento do aprendizagem é um processo contínuo de desenvolvimento.
trabalho na escola de forma que ela organiza e planeja Segundo Libâneo: A didática, assim, oferece uma
as atividades do professor em relação aos alunos visando contribuição indispensável à formação dos professores,
alcançar seus objetivos, desenvolvimento de habilidades; sintetizando no seu conteúdo a contribuição de
como também hábitos e o conhecimento intelectual. conhecimentos de outras disciplinas que convergem para o
esclarecimento dos fatores condicionantes do processo de
A didática como fator de qualidade no processo de instrução e ensino, intimamente vinculado com a educação
ensino e aprendizagem e, ao mesmo tempo, provendo os conhecimentos específicos
necessários para o exercício das tarefas docentes.
O processo de ensino deve ter como ponto de partida o Castro, afirma a importância da didática dizendo:
nível de conhecimento, as experiências que proporcionam Pois é certo que a didática tem uma determinada
uma transmissão progressiva das capacidades cognitivas contribuição ao campo educacional, que nenhuma outra
como intelectuais; o que liga o ensino à aprendizagem. disciplina poderá cumprir. E nem a teoria social ou a
Nesse contexto a história da Didática e a prática escolar econômica, nem a cibernética ou a tecnologia do ensino,
presente tende a separar os conteúdos de ensino nem a psicologia aplicada à educação atingem o seu
do desenvolvimento de capacidades e habilidades; núcleo central: o Ensino.
configuradas também como aspecto material e formal do A didática é uma disciplina que complementa todas as
ensino. Desta forma percebemos que o ensino une dois outras, sendo interdisciplinar, pois será a “a essência” para
aspectos pelo fato de que a assimilação de conteúdos que o professor procure a melhor forma de desenvolver
requer desenvolvimento de capacidades e habilidades seu método de ensino. Podemos perceber que é clara a
cognoscitivas. importância da didática na formação docente, no entanto,
É importante ressaltar que o processo de ensino notamos que no desenvolver histórico desta profissão,
faz a interação entre dois momentos fundamentais: a a didática não obteve (e ainda não têm) esta mesma
transmissão e assimilação ativa tanto de conhecimentos relevância, e quando ministrada só alteava sua distorção e
quanto de habilidades. Com isso cabe ao professor a visão técnica, acentuando a distância entre teoria e prática.
tarefa de ensinar de modo que se tenha organização A didática é uma disciplina fundamental na formação
didática dos conteúdos que venha a promover condições do educador, pois, prepararão o futuro professor a
assimiláveis de aprendizagem; de forma que ele controle estar capacitado a trabalhar na sala de aula, uma vez
e avalie as atividades. Nesse sentido, Planejamento de que ele dominará os conteúdos científicos e práticos, e
ensino é o processo de decisão sobre atuação concreta principalmente já estará diante da realidade de sala de aula
dos professores, no cotidiano de seu trabalho pedagógico, para poder perceber se o que aprende é realmente válido
envolvendo as ações e situações, em constantes interações ou não, e poder questionar e cobrar seus aprendizados em
entre professor e alunos e entre os próprios alunos. sala de aula.
O professor, portanto, planeja, controla, facilita e
orienta o processo de ensino; de maneira que estimula o Referência:
desenvolvimento de atividades próprias dos alunos para a AMANDA, ALESSANDRA. A Didática como Fator de
aprendizagem. Qualidade no Processo de Ensino Aprendizagem. Texto
Essa interação de acordo com o autor é que promove disponível em:
a situação de ensino aprendizagem; ela é denominada de h t t p : / / w w w. e d i t o r a r e a l i z e . c o m . b r / r e v i s t a s /
“aprendizagem organizada” por ter uma finalidade especifica f i p e d / t r a b a l h o s / Tr a b a l h o _ C o m u n i c a c a o _ o r a l _
onde as atividades são organizadas intencionalmente, com idinscrito_1527_6e4e9ed0364cf72866c1c7293edfca21.pdf
planejamento e de forma sistemática. Porém há por outro

176
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

cultura que se marca por valorizações e avaliações. Será


O CURRÍCULO E CULTURA, CONTEÚDOS que algumas de nossas escolas não continuam a fechar
CURRICULARES E APRENDIZAGEM, PROJETOS suas portas para as manifestações culturais associadas à
DE TRABALHO; INTERDISCIPLINARIDADE E cultura popular, contribuindo, assim, para que saberes
e valores familiares a muitos(as) estudantes sejam
CONTEXTUALIZAÇÃO; MULTICULTURALISMO;
desvalorizados e abandonados na entrada da sala de
A ESCOLA E O PROJETO POLÍTICO
aula? Poderia ser diferente? Como? Um terceiro sentido
PEDAGÓGICO; O ESPAÇO DA SALA DE AULA da palavra cultura, originado no Iluminismo, a associa a
COMO AMBIENTE INTERATIVO; A ATUAÇÃO um processo secular geral de desenvolvimento social.
DO PROFESSOR MEDIADOR; A ATUAÇÃO DO Esse significado é comum nas ciências sociais, sugerindo a
ALUNO COMO SUJEITO NA CONSTRUÇÃO DO crença em um processo harmônico de desenvolvimento da
CONHECIMENTO. humanidade, constituído por etapas claramente definidas,
pelo qual todas as sociedades inevitavelmente passam.
Tal processo acaba equivalendo, por “coincidência”, aos
rumos seguidos pelas sociedades europeias, as únicas
O CURRÍCULO E CULTURA, CONTEÚDOS a atingirem o grau mais elevado de desenvolvimento.
CURRICULARES E APRENDIZAGEM, Há ainda reflexos dessa visão no currículo? Parece-nos
que sim. Em alguns cursos de História, por exemplo, as
Cultura, diversidade cultural e currículo referências se fazem, dominantemente, às histórias dos
povos “desenvolvidos”, o que nos aliena dos esforços e
Que entendemos pela palavra cultura? Talvez seja útil dos rumos seguidos na maioria dos países que formam
esclarecermos, inicialmente, como a estamos concebendo, o chamado Terceiro Mundo Em um quarto sentido, a
já que seus sentidos têm variado ao longo dos tempos, palavra “culturas” (no plural) corresponde aos diversos
particularmente no período da transição de formações modos de vida, valores e significados compartilhados por
sociais tradicionais para a modernidade (Bocock, 1995; diferentes grupos (nações, classes sociais, grupos étnicos,
Canen e Moreira, 2001). Acreditamos que tal esclarecimento culturas regionais, geracionais, de gênero etc) e períodos
pode subsidiar a discussão das relações entre currículo e históricos. Trata-se de uma visão antropológica de cultura,
cultura. O primeiro e mais antigo significado de cultura em que se enfatizam os significados que os grupos
encontra-se na literatura do século XV, em que a palavra compartilham, ou seja, os conteúdos culturais. Cultura
se refere a cultivo da terra, de plantações e de animais. É identifica-se, assim, com a forma geral de vida de um dado
nesse sentido que entendemos palavras como agricultura, grupo social, com as representações da realidade e as
floricultura, suinocultura. O segundo significado emerge visões de mundo adotadas por esse grupo. A expressão
no início do século XVI, ampliando a ideia de cultivo da dessa concepção, no currículo, poderá evidenciar-se no
terra e de animais para a mente humana. Ou seja, passa-se respeito e no acolhimento das manifestações culturais
a falar em mente humana cultivada, afirmando-se mesmo dos(as) estudantes, por mais desprestigiadas que sejam.
que somente alguns indivíduos, grupos ou classes sociais Finalmente, um quinto significado tem tido considerável
apresentam mentes e maneiras cultivadas e que somente impacto nas ciências sociais e nas humanidades em
algumas nações apresentam elevado padrão de cultura ou geral. Deriva da antropologia social e também se refere a
civilização. No século XVIII, consolida-se o caráter classista significados compartilhados. Diferentemente da concepção
da ideia de cultura, evidente na ideia de que somente as anterior, porém, ressalta a dimensão simbólica, o que a
classes privilegiadas da sociedade europeia atingiriam o cultura faz, em vez de acentuar o que a cultura é. Nessa
nível de refinamento que as caracterizaria como cultas. O mudança, efetua- se um movimento do que para o como.
sentido de cultura, que ainda hoje a associa às artes, tem Concebe-se, assim, a cultura como prática social, não
suas origens nessa segunda concepção: cultura, tal como como coisa (artes) ou estado de ser (civilização). Nesse
as elites a concebem, corresponde ao bem apreciar música, enfoque, coisas e eventos do mundo natural existem,
literatura, cinema, teatro, pintura, escultura, filosofia. Será mas não apresentam sentidos intrínsecos: os significados
que não encontramos vestígios dessa concepção tanto em são atribuídos a partir da linguagem. Quando um grupo
alguns de nossos atuais currículos como em textos que se compartilha uma cultura, compartilha um conjunto de
escrevem sobre currículo? Para alguns docentes, o estudo significados, construídos, ensinados e aprendidos nas
da literatura, por exemplo, ainda tende a se restringir a práticas de utilização da linguagem. A palavra cultura
escritores e livros vistos como clássicos. implica, portanto, o conjunto de práticas por meio das
Para alguns estudiosos da cultura e da educação, os quais significados são produzidos e compartilhados em
grandes autores, as grandes obras e as grandes ideias um grupo. São os arranjos e as relações envolvidas em
deveriam constituir o núcleo central dos currículos de um evento que passam, dominantemente, a despertar a
nossas escolas. Já no século XX, a noção de cultura passa atenção dos que analisam a cultura com base nessa quinta
a incluir a cultura popular, hoje penetrada pelos conteúdos perspectiva, passível de ser resumida na ideia de que cultura
dos meios de comunicação de massa. Diferenças e representa um conjunto de práticas significantes. Não será
tensões entre os significados de cultura elevada e de pertinente considerarmos também o currículo como um
cultura popular acentuam-se, levando a um uso do termo conjunto de práticas em que significados são construídos,

177
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

disputados, rejeitados, compartilhados? Como entender, impor tanto a definição particular de cultura de um dado
então, as relações entre currículo e cultura? Quando um grupo quanto o conteúdo dessa cultura. O currículo é um
grupo compartilha uma cultura, compartilha um conjunto território em que se travam ferozes competições em torno
de significados, construídos, ensinados e aprendidos nas dos significados.
práticas de utilização da linguagem. A palavra cultura Ou seja, no processo curricular, distintas e complexas
implica, portanto, o conjunto de práticas por meio das têm sido as respostas dadas à diversidade e à pluralidade
quais significados são produzidos e compartilhados em que marcam de modo tão agudo o panorama cultural
um grupo. contemporâneo. Cabe também ressaltar a significativa
Se entendermos o currículo, como propõe Williams, influência exercida, junto às crianças e aos adolescentes
como escolhas que se fazem em vasto leque de que povoam nossas salas de aula, pelos “currículos” por eles
possibilidades, ou seja, como uma seleção da cultura, “vividos” em outros espaços socioeducativos (shoppings,
podemos concebê-lo, também, como conjunto de práticas clubes, associações, igrejas, meios de comunicação, grupos
que produzem significados. Nesse sentido, considerações informais de convivência etc), nos quais se fazem sentir com
de Silva podem ser úteis. Segundo o autor, o currículo é intensidade muitos dos complexos fenômenos associáveis
o espaço em que se concentram e se desdobram as lutas ao processo de globalização que hoje vivenciamos. Nesses
em torno dos diferentes significados sobre o social e sobre outros espaços extraescolares, os currículos tendem a se
o político. É por meio do currículo que certos grupos organizar com objetivos distintos dos currículos escolares, o
sociais, especialmente os dominantes, expressam sua visão que faz com que valores como padronização, consumismo,
de mundo, seu projeto social, sua “verdade”. O currículo individualismo, sexismo e etnocentrismo possam entrar em
representa, assim, um conjunto de práticas que propiciam acirrada competição com outras metas, visadas por escolas
a produção, a circulação e o consumo de significados no e famílias. Vale perguntar: como temos, nas salas de aula,
espaço social e que contribuem, intensamente, para a reagido a esse “confuso” panorama em que a diversidade
construção de identidades sociais e culturais. O currículo se faz tão presente? Como temos nos esforçado para
é, por consequência, um dispositivo de grande efeito no desestabilizar privilégios e discriminações? Como temos
processo de construção da identidade do(a) estudante. Não buscado neutralizar influências “indesejáveis”? Como temos,
se mostra, então, evidente a íntima relação entre currículo na escola, dialogado com os “currículos” desses outros
e cultura? Se, em uma sociedade cindida, a cultura é um espaços? Em resumo, o complexo, variado e conflituoso
terreno no qual se processam disputas pela preservação cenário cultural em que estamos imersos se reflete no que
ou pela superação das divisões sociais, o currículo é ocorre em nossas salas de aula, afetando sensivelmente
um espaço em que esse mesmo conflito se manifesta. o trabalho pedagógico que nelas se processa. Voltamos
O currículo é um campo em que se tenta impor tanto a a perguntar: como as diferenças derivadas de dinâmicas
definição particular de cultura de um dado grupo quanto sociais como classe social, gênero, etnia, sexualidade,
o conteúdo dessa cultura. O currículo é um território cultura e religião têm “contaminado” nosso currículo, tanto
em que se travam ferozes competições em torno dos o currículo formal quanto o currículo oculto? Como temos
significados. O currículo não é um veículo que transporta considerado, no currículo, essa pluralidade, esse caráter
algo a ser transmitido e absorvido, mas sim um lugar multicultural de nossa sociedade? Como articular currículo
em que, ativamente, em meio a tensões, se produz e se e multiculturalismo? Que estratégias pedagógicas podem
reproduz a cultura. Currículo refere-se, portanto, a criação, ser selecionadas? Temos, professores e gestores, reservado
recriação, contestação e transgressão. Como todos esses tempo e espaço suficientes para que essas discussões
processos se “concretizam” no currículo? Pode-se dizer que aconteçam nas escolas? Como nossos projetos político-
no currículo se evidenciam esforços tanto por consolidar pedagógicos têm incorporado tais preocupações? Como
as situações de opressão e discriminação a que certos temos atendido ao que determina a Lei nº 10639/2003,
grupos sociais têm sido submetidos, quanto por questionar que torna obrigatório, nos estabelecimentos de ensino
os arranjos sociais em que essas situações se sustentam. fundamental e médio, o ensino sobre História e Cultura
Isso se torna claro ao nos lembrarmos dos inúmeros e afro-brasileira? De que modo os professores se têm
expressivos relatos de práticas, em salas de aulas, que inteirado das lutas e conquistas dos negros, das mulheres,
contribuem para cristalizar preconceitos e discriminações, dos homossexuais e de outros grupos minoritários
representações estereotipadas e desrespeitosas de certos oprimidos? Sem pretender oferecer respostas prontas
comportamentos, certos estudantes e certos grupos a serem aplicadas em quaisquer situações, move-nos a
sociais. Em Conselhos de Classe, algumas dessas visões, intenção de apresentar alguns princípios que possam
lamentavelmente, se refletem em frases como: “vindo de nortear a construção coletiva, em cada escola, de currículos
onde vem, ele não podia mesmo dar certo na escola!”. que visem a enfrentar alguns dos desafios que a diversidade
Ao mesmo tempo, há inúmeros e expressivos relatos de cultural nos tem trazido. Fundamentamo-nos, nesse
práticas alternativas em que professores(as) desafiam propósito, em estudos, pesquisas, práticas e depoimentos
as relações de poder que têm justificado e preservado de docentes comprometidos com uma escola cada vez
privilégios e marginalizações, procurando contribuir para mais democrática. Nossa intenção é convidar o profissional
elevar a autoestima de estudantes associados a grupos da educação a engajar- se no instigante processo de pensar
subalternizados. O currículo é um campo em que se tenta e desenvolver currículos para essa escola.

178
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Desejamos, com os princípios que vamos sugerir, exemplo, ao entrar em sala, trato todos os meus alunos
intensificar a sensibilidade do(a) docente e do gestor como se fossem brancos”. O daltonismo é tão intenso que
para a pluralidade de valores e universos culturais, para a chega a impedir que a professora reconheça a presença
necessidade de um maior intercâmbio cultural no interior da diversidade (e de suas consequências) na escola. Em
de cada sociedade e entre diferentes sociedades, para casos como esse, pode ser útil, em um primeiro momento,
a conveniência de resgatar manifestações culturais de buscarmos sensibilizar o corpo docente para a pluralidade
determinados grupos cujas identidades se encontram e para a diversidade. Como fazê-lo? Que estratégias
ameaçadas, para a importância da participação de todos empregar nessa tarefa, para que se possa ter a maior adesão
no esforço por tornar o mundo menos opressivo e possível dos que ainda não perceberam a importância de
injusto, para a urgência de se reduzirem discriminações e tais aspectos? Nessa perspectiva, é importante articular
preconceitos. O objetivo maior concentra-se, cabe destacar, o aprofundamento teórico com vivências de experiências
na contextualização e na compreensão do processo de em que os/as profissionais da educação são convidados/
construção das diferenças e das desigualdades. Nosso as a se colocar “em situação” e analisar as suas próprias
propósito é que os currículos desenvolvidos tornem reações. Como se sentiriam e reagiriam, por exemplo, se,
evidente que elas não são naturais; são, ao contrário, como algumas pessoas negras ainda têm sido, fossem
“invenções/construções” históricas de homens e mulheres,
impedidos(as) de entrar pela “porta da frente” em um
sendo, portanto, passíveis de serem desestabilizadas e
edifício residencial ou em um hotel de luxo?
mesmo transformadas. Ou seja, o existente nem pode ser
Outra estratégia possível diz respeito ao resgate
aceito sem questionamento nem é imutável; constitui-se,
de histórias de vida e análise de estudos de caso reais,
sim, em estímulo para resistências, para críticas e para a
formulação e a promoção de novas situações pedagógicas trazidos pelos próprios educadores ou registrados em
e novas relações sociais. pesquisas realizadas sobre tal temática. Talvez alguns
docentes se estimulem a apresentar e a discutir situações
Princípios para a construção de currículos em que se viram, eles próprios, discriminados, ou em que
multiculturalmente orientados presenciaram pessoas sendo depreciadas e desrespeitadas.
Como se comportaram nesses momentos? Em resumo, a
Passemos aos nossos princípios. Insistimos, ruptura do daltonismo cultural e da visão monocultural
inicialmente, na necessidade de uma nova postura, por da dinâmica escolar é um processo pessoal e coletivo
parte do professorado e dos gestores, no esforço por que exige desconstruir e desnaturalizar estereótipos e
construir currículos culturalmente orientados. Propomos, a “verdades” que impregnam e configuram a cultura escolar
seguir, que se reescrevam os conhecimentos escolares, que e a cultura da escola. Após a adoção de uma nova postura
se evidencie a ancoragem social desses conhecimentos, frente à pluralidade, outros princípios e propósitos podem
bem como que se transforme a escola e o currículo em mostrar-se úteis na formulação dos currículos.
espaços de crítica cultural, de diálogo e de desenvolvimento
de pesquisas. Esperamos que nossos princípios possam O currículo como espaço de reconhecimento de nossas
nortear a escolha de novos conteúdos, a adoção de novos identidades culturais
procedimentos e o estabelecimento de novas relações na
escola e na sala de aula. Um aspecto a ser trabalhado, que consideramos
de especial relevância, diz respeito a se procurar, na
A necessidade de uma nova postura escola, promover ocasiões que favoreçam a tomada de
consciência da construção da identidade cultural de cada
Elaborar currículos culturalmente orientados demanda um de nós, docentes e gestores, relacionando-a aos
uma nova postura, por parte da comunidade escolar, processos socioculturais do contexto em que vivemos
de abertura às distintas manifestações culturais. Faz- e à história de nosso país. O que temos constatado é a
se indispensável superar o “daltonismo cultural”, ainda
pouca consciência que, em geral, temos desses processos
bastante presente nas escolas. O professor “daltônico
e do cruzamento de culturas neles presente. Tendemos
cultural” é aquele que não valoriza o “arco-íris de culturas”
a uma visão homogeneizadora e estereotipada de nós
que encontra nas salas de aulas e com que precisa
mesmos e de nossos alunos e alunas, em que a identidade
trabalhar, não tirando, portanto, proveito da riqueza que
marca esse panorama. É aquele que vê todos os estudantes cultural é muitas vezes vista como um dado, como algo
como idênticos, não levando em conta a necessidade que nos é impresso e que perdura ao longo de toda
de estabelecer diferenças nas atividades pedagógicas nossa vida. Desvelar essa realidade e favorecer uma
que promove. O daltonismo cultural a que nos referimos visão dinâmica, contextualizada e plural das identidades
expressa-se, por exemplo, na visão da professora de culturais é fundamental, articulando- se as dimensões
uma escola normal que desencoraja uma pesquisadora pessoal e coletiva desses processos. Constitui um exercício
interessada em compreender o tratamento dado, na escola, fundamental tornarmo-nos conscientes de nossos
a questões referentes a racismo na formação docente. enraizamentos culturais, dos processos em que misturam
“Lamento, mas aqui você não terá material para seu estudo. ou se silenciam determinados pertencimentos culturais,
Não temos problema nenhum de racismo aqui. Eu, por bem como sermos capazes de reconhecê-los, nomeá-los e

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

trabalhá-los. Constitui um exercício fundamental tornarmo- Como temos entendido esse outro? Para Skliar e
nos conscientes de nossos enraizamentos culturais, dos Duschatzky, principalmente de três formas distintas: o
processos em que misturam ou se silenciam determinados outro como fonte de todo mal, o outro como sujeito
pertencimentos culturais, bem como sermos capazes de pleno de um grupo cultural, o outro como alguém a
reconhecê-los, nomeá-los e trabalhá-los. tolerar. A primeira perspectiva, segundo os autores,
Como favorecer essa tomada de consciência? Alguns marcou predominantemente as relações sociais durante
exercícios podem ser propostos, buscando-se criar o século XX e pode se revestir de diferentes formas,
oportunidades em que o profissional da educação se desde a eliminação física do outro, até a coação interna,
estimule a falar sobre como percebe a construção de sua mediante a regulação de costumes e moralidades. Nesse
identidade. Como vêm sendo criadas nossas identidades modo de nos situarmos diante do outro, assumimos uma
de gênero, raça, sexualidade, classe social, idade, visão binária e dicotômica. Em um lado separamos os
profissão? Como temos aprendido a ser quem somos, bons, os verdadeiros, os autênticos, os civilizados, cultos,
como profissionais da educação, brasileiros(as), homens, defensores da liberdade e da paz. Em outro, deixamos
mulheres, casados(as), solteiros(as), negros(as), brancos(as), os outros: os maus, os falsos, os bárbaros, os ignorantes
jovens ou idosos(as)? Nesses momentos, tem sido bastante e os terroristas. Se nos identificamos com os primeiros,
frequente a afirmação “nunca pensei na formação da o que temos a fazer é eliminar, neutralizar, dominar ou
minha identidade cultural”, ou então “me considero uma subjugar os outros. Caso nos sintamos representados
órfã do ponto de vista cultural”, expressão usada por como integrantes do pólo oposto, ou internalizamos a
uma professora jovem, querendo se referir à dificuldade nossa maldade e nos deixamos salvar, passando para o
de nomear os referentes culturais configuradores de sua lado dos bons, ou nos confrontamos violentamente com
trajetória de vida. A socialização em pequenos grupos, entre eles. Como essa primeira perspectiva se traduz na escola?
os(as) educadores(as), dos relatos sobre a construção de Mostra-se presente quando: (a) atribuímos o fracasso
suas identidades culturais pode se revelar uma experiência escolar dos(as) alunos(as) às suas características sociais ou
profundamente vivida, muitas vezes carregada de emoção, étnicas; (b) diferenciamos os tipos de escolas segundo a
que dilata tanto a consciência dos próprios processos de origem social dos(as) estudantes, considerando que alguns
formação identitária do ponto de vista cultural, quanto a têm maior potencial que outros e, para desenvolvermos
sensibilidade para favorecer esse mesmo dinamismo nas uma educação de qualidade, não podemos misturar
práticas educativas que organizamos. Nesses processos, estudantes de diferentes potenciais; (c) nos situamos,
podemos nos dar conta da complexidade envolvida como professores(as), diante dos(as) alunos(as), com base
na configuração dos distintos traços identitários que em estereótipos e expectativas diferenciadas segundo
coexistem, por vezes contraditoriamente, na construção a origem social e as características culturais dos grupos
das diferenças de que somos feitos. de referência; (d) valorizamos exclusivamente o racional
e desvalorizamos os aspectos afetivos presentes nos
O currículo como espaço de questionamento de nossas processos educacionais; (e) privilegiamos somente a
representações sobre os “outros” comunicação verbal, desconsiderando outras formas de
comunicação humana, como a corporal, a artística etc.
Junto ao reconhecimento da própria identidade Ao considerarmos o outro como sujeito pleno de uma
cultural, outro elemento a ser ressaltado relaciona-se às marca cultural, estamos concebendo-o como membro
representações que construímos dos outros, daqueles de uma dada cultura, vista como uma comunidade
que consideramos diferentes. As relações entre nós e os homogênea de crenças e estilos de vida. O outro, ainda
outros estão carregadas de dramaticidade e ambiguidade. que não seja a fonte de todo mal, é diferente de nós, tem
Em sociedades nas quais a consciência das diferenças se uma essência claramente definida, distinta da que nos
faz cada vez mais forte, reveste-se de especial importância caracteriza. Na área da educação, essa visão se expressa,
aprofundarmos questões como: quem incluímos na por exemplo, quando nos limitamos a abordar o outro de
categoria nós? Quem são os outros? Quais as implicações forma genérica e “folclórica”, apenas em dias especiais,
dessas questões para o currículo? Como nossas usualmente incluídos na lista dos festejos escolares, tais
representações dos outros se refletem nos currículos? Esses como o Dia do Índio ou Dia da Consciência Negra. Já a
são temas fundamentais que estamos desafiados a trabalhar expressão o outro como alguém a tolerar convida tanto a
nas relações sociais e, particularmente, na educação. Nossa admitir a existência de diferenças quanto a aceitá-las. Nessa
maneira de nos situarmos em relação aos outros tende a admissão, contudo, reside um paradoxo. Se aceitamos, por
construir-se em uma perspectiva etnocêntrica. Quem são princípio, todo e qualquer diferente, deveríamos aceitar os
os nós? Tendemos a incluir na categoria nós todas aquelas grupos cujas marcas são comportamentos anti-sociais ou
pessoas e aqueles grupos sociais que têm referenciais opressivos, como os racistas. Que consequências a adoção
semelhantes aos nossos, que têm hábitos de vida, valores, dessa perspectiva pode ter para a prática pedagógica?
estilos e visões de mundo que se aproximam dos nossos Julgamos que a simples tolerância pode nos situar em uma
e os reforçam. Quem são os outros? Tendem a ser os que posição débil, evitando que tomemos posição em relação
entram em choque com nossas maneiras de nos situarmos aos valores que dominam a cultura contemporânea.
no mundo, por sua classe social, etnia, religião, valores, Pode impedir que polemizemos, levando-nos a assumir a
tradições, sexualidade etc. conciliação como valor último. Pode incentivar-nos a não

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

questionar a “ordem”, vendo-a como comportamentos a intelectual centra-se, assim, na crítica da cultura em que
serem inevitavelmente cultivados. Poderíamos acrescentar estamos imersos. Como se expressa essa atividade na
outras formas de nos situar diante dos outros. No prática curricular? Julgamos que cabe à escola, por meio
entanto, acreditamos que a tipologia proposta por Skliar de suas atividades pedagógicas, mostrar ao aluno que as
e Duschatzky expressa as posições mais presentes na coisas não são inevitáveis e que tudo que passa por natural
nossa sociedade hoje, evidenciando a complexidade das precisa ser questionado e pode, consequentemente, ser
questões relacionadas à alteridade e à diferença. O que modificado. Cabe à escola levá-lo a compreender que a
desejamos destacar é que o modo como concebemos a ordem social em que está inserido define-se por ações
condição humana pode bloquear nossa compreensão dos sociais cujo poder não é absoluto. O que existe precisa ser
outros. Portanto, é importante promovermos processos visto como a condição de uma ação futura, não como seu
educacionais nos quais identifiquemos e desconstruamos limite. Nossos questionamentos devem, então, provocar
nossas suposições, em geral implícitas, que não nos tensões e desafiar o existente. Podem não mudar o mundo,
permitem uma aproximação aberta e empática à realidade mas podem permitir que o aluno o compreenda melhor.
dos outros. Como nos diz Bauman, “para operar no mundo (por
contraste a ser ‘operado’ por ele) é preciso entender como o
O currículo como um espaço de crítica cultural mundo opera”. A crítica de diferentes artefatos culturais na
escola pode, por exemplo, levar-nos a identificar e a desafiar
Apresentamos agora outro princípio, fortemente visões estereotipadas da mulher propagadas em anúncios;
relacionado aos anteriores: sugerimos que se expandam imagens desrespeitosas de homossexuais difundidas em
os conteúdos curriculares usuais, de modo a neles incluir programas cômicos de televisão; preconceitos contra
alguns dos artefatos culturais que circundam o(a) aluno(a). povos não ocidentais evidentes em desenhos animados;
A ideia é tornar o currículo um espaço de crítica cultural. mensagens encontradas em revistas para adolescentes do
Como fazê-lo? Um dos caminhos é abrir as portas, na sexo feminino (e da classe média) que incentivam o uso
escola, a diferentes manifestações da cultura popular, além de drogas, o consumismo e o individualismo; estímulos à
das que compõem a chamada cultura erudita. Músicas erotização precoce das meninas, visíveis em brinquedos e
populares, danças, filmes, programas de televisão, festas programas infantis; presença e aceitação da violência em
populares, anúncios, brincadeiras, jogos, peças de teatro, filmes, jogos e brinquedos. Outros exemplos poderiam ser
poemas, revistas e romances precisam fazer-se presentes citados, reforçando-nos o ponto de vista de que os produtos
nas salas de aula. Da mesma forma, levando-se em culturais à nossa volta nada têm de ingênuos ou puros; ao
conta a importância de ampliar os horizontes culturais contrário, incorporam intenções de apoiar, preservar ou
dos(as) estudantes, bem como de promover interações produzir situações que favorecem certos grupos e outros
entre diferentes culturas, outras manifestações, mais não. Tais artefatos, como se tem insistentemente acentuado,
associadas aos grupos dominantes, precisam ser incluídas desempenham, junto com o currículo escolar, importante
no currículo. A intenção é que a cultura dos estudantes e papel no processo de formação das identidades de nossas
da comunidade possa interagir com outras manifestações crianças e nossos adolescentes, devendo constituir- se,
e outros espaços culturais como museus, exposições, portanto, em elementos centrais de crítica em processos
centros culturais, música erudita, clássicos da literatura. Se curriculares culturalmente orientados.
aceitarmos a inexistência, no mundo contemporâneo, de
qualquer “pureza cultural”, se pretendermos abrir espaço O currículo como um espaço de desenvolvimento de
na escola para a complexa interpenetração das culturas e pesquisas
para a pluralidade cultural, tanto as manifestações culturais
hegemônicas como as subalternizadas precisam integrar Como intelectual que é, todo(a) profissional da
o currículo e ser objeto de apreciação e crítica. Talvez educação precisa comprometer-se com o estudo e com a
fosse útil, para o desenvolvimento do que sugerimos, pesquisa, bem como posicionar-se politicamente. Precisa,
que discutíssemos, na escola, com que recursos podemos assim, situar-se frente aos problemas econômicos, sócio-
contar em nossa comunidade e como fazer para que outros políticos, culturais e ambientais que hoje nos desafiam e
recursos venham, de alguma forma, a tornar-se familiares que desconhecem as fronteiras entre as nações ou entre as
a nossos(as) alunos(as). ... Abrir as portas, na escola, a classes sociais. Sem esse esforço, será impossível propiciar
diferentes manifestações da cultura popular, além das que ao(à) aluno(a) uma compreensão maior do mundo em
compõem a chamada cultura erudita. que vive, para que nele possa atuar autonomamente. Sem
Nessa perspectiva, há um ponto que desejamos esse esforço, será impossível a proposição de alternativas
destacar. Ao intentarmos transformar a escola em um viáveis, decorrentes de reflexões e investigações cuidadosas
espaço cultural, estamos convidando cada professor(a), e rigorosas. Daí a necessidade de um posicionamento
como intelectual que é, a desempenhar o papel de crítico(a) claro e de um comprometimento com a pesquisa. Será
cultural. Estamos considerando que a atividade intelectual possível e desejável que nós, profissionais da educação
implica o questionamento do que parece inscrito na infantil e do ensino fundamental, venhamos a nos envolver
natureza das coisas, do que nos é apresentado como com pesquisa? Julgamos que sim. Propomos que todo(a)
natural, questionamento esse que visa, fundamentalmente, profissional da educação venha, de algum modo, a
a mostrar que as coisas não são inevitáveis. A atividade participar de pesquisas sobre sua prática pedagógica ou

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

administrativa, sobre a disciplina que ensina, sobre os que desenvolvam no aluno sua criatividade, análise
saberes docentes, sobre o currículo, sobre a avaliação, crítica, atitudes e valores orientados para a cidadania,
sobre a educação em geral, sobre a sociedade em que atentas às dimensões éticas e humanísticas e que supere
vivemos ou sobre temas diversificados (não incluídos no o conteudismo do ensino reduzido à condição de
currículo). Consideramos que gestores e docentes precisam meros instrumentos de transmissão de conhecimento e
organizar os tempos e os espaços escolares para abranger informações. Então, faz-se necessário repensar os objetivos
as atividades de pesquisa aqui propostas. É fundamental da educação de modo a permitir que o aluno compreenda
que, nesse esforço, se verifiquem os recursos necessários o mundo, que dele se aproprie e que o possa transformar.
e os recursos com que se pode contar. A comunidade Sugere Castilho (2001) que o método de ensino é a variável
em que a escola se situa pode e deve participar tanto do que mais pesa nos resultados do desempenho do aluno.
planejamento como da implementação dos estudos. Almeida (1999) argumenta que a forma de conceber a
A Secretaria de Educação deve ser chamada a colaborar. educação envolvendo o aluno, promovendo sua autonomia
A pesquisa do(a) professor(a) da escola básica certamente e garantindo uma aprendizagem significativa deveria ser
difere da pesquisa levada a cabo na universidade e nos por meio do desenvolvimento de projetos. À medida que
centros de pesquisa, o que, entretanto, não a torna inferior. suas competências são desenvolvidas, suas possibilidades
A participação em pesquisa pode mesmo contribuir para de inclusão na sociedade da informação são ampliadas.
que o trabalho do profissional da educação venha a ser
mais valorizado. Estamos defendendo, em resumo, que se A Pedagogia de projetos
torne o currículo, em cada escola, um espaço de pesquisa. A
pesquisa, concebida em um sentido mais amplo, reiteramos, Na visão de Perrenoud (1999) a escola deveria estar
não está restrita à universidade. Como professores(as)/ se contagiando com a noção de competência utilizada
intelectuais que atuamos na escola, precisamos enfrentar no mundo do trabalho e das empresas. É pensamento
esse desafio, tornando-nos pesquisadores(as) dos saberes, comum, entre os autores pesquisados, que para isso
valores e práticas que ensinamos e/ou desenvolvemos, ocorrer é necessária a superação da visão fragmentada do
centrando nosso ensino na pesquisa. Nesse processo, conhecimento fornecida pela escola através das disciplinas.
poderemos aperfeiçoar nosso desempenho profissional, Fazenda (2001) enfatiza que a escola, na medida que
poderemos nos situar melhor no mundo, poderemos, organiza os currículos em disciplinas tradicionais, fornece
ainda, nos engajar na luta por melhorá-lo. Nesse processo, ao aluno apenas um acúmulo de informações que de pouco
poderemos despertar nos alunos e nas alunas o espírito ou nada valerão na sua vida profissional, principalmente
de pesquisa, de busca, de ter prazer no aprender, no por que o ritmo das mudanças tecnológicas não tem
conhecer coisas novas. Não deveríamos, então, começar, contrapartida com a velocidade que a escola pode se
já na próxima reunião de professores(as) de nossa escola, a adequar.
refletir sobre como tornar o currículo um espaço de estudos Para Almeida, (1999), a utilização do projeto seria uma
e de pesquisas? Estamos certos de que essa discussão pode forma de envolver o aluno em interações com recursos
ser extremamente estimulante e proveitosa. tecnológicos e sociais a fim de desenvolver sua autonomia
e de construir conhecimentos de distintas áreas do saber,
Referência: por meio da busca de informações significativas para a
BRASIL: Ministério da Educação. Indagações sobre compreensão, apresentação e resolução de uma situação-
currículo: currículo, conhecimento e cultura / [Antônio problema.
Flávio Barbosa Moreira , Vera Maria Candau] ; organização Nogueira (2001) esclarece que a totalidade das
do documento Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Pagel, pesquisas a respeito do ensino-aprendizagem está
Aricélia Ribeiro do Nascimento. – Brasília, 2007. sempre voltada ao aluno como centro do problema de
aprendizagem, todavia se podem localizar problemas
PROJETOS DE TRABALHO; também no sistema e no professor. Este autor afirma que
em suas pesquisas constatou que as práticas nas quais se
Segundo Fêo, antigamente, quando o aluno ia à escola, realizam experenciação, pesquisa de campo, construção de
via um quadro negro e um giz na mão de um professor maquetes, representações, dramatizações, etc. provaram
que a tudo comandava. Hoje, ele vê um quadro branco, ser eficiente tanto em termos de resultados de aprendizado
um pincel colorido e quase o mesmo professor, exceto como em motivação dos alunos. Assim, também se espera
pelo fato dele já não saber tanta coisa. Muitas escolas e do trabalho com projetos. Segundo Antunes (2001) é
professores ainda insistem em realizar a prática de ensino possível viabilizar com intensidade invulgar o uso das
do mesmo jeito que antes, mudou-se a forma, mas a múltiplas inteligências e, por consequência, os alunos,
essência continua a mesma. conhecendo melhor suas aptidões, podem se expressar
O objetivo de antes era transmitir conteúdos e o através delas. Em resumo, a finalidade dos projetos é
objetivo de hoje deveria ser propor tarefas aos alunos favorecer o ensino para a compreensão e compreender
que os tornem capazes de identificar, avaliar, reconhecer é ser capaz de ir além da informação dada, é também
e questionar para que eles possam ser cidadãos deste de acordo com Perkins e Blythe (1994) apud Hernandez
novo mundo, (Perrenoud, 2000). O MEC sinaliza para a (1998), “ ... a capacidade de investigar um tema mediante
necessidade de se promover formas de aprendizagem estratégias como explicar, encontrar evidências e exemplos,

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

generalizar, aplicar, estabelecer analogias, e representar ________ Pedagogia diferenciada: das intenções
um tema por meio de uma nova forma”. Perrenoud (2003) à ação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. 183
define a Pedagogia de Projeto como: - Uma empreitada p. _________ A pedagogia do projeto a serviço do
coletiva gerada pelo grupo-classe, na qual o professor desenvolvimento de competências. In: 3º SEMINÁRIO
coordena, mas não decide tudo; Uma orientação para INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO. São Paulo: 2003. 40 p.
uma produção concreta (textos, jornais, espetáculos, Piconez, S.C.B. A pedagogia de projeto como alternativa
exposições, maquetes, experiências científicas, festas, para o ensino-aprendizagem na educação de jovens e
passeios, eventos esportivos, concurso, etc.); Um adultos. Cadernos Pedagógicos-Reflexões. São Paulo: USP/
conjunto de tarefas nas quais todos os alunos possam FE/NEA, n.16, 1998, 12 p.
participar e tenham uma função ativa, a qual poderá
variar em função de seus recursos e interesses; Um Projetos de Trabalho
aprendizado de saberes e conhecimentos no âmbito da
gestão de projetos (decidir, planejar, coordenar, etc.); Um Para Moura
aprendizado identificável e que conste do programa de , os Projetos de Trabalho traduzem, portanto, uma
uma ou mais disciplinas; Uma atividade emblemática e
visão diferente do que seja conhecimento e currículo e
regular, colocada a serviço do programa.
representam uma outra maneira de organizar o trabalho
No entanto, o processo de implantação dessa prática
na escola. Caracterizam-se pela forma de abordar um
em estabelecimentos que há muito tempo se limita ao
determinado tema ou conhecimento, permitindo uma
ensino tradicional não é uma tarefa fácil. Para sua utilização,
a Pedagogia do Projeto exige o desenvolvimento de aproximação da identidade e das experiências dos alunos,
competências do professor e que ele deseje as mudanças, e um vínculo dos conteúdos escolares entre si e com os
mas isto não basta. De acordo com Piconez (1998) de nada conhecimentos e saberes produzidos no contexto social e
adiantam modificações no planejamento do professor se cultural, assim como com problemas que dele emergem.
a escola não possuir um projeto políticopedagógico que Dessa forma, eles ultrapassam os limites das áreas e
esboce o cidadão que se pretende ajudar constituir pela conteúdos curriculares tradicionalmente trabalhados pela
educação escolar. escola, uma vez que implicam o desenvolvimento de
Contudo, com este trabalho procurou-se esclarecer a atividades práticas, de estratégias de pesquisa, de busca e
prática do projeto e sua contribuição para a construção da uso de diferentes fontes de informação, de sua ordenação,
aprendizagem significativa, alertando para alguns princípios análise, interpretação e representação. Implicam igualmente
que não devem ser esquecidos como: a autonomia do atividades individuais, de grupos/quipes e de turma(s), da
aluno, a avaliação constante e o necessário treinamento do escola, tendo em vista os diferentes conteúdos trabalhados
professor. (atitudinais, procedimentos, conceituais), as necessidades e
Entretanto, destacou-se que o professor não está interesses dos alunos.
preparado e está pouco à vontade com os jovens e as suas Ao estudá-los, as crianças e os jovens realizam contato
realidades por isso deverá refletir com seus pares como com o conhecimento não como algo pronto e acabado,
promover a melhoria de sua profissão. A prática de projetos mas como algo controverso. Um dos aspectos mais
pode envolver os alunos em um trabalho de equipe, no qual importantes, no trabalho como Projetos, é que ele permite
o aprendizado acontece no fazer, no pesquisar, no levantar que o aluno desenvolva uma atitude ativa e reflexiva diante
e organizar informações. Nesse modelo, o professor exerce de suas aprendizagens e do conhecimento, na medida em
o papel de tutor, de organizador, aquele que reconhece e que percebe o sentido e o significado do conhecimento
orienta adequadamente as competências dos diferentes para a sua vida, para a sua compreensão do mundo.
alunos.
Pedagogia de projetos: método ou postura pedagógica?
Referências:
Almeida, M. E. B. de. Projeto: uma nova cultura de
Não podemos entender a prática por projetos como
aprendizagem. PUC/SP, jul.1999.2f.(apostila mimeo).
uma atividade meramente funcional, regular, metódica.
Antunes, C. Um método para o ensino fundamental: o
A Pedagogia de Projetos não é um método, pois a ideia
projeto. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 2001. 44p. Castilho, S. As
competências essenciais. Jornal Público, Lisboa, p.3, 20 out. de método é de trabalhar com objetivos e conteúdos pré-
2001. fixados, pré-determinados, apresentando uma sequência
Fazenda, I. C. A. (Coord.) Práticas interdisciplinares na regular, prevista e segura, refere-se à aplicação de fórmulas
escola. 8. Ed. São Paulo: Cortez, 2001. 147 p. Hernandez, ou de uma série de regras.
F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de Trabalhar por meio de Projetos é exatamente o oposto,
trabalho. Porto Alegre: ArtMed, 1998, pois nele, o ensino-aprendizagem se realiza mediante um
150 p. Nogueira, N. R. Pedagogia dos Projetos: uma percurso que nunca é fixo, ordenado. O ato de projetar
jornada interdisciplinar rumo ao desenvolvimento das requer abertura para o desconhecido, para o não-
múltiplas inteligências. São Paulo: Érica, 2001. 220 p. determinado e flexibilidade para reformular as metas e os
Perrenoud, P. Construir as competências desde a percursos à medida que as ações projetadas evidenciam
escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. 90p. novos problemas e dúvidas.

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Fernando Hernández (1998) vem discutindo o tema e metodologia, esse movimento tem fornecido subsídios
define os projetos de trabalho não como uma metodologia, para uma pedagogia dinâmica, centrada na criatividade e
mas como uma concepção de ensino, uma maneira na atividade discentes, numa perspectiva de construção do
diferente de suscitar a compreensão dos alunos sobre os conhecimento pelos alunos, mais do que na transmissão
conhecimentos que circulam fora da escola e de ajudá-los dos conhecimentos pelo professor.
a construir sua própria identidade.
Analogia entre construtivismo e pedagogia de projetos
O trabalho por projetos requer mudanças na concepção
de ensino e aprendizagem e, consequentemente, na O Construtivismo e a Pedagogia de Projetos tem em
postura do professor. Hernández (1988) enfatiza ainda comum a insatisfação com um sistema educacional que
que o trabalho por projeto não deve ser visto como uma teima em continuar essa forma particular de transmissão
opção puramente metodológica, mas como uma maneira que consiste em fazer repetir, recitar, aprender, ensinar o que
de repensar a função da escola. Leite (1996) apresenta os já está pronto, em vez de fazer agir, operar, criar, construir
Projetos de Trabalho não como uma nova técnica, mas a partir da realidade vivida por alunos e professores, isto é,
pela sociedade.
como uma pedagogia que traduz uma concepção do
Na Pedagogia de Projetos a relação ensino/
conhecimento escolar.
aprendizagem é voltada para a construção do conhecimento
Em se tratando dos conteúdos, a pedagogia de
de maneira dinâmica, contextualizada, compartilhada, que
projetos é vista pelo seu caráter de potencializar a envolva efetivamente a participação dos educandos e
interdisciplinaridade. Isto de fato pode ocorrer, pois o educadores num processo mútuo de troca de experiências.
trabalho com projetos permite romper com as fronteiras Nessa postura a aprendizagem se torna prazerosa, pois
disciplinares, favorecendo o estabelecimento de elos ocorre a partir dos interesses dos envolvidos no processo,
entre as diferentes áreas de conhecimento numa situação da realidade em que estes estão inseridos, o que ocasiona
contextualizada da aprendizagem. motivação, satisfação em aprender.
A Pedagogia de Projetos é um meio de trabalho O Construtivismo leva o educando a pensar, expandindo
pertinente ao processo de ensino-aprendizagem que se seu intelecto através de uma aprendizagem significativa, ou
insere na Educação promovendo-a de maneira significativa seja, que tenha sentido, e contextualizada. O conhecimento
e compartilhada, auxiliando na formação integral dos é construído a cada instante com a mediação do educador,
indivíduos permeado pelas diversas oportunidades de respeitando o nível de desenvolvimento mental de cada
aprendizagem conceitual, atitudinal, procedimental para educando.
os mesmos. Os projetos de trabalho não se inserem apenas “O diálogo do aluno é com o pensamento, com a cultura
numa proposta de renovação de atividades, tornando-as corporificada nas obras e nas práticas sociais e transmitidas
criativas, e sim numa mudança de postura que exige o pela linguagem e pelos gestos do professor, simples
repensar da prática pedagógica, quebrando paradigmas já mediador.”.
estabelecidos. Então, tanto no Construtivismo como na Pedagogia
Possibilita que os alunos, ao decidirem, opinarem, de Projetos, o educando é o próprio agente de seu
debaterem, construam sua autonomia e seu compromisso desenvolvimento, o conhecimento é assimilado de maneira
com o social, formando-se como sujeitos culturais e própria, mas sempre com o auxílio da mediação do educador.
cidadãos. Aprender deixa de ser um simples ato de memorização e
Será necessário oportunizar situações em que os alunos ensinar não significa mais repassar conteúdos prontos. O
participem cada vez mais intensamente na resolução das aluno deixa de ser um sujeito passivo, sempre à mercê
atividades e no processo de elaboração pessoal, em vez das ordens do professor, lidando com um conteúdo
completamente alienado de sua realidade e em situações
de se limitar a copiar e reproduzir automaticamente as
artificiais de ensino-aprendizagem. Aprender passa então
instruções ou explicações dos professores. Por isso, hoje
a ser um processo global e complexo, onde conhecer e
o aluno é convidado a buscar, descobrir, construir, criticar,
intervir na realidade não se dissocia. O aluno é visto como
comparar, dialogar, analisar, vivenciar o próprio processo sujeito ativo que usa sua experiência e conhecimento para
de construção do conhecimento. (ZABALLA, 1998) resolver problemas.
O fato de a pedagogia de projetos não ser um método
para ser aplicado no contexto da escola dá ao professor uma Aprende-se participando, vivenciando sentimentos,
liberdade de ação que habitualmente não acontece no seu tomando atitudes diante dos fatos, escolhendo
cotidiano escolar. O compromisso educacional do professor procedimentos para atingir determinados objetivos. Ensina-
é justamente saber O QUÊ, COMO, QUANDO e POR QUE se não só pelas respostas dadas, mas principalmente pelas
desenvolver determinadas ações pedagógicas. E para isto experiências proporcionadas, pelos problemas criados,
é fundamental conhecer o processo de aprendizagem do pela ação desencadeada.
aluno e ter clareza da sua intencionalidade pedagógica. Suas concepções e conhecimentos prévios são
Mais do que uma técnica atraente para transmissão levantados e analisados para que o educador possa
dos conteúdos, como muitos pensam, a proposta da problematizá-los e oferecer-lhes desafios que os
Pedagogia de Projetos é promover uma mudança na façam avançar, atingindo o processo de equilibração/
maneira de pensar e repensar a escola e o currículo desequilibração que é a base do Construtivismo e ao
na prática pedagógica. Com a reinterpretação atual da mesmo tempo da Pedagogia de Projetos.

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Então podemos dizer que a aprendizagem é o Os alunos devem ser colocados em situações que os
resultado do esforço de atribuir e encontrar significados levem a contrapor pontos de vista, a defrontação com
para o mundo, o que implica a construção e revisão de conflitos, inquietações que as levarão ao desequilíbrio
hipóteses sobre o objeto do conhecimento, ela é resultado de suas hipóteses iniciais, problematizando, refletindo e
da atividade do sujeito, e o meio social tem fundamental reelaborando explicações.
importância para que ela ocorra, pois necessitamos de c) aplicação: estimular a circulação das ideias e a
orientação para alcançá-la e aí surge a teoria do pensador atuação no ambiente da escola ou da comunidade ligada à
russo Vygotsky sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal escola dá ao educando a oportunidade de se colocar como
que é a distância entre o nível de desenvolvimento real sujeito ativo e transformador do seu espaço de vivência
(conhecimento prévio, o que o indivíduo já sabe) e o nível e convivência, por meio da aplicação dos conhecimentos
de desenvolvimento potencial (onde ele pode chegar com obtidos na execução do projeto na sua realidade.
a ajuda do outro), isto é, a possibilidade que o indivíduo d) avaliação: numa concepção dinâmica e participativa,
(educando) tem de resolver problemas sob a orientação de a avaliação tem, para o educador, uma dimensão
outrem (educador). diagnóstica, investigativa e processual. Avaliamos para
investigar o desenvolvimento dos alunos, para decidir
A metodologia do trabalho por projetos como podemos ajudá-los a avançar na construção de
conhecimentos, atitudes e valores e para verificar em que
A Pedagogia de Projetos surge da necessidade de medida o processo está coerente com as finalidades e os
desenvolver uma metodologia de trabalho pedagógico resultados obtidos. Para o aluno, a avaliação é instrumento
que valorize a participação do educando e do educador no indispensável ao desenvolvimento da capacidade de
processo ensino/aprendizagem, tornando-os responsáveis aprender a aprender por meio do reconhecimento das suas
pela elaboração e desenvolvimento de cada projeto de possibilidades e limites.
trabalho. O registro (a escrita, o desenho, os gráficos, mapas,
O trabalho por meio dos projetos vem contribuir para relatórios, a reunião de materiais etc.) é uma prática
fundamental no trabalho com Projetos e deve ser
essa valorização do educando e tem-se mostrado um
desenvolvida ao longo de todo o processo.
dos caminhos mais promissores para a organização do
Durante o processo de levantamento e análise dos
conhecimento escolar a partir de problemas que emergem
dados, a mediação do professor é essencial no sentido
das reais necessidades dos alunos.
de construir entre os alunos uma atitude de curiosidade
Mas como se dá essa participação? Inicialmente,
e de cooperação, de trabalho com fontes diversificadas,
para se propor um projeto este deve ser subsidiado por
de estabelecimento de conexões entre as informações,
um tema. A escolha deste tema e dos conteúdos a serem
de escuta e respeito às diferentes opiniões e formas de
trabalhados é de responsabilidade de todos e deve ser
aprender e elaborar o conhecimento, de fazê-los perceber
pensada de forma a contemplar a realidade do educando.
a importância do registro e as diversas formas de realizá-lo.
O trabalho por Projetos pode ser dividido em 4 etapas: Se os projetos de trabalho possibilitam um repensar do
problematização, desenvolvimento, aplicação e avaliação. significado de aprender e ensinar e do papel dos conteúdos
a) problematização: é o início do projeto. Nessa etapa, curriculares, isto repercute também no sentido que se dá à
os alunos irão expressar suas ideias e conhecimentos avaliação e nos instrumentos usados para acompanhar o
sobre o problema em questão. Essa expressão pode processo de formação ocorrido durante todo o percurso.
emergir espontaneamente, pelo interesse despertado Tradicionalmente, a avaliação do processo ensino-
por um acontecimento significativo dentro ou fora aprendizagem tem sido feita no sentido de medir
da escola ou mesmo pela estimulação do professor. É a quantidade de conhecimentos aprendidos pelos
fundamental detectar o que os alunos já sabem o que educandos. A avaliação na Pedagogia de Projetos é
querem saber e como poderão saber. Cabe ao educador global, ou seja, considera o educando e sua aprendizagem
incentivar a manifestação dos alunos e saber interpretá- de forma integral, concilia o resultado da verificação
las para perceber em que ponto estão, para aprender do processo com a verificação do desempenho. Esse
suas concepções, seus valores, contradições, hipóteses de tipo de avaliação considera, portanto, não só aspectos
interpretação e explicação de fatos da realidade. conceituais: de assimilação dos conteúdos utilizados
b) desenvolvimento: é o momento em que se criam as para a problematização do tema, mas também aspectos
estratégias para buscar respostas às questões e hipóteses atitudinais: comportamento, atitudes, capacidade de
levantadas na problematização. Os alunos e o professor trabalhar em grupo, espírito de liderança, iniciativa;
definem juntos essas estratégias. Para isso, é preciso que atributos que se referem ao modo de interação com os
criem propostas de trabalho que exijam a saída do espaço demais.
escolar, a organização em pequenos ou grandes grupos Essa metodologia de avaliação potencializa as
para as pesquisas, a socialização do conhecimento através diferenças, dá lugar a diversidade de opiniões, de
de trocas de informações, vivências, debates, leituras, singularidade de cada sujeito, faz da heterogeneidade um
sessões de vídeos, entrevistas, visitas a espaços ora da elemento significativo para o processo de ampliação dos
escola e convites a especialistas no tema em questão. conhecimentos.

185
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

A diferença nos ajuda a compreender que somos INTERDISCIPLINARIDADE E CONTEXTUALIZAÇÃO;


sujeitos com particularidades, com experiências próprias,
constituídas nos processos coletivos de que participamos Origem e conceitos de interdisciplinaridade
dentro e fora da escola; posta em diálogo, enriquece a ação
pedagógica. A interdisciplinaridade, como um enfoque teórico-
Assim, a avaliação não trabalha a partir de uma resposta metodológico ou gnosiológico, como a denomina Gadotti
esperada, mas indaga as muitas respostas encontradas com (2004), surge na segunda metade do século passado, em
o sentido de ampliação permanente dos conhecimentos resposta a uma necessidade verificada principalmente
existentes. Nesse caso, o erro deixa de representar a ausência nos campos das ciências humanas e da educação:
de conhecimento, sendo apreendido como pista que indica superar a fragmentação e o caráter de especialização
como os educandos estão articulando os conhecimentos do conhecimento, causados por uma epistemologia de
que já possuem com os novos conhecimentos que vão
tendência positivista em cujas raízes estão o empirismo,
sendo elaborados.
o naturalismo e o mecanicismo científico do início da
Deste modo, a avaliação nos projetos de trabalho passa
a fazer parte de todo o processo, sendo entendida como a modernidade.
possibilidade do aluno tomar consciência do seu processo Sobretudo pela influência dos trabalhos de grandes
de aprendizagem, descobrindo o que sabe, o que aprendeu, pensadores modernos como Galileu, Bacon, Descartes,
o que ainda não domina. Para isto, é preciso que ao longo Newton, Darwin e outros, as ciências foram sendo divididas
de todo o percurso do trabalho, haja um trabalho constante e, por isso, especializando-se. Organizadas, de modo geral,
de avaliação. sob a influência das correntes de pensamento naturalista
Dentro da perspectiva dos projetos, o acompanhamento e mecanicista, buscavam, já a partir da Renascença,
e a avaliação do trabalho têm sido feitos, principalmente, a construir uma concepção mais científica de mundo. A
partir dos registros, sejam eles coletivos ou individuais. Estes interdisciplinaridade, como um movimento contemporâneo
registros fazem parte do cotidiano da sala de aula e servem que emerge na perspectiva da dialogicidade e da integração
para organizar o trabalho, socializar as descobertas, localizar das ciências e do conhecimento, vem buscando romper
dúvidas e inquietações, enfim, explicitar o processo vivido. com o caráter de hiperespecialização e com a fragmentação
O Portifólio é o instrumento mais apropriado para a dos saberes.
avaliação de um Projeto de Trabalho, na medida em que ele Para Goldman (1979), um olhar interdisciplinar sobre a
representa a reconstrução do processo vivido e a reflexão do realidade permite que entendamos melhor a relação entre
aluno sobre a sua aprendizagem.
seu todo e as partes que a constituem. Para ele, apenas
Hernandéz (1998), ao falar da importância do portfólio
o modo dialético de pensar, fundado na historicidade,
como instrumento de avaliação, afirma que:
A avaliação do portfólio como recurso de avaliação é poderia favorecer maior integração entre as ciências. Nesse
baseada na ideia da natureza evolutiva do processo de sentido, o materialismo histórico e dialético resolveu em
aprendizagem. O portfólio oferece aos alunos e professores parte o problema da fragmentação do conhecimento
uma oportunidade de refletir sobre o progresso dos quando colocou a historicidade e as leis do movimento
educandos em sua compreensão da realidade, ao mesmo dialético da realidade como fundamentos para todas as
tempo em que possibilita a introdução de mudanças ciências. Desde então, o conceito de interdisciplinaridade
durante o desenvolvimento do programa de ensino. Além vem sendo discutido nos diferentes âmbitos científicos
disso, permite aos professores aproximar-se do trabalho e muito fortemente na educação. Sem dúvida, tanto
dos alunos não de uma maneira pontual e isolada, como as formulações filosóficas do materialismo histórico e
acontece com as provas e exames, mas sim, no contexto dialético quanto as proposições pedagógicas das teorias
do ensino e como uma atividade complexa baseada em críticas trouxeram contribuições importantes para esse
elementos e momentos da aprendizagem que se encontram novo enfoque epistemológico.
relacionados. Por sua vez, a realização do portfólio permite
ao alunado sentir a aprendizagem institucional como algo De fato, é no campo das ciências humanas e sociais
próprio, pois cada um decide que trabalhos e momentos são que a interdisciplinaridade aparece com maior força. A
representativos de sua trajetória, estabelece relações entre preocupação com uma visão mais totalizadora da realidade
esses exemplos, numa tentativa de dotar de coerência as
cognoscível e com a consequente dialogicidade das
atividades de ensino, com as finalidades de aprendizagem
ciências foi objeto de estudo primeiramente na filosofia,
que cada um e o grupo se tenham proposto.
É interessante destacar que a criação do portfólio, por posteriormente nas ciências sociais e mais recentemente
si só, não garante um processo de avaliação significativo. É na epistemologia pedagógica.
preciso que se discutam seus usos e funções. Goldman (1979) destaca que, inicialmente, a
interdisciplinaridade aparece como preocupação humanista,
Referência: além da preocupação com as ciências. Desde então, parece
Texto disponível em: que todas as correntes de pensamento se ocuparam com a
PERRENOUD, Philippe. Pedagogia diferenciada: das questão da interdisciplinaridade: a teologia fenomenológica
intenções à ação. Porto Alegre: ArtMed, 2000. encontrou nesse conceito uma chave para o diálogo entre
ZABALA, Antoni. A Prática educativa: como ensinar. Igreja e mundo; o existencialismo buscou dar às ciências
Porto Alegre: ArtMed, 1998. uma cara mais humana; a epistemologia buscou desvendar

186
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

o processo de construção do conhecimento e garantir Para Japiassu (1976), a interdisciplinaridade caracteriza-


maior integração entre as ciências, e o materialismo se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo
histórico e dialético buscou, no método indutivo-dedutivo- grau de integração real das disciplinas no interior de um
indutivo, uma via para integrar parte e todo. mesmo projeto. A interdisciplinaridade visa à recuperação
Mais voltado à pedagogia, Georges Gusdorf lançou na da unidade humana pela passagem de uma subjetividade
década de 1960 um projeto interdisciplinar para as ciências para uma intersubjetividade e, assim sendo, recupera a
humanas apresentado à Organização das Nações Unidas ideia primeira de cultura (formação do homem total), o
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Sua obra La papel da escola (formação do homem inserido em sua
parole (1953) é considerada muito importante para entender realidade) e o papel do homem (agente das mudanças do
a interdisciplinaridade. O projeto de interdisciplinaridade mundo). Portanto, mais do que identificar um conceito para
nas ciências passou de uma fase filosófica (humanista), de interdisciplinaridade, o que os autores buscam é encontrar
definição e explicitação terminológica, na década de 1970, seu sentido epistemológico, seu papel e suas implicações
para uma segunda fase (mais científica), de discussão do
sobre o processo do conhecer.
seu lugar nas ciências humanas e na educação a partir da
década de 1980.
Partindo do pressuposto apresentado por Japiassu
Gadotti (1993) ressalta que atualmente, no plano
(1976), de que a interdisciplinaridade se caracteriza pela
teórico, se busca fundar a interdisciplinaridade na ética e na
antropologia, ao mesmo tempo em que, no plano prático, intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau
surgem projetos que reivindicam uma visão interdisciplinar, de integração real das disciplinas no interior de um mesmo
sobretudo no campo do ensino e do currículo. No Brasil, projeto de pesquisa, exige-se que as disciplinas,1 em seu
o conceito de interdisciplinaridade chegou pelo estudo da processo constante e desejável de interpenetração, se
obra de Georges Gusdorf e posteriormente da de Piaget. fecundem cada vez mais reciprocamente. Para tanto, é
O primeiro autor influenciou o pensamento de Hilton imprescindível a complementaridade dos métodos, dos
Japiassu no campo da epistemologia e o de Ivani Fazenda conceitos, das estruturas e dos axiomas sobre os quais se
no campo da educação. fundam as diversas práticas pedagógicas das disciplinas
Quanto à definição de conceitos, ou de um conceito, científicas.
para interdisciplinaridade, tudo parece estar ainda em Japiassu (1976) destaca ainda: [...] do ponto de vista
construção. Qualquer demanda por uma definição unívoca integrador, a interdisciplinaridade requer equilíbrio entre
e definitiva deve ser a princípio rejeitada, por tratar-se de amplitude, profundidade e síntese. A amplitude assegura uma
proposta que inevitavelmente está sendo construída a partir larga base de conhecimento e informação. A profundidade
das culturas disciplinares existentes e porque encontrar assegura o requisito disciplinar e/ou conhecimento e
o limite objetivo de sua abrangência conceitual significa informação interdisciplinar para a tarefa a ser executada. A
concebê-la numa óptica também disciplinar. Ou, como síntese assegura o processo integrador.
afirma Leis (2005), “a tarefa de procurar definições finais As abordagens teóricas apresentadas pelos vários
para a interdisciplinaridade não seria algo propriamente autores vão deixando claro que o pensamento e as práticas
interdisciplinar, senão disciplinar”. interdisciplinares, tanto nas ciências em geral quanto na
Para esse autor (2005), na medida em que não educação, não põem em xeque a dimensão disciplinar
existe uma definição única possível para esse conceito, do conhecimento em suas etapas de investigação,
senão muitas, tantas quantas sejam as experiências produção e socialização. O que se propõe é uma profunda
interdisciplinares em curso no campo do conhecimento, revisão de pensamento, que deve caminhar no sentido
entendemos que se deva evitar procurar definições da intensificação do diálogo, das trocas, da integração
abstratas de interdisciplinaridade. Os conhecimentos
conceitual e metodológica nos diferentes campos do saber.
disciplinares são paradigmáticos (no sentido de Kuhn,
Nas palavras de Japiassu: Podemos dizer que nos
1989), mas não são assim os interdisciplinares. Portanto,
reconhecemos diante de um empreendimento interdisciplinar
a história da interdisciplinaridade confunde-se com a
todas as vezes em que ele conseguir incorporar os resultados
dinâmica viva do conhecimento. O mesmo não pode ser
dito da história das disciplinas, que congelam de forma de várias especialidades, que tomar de empréstimo a outras
paradigmática o conhecimento alcançado em determinado disciplinas certos instrumentos e técnicas metodológicos,
momento histórico, defendendo-se de qualquer fazendo uso dos esquemas conceituais e das análises que
abordagem alternativa numa guerra de trincheiras. se encontram nos diversos ramos do saber, a fim de fazê-los
O que se pode afirmar no campo conceitual é que a integrarem e convergirem, depois de terem sido comparados
interdisciplinaridade será sempre uma reação alternativa à e julgados. Donde podermos dizer que o papel específico
abordagem disciplinar normalizadora (seja no ensino ou na da atividade interdisciplinar consiste, primordialmente,
pesquisa) dos diversos objetos de estudo. Independente da em lançar uma ponte para ligar as fronteiras que haviam
definição que cada autor assuma, a interdisciplinaridade está sido estabelecidas anteriormente entre as disciplinas com o
sempre situada no campo onde se pensa a possibilidade de objetivo preciso de assegurar a um seu caráter propriamente
superar a fragmentação das ciências e dos conhecimentos positivo, segundo modos particulares e com resultados
produzidos por elas e onde simultaneamente se exprime a específicos.
resistência sobre um saber parcelado.

187
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Epistemologia, ciência e interdisciplinaridade estruturação foi marcada pela compartimentação das


disciplinas, em nome de uma exigência metodológica
Para Morin (2005), certas concepções científicas de demarcação de cada objeto particular, constituindo a
mantêm sua vitalidade porque se recusam ao claustro propriedade privada desta ou daquela disciplina. (1976)
disciplinar. A especialização do conhecimento científico é Nessa mesma direção, Olga Pombo (2004) ressalta
uma tendência que nada tem de acidental. Ao contrário, que a especialização é uma tendência da ciência moderna,
é condição de possibilidade do próprio progresso do exponencial a partir do século XIX. Segundo ela:
conhecimento, expressão das exigências analíticas que
caracterizam o programa de desenvolvimento da ciência [...] a ciência moderna se constitui pela adopção da
que vem dos gregos e que foi reforçado no século XVII, metodologia analítica proposta por Galileu e Descartes. Isto
principalmente com Galileu e Descartes. Para lá das é, se constituiu justamente no momento em que adoptou
diferenças que os distinguem, eles comungam de uma uma metodologia que lhe permitia “esquartejar” cada
mesma perspectiva metódica: pelo método indutivo, dividir totalidade, cindir o todo em pequenas partes por intermédio
o objeto de estudo para estudar finamente seus elementos de uma análise cada vez mais fina. Ao dividir o todo nas
constituintes e, depois, recompor o todo a partir daí. suas partes constitutivas, ao subdividir cada uma dessas
Ainda que os membros do Círculo de Viena tenham partes até aos seus mais ínfimos elementos, a ciência parte
buscado elementos científicos para justificar a constituição do princípio de que, mais tarde, poderá recompor o todo,
de uma “ciência unificada” e tenham, por via do método reconstituir a totalidade. A ideia subjacente é a de que o todo
indutivo, buscado encontrar a verdade concreta ou uma é igual à soma das partes.
concepção científica de mundo, o positivismo, desde sua
fase comtiana, seguiu contribuindo para uma espécie Todavia, o desenvolvimento das diferentes áreas
de fragmentação ou especialização dos saberes, com científicas, sobretudo a partir da segunda metade do século
o alargamento das fronteiras entre as disciplinas e, por XX, vem dependendo muito mais da relação recíproca e
consequência, com a divulgação de uma concepção da fertilização heurística de umas disciplinas por outras,
positiva de mundo, de natureza e de sociedade. A da transferência de conceitos, de problemas e métodos.
interdisciplinaridade, como reação a essa concepção, Há uma espécie de inteligência interdisciplinar na ciência
vem com a proposta de romper com a fragmentação das contemporânea.
disciplinas, das ciências, enfim, do conhecimento. Ou, como diz Pombo (2004): Trata-se de reconhecer que
A superação dos limites que encontramos na produção determinadas investigações reclamam a sua própria abertura
do conhecimento e nos processos pedagógicos e de para conhecimentos que pertencem, tradicionalmente, ao
socialização exige que sejam rompidas as relações sociais domínio de outras disciplinas e que só essa abertura permite
que estão na base desses limites. No plano epistemológico aceder a camadas mais profundas da realidade que se quer
(das relações sujeito/objeto), mediadas pela teoria científica estudar. Estamos perante transformações epistemológicas
que dá sustentação lógica a essa relação, Frigotto (1995) muito profundas. É como se o próprio mundo resistisse ao
diz que a interdisciplinaridade precisa, acima de tudo, de seu retalhamento disciplinar. A ciência começa a aparecer
uma discussão de paradigma, situando o problema no como um processo que exige também um olhar transversal.
plano teórico-metodológico. Precisamos, segundo ele, Para ilustrar essa afirmação, a autora exemplifica com
perceber que a interdisciplinaridade não se efetiva se não casos bem concretos vivenciados no campo da ciência
transcendermos a visão fragmentada e o plano fenomênico, contemporânea, como o da bioquímica, o da biofísica, o
ambos marcados pelo paradigma empirista e positivista. da engenharia e o da genética; estas duas últimas áreas - a
Frigotto (1995) mostra que, no plano ontológico (plano engenharia e a genética - cuja mistura parecia impensável
material histórico-cultural), o desafio que enfrentamos há 60 ou 70 anos. Algumas delas têm sido designadas como
constitui antes um problema ético-político, econômico e ciências de fronteira - novas disciplinas que nascem nas
cultural. Para ele, as relações sociais na estruturação da fronteiras entre duas disciplinas tradicionais -, outras como
sociedade moderna limitam e impedem o devir humano, interdisciplinas - aquelas que nascem na confluência entre
na medida em que a exclusão e a alienação fazem parte da ciências puras e ciências aplicadas. É nessa nova situação
lógica da sociedade capitalista. epistemológica que as novas disciplinas ou ciências vêm
Parece evidente que a responsabilidade pela sendo constituídas.
legitimação social e científica da especialização e da
fragmentação do conhecimento recai basicamente sobre o Nessa mesma reflexão, Olga Pombo (2004) faz outra
positivismo, a partir do qual se fortaleceram o cientificismo, observação muito importante, que mostra bem o esforço
o pragmatismo e o empirismo. Japiassu faz esta constatação da ciência para superar o caráter disciplinar que marcou
quando destaca: boa parte da modernidade. Segundo ela, já é possível
A nosso ver, foi uma filosofia das ciências, mais identificar a existência de interciências, que seriam
precisamente o positivismo, que constituiu o grande veículo conjuntos disciplinares nos quais não há já uma ciência
e o suporte fundamental dos obstáculos epistemológicos que nasça nas fronteiras de duas disciplinas fundamentais
ao conhecimento interdisciplinar, porque nenhuma outra (ciências de fronteira) ou que resulte do cruzamento de
filosofia estruturou tanto quanto ela as relações dos ciências puras e aplicadas (interdisciplinas), mas que se
cientistas com suas práticas. E sabemos o quanto esta ligam, de forma descentrada, assimétrica, irregular, capaz

188
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

de resolver um problema preciso. Bons exemplos, segundo possibilita o aprofundamento da compreensão da relação
ela, são as ciências cognitivas e as ciências da computação. entre teoria e prática, contribui para uma formação mais
São conjuntos de disciplinas que se encontram de forma crítica, criativa e responsável e coloca escola e educadores
irregular e descentrada para colaborar na discussão de um diante de novos desafios tanto no plano ontológico quanto
problema comum. A juventude urbana, o envelhecimento, a no plano epistemológico.
violência, o clima ou a manipulação genética, por exemplo, Por certo as aprendizagens mais necessárias para
são novidades epistemológicas que só um enfoque estudantes e educadores, neste tempo de complexidade
interdisciplinar pode procurar dar resposta. e inteligência interdisciplinar, sejam as de integrar o
que foi dicotomizado, religar o que foi desconectado,
Implicações da interdisciplinaridade no processo de problematizar o que foi dogmatizado e questionar o que foi
ensino e aprendizagem imposto como verdade absoluta. Essas são possivelmente
as maiores tarefas da escola nesse movimento.
A escola, como lugar legítimo de aprendizagem, Na sala de aula, ou em qualquer outro ambiente de
produção e reconstrução de conhecimento, cada vez aprendizagem, são inúmeras as relações que intervêm no
mais precisará acompanhar as transformações da ciência processo de construção e organização do conhecimento.
contemporânea, adotar e simultaneamente apoiar as As múltiplas relações entre professores, alunos e objetos
exigências interdisciplinares que hoje participam da de estudo constroem o contexto de trabalho dentro
construção de novos conhecimentos. A escola precisará do qual as relações de sentido são construídas. Nesse
acompanhar o ritmo das mudanças que se operam em complexo trabalho, o enfoque interdisciplinar aproxima o
todos os segmentos que compõem a sociedade. O mundo sujeito de sua realidade mais ampla, auxilia os aprendizes
está cada vez mais interconectado, interdisciplinarizado e na compreensão das complexas redes conceituais,
complexo. possibilita maior significado e sentido aos conteúdos da
Ainda é incipiente, no contexto educacional, o aprendizagem, permitindo uma formação mais consistente
desenvolvimento de experiências verdadeiramente e responsável.
interdisciplinares, embora haja um esforço institucional
nessa direção. Não é difícil identificar as razões dessas A nova espacialidade do processo de aprender e ensinar
limitações; basta que verifiquemos o modelo disciplinar e a desterritorialidade das relações que engendram o mundo
e desconectado de formação presente nas universidades,
atual indicam claramente o novo caminho da educação
lembrar da forma fragmentária como estão estruturados os
diante das demandas sociais, sobretudo as mediadas
currículos escolares, a lógica funcional e racionalista que o
pela tecnologia. Nessa direção, emergem novas formas
poder público e a iniciativa privada utilizam para organizar
de ensinar e aprender que ampliam significativamente as
seus quadros de pessoal técnico e docente, a resistência
possibilidades de inclusão, alterando profundamente os
dos educadores quando questionados sobre os limites, a
modelos cristalizados pela escola tradicional. Num mundo
importância e a relevância de sua disciplina e, finalmente,
com relações e dinâmicas tão diferentes, a educação e as
as exigências de alguns setores da sociedade que insistem
formas de ensinar e de aprender não devem ser mais as
num saber cada vez mais utilitário.
mesmas. Um processo de ensino baseado na transmissão
Embora a temática da interdisciplinaridade esteja em linear e parcelada da informação livresca certamente não
debate tanto nas agências formadoras quanto nas escolas, será suficiente.
sobretudo nas discussões sobre projeto políticopedagógico, Para Ivani Fazenda (1979), a introdução da
os desafios para a superação do referencial dicotomizador e interdisciplinaridade implica simultaneamente uma
parcelado na reconstrução e socialização do conhecimento transformação profunda da pedagogia, um novo tipo de
que orienta a prática dos educadores ainda são enormes. formação de professores e um novo jeito de ensinar:
Para Luck (2001), o estabelecimento de um trabalho Passa-se de uma relação pedagógica baseada na
de sentido interdisciplinar provoca, como toda ação a que transmissão do saber de uma disciplina ou matéria, que se
não se está habituado, sobrecarga de trabalho, certo medo estabelece segundo um modelo hierárquico linear, a uma
de errar, de perder privilégios e direitos estabelecidos. relação pedagógica dialógica na qual a posição de um é a
A orientação para o enfoque interdisciplinar na prática posição de todos. Nesses termos, o professor passa a ser o
pedagógica implica romper hábitos e acomodações, atuante, o crítico, o animador por excelência.
implica buscar algo novo e desconhecido. É certamente um Para Gadotti (2004), a interdisciplinaridade visa garantir
grande desafio. a construção de um conhecimento globalizante, rompendo
Não obstantes as limitações da prática, a com as fronteiras das disciplinas. Para isso, integrar
interdisciplinaridade está sendo entendida como uma conteúdos não seria suficiente. É preciso, como sustenta
condição fundamental do ensino e da pesquisa na Ivani Fazenda (1979), também uma atitude interdisciplinar,
sociedade contemporânea. A ação interdisciplinar é condição esta, a nosso ver, manifestada no compromisso
contrária a qualquer homogeneização e/ou enquadramento profissional do educador, no envolvimento com os projetos
conceitual. Faz-se necessário o desmantelamento das de trabalho, na busca constante de aprofundamento
fronteiras artificiais do conhecimento. Um processo teórico e, sobretudo, na postura ética diante das questões
educativo desenvolvido na perspectiva interdisciplinar e dos problemas que envolvem o conhecimento.

189
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Pedro Demo (2001) também nos ajuda a pensar sobre Só haverá interdisciplinaridade no trabalho e na postura
a importância da interdisciplinaridade no processo de do educador se ele for capaz de partilhar o domínio do
ensino e aprendizagem quando propõe que a pesquisa saber, se tiver a coragem necessária para abandonar o
seja um princípio educativo e científico. Para ele, disseminar conforto da linguagem estritamente técnica e aventurar-se
informação, conhecimento e patrimônios culturais é tarefa num domínio que é de todos e de que, portanto, ninguém
fundamental, mas nunca apenas os transmitimos. Na é proprietário exclusivo. Não se trata de defender que, com
verdade, reconstruímos. Por isso mesmo, a aprendizagem a interdisciplinaridade, se alcançaria uma forma de anular
é sempre um fenômeno reconstrutivo e político, nunca o poder que todo saber implica (o que equivaleria a cair
apenas reprodutivo. na utopia beata do sábio sem poder), mas de acreditar na
Para Paulo Freire (1987), a interdisciplinaridade é o possibilidade de partilhar o poder que se tem, ou melhor,
processo metodológico de construção do conhecimento de desejar partilhá-lo.
pelo sujeito com base em sua relação com o contexto, A abordagem interdisciplinar, como proposta de revisão
com a realidade, com sua cultura. Busca-se a expressão do pensamento positivista na educação, está fortemente
presente nas atuais correntes, tendências e concepções
dessa interdisciplinaridade pela caracterização de dois
teóricas que tratam do fenômeno da aprendizagem.
movimentos dialéticos: a problematização da situação,
Maria Cândida Moraes (2002), ao discutir as implicações
pela qual se desvela a realidade, e a sistematização dos
do paradigma educacional emergente, destaca a presença
conhecimentos de forma integrada.
desse enfoque no construtivismo piagetiano, na pedagogia
De todo modo, o professor precisa tornar-se um libertadora de Freire, na teoria das inteligências múltiplas
profissional com visão integrada da realidade, compreender de Gardner, na abordagem histórico-cultural de Vygotsky,
que um entendimento mais profundo de sua área de na teoria da complexidade de Morin, nas formulações de
formação não é suficiente para dar conta de todo o processo Capra, Papert, Prigogine, Bohm, Boaventura Sousa Santos
de ensino. Ele precisa apropriar-se também das múltiplas e vários outros.
relações conceituais que sua área de formação estabelece
com as outras ciências. O conhecimento não deixará de ter Referência:
seu caráter de especialidade, sobretudo quando profundo, THIESEN, J. S. A interdisciplinaridade como um
sistemático, analítico, meticulosamente reconstruído; movimento articulador no processo ensino-aprendizagem.
todavia, ao educador caberá o papel de reconstruí-lo Rev. Bras. Educ. vol.13 no.39 Rio de Janeiro Sept./Dec. 2008
dialeticamente na relação com seus alunos por meio de
métodos e processos verdadeiramente produtivos. Interdisciplinaridade e Contextualização

A escola é um ambiente de vida e, ao mesmo tempo, Através da organização curricular por áreas e da
um instrumento de acesso do sujeito à cidadania, à compreensão da concepção transdisciplinar e matricial,
criatividade e à autonomia. Não possui fim em si mesma. que articula as linguagens, a Filosofia, as ciências naturais e
Ela deve constituir-se como processo de vivência, e não de humanas e as tecnologias, pretendemos contribuir para que,
preparação para a vida. Por isso, sua organização curricular, gradativamente, se vá superando o tratamento estanque,
pedagógica e didática deve considerar a pluralidade compartimentalizado, que caracteriza o conhecimento
de vozes, de concepções, de experiências, de ritmos, escolar.
de culturas, de interesses. A escola deve conter, em si, a A tendência atual, em todos os níveis de ensino,
expressão da convivialidade humana, considerando toda a é analisar a realidade segmentada, sem desenvolver
sua complexidade. A escola deve ser, por sua natureza e a compreensão dos múltiplos conhecimentos que se
função, uma instituição interdisciplinar. interpenetram e conformam determinados fenômenos.
Para essa visão segmentada contribui o enfoque meramente
Olga Pombo (2003) afirma que há um alargamento
disciplinar que, na nova proposta de reforma curricular,
do conceito de ciência e, por isso, a necessidade de
pretendemos superado pela perspectiva interdisciplinar e
reorganização das estruturas da aprendizagem das ciências
pela contextualização dos conhecimentos.
e, por consequência, das formas de aprender e de ensinar.
Na perspectiva escolar, a interdisciplinaridade não tem
Em outras palavras: o alargamento do conceito de ciência a pretensão de criar novas disciplinas ou saberes, mas de
é tão profundo que muitas vezes é difícil estabelecer a utilizar os conhecimentos de várias disciplinas para resolver
fronteira entre a ciência e a política, a ciência e a economia, um problema concreto ou compreender um determinado
a ciência e a vida das comunidades humanas, a ciência e a fenômeno sob diferentes pontos de vista. Em suma, a
arte e assim por diante. Por isso, quanto mais interdisciplinar interdisciplinaridade tem uma função instrumental. Trata-
for o trabalho docente, quanto maiores forem as relações se de recorrer a um saber diretamente útil e utilizável
conceituais estabelecidas entre as diferentes ciências, para responder às questões e aos problemas sociais
quanto mais problematizantes, estimuladores, desafiantes contemporâneos.
e dialéticos forem os métodos de ensino, maior será a Na proposta de reforma curricular do Ensino Médio,
possibilidade de apreensão do mundo pelos sujeitos que a interdisciplinaridade deve ser compreendida a partir de
aprendem. uma abordagem relacional, em que se propõe que, por

190
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

meio da prática escolar, sejam estabelecidas interconexões Em recente trabalho apresentado no II Seminário
e passagens entre os conhecimentos através de relações de Internacional sobre Educação Intercultural, Gênero e
complementaridade, convergência ou divergência. Movimentos Sociais, promovido pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), realizado em Florianópolis, entre
A integração dos diferentes conhecimentos pode 08 e 11 de abril de 2003, foram enumerados alguns desafios
criar as condições necessárias para uma aprendizagem que terão que ser enfrentados, se realmente quisermos
motivadora, na medida em que ofereça maior liberdade que se promova uma educação intercultural na perspectiva
aos professores e alunos para a seleção de conteúdos mais crítica emancipatória. Fizemos uma síntese dessas ações
diretamente relacionados aos assuntos ou problemas que propostas por Candau (2005):
dizem respeito à vida da comunidade. Todo conhecimento
é socialmente comprometido e não há conhecimento a) Descontruir: Penetrar no universo de preconceitos
que possa ser aprendido e recriado se não se parte das e discriminações presentes na sociedade brasileira. Para
preocupações que as pessoas detêm. O distanciamento a promoção de uma educação intercultural, é necessário
entre os conteúdos programáticos e a experiência dos reconhecer o caráter desigual, discriminador e racista da
alunos certamente responde pelo desinteresse e até nossa sociedade, da educação e de cada um (a) de nós.
mesmo pela deserção que constatamos em nossas escolas. b) Questionar o caráter monocultural e o etnocentrismo
Conhecimentos selecionados a priori tendem a se perpetuar que, explícita ou implicitamente, estão presentes na escola e
nos rituais escolares, sem passar pela crítica e reflexão nas políticas educativas e impregnam os currículos escolares.
dos docentes, tornando-se, desta forma, um acervo de c) Articular igualdade e diferença: é importante
conhecimentos quase sempre esquecidos ou que não se articular no nível das políticas educativas, assim como das
consegue aplicar, por se desconhecer suas relações com práticas pedagógicas, o reconhecimento e a valorização da
o real. diversidade cultural, com as questões relativas à igualdade e
A aprendizagem significativa pressupõe a existência ao direito à educação, como direito de todos (as).
de um referencial que permita aos alunos identificar e se d) Resgatar os processos de construção das nossas
identificar com as questões propostas. Essa postura não identidades culturais tanto no nível pessoal como no coletivo.
implica permanecer apenas no nível de conhecimento que É importante que se opere com um conceito dinâmico e
é dado pelo contexto mais imediato, nem muito menos histórico de cultura capaz de integrar as raízes históricas e
pelo senso comum, mas visa a gerar a capacidade de as novas configurações, evitando-se uma visão das culturas
compreender e intervir na realidade, numa perspectiva como universos fechados e em busca do puro, do autêntico
autônoma e desalienante. Ao propor uma nova forma como uma essência preestabelecida e um dado que não está
de organizar o currículo, trabalhado na perspectiva em contínuo movimento.
interdisciplinar e contextualizada, parte-se do pressuposto e) Promover experiências de interação sistemática com
de que toda aprendizagem significativa implica uma os “outros” para sermos capazes de relativizar nossa própria
relação sujeito-objeto e que, para que esta se concretize, é maneira de situarmo-nos diante do mundo e atribuir-lhe
necessário oferecer as condições para que os dois polos do sentido; é necessário que experimentemos uma intensa
processo interajam. interação com diferentes modos de viver e expressar-
se, numa dinâmica sistemática de diálogo e construção
MULTICULTURALISMO; conjunta entre diferentes pessoas e/ou grupos de diversas
procedências sociais, étnicas, religiosas, culturais etc.
Multiculturalidade e interculturalidade: abordagens f) Reconstruir a dinâmica educacional: a educação
pedagógicas intercultural não pode ser reduzida a algumas situações
e/ou atividades realizadas em momentos específicos, nem
Candau entende o multiculturalismo como uma focalizar sua atenção exclusivamente em determinados
realidade social, ou seja: a presença de diferentes grupos sociais. Trata-se de um enfoque global que deve
grupos culturais numa mesma sociedade. A tomada de afetar todos os atores e a todas as dimensões do processo
consciência desta realidade é motivada por fatos concretos educativo. No que diz respeito à escola, afeta a seleção
que explicitam diferentes interesses, discriminações e curricular, a organização escolar, as linguagens, as práticas
preconceitos presentes no tecido social. Os “outros”, didáticas, as atividades extraclasse, o papel do professor, a
os diferentes se revelam em toda sua concretude. Esta relação com a comunidade etc.
realidade pode provocar comportamentos e dinâmicas g) Favorecer processos de “empoderamento”, que
sociais que constroem “muros” de forma física, afetiva e começam pela possibilidade de poder que cada pessoa possui,
ideológica; evita-se o contato e criam-se mundos próprios a fim de que ela possa ser sujeito de sua vida e ator social.
sem relação com os “diferentes”. A consciência do caráter O empoderamento tem também uma dimensão coletiva,
multicultural de uma sociedade não leva espontânea e trabalha com grupos sociais minoritários, discriminados,
necessariamente ao desenvolvimento de uma dinâmica marginalizados, favorecendo sua organização e participação
social informada pelo caráter intercultural. A partir da ativa na sociedade civil.
explicação da autora, percebemos que multiculturalismo é h) Em síntese, a promoção de uma educação intercultural
uma realidade concreta com diferentes interesses. é complexa, que exige problematizar diferentes elementos
e o modo como concebemos nossas práticas educativas e

191
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

sociais. Aposta na relação entre grupos sociais e étnicos. entender o processo escolar como um empreendimento
A perspectiva intercultural quer promover uma educação político culturalmente complexo, é necessário reconhecer
para o reconhecimento do “outro”, para o diálogo entre os a natureza social da linguagem e seu relacionamento com
diferentes grupos sociais e culturais. o poder e suas formas de conhecimento. O autor oferece
uma visão geral de abordagem de ensino a partir da
A perspectiva multicultural na abordagem da dinâmica pedagogia crítica, apontando no que ela pode contribuir
pedagógica constitui uma preocupação recente e crescente para a formação crítica e sua aplicação no dia-a-dia da sala
em nível internacional. No entanto, a gênese desta de aula por meio da linguagem e da experiência. O foco é
preocupação em diferentes contextos como o europeu a experiência do estudante:
e o norte-americano obedecem a origens e motivações Em primeiro lugar, o conceito de experiência do
específicas: estudante é validado como uma fonte primária de
conhecimento, e a subjetividade do estudante é vista
[...] a educação intercultural surge não somente por como um repositório de significados, construído em
camadas e muitas vezes contraditório. [...]Em segundo
razões pedagógicas, mas principalmente por motivos
lugar, tal pedagogia tenta oferecer aos estudantes os meios
sociais, políticos, ideológicos e culturais. A origem desta
críticos para negociar e traduzir criticamente suas próprias
corrente pedagógica pode ser situada aproximadamente
experiências e formas de conhecimento subordinado. [...]
há trinta anos, nos Estados Unidos, a partir dos movimentos Em terceiro lugar, um discurso radical de pedagogia deve
de pressão e reivindicação de algumas minorias étnico- incorporar uma teoria da leitura crítica viável que enfoque os
culturais, principalmente negras. interesses e pressupostos que informam a própria geração
Segundo Gonçalves e Silva, a ideia de repensar a do conhecimento. Isso é particularmente importante para
educação em uma perspectiva do multiculturalismo, o desenvolvimento de uma pedagogia, como diria Paulo
nasce da reflexão de professores doutores afroamericanos Freire, para ler tanto a palavra quanto o mundo.
docentes na área dos Estudos Sociais, entre eles: Gwedolyn
C. Baker, James A Banks, Geneva Gay, Carl A Grant, que foram Conforme Mclaren uma pedagogia da linguagem e
influenciados, de início, pelos precursores dos Estudos da experiência significa ensinar aos estudantes como ler
Negros e pelo impacto dos Black Studies nas escolas, sendo a palavra, a imagem e o mundo de forma crítica, com
que, os mesmos têm contribuído para o desenvolvimento uma consciência da codificação cultural e da produção
de pesquisas e práticas pedagógicas. De modo geral, na ideológica nas várias dimensões da vida social. O autor cita
visão desses autores, a educação multicultural propõe a a epígrafe de Scholes que, de forma objetiva, torna claro
reforma das escolas e de outras instituições educacionais o que é ensinar os estudantes a ler, interpretar e a criticar:
com a finalidade de criar iguais oportunidades de sucesso Ao ler, produzimos um texto dentro de um texto, ao
escolar para todos os alunos, independentemente de seu interpretar, criamos um texto sobre um texto, e, ao criticar,
grupo social, étnico/racial. construímos um texto contra um texto. Ler o mundo e
a palavra significa compreender os códigos culturais e
Dentre os educadores que abordam o genéricos que nos capacitam a construir uma história a partir
multiculturalismo e a educação, destacamos Peter das palavras – histórias que podemos contar com nossas
Mclaren e James Banks. próprias palavras e a partir de pontos de vistas diferentes.
Interpretar significa ser capaz de tematizar e de generalizar
Peter Mclaren é canadense (radicado nos EUA), sobre as narrativas que constituem a experiência social: em
professor e um dos representantes da chamada pedagogia resumo, significa ser capaz de desafiar os pressupostos e
os motivos escondidos que constroem nossos sistemas de
crítica. Sendo um dos importantes autores que aborda a
valores culturais dia-a-dia. Em outras palavras, refere-se ao
questão do multiculturalismo a partir da realidade de seu
ato de apropriar-se dos elementos ideológicos de nosso
país que, por muitas vezes, tem sido palco de tragédias,
mundo social. Criticar significa compreender a construção
ligadas muitas vezes às questões étnicas. Neste contexto, da vida social como um modo de produção particular que
o debate sobre educação multicultural, se torna urgente e pode ser analisado junto com outros textos culturais que
necessário, sendo protagonizado tanto por conservadores, falam para outros modos de discurso ético e formas de
que consideram o multiculturalismo como uma nova forma sociabilidade, a partir dos quais os estudantes podem ser
de racismo, quanto por aqueles que o concebem como um chamados a basear sua ação social do mundo.
princípio orientador da educação para a democracia em um
mundo marcado pela globalização e pluralismo cultural. James Banks é outro autor do cenário estadunidense
profundamente envolvido com a questão das relações
A linguagem tem papel fundamental para Mclaren. entre multiculturalidade e educação assumindo uma
Ela precisa ser permanentemente desafiada e questionada perspectiva de caráter liberal. Ele é um dos autores que
para superar a noção de neutralidade que nos impinge. mais tem focalizado as questões do multiculturalismo
A língua constitui a realidade, não apenas a reflete, mas na perspectiva didáticopedagógica. Seu principal foco
é um meio simbólico que refrata, molda e transforma de atenção é: a questão do fracasso escolar dos alunos
o mundo. Indo mais além, é o meio através do qual as oriundos das camadas populares e grupos étnicos, como
identidades sociais são construídas, os agentes sociais são os afrodescendentes. Na sua análise, privilegia dois
formados e as hegemonias culturais asseguradas. Para paradigmas para enfrentar essa problemática, a saber:

192
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

a) privação cultural, parte do pressuposto de que o - Pedagogia da equidade: existe quando os professores
fracasso desses alunos está motivado pela cultura em que modificam sua forma de ensinar de maneira a facilitar o
foram socializados, que não lhes favoreceu experiências aproveitamento acadêmico dos alunos de diversos grupos
fundamentais para o bom desempenho escolar. Os sociais e culturais, o que inclui a utilização de uma variedade
defensores dessa perspectiva consideram o contexto de estilos de ensino, coerentes com a diversidade de estilos
social e a cultura de origem dos alunos como o maior de aprendizagem dos vários grupos étnicos e culturais.
problema, e não a cultura da escola. Privilegiam estratégias - Redução do preconceito: essa dimensão focaliza
educacionais de compensação das deficiências culturais atitudes dos alunos em relação à raça e como elas podem
dos alunos. Banks considera essa perspectiva como de ser modificadas por intermédio de métodos de ensino e
privação cultural, pois parte do pressuposto que o fracasso determinados materiais e recursos didáticos.
destes alunos está motivado pela cultura em que foram - Uma cultura escolar e estrutura social que reforcem o
socializados. empoderamento de diferentes grupos: promove um processo
b) O segundo paradigma, que Banks intitula de de reestruturação da cultura e organização da escola, para
diferença cultural, parte da afirmação de que as diferentes que os alunos de diversos grupos étnicos, raciais e sociais,
culturas possuem linguagens, valores, símbolos e estilos de possam experimentar a equidade educacional e o reforço
comportamento diferentes, que tem de ser compreendidos de seu poder na escola. Candau nos informa que durante
uma pesquisa de campo, realizada no primeiro semestre de
na sua originalidade. Informa ainda que as relações entre
1999, foram observadas as aulas das diversas disciplinas que
as culturas não podem ser analisadas numa perspectiva
integram o currículo PVNC, em um dois núcleos situados em
hierarquizadora.
diferentes zonas geográficas do Grande Rio, num total de
aproximadamente 200 horas.
O que seria, então, na visão de Banks a educação
multicultural? Candau é quem nos informa: A autora informa que foi utilizado como critério central
de observação um checklist inspirado nas categorias
Na visão de Banks, a educação multicultural é um propostas por Banks para a construção de um currículo
movimento reformador destinado a realizar grandes multicultural marcando o seu olhar durante a observação
mudanças no sistema educacional. Concebe como a das aulas das diferentes disciplinas: a) o grau de
principal finalidade da educação multicultural favorecer interação dos conteúdos, b) o processo de construção de
que todos os estudantes desenvolvam habilidades, atitudes conhecimentos, c) a redução do preconceito, d) a pedagogia
e conhecimentos necessários para atuar no contexto da sua da equidade, e) o empoderamento. A autora esclarece que
própria cultura étnica, no da cultura dominante, assim como a experiência do PVNC, apesar dos limites oriundos do
para interagir com outras culturas, e situar-se em contextos seu caráter exploratório, permitiu algumas constatações
diferentes de sua origem Banks afirma que existem diversas e suscitou muitas outras questões. Tendo por base o
formas de abordar a questão das relações entre educação modelo de Banks foi possível afirmar que as dimensões
e cultura(s) no contexto escolar. Identifica dez paradigmas mais trabalhadas em sala de aula dos núcleos observados
que permeiam os programas e as práticas escolares sob o foram às relacionadas ao empoderamento e à redução de
mesmo rótulo de educação multicultural: étnico aditivo, preconceito. Quanto às dimensões menos presentes em
desenvolvimento de autoconceito, privação cultural, sala de aula foram: integração de conteúdo e processo
linguagem, racismo, radical, genético, pluralismo cultural, de construção de conhecimento; estas estão relacionadas
diferença cultural, assimilacionismo. com questões inerentes à seleção dos conteúdos escolares,
constituição do conhecimento escolar e transposição
Conforme Candau, no livro An introduction to didática, constituindo preocupações importantes para se
multicultural education de autoria de James Banks, este trabalhar a cultura escolar na perspectiva multicultural.
propõe um modelo próprio de educação multicultural para Foi possível evidenciar, nas categorias de Banks, uma
ser um referente no dia-a-dia de salas de aula, baseado em abordagem aditiva, incluindo-se alguns temas específicos
em diversas disciplinas.
cinco dimensões interligadas, a saber:
A escola: de uma visão monocultural à uma visão
- Integração do conteúdo: lida com as formas pelas
multicultural
quais os as professores (as) usam exemplos e conteúdos
provenientes de culturas e grupos variados para ilustrar os A escola é uma instituição construída historicamente
conceitos-chave, os princípios, as generalizações e teorias no contexto da modernidade, considerada como
nas suas disciplinas ou áreas de atuação. mediadora privilegiada para desenvolver uma função social
- Processo de construção do conhecimento: propõe fundamental: transmitir cultura, oferecer às novas gerações
formas por meio das quais os (as) professores (as) ajudam o que de mais significativo produziu a humanidade.
os (as) alunos (as) entender, investigar e determinar como Porém, a escola contemporânea é vista não somente
pressupostos culturais implícitos, os quadros de referência, as como lugar de instrução, mas também, como uma “arena
perspectivas e os vieses dentro de uma disciplina influenciam cultural” onde se confrontam as diferentes forças sociais,
as formas pelas quais o conhecimento é construído. econômicas e culturais em disputa pelo poder. O que

193
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

está em questão, portanto, é a pluralidade, em específico da educação não formal e, concretamente, da educação
os “outros”, aqueles que consideramos diferentes, os popular. Essa dialética é especialmente aguda na América
de origem popular, afrodescendentes, os funkeiros, que Latina, em que o sonho de uma sociedade democrática e
mesmo quando fracassam e são excluídos, ao penetrarem igualitária esbarra com o projeto neoliberal hegemônico
no universo escolar, desestabilizam sua lógica e instalam e o avanço de reformas estruturais que acentuam a
outra realidade sociocultural. E como se expressa essa nova marginalização e a exclusão, em nome da abertura dos
configuração no sistema escolar? mercados e do sonho de entrar no primeiro mundo. No
entanto, no meio destas contradições e conflitos, cresce a
As interrogações levantadas por Moreira e Candau nos consciência do caráter multicultural do continente.
dão conta de mostrar a clientela diversifica e pluricultural
existente em nossas salas de aula como também dos Sempre soubemos que a miscigenação é um dos
desafios surgidos a partir desta constatação: como lidar traços da nossa formação histórico-cultural, mas em
com uma criança tão “estranha” e que tem hábitos e geral associamos esta realidade a uma equivalência
costumes tão “diferentes” dos da criança “bem-educada”? negativa, a algo que nos impedia de gerar processos de
Como ensinar os conteúdos que se encontram nos livros desenvolvimento e de afirmação de identidades próprias
didáticos? Como “adaptá-la” às normas, condutas e valores em pé de igualdade com diferentes povos e nações. Porém,
vigentes? Essas questões, de modo geral, expressam- esta perspectiva está se alterando e vozes anteriormente
se em manifestações de mal–estar, tensões e conflitos caladas se fazem ouvir, surda, clara ou violentamente.
denunciados tanto por docentes quanto por discentes. É o Outro grande desafio que se coloca para a escola é o
próprio horizonte utópico da escola que entra em questão: que se relaciona com a articulação entre igualdade e
os desafios do mundo atual denunciam a fragilidade e diferença. Durante muito tempo, a cultura escolar se
a insuficiência dos ideais modernos e passam a exigir e configurou a partir da ênfase na questão da igualdade, o
suscitar novas interrogações e buscas. A escola passa a ser que significou, na prática, a afirmação da hegemonia da
então, mais do que transmissora da cultura, um espaço de cultura ocidental europeia e a ausência no currículo de
cruzamento e diálogo entre diferentes culturas. A escola outras práticas simbólicas presentes na escola; de outras
é uma instituição que faz parte da história de muitas vozes, particularmente, da cultura negra e de outros
pessoas, porém não está presente na vida de todos e a grupos marginalizados de nossa sociedade. Hoje, em nosso
luta pela universalização de uma escola de qualidade tem continente, são cada vez mais numerosos os movimentos
sido árdua, e ainda, longe de ser alcançada. É possível sociais e de caráter identitário que questionam o universo
afirmar que naturalizamos um modo de pensar e organizar escolar assim configurado.
a instituição escolar e esquecemos de visualizá-la como Candau sintetiza suas argumentações com relação à
uma construção social, fortemente condicionada pelos cultura escolar e apresenta os desafios que a mesma terá
diferentes momentos históricos, sociedades e culturas. que enfrentar como partícipe de uma sociedade altamente
O novo milênio, que há pouco se iniciou, traz questões produtora de conhecimento:
nascidas na segunda metade do século XX no tocante ao A escola está chamada a ser nos próximos anos,
sistema educacional, em específico da América Latina. A mais do que um lócus de apropriação do conhecimento
situação educacional vivida no continente latino-americano socialmente relevante, o científico, um espaço de diálogo
é um momento paradoxal e contraditório, não se podendo entre diferentes saberes-científico, social, escolar, etc. - e
negar a expansão do sistema educacional nas últimas linguagens. De análise crítica, estímulo ao exercício da
décadas, pelo menos com relação à educação básica. capacidade reflexiva e de uma visão plural e histórica
do conhecimento, da ciência, da tecnologia e das
O discurso oficial apresenta a educação como a grande diferentes linguagens. É no cruzamento, na interação,
responsável pela modernização de nossas sociedades, por no reconhecimento da dimensão histórica e social do
suas maiores ou menores possibilidades de integrar-se no conhecimento que a escola está chamada a se situar.
mundo globalizado, mas a lógica macroestrutural pede Neste sentido, toda a rigidez de que se reveste em geral
pessoas com alto nível de competência e domínio das a organização e a dinâmica pedagógica escolares, assim
habilidades de caráter cognitivo, científico e tecnológico, como o caráter monocultural da cultura escolar precisam
assim também como o desenvolvimento da capacidade ser fortemente questionados. Devem ser enfatizados a
de interação grupal, iniciativa, criatividade e uma elevada dinamicidade, a flexibilidade, a diversificação, as diferentes
autoestima. Porém, na direção contrária do discurso oficial leituras de um mesmo fenômeno, as diversas formas de
temos uma realidade material, concreta a ser analisada. expressão, o debate e a construção de uma perspectiva
Em nosso continente, inclusive no Brasil, existe ainda, crítica plural.
altos índices de analfabetismo, evasão, repetência e
desigualdade de oportunidades educacionais; esta é uma Desta forma, os processos educativos se desenvolvem
realidade concreta que não se pode negar. No entanto, a partir de diferentes configurações. A pluralidade de
não se pode ignorar, também, que existem experiências e espaços, tempos e linguagens não deve ser apenas
buscas que se situam em outras perspectivas. A América reconhecida, como também, promovida. A educação
Latina têm uma rica experiência de práticas educativas e não pode ser enquadrada numa lógica unidimensional,
de produção de conhecimento a partir da perspectiva aprisionada numa institucionalização específica. É

194
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

preciso ter um horizonte de sentido; em outras palavras, O que é projeto políticopedagógico?


significa formar pessoas capazes de serem eles mesmos
os sujeitos de suas vidas e, ao mesmo tempo, atores No sentido etimológico, o termo projeto vem do
sociais comprometidos com um projeto de sociedade e latim projectu, participio passado do verbo projicere,
humanidade e também um horizonte utópico pois, [...] Sem que significa lançar para diante. Plano, intento, designio.
horizonte utópico, indignação, admiração e sonho de uma Empresa, empreendimento. Redação provisoria de lei.
sociedade justa, solidária e inclusiva, onde se articulem Plano geral de edificação.
políticas de igualdade e de identidade, para nós não existe Ao construirmos os projetos de nossas escolas,
educação. planejamos o que temos intenção de fazer, de realizar.
A reflexão atual acerca da relação escola e cultura Lançamo-nos para diante, com base no que temos, buscando
pressupõe, ainda, a discussão sobre as possibilidades o possível. É antever um futuro diferente do presente. Nas
e modalidades de diálogo, que são ou devem ser palavras de Gadotti: Todo projeto supõe rupturas com o
estabelecidas, entre os diversos grupos sociais, étnicos e presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar
culturais que coexistem em um espaço social de dimensões quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar
cada vez mais globais. um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade
em função da promessa que cada projeto contém de estado
Lutar contra as desigualdades sociais não basta, é melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser
preciso buscar estratégias onde as diferenças culturais tomado como promessa frente a determinadas rupturas.
possam coexistir de forma democrática. A dinâmica As promessas tornam visíveis os campos de ação possível,
cristalizada da cultura escolar apresenta uma enorme comprometendo seus atores e autores.
dificuldade de incorporar os avanços do desenvolvimento Nessa perspectiva, o projeto políticopedagógico vai
cientifico e tecnológico, as diferentes formas de aquisição além de um simples agrupamento de planos de ensino e de
de conhecimentos, as diversas linguagens e expressões atividades diversas. O projeto não é algo que é construído
culturais e as novas sensibilidades presentes de modo e em seguida arquivado ou encaminhado às autoridades
especial nas novas gerações e nos diferentes grupos educacionais como prova do cumprimento de tarefas
culturais. Conforme Candau, os processos de aquisição- burocráticas. Ele é construído e vivenciado em todos
construção-desconstrução-reconstrução do conhecimento, os momentos, por todos os envolvidos com o processo
em profunda crise na sociedade atual, onde caminhos e educativo da escola.
linguagens diversificadas se impõem, aparecem no dia-a- O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação
dia das salas de aula de modo homogêneo e repetitivo, intencional, com um sentido explícito, com um compromisso
através de formas estereotipadas, na grande maioria das definido coletivamente. Por isso, todo projeto pedagógico
situações. da escola é, também, um projeto político por estar
intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com
A ESCOLA E O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO; os interesses reais e coletivos da população majoritária. E
político no sentido de compromisso com a formação do
Para Veiga e colegas, o projeto políticopedagógico tem cidadão para um tipo de sociedade. “A dimensão política se
sido objeto de estudos para professores, pesquisadores e cumpre na medida em que ela se realiza enquanto prática
instituições educacionais em níveis nacional, estadual e especificamente pedagógica”. Na dimensão pedagógica
municipal, em busca da melhoria da qualidade do ensino. reside a possibilidade da efetivação da intencionalidade
O presente estudo tem a intenção de refletir acerca da escola, que é a formação do cidadão participativo,
da construção do projeto políticopedagógico, entendido responsável, compromissado, crítico e criativo. É
como a própria organização do trabalho pedagógico de pedagógico no sentido de definir as ações educativas e
toda a escola. as características necessárias às escolas para cumprir seus
A escola é o lugar de concepção, realização e propósitos e sua intencionalidade.
avaliação de seu projeto educativo, uma vez que necessita Político e pedagógico têm, assim, uma significação
organizar seu trabalho pedagógico com base em seus indissociável. Nesse sentido é que se deve considerar o
alunos. Nessa perspectiva, é fundamental que ela assuma projeto políticopedagógico como um processo permanente
suas responsabilidades, sem esperar que as esferas de reflexão e discussão dos problemas da escola, na busca
administrativas superiores tomem essa iniciativa, mas que de alternativas viáveis à efetivação de sua intencionalidade,
lhe deem as condições necessárias para levá-la adiante. que “não é descritiva ou constatativa, mas é constitutiva”.
Para tanto, é importante que se fortaleçam as relações Por outro lado, propicia a vivência democrática necessária
entre escola e sistema de ensino. para a participação de todos os membros da comunidade
Para isso, começaremos conceituando projeto escolar e o exercício da cidadania. Pode parecer complicado,
políticopedagógico. Em seguida, trataremos de trazer mas se trata de uma relação recíproca entre a dimensão
nossas reflexões para a análise dos princípios norteadores. política e a dimensão pedagógica da escola.
Finalizaremos discutindo os elementos básicos da O projeto políticopedagógico, ao se constituir em
organização do trabalho pedagógico, necessários à processo democrático de decisões, preocupa-se em
construção do projeto políticopedagógico. instaurar uma forma de organização do trabalho pedagógico
que supere os conflitos, buscando eliminar as relações

195
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a Isso pode exigir, também, mudanças na própria lógica
rotina do mando impessoal e racionalizado da burocracia de organização das instâncias superiores, implicando uma
que permeia as relações no interior da escola, diminuindo mudança substancial na sua prática.
os efeitos fragmentários da divisão do trabalho que reforça Para que a construção do projeto políticopedagógico
as diferenças e hierarquiza os poderes de decisão. seja possível não é necessário convencer os professores,
Desse modo, o projeto políticopedagógico tem a ver a equipe escolar e os funcionários a trabalhar mais, ou
com a organização do trabalho pedagógico em dois níveis: mobilizá-los de forma espontânea, mas propiciar situações
como organização de toda a escola e como organização da que lhes permitam aprender a pensar e a realizar o fazer
sala de aula, incluindo sua relação com o contexto social pedagógico de forma coerente.
imediato, procurando preservar a visão de totalidade. O ponto que nos interessa reforçar é que a escola não
Nesta caminhada será importante ressaltar que o projeto tem mais possibilidade de ser dirigida de cima para baixo e
políticopedagógico busca a organização do trabalho na ótica do poder centralizador que dita as normas e exerce
pedagógico da escola na sua globalidade. o controle técnico burocrático. A luta da escola é para a
A principal possibilidade de construção do projeto descentralização em busca de sua autonomia e qualidade.
políticopedagógico passa pela relativa autonomia Do exposto, o projeto políticopedagógico não visa
da escola, de sua capacidade de delinear sua própria simplesmente a um rearranjo formal da escola, mas a uma
identidade. Isso significa resgatar a escola como espaço qualidade em todo o processo vivido. Vale acrescentar,
público, como lugar de debate, do diálogo fundado na ainda, que a organização do trabalho pedagógico da
reflexão coletiva. Portanto, é preciso entender que o projeto escola tem a ver com a organização da sociedade. A escola
políticopedagógico da escola dará indicações necessárias à nessa perspectiva é vista como uma instituição social,
organização do trabalho pedagógico que inclui o trabalho inserida na sociedade capitalista, que reflete no seu interior
do professor na dinâmica interna da sala de aula, ressaltado as determinações e contradições dessa sociedade.
anteriormente.
Buscar uma nova organização para a escola constitui Princípios norteadores do projeto
uma ousadia para educadores, pais, alunos e funcionários. políticopedagógico
Para enfrentarmos essa ousadia, necessitamos de um
referencial que fundamente a construção do projeto
A abordagem do projeto políticopedagógico, como
políticopedagógico. A questão é, pois, saber a qual
organização do trabalho de toda a escola, está fundada
referencial temos que recorrer para a compreensão de
nos princípios que deverão nortear a escola democrática,
nossa prática pedagógica. Nesse sentido, temos que nos
pública e gratuita:
alicerçar nos pressupostos de uma teoria pedagógica crítica
a) Igualdade de condições para acesso e permanência
viável, que parta da prática social e esteja compromissada
na escola. Saviani alerta-nos para o fato de que há uma
em solucionar os problemas da educação e do ensino
desigualdade no ponto de partida, mas a igualdade no
de nossa escola; uma teoria que subsidie o projeto
ponto de chegada deve ser garantida pela mediação da
políticopedagógico. Por sua vez, a prática pedagógica
que ali se processa deve estar ligada aos interesses da escola. O autor destaca que “só é possível considerar o
maioria da população. Faz-se necessário, também, o processo educativo em seu conjunto sob a condição de
domínio das bases teóricometodológicas indispensáveis se distinguir a democracia como possibilidade no ponto
à concretização das concepções assumidas coletivamente. de partida e democracia como realidade no ponto de
Mais do que isso, afirma Freitas, (...) as novas formas têm chegada”.
que ser pensadas em um contexto de luta, de correlações
de força - às vezes favoráveis, às vezes desfavoráveis. Terão Igualdade de oportunidades requer, portanto, mais que
que nascer no próprio “chão da escola”, com apoio dos a expansão quantitativa de ofertas; requer ampliação do
professores e pesquisadores. Não poderão ser inventadas atendimento com simultânea manutenção de qualidade.
por alguém, longe da escola e da luta da escola. b) Qualidade que não pode ser privilégio de minorias
Isso significa uma enorme mudança na concepção econômicas e sociais. O desafio que se coloca ao projeto
do projeto políticopedagógico e na própria postura da políticopedagógico da escola é o de propiciar uma
administração central. Se a escola se nutre da vivência qualidade para todos.
cotidiana de cada um de seus membros, coparticipantes de A qualidade que se busca implica duas dimensões
sua organização do trabalho pedagógico à administração indissociáveis: a formal ou técnica e a política. Uma não
central, seja o Ministério da Educação, a Secretaria de está subordinada à outra; cada uma delas tem perspectivas
Educação Estadual ou Municipal, não compete a eles próprias.
definir um modelo pronto e acabado, mas sim estimular A primeira enfatiza os instrumentos e os métodos, a
inovações e coordenar as ações pedagógicas planejadas técnica. A qualidade formal não está afeita, necessariamente,
e organizadas pela própria escola. Em outras palavras, as a conteúdos determinados. Demo afirma que a qualidade
escolas necessitam receber assistência técnica e financeira formal “significa a habilidade de manejar meios,
decidida em conjunto com as instâncias superiores do instrumentos, formas, técnicas, procedimentos diante dos
sistema de ensino. desafios do desenvolvimento”.

196
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

A qualidade política é condição imprescindível da Nesse sentido, fica claro entender que a gestão
participação. Está voltada para os fins, valores e conteúdos. democrática, no interior da escola, não é um princípio fácil
Quer dizer “a competência humana do sujeito em termos de ser consolidado, pois se trata da participação crítica na
de se fazer e de fazer história, diante dos fins históricos da construção do projeto políticopedagógico e na sua gestão.
sociedade humana”. d) Liberdade é outro princípio constitucional. O princípio
Nessa perspectiva, o autor chama atenção para o fato da liberdade está sempre associado à ideia de autonomia.
de que a qualidade se centra no desafio de manejar os O que é necessário, portanto, como ponto de partida, é o
instrumentos adequados para fazer a história humana. A resgate do sentido dos conceitos de autonomia e liberdade.
qualidade formal está relacionada com a qualidade política A autonomia e a liberdade fazem parte da própria natureza
e esta depende da competência dos meios. do ato pedagógico. O significado de autonomia remete-
A escola de qualidade tem obrigação de evitar de nos para regras e orientações criadas pelos próprios
todas as maneiras possíveis a repetência e a evasão. Tem sujeitos da ação educativa, sem imposições externas.
que garantir a meta qualitativa do desempenho satisfatório Para Rios, a escola tem uma autonomia relativa e a
de todos. Qualidade para todos, portanto, vai além da liberdade é algo que se experimenta em situação e esta é
meta quantitativa de acesso global, no sentido de que uma articulação de limites e possibilidades. Para a autora,
as crianças em idade escolar entrem na escola. É preciso a liberdade é uma experiência de educadores e constrói-
garantir a permanência dos que nela ingressarem. Em se na vivência coletiva, interpessoal. Portanto, “somos livres
síntese, qualidade “implica consciência crítica e capacidade com os outros, não apesar dos outros”. Se pensamos na
de ação, saber e mudar”. liberdade na escola, devemos pensá-la na relação entre
O projeto políticopedagógico, ao mesmo tempo em administradores, professores, funcionários e alunos que
que exige de educadores, funcionários, alunos e pais a aí assumem sua parte de responsabilidade na construção
definição clara do tipo de escola que intentam, requer a do projeto políticopedagógico e na relação destes com o
definição de fins. Assim, todos deverão definir o tipo de contexto social mais amplo.
sociedade e o tipo de cidadão que pretendem formar. As Heller afirma que:
ações específicas para a obtenção desses fins são meios.
A liberdade é sempre liberdade para algo e não apenas
Essa distinção clara entre fins e meios é essencial para a
liberdade de algo. Se interpretarmos a liberdade apenas
construção do projeto políticopedagógico.
como o fato de sermos livres de alguma coisa, encontramo-
c) Gestão democrática é um princípio consagrado
nos no estado de arbítrio, definimo-nos de modo negativo. A
pela Constituição vigente e abrange as dimensões
liberdade é uma relação e, como tal, deve ser continuamente
pedagógica, administrativa e financeira. Ela exige uma
ampliada. O próprio conceito de liberdade contém o conceito
ruptura histórica na prática administrativa da escola, com de regra, de reconhecimento, de intervenção recíproca. Com
o enfrentamento das questões de exclusão e reprovação efeito, ninguém pode ser livre se, em volta dele, há outros
e da não-permanência do aluno na sala de aula, o que que não o são!
vem provocando a marginalização das classes populares.
Esse compromisso implica a construção coletiva de um Por isso, a liberdade deve ser considerada, também,
projeto políticopedagógico ligado à educação das classes como liberdade para aprender, ensinar, pesquisar e divulgar
populares. a arte e o saber direcionados para uma intencionalidade
A gestão democrática exige a compreensão em definida coletivamente.
profundidade dos problemas postos pela prática e) Valorização do magistério é um princípio central na
pedagógica. Ela visa romper com a separação entre discussão do projeto políticopedagógico.
concepção e execução, entre o pensar e o fazer, entre A qualidade do ensino ministrado na escola e seu sucesso
teoria e prática. Busca resgatar o controle do processo e do na tarefa de formar cidadãos capazes de participar da vida
produto do trabalho pelos educadores. socioeconómica, política e cultural do país relacionam-se
A gestão democrática implica principalmente o estreitamente a formação (inicial e continuada), condições
repensar da estrutura de poder da escola, tendo em vista de trabalho (recursos didáticos, recursos físicos e materiais,
sua socialização. A socialização do poder propicia a prática dedicação integral à escola, redução do número de
da participação coletiva, que atenua o individualismo; da alunos na sala de aula etc), remuneração, elementos esses
reciprocidade, que elimina a exploração; da solidariedade, indispensáveis à profissionalização do magistério.
que supera a opressão; da autonomia, que anula a A melhoria da qualidade da formação profissional
dependência de órgãos intermediários que elaboram e a valorização do trabalho pedagógico requerem a
políticas educacionais das quais a escola é mera executora. articulação entre instituições formadoras, no caso as
A busca da gestão democrática inclui, necessariamente, instituições de ensino superior e a Escola Normal, e as
a ampla participação dos representantes dos diferentes agências empregadoras, ou seja, a própria rede de ensino. A
segmentos da escola nas decisões/ações administrativo- formação profissional implica, também, a indissociabilidade
pedagógicas ali desenvolvidas. Nas palavras de Marques: “A entre a formação inicial e a formação continuada.
participação ampla assegura a transparência das decisões, O reforço à valorização dos profissionais da
fortalece as pressões para que sejam elas legítimas, garante educação, garantindo-lhes o direito ao aperfeiçoamento
o controle sobre os acordos estabelecidos e, sobretudo, profissional permanente, significa “valorizar a experiência
contribui para que sejam contempladas questões que de e o conhecimento que os professores têm a partir de sua
outra forma não entrariam em cogitação”. prática pedagógica”.

197
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

A formação continuada é um direito de todos os Construindo o projeto políticopedagógico


profissionais que trabalham na escola, uma vez que ela não
só possibilita a progressão funcional baseada na titulação, O projeto políticopedagógico é entendido, neste
na qualificação e na competência dos profissionais, mas estudo, como a própria organização do trabalho pedagógico
também propicia, fundamentalmente, o desenvolvimento da escola. A construção do projeto políticopedagógico
profissional dos professores articulado com as escolas e parte dos princípios de igualdade, qualidade, liberdade,
seus projetos. gestão democrática e valorização do magistério. A escola é
A formação continuada deve estar centrada na escola e concebida como espaço social marcado pela manifestação
fazer parte do projeto políticopedagógico. Assim, compete de práticas contraditórias, que apontam para a luta e/ou
à escola: a) proceder ao levantamento de necessidades acomodação de todos os envolvidos na organização do
de formação continuada de seus profissionais; b) elaborar trabalho pedagógico.
seu programa de formação, contando com a participação O que pretendemos enfatizar é que devemos analisar
e o apoio dos órgãos centrais, no sentido de fortalecer e compreender a organização do trabalho pedagógico, no
seu papel na concepção, na execução e na avaliação do sentido de gestar uma nova organização que reduza os
referido programa.
efeitos de sua divisão do trabalho, de sua fragmentação
Assim, a formação continuada dos profissionais da
e do controle hierárquico. Nessa perspectiva, a construção
escola compromissada com a construção do projeto
do projeto políticopedagógico é um instrumento de luta,
políticopedagógico não deve se limitar aos conteúdos
curriculares, mas se estender à discussão da escola de é uma forma de contrapor-se à fragmentação do trabalho
maneira geral e de suas relações com a sociedade. Daí, pedagógico e sua rotinização, à dependência e aos efeitos
passarem a fazer parte dos programas de formação negativos do poder autoritário e centralizador dos órgãos
continuada questões como cidadania, gestão democrática, da administração central.
avaliação, metodologia de pesquisa e ensino, novas A construção do projeto políticopedagógico, para
tecnologias de ensino, entre outras. gestar uma nova organização do trabalho pedagógico,
Veiga e Carvalho afirmam que “o grande desafio da passa pela reflexão anteriormente feita sobre os princípios.
escola, ao construir sua autonomia, deixando de lado seu Acreditamos que a análise dos elementos constitutivos
papel de mera ‘repetidora’ de programas de ‘treinamento’, da organização trará contribuições relevantes para a
é ousar assumir o papel predominante na formação dos construção do projeto políticopedagógico.
profissionais”. Pelo menos sete elementos básicos podem ser
Inicialmente, convém alertar para o fato de que apontados: a) as finalidades da escola; b) a estrutura
essa tomada de consciência dos princípios norteadores organizacional; c) o currículo; d) o tempo escolar; e)
do projeto políticopedagógico não pode ter o sentido o processo de decisão; f) as relações de trabalho; g) a
espontaneísta de cruzar os braços diante da atual avaliação.
organização da escola, inibidora da participação de
educadores, funcionários e alunos no processo de gestão. a) As finalidades da escola
É preciso ter consciência de que a dominação no A escola persegue finalidades. É importante ressaltar
interior da escola efetiva-se por meio das relações de poder que os educadores precisam ter clareza das finalidades
que se expressam nas práticas autoritárias e conservadoras de sua escola. Para tanto, há necessidade de refletir sobre
dos diferentes profissionais, distribuídos hierarquicamente, a ação educativa que a escola desenvolve com base nas
bem como por meio das formas de controle existentes no finalidades e nos objetivos que ela define. As finalidades da
interior da organização escolar. Como resultante dessa escola referem-se aos efeitos intencionalmente pretendidos
organização, a escola pode ser descaracterizada como e almejados.
instituição histórica e socialmente determinada, instância
- Das finalidades estabelecidas na legislação em vigor,
privilegiada da produção e da apropriação do saber. As
o que a escola persegue, com maior ou menor ênfase?
instituições escolares representam «armas de contestação
- Como é perseguida sua finalidade cultural, ou seja, a
e luta entre grupos culturais e econômicos que têm
diferentes graus de poder». Por outro lado, a escola é local de preparar culturalmente os indivíduos para uma melhor
de desenvolvimento da consciência crítica da realidade. compreensão da sociedade em que vivem?
Acreditamos que os princípios analisados e o - Como a escola procura atingir sua finalidade política
aprofundamento dos estudos sobre a organização do e social, ao formar o indivíduo para a participação política
trabalho pedagógico trarão contribuições relevantes para a que implica direitos e deveres da cidadania?
compreensão dos limites e das possibilidades dos projetos - Como a escola atinge sua finalidade de formação
político-pedagógicos voltados para os interesses das profissional, ou melhor, como ela possibilita a compreensão
camadas menos favorecidas. do papel do trabalho na formação profissional do aluno?
Veiga acrescenta, ainda, que “a importância desses - Como a escola analisa sua finalidade humanística, ao
princípios está em garantir sua operacionalização nas procurar promover o desenvolvimento integral da pessoa?
estruturas escolares, pois uma coisa é estar no papel, As questões levantadas geram respostas e novas
na legislação, na proposta, no currículo, e outra é estar indagações por parte da direção, de professores,
ocorrendo na dinâmica interna da escola, no real, no funcionários, alunos e pais. O esforço analítico de todos
concreto”. possibilitará a identificação de quais finalidades precisam

198
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

ser reforçadas, quais as que estão relegadas e como A análise e a compreensão da estrutura organizacional
elas poderão ser detalhadas de acordo com as áreas do da escola significam indagar sobre suas características, seus
conhecimento, das diferentes disciplinas curriculares, do polos de poder, seus conflitos - O que sabemos da estrutura
conteúdo programático. pedagógica? Que tipo de gestão está sendo praticada? O
É necessário decidir, coletivamente, o que se quer que queremos e precisamos mudar na nossa escola? Qual é
reforçar dentro da escola e como detalhar as finalidades o organograma previsto? Quem o constitui e qual é a lógica
para atingir a almejada cidadania. interna? Quais as funções educativas predominantes?
Alves afirma que é preciso saber se a escola dispõe de Como são vistas a constituição e a distribuição do poder?
alguma autonomia na determinação das finalidades e dos Quais os fundamentos regimentais? -, enfim, caracterizar do
objetivos específicos. O autor enfatiza: “Interessará reter
modo mais preciso possível a estrutura organizacional da
se as finalidades são impostas por entidades exteriores
escola e os problemas que afetam o processo de ensino e
ou se são definidas no interior do ‘território social’ e se
são definidas por consenso ou por conflito ou até se são aprendizagem, de modo a favorecer a tomada de decisões
matéria ambígua, imprecisa ou marginal” (p. 19). realistas e exequíveis.
Essa colocação está sustentada na ideia de que Avaliar a estrutura organizacional significa questionar
a escola deve assumir, como uma de suas principais os pressupostos que embasam a estrutura burocrática da
tarefas, o trabalho de refletir sobre sua intencionalidade escola que inviabiliza a formação de cidadãos aptos a criar
educativa. Nesse sentido, ela procura alicerçar o conceito ou a modificar a realidade social. Para poderem realizar
de autonomia, enfatizando a responsabilidade de todos, um ensino de qualidade e cumprir suas finalidades, as
sem deixar de lado os outros níveis da esfera administrativa escolas têm que romper com a atual forma de organização
educacional. Nóvoa nos diz que a autonomia é importante burocrática que regula o trabalho pedagógico - pela
para “a criação de uma identidade da escola, de um ethos conformidade às regras fixadas, pela obediência a leis e
científico e diferenciador, que facilite a adesão dos diversos diretrizes emanadas do poder central e pela cisão entre
atores e a elaboração de um projeto próprio” (1992, p. 26). os que pensam e executam -, que conduz à fragmentação
A ideia de autonomia está ligada à concepção e ao consequente controle hierárquico que enfatiza três
emancipadora da educação. Para ser autônoma, a escola aspectos inter-relacionados: o tempo, a ordem e a disciplina.
não pode depender dos órgãos centrais e intermediários Nessa trajetória, ao analisar a estrutura organizacional,
que definem a política da qual ela não passa de executora. ao avaliar os pressupostos teóricos, ao situar os obstáculos
Ela concebe seu projeto políticopedagógico e tem
e vislumbrar as possibilidades, os educadores vão
autonomia para executá-lo e avaliá-lo ao assumir uma
desvelando a realidade escolar, estabelecendo relações,
nova atitude de liderança, no sentido de refletir sobre suas
finalidades sociopolíticas e culturais. definindo finalidades comuns e configurando novas formas
de organizar as estruturas administrativas e pedagógicas
b) A estrutura organizacional para a melhoria do trabalho de toda a escola na direção
do que se pretende. Assim, considerando o contexto, os
A escola, de forma geral, dispõe basicamente de limites, os recursos disponíveis (humanos, materiais e
duas estruturas: as administrativas e as pedagógicas. As financeiros) e a realidade escolar, cada instituição educativa
primeiras asseguram, praticamente, a locação e a gestão de assume sua marca, tecendo, no coletivo, seu projeto
recursos humanos, físicos e financeiros. Fazem parte, ainda, políticopedagógico, propiciando consequentemente a
das estruturas administrativas todos os elementos que construção de uma nova forma de organização.
têm uma forma material, como, por exemplo, a arquitetura
do edifício escolar e a maneira como ele se apresenta do c) O currículo
ponto de vista de sua imagem: equipamentos e materiais Currículo é um importante elemento constitutivo da
didáticos, mobiliário, distribuição das dependências organização escolar. Currículo implica, necessariamente, a
escolares e espaços livres, cores, limpeza e saneamento interação entre sujeitos que têm um mesmo objetivo e a
básico (água, esgoto, lixo e energia elétrica). opção por um referencial teórico que o sustente.
As pedagógicas, que, teoricamente, determinam a Currículo é uma construção social do conhecimento,
ação das administrativas, “organizam as funções educativas
pressupondo a sistematização dos meios para que essa
para que a escola atinja de forma eficiente e eficaz as suas
construção se efetive; é a transmissão dos conhecimentos
finalidades”.
As estruturas pedagógicas referem-se, historicamente produzidos e as formas de assimilá-
fundamentalmente, às interações políticas, às questões de los; portanto, produção, transmissão e assimilação são
ensino e aprendizagem e às de currículo. Nas estruturas processos que compõem uma metodologia de construção
pedagógicas incluem-se todos os setores necessários ao coletiva do conhecimento escolar, ou seja, o currículo
desenvolvimento do trabalho pedagógico. propriamente dito. Nesse sentido, o currículo refere-se à
A análise da estrutura organizacional da escola visa organização do conhecimento escolar.
identificar quais estruturas são valorizadas e por quem, O conhecimento escolar é dinâmico e não uma mera
verificando as relações funcionais entre elas. É preciso simplificação do conhecimento científico, que se adequaria
ficar claro que a escola é uma organização orientada por à faixa etária e aos interesses dos alunos. Daí a necessidade
finalidades, controlada e permeada pelas questões do de promover, na escola, uma reflexão aprofundada sobre
poder. o processo de produção do conhecimento escolar, uma

199
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

vez que ele é, ao mesmo tempo, processo e produto. A Com base em Aronowitz e Giroux (1985), o autor chama
análise e a compreensão do processo de produção do a atenção para o fato de que a noção crítica de controle
conhecimento escolar ampliam a compreensão sobre as social não pode deixar de discutir “o contexto apropriado
questões curriculares. ao desenvolvimento de práticas curriculares que favoreçam
Na organização curricular é preciso considerar alguns o bom rendimento e a autonomia dos estudantes e, em
pontos básicos. O primeiro é o de que o currículo não é um particular, que reduzam os elevados índices de evasão e
instrumento neutro. O currículo passa ideologia, e a escola repetência de nossa escola de primeiro grau”.
precisa identificar e desvelar os componentes ideológicos A noção de controle social na teoria curricular crítica
do conhecimento escolar que a classe dominante utiliza é mais um instrumento de contestação e resistência à
para a manutenção de privilégios. A determinação do ideologia veiculada por intermédio dos currículos, tanto do
conhecimento escolar, portanto, implica uma análise formal quanto do oculto.
interpretativa e crítica, tanto da cultura dominante, quanto Orientar a organização curricular para fins
da cultura popular. O currículo expressa uma cultura. emancipatórios implica, inicialmente, desvelar as visões
O segundo ponto é o de que o currículo não pode simplificadas de sociedade, concebida como um todo
ser separado do contexto social, uma vez que ele é homogêneo, e de ser humano, como alguém que tende a
historicamente situado e culturalmente determinado. aceitar papéis necessários à sua adaptação ao contexto em
O terceiro ponto diz respeito ao tipo de organização que vive. Controle social, na visão crítica, é uma contribuição
curricular que a escola deve adotar. Em geral, nossas e uma ajuda para a contestação e a resistência à ideologia
instituições têm sido orientadas para a organização veiculada por intermédio dos currículos escolares.
hierárquica e fragmentada do conhecimento escolar. Com
base em Bernstein (1989), chamo a atenção para o fato de d) O tempo escolar
que a escola deve buscar novas formas de organização O tempo é um dos elementos constitutivos da
curricular, em que o conhecimento escolar (conteúdo) organização do trabalho pedagógico. O calendário escolar
estabeleça uma relação aberta e inter-relacione-se em ordena o tempo: determina o início e o fim do ano,
torno de uma ideia integradora. Esse tipo de organização prevendo os dias letivos, as férias, os períodos escolares
curricular, o autor denomina de currículo-integração. O em que o ano se divide, os feriados cívicos e religiosos,
currículo integração, portanto, visa reduzir o isolamento as datas reservadas à avaliação, os períodos para reuniões
entre as diferentes disciplinas curriculares, procurando técnicas, cursos etc.
agrupá-las num todo mais amplo. O horário escolar, que fixa o número de horas por
semana e que varia em razão das disciplinas constantes na
Como alertaram Domingos et al., “cada conteúdo deixa
grade curricular, estipula também o número de aulas por
de ter significado por si só, para assumir uma importância
professor. Tal como afirma Enguita: “Às matérias tornam-se
relativa e passar a ter uma função bem determinada e
equivalentes porque ocupam o mesmo número de horas
explícita dentro do todo de que faz parte”.
por semana, e são vistas como tendo menor prestígio se
O quarto ponto refere-se à questão do controle
ocupam menos tempo que as demais”.
social, já que o currículo formal (conteúdos curriculares,
A organização do tempo do conhecimento escolar
metodologia e recursos de ensino, avaliação e relação
é marcada pela segmentação do dia letivo, e o currículo
pedagógica) implica controle. Por outro lado, o controle
é, consequentemente, organizado em períodos fixos
social é instrumentalizado pelo currículo oculto, entendido
de tempo para disciplinas supostamente separadas. O
este como as “mensagens transmitidas pela sala de aula e controle hierárquico utiliza o tempo que muitas vezes
pelo ambiente escolar”. Assim, toda a gama de visões do é desperdiçado e controlado pela administração e pelo
mundo, as normas e os valores dominantes são passados professor.
aos alunos no ambiente escolar, no material didático e Em resumo, quanto mais compartimentado for o
mais especificamente por intermédio dos livros didáticos, tempo, mais hierarquizadas e ritualizadas serão as relações
na relação pedagógica, nas rotinas escolares. Os resultados sociais, reduzindo, também, as possibilidades de se
do currículo oculto “estimulam a conformidade a ideais institucionalizar o currículo-integração que conduz a um
nacionais e convenções sociais ao mesmo tempo que ensino em extensão.
mantêm desigualdades socioeconómicas e culturais”. Enguita, ao discutir a questão de como a escola
Moreira (1992), ao examinar as teorias de controle contribui para a inculcação da precisão temporal nas
social que têm permeado as principais tendências do atividades escolares, assim se expressa:
pensamento curricular, procurou defender o ponto de A sucessão de períodos muito breves - sempre
vista de que controle social não envolve, necessariamente, de menos de uma hora -dedicados a matérias muito
orientações conservadoras, coercitivas e de conformidade diferentes entre si, sem necessidade de sequência lógica
comportamental. De acordo com o autor, subjacente ao entre elas, sem atender à melhor ou à pior adequação de
discurso curricular crítico, encontra-se uma noção de seu conteúdo a períodos mais longos ou mais curtos e sem
controle social orientada para a emancipação. Faz sentido, prestar nenhuma atenção à cadência do interesse e do
então, falar em controle social comprometido com fins de trabalho dos estudantes; em suma, a organização habitual
liberdade que deem ao estudante uma voz ativa e crítica. do horário escolar ensina ao estudante que o importante

200
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

não é a qualidade precisa de seu trabalho, a que o dedica, g) A avaliação


mas sua duração. A escola é o primeiro cenário em que a Acompanhar e avaliar as atividades leva-nos à reflexão,
criança e o jovem presenciam, aceitam e sofrem a redução com base em dados concretos sobre como a escola se organiza
de seu trabalho a trabalho abstrato. para colocar em ação seu projeto políticopedagógico. A
Para alterar a qualidade do trabalho pedagógico avaliação do projeto políticopedagógico, numa visão crítica,
torna-se necessário que a escola reformule seu tempo, parte da necessidade de conhecer a realidade escolar, busca
estabelecendo períodos de estudo e reflexão de equipes explicar e compreender criticamente as causas da existência
de educadores, fortalecendo a escola como instância de de problemas, bem como suas relações, suas mudanças e
educação continuada. se esforça para propor ações alternativas (criação coletiva).
É preciso tempo para que os educadores aprofundem Esse caráter criador é conferido pela autocrítica.
seu conhecimento sobre os alunos e sobre o que estão
Avaliadores que conjugam as ideias de uma visão
aprendendo. E preciso tempo para acompanhar e avaliar o
global analisam o projeto políticopedagógico não como
projeto políticopedagógico em ação. É preciso tempo para
os estudantes se organizarem e criarem seus espaços para algo estanque, desvinculado dos aspectos políticos e
além da sala de aula. sociais; não rejeitam as contradições e os conflitos. A
avaliação tem um compromisso mais amplo do que a mera
e) O processo de decisão eficiência e eficácia das propostas conservadoras. Portanto,
Na organização formal de nossa escola, o fluxo acompanhar e avaliar o projeto políticopedagógico é
das tarefas, das ações e principalmente das decisões é avaliar os resultados da própria organização do trabalho
orientado por procedimentos formalizados, prevalecendo pedagógico.
as relações hierárquicas de mando e submissão, de poder Considerando a avaliação dessa forma, é possível
autoritário e centralizador. salientar dois pontos importantes. Primeiro, a avaliação
Uma estrutura administrativa da escola, adequada à é um ato dinâmico que qualifica e oferece subsídios ao
realização de objetivos educacionais, de acordo com os projeto políticopedagógico. Segundo, ela imprime uma
interesses da população, deve prever mecanismos que direção às ações dos educadores e dos educandos.
estimulem a participação de todos no processo de decisão. O processo de avaliação envolve três momentos: a
Isso requer uma revisão das atribuições específicas e gerais, descrição e a problematização da realidade escolar, a
bem como da distribuição do poder e da descentralização compreensão crítica da realidade descrita e problematizada
do processo de decisão. Para que isso seja possível é
e a proposição de alternativas de ação, momento de criação
necessário que se instalem mecanismos institucionais
coletiva.
visando à participação política de todos os envolvidos com
o processo educativo da escola. Paro (1993, p. 34) sugere a A avaliação, do ponto de vista crítico, não pode ser
instalação de processos eletivos de escolha de dirigentes, instrumento de exclusão dos alunos provenientes das
colegiados com representação de alunos, pais, associação classes trabalhadoras. Portanto, deve ser democrática,
de pais e professores, grêmio estudantil, processos coletivos deve favorecer o desenvolvimento da capacidade do
de avaliação continuada dos serviços escolares etc. aluno de apropriar-se de conhecimentos científicos,
sociais e tecnológicos produzidos historicamente e deve
f) As relações de trabalho ser resultante de um processo coletivo de avaliação
E importante reiterar que, quando se busca uma nova diagnostica.
organização do trabalho pedagógico, está se considerando
que as relações de trabalho, no interior da escola, Gestão educacional decorrente da concepção do
deverão estar calcadas nas atitudes de solidariedade, de projeto políticopedagógico
reciprocidade e de participação coletiva, em contraposição
à organização regida pelos princípios da divisão do A escola, para se desvencilhar da divisão do trabalho,
trabalho, da fragmentação e do controle hierárquico. É de sua fragmentação e do controle hierárquico, precisa
nesse movimento que se verifica o confronto de interesses criar condições para gerar uma outra forma de organização
no interior da escola. Por isso, todo esforço de gestar do trabalho pedagógico.
uma nova organização deve levar em conta as condições
A reorganização da escola deverá ser buscada de
concretas presentes na escola. Há uma correlação de
dentro para fora. O fulcro para a realização dessa tarefa
forças e é nesse embate que se originam os conflitos, as
tensões, as rupturas, propiciando a construção de novas será o empenho coletivo na construção de um projeto
formas de relações de trabalho, com espaços abertos à políticopedagógico, e isso implica fazer rupturas com o
reflexão coletiva que favoreçam o diálogo, a comunicação existente para avançar.
horizontal entre os diferentes segmentos envolvidos com É preciso entender o projeto políticopedagógico da
o processo educativo, a descentralização do poder. A escola como uma reflexão de seu cotidiano. Para tanto, ela
esse respeito, Machado assume a seguinte posição: “O precisa de um tempo razoável de reflexão e ação necessário
processo de luta é visto como uma forma de contrapor-se à consolidação de sua proposta.
à dominação, o que pode contribuir para a articulação de A construção do projeto políticopedagógico requer
práticas emancipatórias”. continuidade das ações, descentralização, democratização
A partir disso, novas relações de poder poderão ser do processo de tomada de decisões e instalação de um
construídas na dinâmica interna da sala de aula e da escola. processo coletivo de avaliação de cunho emancipatório.

201
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Finalmente, é importante destacar que o movimento A escola, como um todo, passa por uma crise de
de luta e resistência dos educadores é indispensável para sentido; os alunos não sabem porque vão a ela, a falta
ampliar as possibilidades e apressar as mudanças que se de significação do que é estudar, a evasão, a reprovação
fazem necessárias dentro e fora dos muros da escola. e a violência que existem nas mais diferentes formas
acabam por transformar esta relação professor-aluno ainda
Referência: mais conflitante e difícil de ser trabalhada. O professor
VEIGA, Ilma Passos Alencastro. (Org.) Projeto pode abrandar este conflito preocupando-se com o
políticopedagógico da escola: uma construção possível. relacionamento emocional e afetivo.
O aspecto afetividade influi no processo de
Papirus, 2002.
aprendizagem e o facilita, pois nos momentos informais,
os alunos aproximam-se do professor, trocando ideias
O ESPAÇO DA SALA DE AULA COMO AMBIENTE e experiências várias, expressando opiniões e criando
INTERATIVO; situações para, posteriormente, serem utilizadas em sala de
A atuação do professor mediador; aula. O relacionamento baseado na afetividade é, portanto,
um relacionamento produtivo auxiliando professores e
A relação professor-aluno é uma condição do processo alunos na construção do conhecimento e tornando a
de aprendizagem, pois essa relação dinamiza e dá sentido relação entre os dois menos conflitante, pois permite que
ao processo educativo. Apesar de estar sujeita a um ambos se conheçam, se entendam e se descubram como
programa, normas da instituição de ensino, a interação do seres humanos e possam crescer.
professor e do aluno forma o centro do processo educativo. Educar, do latim educare, é conduzir de um estado a
A relação professor- aluno pode se mostrar conflituosa, outro, é modificar numa certa direção o que é suscetível
pois se baseia no convívio de classes sociais, culturas, valores de educação, conforme é explicado por LIBÂNEO: “o ato
e objetivos diferentes. Podemos observar dois aspectos da pedagógico pode ser, então definido como uma atividade
sistemática de interação entre seres sociais tanto no nível
interação professor-aluno: o aspecto da transmissão de
do intrapessoal como no nível de influência do meio,
conhecimento e a própria relação pessoal entre professor e
interação esta que se configura numa ação exercida sobre
aluno e as normas disciplinares impostas. os sujeitos ou grupos de sujeitos visando provocar neles
Essa relação deve estar baseada na confiança, mudanças tão eficazes que os tornem elementos ativos
afetividade e respeito, cabendo ao professor orientar o desta própria ação exercida. Presume-se aí, a interligação
aluno para seu crescimento interno, isto é, fortalecer-lhe as de três elementos: um agente (alguém, um grupo, etc.), uma
bases morais e críticas, não deixando sua atenção voltada mensagem transmitida (conteúdos, métodos, habilidades)
apenas para o conteúdo a ser dado. e um educando (aluno, grupo de alunos, uma geração) (...)”.
Pelo que foi observado durante o estágio e na pesquisa Podemos também pensar na ideia kantiana de
bibliográfica, a relação professor-aluno, por melhor que seja aufklärung (esclarecimento), pela qual o homem deve
trabalhada, é relativamente conflitante, pois os conflitos aprender a pensar, o que significa a saída do homem de
surgem durante o desenrolar de toda relação humana. sua menoridade pela qual o homem se torna autônomo,
Os alunos do ensino médio, em sua quase totalidade, são uma vez que, na sua filosofia, a via de conhecimento do
belo é a conduta ética exigida aos homens que se querem
adolescentes, e estão por este motivo em uma fase de
autônomos, isto é, não facilmente governáveis por outrem.
grandes conflitos interiores e de autoafirmação, tornando
O homem fica na menoridade à medida que se recusa a
necessário que o professor se desdobre para poder manter pensar por conta própria, se recusa a viver autonomamente,
a disciplina, manter o aluno atento ao conteúdo e também pois é mais cômodo, de fato, viver sob a tutela natural da
despertar o seu interesse. família, do Estado, etc. A menoridade significa depender
A aula não pode ser considerada apenas uma mera do outro para pensar, é mais fácil ser menor em nossa
transferência de conhecimento, devemos também nos sociedade quando, para viver, não se depende do próprio
preocupar com o conteúdo emocional e afetivo, que faz pensar, quando o outro pode fazê-lo. Ao professor, cabe,
parte da facilitação da aprendizagem. De acordo com então, propiciar ao aluno a possibilidade de utilizar seu
LIBÂNEO, o professor não transmitem apenas informações pensamento para crescer, se libertar e sair da menoridade,
ou faz perguntas, ele também deve ouvir os alunos: da submissão do seu pensamento ao pensar de outra
“Não estamos falando da afetividade do professor para pessoa. Na relação professor-aluno, o professor, usando
com determinados alunos, nem de amor pelas crianças. A da afetividade, poderá entender melhor seus alunos e
relação maternal ou paternal deve ser evitada, porque a conseguir elementos para atingir seus objetivos.
Uma forma de o professor interferir, melhorar e
escola não é um lar. Os alunos não são nossos sobrinhos
consolidar a relação professor-aluno no sentido de explorar
e muito menos filhos. Na sala de aula, o professor se
as possibilidades da filosofia, é discutir e compreender
relaciona com o grupo de alunos. Ainda que o professor os pressupostos e as concepções de filosofia que estão
necessite atender um aluno especial ou que os alunos presentes na sua prática, pois, sem isso, vamos continuar
trabalhem individualmente, a interação deve estar voltada apenas a estudar história da filosofia ou alguns temas
para a atividade de todos os alunos em torno dos objetivos isolados, sem uma postura filosófica, atendendo apenas a
e do conteúdo da aula.” necessidades imediatas e curriculares.

202
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

O professor deve constantemente esforçar-se em Quando o professor pergunta, ele não está simplesmente
buscar estas possibilidades e tentar uma discussão dos querendo obter respostas que já conhece, pois incentivar o
diversos temas trazendo-os para os dias de hoje, para os pensamento filosófico é querer que o educando reflita de
problemas atuais, tornando o ensino e a relação professor maneira nova, considere métodos alternativos de pensar e
aluno proveitosos. agir. Neste ponto, devemos observar o que foi escrito por
O professor cria uma situação de comunicação entre LIBÂNEO:
os alunos com um propósito educativo, buscando meios “O professor não apenas transmite uma informação
e caminhos, de acordo com o que a situação e a classe ou faz perguntas, mas também ouve os alunos. Deve dar-
pedem; ele intervém pouco, muito ou nada, colocando os lhes atenção e cuidar para que aprendam a expressar-se, a
alunos como sujeitos de sua própria reflexão, utilizando-se expor opiniões e dar respostas. O trabalho docente nunca
da curiosidade natural. é unidirecional. As respostas e opiniões mostram como eles
Atentemos então ao que TIBA, diz em relação a esta estão reagindo à atuação do professor, às dificuldades que
busca de meios e caminhos: encontram na assimilação dos conhecimentos.
“Ao perceber que não sabe, o ser humano tem a Servem, também, para diagnosticar as causas que dão
tendência natural de buscar meios de aprender, já que é origem a essas dificuldades.”
dotado de inteligência e, em consequência, de curiosidade. No entanto, vemos que, apesar dos esforços, o objetivo
Associando estes dois atributos, pode surgir a criatividade, principal, que é dar possibilidade ao educando de construir
que fornece a base para as grandes invenções da seu conhecimento, fica muitas vezes prejudicado pela falta
humanidade. O espírito aventureiro instiga às descobertas”. da capacidade de ouvir o aluno e, assim, descobrir as suas
Incentivar as crianças e adolescentes a pensarem dificuldades, como foi exposto acima.
filosoficamente não é uma tarefa fácil para os professores Outro ponto que devemos ter em mente é o de que
desempenharem e, de certo modo, é mais uma arte do que o professor não pode ter dúvidas sobre o que seja de fato
uma técnica, é uma arte que requer a prática. O professor a autoridade do professor, para que ela não se pareça,
deve possuir habilidades para passar o conteúdo da matéria,
como às vezes acontece, com autoritarismo e também,
incentivando-os ao estudo, fazendo-os levantar temas
em contrapartida, não propicie a total ausência de lei,
sobre o texto dado, discutindo e escrevendo, de acordo
impedindo a disciplina, que é necessária ao aprendizado, e
com o explicado por LIPMAN: “À medida que se passa
a organização de qualquer trabalho.
por um dos currículos de Filosofia para Crianças, aprende-
O professor não pode ser autoritário a ponto de
se como é importante, para que se obtenha sucesso,
achar que sua palavra é a lei, pois, quando há uma
que os materiais sejam introduzidos oportunamente e
na sequência adequada. Ensinar filosofia implica fazer falha na comunicação entre professor–aluno, aluno-
com que os estudantes levantem temas e, então, voltar professor, poderá ocorrer o distanciamento das duas
a eles repetidamente, elaborando-os nas discussões dos partes, o que poderá prejudicar a relação; uma vez que
estudantes à medida que as aulas se sucedam.” o diálogo é um elemento fundamental da aprendizagem,
Podemos sugerir, como exemplo, uma aula em que o fato que é reforçado por HAYDT, sobre a importância
professor aborde o Mito da Caverna, ao falar a respeito de do estabelecimento do diálogo: “Na relação professor-
Platão. E pode tentar mostrar, sob o signo da universalidade, aluno, o diálogo é fundamental. A atitude dialógica no
a condição do filósofo. Ele levanta o tema e elabora processo ensino-aprendizagem é aquela que parte de uma
discussões em que a classe possa chegar à conclusão de questão problematizada, para desencadear o diálogo, no
que é necessária a fuga do mundo sensível, das sombras e qual o professor transmite o que sabe, aproveitando os
dos fantasmas, para encontrar fora da caverna o verdadeiro conhecimentos prévios e as experiências, anteriores do
mundo dos objetos e o sol que ilumina o seu verdadeiro e aluno. Assim, ambos chegam a uma síntese que elucida,
autêntico ser. Aquele que aprende a se voltar das sombras explica ou resolve a situação-problema que desencadeou
para a fonte de luz buscará esta fonte como finalidade a discussão.”
última do trajeto do pensamento. Para exercer a autoridade, o docente deve saber da
Além da explicitação dos objetivos, da escolha de importância do seu trabalho e mesclar com a afetividade a
conteúdos e da orientação metodológica o trabalho sua autoridade, recorrendo, então, ao diálogo como forma
do professor na sala de aula dependerá da procura de de chegar ao resultado pretendido: uma classe integrada,
procedimentos que viabilizem a prática docente. Nesse compenetrada e interessada. Podemos também reforçar
sentido, de nada adianta propor no planejamento a a importância do diálogo usando FREIRE: estimular a
intenção de estimular a consciência crítica se o professor se pergunta, a reflexão crítica sobre a própria pergunta, o que
restringir à aula expositiva sempre e se, ao avaliar, apenas se pretende com essa ou aquela pergunta (...) o fundamental
verificar a reprodução do que foi transmitido. O professor é que professor e alunos saibam que a postura deles é
deve sempre estar atento aos alunos, às vezes a própria dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada,
expressão dos alunos indica que é necessário fazer alguma enquanto falam ou enquanto ouvem. O professor deve
pergunta, não apenas com o intuito de verificar se o exposto usar do diálogo, pois o diálogo pode ser uma fonte de
foi compreendido, mas também de dar informações aos riquezas e alegrias, é uma arte a ser cultivada e ensinada. O
alunos, para que corrijam seus erros, e ver se entenderam professor deve ensinar que o diálogo só acontece quando
o conteúdo, se há ainda pontos obscuros, se é necessário os interlocutores têm voz ativa, e que se os interlocutores se
passar mais exercícios ou dar mais exemplos antes de ir limitarem a impor visões do mundo sem considerar o que o
para um novo tema. outro tem a dizer, não estarão praticando um diálogo.

203
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Embora estejam limitados por um programa, um O docente deverá centrar os seus esforços na
conteúdo, um tempo determinado e normas da instituição aprendizagem e, ao trabalhar com ela, tornar o ensinamento
de ensino, o professor e o aluno interagindo chegam à significativo para o aluno, fazendo-o sentir que a matéria
finalidade do ensino, que é a aprendizagem do educando. tem significância para sua vida.
A tendência do professor, por causa de sua carga de No que foi exposto, vemos, portanto, que o
conhecimento e experiência, é pensar que o aluno não relacionamento professor-aluno é dinâmico, cabendo ao
sabe nada, o que acaba por complicar a relação professor- professor ter sabedoria para lidar com cada situação que se
aluno, pois o ensino é ato comum do professor e do aluno; apresente e ter em mente que deverá estar ligado no fato de
o professor, enquanto ensina, está continuando a aprender. que o ensinar não é apenas transmissão de conhecimentos,
O professor pode utilizar a liderança10 controlando-a mas também um total envolvimento com situações e a
para não inibir a criatividade do aluno, criar uma relação formação de seus alunos como seres pensantes e atuantes,
de respeito mútuo e organizar o seu método de trabalho. capazes de construir o seu conhecimento.
O professor deve facilitar ao aluno o entendimento do Devemos pensar de uma maneira construtivista e
que é fazer parte de um grupo ou de uma comunidade, repensar o papel do professor, pelo qual ele, na sua relação
ajudando-o a conhecer as normas que regem a conduta
com os alunos, buscará formas de facilitar o aprendizado
aceita nos mais variados âmbitos, como o social, o cultural
e fazer seus alunos se interessarem, buscarem e construir
e o político. O respeito mútuo é a valorização de cada
o seu conhecimento. Poderemos buscar, nas palavras de
pessoa, independentemente de sua origem social, etnia,
CHAUÍ, uma confirmação do exposto: “Ao professor não
religião, sexo, opinião, é poder revelar seus conhecimentos,
expressar sentimentos e emoções, admitir dúvidas sem ter cabe dizer “faça como eu”, mas:” faça comigo”. O professor
medo de ser ridicularizado, exigir seus direitos. de natação não pode ensinar o aluno a nadar na areia
Ele, também, precisa mostrar ao aluno que, se, num fazendo-o imitar seus gestos, mas leva-o a lançar-se n’água
primeiro momento a justiça é a obediência às leis, ela vai em sua companhia para que aprenda a nadar lutando
muito além disso como conceito, pois é a busca de direitos contra as ondas, fazendo seu corpo coexistir com o corpo
e de oportunidades, o que pressupõe o julgamento do que ondulante que o acolhe e repele, revelando que o diálogo
é justo e injusto. do aluno não se trava com seu professor de natação, mas
Podemos fundamentar o exposto pelo que foi dito por com a água.”
SEVERINO: Na visão construtivista, o aluno é o centro, devendo
“O educador não pode realizar sua tarefa e dar sua estar sempre mobilizado para pensar e construir o seu
contribuição histórica se o seu projeto de trabalho não conhecimento, no entanto esse enfoque construtivista não
estiver lastreado nesta visão da totalidade humana. À coloca o professor em segundo plano; pelo contrário, o
filosofia da educação cabe então colaborar para que esta seu papel é de máxima importância no processo de ensino,
visão seja construída durante o processo de sua formação. não sendo aluno e professor considerados iguais, pois,
O desafio radical que se impõe aos educadores é o de aos professores, cabe a direção, a definição de objetivos
um inteligente esforço para a articulação de um projeto e o controle dos rumos da ação pedagógica, não se
histórico-civilizatório para a sociedade brasileira como utilizando da autoridade arbitrariamente, mas exercendo
um todo, mas isto pressupõe que se discutam, com rigor uma autoridade própria de quem tem zelo profissional
e profundidade, questões fundamentais concernentes à e se responsabiliza pela qualidade do seu trabalho, não
condição humana.” deixando os alunos à deriva, sem diretividade e organização.
O docente estará favorecendo a relação professor A disciplina e o equilíbrio devem ser mantidos em classe,
aluno seguindo uma série de regras: utilizar as aulas para que o aprendizado não seja prejudicado, e para que
expositivas quando sentir que com este método estará se desenvolva, no aluno, o autorrespeito, o autocontrole
atingindo o objetivo do ensino da unidade, demonstrar a e o respeito, ficando o professor atento para que certas
variedade de explicações para um mesmo fenômeno, ser
situações não fujam do limite. O professor deve se utilizar
flexível e capaz de adaptar o programa para cada situação
da liderança controlando-a, no entanto, para não inibir
que se apresente, relacionar o conteúdo da unidade a ser
a criatividade do aluno, criando uma relação de respeito
ensinada com a experiência do aluno, ajudar o aluno a
mútuo e organizando sua metodologia de trabalho.
descobrir a interdisciplinaridade, não deixar que assuntos
menores influam na discussão em classe sobre a disciplina A linha mestra de toda ação educativa é libertadora
que está sendo enfocada, criar situações em que o aluno por excelência, portanto a meta prioritária da filosofia no
possa expressar seus sentimentos, variar a composição dos Ensino Médio seria estimular no aluno aquelas capacidades
grupos de estudo, tentar evitar o monopólio da discussão, intelectuais que possibilitem a autonomia em suas análises,
respeitar e fazer respeitar as diferentes opiniões e usar tentando desenvolver a capacidade crítica de aprender a
vocabulário que seja claramente compreendido. refletir, de ser agente de seu próprio destino, ampliando
O professor como facilitador do aprendizado deverá horizontes culturais, transformando a própria realidade.
buscar a motivação de seus alunos. Não é uma tarefa fácil,
pois a falta de motivação pode ter origem em problemas Fonte
particulares do aluno como cansaço, necessidades afetivas MÜLLER, L. de S. disponível em http://www.usjt.br/
não satisfeitas e, até mesmo, a fome.

204
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

A ATUAÇÃO DO ALUNO COMO SUJEITO NA processos de desenvolvimento interno que seriam


CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO. desencadeados pela interação da criança com outras
pessoas de seu meio. Uma vez internalizados, esses atos se
Como se dá a construção do conhecimento? incorporariam ao processo de desenvolvimento da criança.
Seguindo essa linha de raciocínio, o aspecto mais
Apesar de Piaget e Vygotsky partilharem algumas relevante da aprendizagem escolar parece ser o fato de
crenças – por exemplo, que o desenvolvimento é um criar zonas de desenvolvimento proximal.
processo dialético e que as crianças são cognitivamente Inagaki e Hatano (1983) sugerem um modelo que
ativas no processo de imitar modelos em seu mundo social tenta sintetizar as contribuições de Vygotsky e Piaget,
– eles divergem na ênfase sobre outros aspectos. Eu gostaria analisando o papel das interações sociais entre os alunos
de apontar e analisar três desses aspectos divergentes e (interações horizontais) no processo de aprendizagem.
mostrar como eles fundamentam minha proposta: Eles consideram que a integração do conhecimento é mais
- desenvolvimento versus aprendizagem forte quando as crianças são instigadas a defender seu
- interação social versus interação com os objetos ponto de vista. Isto acontece mais naturalmente quando
- interação horizontal versus interação vertical. elas tentam convencer seus colegas. Elas também tendem
No primeiro aspecto, temos, por um lado, a convicção de a ser mais críticas quando discutindo com seus pares que
Piaget de que o desenvolvimento precede a aprendizagem com os professores, por aceitarem mais passivamente a
e, por outro, a afirmação de Vygotsky de que a opinião dos adultos.
aprendizagem pode (e deve) anteceder o desenvolvimento. Esse estudo propõe a aquisição de conhecimento
Um primeiro exame dos estudos Vygotskianos nos mostra integrado através da discussão em sala de aula e tenta
que os problemas relacionados com o processo ensino- ampliar a participação do adulto em mais do que
aprendizagem não podem ser resolvidos sem uma análise simplesmente organizar condições para o trabalho dos
da relação aprendizagem-desenvolvimento. Vygotsky alunos. É sugerido que os professores deveriam adotar,
(1988) diz que, da mesma forma que algumas aprendizagens quando necessário, o papel de um colega mais experiente,
podem contribuir para a transformação ou organização ajudando os alunos a superar impasses que surgem durante
de outras áreas de pensamento, podem, também, tanto as discussões, dando exemplos (ou contraexemplos) que
seguir o processo de maturação como precedê-lo e mesmo
estimulem o pensamento.
acelerar seu progresso. Essa ideia revolucionou a noção
Hatano ataca a rígida divisão entre construção
de que os processos de aprendizagem são limitados pelo
individual e social do conhecimento ao enfatizar as
desenvolvimento biológico que, por sua vez, depende do
vantagens da adoção de uma postura mais flexível:
processo maturacional individual e não pode ser acelerado.
Arguir que o conhecimento é individualmente
Mais ainda, considera que o desenvolvimento biológico,
construído não é ignorar o papel das outras pessoas no
pode ser decisivamente influenciado pelo ambiente, no
processo de construção. Similarmente, enfatizar o papel
caso, a escola e o ensino.
das interações sociais e/ou com os objetos na construção
A convicção de Piaget de que as crianças são como
cientistas, trabalhando nos materiais de seu mundo físico e do conhecimento, não desmerece a crucial importância da
lógico-matemático para dar sentido à realidade, de forma orientação a ser dada pelo professor.
alguma nega sua preocupação com o papel exercido pelo Dessa forma, reforça a importância do papel
meio social. Existe aqui, em minha opinião, apenas uma do professor e do contexto social na construção do
questão de ênfase. Enquanto Piaget enfatiza a interação conhecimento pelo aluno. No trabalho de Vygotsky, a
com os objetos, Vygotsky enfatiza a interação social. dialética da mudança é clara: as atividades na sala de aula
A idade mental da criança é tradicionalmente definida são influenciadas pela sociedade, mas, ao mesmo tempo,
pelas tarefas que elas são capazes de desempenhar de podem, também, influenciá-la. Como conclusão Hatano
forma independente. Vygotsky chama essa capacidade de escreve:
zona de desenvolvimento real. Estendendo esse conceito Se nós queremos estabelecer uma concepção ou teoria de
Vygotsky afirma que, mesmo que as crianças não possam aquisição de conhecimento geralmente aceita, deveríamos
ainda desempenhar tais tarefas sozinhas algumas dessas estimular o diálogo (ou o “poliálogo”) entre as teorias ou
podem ser realizadas com a ajuda de outras pessoas. programas de pesquisa. Esta prática pode nos conduzir ao
Isso identifica sua zona de desenvolvimento potencial. fortalecimento de uma teoria pela incorporação de insights
Finalmente, ele sugere que entre a zona de desenvolvimento de uma outra o que pode algumas vezes ser considerado
real (funções dominadas ou amadurecidas) e a zona de problemático.
desenvolvimento potencial (funções em processo de Esse problema pode, no entanto, ser contornado,
maturação) existe uma outra que ele chama de zona de se aqueles insights forem harmoniosamente integrados
desenvolvimento proximal. Desenvolvendo sua teoria, dentro da teoria Vygotskiana.
Vygotsky demonstra a efetividade da interação social Em seguida, eu gostaria de ir mais além, incluir
no desenvolvimento de altas funções mentais tais como: a pedagogia crítica de Paulo Freire nesta discussão e
memória voluntária, atenção seletiva e pensamento lógico. mostrar suas características complementares aos enfoques
Sugere, também, que a escola atue na estimulação da Piagetiano e Vygotskiano na formulação de um ensino
zona de desenvolvimento proximal, pondo em movimento crítico-construtivista.

205
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

A compreensão do papel da educação no Nesse enfoque, os professores deveriam também


desenvolvimento dos seres humanos, partilhada por estimular os alunos a refletirem sobre suas próprias ideias
Vygotsky e Freire, é baseada na preocupação de ambos – encorajando-os a compararem-nas com o conhecimento
com o desenvolvimento integral das pessoas, na filosofia cientificamente aceito – e procurarem estabelecer um
marxista, no enfoque construtivista, na importância do elo entre esses dois conhecimentos. Essa comparação é
contexto social e na firme crença na natureza dos seres importante por propiciar um conflito cognitivo e, assim,
humanos. ajudar os alunos a reestruturarem suas ideias o que pode
Tudge (1990) – um forte Vygotskiano escreve: representar um salto qualitativo na sua compreensão. Essa
A colaboração com outras pessoas seja um adulto comparação também pode ajudar o aluno a desenvolver sua
ou um colega mais adiantado, dentro da zona de capacidade de análise. Em outras palavras, espera-se que o
desenvolvimento proximal, conduz ao desenvolvimento novo conhecimento não seja aprendido mecanicamente,
dentro de parâmetros culturalmente apropriados. Esta mas ativamente construído pelo aluno, que deve assumir-
concepção não é teleológica no sentido de algum ponto se como o sujeito do ato de aprender. Eu gostaria também
final universal de desenvolvimento, mas pode ser, em um de sugerir que o professor provocasse nos seus alunos o
sentido mais relativo, que o mundo social preexistente, desenvolvimento de uma atitude crítica que transcendesse
os muros da escola e refletisse na sua atuação na sociedade.
internalizado no adulto ou no colega mais adiantado, é o
Estar consciente dos conceitos prévios dos alunos –
objetivo para o qual o desenvolvimento conduz.
que estejam em desacordo com o conhecimento científico
A citação acima mostra como eu vejo a convergência
– capacita os professores a planejar estratégias para
das ideias de Freire e Vygotsky acerca de direção. Ambos reconstruí-los, utilizando contraexemplos ou situações-
rejeitam a ideia de não diretividade no ensino. Para eles, problema, para confrontá-los. Esse confronto pode causar
o processo de aprendizagem deve ser conduzido pelo uma ruptura no conhecimento dos alunos, provocando
professor visando a atingir os alvos desejados. Em ambos desequilíbrios (ou conflitos cognitivos) que podem
os casos, os alvos devem convergir para o desenvolvimento impulsioná-los para a frente na tentativa de recuperar o
integral da pessoa, seja num contexto de opressão – equilíbrio. Entretanto, existe também a possibilidade de que
adultos analfabetos – ou num contexto de deficiência o processo de identificação das concepções espontâneas
– crianças surdas. Quando o educador assume que os possa, ao invés de removê-las, funcionar como um reforço.
alunos não podem aprender algum tópico ou habilidade, Solomon (1993) apresenta um exemplo que ilustra como
seja porque não estão completamente maduros para essa o conhecimento socialmente construído pode também
aprendizagem ou porque são deficientes, a tendência contribuir, embora temporariamente, para reforçar tais
pode ser negligenciar esses alunos. Isso foi observado conceitos espontâneos uma vez que as crianças tendem
por Schneider (1974), ao estudar o aluno excepcional ou a buscar o consenso e podem facilmente tender para a
atrasados especiais, por Cunha (1989), quando sugere que opinião da maioria. Nesses casos, a orientação do professor
a deficiência pode ser produzida ou reforçada pela escola, é crucial.
e por Tudge. Em resumo, para tornar a aprendizagem mais efetiva,
Vygotsky (1988) menciona que quando crianças os professores deveriam planejar suas lições levando em
mentalmente retardadas não são expostas ao raciocínio consideração tanto a forma como os alunos aprendem
abstrato durante sua escolarização (porque se supõe como os conceitos prévios que trazem. Os estudos de Piaget
que são capazes apenas de raciocinar concretamente), são de fundamental importância ao apontar as diferenças
o resultado pode ser a supressão dos rudimentos de entre o raciocínio da criança, em seus vários estágios, e o
qualquer capacidade de abstração que tal criança por raciocínio de um adulto que atingiu o nível das operações
ventura possua. formais. Muitos professores, não compreendendo esses
diferentes níveis de desenvolvimento mental, podem
empregar estratégias de ensino totalmente inadequadas
Como pode o professor facilitar a construção do
que, ao invés de facilitar a progressão para um nível mais
conhecimento?
elevado de conhecimento, leve o aluno a superpor o
conceito espontâneo com o cientificamente aceito, apenas
Dentro de um enfoque construtivista é dever do para atender às exigências formais dos testes escolares. Na
professor assegurar um ambiente dentro do qual os alunos vida diária, no entanto, a criança continuará a utilizar os
possam reconhecer e refletir sobre suas próprias ideias; conceitos espontâneos por melhor traduzirem sua visão de
aceitar que outras pessoas expressem pontos de vista mundo.
diferentes dos seus, mas igualmente válidos e possam Considerando que a responsabilidade final pela
avaliar a utilidade dessas ideias em comparação com as própria aprendizagem pertence a cada aluno, a tarefa do
teorias apresentadas pelo professor. De fato, desenvolver o professor é encorajá-los a verbalizarem suas ideias, ajudá-
respeito pelos outros e a capacidade de dialogar é um dos los a tornarem-se conscientes de seu próprio processo
aspectos fundamentais do pensamento Freireano (Taylor, de aprendizagem e a relacionarem suas experiências
1993). Assim, é importante para as crianças discutir ideias prévias às situações sob estudo. Uma construção crítica
em todas as lições. Pensar sobre as próprias ideias ajuda do conhecimento está intimamente associada com
os alunos a se tornarem conscientes de suas concepções questionamentos: seja para entender o pensamento do
alternativas ou ideias informais (Black e Lucas, 1993). aluno, seja para promover uma aprendizagem conceitual.

206
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Diferenças entre o ensino tradicional e o ensino - o trabalho prático envolve a construção de elos com
construtivista os conceitos prévios num processo de geração, checagem
e restruturação de ideias;
Algumas virtudes, de grande importância para os - a aprendizagem envolve não só a aquisição e extensão
educadores, estão presentes numa prática de ensino de novos conceitos mas também sua reorganização e
tradicional. Entretanto, existem outros aspectos a serem análise crítica;
considerados num enfoque construtivista de ensino. Um - a responsabilidade final com a aprendizagem é dos
deles é a ênfase atribuída aos conhecimentos prévios próprios alunos.
dos alunos na busca de entender seus significados e dar- Outra importante característica que eu sugiro para
lhes voz. Por conhecimentos prévios eu não me refiro um ensino construtivista é a empatia. Por empatia eu me
ao conhecimento aprendido em lições anteriores, mas refiro à capacidade de ser sensível às necessidades dos
às ideias espontâneas trazidas pelos alunos que são alunos ou, em outras palavras, ser disponível. É também
frutos de suas vivências e que, muitas vezes, diferem dos a capacidade de escutar e entender as mensagens dos
conceitos científicos. Essas ideias deveriam ser utilizadas alunos. Para fazer isso o professor deve aprender a ler
como um ponto de partida para a construção de um novo entre as linhas e decodificar mensagens que não são
conhecimento na sala de aula. Naturalmente, todos nós percebidas sequer pelos próprios alunos. Isso equivale
trazemos uma bagagem de experiências vividas e ninguém a tentar devolver aos alunos, de forma estruturada, as
pode ser considerado um recipiente vazio. Por esse motivo, informações que vêm deles de forma desestruturada.
os professores deveriam estar atentos aos conhecimentos Frequentemente, uma resposta deixa de ser dada não
prévios dos alunos, visando a ajudá-los a tornar claras porque os alunos não sabem a resposta, mas porque eles
para eles próprios (e também para o professor) as crenças não entenderam nem mesmo a pergunta. Em tais casos, o
que trazem e a forma como interpretam o mundo. Seria professor deve ser suficientemente sensível para perceber
também útil se os professores se dispusessem a aprender isso, e aberto (disponível), para aprender com os alunos
com as questões colocadas pelos alunos. Isso não significa a fazer perguntas que sejam entendidas por todos e não
que professor e aluno tenham o mesmo conhecimento só pelos “melhores” alunos. O professor deve também
científico, mas os professores deveriam ser capazes de ser flexível e estar pronto para mudar quando necessário.
aprender com os alunos como eles podem aprender Comumente a falta de interesse pelas aulas origina-se do
melhor. Essa atitude demanda humildade. Como é possível fato de que os tópicos não são conectados. Os alunos não
aprender com os alunos se estou convencido de que sei o conseguem entender a razão para determinadas questões;
que é melhor para eles? Os alunos têm muito a nos ensinar não conseguem perceber as relações desses tópicos com
se apenas pararmos para ouvi-los. E, quanto mais distante, suas próprias experiências nem como poderão utilizar o
cultural ou afetivamente, o professor estiver do seu aluno, novo conhecimento em seu próprio benefício. Ensinar
mais provável é que ele formule as perguntas erradas. Seria não é apenas transmitir o conhecimento acumulado pela
bem melhor se a vaidade permitisse aos professores fazer humanidade, mas fazê-lo significante para os alunos.
perguntas aos alunos e se procurassem entender que, por Tendo abertura para aprender com os alunos, sendo
estarmos aprendendo o tempo todo com os outros e com reflexivo e pronto para mudar, o professor pode vir a
a vida, somos, todos, eternos aprendizes. conhecer o suficiente sobre o aluno de forma a favorecer
Eu estou consciente de que isso não é fácil. É uma aprendizagem significativa.
também importante que os professores não confundam
construtivismo com falta de disciplina e de direção. O O que é uma construção crítica do conhecimento?
papel do professor é, de fato, ajudar os alunos a perceber
as incongruências e vazios no seu entendimento. Para fazer Minha preocupação, no entanto, vai além de um ensino
isso, os professores têm que respeitar os alunos e tal respeito construtivista e, naturalmente, de um ensino tradicional. O
tem que ser mútuo. No entanto, respeito não é alguma tipo de ensino que eu tenho em mente deve ser também
coisa imposta de cima para baixo. Preferivelmente, deveria crítico. Por uma construção crítica do conhecimento eu
ser alguma coisa construída e oferecida ao professor, pelos me refiro a um ensino cuja preocupação transcenda a
alunos, que o consideram merecedor dessa consideração. transmissão de um conteúdo específico. Sua preocupação
Assim, o papel de um ensino crítico construtivista deveria deve ser também com o pensamento crítico do aluno, sua
considerar que: compreensão de que toda pessoa merece dignidade e
- o conhecimento prévio do aluno é importante e felicidade e que, finalmente, é dever de todos lutar para
altamente relevante para o processo de ensino; atingir esses objetivos. Assim, uma construção crítica do
- o papel do professor é ajudar o aluno a construir o conhecimento implica um compromisso com o pensamento
seu próprio conhecimento; independente e o bem-estar comum. Tais compromissos
- as estratégias de ensino devem ser planejadas para devem estar coerentemente presentes na conduta do
ajudar o aluno a adotar novas ideias ou integrá-las com professor para apoiar sua análise do contexto da sala de
seus conceitos prévios; aula e sua capacidade de tomar decisões coerentes. Como
- qualquer trabalho prático é planejado para ajudar Freire (1977) diz, nós deveríamos não importar ideias, mas
a construção do conhecimento através da experiência do recriá-las. Dessa forma, um ensino construtivista crítico
mundo real e da interação social capacitando a ação; não poderia ser entendido como receitas prontas a serem

207
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

seguidas, mas como sugestões a serem examinadas pelos - apresentar o assunto não como “exposições teóricas
professores. Tal criticismo é crucial em todos os níveis de ou como fatos a serem memorizados, mas como problemas
educação e deve estar presente, particularmente, durante colocados dentro da experiência e linguagem dos alunos
programas de formação de professores devido ao seu para serem trabalhados por eles”;
efeito multiplicador. Um exemplo de sua utilidade é evitar - conduzir a classe dentro de um processo democrático
os “especialismos estreitos” frequentemente observados de aprendizagem e de criticidade. “Os professores devem
entre experts, que, ao se aprofundarem num determinado afirmar-se sem, por outro lado, desafirmar os alunos”.
aspecto, perdem a visão do todo e, muitas vezes, não Essas atitudes não implicam passividade por parte do
percebem as implicações éticas de suas decisões. professor. Eles têm o dever de mostrar as contradições,
Em resumo, num ensino para uma construção crítica os vazios e inconsistências no pensamento dos alunos
do conhecimento, devem estar presentes atitudes como: e desafiá-los a superá-los. Para realizar essa tarefa os
- estar consciente do que está acontecendo ao professores devem ser, antes de tudo, competentes no
redor (comunidade, sociedade, mundo) e revelar como a conteúdo que têm a responsabilidade de ensinar. Ensinar,
dominação e a opressão são produzidas dentro da escola; nessa abordagem, significa planejar todo o processo para
- estimular o pensamento crítico dos alunos; facilitar a compreensão do novo conteúdo pelos alunos.
- introduzir o diálogo crítico entre os participantes; Como comentado anteriormente, a dificuldade para a
- buscar respostas para os problemas colocados; maioria dos professores é que é deles a responsabilidade
- colocar novas questões para serem respondidas, de fazer cumprir as determinações que vêm de fora da
melhorando assim a prática; escola. Os imperativos sociais e o currículo pretendido
- tornar a aprendizagem significante, crítica, são dominantes dentro do sistema educacional em todo
emancipatória e comprometida com as mudanças na o mundo. Existem momentos em que os professores
direção do bem-estar coletivo; e devem, forçosamente, dizer aos alunos o que fazer para
- estar consciente de que todos temos uma parte a atingir determinados objetivos. As exigências são claras:
cumprir em prol de uma sociedade mais justa. o professor deve saber o que fazer. Para professores
construtivistas, entretanto, é uma questão de equilíbrio: as
estratégias e técnicas de ensino devem variar dentro de um
Aprendizagem crítico-construtivista versus ensino
amplo espectro, que vai de uma completa liberdade para
crítico-construtivista
permitir a livre expressão das concepções espontâneas
trazidas pelos alunos até uma rigorosa disciplina que
De acordo com Matthews (1992), o construtivismo
caracteriza o trabalho intelectual.
é, ao mesmo tempo, uma teoria da ciência e uma teoria
da aprendizagem e ensino humanos. Mas, enquanto o
Referência:
construtivismo tem deixado a sua marca com respeito à
JÓFILI, Z. Piaget, Vygotsky, Freire e a construção do
aprendizagem em muitas áreas, pouco tem sido feito, até conhecimento na escola. In: Educação: Teorias e Práticas.
agora, com relação ao ensino e à formação de professores. UFRPE. Ano 2, nº 2 – dezembro, 2002.
No entanto, ambos (aprendizagem e ensino construtivistas)
são profundamente interligados e o último deveria preparar
terreno para o primeiro.
O que entendo por um ensino crítico-construtivista PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL.
é um ensino voltado para a contextualização das
construções conceituais dos alunos. Eu associo esse ensino
crítico-construtivista com uma postura de respeito pelos
alunos. Tal postura implica, além do que foi apresentado Planejamento: concepções
anteriormente, o seguinte:
- ser receptivo para ouvir e entender a forma O planejamento não deve ser tomado apenas como mais
como os alunos constroem, articulam e expressam seu um procedimento administrativo de natureza burocrática,
conhecimento; decorrente de alguma exigência superior ou mesmo de
- apoiar os alunos na expressão de seus conceitos, na alguma instância externa à instituição. Ao contrário, ele
tomada de consciência desse processo e na valorização do deve ser compreendido como mecanismo de mobilização
próprio conhecimento e o dos colegas; e articulação dos diferentes sujeitos, segmentos e setores
- nunca depreciar a informação trazida pelos alunos; que constituem essa instituição e participam da mesma.
- contextualizar o ensino apresentando problemas A preocupação com o planejamento se desenvolveu,
relacionados a aspectos-chave da experiência dos alunos, principalmente, no mundo do trabalho, no contexto das
de forma que esses possam reconhecer seus próprios teorias administrativas do campo empresarial.
pensamento e linguagem no estudo; Essas teorias foram se constituindo nas chamadas
- mostrar que o ato de conhecer exige um sujeito ativo escolas de administração, que têm influenciado o campo da
que questiona e transforma e que aprender “é recriar os administração escolar. Para muitos teóricos e profissionais,
caminhos com que nos enxergamos a nós próprios, nossa os princípios por elas defendidos seriam aplicáveis em
educação e nossa sociedade”; qualquer campo da vida social e ou do setor produtivo,
- encorajar os alunos a colocar problemas e questões; inclusive na gestão da educação e da escola.

208
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Essa influência deixa suas marcas também no que se administração e de planejamento procura definir a direção
refere ao planejamento, à medida que o mesmo assumiu a ser seguida por determinada organização, especialmente
uma centralidade cada vez maior, a partir dos princípios e no que se refere ao âmbito de atuação, às macropolíticas
métodos definidos por Taylor e os demais teóricos que o e às políticas funcionais, à filosofia de atuação, aos
seguiram. Isso porque, a partir do taylorismo, assim como macroobjetivos e aos objetivos funcionais, sempre com
das teorias administrativas que o tomaram como referência, vistas a um maior grau de interação dessa organização com
uma das principais tarefas atribuídas à gerência foram o o ambiente.
planejamento e o controle do processo de trabalho. Essa interação com o ambiente, no entanto, é
Na verdade, o formalismo e a burocratização do compreendida como a análise das oportunidades e
processo de planejamento no campo educacional decorrem, ameaças do meio ambiente, de forma a estabelecer
em boa medida, das marcas deixadas pelos modelos de objetivos, estratégias e ações que possibilitem um aumento
organização do trabalho voltados, essencialmente, para a da competitividade da empresa ou da organização.
busca de uma maior produtividade, eficiência e eficácia
da gestão e do funcionamento da escola. Isso secundariza Em síntese, o planejamento estratégico concebe e
os processos participativos, de trabalho coletivo e do realiza o planejamento dentro um modelo de decisão
compromisso social, requeridos pela perspectiva da gestão unificado e homogeneizador, que pressupõe os seguintes
democrática da educação. É o caso, por exemplo, dos elementos básicos:
modelos e das concepções de planejamento orientadas - determinação do propósito organizacional em termos
pelo horizonte do planejamento tradicional ou normativo e de valores, missão, objetivos, estratégias, metas e ações, com
do planejamento estratégico. foco em priorizar a alocação de recursos
Mas, em contraposição a esses modelos, se construiu a - análise sistemática dos pontos fortes e fracos da
perspectiva do planejamento participativo. organização, inclusive com a descrição das condições internas
de resposta ao ambiente externo e à forma de modificá-las,
O planejamento tradicional ou normativo com vistas ao fortalecimento dessa organização
- delimitação dos campos de atuação da organização
O planejamento tradicional ou normativo trabalha - engajamento de todos os níveis da organização para a
em uma perspectiva em que o planejamento é definido consecução dos fins maiores.
como mecanismo por meio do qual se obteria o controle
dos fatores e das variáveis que interferem no alcance Em contraposição a esses modelos de planejamento, a
dos objetivos e resultados almejados. Nesse sentido, ele perspectiva da gestão democrática da educação e da escola
assume um caráter determinista em que o objeto do plano, pressupõe o planejamento participativo como concepção
a realidade, é tomada de forma estática, passiva, pois, em e modelo de planejamento. O planejamento participativo
tese, tende a se submeter às mudanças planejadas. deve, pois, enquanto metodologia de trabalho, constituir
Ao lado dessas características, outros elementos a base para a construção e para a realização do Projeto
marcam o planejamento normativo: Políticopedagógico da escola.
- Há uma ênfase nos procedimentos, nos modelos já O planejamento participativo não possui um caráter
estruturados, na estrutura organizacional da instituição, meramente técnico e instrumental, à medida que
no preenchimento de fichas e formulários, o que reduz o parte de uma leitura de mundo crítica, que apreende e
processo de planejamento a um mero formalismo. denuncia o caráter excludente e de injustiça presente em
- O planejador é visto como o principal agente de nossa realidade. As características de tal realidade, por
mudança, desconsiderando-se os fatores sociais, políticos, sua vez, decorrem, dentre outros fatores, da falta ou da
culturais que engendram a ação, o que se traduz numa visão impossibilidade de participação e do fato de a atividade
messiânica daquele que planeja. Essa visão do planejador humana acontecer em todos os níveis e aspectos. Nessa
geralmente conduz a certo voluntarismo utópico. perspectiva, a participação se coloca como requisito
- Ao mesmo tempo em que, por um lado, há uma fundamental para uma nova educação, uma nova escola,
secundarização das dimensões social, política, cultural uma nova ordem social, uma participação que pressupõe
da realidade, por outro lado, prevalece a tendência de se e aponta para a construção coletiva da escola e da própria
explicar essa realidade e as mudanças que nela acontecem sociedade.
como resultantes, basicamente, da dimensão econômica O planejamento participativo na educação e na escola
que a permeia. traz consigo, ainda, duas dimensões fundamentais: o
trabalho coletivo e o compromisso com a transformação
O planejamento estratégico social.
O trabalho coletivo implica uma compreensão mais
O planejamento estratégico, por sua vez, se desenvolveu ampla da escola. É preciso que os diferentes segmentos e
dentro de uma concepção de administração estratégica atores que constroem e reconstroem a escola apreendam
que se articula aos modelos e padrões de organização suas várias dimensões e significados. Isso porque o caráter
da produção, construídos no contexto das mudanças educativo da escola não reside apenas no espaço da
do mundo do trabalho e da acumulação flexível, a partir sala de aula, nos processos de ensino e aprendizagem,
da segunda metade do século XX. Essa concepção de mas se realiza, também, nas práticas e relações que aí se

209
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

desenvolvem. A escola educa não apenas nos conteúdos que Gestão escolar para o sucesso do ensino e da
transmite, à medida que o processo de formação humana aprendizagem
que ali se desenvolve acontece também nos momentos e
espaços de diálogo, de lazer, nas reuniões pedagógicas, na Práticas de organização e gestão e escolas bem-
postura de seus atores, nas práticas e modelos de gestão sucedidas
vivenciados.
De outra parte, o compromisso com a transformação Pesquisas acerca dos elementos da organização escolar
social coloca como horizonte a construção de uma sociedade que interferem no sucesso escolar dos alunos mostram que
mais justa, solidária e igualitária, e uma das tarefas da o modo como funciona uma escola faz diferença em relação
educação e da escola é contribuir para essa transformação. aos resultados escolares dos alunos. Embora as escolas
Por certo, como já analisamos em outros momentos não sejam iguais, essas pesquisas indicam características
neste curso, a escola pode desempenhar o papel de organizacionais úteis para compreensão do funcionamento
instrumento de reprodução do modelo de sociedade das escolas, considerados os contextos e as situações
dominante, à medida que reproduz no seu interior o escolares específicos. Os aspectos a seguir aparecem em
individualismo, a fragmentação social e uma compreensão várias dessas pesquisas:
ingênua e pragmática da realidade, do conhecimento e do
próprio homem. a) Em relação aos professores: boa formação
Em contrapartida, a educação e a escola articuladas com profissional, autonomia profissional, capacidade de
a transformação social implicam uma nova compreensão do assumir responsabilidade pelo êxito ou fracasso de seus
conhecimento, tomado agora como saber social, construção alunos, condições de estabilidade profissional, formação
histórica, instrumento para compreensão e intervenção profissional em serviço, disposição para aceitar inovações
crítica na realidade. Concebem o homem na sua totalidade e, com base nos seus conhecimentos e experiências;
portanto, visam a sua formação integral: biológica, material, capacidade de análise crítico-reflexiva.
social, afetiva, lúdica, estética, cultural, política, entre outras. b) Quanto à estrutura organizacional: sistema de
A partir dos aspectos aqui destacados, é possível definir organização e gestão, plano de trabalho com metas bem
os seguintes elementos básicos que definem e caracterizam
definidas e expectativas elevadas; competência específica e
o planejamento participativo:
liderança efetiva e reconhecida da direção e coordenação
- Distanciam-se daqueles modelos de organização do
pedagógica; integração dos professores e articulação
trabalho que separa, no tempo e no espaço, quem toma as
do trabalho conjunto e participativo; clima de trabalho
decisões de quem as executa,
propício ao ensino e à aprendizagem; práticas de gestão
- Conduzem à práxis (ver conceito na Sala Ambiente
participativa; oportunidades de reflexão conjunta e trocas
Projeto Vivencial) enquanto ação de forma refletida, pensada,
de experiências entre os professores;
- Pressupõem a unidade entre pensamento e ação,
- O poder é exercido de forma coletiva, c) Autonomia da escola, criação de identidade própria,
- Implicam a atuação permanente e organizada de todos com possibilidade de projeto próprio e tomada de decisões
os segmentos envolvidos com o trabalho educativo, sobre problemas específicos; planejamento compatível
- Constituem-se num avanço, na perspectiva da com as realidades locais; decisão e controle sobre uso de
superação da organização burocrática do trabalho recursos financeiros; planejamento participativo e gestão
pedagógico escolar, assentado na separação entre teoria e participativa, bom relacionamento entre os professores,
prática. responsabilidades assumidas em conjunto;
d) Prédios adequados e disponibilidade de condições
O trabalho coletivo e o compromisso com a materiais, recursos didáticos, biblioteca e outros, que
transformação social colocam, pois, o planejamento propiciem aos alunos oportunidades concretas para
participativo como perspectiva fundamental quando se aprender;
pretende pensar e realizar a gestão democrática da escola. e) Quanto à estrutura curricular: adequada seleção e
Ao mesmo tempo, essa concepção e esse modelo de organização dos conteúdos; valorização das aprendizagens
planejamento se constituem como a base para a construção acadêmicas e não apenas das dimensões sociais e relacionais;
do Projeto Políticopedagógico da escola. modalidades de avaliação formativa; organização do tempo
escolar de forma a garantir o máximo de tempo para as
O planejamento participativo implica, ainda, o aprendizagens e o clima para o estudo; acompanhamento
aprofundamento crescente, a discussão e a reflexão sobre o de alunos com dificuldades de aprendizagem.
tema da participação. Sobre essa temática, na Sala Ambiente f) Participação dos pais nas atividades da escola;
Projeto Vivencial, importantes elementos são destacados investimento em formar uma imagem pública positiva da
também. escola.

Referência: Essas características reforçam a ideia de que a


SILVA, M. S. P. Planejamento e Práticas da Gestão qualidade de ensino depende de mudanças no âmbito
Escolar. Planejamento: concepções. Escola de gestores. da organização escolar, envolvendo a estrutura física e as
MEC. condições de funcionamento, a estrutura organizacional, a
cultura organizacional, as relações entre alunos, professores,

210
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

funcionários, as práticas colaborativas e participativas. É a de aprendizagem, comunidade de práticas, comunidade


escola como um todo que deve responsabilizar-se pela aprendente, organizações aprendentes, aprendizagem
aprendizagem dos alunos, especialmente em face dos colaborativa, entre outras. Adotaremos aqui a noção de
problemas sociais, culturais, econômicos, enfrentados ensino como “atividade situada em contextos”.
atualmente. Conforme a teoria histórico-cultural da atividade a
atividade humana mediatiza a relação entre o ser humano
Ampliando o conceito de organização e de gestão de e o meio físico e social. Esta relação é histórico-social, isto
escolas é, depende das práticas sociais anteriores, de modo que a
atividade conjunta acumulada historicamente influencia a
Para a perspectiva que compreende a escola apenas atividade presente das pessoas. Ao mesmo tempo, o ser
como organização administrativa, também conhecida humano, ao pôr-se em contato com o mundo dos objetos
como perspectiva técnico-racional, a organização e e fenômenos, atua sobre essa realidade modificando-a e
gestão da escola diz respeito, comumente, à estrutura de transformando-se a si mesmo. Este entendimento decorre
funcionamento, às formas de coordenação e gestão do da lei genética do desenvolvimento cultural, segundo
a qual “todas as funções no desenvolvimento da criança
trabalho, ao estabelecimento de normas administrativas,
aparecem duas vezes: primeiro, no nível social e, depois, no
ao provimento e utilização dos recursos materiais e
nível individual. Primeiro, entre pessoas (interpsicológica)
financeiros, aos procedimentos administrativos, etc., que
e, depois, no interior da criança (intrapsicológica)”. Esse
formam o conjunto de condições e meios de garantir o princípio acentua as origens sociais do desenvolvimento
funcionamento da escola. A concepção técnico-racional mental individual, especialmente o peso atribuído
reduz as formas de organização apenas a esses aspectos, às mediações culturais. Sendo assim, os contextos
prevalecendo uma visão burocrática de organização, socioculturais e institucionais atuam na formação do
decisões centralizadas, baixo grau de participação, pensamento conceitual o que, em outras palavras, significa
separação entre o administrativo e o pedagógico. Abdalla dizer que as práticas sociais em que uma pessoa está
indica os inconvenientes dessa concepção funcionalista envolvida influenciam o modo de pensar dessa pessoa.
e produtiva: “A organização se fecha, os professores se
individualizam, as interações se enfraquecem, regras são A teoria da atividade, assim, possibilita compreender
impostas, potencializa-se o campo do poder com vistas a a influência das práticas socioculturais e institucionais
controlar as estruturas administrativas e pedagógicas”. nas aprendizagens e o papel dos indivíduos em modificar
Na perspectiva da escola como organização social, para essas práticas. De que práticas se trata? Elas referem-se
além da visão “administrativa”, as organizações escolares tanto ao contexto mais amplo da sociedade (o sistema
são abordadas como unidades sociais formadas de pessoas econômico, as contradições sociais, por exemplo), quanto
que atuam em torno de objetivos comuns, portanto, ao contexto mais próximo, por exemplo, a comunidade
como lugares de relações interpessoais. A escola é uma em que está inserida a escola, as práticas de organização
organização em sentido amplo, uma “unidade social que e gestão, o tipo de relacionamento entre as pessoas da
reúne pessoas que interagem entre si, intencionalmente, e escola, as atitudes dos professores, as rotinas cotidianas,
que opera através de estruturas e processos próprios, a fim o clima organizacional, o material didático, o espaço físico,
de alcançar os objetivos da instituição”. o edifício escolar, etc. Desse modo, as práticas sociais e
Destas duas perspectivas ampliou-se a culturais que ocorrem nos vários espaços da escola são,
compreensão da escola como lugar de aprendizagem, também, mediações culturais, que atuam na aprendizagem
de compartilhamento de saberes e experiências, ou seja, das pessoas (professores, especialistas, funcionários,
um espaço educativo que gera efeitos nas aprendizagens alunos).
Tais práticas institucionais afetam significativamente
de professores e alunos. As formas de organização e de
o significado e o sentido, ou seja, atuam, positivamente
gestão adquirem dois novos sentidos: a) o ambiente
ou negativamente, na motivação e na aprendizagem dos
escolar é considerado em sua dimensão educativa, ou seja,
alunos, já que, de alguma forma, eles participam nessas
as formas de organização e gestão, o estilo das relações práticas.
interpessoais, as rotinas administrativas, a organização do
espaço físico, os processos de tomada de decisões, etc., são O ensino é, portanto, uma atividade situada, ou seja, é
também práticas educativas; b) as escolas são tidas como uma prática social que se realiza num contexto de cultura,
instituições aprendentes, portanto, espaço de formação de relações e de conhecimento, histórica e socialmente
e aprendizagem, em que as pessoas mudam com as construídos. Isso significa que não é apenas na sala de aula
organizações e as organizações mudam com as pessoas. que os alunos aprendem, eles aprendem também com os
contextos socioculturais, com as interações sociais, com as
A organização escolar como lugar de práticas educativas formas de organização e de gestão, de modo que a escola
e de aprendizagem pode ser vista como uma organização aprendente, uma
comunidade de democrática de aprendizagem. As pessoas
A escola entendida como espaço de compartilhamento – alunos, professores, funcionários - respondem, com suas
de ideias, práticas socioculturais e institucionais, ações, a um contexto institucional e pedagógico preparado
valores, atitudes de modos de agir, tem recebido várias para produzir mudanças qualitativas na sua personalidade
denominações, com diferentes justificativas: comunidade e na sua aprendizagem.

211
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

A noção de cultura organizacional é útil para Conclui-se que não é possível à escola atingir seus
compreender melhor o papel educativo das práticas objetivos de melhoria da aprendizagem escolar dos
de organização e gestão. Ela é constituída do conjunto alunos sem formas de organização e gestão, tanto como
dos significados, modos de pensar e agir, valores, provimento de condições e meios para o funcionamento da
comportamentos, modos de funcionar que revelam a escola, quanto como práticas socioculturais e institucionais
identidade, os traços característicos, de uma instituição com caráter formativo. Uma revisão das práticas de
– escola, empresa, hospital, prisão, etc. - e das pessoas organização e gestão precisa considerar cinco aspectos,
que nela trabalham. A cultura organizacional sintetiza os que apresentamos a seguir:
sentidos que as pessoas dão às coisas e situações, gerando
um modo característico de pensar, de perceber coisas e de a) As práticas de organização e gestão devem estar
agir. Isso explica, por exemplo, a aceitação ou resistência voltadas à aprendizagem dos alunos.
frente a inovações, certos modos de tratar os alunos, as As práticas de organização e gestão, a participação
formas de enfrentamento de problemas de disciplina, dos professores na gestão, o trabalho colaborativo, estão
a aceitação ou não de mudanças na rotina de trabalho, a serviço da melhoria do ensino e da aprendizagem.
etc. Segundo o sociólogo francês Forquin: “A escola é, Mencionamos no início deste artigo que o que faz a
também, um mundo social, que tem suas características diferença entre as escolas é o grau em que conseguem
de vida próprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, melhorar a qualidade da aprendizagem escolar dos alunos.
seu imaginário, seus modos próprios de regulação e de Desse modo, uma escola bem organizada e gerida é aquela
transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão que cria as condições organizacionais, operacionais e
de símbolos. pedagógico-didáticas que permitam o bom desempenho
Essa afirmação mostra que, nas escolas, para além dos professores em sala de aula, de modo que todos os
daquelas diretrizes, normas, procedimentos operacionais, seus alunos sejam bem sucedidos em suas aprendizagens.
rotinas administrativas, há aspectos de natureza
sociocultural que as diferenciam umas das outras, a maior b) A qualidade do ensino depende do exercício eficaz da
parte deles pouco perceptíveis ou explícitos, traço que em direção e da coordenação pedagógica
estudos sobre currículo tem sido denominado de “currículo Há boas razões para crer que a instituição escolar não
oculto”. Essas diferenças aparecem nas formas de interação pode prescindir de ações básicas que garantem o seu
entre as pessoas, nas crenças, valores, significados, modos funcionamento: formular planos, estabelecer objetivos,
de agir, configurando práticas que se projetam nas normas metas e ações; estabelecer normas e rotinas em relação a
disciplinares, na relação dos professores com os alunos na recursos físicos, materiais e financeiros; ter uma estrutura de
aula, na cantina, nos corredores, na preparação de alimentos funcionamento e definição clara de responsabilidades dos
e distribuição da merenda, nas formas de tratamento com integrantes da equipe escolar; exercer liderança; organizar
os pais, na metodologia de aula etc. e controlar as atividades de apoio técnico-administrativo;
cuidar das questões da legislação e das diretrizes
As atividades compartilhadas entre direção, professores pedagógicas e curriculares; cobrar responsabilidades
e alunos. das pessoas; organizar horários, rotinas, procedimentos;
estabelecer formas de relacionamento entre a escola e a
A cultura organizacional aparece sob duas formas: comunidade, especialmente com as famílias; efetivar ações
como cultura instituída e como cultura instituinte. A de avaliação do currículo e dos professores; cuidar das
cultura instituída refere-se a normas legais, estrutura condições do edifício escolar e de todo o espaço físico da
organizacional definida pelos órgãos oficiais, rotinas, grade escola; assegurar materiais didáticos e livros na biblioteca.
curricular, horários, normas disciplinares etc. A cultura
instituinte é aquela que os membros da escola criam, Tais ações representam, sem dúvida, o primeiro
recriam, nas suas relações e na vivência cotidiana, podendo conjunto de competências de diretores e coordenadores
modificar a cultura instituída. Neste sentido, as escolas são pedagógicos. Falamos da escola como espaço de
espaços de aprendizagem, comunidades democráticas de compartilhamento, lugar de aprendizagem, comunidade
aprendizagem onde se compartilham significados, criam- democrática de aprendizagem, gestão participativa, etc.,
se outros modos de agir, mudam-se práticas, recria-se a mas as escolas precisam ser organizadas e geridas como
cultura vigente, aprende-se com a participação real de garantia de efetivação dos seus objetivos. Uma escola
seus membros (Cf. Perez Gomez, 1998). As ações realizadas democrática tem por tarefa propiciar a todos os alunos,
na escola nesta perspectiva implicam a adoção de formas sem distinção, educação e ensino de qualidade, o que põe
de participação real das pessoas nas decisões em relação a exigência de justiça. Isto supõe estrutura organizacional,
ao projeto pedagógico-curricular, ao desenvolvimento regras explícitas e sua aplicação igual para todos sem
do currículo, às formas de avaliação e acompanhamento privilégios ou discriminações, garantia de ambiente
da aprendizagem escolar, às normas de funcionamento e de estudo e aprendizagem, tratamento das pessoas
convivência, etc. conforme critérios públicos e justificados. Por mais que tais
exigências pareçam como excesso de “racionalidade”, elas
Para uma revisão das práticas de organização e gestão se justificam pelo fato de as escolas serem unidades sociais
das escolas em que pessoas trabalham juntas em agrupamentos

212
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

humanos intencionalmente constituídos, visando objetivos d) Projeto pedagógico-curricular bem concebido e


de aprendizagem. As escolas recebem hoje alunos de eficazmente executado
diferentes origens sociais, culturais, familiares, portadores O projeto pedagógico-curricular é uma declaração de
vivos das contradições da sociedade. É preciso que o grupo intenções do grupo de profissionais da escola, é expressão
de dirigentes e professores definam formas de gestão e de da coletividade escolar. Em sua elaboração, é sumamente
convivência que regulem a organização da vida escolar e as relevante levar-se em conta a cultura da escola ou a cultura
práticas pedagógicas, precisamente para conter tendências organizacional e, também, seu papel de instituidor de
de discriminação e desigualdade social e assegurar a todos outra cultura organizacional. Para isso, uma recomendação
o usufruto da escolarização de qualidade. inicial é de que a equipe de dirigentes e professores tenha
conhecimento e sensibilidade em relação às necessidades
c) A organização e a gestão implicam a gestão sociais e demandas da comunidade local e do próprio
participativa e a gestão da participação funcionamento da escola, de modo a ter clareza sobre as
A organização da escola requer atender a duas mudanças a serem esperadas nos alunos em relação ao seu
necessidades: a participação na gestão, enquanto requisito desenvolvimento e aprendizagem. Com base nos dados da
democrático, e a gestão da participação, como requisito realidade, é preciso que o projeto pedagógico-curricular
técnico. Por um lado, as escolas precisam cultivar os dê respostas a esta pergunta: em que comportamentos
processos democráticos e colaborativos de trabalho, em cognitivos, afetivos, físicos, morais, estéticos, etc., queremos
função da convivência e da tomada de decisões. Por outro, intervir, de forma a produzir mudanças qualitativas no
precisam funcionar bem tecnicamente, a fim de poder desenvolvimento e aprendizagem dos alunos?
atingir eficazmente seus objetivos, o que implica a gestão Além disso, é necessário ter clareza sobre os objetivos
da participação. A gestão participativa significa alcançar de da escola que, em minha opinião, é o de garantir a
forma colaborativa e democrática os objetivos da escola. todos os alunos uma base cultural e científica comum e
A participação é o principal meio de tomar decisões, de uma base comum de formação moral e de práticas de
mobilizar as pessoas para decidir sobre os objetivos, os cidadania, baseadas em critérios de solidariedade e justiça,
conteúdos, as formas de organização do trabalho e o clima na alteridade, na descoberta e respeito pelo outro, no
de trabalho desejado para si próprias e para os outros. aprender a viver junto. Isto significa: uma escolarização
igual, para sujeitos diferentes, por meio de um currículo
A participação se viabiliza por interação comunicativa,
comum a todos, na formulação de Gimeno Sacristán
diálogo, discussão pública, busca de consensos e de
(1999). A partir de uma base comum de cultura geral para
superações de conflitos. Nesse sentido, a melhor forma de
todos, o currículo para sujeitos diferentes significa acolher
gestão é aquela que criar um sistema de práticas interativas
a diversidade e a experiência particular dos diferentes
e colaborativas para troca de idéias e experiências para
grupos de alunos, propiciando na escola e nas salas de
chegar a ideias e ações comuns.
aula, um espaço de diálogo e comunicação. Um dos mais
relevantes objetivos democráticos no ensino será fazer da
Já a gestão da participação implica repensar as
escola um lugar em que todos os alunos e alunas possam
práticas de gestão, seja para assegurar relações interativas, experimentar sua própria forma de realização e sucesso.
democráticas e solidárias, seja para buscar meios mais Para tudo isso, são necessárias formas de execução, gestão
eficazes de funcionamento da escola. A gestão da e avaliação do projeto pedagógico-curricular.
participação refere-se à coordenação, acompanhamento
e avaliação do trabalho das pessoas, como garantia para e) A atividade conjunta dos professores na elaboração e
assegurar o sistema de relações interativas e democráticas. avaliação das atividades de ensino
Para isso, faz-se necessária uma bem definida estrutura A modalidade mais rica e eficaz de formação docente
organizacional, responsabilidades claras e formas eficazes continuada ocorre pela atividade conjunta dos professores
de tomada de decisões grupais. As exigências de gestão na discussão e elaboração das atividades orientadoras de
e liderança por parte de diretores e coordenadores se ensino. É assim porque a formação continuada passa a ser
justificam cada vez mais em face de problemas que incidem entendida como um modo habitual de funcionamento
no cotidiano escolar: problemas sociais e econômicos das do cotidiano da escola, um modo de ser e de existir da
famílias, problemas de disciplina manifestos em agressão escola. Para Moura, o projeto pedagógico se concretiza
verbal, uso de armas, uso de drogas, ameaças a professores, mediante a realização de atividades pedagógicas. Para
violência física e verbal. Os problemas se acentuam com a isso, os professores realizam ações compartilhadas que
inexperiência ou precária formação profissional de muitos exigem troca de significados, possibilitando ampliar o
professores que levam a dificuldades no manejo da sala de conhecimento da realidade. Desse modo, “a coletividade de
aula, no exercício da autoridade, no diálogo com os alunos. formação constitui-se ao desenvolver a ação pedagógica.
Constatar esses problemas implica que não pensemos É essa constituição da coletividade que possibilita o
apenas em mudanças curriculares ou metodológicas, movimento de formação do professor”.
mas em formas de organização do trabalhado escolar
que articulem, eficazmente, práticas participativas e Fonte: LIBÂNEO, José Carlos.
colaborativas com uma sólida estrutura organizacional.

213
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

ou disciplinas tais como estão organizadas nos currículos,


GESTÃO DA APRENDIZAGEM. constituem-se muitas vezes divisões artificiais do saber.
Por isso, várias disciplinas possuem princípios comuns sem
que os alunos – e algumas vezes os próprios professores
– analisem tal fato, tornando o ensino uma repetição sem
A aprendizagem é um processo contínuo que ocorre sentido, em que apenas respondem a comandos arbitrários,
durante toda a vida do indivíduo, desde a mais tenra Bruner propõe o ensino pela descoberta. O método da
infância até a mais avançada velhice. Normalmente uma descoberta não só ensina a criança a resolver problemas da
criança deve aprender a andar e a falar; depois a ler e vida prática, como também garante a ela uma compreensão
escrever, aprendizagens básicas para atingir a cidadania e da estrutura fundamental do conhecimento, possibilitando
a participação ativa na sociedade. Já os adultos precisam assim economia no uso da memória, e a transferência da
aprender habilidades ligadas a algum tipo de trabalho que aprendizagem no sentido mais amplo e total.
lhes forneça a satisfação das suas necessidades básicas, Segundo Bock (2001), a preocupação de Bruner é que
a criança aprenda a aprender corretamente, ainda que
algo que lhes garanta o sustento. As pessoas idosas embora
“corretamente” assuma, na prática, sentidos diferentes
nossa sociedade seja reticente quanto às suas capacidades
para as diferentes faixas etárias. Para que se garanta uma
de aprendizagem podem continuar aprendendo coisas
aprendizagem correta, o ensino deverá assegurar a aquisição
complexas como um novo idioma ou ainda cursar uma e permanência do aprendido (memorização), de forma a
faculdade e virem a exercer uma nova profissão. facilitar a aprendizagem subsequente (transferência). Este é
O desenvolvimento geral do indivíduo será resultado um método não estruturado, portanto o professor deve estar
de suas potencialidades genéticas e, sobretudo, das preparado para lidar com perguntas e situações diversas.
habilidades aprendidas durante as várias fases da vida. O professor deve conhecer a fundo os conteúdos a serem
A aprendizagem está diretamente relacionada com o tratados. Deve estar apto a conhecer respostas corretas e
desenvolvimento cognitivo. reconhecer quando e porque as respostas alternativas estão
As passagens pelos estágios da vida são marcadas por erradas. Também necessita saber esperar que os alunos
constante aprendizagem. “Vivendo e aprendendo”, diz a cheguem à descoberta, sem apressa-los, mas garantindo
sabedoria popular. Assim, os indivíduos tendem a melhorar a execução de um programa mínimo. Deve também ter
suas realizações nas tarefas que a vida lhes impõe. A cuidado para não promover um clima competitivo que gere,
aprendizagem permite ao sujeito compreender melhor as ansiedade e impeça alguns alunos de aprender.
coisas que estão à sua volta, seus companheiros, a natureza O modelo de ensino e aprendizagem de David P.
e a si mesmo, capacitando-o a ajustar-se ao seu ambiente Ausubel (1980) caracteriza-se como um modelo cognitivo
físico e social. que apresenta peculiaridades bastante interessantes para
A teoria da instrução de Jerome Bruner (1991), os professores, pois centraliza-se, primordialmente, no
um autêntico representante da abordagem cognitiva, processo de aprendizagem tal como ocorre em sala de
traz contribuições significativas ao processo ensino- aula. Para Ausubel, aprendizagem significa organização e
aprendizagem, principalmente à aprendizagem integração do material aprendido na estrutura cognitiva,
desenvolvida nas escolas. Sendo uma teoria cognitiva, estrutura esta na qual essa organização e integração se
apresenta a preocupação com os processos centrais processam.
do pensamento, como organização do conhecimento, Psicólogos e educadores têm demonstrado uma
processamento de informação, raciocínio e tomada de crescente preocupação com o modo como o indivíduo
decisão. Considera a aprendizagem como um processo aprende e, desde Piaget, questões do tipo: “Como surge o
conhecer no ser humano? Como o ser humano aprende?
interno, mediado cognitivamente, mais do que como
O conhecimento na escola é diferente do conhecimento
um produto direto do ambiente, de fatores externos ao
da vida diária? O que é mais fácil esquecer?” atravessaram
aprendiz. Apresenta-se como o principal defensor do
as investigações científicas. Assim, deve interessar à escola
método de aprendizagem por descoberta (insight). saber como criança, adolescentes e adultos elaboram seu
A teoria de Bruner apresenta muitos pontos semelhantes conhecer, haja vista que a aquisição do conhecimento é a
às teorias de Gestalt e de Piaget. Bruner considera a questão fundamental da educação formal.
existência de estágios durante o desenvolvimento cognitivo A psicologia cognitiva preocupa responder estas
e propõe explicações similares às de Piaget, quanto ao questões estudando o dinamismo da consciência. A
processo de aprendizagem. Atribui importância ao modo aprendizagem é, portanto, a mudança que se preocupa com
como o material a ser aprendido é disposto, assim como o eu interior ao passar de um estado inicial a um estado
Gestalt, valorizando o conceito de estrutura e arranjos final. Implica normalmente uma interação do indivíduo com
de ideias. “Aproveitar o potencial que o indivíduo traz e o meio, captando e processando os estímulos selecionados.
valorizar a curiosidade natural da criança são princípios que O ato de ensinar envolve sempre uma compreensão
devem ser observados pelo educador”. bem mais abrangente do que o espaço restrito do professor
A escola não deve perder de vista que a aprendizagem na sala de aula ou às atividades desenvolvidas pelos alunos.
de um novo conceito envolve a interação com o já Tanto o professor quanto o aluno e a escola encontram-
aprendido. Portanto, as experiências e vivências que se em contextos mais globais que interferem no processo
o aluno traz consigo favorecem novas aprendizagens. educativo e precisam ser levados em consideração na
Bruner chama a atenção para o fato de que as matérias elaboração e execução do ensino.

214
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Ensinar algo a alguém requer, sempre, duas coisas: quanto à pesquisa são meios pelos quais podemos agir
uma visão de mundo (incluídos aqui os conteúdos da como sujeitos transformadores da realidade social. Isto
aprendizagem) e planejamento das ações (entendido como indica que nosso trabalho, como professores, é o de ensinar
um processo de racionalização do ensino). A prática de a aprender para que o conhecimento construído pela
planejamento do ensino tem sido questionada quanto a aprendizagem seja um poderoso instrumento de combate
sua validade como instrumento de melhoria qualitativa no às formas de injustiças que se reproduzem no interior da
processo de ensino como o trabalho do professor: sociedade.
[...] a vivência do cotidiano escolar nos tem evidenciado Piaget (1969), foi quem mais contribuiu para
situações bastante questionáveis neste sentido. Percebe- compreendermos melhor o processo em que se vivencia a
se, de início, que os objetivos educacionais propostos nos construção do conhecimento no indivíduo.
currículos dos cursos apresentam confusos e desvinculados Apresentamos as ideias básicas de Piaget sobre o
da realidade social. Os conteúdos a serem trabalhados, desenvolvimento mental e sobre o processo de construção
por sua vez, são definidos de forma autoritária, pois os do conhecimento, que são adaptação, assimilação e
acomodação.
professores, via re regra, não participam dessa tarefa. Nessas
Piaget diz que o indivíduo está constantemente
condições, tendem a mostrar-se sem elos significativos
interagindo com o meio ambiente. Dessa interação resulta
com as experiências de vida dos alunos, seus interesses e
uma mudança contínua, que chamamos de adaptação.
necessidades. Com sentido análogo ao da Biologia, emprega a palavra
De modo geral, no meio escolar, quando se faz adaptação para designar o processo que ocasiona uma
referência a planejamento do ensino – aprendizagem, mudança contínua no indivíduo, decorrente de sua
este se reduz ao processo através do qual são definidos constante interação com o meio.
os objetivos, o conteúdo programático, os procedimentos Esse ciclo adaptativo é constituído por dois subprocessos:
de ensino, os recursos didáticos, a sistemática de avaliação assimilação e acomodação. A assimilação está relacionada à
da aprendizagem, bem como a bibliografia básica a ser apropriação de conhecimentos e habilidade. O processo de
consultada no decorrer de um curso, série ou disciplina assimilação é um dos conceitos fundamentais da teoria da
de estudo. Com efeito, este é o padrão de planejamento instrução e do ensino. Permite-nos entender que o ato de
adotado pela maioria dos professores e que passou a ser aprender é um ato de conhecimento pelo qual assimilamos
valorizado apenas em sua dimensão técnica. mentalmente os fatos, fenômenos e relações do mundo, da
Em nosso entendimento a escola faz parte de um natureza e da sociedade, através do estudo das matérias de
contexto que engloba a sociedade, sua organização, sua ensino. Nesse sentido, podemos dizer que a aprendizagem
estrutura, sua cultura e sua história. Desse modo, qualquer é uma relação cognitiva entre o sujeito e os objetos de
projeto de ensino – aprendizagem está ligado a este conhecimento.
contexto e ao modo de cultura que orienta um modelo A acomodação é que ajuda na reorganização e na
de homem e de mulher que pretendemos formar, para modificação dos esquemas assimilatórios anteriores
responder aos desafios desta sociedade. Por esta razão, do indivíduo para ajustá-los a cada nova experiência,
pensamos que é de fundamental importância que os acomodando-as às estruturas mentais já existentes.
professores saibam que tipo de ser humano pretendem Portanto, a adaptação é o equilíbrio entre assimilação e
formar para esta sociedade, pois disto depende, em acomodação, e acarreta uma mudança no indivíduo.
grande parte, as escolhas que fazemos pelos conteúdos A inteligência desempenha uma função adaptativa, pois
que ensinamos, pela metodologia que optamos e pelas é através dela que o indivíduo coleta as informações do meio
atitudes que assumimos diante dos alunos. De certo modo e as reorganiza, de forma a compreender melhor a realidade
em que vive, nela agi, transformando. Para Piaget (1969), a
esta visão limitada ou potencializada o processo ensino-
inteligência é adaptação na sua forma mais elevada, isto é, o
aprendizagem não depende das políticas públicas em
desenvolvimento mental, em sua organização progressiva, é
curso, mas do projeto de formação cultural que possui o
uma forma de adaptação sempre mais precisa à realidade.
corpo docente e seu compromisso com objeto de estudo. É preciso ter sempre em mente que Piaget usa a palavra
Como o ato pedagógico de ensino-aprendizagem adaptação no sentido em que é usado pela Biologia, ou seja,
constitui-se, ao longo prazo, num projeto de formação uma modificação que ocorre no indivíduo em decorrência
humana, propomos que esta formação seja orientada por de sua interação com o meio.
um processo de autonomia que ocorra pela produção Portanto, é no processo de construção do conhecimento
autônoma do conhecimento, como forma de promover a e na aquisição de saberes que devemos fazer com que o
democratização dos saberes e como modo de elaborar a aluno seja motivado a desenvolver sua aprendizagem e
crítica da realidade existente. ao mesmo tempo superar as dificuldades que sentem em
Isto quer dizer que só há crítica se houver produção assimilar o conhecimento adquirido.
autônoma do conhecimento elaborado através de uma
prática efetiva da pesquisa. Entendemos que é pela Referência:
prática da pesquisa que exercitamos a reflexão sobre a MOTA, M. S. G.; PEREIRA, F. E. L. Desenvolvimento e
realidade como forma de sistematizar metodologicamente Aprendizagem: Processo de construção do conhecimento
nosso olhar sobre o mundo para podermos agir sobre e desenvolvimento mental do indivíduo. Disponível
os problemas. Isto quer dizer que não pesquisamos por em: http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf3/tcc_
pesquisar e nem refletimos por refletir. Tanto a reflexão desenvolvimento.pdf

215
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

4. O trabalho do professor visa o desenvolvimento dos


alunos como pessoas, nas suas múltiplas capacidades, e
O PROFESSOR: FORMAÇÃO E PROFISSÃO.
não apenas a transmissão de conhecimentos. Isso implica
uma atuação profissional não meramente técnica, mas
também intelectual e política.
REFERENCIAS PARA FORMAÇÃO 5. O necessário compromisso com o sucesso das
DE PROFESSORES aprendizagens de todos os alunos na creche e nas escolas
de educação infantil e do ensino fundamental exige que
Pressupostos dos Referenciais para a Formação de o professor considere suas diferenças culturais, sociais e
Professores pessoais e que, sob hipótese alguma, as reafirme como
causa de desigualdade ou exclusão.
Este documento tem como ponto de partida uma 6. O desenvolvimento de competências profissionais,
visão crítica do sistema educativo, das práticas tradicionais exige metodologias pautadas na articulação teoria - prática,
de formação e da organização institucional que lhe na resolução de situações-problema e na reflexão sobre a
corresponde. Entretanto, é preciso reconhecer um limite atuação profissional.
que advém do atual momento histórico. Este documento 7. A organização e o funcionamento das instituições
atem-se à formação de professores de Educação Infantil e de formação de professores são elementos essenciais para
das primeiras séries do Ensino Fundamental sem abranger o desenvolvimento da cultura profissional que se pretende
as especificidades de 5a a 8ª séries. afirmar. A perspectiva interinstitucional de parceria
Na verdade, ainda que a lei tenha formalizado o Ensino e cooperação entre diferentes instituições - também
Fundamental de oito anos (tendendo a nove), existe na contribui decisivamente nesse sentido.
prática dos sistemas de ensino uma separação indesejável 8. O estabelecimento de relações cada vez mais
entre 1a a 4a e 5a a 8a séries, separação essa que se repete estreitas entre as instituições de formação profissional e as
na formação de professores. redes de escola dos sistemas de ensino é condição para
E necessário que num futuro próximo as mudanças que um processo de formação de professores referenciado na
ora se discutem, caminhem na direção do desenvolvimento prática real.
de práticas educacionais que articulem creche, pré-escola 9. Os projetos de desenvolvimento profissional só terão
e todo o ensino fundamental desde a formação de eficácia se estiverem vinculados a condições de trabalho,
professores. avaliação, carreira e salário.
Esses pressupostos suscitam novos olhares para
A análise crítica da situação atual da formação de
a natureza da atuação profissional de professor e,
professores aponta para a necessidade de que ela se insira
consequentemente, para os requisitos da formação.
no movimento de profissionalização do professor pautado
na concepção de competência profissional explicitada
PARTE I
ao longo do texto, especialmente na parte II e III, cuja
operacionalização exige:
O papel profissional dos professores: tendências
Mudanças nas práticas de formação - que incluam a
atuais
organização das instituições formadoras, a metodologia, a
definição de conteúdos, a organização curricular e a própria A educação escolar e a formação de professores no
formação dos formadores de professores. contexto atual
Criação de sistemas de formação - nos quais se
articulem os processos de formação inicial e continuada de A última década do século XX tem sido marcada
professores. pela discussão sobre a qualidade da educação e sobre as
Tendo como horizonte essa perspectiva, a proposta condições necessárias para assegurar o direito de crianças,
delineada neste documento se orienta pelos seguintes jovens e adultos a aprendizagens imprescindíveis para o
pressupostos: desenvolvimento de suas capacidades. A preocupação com
1. O professor exerce uma atividade profissional essa questão não é propriamente nova; entretanto, nos
de natureza pública, que tem dimensão coletiva e anos 90, a educação de qualidade tornou-se uma bandeira
pessoal, implicando simultaneamente autonomia e assumida mais ou menos por todos: além das associações
responsabilidade. profissionais e da população usuária, também a mídia, os
2. O desenvolvimento profissional permanente1 é diferentes governos, o empresariado e instituições sociais
necessidade intrínseca a sua atuação e, por isso, um direito as mais diversas. Inúmeros são os compromissos nacionais
de todos os professores. e internacionais firmados pelos governos nos últimos
3. A atuação do professor tem como dimensão principal tempos como forma de acelerar o processo que leva à
a docência, mas não se restringe a ela: inclui também a melhoria da educação escolar.
participação no projeto educativo e curricular da escola, a Vivemos tempos de globalização econômica, de níveis
produção de conhecimento pedagógico e a participação na elevados de pobreza e de introdução acelerada de novas
comunidade educacional. Portanto, todas essas atividades tecnologias e materiais no processo produtivo-fenômenos
devem fazer parte da sua formação. que, ainda que em níveis diferenciados, influenciam de

216
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

forma determinante a conjuntura de todos os países do espaço público do espaço privado, ser solidários, conviver
mundo. A situação que se configura em razão do processo com a diversidade, repudiar qualquer tipo de discriminação
de internacionalização da economia e de supremacia dos e injustiça... Esse conjunto de aprendizagens representa,
interesses do mercado e do capital sobre os interesses na verdade, um desdobramento de capacidades que
humanos tem contribuído para a constituição de valores e todo cidadão - criança, jovem ou adulto - tem direito de
sentimentos nada construtivos - como o individualismo, a desenvolver ao longo da vida, com a mediação e ajuda da
intolerância, a violência... -, o que põe em pauta questões escola.
éticas complexas, sem respostas prontas nem soluções O desenvolvimento de diferentes capacidades -
fáceis. Por outro lado, as transformações científicas e cognitivas, afetivas, físicas, éticas, estéticas, de inserção
tecnológicas que ocorrem de forma acelerada exigem social e de relação interpessoal se torna possível por meio do
das pessoas novas aprendizagens. Esse contexto coloca processo de construção e reconstrução de conhecimentos,
enormes desafios para a sociedade e, como não poderia o que depende de condições de aprendizagem de natureza
deixar de ser, também para a educação escolar. Assim, subjetiva e objetiva. O conhecimento prévio, a crença na
algumas novas tarefas passam a se colocar à escola, não própria capacidade, a disponibilidade e curiosidade para
porque seja a única instância responsável pela educação, aprender, a valorização do conhecimento e o sentimento de
mas por ser a instituição que desenvolve uma prática pertinência ao grupo de colegas são algumas das condições
educativa planejada e sistemática durante um período subjetivas que explicam por que, a partir de um mesmo
contínuo e extenso de tempo na vida das pessoas. ensino, há sempre lugar para a construção de diferentes
A educação promovida pela escola distingue-se de aprendizagens. Mas a aprendizagem depende também, em
outras práticas educativas, como as que acontecem na grande medida, de como o processo educativo se organiza
família, no trabalho, no lazer e nas demais formas de em suas diferentes dimensões, ou seja, de condições
convívio social, por constituir uma ajuda intencional com o mais objetivas. As propostas pedagógicas devem sempre
objetivo de promover o desenvolvimento e a socialização resultar do cruzamento de duas variáveis essenciais: os
de crianças e jovens - e, em muitos casos, também de objetivos definidos e as possibilidades de aprendizagem
adultos. Em uma concepção democrática, entende-se a dos alunos. Do contrário, não se promove a aprendizagem.
educação escolar como responsável por criar condições E, nessa perspectiva, conhecer e considerar os diferentes
para que todas as pessoas desenvolvam suas capacidades fatores que concorrem para o processo de construção de
e aprendam os conteúdos necessários para construir conhecimento passa a ser uma tarefa à qual as instituições
instrumentos de compreensão da realidade e para participar educativas e, portanto, os professores não podem se furtar.
de relações sociais cada vez mais amplas e diversificadas - Embora tenham um sentido de meta para a escolaridade,
condições fundamentais para o exercício da cidadania. essas aprendizagens podem - e devem -constituir-se desde
Uma educação que se pretende de qualidade precisa que as crianças ingressam em uma instituição educativa.
contribuir progressivamente para a formação de cidadãos Já na educação infantil, as crianças podem desenvolver
capazes de responder aos desafios colocados pela realidade sua curiosidade -que é uma forma de investigar e valorizar
e de nela intervir. A reflexão que a comunidade educacional o conhecimento -, aprender a rebelar-se contra o que
tem acumulado nos últimos anos indica que, para uma não compreendem - que é uma forma de questionar -,
formação desse tipo, a escola deve garantir, a crianças e ler o mundo, expressar-se, enfrentar desafios, construir
jovens, aprendizagens bastante diversificadas. Deve lhes hipóteses, raciocinar, comparar, estabelecer relações,
garantir a possibilidade de, ao longo da escolaridade, adquirir confiança em si mesmas, respeitar a vontade do
compreender conceitos, princípios e fenômenos cada vez outro, discutir, diferenciar a casa da escola, ser solidárias,
mais complexos e de transitar pelos diferentes campos conviver com a diversidade... Toda aprendizagem tem um
do saber, aprendendo procedimentos, valores e atitudes desdobramento possível para as crianças muito pequenas.
imprescindíveis para o desenvolvimento de suas diferentes A defesa de uma educação escolar de qualidade
capacidades. neste documento, portanto, é a defesa do direito de todo
brasileiro ao desenvolvimento dessas capacidades.
E preciso que todos aprendam a valorizar o A UNESCO instaurou, em 1993, a Comissão
conhecimento e os bens culturais e a ter acesso a eles Internacional sobre a Educação para o Século XXI para
autonomamente; a selecionar o que é relevante, identificar as tendências da educação nas próximas
investigar, questionar e pesquisar; a construir hipóteses, décadas e, em 1996, divulgou seu relatório conclusivo. O
compreender, raciocinar logicamente; a comparar, documento - conhecido como “Relatório Jacques Delors”
estabelecer relações, inferir e generalizar; a adquirir - foi elaborado por especialistas de vários países e indica,
confiança na própria capacidade de pensar e encontrar entre outras questões, as aprendizagens que serão pilares
soluções. E preciso que todos aprendam a relativizar, da educação nas próximas décadas, por serem vias de
confrontar e respeitar diferentes pontos de vista, discutir acesso ao conhecimento e ao convívio social democrático:
divergências, exercitar o pensamento crítico e reflexivo. E aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver
preciso que aprendam a ler criticamente diferentes tipos de junto e aprender a ser. Essa perspectiva, que configura uma
texto, utilizar diferentes recursos tecnológicos, expressar- tendência em formação já há alguns anos na comunidade
se em várias linguagens, opinar, enfrentar desafios, criar, educacional, coloca uma nova concepção de educação
agir de forma autônoma. E que aprendam a diferenciar o escolar, redimensiona o papel dos professores e exige uma

217
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

formação profissional muito superior à atual. O próprio diferentes segmentos da escola, formas ágeis e flexíveis
relatório enfatiza a relevância do papel dos professores para de organização institucional e de funcionamento, quadro
a formação dos alunos e, consequentemente, a urgência estável de profissionais, apoio administrativo ao projeto
de uma formação adequada ao exercício profissional e de educativo, qualidade da formação inicial dos professores,
condições necessárias para um trabalho educativo eficaz. desenvolvimento profissional contínuo por meio de ações
As pesquisas e sistemas de avaliação que há anos internas e externas, planejamento coletivo do trabalho
procuram aferir os níveis de desempenho dos alunos numa perspectiva de experimentação e avaliação contínua,
brasileiros vêm indicando que, no caso do ensino adequação do espaço físico e das instalações, qualidade
fundamental, a escola não tem conseguido cumprir dos recursos didáticos disponíveis, existência de biblioteca
adequadamente sua tarefa de promover as aprendizagens e acervo de materiais diversificados de leitura e pesquisa,
a que os alunos têm direito, mesmo as mais elementares. tempo adequado de permanência dos alunos na escola,
Nas creches e demais escolas de educação infantil, proporção apropriada alunos-professor, condições
sequer há dados a respeito da aprendizagem dos alunos adequadas de trabalho e salário.
- mas sabe-se que a situação não é muito diferente. “O Tudo parece indicar, portanto, que uma boa formação
uso de creches e mesmo de programas pré-escolares como
profissional, aliada a um contexto institucional que
estratégia para combater a pobreza e resolver problemas
favoreça o espírito de equipe, o trabalho cm colaboração, a
ligados à sobrevivência das crianças foi durante muitos
construção coletiva, o exercício responsável de autonomia
anos justificativa para a existência de atendimentos de
profissional e adequadas condições de trabalho, são
baixo custo, com aplicações orçamentárias insuficientes,
escassez de recursos materiais; precariedade de ingredientes sem os quais não se alcançará a qualidade
instalações; formação insuficiente dos seus profissionais e pretendida na educação - são, na verdade, direitos dos
alta proporção de crianças por adulto.” profissionais da educação, principalmente se a meta
O quadro que se configura na educação básica requer for a qualidade real. E devem ser objeto de sua luta se a
investimentos substanciais para a sua transformação, meta da categoria for a conquista de níveis superiores de
investimentos que devem se destinar tanto à melhoria dos profissionalização: não apenas o salário e as condições de
recursos materiais das creches e escolas como da formação trabalho - que são reivindicações históricas -, mas, também,
dos profissionais dos quais depende a educação brasileira. as demais condições que permitam aos educadores não só
Assim, a formação de professores destaca-se como oferecer um ensino que de fato promova a aprendizagem,
um tema crucial e, sem dúvida, uma das mais importantes mas, também, intervir nos destinos da educação e da
dentre as políticas públicas para a educação, pois os profissão.
desafios colocados à escola exigem do trabalho educativo Contraditoriamente, o movimento que se constitui
outro patamar profissional, muito superior ao hoje em favor da universalização e melhoria da qualidade da
existente. Não se trata de responsabilizar pessoalmente educação e o consenso que se forma a respeito das bases
os professores pela insuficiência das aprendizagens epistemológicas e das condições necessárias para tal
dos alunos, mas de considerar que muitas evidências coincidem com uma acentuada deterioração das condições
vêm revelando que a formação de que dispõem não de trabalho dos professores, consideradas “intoleravelmcnte
tem sido suficiente para garantir o desenvolvimento das baixas” pela Organização Internacional do Trabalho (OIT)
capacidades imprescindíveis para que crianças e jovens nos últimos anos. Essa circunstância indica que assumir a
não só conquistem sucesso escolar, mas, principalmente, bandeira da educação de qualidade por si só não basta:
capacidade pessoal que lhes permita plena participação é preciso que todos os que têm responsabilidade, direta
social num mundo cada vez mais exigente sob todos os ou indireta, pela oferta de condições reais de trabalho aos
aspectos. Além de uma formação inicial consistente, é profissionais da educação possam superar o discurso- esse,
preciso proporcionar aos professores oportunidades de já consensual - e criar possibilidades reais de alteração da
formação continuada: promover seu desenvolvimento
situação que hoje vivemos.
profissional é também intervir em suas reais condições de
“Nos países em desenvolvimento, em que uma
trabalho.
forte procura de educação é acompanhada por uma
Entretanto, a definição de diretrizes para a formação
falta de recursos, muitas vezes dramática, as opções são
profissional dos professores não depende apenas da
identificação das tarefas próprias da educação escolar- particularmente difíceis.” Essa constatação do “Relatório
depende também da identificação do lugar que a formação Jacques Delors”, embora simples e óbvia, revela que
de professores ocupa no conjunto de fatores que interferem o problema deve ser enfrentado com a seriedade e o
na aprendizagem dos alunos. Embora reconhecendo empenho que merece. A questão requer vontade política
que é um dos mais importantes, não se pode tomar a de fato e um entendimento suprapartidário, pois, num
formação profissional como fator único para o sucesso das país com o nível de descontinuidade administrativa que
aprendizagens que cabe à escola garantir. é tradicional no Brasil, as decisões que pretendem dar
Progressivamente, vem se formando um consenso solução a problemas estruturais como o da educação não
sobre quais são as condições necessárias para assegurar podem estar submetidas ao tempo político dos governos e
uma educação escolar de qualidade real: existência de à disputa partidária.
um projeto educativo explícito e compartilhado pelos

218
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Os últimos anos melhores condições de trabalho e salário. Ao mesmo


tempo, foi marcada pelo clima de uma Constituição
Os anos 80 foram tempos de reformas educativas em recém-promulgada, que incorporou cm seus princípios
vários países do mundo: as exigências sociais por uma a valorização do magistério - consenso que se formou
educação de melhor qualidade começavam a impulsionar nas lutas da década anterior-, e pela Declaração Mundial
um ciclo de mudanças. No Brasil, esse período caracterizou- de Educação para Todos (Jomtien, Tailândia/1990),
se pela organização de movimentos de educadores e pela compromisso internacional firmado por inúmeros países,
discussão sobre a formação de professores. A mobilização inclusive o Brasil, que previa a melhoria urgente “das
dos profissionais da educação, intensificada em fins da condições de trabalho e da situação social do pessoal
década de 70, atingiu maior visibilidade pública nos anos docente, elementos decisivos no sentido de se implementar
80, tanto no que se refere às lutas salariais e por melhores a educação para todos”. Indicava, ainda, a necessidade de
condições de trabalho, quanto no que se refere à melhoria medidas em relação à formação continuada, profissão,
da educação e da formação profissional. carreira e salário, ética profissional, direitos e obrigações,
A década de 80 foi marcada, por um lado, pelo crescente seguridade social e condições mínimas para um exercício
achatamento dos salários dos profissionais da educação- docente eficaz. Entretanto, os princípios explicitados
uma vez que não havia recomposição frente a uma inflação na constituição não foram implementados e, quanto à
muito alta - e, por outro, por índices alarmantes de fracasso Declaração de Jomtien, no Brasil, em nenhum aspecto
escolar no ensino fundamental - traduzidos em percentuais recebeu a atenção merecida tão logo veio a público.
de repetência e evasão inaceitáveis. As lutas da categoria Embora, de início, as recomendações do documento
e as iniciativas governamentais em favor de um ensino internacional com o qual o governo brasileiro havia se
de qualidade em diferentes níveis tinham, portanto, um comprometido alguns meses antes não tivesse produzido
sentido de superação de graves problemas no campo da praticamente nenhum impacto nas políticas públicas, com
educação. Foi um tempo de greves de educadores, de o passar dos anos algumas medidas importantes foram
amplos debates sobre educação, de dinamização das ações sendo tomadas no sentido de melhorar a qualidade de
de entidades educacionais, de articulações nacionais em ensino e as condições de trabalho dos professores e de
função da Lei de Diretrizes e Bases, de reformas curriculares, intensificar o diálogo da sociedade civil sobre as questões
especialmente no Ensino Fundamental, de disseminação de
educacionais. Foram iniciativas fundamentais, mas que,
programas de formação continuada, de criação dos Centros
diante da realidade da educação brasileira, representam
de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAMs).
apenas passos iniciais.
No que se refere à formação de professores, a proposta
Em 1993, iniciou-se uma ampla mobilização nacional
dos CEFAMs foi uma iniciativa muito importante, que vem
em torno da elaboração do Plano Decenal de Educação para
conseguindo se manter com certa dificuldade ao longo do
Todos. A metodologia de elaboração do Plano previa uma
tempo e merece ser destacada. Surgiu a partir de encontros
discussão progressiva do documento preliminar com os
realizados em 1982 entre o Ministério da Educação e um
estados, depois com os municípios e posteriormente com
conjunto de instituições que tinham, na época, a finalidade
de elaborar uma proposta de ação integrada do MEC para as escolas. Essa discussão foi envolvendo diferentes setores
a formação de professores de 1” grau. Pretendia-se criar da sociedade civil e culminou com o Pacto de Valorização
um tipo de escola de formação de professores que pudesse do Magistério e Qualidade da Educação, firmado pelo
promover atualização e aperfeiçoamento dos profissionais Ministério da Educação, Conselho Nacional de Secretários
da educação, desenvolver práticas inovadoras e pesquisa, de Educação, União Nacional dos Dirigentes de Ensino
formar professores leigos, atuar como agente de mudanças. Municipal, Confederação Nacional dos Trabalhadores em
O principal objetivo da proposta original era a articulação Educação e Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação,
de todos os graus do ensino, constituindo-se, cada centro, com o “objetivo de estabelecer e implementar uma política
em polo disseminador de conhecimentos que permitissem de longo alcance para a profissionalização do magistério
a renovação educacional. O projeto apoiava-se na ideia com vistas à elevação dos padrões de qualidade da
de uma Escola Normal que, além de ter uma dimensão educação básica5’. Posteriormente, foi criado o Fundo de
ampliada para oferecer formação inicial e continuada, Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
obedeceria a diretrizes gerais, adaptáveis às situações e de Valorização do Magistério, implantado a partir de
específicas dos estados. Implantados experimentalmente janeiro de 1998, que incorporou parte considerável das
em seis estados no ano de 1983, os CEFAMs se expandiram recomendações do Pacto.
no período seguinte, tendo diferentes trajetórias em cada Além dessas, outras ações em favor de uma educação
estado. De qualquer modo, conseguiu se colocar e se de melhor qualidade têm marcado a década de 90: a
sustentar como uma alternativa importante à formação aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
aligeirada da Habilitação Magistério, tanto por conta do Nacional; a elaboração de Parâmetros e Referenciais
maior tempo do curso quanto da proposta em si. Curriculares Nacionais, a criação da TV Escola, a avaliação
A entrada nos anos 90 também caracterizou-se por de cursos de nível superior, a análise da qualidade dos livros
uma enorme desvalorização profissional do magistério didáticos brasileiros pelo Ministério da Educação; uma
- principalmente em função de salários muito baixos - e série de iniciativas de reorientação curricular e formação
pela consequente luta dos profissionais da educação por continuada de profissionais da educação por várias

219
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

secretarias estaduais e municipais; algumas experiências disponível. A consequência, quase sempre, é a dificuldade
inovadoras de formação de professores em nível superior; de investimento pessoal no desenvolvimento profissional
e algumas parcerias interinstitucionais importantes visando para o exercício do magistério, o que, por sua vez, acentua
a busca de soluções conjuntas para problemas comuns. uma cultura de desprofissionalização.
Os anos que antecedem a virada do século têm De modo geral, não só no Brasil, mas na maioria dos
também uma outra característica fundamental: são tempos países em desenvolvimento, o professor é uma pessoa
em que começam a se intensificar os debates em favor de nível socioeconômico baixo, com formação geral
da qualidade da educação escolar na mídia e na opinião insuficiente (produto, ele próprio, de uma escola pública
pública. Esse é um dado relevante, pois a opinião pública de má qualidade), formação profissional precária (ou
tem um enorme poder acelerador de mudanças quando inexistente), reduzido contato com a produção científica,
convencida de que elas são, de fato, necessárias. a tecnologia e os livros -e, conscientemente, com o uso
desses recursos.
O perfil profissional de professor E possível afirmar ainda - a partir da observação, de
depoimentos pessoais e de estudos que começam a surgir-
Por muitos anos, o professor e sua função docente que, frequentemente, o professor está desatualizado em
receberam qualificações relacionadas diretamente a um relação à discussão sobre a educação, à profissão e seu papel
vasto conjunto de virtudes: abnegação, sacrifício, bondade, social, escreve e lê pouco, tem uma enorme dependência
paciência, sabedoria. Atualmente, o discurso educacional do livro didático - quando leciona no ensino fundamental
se utiliza de outros substantivos: profissionalização, - e uma visão bastante utilitária do aperfeiçoamento
autonomia, revalorização..., ainda que as reais profissional. E que desenvolve seu trabalho solitariamente
deficiências dos professores no exercício profissional - e, e sem ajuda dos que teriam a função de apoiá-lo
consequentemente, as suas causas - continuem, por assim profissionalmente. Some-se a esse perfil as reais condições
dizer, ocultas por trás das deficiências da instituição escolar, de trabalho, principalmente nas escolas rurais e da periferia
do currículo, das metodologias e dos recursos didáticos. dos grandes centros urbanos, e a razão de o magistério ter
Nos últimos anos, a desqualificação profissional sofrida status de semiprofissão será totalmente compreensível.
pela categoria de professores tem sido grande e se verifica Evidentemente, quando se delineia o perfil de um
principalmente na progressiva deterioração dos salários, profissional, o que se leva em conta é o conjunto de
na diminuição do status social e nas precárias condições características comuns à maioria, e não a todos. Existem
de trabalho. Embora essa questão seja, com frequência, professores leitores e pesquisadores, que investem
tratada como um fenômeno relativamente recente na pessoalmente em seu desenvolvimento profissional,
trajetória do magistério, a história está cheia de ilustrações que exigem oportunidades de formação de seus
que revelam o contrário: cm São Paulo, no ano de 1927, por empregadores, que trabalham em equipe, que participam
exemplo, existiam 1.500 classes vagas no ensino primário, do projeto educativo de suas escolas, que estudam sobre
apesar de haver professores devidamente habilitados, pois a aprendizagem dos alunos para poder ensiná-los mais e
na época o salário dos professores era muito baixo. melhor... Mas não é assim com a maioria, e essa realidade
A feminilização da função, ao invés de representar precisa ser encarada de frente.
de fato uma conquista profissional das mulheres, tem Conforme vão se evidenciando os níveis inaceitáveis
se convertido num símbolo de desvalorização social. O de fracasso escolar dos alunos, intensifica-se a crítica aos
imaginário social foi cristalizando uma representação de professores como responsáveis pela ineficiência do sistema
trabalho docente destinado a crianças, cujos requisitos são educacional. Entretanto, apontá-los como principais - e
muito mais a sensibilidade e a paciência do que o estudo às vezes únicos - responsáveis pelos índices de insucesso
e o preparo profissional. Em tese, as mulheres seriam mais escolar é revelar incapacidade para uma análise séria e
afeitas a essas “virtudes” e, portanto, a elas caberia muito global da questão. O professor não pode ser visto como
bem a função de professoras polivalentes, (“omo, de um “o” problema, mas como imprescindível para a superação
modo geral, o nível de formação e preparo requerido para de parte dos problemas educativos. E como tal deve ser
o exercício profissional é um dos principais indicadores tratado: como aquele que pode e deve implementar parte
de salário em qualquer profissão, a baixa exigência para das mudanças que se fazem necessárias para garantir uma
o ingresso no magistério - que por muitos anos permitiu, educação escolar de qualidade a crianças, jovens e adultos
inclusive, o acesso de leigos - acaba sendo uma justificativa brasileiros. O investimento financeiro na formação de
implícita para a má remuneração. Além disso, ao menos professores, embora necessário há muito tempo, torna-se
teoricamente, por tratar-se de um trabalho de jornada agora inadiável.
parcial e tipicamente feminino, o salário é tido como Como toda profissão, o magistério tem uma trajetória
“complementar” ao dos pais ou ao dos maridos. Assim, construída historicamente. A forma como surgiu a
o magistério acaba sendo considerado uma função para profissão, as interferências do contexto sociopolítico no
mulheres que trabalham meio período. qual ela esteve e está inserida, as exigências colocadas pela
Entretanto, os baixos salários recebidos por uma realidade social, as finalidades da educação em diferentes
jornada parcial de trabalho foi levando as mulheres a momentos - e, consequentemente, o papel e o modelo
optarem por jornada de tempo integral como professoras de professor-, o lugar que a educação ocupou e ocupa
ou a buscarem outras ocupações no período que têm nas prioridades de governo, os movimentos e lutas da

220
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

categoria e as pressões da população e da opinião pública Conforme dispõe a LDB, os Institutos Superiores de
em geral são alguns dos principais fatores determinantes Educação devem manter cursos destinados à formação
do que foi, é e virá a ser a profissão magistério. Embora a de profissionais para a educação básica, incluindo o curso
legislação também tenha sua função como condicionante normal superior para formar professores de educação
dos requisitos profissionais e da trajetória das profissões, infantil e das quatro primeiras séries do ensino fundamental.
no caso do magistério, raramente as mudanças prescritas Os formadores desses professores, evidentemente, devem
em lei tiveram uma contrapartida imediata na realidade. O também possuir formação de nível superior.
contingente de professores leigos existente hoje no país é Os graduados em nível superior, mas sem habilitação
um exemplo disso. para o exercício do magistério, que queiram dedicar-se à
É certo que há uma enorme distância entre o perfil de educação básica poderão adquirir habilitação por meio
professor que a realidade atual exige e o perfil de professor de programas de formação pedagógica oferecidos por
que a realidade até agora criou. Essa circunstância provoca instituições de nível superior.
a necessidade de muito investimento na formação No que se refere à formação de professores para a
profissional, mas a educação de qualidade não se conquista educação escolar indígena, a LDB estabelece como objetivo:
apenas com uma adequada formação de professores. E em “manter programas deformação de pessoal especializado
função da clareza sobre essa questão que este documento, destinado à educação escolar nas comunidades indígenas”,
embora não responda a questões outras que não a da o que ainda requer regulamentação.
própria formação profissional, declara conhecer os limites Em relação ao professores leigos, a LDB não faz
de suas propostas quando tomadas isoladamente. A nenhuma menção explícita, embora determine que, até o
formação de professores é um requisito fundamental para final da Década da Educação, “só poderão ser admitidos
as transformações que se fazem necessárias na educação. professores habilitados em nível superior ou formados
Mas é apenas um dos requisitos. por treinamento em se/viço”. A questão da habilitação
de professores leigos aparece, sim, na Lei 9.424/96, que
Medidas determinadas pela legislação regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério,
A nova LDB (Lei 9.394/96) assim dispõe sobre a nos seguintes termos: “aos professores leigos é assegurado
formação de profissionais de educação em seu artigo 62: prazo de cinco anos para obtenção da habilitação
“A formação de docentes para atuar na educação básica necessária ao exercício da atividade docente” (art. 9” § 2°).
far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de Os sistemas de ensino devem criar, portanto, condições
graduação plena, em universidades e institutos superiores necessárias à habilitação desse contingente de professores
de educação, admitida, como formação mínima para o sem a adequada formação para o exercício do magistério.
Além do que preveem legalmente e recomendam a
exercício do magistério na educação infantil e nas quatro
LDB e o FUNDO, também a proposta do Plano Nacional de
primeiras séries do ensino fundamental, a oferenda em
Educação-documento produzido recentemente pelo MEC,
nível médio, na modalidade Normal”.
com a participação da comunidade educacional brasileira -
Prevê a LDB que a formação de profissionais da
destaca a importância da valorização dos profissionais da
educação em curso normal superior ou em curso de nível
educação: “A melhoria da qualidade do ensino, indispensável
médio visa preparar o futuro professor para atender aos
para assegurar à população brasileira o acesso pleno à
objetivos da educação infantil e das quatro primeiras séries
cidadania e uma inserção nas atividades produtivas que
do ensino fundamental, o que inclui a educação especial e
permita a constante elevação do nível de vida, constituem
a educação de jovens e adultos.
um compromisso da Nação. Esse compromisso, entretanto,
O art. 87, § 4º, da Lei prevê que “até o fim da Década da não poderá ser cumprido sem a valorização do magistério,
Educação só serão admitidos professores habilitados em uma vez que os docentes constituem o centro de todo
nível superior ou formados por treinamento em serviço”. o processo educacional.” O Plano expressa, ainda, um
A formação do magistério, quando em nível médio, está posicionamento em relação aos pilares de sustentação da
inserida no ensino médio mas tem a sua especificidade, valorização profissional: qualidade da formação inicial e
alterando o que prescrevia a LDB anterior para a Habilitação continuada, jornada de trabalho adequada e concentrada
Específica para o Magistério. Dessa forma, entende-se que em um único estabelecimento e salário condigno.
o Parecer do CFE nº 349/72 perde vigência, requerendo-se Todas as instituições e cidadãos comprometidos
novas funções para a Escola Normal. O restabelecimento com a educação brasileira parecem concordar que sem
da nomenclatura “curso normal” implica uma modificação investimento na formação dos profissionais da educação
no focus de formação, uma vez que, na legislação anterior, não se conquistará as metas de qualidade que vêm se
a formação de professores em nível médio encontrava- tornando cada vez mais consensuais. Entretanto, será a
se difusa entre as diferentes habilitações profissionais capacidade de gestar e implementar políticas de formação
concebidas pela Lei 5.692/71 para o ensino médio. Infere-se profissional e de valorização do magistério - ou seja, de
daí a indicação do locus da formação inicial de professores realizar o investimento necessário - o que pode fazer a
em nível médio: Institutos de Educação, CEFAMs e Escolas diferença de fato.
Normais.

221
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Tendências da formação profissional de professores Nesse sentido, dois aspectos merecem ser destacados
em relação às tendências dos últimos anos. Um deles é que
O processo permanente de desenvolvimento as práticas de formação continuada têm se configurado
profissional a que todos os educadores têm direito envolve predominantemente em eventos pontuais -cursos,
formação inicial e continuada, sendo que a diferença oficinas, seminários e palestras -, que, de modo geral, não
essencial entre esses dois processos é que a formação respondem às necessidades pedagógicas mais imediatas
continuada ocorre com o professor já no exercício de suas dos professores e nem sempre se constituem num programa
atividades. articulado e planejado como tal. O outro é que a exigência
O modelo convencional de formação inicial e de formação inicial em nível superior - uma tendência
aparentemente irreversível em vários países - por si só
continuada dos profissionais da educação vem sendo
não tem resolvido os problemas que, em parte, justificam
bastante questionado nos últimos anos, principalmente pela a defesa desse nível de formação profissional para os
sua ineficácia. Além disso, ao que tudo indica, tem também professores. Em muitos casos, ao contrário, alguns desses
contribuído para o processo de desprofissionalização do problemas têm se acentuado: o elevado academicismo
magistério. Cada vez mais, os próprios profissionais da e a dificuldade de introduzir inovações nos cursos, por
educação têm assumido esse questionamento e defendido exemplo. Portanto, não é direta a relação entre formação
que a formação adequada e de qualidade é um direito que em nível superior, qualidade superior da formação e níveis
lhes cabe - superando, dessa forma, uma visão reducionista superiores de profissionalização do magistério. Além das
de que a crítica à formação inadequada de que dispõem razões já colocadas, há ainda outra: os cursos de formação
implicaria uma acusação de incompetência profissional. de professores em nível superior não gozam de status
Atualmente, ainda não há estudos conclusivos a equivalente ao dos demais cursos universitários.
respeito da relação entre formação profissional do professor
e aprendizagem escolar de crianças e jovens. Se, por um As críticas apontadas neste documento não se aplicam,
assim, à formação inicial e continuada como tal, mas ao
lado, existem inúmeros indicadores de que a habilitação e
modelo em que se baseiam esses processos de ensino e
a formação em serviço não garantem melhores resultados
aprendizagem de professores. Algumas das características
na aprendizagem dos alunos, por outro lado, há evidências desse modelo que, embora questionável, foi se tornando
que confirmam essa relação, embora não entendida como convencional são as seguintes:
uma relação mecânica e diretamente proporcional. - considera-se que a necessidade de formação
Se de um modo geral, em qualquer campo de profissional é tanto menor quanto menores forem as
atuação, profissionais com boa formação alcançam crianças (com as quais o professor vai trabalhar ou já
melhores resultados do que profissionais com formação trabalha), ignorando-se desse modo a complexidade e a
ruim, a questão, portanto, seria o tipo de formação a que enorme responsabilidade de educar crianças pequenas e a
tiveram acesso os professores: ter ou não habilitação e relevância da educação nos primeiros anos de vida;
oportunidades de formação em serviço não parece ser - a formação específica fica circunscrita ao exercício da
propriamente o ponto. Tudo leva a crer que o que de fato docência, não tratando das demais dimensões da atuação
conta é a qualidade da formação de que dispõem. profissional, como a participação no projeto educativo da
A hipótese subjacente a este documento é que, embora escola, por exemplo;
- ignoram-se as condições reais e os pontos de partida
insuficiente para garantir, por si só, uma aprendizagem
dos professores- seus interesses, motivações, necessidades,
escolar de melhor qualidade, a formação de professores é conhecimentos prévios, experiências e opiniões - quando
uma condição sine qua nun. Mas, para tanto, é necessário esses deveriam servir como ingredientes do planejamento
promover transformações radicais tanto nas formas quanto das ações de formação;
nos conteúdos das práticas que se tornaram tradicionais - as práticas inspiram-se numa perspectiva
-essencialmente, professores e alunos estão submetidos ao homogeneizadora: são destinadas a “professores em
mesmo modelo de ensino e, portanto, de certo modo, a geral”, e não ajustáveis a diferentes tipos de professores e
maioria dos problemas identificados na educação escolar, suas respectivas necessidades de formação;
e das respectivas críticas, se aplicam também à formação - a concepção é autoritária, cabendo ao professor um
profissional. papel passivo de receptor de informações e executor de
Não só no Brasil, mas em vários países da América propostas, e não de co-participante do planejamento e
Latina, a preparação para o exercício do magistério tem discussão do próprio processo de formação;
características muito similares: inexistência de um sistema - o enfoque é instrumental: as práticas de formação
destinam-se a preparar o professor para ser um aplicador
articulado de formação inicial e continuada, o que ocasiona
e um técnico, e não um profissional com domínio de sua
falta de coordenação das instâncias formadoras; ineficácia
prática e autonomia para a tomada de decisões;
dos cursos de formação inicial, o que tem levado a práticas - não há articulação entre conteúdo e método, entre
compensatórias de formação em serviço; heterogeneidade saber geral e saber pedagógico: com isso, perde-se a
muito grande na oferta e qualidade da formação oportunidade preciosa de abordar, de forma indissociada,
continuada; descontinuidade das ações de formação em os conteúdos e o respectivo tratamento didático, condição
serviço... para uma adequada formação docente;

222
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

- a educação é tratada como uma atividade formal - não dispõe de instrumentos eficazes de avaliação do
e rígida, desconsiderando-se a importância que têm a alcance das ações desenvolvidas;
informalidade, o vínculo afetivo, a comunicação, o jogo, o - organiza-se para professores individualmente, e não
riso, o entretenimento; para a equipe pedagógica da escola ou a instituição escolar
- o foco é a perspectiva do ensino, e não a perspectiva como um todo;
da aprendizagem; - realiza-se fora do local de trabalho, e não na escola,
- a concepção de base é acadêmica e teórica, centrada lugar privilegiado de formação em serviço;
no texto escrito, desprezando-se a prática como importante - é assistemática, pontual, limitada no tempo e não
fonte de conteúdos da formação; integra um sistema de formação permanente;
- a transmissão de informação é o centro do processo - utiliza dispositivos de motivação “externa” -
de ensino e aprendizagem, como se ensino pudesse pontuação, progressão na carreira, certificados... -que,
ser confundido com transmissão e aprendizagem com sem dúvida, são importantes, mas não podem “estar no
assimilação passiva de informações; lugar” do compromisso, pessoal e institucional, com o
- não há coerência entre o modelo de formação (pelo desenvolvimento profissional permanente, a melhoria do
qual os professores aprendem) e o modelo de ensino e ensino, a própria aprendizagem e a dos alunos.
aprendizagem que é conteúdo de sua formação, ou seja, os Evidentemente, a caracterização do modelo de
professores não experimentam em seu próprio processo de formação que foi se tornando tradicional ao longo do tempo
aprendizagem (quando estão, também eles, na condição não implica desconsiderara existência de experiências que
de alunos) o que lhe sugerem como necessário e bom para o subvertem em diferentes aspectos: a crítica à ineficácia
seus alunos - práticas orientadas para o desenvolvimento ou às limitações desse modelo produziu alternativas
do pensamento crítico, da aprendizagem ativa, da interessantes, tanto em experiências de formação inicial
criatividade, da autonomia, de valores democráticos, do como continuada, alternativas que vão se afirmando cada
exercício de cidadania...; vez mais como possibilidades generalizáveis. Entretanto, o
- priorizam-se modalidades convencionais de quadro que aqui se delineia enfoca propositadamente os
comunicação como aula, seminário, palestra, curso e oficina, aspectos negativos, já que o desafio é encontrar soluções
desprezando-se outras, bastante importantes e produtivas: para eles - as iniciativas bem sucedidas ainda estão
intercâmbio de experiências, observação de classe de circunscritas à condição de exceção à regra: são pontuais e,
professores experientes, uso de recursos de documentação de certa forma, restritas.
que permitem “trazer a prática” à discussão, atividades de
simulação de situações-problema etc; As iniciativas, quaisquer que elas sejam, não são
- não há articulação entre conhecimentos de natureza desvinculadas de seus contextos e portanto, a formação
administrativa e pedagógica, considerando-se os primeiros inicial e continuada que hoje se desenvolve é fruto da
como patrimônio dos administradores e os últimos como história que a produziu. Certamente o que determinou o
próprios e indispensáveis somente para quem se dedica ao modelo de formação inicial e continuada predominante no
ensino, como se todos os profissionais da educação não país foi a hegemonia, na história da educação brasileira, de
precisassem dominar os dois tipos de saber; uma concepção de professor como aplicador de propostas
- não há um processo paralelo de formação dos prontas, produzidas por técnicos das instâncias centrais ou
formadores de professores, para que construam, também intermediárias do sistema educacional. Os sucessivos anos
eles, um novo modelo de ação. de tecnicismo e o status conquistado pelo livro didático no
E, em relação especificamente à formação continuada, ensino fundamental e médio -ao qual passou-se a atribuir
as características mais comuns são as que se seguem: inclusive responsabilidades docentes - só viriam a reforçar
- cada nova política, projeto ou programa parte um modelo de professor/aplicador que foi se forjando ao
da “estaca zero”, desconsiderando a experiência e o longo do tempo e que se consolidou na década de 70. É
conhecimento já acumulados; para esse tipo de professor que as práticas tradicionais de
- não são consideradas outras dimensões do exercício formação estão voltadas. E é para subverter esse modelo
profissional, como o contexto institucional onde ele ocorre, de professor que outros tipos de práticas precisam ser
condições de trabalho, recursos disponíveis, carreira e construídas.
salário: a formação é tomada isoladamente; Talvez não seja exagero afirmar que, ao longo de toda
- é tida como apropriada fundamentalmente para a história brasileira, a despeito das transformações que
professores, e não para os demais profissionais da foram se operando nas finalidades da educação escolar
educação—supervisores, diretores, assessores, técnicos do e no papel social do professor -à exceção das inovações
sistema educativo e formadores em geral; propostas pela Escola Nova e pelos movimentos de
- não se organiza a partir de uma avaliação diagnostica renovação pedagógica que a partir dos anos 60 passaram
das reais necessidades e dificuldades pedagógicas dos a fazer contraponto com o que estava posto -, o modelo de
professores; professor pouco se alterou de fato. Estamos hoje, portanto,
- destina-se a corrigir erros e a destacar debilidades da diante de um desafio de proporções consideráveis. Em
prática pedagógica, sem estimular os aspectos positivos e curto espaço de tempo há que se consolidar um novo perfil
ressaltar a importância dos avanços já conquistados; profissional muito diferente do convencional.

223
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Quando hoje se discute formação de professores, ou institucionais para que os professores participem
inicial ou continuada, imediatamente coloca-se a questão de programas de formação e a inexistência de tempo
da formação dos formadores de professores. Como operar previsto na jornada de trabalho e no calendário escolar
uma transformação radical nos cursos de habilitação e para a formação em serviço são fatores importantes a se
nos programas de formação em serviço se os formadores considerar.
também não passarem por um processo radical de As questões organizativas dizem respeito ao
atualização inserido em programas de desenvolvimento planejamento, execução e avaliação de programas de
profissional permanente? A inexistência de medidas nesse formação em serviço por parte dos técnicos responsáveis.
sentido acabou criando soluções paliativas que, na verdade, Muitas vezes, com a justificativa de que as redes públicas
não solucionam. A constatação da má qualidade dos são muito grandes e que é difícil atender a todos os
cursos de formação inicial obrigou os sistemas de ensino professores, não se planeja de forma articulada ações
a intensificar as iniciativas de formação em serviço, que, extensivas e de profundidade, priorizando-se a alternativa
nessas condições, assumem um caráter compensatório. dos grandes eventos pontuais, cujo efeito é bastante
Por outro lado, a constatação da inadequada formação dos relativo e discutível. Se, por um lado, eles cumprem a função
formadores dos próprios sistemas demandou um tipo de de divulgar novas ideias e sensibilizar os professores para
“terceirização”, na medida em que se passou a contratar aspectos importantes do trabalho, por outro, não há como
serviços de profissionais de fora da rede. E hoje o que se considerar suas reais necessidades e avanços em atividades
constata é que esse tipo de parceria nem sempre produz desse tipo.
bons resultados, pois as Secretarias de Educação, muitas Em ações extensivas e pontuais não é possível
vezes, perdem o controle sobre as ações desenvolvidas compatibilizar o conteúdo tratado com demandas
e, em alguns casos, acabam delegando até mesmo a colocadas pela realidade das escolas e salas de aula,
definição do planejamento dos programas - tarefa que lhe elaborar diagnósticos das necessidades pedagógicas,
cabe, como gestora de políticas públicas para a educação. avaliar o alcance das ações desenvolvidas e o impacto
A formação continuada de professores - por vezes dos conhecimentos adquiridos na prática dos professores.
chamada de treinamento, reciclagem, aperfeiçoamento A falta de quadros locais bem preparados para exercer,
de fato, a função de formadores de professores - que
profissional ou capacitação - tem uma história recente no
tem levado muitas Secretarias de Educação a buscar
Brasil. Intensificou-se na década de 80 e, a despeito de
profissionais de fora da região para realizar o trabalho -
pautar-se predominantemente por um modelo convencional
geralmente acaba produzindo um tipo de ação distanciada
de formação, foi assumindo formatos diferenciados em
do contexto real do professor. Isso ocorre quando esses
relação aos objetivos, conteúdos, tempo de duração (desde
profissionais circunscrevem sua contribuição a aspectos
um único curso rápido até programas que se estendem
mais generalizáveis pelo fato de desenvolverem ações
por alguns anos) e modalidades (presencial ou a distância,
concentradas (muito conteúdo em pouco tempo), não
direta ou por meio de multiplicadores). Em alguns Estados
conhecerem os problemas locais e não terem um vínculo
brasileiros, ela vem se convertendo numa tradição, visto orgânico com a rede.
que já acontece há muito tempo, ao passo que em outros é
uma iniciativa mais ou menos recente. No âmbito das escolas, a formação continuada também
De qualquer modo, as práticas de formação continuada tem suas limitações: ou não há tempo previsto na jornada
vêm se mantendo como uma medida reconhecidamente de trabalho que permita ações sistematizadas ou, quando
necessária, embora hoje já seja possível verificar a enorme há, muitas vezes o coordenador pedagógico não tem uma
discrepância entre o volume de recursos humanos e formação adequada para ser formador de professores e
financeiros nelas investidos e os resultados obtidos em nem recebe assessoria para realizar esse tipo de trabalho.
relação ao sucesso da aprendizagem dos alunos. Não se Em qualquer caso, a inexistência de mecanismos de
trata de atribuir a precariedade dos resultados escolares à acompanhamento contínuo da prática pedagógica, de
impropriedade das iniciativas levadas a efeito nos estados avaliação periódica dos resultados das ações desenvolvidas
e municípios brasileiros, pois esse tipo de discrepância, e de identificação de demandas de formação, colocadas
na verdade, é um fenômeno recorrente em diferentes pelas dificuldades que encontram os professores no
países. Há um conjunto de circunstâncias e escolhas exercício profissional, prejudica a qualidade da formação,
político-administrativas, organizativas e metodológicas uma vez que estes são instrumentos de avaliação
que, quando ocorrem, geram dificuldades no campo da fundamentais para o planejamento e redimensionamento
formação continuada, onde quer que ela aconteça. dos programas.
As questões político-administrativas são as De certa forma, esse conjunto de questões tem uma
relacionadas ao papel desempenhado pelos governantes dimensão metodológica, uma vez que diz respeito ao método
e gestores do sistema educacional. Nesse âmbito, a falta de gestão institucional. Entretanto, há ainda as questões
de articulação entre as várias instâncias de gestão do metodológicas, que se referem às ações de formação em
sistema, a descontinuidade dos projetos e programas de si. Nesse caso, os problemas avolumam-se, especialmente
um governo para outro, a pressa com que as ações são quando a opção é por modalidades convencionais de
planejadas e realizadas para atender às limitações do tempo formação com elevado número de participantes, como
político das administrações, a falta de incentivos salariais palestras, seminários e grandes cursos concentrados.

224
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Nessas circunstâncias, quase sempre se dá uma ênfase - garantir condições adequadas de trabalho,
muito grande à transmissão de informação teórica: não remuneração e incentivos que façam do magistério uma
existe uma cultura de análise da prática pedagógica dos opção atraente;
professores no trabalho de formação e, inclusive, acreditou- - definir novas políticas e critérios de seleção para o
se por muito tempo que a competência de promover uma ingresso de professores na carreira;
mediação didática de qualidade decorreria “naturalmente” - redimensionar o papel profissional do professor no
do conhecimento teórico dos conteúdos e dos processos contexto das tarefas atualmente colocadas pela realidade
de aprendizagem - o que não se verifica na realidade. O à educação escolar;
resultado desse tipo de abordagem é um desencontro que - criar um sistema integrado de formação permanente,
se tornou mais ou menos emblemático da relação tácita que inclua formação inicial e continuada;
entre formadores e professores: ao término de eventos - redimensionar as prioridades na dotação de recursos
com esse formato, os professores consideram tudo muito na área educacional;
teórico e os formadores dizem que os professores vieram à - transformar os currículos e programas de formação;
procura de “receitas”. - considerar que é necessário um determinado tempo
Às vezes, para subverter essa lógica, são oferecidas aos para que as transformações ocorram de fato e criar
professores as chamadas «oficinas»: encontros destinados condições para tanto;
a ensiná-los a fazer ou «vivenciar» algo que se julga
- empreender um esforço permanente de informação,
necessário ou importante. Nesse tipo de situação, raramente
comunicação e formação de opinião pública em torno
se aprofunda a compreensão dos objetivos e possibilidades
da questão da qualidade da educação escolar e do papel
didáticas das atividades realizadas nas oficinas, condição
para superar a tendência à aplicação irrefletida de modelos profissional do professor;
e possibilitar uma recriação inteligente. - subverter os esquemas convencionais de
Alguns programas que integram oficinas e cursos relacionamento entre poder público, sociedade e
teóricos, planejados de maneira orgânica, obtém resultados associações profissionais.
melhores. No Brasil, não existem dados precisos que permitam
Maria Júlia, 8 anos compor um quadro verdadeiramente fiel da situação atual
Entretanto, a necessária análise de atividades de sala da formação de professores: a demanda real, a evasão e
de aula, conteúdo fundamental da formação continuada, a retenção nos cursos de habilitação e suas respectivas
dificilmente integra a pauta dessas ações. 0 mesmo causas, a razão da escolha e do abandono do magistério,
ocorre em relação ao uso profissional da escrita: muitos os percentuais de inserção no mercado de trabalho... E
professores não dominam fluentemente os procedimentos preciso que isso seja feito nos estados e municípios, para
que permitem 1er e escrever de forma reflexiva e precisam que se possa chegar a um diagnóstico detalhado sobre a
superar essa limitação com a ajuda de seus formadores, questão. Diante do pouco que se sabe, as especulações são
sem a qual não conquistarão a competência que permite a inevitáveis -mas não substituem os dados que retratem a
todo profissional estudar e documentar seu trabalho com realidade de fato. As tendências gerais são importantes
autonomia. referências para balizar as decisões no que se refere às
Agregue-se a esse conjunto de questões a falta de ações a serem implementadas em cada local, porém são
condições institucionais das escolas para encaminhar e apenas referências.
consolidar as mudanças que se fazem necessárias em
decorrência dos processos de formação continuada e se PARTE II
terá algumas das respostas para o problema da discrepância
entre o volume de recursos investidos e melhor qualidade REPENSANDO A ATUAÇÃO PROFISSIONAL E A
do ensino e da aprendizagem escolar. FORMAÇÃO DE PROFESSORES  
As evidências têm demonstrado que a tomada de
decisões em relação aos investimentos em qualquer área
1. As dimensões da atuação profissional de professor
deve ser fruto de um planejamento estratégico. Km relação
ao desenvolvimento profissional não poderia ser diferente: o
A formação de professores é pensada neste documento
investimento na formação inicial e na formação continuada
de professores merece ser planejado juntamente com as a partir das demandas de melhoria da educação escolar de
demais medidas que visam melhorar a educação escolar. crianças, jovens e adultos e das discussões atuais sobre as
Além disso, é preciso avançar rapidamente no sentido de especificidades do trabalho profissional do professor.
criar sistemas unificados de formação inicial e continuada A elaboração dos Parâmetros Curriculares para o
que superem o atual modelo, fragmentado e ineficaz. Ensino Fundamental, do Referencial para a Educação
Infantil e da Proposta Curricular para a Educação de
Do ponto de vista do modelo de formação profissional, Jovens e Adultos do Referencial Curricular para a Educação
o que se verifica hoje é uma tendência no sentido de: Indígena, são os primeiros passos da SEF nessa direção. As
- promover as transformações necessárias nas concepções que orientam esses documentos, e a discussão
instituições responsáveis por formar professores, para que o que a comunidade educacional vem desenvolvendo sobre
processo de formação aconteça num contexto favorável ao elas, são balizadoras do que se espera da formação de
desenvolvimento de diferentes competências profissionais; educadores.

225
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Esses referenciais curriculares afirmam o compromisso Para se desenvolver a autonomia como capacidade
da educação escolar com o movimento social de avanço da pessoal, é necessária a vivência de relações sociais não
democracia, no sentido de que a escola possa contribuir para autoritárias, nas quais haja participação, liberdade de
a cidadania e equidade de direitos ao promover o acesso escolha, possibilidade de tomar decisões e assumir
aos conhecimentos. A cidadania é, na sua historicidade, responsabilidades. Ao mesmo tempo, a efetivação de
um processo aberto e permanente de transformações relações democráticas exige a participação de pessoas
sociais, e não um estado fixo que se resolve ao ser atingido. autônomas: capazes de fazer escolhas, tomar decisões e
Democracia é, então, aqui entendida em seu sentido mais assumir responsabilidades compartilhadas.
amplo, como “... uma forma de sociabilidade que penetra Autonomia não é, portanto, a possibilidade de fazer
em todos os espaços sociais..., que abrange toda a vida o que se quer sem ter que dar satisfação a ninguém; é o
coletiva, sodai e política e tenha uma dimensão pessoal. espaço da liberdade com responsabilidade.
A própria LDB contempla essas dimensões quando,
“... Não existe autonomia pura, como se fosse uma
em seu artigo “, estabelece que “a educação (...) tem por
capacidade absoluta de um sujeito isolado. (...). Só é possível
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu
realizá-la como processo coletivo que implica relações de
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho “. poder não autoritárias.
Essas dimensões - política e pessoal - não se opõem, Articulando a dimensão pessoal e social, trabalhar na
não se excluem e nem se separam. Se, por um lado, a perspectiva da autonomia possibilita superar a dicotomia
dimensão pessoal é também política (no sentido de entre perspectivas “individualistas” e “coletivistas”,
que envolve legitimação de princípios éticos, de que redutoras, cada uma a seu modo, da complexidade das
a própria estruturação emocional envolve relações de questões humanas, políticas e educativas.
poder, de que toda ação é uma ação política), por outro Tais considerações permitem afirmar que a atuação
lado, não há exercício político de cidadania s e m do professor é simultaneamente coletiva e pessoal. Na
envolvimento pessoal. atuação do professor, autonomia é exercício de cooperação
Essa perspectiva - da pessoa e do cidadão- tem muitas e criatividade, práticas de intervenção e transformação
decorrências, das quais pelo menos duas têm reflexo com base na realidade social. Implica poder, conhecimento,
imediato na formação de professores: sensibilidade, desejo e responsabilidade - exercida “no” e
1. Implica ter como objetivo da educação escolar “com” um coletivo, a partir de envolvimento pessoal.
o desenvolvimento das múltiplas capacidades do ser Os professores são profissionais cuja ação influi de
humano, e não apenas o desenvolvimento cognitivo, modo significativo na constituição da subjetividade de
ampliando a concepção de educar para além do instruir.
seus alunos como pessoas e como cidadãos. Por isso,
Essa questão vem sendo muito trabalhada no âmbito da
precisam compreender os contextos sociais e as questões
educação infantil. Nesse sentido, um avanço significativo
contemporâneas com os quais eles e seus alunos estão
foi a integração entre educação e cuidado, que pode - e
deve - ser estendido às demais etapas da escolaridade, envolvidos. Uma educação democrática exige relações
como se pode ver nos documentos dos PCN para o Ensino de respeito mútuo, preocupação com a justiça, diálogo,
Fundamental. possibilidade de questionamento e argumentação.
“A base do cuidado humano é compreender como A afirmação dos princípios da ética democrática, a
ajudar o outro a desenvolver-se como ser humano. Cuidar superação das discriminações de ordem étnica, cultural
significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades, e socioeconômica, a educação de jovens e adultos, estão
(p. 24). (...) Além da dimensão afetiva e relacional do entre os grandes desafios da sociedade brasileira, para o
cuidado, é preciso que o professor possa ajudara criança enfrentamento dos quais a educação escolar e, portanto,
a identificar suas necessidades e priorizá-las, assim como a formação de professores - é decisiva. Isso demanda,
atendê-las de forma adequada. Assim, cuidar da criança é entre outras medidas, a constituição de uma escola que
sobretudo dar atenção a ela como pessoa que está num possa acolher e trabalhar as diferenças socioculturais e
contínuo crescimento e desenvolvimento, compreendendo as necessidades especiais dos alunos. Somente uma nova
sua singularidade, identificando e respondendo às suas perspectiva de educação como essa poderá contribuir para
necessidades. Isto inclui interessar-se sobre o que a a superação do quadro de evasão e repetência reiterada
criança sente, pensa, o que ela sabe sobre si e sobre que, no ensino fundamental, reverte no grande contingente
o mundo, visando à ampliação deste conheci mento e
de jovens e adultos analfabetos e sem escolarização. Para
de suas habilidades, que aos poucos a tornarão mais
tal, é meta essencial formar profissionais que possam
independente e mais autônoma”. Essa perspectiva, embora
efetivamente contribuir para reverter esse quadro.
aqui voltada para a educação infantil, abrange, também,
crianças maiores. adolescentes, jovens e adultos - inclusive A formação precisa intencionalmente possibilitar
professores. o desenvolvimento do professor como pessoa, como
profissional e como cidadão. Isso deverá refletir-se nos
2. Implica afirmar um determinado modo de relação objetivos da formação, na eleição de seus conteúdos, na
com o conhecimento, com os valores, com o s opção metodológica, na criação de diferentes tempos e
outros, um modo de estar no mundo que se expressa na espaços de vivência para os professores e na organização
ideia de relações de autonomia. institucional.

226
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Tomar decisões a respeito da vida coletiva, participar Na atuação do professor sempre estão em jogo
da gestão cooperativa do trabalho, decidir sobre sua valores, já que ele é um profissional que de uma forma
própria atuação no cotidiano escolar são aprendizagens ou de outra referenda e propõe, tanto valores ligados aos
fundamentais e que exigem repensar conteúdo, forma e próprios conteúdos escolares como valores referentes
organização da formação de professores, para que eles às questões sociais que permeiam toda ação educativa.
assumam sua prática social e aprendam a exercer o poder Como foi extensamente discutido nos documentos que
de intervir para transformar. Construir uma proposta de integram os Parâmetros Curriculares Nacionais, o professor
formação que atenda a esses propósitos exige, antes de precisa estar atento a essa interferência, que nem sempre é
mais nada, conhecer e analisar a atuação profissional do consciente. Ele se posiciona e incentiva atitudes, influencia
professor. as relações de respeito e a construção de autoestima dos
alunos - ele educa e cuida.
2. A natureza da atuação de professor Tudo isso configura um conjunto de relações e
circunstâncias complexas e diversificadas às vezes
2.1. Complexidade e singularidade bastante adversas-, que demandam ações também
diversificadas. Para dar conta delas cotidianamente, é
Segundo a cultura escolar dominante, o “contrato” que necessário um considerável investimento emocional, e
rege as relações professor/ aluno confere aos professores muito conhecimento pedagógico: além da dimensão
uma autoridade que emana de sua condição de detentores objetiva e racional, há uma dimensão subjetiva e afetiva
de importantes conhecimentos a serem comunicados. na atuação profissional do professor. Direcionar o trabalho
Essa é uma condição que, aliada à posição que ocupa na de formação considerando essas dimensões é fundamental
hierarquia escolar, resulta num grande poder de influência para que o professor possa ao mesmo tempo se envolver
sobre os alunos. A consciência desse poder por parte pessoalmente em todas essas relações e se distanciar delas
do professor é fundamental para que ele possa tomar para poder pensar e tomar decisões profissionais.
posições, refletir sobre suas ações e garantir que elas Essa complexidade é também acentuada pelo fato de
estejam permeadas por uma ética democrática. E importante que o trabalho educacional é sempre singular e contextual,
conceber essa autoridade como responsabilidade, e não isto é, ocorre sempre em situações específicas, já que os
como exercício de poder no sentido restritivo. As relações alunos de uma mesma classe não são iguais, como não
entre professor e alunos devem permitir que estes tomem são iguais, numa classe e noutra, tampouco apresentam as
iniciativas e assumam responsabilidades efetivas tanto nas mesmas características em todos os momentos. Ao mesmo
atividades como nas relações que acontecem dentro da tempo, no seio dessa atuação complexa, há o indispensável
escola. compromisso com resultados: o professor precisa garantir
A própria natureza da função de professor, como um que seus alunos realizem as aprendizagens que efetivem o
profissional que atua com e nas relações humanas, aliada à desenvolvimento de suas capacidades.
sua tarefa de gestor da sala de aula, coloca-o numa situação A função de professor é caracterizada por uma
de envolvimento pessoal nas relações que estabelece com inevitável contradição: considerando seu papel educativo,
seus alunos e com seus pares, relações essas que não são espera-se que tenha muito controle sobre suas ações junto
poucas nem simples. Mais precisamente na situação de aos alunos ainda que isso nem sempre seja possível.
docência, o professor precisa administrar um conjunto de Em virtude da complexidade contextual inerente
relações interpessoais marcadas por conteúdos afetivos ao trabalho pedagógico, é praticamente impossível ter
os mais diversos, que atingem tanto a ele quanto a seus consciência de tudo o que é feito durante todo o tempo de
alunos. Além disso, dada a importância de que os alunos aula. Com isso, a atuação do professor é determinada em
estabeleçam uma relação de disponibilidade e ousadia grande parte pelo que alguns estudiosos do assunto
diante do ato de aprender, cabe ao professor estar atento denominam habitus, uma forma de proceder pouco
ao empenho de cada um em suas aprendizagens. consciente que possibilita reagir de forma imediata às
A qualidade das relações afetivas e dos valores que questões do cotidiano escolar. Essa ideia de habitus
permeiam as interações sociais na escola tem papel expressa um tipo de “criação informada”, improvisação
determinante no sucesso escolar dos alunos. O convívio inteligente, semelhante ao que se costuma chamar
escolar e as situações de aprendizagem frequentemente “jogo de cintura”. É necessário conhecimento teórico,
colocam os alunos em contato íntimo com seus desejos, instrumental e experiencial, sem o qual seria impossível
inseguranças, medos, ansiedades, e espera-se que o improvisar sabiamente, isto é, realizar criações com o
professor os encoraje e contribua para o desenvolvimento máximo de qualidade, em situações singulares. Para isso é
de autoconfiança, de uma autoimagem positiva e respeito preciso “saber ler índices contextuais”, isto é, desenvolver
por si próprios e pelos outros. O acolhimento do professor uma capacidade interpretativa que permita tomar decisões
aos alunos não pode ser confundido com piedade que se adequadas situacionalmente.
expressaria em “coitado, isso e muito difícil para ele”. Deve Resumindo, a realidade educativa em que o professor
ser, ao contrário, um cuidado que se expresse em atitudes atua é complexa, mutável, frequentemente conflituosa, e
do tipo “ele pode aprender e eu posso fazer algo para isso”. apresenta problemas que não são facilmente categorizáveis
Todos os alunos precisam “ouvir” de seus professores: você e nem sempre possibilitam soluções a priori. O que se tem,
pode!!!, o que não precisa necessariamente ser expresso muitas vezes, são situações problemáticas singulares e que,
por palavras, mas por atitudes de ajuda efetiva. portanto, exigem soluções particulares.

227
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Nesse sentido, o êxito profissional do professor 2.3. A formação de professores e a construção da


depende de sua capacidade de manejar a complexidade competência profissional
da ação educativa e resolver problemas, por meio de uma
interação inteligente e criativa. Outro tema de presença marcante no debate atual
Toda essa complexidade da atuação de (nacional e internacional) sobre a crise e a reconstrução da
professor diz respeito mais especificamente ao seu trabalho identidade de professor é o da dimensão profissional de
como docente. No entanto, existe ainda sua atuação como seu trabalho, sendo a formação parte essencial do processo
membro da equipe pedagógica, sua participação no projeto de profissionalização.
educativo da escola e na comunidade educacional. Isso Profissionalismo exige compreensão das questões
implica uma ação compartilhada e um trabalho coletivo envolvidas no trabalho, competência para identificá-
dentro da própria escola e com diferentes escolas, o que las e resolvê-las, autonomia para tomar decisões,
significa participar de eventos, estabelecer intercâmbios, responsabilidade peias opções feitas. Requer também que
registrar, sistematizar, ser produtor de conhecimento. o professor saiba avaliar criticamente a própria atuação e
Portanto, sua atuação demanda trabalho coletivo e o contexto em que atua e interagir cooperativamente com
cooperativo, e o diálogo com a comunidade. a comunidade profissional a que pertence. Além disso,
ele precisa ter competência para elaborar coletivamente
2.2. Ação e reflexão o projeto educativo e curricular para a escola, identificar
diferentes opções e adotar as que considere melhor do
Ao buscar explicitar a natureza da atuação pedagógica ponto de vista pedagógico. Essa perspectiva traz para
para construir caminhos para a formação de professores, a formação a concepção de competência profissional,
alguns estudiosos da área têm se dedicado a aprofundar segundo a qual a referência principal, o ponto de partida
a discussão sobre os níveis de conhecimento do professor. e de chegada da formação é a atuação profissional do
Há um conhecimento na ação, ou seja, aquele que, professor.
interiorizado, orienta boa parte das atividades do professor, Competência, como entendida neste documento,
ainda que de modo inconsciente e mecânico. Trata-se de refere-se à capacidade de mobilizar múltiplos recursos,
um conhecimento decorrente também de “crenças” muitas entre os quais os conhecimentos teóricos e experienciais
vezes implícitas - que em algum momento do passado da vida profissional e pessoal, para responder às diferentes
podem até ter sido conscientes, fundadas em teorias
demandas das situações de trabalho. Apoia-se, portanto,
científicas ou espontâneas que resultam da experiência
no domínio de saberes, mas não apenas dos saberes
prática no exercício profissional e se expressam em um
teóricos, e refere-se à atuação em situações complexas.
saber fazer espontâneo.
Tal concepção de competência distingue-se do conceito
Por outro lado, envolvido na ação, o professor é
behaviorista, que se centra nos atributos pessoais de cada
suscetível às dificuldades que encontra na sua intervenção
professor individualmente. Trata-se de uma competência
pedagógica e precisa tomar decisões em cada caso
que se define em ato, num saber agir que necessita ser
específico. Faz, portanto, uma reflexão sem o rigor, a
sistematização e o distanciamento requeridos pela análise reconhecido pelos pares e pelos outros e cuja constituição
racional, mas com a riqueza da totalidade do momento. pode - e deve - ser promovida em termos coletivos. Não se
Entretanto, quando confronta suas ideias, teorias e crenças trata de instituir um modelo único de professor competente.
com a prática imediata, precisa atuar com sensibilidade, Há muitas maneiras de ser um bom professor, e isso
estar flexível e aberto para compreender e tomar decisões implica um estilo próprio e envolvimento pessoal. Esse
afinadas com sua intencionalidade e com o que percebe conceito de competência exigirá uma mudança de foco
de seus alunos e da situação educativa. A esse processo na formulação dos objetivos gerais da formação, que
chama-se reflexão na ação. deverão deixar de ser uma lista de capacidades que todos
Essa reflexão na ação é parte inevitável do trabalho os professores deveriam desenvolver isoladamente. O que
do professor e não substitui a análise que se pode se espera é que tais competências sejam desenvolvidas
realizar a posteriori sobre as características e processos coletivamente, preservando-se as singularidades, e que
da ação desenvolvida, a chamada reflexão sobre a ação. os próprios professores as valorizem como necessárias, de
Essa preocupação ocorre quando o profissional, liberto modo a, consciente e intencionalmente, procurar garanti-
dos condicionamentos situacionais, pode aplicar os las no conjunto da equipe. Para isso é importante investir
instrumentos conceituais e as estratégias de análise para no aprendizado do trabalho coletivo: aprender a estudar, a
tematização, avaliação e reorientação da sua prática. pesquisar, a produzir coletivamente.
Assim, pode-se dizer que existe sempre um Trazida para o processo de formação de professores,
conhecimento prático que se mostra nas ações cotidianas a perspectiva de competência permite realizar a formação
do professore uma reflexão durante a ação, pois prática sem ater-se aos limites do tecnicismo, de modo
constantemente ele precisa tomar atitudes imediatas mas que o professor aprenda a criar e recriar sua prática,
esse conhecimento precisa ser potencializado no processo apropriando-se de teorias, métodos, técnicas e recursos
de formação por meio da reflexão a posteriori, de forma didáticos desenvolvidos por outros educadores, sem
que, compreendendo o conhecimento subjacente à sua submeter-se a um receituário, nem à mera aplicação
atuação, o professor possa ampliá-lo, transformá-lo e de teorias ou de um repertório de ações prévias e
torná-lo alimento para novas ações. externamente programadas por outros. O desenvolvimento

228
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

da competência profissional permite ao professor uma pensa e age nas diferentes situações da vida, dado que
relação de autonomia no trabalho, criando propostas as dimensões profissional e pessoal estão intimamente
de intervenção pedagógica, lançando mão de recursos relacionadas em sua atuação. O desenvolvimento
e conhecimentos pessoais e disponíveis no contexto, profissional tem implicação direta no desenvolvimento da
integrando saberes, sensibilidade e intencionalidade para pessoa como ser cultural e político, e vice-versa. Muitas
responder a situações reais, complexas, diferenciadas. Km vezes, isso requer do professor reconsiderar valores e
síntese, favorece uma verdadeira apropriação dos saberes descobrir novas possibilidades de usufruir da cultura e da
já produzidos pela comunidade educativa para elaborar participação social.
respostas originais. Portanto, a formação é aqui entendida como processo
As diferentes situações de trabalho demandam uma contínuo e permanente de desenvolvimento, o que pede
ou mais competências. Portanto, conforme se entenda do professor disponibilidade para a aprendizagem; da
a amplitude da atuação profissional do professor, serão formação, que o ensine a aprender; e do sistema escolar
elencadas as situações de trabalho que a compõem no qual ele se insere como profissional, condições para
e. assim, determinando o conjunto de competências continuar aprendendo. Ser profissional implica ser capaz
necessárias. Daí a importância de se ter claro, desde o de aprender sempre.
planejamento, curricular e institucional que a atuação Sendo assim, o processo de construção de
do professor tem como base e alvo principal a docência, conhecimento profissional do professor é contínuo devido
mas não se restringe a ela. Abrange também a produção a pelo menos quatro exigências:
de conhecimento pedagógico, a cooperação na gestão - o avanço das investigações relacionadas ao
escolar e a interação com a comunidade educativa na desenvolvimento profissional do professor;
produção coletiva de alternativas para a educação e para - o processo de desenvolvimento pessoal do
fazer avançar a profissionalização da categoria. professor, que o leva a transformar seus valores, crenças,
O trabalho do professor - e, portanto, sua formação hábitos, atitudes e formas de se relacionar com a vida e,
- inclui competências de um profissional intelectual consequentemente, com a sua profissão;
que atua em situações singulares. Para tanto, o domínio - a inevitável transformação das formas de pensar,
teórico do conhecimento profissional é essencial, mas sentir e atuar das novas gerações em função da evolução
não é suficiente. É preciso saber mobilizá-lo em situações da sociedade em suas estruturas materiais e institucionais,
concretas, qualquer que seja sua natureza. A produção nas formas de organização da convivência e na produção
de conhecimento pedagógico exige a competência para dos modelos econômicos, políticos e sociais;
construir um discurso sobre a prática: de sistematizar e - o incremento acelerado e as mudanças rápidas
comunicar os saberes construídos para poder compartilhá- no conhecimento científico, na cultura, nas artes, nas
los. E isso que possibilitará, inclusive, confrontar os limites tecnologias da comunicação, elementos básicos para a
do conhecimento na explicação e solução das questões da construção do currículo escolar.
realidade. Tudo isso se aprende a fazer, fazendo. A formação continuada não pode ser, portanto, algo
Ocorre que, atualmente, na formação o eventual, nem apenas um instrumento destinado a suprir
aprendizado dos saberes teóricos tem um espaço deficiências de uma formação inicial malfeita ou de baixa
desproporcionalmente maior que o aprendizado prático. qualidade, mas, ao contrário, deve ser sempre parte
Os aprendizados práticos ocupam lugar periférico e são integrante do exercício profissional de professor. Essa
muitas vezes associados à concepção tecnicista, o que perspectiva leva a afirmar a necessidade de transformar o
tem sido um obstáculo a uma reorganização mais radical modo como se dão os diferentes momentos da formação
da formação de educadores. Isso ocorre também porque de professores (formação inicial e formação continuada),
os saberes práticos têm sido desvalorizados socialmente para criar um sistema deformação que promova o
e acredita-se que uma formação de alto nível é a que se desenvolvimento profissional, integrando as diferentes
concentra na formação teórica. Formados dessa maneira, instituições responsáveis em um plano comum.
os professores aprendem um discurso que não modifica A própria natureza do trabalho educativo exige que
sua atuação junto aos alunos. Entretanto, a análise do o movimento de contínua construção e reconstrução
trabalho educativo escolar demonstra que não basta ao de conhecimento e de competências profissionais,
professor ter conhecimentos sobre a prática, é fundamental vivenciado na formação inicial, se prolongue ao longo da
saber faze uma verdadeira construção de competência carreira de professor. Caso contrário, haverá sempre uma
profissional exige experiência de atuação aliada à reflexão dissonância entre os avanços conseguidos nas escolas
sistemática. de formação em consequência da renovação curricular e
da pesquisa didática e o que acontece nas escolas onde
3. Formação e desenvolvimento profissional se dá 0 exercício profissional. Ainda que a formação
permanente inicial seja um importante e insubstituível meio de elevar
o nível e de transformar a competência dos futuros
A ação educacional, por ser contextualizada, é sempre professores, essa possibilidade tem limites. O corpo de
passível de transformações. E influenciada pelos avanços professores demora no mínimo vinte anos para se renovar.
da investigação científica nas áreas afins, pelo momento Os novos professores dirigem-se a diferentes escolas
político em que tem lugar e pelo modo como o professor onde, na maioria das vezes, acabam adaptando-se ao

229
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

que encontram estabelecido, ao invés de atuarem como para que os professores possam estudar em equipe,
elementos transformadores - até como recurso para não compartilhar e discutir sua prática com os colegas,
serem rejeitados. A enorme disparidade entre o que pensa apresentar seu trabalho publicamente, reunir-se com pais
e faz um professor recém formado e a cultura que encontra de alunos e demais membros da comunidade, desenvolver
na escola, além da defasagem inevitável de conhecimentos parcerias com outras instituições, participar do projeto
profissionais, faz com que ele muitas vezes desista de suas educativo da escola, definindo, coletivamente, metas,
convicções e adote uma postura de descrédito e se renda prioridades, projetos curriculares, processos de avaliação,
à prática estabelecida. Para diminuir essa distância, faz-se normas de convivência, temáticas de formação continuada
necessário que a formação inicial e a formação continuada e prioridades para a utilização dos recursos disponíveis.
se orientem para os mesmos objetivos gerais e constituam
um sistema integrado de desenvolvimento profissional. Professor formador
Atuando-se nas duas frentes de modo convergente, criar-
se-ão as condições para que, tanto os novos professores A ideia de professor formador baseia-se no pressuposto
quanto grande parte dos professores em exercício tenham de que a competência profissional se desenvolve em
perspectivas e conhecimentos comuns. grande medida na interação com profissionais experientes
que dialogam sobre a complexidade do trabalho que
Além de garantir aos professores em exercício um realizam. Entretanto, o que se vê na realidade é que os
processo contínuo de formação, é imprescindível que professores são formados quase exclusivamente por outros
se criem dispositivos de articulação entre o trabalho da profissionais, especialistas em psicologia, sociologia,
instituição formadora e o trabalho das escolas do sistema história da educação e outros afins, e não têm contato com
de ensino, como, por exemplo, o estágio planejado e professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental
acompanhado pelas duas instituições e a criação da figura na intensidade necessária. Assim, o que se busca é garantir
de “professor formador”. Esse profissional é um professor que os futuros professores possam ter na sua formação,
experiente que recebe o estagiário em sua turma e o também a contribuição dos profissionais iguais ao que ele
acompanha, discutindo com ele o que faz, as decisões será.
que toma. As dificuldades que encontra e participando da Segundo essa análise é essencial que os sistemas
orientação de seu projeto de trabalho como estagiário. Isso educacionais criem a possibilidade de que professores
exige que os formadores da escola de formação orientem experientes assumam atividades de formação sem
esse processo, criando assim um trabalho sistemático com abandonar a regência de classe. Podem assim receber
o professor formador. Outras formas de articulação podem estagiários, acompanhar professores iniciantes, realizar um
incluir um ano de exercício de docência compartilhada trabalho auxiliar ao da coordenação pedagógica da escola.
e supervisionada ao final da formação inicial, apoio Sua atuação é importante na formação inicial, não
sistemático da escola de formação ao professor em início só no sentido de receber estagiários em sua classe, mas
de carreira, por exemplo. principalmente de ajudá-los a compreendera realidade
Por outro lado, trabalhar no segmento com formação e a complexidade da atuação do professor- dificuldades
continuada dos professores em exercício contribui para que operacionais, finalidades, avaliação, revisão, enfim as
as escolas de formação tenham a necessária atualização diferentes questões vividas na escola.
em relação às questões relevantes, às dificuldades, aos Isso só será possível se houver um projeto de estágio
desafios e projetos nos quais estão envolvidas as escolas e planejado e avaliado conjuntamente pela escola de
as redes de ensino. Podem assim planejar, elaborar, e avaliar formação inicial e a escola do sistema que recebe esses
seu trabalho de formação - inicial inclusive - levando em professores em formação. Só essa ação conjunta institui um
conta a realidade das escolas, garantindo o atendimento projeto compartilhado onde as duas instituições assumam
às necessidades de atuação profissional dos professores. responsabilidades e se alimentem mutuamente.
É desnecessário dizer que todas essas estratégias O professor formador atua junto aos professores
exigem dos responsáveis peias políticas de formação iniciantes auxiliando-os na preparação de materiais,
continuada e das instituições formadoras uma grande planejamento de atividades, análise das produções
disponibilidade para o diálogo e para a mudança, respeito dos alunos, na reflexão de sua prática e principalmente
mútuo e trabalho cooperativo. nas questões particulares de cada professor frente ao
O desenvolvimento profissional permanente requer desafio profissional. Em outras palavras, lança mão de sua
um processo constante e contínuo de estudo, reflexão, experiência como professor e como formador para ajudá-
discussão, confrontação e experimentação coletiva, para o los no processo de inserção profissional.
qual é necessário não só que as instituições contratantes E importante que se esclareça, no entanto, que o
assumam a responsabilidade de propiciar as condições professor formador não ocupa - e, em hipótese alguma
institucionais e materiais, mas que o professor tome deve ocupar- o lugar institucional do coordenador
para si a responsabilidade por sua formação. Só essa pedagógico (se o sistema educacional prevê essa função).
corresponsabilidade permitirá superar a relação de tutela Embora a função principal do coordenador seja exatamente
que mantém a formação em serviço do professor à mercê a de formador de professores da escola em que trabalha,
de circunstâncias político institucionais as mais diversas. possui também outras atribuições que não se aplicam ao
Para isso, é preciso assegurar condições institucionais professor formador.

230
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

3.1. Formação inicial desenvolver, em colaboração com professores formadores


que sejam profissionais polivalentes como ele deverá ser,
Ao analisar os objetivos e conteúdos da formação um trabalho sistemático que articule os diferentes âmbitos
inicial, é preciso levar em conta as novas demandas da de conhecimento profissional.
atuação do professor, tanto em relação à função social De um modo geral, as escolas de formação trabalham
colocada à escola, quanto relação à necessidade de formar separadamente as disciplinas especializadas e propõem
um profissional reflexivo. um espaço à parte para a experiência prática, configurando
O conjunto de conhecimentos, atitudes, valores de que o estágio como algo com finalidade em si mesmo. Na
se apropriam os futuros professores constitui a competência maioria das vezes, deixam o futuro professor sozinho com
com que eles iniciam sua carreira e também a base sobre a tarefa de integrar e transpor tudo o que aprendeu na
a qual construirão e reconstruirão seus conhecimentos esfera do “saber” para a esfera do “saber fazer”, negando-
no decorrer do exercício da profissão. Influenciado pela lhe a oportunidade de experienciar a reflexão coletiva
experiência de seu próprio processo escolar e pelas e orientada sobre a totalidade complexa da prática
representações sociais das práticas escolares, quem educativa. Essa totalidade complexa tem aspectos próprios
inicia um curso de formação já traz consigo uma ideia que são essenciais para a formação do professor e que só
preconcebida do que seja um professor e um “bom” ou podem ser vistos e compreendidos no cotidiano escolar
“mau” aluno. Na maioria das vezes, o professor idealiza e que dizem respeito às diferentes áreas e disciplinas que
um aluno prototípico, sem se dar conta de que trabalhar integram o currículo de formação - não se pode, portanto,
com a diversidade é algo intrínseco à natureza da atuação deixar de tomá-los como conteúdo programático.
docente e que não faz sentido pensá-la como uma Para superar esse quadro, o processo de formação
condição excepcional. Muitas vezes, os cursos de formação inicial de professores requer uma organização curricular e
não trabalham essa questão e acabam por reforçar os institucional capaz de estabelecer uma ligação visceral entre
estereótipos ao tomar como referência um aluno “padrão” a escola de formação e o sistema de ensino, constituindo
idealizado. um campo de atuação comum, compartilhado. Tomar o
Em muitos casos, essas e outras representações sobre desenvolvimento de competências profissionais como alvo
a prática educacional são tratadas nos cursos de formação central da formação inicial implica propor uma organização
de uma maneira distante da realidade da sala de aula e curricular que busque reorientar os conteúdos e incorporar
da vida institucional da escola. Em consequência disso, a tematização da prática em todas as áreas, assim como
muitos professores que ingressam na profissão com essas institucionalizar uma forma de interação com as escolas do
visões estereotipadas custam muito tempo para desfazê- sistema de ensino.
las. Outros não as superam nunca, realizando uma prática A articulação interinstitucional favorece outro aspecto
que acaba por contribuir para a produção do enorme que tem merecido pouca atenção na formação inicial,
contingente de excluídos da escola. Romper com essas que são as demais dimensões da atuação profissional do
representações, colocar o futuro professor em contato com professor além da docência, o que também compromete
a realidade em que irá atuar e com as questões concretas a representação do que é ser professor. Assim, é preciso
da profissão desde o início do curso, discutir as questões também possibilitar que o professor desenvolva autonomia
relativas à função social da escola e à importância de seu na relação com sua formação, uma vez que, na condição de
trabalho, considerar a diversidade e a heterogeneidade adulto, pode refletir sobre sua formação, tomar decisões,
dos alunos e a complexidade da prática pedagógica são fazer opções e construir percursos pessoais.
dimensões essenciais a serem garantidas na formação
inicial dos que ingressam na profissão. 3.2. Formação para titulação de professores em
E importante então que a instituição de formação exercício
inicial se empenhe numa reflexão contínua tanto sobre os
conteúdos como sobre o tratamento metodológico com Os programas desenvolvidos com a finalidade de
que estes são trabalhados, em função das competências titular professores em exercício estão situados entre a
que se propõe a desenvolver, já que as relações pedagógicas formação inicial e a formação continuada. Ao mesmo
que se estabelecem ao longo da formação atuam sempre tempo que o professor já está exercendo profissionalmente
como currículo oculto. As relações pedagógicas vivenciadas suas atividades, necessita de uma formação que lhe
no processo de aprendizagem dos futuros professores ofereça condições e um currículo que lhe permita atingir
funcionam como modelos para o exercício da profissão, o mesmo patamar e a mesma amplitude do conhecimento
pois, ainda que de maneira involuntária, se convertem em profissional estabelecido pela formação inicial em nível
referência para sua atuação. médio ou superior, dependendo da escolaridade que já
Apesar da consciência de que a atividade profissional possui. Não se pode tomar a formação para titulação em
do professor só terá sucesso se ele tiver domínio de certas serviço como uma formação menor, mais ligeira, restrita
práticas, essas normalmente não aparecem de forma em nível técnico e às questões imediatas da docência. O
explícita nos conteúdos da formação inicial. Além disso, não mesmo que se propõe para a formação inicial, tanto no
se promove a articulação dos componentes curriculares que se refere ao tratamento metodológico quanto aos
que possibilitaria a formação prática, polivalente e conteúdos (ver adiante os âmbitos de conhecimento
complexa. Nesses casos, o futuro professor não tem como profissional do professor), deve estar presente nesse tipo

231
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

de formação para que ela se constitua num diferencial possibilita o conhecimento da realidade das escolas e
de peso no desenvolvimento pessoal e na competência permite que os programas de formação continuada sejam
profissional dos professores envolvidos. Se a titulação é significativos e orientados pelas demandas das escolas e
para professores sem o nível médio é importante que nesse por uma análise de suas questões.
processo sejam garantidas, além do desenvolvimento
de competências profissionais, as matérias básicas e 3.4.O professor iniciante
essenciais do nível médio. Na titulação em nível superior
também é necessário que os conhecimentos profissionais Por mais que tenha uma experiência de estágios
sejam trabalhados num nível de profundidade que de atuantes e supervisionados em sua formação inicial, é
fato traga um ganho diferenciado na sua possibilidade de quando ingressa na carreira que o professor se depara,
compreender e atuar na profissão. de fato, com todas as responsabilidades de sua atuação
profissional. Passa por um período peculiar em que se
3.3. Formação continuada diferencia do professor mais experiente: este, quando
reflete sobre a prática (sua própria ou a de outros), o faz
A formação continuada, como já foi explicitado, é sobre uma base mais ou menos consolidada em relação ao
necessidade intrínseca para os profissionais da educação desempenho de suas atribuições.
escolar e faz parte de um processo permanente de Esse é o momento em que, considerando a própria
desenvolvimento profissional que deve ser assegurado a prática, o professor iniciante tem a possibilidade de
todos. A formação continuada deve propiciar atualizações, desenvolvei a reflexão, a compreensão, a interpretação e a
aprofundamento das temáticas educacionais e apoiar- capacidade de intervenção na realidade educativa.
se numa reflexão sobre a prática educativa, promovendo Pode, também, realizar intercâmbios de experiências,
um processo constante de auto avaliação que oriente discussões, confrontos de diferentes propostas de
a construção contínua de competências profissionais. intervenção pedagógica realizadas e pensadas a partir
Porém, um processo de reflexão exige predisposição a um desse novo lugar. E o início de uma atuação, período no
questionamento crítico da intervenção educativa e uma qual o novo professor se integra como membro ativo e
análise da prática na perspectiva de seus pressupostos. participante no coletivo profissional.
Isso supõe que a formação continuada estenda-se às A representação da tarefa educativa construída durante
capacidades e atitudes e problematiza os valores e as a formação inicial, frequentemente, choca-se com a
concepções de cada professor e da equipe. realidade complexa da prática: a vida cotidiana da escola e
da sala de aula, na qual o professor tem que tomar decisões
A perspectiva de formação continuada que aqui se constantemente. Muitas vezes, ele não tem parâmetros de
propõe está intimamente ligada à existência dos projetos atuação aos quais se reportar, principalmente se não teve
educativos nas escolas de educação básica (de uma formação que favoreça a reflexão sobre sua atuação
educação infantil, ensino fundamental, educação de jovens diária.
e adultos) e pode acontecer tanto no trabalho sistemático Nesses primeiros anos de carreira são assumidas
dentro da escola quanto fora dela, mas sempre com e consolidadas a maior parte das pautas da cultura
repercussão em suas atividades. A formação continuada profissional dos professores, e essa formação se nutre de
feita na própria escola acontece na reflexão compartilhada uma grande dose de aprendizagens informais geradas
com toda a equipe, nas tomadas de decisão, na criação de na própria escola. Ante o desconcerto, a angústia e a
grupos de estudo, na supervisão e orientação pedagógica, instabilidade, o professor principiante tem a tendência
na assessoria de profissionais especialmente contratados de solucionar as situações problemáticas por meio da
etc. Outras formas, tais como programas desenvolvidos observação e imitação dos profissionais mais próximos.
com várias escolas, intercâmbios, cursos, palestras, Influenciam-no, em grande medida, a linguagem, as formas
seminários, são importantes meios de atualização, de troca de solucionar questões cotidianas, a interação professor-
e de ampliação do universo cultural e profissional das aluno, a organização do material, entre os muitos outros
equipes. Entretanto, não devem perder de vista a ligação aspectos que observa.
com as questões e demandas dos professores sobre seu Em tese, os professores iniciantes, justamente por
trabalho. não estarem ainda numa situação de prática consolidada,
As secretarias de educação têm papel fundamental poderiam perceber aspectos incoerentes, questionar
na organização e promoção da formação continuada, atitudes e regras de funcionamento que dificilmente
uma vez que são elas que possibilitam acompanhamento seriam vistas ou observadas pelo professor que está
sistemático às equipes escolares, fixam as diretrizes gerais imerso na sua rotina. Entretanto, não é isso o que acontece
do trabalho, promovem assessorias, eventos de atualização na maioria das vezes. O professor iniciante corre o risco
e programas de formação. Mas é decisivo o papel formador de perpetuar uma determinada prática sem refletir sobre
do trabalho cotidiano das equipes técnicas junto às escolas, ela, o que compromete a capacidade de inovação que
seja como dinamizadoras ou orientadoras, para manter viva deve acompanhar um processo de integração profissional.
a discussão dos projetos educativos, avaliar o trabalho dos Tal dificuldade reforça a perspectiva de heteronomia e a
educadores, fazer chegar às escolas materiais e propostas reprodução de uma cultura imobilista. Quando essa iniciação
inovadoras. E esse trabalho contínuo dos técnicos que se produz de forma solitária e não refletida, acaba, muitas

232
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

vezes, por desenvolver experiências tão negativas que de 1997, as funções docentes na educação infantil e séries
podem levarão abandono da carreira ou a um desencanto iniciais do ensino fundamental ultrapassam o total de um
que, aliado à desvalorização social, faz com que muitos só milhão e quatrocentos mil (1.400.000), que corresponde,
se mantenham na profissão por falta de opções melhores. 0 aproximadamente, a 1/3 de toda a população do Uruguai.
professor iniciante é tanto mais permeável à rotina escolar A questão da localização dos estabelecimentos escolares
cristalizada quanto mais sua formação inicial não tiver se também constitui um referencial para essa análise, sendo
pautado na construção de competências e reflexões sobre que, por exemplo, de acordo com o censo escolar de 1997,
a atuação profissional. das 154.633 escolas de 1ª a 4a séries do ensino fundamental
Esse processo de iniciação do professor na sua existentes no país, 122.691 estão situadas na zona rural.
atividade profissional requer um cuidado especial. O
Quanto ao acesso a novos recursos tecnológicos -
professor iniciante ganhará consciência desse seu momento
em parte responsável pelo redimensionamento de alguns
e atuará como “aprendiz crítico” se os professores experientes
objetivos da formação cultural e profissional -, pode ser
e os formadores souberem ouvi-lo atentamente para
contribuir com seu processo de crescimento profissional e um instrumento poderoso para a efetivação de mudanças
forem permeáveis aos questionamentos que ele possa vir necessárias à atualização do sistema educacional brasileiro.
a fazer. Para que possam ser sistematizadas, as estratégias As características e peculiaridades de cada
de trabalho com os professores iniciantes necessitam do recurso tecnológico determinam a adoção de certos
reconhecimento de sua importância e da institucionalização procedimentos em detrimento de outros. Assim, são os
de um trabalho organizado com esse fim, que pode incluir, objetivos da formação de professores que definem as
entre outras coisas, a supervisão de professores experientes escolhas mais adequadas de utilização desses recursos.
e formadores, intercâmbio de experiências e documentação A tevê, por exemplo, tem atributos como mobilidade,
do trabalho. rapidez e extensão; é capaz de estimular, desafiar,
O professor pode ser considerado experiente depois emocionar e demonstrar por imagens. Goro o vídeo, pode-
de construir um repertório de procedimentos e atitudes se levar aos mais variados locais práticas de sala de aula,
que contribua para a tomada de decisões no dia-a-dia e experiências bem sucedidas e questionáveis. O manejo
de apropriar-se de instrumentos que facilitem o domínio desse equipamento possibilita parara imagem para discutir,
da tarefa educativa, isto é, depois que tiver desenvolvido voltar a ela, revê-la e tematizá-la. O texto impresso, por sua
e consolidado algumas competências práticas básicas e vez, tem limites em relação a alguns desses atributos, mas,
essenciais para o domínio da situação educacional e para em função da sua característica básica de permanência -
continuar se desenvolvendo como profissional.
decorrente exatamente do fato de ser impresso-, favorece
procedimentos de “voltarão texto”, realizar diferentes
4. Formação a distância
procedimentos de leitura, grifar, refletir sobre partes e sobre
Todas as propostas de formação de professores, o todo, aprofundar e integrar conceitos, lemos também a
mesmo as modalidades a distância, devem pautar-se pelos possibilidade de usar o rádio, cuja transmissão chega a
mesmos propósitos. O desenvolvimento das competências lugares distantes e com equipamentos pouco custosos,
necessárias ao exercício profissional, hoje, requer que podem veicular debates, programas de atualização e
atitudes investigativas e reflexivas que se constituam em até de comunicação a distância.
instrumentos para a construção de conhecimento das O computador tem a vantagem de combinar
pessoas. Isso é algo que só se conquista pela prática do características da tevê e do texto impresso, propicia o acesso
questionamento, da argumentação, da fundamentação, a muitas informações e, o mais importante, a condições
do manejo crítico e criativo da informação disponível, de qualidade na comunicação a distância. Ricas situações
entre outros procedimentos - não se pode aprender de aprendizagem podem ser construídas na formação
essas práticas reflexivas quando se está na condição de a distância: por meio da Internet, de teleconferências
consumidor passivo de informações. seguidas de debate ao vivo, por exemplo.
A formação de professores a distância apoia-se Portanto, as condições e necessidades da formação
principalmente em dois pilares: o direito de professores e é que definem que recursos devem ser utilizados e como
alunos de acesso ao incremento tecnológico que marca o utilizá-los apropriadamente. O fundamental é otimizar
mundo contemporâneo, oferecendo novas possibilidades
o bom uso possível de todos os recursos que possam
e impondo novas exigências à formação do cidadão, e
contribuir para o desenvolvimento das competências
as dificuldades que muitos professores enfrentam para
profissionais necessárias ao exercício da função de
participar de programas de formação em decorrência da
extensão territorial e da densidade populacional do país. professor.
Para dimensionar essas dificuldades decorrentes Fazer uso do recurso de formação a distância é
da extensão territorial e da densidade populacional, o uma exigência tanto da conquista de modernização do
que implica formar muitos professores e alcançá-los em ensino quanto da necessidade de atender às diferenças
comunidades distantes e muitas vezes de difícil acesso, e diversidades existentes no quadro nacional, diante do
podemos nos basearem alguns dados estatísticos recentes desafio colocado pelas metas prioritárias do MEC: a busca
fornecidos pelo MEC/INEP. De acordo com o censo escolar de equalização e melhoria da qualidade do ensino.

233
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Tal busca apoia-se, dentre outros fatores, na concepção evoluem. Isso significa que também eles necessitam inserir-
de aprendi/agem aqui defendida, ou seja, a de um se em processos de desenvolvimento profissional contínuo,
processo complexo que sempre requer algum tipo de ainda que a discussão acumulada sobre a especificidade de
mediação humana, o que posiciona o professor como seu trabalho e de sua formação esteja relativamente pouco
articulador entre o aluno e o conhecimento no processo avançada, alguns pontos são consensuais.
de escolarização. Assim é, também, no caso da formação O trabalho dos formadores referenda-se em situações
de professores. educacionais distintas: o processo de formação de
O uso de tecnologias de comunicação e informação professores e a realidade em que esses vão atuar.
estará, portanto, condicionado ao pressuposto de que Assim, os formadores precisam não apenas
elas não substituem a relação interpessoal direta. Por mais compreender as questões da formação de professores
interativa que seja a relação mediada pela televisão, por como também conhecer e dominar questões das salas de
mais sofisticados que sejam os programas de computador, aula e escolas de educação básica nas quais trabalham ou
essas máquinas não são capazes de propiciar, com o trabalharão os professores.
mesmo nível de qualidade, o estabelecimento de vínculos, A competência do formador passa fundamentalmente
elemento essencial para a aprendizagem. Da mesma forma, pela capacidade de analisar o trabalho dos professores
não substituem o trabalho conjunto, a atuação no coletivo, com vistas a uma constante revisão e desvelamento das
a possibilidade de partilhar experiências, tematizar seus crenças subjacentes às ações dos professores, de modo a
conhecimentos experienciais, solucionar conflitos presentes intervir com sucesso no desenvolvimento da competência
nas relações, identificar dificuldades de compreensão e de profissional.
O trabalho de formação requer para os formadores um
aprendizagem dos alunos, readequar a ação a partir do
espaço de interlocução em que possam analisar a própria
contexto. No entanto, se as máquinas não substituem o
prática de formação, a de outros formadores, e também as
contato direto entre os envolvidos na formação, podem e
atividades dos professores.
devem estar a serviço dessas interações.
No caso dos formadores que atuam nas equipes
Nessa perspectiva, as iniciativas presenciais devem
técnicas das secretarias, isso constitui um aspecto de
sempre ocupar um espaço privilegiado nos processos
fundamental importância para o sucesso das práticas de
de formação a distância, de forma a garantir saltos
formação: são esses profissionais que coordenam e tomam
qualitativos no processo de apropriação de conhecimentos, decisões quanto à seleção, organização e tratamento
que dependem, também, da construção coletiva. Os dos conteúdos dos programas de formação, bem como
momentos presenciais não são importantes por si só, quanto à realização do trabalho junto aos professores.
mas porque atendem a uma necessidade de supervisão No caso dos formadores que atuam nas escolas de
que pede interação pessoal e experiências de troca e formação inicial, a vigência de um projeto educativo da
construção coletiva. Esses momentos presenciais podem escola viabiliza a existência desse espaço e a utilização
ser organizados para grupos de supervisão, de estudo e do tempo de trabalho coletivo previsto na jornada
de trabalho nas escolas do sistema educacional em que os de trabalho dos profissionais para desenvolvimento
professores atuam ou que realizam estágios. curricular, planejamento e atualização. Os professores das
O compromisso de garantir espaços presenciais nas escolas de formação precisam de atualização, discussão,
ações da formação a distância de professores traz uma planejamento, avaliação e replanejamento do trabalho de
outra discussão, a formação de tutores, que não podem formação que desenvolvem e o tempo destinado a isso
ser apenas instruídos a executar tarefas de orientação de deve estar previsto em sua jornada regular de trabalho.
estudos, mas, como formadores, devem ocupar um lugar
central nesses programas. PARTE III
As ações de formação a distância são de extrema
importância no momento atual de transição que caracteriza ORIENTAÇÕES PARA A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR
a educação brasileira, no qual um novo profissional está se E DE AÇÕES DE FORMAÇÃO  
gestando. Devem se propor a contribuir efetivamente nessa
perspectiva, sem um aligeiramento e uma superficialidade Uma PROPOSTA DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE
indesejáveis em tempos de investimentos na valorização PROFESSORES - como resposta aos desafios colocados
dos professores. à educação escolar

5. Formação dos formadores de professores As orientações contidas neste capítulo são


desdobramentos das concepções explicitadas
Os formadores de professores têm diferentes inserções anteriormente e configuram uma proposta de formação
profissionais: atuam em escolas de nível médio, em profissional. Tratam inicialmente das funções e competências
institutos superiores e universidades, nas secretarias de profissionais consideradas atualmente requisitos para os
educação e nas próprias escolas do sistema educacional. professores por favorecerem uma educação escolar de
Ninguém nega a importância de preparar esses profissionais qualidade e gratificação pessoal com a própria atuação.
formadores para viabilizar transformações na formação de Em seguida, as orientações centram-se nos necessários
professores. Sua tarefa não é fácil e precisa ir sendo revista encaminhamentos relacionados ao conteúdo da formação
ao mesmo tempo que as discussões sobre a formação e seu respectivo tratamento.

234
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

1. Funções do professor - analisar situações e relações interpessoais nas quais


estejam envolvidos com o distanciamento profissional
As funções relacionadas a seguir estão em consonância necessário à sua compreensão;
com os artigos 1, 2 e 13 da LDB, que tratam da abrangência, - intervir nas situações educativas com sensibilidade,
da finalidade e das incumbências hoje atribuídas a todo acolhimento e afirmação responsável de sua autoridade;
professor e anunciam uma nova cultura profissional, uma - investigar o contexto educativo na sua complexidade
vez que não se restringem exclusivamente à docência: e analisar a prática profissional, tomando-a continuamente
- participar da elaboração do projeto educativo da como objeto de reflexão para compreender e gerenciar
escola e do conselho escolar; o efeito das ações propostas, avaliar seus resultados e
- zelar pelo desenvolvimento pessoal dos alunos, sistematizar conclusões de forma a aprimorá-las;
considerando aspectos éticos e de convívio social; - promover uma prática educativa que leve em conta
- criar situações de aprendizagem para todos os alunos; as características dos alunos e da comunidade, os temas e
- conceber, realizar, analisar e avaliar as situações necessidades do mundo social e os princípios, prioridades
didáticas, mediando o processo de aprendizagem dos e objetivos do projeto educativo e curricular;
alunos nas diferentes áreas de conhecimento; - analisar o percurso de aprendizagem formal e
- gerir os trabalhos da classe; informal dos alunos, identificando características cognitivas,
- propiciar e participar da integração da escola com afetivas e físicas, traços de personalidade, processos
as famílias e a comunidade; * participar da comunidade de desenvolvimento, formas de acessar e processar
profissional. conhecimentos, possibilidades e obstáculos;
Essas funções delineiam o campo de atuação - fazer escolhas didáticas e estabelecer metas
profissional dos professores, servindo como um ponto de que promovam a aprendizagem e potencializem o
partida para a definição das competências necessárias ao desenvolvimento de todos os alunos, considerando e
exercício da profissão. respeitando suas características pessoais, bem como
diferenças decorrentes de situação socioeconômica,
2. Objetivos gerais da formação profissional dos inserção cultural, origem étnica, gênero e religião, atuando
contra qualquer tipo de discriminação ou exclusão;
professores
- atuar de modo adequado às características específicas
dos alunos, considerando as necessidades de cuidados, as
As competências elencadas a seguir se constituem
formas peculiares de aprender, desenvolver-se e interagir
em objetivos da formação de professores de sua atuação
socialmente em diferentes etapas da vida;
profissional. Elas devem orientar as decisões a respeito da
- criar, planejar, realizar, gerir e avaliar situações didáticas
eleição de conteúdos, metodologia, Júlio César Paes
eficazes para a aprendizagem e para o desenvolvimento
de Oliveira organização curricular e institucional e avaliação.
dos alunos, utilizando o conhecimento das áreas a serem
Embora as competências profissionais tenham status ensinadas, das temáticas sociais transversais ao currículo
de objetivos da formação, isso não significa que se deva escolar, bem como as respectivas didáticas;
esperar que cada professor individualmente desenvolva - utilizar diferentes e flexíveis modos de organização
todas igualmente e ao mesmo tempo. As competências são do tempo, do espaço e de agrupamento dos alunos para
construções progressivas e, em grande medida, coletivas. favorecer e enriquecer seu processo de desenvolvimento e
Não são metas quantificáveis, para as quais se possa fixar aprendizagem;
a priori e de modo rígido o grau que atingirão num tempo - manejar diferentes estratégias de comunicação
determinado. Cabe às instituições formadoras construir dos conteúdos, sabendo eleger as mais adequadas,
critérios de avaliação desse desenvolvimento a partir das considerando a diversidade dos alunos, os objetivos das
características dos professores e da realidade em que atividades propostas e as características dos próprios
devem atuar. conteúdos;
As ações de formação inicial e continuada devem - analisar diferentes materiais e recursos para
garantir condições para que os professores possam utilização didática, diversificando as possíveis atividades e
desenvolver continuamente as seguintes competências: potencializando seu uso em diferentes situações;
- pautar-se por princípios da ética democrática:
dignidade humana, justiça, respeito mútuo, participação, - utilizar estratégias diversificadas de avaliação da
responsabilidade, diálogo e solidariedade, atuando como aprendizagem e, a partir de seus resultados, formular
profissionais e como cidadãos; propostas de intervenção pedagógica, considerando o
- utilizar conhecimentos sobre a realidade econômica, desenvolvimento de diferentes capacidades dos alunos;
cultural, política e social brasileira para compreender o - participar coletiva e cooperativamente da elaboração,
contexto e as relações em que está inserida a prática gestão, desenvolvimento e avaliação do projeto educativo
educativa; e curricular da escola, atuando em diferentes contextos da
- orientar suas escolhas e decisões metodológicas prática profissional além da sala de aula;
e didáticas por princípios éticos e por pressupostos - estabelecer relações de parceria e colaboração com
epistemológicos coerentes; os pais dos alunos, de modo a promover sua participação
- gerir a classe, a organização do trabalho, estabelecendo na comunidade escolar e uma comunicação fluente entre
uma relação de autoridade e confiança com os alunos; eles e a escola;

235
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

- desenvolver-se profissionalmente e ampliar seu Assim, na forma como é concebido neste documento,
horizonte cultural, adotando uma atitude de disponibilidade o conhecimento profissional dos professores é um
para a atualização, flexibilidade para mudanças, gosto pela conjunto de saberes teóricos e experienciais que não
leitura e empenho na escrita profissional; pode ser confundido com uma somatória de conceitos
- elaborar e desenvolver projetos pessoais de estudo e técnicas. Não é apenas racional e teórico, tampouco
e trabalho, empenhando-se em compartilhar a prática e apenas prático e intuitivo; é o que permite ao professor
produzir coletivamente; gerir as informações de que dispõe e adequar sua ação,
- participar de associações da categoria, estabelecendo estrategicamente, segundo o que pode perceber de cada
intercâmbio com outros profissionais em eventos de situação, a cada momento, sem perder de vista os objetivos
natureza sindical, científica e cultural; educacionais. Os conhecimentos se expressam, portanto,
- utilizar o conhecimento sobre a legislação que rege num saber agir numa situação concreta. Em outras palavras,
sua atividade profissional. o conhecimento profissional do professor é aquele que
favorece o exercício autônomo e responsável das funções
3.O conhecimento profissional de professor profissionais, cujo contexto é marcado consideravelmente
pelo imprevisível, pelo imponderável.
Como em qualquer campo de atuação, o conhecimento Não é por outra razão que a proposta de formação
profissional do professor representa o conjunto de saberes expressa neste documento se orienta pelo propósito da
que o habilita para o exercício do magistério e de todas as construção de competências profissionais - possibilidade
suas funções profissionais. de responder adequadamente aos diferentes desafios
Primeiramente, é importante ressaltar que o colocados à atuação do professor. Ainda que possam
desenvolvimento das competências profissionais do ter valor em si mesmos por serem saberes relevantes, os
professor pressupõe os conhecimentos da escolaridade conteúdos da formação não terão qualquer utilidade,
básica, direito de todo e qualquer cidadão. Entretanto, a do ponto de vista profissional, se não favorecerem a
realidade atual do sistema educacional brasileiro é marcada construção das competências. O critério básico de seleção
não só pela existência de professores leigos, que não dos conteúdos da formação, portanto, é essa possibilidade
tiveram acesso ao ensino médio ou não o completaram, de contribuir para um “fazer melhor” do ponto de vista
mas também por uma formação básica precária e muitas profissional.
vezes insuficiente para sua atuação profissional. Portanto, A formação deve contemplar todos os segmentos da
se não estiverem garantidos, os conhecimentos da
educação básica com os mesmos fundamentos educacionais
escolaridade básica devem ser incorporados pelas ações
gerais e mais as suas especificidades - a educação infantil
de formação com um destaque à parte. Nos currículos de
de zero a três e de quatro a seis anos, o ensino fundamental
formação inicial no nível médio, esses conhecimentos são
regular e suas variações: o trabalho na creche, a educação
garantidos pela Base Nacional Comum, que não deve ser
de jovens e adultos, as classes multisseriadas nas escolas
prejudicada em função da formação profissional. No nível
do campo, assim como os conhecimentos necessários
superior, podem ser trabalhados em módulos separados,
à inclusão de alunos com necessidades especiais. Essa
anteriores ou simultâneos à formação profissional; e na
formação continuada, como complementação, por meio abrangência deve ser contemplada na seleção de conteúdos
de ações integradas à atuação profissional. relacionados a todos os âmbitos de conhecimento da
O conhecimento profissional do professor deve se formação de professores. Mesmo que vá atuar apenas em
construir no curso de formação inicial, ampliando-se, um segmento, todo professor deve conhecer, ainda que
depois, nas ações de formação continuada. O professor se de forma geral, as características específicas dos diferentes
desenvolve à medida que vai estudando, refletindo sobre momentos da escolaridade, dos alunos e da intervenção
a prática e construindo conhecimentos experienciais por pedagógica.
meio da observação e das situações didáticas reais ou No caso da formação de professores índios para as
de simulação de que participa. Entretanto, o início dessa comunidades indígenas, é necessário considerar a forma
construção não se dá no momento em que ele ingressa num como as culturas indígenas entendem a educação de
curso de formação inicial. A condição de aluno, pela qual crianças e jovens, suas prioridades, as concepções de ensino
todo professor passa durante muitos anos de sua vida antes e aprendizagem que possuem, as necessidades d e
da formação profissional, faz com que ele aprenda muito educação bilíngue e de elaboração de materiais didáticos
sobre a profissão no convívio diário com seus professores próprios. Para o trabalho com portadores de necessidades
e colegas. Essa intensa experiência como aluno não pode especiais nas classes regulares, a formação precisa tratar
ser desconsiderada, pois marca consideravelmente suas das especificidades de cada tipo de deficiência e as formas
representações e concepções sobre o papel de professor de integrar esses alunos nas classes regulares.
e de aluno, e sobre as formas de atuação profissional. Existem muitas possibilidades de organizar e apresentar
Além disso, também desempenham um papel importante o conhecimento profissional do professor. Este documento
na formação do professor outras experiências de vida, fez escolhas com as seguintes intenções:
conhecimento de mundo e formas de se relacionar com - Servir de referência para diferentes formas de
os outros, uma vez que a educação é uma relação entre organização de currículos e programas de formação,
pessoas. Ou seja, inevitavelmente, a história de vida se explicitando os principais âmbitos do conhecimento
mistura muito com a atuação profissional. profissional, sua relevância e abrangência.

236
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

- Romper com a lógica convencional, que parte das disciplinas para definir os conteúdos da formação, e substituí-la por
outra, que parte da análise da atuação profissional para configurar a contribuição a ser demandada das disciplinas.
Feitas essas considerações, passaremos a explicitar o conhecimento profissional que deve ser garantido na formação
dos professores e que está organizado em cinco âmbitos de igual importância, conforme demonstra o quadro abaixo.

Esses âmbitos estão intimamente relacionados e não tem existência própria dentro da a atuação dos professores, da
mesma forma que não estão exclusivamente vinculados a uma ou outra área/disciplina. O texto explicativo de cada um
deles indica os conhecimentos relevantes e a perspectiva adotada para garantir a construção das competências profissionais
de professores.
Embora todos os âmbitos pressuponham duas dimensões dos conhecimentos, uma teórica e outra experiencial, optou-
se neste documento por marcar um âmbito específico de experiência contextualizada, dada a importância, no momento
atual, de evidenciar a necessidade de esse tipo de conhecimento ser objeto de ensino e de aprendizagem na formação
profissional.

3.1. Conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos

Uma educação que tenha como objetivo o desenvolvimento de diferentes capacidades -cognitivas, afetivas, emocionais,
corporais, éticas, estéticas, de inserção social e interação pessoal - precisará contar com professores que conheçam as
crianças, adolescentes, jovens e adultos em suas diferentes dimensões como pessoas. A vida dos alunos tanto da educação
infantil quanto do ensino fundamental, estão presentes especificidades que precisam ser conhecidas, aspectos sobre os
quais o professor precisa se posicionar para atuar.
A formação profissional de professores deve assegurar, portanto, a aquisição de conhecimentos sobre o desenvolvimento
humano e a forma como cada cultura caracteriza as diferentes faixas etárias. E necessário que os professores tenham
instrumentos para conhecer e compreender características culturais dos alunos - suas diferenças em função da idade e
do grupo social a que pertencem, e as diferentes representações sociais e culturais que cada comunidade constrói dos
diferentes períodos: infância, adolescência, juventude e vida adulta -, assim como as peculiaridades dos portadores de
necessidades especiais.
Se por um lado tem-se marcos explicativos universais para compreender como pensam, sentem e interagem as pessoas
em suas diferentes idades, sabe-se também que tais características são construídas em ambientes socioculturais concretos,
em função de suas experiências de vida pessoal e familiar. Somem-se a isso as diferentes experiências institucionais, como,
por exemplo, a de viver em período integral em instituições educativas, o percurso escolar etc.
Para que possa compreender quem são seus alunos e identificar as necessidades de atenção, sejam relativas aos afetos
e emoções, aos cuidados corporais, de nutrição e saúde, sejam relativas às aprendizagens escolares e de socialização, o
professor precisa conhecer aspectos psicológicos que lhe permitam atuar nos processos de aprendizagem e socialização;
ter conhecimento do desenvolvimento físico e dos processos de crescimento, assim como dos processos de aprendizagem
dos diferentes conteúdos escolares em diferentes momentos do desenvolvimento cognitivo, das experiências institucionais
e do universo cultural e social em que seus alunos se inserem.
O atendimento às diversidades e a perspectiva da escola inclusora trazem grandes demandas para o professor. Uma
criança que frequenta uma creche desde que nasceu é diferente daquela que foi para a pré-escola de educação infantil
com quatro anos. Um adulto que nunca viveu num meio social letrado, como é o caso de muitos que vêm da zona rural,

237
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

é diferente de um adulto que vive em uma grande cidade. O professor precisa conhecer as principais questões da
Uma criança que precisou trabalhar em idade de ir para a história do mundo e do país, da educação, dos movimentos
escola é diferente daquela que tem todo o conforto para sociais e da própria categoria: sem essa formação de base,
estudar. O adolescente que precisa trabalhar é diferente dificilmente poderá compreender a realidade na qual
daquele que tem seu tempo dedicado aos estudos e está inserido do ponto de vista pessoal e profissional. Tais
vivências culturais. O aluno que tem uma deficiência auditiva conteúdos são importantes para que possa compreender a
e diferente daquele que não tem. natureza social da prática educativa e aprender a considerar
Para compreender seus alunos, o professor também as dimensões culturais, sociais e políticas implicadas no
precisa acompanhar temas atuais em que eles estão envolvidos. processo de aprendizagem -o que contribui também
Por exemplo: ficar horas diante da televisão, do vídeo game para que exerça com autonomia seu papel político como
ou do computador pode contribuir para a ampliação do educador.
repertório de informações e para o desenvolvimento de Conhecer e refletir sobre a teia de relações sociais que
procedimentos inteligentes, mas também pode funcionar constituem a escola, sobre a dinâmica social e as relações
como espaço de confinamento para crianças e jovens.
de poder que perpassam as instituições e a vida coletiva,
Conhecer esses processos e se manter atualizado em relação
é condição para que o professor possa dominar questões
às novas descobertas é muito importante para o professor.
nucleares da realidade escolar: seu próprio papel, o papel do
São muitos os aspectos que precisam ser considerados
para que o professor possa se relacionar com seus alunos de aluno e as formas de interação entre ambos; o significado
maneira não discriminatória e ajudar seu desenvolvimento, sociopolítico do currículo, da escola e da educação escolar,
para que eles se lancem não só ao desafio de aprender sua organização, seus sujeitos e suas práticas.
os conteúdos escolares, mas também ao desafio de viver, A dimensão cultural da vida humana e a importância
participar de sua comunidade e da sociedade mais ampla. Isso dos conhecimentos, símbolos, costumes, expressões,
demanda não só aquisição de conhecimentos já produzidos atitudes e valores dos adultos, crianças e jovens que se
“sobre” crianças, jovens e adultos, mas também uma reflexão encontram -e muitas vezes se confrontam - na escola
sobre suas próprias representações e crenças, implicando são temáticas imprescindíveis à formação de professores,
muitas vezes uma revisão de valores pessoais. pois lhes permitem entender o significado que os alunos,
O conhecimento de crianças, adolescentes, jovens e suas famílias e sua comunidade atribuem à escola e às
adultos se concretiza no modo como o professor os vê. As aprendizagens; adotar uma visão pluralista de sociedade;
relações entre professor e aluno têm sido objeto de estudo desenvolver a capacidade de compreender o “outro” - base
de muitos autores de diferentes correntes pedagógicas e são da ética, da autonomia, da solidariedade.
de grande importância para a aprendizagem, para suscitar no Esse âmbito inclui também conhecimentos sobre
aluno o interesse e a ousadia de se lançar a novos desafios. a situação de determinados grupos sociais cujas
Pelo lugar que ocupa, o professor tem enorme influência especificidades precisam ser compreendidas em
sobre seus alunos, pois a forma como os vê influencia profundidade: crianças e adolescentes de rua, jovens e
não só as relações que estabelece com eles, mas também adultos sem escolarização, populações de assentamentos
a construção da sua autoimagem. Um professor que não rurais, comunidades indígenas e de outras etnias, bem
acredita que seu aluno possa aprender acaba por convencê- como portadores de necessidades especiais.
lo disso. Mesmo que não se manifeste explicitamente, sua Algumas ciências oferecem instrumentos de análise
forma de agir, suas expressões, seu tom de voz, entre outras que contribuem para o exercício do pensamento crítico
coisas, contêm mensagens que dizem muito aos alunos. As e reflexivo e para a compreensão da realidade em que se
representações que os professores têm deles são de ordem inserem os alunos, professores e comunidades, bem como
pessoal, ética, cultural e social, mas também construídas por
das múltiplas e recíprocas determinações entre aspectos
teorias psicológicas e pedagógicas trabalhadas pelos cursos
macro e micro sociais. Entretanto, para que possam ser
de formação, assim como por práticas já institucionalizadas.
apropriados como instrumentos de pensamento no trabalho
Por isso, é importante a escolha da visão que se quer divulgar
no projeto educativo da formação. As várias correntes devem de professor, os seus métodos de análise utilizados por
ser situadas historicamente, e as escolhas feitas com o aval algumas disciplinas das ciências sociais, muito mais do que
das discussões mais atualizadas, que têm uma perspectiva conhecidos, precisam ser utilizados. Isso implica privilegiar,
mais abrangente dos alunos e os consideram sujeitos de seu como conteúdo da formação, a formulação de hipóteses,
processo de desenvolvimento. a análise e a produção de explicações e proposições
pedagógicas que integrem conceitos fundamentais e
3.2. Conhecimentos sobre a dimensão cultural, social interpretações da realidade social e escolar produzidas
e política da educação peias ciências sociais, pela literatura e pela arte.
Formam esse âmbito conhecimentos relativos à análise
da realidade social e política brasileira, as relações sociais e sua 3.3. Cultura geral e profissional
repercussão na educação, as múltiplas expressões culturais e
as questões de poder a elas associadas, o conhecimento A ampliação do universo cultural, além de direito dos
do sistema educativo, a reflexão sobre a dimensão social cidadãos, é hoje uma exigência colocada para a maioria
e política do papel do professor, a discussão das leis dos profissionais. No caso dos professores, uma cultura
relacionadas à infância, adolescência, educação e profissão, geral ampla é básica para um trabalho interessante,
as questões da ética e da cidadania. criativo, enriquecedor, e por isso sua formação precisa

238
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

comprometer-se com a ampliação de seu universo cultural. Em resumo, os conteúdos relacionados a esse âmbito
Ampliação do universo cultural, como aqui é entendida, de conhecimento devem ser selecionados, organizados
inclui um amplo espectro de temáticas: desde o contato e sequenciados, como também receber tratamento
com as diferentes produções da cultura popular e erudita metodológico que permita ao professor desenvolver
e da cultura de massas, até a atualização em relação ao capacidades relacionadas ao exercício da própria cidadania,
que acontece no mundo, informações sobre as diferentes tanto do ponto de vista pessoal como profissional.
realidades e debates em pauta no país, no mundo e nas
associações da categoria. 3.4. Conhecimento pedagógico
Os professores devem ter acesso aos livros nos quais os
textos de estudo são apresentados na íntegra, compreender Todo o conhecimento profissional do professor deve
o momento histórico em que a obra foi produzida, apreciar estar a serviço da atuação pedagógica, dado que sua
produções culturais de naturezas diversas, como o cinema função principal é promover o desenvolvimento e as
e a música. diferentes aprendizagens das crianças, adolescentes, jovens
Cultura não é um tipo de conhecimento, mas um e adultos. Entretanto é preciso salientar a especificidade
conjunto de vivências. Para que a formação se realize do conhecimento pedagógico que, na forma como foi
em ambientes culturais ricos, a vida cultural precisa ser concebido neste documento, refere-se essencialmente
incentivada dentro das instituições formadoras, não só às questões relacionadas ao processo de ensino e
como parte dos programas de estudos regulares, mas aprendizagem.
permeando todos os espaços/ tempos institucionais.
Portanto, ampliar o universo cultural dos professores Currículo e desenvolvimento curricular
significa proporcionar vivências que vão muito além do
próprio currículo de formação e se desenvolvem no dia- Em relação ao currículo escolar, alguns conhecimentos
a-dia por meio de leituras, discussões informais, troca de são imprescindíveis e, por essa razão, constituem-se
opiniões, na participação em movimentos, realizações, em conteúdos da formação profissional de professores:
debates sobre temas atuais, exposições, apresentações e diferentes teorias do conhecimento; diferentes concepções
tantas outras formas de manifestação cultural e profissional. de ensino e aprendizagem; fundamentos em relação aos
A organização e a dinâmica institucional são decisivos objetivos educacionais, conteúdo, metodologia e avaliação
; critérios e formas de selecionar, organizar, sequenciar e
para que isso ocorra. Fara isso também contribuem as
tratar didaticamente os conteúdos em função dos objetivos
relações interinstitucionais entre escola de formação,
propostos; possibilidades de uso de recursos didáticos;
associações profissionais, sindicatos, grupos artísticos e
papel do livro didático no ensino fundamental; e todas
de promoção cultural, que possibilitem tais vivências e as
as questões relacionadas ao desenvolvimento curricular
ampliem para além da instituição de formação.
propriamente dito. Para isso, deve ser conteúdo da formação
A ampliação do universo cultural favorece o
a discussão e a análise coletiva dos documentos curriculares
desenvolvimento da sensibilidade e da imaginação, e a
do Ministério da Educação e das secretarias de Educação
possibilidade de produzir significados e interpretações
do Estado e dos Estados e Municípios, identificando
do que se vive, de fazer conexões - o que por sua vez as concepções teóricas e inferindo possibilidades de
potencializa a qualidade da intervenção educativa. implementação, considerando o seu ponto de vista e da
São relevantes ainda as temáticas relacionadas realidade na qual vão intervir.
mais propriamente ao sistema educacional e à atuação Questões de natureza didática
profissional, pois possibilitam uma análise da escola como No que se refere à didática, as questões que têm lugar
instituição - sua organização, relações internas e externas, na formação de professores são principalmente aquelas que
gestão e projeto educativo-e da função do professor no podem contribuir para a tarefa de tematizar a educação,
contexto do sistema educacional e social. a relação entre o ensino e a aprendizagem, entender
O professor é, por assim dizer, o porta-voz da educação seu funcionamento e as variáveis que nele interferem,
escolar. Sua formação profissional, portanto, deve ser reconhecer a validade das intervenções pedagógicas e
também um espaço de reflexão sobre os princípios respectivas implicações na aprendizagem de crianças,
educativos que dão sustentação às práticas escolares e jovens e adultos.
sobre os necessários compromissos que o professor deve Além dos pressupostos gerais que devem estar na
assumir em decorrência de sua função. Esse tipo de reflexão base das decisões curriculares da escola, há um conjunto
dá sentido à ação de educar e ajuda a estruturar um pensar de questões didáticas relacionadas a cada área específica
analítico sobre a educação, além de favorecer a tomada do conhecimento de que a formação profissional precisa
de decisões em relação ao currículo: concepções de base, dar conta. Atualmente, já existe um certo consenso em
objetivos, conteúdos, metodologias, formas de avaliação, relação ao fato de que, para realizar mediação didática, um
recursos didáticos... professor precisa conhecer os processos de aprendizagem
A cultura profissional inclui necessariamente o do aluno, os conteúdos de ensino e os princípios
conhecimento e a interação com as organizações sindicais metodológicos. No entanto, ainda que os pressupostos
e as associações de caráter científico e cultural que gerais sejam básicos para as didáticas das diferentes áreas,
congregam os profissionais da educação. não são suficientes para que o professor organize todo o

239
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

trabalho pedagógico somente a partir deles. A maior parte Outras questões cujo conhecimento permite
das questões didáticas estão intimamente relacionadas às compreender melhor as situações de ensino e de
características de cada área ou tipo de conteúdo e, por isso, aprendizagem em suas múltiplas dimensões, bem como as
um conhecimento profundo sobre didáticas específicas é variáveis que nela interferem, são as seguintes: relação entre
imprescindível à formação de professores. Isso deve garantir a natureza do conteúdo e formas de ensiná-lo, características
uma orientação que comporte a necessária liberdade de de uma situação didática, formas de organização do tempo
criação pedagógica: nem um conjunto vago de concepções e do espaço, modalidades organizadoras dos conteúdos
gerais que pouco orientam a prática de ensino dos escolares, relação entre propósito didático e objetivos
diferentes conteúdos, nem um receituário prescritivo a ser de realização pessoal do aluno, propostas didáticas que
aplicado de forma irrefletida. Os documentos curriculares potencializam uma atitude favorável à aprendizagem,
do MEC trazem uma grande contribuição nesse sentido, vantagens e possibilidades de trabalho com interação
pois apresentam os conteúdos das áreas articulados com grupai, formas de equilibrar o possível e o difícil para o aluno
o respectivo tratamento didático. nas situações de aprendizagem, propostas que favorecem
Outros conhecimentos importantes a serem tratados a inclusão real de alunos portadores de necessidades
na formação profissional são aqueles que permitem a especiais, interferência de expectativas e crenças do
compreensão das variáveis que interferem nas situações professor sobre a aprendizagem dos alunos e sobre os
formais e não-formais de ensino e de aprendizagem resultados obtidos, papel da intervenção pedagógica na
e, em consequência, contribuem para o planejamento aprendizagem, critérios de escolha e oferta de materiais,
e desenvolvimento de práticas educativas. Um deles é instrumentos de planejamento, de avaliação, de registro do
o conceito de “transposição didática”: o processo de trabalho e de observação dos alunos.
modificação das práticas sociais e dos conhecimentos
científicos e culturais que ingressam na escola para serem Avaliação
ensinados e aprendidos. Essas práticas e conhecimentos
são “modelados” pela situação pedagógica em que são A construção da competência de avaliar depende do
comunicados: é inevitável, por exemplo, selecionar, priorizar professor ter claro o que é e para que serve a avaliação-
e tematizar determinadas questões e não outras; “recortar” concepções, finalidades, instrumentos, modalidades. - e de
o objeto de conhecimento, elegendo certos conteúdos realizar avaliações em situações do cotidiano profissional.
e sequenciando-os em função do tempo disponível e Identificar o que é relevante em uma situação, generalizar,
dos objetivos colocados; organizá-los segundo critérios estabelecer relações, interpretar índices contextuais
metodológicos ou temáticos. Ou seja, ainda que todos são capacidades necessárias para avaliar nas diferentes
os conteúdos escolares tenham origem fora da escola, circunstâncias com as quais o professor se depara
nunca serão “exatamente os mesmos”. A consciência do diariamente.
professor a respeito das implicações disso possibilita que Saber como os alunos aprendem, quais as estratégias
ele se dedique a não descaracterizar as práticas sociais e didáticas mais apropriadas para tratar os diferentes
os conhecimentos científicos e culturais comunicados na conteúdos planejados, quais os melhores instrumentos
escola além do inevitável, para que sua versão social e sua para verificar as aprendizagens conquistadas, quais as
versão escolar sejam o mais coincidentes possível. variáveis que podeis interferir na avaliação são parte das
Outro conhecimento importante é o que vem sendo condições necessárias para um professor poder avaliar
chamado de “contrato didático”: as regras que são próprias adequadamente seus alunos. Aferir a qualidade das
da escola e que regulam, entre outras coisas, as relações que propostas educativas desenvolvidas, das aprendizagens
alunos e professores mantêm com o conhecimento e com conquistadas e dos efeitos das propostas nas aprendizagens
as atividades escolares, que estabelecem direitos e deveres é um procedimento difícil, porém central na prática
em relação às situações de ensino e de aprendizagem e educativa. Para avaliar nessa perspectiva é preciso saber
que modelam os papéis dos diferentes atores do processo muito sobre os alunos, sobre o contexto social e cultural em
educativo e suas relações interpessoais. Representa o que intervém sobre a natureza dos conteúdos trabalhados,
conjunto de condutas específicas que os alunos esperam sobre as relações entre o ensino e a aprendizagem.
dos professores e que estes esperam dos alunos, e que Cada tipo de conteúdo requer instrumentos
regulam o funcionamento da aula e as relações professor- apropriados de avaliação. Não se pode avaliar conteúdos
aluno-saber. Como toda instituição, a escola organiza-se como colaboração com o outro ou cuidado com o material
segundo regras de convívio e de funcionamento que vão do grupo com atividades de perguntas e respostas; a
se constituindo ao longo do tempo, determinadas por sua observação atenta do professor será o melhor recurso.
função social e pela cultura institucional predominante. Atividades de perguntas e respostas também não servem
A consciência do professor sobre esse fenômeno é para avaliar conteúdos como escuta ativa ou cálculo menta/
necessária para a compreensão dos papéis e relações -esses se pode avaliar melhor
envolvidos nas situações de ensino e de aprendizagem e, Com situações didáticas em que o aluno tenha que
consequentemente, para o planejamento e a realização de demonstrar não apenas o quanto sabe a respeito, mas por
intervenções adequadas. que chegou a uma determinada resposta, como procedeu.

240
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Com as mudanças que se fazem necessárias na de interação grupai em suas salas de aula, ainda assim
organização curricular das escolas de ensino fundamental geralmente em situações “lúdicas” e separadas das
em consequência à tendência crescente de implantação situações de aprendizagem. Entretanto, o que se sabe hoje
do regime de progressão continuada, em substituição à é que, além da importância da interação para o convívio
progressão regular por série -possibilidade prevista pela social dentro da escola, o intercâmbio entre os alunos
LDB -, as práticas de avaliação passam a ter um papel potencializa o processo de construção de conhecimento.
de enorme destaque na formação inicial e continuada. Aprende-se melhor num contexto de colaboração, com
Isso não significa que não sejam fundamentais quando pares que dominam diferentes níveis de conhecimento
a escolaridade é seriada: ao contrário, como o destino sobre o conteúdo a ser aprendido, tanto em situações
escolar dos alunos, inclusive no que se refere à promoção/ formais como informais. Mas, para que isso ocorra, como
retenção, está nas mãos do professor, sua competência fruto de uma ação pedagógica intencional, o professor
de avaliador conta muito. Na verdade, um dos grandes precisa saber agrupar os alunos em função do que conhece
desafios que se colocam à formação de professores, no sobre eles sob diferentes pontos de vista, dos objetivos
que se refere à avaliação, é a sua desvinculação do âmbito das atividades propostas e das reais possibilidades de
restrito da promoção/retenção e a sua inserção real nas interação de fato. As possibilidades de interação não estão
metodologias de ensino: quando se acredita que a avaliação apenas centradas nos conhecimentos dos alunos e no seu
deve estar a serviço do planejamento educativo, ela passa desenvolvimento cognitivo mas também nas características
necessariamente a integrar as propostas metodológicas. pessoais de cada um deles e das formas de se relacionarem
Isso é algo que evidentemente se aplica também com os outros. O professor só poderá interferir de forma
à educação infantil: se a avaliação é parte integrante que o trabalho coletivo dentro da escola seja positivo se
do planejamento educativo, é preciso saber utilizá-la além de sensibilidade, tiver conhecimento sobre seus
adequadamente também com as crianças pequenas. Nesse alunos.
caso, a observação e o registro do professor são recursos
prioritários, tanto no caso das aprendizagens formais como Relação professor-aluno
das aprendizagens informais. Constata-se cada vez mais
que a educação infantil pode representar uma contribuição Para compreender a fundo a relação professor-aluno,
das mais importantes na vida das pessoas, por ocorrer num a interferência de expectativas, representações e crenças
período - 0 a 6 anos - em que, segundo dados de pesquisa, do professor sobre a aprendizagem das crianças, jovens e
acontecem aprendizagens essenciais. A avaliação é um adultos, vale ressaltar algumas particularidades a respeito
recurso valioso para potencializá-las. das relações interpessoais. Num contexto - como a escola
A competência de avaliar do professor é assim, uma - onde os papéis são definidos a partir da função social
grande aliada da aprendizagem dos alunos em qualquer da instituição, as relações entre as pessoas são também
fase da escolaridade. O cuidado a que crianças e jovens reguladas pelo “contrato” que rege o funcionamento
têm direito na escola se consegue precisar em parte pela institucional. Alunos e professores regulam uns aos outros
avaliação de suas necessidades sob todos os aspectos. o tempo todo, e, querendo-se ou não, uma relação de
Portanto, cabe aos currículos e programas oferecer poder é instaurada entre eles. Como possui uma autoridade
aos professores uma formação que lhes permita fazer que emana da condição de adulto e da condição de quem
uso adequado da avaliação. E isso é algo que depende educa, o professor exerce sobre os alunos uma influência
não apenas de sensibilizá-los para a questão, mas, que extrapola o âmbito da relação pessoal informal. Um
principalmente, de lhes oferecer subsídios para avaliar de professor que acredita, por exemplo, que um determinado
forma apropriada. Ao professor, não basta saber por que aluno não é capaz de aprender por uma ou outra razão, por
deve avaliar de modo diferente do que faz, mas como fazer mais que não queira demonstrar, agirá com ele como se
isso. não pudesse de fato aprender. E isso revelará ao aluno que
O conhecimento das formas de avaliação do sistema seu professor não crê em sua capacidade - e dificilmente
educacional, das ações de formação e da atuação essa percepção do julgamento do adulto responsável pelo
dos professores também se constitui em conteúdo da ensino na escola não terá uma influência negativa em
formação profissional. E fundamental que os professores seu autoconceito e em sua aprendizagem. E o contrário
saibam avaliar não apenas os seus alunos, mas também também ocorre: acreditando firmemente que o aluno pode
as metodologias e instrumentos de avaliação que, direta aprender e que pode ensiná-lo, o professor acaba por agir
ou indiretamente, se aplicam à escola, ao ensino e ao com ele de forma a ajudá-lo a tornar-se mais capaz.
seu próprio desempenho. Isso significa saber avaliar as A formação profissional deve possibilitar ao professor,
avaliações. portanto, a compreensão da natureza de sua relação com os
Por muito tempo se considerou o intercâmbio entre alunos e levá-lo a desenvolver sensibilidade e capacidade
crianças, jovens e adultos um importante recurso de de analisar a própria conduta, para identificar quando ela
socialização e estabelecimento de vínculos afetivos, o que incide na dos alunos, assim como quando as atitudes dos
sempre repercutiu no trabalho da educação infantil. No alunos são determinantes da sua: a autonomia intelectual
caso do ensino fundamental, somente os professores que, para refletir sobre o que faz e sobre as consequências disso
de fato, valorizavam a socialização e o estabelecimento é condição para um exercício profissional responsável.
de vínculos afetivos criavam condições para o trabalho

241
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Conteúdos de ensino utilização de recursos tecnológicos - no nível necessário


para o desenvolvimento do trabalho pedagógico-e à
Além de todas essas questões, é imprescindível que análise de materiais didáticos, especialmente livros, vídeos,
todo professor tenha um domínio das áreas que vai ensinar. jogos e brinquedos a serem utilizados com os alunos. A
Mas o que precisa saber para ensinar não é equivalente construção progressiva desses procedimentos contribui
ao que seu aluno vai aprender: são conhecimentos mais para o desenvolvimento pessoal, potencializa a atuação
amplos do que os que se constroem no ensino médio, pedagógica e favorece um exercício profissional mais
tanto no que se refere ao nível de profundidade quanto autônomo, o que representa uma grande conquista para
ao tipo de saber. E o conhecimento do objeto de ensino o os professores e, indiretamente, também para os alunos.
que vai possibilitar uma transposição didática adequada. A atuação de professor exige capacidade de analisar
E preciso que o professor tenha domínio dos conteúdos, criticamente as propostas que faz aos alunos e flexibilidade
também porque é condição essencial para que possa para lidar com o imponderável - nenhum planejamento
compreender o processo de construção dos alunos. Sem de ensino, por mais adequado e consistente que seja, dá
esse domínio, fica impossível construir situações didáticas conta da dinâmica e da complexidade do cotidiano que se
que problematizem os conhecimentos prévios com os reconstrói a cada dia. Não se pode conceber uma formação
quais, a cada momento, crianças, jovens e adultos se profissional para professores que não dê a necessária ênfase
aproximam dos conteúdos escolares, desafiando-os a aos conteúdos específicos da construção de conhecimento
novas construções que vão constituindo saberes cada vez pedagógico, que são instrumentais para a promoção de
mais complexos e abrangentes. um processo educativo que possibilite, a todas as crianças,
No caso dos temas transversais ao currículo - questões jovens e adultos, o desenvolvimento como pessoas e a
sociais atuais que permeiam toda a prática educativa, aprendizagem de conteúdos fundamentais para o exercício
como ética, meio ambiente, saúde, pluralidade cultural, da cidadania.
sexualidade, trabalho, consumo e tantas outras que, a
cada momento, podem se mostrar relevantes -, embora 3.5. Conhecimento experiencial contextualizado
não exijam uma formação de especialista, é imprescindível em situações educacionais
que o professor tenha a compreensão da natureza dessas
problemáticas e dos debates atuais sobre e l a s , O desenvolvimento das competências necessárias
para intervir nas situações complexas com objetividade e
posicionamento pessoal a respeito, e conhecimento de como
coerência exige os conhecimentos relativos aos âmbitos
trabalhar com elas com os alunos. Para tanto, é necessário
anteriores, mas também um “outro” conhecimento - o
garantir espaços específicos na formação profissional para
conhecimento experiencial contextualizado em situações
tornar esses temas objeto de reflexão e análise, uma vez
educacionais - que demanda da formação uma atenção
que, frequentemente, além de conhecimento sobre cada
especial.
tema, é preciso que o professor reveja seus valores e
O que está designado aqui como conhecimento
atitudes em relação a eles. Espera-se que o professor tenha
experiencial é, como o nome já diz, o conhecimento
consciência dos valores e concepções que veicula em suas construído “na” experiência articulado a uma reflexão
aulas e quando se relaciona com os alunos e com outros sistemática sobre ela. E um tipo de conhecimento que não
integrantes da comunidade escolar. pode ser confundido de outra forma e de modo algum pode
A reflexão e o domínio de conhecimentos sobre esses ser substituído pelo conhecimento “sobre” a realidade.
temas transversais ao currículo, e o desenvolvimento de Isso não quer dizer que tal conhecimento dispense o
atitudes pessoais coerentes com os princípios éticos, são conhecimento teórico ou se construa sem conexão com
fundamentais para a função educativa inerente à condição ele. Pelo contrário, é preciso usar os referenciais teóricos
de professor. A maneira como se trabalha essas questões para refletir sobre a experiência, interpretá-la, atribuir-lhe
na escola repercute consideravelmente na formação dos significado, um conceito, ou uma teoria, é um discurso
alunos, tanto na constituição de sua autoimagem quanto que já foi produzido, é um conhecimento sobre algo que
no que se refere a sua forma de ver e de se posicionar no se traduz num texto escrito, que se “põe” num livro e que
mundo. pode ser aprendido por meio de leitura e reflexão. Já as
competências, por se tratar de procedimentos, de
Procedimentos de produção de conhecimento atuação, só existem em situações concretas e não podem
pedagógico ser aprendidas apenas pela comunicação de ideias. Para
desenvolver competências é necessário atuar em situações
Cabe à formação profissional possibilitar que todo concretas e efetivar determinadas práticas. Trata-se de
professor aprenda a investigar, sistematizar e produzir aprender a agir e a refletir sobre o contexto situacional em
conhecimento pedagógico por meio de procedimentos de que se atua, sobre o que se faz e o que resulta dessa ação,
observação, análise, formulação de hipóteses e construção levando em conta sua intencionalidade, o contexto em que
de propostas de intervenção e avaliação. O mesmo se ocorre e os sujeitos envolvidos.
coloca em relação ao uso apropriado da linguagem em Para estar centrado na construção de competências,
situações que a condição de professor exige: leituras o conhecimento profissional do professor deve se
diversificadas, fala pública e escrita para documentação reportar ao conjunto de problemas e interrogações
do trabalho, principalmente. E também em relação à que surgem no diálogo com as situações do cotidiano

242
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

educativo. Atuar em contextos singulares tem então um ser tematizado, refletido, para que se explicitem as atitudes
“status” bastante diferente de dominar um repertório necessárias para levar com sucesso sua atuação. E preciso
de técnicas aprendidas no final dos cursos de formação que a formação ofereça condições para que professores
inicial, quando se pode aplicar os conhecimentos, ou e futuros professores se coloquem pessoalmente nesse
em “treinamentos” de professores em exercício. Implica movimento e desenvolvam a capacidade de analisar
saber utilizar conhecimentos aprendidos dentro e fora da como se envolvem pessoalmente no trabalho, que tipo de
escola em diferentes situações da vida; conhecimentos relações interpessoais estabelecem, como suas expectativas
conceituais e procedimentais, capacidades cognitivas e podem interferir nas expectativas e condutas das pessoas
afetivas, sensibilidade e intuição. Mobilizando esses tipos com quem convive no trabalho, como podem regular
de conhecimento é possível identificar e interpretar o sua própria conduta segundo os afetos que percebem. O
que está em jogo em cada momento, levando em conta a professor precisa aprender a reconhecer essa dimensão de
complexidade do contexto educativo, para tomar decisões seu trabalho, e ser capaz de perceber-se para desenvolver
e agir. um estilo próprio de atuação, seja com seus alunos, seja
Este âmbito de conhecimento experiencial com seus parceiros no desenvolvimento do projeto
contextualizado realça a articulação dos diferentes educativo da instituição onde atua, seja com seus colegas
conteúdos da formação para a construção de uma de curso.
perspectiva interdisciplinar da atuação do professor: a Nessa perspectiva, o uso do livro didático é um tema
escolha da atividade que vai propor ou o encaminhamento que merece atenção. Pela sua própria natureza, é um
que vai dar a um aluno, depende de conhecimento das material organizado a priori da situação de aprendizagem
didáticas específicas, da dinâmica do grupo, de como em que é utilizado. No entanto, pode e deve ser utilizado
esse aluno é visto pelo grupo e se vê como aprendiz, do de maneira a considerar a realidade contextual. O professor
que pauta a relação do professor com esse aluno, do seu precisa aprender a encará-lo como um material de suporte,
percurso escolar, de sua origem sociocultural e tantos mas que não elimina outras fontes de informação nem
outros fatores que podem ser relevantes em cada situação. outras atividades; a utilizá-lo segundo a sequência que lhe
Perceber as diferentes dimensões do contexto, analisar parecer melhor, a propor diferentes formas pelas quais ele
como se constituem as situações reais, compreender pode ser utilizado pelos alunos, individualmente ou em
como sua atuação pode interferir nela é um aprendizado
grupo, de tal modo que não substitua o planejamento, a
permanente, na medida em que as situações são sempre
avaliação processual, a reflexão e principalmente o contexto
singulares e novas respostas precisam sempre ser
no qual está sendo usado.
construídas. A competência profissional do professor é
Para poder interpretar as situações educativas e ter
justamente sua capacidade de criar soluções apropriadas a
condições efetivas de criação e produção pedagógica, o
cada uma das diferentes situações complexas e singulares
professor precisa aprender a elaborar e usar instrumentos
que enfrenta.
como o planejamento. Registros da prática e de reflexões
Essa capacidade requer, por sua vez, identificar os
elementos que interagem na situação real, constituindo por escrito, quadros para avaliação do percurso de cada
a complexidade do contexto e determinando os aluno e do coletivo da classe, entre outros. Normalmente,
acontecimentos. Por exemplo, muitas vezes a falta de esses instrumentos são concebidos como forma de
interesse da classe na atividade pode ser um sinal de controle do trabalho do professor e com os quais ele presta
que algo não vai bem: a tarefa pode estar muito além ou contas à instituição. Praticamente todos os professores
aquém das possibilidades dos alunos, ou aquele momento fazem planejamento no início do ano como uma tarefa
do dia não é o melhor para se concentrar em tarefas em “burocrática” a mais, que não os aproxima das questões
grupo. O olhar opaco de um aluno pode estar dizendo importantes com as quais se deparam na sua atuação.
que ele não compreende o que está sendo trabalhado, Para ser útil ao professor, o planejamento precisa orientar
o que pode decorrer de uma dificuldade pessoal ou do o seu trabalho, e para isso não pode ser rígido, nem uma
fato de o professor não ter encaminhado adequadamente programação fechada que ou não serve para nada e é
a atividade. Em outras palavras, é preciso desenvolver esquecido, ou impede a perspectiva flexível da educação.
a competência de “ler os índices contextuais”, e isso só O verdadeiro sentido desses instrumentos precisa ser
é possível quando o professor integra todos os seus retomado, para que possam de fato ser utilizados pelos
conhecimentos, sua capacidade de análise, sensibilidade e professores e ajudá-los a produzir intervenções didáticas
intuição para compreender a realidade em que atua. Sem cada vez mais coerentes com as intenções educativas e com
dúvida, a possibilidade de refletir sobre seu trabalho e maiores possibilidades de garantir sucesso aos alunos. E
elaborar propostas que promovam de fato a aprendizagem preciso então aprender a construir esses instrumentos, pô-
dos alunos depende, em grande parte, dos conhecimentos los em uso e analisa-los para compreender a sua função.
teóricos que o professor possui. São esses que, aliados à Todos esses conhecimentos constituem a base
experiência pessoal e profissional, lhe permitem construir para a gestão da classe, uma das funções principais dos
novas possibilidades de olhar para a prática e analisá-la. professores. Esse é outro conhecimento que só se aprende
Não se deve esquecer também que a educação é na experiência. Quem nunca assumiu uma classe não pode
uma prática relacionai, em que todos participam como saber como fazer isso. Apesar da importância formativa
pessoas. A natureza educativa da atuação profissional do da observação de bons professores, sabe-se que cada
professor exige-lhe um envolvimento pessoal que precisa professor é um e tem sua forma particular de atuar.

243
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

As demais dimensões da atuação profissional possam refletir, experimentar e ousar agir a partir dos
(participação na definição do projeto educativo e curricular conhecimentos que possuem; incentivá-los a registrar suas
da escola, inserção nas associações profissionais, interação reflexões por escrito; ajudá-los a assumir a responsabilidade
com pais de alunos e demais membros da comunidade pela própria formação.
escolar) também demandam aprendizagens experienciais. Isso demanda flexibilidade das ações de formação,
Os conteúdos deste âmbito são, portanto, as práticas que não devem ser sempre organizadas e propostas de
que compõem o exercício profissional de professor uma única forma, mas de acordo com as necessidades de
tomadas simultaneamente como competências a serem aprendizagens do professor e as características do que se
desenvolvidas e como meio para seu desenvolvimento, aprende.
uma vez que se trata de conhecimentos que só se aprende Se por um lado a construção de conhecimento é um
fazendo. processo pessoal, por outro é uma produção coletiva, fruto
de um processo compartilhado: o conhecimento de cada
4.Metodologia da formação de professores um resulta de aprendizagens conquistadas coletivamente.
O trabalho em colaboração é um poderoso aliado nesse
A concepção de formação determina tanto a definição sentido, e situações de real parceria certamente possibilitam
da metodologia quanto a organização curricular e uma qualidade de conhecimentos superior à que se
institucional, de modo que é difícil abordar uma separada poderia conquistar sozinho, graças ao enriquecimento
da outra. No entanto, optou-se por tratá-las separadamente resultante do confronto e da troca de pontos de vista e da
para dar visibilidade à perspectiva aqui apresentada. ampliação do repertório de significados, de experiências e
O êxito de propostas de formação que buscam de informações.
a construção progressiva das competências depende Além disso, dada a amplitude das dimensões do
consideravelmente da metodologia utilizada, pois sabe- trabalho do professor, assim como as características e
se dos estreitos vínculos entre o que se aprende e como estilos pessoais, sabe-se que dificilmente os professores
se aprende. E a metodologia, aqui entendida como desenvolvem, todos, no mesmo nível, todas as competências
modo de organizar as situações didáticas e de orientar necessárias ao trabalho profissional. Disso decorre que uma
a aprendizagem, que possibilita promover uma relação das competências fundamentais a serem desenvolvidas na
com o conhecimento, com os valores, consoante com a formação é a de trabalhar de forma cooperativa, para que
construção de competência profissional. Trata-se, antes o processo educativo possa ser desenvolvido pela equipe
de mais nada, de trazer a atuação profissional para o escolar, que, com suas diferenças, se potencializa.
lugar central da formação, adotando o desenvolvimento Cabe às instituições formadoras a responsabilidade
da autonomia intelectual e moral como princípio. Nesse pela criação de uma cultura de trabalho em colaboração,
sentido, as considerações explicitadas a seguir indicam promovendo atividades constantes de interação, de
pontos estratégicos. comunicação e de cooperação entre os professores e deles
com os formadores, seja em situações de pesquisa, de
4.1. Construção pessoal e coletiva de conhecimentos elaboração de trabalhos escritos, de análise de práticas, de
pedagógicos debate sobre questões sociais e outros tantos intercâmbios
estruturados a partir de normas e objetivos claros. Gomo
Em primeiro lugar, para que a formação seja a produção pedagógica do professor é construída “no” e
verdadeiramente transformadora da compreensão dos “para” o coletivo da equipe da escola, torna-se fundamental
fenômenos educativos, das atitudes do professor e do que o processo de formação promova situações de
seu compromisso com as aprendizagens de seus alunos, trabalho compartilhado nas quais os professores possam
é imprescindível considerar os processos pelos quais os desenvolver essa competência.
professores se apropriam e constroem seus conhecimentos,
suas características pessoais, e suas experiências de vida e 4.2. A atuação profissional como objeto de reflexão
profissionais.
Se existem competências básicas imprescindíveis, Pela natureza de sua atuação, o professor promove a
existem também, do ponto de vista de cada professor articulação entre os objetivos educativos, as circunstâncias
em formação, caminhos e distâncias diferentes para contextuais e as possibilidades de aprendizagem de seus
alcançá-las. Assim, as diferenças de percurso devem ser alunos. É quando investiga, reflete, seleciona, planeja,
consideradas e respeitadas: mesmo compartilhando organiza, integra, avalia, articula experiências, recria e cria
experiências semelhantes, cada pessoa reage segundo suas formas de intervenção didática junto aos seus alunos, para
características de personalidade, seus recursos intelectuais que eles avancem em suas aprendizagens, que ele produz
e afetivos e seu estilo de aprendizagem. Considerar os conhecimento pedagógico. Assim, a investigação que o
futuros professores como sujeitos ativos de seu processo professor realiza se diferencia da pesquisa acadêmica pela
de construção de conhecimento implica considerar suas sua natureza e intencionalidade: quando se toma a prática,
representações, conhecimentos e pontos de vista; criar em toda a sua complexidade, como objeto para a reflexão,
situações-problema que os confrontem com obstáculos e constitui-se um campo de conhecimento que é específico
exijam sua superação; criar situações didáticas nas quais do professor.

244
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

A atitude investigativa dos professores é um mergulho 4.3. Resolução de problema


no mundo complexo da prática pedagógica, no qual ele
se envolve afetiva e cognitivamente, questionando as Como anteriormente colocado, as competências
próprias crenças, propondo e experimentando alternativas. profissionais do professor não são aqui entendidas
E um trabalho de levantar hipóteses, buscar dados como meras habilidades estanques; são totalidades de
para compreender aspectos de situações singulares ou difícil decomposição, e não se deduzem delas etapas
encaminhamentos generalizáveis em sala de aula, como a cujo percurso a ser percorrido possa ser estabelecido a
constituição de boas situações de aprendizagens de alguns priori. São construídas processualmente, em movimentos
conteúdos específicos. singulares de atuação, numa dinâmica dialética e contínua,
A importância dessas aprendizagens indica que o
que transforma prática e conhecimento, capacidade
exercício de reflexão sobre a prática, isto é, de tematizá-la
de ação e de reflexão. Essa perspectiva metodológica
em seus múltiplos aspectos, tomando-a como objeto de
renuncia a um currículo concebido como uma sequência
reflexão organizada e compartilhada, deve ser sistemático
desde o início do curso de formação inicial de professores de ensinamentos em favor da aprendizagem por meio de
e ao longo de todo o processo de formação continuada. resolução de problema.
A tematização da prática está diretamente vinculada à Entende-se aqui que problema é qualquer questão-de
concepção de professor reflexivo, que toma sua atuação natureza teórica e/ou prática - para a qual não se tem de
como objeto para a reflexão. Ser um professor que pensa e imediato, ou de antemão, uma resposta satisfatória e que,
toma decisões é ser um professor que desenvolve o “saber portanto, demanda uma busca de solução. Essa busca por
fazer” e a compreensão do “para que fazer”, articulando sua vez exigirá interpretação do desafio no contexto em que
a reflexão sobre “o que”, “como”, “para quê” e “quem” vai emerge, planejamento de uma ou mais soluções possíveis,
aprender, de forma a garantir a seus alunos o acesso a boas execução das soluções planejadas e avaliação do resultado
situações de aprendizagem. Para planejar intervenções obtido. Nesse processo, a resolução de problemas envolve
didáticas pertinentes e de qualidade, é preciso interpretar invenção, criatividade, uso de conhecimentos prévios,
e analisar o contexto da realidade educativa. busca de novas informações etc.
O conhecimento e a análise de situações pedagógicas, Em outras palavras, a resolução de problema implica,
tão necessários ao desenvolvimento de competências em maior ou menor grau, uma série de procedimentos
profissionais, não precisam ficar restritos apenas aos complexos: analisar sua natureza, identificar os aspectos
estágios, como é mais usual. Corno já foi apontado, esse mais relevantes, buscar recursos para sua solução, levantar
contato com a prática real de sala de aula não depende
hipóteses, transferir conhecimentos e ajustar estratégias
apenas da observação direta: a prática contextualizada pode
utilizadas em outras situações que sejam pertinentes ao
“vir” até à escola de formação por meio das tecnologias
de informação - como computador e vídeo -, de narrativas problema em questão, escolher o melhor encaminhamento
orais e escritas de professores, de produções dos alunos, dentre possíveis-e é exatamente o exercício dessas
de situações simuladas e estudo de casos. Os recortes da ações complexas que promove tanto construção de
tematização podem ser definidos segundo os objetivos de conceitos quanto o desenvolvimento de capacidades e,
cada situação de formação: pode-se optar por tematizar ainda, a possibilidade de mobilizar a ambos (conceitos
aspectos específicos da prática ou a prática contextualizada e capacidades) quando necessário ou desejável. Vista
em sua totalidade. dessa forma, a resolução de um problema proporciona
Desse modo, as novas tecnologias tornam-se recursos para o sujeito uma relação de criação com a solução
importantes, porque podem potencializar uma formação encontrada. Um outro ponto importante a considerar é
mais consonante com a natureza do trabalho do professor. que um problema existe apenas para quem o tem, isto é,
Também podem ampliar as possibilidades de discussão para quem foi pessoalmente sensibilizado (cognitiva e/ou
da prática nos programas de formação continuada, pois afetivamente) por ele e pode formulá-lo para si. Não é algo
oferecem múltiplas formas de registro e de abordagem da que possa ser feito por outros. Mas é claro que, se forem
experiência pedagógica: um vídeo amador, por exemplo, significativas, as situações propostas pelos formadores
pode “captar” aspectos da intervenção do professore da e as questões suscitadas pelos parceiros poderão ser
tomada de decisão em situações contextualizadas que formuladas como problemas a resolver.
muito enriquecem a reflexão sobre a prática, apresentando
Disso decorre a opção de, desde o início da formação,
não só alternativas viáveis, mas também experiências para
trabalhar com problemas de natureza conceituai e
serem discutidas, questionadas, para se pensar sobre as
com situações-problema contextualizadas na atuação
diferentes formas de agir de diferentes professores em
diferentes contextos. profissional para as quais os professores devem formular
Cabe ressaltar a importância da análise de modelos encaminhamentos adequados. E fundamental que os
de intervenção didática na formação de professores. professores mobilizem seus conhecimentos teóricos em
Os bons modelos não devem ser copiados mas servir torno de casos singulares com o que é possível aprender
como uma referência de possibilidades, para confrontar não somente a Problematizar situações reais mas também
representações prévias e alterar a forma de ver a atuação e as teorias que estudam.
a função de professor.

245
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

5. Organização curricular dos cursos de formação de estudo, tutorias e eventos, entre outros capazes de
inicial promover e ao mesmo tempo exigir dos professores
atuações diferenciadas, percursos de aprendizagens
A possibilidade de efetivar ações de formação variados, diferentes modos de organização do trabalho,
orientadas para o desenvolvimento de competências com possibilitando o exercício das diferentes competências a
a abordagem metodológica apresentada acima depende serem desenvolvidas.
muito da forma como se organizam os currículos. Não E preciso especial atenção ao fato de que a integração
basta estar de acordo com os enunciados das competências completa dos conhecimentos só ocorre realmente na
visadas para se realizar uma prática coerente com elas; é atuação do professor e, portanto, é essencial garantir um
preciso organizar o processo de ensino e aprendizagem em espaço curricular prioritariamente comprometido com os
função delas, pois os dispositivos utilizados são mensagens conhecimentos experienciais contextualizados e com a
tão fortes quanto a determinação de suas finalidades. construção de instrumentos para intervenção pedagógica.
E impossível saber exatamente qual a melhor O professor que já assumiu sua classe pode tê-la como
engenharia de formação a implementar, principalmente se referência constante, mas o futuro professor é formado
considerarmos as diferentes realidades do país. Dispomos, para atuar numa função que ainda desconhece. Se para a
entretanto, de algumas orientações que se aproximam formação continuada é essencial que haja espaços de troca
daquilo que se busca. e de supervisão do trabalho do professor, para a formação
Primeiramente, é preciso superar a visão aplicacionista inicial é igualmente necessária a criação desses espaços
das teorias, segundo a qual são ministrados cursos de curriculares para o desenvolvimento da competência de
teorias prescritivas e analíticas, deixando para os estágios atuar em situações contextualizadas. A existência desses
o momento de colocar esses conhecimentos em prática, espaços de forma alguma substitui a tematização e
como se a escola antecipasse questões e respondesse análise da prática necessária em cada área de formação,
a elas antes que os alunos as tivessem formulado. Ao mas é imprescindível que o futuro professor possa se ver
contrário, organizar a considerá-las como recursos que perante situações em que precise lançar mão de diferentes
ganham sentido em relação aos domínios profissionais conhecimentos e experiências e que o aproximem da
visados. Os cursos com tempos previamente limitados e realidade na qual vai intervir.
um programa pré-definido para alcançar seus objetivos Entre as diferentes possibilidades de criar formas
são fundamentais para a apropriação e organização de curriculares que possibilitem essas aprendizagens pelo
conhecimentos. Na formação inicial, devem garantir professor, duas são de central importância pois, constituem
conhecimentos psicológicos, sociológicos, antropológicos, instâncias necessárias para a perspectiva aqui apontada: a
políticos e históricos da educação, e conhecimentos supervisão e grupos de estudo.
sistematizados sobre as especificidades dos diferentes A supervisão se constitui numa ação prioritariamente
níveis de escolaridade e também sobre as inovações voltada para a construção de conhecimentos experienciais
didáticas e tecnológicas. Um curso de Psicologia do contextualizados e de instrumentos para a intervenção
Desenvolvimento ou da História da Educação, por pedagógica. Para isso precisa incluir uma série de
exemplo, cumpre uma função importante na construção de experiências de atuação em contextos reais ou simulados,
competências profissionais do professor. Da mesma forma, que requerem a convergência e uso de diferentes
na formação continuada, os cursos, palestras, seminários conhecimentos construídos nos cursos e nos demais
organizados pelas Secretarias e ministrados pelas agências espaços curriculares da formação. Vai necessitar então de
formadoras têm um papel fundamental na atualização e no um envolvimento de todos os formadores, num projeto
aprofundamento dos conhecimentos relacionados com o compartilhado e organizado por um coordenador. Ao
trabalho de professor que são chaves de leitura necessárias coordenador da supervisão cabe planejar as atividades e
à atuação contextualizada e condição para a prática propor formas de articulação entre todos os formadores
reflexiva do professor. da escola, que terão uma participação decisiva não só
O desafio principal da construção de um plano de no planejamento, mas também no desenvolvimento do
formação profissional não é dar lugar a todos os tipos de trabalho. Dessa forma, a supervisão é uma ação realizada
disciplinas, mas implantar dispositivos de formação que pelo conjunto de formadores de acordo com os objetivos
permitam construir, executar e avaliar as competências propostos e as necessidades identificadas.
eleitas. Por mais que tenham uma perspectiva didática Com a participação de todos a supervisão pode ser um
que considere o professor em formação um sujeito ativo, espaço curricular de discussão que tematize a prática com
singular; por mais que trabalhem com resolução de todos os recursos teóricos e experienciais, contemplando
problema, tematizando a prática profissional, os cursos, assim a complexidade e a singularidade da natureza da
sozinhos, não dão conta de desenvolver as competências atuação de professor, favorecendo o desenvolvimento de
profissionais do professor. um estilo pedagógico próprio, mediante a reflexão sobre
Para contemplar a complexidade dessa formação, é vivências pessoais, sobre a implicação com o próprio
preciso renunciara ideia de repartir o tempo disponível trabalho, sobre as diferentes formas de sentir, sobre as
para a formação entre as disciplinas, forçando uma relações estabelecidas na prática educativa.
integração apenas no plano dos conteúdos. É necessário Essa perspectiva e bem diferente do modelo convencional
instituir tempos e espaços curriculares diferenciados: além de estruturação curricular. Não se pode conceber que esse
dos cursos, grupos de trabalho supervisionado, grupos seja o espaço reservado à prática, enquanto os cursos dão

246
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

conta da teoria, como são na maioria das vezes concebidos objetivo por propiciar a construção de um percurso próprio
os estágios. Se a concepção da prática do professor é de de desenvolvimento intelectual, compartilhado com os
atuação reflexiva, ela é necessariamente teórica também. pares. Podem ser organizados a partir das demandas
Embora lance mão da totalidade dos conteúdos identificadas ou de propostas dos formadores, mas sua
da formação, a supervisão tem conteúdos próprios: trajetória deve estar sempre pautada nas necessidades dos
os procedimentos de observação e reflexão para participantes do grupo. Podem ser totalmente autônomos
compreender e atuar em situações contextualizadas. Para ou coordenados por um formador.
isso são necessários não só instrumentos como o registro Essa perspectiva é bem diferente dos grupos para
de observações realizadas, mas também a resolução realização de trabalhos regulares propostos pelos
de situações-problema características do cotidiano formadores, que são recursos fundamentais, mas que
profissional. não substituem esses espaços mais livres de estudo,
Esse espaço deve estar presente desde o início da aprofundamento teórico e investigação.
formação - para colocar o futuro professor em contato real
com a natureza de seu trabalho - por meio de atividades 6.Organização institucional
em que a experiência da docência e das demais dimensões
da atuação profissional é “trazida” à escola de formação e O cotidiano vivido nas instituições é um elemento
se torna objeto de análise por meio do recurso dos vídeos, formador da maior importância. Os currículos e programas
dos relatos escritos ou orais, das produções de alunos etc. não são constituídos apenas dos conteúdos planejados
Mas é também um lugar privilegiado para a supervisão dos pelos formadores: integram também o conhecimento
estágios, isto é, da ida dos futuros professores às escolas adquirido em aprendizagens informais que ocorrem no
do sistema. Isto deve acontecer de forma planejada junto dia-a-dia.
com as escolas que receberão os professores em formação, Cada instituição constitui sua própria cultura que é
com objetivos e tarefas claras que, de início, podem ser formadora de seus membros. Por outro lado, a identidade
de observação de situações de classe e extraclasse e e cultura da instituição são construídas pelo coletivo
discussão com os profissionais diretamente responsáveis de profissionais que dela fazem parte. O coletivo tem,
pela atividade observada. Progressivamente, os futuros portanto, uma função socializadora e formadora-e os
professores podem ir assumindo funções de auxiliar modos de organização e funcionamento institucionais
de classe participando do planejamento do trabalho, devem favorecer que essa função esteja a serviço do
encaminhando atividades, oferecendo apoio pedagógico desenvolvimento profissional de todos que nela atuam. A
aos alunos e desempenhando outras tarefas próprias da representação de como ser um professor- parte integrante
docência. Assim pode ser garantido um acompanhamento da cultura profissional - se constrói no cotidiano, nas
dos professores desde o início de sua formação até a práticas e relações que caracterizam a organização das
inserção progressiva nas particularidades do mundo instituições formadoras. Desse modo, é imprescindível que
profissional. as instituições formadoras tenham a organização interna
A ida dos professores às escolas deve acontecer desde pautada no seu projeto de formação dos professores e a
o início, de preferência desde o primeiro ano e ao longo ele esteja condicionada. Embora tenha se tornado uma
de todo o curso de formação, para que esse processo seja marca da tradição escolar brasileira, o movimento contrário
vivido com tempo suficiente para abordar as diferentes não faz sentido: não se pode condicionar um projeto
dimensões profissionais incluindo o envolvimento pessoal. educativo a velhas estruturas, pré-estabelecidas e alheias
O último ano de formação profissional deve prever a aos propósitos que o justificam.
docência compartilhada, sob a supervisão da escola de A criação de espaços alternativos onde os professores
formação, preferencialmente na condição de professor possam ampliar o horizonte cultural e desenvolver a
assistente de professores experientes. autonomia como membro de uma comunidade profissional
E importante também o redimensionamento da é uma tarefa que se coloca a todas as instituições
periodicidade dos estágios, pois é muito diferente formadoras. Nas escolas de formação inicial isso significa,
observar um dia de aula numa classe uma vez por semana, por exemplo, promover eventos culturais, ciclos de debate,
por exemplo, e poder acompanhar a rotina do trabalho grupos de estudo, intercâmbio com outras instituições ou
pedagógico durante uma semana consecutiva situação com outros profissionais mais experientes.
em que se pode ver o desenvolvimento das propostas, As instituições voltadas para a formação inicial de
a dinâmica do grupo e outros aspectos não observáveis professores podem realizar ações de formação continuada
em estágios pontuais. Estes “tempos na escola” podem destinadas a profissionais das escolas da rede e ações de
ser diferentes segundo os objetivos de cada momento da formação e qualificação de professores leigos em serviço:
formação, porque os estágios não são uma atividade que isso favorece uma relação interinstitucional necessária
tenham finalidade em si próprios, devem estar vinculados e contribui para o desenvolvimento de uma cultura
às questões desenvolvidas no processo de formação. profissional baseada no intercâmbio de experiências e na
Se a supervisão está prioritariamente comprometida reflexão compartilhada.
com o desenvolvimento da autonomia para a atuação A organização institucional das escolas em que os
profissional e por isso estará privilegiando a reflexão sobre professores trabalham (e estagiam), isto é, as creches,
a prática profissional, o grupo de estudo complementa esse escolas de organização infantil e de ensino fundamental,

247
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

têm um papel decisivo no seu desenvolvimento profissional. Embora seja mais difícil avaliar competências
Elas podem favorecer, dificultar ou impedir, em maior ou profissionais do que conteúdos convencionais, há
menor grau, formas adequadas de atuação profissional, muitos instrumentos para isso. Algumas possibilidades:
espaços e tempos de trabalho e estudo coletivo, discussão identificação e análise de situações educativas complexas
sobre a prática educativa e, principalmente, relações de e/ou problemas em uma dada realidade; elaboração de
trabalho democráticas. Talvez seja a instituição em que se projetos para resolver problemas identificados num contexto
trabalha a maior responsável pela constituição da cultura observado; elaboração de uma rotina de trabalho semanal
de uma profissão. a partir de indicadores oferecidos pelo formador; definição
de intervenções adequadas, alternativas às que forem
7.Avaliação consideradas inadequadas; planejamento de situações
didáticas consonantes com um modelo teórico estudado;
A avaliação é entendida neste documento como reflexão escrita sobre aspectos estudados, discutidos e/
parte integrante do processo de formação, uma vez que ou observados em situação de estágio; participação em
possibilita diagnosticar questões relevantes, aferir os atividades de simulação; estabelecimento de prioridades de
resultados alcançados considerando os objetivos propostos investimento em relação à própria formação.
e identificar mudanças de percurso eventualmente Em qualquer um desses casos, o que se pretende avaliar
necessárias. não é a quantidade de conhecimento adquirido, mas a
É imprescindível que nas diferentes ações de formação capacidade de acioná-los e de buscar outros para realizar
inicial e continuada a avaliação contemple: o que é proposto - uma coisa é ter conhecimentos sobre
- a aprendizagem dos professores em formação, de determinado tema, outra, muito diferente, é saber usar
modo a favorecer seu percurso e a certificar a competência o conhecimento. O que se deve avaliar principalmente
profissional desenvolvida por eles; e é a capacidade do professor pôr em uso o que sabe para
- a organização, as práticas e a dinâmica da formação resolver situações similares às que caracterizam o cotidiano
oferecida, de modo a regular as ações dos formadores e profissional na escola. Portanto os instrumentos de avaliação
das instituições. só cumprem com sua finalidade se puderem diagnosticar o
uso funcional e contextualizado dos conhecimentos.
Avaliação dos professores em formação
Avaliação do processo de formação
Quando a perspectiva é que o processo de formação
garanta o desenvolvimento de competências profissionais, A revisão e aperfeiçoamento das ações de formação
a avaliação dos professores - alunos dos cursos de tem na avaliação um importante ponto de apoio. Não tem
formação inicial ou participantes dos programas de qualquer sentido planejar a ação institucional sem avaliar
formação continuada - assume um papel fundamental, o que vem sendo feito - especialmente se o propósito é
pois é o recurso mais importante para aferir as conquistas, aperfeiçoá-la ou transformá-la.
as potencialidades, os obstáculos, as limitações, as E necessário que a avaliação das instituições que realizam
dificuldades. Nesse caso, a avaliação destina-se à análise formação profissional seja periódica e tenha como base, além
da aprendizagem dos professores de modo a favorecer seu das questões relativas aos conteúdos trabalhados, também as
percurso e regular as ações de formação - em se tratando características do seu modelo de organização, o desempenho
dos futuros professores, tem também a finalidade de do seu quadro de formadores e a natureza da sua vinculação
certificar sua competência profissional. com as escolas de educação infantil e ensino fundamental.
As práticas de avaliação devem se pautar pelo O tipo de processo avaliativo aqui defendido, tanto
compromisso, de formadores e professores com o para as ações de formação inicial como continuada,
desenvolvimento das competências que são objetivos da tem a finalidade de identificar o nível de aproximação/
formação: não trata de punir os que não alcançam o que se distanciamento dos resultados obtidos em relação aos
pretende, mas a ajudar cada professor a identificar melhor objetivos propostos e, em consequência, redefinir as
as suas necessidades de formação e empreender o esforço modalidades utilizadas, reorientar a seleção de conteúdos,
necessário para realizar sua parcela de investimento no aperfeiçoar as abordagens metodológicas e os próprios
próprio desenvolvimento profissional. Dessa forma o indicadores para a avaliação.
conhecimento dos critérios utilizados e a análise dos No caso das instituições de formação inicial, é preciso
resultados e dos instrumentos de avaliação e auto avaliação que o processo de avaliação interna esteja pautado em
são imprescindíveis, pois favorecem a consciência do seu projeto educativo. E o desenvolvimento do projeto
professor sobre o seu processo de aprendizagem, condição construído pela equipe da profissionais, a partir de
para esse investimento. propósitos compartilhados, o que permite que a avaliação
Tendo a atuação de professor natureza complexa, avaliar das ações em curso seja fruto da reflexão coletiva da equipe,
as competências profissionais no processo de formação, é, de seus diferentes pontos de vista e de suas contribuições
da mesma forma, uma tarefa complexa. As competências - assim se pode obter o compromisso dos profissionais
para o trabalho coletivo têm importância igual a das com as eventuais mudanças de percurso para o alcance dos
competências mais propriamente individuais. Uma vez que objetivos do projeto. Sempre que possível, é importante que
é um princípio educativo dos mais relevantes e, portanto, a avaliação das instituições de formação inicial se estenda,
avaliar também essa aprendizagem é fundamental. também, à atuação dos egressos.

248
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

São igualmente importantes processos internos como um processo complexo. A análise e discussão dos
e extemos de avaliação: a combinação dessas duas resultados da avaliação entre todos os envolvidos é o
possibilidades é o que permite identificar diferentes que pode permitir a identificação de quais práticas são
dimensões daquilo que e avaliado, diferentes pontos de consideradas e devem ser mantidas, quais são consideradas
vista, particularidades, limitações. De um modo geral, o inadequadas e devem ser transformadas, e quais devem ser
processo desencadeado pela própria instituição formadora superadas, se avaliadas como impróprias ou equivocadas.
tem melhores condições de identificar as peculiaridades
locais, mas tem limites quanto ao grau de objetividade PARTE IV
interpretativa dos dados obtidos, uma vez que quem avalia INDICAÇÕES PARA AORGANIZAÇÃO CURRICULARE
está imerso na situação que é objeto de avaliação. E o DE AÇÕES DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES  
processo de avaliação externa, embora só possa captar em
menor grau de profundidade e detalhamento o conjunto 1.Formação inicial
de aspectos relacionados às práticas de formação tal como
se desenvolvem, caracteriza-se por maior objetividade na As indicações apresentadas neste item sugerem
análise de dados e se orienta por parâmetros que situam condições e dispositivos para uma formação inicial coerente
a instituição em contextos mais amplos, oferecendo, com as concepções expressas neste documento. O avanço
portanto, indicadores mais gerais que lhe servem de no processo de profissionalização dos professores traz
referência qualitativa. a necessidade, conforme aponta a nova LDB, de que a
Diante da heterogeneidade que caracteriza as ações de formação inicial seja realizada em nível superior - razão
pela qual as indicações para a concretização da formação
formação de professores no Brasil, e da reflexão sobre as
inicial sao mais adequadas às ações de formação nesse nível
possibilidades de revisão e reestruturação dessas ações, o
de ensino. Entretanto, como a formação em nível médio é,
estabelecimento de referenciais de qualidade externos tem
e por algum tempo ainda será, uma realidade em muitos
o papel de contribuir para o desenvolvimento de propostas lugares do país, estão elencadas separadamente também
inovadoras que superem as limitações e dificuldades indicações para uma formação profissional de qualidade em
eventualmente detectadas. nível médio.
Tanto em um caso como em outro, avaliação deve
considerar suas condições reais e potenciais, os limites Indicações para a organização institucional
e possibilidades da instituição de formação pode tornar
inócua a avaliação, seja por manter metas já atingidas, 1. E fundamental que todas as escolas de formação
o que não induz à otimização das possibilidades de de professores - sejam no nível superior, em unidades das
aperfeiçoamento, seja por pressupor metas inatingíveis, universidades ou em institutos isolados, seja em nível médio
o que configura uma situação predestinada ao insucesso - formulem e desenvolvam um projeto educativo próprio
e à consequente frustração. Ambos os casos determinam com a participação de toda sua equipe de profissionais.
condições de imobilismo quanto ao aperfeiçoamento do Esse projeto deve se constituir a partir da definição coletiva
processo de formação. de princípios, finalidades, metas e prioridades envolvendo
Os critérios de avaliação precisam ser do conhecimento aspectos relacionados ao gerenciamento financeiro e
dos envolvidos no processo que é objeto de avaliação - institucional, ao uso de recursos materiais e a um projeto
dirigentes, formadores e professores em formação - e curricular - esse último necessariamente elaborado por toda a
precisam garantir o máximo de objetividade possível para equipe de formadores , que, embora possam ser responsáveis
favorecer uma análise adequada dos resultados. Essa pelo ensino de áreas diferentes do conhecimento, precisam
objetividade se define pelas expectativas de aprendizagem atuar articuladamente para que se possa promover, de fato,
em relação ás ações desenvolvidas. o desenvolvimento das competências profissionais que são
O tratamento dado aos resultados obtidos, além dos objetivo da formação. A possibilidade de constituir uma
instrumentos utilizados, é de grande importância quando nova cultura profissional e a identidade de cada escola de
se pretende que a avaliação cumpra, de fato, com suas formação, depende da participação efetiva de todos no
funções. Se o objetivo principal é o aperfeiçoamento das projeto educativo da instituição.
práticas, fenômenos ou processos avaliados, em hipótese
2. E preciso que a instituição de formação acolha
alguma a avaliação pode ter um caráter meramente
e incentive iniciativas autônomas dos professores de
classificatório: terá de contribuir, de fato, para diagnosticar,
uso do tempo e dos espaços da escola para vivências
aferir o valor dos resultados alcançados com base nos
sociais e culturais. Essas práticas, além de favorecer o
objetivos propostos, servir de referência quanto ao grau convívio social, possibilitam a experiência de se organizar
de aproximação/distanciamento dos resultados em coletivamente para promover atividades de interesse
relação aos objetivos e identificar mudanças de percurso comum, importantes para a aprendizagem da atuação
eventualmente necessárias. na comunidade profissional. A organização de grupos de
Para cumprir uma função classificatória, basta que os estudo e discussão, a promoção de eventos de diferentes
resultados sejam divulgados: mas, dessa forma, a avaliação naturezas, a participação em equipes de trabalho, a
em nada contribui para a promoção de aperfeiçoamento, confecção de murais livres são algumas possibilidades
uma vez que, assim, ignoram-se as práticas de formação nesse sentido.

249
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

3. As escolas de formação precisam ser instituições que possibilitem agrupar adequadamente os conteúdos
específicas de formação de professores para que possam necessários à formação dos professores. O importante é que,
desenvolver projetos educativos voltados para a cultura seja como for pensado e organizado o currículo, contemple
profissional. Entretanto, isso não significa que devam ser todos os âmbitos de forma a desenvolver as competências
instituições isoladas das demais; pelo contrário, quanto profissionais.
maior for o leque de instituições com que se relaciona
mais enriquecerão sua própria experiência como escola 2. Seja qual for a opção de organização curricular, é
de formação. Para dar conta de inserir adequadamente os fundamental que a seqüenciação dos conteúdos se oriente
futuros professores no contexto de seu trabalho, precisam pelos seguintes critérios:
estabelecer relações interinstitucionais que envolvam ações
- É importante que logo no início do curso sejam
conjuntas com associações profissionais, sindicatos, ONGs,
trabalhados conteúdos referentes à função social da
instâncias do próprio sistema educacional etc.
escola, às formas de estruturação do sistema educacional,
4. As escolas de formação de professores devem trabalhar à história das políticas educacionais e do perfil profissional
em interação sistemática com as escolas de educação do professor. Com isso, os futuros professores podem se
infantil e ensino fundamental, tomando-as como referência inteirar da realidade profissional em que vão atuar, conhecer
para estudo, observação e intervenção. E importante que sua abrangência, seu papel social, suas dificuldades e
formadores e futuros professores conheçam muitas escolas potencialidades.
e suas respectivas peculiaridades sob diferentes aspectos: - Tanto por sua quantidade quanto por sua relevância, os
funcionamento geral, relações de poder, rotinas de trabalho, conteúdos relativos à intervenção pedagógica, às didáticas,
cultura profissional preponderante, espaços de formação à caracterização dos alunos nas diferentes idades e nos
continuada e formas de relação com pais e comunidade, diferentes momentos da escolaridade, às relações entre o
além das situações de sala de aula. Para isso, é preciso ensino e a aprendizagem, às fundamentações psicológicas,
estabelecer parcerias e convênios com responsabilidades sociológicas e filosóficas da educação, à gestão de classe
definidas: cada escola de formação inicial deve articular-se a e aos conhecimentos experienciais devem ser trabalhados
um conjunto de escolas do sistema de ensino e compartilhar durante todo o curso, já desde o primeiro ano. Isso propiciará
com elas o desenvolvimento de um projeto de formação, ao futuro professor uma imersão progressiva no seu papel
com ações que atendam aos interesses das duas instituições profissional, como também um exercício de reflexão sobre
conforme já discutido em itens anteriores deste documento.
a prática.
Uma articulação nesses termos representa uma das mais
- Todo curso de formação inicial deve oferecer uma
importantes formas de integração entre formação inicial e
continuada. Essa articulação será favorecida se os sistemas formação básica geral, garantindo conhecimentos essenciais
de ensino criarem, nas escolas de educação infantil e ensino relacionados à educação infantil, ao ensino fundamental,
fundamental, a figura de professor formador, profissional à educação de jovens e adultos e de portadores de
ao qual cabe não só receber os estagiários, mas também necessidades especiais. E desejável, entretanto, que o último
promover sua formação. ano seja de especialização numas das modalidades que
o futuro professor escolher, mas isso deve ser definido em
5. As instituições responsáveis devem prever na jornada função das peculiaridades de cada sistema de ensino.
de trabalho dos formadores um tempo para o trabalho
coletivo e para o seu desenvolvimento profissional, durante o 3. As dificuldades dos futuros professores quanto ao
qual possam refletir sobre a aprendizagem dos professores, os domínio de conhecimentos básicos da escolaridade média
conteúdos da formação, a própria atuação como formadores regular, principalmente no que se refere às atividades
e as demais questões pertinentes ao seu trabalho. linguísticas de ler/interpretar, escrever e falar, devem ser
tratadas com especial atenção pela escola de formação, uma
6. E preciso que as escolas de formação garantam aos vez que são nucleares na atuação pedagógica. Sempre que
formadores e futuros professores condições materiais e necessário, devem ser oferecidas unidades curriculares de
institucionais para que possam realizar satisfatoriamente as complementação dos conhecimentos relacionados ao uso
tarefas de sua formação: além de tempo disponível, também
eficaz da linguagem e a outros conteúdos que se mostrem
recursos básicos, como biblioteca e videoteca que contenham
necessários.
os materiais requeridos pelo curso, equipamento de vídeo
e computador com acesso à Internet, recursos didáticos
atualizados, assinatura de jornais, revistas e publicações 4. E necessário que os cursos de formação inicial
especializadas etc. ofereçam condições para que os futuros professores
aprendam a manejar recursos tecnológicos de informação e
Indicações para a organização curricular comunicação cujo domínio seja importante para a docência
e para as demais dimensões de sua atuação profissional. Se
1 A organização curricular definida pelas escolas de a escola não dispuser de um laboratório de informática, por
formação pode contemplar os âmbitos de conhecimento exemplo, é importante que estabeleça convênio com alguma
profissional a partir de diferentes áreas ou disciplinas, instituição que lhe ofereça esse recurso.
eixos estruturantes, núcleos temáticos ou outras formas

250
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

5. A perspectiva de formação defendida neste documento construídos e dos recursos disponíveis para atuar e resolver
pressupõe uma metodologia em que: situações problema - reais ou simuladas - relacionadas com
- Os futuros professores são considerados sujeitos o exercício da profissão. Sendo assim, a avaliação deve
participantes de um processo em que intervém seus pautar-se pela participação dos futuros professores em
conhecimentos anteriores e suas características pessoais - que atividades regulares do curso, pelo empenho e desempenho
têm, portanto, um percurso particular de desenvolvimento em atividades especialmente preparadas por solicitação
no qual precisam ser atendidos. Eles têm um mundo para ser dos formadores e pela produção de diferentes tipos de
desvendado - o mundo da atuação profissional - o que não documentação. E necessário prever instrumentos de auto
podem fazer por meio de um modelo de formação baseado avaliação, o que favorece a tomada de consciência do
na transmissão de conteúdos. percurso de aprendizagem, a construção de estratégias
- A resolução de problema é um princípio metodológico pessoais de investimento no desenvolvimento profissional,
central que deve permear todo currículo de formação, uma o estabelecimento de metas e o exercício da autonomia
vez que o desenvolvimento das competências profissionais em relação à própria formação. A auto avaliação faz
implica “porem uso” conhecimentos adquiridos em diferentes sentido quando é discutida e serve de importante canal de
situações da vida profissional e pessoal. Sendo assim a interlocução com os formadores.
principal competência do professor é resolver problemas,
sejam relativos a sua intervenção como profissional sejam de 9. As ações de avaliação da formação inicial precisam
natureza teórica. estar articuladas a um programa de acompanhamento e
- A análise e reflexão sobre a prática é considerada orientação do futuro professor para superar eventuais
um valioso instrumento para a formação e um dos mais dificuldades e potencializar o desenvolvimento das
importantes procedimentos a serem aprendidos pelos futuros competências profissionais. Esse acompanhamento pode
professores: portanto, recurso privilegiado para o tratamento se dar por meio de orientações individuais, trocas por
dos conteúdos de todos os âmbitos do conhecimento escrito, sugestões de leitura e de atividades, considerando
profissional. Trata-se de uma atividade intelectual que se a importância dos percursos pessoais não na perspectiva
aprende pelo próprio exercício, em situações de reflexão individualista, mas na de trabalho compartilhado.
sobre a atuação profissional nas suas diferentes dimensões,
e mediante procedimentos de observação, investigação, 10. A organização de cursos de formação de
sistematização e produção de conhecimento pedagógico, professores, quando em nível superior, pode prever
construção de propostas de intervenção e de avaliação. conteúdos obrigatórios e optativos: a existência de cursos
e outros espaços curriculares optativos, simultaneamente
6. Qualquer que seja a forma ou a modalidade ao trabalho básico com conteúdos obrigatórios, é mais um
organizativa, todo currículo de formação inicial deve garantir recurso importante para tornar o currículo mais flexível,
espaços curriculares, tempos e meios diferenciados que permitindo que o futuro professor inicie seu percurso
permitam aos professores a construção dos conhecimentos profissional e tome decisões em relação à própria formação.
experienciais contextualizados e de um percurso próprio
de desenvolvimento intelectual. Para isso é preciso recriar Indicações para a formação de professores em nível
formas de estruturação do currículo, para que ele não médio
fique limitado apenas a cursos, que, por mais importantes
e imprescindíveis que sejam, não suprem a necessidade das Tendo-se como referência o perfil de professores hoje
aprendizagens específicas para a atuação profissional. Além considerado necessário, a formação de professores de nível
de cursos, dois espaços curriculares diferentes são essenciais: médio encontra certas limitações - umas determinadas
o da supervisão e o do grupo de estudo, abordados na parte
pelas características da etapa de vida dos alunos dessa fase
III.
da escolaridade e outras pelas características do próprio
curso.
7. A avaliação de professores em formação precisa
Levando-se em conta a faixa etária correspondente
ser realizada mediante critérios de avaliação explícitos e
a uma progressão regular na escolaridade, os alunos
compartilhados com os futuros professores: o que é objeto de
do ensino médio geralmente têm de 15 a 18 anos,
avaliação representa uma referência importante para quem é
momento ainda marcado por vivências próprias ainda da
avaliado, ajudando-o a orientar seus estudos e a identificar
os aspectos considerados mais relevantes para sua formação adolescência. Entretanto, o nível de autonomia intelectual e
em cada momento do curso. Isso permite que cada futuro emocional necessário ao exercício responsável das funções
professor vá investindo no seu processo de aprendizagem de professor só é possível para a maior parte das pessoas,
e construindo um percurso pessoal de desenvolvimento bem mais tarde, na idade correspondente ao término de
profissional. um curso superior.
É verdade que as condições socioeconômicas e
8. Os instrumentos de avaliação da aprendizagem devem culturais produzem repertórios experienciais e níveis de
ser diversificados e, para isso, é necessário transformar as maturidade diferenciados, e que nem todos os alunos
formas convencionais e criar novos instrumentos. Avaliar iniciam a formação profissional em nível médio com as
as competências profissionais dos futuros professores é mesmas capacidades e as mesmas limitações. Em alguns
verificar se (e quanto) eles fazem uso dos conhecimentos contextos, a experiência de vida pode favorecer mais o

251
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

amadurecimento pessoal, a autonomia e a responsabilidade A constatação dessas dificuldades não significa que a
frente ao trabalho; em outros, a experiência escolar anterior formação nesse nível de escolaridade será necessariamente
pode favorecer, em maior ou menor grau, a construção de de baixa qualidade, nem deve servir de justificativa para
conhecimentos importantes para a atuação profissional. Mas que seja realizada com menor empenho. Considerando
é importante atentar para alguns pontos que, de modo geral, que é imprescindível em muitos lugares - e o será ainda
caracterizam os alunos do ensino médio: por algum tempo - é fundamental que se empreendam
- A condição de aluno do ensino básico ainda é marcante todos os esforços para que os cursos de nível médio
limitando sua possibilidade de conceber-se como professor. garantam o desenvolvimento das competências profissionais
- Geralmente, o nível ainda insuficiente de maturidade necessárias aos futuros professores. Algumas experiências já
pessoal limita a capacidade de compreensão de fenômenos realizadas no país, como a de CEFAM (Centro de Formação
complexos como a escola, os processos de aprendizagem e a e Aperfeiçoamento do Magistério), por exemplo, buscaram
atuação profissional. com a instituição do curso em tempo integral, e que ampliam
- O processo de “descoberta” das diferentes linhas e a possibilidade de uma formação profissional adequada.
perspectivas teóricas que constituem o saber pedagógico ainda As indicações que se seguem apontam condições
está se iniciando: os alunos estão tomando conhecimento e para assegurar a qualidade da formação de professores
apropriando-se delas, em muitos casos pela primeira vez, o que faz em nível médio. Para tanto, além de seguir as orientações
com que sua visão crítica não seja suficientemente aprofundada. gerais colocadas no item anterior, é importante que sejam
E verdade também que existem muitos alunos da observadas algumas peculiaridades:
formação inicial no nível médio com idade mais avançada do 1. Os cursos de formação de professores de nível médio
que a que aqui foi considerada. Entretanto, o fato de ainda não devem ser organizados de modo a garantir estreita articulação
terem completado sua educação básica faz com que muitas e organicidade entre a Base Nacional Comum, a Parte
dessas características sejam deles também. E necessário que Diversificada e a Formação Profissional, pela elaboração e
os formadores analisem com cuidado quem são seus alunos, desenvolvimento do projeto educativo da escola de formação
quais suas possibilidades, desejos, limites e dificuldades, para por todos os professores formadores.
adequar o ensino que promovem.
No que se refere às características do curso em nível 2. A contextualização da Base Nacional Comum - BNG, tal
médio, o fator tempo tem grande relevância. um curso de como está posta nas
nível médio não pode deixar de garantir os conhecimentos “Diretrizes Curriculares do Ensino Médio” elaborada
essenciais à educação básica a que tem direito todo cidadão pelo Conselho Nacional de Educação, pode tomar como
brasileiro. A obrigatoriedade da Base Nacional Comum para o referência a atuação profissional de professor, isto é, envolver
ensino médio, que integra a educação básica, é uma medida os aspectos da docência, da atuação no projeto educativo
inquestionável, que representa um grande avanço e precisa ser da escola, da participação na comunidade educativa e na
mantida nos cursos de formação profissional de professores. categoria profissional, de modo que os futuros professores
Com isso, observam-se algumas limitações: possam conhecer a realidade em que vão se inserir como
- O desafio de aprender conteúdos da formação básica profissionais.
é grande e requer muito investimento do aluno do ensino
médio. A formação profissional não deve ser priorizada em 3. A Parte Diversificada - 600 horas - pode estar voltada para
detrimento da formação básica, uma vez que, além de um o desenvolvimento de projetos que façam convergir estudos
direito, é também determinante para a atuação como professor. para conhecimentos essenciais não só para sua formação como
- Se um curso de nível médio regular exige três anos para pessoa, mas também, para sua formação profissional.
essa tarefa, não se pode negar que, num curso de quatro
anos, o tempo dedicado à formação básica concorre com o 4. E interessante que a Parte da Formação Profissional se
que é dedicado à formação profissional. desenvolva desde o primeiro ano do curso, com um aumento
- A construção de conhecimentos profissionais (como progressivo na carga horária total, para que, ao mesmo tempo
as didáticas específicas, por exemplo) que pressupõem o que se intensifica os estudos da educação básica, vai-se
domínio dos conteúdos da escolaridade básica tem que ser introduzindo questões específica do contexto profissional, que
feita simultaneamente. serão gradualmente aprofundadas no decorrer da formação.
- Não é possível oferecer, na medida desejável, a necessária
atenção às especificidades nas quais o futuro professor pode 5. A formação inicial de nível médio, embora não
atuar, ou seja, a educação infantil, o ensino regular das séries comporte especializações, precisa incluir conhecimentos
iniciais e de jovens e adultos. essenciais relacionados à educação infantil, ao ensino
- uma vez que os futuros professores podem ingressar na fundamental, à educação especial e de jovens e adultos. E
carreira profissional imediatamente após o término do curso de preciso possibilitar aos futuros professores o reconhecimento
nível médio, esses tendem a centrar-se na gestão de classe, no dessas especificidades e da atenção que elas merecem,
ensino dos conteúdos e das práticas de ensino, em detrimento dos abrindo a perspectiva de um aprofundamento futuro da
demais conteúdos que compõem o conhecimento profissional. questão. No que se refere a alunos portadores de necessidades
Por todos os motivos expostos acima a experiência de especiais, é fundamental que os cursos favoreçam não só
investigação que um curso de nível médio pode proporcionar o reconhecimento da necessidade de sua inclusão nas
acaba tendo mais o caráter de instrumento para aprender escolas regulares, mas também a atitude de disponibilidade
conteúdos básicos do que para aprender a produzir para acolhê-los, atendê-los e ensiná-los em parceria com
conhecimentos pedagógicos com progressiva autonomia. especialistas.

252
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

6. E imprescindível que os grupos de supervisão promovidos a partir de processos de formação continuada


aconteçam durante todo o curso, tendo a função principal que se realizarão na escola onde cada professor trabalha e
de acompanhar o percurso de cada um na sua formação em ações realizadas pelas Secretarias de Educação e outras
como profissional. Os trabalhos de estágio precisam ocorrer instituições formadoras, envolvendo equipes de uma ou mais
progressivamente, para que os alunos possam ir aprendendo escolas.
a assumir a postura de professores. O primeiro ano, pode ser 1. É preciso garantir espaços e tempos reservados
dedicado a preparação para o estágio nas escolas de educação na rotina de trabalho na escola, para que os professores
infantil e ensino fundamental, trazendo a discussão da e coordenadores pedagógicos (também chamados de
realidade do seu dia-a-dia para dentro da escola de formação, orientadores ou supervisores, dependendo do sistema de
de modo que, ao iniciar o estágio os futuros professores ensino) realizem práticas sistemáticas de: análise das ações
saibam qual é sua função, sua responsabilidade, e estejam desenvolvidas, estudo, troca de experiências, documentação
em condições de desenvolver um trabalho cooperativo do trabalho, discussão de observações, criação e planejamento
onde forem estagiar. A ida às escolas pode ocorrer a partir coletivo de propostas didáticas etc.
do segundo ano com uma intensidade passível de garantir 2. Deve ser previsto um sistema de apoio aos professores
a imersão no contexto profissional, sempre organizada pelo iniciantes, o que inclui: reuniões de trabalho coletivo e
espaço de supervisão. discussões individuais com o coordenador pedagógico ou
professores formadores das escolas em que atuam, técnicos
7. Em discussão com as escolas do sistema e com das secretarias e, sempre que possível, dos formadores de
as Secretarias de Educação, e de acordo com a análise da suas escolas de formação inicial.
realidade educacional em que se inserem, as escolas de 3. Todo programa de formação continuada deve ser
formação deverão definir critérios e construir instrumentos definido a partir de:
de avaliação final para aferir a competência desenvolvida - uma análise da realidade na qual pretende incidir;
por seus alunos. Se o aluno não tiver condições efetivas - uma avaliação de ações de formação anteriores;
de assumir os encargos que a atuação profissional exige, - novas demandas colocadas, levando-se em conta as
deve estar aberta a possibilidade de certificação apenas no orientações do Ministério da Educação, as diretrizes dos
segmento médio da educação básica e não a habilitação para Conselhos de Educação e as metas institucionais da própria
o magistério. Secretaria de Educação.
4. As modalidades de formação, a escolha dos formadores,
Formação de professores em exercício o tempo adequado, a infraestrutura necessária, o número de
professores a ser atendido pelos programas de formação
No caso da formação, em nível médio ou superior continuada devem ser planejados cuidadosamente a partir
para professores em exercício, vale afirmar a necessidade da definição de objetivos, principais conteúdos, metodologia,
de potencializara tematização da prática que já realiza, recursos didáticos, instrumentos de avaliação, entre outros
tomando-a como objeto de reflexão e também garantir a aspectos.
possibilidade de observação de outras experiências. Além 5. A quantidade de participantes de um grupo/evento de
disso, não se pode confundir a formação para titulação formação se define a partir da finalidade e da metodologia
de professores em exercício com a formação continuada. adotada: a utilização da estratégia de análise de registros
É preciso garantir conhecimentos que justifiquem o nível que documentam as práticas com vistas a transformá-las,
de escolaridade da formação que está realizando. Assim por exemplo, requer um trabalho em grupos não muito
quando se tratar de nível médio, deve ser assegurada a BNC; numerosos; em contrapartida, a atualização a respeito de temas
(mando se tratar de nível superior, uma fundamentação educacionais mais amplos pode ser feita em grandes grupos.
e um aprofundamento que possibilite um nível maior de 6. Os programas podem e devem prever a combinação
autonomia para a produção de conhecimentos profissionais. de ações internas às escolas com ações destinadas a reunir
professores de várias escolas: no primeiro caso, a vantagem é
2. Formação continuada que a ação envolve toda a equipe de trabalho e contribui mais
diretamente ao desenvolvimento do projeto educativo de
As indicações que se seguem partem do princípio de que cada escola; no segundo caso, a vantagem é a possibilidade
a formação continuada de professores deve responder tanto de intercâmbio com professores de diferentes locais, abrindo
às necessidades do sistema de ensino quanto às demandas possibilidades de troca e socialização de experiências.
dos professores em exercício. Assim como a formação inicial, 7. As ações de formação continuada devem incluir
deve assegurar o trabalho com conteúdos relacionados a observação, análise e discussão do trabalho de outros
aos diferentes âmbitos do conhecimento profissional, de professores (diretamente ou por meio de recursos de
forma a promover continuamente o desenvolvimento documentação), a exposição de trabalhos realizados, a
de competências que possibilitam uma atuação pautada análise de atividades e produções de alunos, a criação e
não apenas na função docente, mas também na condição experimentação de situações didáticas intencionalmente
de membro de uma equipe responsável pela formulação, planejadas, para posterior análise, de modo a possibilitar
implementação e avaliação do projeto educativo da escola e que os professores reelaborem o que já sabem e fazem.
membro de uma categoria profissional. Nesse processo, seus conhecimentos prévios, crenças,
A atualização, o aprofundamento dos conhecimentos idéias e opiniões precisam ser de fato considerados, não
profissionais e o desenvolvimento da capacidade só porque essa é uma postura educativa democrática, mas
de reflexão sobre o trabalho educativo deverão ser porque é condição para a aprendizagem significativa.

253
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

8. Os programas de formação continuada devem utilizar da supervisão e de grupos de estudo, garantindo o


recursos de documentação, tais como: diários de professor, desenvolvimento de conhecimentos experienciais para atuar
registros de um observador de classe, utilizando diferentes em situações contextualizadas e de discussão teórica.
meios como relatos escritos, vídeos, gravações em fita etc. 2. A existência de uma organização que estruture,
9. A observação da atuação dos professores é parte sistematize e operacionalize as ações previstas com a
intrínseca do trabalho dos formadores: é isso que lhes permite participação dos profissionais envolvidos no desenvolvimento e
conhecer o processo de aprendizagem dos professores, acompanhamento dos cursos é condição para a implementação
adequar as ações de formação a ele e avaliar seus resultados. da formação apoiada nos recursos de educação a distância.
10. E imprescindível que a seqüenciação dos conteúdos Essa articulação entre os diferentes atores é o equivalente ao
de um programa de formação tenha uma relativa flexibilidade: desenvolvimento do projeto educativo das escolas de formação.
por um lado, não pode perder de vista os objetivos definidos 3. E necessário também que os formadores dessa
no início c, por outro, deve adequar-se às necessidades modalidade não só estejam em constante atualização em
identificadas no percurso do trabalho. relação às investigações da áreas educacional, mas também
11. Devem estar garantidas, nos programas de formação em relação às especificidades da formação a distância.
continuada, práticas e recursos que permitam a ampliação 4. Assim como os momentos presenciais precisam ser
do horizonte cultural e profissional dos professores e o seu garantidos para preservar a qualidade da formação defendida
desenvolvimento pessoal: saídas em grupo, participação de neste documento, os materiais impressos têm igual relevância.
eventos, intercâmbio de informações, debates sobre temas da Todo programa de formação a distância deve disponibilizar
atualidade, organização de associações e grupos autônomos materiais que permitam aos professores em formação retomar os
com diferentes finalidades, produção de expressão coletiva conteúdos trabalhados, tais como, cadernos de atividades, textos,
(revista, jornal, vídeos, fitas, teatro, dança), uso de tecnologias vídeos, programas de computador, entre outros. O acesso a um
de informação e comunicação etc. acervo de bons livros para estudo e pesquisa, assim como um
local de encontro para trocas eventuais são também condições
12.É de igual importância que os professores em seu
para uma formação profissional que não fique amarrada aos
desenvolvimento profissional possam não só atualizar-se
estudos dirigidos, o que compromete a sua qualidade.
em relação às leis da educação e acompanhar as políticas
5. O uso de meios de comunicação que favoreçam
educacionais como também discuti-las em uma perspectiva
a interlocução entre os participantes do programa e os
crítica para se posicionar em relação a elas.
profissionais responsáveis pela sua formação profissional
13.Definir uma sistemática de avaliação criteriosa para
podem ser variados, como cartas, Internet, telefone,
os programas de formação continuada é uma necessidade:
rádio..., mas em todos os casos precisam estar no centro
é preciso criar espaços e mecanismos de avaliação processual
das preocupações da formação a distância para garantir o
e de alcance das ações desenvolvidas, para que os seus
acompanhamento dos alunos pelos formadores e para não
resultados sejam utilizados na reformulação das práticas incentivar práticas solitárias.
tanto dos formadores quanto dos professores. Um sistema 6. A avaliação processual dos professores, além de se
de avaliação pautado nas competências profissionais que pautar pela construção das competências profissionais, precisa
são objetivos da formação dos professores e na qualidade acompanhar a capacidade de manejo dos instrumentos
das aprendizagens de seus alunos é fundamental, também, utilizados na educação a distância para que possam ser
para instituir uma carreira que valorize o desenvolvimento atendidos nas suas dificuldades e levarem adiante o curso
profissional (ver parte V). com possibilidade de sucesso.
4. Formulação de políticas de formação nas Secretarias
3. Formação profissional a distância de Educação
Em função da tendência de expansão das iniciativas de As secretarias municipais e estaduais desenvolvem tarefas
educação a distância, para atender a grande demanda de da maior relevância para o desenvolvimento profissional de
formação de professores, e da preocupação demonstrada professores, tarefas que, em muitos casos, vinham sendo
pela comunidade educacional em relação ao alcance não desenvolvidas apenas pelas secretarias estaduais. Com o processo
só quantitativo, mas também, qualitativo dessas iniciativas, de municipalização do ensino, cada vez mais as prefeituras vêm
seguem indicações para assegurar a necessária qualidade assumindo a responsabilidade pela etapa inicial da educação
dessa modalidade de formação. básica e, consequentemente, pela formação continuada dos
1. A educação a distância para a formação profissional professores desse segmento. A descentralização da política
de professores não pode prescindir de espaços presenciais e educacional por meio da estruturação dos sistemas municipais
esses não podem restringir-se exclusivamente aos exames e de ensino favorece maior proximidade e influência política da
avaliações finais: a presença de formadores como parceiros comunidade escolar (especialistas, professores, funcionários,
experientes dos professores é insubstituível no processo alunos e pais) sobre a esfera de governo responsável pelas
de formação. Os momentos presenciais, quando em instituições educativas - o que, por sua vez, favorece uma gestão
pequenos grupos, e tendo uma periodicidade pelo menos mais democrática das escolas e dos sistemas de ensino e, em
quinzenal, criam as necessárias condições para que haja decorrência, responsabilidades compartilhadas em relação à
acompanhamento dos participantes dos programas e qualidade da educação oferecida à população.
para a vivencia da interlocução requerida pelo trabalho de No que se refere à formação de professores, seja
professor. Os tutores - responsáveis pelo acompanhamento no âmbito do estado ou do município - a depender de
de grupos de professores - precisam assumir a coordenação cada local - cabe às secretarias de educação algumas
responsabilidades:

254
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

- cuidar dos aspectos direta ou indiretamente 6. E desejável a criação da função de professor-formador:


relacionados à qualidade da atuação dos profissionais da rede um professor experiente de educação infantil de 1ª a 4a
e da educação escolar oferecida, assessorando e avaliando as séries que recebe, em sua escola de lotação, professores em
ações de formação continuada realizadas nas escolas; processo de formação inicial ou continuada. Esse profissional
- promover a formação dos profissionais formadores deve continuar responsável pela classe em que é titular e
responsáveis pela formação continuada desenvolvida no receber e ter tempo em sua jornada de trabalho destinado
âmbito da escola; ao exercício da função de formador e receber gratificação
- elaborar, coordenar e desenvolver programas de
correspondente.
formação continuada dos profissionais da rede, difundindo
7. As iniciativas de formação inicial e de formação
propostas bem sucedidas realizadas nas escolas, planejando
e organizando eventos e publicações que propiciem continuada já desenvolvidas por administrações anteriores,
intercâmbio de informações e experiências; bem como seus efeitos sobre o trabalho das escolas, devem
Promover parcerias entre agências formadoras, ser discutidos e avaliados com o objetivo de orientar as
associações de educadores, ONGs etc, para a implementação novas ações no sentido de provocar avanços e superar as
de ações interinstitucionais que favoreçam a formação dos possíveis falhas e deficiências detectadas, superando-se,
profissionais da rede; assim, a prática da descontinuidade. O envolvimento de
- promover a articulação entre as escolas do sistema e todos os atores no processo de implementação de políticas
as instituições formadoras para que se possam beneficiar de e projetos educacionais, assim como a corresponsabilidade
parte a parte em favor da melhoria da qualidade da formação. pelas decisões tomadas, é condição para que as mudanças
As orientações que se seguem visam, portanto, subsidiar se consolidem e se estruture um sistema de desenvolvimento
as secretarias no cumprimento dessas responsabilidades: profissional permanente, capaz de perdurar apesar das
1. As ações de formação continuada terão maior sucesso mudanças de governo.
quando planejadas de forma integrada a um plano maior,
8. E interessante a criação de centros de formação pelas
que inclua propostas de melhoria das condições de trabalho,
carreira e salário dos profissionais da educação e leve em secretarias, que podem ser resultado da parceria com outras
consideração as necessidades identificadas, as determinações instituições. Esses centros são espaços onde os professores
legais e as diretrizes do Conselho Nacional de Educação. de um ou mais municípios podem consultar o registro do
2. E preciso que as Secretarias de Educação favoreçam a trabalho de outros professores, utilizar livros de uma boa
construção de uma cultura de desenvolvimento profissional biblioteca, assistir a vídeos, promover e participar de eventos
permanente mediante a promoção de ações voltadas para e encontrar outros professores para atividades diversas. Isso
atualização, aprofundamento e intercâmbio de experiências e favorece o desenvolvimento da autonomia profissional, faz
mediante a criação de condições para que a formação continuada circular informações e é também uma forma de enriquecer
possa ocorrer dentro da jornada regular de trabalho dos o trabalho docente nas escolas. Além do que, os centros de
profissionais da educação, sem prejuízo das horas de docência. formação podem manter inúmeras atividades culturais que
3. Constituir um sistema de formação para superar a ampliam a cultura geral e profissional dos professores.
desarticulação e a pulverização das ações de formação 9. A criação de publicações que possibilitem a comunicação
promovidas por diferentes instituições, implica enfrentar o
entre os professores de uma rede - e entre redes - por sua
desafio de coordenar as diferentes ações de formação inicial
ou continuada a serem propostas ou em curso em cada vez, estimula a documentação do trabalho, a reflexão sobre a
Estado ou Município. Isso deve ser fruto de uma parceria prática e a produção de conhecimento pedagógico inovador.
entre as esferas administrativas envolvidas e as agências As indicações aqui propostas, certamente terão melhores
formadoras, para que possam convergir para uma perspectiva resultados se forem concretizados no contexto de uma
de desenvolvimento profissional permanente articulado com cultura de participação na definição das políticas públicas de
um plano de carreira e salários. formação e de corresponsabilidade por sua implementação,
4. E necessário, para isso, que se criem dispositivos condições para uma gestão institucional democrática.
que permitam de fato a constituição e consolidação de
um sistema de formação que promova o desenvolvimento PARTE V
profissional permanente. E recomendável por exemplo, que DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL PERMANENTE E
cada secretaria disponha de um setor ou departamento PROGRESSÃO NA CARREIRA  
técnico responsável, por elaborar, coordenar e implementar
permanentemente programas de formação continuada na
Na discussão sobre formação de professores é central o
rede, ou seja, uma equipe técnica de formação, composta
reconhecimento e a afirmação da importância do atual processo
de profissionais com competência comprovada para o
exercício das funções de formadores de professores. de profissionalização dos professores. Nessa perspectiva,
5. A equipe de formação das secretarias deve atuar em não só a elevação da qualidade e da formação profissional é
estreita relação com os formadores das escolas, o que, além inadiável como a valorização e a reestruturação da carreira do
de favorecer o acompanhamento do dia-a-dia, propicia magistério. Não parece coerente que se projete uma formação
intercâmbio constante, avaliação das reais necessidades de com níveis de exigência que expressem a importância do papel
alunos e professores, planejamento institucional pautado do professor sem associá-los a uma carreira que seja atraente,
em informações mais objetivas e controle mais efetivo dos que estimule investimentos pessoais dos professores, e que
resultados das ações desenvolvidas. isso reverta em melhoria salarial.

255
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Embora, pela sua natureza, este documento não experientes. Entretanto, isso não significa que, após dois ou
inclua uma especificação detalhada dessas questões, é três, anos chegam ao máximo de desenvolvimento possível
imprescindível discutir a necessidade de uma relação como profissionais: além de continuarem participando
estreita entre desenvolvimento profissional e progressão de ações de formação continuada, podem enfrentar
na carreira. novos desafios e assumir maiores responsabilidades, num
Atualmente, de modo geral, o empenho dos caminho que só termina ao encerrar a carreira.
professores que atuam com responsabilidade e investem Uma dessas possibilidades é a de trabalhar como
no seu desenvolvimento profissional ao longo da carreira professores-formadores junto aos estagiários e aos
não tem sido devidamente considerado. Os critérios professores iniciantes, nos horários extraclasse previstos
mais comumente utilizados para progressão na carreira na jornada de trabalho19. Essa função do professor
independem desse empenho: sobrevalorizam a titulação, experiente, tratada em seções anteriores deste documento,
os certificados e o tempo de serviço, que vale igual para já existe, ainda que de modo informal, em algumas redes de
todos, independentemente da qualidade da atuação e do ensino. Instituí-la oficialmente oportuniza aos professores
desenvolvimento de competências profissionais. a possibilidade de desenvolverem outras atividades sem
Transformar essa concepção implica: deixar de exercer a docência.
- ampliação e revisão das ofertas de formação - para Além de atuar como professores-formadores há outras
que todos tenham acesso a condições de desenvolvimento atividades que um professor experiente pode ter na escola
profissional, não ficando, esse, associado exclusivamente ao e que revertem tanto em benefício para a escola e para os
esforço individual; alunos quanto para seu desenvolvimento profissional. São,
- necessidade de avaliar adequadamente a atuação dos por exemplo, os trabalhos de apoio à aprendizagem de
professores para que ela expresse os avanços e limitações alunos com menor aproveitamento escolar e a atuação junto
no desenvolvimento profissional, orientando o trajeto de aos alunos nos laboratórios de informática, entre outros. O
cada professor e as ações de formação dos sistemas de fundamental é que possam continuar se desenvolvendo,
ensino; fazer uso de sua experiência para expandir seu campo de
- construir indicadores para progressão na carreira, de atuação profissional - sem deixar de ser professores.
modo que haja correspondência entre o aperfeiçoamento
dos professores e possibilidades efetivas de progressão na 1. Articulação entre as ações de formação
carreira.
Esta parte final dos Referenciais aborda formas Promover a formação de professores na perspectiva
de promovera profissionalização do magistério tendo do desenvolvimento profissional permanente exige das
como princípio a articulação das ações de formação, da Secretarias de Educação um papel de articulação de ações
avaliação da atuação profissional e da progressão na de formação desenvolvidas por diferentes instituições
carreira na perspectiva do desenvolvimento de uma cultura formadoras, criando-se assim um sistema que garanta
de responsabilidade por parte de todos os envolvidos: sentido, organicidade e continuidade entre elas.
secretarias de educação, agências formadoras e professores. As ações aqui previstas são possibilidades que cada
Conforme anteriormente explicitado, a concepção sistema de ensino poderá implementar adequando-as
de desenvolvimento profissional refere-se ao processo à sua realidade, assim como criar outras a partir de suas
contínuo que se inicia com a preparação profissional experiências. Procurou-se colocar num quadro único um
realizada nos cursos de formação inicial e prossegue, após conjunto dessas ações de modo a dar visibilidade às suas
o ingresso no magistério, ao longo de toda a carreira com o especificidades e, ao mesmo tempo, suas conexões.
aperfeiçoamento alcançado por meio da experiência, aliada Como se vê no quadro, a seguir, um sistema de
às ações de formação continuada organizadas. formação integra desde aquelas ações internas às escolas,
Esse processo, ainda que contínuo, é marcado por promovidas pelas suas próprias equipes de professores e
momentos significativos que poderão ser potencializados e profissionais que exercem as funções de apoio pedagógico,
sinalizar tanto para os professores quanto para a sociedade até aquelas que compõem programas envolvendo a rede
o aperfeiçoamento e os ganhos em competência que os de ensino e a comunidade educacional mais ampla.
professores vão tendo ao longo de sua vivência profissional. Para as ações internas, é necessária a utilização das
Há marcadamente um período em que atuam como horas extraclasse previstas na jornada dos professores
professores iniciantes e outro como professores experientes. para realização de um trabalho significativo e consistente
Quando ingressam no magistério, os professores de formação, envolvendo também os coordenadores
iniciantes, como já se observou na Parte II, têm um grande pedagógicos. Nesse trabalho, as práticas são tematizadas,
desafio que é dominar as práticas do trabalho docente e do buscam-se e criam-se alternativas de atuação e de
trabalho coletivo com seus pares, compreender as relações organização das atividades, estuda-se junto, discute-se,
institucionais das escolas em que trabalham e das redes a planeja-se e avaliam-se resultados. E esse processo de
que pertencem e nelas se inserir. aprendizagem e desenvolvimento da equipe que concretiza
Depois de algum tempo dessa vivência - em geral o projeto educativo da escola.
2 a 3 anos - tempo considerado pela legislação como
“estágio probatório” os profissionais se tornam professores

256
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Por sua vez, o acompanhamento ao trabalho interno das escolas pelas equipes técnicas das secretarias é um elemento
importante na articulação entre as ações de formação, pois permite conhecer em profundidade as demandas de formação
de toda a rede a partir das quais se pode selecionar temáticas para programas de formação e planejar ações maiores e mais
abrangentes, como a criação de centros de formação e publicações. Isso também permite que as secretarias demandam
ações de formação mais concretas e específicas às agências formadoras (universidades, institutos de formação, escolas
normais, ONGs, associações profissionais etc), realizando um trabalho conjunto para responder efetivamente à expectativa
dos professores e às necessidades do seu desenvolvimento profissional.
Essa integração só é possível quando há um esforço conjunto das diferentes instituições formadoras (secretarias de
educação, escolas de educação infantil e de ensino fundamental, escolas de formação e demais agências formadoras) na
direção de uma real articulação interinstitucional.
Cada uma delas tem ações específicas e complementares para garantir o funcionamento do sistema de formação.
Entretanto, para que tal articulação “funcione” é importante que as secretarias de educação atuem na articulação das ações
das diferentes instituições, uma vez que são elas, em última instância, as responsáveis pelas redes e que depende delas, na
maioria das vezes, a criação de condições para que as ações aconteçam.

SISTEMAS DE FORMAÇÃO PARA O DESENVO LVIMENTO PROFISSIONAL PERMANENTE

A organização de sistemas de formação permanente pode potencializar redes de comunicação, e intercâmbio de experiências
constituindo parcerias regionais entre municípios próximos, desenvolvendo projetos comuns e, assim, maximizando recursos.

2. Avaliação da atuação profissional


Assim como a existência de ações articuladas de formação é condição para o desenvolvimento profissional, a avaliação da
atuação profissional é também condição para orientar, regular esse processo e torná-lo orientador da progressão na carreira.
Entretanto para servir a esses objetivos é necessário que se modifique a forma como é comumente feita hoje já que
raramente a avaliação focaliza o desenvolvimento das competências diretamente relacionadas ao trabalho dos professores. Se
é certo que a complexidade é inerente à atuação do professor, a avaliação não pode se reduzir a alguns aspectos isolados
entre si e descontextualizados.

257
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Essa avaliação, quase sempre episódica, tem incidido em grande parte sobre dados isolados, tais como índice de
reprovação dos alunos e abandono da escola, ou inconsistentes, como, por exemplo, o comportamento mais ou menos
tolerante com os alunos (o professor “bonzinho”), rígido ou exigente (o professor “durão”, que “puxa” os alunos), sem a
necessária explicitação e socialização dos critérios utilizados e sem a implementação de processos claros e sistemáticos. Há
que se considerar também as resistências diante de situações de avaliação, sequelas do caráter meramente classificatório
que marca a história da avaliação educacional em nosso país. O uso dos resultados da avaliação apenas para classificar as
pessoas é imobilizador, já que as estigmatiza e não estimula a melhoria de sua atuação.
E preciso fazer algumas considerações também em relação à avaliação de conhecimentos, de desempenho e
da qualificação, medida por número de certificados de cursos que servem como indicadores qualitativos. Quanto aos
dois primeiros (conhecimento e desempenho) a questão que se coloca é a necessidade de articulá-los. Tomá-los como
coisas isoladas confronta-se com o conceito de competência profissional defendido neste documento - que pressupõe a
capacidade de mobilizar saberes de diferentes naturezas no exercício de suas funções e segundo o qual a real qualidade
do trabalho profissional só pode ser aferida em situação contextualizada. Sendo assim, a avaliação da atuação traz em si
própria a avaliação de conhecimentos de diferentes naturezas, incluindo-se o conhecimento experiencial.
Quanto à qualificação dos professores, quando medida por certificados de participação em eventos que apenas
indicam o número de horas e o tema tratado, é pouco significativa, pois o simples fato de comparecer a cursos e seminários
não garante melhoria da atuação profissional. Para que sejam indicadores consistentes, seria necessário que os cursos
promovessem uma avaliação centrada no uso dos conhecimentos desenvolvidos e emitissem os certificados acompanhados
de uma avaliação do aproveitamento.
O compromisso de contribuir com o desenvolvimento profissional dos professores evidencia a necessidade de se
buscar caminhos de instalação de uma cultura de avaliação e responsabilidade, o que promove a valorização do trabalho
profissional dos professores uma tendência que vem ganhando espaço em diferentes países. Instituir processos de avaliação
da atuação profissional, capazes de aferir a qualidade efetiva do trabalho do professor, para além da contagem do tempo de
exercício e acúmulo de títulos implica decidir sobre: para que avalia, o que se avalia, como se avalia e quem avalia.
As orientações que se seguem representam possibilidades de organizar esses elementos que devem ser constitutivos
do processo de avaliação.
Em primeiro lugar, é preciso considerar a necessidade de que se estabeleça o que deve ser avaliado e os instrumentos
para isso, de modo que sejam comuns a toda a rede. Essas definições poderão ser feitas pelas secretarias de educação, de
modo compartilhado com as instituições envolvidas nas ações de formação, representantes das escolas e de professores,
de forma que possam ser conhecidas e legitimadas por todos.
A proposta aqui colocada é de que se formulem indicadores relacionados à docência, à produção de conhecimentos,
ao desenvolvimento pessoal, à participação no projeto educativo da escola e na comunidade educacional mais ampla, isto
é, a todas as dimensões da atuação profissional de professor. Além disso, propõe-se que a avaliação seja feita por meio de
diferentes ações e por diferentes avaliadores, para que possa fazer jus à complexidade do trabalho de professor.
No quadro a seguir, sugere-se alguns indicadores e instrumentos possíveis para uma avaliação abrangente da atuação
profissional. Esses indicadores são gerais, dada a natureza deste documento, e servem, portanto, como orientação geral.
Será necessário desdobrá-los e acrescentar-lhes outros, de modo que possam refletira realidade do contexto em que serão
utilizados.
Como se pode deduzir do quadro exposto, o desafio é criar uma cultura de avaliação que se realize na rotina das
escolas e dos sistemas e que envolva a todos. Nesse sentido, é importante combinar ações de avaliação externa às escolas,
efetivadas periodicamente pelas secretarias de educação nos seus sistemas de ensino, com as avaliações feitas no interior
das escolas, envolvendo as equipes de professores e de direção (diretor e coordenadores pedagógicos), com a participação
de membros das equipes técnicas das secretarias de educação responsáveis pelo acompanhamento das escolas.

258
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

2.1. Avaliação interna às escolas

E na escola que se pode fazer uma avaliação mais detalhada e mais consistente da atuação profissional dos professores,
uma vez que se está mais próximo dela, das circunstâncias e das condições em que se desenvolve e dos seus resultados,
nem sempre quantificáveis. Por outro lado, a inclusão da avaliação da atuação dos professores como parte do trabalho da
escola permite que eles próprios aprofundem o conhecimento de suas potencialidades e limites, enquanto equipe e no
âmbito pessoal, e estabeleçam metas e desafios próprios, que direcionem seus investimentos e tomadas de decisão em
relação à formação e à organização de seu trabalho. Dessa forma, pode-se desenvolver uma cultura de responsabilidade
coletiva e de cooperação, favorecendo a produção coletiva e pessoal dos professores. Essa avaliação precisa, portanto, ter
caráter processual mas também momentos de sistematização, pelo menos uma vez a cada ano.
Sem dúvida alguma, a qualidade da aprendizagem dos alunos é um indicador da maior importância, já que é a finalidade
última de toda a atuação profissional de professor. Relacionar o resultado da avaliação dos alunos às práticas de ensino
desenvolvidas permite avaliar analítica e criticamente o trabalho dos professores no contexto das condições concretas em
que acontece. Entretanto, não se pode esquecer das demais dimensões da atuação profissional e de outros indicadores
para a avaliação.
Para que a avaliação seja ampla, consistente e não caia em julgamentos feitos a priori, além de critérios e indicadores
claros, é necessário que se utilize diferentes meios, tais como a observação de classe, a discussão em equipe, a elaboração
de registros e a auto avaliação.
Dentre os diferentes instrumentos de avaliação, os que se seguem são bastante úteis e sua utilização é possível a
praticamente todas as escolas.

Registros

O registro sistemático do trabalho inclui tanto o planejamento dos objetivos e das atividades educativas, quanto uma
análise das situações criadas, das produções dos alunos, dificuldades e soluções encontradas, resultados obtidos, reflexões,
indagações e conclusões, materiais utilizados etc. Para esse registro é possível utilizar-se de diferentes recursos além do
texto escrito, tais como trabalhos de alunos, fotografias, vídeos etc.

259
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

O registro é um trabalho pessoal que pode ser 2.2. Avaliação externa às escolas
sistematizado e transformado em relatórios para
socialização e avaliação pela equipe de professores Os processos de avaliação elaborada realizados pela
e direção da escola. Com isso, antes de mais nada, o Secretaria de Educação envolvendo todos os professores,
professor pode fazer sua auto avaliação. Um trabalho dessa permite conhecer seu quadro de profissionais, detectar
natureza contribui diretamente para o desenvolvimento pontos fortes e fracos e assim direcionar melhor sua ação
profissional, pois analisar em profundidade o próprio gestora do sistema de ensino. Geralmente esse tipo de
percurso faz perceber seus avanços e limites, promove a avaliação é feito por meio de provas a que são submetidos
tomada de consciência da própria produção, favorecendo a todos os professores para que haja possibilidade de
autonomia e a formulação de projetos pessoais de trabalho construção de um panorama geral e para que possam
e desenvolvimento. comparar e cruzar os dados daí resultantes. Esse é, sem
Utilizando-se dos relatórios periódicos, é possível dúvida, um instrumento importante para tal finalidade. O
elaborar um outro instrumento de avaliação do que se quer ressaltar, entretanto, é a necessidade de que
desenvolvimento profissional: o memorial, ou portfolio, tais provas não sejam compostas apenas de questões
onde se faz um registro e uma análise do percurso pessoal conceituais, pois cumprem muito mais adequadamente
de formação num tempo mais longo, centrada nas questões a sua função se as questões forem formuladas como
e desafios enfrentados e nas próprias produções. situações-problema relativas à atuação profissional dos
Da mesma forma que os professores registram seus professores, nas suas várias dimensões, e para as quais
trabalhos, os coordenadores pedagógicos e/ou professores eles tenham que construir respostas que demandem
formadores devem registrar as observações de sala de reflexão, análise crítica e o uso dos conhecimentos que
aula e as discussões que promovem com os professores. desenvolveram ao longo de sua experiência e de sua
Esse registro precisa contemplar o processo pelo qual o formação. Dessa forma a prova poderá deixar claro não
professor e equipe estão envolvidos, as diferentes formas só o que os professores sabem, mas principalmente o que
de desenvolvimento do trabalho em cada classe segundo podem fazer, as concepções que permeiam sua prática e os
suas características específicas. Se o trabalho do professor aspectos que precisam ser transformados.
é contextualizado, sua avaliação também precisa ser.
Os registros dos professores e coordenadores 3. Avaliação dos sistemas de ensino e das práticas
possibilitam que se tenha uma visão processual da relação de formação
entre atuação profissional e qualidade das aprendizagens
dos alunos e, por isso, são bons instrumentos de avaliação Assim como a avaliação que a Secretaria de Educação
da atuação do professor: sua análise, levando em conta os efetua nas redes produzem um quadro geral orientador de
critérios anteriormente definidos, permite conhecer o seu ações, as avaliações nacionais promovidas pelo Ministério
processo de desenvolvimento profissional.
da Educação têm o mesmo papel. Tanto os resultados
das avaliações dos alunos quanto os dados relativos ao
Análise da equipe
trabalho e à formação dos professores são referências
importantes para os formadores e para os gestores dos
A avaliação da atuação profissional feita na equipe
sistemas de ensino na medida em que permitem situar a
da escola deve ser um trabalho coletivo, compartilhado
própria experiência no quadro geral do país.
e cooperativo para promover o desenvolvimento dos
Esse é um tipo de avaliação imprescindível, porém
profissionais e do projeto educativo. Tanto quanto a
um grande desafio. Avaliar um sistema não é apenas
socialização dos relatórios pessoais, a prática de trabalho
coletivo sistemático na equipe possibilita o conhecimento considerar um leque amplo de indicadores, dispor de
da atuação uns dos outros e o estabelecimento de relações critérios precisos, reunir a maior quantidade possível de
de confiança, condições para avaliar a contribuição e o dados relevantes ou fazer uma somatória de análises dos
empenho de todos. dados coletados: é interpretar também as relações entre
A direção da escola (administrativa e pedagógica) tem eles, hierarquizá-los, coloca-los a serviço de adequados
um papel fundamental na coordenação desse trabalho encaminhamentos. E isso que permite de fato diagnosticar,
para garantir seu caráter emancipatório, impedir desvios e aferir o valor dos resultados alcançados, constituir-se em
garantir objetividade e justiça nas avaliações. referência, possibilitar mudanças necessárias.
A avaliação do sistema tem uma função diagnostica
Relatório da direção da escola das mais importantes. Entretanto, é preciso considerar que
um diagnóstico nunca é completamente coincidente com a
Cabe à direção da escola a sistematização das realidade, pois quem o faz inevitavelmente interpreta o que
avaliações feitas em equipe e um parecer sobre a atuação verifica na realidade. Nesse caso, o desafio é compreender
dos professores, orientado pelos critérios eleitos. Esse o que revelam os dados obtidos por meio dos instrumentos
parecer encaminhado à secretaria da educação, destina- de avaliação. O que revelam, por exemplo, os índices
se à contagem de créditos para progressão na carreira, de retenção, de evasão e de distorção idade/série no
conforme será discutido adiante. ensino fundamental? Que questões colocam às ações de
formação de professores? Há relação entre a qualidade

260
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

da formação dos professores e a elevação da qualidade coletivo da atuação de professor e ao espírito de equipe
das aprendizagens das crianças, jovens e adultos? Qual a - condições necessárias ao desenvolvimento profissional e
demanda real para o magistério em cada região? Por quê? dos projetos educativos das escolas. Some-se a isso o fato
Onde estão os professores formados: nas escolas ou em de que esse tipo de estruturação e progressão de carreira
outros postos de trabalho? Por quê? acaba funcionando como uma mensagem subliminar de
Respostas para essas e tantas outras questões são uma desestímulo dada a impossibilidade de todos ascenderem
tarefa para todos os sistemas de ensino. Embora quaisquer aos estágios superiores.
dimensões do sistema educacional possam e devam ser Esse modelo, portanto, não é adequado para o
avaliadas periodicamente, tudo indica que o mais relevante Magistério, uma vez que, além de injusto, não serve de
no momento é a avaliação de aspectos que podem ajudar incentivo para que todos os professores invistam em seu
a compor um quadro real da situação na qual incidem/ próprio desenvolvimento profissional como professores.
incidirão as políticas públicas, bem como a avaliação do Atualmente, quando isso ocorre, é fruto da iniciativa,
alcance das ações propostas e da produtividade do sistema. compromisso e mérito deles próprios.
Em relação à formação de professores, é particularmente Uma outra característica negativa, no caso de muitas
importante que se avalie, em cada unidade da federação, carreiras do magistério é a vinculação do nível salarial
quais são as reais necessidades que estão colocadas: ao nível de ensino em que os professores atuam: os que
a demanda para formação inicial em nível médio e em atuam na educação infantil recebem salários menores que
nível superior, a demanda para formação continuada, as os atuam no ensino fundamental e assim sucessivamente.
eventuais transformações a serem feitas nas instituições Além disso, especialmente no caso dos professores da
formadoras e práticas existentes, o efeito das experiências educação infantil, muitas vezes não são previstas na jornada
já realizadas. Essa avaliação do sistema de formação é de trabalho horas para estudo, planejamento e trabalho
subsídio para decisões relativas à progressão na carreira na coletivo. Isso “diz” que o trabalho de educação infantil
perspectiva tratada a seguir. é menos importante, que requer menor competência
e, portanto, menor investimento em desenvolvimento
4. Progressão na carreira profissional - o que, todos sabemos, não é verdade.
E à vista de tal análise que se justifica a defesa
4.1. A estrutura da carreira de magistério da reorganização da carreira de magistério e do uso
dos resultados das avaliações qualitativas da atuação
A carreira profissional é a estrutura que organiza o profissional como 0 princípio norteador dos critérios para
exercício das atividades profissionais definindo cargos, progressão na carreira.
com as funções e atribuições a eles correspondentes, e
relacionando-os hierarquicamente. O plano de carreira é o 4.2. O desenvolvimento profissional como princípio
conjunto de normas que regula as condições e o processo de progressão na carreira
de movimentação na carreira, estabelecendo a progressão
funcional e a correspondente evolução da remuneração.
Não cabe a este documento propor um modelo
E fato hoje em dia que, para muitos profissionais,
de carreira para o magistério. Trata-se aqui de definir
progredir na carreira de magistério significa deixar de
princípios norteadores para apoiar o processo de
ser professor para ser diretor, orientador educacional,
elaboração e de reelaboração de carreiras a ser feito pelas
coordenador pedagógico, ou para assumir funções
administrações municipais e estaduais, na perspectiva de
administrativas. Isso acontece especialmente quando essas
adequá-las à concepção de desenvolvimento profissional
funções configuram cargos situados no topo da carreira
dos professores, conforme colocado até aqui.
e não há incentivos para o desenvolvimento profissional
como professor, fazendo com que ótimos profissionais Tomar o desenvolvimento profissional como princípio
deixem as salas de aula, o trabalho direto com os alunos, para a progressão na carreira significa dar maior peso relativo
em busca de maior status e melhor salário. aos créditos obtidos por meio das avaliações sucessivas da
Além disso, há um outro aspecto que se combina atuação profissional do que àqueles relativos à certificação
com o anterior: em muitas redes de ensino poucos e ao tempo de serviço. Assim, a defesa é de que, quanto
professores conseguem chegar até o último estágio da mais os professores desenvolverem suas competências
carreira também porque o número de cargos aí previsto profissionais, e melhor atuarem efetivamente, melhores
é muito pequeno. Esse tipo de estruturação é próprio de salários recebam. E ainda, que não haja funções ou cargos
profissões em que a hierarquia é baseada no poder de na carreira de magistério melhor remunerados do que o
comando e/ou na concepção de que alguns poucos e cargo de professor no patamar mais alto.
melhores profissionais devem ter as atribuições de maior O que aqui se recomenda não é, portanto, a abolição
responsabilidade e, por isso, mais valorizado, enquanto da titulação dos certificados e do tempo de serviço como
a maioria tem a responsabilidade pela execução - tarefa critérios para progressão, mas a relativização do peso que
socialmente menos valorizada. atualmente têm em razão da sua insuficiência para dar
A lógica que orienta a progressão nas carreiras que conta do crescimento contínuo de qualidade na atuação
assim se organizam é a da competição entre parceiros, de professor.
o que se contrapõe à cultura de cooperação, ao caráter

261
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Titulação em nível médio ou superior Professor-formador, outras funções e a progressão


na carreira
As primeiras pontuações que um professor obtém
na carreira são relativas ao seu nível de preparação A atividade de professor-formador aqui proposta
profissional. Por tudo o que foi colocado neste documento, não se configura como um cargo na carreira. Trata-se de
não é possível deixar de considerar que a formação inicial atribuição de atividades como formador sem deixar a sala
em nível superior deve ser valorizada na carreira com uma de aula. Professores experientes podem desempenhar esse
pontuação maior que a de nível médio. trabalho temporariamente, em função das demandas do
projeto educativo das escolas e se assim desejarem.
Estágio probatório Além dos benefícios salariais em função de um
eventual aumento de carga horária, o professor pode
Definido pela legislação21, o estágio probatório ter desafios diferentes como formador e desenvolver-se
é um período de trabalho anterior à estabilidade no profissionalmente contribuindo com o trabalho da sua
cargo. Nesse tempo, é possível ao professor adaptar-se, escola e com outros da comunidade educacional.
enfrentar seus primeiros desafios, colocar em uso seus Assim com essa atividade, outras funções diferenciadas
conhecimentos, construir relações de confiança e atitude podem ser assumidas e mesmo não significando uma
de responsabilidade para com o trabalho. É um “período progressão imediata na carreira, a avaliação desses
de experiência” e portanto deve haver uma avaliação da trabalhos terão um peso importante uma vez que podem
atuação dos professores ao final desse estágio para que retratar contribuições significativas para o projeto educativo
só depois de obter resultados satisfatórios o profissional da escola e um consequente avanço no desenvolvimento
ganhe estabilidade como funcionário. profissional do professor.
Em outras palavras, essa avaliação deve ter caráter A carreira do professor, tanto para tornar-se atraente
seletivo. Os tradicionais concursos devem fazer parte como opção profissional quanto para promover
dessa avaliação mas não como instrumento único, uma permanentemente o seu desenvolvimento pode e deve
vez que ao final do estágio probatório os professores prever, além das vantagens salariais, vantagens outras que
já tem um trabalho realizado que pode ser avaliado. revertam tanto em desenvolvimento profissional pessoal
Independentemente do ingresso, efetivação e progressão quanto no aprimoramento do projeto educativo da escola
na carreira, as secretarias devem avaliar o quadro de em que trabalha. Assim, poderão haver ganhos tais como:
professores da rede e as provas do concurso e os demais estagiarem escolas que desenvolvam práticas inovadoras,
instrumentos de avaliação podem ser os mesmos, uma participar de congressos de âmbito estadual, regional ou
vez que estão a serviço da mesma finalidade: verificar a nacional, de programas de formação em viagens para
competência profissional dos professores. estudo com intercâmbio nacional e/ou internacional,
além da possibilidade já referida, de exercer atividades
Resultados da avaliação sistemática da atuação diferenciadas.
profissional (avaliação interna e externa às escolas) Essas possibilidades significam conquistas pelo
empenho pessoal que o professor recebe em determinadas
Esse é o fator que deverá ter maior peso para a circunstâncias e não sobrecarregam demais o orçamento
progressão na carreira, uma vez que é o que mais expressa a público na medida em que não significam mudança de
qualidade do trabalho do professor e o seu desenvolvimento patamar na carreira, nem são incorporados aos salários.
profissional. Para tanto as avaliações externas e a
formalização das avaliações internas à escola precisam 4.3. Utilização dos resultados da avaliação da
ser periódicas, de modo que acompanhe o movimento de atuação profissional para a progressão na carreira
desenvolvimento profissional dos professores. E possível,
por exemplo, alternar ano a ano a pontuação pela avaliação O princípio que se pretende demarcar é o da progressão
externa e a pontuação pela avaliação interna. na carreira como resultado da composição entre a oferta de
oportunidades de formação continuada e o investimento
Certificações da formação continuada do professor no seu próprio desenvolvimento profissional.
A partir disso, todas as avaliações aqui propostas devem
A atribuição de peso para a progressão na carreira então ser traduzidas em créditos que, somados à certificação
dada aos certificados que atestam a participação em ações e tempo de serviço indiquem a sua possibilidade, ou não,
de formação continuada não deve reduzir-se apenas à de avançar nos patamares da carreira.
identificação da frequência, mas ater-se principalmente Para isso a escola onde trabalha precisa formalizar
à qualidade da avaliação promovida. E preciso que essa as avaliações feitas e, junto com as auto avaliações,
avaliação explicite o que o professor aprendeu e em que encaminhá-las à secretaria de educação na forma de
medida esse aprendizado contribui para o aperfeiçoamento relatórios. Sempre que possível é interessante que a auto
da sua atuação. Ainda assim o peso desses certificados avaliação seja acompanhada do registro do trabalho,
não poderá ser igual ao peso da avaliação qualitativa da feito pelo próprio professor - na forma de um memorial
atuação do professor, até porque, é exatamente aí que a profissional, por exemplo -sistematizando e analisando sua
participação nessas ações precisa estar refletida. experiência profissional.

262
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Serão traduzidos em pontuação não só os resultados Neste artigo, trazemos para a discussão algumas
das avaliações das escolas e das auto avaliações, como questões, tais como: quais os possíveis significados da
também os resultados obtidos nas provas realizadas pela pesquisa na prática docente? Quais as dificuldades e os
secretaria de educação. desafios, em nosso país, para a realização da investigação na
A avaliação desse material precisa ser feita de modo escola pelos próprios profissionais que lá trabalham? Qual
criterioso e para fazê-la é interessante montar bancas a relevância desse tipo de pesquisa para a introdução de
avaliadoras integradas por técnicos da secretaria de inovações no currículo escolar e para a formação docente?
educação e representantes das instituições formadoras. Ainda em termos da formação, se um dia enfatizamos o
domínio dos conteúdos para depois nos concentrarmos
Fonte no domínio dos métodos, não seria o enfoque na pesquisa
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ mais uma escolha arbitrária que estaria negando outras
me002179.pdf possibilidades formativas também relevantes?
Dessa maneira, com a intenção de fomentar o
debate sobre o tema, o que pretendemos abordar neste
artigo é discutir possíveis significados da pesquisa na
A PESQUISA NA PRÁTICA DOCENTE. prática docente, e não o que ela de fato significa. É muito
importante que destaquemos este nosso propósito uma vez
que a problematização que traremos a seguir se refere às
nossas preocupações somente, e não se trata de questões
Pesquisa na prática docente que tenhamos recebido de um coletivo de professores e
professoras, até porque, enquanto estamos aqui pensando
Até princípios da década de 1980, as pesquisas sobre este assunto, eles estão na escola tratando de outras
em docência e formação de professores no Brasil coisas que demandam deles uma resposta muito mais
investigavam fundamentalmente sobre a prática docente, imediata.
e isso configurava, na maioria dos casos, uma relação de
distanciamento entre pesquisador e escola, fazendo com Mas, afinal, o que denominamos de pesquisa na
que esta fosse retratada a partir de um olhar externo. prática docente?
Empregando abordagens metodológicas que dialogavam
com a intencionalidade de investigar sobre a escola, essas
O significado da palavra “pesquisa” é polissêmico -
pesquisas educacionais produziam, muitas vezes, uma
portanto, dependendo de quem a utiliza, e do contexto
imagem negativa dessa escola, e, sobretudo, de professores
que a envolve, pode apresentar significados diferentes para
e professoras. Isso conduzia a um distanciamento entre a
pessoas diferentes. Tomemos, a princípio, a pesquisa como
produção acadêmica e a prática escolar, fazendo com que
atividade científica desenvolvida no universo acadêmico. Não
as pessoas que trabalham nas escolas não se interessassem
obstante as diversas orientações teóricas, metodológicas
pelos conhecimentos produzidos nas universidades,
e epistemológicas, a pesquisa científica busca dialogar
ao mesmo tempo em que dificultava aos próprios
pesquisadores conhecer e investigar os interesses daqueles com o paradigma no qual se inscreve. Tradicionalmente,
profissionais. as pesquisas percorrem caminhos os quais as caracterizam
Pesquisar sobre a escola, sobre os professores, enfim, como científicas, com a intencionalidade de conhecer
sobre o outro, era algo que não contribuía de forma determinado objeto para posteriormente socializar esse
significativa para o conhecimento do cotidiano escolar conhecimento. Como já nos ensinou Thomas Kuhn (2001),
e para a necessária aproximação entre universidade e imersos em atividades de investigações acadêmicas,
escola. Esse modelo de pesquisa começava a mostrar sua pesquisadores e pesquisadoras utilizam uma linguagem
insuficiência. Já não bastava olhar para o outro, observar comum aos membros da comunidade científica da qual
suas práticas e desenvolver análises sobre tudo isso. Era participam, e que os distingue como tais.
preciso repensar o lugar do pesquisador, questionar as O desenvolvimento de pesquisas na prática docente
abordagens metodológicas empregadas e, acima de tudo, é algo ainda polêmico no meio acadêmico, especialmente
abandonar qualquer tentativa de explicar as práticas para, entre aqueles que, abusando de uma linguagem prescritiva,
diferente disso, tentar compreender os significados que as apresentam e formulam as direções que os currículos
perpassavam. escolares e a formação de professores devem seguir. Essa
Têm início, então, pesquisas na e com a escola. Os polêmica provavelmente não existiria caso se tratasse
professores e as professoras, antes tomados na qualidade de algo a ser mantido sob o controle dessas mesmas
de meros “objetos”, passam a ser vistos como sujeitos, pessoas, algo que pudesse ser administrado por elas - mas,
participantes do processo de investigação. Preocupações daí perguntamos: quem pode controlar a produção de
epistemológicas levam os pesquisadores a questionar o conhecimentos do outro? A polêmica no meio acadêmico
conhecimento que produzem, sua relevância e capacidade acerca da possibilidade (ou não) de haver pesquisas na
de contribuir com a escola por meio dos resultados de prática encontra-se relacionada a questões de poder, e
suas investigações. Assim, de objeto de pesquisa, a prática isso porque ainda há quem olhe para a pesquisa na prática
docente passa a ser compreendida como espaçotempo1 como algo que possa competir com a pesquisa acadêmica,
de formação e de investigação coletiva. abalando sua legitimidade.2

263
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Assim, podemos encontrar nas universidades quem Socializando os saberes oriundos da prática, e tomando
defenda e quem critique, com bastante intensidade, a teoria como texto cuja serventia é a interlocução com
o desenvolvimento da pesquisa na prática docente. esses saberes, a prática investigativa na escola favorece
Examinando o que dizem, podemos notar que ambos os o esfacelamento de uma relação endurecida, onde
grupos, embora discordem entre si, dispõem de concepções tradicionalmente a teoria era tomada como texto a ser
semelhantes acerca do que seria essa pesquisa. Grande transformado em método e aplicado na prática.
parte dos acadêmicos envolvidos nessa discussão toma a Desenvolveremos um pouco mais, na seção seguinte,
pesquisa científica como modelo para a investigação na o tema da relação teoria e prática, procurando explicitar
prática, e parece-nos que reside aí a razão de toda a discórdia, a necessidade de outra compreensão para que se aceite
pois o que caracteriza a segunda é a simultaneidade entre e se admita a legitimidade e a relevância da pesquisa na
trabalho e pesquisa - o que, para alguns acadêmicos, prática docente. Porém, como essa temática já tem sido
configura essa investigação como qualquer outra coisa que bastante explorada na literatura especializada, não é nosso
não a pesquisa científica. A investigação desenvolvida na objetivo apresentar aqui uma discussão aprofundada sobre
prática dispõe, portanto, de um estatuto epistemológico e o assunto.
metodológico próprio e ainda pouco conhecido, e que em
muito pouco se assemelha à pesquisa científica. Pesquisa na prática docente: necessidade de uma
A pesquisa na prática docente trata-se de uma mudança de olhar sobre a relação teoria e prática
investigação desenvolvida no cotidiano escolar e
compreendida como discussão permanente acerca do Como sabemos, tradicionalmente, espera-se que a
currículo, da prática e da problemática social. Trata-se ainda teoria educacional seja aplicada de forma direta à prática
de uma pesquisa que possibilita a professores e professoras docente. Nos programas de formação profissional e
das escolas se firmarem na qualidade de sujeitos que nas escolas, é bastante comum ouvirmos frases do tipo:
autogerenciam sua própria formação, auxiliados pelo “Conheça a teoria e aplique-a em sua sala de aula”. E, então,
conhecimento teórico tomado como texto dialógico junto dispomo-nos a conhecer a teoria, para depois descobrir
à tessitura do cotidiano escolar. Refere-se também a uma que ela não se encaixa perfeitamente em nossas salas de
pesquisa que minimiza a tutela e legitima a emancipação aula. E isso acontece porque a primeira lição que nos ensina
docente, no sentido de romper com essa pretensiosa via a teoria - e isso dificilmente aprendemos - é que ela só
de mão única em que a palavra externa historicamente nos oferece serventia se a transformarmos em outra coisa:
vem tentando dizer o que deve ser a escola. Uma pesquisa em conhecimento. Teoria alguma se aplica diretamente a
que possibilita o conhecimento das teorias presentes nas prática alguma, mas toda teoria se entrega facilmente aos
práticas pedagógicas, as quais possam dialogar com o desdobramentos que alguém faz dela.
Desse modo, de acordo com a visão tradicional, a
conhecimento teórico produzido fora da escola. Remete
prática é concebida como ponto de chegada. A teoria,
ainda a um trabalho que potencializa a atitude investigativa
o método e, na atualidade, a pesquisa destinam-se e
no cotidiano escolar e propicia a discussão acerca de uma
devem se aplicar à prática. Tudo isso deveria nos causar
epistemologia das classes populares, inserindo na prática
estranhamento, afinal o lugar de chegada remete-nos à
a discussão permanente sobre as relações entre sociedade
ideia de ponto final, de terminalidade, e, em se tratando
e escola. Por fim, significa também uma pesquisa que
da teoria, do método e da pesquisa, a prática poderia ser
fortalece na escola o trabalho coletivo entre professores e
entendida, então, apenas como campo de aplicabilidade.
professoras, levando-os a sistematizar o conhecimento que
Essa relação linear em direção à prática desconsidera
produzem. justamente duas de suas mais significativas características:
A pesquisa na prática docente, desenvolvida o movimento e a imprevisibilidade. A prática docente,
por professores e professoras das escolas, é, além portanto, não pode ser considerada ponto de chegada, não
do mencionado anteriormente, uma forma bastante pode ser considerada espaço tempo de aplicabilidade de
interessante e eficaz de desenvolvimento profissional qualquer coisa que seja, e isso porque a prática não é um
(Zeichner & Diniz-Pereira, 2005). É inegável a contribuição lugar inerte onde algo possa ser simplesmente depositado.
da pesquisa nos processos formativos, uma vez que a É possível encontrar, na literatura educacional, no que
prática investigativa pressupõe a articulação de processos diz respeito não somente às reformas curriculares, mas
cognitivos, linguísticos, criativos, dialógicos e outros mais. A também aos programas de formação, muitas críticas a
pesquisa, portanto, interfere positivamente na constituição ações verticalizadas, ou seja, aquelas implementadas de
dos saberes docentes e na compreensão de sua própria cima para baixo. Essas ações são pensadas em esferas que
prática profissional. Favorece a tessitura de uma escola em não a escola, mas que deveriam ser por ela executadas.
que o conhecimento produzido passa a ser sistematizado, Aparentemente, há aqueles que pensam e aqueles que
discutido, socializado - uma escola em que as proposições executam e, se assim fosse, a implementação da pesquisa
externas se misturam às proposições internas. na prática docente seria algo simples de ser efetivado -
Por fim, do ponto de vista político, a pesquisa na prática bastaria um decreto e professores e professoras das escolas
docente também pode ser vista como um movimento se tornariam pesquisadores na próxima segunda-feira. Isso,
contra hegemônico que contribui para a ruptura de uma porém, não se passa assim. Se buscarmos nos estudos sobre
determinada forma de saber e poder (Diniz-Pereira, 2002). currículo, por exemplo, poderíamos perceber a distância

264
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

que há entre as diretrizes propostas por um poder central de trabalho dos docentes melhorem significativamente.
e o que efetivamente acontece nas escolas. Isso nos leva a Para tal, precisamos pensar em uma investigação que não
desconfiar de que as pessoas produzem coisas, e Certeau objetive perseguir os mesmos caminhos metodológicos
(1994) já nos disse isso há tempos. da pesquisa científica, que contribua para transformar as
Proposições verticalizadas só existem na intenção de práticas pedagógicas, registrar conhecimentos que vêm
quem ocupa o lugar de poder e na crítica de quem procura sendo produzidos, redimensionar a relação com a teoria
desvendá-las, porque, nas escolas, as pessoas tomam e, finalmente, problematizar a relação entre sociedade
essas proposições e fazem outras coisas com elas. E se isso e escola. Se a pesquisa científica parte de um problema
realmente acontece, é preciso então saber o que fazem, delimitado no interior de um tema mais amplo, a
para, assim, podermos compreender como é possível a pesquisa desenvolvida na prática docente é algo que não
pesquisa na prática de quem trabalha na escola, o que, começa em um lugar predeterminado, mas que reside na
além de ser algo diferente da pesquisa científica, também complexidade da prática, na necessidade de compreender
é algo bastante diferente da investigação desenvolvida por o cotidiano escolar, no desejo de compreender algo que
alguém que se encontra no momento da formação inicial. venha causando indignação e surpresa. Como fazer isso,
As implicações do desenvolvimento da pesquisa na então?
prática docente para a formação de professores serão Não há respostas simples para esta pergunta.
discutidas mais adiante neste texto. Antes, diante de todas Tampouco acreditamos que será por meio da apresentação
as dificuldades enfrentadas pela educação formal no Brasil, de uma receita que as dificuldades e os desafios em relação
não podemos de maneira alguma romantizar esse tema e, ao desenvolvimento da pesquisa na prática docente serão
por isso mesmo, mencionaremos, a seguir, alguns desafios resolvidos. Pensamos que o lugar para começar a buscar
que a pesquisa na prática docente enfrenta em nosso país. uma pluralidade de posicionamentos a respeito desse
assunto - e disso não temos dúvidas - é a própria escola.
Desafios do desenvolvimento da pesquisa na Se a pesquisa tem o potencial para transformar a escola em
prática docente no Brasil um lugar melhor - do ponto de vista intelectual, humano e
da aprendizagem (mais do que do ensino propriamente) -
Como se sabe, quem trabalha em escolas brasileiras e se os professores e as professoras devem investigar suas
- e, talvez, isso não seja muito diferente em vários outros próprias práticas para que isso aconteça, então é imperativo
lugares do mundo - envolve-se, na maior parte do tempo, que sejam inseridos na discussão dessa proposição os
apenas com atividades de ensino - o que não garante, que têm sido incluídos apenas como executores. Se a
necessariamente, a aprendizagem efetiva e significativa professores e professoras continuar sendo relegado o
entre os alunos. A carga horária dos docentes concentra- lugar de executores de ideias pensadas por outros, essas
se nas salas de aula e pressupõe a elaboração de proposições muito dificilmente farão parte da tessitura
planejamentos, cumprimento de propostas curriculares, escolar e continuarão sendo um apêndice - não importa o
processos diferenciados de avaliação e todas as demais quanto essas ideias sejam coerentes e interessantes.
atividades relacionadas ao ensino. Além disso, quem
trabalha na escola também precisa destinar uma parcela Implicações para a formação docente
de seu tempo às reuniões pedagógico-administrativas, em
que, geralmente, as ações limitam-se a questões técnicas Sabemos, por meio da literatura especializada e pelas
e burocráticas. A formação continuada, desenvolvida a práticas que ainda se perpetuam em muitas instituições
partir dos problemas que emergem da própria sala de aula, de ensino superior no país, que um dia a formação de
praticamente não existe. professores se preocupou enormemente com o domínio
Além disso, as condições desfavoráveis de trabalho dos dos conteúdos, e, assim, professores e professoras
nossos docentes - salários aviltantes, dupla ou até mesmo concluíam sua formação inicial supostamente dominando
tripla jornada de trabalho, sobrecarga de aulas, número os conteúdos das disciplinas que iriam ministrar. Isso,
excessivo de alunos por sala de aula etc. -, na maioria das contudo, foi mostrando sua insuficiência, e, assim, também
redes de ensino brasileiras, praticamente inviabilizam a os programas de formação profissional, baseados no
pesquisa na escola. Estamos bastante conscientes de que, modelo da racionalidade técnica, em que o conteúdo,
mantidas essas condições, a pesquisa na escola poderia desprovido dos meios, não respondia às necessidades
significar apenas a intensificação do trabalho docente. educativas.
Assim, poderíamos perguntar: como desenvolver, na Minimizando os conteúdos e intensificando os métodos
escola, ensino e pesquisa ao mesmo tempo? e as técnicas, os programas de formação promoveram uma
Se tomarmos o modelo de pesquisa científica como mudança significativa, mas quase nenhuma transformação.
norteador da investigação desenvolvida na prática Aqueles e aquelas que estavam sendo formados
docente, podemos afirmar que ensinar e pesquisar continuavam sendo vistos como alguém que precisava
concomitantemente na escola é algo impossível. É preciso, conhecer algo e que, para conhecer, precisava dominar esse
pois, desvencilharmo-nos desse modelo de investigação e algo conhecido. Esse conhecimento, contudo, estava fora do
tentarmos, junto com professores e professoras de escolas, sujeito conhecedor, não era produzido por ele e tampouco
discutir possibilidades de inserção da pesquisa no ensino, se originava a partir da prática. Substituindo a ênfase nos
ao mesmo tempo em que se lute para que as condições conteúdos pela ênfase nos métodos, houve mudança de

265
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

enfoque, mas a professores e professoras coube manter- Por fim, acreditamos que o movimento de pesquisa na
se no extremo de um processo verticalizado, no lugar de prática docente pode influenciar os cursos de licenciatura,
quem recebe, e por isso afirmamos que se tratou somente minimizando o enfoque anteriormente oferecido aos
de uma mudança, não de uma transformação. conteúdos e aos métodos, e inserindo a pesquisa como
Não queremos com isso afirmar que os programas eixo articulador da formação. As exigências legais pela
de formação devam relegar a segundo plano o ensino distribuição da parte prática no decorrer dos cursos, bem
dos conteúdos a serem ministrados, nem que também como a articulação entre a pesquisa, o estágio e a prática
não devam problematizar os métodos utilizados. de ensino, também contribuem para que, na atualidade,
Qualquer atividade de ensino precisa estar articulada, a pesquisa seja tomada como importante componente
necessariamente, a um currículo, a uma teoria, a um dos programas de formação de professores. Quais
método, mas, se quisermos uma transformação e não interpretações estão sendo realizadas, nas universidades e
somente uma mudança, é preciso que as atividades de demais instituições de ensino superior, sobre esse princípio
ensino estejam articuladas a currículos, teorias e métodos norteador? Como tais interpretações estão sendo traduzidas
que sejam problematizados permanentemente por aqueles em termos de propostas curriculares para os cursos de
e aquelas que trabalham nas escolas, por quem os precisa formação inicial de professores nas diversas instituições
articular, compreender, refutar e inventar cotidianamente de ensino superior brasileiras? Estas são questões também
em meio às práticas pedagógicas. urgentes de serem pesquisadas e debatidas em nosso país.
No modelo atual, em se tratando da pesquisa na
prática docente, quando esta se refere à investigação Fonte
como eixo formativo dos cursos de licenciatura, podemos Pereira, J. E. D; Lacerda, M. P.)
notar grande semelhança com o que se faz na pesquisa
científica: os alunos e alunas das licenciaturas delimitam
um objeto, fazem uma revisão de literatura sobre o tema,
detalham a metodologia de pesquisa, coletam e analisam
A EDUCAÇÃO EM SUA DIMENSÃO TEÓRICO-
dados para, por fim, produzirem um trabalho de conclusão FILOSÓFICA: FILOSOFIAS TRADICIONAIS
de curso - geralmente chamado de monografia - que é DA EDUCAÇÃO E TEORIAS EDUCACIONAIS
considerado um dos pré-requisitos da habilitação. Embora CONTEMPORÂNEAS; AS CONCEPÇÕES DE
não desconsideremos a relevância de todo esse trabalho APRENDIZAGEM/ALUNO/ENSINO/PROFESSOR
de iniciação científica, pensamos que ainda precisamos NESSAS ABORDAGENS TEÓRICAS.
avançar na discussão acerca da formação do professor e da
professora pesquisadores tendo como atividade formativa
o desenvolvimento de uma monografia. Mas esta é outra
FILOSOFIAS TRADICIONAIS DA EDUCAÇÃO E
questão, que não pretendemos abordar neste texto. TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS;
Simplesmente inserir a dimensão da pesquisa nos
cursos de licenciatura não garante, porém, a formação do FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
professor e da professora na qualidade de pesquisadores, e,
mesmo que isso fosse possível, o estatuto epistemológico Filosofia é um corpo de conhecimento, constituído
e metodológico empregado na investigação desenvolvida a partir de um esforço que o ser humano vem fazendo
durante a formação inicial muito dificilmente poderia ser de compreender o seu mundo e dar-lhe um sentido, um
utilizado em meio à prática pedagógica desenvolvida no significado compreensivo. Corpo de conhecimentos, em
cotidiano escolar. Pensamos que a inserção da dimensão Filosofia, significa um conjunto coerente e organizado de
da pesquisa nos cursos de licenciatura em muito tem entendimentos sobre a realidade. Conhecimentos estes
ajudado a desconstruir a artificialidade que havia na parte que expressam o entendimento que se tem do mundo, a
prática desses cursos, mas em pouco tem auxiliado para partir de desejos, anseios e aspirações.
a compreensão de como isso poderia dar-se no chão da Assim, podemos dizer que, a filosofia cria o ideário que
escola. norteia a vida humana em todos os seus momentos e em
Se a pesquisa na prática docente, tomada como eixo todos os seus processos.
articulador dos cursos de licenciatura, em diálogo com Neste sentido, a filosofia é uma força, é o sustentáculo
o estágio e a prática de ensino, pode ressignificar as de um modo de agir. É uma arma na luta pela vida e pela
disciplinas de conteúdo, também a pesquisa na prática emancipação humana.
docente, desenvolvida por professores e professoras das Em síntese, a filosofia é uma forma de conhecimento
escolas, pode imprimir movimento ao conhecimento que, interpretando o mundo, cria uma concepção coerente
teórico que, tradicionalmente, vem sendo tomado com a e sistêmica que possibilita uma forma de ação efetiva. Esta
intenção de ser aplicável. Cabe aqui, então, formular outra forma de compreender o mundo tanto é condicionada
questão que deixamos para o debate: se não pretendemos pelo meio histórico, como também é seu condicionante.
minimizar o acesso à teoria intensificando a investigação Ao mesmo tempo, pois, é uma interpretação do mundo e
sobre a prática, como poderemos estabelecer uma relação é uma força de ação.
dialógica entre ambas?

266
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Aplicações da Filosofia da Educação a economia; quais valores compreendem e orientam a


educação, se esta for o objeto de estudo e assim por diante.
A educação dentro de uma sociedade não se manifesta E preciso, pois, tomar consciência das ações, do lugar onde
como um fim em si mesma, mas sim como um instrumento se está e da direção que toma a vida. Direção que nasce
de manutenção ou transformação social. Assim sendo, ela tanto da consciência popular como da sedimentação do
necessita de pressupostos, de conceitos que fundamentem pensamento filosófico e político que se formulou e se
e orientem os seus caminhos. divulgou na sociedade com o passar do tempo.
A Filosofia fornece á educação uma reflexão sobre Feito esse inventário, que certamente nunca será
a sociedade na qual está situada, sobre o educando, o completo e é tão abrangente quanto todos os setores
educador e para onde esses elementos podem caminhar. da vida, é preciso passar para um segundo momento – o
O educando, quem é, o que deve ser, qual o seu momento da crítica. Tomar esses valores e submetê-los
papel no mundo; o educador, quem é, qual o seu papel a uma crítica acerba, questioná-los por todos os ângulos
no mundo; a sociedade, o que é, o que pretende; qual possíveis para verificar se são significativos e se, de fato,
deve ser a finalidade da ação pedagógica. Esses são alguns compõem o sentido que queremos dar à existência. O
problemas que exigem a reflexão filosófica. padre Vaz, num artigo sobre a “Filosofia no Brasil”, diz que
A Filosofia propõe questionar, a interpretação do esse momento do filosofar assemelha-se a um “tribunal de
mundo que temos, e procura buscar novos sentidos e razão”, que faz passar pelo crivo da crítica todos os valores
novas interpretações de acordo com os novos anseios que vigentes que dão sentido à nossa cotidianidade.
possam ser detectados no seio da vida humana. A crítica é um modo de penetrar dentro desses valores,
descobrindo-lhes sua essência. E uma forma de colocá-los
O processo do filosofar em xeque e desvendar-lhes os segredos.
Contudo, ninguém pode viver exclusivamente da
Acreditamos já ter indicado que a filosofia é um corpo negação, do processo de “vasculhação” dos valores.
de entendimentos que compreende e dá significado ao Não se vive na negatividade. Então, importa um terceiro
mundo e à existência. Importa saber agora como é que momento do filosofar: a construção crítica dos valores que
se constitui a filosofia, como é que se constrói esse corpo sejam significativos para compreender e orientar nossas
de entendimentos, que poderemos assumir criticamente vidas individuais e dentro da sociedade. Valores que sejam
como aquele que queremos para o direcionamento de suficientemente válidos para guiar a ação na direção que
nossas experiências. queremos ir.
Para abordar essa questão, em primeiro lugar, temos São, pois, em síntese, três passos: inventariar os valores
que colocar na nossa cabeça que o filosofar, além de não ser vigentes; criticá-los; reconstruí-los. E um processo dialético
inútil, não é tão difícil e complicado, como se fosse tarefa que vai de uma determinada posição para a sua superação
só para gente ultraespecializada. Sobre isso Gramsci nos teórico-prática.
diz que “deve-se destruir o preconceito, muito difundido, Diante do exposto, talvez, estejamos exclamando: “mas
de que a filosofia seja algo muito difícil pelo fato de ser a é tão fácil, assim, o filosofar”? É e não é, ao mesmo tempo!
atividade intelectual própria de uma determinada categoria É simples, porém não é mecânico como aparece nesta
de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e exposição didática. Na mesma medida em que estamos
sistemáticos”. inventariando os valores vigentes, estamos criticando-os e
Só superando esses preconceitos de dificuldade e reconstruindo-os. Isso porque, a não ser para a exposição
de especialidade é que podemos nos convencer de que, didática, esses momentos não são seccionados. Um nasce
a contragosto de muitos governantes e muitos políticos, de dentro do outro. Isso se torna mais compreensível se
podemos e devemos nos dedicar ao filosofar. E para deixarmos o caso de um filósofo individual e tomarmos as
dedicar-se a esta atividade que vale a pena discutir o correntes teóricas e históricas. Certos entendimentos da
método do filosofar, a fim de que todos nós passemos a modernidade têm vínculos com a Idade Média, e certos
praticá-lo cotidianamente. valores, que vivemos hoje, tiveram seus prenúncios na
Já vimos que quando não temos um corpo filosófico Idade Moderna. Algo semelhante ocorre na vida individual
que dê sentido e oriente a nossa vida, assumimos o que do filósofo. Ele entra num processo de crítica dos valores
é comum e hegemônico na sociedade; assumimos o enquanto estes estão vigentes, mas também enquanto
“senso comum”, que é o conjunto de valores assimilados entre eles iniciam-se os prenúncios de certas aspirações e
espontaneamente, na vivência cotidiana. anseios dos seres humanos. Assim, por exemplo, Herbert
Para iniciar o exercício do filosofar, a primeira coisa a Marcuse, um filósofo alemão contemporâneo, criticou os
fazer é admitir que vivemos e vivenciamos valores e que é valores da sociedade industrial e propôs os valores de
preciso saber quais são eles. O primeiro passo do filosofar é uma nova sociedade preocupada com uma vida menos
inventariar os valores que explicam e orientam a nossa vida, unidirecionada para a produtividade econômica e mais
e a vida da sociedade, e que dimensionam as finalidades da voltada para a vida plena, com sentimentos, emoções, amor,
prática humana. Assim, é preciso se perguntar quais são vida etc. Como e por que Marcuse conseguiu se posicionar
os valores que dão sentido e orientam a vida familiar, se dessa forma? Porque nasceu e viveu após a Revolução
se estiver analisando a família; quais valores compreendem Industrial, podendo inventariar e criticar os seus valores. E
e orientam a vida econômica, se se estiver questionando também por ter vivido num momento histórico em que os

267
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

seres humanos estão exaustos desses valores e aspirando educadores. Foram, inclusive, no Ocidente os primeiros a
por outros que lhes garantam mais vida. Marcuse captou receberem pagamento para ensinar. Sócrates foi o homem
o “espírito” dessa época. O filósofo individual, pois, entra que morreu em função do seu ideal de educar os jovens e
na corrente do contexto em que vive. Isso não quer dizer estabelecer uma moralização do ambiente grego ateniense.
que ele seja um puro reprodutor dessa época, mas sim um Platão foi o que pretendeu dar ao filósofo o posto de rei,
captador de seu “espírito”, como vimos anteriormente. a fim de que este tivesse a possibilidade de imprimir na
É assim que nós vamos filosofar: inventariar conceitos juventude as ideias do bem, da justiça, da honestidade.
e valores; estudar e criticar valores; estudar e reconstruir Da mesma maneira, se percorrermos a História
conceitos e valores. Para que isso ocorra, é preciso não da Filosofia e dos filósofos, vamos verificar que todos
só olhar o dia-a-dia, mas ler e estudar o que disseram os eles tiveram uma preocupação com a definição de
outros pensadores, os outros filósofos. Eles poderão nos uma cosmovisão que deveria ser divulgada através dos
auxiliar, tirando-nos do nosso nível de entendimento e processos educacionais.
dando-nos outras categorias de compreensão. Filosofia e Educação são dois fenômenos que estão
Assim, o nosso exercício do filosofar será um esforço de presentes em todas as sociedades. Uma como interpretação
inventário, crítica e reconstrução de conceitos, auxiliados teórica das aspirações, desejos e anseios de um grupo
pelos pensadores que nos antecederam. Eles têm uma humano, a outra como instrumento de veiculação dessa
contribuição a nos oferecer, para nos auxiliar em nosso interpretação.
trabalho de construir nosso entendimento filosófico do A Filosofia fornece à educação uma reflexão sobre
mundo e da ação. a sociedade na qual está situada, sobre o educando, o
educador e para onde esses elementos podem caminhar.
Filosofia e Educação Nas relações entre Filosofia e educação só existem
realmente duas opções: ou se pensa e se reflete sobre o
A educação é um típico “que-fazer” humano, ou seja, que se faz e assim se realiza uma ação educativa consciente;
um tipo de atividade que se caracteriza fundamentalmente ou não se reflete criticamente e se executa uma ação
por uma preocupação, por uma finalidade a ser atingida. pedagógica a partir de uma concepção mais ou menos
A educação dentro de uma sociedade não se manifesta obscura e opaca existente na cultura vivida do dia-a-dia –
como um fim em si mesma, mas sim como um instrumento e assim se realiza uma ação educativa com baixo nível de
de manutenção ou transformação social. Assim sendo, ela consciência.
necessita de pressupostos, de conceitos que fundamentem O educando, quem é, o que deve ser, qual o seu
e orientem os seus caminhos. A sociedade dentro da qual papel no mundo; o educador, quem é, qual o seu papel
ela está deve possuir alguns valores norteadores de sua no mundo; a sociedade, o que é, o que pretende; qual
prática. deve ser a finalidade da ação pedagógica. Estes são alguns
Não é nem pode ser a prática educacional que problemas que emergem da ação pedagógica dos povos
estabelece os seus fins. Quem o faz é a reflexão filosófica para a reflexão filosófica, no sentido de que esta estabeleça
sobre a educação dentro de uma dada sociedade. pressupostos para aquela.
As relações entre Educação e Filosofia parecem ser Assim sendo, não há como se processar uma ação
quase “naturais”. Enquanto a educação trabalha com o pedagógica sem uma correspondente reflexão filosófica. Se
desenvolvimento dos jovens e das novas gerações de uma a reflexão filosófica não for realizada conscientemente, ela
sociedade, a filosofia é a reflexão sobre o que e como o será sob a forma do “senso comum”, assimilada ao longo
devem ser ou desenvolver estes jovens e esta sociedade. da convivência dentro de um grupo. Se a ação pedagógica
Anísio Teixeira chega a, refletir que “muito antes que não se processar a partir de conceitos e valores explícitos e
as filosofias viessem expressamente a ser formuladas em
conscientes, ela se processará, queiramos ou não, baseada
sistemas, já a educação, como processo de perpetuação da
em conceitos e valores que a sociedade propõe a partir de
cultura, nada mais era do que o meio de se transmitir a
sua postura cultural.
visão do mundo e do homem, que a respectiva sociedade
Quando não se reflete sobre a educação, ela se
honrasse e cultivasse”. Evidentemente, nessa afirmação o
processa dentro de uma cultura cristalizada e perenizada.
autor está tomando filosofia como forma de vida de um
Isso significa admitir que nada mais há para ser descoberto
povo, e não como sistema filosófico elaborado e explicitado
em termos de interpretação do mundo. E propriamente a
deliberadamente.
reprodução dos meios de produção.
Deve-se mesmo observar que os primeiros filósofos
do Ocidente, na quase totalidade, tiveram um “preocupar” “Por mais grandiosa que seja uma cultura — diz
com o aspecto educacional. Os chamados filósofos pré- Arcângelo Buzzi — ela jamais é a interpretação acabada
socráticos, os sofistas, Sócrates, Platão foram os intérpretes do ser. A ciência, a moral, a arte, a religião, a política, a
das aspirações de seus respectivos tempos e apresentaram- economia são expressões visíveis, codificadas de uma
se sempre como educadores. determinada interpretação, que em seu conjunto perfaz
Por exemplo, os pré-socráticos, pelo que podemos aquilo que denominamos cultura ou, de modo mais amplo,
saber por seus fragmentos, dedicavam-se a entender `mundo’. Estamos tão habituados a encarar esse `mundo’
a origem do cosmos e a criar uma compreensão para a interpretado como `natural’ que não nos damos conta de
educação moral e espiritual dos homens. Os sofistas foram que ele é apenas possível e realizada interpretação do ser”.

268
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Inconscientemente, adaptamo-nos a essa interpretação se no esforço para garantir aos trabalhadores um ensino da
do mundo e ela permanecerá como a única para nós, se melhor qualidade possível nas condições históricas atuais.
não nos pusermos a filosofar sobre ela, a questioná-la, O papel de uma teoria crítica da educação é dar substância
a buscar-lhe novos sentidos e novas interpretações de concreta a essa bandeira de luta, de modo a evitar que ela
acordo com os novos anseios que possam ser detectados seja apropriada e articulada com os interesses dominantes.
no seio da vida humana. A educação como transformadora da sociedade recusa-
Filosofia e educação, pois, estão vinculadas no tempo e se tanto ao otimismo ilusório, quanto ao pessimismo
no espaço. Não há como fugir a essa “fatalidade” da nossa imobilizador. Por isso, propõe-se compreender a educação
existência. Assim sendo, parecenos ser mais válido e mais dentro de seus condicionantes e agir estrategicamente
rico, para nós e para a vida humana, fazer esta junção de para a sua transformação. Propõe-se desvendar e utilizar
uma maneira consciente, como bem cabe a qualquer ser das próprias contradições da sociedade, para trabalhar
humano. E a liberdade no seio da necessidade. criticamente pela sua transformação.
Quando não pensamos, somos pensados e dirigidos
Pedagogia por outros.

Uma pedagogia inclui mais elementos que os puros Os Sujeitos do Processo Educativo: O Ser Humano
pressupostos filosóficos da educação, tais como os
processos socioculturais, a concepção psicológica do O ser humano emerge no seu modo de ser dentro de
educando, a forma de organização do processo educacional um conjunto de relações sociais.
etc.; porém, esses elementos compõem uma Pedagogia São as ações, reações, os modos de agir, as condutas
à medida que estão aglutinados e articulados a partir normatizadas, as censuras, as convivências sadias ou
de um pressuposto, de um direcionamento filosófico. neuróticas, as relações de trabalho, de consumo etc. que
A reflexão filosófica sobre a educação é que dá o tom à constituem prática, social e historicamente o ser humano.
pedagogia, garantindo-lhe a compreensão dos valores O ser humano é prático, pois é através da ação que
que, hoje, direcionam a prática educacional e dos valores modifica o ambiente, tornando-o satisfatório ás suas
que deverão orientá-la para o futuro. Assim, não há como necessidades; e enquanto transforma a realidade, constrói a
se ter uma proposta pedagógica sem pressuposições (no si mesmo no seio das relações sociais determinadas.
sentido de fundamentos) e proposições filosóficas, desde O ser humano é social na medida em que vive e
que tudo o mais depende desse direcionamento. Para sobrevive socialmente. A sua prática é dimensionada por
lembrar exemplos corriqueiros, a “Pedagogia Montessori”, suas relações com os outros.
a “Pedagogia Piagetiana”, a “Pedagogia da Libertação” O ser humano é histórico uma vez que suas características
do professor Paulo Freire, e todas as outras sustentam-se não são fixas nem eternas, mas determinadas pelo tempo,
em um pensamento filosófico sobre a educação. Se nem que passa a ser constitutivo de si mesmo.
sempre esses pressupostos estão tão explícitos, é preciso Em síntese, o ser humano é ativo, vive determinadas
explicitá-los, desde que eles sempre existem. Por vezes, eles relações sociais de produção, num determinado momento
estão subjacentes, mas nem por isso inexistentes. O estudo do tempo. Como consequência disso, cada ser humano é
e a reflexão deverão “obrigá-los” a aparecer, desde que só a propriamente o conjunto das relações sociais que vive, de
partir da tomada de consciência desses pressupostos é que forma prática, social e histórica.
se pode optar por escolher uma ou outra pedagogia para O ser humano se torna propriamente humano na
nortear nossa prática educacional. medida em que, conjuntamente com outros seres humanos,
pela ação, modifica o mundo externo conforme suas
Educação como transformação da sociedade necessidades ao mesmo tempo, constrói-se a si mesmo.
Assim, enquanto ele humaniza a natureza pelo seu
Não há uma pedagogia que esteja isenta de trabalho, humaniza-se a si mesmo.
pressupostos filosóficos. Educador e educando, como seres individuais e sociais
É possível compreender a educação dentro da ao mesmo tempo, constituídos na trama contraditória
sociedade, com seus determinantes e condicionantes, mas de consciência crítica e alienação interagem no processo
com a possibilidade de trabalhar pela sua democratização. educativo. Eles são sujeitos da história na medida em que a
Para tanto, importa interpretar a educação como uma constroem ao lado de outros seres humanos, num contexto
instância dialética, que serve a um projeto, a um modelo, a socialmente definido.
um ideal de sociedade. Ela trabalha para realizar esse projeto
na prática. Assim, se o projeto for conservador, medeia Fonte
a conservação, contudo se o projeto for transformador, LUCKESI, C. Filosofia da Educação – São Paulo: Cortez,
medeia a transformação; se o projeto for autoritário, medeia 2013
a realização do autoritarismo; se o projeto for democrático,
medeia a realização da democracia. Neste texto objetiva-se sistematizar as características
Do ponto de vista prático trata-se de retomar do pensamento pedagógico de diferentes autores sobre
vigorosamente a luta contra a seletividade, a discriminação a contextualização dos ambientes educativos de onde
e o rebaixamento do ensino das camadas populares. Lutar emergem a compreensão de homem, mundo e sociedade;
contra a marginalidade, através da escola, significa engajar- compreender o papel do professor, do aluno, da escola e

269
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

dos elementos que compõem o ambiente escolar; estabelecer relação entre as tendências pedagógicas e a prática docente
que os professores adotam na sala de aula. Além disso, busca-se verificar os pressupostos de aprendizagem empregados
pelas diferentes tendências pedagógicas na prática escolar brasileira, numa tentativa de contribuir, teoricamente, para a
formação continuada de professores.
As tendências pedagógicas definem o papel do homem e da educação no mundo, na sociedade e na escola, o que
repercute na prática docente em sala de aula graças a elementos constitutivos que envolvem o ato de ensinar e de aprender.
A seguir, serão apresentados, os pensamentos pedagógicos dos estudiosos Paulo Freire, José Carlos Libâneo, Fernando
Becker e Maria das Graças Nicoletti Mizukami.

a) Paulo Freire: Educação Bancária e Problematizadora


Abordar o pensamento pedagógico de Paulo Freire não significa enquadrá-lo em um campo teórico determinado
nem testar a validade científica da sua pedagogia. Todavia, é de fundamental importância para a formação de qualquer
profissional de Educação que se faça uma leitura e reflexão sobre sua obra, buscando estabelecer uma vivência teórico-
prática durante toda a nossa ação docente. A esse respeito, o próprio Freire sempre chamava a atenção para um novo
conhecimento que é gerado e produzido na tensão entre a prática e a teoria.
A história de Paulo Freire nos deixa uma grande herança: a sua práxis político-pedagógica e a luta pela construção de
um projeto de sociedade inclusiva. Discutir a sua pedagogia é um compromisso de todos nós que lutamos por inclusão
social, por ética, por liberdade, por autonomia, pela recuperação da memória coletiva e pela construção de um projeto para
uma escola cidadã.
Em Pedagogia do Oprimido (1982), Paulo Freire fala sobre a prática docente sob a forma de Educação Bancária e
Educação Problematizadora – também chamada de Libertadora, pois se propõe a conscientizar o educando de sua realidade
social. Para Freire, há duas concepções de educação: uma bancária, que serve à dominação e outra, problematizadora, que
serve à libertação. Nesse sentido, faz uma opção pela educação problematizadora que desde o início busca a superação
educador-educando. Isso nos leva a compreender um novo termo: educador-educando com educando-educador.
Quadro-síntese da concepção da Educação Bancária e Educação Problematizadora de Paulo Freire (1982).

Educação Bancária Educação Problematizadora


“Para o educador-educando [...] o conteúdo
O aluno é o banco em que o mestre programático da educação não é uma doação
deposita o seu saber que vai render ou imposição, mas a revolução organizada, sis-
Ensino
largos juros, em favor da ordem social tematizada e acrescentada ao povo daqueles
que o professor representa. elementos que este lhe entregou de forma de-
sestruturada”.
Reforça a imprescindibilidade de uma educação
A narração é a técnica utilizada pelo
realmente dialógica, problematizadora e marca-
educador para depositar conteúdo nos
Método damente reflexiva, combinações indispensáveis
educandos e conduzi-los à memoriza-
para o desvelamento da realidade e sua apreen-
ção mecânica.
são consciente pelo educando.
O saber é uma doação dos que se
A ação dialógica se dá entre os sujeitos “ainda
julgam sábios aos que julgam nada
que tenham níveis distintos de função, portanto,
saber. Doação que se funda numa das
Professor-aluno de responsabilidade somente pode realizar-se na
manifestações instrumentais da ideo-
comunicação”. Abomina, dentre outras coisas, a
logia da opressão – a absolutização da
dependência dominadora.
ignorância.
Conhecimento é algo que, por ser
O comprometimento com a transformação social
Aprendizagem imposto, passa a ser absorvido passi-
é a premissa da educação Libertadora.
vamente.

A partir desse quadro-síntese constata-se que a Educação Bancária fundamenta-se numa prática narradora, sem
diálogo, para a transmissão e avaliação de conhecimento numa relação vertical – o saber é fornecido de cima para baixo – e
autoritária, pois manda aquele que sabe.
O método da concepção bancária é a opressão, o antidiálogo. Configura-se então a educação exercida como uma
prática da dominação, “em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos,
guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam”.
Na educação problematizadora, o conhecimento deve vir do contato do homem com o seu mundo, que é dinâmico,
e não como um ato de doação. Supera-se, pois a relação vertical e se estabelece a relação dialógica, que supõe uma troca
de conhecimento.

270
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Freire (1982) destaca que o “educador já não é o que As Tendências Pedagógicas Liberais tiveram seu início
apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em no século XIX, tendo recebido as influências do ideário
diálogo com o educando que, ao ser educado, também da Revolução Francesa (1789), de “igualdade, liberdade,
educa”. Para o autor a dialogicidade é a essência da fraternidade”, que foi, também, determinante do liberalismo
Educação Libertadora. Além disso, outras características no mundo ocidental e do sistema capitalista, onde
são necessárias para que ela se concretize tais como: estabeleceu uma forma de organização social baseada
colaboração, união, organização e síntese cultural. na propriedade privada dos meios de produção, o que se
Ao desenvolver uma epistemologia do conhecimento, denominou como sociedade de classes. Sua preocupação
Freire parte de uma reflexão acerca de uma experiência básica é o cultivo dos interesses individuais e não-sociais.
concreta para desenvolver sua metodologia dialética: ação- Para essa tendência educacional, o saber já produzido
reflexão- ação. Metodologia que parte da problematização (conteúdos de ensino) é muito mais importante que a
da prática concreta, vai à teoria estudando-a e experiência do sujeito e o processo pelo qual ele aprende,
reelaborando-a criticamente e retorna à prática para mantendo o instrumento de poder entre dominador e
transformá-la. Nesta concepção, o diálogo se apresenta dominado.
como condição fundamental para sua concretização. Na Tendência Liberal Tradicional, é tarefa do educador
Ele nos apresenta sua teoria metodológica a partir da sua fazer com que o educando atinja a realização pessoal
prática refletida na alfabetização de jovens e adultos, iniciada através de seu próprio esforço. O cultivo do intelecto é
na década de 1960. O trabalho, que foi denominado como descontextualizado da realidade social, com ênfase para o
“método Paulo Freire”, ou “método de conscientização” foi estudo dos clássicos e das biografias dos grandes mestres.
desenvolvido, a partir de uma leitura de mundo, em cinco A transmissão é feita a partir dos conteúdos acumulados
fases: levantamento do universo vocabular, temas geradores historicamente pelo homem, num processo cumulativo,
e escolha de palavras geradoras, criação de situações sem reconstrução ou questionamento. A aprendizagem se
existenciais típicas do grupo, elaboração de fichas-roteiro e dá de forma receptiva, automática, sem que seja necessário
leitura de fichas com a decomposição das famílias fonêmicas. acionar as habilidades mentais do educando além da
Apesar do reconhecimento da qualidade emancipatória do memorização.
processo de alfabetização divulgada e experienciada em Seu método enfatiza a transmissão de conteúdos
vários países, Freire insistiu que as experiências não podem e a assimilação passiva. É ainda intuitivo, baseado na
ser transplantadas, mas reinventadas. Nesse sentido, o da estimulação dos sentidos e na observação. Através da
reinvenção, é que acreditamos nas possibilidades didáticas memorização, da repetição e da exposição verbal, o
das experiências com a pedagogia freireana. educador chega a um interrogatório (tipo socrático),
Ele reforça a importância da participação democrática estimulando o individualismo e a competição. Envolve cinco
e o exercício da autonomia para construção dos projetos passos que, segundo Friedrich Herbart, são os seguintes:
político-pedagógicos. Em oposição, condena os novos preparação, recordação, associação, generalização e
pacotes pedagógicos impostos sem a participação da aplicação.
comunidade escolar e incentiva a incorporação de múltiplos Libâneo (1994) afirma ainda que o ensino é centrado
saberes necessários à prática de educação crítica. Para isso, no professor que expõe e interpreta o conhecimento. Às
referencia o respeito aos saberes socialmente construídos vezes, o conteúdo de ensino é apresentado com auxílio de
na prática comunitária e sugere que se discuta com os objetos, ilustrações ou exemplos, embora o meio principal
alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação seja a palavra, a exposição oral. Supõe-se que ouvindo e
ao ensino dos conteúdos e às razões políticas ideológicas. fazendo exercícios repetitivos, os alunos “gravam” o assunto
para depois reproduzi-lo quando forem interrogados pelo
b) José Carlos Libâneo: Pedagogia Liberal e Pedagogia professor ou através das provas. Para isso, é importante
Progressista que o aluno “preste atenção” para que possa registrar mais
Libâneo classifica as tendências pedagógicas, segundo facilmente, na memória, o que é transmitido.
a posição que adotam em relação aos condicionantes Desse modo, o aluno é um recebedor do conteúdo,
sociopolíticos da escola, em Pedagogia Liberal – subdividida cabendo-lhe a obrigação de memorizá-lo. Os objetivos das
em tradicional, renovada progressivista, renovada não-diretiva aulas, explícitos ou não no planejamento dos professores,
e tecnicista – e Pedagogia Progressista – que se subdivide em referem-se à formação de um aluno ideal, desvinculado
libertadora, libertária e crítico-social dos conteúdos. da sua realidade concreta. O professor tende a encaixar os
Segundo LIBÂNEO (1994), a pedagogia liberal alunos num modelo idealizado de homem que nada tem a
sustenta a ideia de que a escola tem por função preparar ver com a vida presente e futura.
os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de O conteúdo a ser ensinado é tratado isoladamente,
acordo com as aptidões individuais. Isso pressupõe que o isto é, desvinculado dos interesses dos alunos e dos
indivíduo precisa adaptar-se aos valores e normas vigentes problemas reais da sociedade e da vida. O método
na sociedade de classe, através do desenvolvimento da de ensino é dado pela lógica e sequência do assunto,
cultura individual. Devido a essa ênfase no aspecto cultural, modo pelo qual o professor se apoia para comunicar-se
as diferenças entre as classes sociais não são consideradas, desconsiderando o processo cognitivo desenvolvido pelos
pois, embora a escola passe a difundir a ideia de igualdade alunos para aprender. Todavia, alguns 5 métodos intuitivos
de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de foram incorporados ao ensino tradicional, baseando-se na
condições. apresentação de dados ligados à sensibilidade dos alunos

271
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

de modo que eles pudessem observá-los e, a partir daí, Nessa perspectiva, Libâneo (1994) afirma que o aluno
formar imagens mentais. Muitos professores ainda acham aprende melhor tudo o que faz por si próprio. Não se
que “partir do concreto” constitui-se na chave do ensino trata apenas de aprender fazendo, no sentido de trabalho
atualizado. Essa ideia, entretanto, já fazia parte da Pedagogia manual, de ações de manipulação de objetos. Trata-
Tradicional porque o concreto (mostrar objetos, ilustrações, se de colocar o aluno frente a situações que mobilizem
gravuras, entre outros) serve apenas para que o aluno suas habilidades intelectuais de criação, de expressão
grave na mente o que é captado pelos sentidos. O material verbal, escrita, plástica, entre outras formas de exercício
concreto é mostrado, demonstrado, manipulado, mas o cognitivo. O centro da atividade escolar, portanto, não é o
aluno não lida mentalmente com ele, não o repensa, não o professor nem a matéria, mas o aluno em seu caráter ativo
reelabora com o seu próprio pensamento. A aprendizagem e investigador. O professor incentiva, orienta, organiza as
é, portanto, receptiva, automática, não mobilizando a situações de aprendizagem, adequando-as às capacidades
atividade mental do aluno e o desenvolvimento de suas de características individuais dos alunos.
capacidades intelectuais, embora tenham surgido nos Assim, essa didática ativa valoriza métodos e técnicas
últimos anos inúmeras propostas de renovação das como o trabalho em grupo, as atividades cooperativas,
abordagens do processo ensinoaprendizagem, como as o estudo individual, as pesquisas, os projetos, as
sugestões presentes nos atuais Parâmetros Curriculares experimentações, dentre outros, bem como os métodos de
Nacionais. reflexão e método científico de descobrir conhecimentos.
A Pedagogia Renovada, por outro lado, retoma aspectos Tanto na organização das experiências de aprendizagem
referentes às perspectivas progressivistas baseadas em John como na seleção de métodos, importa o processo de
Dewey, bem como a não-diretiva inspirada em Carl Rogers, aprendizagem e não diretamente o ensino. O melhor
a culturalista, a piagetiana, a montessoriana e outras. método é aquele que atende às exigências psicológicas do
Todavia, o que caracteriza fortemente os conhecimentos e aprender.
a experiência da Didática brasileira vem, em sua maioria, Em síntese, a tendência dessa escola é deixar os
do movimento da Escola Nova (entendida como “direção conhecimentos sistematizados em segundo plano,
da aprendizagem” e que considera o aluno como sujeito da valorizando mais o processo de aprendizagem e os fatores
aprendizagem). Nessa concepção pedagógica, o professor que possibilitam o desenvolvimento das capacidades e
deve deixar o aluno em condições mais adequadas habilidades intelectuais de quem aprende. Desse modo, os
possíveis para que possa partir das suas necessidades e adeptos dessa tendência didática acreditam que o professor
ser estimulado pelo ambiente para vivenciar experiências e não ensina, mas orienta o aluno durante o processo de
buscar por si mesmo o conhecimento. aprendizagem, sugerindo assim uma didática não diretiva
Segundo Libâneo (1994), essa tendência, no Brasil, no ensinoaprendizagem. Isso porque o conhecimento
segue duas versões distintas: a Renovada Progressivista ocorre a partir de um processo ativo de busca do aprendiz
(que se refere a processos internos de desenvolvimento e orientado pelo professor, constituindo-se, então, o eixo
do indivíduo; não confundir com progressista, que se norteador da ação educativa, centrada nas atividades de
refere a processos sociais) ou Pragmatista, inspirada nos investigação.
Pioneiros da Escola Nova, e a Tendência Renovada não- A Tendência Liberal Tecnicista tem seu início com o
Diretiva, inspirada em Carl Rogers e A. S. Neill, que se volta declínio, no final dos anos 60, da Escola Renovada, quando,
muito mais para os objetivos de desenvolvimento pessoal e mais uma vez, sob a instalação do regime militar no país, as
relações interpessoais (sendo que este último não chegou elites dão ênfase a um outro tipo de educação direcionada
a desenvolver um sistema a respeito dos métodos da às massas, a fim de conservar a posição de dominação, ou
educação). Seu método de ensino é o ativo, que inicialmente seja, manter o status quo dominante.
se caracteriza pelo método “aprender fazendo” e, após a Atendendo os interesses da sociedade capitalista,
junção dos cinco passos propostos por Dewey (experiência, inspirada especialmente na teoria behaviorista, corrente
problema, pesquisa, ajuda discreta do professor, estudo do comportamentalista organizada por Skinner e na
meio natural e social), desenvolve o “aprender a aprender”, abordagem sistêmica de ensino, traz como verdade
que, privilegiando os estudos independentes e também absoluta a neutralidade científica e a transposição dos
os estudos em grupo, seleciona uma situação vivida pelo acontecimentos naturais à sociedade.
educando que seja desafiante e que careça de uma solução Negando os determinantes sociais, o tecnicismo
para um problema prático. Para Saviani, por estes motivos tinha como princípios a racionalidade, a eficiência, a
e outros de ordem política, a Escola Nova, seguidora produtividade e a neutralidade científica, produzindo,
dessas vertentes, acaba por aprimorar o ensino das elites no âmbito educacional, uma enorme distância entre o
e rebaixar o das classes populares. Mas, mesmo recebendo planejamento - preparado por especialistas e não por
esse tipo de crítica, podemos considerá-la como o mais educadores, seus meros executores - e a prática educativa.
forte movimento “renovador” da educação brasileira. Nesse período, a educação passa a ter seu trabalho
Para a tendência renovada, o papel da educação é parcelado, fragmentado, a fim de produzir determinados
o de atender as diferenças individuais, as necessidades produtos desejáveis pela sociedade capitalista e industrial.
e interesses dos educandos, enfatizando os processos Muitas propostas surgem como enfoque sistêmico, o
mentais e 6 habilidades cognitivas necessárias à adaptação microensino, o tele-ensino, a instrução programada, entre
do homem ao meio social. O educando é, portanto, o outras. Subordina a educação à sociedade, tendo como
centro e sujeito do conhecimento. função principal a produção de indivíduos competentes,

272
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

ou seja, a preparação da mão-de-obra especializada para o Nessa perspectiva, Libâneo (1994), designa à Pedagogia
mercado de trabalho a ser consolidado. Neste contexto, a Progressista três tendências:
pedagogia tecnicista termina contribuindo ainda mais para A Pedagogia Progressista Libertadora que, partindo
o caos no campo educativo, gerando, assim, a inviabilidade de uma análise crítica das realidades sociais, sustenta os
do trabalho pedagógico. fins sociopolíticos da educação. Teve seu início com Paulo
Seu método é o da transmissão e recepção de Freire, nos anos 60, rebelando-se contra toda forma de
informações. Nele, o educando é submetido a um processo autoritarismo e dominação, defendendo a conscientização
de controle do comportamento, a fim de que os objetivos como processo a ser conquistado pelo homem, através
operacionais previamente estabelecidos possam ser da problematização de sua própria realidade. Sendo
atingidos. Trata-se do “aprender fazendo”. revolucionária, ela preconizava a transformação da
Trata-se de uma tendência pedagógica que ganhou sociedade e acreditava que a educação, por si só, não faria
certa autonomia quando se constituiu especificamente tal revolução, embora fosse uma ferramenta importante e
como tendência independente, inspirada na teoria fundamental nesse processo.
behaviorista da aprendizagem. De acordo com Libâneo A teoria educacional freireana é utópica, em seu sentido
(1994), essa orientação acabou sendo imposta às escolas de vir-a-ser, de inédito viável, expressões usadas por Freire, e
pelos organismos oficiais ao longo de boa parte das esperançosa, porque deposita na transformação do homem
décadas que constituíram o regime militar de governo, a ideia de que mudar é possível e de que não estamos
por ser compatível com a orientação econômica, política e necessariamente imobilizados por estarmos submetidos
ideológica desse regime político, então vigente. a papéis pré-determinados em uma sociedade de classes.
Atualmente, ainda percebemos a predominância dessas Segundo ele, apesar de os seguidores dessa tendência não
características tecnicistas em alguns cursos de formação terem tido a preocupação com uma proposta pedagógica
de professores, principalmente das áreas de Ciências e explícita, havia uma didática implícita em seus “círculos de
Matemática, com relação ao uso de manuais didáticos cultura”, sendo cerne da atividade pedagógica a discussão
com essas características (tecnicistas), especificamente de temas sociais e políticos, que a nós parece ser claro o
instrumentais. Essa tendência didática tem como objetivo
método dialógico, usado para o despertar da consciência
a racionalização do ensino, o uso de meios e técnicas mais
política.
eficazes, cujo sistema de instrução é composto de:
A Pedagogia Progressista Libertária tem como ideia
- Especificação de objetivos instrucionais a serem
básica modificações institucionais, que, a partir dos níveis
operacionalizados;
subalternos, vão “contaminando” todo o sistema, sem
- Avaliação prévia dos alunos para estabelecer pré-
modelos e recusando-se a considerar qualquer forma de
requisitos visando alcançar os objetivos;
poder ou autoridade.
- Ensino ou organização das experiências de
aprendizagem; Percebemos esta tendência como decorrência de uma
- Avaliação dos alunos relativa ao que se propôs nos abertura para uma sociedade democrática, que vai se
objetivos iniciais. firmando lentamente a partir do início dos anos 80, com a
O arranjo mais simplificado dessa sequência resultou volta dos exilados políticos e a liberdade de expressão nos
na seguinte sequência: objetivos, conteúdos, estratégias, meios acadêmicos, políticos e culturais do país. Firmando-
avaliação. O professor é um administrador e executor se os interesses por escolas realmente democráticas e
do planejamento, o meio de previsão das ações a serem inclusivas e a ideia do projeto políticopedagógico da
executadas e dos meios necessários para se atingir os escola como forma de identificação política que atenda aos
objetivos. De acordo com essa tendência, os livros didáticos interesses locais e regionais, primando por uma educação
usados nas escolas eram, e ainda são, elaborados, em sua de qualidade para todos. A participação em grupos
maioria, com base na tecnologia da instrução, ou seja, sob e movimentos sociais na sociedade, além dos muros
a forma de atividades dirigidas nas quais os alunos seguem escolares, é incentivada e ampliada, trazendo para dentro
etapas sequenciadas que os levem ao alcance dos objetivos dela a necessidade de concretizar a democracia, através
previamente estabelecidos, sem que possam exercitar a de eleições para conselhos, direção da escola, grêmios
sua criatividade cognitiva. estudantis e outras formas de gestão participativa.
Se, nas Tendências Liberais, a escola possuía uma No Brasil, os libertários recebem a influência do
função equalizadora, nas Tendências Progressistas, pensamento de Celestin Freinet e suas técnicas nas quais
derivada das teorias críticas, ela passa a ser analisada como os próprios alunos organizavam os seus planos de trabalho.
reprodutora das desigualdades de classe e reforçadora do O método de ensino é a própria autogestão, tornando o
modo de produção capitalista. interesse pedagógico dependente de suas necessidades ou
Tendo surgido na França a partir de 1968 e no Brasil do próprio grupo.
com a Revolução Cultural, nas Tendências Progressistas, Para Libâneo (1994), na didática centrada na Pedagogia
a escola passa a ser vista não mais como redentora, mas Libertadora, o professor busca desenvolver o processo
como reprodutora da classe dominante. Snyders (1994) educativo como tarefa que se dá no interior dos grupos
foi o primeiro a usar o termo “Pedagogia Progressista”, sociais e, por isso, ele é o coordenador ou o animador das
partindo de uma análise crítica da realidade social, atividades que se organizam sempre pela ação conjunta
sustentando, implicitamente, as finalidades sociais e dele e dos alunos. Não há, portanto, uma proposta explícita
políticas da educação. de Didática e muitos dos seus seguidores, entendendo

273
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

que toda didática resumir-se-ia ao seu caráter tecnicista, c) Fernando Becker: Pedagogia Diretiva, Pedagogia
instrumental, meramente prescritivo, até recusam admitir o Não-Diretiva e Pedagogia Relacional
papel dessa disciplina na formação dos professores. Fernando Becker (2001) desenvolveu a ideia de modelos
Há, nessa perspectiva pedagógica, uma didática pedagógicos e modelos epistemológicos para explicar os
implícita na orientação das atividades escolares de modo pressupostos pelos quais cada professor atua. Apresenta,
que o professor se coloque diante de sua classe como um então, três modelos: Pedagogia Diretiva, Pedagogia Não-
orientador da aprendizagem dos seus alunos. Entretanto, Diretiva e Pedagogia Relacional.
essas atividades estão centradas na discussão de temas
sociais e políticos, ou seja, o foco do ensino é a realidade Pedagogia Diretiva
social, em que o professor e os alunos estão envolvidos. Na Pedagogia Diretiva o professor acredita que o
Assim, eles analisam os problemas da realidade do contexto conhecimento é transmitido para o aluno. Este por sua
sócioeconômico e cultural da sua comunidade com seus vez, não tem nenhum saber, não o tinha no nascimento e
recursos e necessidades, visando ao desenvolvimento não o tem a cada novo conteúdo. O professor, com essa
de ações coletivas para a busca de descrição, análise e prática, fundamenta-se numa epistemologia pela qual o
soluções para os problemas extraídos da realidade. sujeito é o elemento conhecedor, totalmente determinado
As atividades escolares não se constituem meramente pelo mundo do objeto ou pelos meios físicos e sociais. Essa
da exploração dos conteúdos de ensino, já sistematizados epistemologia é representada da seguinte forma:
nos livros didáticos ou previstos pelos programas oficiais, S O
mas sim em um processo de participação ativa nas
discussões e nas ações práticas sobre as questões da O professor representa esse mundo na sala de aula,
realidade social de todos os envolvidos. Nesse processo, entendendo que somente ele, o professor, é o detentor do
a discussão, os relatos da experiência vivida, a socialização saber e pode produzir algum conhecimento novo ao aluno.
das informações, a pesquisa participante, o trabalho de Cabe ao aluno ouvir, prestar atenção, permanecer quieto
grupo, entre outros atos educativo-reflexivos, fazem e em silêncio e repetir, quantas vezes forem necessárias,
emergir temas geradores que podem ser sistematizados escrevendo, lendo, até aderir ao que o professor deu como
de modo a consolidar o conhecimento pelo aluno, com as conteúdo.
orientações do professor. Traduzindo o modelo epistemológico em modelo
A tendência libertadora tem sido a perspectiva didática pedagógico temos:
mais praticada com muito êxito em vários setores dos A P
movimentos sociais, como sindicatos, associações de
bairro, comunidades religiosas, entre outros. Parte desse Assim, o professor ensina e o aluno aprende. Nesse
êxito deve-se ao fato de tal tendência ser utilizada entre modelo, nada de novo acontece na sala de aula, e se
adultos que vivenciam uma prática política e em situações caracteriza por ser reprodução de ideologia e repetição.
nas quais o debate sobre a problemática econômica, social
e política pode ser aprofundado com a orientação de Pedagogia Não-Diretiva
intelectuais comprometidos com os interesses populares. O professor torna-se um facilitador da aprendizagem,
A Pedagogia Progressista Crítico-Social dos Conteúdos, um auxiliar do aluno. O educando já traz um saber e é
tendo sido fortalecida a princípio na Europa e depois no preciso apenas organizá-lo ou recheá-lo de conteúdo. O
Brasil, a partir da década de 80, foi considerada como professor deve interagir o mínimo possível, pois acredita
sinônimo de pedagogia dialética, no sentido da “dialógica”. que o aluno aprende por si mesmo. A epistemologia que
Firmando-se como teoria que busca captar o movimento fundamenta essa postura pedagógica é apriorista: 11
objetivo do processo histórico, uma vez que concebe o S O
homem através do materialismo histórico-marxista, trata-
se de uma síntese superadora do que há de significado Apriorismo vem de a priori, o que significa que aquilo
na Pedagogia Tradicional e na Escola Nova, direcionando que é posto antes vem como condição do que vem depois.
o ensino para a superação dos problemas cotidianos da Essa epistemologia sustenta a ideia de que o ser humano
prática social e, ao mesmo tempo, buscando a emancipação nasce com o conhecimento já programado na sua herança
intelectual do educando, 10 considerado um ser concreto, genética, bastando o mínimo de interferência do meio físico
inserido num contexto de relações sociais. Da articulação ou social para o seu desenvolvimento.
entre a escola e a assimilação dos conteúdos por parte Segundo Becker (2001), o professor que segue essa
deste aluno concreto é que resulta o saber criticamente epistemologia apriorista renuncia àquilo que seria a
elaborado (Libâneo, 1990). característica fundamental da ação docente: a intervenção
Essa tendência prioriza o domínio dos conteúdos no processo de aprendizagem do aluno.
científicos, os métodos de estudo, habilidades e hábitos de
raciocínio científico, como modo de formar a consciência A P
crítica face à realidade social, instrumentalizando o
educando como sujeito da história, apto a transformar a Pedagogia Relacional
sociedade e a si próprio. Seu método de ensino parte da O professor admite que tudo que o aluno construiu
prática social, constituindo tanto o ponto de partida como o até hoje em sua vida serve de patamar para construir
ponto de chegada, porém, melhor elaborado teoricamente. novos conhecimentos. Para esse professor, o aluno tem

274
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

uma história de conhecimento percorrida e é capaz de de modelos do exterior que serão gravadas nas mentes
aprender sempre. A disciplina rígida e a postura autoritária individuais. Uma das decorrências do ensino tradicional, já
do professor são superadas através da construção de uma que a aprendizagem consiste em aquisição de informações
disciplina intelectual e regras de convivência que permitam e demonstrações transmitidas, é a que propicia a formação
criar um ambiente favorável à aprendizagem. de reações estereotipadas, de automatismos denominados
O professor acredita que o aluno aprenderá novos hábitos, geralmente isolados uns dos outros e aplicáveis,
conhecimentos se ele agir e problematizar sua ação. Para quase sempre, somente às situações idênticas em que
que isso aconteça, torna-se necessário que o aluno aja foram adquiridos. O aluno que adquiriu o hábito ou que
(assimilação) sobre o material que o professor traz para a “aprendeu” apresenta, com frequência, compreensão
sala de aula e considera significativo para sua aprendizagem apenas parcial. Ignoram-se as diferenças individuais.
que o aluno responda para si mesmo às perturbações A relação professor-aluno é vertical, sendo que (o
(acomodação) provocadas pela assimilação do material. professor) detém o poder decisório quanto a metodologia,
S O conteúdo, avaliação, forma de interação na aula etc. O
professor detém os meios coletivos de expressão. A maior
O sujeito constrói seu conhecimento nas dimensões do parte dos exercícios de controle e dos de exames se orienta
conteúdo e da forma ou estrutura como condição prévia de para a reiteração dos dados e informações anteriormente
assimilação. Nessa tendência, o professor além de ensinar, fornecidos pelos manuais.
passa a aprender e o aluno, além de aprender, passa a A metodologia se baseia na aula expositiva e nas
ensinar. demonstrações do professor a classe, tomada quase como
A P auditório. O professor já traz o conteúdo pronto e o aluno
se limita exclusivamente a escutá-lo.
d) Maria da Graça Nicoletti Mizukami: tendências
pedagógicas e processo de ensino e aprendizagem Abordagem comportamentalista
Mizukami (1986) classifica o processo de ensino nas O conhecimento é uma “descoberta” e é nova para
seguintes abordagens: o indivíduo que a faz. O que foi descoberto, porém,
Abordagem tradicional A abordagem tradicional já se encontrava presente na realidade exterior. Os
trata-se de uma concepção e uma prática educacional comportamentalistas consideram a experiência ou a
que persiste no tempo, em suas diferentes formas, e que experimentação planejada como a base do conhecimento,
passaram a fornecer um quadro diferencial para todas as o conhecimento é o resultado direto da experiência.
demais abordagens que a ela se seguiram. Na concepção Aos alunos caberia o controle do processo de
tradicional, o ensino é centrado no professor. O aluno apenas aprendizagem, um controle científico da educação, o
executa prescrições que lhe são fixadas por autoridades professor teria a responsabilidade de planejar e desenvolver
exteriores. o sistema de ensinoaprendizagem, de forma tal que o
A construção do conhecimento parte do pressuposto desempenho do aluno seja maximizado, considerando-se
de que a inteligência seja uma faculdade capaz de igualmente fatores tais como economia de tempo, esforços
acumular/armazenar informações. Aos alunos são e custos.
apresentados somente os resultados desse processo, para Nessa abordagem, se incluem tanto a aplicação da
que sejam armazenados. Evidencia-se o caráter cumulativo tecnologia educacional e estratégias de ensino, quanto
do conhecimento humano, adquirido pelo indivíduo por estratégias de reforço no relacionamento professor-aluno.
meio de transmissão, de onde se supõe o papel importante
da educação formal e da instituição escola. Atribui-se ao Abordagem Humanista
sujeito um papel insignificante na elaboração e aquisição Nesta abordagem é dada a ênfase no papel do sujeito
do conhecimento. Ao indivíduo que está “adquirindo” como principal elaborador do conhecimento humano.
conhecimento compete memorizar definições, anunciando Da ênfase ao crescimento que dela se resulta, centrado
leis, sínteses e resumos que lhes são oferecidos no processo no desenvolvimento da personalidade do indivíduo na
de educação formal. sua capacidade de atuar como uma pessoa integrada. O
A educação é entendida como instrução, caracterizada professor em si não transmite o conteúdo, dá assistência
como transmissão de conhecimentos e restrita à ação da sendo facilitador da aprendizagem. O conteúdo advém
escola. Às vezes, coloca-se que, para que o aluno possa das próprias experiências do aluno o professor não ensina:
chegar, e em condições favoráveis, há uma confrontação com apenas cria condições para que os alunos aprendam.
o modelo, é indispensável uma intervenção do professor, Trata-se da educação centrada na pessoa, já que
uma orientação do mestre. Trata-se, pois, da transmissão de nessa abordagem o ensino será centrado no aluno. A
ideias selecionadas e organizadas logicamente. educação tem como finalidade primeira a criação de
No processo de ensino-aprendizagem a ênfase é condições que facilitam a aprendizagem de forma que
dada às situações de sala de aula, onde os alunos são seja possível seu desenvolvimento tanto intelectual
“instruídos” e “ensinados” pelo professor. Os conteúdos e como emocional seria a criação de condições nas quais
as informações têm de ser adquiridos, os modelos imitados. os alunos pudessem tornar-se pessoas de iniciativas, de
Seus elementos fundamentais são imagens estáticas que responsabilidade, autodeterminação que soubessem
progressivamente serão “impressas” nos alunos, cópias aplicar-se a aprendizagem no que lhe servirão de solução

275
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

para seus problemas servindo-se da própria existência. Abordagem Sociocultural


Nesse processo os motivos de aprender deverão ser do Podemos situar Paulo Freire com sua obra, enfatizando
próprio aluno. Autodescoberta e autodeterminação são aspectos sócio-político-cultural, havendo uma grande
características desse processo. preocupação com a cultura popular, sendo que tal
Cada professor desenvolverá seu próprio repertório preocupação vem desde a II Guerra Mundial com um
de uma forma única, decorrente da base percentual de seu aumento crescente até nossos dias. Toda ação educativa,
comportamento. O processo de ensino irá depender do para que seja válida, deve, necessariamente, ser precedida
caráter individual do professor, como ele se relaciona com tanto de uma reflexão sobre o homem como de uma
o caráter pessoal do aluno. Assume a função de facilitador análise do meio de vida desse homem concreto, a quem se
da aprendizagem e nesse clima entrará em contato com quer ajudar para que se eduque.
problemas vitais que tenham repercussão na existência do Logo, a escola deve ser um local onde seja possível
estudante. o crescimento mútuo, do professor e dos alunos, no
Isso implica que o professor deva aceitar o aluno tal processo de conscientização o que indica uma escola
como é e compreender os sentimentos que ele possui. O diferente de que se tem atualmente, coma seus currículos
aluno deve responsabilizar-se pelos objetivos referentes a e prioridades. A situação de ensino-aprendizagem deverá
aprendizagem que tem significado para eles. As qualidades procurar a superação da relação opressor-oprimido. A
do professor podem ser sintetizadas em autenticidade estrutura de pensar do oprimido está condicionada pela
compreensão empática, aceitação e confiança no contradição vivida na situação concreta, existencial em que
aluno. o oprimido se forma. Nesta situação, a relação professor-
Não se enfatiza técnica ou método para facilitar a aluno é horizontal, sendo que o professor se empenhará
aprendizagem. Cada educador eficiente deve elaborar a numa prática transformadora que procurará desmitificar e
sua forma de facilitar a aprendizagem no que se refere ao questionar, junto com o aluno.
que ocorre em sala de aula é a ênfase atribuída a relação
pedagógica, a um clima favorável ao desenvolvimento das Referências
BECKER, Fernando. Educação e construção do
pessoas que possibilite liberdade para aprender.
conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo:
Abordagem Cognitivista
Vozes, 1982.
A organização do conhecimento, processamento de
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
informações estilos de pensamento ou estilos cognitivos,
MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as
comportamentos relativos à tomada de decisões, etc.
abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986.
O conhecimento é considerado como uma construção
contínua. A passagem de um estado de desenvolvimento UM ESBOÇO DAS TEORIAS E CORRENTES
para o seguinte é sempre caracterizada por formação PEDAGÓGICAS CONTEMPORÂNEAS
de novas estruturas que não existiam anteriormente no
indivíduo. Existem tendências contemporâneas no ensino de
O processo educacional, consoante a teoria alguma forma influenciadas pelo pensamento pós-
de desenvolvimento e conhecimento, tem um moderno? Certamente sim, elas existem e aos poucos
papel importante, ao provocar situações que sejam vão ocupando espaços na prática de professores embora,
desequilibradoras para o aluno, desequilíbrios esses como de costume, com fortes traços de reducionismo
adequados ao nível de desenvolvimento em que a criança ou modismo. Algumas dessas correntes são esforços
vive intensamente (intelectual e afetivamente) cada etapa teóricos de releitura das teorias modernas, outras afiliam-
de seu desenvolvimento. se explicitamente ao pensamento pós-moderno focadas
Segundo Piaget, a escola deveria começar ensinando na escola e no trabalho dos professores, enquanto outras
a criança a observar. A verdadeira causa dos fracassos da utilizam-se do discurso pós-moderno sem interesse
educação formal, diz, decorre essencialmente do fato de nenhum em chegar a propostas concretas para a sala de
se principiar pela linguagem (acompanhada de desenhos, aula e para o trabalho de professor, ao contrário, propõem-
de ações fictícias, narradas etc.) ao invés do fazer pela ação se a desmontar as propostas existentes.
real e material. Há notórias resistências a tentativas de classificação das
Nesta abordagem, o ensino procura desenvolver teorias pedagógicas, boa parte delas compreensíveis. Vários
a inteligência priorizando as atividades do sujeito, segmentos de intelectuais que se situam grosso modo
considerando-o inserido numa situação social. Caberá no âmbito do pensamento pós-moderno podem alegar,
ao professor criar situações, propiciando condições dentro de seus quadros de referência, que as classificações
onde possam se estabelecer reciprocidade intelectual e seguem exatamente o figurino da modernidade, da
cooperação ao mesmo tempo moral e racional. classificação de conhecimentos, do fechamento em
Uma das implicações fundamentais para o ensino é a de campos disciplinares. Nesse caso, as classificações se riam,
que a inteligência se constrói a partir da troca do organismo por tanto, reducionismos, simplificações, fragmentações.
como o meio, por meio das ações do indivíduo. A ação do Em outra orientação, dir-se-á que os campos científicos
indivíduo, pois, é centro do processo e o fator social ou em geral firmam-se muito por conta de legitimação das
educativo constitui uma condição de desenvolvimento. concepções por meio de disputa de poder.

276
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Há ainda posições que deliberadamente de fendem o A corrente racional-tecnológica


hibridismo cultural. Na verdade, as classificações sempre existiram, Essa corrente corresponde à concepção que tem
independentemente das críticas que lhes são feitas, elas pertencem sido designada de neotecnicismo e está associada a uma
sim a certa tradição da racionalidade científica. Mas, exatamente pedagogia a serviço da formação para o sistema produtivo.
com base no argumento de que os campos se definem por Pressupõe a formulação de objetivos e conteúdos, padrões
relações de poder, seria injusto e desigual que o professora do des de desempenho, competências e habilidades com base em
conheces se a existência desses campos, de suas disputas e de critérios científicos e técnicos. Diferentemente do cunho
seus conflitos. Mesmo por que, se os des conhecem, são presas acadêmico da pedagogia tradicional, a corrente racional-
fáceis de persuasão de um ou outro grupo ou são manipulados tecnológica busca seu fundamento na racionalidade
pelo mercado editorial que também disputa espaços de poder técnica e instrumental, visando a desenvolver habilidades
misturados com comércio. Há outro argumento a favor das e destrezas para formar o técnico. Metodologicamente,
classificações: elas ajudam as pessoas a organizar a cabeça. Os caracteriza-se pela introdução de técnicas mais refinadas de
formadores de professores, os pesquisadores, os estudiosos transmissão de conhecimentos incluindo os computadores,
das teorias educacionais e das metodologias de pesquisa, os as mídias. Uma derivação dessa concepção é o currículo
licenciandos das várias especialidades precisam conhecer as teorias por competências, na perspectiva economicista, em que a
educacionais, as clássicas e as contemporâneas, para poderem organização curricular resulta de objetivos assentados em
se situar teórica e praticamente enquanto sujeitos envolvidos em habilidades e destrezas a serem dominados pelos alunos no
marcos sociais, culturais, institucionais. Pode ser ver da de que o percurso de formação. Apresenta-se sob duas modalidades:
caminho se faz ao caminhar, mas o sujeito inteligente terá primeiro a. Ensino de excelência, para for mar a elite intelectual e
que recorrer aos mapas, a não ser que esteja atrás de um caminho técnica para o sistema produtivo;
que ainda ninguém percorreu. Outra razão forte em favor das b. Ensino para for mação de mão-de-obra intermediária,
classificações decorre de um posicionamento teórico segundo centrada na educação utilitária e eficaz para o mercado.
o qual as teorias, os conteúdos, os métodos constituem-se em Outros traços dessa corrente: centralidade no
mediações culturais já constituídas na prática e na teoria e que conhecimento em função da sociedade tecnológica,
fazem parte da atividade sócio-histórica do campo pedagógico. Tais transformação da educação em ciência (racionalidade
mediações são instrumentos simbólicos e culturais que participam científica), produção do aluno como um ser tecnológico
na formação intelectual e profissional. As classificações de teorias (versão tecnicista do “aprender a aprender”), utilização mais
são, pois, instrumentos mediacionais que possibilitam formação de intensiva dos meios de comunicação e informação e do
esquemas mentais, quadros de referência. O esboço de um quadro aparato tecnológico.
geral das correntes pedagógicas contemporâneas, proposto
a seguir, de corre unicamente da pesquisa bibliográfica e da A corrente neocognitivista
observação da difusão de ideias em congressos, encontros Nesta denominação estão incluídas correntes que
e seminários. Trata-se, pois, de um exercício teórico do qual introduzem novos aportes ao estudo da aprendizagem, do
resulta uma classificação arbitrária. Apresenta rei o quadro e, em desenvolvimento, da cognição e da inteligência.8
seguida, uma breve caracterização de cada uma das correntes.
Construtivismo pós-piagetianismo
Correntes Modalidades O construtivismo, no campo da educação, refere-se a
uma teoria em que a aprendizagem humana é resultado de
1. Racional-tecno- Ensino de excelência Ensino uma construção mental realizada pelos sujeitos com base
lógica tecnológico na sua ação sobre o mundo e na interação com outros. O
Construtivismo pós-piagetiano ser humano tem uma potencialidade para aprender a pensar
2. Neocognivistas que pode ser desenvolvida porque a faculdade de pensar
Ciências cognitivas
não é inata e nem é provida de fora. O construtivismo pós-
Sociologia crítica do currículo piagetiano incorpora contribuições de outras fontes tais como
Teoria histórico-cultural o lugar do desejo e do outro na aprendizagem, o predomínio
3. Sociocríticas Teoria sociocultural da linguagem em relação à razão, o papel da interação
Teoria sociocognitiva social na construção do conhecimento, a singularidade e a
Teoria da ação comunicativa pluralidade dos sujeitos (Grossi; Bordin, 1993). Nessa mesma
Holismo perspectiva, o socioconstrutivismo mantém o papel da ação
Teoria da Complexidade e da experiência do sujeito no desenvolvimento cognitivo,
Teoria naturalista do conheci- mas introduz com mais vigor o componente social na
4.“Holísticas” aprendizagem, tornando claro o papel determinante das
mento
Eco pedagogia significações sociais e das interações sociais na construção
Conhecimento em rede de conhecimentos. Instrumentos cognitivos utilizados pelas
crianças são, também, reestruturações de representações
Pós-estruturalismo Neoprag-
5. “Pós-modernas” sociais reformadas nas interações sociais. Uma das noções-
matismo
chave desse paradigma é o conflito sociocognitivo que
surge em situações de interação, nas quais estão também
Quadro 1. Quadro das correntes pedagógicas envolvidas experiências sociais e culturais que intervêm nas
contemporâneas. aprendizagens (Garnier; Bednarz; Ulanovskaya, 1996).

277
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Ciências cognitivas e de ver o mundo. Na visão da Sociologia Crítica não há


A abordagem cognitiva refere-se a estudos uma cultura unitária, homogênea; a cultura é um terreno
relacionados ao desenvolvimento da ciência cognitiva conflitante onde se enfrentam diferentes concepções
associada à utilização de computadores. Seu objetivo de vida social e onde emergem a diversidade cultural e a
é buscar novos modelos e referências para avançar na diferença. O currículo, nesse sentido, tem a ver menos
investigação sobre os processos psicológicos e a cognição. com a seleção e organização de conteúdos e mais com as
A partir da psicolinguística, da teoria da comunicação e experiências socioculturais que fazem da escola um terreno
da cibernética (ciência dos computadores), surgem duas de luta e de contestação para se criar e produzir cultura.
versões: a psicologia cognitiva, que estuda diretamente Quando se pensa um currículo, é preciso começar captando
o comportamento inteligente de sujeitos humanos, isto as “significações” que os sujeitos fazem de si mesmos e dos
é, o ser humano como processador de informações, e outros através da experiência compartilhada de vivências,
a ciência cognitiva, que aprofunda as analogias entre abrindo espaço para o currículo multicultural, currículo em
mente e computador, visando à construção de modelos rede etc. Na esfera dos sistemas de ensino, leva as políticas
computacionais para entender a cognição humana. Seu de integração de minorias sociais, étnicas e culturais ao
interesse é a construção de programas de inteligência processo de escolarização, opondo-se à definição de
artificial que realizam tarefas que implicam um currículos nacionais.
comportamento inteligente. Há estudos da abordagem
do processamento da informação ao construtivismo Teoria histórico-cultural
piagetiano. As bases teóricas da teoria histórico-social apoiam-
se em Vygotsky e seguidores. Nessa orientação, a
Teorias sociocríticas aprendizagem resulta da interação sujeito-objeto, em que
A designação “sociocrítica” está sendo utilizada para a ação do sujeito sobre o meio é socialmente mediada,
ampliar o sentido de “crítica” e abranger teorias e correntes atribuindo-se peso significativo à cultura e às relações
que se desenvolvem a partir de referenciais marxistas ou sociais. A atividade do sujeito supõe a ação entre sujeitos,
neomarxistas e mesmo, apenas, de inspiração marxista e que no sentido de uma relação do sujeito com o outro, com
seus parceiros. Mais especificamente, as funções mentais
são, frequentemente, divergentes entre si principalmente
superiores (linguagem, atenção voluntária, memória,
quanto a premissas epistemológicas. As abordagens
abstração, percepção, capacidade de comparar, diferenciar
sociocríticas convergem na concepção de educação como
etc.) são ações interiorizadas de algo socialmente mediado,
compreensão da realidade para transformá-la, visando
a partir da cultura constituída. Essa abordagem está focada
à construção de novas relações sociais para superação
na estrutura do funcionamento cognitivo em suas interações
de desigualdades sociais e econômicas. Em razão disso,
com as mediações culturais (Daniels, 2003). Nos últimos
considera especialmente os efeitos do currículo oculto e
anos, dentro dessa mesma orientação, tem se destacado a
do contexto da ação educativa nos processos de ensino e teoria histórico-cultural da atividade.
aprendizagem, inclusive para submeter os conteúdos a uma
análise ideológica e política. Algumas dão mais ênfase às Teoria sociocultural
questões políticas do processo de formação, outras colocam Esta teoria também se remete a Vygotsky, mas põe ênfase
a relação pedagógica como mediação da formação social e na explicação da atividade humana enquanto processo
política. Nesse segundo caso, a educação cobre a função de e resulta do das vivências em atividades socioculturais
transmissão cultural, mas também é responsável pela ajuda compartilha das, mais do que nas questões do conhecimento
ao aluno no desenvolvimento de suas próprias capacidades e da apropriação da cultura social. Compreende as práticas
de aprender e na sua inserção crítica e participativa na de aprendiza gem como atividade sempre situada em um
sociedade em função da formação da cidadania. Diferenças contexto de cultura, de relações, de conhecimento.
na determinação dos objetivos da educação e do ensino
levam a distintas opções metodológicas que vão desde Teoria sociocognitiva
a visão do ensino como transmissão cultural até a uma Na teoria sociocognitiva são postas em relevo as
ideia de escola mais informal centrada na valorização de condições culturais e sociais da aprendizagem, visando ao
elementos experienciais, fortuitos, da convivência social, desenvolvimento da sociabilidade por meio de processos
minimizando ou até recusando um currículo formal. socioculturais. A questão importante da escola não é o
funcionamento psíquico ou os conteúdos de ensino, mas
A teoria curricular crítica a organização de um ambiente educativo de solidariedade
Com características neomarxistas, acentua os fatores de relações comunicativas, com base nas experiências
sociais e culturais na construção do conhecimento, lidando cotidianas, nas manifestações da cultura popular. Um
com temas como cultura, ideologia, currículo oculto, projeto de escola nessa orientação consistiria em criar
linguagem, poder, multiculturalismo (Moreira; Silva, 1994). situações pedagógicas interativas para propiciar uma
Tem origem explícita na Sociologia Crítica inglesa e norte- formação democrática e inclusiva, vale dizer, uma “vivência”
americana. A teoria curricular crítica questiona como são democrática (comportamentos solidários, de justiça,
construídos os saberes escolares, propõe analisar o saber de vida comunitária etc.), por tanto, com características
particular de cada agrupamento de alunos, porque esse mais informais em que se valorizam mais experiências
saber expressa certas maneiras de agir, de sentir, de falar socioculturais do que o currículo formal.

278
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Teoria da ação comunicativa partes, de modo a se travar uma abertura, um diálogo entre
A teoria da ação comunicativa, formulada por J. diferentes modelos de análise, diferentes visões das coisas.
Habermas, está associada à teoria crítica da educação Isso leva à cooperação interdisciplinar, ao intercâmbio de
originada dos trabalhos da Escola de Frankfurt. Realça no alteridades, mas a busca de inter-relações não significa
agir pedagógico a ação comunicativa, entendida como ordenar a realidade, organizá-la. Significa buscar, também,
interação entre sujeitos por meio do diálogo para se chegar a desordem, a contradição, a incerteza. Põe dúvidas sobre
a um entendimento e cooperação entre as pessoas nos seus o que é a verdade, o que é a realidade empírica, de modo
vários contextos de existência. Constitui-se, assim, numa a ver os vários lados da situação. Segundo Morin (ANO?), a
teoria da educação assentada no diálogo e na participação, teoria científica não é o reflexo do real, é uma construção
visando à emancipação dos sujeitos. Encontra pontos de do espírito que se esforça para captar o real. As teorias
ligação com o pensamento de P. Freire e exerceu forte científicas são produções do espírito, são percepções do
influência em autores da Sociologia crítica do currículo de real, são sociais, emergem de uma cultura. Elas carregam
procedência norte-americana, como H. Giroux e M. Apple. a incerteza, o inesperado. Essas ideias, obviamente, nos
põem frente a uma prática pedagógica nada prescritiva,
Correntes “holísticas” nada disciplinar. Já que não há nada que seja absolutamente
Sob essa denominação, com algum risco de imprecisão, científico, absolutamente seguro, precisamos dialogar com
situam-se correntes de diferentes vertentes teóricas, que a dúvida, com o inesperado e com o imprevisto. Pensar
têm como denominador comum uma visão “holística” por complexidade é usar nossa racionalidade para juntar
da realidade, isto é, a realidade como uma totalidade de coisas separadas, para aumentar nossa liberdade de fazer o
integração entre o todo e as partes, mas compreendendo bem e evitar o mal. Aplicado à pedagogia,9 o pensamento
diferentemente a dinâmica e os processos dessa integração. complexo pressupõe a integração no ato pedagógico
de múltiplas dimensões, o que requer o diálogo com
O holismo várias orientações de pensamento, reconhecendo que
O holismo, propriamente dito, do ponto de vista nenhuma teoria pedagógica é capaz, sozinha, de atender a
filosófico, compreende a realidade como totalidade, em
necessidades educativas sociais e individuais.
que as partes integram o todo, partes como unidades
que formam todos, numa unidade orgânica. Ter uma
A teoria naturalista do conhecimento
visão holística significa ter o sentido de total, de conjunto,
Essa teoria, desenvolvida por autores como Varela e
de inteiro (holos, do grego), em que o universo é
Maturana, e aqui no Brasil, por Hugo Assmann, compreende
considerado como uma totalidade formada por dimensões
que o conhecimento humano está ligado ao plano
interpenetrantes: as pessoas, as comunidades, unidas no
biológico, bioindividual e biosocial. Essa teoria se opõe a
meio biofísico. Há indistinção entre sujeito observador e
uma visão mentalista do sujeito e da consciência, afirmando
objeto. Para Bertrand e Valois (1994), a pessoa une-se a
todas as outras pessoas, a todas as consciências, a todas as a mediação corporal dos processos de conhecimento.
outras “partículas” do cosmos, para constituir uns “nós”, no Nossa consciência não é soberana, não somos donos do
sentido de simbiose. Disso resulta uma ação em comum, nosso destino como pensamos, porque há “mediações auto
uma sinergia, em que as forças criativas de cada um e de organizativas da corporeidade individual e das mediações
todos convergem na ação. A consciência de uma totalidade sócio organizativas” que escapam de nossas intenções
cósmica leva os holistas a buscarem um equilíbrio dinâmico conscientes. Por isso, segundo Assmann (1996), a pedagogia
entre o homem e o seu meio biofísico, a convivência entre das certezas e dos saberes pré-fixados deve ser substituída
as pessoas, a preservação ambiental e a denúncia de todas por uma pedagogia da pergunta, do melhoramento das
as formas de destruição da natureza, a união das pessoas e perguntas e do acessamento de informações, em suma,
da natureza no todo. O projeto educativo visa conscientizar por uma pedagogia da complexidade, que saiba trabalhar
para o fato de que as pessoas pertencem ao universo e com conceitos transversáteis, abertos para a surpresa e
que o desenvolvimento da espécie humana depende de o imprevisto. A teoria da corporeidade, desenvolvida por
um projeto mundial de preservação da vida. A educação esse autor, propõe uma visão nova do conhecimento cujo
holística não rejeita o conhecimento racional e outras ponto de partida é a profunda identidade entre processos
formas de conhecimento, mas insiste em considerar a vida vitais e processos de conhecimento.
como uma totalidade em que o todo se encontra na parte, Onde não se propiciam processos vitais, tampouco se
cada parte é um todo, porque o todo está nela. Daí que a favorecem processos de conhecimento. E isto vale tanto
consciência da pessoa só pode ser comunitária, ecológica para o plano biofísico quanto para a interação comunicativa.
e cósmica. [...] Toda morfogênese do conhecimento é constituída por
níveis emergentes a partir dos processos auto organizativos
O pensamento complexo (teoria da complexidade) da corporeidade vida. Por isso, todo conhecimento tem
É uma abordagem metodológica dos fenômenos em uma inscrição corporal e se apoia numa complexa interação
que se apreende a complexidade das situações educativas, sensorial. O conhecimento humano nunca é pura operação
em oposição ao pensamento simplificador. A inteligibilidade mental. Toda ativação da inteligência está entretecida de
complexa, ou o pensar mediante a complexidade, significa emoções (Assmann, 1996).
apreender a totalidade complexa, as inter-relações das

279
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Ecopedagogia porque foi dessas ideias que apareceram os problemas


A ecopedagogia (óicos, do grego, morada, espaço mais candentes da nossa época como a perda do poder
habitado), ou paradigma ecológico, propõe a recuperação do sujeito, a docilidade às estruturas, a exploração do
do sentido humano do espaço habitado abrangendo tanto a trabalho, a degradação ambiental etc. Não há direitos
dimensão biosférica quanto as dimensões socioinstitucionais universais abstratos, mas direitos e vozes de cada grupo
e mentais (Moraes, 2000). Mais especificamente, é uma cultural, de cada comunidade. Hoje há muitos discursos,
pedagogia que promove a aprendizagem do sentido muitas linguagens particulares que são o que interessa: a
das coisas a partir da vida cotidiana; é no cotidiano que cultura local, o feminismo, o pacifismo, a ecologia, o negro,
se constrói a cultura da sustentabilidade, a cultura que o homossexual. Ou seja, não há mais uma consciência
valoriza a vida, que promove o equilíbrio dinâmico entre unitária, não há uma referência moral, teórica na qual se
seres viventes e não viventes (Gutiérrez, 1999). Os princípios baseie o desenvolvimento da consciência.
da ecopedagogia acentuam a unidade de tudo o que
existe, a inter-relação e auto-organização dos diferentes O pós-estruturalismo
ecossistemas, o reconhecimento do global e do local na A influência do pós-estruturalismo na educação
perspectiva de uma cidadania planetária, a centralidade do aparece principalmente pela divulgação do pensamento
ser humano no processo educativo e a intersubjetividade, a de M. Foucault sobre as relações entre o saber e o poder
educação voltada para a vida cotidiana. nas instituições educativas. O sistema educativo enquanto
poder cria um saber para exercer controle sobre as pessoas,
O conhecimento em rede razão para lançar descrédito sobre a pedagogia, já que seu
A ideia básica da corrente do Conhecimento em rede é papel é formar o sujeito da modernidade, isto é, o sujeito
de que os conhecimentos disciplinares, assentados na visão submisso, disciplinado, submetido ao poder do outro. O
moderna de razão, devem ceder lugar aos conhecimentos saber está, pois, comprometido com o poder, sendo que
tecidos em redes relacionadas à ação cotidiana. O essas relações de poder estão onipresentes, exercidas nas
conhecimento se constrói socialmente, não no sentido mais variadas instâncias como a família, a escola, a sala de
de assimilação da cultura anteriormente acumulada, aula. Se pode existir uma pedagogia, ela será desconstrutiva
mas no sentido de que ele emerge nas ações cotidianas, dos discursos, não construtiva. Muda o papel do professor,
rompendo-se com a separação entre conhecimento ele não pode mais ser aquele que forma a consciência
científico e conhecimento cotidiano. Há uma vinculação crítica, que manipula as subjetividades dos alunos.
do conhecimento com a prática social, que se caracteriza A partir de temas centrais como o poder, a linguagem
e a cultura, o pós-estruturalismo discute questões como
pela multiplicidade e complexidade de relações em meio
a identidade/diferença, a subjetividade, os significados
das quais se criam e se trocam conhecimentos, tecendo
e as práticas discursivas, as relações gênero-raça-etnia-
redes de conhecimentos entre os sujeitos em interação. O
sexualidade, o multiculturalismo, os estudos culturais
conhecimento surge, portanto, das redes de relações em
e os estudos feministas (Silva, 2004). É com base em
que as pessoas compartilham significados. Com isso, são
investigações e análises ligadas a esses temas que
eliminadas as fronteiras entre ciência e senso comum, entre
as correntes pós-críticas aparecem nas estratégias
conhecimento válido e conhecimento cotidiano. A escola
pedagógico-didáticas nas escolas.
é um espaço/tempo de relações múltiplas entre múltiplos
sujeitos com saberes múltiplos, que aprendem/ensinam o O neopragmatismo
tempo todo, múltiplos conteúdos de múltiplas maneiras O neopragmatismo está associado à virada linguística
(Alves, 2001). pragmática iniciada por filósofos ligados à Filosofia
Analítica, seu principal representante é R. Rorty. Em
Correntes “pós-modernas” oposição à tradição positivista do conhecimento, valoriza no
As correntes “pós-modernas” não se sentem processo educativo as experiências pessoais do indivíduo,
confortáveis em se autodenominar como pedagogias, assim a interação dialógica numa conversação aberta, contínua,
como recusam as classificações. Entretanto, figuram aqui interminável. W. Doll Jr. (1997) escreve com base em Rorty
porque boa parte das publicações de autores brasileiros que, ao contrário de uma busca de fundamentos fora de
têm sido produzidas a partir do campo da educação e nós para avalizar nossas certezas, devemos considerar
devido ao fato de serem acolhidas pelo campo científico da os aspectos particulares das situações nas quais não há
educação. Por essa razão, as correntes pós-críticas podem nenhum início, nenhum fim estabelecido. Não se trata de
ser entendidas como uma “pedagogia” já que influenciam buscar a verdade estabelecida, mas de criar significados
as práticas docentes, mesmo pela sua negação. Elas se nas interações dialógicas pessoais e públicas com os
constituem a partir das críticas às concepções globalizantes outros, com as histórias, com os textos. Nossa única fonte
do destino humano e da sociedade, isto é, as metanarrativas, de orientação é a conversação com nossos companheiros
assentadas na razão, na ciência, no progresso, na autonomia humanos, ela é o contexto básico para compreender o
individual. Não há hoje aqueles valores transcendentes, conhecimento. É, pois, pela experiência, pelo diálogo, pela
aquelas crenças na transformação social, baseados na conversação, que os participantes fazem escolhas racionais,
formação da consciência política, na ideia de que a história que são pessoais, históricas, vinculadas a uma situação
tem uma finalidade, que caminhamos para uma sociedade concreta. O mesmo Doll Jr. denomina essa atitude de
mais justa etc., tudo isso não tem mais muito fundamento, epistemologia experiencial, em que o currículo é entendido

280
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

como processo, em que os sujeitos criam e recriam a si É justamente, pensando nessa “prática social” que
próprios e a sua cultura, em contextos de conversação, o professor deve estar ciente de que não basta tratar
de troca de narrativas, de forma a compreender como os somente de conteúdos atuais em sala de aula, mas sim,
outros constroem seus significados a partir de sua vivência também, resgatar conhecimentos mais amplos e históricos,
em contextos culturais, linguísticos, interpretativos. para que os alunos possam interpretar suas experiências e
Um agir pedagógico assentado nessa corrente rejeita suas aprendizagens na vida social.
imposições, valorizando as atitudes dos professores
em suas ações e interações baseadas no diálogo; o Por isso, como afirma Kramer (1989), para que essa
currículo como processo que propicia a transformação função se efetive na prática: [...] o trabalho pedagógico
pessoal, com base na experiência que o aluno vivencia precisa se orientar por uma visão das crianças como seres
ao aprender, ao transformar e ao ser transformado; sociais, indivíduos que vivem em sociedade, cidadãs e
propõe a discussão de problemas humanos “edificantes”, cidadãos. Isso exige que levemos em consideração suas
envolvendo a solidariedade, a diferença, o outro, visando diferentes características, não só em termos de histórias de
experiências transformativas nas pessoas. O conhecimento vida ou de região geográfica, mas também de classe social,
é aquilo que criamos, interativamente, dialogicamente, etnia e sexo. Reconhecer as crianças como seres sociais que
conversacionalmente, sempre dentro de nossa cultura e são implica em não ignorar as diferenças.
de sua linguagem. Em síntese, o neopragmatismo propõe É exatamente nesse sentido que devemos considerar
uma visão de conhecimento e de construção humana em as experiências sociais acumuladas de cada aluno e
que se supera uma visão individualista, estática, por outra seu contexto social, de modo a construir a partir daí um
de caráter dialógico, comunicativo, de compartilhamento ambiente escolar acolhedor em que o aluno se sinta parte
com os outros, realizada no mundo prático onde o do todo e esteja totalmente aberto a novas aprendizagens.
conhecimento é produzido. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (2001),
o enfoque social oferecido aos processos de ensino e
Referência: aprendizagem traz para a discussão pedagógica aspectos
LIBÂNEO, José Carlos. As Teorias Pedagógicas de excepcional importância, em particular no que se refere
Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo na ao modo como se devem entender as relações entre
desenvolvimento e aprendizagem, à relevância da relação
Educação. Disponível em: http://www.ia.ufrrj.br/ppgea/
interpessoal nesse processo, à relação entre educação e
conteudo/T1SF/Akiko/03.pdf
cultura e ao papel da ação educativa ajustada às situações
de aprendizagem e às características da atividade
AS CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM/ALUNO/
mental construtiva do aluno em cada momento de sua
ENSINO/PROFESSOR NESSAS ABORDAGENS TEÓRICAS
escolaridade. Nesse sentido, o segundo passo ao se discutir
uma pedagogia crítico-social dos conteúdos, de acordo
Nessa análise, será discutido o papel desempenhado
com Saviani (2003), não seria a apresentação de novos
pelo professor e pelos alunos em sala de aula, de modo a conhecimentos pelo professor (Pedagogia Tradicional) nem
destacar, a atuação do professor na interação do aluno com o problema como um obstáculo que interrompe a atividade
o conhecimento. dos alunos (Pedagogia Nova). Caberia, neste momento, a
Saviani (2003), ao defender uma pedagogia crítico- identificação dos principais problemas postos pela prática
social dos conteúdos na qual professor e alunos se social. E a este segundo passo, Saviani (2003) chama de
encontram numa relação social específica – que é a relação problematização, através da qual se detectam questões que
de ensino - com o objetivo de estudar os conhecimentos precisam ser resolvidas no âmbito da prática social e, em
acumulados historicamente, a fim de construir e aprimorar consequência, que conhecimento é necessário dominar.
novas elaborações do conhecimento, aponta que o ponto Percebe-se então, a importância do enfoque social
de partida da ação pedagógica não seria a preparação dos na aprendizagem da criança. É através da problematização
alunos, cuja iniciativa é do professor (Pedagogia Tradicional desse “social” que o conhecimento começa a ser construído
) nem a atividade, que é de iniciativa dos alunos (Pedagogia individualmente e socializado através da mediação do professor.
Nova ), mas seria a prática social comum a professor e A aprendizagem escolar tem um vínculo direto com o
alunos, considerando que do ponto de vista pedagógico meio social que circunscreve não só as condições de vida
há uma diferença essencial em que professor, de um lado, das crianças, mas também a sua relação com a escola e
e os alunos de outro, encontram-se em níveis diferentes estudo, sua percepção e compreensão das matérias. A
de compreensão (conhecimento e experiências) da prática consolidação dos conhecimentos depende do significado
social. que eles carregam em relação à experiência social das
Assim sendo, Fontana (2000) afirma que é preciso que o crianças e jovens na família, no meio social, no trabalho.
adulto assuma o seu papel com o objetivo claro da relação Dessa forma, segundo os Parâmetros Curriculares
de ensino (que é o de ensinar), levando em consideração a Nacionais (2001), se potencialmente não podemos mais
condição de ambos os lados dessa prática, como parceiros deixar de ter inquietações com o domínio de conhecimentos
intelectuais, desiguais em termos de desenvolvimento formais para a participação crítica na sociedade, considera-
psicológico e dos lugares sociais ocupados no processo se também que é indispensável uma adequação pedagógica
histórico, mas por isso mesmo, parceiros na relação às características de um aluno que pensa, de um professor
contraditória do conhecimento. que sabe e de conteúdos com valor social e formativo.

281
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

O ensino tem, portanto, de acordo com Libâneo (1994), Nesse processo de entrecruzamento e incorporação se
como função principal garantir o processo de transmissão fazem presentes e atuantes, como afirmam Fontana e Cruz
e assimilação dos conteúdos do saber escolar e, através (1997), as maneiras de dizer e pensar da criança e o papel
desse processo, o desenvolvimento das capacidades do professor como parceiro social de sua aprendizagem, que
cognoscitivas dos alunos, de maneira que, o professor considera os saberes trazidos em sala de aula, provocando
planeje, dirija e comande o processo de ensino, tendo em outros significados e sentidos além do que os alunos já
vista estimular e suscitar a atividade própria dos alunos conhecem, buscando articular conhecimentos e chegar ao
para a aprendizagem. conhecimento sistematizado.
É justamente o que defende Saviani (2003)
como terceiro passo no processo de ensino, que não Segundo Libâneo):
coincide com assimilação de conteúdos transmitidos O trabalho docente é atividade que dá unidade ao binômio
pelo professor por comparação com conhecimentos ensino-aprendizagem, pelo processo de transmissão-assimilação
anteriores (Pedagogia Tradicional) nem com a coleta de ativa de conhecimentos, realizando a tarefa de mediação na
dados (Pedagogia Nova), ainda que por certo envolva relação cognitiva entre o aluno e as matérias de estudo.
Desse modo, percebemos uma interrelação entre
transmissão e assimilação de conhecimentos podendo,
dois momentos do processo de ensino – transmissão e
eventualmente, envolver levantamento de dados. Trata-
assimilação ativa – que supõe o confronto entre os conteúdos
se de uma instrumentalização, da apropriação pelas
sistematizados, trazidos pelo professor, e a experiência
camadas populares das ferramentas culturais produzidas sociocultural do aluno e por suas forças cognoscitivas,
socialmente e preservados historicamente de modo que a enfrentando as situações escolares de aprendizagem por
sua apropriação pelos alunos está na dependência de sua meio da orientação do professor.
transmissão direta ou indireta pelo professor. Finalmente então, chega-se ao quinto passo, no
Essencialmente, é o que nos coloca Fontana e Cruz ao qual Saviani (2003) nos coloca que não será a aplicação
afirmarem que “deixa-se de esperar das crianças a postura (Pedagogia Tradicional) nem a experimentação (Pedagogia
de ouvinte valorizando-se sua ação e sua expressão. Nova), mas o ponto de chegada que será a própria prática
Possibilitar à criança situações em que ela possa agir e social, compreendida agora não mais em termos sincréticos
ouvi-la expressar suas elaborações passam a ser princípios pelos alunos. Neste momento, ocorre uma elevação dos
básicos da atuação do professor”. alunos ao nível do professor, posto que em consequência
De fato, a criança precisa ser ouvida para que através de todo o processo, manifesta-se nos alunos a competência
de suas palavras e da problematização feita a partir delas, de expressarem um entendimento da prática em termos tão
ocorra uma aprendizagem ativa e crítica. elaborados quanto era possível ao professor.
Desse modo, segundo Fontana e Cruz (1997), pensar Dessa forma, observa-se uma desigualdade no ponto
sobre o modo como a criança utiliza a palavra, é pensar em de partida (primeiro passo) e uma igualdade no ponto de
uma atividade intelectual nova e complexa. Assim, o que a chegada. Através da ação pedagógica é possível formar
professora faz é levar as crianças a desenvolverem um tipo sujeitos sociais críticos e ativos numa sociedade pensante.
de atividade intelectual que elas ainda não realizam por si A teoria em si [...] não transforma o mundo. Pode contribuir
mesmas. para sua transformação, mas para isso tem que sair de si
É neste sentido que consiste a intervenção e o papel do mesma, e, em primeiro lugar tem que ser assimilada pelos que
professor na prática educativa. vão ocasionar, com seus atos reais, efetivos, tal transformação.
Sem dúvida, através de suas orientações, intervenções Entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere
e mediações, o professor deve provocar e instigar os alunos um trabalho de educação das consciências, de organização
a pensarem criticamente e a se colocarem como sujeitos de dos meios materiais e planos concretos de ação; tudo isso
como passagem indispensável para desenvolver ações reais,
sua própria aprendizagem.
efetivas. Nesse sentido, uma teoria é prática na medida em
Portanto, como afirmam Fontana e Cruz (1997),
que materializa, através de uma série de mediações, o que
o professor através de suas perguntas, não nega nem
antes só existia idealmente, como conhecimento da realidade
exclui as definições iniciais das crianças, ao contrário, ele ou antecipação ideal de sua transformação.
as problematiza e as “empurra” para outro patamar de É justamente, pela formação de sujeitos autônomos e
generalização, levando as crianças a considerarem relações produtivos que a educação deve se destacar, pois por meio
que não foram incluídas nas suas primeiras definições, dela, professores e alunos, reciprocamente aprendem, de
provocando reelaborações na argumentação desenvolvida modo que assim ambos possam inserir-se criticamente em
por elas. seu processo histórico e na sociedade.
Efetivamente, neste momento chegamos ao Contudo, consideramos, neste trabalho, que cabe ao
quarto passo defendido por Saviani (2003), que não é a professor, mediar o chamado “saber elaborado” acumulado
generalização (Pedagogia Tradicional) nem a hipótese historicamente pela sociedade com as vivências do
(Pedagogia Nova), trata-se de “catarse”, entendida como: aluno possibilitando uma aprendizagem crítica para sua
Elaboração superior da estrutura em superestrutura atuação como sujeito na sociedade, enfocando o ensino
na consciência dos homens, em que ocorre a efetiva dos conhecimentos do passado, da tradição, para o
incorporação dos instrumentos culturais, transformados entendimento das situações presentes e formas de se
agora em elementos ativos de transformação social. redefinir as ações futuras.

282
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Portanto, a ação pedagógica no processo de ensino b) contar com as contribuições e os conhecimentos


consiste, basicamente, na “prática social”. De modo que, dos alunos, tanto no início das atividades como durante
inicialmente cabe ao educador, mediar conhecimentos sua realização.
historicamente acumulados bem como os conhecimentos c) ajudá-los a encontrar sentido no que estão fazendo
atuais, possibilitando, ao fim de todo o processo, que o para que conheçam o que têm que fazer, sintam que
educando tenha a capacidade de reelaborar o conhecimento podem fazê-lo e que é interessante fazê-lo.
e de expressar uma compreensão da prática em termos tão d) estabelecer metas ao alcance dos alunos para que
elaborados quanto era possível ao educador. possam ser superadas com o esforço e a ajuda necessários.
Percebe-se então, que tal prática social só pôde ser e) oferecer ajudas adequadas, no processo de
alcançada através de uma ação pedagógica mediadora construção do aluno, para os progressos que experimenta
e problematizadora dos conteúdos sistematizados, das e para enfrentar os obstáculos com os quais depara.
vivências dos alunos e dos acontecimentos da sociedade f) promover atividade mental autoestruturante que
atual. permita estabelecer o máximo de relações com o novo
Assim sendo, na relação de ensino estabelecida na conteúdo, atribuindo-lhe significado no maior grau
sala de aula, o professor precisa ter o entendimento de possível e fomentando os processos de meta-cognição
que ensinar não é simplesmente transferir conhecimento, que lhe permitam assegurar o controle pessoal sobre os
mas, ao contrário, é possibilitar ao aluno momentos de próprios conhecimentos.
reelaboração do saber dividido, permitindo o seu acesso g) estabelecer um ambiente e determinadas relações
critico a esses saberes e contribuindo para sua atuação presididos pelo respeito mútuo e pelo sentimento de
como ser ativo e crítico no processo históricocultural da confiança, que promovam a autoestima e autoconceito.
sociedade. h) promover canais de comunicação que regulem os
De fato, este é o verdadeiro papel do professor processos de negociação, participação e construção.
mediador que almeja através da sua ação pedagógica i) potencializar progressivamente a autonomia dos
ensinar os conhecimentos construídos e elaborados pela alunos na definição de objetivos, ações, realizações,
humanidade ao longo da história e assim contribuir na controle, possibilitando que aprendam a aprender.
formação de uma sociedade pensante.
j) avaliar os alunos conforme suas capacidades e seus
esforços, incentivando o processo de autoavaliação das
Referência:
competências como meio para favorecer as estratégias de
BULGRAEN, V. C. O papel do professor e sua mediação
controle da própria atividade.
nos processos de elaboração do conhecimento. Revista
Conteúdo, Capivari, v.1, n.4, ago./dez. 2010.
Segundo o autor, os princípios da concepção
construtivista do ensino e da aprendizagem escolar
AS RELACÕES INTERATIVAS EM SALA DE AULA; O
PAPEL DOS PROFESSORES E DOS ALUNOS proporcionam alguns parâmetros que permitem orientar
a ação didática e que de maneira específica, ajudam a
As sequências didáticas, como conjunto de atividades, caracterizar as interações educativas que estruturam a vida
nos oferece uma série de oportunidades comunicativas, de uma classe. O resultado da análise destes parâmetros
mas que por si mesmas não determinam o que constitui a apresenta um marco complexo. Ensinar é difícil e não dá
chave de todo ensino: as relações que se estabelecem entre para esperar que a explicação das variáveis que intervêm
os professores, os alunos e os conteúdos de aprendizagem. possa ser feita por um discurso simplista.
As atividades são o meio para mobilizar a trama das Não se deve perder de vista que, em grande parte,
comunicações que se pode estabelecer em classe; as poder trabalhar desde este marco implica uma atitude
relações que ali se estabelecem definem os diferentes construtivista - baseada no conhecimento e na reflexão -,
papéis dos professores e dos alunos. que contribui para que nossas intervenções, talvez de forma
Ensinar envolve estabelecer uma série de relações intuitiva em grande parte, se ajustem às necessidades dos
que devem conduzir à elaboração, por parte do aprendiz, alunos que temos em frente, nos levem a incentivá-los,
de representações pessoais sobre o conteúdo objeto de a ver seus aspectos positivos, e avaliá-los conforme seus
aprendizagem. Cada pessoa terá um resultado diferente. esforços e a atuar como o apoio de que necessitam para
Portanto, os professores podem utilizar na estruturação seguir adiante. Que todos façam parte do que temos que
das intenções educacionais uma diversidade de estratégias. ensinar na escola não se deduz tanto de uma exigência
Do conjunto de relações interativas necessárias para burocrática de administração educacional, mas da
facilitar a aprendizagem se deduz uma série de funções necessidade de educar de modo íntegro as pessoas.
dos professores, que tem como ponto de partida o próprio
planejamento, que podem ser caracterizadas da seguinte Fonte:
maneira: ZABALA, Antoni - A PRÁTICA EDUCATIVA: COMO
ENSINAR. Porto Alegre, Artmed, 1998
a) planejar a atuação docente de uma maneira
suficientemente flexível para permitir a adaptação às
necessidades dos alunos em todo o processo de ensino/
aprendizagem.

283
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

1.2. Teoria behaviorista (comportamental) de Watson


PRINCIPAIS TEORIAS E PRÁTICAS NA que afirmava que toda aprendizagem depende do meio
externo, que toda atividade humana é condicionada e
EDUCAÇÃO; AS BASES EMPÍRICAS,
condicionável em decorrência da variação na constituição
METODOLÓGICAS E EPISTEMOLÓGICAS DAS genética e que não há necessidade alguma de mencionar a
DIVERSAS TEORIAS DE APRENDIZAGEM; vida psíquica ou a consciência.
CONTRIBUIÇÕES DE PIAGET, VYGOTSKY E Watson recebeu expressiva influência das pesquisas de
WALLON PARA A PSICOLOGIA E PEDAGOGIA. Pavlov a respeito do reflexo condicionado.
O principal pressuposto da teoria é que a aprendizagem
em geral é sinônimo de formação de hábitos e seus
princípios são: (1) aprendizagem acontece através da
Teorias da Aprendizagem para a Prática Pedagógica repetição a estímulos, (2) os reforços positivos e negativos
têm influência fundamental para a formação dos hábitos
O tema que iremos tratar é o da aprendizagem, haja vista desejados, (3) a aprendizagem ocorre melhor se as
ser a aprendizagem, para mim, o fenômeno mais significativo atividades forem graduadas.
para a prática pedagógica. 1.3. O conexionismo (associacionismo) de Thorndike
Embora esse assunto conduza a uma ampla discussão, que postula ser a aprendizagem resultante de conexões
pois impõe o conhecimento dos fundamentos da própria nervosas estabelecidas entre impressões sensoriais e
área de aprendizagem e da Psicologia, enquanto ciência, e impulsos para a ação. Também como aprendizagem
considerando que esse é apenas um momento, temos como por ensaio e erro (trial and error learning). À forma mais
objetivo contextualizar as teorias da aprendizagem de forma que característica de aprendizagem, Thorndike chamou de
o estudo contribua para um entendimento mais específico das aprendizagem por seleção e conexão. Dessa maneira,
necessidades dessa temática para a formação de professores. um comportamento que tem uma resposta positiva gera
De acordo com Moreira (1999), “uma teoria é uma uma conexão firme em termos de aprendizagem. Isso é
tentativa humana de sistematizar uma área de conhecimento, conhecido como a lei do reforço.
uma maneira particular de ver as coisas, de explicar e prever
observações, de resolver problemas”. E nesse sentido, o A Teoria Behaviorista de Skinner
mesmo autor define uma teoria de aprendizagem como:
“uma construção humana para interpretar sistematicamente A abordagem de Skinner considera o comportamento
a área de conhecimento que chamamos aprendizagem. observável e não se preocupa com os processos
Representa o ponto de vista de um autor/pesquisador sobre intermediários entre o estímulo (E) e a resposta (R).
como interpretar o tema aprendizagem, quais as variáveis A aprendizagem seria fruto de condicionamento
independentes, dependentes e intervenientes. Tenta explicar operante, ou seja, um comportamento é premiado,
o que é aprendizagem e porque funciona como funciona. reforçado, até que ele seja condicionado de tal forma
Teorias de aprendizagem referem-se a: que ao se retirar o reforço5 o comportamento continue
1. no sentido mais amplo: conjunto global de marcos, a acontecer. A aprendizagem é um comportamento
enfoques e perspectivas teóricas que tentam oferecer observável, adquirido de forma mecânica e automática
explicações mais ou menos gerais dos elementos e fatores através de estímulos e respostas.
implicados nos processos de mudança que as pessoas Skinner apresenta dois tipos de aprendizagem:
experimentam como resultado de sua experiência e de sua 1º. Condicionamento Respondente - “reflexo” ou
relação com o meio; “involuntário” que não é tão expressivo no comportamento
2. no sentido mais restrito: designa um subconjunto do ser humano. É controlado por um estímulo precedente.
específico desses marcos teóricos, que são caracterizados 2º. Condicionamento Operante que se relaciona com o
porque se inspiram, de maneira mais ou menos direta, na comportamento operante e seria “voluntário”. Inclui tudo o
tradição CONDUTISTA em psicologia. que fazemos e que tem efeito no mundo exterior ou opera
Uma “teoria de aprendizagem” oferece uma explicação nele. É controlado por suas consequências - estímulos que
sistemática, coerente e unitária de: como se aprende; quais são os se seguem à resposta.
limites da aprendizagem e porque se esquece o que foi aprendido. Para Skinner o comportamento é aquilo que pode ser
objetivamente estudado e pode ser modelado através da
Teorias Conexionistas (Teorias Estímulo – Resposta) administração de reforços positivos e negativos, o que
As teorias conexionistas estabelecem que a aprendizagem implica também numa relação causal entre reforço (causa)
se deva a conexões entre estímulos e respostas. e comportamento (efeito).
1) algumas teorias conexionistas antigas: Pelo fato do comportamento ser controlado por suas
1.1. Teoria de Ivan Pavlov que concebia a aprendizagem consequências, o programa de Skinner faz uso da utilização
como substituição de estímulo, ou seja, o estímulo sistemática de um reforço, privando ou não o sujeito do
condicionado, depois de ter sido emparelhado um número mesmo conforme um comportamento rigorosamente
suficiente de vezes com o estímulo incondicionado, passa a pretendido. A eficácia do reforço depende da proximidade
elucidar a mesma resposta, podendo substituí-lo. temporal e espacial em relação ao comportamento que se
Pavlov criou a primeira teoria sobre aprendizagem, que que pretende modelar, sob pena de incidir sobre outro que
precedeu e inspirou a Pedagogia Tecnicista. não esteja em questão.

284
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

A abordagem Skinneriana apresenta dois tipos de Devido a diversidade das teorias condutistas, fica difícil
reforço, a saber: avaliar de uma maneira global os processos de mudanças
1º. o reforço positivo que fortalece a probabilidade do educativas – isso contribui para limitar a compreensão do
comportamento pretendido que segue; entendimento dos processos de aprendizagem escolar. É
2º. o reforço negativo que enfraquece um determinado uma abordagem importante no que diz respeito a pesquisa
comportamento em proveito de outro que faça cessar o de técnicas específicas para possíveis intervenções
desprazer com uma situação. educativas.
Para Skinner a punição é diferente do reforço negativo.
Em termos conceituais, a punição se refere a um desprazer Teoria das Hierarquias de Aprendizagem de Gagné
(estímulo) que se faz presente após um determinado
comportamento não pretendido por aquele que a aplica, Em seu trabalho, Gagné aborda “condições de
enquanto que o reforço negativo se caracteriza pela aprendizagem”, “tipos de aprendizagem” e princípios de
ausência (retirada) do desprazer após a ocorrência de um aprendizagem”. Para Moreira (1999), “trata-se de uma
comportamento pretendido por aquele que o promove. teoria na medida em que procura relacionar e/ou unificar
Skinner ilustra assim o aspecto antipedagógico da punição. princípios de aprendizagem de modo a explicar fatos
A teoria da aprendizagem behaviorista forneceu específicos observados”.
os fundamentos dos primeiros projetos de tecnologia Para Gagné a aprendizagem é um processo (interno)
instrucional baseada em computador.
visível de mudança nas capacidades do indivíduo e ocorre
principalmente na interação do sujeito com seu meio (físico,
Aplicação à educação:
social, psicológico). Se a aprendizagem ocorrer, observa-
A eficiência do modelo behaviorista na prática educativa se uma mudança comportamental persistente. Gagné
= habilidade, com a qual o professor planeja suas atividades identifica cinco categorias maiores de aprendizagem:
e a de seus alunos >> objetivos bem definidos e os planos - Informação verbal;
eficientes para que as metas sejam alcançadas; - Habilidades intelectuais;
- A aprendizagem = garantida pela sua programação - Estratégias do cognitivo;
cabendo ao professor estabelecer critérios, fixando os - Habilidade motora;
comportamentos iniciais de seus alunos e aqueles resultados - Atitudes.
que deverão apresentar durante e no final do processo. Não basta ver o comportamento do aprendiz e
- Ensino = o processo por meio do qual se instauram sim analisar o processo de aprendizagem (modelo de
nos alunos as condutas descritas pelos que planejam o aprendizagem e memória).
currículo. Para Gagné uma habilidade intelectual pode ser
explicada como habilidades mais simples e quando
Algumas considerações sobre a abordagem combinadas resultam em aprendizagem. As habilidades
comportamental mais simples enquanto “pré-requisitos imediatos”
possibilitam a identificação de outras habilidades muito
Como essa abordagem focaliza comportamentos mais simples das quais são formadas. É isso que Gagné
exteriorizados do indivíduo, comportamentos esses denomina de “hierarquia de aprendizagem” e que significa
observáveis, convencionou-se operacionalizar a um “mapa das habilidades subordinadas a alguma
aprendizagem em relação ao cumprimento de uma tarefa habilidade mais complexa que deve ser aprendida”. Nesse
realizada com êxito, confundindo-se, assim, resposta a sentido, propôs oito fases ou tipos que constituem o ato
uma determinada ação como se ela fosse sinônimo de de aprendizagem:
aprendizagem. Tipo 1 - Aprendizagem de sinais: o aprendiz aprende
Desconsidera-se, desse modo, que conhecimento a dar uma resposta geral e difusa a um sinal. Neste tipo
aprendido não pode ser mensurado como fato pontual. de aprendizagem o estímulo condicionado deve preceder
A crítica mais significativa à abordagem behaviorista
o incondicionado, num intervalo de tempo bastante curto.
diz respeito à abstração que se faz do sujeito e da sua vida
Tipo 2 - Aprendizagem do tipo estímulo-resposta: o
pessoal, centralizando o estudo no comportamento exterior
indivíduo aprende uma resposta precisa a um estímulo
expresso. Muitas vezes, o trato com o fenômeno apresenta-
se de forma superficial. Deixa de abordar determinados discriminado, ou seja, uma conexão - segundo Thorndike,
aspectos da aprendizagem por não serem passíveis de ou uma operação discriminada - segundo Skinner.
investigação objetiva, como, por exemplo, angústia, alegria, Tipo 3 - Aprendizagem em cadeias: consiste na
tristeza, amor... aquisição de duas ou mais conexões estímulo-resposta,
A ausência de manifestações exteriores não significa e pode começar tanto pelo fim da cadeia (pelo último
que não houve aprendizagem, porque esta nem sempre elo) como pelo início (pelo primeiro elo da cadeia). As
é visível, como se lê em vários livros. O silêncio e a apatia condições para este tipo de aprendizagem foram descritas
são também manifestações exteriores, que podem ser principalmente por Skinner.
observadas pelo educador e, em si mesmas, não significam Tipo 4 - Aprendizagem de associações verbais:
necessariamente uma não-aprendizagem, pois podem ter semelhante ao tipo 3, é uma aprendizagem de cadeias
outras interpretações em determinados contextos. verbais.

285
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Tipo 5 - Aprendizagem de discriminações múltiplas: Teoria do Desenvolvimento e Aprendizagem por


neste caso o aprendiz necessita dar respostas diferenciadas Descobrimento de Piaget
a diferentes estímulos, estabelecendo um determinado
número de cadeias que demonstrem a falta de semelhança Embora Piaget não enfatize o conceito de
entre várias coisas. aprendizagem em sua teoria cognitiva e sim faça uma
Tipo 6 - Aprendizagem de conceitos: este tipo de teoria de desenvolvimento mental, é possível entender que
aprendizagem torna possível ao indivíduo reagir a pessoas sua contribuição à aprendizagem ocorra quando ele fala
ou fatos como um todo. O indivíduo adquire a capacidade sobre “aumento do conhecimento” e como isto ocorre: “só
de dar respostas iguais a um grupo de estímulos, os quais há aprendizagem (aumento de conhecimento) quando o
podem diferir na sua forma física. esquema de assimilação sofre acomodação”.
Tipo 7 - Aprendizagem de princípios: um princípio - Psicogênese do conhecimento = o conhecimento
é uma cadeia de dois ou mais conceitos e representa as é resultado de interações entre o sujeito e o objeto e pela
relações existentes entre estes conceitos. assimilação dos objetos aos esquemas do indivíduo
Tipo 8 - Resolução de problemas: este tipo de O conhecimento, além de ser construído pela associação
aprendizagem requer operações mentais mais complexas, entre objeto, é também dado pela assimilação dos objetos
envolvendo os outros tipos analisados. O indivíduo adquire aos esquemas do indivíduo.
uma capacidade ou conhecimento. O sujeito (que conhece, cognoscente) é ativo.
Aprender = colocar em andamento um conjunto de A capacidade do sujeito de conhecer e compreender
condições de aprendizagem internas e externas. o mundo é decorrente de esquemas de ASSIMILAÇÃO e
ACOMODAÇÃO.
Teoria da Cognição Social de Bandura Na assimilação o sujeito, por exemplo, se agita, suga,
reúne, classifica, estabelece relações, e esses esquemas
Albert Bandura propõe uma abordagem de se alteram como resultado da maturação biológica, de
aprendizagem social e o papel das influências sociais na experiências, trocas interpessoais e transmissões culturais.
aprendizagem. Se opõe a Skinner, principalmente por A acomodação seria um mecanismo de ampliação que o
este não considerar os processos mentais e cognitivos na sujeito elabora a partir da assimilação.
aprendizagem humana. Nesse sentido, Bandura oferece Quando se estabelece a relação do sujeito conhecedor
uma outra versão do behaviorismo que chamou de e do objeto conhecido, articulando-se assimilações e
sociobehaviorismo e que mais tarde seria chamada de acomodações, conclui-se o processo de adaptação e esse
movimento todo é promovido pela equilibração.
abordagem cognitiva social. Para Bandura, a aprendizagem
por observação é mais segura do que o comportamento
A equilibração é o conceito central na teoria construtivista.
operante de Skinner.
Princípios da Aprendizagem por Modelagem
A teoria de Piaget analisa o desenvolvimento humano
Para Bandura, a aprendizagem observacional é
desde a sua gênese – e o desenvolvimento seria uma
constituída por quatro etapas:
passagem de um estágio de menor equilíbrio para outro.
1ª. Atenção: processo que otimiza a aprendizagem;
Para Piaget os estágios e períodos do desenvolvimento
2ª. Retenção: um comportamento passa a ser aprendido,
caracterizam as diferentes maneiras do indivíduo interagir
quando for armazenado em nosso sistema cognitivo;
com a realidade, ou seja, de organizar seus conhecimentos
3ª. Produção: o conhecimento precisa ser caracterizado visando sua adaptação, constituindo-se na modificação
em ação, diferentes capacidades e habilidades são progressiva dos esquemas de assimilação. Os estágios
necessárias para colocar um conhecimento em prática. evoluem como uma espiral, de modo que cada estágio
4ª. Motivação: uma necessidade ou desejo que engloba o anterior e o amplia. Piaget não define idades
impulsiona um determinado tipo de comportamento e rígidas para os estágios, mas sim que estes se apresentam
encaminha para um objetivo. em uma sequência constante.
Para Bandura, a ação humana resulta da interação Estágio sensóriomotor, mais ou menos de 0 a 2 anos:
recíproca entre três classes principais de determinantes: a atividade intelectual da criança é de natureza sensorial e
a) o comportamento; motora. A principal característica desse período é a ausência
b) os fatores pessoais internos = eventos cognitivos, da função semiótica, isto é, a criança não representa
afetivos e biológicos; mentalmente os objetos. Sua ação é direta sobre eles. Essas
c) ambiente externo; atividades serão o fundamento da atividade intelectual
- Aprendizagem por imitação e observação: futura. A estimulação ambiental interferirá na passagem de
O aluno adquire e modifica pautas complexas de ação um estágio para o outro.
social, mecanismos cognitivos, regras abstratas, conceitos, Estágio pré-operacional, mais ou menos de 4 a 6
estratégias de seleção e processamento de informação, anos: (Biaggio destaca que em algumas obras Piaget
capacidade de elaborar predições ou expectativas, sistemas engloba o estágio pré-operacional como um subestágio
de autorregularão, autoavaliação e auto recompensa. do estágio de operações concretas): a criança desenvolve
a capacidade simbólica; “já não depende unicamente de

286
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

suas sensações, de seus movimentos, mas já distingue um qual o sujeito é sempre um elemento ativo, que procura
significador (imagem, palavra ou símbolo) daquilo que ele ativamente compreender o mundo que o cerca, e que
significa (o objeto ausente), o significado”. Para a educação busca resolver as interrogações que esse mundo provoca
é importante ressaltar o caráter lúdico do pensamento de forma autônoma.
simbólico (conferir em Leitura Complementar). Este período Principais objetivos da educação: formação de homens
caracteriza-se: pelo egocentrismo: isto é, a criança ainda não “criativos, inventivos e descobridores”, de pessoas críticas e
se mostra capaz de colocar-se na perspectiva do outro, o ativas, e na busca constante da construção da autonomia.
pensamento pré-operacional é estático e rígido, a criança
capta estados momentâneos, sem juntá-los em um todo; Aprendizagem por Descoberta em Bruner
pelo desequilíbrio: há uma predominância de acomodações
e não das assimilações; pela irreversibilidade: a criança Jerome Seymour Bruner enfatiza que a aprendizagem
parece incapaz de compreender a existência de fenômenos é um processo que ocorre internamente, e não como um
reversíveis, isto é, que se fizermos certas transformações, produto do ambiente, das pessoas ou dos fatores externos
somos capazes de restaurá-las, fazendo voltar ao estágio àquele que aprende. Realça a motivação intrínseca (interesse
original, como por exemplo, a água que se transforma em na matéria), a transferência da aprendizagem e a importância
gelo e aquecendo-se volta à forma original. do pensamento intuitivo e que privilegia a curiosidade
Estágio das operações concretas, mais ou menos do aluno e o papel do professor como instigador dessa
dos 7 aos 11 anos: a criança já possui uma organização curiosidade, daí ser chamada de teoria da descoberta. O
mental integrada, os sistemas de ação reúnem-se em todos seu método prevê estruturação das matérias de ensino,
integrados. Piaget fala em operações de pensamento ao sequência na apresentação dessas matérias, motivação e
invés de ações. É capaz de ver a totalidade de diferentes reforço. Para Bruner, o êxito do ensino disciplinar depende
ângulos. Conclui e consolida as conservações do número, da do modo como os alunos entendem, pois, crianças em
substância e do peso. Apesar de ainda trabalhar com objetos, diferentes etapas de desenvolvimento possuem formas
agora representados, sua flexibilidade de pensamento características de ver e explicar o mundo. Bruner destaca
permite um sem número de aprendizagens. o processo da descoberta, através da exploração de
Estágio das operações formais, mais ou menos dos 12 alternativas, e o currículo em espiral.
anos em diante: ocorre o desenvolvimento das operações Para Bruner, a aprendizagem mais significativa é a
desenvolvida por métodos de descoberta orientada, que implicam
de raciocínio abstrato. A criança se liberta inteiramente do
proporcionar - aos estudantes - oportunidades de manipulação
objeto, inclusive o representado, operando agora com a
de objetos em forma ativa para transformá-los pela ação direta,
forma (em contraposição a conteúdo), situando o real em
assim como por atividades que os animem a procurar, explorar,
um conjunto de transformações. A grande novidade do
analisar ou processar, de alguma outra maneira, a informação que
nível das operações formais é que o sujeito se torna capaz
recebem, em vez de somente respondê-la.
de raciocinar corretamente sobre proposições em que não
De acordo com Bruner, “é possível ensinar qualquer
acredita, ou que ainda não acredita, que ainda considera
assunto, de uma maneira honesta, a qualquer criança em
puras hipóteses. É capaz de inferir as conseqüências.Tem
qualquer estágio do desenvolvimento”
início os processos de pensamento hipotético-dedutivos. A teoria de Bruner é mais uma teoria de ensino, cujas
Para Piaget a aprendizagem depende do estágio de características são:
desenvolvimento do sujeito e a educação ocorre com base 1º Predisposições: no apontamento das experiências
nos pressupostos da equilibração constante. afetivas para implantar no sujeito a predisposição para a
As atividades principais seriam: jogos de pensamento aprendizagem
para o corpo e sentidos, jogos de pensamento lógico, 2º Estrutura e forma de conhecimento: na especificação
atividades sociais para o pensamento (teatro, excursões), de como deve ser estruturado um conjunto de conhecimentos
ler e escrever, aritmética, ciência, arte e ofícios música e 3º Sequência e suas aplicações: na citação da sequência
educação física. mais eficiente para apresentar as matérias a serem estudadas
No plano da informática = tem contribuído para 4º Forma e distribuição do reforço: na ênfase a natureza
modelagens computacionais na área de IA em educação, e na aplicação dos prêmios e punições nos processos de
desenvolvimento de linguagens de programação e outras aprendizagem e ensino.
modalidades de ensino auxiliado por computador com “A aprendizagem depende do conhecimento dos
orientação construtivista. resultados, no momento e no local que ele pode ser utilizado
Programa mais popular = LOGO caracterizado como para correção”
ambiente informático embasado no construtivismo = “O processo de aprendizagem deve levar o estudante a
o indivíduo constrói, ele próprio, os mecanismos do desenvolver seu autocontrole a fim de que a aprendizagem
pensamento e os conhecimentos a partir das interações que seja reforço de si própria”
tem com seu ambiente psíquico e social. “A descoberta de um princípio por uma criança, é
A escola deve propor atividades desafiadoras que essencialmente idêntica - enquanto processo - à descoberta
provoquem desequilíbrios e reequilibrações sucessivas, que um cientista faz em seu laboratório”
promovendo a descoberta e a construção do conhecimento. Bruner defende a participação ativa do aprendiz no
Conhecimento como resultado de uma interação, na processo de aprendizagem.

287
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Teoria Sociocultural de Vigotsky A escola é o lugar onde a intervenção pedagógica


intencional desencadeia o processo ensino-aprendizagem.
Leon S. Vigotsky defende a ideia de que a aprendizagem O professor tem o papel explícito de interferir no
é necessária para o desenvolvimento. De acordo com processo, diferentemente de situações informais nas quais
Moreira (1999:121): Sua teoria é construtivista, no sentido a criança aprende por imersão em um ambiente cultural.
de que os instrumentos, signos e sistemas de signos são Portanto, é papel do docente provocar avanços nos alunos
construções sóciohistórica e culturais, e a internalização, e isso se torna possível com sua interferência na zona
no indivíduo, dos instrumentos e signos socialmente proximal.
construídos, é uma reconstrução interna em sua mente. Educação: a importância da atuação dos outros
O enfoque dado por Vigotsky destaca a participação membros do grupo social na mediação entre a cultura
em atividades com pessoas mais experientes é o que e o indivíduo, pois uma intervenção deliberada desses
permite às crianças apropriarem-se dos conteúdos culturais membros da cultura, nessa perspectiva, é essencial no
e progredirem na elaboração interna das capacidades processo de desenvolvimento. Isso nos mostra os processos
humanas superiores questão central: aquisição de pedagógicos como intencionais, deliberados, sendo o
conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. objeto dessa intervenção: construir conceitos.
- A linguagem desempenha papel muito importante na O aluno não é tão somente o sujeito da aprendizagem,
construção do conhecimento e é a ferramenta psicológica
mas, aquele que aprende junto ao outro o que o seu grupo
mais importante.
social produz, tal como: valores, linguagem e o próprio
- A aprendizagem precede o desenvolvimento numa
conhecimento.
relação dialética (Base da teoria Histórico Cultural) e é
fundamental para o desenvolvimento.
- O desenvolvimento cognitivo é produzido pelo Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel
processo de internalização da interação social com
materiais fornecidos pela cultura, sendo que o processo se David Paul Ausubel:
constrói de fora para dentro. - É considerado um dos maiores estudiosos da
- A aprendizagem implica apropriação de conhecimento, aprendizagem e dos procedimentos e métodos de
com planejamento e reorganização das experiências para o instruções.
aluno. - Foi influenciado fundamentalmente pela teoria do
- A aprendizagem é fundamental ao desenvolvimento desenvolvimento de J. Piaget.
dos processos internos na interação com outras pessoas. - E bastante atuante na área da Psicologia Educacional
- O ensino deve passar do grupo para o indivíduo. dos anos 50 aos anos 70.
- O ambiente influenciaria a internalização das atividades - Os estudos de Ausubel partem de clara crítica à
cognitivas no indivíduo, de modo que, o aprendizado gere aprendizagem por descoberta de Bruner, que em 68
o desenvolvimento. Portanto, o desenvolvimento mental descreve uma alternativa metodológica de instrução
só pode realizar-se por intermédio do aprendizado. baseada na orientação da aprendizagem.

Vigotsky distingue duas formas de funcionamento Para Ausubel, o principal objetivo no processo de
mental: ensino é que a aprendizagem obtida seja significativa.
1ª. os processos mentais elementares: Os processos - O material a ser aprendido precisa fazer sentido para
mentais elementares correspondem ao estágio de o aluno. Isto acontece quando a nova informação “ancora-
inteligência sensóriomotora de Piaget e são resultantes do se” nos conceitos relevantes já existentes na estrutura
capital genético da espécie, da maturação biológica e da cognitiva do aprendiz.
experiência da criança com seu ambiente físico. - Neste processo a nova informação interage com uma
2ª. Os processos mentais superiores: são construídas estrutura de conhecimento específica, que Ausubel chama
ao longo da história social do homem. Como? Na sua de conceito “subsunçor”.
relação com o mundo, mediada pelos instrumentos e
- Quando o material a ser aprendido não consegue
símbolos desenvolvidos culturalmente, fazendo com que o
ligar-se a algo já conhecido, tem-se o que Ausubel chamou
homem se distinga dos outros animais nas suas formas de
de aprendizagem mecânica. Ocorre quando as novas
agir no e com o mundo.
informações são aprendidas sem, no entanto, interagirem
Sustenta a teoria do desenvolvimento dos processos
mentais superiores: com conceitos relevantes já existentes na estrutura
1º. Relação entre educação, aprendizagem e cognitiva. Assim, a pessoa “decora” fórmulas, leis, emprega
desenvolvimento; “macetes” para realizar as avaliações esquecendo-se logo
2º. O papel da mediação social nas relações entre o após.
indivíduo e seu ambiente (mediado pelas ferramentas) e Para haver aprendizagem significativa é preciso duas
nas atividades psíquicas intraindividuais (mediadas pelos condições:
signos): (a) que o aluno tenha disposição para aprender;
3º. A passagem entre o interpsíquico e o intrapsíquico (b) que o material a ser aprendido seja potencialmente
nas situações de comunicação social. significativo (logicamente e psicologicamente).

288
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Psicologia da Educação e os Conceitos de David P. Alguns estudos desenvolvidos em laboratórios


Ausubel indicam que é fundamental a orientação da aprendizagem
na perspectiva da aprendizagem significativa pois “a
O fenômeno da aprendizagem humana estudado pela informação aprendida de maneira mecânica inibe a
Psicologia da Educação do ponto de vista de Ausubel aprendizagem subsequente de material adicional similar.
vai além da simples modificação de conduta como se vê E além disso, mesmo esquecida a informação aprendida
na abordagem comportamental, pois a aprendizagem mecanicamente inibe a aprendizagem de nova informação
significativa possibilita uma mudança no significado da similar”.
experiência. Outros estudos indicam que a maioria das informações
Assim, o processo educativo tem, basicamente, três aprendidas mecanicamente nas escolas é perdida em
dimensões: um período de seis (6) a oito (8) semanas. Enquanto
(a) os professores e sua maneira de ensinar; isso, a aprendizagem significativa provoca a ocorrência
(b) a estrutura dos conhecimentos que configuram o do desenvolvimento e da elaboração de conceitos
currículo e o modo como este se desenvolve e “subsunçores”.
(c) o contexto das relações sociais no qual se desenvolve Aprendizagem Mecânica: se dá quando não existem
o processo educativo. ‘subsunçores” adequados, de tal forma que a nova
Neste sentido, uma “teoria de aprendizagem” oferece informação é armazenada arbitrariamente sem, no
uma explicação sistemática, coerente e unitária de: como entanto, interagir (ou integrar-se) com conhecimentos pré-
se aprende; quais são os limites da aprendizagem e porque existentes. Conhecimentos estes relevantes e necessários
se esquece o que foi aprendido. para fazer com que a tarefa do aprendiz seja potencialmente
significativa, independente da quantidade de significado
Sobre a aprendizagem significativa potencial que esta tarefa tenha.
Para Ausubel, não há uma distinção entre aprendizagem
- Ausubel defende que a aprendizagem do aluno significativa e mecânica enquanto uma dicotomia, mas
depende da estrutura cognitiva previa que se relaciona como “continuum”.
com a nova informação.
- na orientação da aprendizagem é de vital importância Requisitos para a Aprendizagem Significativa:
conhecer a estrutura cognitiva do aluno, não apenas para
saber a quantidade de informação que o aluno possui, Ausubel defende que o aluno manifeste uma certa
mas para saber quais são os conceitos e proposições que predisposição para relacionar de forma sustentada e não
consegue manipular além de seu grau de estabilidade. arbitrariamente o novo material com sua estrutura cognitiva
- Os princípios da aprendizagem propostos por como se o material empregado no seu ensino fosse
Ausubel apresentam um marco para o desenvolvimento potencialmente significativo, para que seja “relacionável”
de ferramentas metacognitivas que permitam conhecer com sua estrutura de conhecimento sobre uma base não
a organização da estrutura cognitiva do aluno, a qual arbitrária.
permitirá uma melhor orientação das ações educativas.
Esta não é uma ação que deva ser vista como ações Tipos de aprendizagem significativa:
que deverão se desenvolver com mentes vazias e que a
aprendizagem dos alunos começa do “zero”. Os educandos Para Ausubel há três tipos de aprendizagem significativa:
têm uma série de experiências e conhecimentos que afetam de representações de conceitos e de problemas.
suas aprendizagens e podem ser aproveitados a seu favor. 1ª. Aprendizagem de representações
- Ausubel resume significativa parte de sua obra da - É a aprendizagem mais elementar, da qual dependem
seguinte maneira: “Se tivesse que reduzir toda a psicologia os demais tipos de aprendizagem.
educacional a um só princípio, este teria como enunciado - Consiste na atribuição de significados a determinado
que o fator maior importância na aprendizagem é o que o símbolos. Diz Ausubel: este tipo de aprendizagem ocorre
aluno já sabe. Verifique isto e depois ensine”. quando se igualam em significados símbolos arbitrários
com seus objetos de referências (objetos, eventos, conceitos
A aprendizagem significativa e a aprendizagem etc) e significam para o aluno qualquer significado alusivo
mecânica aos objetos referenciais.
- Este tipo de aprendizagem se apresenta, geralmente,
Aprendizagem Significativa: quando os conteúdos são em crianças. Por exemplo, quando a criança aprende
relacionados de modo não arbitrário e sequenciado com a palavra “bola” quando esta passa a representar-lhe a
aquilo que o aluno já sabe. Este processo deverá obter mesma coisa, o objeto “bola’ e a palavra “bola”. Não se
melhores resultados se o aluno tiver em sua estrutura trata de uma simples associação entre o símbolo e o objeto
cognitiva conceitos, enquanto ideias ou problemas, de que o ninho relaciona de maneira relativamente subjetiva
maneira estável e definida, com as quais a nova informação e não arbitrária, como uma equivalência de representação
pode interagir. Isto significa que na aprendizagem com os conteúdos relevantes existentes em sua estrutura
significativa, cada nova informação é ligada a conceitos na cognitiva.
estrutura cognitiva do sujeito.

289
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

2ª. Aprendizagem de Conceitos Ligações Cruzadas: O mapa revela ligações significativas


- Os conceitos se definem como “objetos, eventos, entre um segmento da hierarquia conceitual e outro segmento?
situações ou propriedades que possuem atributos de critérios Essa ligação é significativa e válida? Cada ligação cruzada
comuns e que são designados mediante algum símbolo ou válida e significativa pode valer por exemplo 10 pontos.
signo. Daí podemos afirmar que, de certa forma, também é Exemplos: Os acontecimentos ou objetos concretos
uma aprendizagem de representação. que sejam exemplos válidos do que designam os termos
- Para Ausubel, o desenvolvimento do conceito é melhor conceptuais podem valer 1 ponto cada um (estes exemplos
quando os seus elementos mais gerais são introduzidos em não devem ser circundados pela linha curva fechada - círculo
primeiro lugar e são, progressivamente, diferenciados em ou outra - uma vez que não são conceitos).
termos de detalhes e especificidades. Há conceitos gerais, Um mapa de conceitos é sempre pessoal. Mas alguns
ordenados e os mais específicos e subordinados. aspectos devem ser tidos em conta para conseguir um maior
- Para Ausubel, a principal função da escola é propiciar a aperfeiçoamento, tais como:
aprendizagem de conceitos. Para tanto é preciso separar os - Usar palavras simples ou frases simples para informação
conceitos mais abrangentes e os subordinados. - Usar fontes (tipo de letra) facilmente legíveis
- Usar cores para separar ideias diferentes
Mapas Conceituais - Usar símbolos e imagens sugestivas
- Usar formas diferentes para diferentes grupos de
- Criados por Joseph D. Novak em 1960 informação
- Baseia-se na teoria construtivista e na aprendizagem - Usar setas para mostrar relações de causa e efeito
significativa de Ausubel
- Representam relações significativas entre os conceitos Referência:
na forma de proposições ALMEIDA: A. M. F. P. M. Teorias da Aprendizagem
- É um recurso de representação esquemática, semelhantes para a Prática Pedagógica. Professora Livre Docente do
a diagramas, através de uma estrutura bidimensional de Departamento de Educação – UNESP – Bauru/SP.
proposições, de significados conceptuais.
ABORDAGENS VYGOTSKIANA, PIAGETIANA E DE
Para Novak o um mapa conceptual pode ser WALLON
simultaneamente: A perspectiva vygotskiana
- Um recurso de autoaprendizagem para os alunos (e não só) Na abordagem da Psicologia Sócio Histórica, algumas
- Um método para encontrar e explicitar significado para categorias são centrais. Para efeitos da análise do episódio
os materiais de estudo selecionado, duas delas se destacam e, por essa razão, serão
- Uma estratégia que estimula a organização dos materiais brevemente apresentadas. A primeira delas é a de mediação,
de estudo entendida como “uma instância que relaciona objetos, processos
ou situações entre si ou, ainda, como um conceito que designa
Passos para a construção de um mapa conceitual: um elemento que viabiliza a realização de outro e que, embora
1. Anotar os principais termos ou conceitos acerta do distinto dele, garante a sua efetivação, dando-lhe concretude”.
tópico Adotar a categoria teóricometodológica da mediação implica
2. Identificar os conceitos mais gerais, os intermédios e não aceitar dicotomias e, sobretudo, tentar se aproximar das
os específicos determinações que, dialeticamente, constituem o sujeito. É por
3. Começar a construir o mapa de conceitos: meio da mediação que se explica e se compreende como o
- Os conceitos são contornados com um círculo (oval ou homem, membro da espécie humana, só se torna humano nas
outra forma) relações sociais que mantém com seus semelhantes e com sua
- Localizar o conceito mais geral no topo cultura. Nesse sentido, a escola, por meio de seus professores,
- Colocar os conceitos intermédios abaixo do geral e os exerce uma mediação central na constituição dos sujeitos-
específicos abaixo dos intermédios alunos, uma vez que é com seu auxílio que eles conquistam
4. Traçar as linhas de ligação entre os conceitos novos saberes, apropriam-se de sua “humanidade” e constroem,
5. “Etiquetar” as linhas de ligação com as palavras de paulatinamente, formas próprias de pensar, sentir e agir.
ligação para indicar como os conceitos estão relacionados - Uma segunda categoria importante a ser aqui discutida
proposições é a relação desenvolvimento-aprendizagem. Tendo Piaget
6. Fazer a revisão do mapa como interlocutor, Vygotski postula que o ensino, quando
adequadamente organizado, leva à aprendizagem, e essa
Critérios de classificação dos mapas de conceitos de última, por sua vez, impulsiona ciclos de desenvolvimento
acordo com Novack: que até então estavam em estado embrionário: novas
Proposições: A relação de significado entre dois conceitos funções psicológicas superiores passam assim a existir.
é indicada pela linha que os une e pela palavra de ligação Esse novo desenvolvimento, mais adiantado, abre novas
correspondente. A relação é válida? Atribuir um ponto por cada possibilidades de aprendizagem que, se vierem a ocorrer,
relação válida e significativa que apareça, pode ser um critério. impulsionarão mais uma vez o desenvolvimento, permitindo
Hierarquia: O mapa revela uma hierarquia? Cada um novas aprendizagens e, assim, sucessivamente. Nesse
dos conceitos subordinados é mais específico e menos geral sentido, aprendizagem e desenvolvimento constituem uma
que o conceito escrito acima dele? Cada nível hierárquico unidade, visto um ser constitutivo do outro, ou seja, um
válido pode valer 5 pontos. não é sem o outro. Nas palavras do autor:

290
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

[...] a característica essencial da aprendizagem é que engendra Três níveis de contextualização podem ser utilizados
a área de desenvolvimento proximal, ou seja, que faz nascer pelos professores. O primeiro requer que se ativem os
estimula e ativa na criança um grupo de processos internos de conhecimentos/experiências/habilidades prévias dos
desenvolvimento no âmbito das inter-relações com outros, que, na alunos, algo bastante individualizado e pessoal. O segundo
continuação, são absorvidos pelo curso interior de desenvolvimento nível envolve conectar aquilo que é conhecido de cada
e se convertem em aquisições internas da criança. criança às experiências concretas do conjunto das crianças,
ampliando os contextos em que o conhecido pode ser
A partir dessa visão, Vygotski defende a presença de dois situado/empregado/reconhecido. O terceiro nível indica ser
níveis de desenvolvimento: o primeiro, denominado “nível de preciso conectar o conhecido ao que ‘precisa-ser-aprendido’,
desenvolvimento real” (NDR), refere-se a tudo aquilo que o envolvendo os estudantes na busca de conexões vitais entre
sujeito é capaz de realizar por si só, sozinho, sem contar com a eles. O conhecido - agora amplamente contextualizado e
ajuda de ninguém. Já o segundo, ou nível de desenvolvimento pleno de concretude - articula-se com o novo, mediante a
proximal (NDP), explicita que há situações em que o sujeito ajuda do professor, através de um processo ativo de análise
só consegue fazer/pensar/sentir algo se contar com o auxílio e interpretação, totalmente diverso da simples associação.
de alguém mais experiente. Entre o que o sujeito consegue Atuando em conformidade com esse aspecto, o professor
fazer por si mesmo e o que só o faz mediante a ajuda do evita que os alunos aprendam apenas abstrações dissociadas
Outro está a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), um do real e sem vínculos com suas experiências.
conceito metafórico, que indica uma compreensão particular Nesse sentido, Donovan, Bransford e Pellegrino elucidam
de ensino: ao se fornecer assistência na ZDP, leva-se o aluno a que, quando a compreensão inicial dos alunos sobre
realizar sozinho aquilo que antes só o fazia com o amparo de determinado assunto (conceitos cotidianos) não é articulada às
alguém. Vygotski expõe assim seu pensamento: informações que lhes são apresentadas (conceitos científicos),
eles podem não compreender o que lhes foi ensinado ou
[...] a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento; dominam relativamente o assunto apenas para efeitos de testes
mas uma correta organização da aprendizagem da criança e avaliações. De fato, quando isso acontece, eles tornam a pautar
conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de seu pensamento em hipóteses e conceitos cotidianos, tão logo
processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia deixem a sala de aula. Não aprenderam o que era esperado.
produzir-se sem a aprendizagem. Adicionalmente, como a aula é planejada levando em conta
Análise do episódio a partir da perspectiva vygotskiana diferentes NDR, o planejamento do ensino requer atividades
diversificadas, a serem realizadas concomitantemente, pelos
Tentando empregar as categorias acima, na tentativa diferentes grupos de alunos. Com isso, soluciona-se um
de construir uma pedagogia com base sócio histórica, é fenômeno muito frequente nas salas de aula organizada nos
possível dizer que uma forma de promover a aprendizagem moldes tradicionais: planejar uma única aula e/ou atividade
é envolver os alunos em uma atividade colaborativa. Trata-se, para alunos com diferentes conhecimentos e experiências, algo
pois, de agrupar crianças com distintos níveis de experiência, que, se benéfico para alguns alunos, exclui do ensino tanto
habilidades e conhecimentos, para trabalharem juntas, os menos e os mais experientes. Ao planejar uma aula sem
buscando alcançar um mesmo objetivo, discutindo quais são considerar os conhecimentos prévios dos educandos, tampouco
as melhores formas de se chegar a ele e assumindo o risco suas particularidades, a prática pedagógica homogeneíza-se,
de colocar suas hipóteses à prova. É interessante notar que tratando como iguais crianças que na verdade são diferentes.
escolas organizadas em moldes tradicionais oferecem poucas O resultado é que uns não acompanham a aula e outros nela se
ocasiões de se viver experiências desse tipo, nas quais os aborrecem. Essa parece ser a situação de Pedro, o menino que
alunos podem, com o professor e com os colegas, elaborar aparece, no episódio, com o braço levantado.
compreensões comuns mais sofisticadas. Em escolas como a Outro aspecto a ser salientado diz respeito à importância de
observada, os professores tendem a dominar a sala de aula, desenvolver o domínio da linguagem ao longo das aulas, algo que
reduzindo drasticamente a participação dos alunos em sala. É a professora observada parece desconhecer. Para ela, a participação
o caso desse episódio. dos alunos no momento em que está expondo um dado conteúdo
Outro aspecto interessante de uma pedagogia com base desconcentra e atrapalha: não traz nenhum benefício à classe.
sócio histórica é ancorar o ensino nas experiências e habilidades De fato, a literatura aponta que os docentes seguem fielmente
prévias dos alunos, partindo do NDR e encaminhando-se para a tradição pedagógica, na qual a aula é entendida como mera
o NDP, cabendo ao docente auxiliar os educandos durante repetição de algo já elaborado - e tido como pronto ou definitivo
esse percurso, atuando na ZDP. Nessa ótica, cabe salientar - e não de algo a ser construído coletivamente.
que um bom ensino é aquele em que o professor identifica Assim, a professora explica e pede aos alunos que façam
o que os alunos já dominam - suas experiências, habilidades sozinhos, sem interação com os colegas, um exercício de
e pontos de vista - articulando-o com os conhecimentos, consolidação. As crianças tentam, sem saber ao certo o que
habilidades ou ponto de vista científico. Na escola tradicional, aprenderam e, menos ainda, como empregar esse suposto
em contrapartida, os professores muitas vezes se dedicam conhecimento na tarefa. O mundo real, aparentemente
a ensinar regras, conceitos abstratos e descrições excluído da sala de aula, precisa ser recuperado e uma
conceituais, quando na verdade, seria mais proveitoso excelente forma de fazer isso é escutar o que as crianças têm
auxiliar as crianças oferecendo-lhes experiências nas quais a dizer, pois, sem isso, não há como aquilatar o que conhecem
pudessem compreender como esses foram elaborados e e o que ignoram; não se contextualiza aos novos conceitos;
como podem ser empregadas no cotidiano. Isso requer não se criam condições para confrontar pontos de vistas,
contextualização. discutir ideias, organizar e expressar o próprio pensamento.

291
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

De fato, ao oferecer oportunidades para o desenvolvimento A perspectiva piagetiana


da linguagem, o docente contribui, concomitantemente, para a Como em relação aos autores anteriores, serão expostas a
organização do pensamento do aluno. O diálogo ocupa posição seguir, algumas ideias centrais do pensamento piagetiano, de
tão central na visão de Vygotski, que esse autor chega a definir modo a apresentar a fundamentação na qual se baseará a análise
o ato de pensar como diálogo (interno) com si mesmo (ou do episódio de sala de aula já descrito anteriormente, meta desse
seja, com as ideias de vários Outros que já foram apropriadas artigo. Inicialmente será discutido como Piaget concebe o processo
ou aprendidas). Cabe, pois, criar um clima de entusiasmo de aprendizagem e a relação aprendizagem/desenvolvimento,
diante do aprender, encorajando os alunos a se envolverem bem como a relação sujeito e objeto de conhecimento. Em
coletivamente na tarefa, aprendendo uns com os outros e todos seguida, as ideias de Piaget que têm implicações mais diretas
com a professora, a resolver problemas reais, progressivamente para a prática pedagógica serão comentadas.
mais complexos e abstratos. A conversa auxilia o pensamento, Apesar de ser muitas vezes identificado como um autor
torna-o cada vez mais flexível (pois se é forçado a perceber que que elaborou uma teoria do desenvolvimento cognitivo
há muitos e diversificados pontos de vista acerca de um único sem dar relevância aos processos de aprendizagem, Piaget
evento), ensina que é preciso ouvir quando se quer ser ouvido, concebe esses processos como intimamente relacionados,
que é preciso argumentar e defender boas ideias. Em uma pois dialogam o tempo todo. Esse autor, adotando uma
conversa rica em torno de um conteúdo interessante, há uma perspectiva epistemológica construtivista e interacionista,
intensa negociação de sentidos e significados, algo que estimula, apresenta concepções sobre os processos de aprendizagem
ao mesmo tempo, o desenvolvimento afetivo, cognitivo e social. e desenvolvimento que não poderiam se assemelhar nem
Não se trata de tumultuar a sala de aula e, sim, de desenvolver à postura empirista, nem à postura apriorista. Para ele, o
habilidades comunicativas, algo que envolve pensamento e desenvolvimento cognitivo não se reduz à aprendizagem -
análise, nunca repetição. Com isso, inegavelmente se sai do entendida como ação dos estímulos ou dos acontecimentos
NDR e se alcança o NDP. sobre o ser humano -, mas também não é visto como a
Em síntese, o episódio analisado mostra que a professora atualização de estruturas já presentes no indivíduo ao nascer.
não aproveita as oportunidades de promover o desenvolvimento Ao contrário, ele entende que é por meio da interação com
linguístico de seus alunos, ficando presa a um procedimento o meio que o sujeito constrói suas estruturas mentais e seu
rígido de dar aula, no qual só o docente fala e os alunos conhecimento: no contato com eventos físicos e/ou sociais, o
escutam. Se ocasiões para discutir as relações estabelecidas sujeito os transforma para poder apreendê-los - mecanismo de
pelas crianças entre o velho e o novo forem escassas, os alunos assimilação - e, simultaneamente, esses mesmos eventos exercem
não terão como se expressar e a professora não poderá, pressões sobre os instrumentos de assimilação do indivíduo,
consequentemente, intervir em seus modos de pensar, sentir transformando-os. É por meio desse jogo de mecanismos,
e agir, elucidando dúvidas, aprofundando ideias e tornando- necessariamente complementares e dissociados entre si, que o
as cada vez mais complexas. Pode-se concluir, então, que uma indivíduo desenvolve continuamente seus esquemas e estruturas
pedagogia inspirada na abordagem sócio histórica envolve: cognitivas. Essa construção contínua é explicada pela equilibração,
processo interno que incita o sujeito a transformar suas estruturas
a) atividades diversificadas, para contemplar os diferentes mentais tendo em vista sua otimização, ou seja, tendo em
níveis de experiências e conhecimentos dos alunos; vista patamares cada vez mais complexos de compreensão da
b) interação entre pares, para favorecer a troca e, portanto, realidade física, social e cultural que o rodeia.
a inclusão de todos nas atividades pedagógicas, além da No intuito de melhor precisar o papel das contribuições
colaboração e da negociação dos sentidos dos conceitos em advindas da experiência e daquelas advindas dos fatores
jogo, uma vez que as crianças aprendem umas com as outras, internos de organização e integração dessas mesmas
sempre mediante a orientação do professor; experiências aos esquemas ou estruturas já construídas, o
c) oportunidades para o corpo discente trabalhar coletivamente, autor distingue duas “formas” de aprendizagem: uma em
enquanto o professor exerce uma rica mediação, levando o grupo- sentido estrito e outra em sentido amplo. A primeira refere-se
classe a explicitar o que faz, como faz e por que o faz; às aquisições que se dão com base nas experiências vividas
d) diálogo constante (entre alunos e dos alunos com o pelo indivíduo e por ele elaboradas num plano inicial da
professor), pois, quando isso se passa, laços mais sólidos de apreensão dos objetos ou das situações. Já a segunda engloba
amizade e níveis mais elevados de afinidade se desenvolvem - em sentido amplo - as aprendizagens em sentido estrito,
entre os alunos, permitindo que mais crianças discutam e assim como outros processos não derivados da experiência
negociem seu entendimento sobre os conteúdos trabalhados; com os objetos, processos entendidos como mecanismos
e) mediação rica, variada e entusiasmada do docente, no internos de reorganização das aquisições prévias (devidos à
sentido de incentivar seus alunos a gostar do que estão aprendendo, experiência ou não), que levam à evolução dos conhecimentos
apontando e criando, constantemente, oportunidades para ouvir e, solidariamente, à evolução dos patamares de compreensão
os demais, a respeitar as opiniões dos outros, a argumentar, do indivíduo. A ideia de aprendizagem em sentido amplo
a reconhecer os “erros” e a enfrentar conflitos de ideias, sem confunde-se, então, com a de desenvolvimento cognitivo.
transformá-las em conflitos entre pessoas. Nessa perspectiva, o processo de aprendizagem, que em
tese seria desencadeado no contexto escolar, pode ser entendido
Tudo isso faz com que “escolas e salas de aulas se como uma das variantes da aprendizagem em sentido estrito,
aproximem mais de seus alunos, tornando o ensino uma que alimenta e é realimentada, dialoga com o desenvolvimento
atividade colaborativa interpessoal”, algo extremamente e é necessariamente complementada por mecanismos internos,
valorizado pela abordagem vygotskiana e, tal como vemos, o principal deles sendo a equilibração, mecanismo interno de
por uma pedagogia de base sócio histórica. autorregulação, presente em todos os organismos.

292
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Assim, para Piaget, a aprendizagem em sentido estrito privilegiar, no processo pedagógico, as relações entre colegas,
não é condição suficiente para engendrar o desenvolvimento, o trabalho em grupo, o autogoverno, ou seja, implementar
mas é condição necessária. Daí a importância que tem formas de trabalhar em sala de aula em que os estudantes
a aprendizagem em sua teoria e, não por acaso, o autor possam tomar decisões e se responsabilizar por aspectos de
esteve, em sua vida, constantemente ligado aos órgãos sua vida escolar. A aprendizagem de condutas cooperativas
internacionais encarregados de pensar a educação. Muito e do trabalho em grupo fomentaria, no entender de Piaget,
embora, comparativamente ao conjunto de sua obra, os textos discussões entre indivíduos “iguais”, considerando seus níveis
voltados à educação sejam em número pequeno, em muitos de conhecimento e lugar ocupado no contexto de sala de aula.
deles Piaget falou aos professores, que podem neles encontrar Por conseguinte, favoreceria verdadeiras trocas entre eles, a
uma referência na qual se inspirar para desenvolverem uma coordenação de pontos de vista e a conquista da autonomia.
práxis favorecedora da aprendizagem e do desenvolvimento
das crianças e dos jovens. Análise do episódio a partir da perspectiva piagetiana
Outro aspecto da teoria de Piaget contido na ideia de No episódio em foco alguns aspectos da situação tornam-
autorregulação, mas que se faz importante destacar para se muito salientes. As carteiras dos alunos enfileiradas, a
efeitos da análise a que se procederá mais à frente, é a de mesa da professora à frente, sobre um tablado. A professora
que a construção dos conhecimentos é “automotivada”. Essa não interrompe sua fala para ouvir o aluno; tem convicção
tese foi muito bem traduzida por De La Taille, ao enunciar que as intervenções do grupo atrapalham suas explicações;
uma das principais teses piagetianas: a de que a inteligência pressupõe que o que os educandos têm a dizer não se
é uma adaptação do indivíduo aos desafios colocados pelo relacionam com o conteúdo que está ministrando. Explica que
meio físico e social. Esse autor esclarece que, diante da sua expectativa é a de que todos os alunos a acompanhem
impossibilidade de resolver um problema, o sujeito é capaz e desenvolve a aula a partir de seu próprio ponto de vista. A
de modificar seus pontos de vista, remanejar ou criar ideias, dinâmica proposta é centrada em um único tipo de interação
elaborar hipóteses e testá-las, de modo a superar o conflito social: a do professor com os alunos.
gerado pela incapacidade de resolver tal problema. Em tese, a aula centrada na figura do professor e na
A implicação clara dessa asserção para o processo de sua perspectiva, que é aquela de quem domina o conteúdo,
ensino e aprendizagem que ocorre na escola, talvez hoje dificultaria a atividade construtiva dos estudantes e o exercício
tão repetida, mas nem sempre bem compreendida, é a da reflexão. Sem poder elaborar sobre o que está sendo dito,
de que para motivar o aluno a aprender é preciso colocar- provavelmente os alunos apenas memorizarão as lições, para
lhe problemas e desafios. Mas se conhecer é um “ato de poderem reproduzi-las em momento oportuno, quando
interpretação”, ou seja, se o indivíduo assimila os dados do forem induzidos a isso, como, por exemplo, nas provas. É
real aos seus sistemas de significação, é preciso estar atento cabível, portanto, questionar o quanto tais conhecimentos se
às manifestações dos alunos para constatar se, de fato, os tornarão condição para a construção de novas estruturas ou
supostos desafios colocados pelo professor constituem ampliarão a capacidade de aprender; indagar quanto do que
situações que desencadeiam ações construtivas dos alunos, é aprendido em tais circunstâncias funciona como condição
voltadas aos conteúdos a serem aprendidos. Deve-se insistir, de assimilação para qualquer outro conhecimento; ou ainda
então, que não basta colocar questões ou problemas que inquirir se, ao tentar dar conta do conteúdo, a professora
supostamente, na visão do professor, constituem desafios percebe as possíveis consequências educacionais de seu fazer.
aos alunos: é necessário que eles efetivamente os percebam Em síntese, quais são as metas educacionais almejadas?
como desafios. A seguir, essas colocações fundamentais do Na perspectiva de Piaget, a prática pedagógica em
autor, apresentadas em textos que têm implicações mais questão parece estar mais a serviço da acumulação de
diretas para a educação, serão resgatadas. conteúdos do que da formação de indivíduos que sabem
Para Piaget, o objetivo da educação é formar o pensar e que, no futuro, estariam aptos para agir de forma
pensamento do aluno, é formar indivíduos autônomos do autônoma e crítica. De fato, ao não ouvir o que os alunos
ponto de vista intelectual e moral. Nesse sentido, mais do têm a dizer sobre o assunto em pauta, é quase impossível
que buscar a acumulação de conteúdos, a escola deveria ao professor ir ao encontro de seus pontos de vista,
se preocupar em ensinar o aluno a pensar, a construir suas identificar seus conhecimentos prévios, perceber como
verdades, a demonstrá-las, a defender seus pontos de vista, apreendem aquilo que foi falado. Se o conhecimento é um
a fazer perguntas e pesquisas por conta própria. Em síntese, ato de interpretação, se a compreensão de algo depende do
deveria formar o aluno de modo que ele aprendesse a patamar de desenvolvimento cognitivo do indivíduo - ou, na
construir conhecimentos tanto no domínio intelectual quanto linguagem piagetiana, de seus instrumentos de assimilação -
moral. Caberia ao professor entender a perspectiva de seus não ouvir a manifestação dos educandos torna impossível ao
alunos para propor-lhes questões, problemas e desafios professor apresentar objetos de conhecimento que possam
a serem resolvidos. Caberia, também, cuidar para que sua ser por eles assimilados. Não é de se admirar que muitas
autoridade não se transformasse em impedimento para a vezes os alunos apresentem dispersão e desinteresse pela
conquista da autonomia por parte do aluno. aula, como bem exemplifica a atitude de Pedro, descrita no
Privilegiar, na prática pedagógica, somente um episódio em análise.
tipo de relação interpessoal - aquela que ocorre entre o Para dar conta de responder às perguntas que
professor e aluno - dificultaria a formação do ponto de desencadearam esta análise é preciso ainda indicar caminhos
vista próprio dos educandos, já que a tendência seria a de na direção do aprimoramento da prática pedagógica da
aceitar as verdades enunciadas pelo professor. Com base professora focalizada. Entende-se ser necessário que ela
nessa asserção, Piaget defende que seria mais proveitoso vá ao encontro do ponto de vista dos alunos, preocupe-

293
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

se em compreender como apreendem e como aprendem o da função simbólica e da linguagem. O termo projetivo refere-
que lhes é ensinado. Ouvir o que os educandos têm a dizer se ao fato da ação do pensamento precisar dos gestos para
não implica defender um ensino individualizado, como se exteriorizar. O ato mental “projeta-se” em atos motores.
pode parecer, talvez, à primeira vista. Entretanto, é preciso Como diz Dantas, para Wallon, o ato mental se desenvolve a
pensar em estratégias que permitam um acompanhamento partir do ato motor;
mais próximo do aluno pelo professor, que possibilitem aos - Personalismo, ocorre dos três aos seis anos. Nesse estágio
estudantes tomar iniciativas, expor suas questões, manifestar desenvolve-se a construção da consciência de si mediante as
seus interesses e compartilhar opiniões. Adicionalmente, é interações sociais, reorientando o interesse das crianças pelas
fundamental considerar as diferenças relativas aos níveis de pessoas;
compreensão e de construção dos conhecimentos escolares, - Categorial. Os progressos intelectuais dirigem o interesse
para que se possam elaborar planejamentos a elas adequados. da criança para as coisas, para o conhecimento e conquista do
Afinal, há hoje clareza da diversidade presente na escola e da mundo exterior;
tão almejada meta da inclusão. - Predominância funcional. Ocorre nova definição dos
Os caminhos que a teoria, em princípio, oferece aos contornos da personalidade, desestruturados devido às
docentes apontam para estratégias de cunho variado; modificações corporais resultantes da ação hormonal. Questões
empregadas em diferentes momentos do planejamento pessoais, morais e existenciais são trazidas à tona.
diário e adaptadas aos diferentes conteúdos; que impliquem O referido autor ressalta ainda que na sucessão de
momentos de trabalho em duplas, trios, pequenos grupos estágios há uma alternância entre as formas de atividades e de
ou mesmo tarefas individuais; em que as fontes de consulta interesses da criança, denominada de “alternância funcional”,
disponíveis envolvam, sem sombra de dúvida a professora, onde cada fase predominante (de dominância, afetividade,
mas também materiais didáticos e os próprios colegas, que, cognição), incorpora as conquistas realizadas pela outra fase,
cooperativamente, trabalham em prol do desenvolvimento de construindo-se reciprocamente, num permanente processo
cada um e do grupo classe. Nesse sentido, vale esclarecer que de integração e diferenciação.
não há nada a opor, por exemplo, à maneira expositiva de
lecionar, tal como Ruth faz no episódio em pauta, desde que Fonte
o faça de modo interessante, permitindo a participação dos DAVIS, C. L. F.; ALMEIDA, L. R. de; RIBEIRO, M. P. O.;
alunos, procurando suscitar-lhes a atividade construtiva. RACHMAN, V. C. B.

Perspectiva de Wallon

A abordagem de Henri Wallon PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO:


A gênese da inteligência para Wallon é genética e ASPECTOS HISTÓRICOS E BIOPSICOSSOCIAIS.
organicamente social, ou seja, “o ser humano é organicamente
social e sua estrutura orgânica supõe a intervenção da cultura
para se atualizar”.
Nesse sentido, a teoria do desenvolvimento cognitivo de Desenvolvimento Humano
Wallon é centrada na psicogênese da pessoa completa. O desenvolvimento humano se realiza em períodos
Para Galvão, o estudo de Wallon é centrado na criança que se distinguem entre si pelo predomínio de estratégias e
contextualizada, onde o ritmo no qual se sucedem as etapas possibilidades específicas de ação, interação e aprendizagem.
do desenvolvimento é descontínuo, marcado por rupturas, Os períodos de desenvolvimento são, normalmente,
retrocessos e reviravoltas, provocando em cada etapa referidos como infância, adolescência, maturidade e
profundas mudanças nas anteriores. velhice. É mais adequado, porém, pensarmos o processo de
Nesse sentido, a passagem dos estágios de desenvolvimento humano em termos das transformações
desenvolvimento não se dá linearmente, por ampliação, mas sucessivas que o caracterizam, transformações que são
por reformulação, instalando-se no momento da passagem marcadas pela evolução biológica (que é constante para
de uma etapa a outra, crises que afetam a conduta da criança. todos os seres humanos) e pela vivência cultural.
Conflitos se instalam nesse processo e são de origem exógena
quando resultantes dos desencontros entre as ações da criança Plasticidade Cerebral
e o ambiente exterior, estruturado pelos adultos e pela cultura O cérebro humano apresenta uma grande plasticidade.
e endógenos e quando gerados pelos efeitos da maturação Plasticidade é a possibilidade de formação de conexões entre
nervosa. Esses conflitos são propulsores do desenvolvimento. neurônios a partir das sinapses. A plasticidade se mantém
Os cinco estágios de desenvolvimento do ser humano pela vida toda, embora sua amplitude varie segundo o
apresentados por Galvão sucedem-se em fases com período de formação humana. Assim é que, quanto mais
predominância afetiva e cognitiva: novo o ser humano, maior plasticidade apresenta. Certas
Impulsivo-emocional, que ocorre no primeiro ano de vida. A conexões se fazem com uma rapidez muito grande na
predominância da afetividade orienta as primeiras reações do bebê criança pequena. É isto que possibilita o desenvolvimento
às pessoas, às quais intermediam sua relação com o mundo físico; da linguagem oral, a aprendizagem de uma ou mais línguas
Sensório-motor e projetivo, que vai até os três anos. maternas simultaneamente, o domínio de um instrumento
A aquisição da marcha e da prensão, dão à criança maior musical, o desenvolvimento dos movimentos complexos e
autonomia na manipulação de objetos e na exploração dos a perícia de alguns deles, como aqueles envolvidos no ato
espaços. Também, nesse estágio, ocorre o desenvolvimento de desenhar, de correr, de nadar...

294
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Consequentemente a infância é o período de maior gerações desenvolvem-se com diferenças importantes em


plasticidade e isto atende, naturalmente, ao processo intenso relação às gerações precedentes, por meio, por exemplo, da
de crescimento e desenvolvimento que ocorre neste período. interação com a informática, com as imagens presentes por
Assim, a plasticidade atende às necessidades da espécie. meio urbano (várias formas de propaganda, como cartazes,
Que possibilidades concretas são estas de formação de outdoors móveis). O mesmo acontece com crianças nas
conexões? O cérebro humano dispõe de cerca de 100 bilhões zonas rurais com o advento da eletricidade e da TV, ou com
de neurônios, sendo que cada um pode chegar a estabelecer crianças indígenas que passaram a experienciar o processo
cerca de 1000 sinapses, em certas circunstâncias ainda de escolarização e, também, em vários casos a presença de
mais. Desta forma, as possibilidades são de trilhões de novos instrumentos culturais como o rádio, a TV, câmeras de
conexões, o que significa que a capacidade de aprender vídeo, fotografia, entre outros.
de cada um de nós é absolutamente muito ampla. O desenvolvimento do cérebro é função da cultura e
Enquanto espécie, o ser humano apresenta, desde o dos objetos culturais existentes em um determinado período
nascimento, uma plasticidade muito grande no cérebro, histórico. Novos instrumentos culturais levam a novos
podendo desenvolver várias formas de comportamento, caminhos de desenvolvimento. O computador é um bom
aprender várias línguas, utilizar diferentes recursos e exemplo: modificou as formas de lidar com informações,
estratégias para se inserir no meio, agir sobre ele, avaliar, provocando mudanças nos caminhos da memória. A presença
tomar decisões, defender-se, criar condições de sobrevivência de novos elementos imagéticos e cinestésicos repercute no
ao longo de sua vida. desenvolvimento de funções psicológicas como a atenção e
A plasticidade cerebral também permite que áreas do cérebro a imaginação.
destinadas a uma função específica possam assumir outras Considerando, então, que o cérebro se desenvolve do
funções, como, por exemplo, o córtex visual no caso das crianças diálogo entre a biologia da espécie e a cultura, temos que, na
que nascem cegas. Como esta parte do cérebro não será “chamada escola, o currículo é um fator que interfere no desenvolvimento
a funcionar”, pois o aparelho da visão apresenta impedimentos da pessoa.
(então não manda informação a partir da percepção visual para o Os “conteúdos” escolhidos para o currículo irão, sem
cérebro), ela poderá assumir outras funções. dúvida, ter um papel importante na formação. As atividades
Plasticidade cerebral é, também, a possibilidade de realizar a para conduzirem às aprendizagens, precisam estar adequadas
“interdisciplinaridade” do cérebro: áreas desenvolvidas por meio às estratégias de desenvolvimento próprias de cada idade.
de um tipo de atividade podem ser “aproveitadas” para aprender Em outras palavras, a realização do currículo precisa mobilizar
outros conhecimentos ou desenvolver áreas relativas a outro algumas funções centrais do desenvolvimento humano,
tipo de atividade. Por exemplo, áreas desenvolvidas pela música, como a função simbólica, a percepção, a memória, a atenção
como a de ritmo, são “aproveitadas” no ato da leitura da escrita e a imaginação.
ou a de divisão do tempo na aprendizagem de matemática.
A ação da criança depende da maturação orgânica e das Linguagem e Imagens Mentais: Percepção, Memória e
possibilidades que o meio lhe oferece: ela não poderá realizar Imaginação Desenvolvimento da Função Simbólica
uma ação para a qual não tenha o substrato orgânico, assim A partir da sua ação e interação com o mundo (a natureza,
como não fará muitas delas, mesmo que biologicamente apta, as pessoas, os objetos) e das práticas culturais, a criança
se a organização do seu meio físico e social não propiciar sua constitui o que chamamos de função simbólica, ou seja, a
realização ou se os adultos não a ensinarem. possibilidade de representar, mentalmente, por símbolos o
O ser humano aprende somente as formas de ação que que ela experiencia, sensivelmente, no real.
existirem em seu meio, assim como ele aprende somente a O desenvolvimento da função simbólica no ser humano é
língua ou as línguas que aí forem faladas. As estratégias de de extrema importância, uma vez que é por meio do exercício
ação e os padrões de interação entre as pessoas são definidos desta função que o ser humano pode construir significados e
pelas práticas culturais. acumular conhecimentos.
Isto significa que a cultura é constitutiva dos processos de Todo ensino na escola, de qualquer área do conhecimento,
desenvolvimento e de aprendizagem. implica na utilização da função simbólica. As atividades que
A criança se constitui enquanto membro do grupo por concorrem para a formação da função simbólica variam
meio da formação de sua identidade cultural, que possibilita conforme o período de desenvolvimento. Por exemplo, o
a convivência e sua permanência no grupo. Simultaneamente desenho e a brincadeira de faz-de-conta são atividades
ela constitui sua personalidade que a caracterizará como simbólicas próprias da criança pequena, que antecedem a
indivíduo único. escrita: na verdade, elas criam as condições internas para que
Os comportamentos e ações privilegiados em cada cultura são, a criança aprenda a ler e a escrever.
então, determinantes no processo de desenvolvimento da criança. A linguagem escrita, a matemática, a química, a
A vida no coletivo sempre envolve a cultura: as brincadeiras, física, o sistema de notação da dança, da música são
o faz de conta, as festas, os rituais, as celebrações são todas manifestações da função simbólica. As aprendizagens
situações em que a criança se constitui como ser de cultura. escolares são apropriações de conhecimentos formais, ou
seja, conhecimentos organizados em sistemas. Sistematizar
Desenvolvimento cultural é estabelecer conceitos, ordená-los em níveis de
O desenvolvimento tecnológico e o processo de complexidade com regras internas que regulam a relação
globalização da informação por meio da imagem entre os elementos que os compõem. Todo conhecimento
modificaram os processos de desenvolvimento cultural formal é representado, simbolicamente, pela linguagem de
por introduzirem novas formas de mediação. As novas cada sistema.

295
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Por exemplo: Memória


Toda aprendizagem envolve a memória. Todo ser humano
tem memória e utiliza seus conteúdos a todo o momento.
a) a2 = b2 + c2
São três os movimentos da memória: o de arquivar, o de
b) 15 + 36 = 51 evocar e o de esquecer. Ao entrar em contato com algo novo,
c) O gato correu atrás do cachorro. o ser humano pode criar novas memórias, ou seja, arquiva
este conhecimento, experiência ou ideia em sua memória
O cachorro correu atrás do gato. de longa duração. As impressões gravadas na memória
de longa duração, a partir das experiências vividas, podem
ser “evocadas”, trazidas à consciência. Outras experiências,
Em b e c temos uma regra importante que é o valor informações, vivências, imagens e ideias são esquecidas.
posicional: a posição dos elementos simbólicos determina o Sabemos que estes movimentos têm uma participação
significado (1 e 5) 15 é diferente de 51. O mesmo se aplica ao do sistema límbico no qual se originam nossas emoções.
gato que corre atrás do cachorro, em que se explicita a ação A memória é modulada pela emoção. Isto quer dizer que
inversa do cachorro que corre atrás do gato. os estados emocionais podem “interferir”, facilitando ou
A função simbólica é a atividade mais básica das ações que reforçando a formação de novas memórias, assim como
acontecem na escola, tanto do educador como do educando. podem, também, enfraquecer ou dificultar a formação de
Quando os elementos do currículo não mobilizam adequadamente uma nova memória.
o exercício desta função, a aprendizagem não se efetua. Quanto ao tempo, os tipos de memória são muito
Nesta dimensão do simbólico, as artes destacam-se, pois são importantes para o educador, pois as aprendizagens
elas as formas mais complexas de atividade simbólica humana. escolares dependem da formação de novas memórias de
Anteriores aos conhecimentos formais, elas propiciaram a longa duração. Muitas vezes, no entanto, os conteúdos ficam
estruturação dos movimentos e das imagens de forma que eles no nível da curta duração e desaparecem rapidamente. O
pudessem evoluir culturalmente para sistemas de registros. desafio da pedagogia é formular metodologias de ensino que
transformem esta primeira ação da memória (curta duração)
Percepção em memórias de longa duração. É importante mencionar aqui
A percepção é realizada pelos cinco sentidos externos. O que temos, também, a possibilidade de formar uma memória
ser humano desenvolve estes sentidos desde que não haja ultrarrápida que desaparece após a sua utilização, como
impedimentos nos órgãos dos sentidos ou nas estruturas quando, por exemplo, gravamos um número de telefone para
cerebrais que processam a percepção de cada um deles. discá-lo e, logo em seguida, já o esquecemos.
Quando isto acontece, um sentido “compensa” o outro: Quanto à natureza, temos vários tipos de memória. Temos
a pessoa desenvolve mais o tato quando não enxerga, a memória implícita, a memória explícita e a operacional. A
desenvolve mais a visão quando não ouve. Nestes casos, memória explícita pode ser semântica ou episódica.
também, o ser humano pode desenvolver os dois subsentidos Para as aprendizagens escolares, precisam ser mobilizadas
externos que são a vibração e o calor. a memória explicita semântica e a memória operacional.
Isso revela que os sentidos funcionam com Para a formação de novas memórias dos conteúdos
interdependência, o que tem uma relevância fundamental escolares ao aluno precisa, desde o início da escolarização, ser
para os professores, pois o ensino deve mobilizar várias ensinado o que fazer e como para aprender os conhecimentos
dimensões da percepção para que o aluno possa “guardar” envolvidos nas aprendizagens escolares. O aluno precisa ser
conteúdos na memória de longa duração. capaz de “refazer” o processo da aprendizagem. Refazer
Há maior empenho em perceber algo quando há algum implica tanto em recapitular o conteúdo ensinado, como em
interesse neste “algo”. Por exemplo, quando alguém ouve retomar as atividades (humanas) que o levaram a “guardar” o
uma música de um cantor de quem gosta muito, fica atento conteúdo na memória de longa duração.
e evoca a melodia ou a letra. Se for uma canção nova e se
reconhece a voz do cantor, mobiliza os processos mentais Memória explícita semântica
da memória auditiva a partir da percepção auditiva, ou seja, Também chamada de declarativa, a memória explícita
seleciona a canção, destacando-a das outras informações semântica inclui as memórias que podem ser explicitadas pela
sonoras e/ou ruídos presentes no ambiente. linguagem. Este tipo de memória engloba aquilo que pode
Por outro lado, a percepção pode criar um interesse novo. Ao ser lembrado por meio das imagens, símbolos ou sistemas
ser introduzida a um conhecimento novo, uma pessoa pode se simbólicos. A capacidade da memória declarativa está ligada
interessar ou não por ele, dependendo das estratégias utilizadas à organização de informações em padrão.
por quem o introduz. Assim, em sala de aula, não é somente Pesquisas demonstram que o ser humano se lembra “mais
o conteúdo que motiva, mas, sobretudo, como o professor facilmente” daquilo que está organizado segundo regras.
trabalha com o conteúdo, seja ele da escrita, artes ou ciências. Isto implica na existência de padrões internos. Todas as
A percepção visual é o processamento de atributos linguagens são organizadas por padrões: a linguagem das
do objeto como cor, forma e tamanho. Ela acontece em ciências, das várias áreas do conhecimento, a linguagem
regiões do córtex cerebral e há fortes indicações de que escrita, a matemática, a cartográfica, a linguagem da dança,
estas regiões sejam as mesmas ou estejam muito próximas da música. Toda atividade artística também depende de
daquelas que “guardariam” a memória dos objetos. Desta utilização de elementos que se organizam em padrões, que
forma, percepção e memória estão muito próximas nas têm regras próprias em cada forma de arte.
aprendizagens escolares.

296
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Na escrita, os padrões aparecem nas cinco dimensões da tempo das atividades dentro e fora da sala de aula, nas
linguagem, embora apareçam, mais fortemente, na sintaxe. situações comuns do cotidiano escolar. Os alunos devem,
Por isto, a sintaxe é o elemento forte, o instrumentador da também, ser acompanhados avaliativamente na evolução de
língua escrita. A palavra solta é um símbolo, a palavra na sua imaginação.
construção sintática surge como estrutura. Na linguagem oral
humana, o eixo forte do padrão é o verbo. Há maior resiliência A ligação entre imaginação e memória
no cérebro para os símbolos que representam a ação humana, Vygotsky (1990) trata da diferença entre reprodução e
uma vez que o movimento é o grande recurso na espécie criação: ambas atividades têm apoio na memória, mas diferem
para o desenvolvimento cultural e tecnológico, além de ser a pelo alcance temporal. Reproduzir algo, mentalmente, se
matéria bruta primeira da comunicação entre humanos e de apoia na experiência sensível anterior. Por exemplo, construo
expressão das emoções. uma imagem mental da casa onde moravam meus avós,
As pessoas tendem a memorizar, mais facilmente, pelos elementos gravados na memória, mas crio uma
aquilo em que elas conseguem aplicar padrões. Para as imagem mental da casa dos avós de uma personagem em
aprendizagens escolares isto é fundamental: o ensino bem um romance a partir dos elementos oferecidos pelo autor.
sucedido é aquele que “instrumentaliza” a pessoa para Ou seja, no segundo caso uso a imaginação para criar este
construir, aplicar, reconhecer e “manipular” padrões. espaço utilizando, com certeza, elementos percebidos,
anteriormente, mas que se combinam entre si, de acordo
Memória operacional com a relação dialógica estabelecida com o texto no ato
Como o próprio nome diz, a memória operacional da leitura, diferentemente, do primeiro caso em que busco
se ocupa das operações, ou seja, um sistema de ações a fidedignidade da imagem mental, tendo a casa concreta
organizadas, segundo a natureza do comportamento. Por como referencial.
exemplo, está na memória operacional o comportamento
de andar, de dirigir, de dançar. São comportamentos que se Vygotsky coloca que a primeira experiência se apoia na
efetuam, muito rapidamente, para os quais não há “tempo” análise do passado. Ela é uma reprodução do que se viveu,
para comandos do cérebro. São comportamentos que têm enquanto que no segundo é uma realização do presente
uma ordem de movimentos a ser seguida e esta ordem já está projetada no futuro. A criação literária dá esta possibilidade
“fixada” na memória. de partilhamento na criação, pois possibilita ao leitor a
Na memória operacional estão as conjugações verbais, superação do texto para a criação das imagens de cada
isto é, os tempos futuro, presente e passado do verbo. personagem, que é constituída pelos dados oferecidos de sua
Assim, a organização da ação no tempo se realiza com a personalidade, de suas ações, de suas formas de pensamento,
participação deste tipo de memória. Este fato tem implicações criação de imagens do contexto.
para as aprendizagens escolares. Com estas descobertas A imaginação na realidade não se “desprega” da memória,
somos levados a rever o ensino da sintaxe em português: a mas recria com os elementos da memória. Imaginar implica,
gramática é necessária para o aluno, pois fornece estrutura portanto, em se liberar das conexões que estão feitas dos
para a apropriação e organização da linguagem escrita e a elementos percebidos, para “re-utilizar” estes elementos em
organização das informações em todas as matérias. outras configurações.
Temos aí duas implicações importantes: primeiramente,
Imaginação - A Capacidade Imaginativa na Espécie que a imaginação não é dada na espécie, é construída.
Humana Segundo, que ela é parte integrante do processo de
Se considerarmos a evolução de nossa espécie, veremos aprendizagem, porque aprender significa, exatamente,
que ela é pautada pela invenção, ou seja, pela criação de ser capaz de estabelecer conexões entre informações,
objetos, de sistemas, de linguagens, tecnologia, teorias, construindo significado. Podemos ver que, neste segundo
ciência, arte, códigos etc. Toda produção cultural é resultante caso, a imaginação é base para o estabelecimento destas
de um processo cumulativo de invenções, pequenas e novas redes, uma vez que ela é a função psicológica que
grandes, que dão base para as invenções futuras. estabelece relações significativas entre elementos que não
A comunicação, atividade primordial da espécie, ganha estavam conectados entre si. A imaginação cria condições de
a cada geração novos processos, novas tecnologias. O ser aprendizagem.
humano dedica grande parte de sua criatividade a ampliar Temos assim que a relação entre imaginação e memória
e desenvolver meios de comunicação e meios de transporte tem sentido duplo: a base para o funcionamento da imaginação
que facilitem os processos comunicativos e que tornem mais são os elementos que estão contidos na memória e o próprio
ágeis os deslocamentos das pessoas. funcionamento da imaginação desenvolve a memória (por
A possibilidade de criar depende, na nossa espécie, da meio do processo imaginativo, novas mediações semióticas
imaginação, função psicológica pela qual nós somos capazes são realizadas, dando à pessoa uma maior complexidade aos
de unir elementos percebidos e experiências em novas sistemas contidos na memória de longa duração).
redes de conexão. O funcionamento da imaginação e seu
desenvolvimento, embora relacionados às outras funções Porque a imaginação é importante na aprendizagem?
psicológicas superiores, têm uma grande autonomia e se 1. Ela está na origem da construção do conhecimento
manifestam tanto na ação como no ato de aprender. que vamos ensinar.
Desta forma, podemos dizer que para as aprendizagens O conhecimento científico e o conhecimento estético
escolares a imaginação desempenha um papel central e foram produzidos a partir do exercício da imaginação
deve ser considerada no planejamento, na alocação de humana nos vários períodos históricos.

297
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

2. Ela está na origem do conhecimento que será Esquemas são as estruturas mentais ou cognitivas pelas
construído pelo aluno. quais os indivíduos intelectualmente se adaptam e organizam
A imaginação motiva. Muitos educadores concordarão o meio. Não são objetos reais, mas são vistos como conjuntos
que a motivação é um fator importante para o educando de processos dentro do sistema nervoso. Podemos fazer
aprender. Motivar implica em mobilização para, interesse em, uma analogia a um arquivo, no qual cada ficha representa
envolvimento com o objeto de aprendizagem. um esquema. Os adultos têm muitas fichas ou esquemas e
Esta disponibilidade para aprender envolve, do ponto de esses são usados para processar e identificar a entrada de
vista psicológico, a imaginação. estímulos. Os esquemas do adulto emergem dos esquemas
Por exemplo, podemos motivar o aluno para um da criança através da adaptação e da organização. Portanto, o
fenômeno científico que será estudado com o concurso da desenvolvimento intelectual consiste em um contínuo processo
mobilização da imaginação: como será que a energia elétrica de construção e reconstrução. Os processos responsáveis pela
surge na represa? Como será que a luz chega à lâmpada? mudança são assimilação e acomodação (Terra, 2008).
Que será que acontece com a semente debaixo da terra?
Como será que o computador guarda tanta informação? Assimilação e acomodação
Porque o rio muda de cor? A assimilação é o processo pelo qual a pessoa classifica
Levantar hipóteses para qualquer destas questões implica um novo dado obtido. Essa classificação ocorre como uma
em ter liberdade de pensamento. Isto é, a capacidade imaginativa forma de integrar esse dado, que pode ser perceptual,
no ser humano tem como base a liberação da experiência motor ou conceitual às suas estruturas cognitivas prévias.
sensível imediata, desta forma a pessoa pode lidar, livremente, Essa assimilação ocorre, por exemplo, quando a criança
com o acervo mental que detém de imagens, informações, experimenta novas experiências e tenta adaptar esses novos
sensações colhidas nas várias experiências de vida, juntamente estímulos às suas estruturas cognitivas pré-existentes.
com as emoções e sentimentos que as acompanharam. Piaget define assimilação como “uma integração às
O desenvolvimento humano e a aprendizagem, na escola, estruturas prévias, que podem permanecer invariáveis ou são
envolvem, precisamente, esta dialética de receber informações mais ou menos modificadas por esta própria integração, mas
por meio dos sentidos e ter a possibilidade de ir além delas sem descontinuidade com o estado precedente, isto é, sem serem
pelas funções mentais. destruídas, mas simplesmente acomodando-se à nova situação”.
Significa que a criança tenta adaptar o novo estímulo a
Fonte algum esquema que ela já possui até aquele momento. Um
Disponível em: exemplo dado por TAFNER (2008) é o de uma criança que
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/ está aprendendo a reconhecer animais, e que até aquele
indag1.pdf momento o único animal que ela conhece é o cachorro. Se ela
for apresentada a um cavalo, ela irá reconhecê-lo como um
FASES DO DESENVOLVIMENTO SEGUNDO PIAGET cachorro devido à assimilação que fez entre as características
Organização e adaptação dos dois animais: marrom, quadrúpede, um rabo, pescoço.
Para Piaget o comportamento dos seres vivos não é inato, A criança apenas diferenciará o cavalo do cachorro quando
nem resultado de condicionamentos. Para ele o comportamento ocorrer o processo chamado acomodação.
é construído numa interação entre o meio e o indivíduo. Quando um adulto disser que aquele bicho não é um cachorro,
Segundo Jean Piaget, para explicar o desenvolvimento mas sim um cavalo, a criança acomodará esse novo estímulo a
intelectual, partiu da idéia que os atos biológicos são atos de uma nova estrutura cognitiva, criando um novo esquema. Agora
adaptação ao meio físico e organizações do meio ambiente, ela tem um esquema para cachorro e outro para cavalo.
sempre procurando manter um equilíbrio. Assim, Piaget Piaget define acomodação quando diz que: “Chamaremos
entende que o desenvolvimento intelectual age do mesmo acomodação (por analogia com os “acomodatos” biológicos)
modo que o desenvolvimento. toda modificação dos esquemas de assimilação sob a influência
Ainda segundo Piaget, a adaptação é a essência do de situações exteriores (meio) ao quais se aplicam” (PIAGET,
funcionamento intelectual, assim como a essência do 1996 apud TAFNER, 2008). Desta forma, acomodação é quando
funcionamento biológico. É uma das tendências básicas não tem como a criança associar um novo estímulo com uma
inerentes a todas as espécies. A outra tendência é a organização. estrutura cognitiva pré-existente devido as suas peculiaridades
Que constitui a habilidade de integrar as estruturas físicas e e características novas. Assim, cria-se um novo esquema.
psicológicas em sistemas coerentes. Ainda segundo o autor, Teoria da equilibração
a adaptação acontece através da organização, e assim, o De uma maneira geral, teoria de equilibração é um ponto
organismo discrimina entre a miríade de estímulos e sensações de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, sendo
com os quais é bombardeado e as organiza em alguma forma assim considerado um mecanismo de autorregulador que
de estrutura. Esse processo de adaptação é então realizado assegura à criança “uma interação eficiente dela com o meio-
sob duas operações, a assimilação e a acomodação. ambiente” (TAFNER, 2008).
Esquemas A equilibração é necessária porque se uma pessoa só assimilasse
Antes de prosseguir com a definição da assimilação e estímulos, ficaria com poucos esquemas, incapaz de detectar
da acomodação, é interessante introduzir um novo conceito diferenças entre as coisas. O contrário também é verdadeiro: uma
que é amplamente utilizado quando essas operações, pessoa que só acomodasse os estímulos acabaria com muitos
assimilação e acomodação, são empregadas. Esse novo esquemas cognitivos, gerando uma taxa de generalização muito
conceito que estamos procurando introduzir é chamado baixa que teria como consequência que tudo iria parecer novo, seria
por Piaget de esquema (schema). incapaz de perceber que certas coisas pertencem à mesma classe.

298
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Estágios cognitivos Da quinta semana em diante, iniciam-se os gestos de


As teorias de Jean Piaget tentam nos explicar como se virar a cabeça na direção de um ruído, seguir um objeto em
desenvolve a inteligência nos seres humanos. Daí o nome dado movimento, reconhecer pessoas são alguns deles.
a sua ciência de Epistemologia Genética, que é entendida como Entre três a seis meses, o bebê começa a pegar o que
o estudo dos mecanismos do aumento dos conhecimentos. vê e esta capacidade de preensão, seguida de manipulação,
Esta teoria epistemológica (epistemo = conhecimento; aumenta a formação de hábitos novos.
e logia = estudo) é caracterizada como interacionista. A O lactente passa a reproduzir movimentos novos a partir
inteligência do indivíduo, como adaptação a situações da assimilação dos movimentos anteriores (reação circular),
novas, portanto, está relacionada com a complexidade desta formando um esquema sensório-motor unindo os hábitos
interação do indivíduo com o meio. motores novos e os perceptivos, representando a forma mais
O desenvolvimento do indivíduo inicia-se no período evoluída de assimilação.
intrauterino e vai até aos 15 ou 16 anos. Piaget diz que a O terceiro estágio é o mais importante no desenvolvimento
embriologia humana evolui também após o nascimento, da criança: o da inteligência prática ou sensório-motora, que
criando estruturas cada vez mais complexas. A construção aparece bem antes da linguagem –pensamento interior com
da inteligência dá-se, portanto em etapas sucessivas, com emprego verbal (linguagem interiorizada). É uma inteligência
complexidades crescentes, encadeadas umas às outras. A isto totalmente prática, que se refere à manipulação de objetos
Piaget chamou de “construtivismo sequencial”. e que só utiliza percepções e movimentos organizados em
O indivíduo constrói e reconstrói continuamente as “esquemas de ação”, ao invés de palavras e conceitos. Exemplo:
estruturas que o tornam cada vez mais apto ao equilíbrio. pegar objetos como suporte para puxar outro objeto, que
Essas construções seguem um padrão denominado de ocorre por volta dos 18 meses.
estágios ou períodos que seguem idades mais ou menos A criança passa a coordenar suas ações com um objetivo
determinadas. previsto, como o uso de um instrumento para alcançar o
A importância de se definir os períodos de objeto, que necessita compreender antecipadamente a relação
desenvolvimento da inteligência reside no fato de que, em entre ela e o objeto, para descobrir o instrumento como meio.
cada um, o indivíduo adquire novos conhecimentos ou Outro exemplo é aproximar o objeto puxando a cobertura ou o
estratégias de sobrevivência, de compreensão e interpretação suporte sobre o qual está colocado, por volta do fim do 1º ano.
da realidade. A compreensão deste processo é fundamental Existem dois tipos de fatores que constroem estes atos
para que os profissionais possam também compreender com de inteligência. Primeiro, as condutas que se diferenciam
quem estão trabalhando. até atingir uma maleabilidade suficiente para registrar
os resultados da experiência. “É assim que nas ‘reações
Sensório Motor (0 a 2 anos) circulares’ o bebê não se contenta mais apenas em reproduzir
É o período que vai do recém-nascido até os dois anos de os movimentos e gestos que o conduziram a um efeito
idade da criança, antes do surgimento da fala, sendo marcado interessante, mas os varia intencionalmente para estudar os
pelo desenvolvimento mental. resultados destas variações, entregando-se a verdadeiras
Representa a evolução psíquica através da percepção e explorações ou ‘experiências para viver’” (PIAGET, p.18, 1990).
dos movimentos de todo o universo que cerca a criança que, Um bom exemplo é analisar crianças de 12 meses, que jogam
a partir de reflexos neurológicos básicos, começa a construir objetos no chão, analisando sua trajetória.
esquemas de ações para assimilar mentalmente o meio. Uma ação capaz de ser repetida e generalizada para situações
A assimilação sensório-motora do mundo exterior inicia- novas pode-se comparar à uma espécie de conceito sensório-
se com o desenvolvimento de noções de objeto, em que motor: compreende-se o objeto através do uso, que será mais
o bebê traz tudo para perto de seu corpo. A inteligência tarde uma assimilação por meio das noções e do pensamento.
é essencialmente prática, baseando-se em exercícios de Estes ‘esquemas de ação’ se coordenam entre si, de
aparelhos reflexos: coordenações sensoriais e motoras de maneira que uns determinam o fim da ação total e outros
fundo hereditário, que correspondem a tendências instintivas, lhe sirvam de instrumentos, começando a inteligência
como a nutrição. propriamente dita.
O desenvolvimento da inteligência e da vida afetiva A finalidade deste desenvolvimento intelectual é
apresenta três estágios: o dos reflexos, o da organização das transformar a representação das coisas, invertendo a posição
percepções e hábitos e o da inteligência sensório-motora inicial da criança em relação aos objetos e o universo à sua
propriamente dita. volta, pois no início do desenvolvimento mental, a criança
O recém-nascido assimila uma parte de seu universo aos não diferencia seu corpo e o mundo exterior, as experiências
reflexos de sucção, que melhoram com o exercício: o recém- vividas por ela não são relacionadas nem à consciência pessoal
nascido mama melhor no decorrer dos dias. Esses reflexos “eu” nem à objetos entendidos como “exteriores”.
conduzem à uma generalização da atividade: o lactente passa “São simplesmente dados em um bloco indissociado, […]
a sugar tudo o que está ao seu alcance, não somente a mama, tudo que é percebido é centralizado sobre a própria atividade.
mas também o polegar e objetos. ” (PIAGET, p.19, 1990).
Seus movimentos dos braços são coordenados com a A consciência começa por um egocentrismo inconsciente
sucção (já sendo o segundo estágio). e integral, em que a criança constrói uma realidade interna
Estes exercícios reflexos vão tornando-se mais ou subjetiva, vendo-se no centro, até que o desenvolvimento
complexos por interação nos hábitos e percepções da inteligência a levem à construção de um universo objetivo:
organizadas, surgindo novas condutas com a ajuda da o próprio corpo aparece como elemento entre os outros,
experiência. opondo-se à vida interior.

299
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Durante os dois primeiros anos de vida, este Inteligência Simbólica – dos 2 anos aos 4 anos,
desenvolvimento intelectual caracteriza-se por quatro processos aproximadamente.
fundamentais: construções de categorias do objeto e do espaço, Neste período surge a função semiótica que permite
da causalidade e do tempo, sendo estas categorias práticas ou o surgimento da linguagem, do desenho, da imitação,
de ação pura e não ainda como noções do pensamento. da dramatização, etc. Podendo criar imagens mentais na
O esquema prático do objeto é a capacidade de mantê-lo ausência do objeto ou da ação é o período da fantasia,
na memória mesmo quando não o temos mais ao alcance de do faz de conta, do jogo simbólico. Com a capacidade de
nossa vista. formar imagens mentais pode transformar o objeto numa
Durante os primeiros meses, o lactente não percebe os satisfação de seu prazer (uma caixa de fósforo em carrinho,
objetos situando-os no espaço, reconhecem apenas certos por exemplo). É também o período em que o indivíduo “dá
quadros sensoriais familiares, mas não os situam quando fora alma” (animismo) aos objetos (“o carro do papai foi ‘dormir’
do campo perceptivo. Não atribuem um corpo no espaço na garagem”). A linguagem está a nível de monólogo coletivo,
quando não o vê mais. ou seja, todos falam ao mesmo tempo sem que respondam
Só por volta do final do 1º ano que os objetos são as argumentações dos outros. Duas crianças “conversando”
procurados depois que saem do campo de percepção, dizem frases que não têm relação com a frase que o outro
iniciando a exteriorização do mundo material. está dizendo. Sua socialização é vivida de forma isolada,
A elaboração do espaço ocorre devido à coordenação mas dentro do coletivo. Não há liderança e os pares são
de movimentos, estando relacionado ao desenvolvimento constantemente trocados.
da inteligência sensório-motora e à construção de objetos, Existem outras características do pensamento simbólico
compreendido a partir das ações. como, por exemplo, o nominalismo (dar nomes às coisas
A causalidade está ligada à atividade em seu egocentrismo, das quais não sabe o nome ainda), superdeterminação
entre um resultado empírico e uma ação qualquer que o (“teimosia”), egocentrismo (tudo é “meu”, não consegue se
atraiu. Une-se a causa de uma ação sobre o efeito gerado. colocar, abstratamente, no lugar do outro), etc.
Exemplo: o lactente descobre a agitação de brinquedos pela
causalidade de puxar um cordão. Inteligência Intuitiva – dos 4 anos aos 7 anos,
A construção do espaço é paralela à causalidade, que aproximadamente.
permite à inteligência sensório-motora sair do egocentrismo Neste período já existe um desejo de explicação dos
inconsciente radical para se situar num universo. fenômenos. É a “idade dos porquês”, pois o indivíduo
A evolução da afetividade durante os dois primeiros anos pergunta o tempo todo, não aceita a idéia do acaso e
pode ser dividida em: sentimentos e pensamento. O elemento tudo deve ter uma explicação. Distingue a fantasia do real,
mais importante para se analisar a vida mental é a conduta, podendo dramatizar a fantasia sem que acredite nela. Seu
que integra movimentos e inteligência. Mas toda conduta pensamento continua centrado no seu próprio ponto de vista.
implica modificações e valores dos fins: os sentimentos. Já é capaz de organizar coleções e conjuntos sem, no entanto,
Dessa forma, afetividade e inteligência passam a ser incluir conjuntos menores em conjuntos maiores (rosas no
indissociáveis e constituem os dois aspectos complementares conjunto de flores, por exemplo). Quanto à linguagem não
de toda conduta humana. mantém uma conversação longa, mas já é capaz de adaptar
Sendo assim, o 1º estágio corresponde a reflexos afetivos sua resposta às palavras do companheiro.
(emoções primárias) relacionando com o sistema fisiológico As Inteligências Simbólicas e Intuitivas são também
das atitudes ou posturas. comumente apresentadas como Período Pré-Operatório.
O 2° estágio (percepções e hábitos) corresponde aos
afetos perceptivos ligados às atividades próprias: o agradável, Operatório-concreto (7 a 11 anos)
o prazeroso, o sucesso ou fracasso, que dependem da própria As crianças estão desenvolvendo conceitos de número,
ação. Resulta um egocentrismo geral: o lactente passa a se relações, processos e assim por diante. Elas estão se tornando
interessar por seu corpo e seus movimentos. É um narcisismo capazes de pensar através de problemas, mentalmente,
sem consciência pessoal. mas sempre pensam em objetos reais (concretos), não
O 3° nível de afetividade é caracterizado pela escolha em abstrações. Estão desenvolvendo habilidade maior de
do objeto, através da elaboração de um universo exterior. compreender regras.
Objetivando os sentimentos e projetando-os sobre as outras Em média, a criança de mais ou menos sete anos de idade
atividades que não apenas a do “eu”. começa a passar do estágio do pensamento intuitivo para o
Surge o sentimento ligado aos atos intencionais. estágio das operações concretas.
A escolha do objeto refere-se primeiro à pessoa da Em resumo, dizemos que a criança atua no estágio
mãe, depois à pessoa do pai e dos próximos. Começa o das operações concretas quando é capaz de: organizar as
desenvolvimento das empatias. experiências num todo consistente, fazer juízo racional de suas
experiências, fazer classificações e agrupamentos, conservar
Pré-operatório (2 a 7 anos) estas classificações e agrupamentos, tornar reversíveis
É nesta fase que surge, na criança, a capacidade de as operações que efetuam e pensar sobre um evento de
substituir um objeto ou acontecimento por uma representação diferentes perspectivas, simultaneamente.
(PIAGET e INHELDER, 1982), e esta substituição é possível, Pensamento e raciocínio: a criança pode efetuar
conforme PIAGET, graças à função simbólica. Assim este operações mentalmente, embora continue pensando
estágio é também muito conhecido como o estágio da em objetos reais quando o faz. É capaz de conservar
Inteligência Simbólica. quantidades, comprimentos, números, etc. – isto é, mantê-

300
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

los constantes em sua mente, apesar do reagrupamento de idade), para eles a moral é a autoridade, ou seja, as regras
partes ou mudanças na aparência. Ela pode tornar reversíveis não correspondem a um acordo mútuo firmado entre os
as operações – desfaze-las, mentalmente, permitindo assim a jogadores, mas sim como algo imposto pela tradição e,
exploração mental de vários procedimentos com a habilidade portanto, imutável; (c) autonomia, corresponde ao último
de retornar ao início, sempre que necessário. estágio do desenvolvimento da moral, em que há a legitimação
Honestidade: antes a criança “mentia” – como é natural das regras e a criança pensa a moral pela reciprocidade, quer
– simplesmente para embelezar, inventar ou repetir as seja o respeito a regras é entendido como decorrente de
experiências de outros sem qualquer real intenção de enganar acordos mútuos entre os jogadores, sendo que cada um deles
com malícia. Ela torna-se capaz de desassociar a “verdade” consegue conceber a si próprio como possível ‘legislador’ em
de situações temporárias e específicas (isto é, vê a verdade regime de cooperação entre todos os membros do grupo.
com uma idéia e não meramente como parte de uma situação Para Piaget, a criança não se limita mais a representação
específica). Ela pode, quando as condições favorecem, fazer imediata nem somente as relações previamente existentes,
tentativas conscientes de enganar através da mentira. Ela mas ela é capaz de pensar em todas as relações possíveis,
tem um conceito de moralidade. Em suma, desenvolveu uma buscando soluções lógicas partir de hipóteses e não apenas
consciência – baseada, pelo menos em parte, no respeito pela observação da realidade. As estruturas cognitivas
pelos outros e na consciência da obediência coletiva de regras alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento e
e expectativas. tornam-se aptos a aplicar o raciocínio lógico a todas as
Comportamento social: as crianças estão crescendo questões que lhes são impostas.
quanto ao respeito que elas têm pelos outros. Ao mesmo Um exemplo seria lhe pedem para analisar um provérbio
tempo, cresce o desejo de estar com outras crianças, de como “de grão em grão, a galinha enche a papo” a criança
ter jogos em grupo, começar a formar grupinhos, clubes e trabalha com a lógica da idéia (metáfora) e não com a imagem
facções. E certamente, as crianças se vêem umas às outras sob de uma galinha comendo grãos.
uma nova luz – à luz da posição social. O pensamento hipotético dedutivo é o mais importante
aspecto apresentado nessa fase de desenvolvimento, pois o ser
Operatório-formal (11 anos em diante) humano passa a criar hipóteses para tentar explicar e resolver os
Compreende a fase a partir dos 12 anos, neste período a problemas, o foco desvia-se do que “é” para o que “poderia ser”.
criança, amplia as capacidades conquistadas na fase anterior, e
já consegue raciocinar sobre hipóteses na medida em que ela Fonte
é capaz de formar esquemas conceituais abstratos e através Disponível em: http://www.sabernarede.com.br/fases-do-
deles executar operações mentais dentro de princípios da desenvolvimento-da-crianca-segundo-piaget/
lógica formal. Com isso, conforme aponta Rappaport a criança Referências bibliográficas
adquire “capacidade de criticar os sistemas sociais e propor TERRA, Maria Regina. Desenvolvimento humano na
novos códigos de conduta: discute valores morais de seus pais Teoria de Piaget.
e constrói os seus próprios (adquirindo, portanto, autonomia)”. TAFNER, Malcon. A Construção do desenvolvimento
De acordo com a tese piagetiana, ao atingir esta fase, o segundo Piaget.
indivíduo adquire a sua forma final de equilíbrio, ou seja, ele DOLLE, Jean Marie. Para compreender Jean Piaget: uma
consegue alcançar o padrão intelectual que persistirá durante a iniciação à psicologia genética piagetiana. 2. ed. Rio de
idade adulta. Isso não quer dizer que ocorra uma estagnação das Janeiro: Zahar, 1978. 202 p.
funções cognitivas, a partir do ápice adquirido na adolescência, LIMA, Lauro de Oliveira. Piaget para principiantes. 2. ed.
como enfatiza Rappaport, “esta será a forma predominante São Paulo: Summus, 1980. 284 p.
de raciocínio utilizada pelo adulto. Seu desenvolvimento PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. 4.
posterior consistirá numa ampliação de conhecimentos tanto ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 389 p.
em extensão como em profundidade, mas não na aquisição de PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. São Paulo. Forense
novos modos de funcionamento mental”. Universitária LTDA. 17 ed., 1990.
Para Piaget, existe um desenvolvimento da moral
que ocorre por etapas, de acordo com os estágios do
desenvolvimento humano. Para Piaget (1977 apud La Taille TEMAS CONTEMPORÂNEOS: BULLYING,
1992:21), “toda moral consiste num sistema de regras e a
essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito O PAPEL DA ESCOLA, A ESCOLHA DA
que o indivíduo adquire por estas regras”. Isso porque Piaget PROFISSÃO, TRANSTORNOS ALIMENTARES NA
entende que nos jogos coletivos as relações interindividuais ADOLESCÊNCIA, FAMÍLIA, ESCOLHAS SEXUAIS
são regidas por normas que, apesar de herdadas culturalmente, .
podem ser modificadas consensualmente entre os jogadores,
sendo que o dever de ‘respeitá-las’ implica a moral por
envolver questões de justiça e honestidade. BULLYING, O PAPEL DA ESCOLA,
Piaget argumenta que o desenvolvimento da moral
abrange três fases: (a) anomia (crianças até cinco anos), Bullying: Abordagem Histórica
em que a moral não se coloca, ou seja, as regras são A palavra bullying é de origem inglesa, adotada em muitos
seguidas, porém o indivíduo ainda não está mobilizado países para definir o desejo consciente de maltratar e inibir
pelas relações bem x mal e sim pelo sentido de hábito, uma ou outra pessoa e colocá-la sob tensão. Termo usado
de dever; (b) heteronomia (crianças até nove, dez anos de para conceituar todos os atos de violência física ou psicológica

301
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

intencional e repetitiva, que se manifesta sem nenhum motivo No final de 1.982, o bullying passou a ser motivo de
aparente, praticados por uma pessoa ou grupo de pessoas, contra preocupação e atenção nas entidades escolares, quando o
outro(s), com o objetivo de intimidar ou agredir o indivíduo incapaz jornal noticiava o suicídio de três alunos, com idade de 10 a
de se defender, causando nas vítimas muito sofrimento, levando- 14 anos, no Norte da Noruega, sendo que a principal causa
as ao isolamento social e em alguns casos à agressividade. foi identificada por maus tratos que eram recebidos por seus
As brincadeiras acontecem naturalmente entre as companheiros de escola. Isso fez com que o Ministro da
crianças, são saudáveis, todos participam, se divertem e são Educação da Noruega, realizasse uma campanha nacional
incluídas. As brincadeiras passam a ser bullying quando há contra os problemas da violência entre alunos no ambiente
exclusão, sentimentos negativos e violência. escolar.
De acordo com Fante (2005), alguns pesquisadores O professor e pesquisador da Universidade de Bergen,
consideram no mínimo três ataques contra a mesma vítima Dan Olwues, durante época, investigou nas escolas as
durante o ano para ser classificado como bullying. agressões cometidas entre agressores e suas vítimas, para
Bullying é um conjunto de atitudes agressivas, intencionais diferenciar o problema de forma específica, avaliando a
e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por natureza e ocorrência dessas agressões.
um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e Inicialmente Dan Olweus, pesquisou 84 mil estudantes,
sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que trezentos a quatrocentos professores e mil pais, incluindo
magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos vários períodos de ensino. Para a realização dessa pesquisa
que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos Dan Olweus desenvolveu um questionário padrão, com 25
levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, questões, ao término constatou que a cada sete alunos, um
são algumas das manifestações do comportamento bullying. estava envolvido em casos de bullying.
No Brasil não existe uma tradução para a palavra Com essa situação foi possível realizar um programa de
bullying. Entretanto a Associação Brasileira Multiprofissional intervenção proposto por Dan Olweus, juntamente com o
de Proteção à Infância e a Adolescência (ABRAPIA) relaciona governo norueguês e que veio a reduzir 50% dos casos de
algumas expressões que podem ser definidas como bullying, bullying. Esse programa envolveu professores a alunos, com
como o ato de zoar, provocar, isolar, excluir, gozar, apelidar, o objetivo de conscientizar e prevenir o bullying no ambiente
discriminar, agredir, ignorar, chutar, ameaçar, amedrontar, escolar. Esse fato incentivou outros países, como o Reino
quebrar material, ferir, perseguir, intimidar, ofender e sacanear Unido, Canadá e Portugal, a promoverem campanhas de
o próximo. Esses atos podem causar dor silenciosa na maioria intervenção.
das vítimas, levando-as ao distanciamento da escola. De acordo com as pesquisas de Fante (2005), o bullying
Conforme o pensamento de Chalita (2008), o bullying é vem aumentando entre alunos das escolas americanas. Os
um conceito muito bem definido, não escolhe classe social pesquisadores americanos classificam bullying como um
ou econômica, escola pública ou particular, área urbana ou conflito global e se vier a persistir essa tendência, será enorme
rural, ele está presente em grupos de crianças e de jovens, em a quantidade de jovens que se tornarão adultos abusadores
escolas de países e culturas diferentes. Isso nos mostra que e delinquentes.
o bullying está sendo considerado motivo de agressividade Ainda com base no pensamento da autora não existe
nas escolas, trazendo consequências negativas para todos os diferença entre o bullying praticado no Brasil e nos Estados
protagonistas do bullying, afetando a formação psicológica, Unidos, ou em qualquer outro lugar do mundo, o que varia
emocional e socioeducacional do aluno. são os índices encontrados em cada país.
Entendendo que o bullying é um problema mundial, Baseado nos dados da ABRAPIA, nos diversos países pode-
encontrado em qualquer escola, não se restringindo a um se afirmar que o bullying está presente em todas as escolas.
tipo específico de instituição escolar. No Brasil, o bullying aparece em uma quantidade pequena,
Segundo Fante (2005), foi Dan Olweus, quem desenvolveu comparada a países como os Estados Unidos, Espanha e onde
os primeiros critérios para detectar o problema de forma o assunto é expandido com intensidade devido a graves
específica, podendo diferenciar as interpretações como os consequências do bullying dentro do ambiente escolar.
atos de gozações ou relações de brincadeiras entre iguais, No Brasil, o bullying ainda é pouco comentado e
próprias do processo de amadurecimento do indivíduo. estudado, motivo pelo qual não existem indicadores que nos
No passado nada se sabe concretamente sobre o bullying forneçam uma visão global para que possamos compará-lo
antes da década de 1970. Foi somente com pesquisas aos demais países.
realizadas em 1972 e 1973, na Escadinávia, que as famílias Conforme citação acima é possível dizer que, o Brasil em
perceberam a seriedade dos problemas decorrentes da relação à Europa, no que se refere aos estudos e tratamento
violência escolar. A inquietação alastrou-se pela Noruega e desse comportamento, está com pelo menos 15 anos de
Suécia e, posteriormente, por toda a Europa. atraso. Isso nos mostra que nas escolas brasileiras o bullying
O primeiro país a preocupar com o bullying escolar foi apresenta índices inferiores aos países europeus.
a Suécia, na década de 1970, quando ocorreram várias Gabriel Chalita (2008), em suas pesquisas constatou que
agressividades no ambiente escolar. a professora Marta Canfielde e seus colaboradores realizaram
A escola juntamente com a sociedade tentou investigar e umas das primeiras investigações registradas sobre o
solucionar métodos preventivos para a resolução do problema. bullying no Brasil, isso ocorreu no ano de 1997. Observou
Na Noruega, o bullying foi motivo de preocupação o comportamento agressivo em crianças de quatro Escolas
e inquietação nos meios de comunicação e entre Públicas em Santa Maria-RS. Para a realização dessas
professores e pais, sem que as autoridades educacionais se pesquisas, a professora Marta Canfielde adaptou e aplicou
comprometessem de forma judicial. o questionário de Dan Olweus.

302
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Posteriormente foram realizados estudos por várias Protagonistas do Bullying


escolas brasileiras, (Rio de Janeiro e São José do Rio Preto- A partir da compreensão que, os protagonistas do bullying
SP) no período de 2000 a 2003. Com o trabalho realizado podem ser classificados como autor, vítima e testemunha
nessas escolas foi possível iniciar o mapeamento da violência de acordo com sua reação à situação do bullying, não há
escolar no Brasil, com o objetivo de prevenir as violências que evidências que permita saber qual personagem adotará cada
ocorrem no ambiente escolar. aluno, sendo que poderá sofrer alterações de acordo com as
Bullying Direto e Indireto circunstâncias vivenciadas dentro da escola.
Nesse sentido, Chalita (2008, p. 85) relata que “são vários
Sabe-se que, as ações do bullying entre os alunos os alunos envolvidos nessa situação de bullying”. Identificá-
apresentam características comuns, como comportamentos los é fundamental, mas com o cuidado de não rotular
agressivos de forma repetitiva e violenta contra uma mesma os estudantes, para que não sejam motivos de rumores
vítima, dificultando assim a defesa da mesma. desagradáveis dentro da comunidade escolar. Em todos
Mediante o que comenta Chalita, sobre as práticas do os casos os envolvidos no bullying podem sofrer graves
bullying, pode ser considera como sendo uma forma sutil de consequências no que se diz respeito a aprendizagem escolar
violência, que, geralmente envolve colegas da mesma sala e ao convívio social.
de aula, gera comportamentos agressivos que podem ser
classificados como bullying direto ou bullying indireto. Autor do Bullying
Ambas as formas são prejudiciais a todos os envolvidos Conforme afirma Chalita (2008), os autores do bullying,
do bullying, afetando principalmente a vítima. O bullying normalmente “são alunos populares que precisam de
direto ocorre quando a vítima é atacada diretamente pelo plateia para agir. Reconhecidos como valentões, oprimem
agressor, sendo utilizado com uma frequência maior entre os e ameaçam suas vítimas por motivos banais, apenas para
meninos, usando agressões físicas como: bater, chutar, tomar impor autoridade”. Com isso, compreende-se que o autor do
pertences, empurrões, roubos; e as atitudes verbais que são bullying se sente reconhecido e realizado, sempre mantendo
os insultos, apelidos pejorativos que ressaltam defeitos ou um grupo em torno de si, para se permanecer apoiado e
deficiências e atitudes de discriminação, expressões e gestos fortalecido, sentindo prazer e satisfação em dominar, controlar
que geram mal-estar às vítimas. e causar danos e sofrimento as vítimas.
Geralmente o bullying indireto, é a forma mais adotada Fante (2005), salienta que frequentemente o autor do
entre o sexo feminino e crianças menores. As estratégias bullying é membro de família desestruturada, nas quais há pouco
utilizadas são atitudes de indiferença, difamações, fofocas, relacionamento afetivo entre si, ausência de limites e ao modo de
rumores degradantes sobre a vítima e familiares, entre outros. afirmação de poder dos pais sobre os filhos, por meio de “práticas
De acordo com Gabriel Chalita (2008), o bullying indireto educativas”, que incluem maus-tratos físicos e explosões violentas.
leva a vítima ao isolamento social, desenvolvendo uma atitude Quando os pais ou responsáveis exercem um
de insegurança e dificuldade de se relacionar, muitas vezes acompanhamento precário ao seu filho, adotando
tornando-se uma pessoa retraída, e indefesa. comportamentos agressivos ou explosivos para tentar solucionar
No bullying indireto os meios de comunicação é uma os conflitos que há no ambiente familiar, contribui para que este
forma eficaz, que vem crescendo assustadoramente junto com reproduza a agressividade sofrida, no meio escolar.
o desenvolvimento da internet e dos telefones celulares, pois Fante (2005), diz que o agressor do bullying, se “apresentam
divulgam, com rapidez comentários cruéis e maliciosos sobre as mais forte que seus companheiros de classe e de suas
pessoas. Essa crueldade virtual é conhecida como cyberbullying. vítimas em particular, podendo ser fisicamente superior nas
Nesta forma de bullying o agressor se esconde no anonimato e brincadeiras, brigas e nos esportes, entretanto o autor pode ter
tortura a vida de outros colegas, através de páginas difamatórias a mesma idade ou ser um pouco mais velho que suas vítimas”.
na internet, mensagens de texto anônimo entre outros. A ABRAPIA nos acrescenta que frequentemente a maioria
De acordo com Pedra (2008, p.67), que estudos dos casos dos autores de bullying, procuram para serem suas
revelam que, na Inglaterra, 25% das meninas são vítimas de vítimas pessoas com algumas características específicas, como:
ciberbullying através de celulares. Nos Estados Unidos, um dado deficiência física, baixa estatura, inteligência superior entre os
surpreendente foi divulgado pela imprensa 20% dos alunos do demais, submissão, dificuldades na aprendizagem, aspecto
ensino fundamental são alvos dessa forma de violência. físico frágil, timidez, religião e culturas diferenciadas, cor de pele.
Conforme citação acima, entende-se que, os maiores Fante (2005), afirma que “crianças portadoras de
praticantes do ciberbullying são os adolescentes, não sendo deficiências físicas e de necessidades educacionais, correm
possível traçar um perfil, por se tratar de ataques virtuais, a maior riscos de se tornarem vítimas do autor do bullying, com
imagem e a identidade do agressor não são expostas, e quando a possibilidade de duas a três vezes maiores que as crianças
são descobertos pelas vítimas geralmente não os denunciam. consideradas normais”.
O mesmo autor relata que, a denúncia é o principal
instrumento para a interrupção desses atos. Entretanto, Vítimas do Bullying
prevenir é o melhor caminho, devendo ser começado pela Fante (2005), estudiosos da área do bullying identificam
família com a parceria com as escolas. e classificam os tipos de papéis desempenhados, entre
Os alunos devem ser orientados sobre o assunto e as vítimas, como: “vítima típica, vítima agressora, vítima
conduzidos à reflexão sobre os limites da internet. O uso provocadora”.
do computador tem gerado muitas discussões em família, Considerada vítima típica, aquele aluno que recebe as
por não conseguirem delimitar o tempo dos filhos no agressões de outro não dispondo de habilidades físicas e
computador e nem estabelecer regras. emocionais para reagir.

303
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Os ataques constantes e as agressões contra as vítimas podem Bullying entre Professor e Aluno
comprometer o desenvolvimento desses alunos dentro da sala de Fante (2008), relata que é grande o número de professores
aula, aumentando a ansiedade e o conceito negativo sobre si mesmo. considerados vítimas do bullying em seu ambiente de
O silêncio das vítimas se torna um aliado poderoso trabalho, sendo a maioria mulheres. Muitos são perseguidos,
dos agressores, ajudando a aumentar a violência dentro da humilhados, assediados sexualmente; moralmente
comunidade escolar. Muitas vezes a vítima típica não comenta ameaçados, não com agressões físicas, mas com avisos
sobre as agressões sofridas, por vergonha, por medo de represália, pavorosos em relação a seus pertences. Para os alunos são
intimidações, por não acreditarem que estão falando a verdade, apenas brincadeiras inofensivas que não prejudica ninguém.
temor pelas reações dos familiares, pela incapacidade de defesa. A mesma autora, afirma que tudo isso provoca grande
O comportamento, os hábitos, a maneira de se vestir, a constrangimento aos profissionais da educação, prejudicando
falta de habilidades em alguns esportes, a deficiência física sua autoestima e principalmente o desempenho de suas
ou aparência fora do padrão de beleza imposto pelo grupo, o funções dentro da sala de aula, causando um acentuado stress,
sotaque, a gagueira, a raça podem ser motivo para a escolha mal-estar e fadiga que mais tarde refletirão nas relações com
de uma vítima. Chalita. seus alunos, familiares e colegas de trabalho.
No entanto, é preciso salientar que o fato de algum aluno De todas as formas de bullying a que parece deixar
apresentar essas características não significa que seja ou marcas nos professores são os rebaixamentos junto a colegas
venha a ser vítima de bullying. e alunos, em relação às observações sobre o aspecto físico ou
Quando a humilhação é constante contra a vítima, sua forma de vestir.
ela perde a identidade, porque a mesma e os demais a Fante (2008) relata que, “o professor tem assegurado o
reconhecerão somente através daquela característica negativa direito a segurança na atividade profissional, com penalização
que está sendo focada. da prática de ofensa corporal ou outra violência sofrida no
Segundo Fante (2005), as vítimas típicas do bullying são exercício das suas funções”.
indivíduos selecionados, sem um motivo claro, para sofrer Entendendo assim que o professor que for ameaçado
ameaças, humilhações e intimidações, geralmente sentem ou que tenha sofrido alguma outra forma de agressão, que
medo de reagir às agressões sofridas devido a sua baixa estima coloque sua vida em risco ou sua dignidade, deve procurar
e insegurança, se tornando um indivíduo pouco sociável. a direção da escola, sendo o diretor responsável, cabe a ele
A autora, ainda comenta que a vítima típica do bullying sente tomar as providências necessárias.
dificuldades de impor-se ao grupo, tanto físico como verbalmente, E importante salientar que alguns professores são vítimas
por não ter hábitos de agressividades, os sofrimentos das vítimas e agressores ao mesmo tempo. Praticam bullying direto
podem ser prolongados com muita dor e angústia. Acreditando e indireto contra seus alunos, perseguindo, humilhando,
serem merecedores desses maus tratos, preferem sufocar seus ridicularizando, intimidando e acusando.
sentimentos que denunciar os supostos agressores, buscando Quando o professor não tem equilíbrio emocional para
cada vez mais o isolamento social. Geralmente as vítimas típicas lidar com os atos de agressividade entre alunos que ocorrem
preferem ficar perto dos adultos, procurando evitar seus colegas. em sala de aula, por serem incapazes de oferecer uma
E a vítima agressora é o aluno que é agredido e transfere resposta eficaz a situação, acaba reagindo com agressividade.
todo o seu sofrimento para outro indivíduo reproduzindo as Assim os professores se “convertem” em agressores devido a
agressões sofridas em uma situação de violência mais discreta, sua postura de “autoritarismo e intimidação” na tentativa de
com a mesma intensidade de agressividade. Essas vítimas obter poder e controle diante dos alunos.
agressoras posteriormente podem tornar-se agressores Esses professores agressores fazem comparações,
de colegas considerados mais fracos e indefesos. Em casos constrangem, criticam, chamam a atenção em público,
extremos, são aqueles que se munem de armas e explosivos e mostram ter afinidades por determinados alunos em relação
vão até a escola em busca de justiça. Matam e ferem o maior a outros, rebaixam a autoestima e a capacidade cognitiva,
número possível de pessoas e dão fim a própria existência. fazem comentário preconceituosos em relação ao aluno
Fante (2005), “a vítima provocadora possui um gênio e seus familiares. Portanto, a vítima de um educador sofre
ruim, tenta brigar ou responder quando é atacada, ou terrivelmente na comunidade escolar, esse fato gera vários
insultada, mas geralmente de maneira ineficaz”. Pode ser sentimentos negativos, prejudicando sua aprendizagem e a
imperativa, inquieta e ofensora. É de modo geral, tola, imatura desmotivação pelos estudos.
de costumes irritantes, e quase sempre é responsável por
causar tensões no ambiente em se encontra. Identificação dos Envolvidos
Fante (2005), afirma que o bullying tem como característica
As Testemunhas do Bullying principal a violência oculta, sendo difícil detectá-la.
As testemunhas representam a maioria dos alunos da Diante do que foi abordado é de suma importância
escola. Eles não sofrem e nem praticam bullying, mas sofrem ressaltar que, qualquer mudança que venha ocorrer no
as suas consequências, por presenciarem constantemente comportamento da criança é motivo de alerta para pais e
as situações de sofrimento vivenciados pelas vítimas. educadores. Por meio da observação e discussão sobre o
De acordo com Pedra (2008), muitas das testemunhas comportamento individual dos alunos os professores podem
“repudiam as ações dos agressores, mas nada fazem para identificar os que praticam bullying, assim estará minimizando
impedir”. Entretanto alguns alunos usam estratégias para a violência escolar, já que a maioria dos envolvidos se recusa em
se defender e não serem a próxima vítima, através de falar abertamente se estão sendo vítimas ou testemunhas.
risadas, permitindo as agressões, ou fingem se divertir com Entretanto, eles convivem com a violência e se calam ou
o sofrimento das vítimas. são ignorados em suas observações por pais e professores.

304
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Como a maioria das vítimas fica em silêncio, é necessário que Fante (2005), baseado nas explicações do professor
profissionais da educação e pais fiquem atentos a alguns sinais. Dan Olweus, acrescenta que é normal em uma sala de aula,
Segundo Fante (2005), para que um aluno possa ser existir entre os alunos, diversos tipos de conflitos e tensões.
identificado como vítima, os educadores devem observar Existem também várias outras interações agressivas, que
alguns comportamentos, como: “frequentemente está isolado ocorrem quando o aluno quer se divertir ou como forma
e separado do grupo de colegas; procura sempre estar de autoafirmação, mostrando ser mais forte que outros
próximo do professor ou de algum adulto; se sente inseguro colegas.
ou ansioso; dificuldades em expor; nos jogos em equipe é O comportamento violento e agressivo que um aluno
último a ser escolhido; está sempre triste, deprimido ou aflito; apresenta na escola, provocando sofrimento a muitos
desleixo” nas tarefas escolares; apresenta feridas, arranhões, outros – de forma violenta ou não tem sua origem dentre
perda de seus pertences. outros fatores, no modelo educativo familiar de acordo
A mesma autora comenta que é essencial que os pais ou com o qual foi criado.
responsáveis acompanhem dia a dia o andamento escolar do
Segundo pesquisas realizadas por Fante, durante o
seu filho, para que possam identificar se estão sendo vítima
ano de 2000 a 2003, ela constatou que, “o bullying torna-
da conduta do bullying.
se uma atitude difícil de ser combatida, pois o aluno traz
É necessário observar comportamentos, como: dor de
cabeça frequentemente, pouco apetite, dor de estômago, esse comportamento internalizado em sua personalidade”.
tonturas principalmente no período da manhã; muda de humor E que em geral ocorre dentro das salas de aulas, nos
de maneira inesperada, desinteresse pelas atividades escolares; banheiros, corredores, quadras esportivas e mediações das
regressa da escola com roupas rasgadas ou sujas e com o escolas. Também ocorrem entre outros locais fora da escola
material escolar danificado; pede dinheiro extra a família; gasto mais de convivência comum dos alunos.
excessivo na cantina da escola; apresenta marca de agressões Pedra (2008) relata que na maioria dos países,
corporais; medo ou falta frequentemente as aulas; apresenta constatou-se que o pátio de recreio “é o lugar de maior
aspecto contrariado, triste, deprimido, aflito ou infeliz. incidência dos ataques de bullying. Porém, no Brasil as
Os agressores normalmente acham que todos devem pesquisas apontam para a sala de aula, por ser um tema
fazer suas vontades e se acham ser o centro das atenções. novo de discussão no meio educacional brasileiro, sendo
Fante (2005), baseado nas pesquisas do professor Dan que a maioria dos professores desconhece o bullying.
Olweus, afirma que, para identificar se um aluno pratica a
agressividade do bullying, é necessário que os profissionais As consequências do bullying
da educação observem os comportamentos individuais dos
alunos, que “fazem brincadeiras ou gozações de maneira Nota-se que as consequências referentes ao bullying
desdenhosa de outros colegas; coloca apelidos de forma são inúmeras e variadas, afetando todos os envolvidos e
desagradáveis; faz ameaças; dá socos; pontapés; puxa os em todos os níveis de idade. Quando não há intervenções
cabelos; envolve-se em discussões e desentendimentos; pega efetiva contra o bullying, o ambiente escolar fica totalmente
materiais escolares de outros colegas sem consentimento”. contaminado.
Em casa é importante que pais ou responsáveis observem De acordo com Fante (2005), as vítimas, agressores e as
comportamentos diferenciados nos filhos quando regressam testemunhas do bullying, estão sujeitos a sofrer prejuízos
da escola com roupas amarrotadas e com ar de superioridade, na formação “psicológica, emocional e socioeducacional”.
apresentam atitudes hostis, desafiantes, são agressivos com Considera-se que os alunos que são vítimas das
seus membros da família, chegando ao ponto de aterrorizá- agressões, por um período prolongado de tempo,
los sem levar em conta a idade ou a diferença de força
dependendo da intensidade do sofrimento vivido e não
física, são habilidosos para sair-se bem de situações difíceis,
conseguindo superar os traumas causados, dependendo
possuem objetos ou dinheiros sem justificar sua origem.
da característica individual de cada um, tendo dificuldade
Fante (2005), em suas pesquisas realizadas em escolas,
constatou que nos “ciclos iniciais (jardim e pré-escola) até de se relacionar consigo mesma, com o meio social e
a 4ª série” é mais fácil identificar se os alunos estão sendo com a sua família, poderá ter pensamentos destrutivos,
envolvidos nas “condutas bullying”, já que as crianças são alimentados pela raiva reprimida, em consequência nasce
mais transparentes que os demais alunos. Os profissionais o desejo de cometer suicídio.
da educação devem ter atenção com os “alunos com Outras vítimas, após anos de sofrimento, chegam ao
necessidades educativas especiais”, pois elas constituem em limite de suas forças, e não suportando mais as humilhações
um grupo de risco, por serem crianças frágeis. sofridas, revolta contra a escola e, movido por ideias de
vingança, resolve explodi-la. Pedra (2008), comenta que
Onde ocorre o Bullying no Ambiente Escolar o primeiro procedimento adotado pela escola deve ser
Todos desejam que as escolas sejam ambientes seguros e treinar os profissionais de segurança, recepção e limpeza a
saudáveis, onde as crianças e adolescentes possam desenvolver, identificar objetos e correspondências suspeitas.
ao máximo os seus potenciais intelectuais e sociais. Muitas vezes, o aluno pode enviar o material explosivo
Porém, a violência vem invadindo as instituições escolares, para a escola sem identificação ou deixar o embrulho
atualmente sob o nome de bullying, que são atitudes ofensivas, em algum local, como pátio ou banheiro. É importante
comentários maldosos, agressões físicas ou psicológicas, também que os professores e a direção escolar observem
transformando a vida escolar de muitos alunos em um se os alunos têm marcas de queimadura ou lesões que
verdadeiro transtorno para o processo de aprendizagem. evidenciem experiências com explosivos.

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Em se tratando de dificuldades emocionais das vítimas, Quando a família abre mão desse aprendizado abre
podem alterar suas relações sociais com os professores e colegas, também espaço para a violência, para as atitudes que
apresentando baixa autoestima e dificultando o processo enfraquecem e isolam atrás de grades, muralhas e guaritas. A
educacional, tendo uma queda excessiva no rendimento escolar, violência que invade ou nasce no espaço familiar se expande
desinteresse pelos estudos, “déficit de concentração” e de para todos os outros seguimentos da sociedade como uma
aprendizagem, reprovação e em muitos a evasão escolar. teia de relações destrutivas que se reproduz e contamina os
Fante (2005), baseado nas pesquisas do professor Dan ambientes e as pessoas.
Olweus, “diz que há uma grande possibilidade da criança Geralmente os pais procuram o melhor para seus filhos,
vítima de bullying a se tornar depressiva, aos 23 anos de acreditando que eles são capazes de sair bem em tudo que
idade, transformando-a em um adulto com dificuldade de fazem, são considerados inteligentes, saudáveis, educados e
relacionar e prejudicando sua vida acadêmica”. desenvolvidos, despertando a vaidade e o orgulho da família,
Ainda, segundo a autora esclarece que, quanto às portanto, os filhos nem sempre correspondem à imagem
consequências do bullying sobre os próprios agressores, predeterminada pelos pais. Essas crianças muitas vezes não são
de ambos os sexos indicam que eles podem adotar os melhores da sala de aula, são retraídos, tímidos, podendo
comportamentos delinquentes, como a agressividade ter limitações físicas, emocional ou intelectual. Geralmente
sem motivo aparente, uso de drogas e armas ilegais, na escola não é diferente, os professores esperam receber
furtos, formação de gangues, chegando com facilidade a alunos bonitos, inteligentes, interessados e disciplinados.
marginalidade. A participação das meninas nessa fase é Quando isso não acontece a não aceitação pelos professores
pouco menor que a dos meninos. e colegas, causa grande frustração para o aluno que pode
Os agressores que exercem esses comportamentos gerar a exclusão e a ridicularização.
delinquentes, normalmente se distanciam das atividades Em muitas situações os filhos podem trazer à tona
escolares, supervalorizando a violência como uma forma grandes sentimentos não resolvidos pelos pais somando com
natural e o prazer de se sentir poderoso. todas as outras frustrações não terão condições de lidar com
As testemunhas da conduta do bullying abrangem a seus próprios desejos, e agradar a outros indivíduos.
maioria dos alunos, mesmo não se envolvendo diretamente. Fante (2005) comenta que, quando os filhos são vítimas da
Segundo a ABRAPIA as testemunhas também se veem conduta bullying no ambiente escolar, é essencial evitar não os
afetadas por esse ambiente de tensão e acabam sofrendo culpar por incidentes que estão acontecendo nas dependências
suas consequências, tornando-se “inseguras” e temerosas, escolares. Porém, o excesso de mimos pode fazer com que a
podendo desta forma comprometer sua aprendizagem criança se torne chata, egoísta ou até agressora, geralmente
escolar, em alguns casos elas possam vir a se tornar as não conseguindo seguir as regras de viver em grupo.
próximas vítimas. Isso acontece, porque o direito que elas Demonstrar segurança é uma forma da criança reduzir
tinham a uma escola segura e saudável foi corrompido, na as chances de um agressor vir a escolhê-la como alvo.
medida em que bullying foi afetando os demais envolvidos. Os pais devem orientar os filhos a manter a postura firme,
enfrentar os olhos do agressor não como afronta, mas para
Papel da Família mostrar segurança e firmeza. Procurar ser sempre educado,
Segundo Moreno (2002), os valores “são um dos traços desprezando as brincadeiras de mau gosto, mostrando ter
mais importantes do aprendizado no seio familiar”. Diante do coragem, não chorar, nem demonstrar tristeza. O choro pode
que se tem comprovado por meio de estudos e pesquisas de ser sinal de fraqueza, por isso a criança deve manter o mais
autores, das ciências sociais, a família é a primeira escola de distante possível do agressor.
saber, de civismo e cidadania, é no lar que a criança aprende a ter Segundo o pensamento da autora, é comum encontrar
interesse pela vida, e ter confiança em si mesma, e acreditar que pais que, ao saber da vitimização dos seus filhos, rotula-os de
se pode seguir em frente. Educar em valores só é possível quando “fracotes”. Infelizmente, isso acontece em muitas famílias. Não
existe um amor verdadeiro em seu sentido mais profundo. somente os pais, mas outros integrantes da família colocam
Segundo Pedra (2008, p.123), o afeto entre os membros a vítima em uma situação de inferioridade ainda maior, são
de uma família é o começo de toda educação estruturada, expostas em frente a irmãos e colegas de escolas, amigos da
por isso, se torna importante encontrar um tempo para a família ou vizinhos, fazendo comentários maldosos, tornando-
convivência saudável, especialmente com os filhos, mantendo os responsáveis pela falta de competência para lidar com a
um diálogo constante. Procurar conhecer o mundo deles situação difícil em que se encontra.
e deixá-los que conheçam o seu. É essencial que os filhos É importante que os pais acompanhem e direcionem
encontrem em casa um ambiente de amor e aceitação, a vida escolar de seus filhos, que saibam corrigi-los nos
favorável a que se expressem, tanto sobre seus triunfos e suas momentos certos, e estimular quando for necessário, abrindo
conquistas como sobre seus fracassos e suas dificuldades, nos espaço para que falem abertamente sobre qualquer tipo de
relacionamentos, nos estudos ou em relação a si mesmo. agressão que tenham sofrido ou praticado dentro da escola.
Portanto é no ambiente familiar sólido que a criança Os pais não devem obrigar seus filhos a enfrentar os
deve criar relacionamentos significativos e duradouros sendo agressores, muitas vezes não é a melhor solução, ele pode
capaz de desenvolver atitudes e valores humanos, sabendo estar frágil, com isso poderá sofrer mais. É relevante
respeitar e aceitar as diferenças de cada indivíduo, assim a procurar descobrir de onde vem às agressões e como fazer
criança aprenderá a lidar com seus próprios sentimentos para amenizá-las oferecendo total proteção para seu filho.
e emoções, suprindo suas necessidades de amor e Chalita (2008, p.183-184) relata que, quando os pais
valorização, valores que ajudarão no desenvolvimento de descobrem que os seus filhos são agressores, é importante
habilidades de autodefesa e alto-afirmação. manter um posicionamento firme, não ignorar a situação,

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

nem fazer de conta que está tudo bem. É essencial que eles Os professores deveriam ser preparados para educar
procurarem saber como ajudá-los, falando com os professores, a emoção dos seus alunos. Porém, muitos professores têm
com a direção da escola, com psicólogos ou profissionais da dificuldades emocionais para lidar com os problemas de maus
área, e sempre estar acompanhando o processo de evolução tratos ou de violência que ocorrem dentro da sala de aula, e não
e transformação desse aluno. tendo capacidade de lidar com esses problemas e de oferecer uma
É possível dizer que, o diálogo e a paciência são reposta eficaz a situação, acabam reagindo com agressividade.
fundamentais para que os filhos compartilhem os momentos A escola precisa capacitar seus profissionais para
de fragilidade. É essencial que os pais evitem repreendê-los, a observação, para que os mesmos possam identificar,
castigá-los ou reagir com agressividade. A criança precisa de diagnosticar e saber intervir nas situações do bullying ou
acolhimento, carinho, apoio e compreensão mesmo tendo até mesmo os encaminhamentos corretos, levando o tema à
conhecimento do acontecido. Procurando saber o que está discussão com toda a comunidade escolar e traçar estratégias
causando estas atitudes que pode ser um problema recente que sejam capazes de fazer frente ao mesmo.
ou vindo do passado. Ainda devem procurar usar estratégia De acordo com Pedra (2008), além de todo o esforço
para que seu filho saia do centro da violência mostrando à da equipe escolar frente ao bullying, é preciso contar com a
importância de pedir desculpas às pessoas que agrediu, para ajuda de consultores externos, como especialistas no tema,
que possa reconhecer que errou e reparar esse erro. Criar psicólogo e assistentes sociais.
situações colocando seu filho no lugar da vítima para que Cleo Fante (2005), comenta que, a conscientização e
possa sentir a dor e angústia do colega. E mostrar situações a aceitação de que o bullying ocorre com maior ou menor
pessoais que trouxeram sofrimento. incidência, em todas as escolas do mundo, independentes
Portanto, o papel dos pais é uma experiência cheia de características “culturais, econômicas e sociais dos alunos”, são
satisfação e sentido que dura toda eternidade. Mesmo fatores decisivos para iniciativas no combate à violência no
que os filhos cometem erros, sempre haverá motivos para contexto escolar. Para desenvolver estratégias de intervenção
reconhecer os pontos positivos, as decisões acertadas e os e prevenção ao bullying em uma escola, é necessário que
bons momentos que compartilham juntos. a comunidade escolar esteja consciente da existência do
mesmo, sobretudo, das consequências relacionadas aos
Papel da Escola envolvidos, a esse tipo de comportamento.
Segundo Aramis Lopes Neto, coordenador do programa Desta forma, percebe-se que é primordial sensibilizar e
de bullying da ABRAPIA, “não se pode admitir que os envolver toda a comunidade escolar na luta pela redução do
alunos sofram violências que lhes tragam danos físicos ou comportamento bullying.
psicológicos, que testemunhem tais fatos e se calem para que Gabriel Chalita (2008), salienta que algumas atitudes
não sejam também agredidos e acabem por achá-los banais simples por parte da direção escolar, podem ajudar a reduzir
ou, pior ainda, diante da omissão e tolerâncias dos adultos, os casos de bullying no ambiente escolar. É necessário que
adotem comportamentos agressivos”. toda equipe escolar, desde o primeiro dia de aula, esclareça
Infelizmente estamos vivendo uma época em que sobre o que é bullying, e que não será tolerado condutas
a violência se torna cada vez mais presente em todas as do mesmo nas dependências da escola. Todos os alunos
instituições escolares. devem se comprometer a não o praticar e a comunicar a
A violência escolar nas últimas décadas adquiriu crescente direção escolar sempre que presenciarem ou forem vítimas
dimensão em todas as sociedades, o que a torna questão da conduta do bullying.
preocupante devido à grande incidência de sua manifestação É essencial que os professores promovam debates sobre
em todos os níveis de escolaridade. bullying nas salas de aula, fazendo com que o assunto seja
As práticas de violência, discriminação e preconceito, bastante divulgado e assimilado pelos alunos. Estimular os
vivenciadas pelos alunos no cotidiano escolar, têm se estudantes a fazerem pesquisas sobre o tema na escola, para
apresentado como um grande desafio para os professores, saber o que alunos, professores e funcionários pensam sobre
equipe gestora e toda comunidade escolar. Essas práticas, o bullying e como acham que se deve lidar com esse assunto.
muitas vezes, podem causar dificuldades na aprendizagem e Sempre que ocorrer alguma situação de bullying,
causar traumas ao longo da vida. procurar lidar com ela diretamente, investigando os fatos,
Acredita-se, que a prevenção começa pelo conhecimento. conversando com autores e vítimas. É relevante que os
É preciso que as escolas reconheçam a existência do bullying profissionais da educação interfiram diretamente nos grupos
e, sobretudo, esteja consciente de seus prejuízos para a de alunos envolvidos sempre que for necessário para “romper
personalidade e o desenvolvimento socioeducacional dos alunos. a dinâmica” de bullying, orientando os alunos a sentarem
Ainda há um grande número de profissionais da educação em lugares previamente indicados, mantendo afastados os
que não sabe distinguir entre condutas de bullying ou outros possíveis autores de suas vítimas.
tipos de violência, por não ter um preparo para identificar O mesmo autor comenta que, é relevante que os
e desenvolver estratégias pedagógicas para enfrentar os professores incluam na rotina escolar de seus alunos,
problemas no ambiente escolar. estratégias que amenizem as causas do bullying. A
O despreparo dos professores ocorre porque, dramatização é uma “ferramenta excepcional’ para fazer
tradicionalmente, nos cursos de formação acadêmica e nos crianças e jovens vivenciarem papéis. É essencial discutir
cursos de capacitação, são treinados com técnicas que sempre as experiências depois de dramatizadas. O trabalho
unicamente os habilitam para o ensino de suas disciplinas, não com filmes e letras de músicas também permite uma reflexão
sendo valorizada e necessidade de lidarem com o afeto e muito crítica e significativa, com possibilidade de minimizar as
menos com os conflitos e com os sentimentos dos alunos. manifestações de comportamentos agressivos.

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

De acordo com Pedra (2008), as atividades em salas de Referência:


aula em forma de redação onde os alunos são estimulados LEANDRO, V. L. D. Bullying no Ambiente Escolar.
a falar no anonimato sobre a sua vida na escola, ou seja, seu Disponível em: http://pedagogiaaopedaletra.com/bullying-
relacionamento com os colegas ajudará a romper o silêncio e no-ambiente-escolar/
possibilitará a expressão de emoções e sentimentos.
O mesmo autor comenta que, na educação infantil e nos AS INFLUÊNCIAS SOBRE A ESCOLHA PROFISSIONAL
anos iniciais do ensino fundamental é primordial trabalhar por No mundo em que vivemos, estamos a todo o momento
meio de histórias ou fábulas que trabalhem o preconceito ou realizando escolhas: de objetos, de alimentos, de lugares
qualquer outra forma de exclusão e discriminação. onde desejamos ir, de pessoas com as quais queremos ou não
É essencial tanto a participação do professor quanto dos conviver, da continuação dos estudos etc. Ela é uma prática no
alunos. O professor de um lado tem o dever de transmitir o nosso dia-a-dia, porém, as escolhas são circunstanciais. São
papel ético, problematizar valores e regras morais através da feitas sempre em função do momento, da história de vida de
afetividade e racionalidade visando ao desenvolvimento moral cada pessoa, das influências familiares e sociais, das condições
e à socialização e os alunos o papel de entender e cooperar em que ela está inserida.
com as ações do professor. A escola, juntamente com os A escolha de uma profissão deve ser realizada com
professores tem a função de trabalhar conteúdos relacionados cautela. Segundo Ungricht (1966) ―uma escolha anárquica
aos valores, como o diálogo, o respeito, e a solidariedade. ou inadequada, da profissão, constitui grande empecilho para
Com o diálogo o professor faz com que os alunos um aproveitamento extensivo da matéria-prima – trabalho‖.
agressores reflitam sobre suas atitudes agressivas e as O processo de escolha profissional é baseado na
consequências que podem gerar nos alunos agredidos. realidade do adolescente, nas suas experiências dentro do seu
Fazendo-os refletir como deveria ser uma escola onde todos próprio processo de desenvolvimento e nas relações que ele
sentissem felizes, seguros e respeitados. estabelece com o meio. Mesmo sendo a escolha caracterizada
Ao trabalhar o respeito, tem como objetivo mostrar como um processo individual, ela decorre das relações entre
a diferença entre as pessoas, o respeito pelo ser humano os determinantes estruturais e motivações subjetivas do
independente de sua origem social, etnia, religião, sexo, sujeito (ROSSI, 1999).
opinião e cultura, bem como nas manifestações culturais, A escolha do indivíduo é limitada por vários objetivos que
étnicas e religiosas. O respeito tem a condição necessária para vão desde as expectativas da família, até aquilo que é mais
o convívio social democrático. viável dentro da realidade que ele está inserido, sendo muitas
Por mais que o professor seja presente e trabalhe com seus vezes, contraditório aos seus próprios desejos e possibilidades
alunos o respeito mútuo, a justiça e a solidariedade, em sala de (LISBOA, 2002).
aula, é quase que impossível que não aja conflitos entre eles. Autores como Lehman (1995), Levenfus e Nunes (2002) e
Portanto, a escola deve estimular o ensino e o desenvolvimento de Almeida e Pinho (2008) afirmam que a escolha não depende de
atitudes que valorizem a prática da tolerância e da solidariedade uma única variável. Ao contrário, ela é multi e sobre determinada.
entre os alunos. O incentivo ao exercício da solidariedade é Vários fatores influenciam o sujeito e vai depender do tipo de
um fator motivador de mudanças, pois estimula a amizade, a vínculo estabelecido com os mesmos, como também a maneira
cooperação e o companheirismo no ambiente escolar. como ele percebe tais influências transmitidas pela família,
De acordo com Pedra (2008), há casos em que alunos escola, amigos, fatores políticos e religiosos, valores, crenças e
praticantes de bullying se convertem em “alunos solidários”, pelos meios de comunicação em massa.
passando a auxiliar seus colegas dentro e fora da sala de aula, em É importante identificar os determinantes que interferem
especial aqueles que outrora eram suas vítimas. Ou até mesmo neste momento, uma vez que a liberdade de escolha passa
as modificações na postura de alguns professores, que após pela conscientização dos fatores que a determinam (SOARES,
reconhecerem as práticas do bullying decide mudar suas atitudes. 2002), podendo o indivíduo assim, utilizá-la de maneira
construtiva e positiva de acordo com seus desejos e valores.
Como a escola deve denunciar os casos de Bullying? Soares (2002) divide em vários fatores os determinantes nas
Entende-se que, inicialmente os casos de bullying devem escolhas profissionais e salienta que tal divisão é para fins didáticos
ser resolvidos na escola, por meio de ações pedagógicas. uma vez que os mesmos atuam simultaneamente, a saber:
De acordo com Pedra (2008), quando a escola, não fatores políticos, econômicos, sociais, educacionais, familiares e
consegue solucionar o problema, “deve-se orientar o aluno psicológicos. Este último refere-se aos traços de personalidade,
agressor e aplicar a ele a pena prevista pelo regimento interno habilidades, valores e maturidade para realizar uma escolha.
escolar, além de alertar seus pais ou responsáveis”. Os fatores políticos dizem respeito à política
Dependendo da gravidade do caso, deve-se encaminhá- governamental e seu posicionamento frente à educação,
lo diretamente ao Conselho Tutelar. Se houver lesão corporal, em especial, no ensino médio, profissionalizante e na
calúnia, injúria ou difamação, o pai ou responsável dever procurar universidade. A educação é associada ao capital, sendo
uma delegacia de polícia para fazer boletim de ocorrência. considerada um bem de investimento, visando em primeiro
O autor, comenta que, é necessário sempre ter o lugar o lucro (SOARES, 2002).
cuidado para não expor crianças e adolescentes a situações Os fatores econômicos estão atrelados ao sistema
constrangedoras no momento da revista pessoal. Se o aluno capitalista e dizem respeito ao mercado de trabalho, à
for menor de 12 anos, é preciso convocar um representante globalização, à empregabilidade, à informatização das
do Conselho Tutelar para dar os encaminhamentos legais. profissões, ao desemprego (SOARES, 2002). Não se pode
Se for maior de 12 anos, a polícia dever ser acionada para negar as análises que sugerem que os determinismos
encaminhar o caso à Justiça. socioeconômicos interiorizados sob a forma de habitus

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

de classe [...] os indivíduos de “classes menos favorecidas” e assumir uma postura ética de comprometimento social,
encontram realmente dificuldades, obstáculos mais tornando-se um agente de mudança? A Orientação Profissional
expressivos quanto à realização da aspiração profissional que tem um importante papel na construção da sociedade pós-
os de “classe alta”, sendo que a gratificação obtida através da industrial e, neste sentido, a postura ideológica por ela assumida
futura profissão ocorre de maneira desigual entre as classes terá consequências no desenvolvimento social futuro.
sociais. (ROSSI,1999, p.180) Muitas escolhas também são feitas por cursos menos
Atualmente ter apenas um diploma de graduação não concorridos, mesmo tendo pouco conhecimento sobre o
é prerrogativa para estar seguro no mercado de trabalho. mesmo, pela facilidade de o aluno ingressar na universidade,
Segundo Prado Filho (1993) há no Brasil um grande evidenciando o medo do fracasso.
distanciamento entre escola, formação profissional e as A necessidade, muitas vezes prematura, de optar por um curso
necessidades do mercado de trabalho. em virtude da pressão para as inscrições explica o fenômeno de
Soares (2002) observa que há muitos universitários evasão dos cursos universitários, cujos índices são altos. Silva Filho
trabalhando de dia para custear seu curso à noite uma vez et al (2007, p.655), apontam que: Entre 2001 e 2005, de acordo com
que seus pais não têm condições de arcar com seus estudos. E cálculos feitos com base em dados do Inep, a taxa anual média de
de acordo com o contexto regional em que o adolescente está evasão no ensino superior brasileiro foi de 22%, com pouca oscilação,
inserido, ele acaba escolhendo cursos que estejam disponíveis mas mostrando tendência de crescimento. A evasão anual é maior nas
para no horário noturno, e que nem sempre correspondem IES privadas, cuja taxa média no período foi de 26% contra 12% das
ao seu interesse ou gosto pelo mesmo. IES públicas. Entre as públicas, as municipais respondem pela maior
Soares-Lucchiari (1993) relata que ao mesmo tempo que taxa de evasão anual, enquanto as comunitárias e confessionais
o ambiente obriga o jovem a tomar uma decisão quanto ao mostram uma taxa maior que as particulares, entre as privadas.
seu futuro, este mesmo ambiente é fator impeditivo para que Até 1971, segundo Soares (2002), as provas para o
o jovem coloque em prática seus projetos. ingresso no ensino superior eram elaboradas pela faculdade
A escolha por uma universidade federal ou estadual, ou de acordo com suas próprias características. Se um aluno
aquelas com pagamentos facilitados representam também uma queria estudar arquitetura deveria demonstrar conhecimentos
interferência na escolha. Os fatores econômicos estão presentes, específicos em geometria, desenho, história da arte etc. De
também, na escolha de profissões tidas como rentáveis, 1971 até os dias atuais, de acordo com a referida autora, o
principalmente as tradicionais como a Medicina ou o Direito. vestibular é unificado. Os candidatos realizam uma prova,
Lisboa (2002) relata que em concurso o indivíduo que tiver onde consta uma redação e questões objetivas de múltipla
maior qualificação é escolhido para ocupar a vaga disponível, escolha, independente do curso escolhido.
mesmo que o nível de conhecimento exigido não seja uma Pinho (2001) refere-se ao vestibular como um processo
necessidade objetiva à função. Defende ainda a ideia que a igual para todos no que tange às provas; a desigualdade
crescente precariedade do mercado de trabalho advém de três reflete-se na preparação e no nível de exigência de alguns
fatores: as mudanças na estrutura da economia; a ausência de cursos que atraem candidatos melhor preparados ou pelo
crescimento sustentado e a não expansão do emprego público. fato da universidade ser pública ou privada.
―[...] não basta o governo gastar em programas de requalificação O vestibular desencadeia angústias, conflitos no aluno
se a política econômica impede o crescimento da economia, e os cursinhos são grandes empresas que visam prepará-lo
bloqueia ou dificulta o desenvolvimento de tecnologia nacional para ingressar na faculdade. Os pais têm grandes expectativas
e impede a criação de novos postos de trabalho‖. que o filho ingresse, mesmo sabendo da limitação de vagas
Os fatores educacionais estão ligados ao sistema de ensino em relação ao número de inscritos.
brasileiro, que vivencia há décadas uma crise; à falta de investimento Mesmo que o vestibular seja uma barreira rígida, a
público na educação (instalações físicas inapropriadas, professores dificuldade maior não é apenas ingressar em uma faculdade,
mal remunerados, recursos humanos sem especialização, ausência mas sim, passar numa faculdade pública ―No entanto o
ou precariedade de equipamentos ou laboratórios); à necessidade, número de vagas nas universidades públicas tem-se mantido
e os prejuízos, do vestibular (SOARES, 2002). quase o mesmo há várias décadas, embora a demanda tenha
O ensino brasileiro assemelha-se a uma pirâmide onde ultrapassado o dobro‖ (SOARES, 2002, p.69).
na base está o ensino fundamental e no topo a universidade e Mas há também aqueles que não conseguem ultrapassar
nesta só chega quem tem poder aquisitivo para custear-se até a barreira do vestibular, o que desencadeia muitas vezes
a formatura. O ingresso ensino superior está condicionado ao inimizade entre os vestibulandos e seus pais, uma vez que na
vestibular para medir o conhecimento do candidato (SOARES, fantasia destes, o vestibular está presente na família desde que
2002). Lassance e Sparta (2003), ao estudarem a postura seus filhos eram pequenos (SOARES, 2002). O adolescente
do jovem frente à Orientação Profissional, descrevem que passa a sentir derrotado e culpado pelos atritos e conflitos
o mesmo, ao fazer suas escolhas, busca um curso que lhe que surgem na família ante a sua reprovação no vestibular
garanta mais tarde um emprego estável e bem remunerado. (LUCCHIARI, 1993), já que a entrada na universidade é a
As autoras alertam que tais características de emprego já não representação social do mundo adulto (SEMENSATO, 2009).
existem mais na nova sociedade pós-industrial. Sendo assim, Observa-se uma alienação do jovem e dos pais ante o
a partir deste cenário, elas questionam sobre o papel que o vestibular, no entanto, o verdadeiro problema não é deles, já
orientador profissional deve assumir, indagando: que se trata de uma estrutura social que não está organizada
É ratificar estas crenças do jovem de classe média e para receber os jovens ao final do Ensino Médio. Mais do que
unicamente orientá-lo para a escolha de um curso superior, um ritual de passagem, o vestibular pode desencadear para
assumindo o papel de reprodutor social? Ou é orientar este jovem aqueles alunos excedentes uma diminuição da autoestima,
para que possa avaliar criticamente a sociedade contemporânea sentimentos de fracasso e vergonha, dinheiro perdido.

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Observa-se, como descreve Silva Filho et al (2007, Há ainda uma tendência do jovem a imaginar uma
p.655), uma correlação negativa entre os índices de evasão e profissão perfeita, que atenderá a todos seus desejos.
a demanda por curso, portanto ―há necessidade de realizar No entanto, Zaccarelli e Teixeira (2008) ressaltam que na
estudos sistemáticos com vistas a reduzir as taxas de evasão e era da informação, o trabalho deixa de ser percebido apenas
evitar os desperdícios, tanto do ponto de vista social quanto como acúmulo de riquezas ou satisfação das necessidades
do financeiro‖. básicas do indivíduo e passa a ser visto como meio de
Os fatores sociais, de acordo com Soares (2002), são autodesenvolvimento pessoal e profissional.
reflexos da sociedade em que o adolescente está inserido, mais Mesmo com este panorama, Barreto e Aiello-Vaisberg
especificamente, a sua classe social, com suas oportunidades (2007, p.113) atentam para o fato que o mercado de trabalho
de formação profissional e emprego. ―A escolha profissional é repleto de dúvidas. As narrativas religiosas ou políticas são
interfere com o estilo de vida do jovem que escolhe e permeia repletas de incertezas, assim ―os indivíduos não contam,
tanto sua possibilidade de satisfação laboral como a de em nenhuma área, com prescrições bem definidas acerca
satisfação pessoal. Pessini et al (2008) focalizam a influência do que é melhor: adaptar-se ao modus vivendi estabelecido,
dos fatores sociais na ―busca da ascensão social através do transformá-lo ou propor novos projetos para o mundo‖.
estudo, a influência da sociedade na família e os efeitos da Dentre os fatores sociais, é importante pontuar, também,
globalização na cultura e na família. os valores culturais como influência nos jovens no momento
As mudanças na nova ordem‘ do trabalho estão afetando da escolha. Muitos buscam na universidade a possibilidade de
diretamente as pessoas, determinando suas ações (LISBOA, aprofundar seus conhecimentos, ou soluções para problemas
2002). ― [...] a mudança tecnológica continuará cada vez sociais, como a escolarização dos sem-terra. Os problemas
mais acelerada [...] O espaço deixa de ser necessário para a raciais também podem estar presentes uma vez que são
realização de atividades grupais [...] Não é mais necessária a poucos os negros que chegam ao ensino superior no sul
presença física para se fazerem reuniões. Ungricht (1966, p.60) do país, denotando, assim, uma passividade dos mesmos,
encontra correlação entre a escolha da profissão, classe social aceitando as injustiças cometidas pela sua cor.
e capitalismo ao descrever que [...] pela escolha da profissão é O sistema de valores, como assinala Bohoslavsky (1998),
delimitado o número de cidadãos que integra cada classe de predominante em uma determinada sociedade, influencia no
uma nação. Os seus dirigentes não podem, por isso, olhar com destino das pessoas inclusive na orientação vocacional. Basta
indiferença esta escolha, uma vez que cada classe tem sua pensar, de acordo com este autor, numa estrutura de castas
atitude própria para com o governo, com as consequências onde o futuro dos filhos é determinando segundo a posição
resultantes dela. social de seus pais.
Aqueles que pertencem à classe capitalista dependem O grupo de amigos, um fenômeno social contextualizado
antes da fortuna herdada, que da profissão escolhida. conforme a cultura local, também é apontado como uma
Para os indivíduos de menor poder aquisitivo, o ensino influência na escolha do jovem, desempenhando papel
superior pode representar a possibilidade de um mercado importante. Mesmo havendo poucos estudos e referências
de trabalho melhor. Já nos sujeitos de classe econômica alta sobre este assunto, é possível encontrar na literatura o
há uma preocupação em manter o status social da família, o reconhecimento desta influência, uma vez que os grupos são
que leva muitos deles a optarem por profissões que possam fontes de apoio emocional e social.
manter tal padrão (MAFFEI, 2008). A escolha por profissões Aberastury e Knobel (1988) confirmam isto ao descrever
que tem uma imagem social elevada, como medicina ou que na adolescência a tendência grupal é uma forte
direito é um exemplo disso. No entanto, o verdadeiro status característica e muitas vezes estes jovens dão mais importância
e o papel desempenhado por estes profissionais é pouco ao grupo do que a família.
difundido (SOARES, 2002). Outro fator que é exerce grande influência é a família. A
São pontos de vista que não se baseiam em reflexões escolha profissional era mais fácil até algumas décadas, uma
sensatas. Até mesmo a Orientação Profissional, como um vez que a maioria dos pais determinava a carreira dos filhos.
instrumento para auxiliar os adolescentes a escolher sua Até o período industrial os adolescentes recebiam dos pais as
profissão, é oferecida, na maioria das vezes, para aqueles profissões que exerceriam.
indivíduos pertencentes as classes média e alta: Hoje tal determinismo não aparece de forma tão evidente,
A escolha por um trabalho, em princípio, tem toda uma mas a família exerce ainda grande influência. Mesmo quando
relação com a postura do indivíduo no meio social, havendo ela não determina diretamente, sua posição socioeconômica
espaço para que ele se coloque, enquanto seu fazer, de acordo influencia no sentido que oferece, ou não, possibilidades
com os princípios que podem ser construtores ou destruidores educacionais aos jovens. O jovem, ao escolher uma profissão,
do que se entende por bem comum: não só no âmbito material, não percebe as influências que recebe do meio familiar. Há
mas, muito além, dos valores que constroem as relações sempre uma forma de influência da família. As representações
verdadeiramente humanas, de um compromisso ético. que elas têm das profissões, por exemplo, são transmitidas
Poderemos refletir também sobre os princípios por ela seja abertamente ou pressionando o jovem de forma
destruidores citados. Numa sociedade capitalista, que valoriza velada ou sutil e manipuladora.
o ter em detrimento do ser, a escolha da profissão é muitas Seja qual for a maneira que a família utiliza, há
vezes fundamentada no retorno financeiro que esta unanimidade entre jovens em apontar os pais como o
pode trazer, deixando de lado a realização e satisfação fator que mais influenciam em suas escolhas. Os jovens
profissional. O contexto social exerce grande influência respondem a um conjunto de significações e ideais
em relação aos sistemas de gratificação (BOHOSLAVSKY, socioculturais transmitidos pela família (LEVENFUS, 2002).
1998). Os valores deste grupo desempenham uma significativa

310
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

referência, por isso os vínculos entre os familiares devem ter É no convívio com a família que se formam valores,
como finalidade a ajuda e o apoio ao jovem, nunca a pressão conceitos, aspectos que influenciam significativamente
para uma escolha. no projeto de carreira. Pais que reclamam do trabalho que
Desde antes do nascimento, a criança é o depositário de executam, associando-o a uma atividade desgastante,
sonhos e projetos dos pais, que ela deverá (ou não) cumprir rotineira, não podem esperar que seus filhos se entusiasmem
(ALMEIDA; PINHO, 2008). Ela já tem seu lugar social definido. com suas carreiras, mesmo que o discurso destes pais seja,
―Tais projeções dos pais variam de acordo com a ordem de no momento de direcionar uma carreira, motivador. É
nascimento do filho, o momento do casal, a história da família‖. importante, para uma escolha ocupacional consciente, que
A influência dos pais não se resume apenas em o jovem perceba as influências recebidas para utilizá-la de
enumerar as profissões. Muitos expressam o desejo dos filhos forma construtiva e positiva, adequando aos seus próprios
trabalharem em grandes empresas, como as multinacionais, desejos e valores.
além do desejo que eles desfrutem de estabilidade. O adolescente, ao invés de fazer uma escolha autônoma,
A influência da família nas aspirações vocacionais dos pode fazer uma escolha através da reparação, que o defenda de
jovens pode fazer-se sentir, quer seja através dos conceitos um conflito familiar interno (ROSSI, 1999). Nessa perspectiva,
familiares sobre os valores, as regras e limites, crenças, tradições Rossi (1999) destaca a importância da participação dos
e mitos, quer na quantidade e qualidade da informação pais na entrevista inicial e final do processo de Orientação
fornecida sobre as profissões e o mundo do trabalho. A profissional, a fim de que o orientador tenha uma visão mais
dimensão relacional do contexto familiar assume também ampla da dinâmica familiar em que o jovem está inserido.
um papel fundamental no processo de desenvolvimento Os pais podem orientar os filhos na escolha de suas
vocacional, ao condicionar de forma significativa a exploração carreiras, contribuindo no processo de pesquisa e exploração
da relação do jovem consigo próprio e com os vários das profissões e do mercado de trabalho, porém respeitando
contextos da sua vida, e, desse modo, as oportunidades que seus limites individuais e não influenciando em suas escolhas.
se lhe oferecem. (POCINHO et al, 2010, p.203).
Santos (2005, p.58) coloca que é essencial que o Fonte
adolescente conheça quais são ―os projetos dos pais, o ALVIM, J. L. O papel da escola na orientação profissional:
processo de identificação e o sentimento de pertencimento uma análise contemporânea da dimensão teórica e prática,
à família, o valor dado às profissões pelo grupo, assim como 2011.
a maneira como o jovem utiliza e elabora os dados familiares.
A maioria dos conflitos na hora da escolha são TRANSTORNOS ALIMENTARES NA ADOLESCÊNCIA,
desencadeados pela falta de compreensão e apoio dos pais
diante das inquietações do adolescente. Muitos pais sentem- Transtornos alimentares na adolescência
se donos dos filhos e esperam deles a satisfação direta e plena
de seus próprios desejos. Esperam por parte do adolescente Transtornos alimentares são doenças complexas, que
uma aceitação passiva ante os projetos pré-determinados estão afetando os adolescentes de forma crescente e
por estes e ficam surpresos quando os filhos resistem, não preocupante, ocupando a terceira colocação entre as doenças
aceitam ou têm dúvidas (ROSSI, 1999). Alguns pais projetam crônicas que mais afetam adolescentes do sexo feminino. O
nos filhos os sonhos que eles mesmos não conseguiram Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) estima que 5% a
realizar, delegando aos filhos esta missão. 10% da população americana tenha algum tipo de distúrbio
Whitaker (1997), na mesma direção, descreve que tanto alimentar.
a valorização como a desvalorização, mesmo que sutil, de Vivemos sob influência de uma cultura que valoriza muito
certas profissões, está presente no discurso familiar que, ao a imagem corporal, especialmente as mulheres, gerando
explicar para os filhos as profissões, relacionam vocação com forte pressão em busca de melhora da aparência física. As
um chamado místico‘. mensagens enviadas por revistas, televisão e outros meios
Rossi (1999) descreve três posições que as famílias adotam de comunicação incluem comprar certos tipos de roupas
e que tem grande influência na decisão do adolescente. A e produtos, livrar-se das rugas, clarear os dentes e, mais
primeira posição do grupo familiar é a pressão para que o comumente, perder peso, para poder ser feliz e admirado. É
filho realize os projetos dos pais. A segunda é uma postura como se a busca da beleza fosse uma promessa de felicidade.
de indiferença ante ao futuro profissional do filho, o que pode Embora seja verdade que muitos de nós nos
resultar numa escolha baseada em identificações distorcidas beneficiaríamos por comer menos e fazer mais atividade física,
pela falta de um espaço de discussão sobre suas dúvidas simplesmente dando mais atenção ao estilo de vida, isso não
dentro da família. A terceira posição, inspirada por Nobel seria é um distúrbio alimentar. Distúrbios alimentares são doenças
a mais indicada que seria a tríade orientação, apoio e afeto. que podem comprometer seriamente a saúde física e mental
A profissão dos pais e familiares e a forma como estes e são caracterizados por uma série de comportamentos
vivenciam suas ocupações, de maneira positiva ou negativa, alimentares anormais, baseados em crenças, percepções e
torna-se uma referência influente na decisão do jovem, como expectativas distorcidas sobre alimentação, peso e forma do
afirmam Rossi (1999), Soares (2002), Almeida e Pinho (2008). corpo. De forma geral, as pessoas que sofrem com esses
É importante que o jovem reconheça as influências que distúrbios tendem a ter muita dificuldade em se aceitar
recebe, tanto as familiares como de outras estruturas, para e sentir-se bem consigo mesmo. Acreditam ser “feios” e
colaborar com a elaboração de um projeto de carreira, uma “gordos”, devido ao tamanho e à forma de seu corpo, sendo
vez que ele poderá adequar tais influências de maneira que, na maioria dos casos, esse autojulgamento é distorcido
construtiva aos seus próprios desejos e valores. e impreciso.

311
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Os distúrbios alimentares são mais comuns no sexo apresentam história dessas doenças. Estudos em gêmeos
feminino, sendo que apenas por volta de 10% dos pacientes mostram maior incidência de transtornos alimentares quando
diagnosticados com anorexia são do sexo masculino; porém, eles são idênticos. Estudos genéticos vêm sendo conduzidos
acredita-se que esses dados representam uma subestimativa, com o objetivo de buscar características genéticas comuns,
devido ao fato de que os homens são mais propensos a que justifiquem tal constatação. Pesquisas também vem
negar que tenham esse tipo de problema e resistem mais em sendo feitas focando encontrar anormalidades ou atividade
procurar ajuda. do hipotálamo, área da estrutura cerebral responsável pela
Ambos os transtornos alimentares clássicos (anorexia regulação da fome e da saciedade. Há indícios de que o
nervosa e bulimia nervosa) costumam surgir durante a hipotálamo de pessoas bulímicas seja falho em desencadear
adolescência, sendo que a anorexia nervosa (AN) tem a sensação de saciedade. Outros estudos sugerem que
incidência de 0,48% a 0,7% entre adolescentes do sexo vários neurotransmissores estariam envolvidos nos distúrbios
feminino entre 15 e 19 anos de idade. Já a bulimia nervosa alimentares, sendo que um grupo de pesquisadores da
(BN) tem incidência entre 1% e 2 % da população adolescente, universidade de Pittsburgh encontrou que pacientes bulímicos
porém comportamentos bulímicos significativos ocorrem em tratados com sucesso ainda apresentavam baixos níveis de
mais 2% a 3%. seretonina, enquanto os de noradrenalina e dopamina estavam
A maioria (aproximadamente 50% a 68%) das crianças e normais. O sucesso do tratamento da bulimia com fluoxetina
adolescentes com distúrbios alimentares são diagnosticados é mais uma evidência da importância desse neurotransmissor.
como transtornos alimentares não especificados (TANE) ou Novos estudos sugerem que mulheres que desenvolvem
síndromes parciais dos transtornos alimentares, usando os anorexia podem ter níveis alterados de dopamina, o que
critérios de DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual, IV pode causar hiperatividade, comportamento repetitivo
edition). Para muitos adolescentes, a principal razão para (como restrição alimentar) e anedonia. Esse neurotransmissor
não preencher os critérios diagnósticos é a dificuldade também afeta o mecanismo de recompensa cerebral, o que
de estabelecer limiares físicos, menor frequência de poderia explicar porque, mesmo tendo intensa necessidade
comportamentos alimentares alterados e dificuldades de de perder peso, tenham pouco prazer ao emagrecer.
expressar seus pensamentos.
Apesar destes transtornos serem classificados Ainda não se sabe o exato mecanismo de como
separadamente, todos têm psicopatologia comum, possa funcionar a tendência hereditária de desenvolver
caracterizada por preocupação excessiva com o peso corporal. transtornos alimentares. Traços de personalidade como
Esses pacientes costumam fazer dietas extremamente instabilidade emocional, obsessão e perfeccionismo têm
restritivas e/ou utilizar métodos para compensar a ingestão de papel importante como facilitadores do aparecimento de
alimentos, como o uso de diuréticos e laxativos, provocando transtornos alimentares, particularmente anorexia e bulimia.
vômitos e até fazendo exercícios físicos de forma exagerada. Estudos sugerem que esses traços possam ser, em parte,
São vários os aspectos que participam da gênese dos de origem genética. Indivíduos com essas características
transtornos alimentares, como os de origem psicológica, de personalidade são mais predispostos a serem ansiosos,
biológica e sociocultural. No contexto sociocultural, atenção deprimidos e autocríticos, fatores que podem contribuir com
especial deve ser dada ao culto obsessivo ao corpo magro sua dificuldade de gerenciar o peso corporal e seus hábitos
como significado de sucesso, felicidade e aceitação, alimentares.
principalmente entre as mulheres. Indivíduos com anorexia e bulimia tendem a ser um tanto
Estudos sugerem, ainda, que aproximadamente metade competitivos e a comparar sua aparência com parâmetros
dos indivíduos com síndromes parciais ou transtornos não irreais, trazendo sensação de inferioridade. Muitos desses
especificados pode evoluir para quadros completos, o que julgamentos são resultado de pressões culturais e do grupo
justifica dedicar muita atenção ao seu diagnóstico precoce. que os cerca, ou seja, pessoas com distúrbios alimentares se
preocupam mais com o que os outros pensam deles do que
Os transtornos alimentares são definidos como desvios do eles mesmos pensam de si próprios.
comportamento alimentar que podem levar ao emagrecimento Além dessas causas, descritas anteriormente, é muito
patológico ou à obesidade, entre outros problemas de saúde importante considerar a influência da dinâmica familiar do
relacionados a essas condições, decorrentes da extrema paciente sobre o transtorno alimentar, que frequentemente
preocupação com o peso e a imagem corporal. Apesar da propicia um ambiente que favorece a aparecimento da
alimentação parecer um ato biologicamente automático, está doença.
intimamente relacionada a sentimentos como insegurança,
bem-estar, afetividade, carências e angústias, sem esquecer a Diagnóstico
relação entre alimentação e experiências sociais, pois a maioria
dos eventos sociais envolve comer e beber. É, portanto, uma Os critérios diagnósticos para transtornos alimentares
forma de comunicação social. descritos no DSM-IV podem não ser totalmente aplicáveis
a adolescentes. A grande variação natural no ritmo, época
Causas e magnitude de crescimento em altura e ganho de peso
Alguns estudos revelam fortes evidências quanto à durante a puberdade, assim como a ausência de ciclos
predisposição familiar. Indivíduo que tem mãe ou irmã menstruais no início da puberdade e sua irregularidade após
com anorexia nervosa tem aproximadamente 12 vezes a menarca limitam os critérios diagnósticos formais. Muitos
mais risco de desenvolver um quadro de anorexia e 4 vezes adolescentes, devido ao seu estágio de desenvolvimento
mais de desenvolver bulimia do que em famílias que não cognitivo, têm capacidade limitada de expressar conceitos

312
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

abstratos, como autoavaliação, motivação para perda de peso ocorrer como desidratação, hipocalemia, trauma esofágico,
ou sentimento de baixa autoestima e depressão. Além disso, arritmias cardíacas e até morte. As complicações psiquiátricas
sinais clínicos, como retardo puberal, retardo de crescimento incluem ansiedade, depressão, distúrbios de personalidade e
ou déficit de mineralização óssea podem ocorrer em níveis abuso de remédios ou outras substâncias. De forma geral, é
subclínicos. Pacientes jovens podem apresentar dificuldades menos preocupante, do ponto vista médico, do que a AN.
significativas relacionadas à alimentação, imagem corporal A maioria dos pacientes bulímicos tem peso próximo ao
e controle de peso, sem necessariamente refletirem os normal ou até sobrepeso.
critérios formais para os tratamentos alimentares. É essencial
diagnosticar distúrbios alimentares dentro desse complexo No caso de bulimia nervosa (BN) os critérios diagnósticos,
contexto da adolescência, para iniciar a intervenção segundo o DSM, são:
terapêutica de forma precoce. 1. Episódios recorrentes de comer compulsivo, com sensação
de perda de controle, pelo menos duas vezes por semana por
A anorexia nervosa (AN) se caracteriza por um padrão pelo menos três meses;
alimentar extremamente restrito que resulta em severa perda de 2. Comportamento compensatório inapropriado, como
peso, amenorreia e distorção da imagem corporal. Está associada provocar vômitos, com o objetivo de evitar perda de peso;
comumente a altos níveis de ansiedade e depressão, baixa 3. Autoavalição indevidamente influenciada pela forma
autoestima e dificuldades de relacionamento com as pessoas corporal e o peso.
de forma geral e com os familiares. A saúde física pode estar
gravemente comprometida, devido ao quadro de desnutrição, O comer compulsivo é um dos primeiros sintomas da
sendo que a mortalidade gira em torno de 4% a 5%. bulimia e se caracteriza por ingerir uma grande quantidade
De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística IV de comida em curto espaço de tempo, sendo que o tipo
Edição (DSM-IV), que é a referência usada para o diagnóstico de alimento pode ser bastante variado, mas tipicamente
de anorexia nervosa, existem quatro critérios maiores para o inclui doces e comidas muito calóricas. Frequentemente a
diagnóstico dessa doença: compulsão ocorre até que a pessoa se sinta empanturrada
de comida. Esses episódios são normalmente rodeados por
1. Recusa de manter o peso corporal pelo menos no mínimo emoções dolorosas e os pacientes descrevem frequentemente
aceitável para altura e idade; humor depressivo ou situação de estresse prévio. Muitos
2. Medo intenso de ganhar peso ou tornar-se gordo, mesmo tentam manter o controle e acreditam que não devem
estando abaixo do peso mínimo; comer compulsivamente, o que aumenta em muito o nível
3. Falta de consciência da gravidade de seu baixo peso, de ansiedade. Após o episódio, muitos se sentem culpados
que reflete dificuldade de autoavaliação e da própria imagem e envergonhados. Adolescentes bulímicos acreditam que
corporal; devem esconder seu comportamento anormal de seus amigos
4. No sexo feminino, ausência de pelo menos três ciclos e familiares; portanto, evitam refeições com os outros ou vão
menstruais consecutivos (caso já tenham tido menarca e não ao banheiro frequentemente, durante ou após as refeições.
estejam grávidas). Podem fazer visitas noturnas à cozinha, quando o resto da
família já foi para o quarto, para comer compulsivamente.
Aproximadamente 90% a 95% dos pacientes com As complicações médicas decorrentes da bulimia podem
anorexia são meninas que comumente apresentam um ser muito sérias e muitas são consequência dos episódios
comportamento reservado, porque não querem interromper de vômito frequentes, causando edema das glândulas
sua perda de peso se forem “descobertas” e também porque salivares, úlceras no estômago, refluxo, ruptura de veias e
sentem vergonha de seu comportamento. Frequentemente eventuais hemorragias gastroesofágicas. Além disso, alcalose
pulam refeições porque “esquecem”, “estão ocupadas” ou metabólica (devido à perda de ácido pelos vômitos), doenças
“pegam no sono” na hora das refeições. É frequente darem gengivais, erosão do esmalte dos dentes e ferimentos nos
desculpas do por que não estarem com fome e evitam cantos da boca, devido à indução do vômito.
situações sociais que envolvam comer, além de usar roupas O uso de diuréticos e laxantes cronicamente pode levar a
largas, para esconder seus corpos magros. Podem ainda usar desidratação, cólicas abdominais, hemorroidas, constipação,
laxantes, diuréticos, medicamentos para emagrecer e fazer diarreia e desbalanço hidroeletrolítico, resultando nos
exercícios exageradamente de forma secreta, às vezes, mais mesmos problemas encontrados na anorexia. A causa mais
de uma vez por dia. comum de morte em bulímicos é arritmia cardíaca.
Mesmo após curto período de comportamento anorético, Até o momento não há consenso sobre a maneira mais
o adolescente pode apresentar sérios sintomas clínicos. apropriada para se avaliar e diagnosticar os transtornos
Deficiência de vitaminas e minerais e acentua perda de peso alimentares. Porém, alguns questionários são utilizados no
podem causar anormalidades nos níveis dos eletrólitos, rastreamento de tais transtornos, enquanto que entrevistas
levando a fraqueza, fadiga, confusão, perda de concentração clínicas são usadas para seu diagnóstico. Há um tipo de
e até convulsão. Queda dos níveis de potássio podem, entrevista conhecida como “Entrevista Clínica Estruturada
ainda, causar arritmia cardíaca. para o DSM- IV”, já traduzida para a língua portuguesa,
A bulimia nervosa (BN) se caracteriza pelo excesso que é considerada padrão-ouro para os diagnósticos
de preocupação com o peso corporal e a forma física, psiquiátricos. Existe uma outra, denominada “Eating
acompanhado pelo comportamento alimentar compulsivo Disorders Examination - EDE”, ainda não traduzida para
(binge eating) e recursos purgativos (uso de laxantes, o português, que avalia a gravidade e o diagnóstico dos
diuréticos ou provocando vômitos). Complicações físicas podem transtornos alimentares.

313
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Avaliação da saúde mental é fundamental para o


tratamento de adolescentes com transtornos alimentares.
O tratamento pode ser necessário durante anos seguidos.
Estudos publicados suportam evidências de que o tratamento
baseado na relação familiar é eficaz para adolescentes e foi
publicado um manual que descreve tal método. A terapia
cognitivo comportamental é usada em adultos com AN,
porém há escassez de estudos em adolescentes. Existem,
ainda, evidências de que alguns antidepressivos, como o
cloridrato de fluoxetina, podem ser úteis para reduzir o risco
de recaídas dos sintomas em adolescentes mais velhos,
portadores de AN, nos quais o peso foi restabelecido.
O tratamento mais eficaz para adolescentes mais
velhos com BN é a terapia cognitivo comportamental
focada na mudança de atitudes alimentares específicas e
comportamentos que perpetuam o distúrbio alimentar.
Antidepressivos mostraram ser efetivos na redução do comer
compulsivo e de comportamentos purgativos em 50% a 75%
dos casos. Além disso, psicoterapia individual, assim como
terapia comportamental têm mostrado alguns benefícios
em adolescentes bulímicos. O uso de medicação também
pode ser útil em adolescentes mais velhos, com sintomas de
depressão ou TOC.
O tratamento da osteopenia associado à anorexia ainda
não está resolvido, mas a conduta atual recomenda incluir
Tratamento recuperação do peso corporal e volta dos ciclos menstruais,
O tratamento deve ser individualizado, de acordo com as cálcio (1300 a 1.500 mg/dia), vitamina D (400 Ul/dia) e
características e necessidades de cada paciente. A primeira exercícios cuidadosos de musculação. Apesar de se prescrever
prioridade é melhorar o estado clínico e diminuir os riscos reposição hormonal, frequentemente, para tratar a osteopenia,
para a saúde física. A reabilitação nutricional é um objetivo não há estudos prospectivos suficientes que demonstrem sua
primário, porém, devido à relação alterada com a comida, eficácia, além de poder acelerar o fechamento de cartilagem
normalmente esses pacientes dizem que não precisam de de crescimento e comprometer a estatura final.
nutricionista. O objetivo do profissional é ajudar a voltar a um O uso de drogas antipsicóticas atípicas, devido à
peso normal, através de hábitos saudáveis, suspender o uso sua propensão a levar a ganho de peso, assim como
de laxantes e diuréticos, traçar metas realistas e saudáveis suas propriedades ansiolíticas, tem sido considerado
em relação à alimentação e exercícios e ajudar a reconhecer potencialmente útil. Dados publicados a partir de pequenos
pensamentos em relação à comida e peso, além de mostrar estudos feitos em adultos com AN tomando olanzapina ainda
o risco que tais comportamentos podem trazer para a saúde. são inconsistentes. Estudo recente examinando a risperidona
Devido aos complexos aspectos biopsicológicos que (dose média de 3 mg durante média de três semanas) em
envolvem os transtornos alimentares em adolescentes, 41 adolescentes com AN não mostrou benefício. O uso de
medicações para tratar comorbidades (ansiedade, depressão)
a abordagem e o acompanhamento dessas condições
parece útil em alguns casos.
produzem melhores resultados quando conduzidos
Vale ressaltar as comobidades entre os transtornos do
por equipe multidisciplinar, que conte com médico,
comportamento no adolescente. Por exemplo, anorexia
nutricionista, enfermeira, psicólogo e psiquiatra com
nervosa e bulimia estão frequentemente associadas a
experiência na avaliação e tratamento de adolescentes depressão, abuso de substâncias e transtornos do déficit de
com distúrbios alimentares, incluindo dinâmica familiar. atenção/ hiperatividade.
Educadores físicos e terapeutas ocupacionais podem ser Além disso, com o crescente aumento da prevalência de
bastante úteis para complementar o tratamento. obesidade entre crianças e adolescentes aumentou o número
Devem ser avaliados vários níveis de tratamento, de indicações de cirurgia bariátrica como opção terapêutica.
dependendo das características clínicas e da gravidade Os episódios de compulsão e purgação autoinduzida ocorrem
do caso (ambulatorial, intensivo, internado em hospital, em 5% a 30% dos adolescentes obesos que procuram cirurgia,
parcialmente internado ou tratamento residencial). Os o que reforça a necessidade de seguimento próximo e com
fatores que justificam internação de adolescentes com equipe multidisciplinar, já que esta não é uma contraindicação
transtornos alimentares estão listados na Tabela. absoluta.
Devido às taxas de recaída, recorrências, “crossover”
(mudanças de anorexia nervosa para bulimia nervosa Fonte
ou vice-versa) e comorbidades, o tratamento deve ter PEDRINOLA, F. Nutrição e transtornos alimentares na
frequência, intensidade e duração suficientes para prover adolescência.
intervenção efetiva.

314
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

FAMÍLIA, Cabe aqui ressaltar que a Constituição Federal de 1988,


O ambiente familiar, bem como suas relações com o em seu artigo 5º, caput e inciso I, declara a igualdade entre
aprendizado escolar revelam um campo pouco estudado, o homem e a mulher; no artigo 226, parágrafos 3º e 4º
apesar de muito importante para o desenvolvimento e reconhecem na família a relação proveniente da união estável
aprendizagem das crianças. e da monoparentalidade formada por qualquer dos pais e seus
A legislação estabelece que a família deve desempenhar descendentes e, ainda no artigo 227, parágrafo 5º, as relações
papel educacional e não incumbir apenas à escola a função ligadas pela afinidade e pela adoção. O código civil brasileiro,
de educar. O artigo 205 da Constituição Federal afirma: A em vigor desde 11 de janeiro de 2003, considera qualquer
educação direito de todos e dever do Estado e da família, será união estável entre pessoas que se gostam e se respeitam,
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, ampliando assim o conceito de família e ainda segundo
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para Genofre, 1997: [...] o traço dominante da evolução da família é
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. sua tendência a se tornar um grupo cada vez menos organizado
Sendo assim, pode-se afirmar que a família é fundamental e hierarquizado e que cada vez mais se funda na afeição mútua.
na formação cultural e social de qualquer indivíduo visto que, Como já foi dito, as mudanças sócio-políticas-econômicas
todos fazem parte da mais velha das instituições, que é a das últimas décadas vêm influenciando na dinâmica e na
FAMÍLIA. Porém, ao tratarmos da família em sua relação com a estrutura familiar, acarretando mudanças em seu padrão
escola faz-se necessário um estudo sobre o panorama familiar tradicional de organização. Diante disso, não se pode falar em
atual, não esquecendo que a família através dos tempos vem família, mas sim de famílias, devido à diversidade de relações
passando por um profundo processo de transformação. existentes em nossa sociedade.
A família não é um simples fenômeno natural. Ela é uma Apesar dos diferentes arranjos familiares que se sucederam
instituição social variando através da história e apresenta e conviveram simultaneamente ao longo da história, as
formas e finalidades diversas numa mesma época e lugar, famílias ainda se constituem com a mesma finalidade:
conforme o grupo social que esteja. preservar a união monogâmica baseada em princípios éticos,
Entretanto, ao analisar a história, pode-se perceber, pois o respeito ao outro é uma condição indispensável. Por
que ao contrário de uma família ideal, o que se encontra em outro lado, mudanças são consideradas sempre bem-vindas,
nosso passado são famílias que se constituíram através das principalmente quando surgem para fortalecer ainda mais a
circunstâncias econômicas, culturais e políticas sob as mais instituição familiar, independentemente da forma como está
variadas formas. A família é a base da sociedade, porém diante constituída. A família se modifica através da história, mas
das mudanças pelas quais passou, vê-se a instituição familiar continua sendo um sistema de vínculos afetivos onde se dá
estruturada de forma totalmente diferente de anos atrás. O antigo todo o processo de humanização do indivíduo. Esse vínculo
padrão familiar, antes constituído por pai, mãe, filhos e outros afetivo parece contribuir de forma positiva para o bom
membros, cujo comando centrava no patriarca e/ou matriarca, desempenho escolar da criança.
deixou de existir. Em seu lugar surgem novas composições Por falta de um contato mais próximo e afetuoso, surgem
familiares, ou seja, famílias constituídas de diversos modos, as condutas caóticas e desordenadas, que se reflete em casa
desde as mais simples, formadas apenas por pais e filhos, outras e quase sempre, também na escola em termo de indisciplina
formadas por casais vindos de outros relacionamentos, além de e de baixo rendimento escolar.
famílias compostas por homossexuais, por avós e netos etc. Percebe-se dessa maneira que a família possui papel
O século XX foi cenário de grandes transformações na decisivo na educação formal e informal e, além de refletir os
estrutura da família. Ainda hoje, porém, observamos algumas problemas da sociedade, absorve valores éticos e humanitários
marcas deixadas pelas suas origens. Da família romana, por aprofundando os laços de solidariedade. Portanto, é
exemplo, temos a autoridade do chefe da família, onde a indispensável a participação da família na vida escolar dos
submissão da esposa e dos filhos ao pai confere ao homem filhos, pois, crianças que percebem que seus responsáveis
o papel de chefe. Da família medieval perpetua-se o caráter estão acompanhando de perto o que está acontecendo,
sacramental do casamento originado no século XVI. Da que estão verificando o rendimento escolar, perguntando
cultura portuguesa, temos a solidariedade, o sentimento de como foram as aulas, questionando as tarefas, etc. tendem
sensível ligação afetiva, abnegação e desprendimento. a se sentir mais seguras e em consequência apresentam um
O aumento da expectativa de vida, a diminuição do índice melhor desempenho nas atividades escolares. “... a família
de natalidade, o aumento de mulheres abarcando o mundo do também é responsável pela aprendizagem da criança, já que
trabalho, além do aumento de divórcios e separações forma os pais são os primeiros ensinantes e as atitudes destes frente
algumas das mudanças deixadas pelo século XX. Em consequência às emergências de autoria, se repetidas constantemente, irão
disso, a família contemporânea, assim como a instituição do determinar a modalidade de aprendizagem dos filhos.”
casamento, parece estar vivenciando uma grande crise. Portanto, é indispensável que a família esteja em
Percebe-se em consequência dessa crise um aumento harmonia com a instituição escolar, uma vez que uma relação
considerável de pequenas famílias chefiadas por jovens harmoniosa só pode enriquecer e facilitar o desempenho
esposas tentando se firmar financeiramente. educacional das crianças.
Ao comentar as mudanças ocorridas na estrutura Esteve (1999), assegura que a família abdicou de suas
familiar Romanelli, diz: Uma das transformações mais responsabilidades no âmbito educativo, passando a exigir que
significativas na vida doméstica e que redunda em a escola ocupe o vazio que eles não podem preencher. Sendo
mudanças na dinâmica é a crescente participação do assim, o que se vê hoje são crianças chegando à escola e
sexo feminino na força de trabalho, em consequência das desenvolvendo suas atividades escolares sem qualquer
dificuldades enfrentadas pelas famílias. apoio familiar.

315
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Essa erosão do apoio familiar não se expressa só na falta realizada, além de formar o profissional contribuindo assim,
de tempo para ajudar as crianças nos trabalhos escolares ou para a melhoria da sociedade. De acordo com Torres (2006),
para acompanhar sua trajetória escolar. Num sentido mais uma das funções sociais da escola é preparar o cidadão para
geral e mais profundo, produziu-se uma nova dissolução o exercício da cidadania vivendo como profissional e cidadão.
entre família e escola, pela qual as crianças chegam à escola O que quer dizer que a escola tem como função social
com um núcleo básico de desenvolvimento da personalidade democratizar conhecimentos e formar cidadãos participativos
caracterizado seja pela debilidade dos quadros de referência, e atuantes.
seja por quadros de referência que diferem dos que a escola
supõe e para os quais se preparou. A IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO FAMÍIA/ESCOLA/
Diante da colocação acima, entende-se que a família COMUNIDADE
deve, portanto, se esforçar para estar mais presente em Vida familiar e vida escolar perpassam por caminhos
todos os momentos da vida de seus filhos, inclusive, da vida concomitantes. É quase impossível separar aluno/filho, por
escolar. No entanto, esta presença implica envolvimento, isto, quanto maior o fortalecimento da relação família/escola,
comprometimento e colaboração. O papel dos responsáveis, tanto melhor será o desempenho escolar desses filhos/alunos.
portanto, é dar continuidade ao trabalho da escola, criando Nesse sentido, é importante que família e a escola saibam
condições para que seus filhos tenham sucesso na sala de aproveitar os benefícios desse estreitamento de relações, pois,
aula, assim como na vida fora da escola. isto irá resultar em princípios facilitadores da aprendizagem e
Diante dos autores revisados, percebe-se que a família, formação social da criança.
apesar de ser um tema relevante, também é bastante Tanto a família quanto a escola desejam a mesma coisa:
complexa e requer ainda muito estudo e pesquisa para que preparar as crianças para o mundo; no entanto, a família tem
se possa entender melhor sua natureza e especificidade. suas particularidades que a diferenciam da escola, e suas
necessidades que a aproximam dessa instituição. A escola
A ESCOLA E SUA FUNÇÃO tem sua metodologia filosofia, no entanto ela necessita da
As mudanças pelas quais a sociedade tem passado família para concretizar seu projeto educativo.
atualmente em decorrência de grande carga de informação, Em vista disso, é que destacamos a necessidade de uma
dos avanços tecnológicos e tantos outros fatores, têm parceria entre a família e a escola visto que, cada qual com
repercutido na estruturação da família e consequentemente seus valores e objetivos específicos em relação à educação de
na estrutura da escola. Portanto, faz-se necessário voltar uma criança, se sobrepõe, onde quanto mais diferentes são,
atenção para a escola que, apesar das mudanças, continua mais necessitam uma da outra. Entretanto, escola e família
exercendo a função de transmitir conhecimentos científicos. não podem e não devem modificar-se em suas formas de
A escola tem encontrado dificuldades em assimilar as se desenvolverem e se organizarem – a escola em função
mudanças sociais e familiares e incorporar as novas tarefas que da família e a família em função da escola, porém, podem e
a ela tem sido delegada, embora isso não seja um processo devem estar abertas às trocas de experiências mediante uma
recente. Entretanto, a escola precisa ser pensada como um parceria significativa.
caminho entre a família e a sociedade, pois, tanto a família Diante dos autores revisados, percebe-se a clareza
quanto à sociedade voltam seus olhares exigentes sobre da importância de compartilhar responsabilidades e não
ela. A escola é para a sociedade uma extensão da família, transferi-las. A escola não funciona isoladamente, é preciso
pois é através dela (a escola) que se consegue desenvolver que cada um, dentro da sua função, trabalhe buscando atingir
indivíduos críticos e conscientes de seus direitos e deveres. Na uma construção coletiva, contribuindo assim para a melhoria
verdade, encontrar formas de modo a favorecer um ambiente do desempenho escolar das crianças.
conveniente e favorável a todos, constitui-se num grande Colaborando com a discussão sobre o tema de nosso
desafio para escola. Diante dessas premissas, percebe-se trabalho, Dermeval Saviani tece algumas considerações.
que o papel da escola supera a simples condição de mera “Claro que, de modo geral, pode-se entender que uma
transmissora de conhecimento. boa relação entre a família e a escola tenderá a repercutir
A escola tem um papel preponderante na contribuição favoravelmente no desempenho dos alunos. No entanto,
do sujeito, tanto do ponto de vista de seu desenvolvimento considerada essa questão específica, é necessário verificar que
pessoal e emocional, quanto da constituição da identidade, podemos nos defrontar com situações distintas que requerem,
além de sua inscrição futura na sociedade. portanto, tratamentos distintos. Suponhamos, por exemplo, o
Sendo assim, faz-se necessário que a escola repense sua padrão tradicional de funcionamento das escolas na forma de
prática pedagógica para melhor atender a singularidade de externatos em que os alunos ficam na escola uma parte do dia,
seus alunos, o que a obriga a uma parceria com a família, de frequentando as aulas, devendo estudar em casa na outra parte
forma a atingir seus objetivos educativos. É importante que do dia ou à noite. A escola, então, ministraria ensinamentos e
a escola busque estreitar suas relações com a família em passaria “lições de casa” que seriam corrigidas no retorno a sala
nome do bem-estar do aluno. Para maior fluência de seus de aula, dando sequência ao processo ensinoaprendizagem.
objetivos, a escola necessita da participação da família e que Bem, numa situação como essa se torna fundamental a
essa participação seja de efetivas contribuições para o bom cooperação da família. Essa cooperação implica um ambiente
desempenho escolar dos alunos. As responsabilidades da minimamente favorável para que as crianças possam estudar
escola hoje vão além de mera transmissora de conhecimento em casa, preferencialmente com o estímulo e a eventual
científico. Sua função é muito mais ampla e profunda. Tem ajuda dos pais ou responsáveis. No entanto, nós podemos
como tarefa árdua educar a criança para que ela aprenda a nos defrontar com sérios obstáculos a esse modelo, pois há
conviver em sociedade, para que tenha uma vida plena e muitas famílias que não dispõe sequer de um espaço no qual

316
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

as crianças possam estudar, não havendo uma mesa com conhecimento sobre as características do desenvolvimento
uma cadeira onde a criança possa sentar e ficar em silêncio cognitivo, afetivo, moral e social ou conhecem o processo
manuseando o livro didático e escrevendo sem seu caderno; ensinoaprendizagem. Porém, não existe uma fórmula mágica
famílias em que os pais passam o dia todo fora de casa, para se efetivar a relação família/escola, pois, cada família,
trabalhando; em que os pais e mesmo os irmãos mais velhos cada escola, vive uma realidade diferente. Nesse sentido,
não tiveram acesso à escola e, portanto, não têm condições de esta interação se faz necessário para que ambas conheçam
acompanhar o desenvolvimento escolar dos filhos ou irmãos suas realidades e construam coletivamente uma relação de
mais novos. Para esses casos a solução poderia ser a escola de diálogo mútuo, procurando meios para que se concretize
tempo integral. essa parceria, apesar das dificuldades e diversidades que as
Essa proposta está na pauta tendo sido, inclusive, envolvem. O diálogo entre ambas, tende a colaborar para um
contemplada na nova LDB ao prescrever, no § segundo do Art. 34, equilíbrio no desempenho escolar dos alunos.
que “o ensino fundamental será ministrado progressivamente Sendo assim, percebe-se a importância de a escola
em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino”. E essa encontrar formas que sejam eficientes para se comunicar
proposta também aparece com frequência nas plataformas com as famílias, buscando auxiliá-las a encontrar maneiras
políticas dos diversos candidatos nas sucessivas eleições. apropriadas para orientar seus filhos nas tarefas escolares que
No entanto, geralmente quando se fala em escola de tempo levam para casa, levando em consideração o nível cultural,
integral se pensa num turno de aulas e em um outro em que as o tempo disponível, entre outros problemas enfrentados
crianças estariam na escola desenvolvendo atividades culturais pela família. Assim, é possível estabelecer uma condição de
e desportivas. Ora, sendo assim, o problema do desempenho parceria e confiança mútua - condições essenciais para o
dos alunos não seria devidamente equacionado. Ao contrário, sucesso do processo educacional. Porém, esta parceria deve
tenderia a ser dificultado porque, após passar o dia inteiro na ser fortalecida a cada dia, com reuniões de pais e professores
escola, as crianças teriam que estudar fazer as lições de casa e toda comunidade escolar. Faz-se necessário, que a escola
e se preparar para as aulas do dia seguinte em casa, à noite. vá de encontro à família quando sentir que esta permanece
Na verdade, uma escola de tempo integral implicaria que, no distante. Portanto, a escola necessita dessa relação de
contra turno, as crianças estariam estudando com a orientação parceria com a família, para que juntas, possam compartilhar
dos professores que poderiam ministrar atividades de reforço os aspectos que envolvem a criança, no que diz respeito ao
para aqueles que apresentassem maiores dificuldades de aproveitamento escolar, qualidade na realização das tarefas,
aprendizagem. Logo, também os professores deveriam ser relacionamento com professores e colegas, atitudes, valores
contratados em jornada de tempo integral numa única escola. e respeito às regras. Enfim, a relação familiar e escolar
Isso permitiria que eles se fixassem em determinada escola, se é fundamental para o processo educativo, pois os dois
identificassem com ela podendo, em consequência, participar contextos possuem o papel de desenvolver a sociabilidade, a
mais diretamente na vida da comunidade em que a escola está afetividade e o bem-estar físico e intelectual os indivíduos, ou
inserida. Assim, seria possível manter certo grau de diálogo seja, o ideal é que família e escola se envolvam numa relação
com as famílias dos alunos o que contribuiria para estabelecer recíproca, pois as influências dos dois meios são importantes
algum tipo de colaboração entre a ação da escola e a ação da para a formação de sujeitos.
família tendo em vista o objetivo de assegurar às crianças um
satisfatório desempenho escolar”. Referência:
Contudo, percebe-se a importância da relação Família/ Material didático. Ester. Disponível em: http://www.
Escola no processo educativo da criança. Ambas são diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1764-6
referenciais que dão sustentação ao bom desenvolvimento
da criança, portanto, quanto melhor for a parceria entre elas, ESCOLHAS SEXUAIS.
mais positiva e significativa será o desempenho escolar dos
filhos/alunos. Porém, a participação da família na educação Os jovens e a sexualidade
formal dos filhos precisa ser constante e consciente, pois vida
familiar e vida escolar se complementam. Para realizar uma prática adequada de Orientação Sexual
As famílias, em parceria com a escola e vice-versa, são com jovens, é necessário que o profissional conheça o público
peças fundamentais ao desenvolvimento pleno da criança e beneficiário de sua ação, ou seja, de quem e com quem
consequentemente são pilares imprescindíveis para o bom falamos na condição de educadores.
desempenho escolar. Entretanto, para conhecer a família
é necessário que a escola abra suas portas, intensificando Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei
e garantindo sua permanência através de reuniões mais 8.069, de 13 de julho de 1.990 – Art. 2º) “considera-se criança,
interessantes e motivadoras. À medida que a escola abrir [...], a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente
espaços e criar mecanismos para atrair a família para aquela entre doze e dezoito anos de idade” (Brasil, 1990).
o ambiente escolar, novas oportunidades com certeza
irão surgir para que seja desenvolvida uma educação Muitos autores que se preocupam com a temática da
de qualidade, sustentada justamente por esta relação infância e juventude afirmam que não é possível definir
FAMÍLIA/ESCOLA. Essa parceria deve ter como ponto de o período que compreende a infância e a adolescência
partida a escola, visto que, os professores são vistos como apenas pela faixa etária. Quando podemos afirmar que uma
“especialistas em educação”. Portanto, cabe a eles dar criança deixou de sê-lo e passou a ser adolescente? Quais
início a construção desse relacionamento. Os pais não comportamentos são considerados infantis, juvenis e/ou
conhecem o funcionamento da escola, tampouco tem adultos? Estes são questionamentos complexos.

317
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Em todos os questionamentos que formulamos a Na adolescência é comum ocorrer uma identificação


respeito dos seres humanos, devemos sempre conceber o muito intensa do jovem com seu grupo de “iguais”, em geral
homem enquanto ser integral, biopsicossocial. Desta forma, outros jovens. Não é raro este grupo (galera, turma, etc.)
precisamos considerar as dimensões biológica, psicológica compartilhar um determinado modo de conversar, de se
e social das pessoas, compreendendo que estas não são vestir, enfim, de se comportar. Esta identificação com o grupo
separadas, mas integradas na existência humana. é importante na construção da própria identidade (pessoal,
Em relação à dimensão biológica, percebemos que uma sexual, social) do adolescente.
criança começa a deixar de sê-lo quando ela vivencia o período Em geral, nesta fase do desenvolvimento ocorrem as
do desenvolvimento humano chamado de puberdade. Para primeiras manifestações da sexualidade adulta, ou seja, o
esta discussão, tomaremos como referência o trabalho de primeiro beijo, o “ficar”, o namoro, as primeiras experiências
Gewandsznajder (1999). eróticas. Trata-se de uma busca pelo outro para um
Na puberdade, o corpo do menino ou da menina passa relacionamento afetivo-sexual. “A adolescência é uma fase de
por um processo de transformação, deixando de ser um descobertas, de desafios e a sexualidade humana talvez seja,
corpo infantil para se tornar um corpo adulto, ou seja, pronto para a maioria dos jovens, o aspecto mais interessante desta
para reprodução. jornada”.
A faixa etária que corresponde a este período é variável. Em relação à dimensão social, precisamos considerar
Em geral, a puberdade ocorre nos garotos entre 11 e 13 anos que a adolescência enquanto processo de desenvolvimento
e nas garotas entre 10 e 12 anos. É necessário saber que estas humano não é universal, ou seja, não é igual para todos os
idades não são fixas, podendo variar de pessoa para pessoa. jovens. Cada um vivenciará a sua adolescência de acordo com
Tanto em garotos quanto em garotas ocorre o chamado suas condições de vida, o seu lugar de moradia, a dinâmica
“estirão”, ou seja, um crescimento do corpo acentuado em um de sua família de origem, as características de acesso à
curto período de tempo. O “estirão” costuma iniciar mais cedo escola ou aos serviços de saúde, as modalidades de lazer
nas meninas que nos meninos, razão pela qual as meninas a que tem acesso, dentre outros condicionantes. Todas as
por volta dos 12 anos de idade são freqüentemente mais transformações vivenciadas pelo jovem são construídas
altas que os meninos. Também tanto em garotos quanto em mediante as relações sociais que eles estabelecem. Não existe
garotas ocorre o aparecimento de pêlos pubianos e axilares. um “padrão”. Cada indivíduo, a partir de sua realidade social,
A pele se torna mais oleosa e o corpo, através do suor, passa a vivenciará sua juventude de forma particular (Rouco, 1999).
ter um cheiro característico de pessoa adulta, diferenciando- Não devemos pensar a juventude como crise, mas como
se da criança. um processo do ciclo vital do jovem. Isto quer dizer que
Nos garotos ocorre o aparecimento da barba, e a laringe devemos compreender o jovem não enquanto um “problema”
se alarga provocando a tendência da voz se tornar mais ou um “fardo”. Deve ser compreendido sempre a partir da sua
grave. Também ocorre o aumento da massa muscular, com pessoa em condição peculiar de desenvolvimento inserida
consequente ampliação da força física, e o aumento do pênis num determinado contexto sociocultural (Guimarães, 2006).
e testículos. Outro fator importante a ser abordado é o prolongamento
Nas garotas ocorre o aumento dos seios, quadris, da juventude. Atualmente vivenciamos uma clara dificuldade
nádegas e coxas, dando ao corpo o aspecto de mulher em em delimitar o término deste período. Não é raro encontrarmos
fase adulta. A partir da puberdade a garota passa a menstruar, pessoas que pretendem terminar seus estudos, incluindo até
característica que sinaliza que seu organismo está pronto para cursos de mestrado e doutorado, antes de decidirem morar
gerar filhos. sozinhos ou casaram-se, e então deixar de morar com seus
É preciso deixar claro que puberdade não é sinônimo pais.
de adolescência. Puberdade compreende as transformações Partindo da premissa de todas estas transformações
corporais que tornam o corpo humano adequado para a contemporâneas, é interessante tomarmos a definição do
reprodução, deixando de ser um corpo infantil para tornar- Conselho Nacional da Juventude no que diz respeito a
se um corpo adulto (Bonini e Vani, 2006). A adolescência estender até os 29 anos a faixa etária das pessoas que são
compreende um período mais extenso e significativo que a consideradas jovens (Brasil, 2008).
puberdade, sendo esta etapa constituinte daquela. São estes jovens que constituem o público beneficiário
O termo adolescência vem do termo latino adolescere, da prática de Orientação Sexual, no enfoque deste trabalho.
que significa “crescer, engrossar, tornar maior” (Rouco, 1999).
Em relação à dimensão psicológica, segundo Canosa Orientação Sexual X Educação Sexual
Gonçalves et. al. (2003) e Tavares (1999), as crianças que se
tornam adolescentes também passam por transformações. Os autores que se preocupam atualmente com a temática
A principal delas é em relação à própria identidade. Neste da Orientação Sexual formulam questionamentos a respeito
momento, o adolescente necessita se reconhecer num corpo do termo que deve ser utilizado para definir tais práticas.
transformado, que não é mais o corpo infantil que ele tinha, e Quando falamos em Orientação Sexual e em Educação Sexual,
que agora é um corpo adulto, visivelmente modificado. utilizamos a mesma definição para as duas expressões?
Outro passo importante é a consolidação de si próprio De acordo com Ribeiro (1990) falamos em Educação
enquanto pessoa “independente”, sob o ponto de Sexual quando nos referimos aos “processos culturais
vista da determinação de suas escolhas pessoais e da contínuos [...] que direcionam os indivíduos para diferentes
responsabilidade que elas trazem. É neste momento que atitudes e comportamentos ligados à manifestação de
pode haver uma divergência, e até um questionamento, sua sexualidade”. Nesta definição, podemos pensar que
com as regras determinadas pela família e pela sociedade. a educação sexual tem seu início no nascimento de cada

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

indivíduo, sendo que o processo educacional acontece Breve histórico da Orientação Sexual no Brasil
através da relação deste indivíduo com seu meio social. No Brasil, a sexualidade tem sido um aspecto polêmico do
Então, as “atitudes e comportamentos ligados à manifestação cotidiano das pessoas, desde a época da Colônia do século XVI.
da sexualidade” são construídos por cada pessoa em contato O homem brasileiro branco, nos primeiros anos
com a sociedade, ou seja, amigos, grupos religiosos e/ou da colonização, mantinha relações sexuais com várias
de convivência, meios de comunicação e, principalmente, a índias, tendo com elas muitos filhos, caracterizando um
família. Portanto, a sociedade pratica ações educativas em comportamento sexual bastante promíscuo (Ribeiro, 2004).
sexualidade em relação aos indivíduos que a constituem. Com o advento da escravatura, os jovens homens filhos
Porém, em grande parte das vezes, estas ações se tornam dos senhores de engenho eram incentivados a se relacionar
“deseducativas”, na medida em que reproduzem e perpetuam sexualmente com as escravas negras, para provar que eram
tabus, desinformações e atitudes repressivas em relação à “machos”. As mulheres brancas eram dominadas e submetidas
sexualidade humana. às regras de seus pais, inicialmente, e de seus maridos, após
Para Ribeiro (2004), a Orientação Sexual pressupõe uma o casamento. Em geral, casavam ainda adolescentes com
intervenção institucionalizada, sistematizada e realizada por homens bem mais velhos que elas. Era-lhes exigido um
profissionais especialmente preparados para exercer esta comportamento acanhado e humilde frente à sociedade.
função. Diferencia-se, portanto, da Educação Sexual, que Tal cenário brasileiro se mantém praticamente o mesmo
acontece durante toda a vida das pessoas, e que diz respeito durante os séculos XVII, XVIII e XIX. Neste período da História
ao processo educacional referente às atitudes em relação à do Brasil não há registros conhecidos de Orientação Sexual
sexualidade. Desta forma, podemos pensar a Orientação enquanto intervenção sistematizada.
Sexual enquanto prática interventiva na vida das pessoas, A preocupação com a Orientação Sexual no Brasil, enquanto
prática que intervém na Educação Sexual que todas elas tema científico e pedagógico, data do início do século XX.
receberam em contato com a sociedade em que vivem. Neste momento da história brasileira registra-se a organização
Citando Suplicy et. al. (1994): “Orientação Sexual dos primeiros espaços urbanos, que originaram as cidades
é um processo de intervenção sistemática na área de brasileiras. Nestes locais a comunidade científica brasileira se
sexualidade, realizado principalmente nas escolas e envolve organizava sofrendo forte influência europeia (Ribeiro, 2004).
o desenvolvimento sexual compreendido como: saúde Barroso e Bruschini (1982) afirmam que, no início do
reprodutiva, relações interpessoais, afetividade, imagem século XX, esta influência europeia manifesta-se no Brasil
corporal, autoestima e relações de gênero. Enfoca as dimensões através de algumas correntes médicas e higienistas de
fisiológicas, sociológicas, psicológicas e espirituais da sucesso na Europa. Tais correntes pregavam a necessidade
sexualidade, através do desenvolvimento das áreas cognitiva, de uma Educação Sexual eficaz no combate à masturbação
afetiva e comportamental, incluindo as habilidades para a e às doenças venéreas (termo utilizado na época para referir-
comunicação e a tomada responsável de decisões”. se às doenças sexualmente transmissíveis – DST´s) e que
Percebemos a concordância de Suplicy et. al. (1994) com preparasse a mulher para desempenhar adequadamente seu
Ribeiro (2004) em afirmar que a Orientação Sexual é uma “nobre papel de esposa e de mãe”. Notamos que, logo no
prática interventiva sistemática na área da sexualidade. Suplicy início de suas atividades no Brasil, a Orientação Sexual carrega
et. al. (1994), na definição citada, enfatiza que a Orientação uma característica de incitação do medo aos jovens (combate
Sexual deve ser pensada e executada a partir da consideração à masturbação e às doenças sexualmente transmissíveis –
do orientando enquanto ser integral, ou seja, devem ser DST´s), além de ser impregnada pela chamada ideologia
consideradas suas dimensões fisiológicas, sociológicas, de gênero machista (preparar a mulher para desempenhar
psicológicas e espirituais no exercício de sua sexualidade. adequadamente seu papel de esposa e mãe).
Além disso, a Orientação Sexual deve contemplar diversos Neste momento, emerge a produção de teses, livros e
aspectos do desenvolvimento sexual dos indivíduos, ou seja, manuais que tratam da Orientação Sexual, todos baseados
saúde reprodutiva, relações interpessoais, afetividade, imagem no modelo médico higienista vigente. Referenciando este
corporal, autoestima e relações de gênero. Compreende-se o período, Chauí (1984) cita uma obra datada de 1938, de autoria
ser humano enquanto ser sexuado inserido num meio social, de Oswaldo Brandão da Silva, intitulada Iniciação Sexual-
que continuamente se relaciona com outros seres humanos. Educacional. Este livro, segundo consta, tinha um conteúdo
Desta forma, amplia-se o enfoque da Orientação Sexual destinado somente aos “meninos de valor”. Segundo esta
no Brasil que, no início e meados do século XX priorizava autora, o autor da obra não explica o significado do termo
a dimensão biológica da sexualidade. No final do século “valor”, mas fica claro que as meninas estavam proibidas
XX e nos dias atuais, deve-se compreender a sexualidade de ler tal obra, pois deveriam manter-se inocentes e ser
enquanto manifestação humana, com desdobramentos iniciadas na vida sexual apenas por seus maridos. Interessante
além da mera reprodução e da possibilidade de contágio de ressaltar que, do grupo de meninas excluídas do acesso ao
doenças sexualmente transmissíveis. Tais aspectos não devem conteúdo da obra, não fazem parte as prostitutas. Estas eram
ser descartados, mas deve-se somar a eles outros aspectos consideradas uma tentação para os meninos enquanto
como o prazer, as relações afetivas e os papéis sexuais na (re) aquelas eram chamadas de meninas de “boa família”.
definição de gênero (Guimarães, 2006). Entre as décadas de 1920 e 1940, mesma época em
Neste contexto, Santos e Bruns (2000) apontam que que foi publicado o manual citado por Chauí (1984),
um dos objetivos da Orientação Sexual é levar o indivíduo foram publicados vários outros livros de orientação sexual
a valorizar o prazer, o respeito mútuo, possibilitando-lhe cientificamente fundamentados, escritos por médicos,
uma vivência mais íntegra e feliz. professores e até sacerdotes. Assim foi criada a sexologia
enquanto campo oficial do saber médico (Ribeiro, 2004).

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Concomitante à consolidação do conhecimento científico De 1989 a 1992, na cidade de São Paulo, foi desenvolvido
da época em relação à sexualidade, a Igreja Católica imprime um abrangente projeto de Orientação Sexual nas escolas
severa repressão às práticas sexuais da população brasileira. municipais, com a participação do renomado GTPOS (Grupo
Desta forma, a década de 50 é considerada pobre no de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual). Este projeto
sentido de não contar com nenhuma iniciativa no campo da atingiu 30.000 alunos e foram capacitados 1.105 professores
Orientação Sexual (Guimarães, 1995). para oferecer ações de orientação sexual nas escolas (Ribeiro,
Na década de 60 surgem as primeiras experiências de 2004; Suplicy et al., 1994).
Orientação Sexual nas escolas dos estados de Minas Gerais Nota-se que, desde as primeiras experiências de projetos
(Belo Horizonte, em 1963, no Grupo Escolar Barão do Rio de Orientação Sexual na década de 1960, não existiram ações
Branco), Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, em 1964, no Colégio continuadas, sendo que estes projetos historicamente ficaram
Pedro Alcântara; em 1968, nos colégios Infante Dom Henrique, atrelados às vontades político-partidárias de prefeitos ou
Orlando Rouças, André Maurois e José Bonifácio) e São Paulo governadores.
(São Paulo, de 1963 a 1968, no Colégio de Aplicação Fidelino Ribeiro (2004) corrobora dizendo que, somente com a
Figueiredo; de 1961 a 1969, nos Ginásios Vocacionais; de aprovação da LDB – Lei de Diretrizes e Bases em 1996 e o
1966 a 1969, no Ginásio Estadual Pluricurricular Experimental). estabelecimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais em
Estas experiências são realizadas com base na ênfase ao 1997 como linhas a serem seguidas para se concretizar a
aspecto biológico da sexualidade humana, tal qual era o meta da educação para o exercício da cidadania, a Orientação
tratamento dado a esta questão nos livros que possibilitaram Sexual teve oficialmente reconhecida sua necessidade e
o surgimento da sexologia enquanto área do conhecimento importância enquanto ação educativa escolar.
da medicina. Além disso, estas experiências foram fortemente
carregadas com as marcas da repressão das manifestações da Os programas de Orientação Sexual
sexualidade.
Na época das primeiras experiências em Orientação Podemos constatar na maioria dos programas de
Sexual nas escolas brasileiras, o país vivia seu período Orientação Sexual executados no Brasil, ainda nos dias
histórico e político chamado de ditadura militar. Em 1964, a atuais, uma tendência de mostrar apenas os problemas e
população assiste à chegada das forças armadas ao poder possíveis más consequências da sexualidade. Em geral, no
da República Federativa do Brasil, através da imposição do conteúdo destes programas são enfatizadas (quando não
Golpe de Estado. A partir daí, o regime militar reprime não são exclusivas) as DST – Doenças Sexualmente Transmissíveis
só as manifestações políticas, mas também as manifestações e as gravidezes precoces na adolescência, com maternidade
sexuais e as implicações nos padrões de comportamento e/ou paternidade indesejadas. Este conteúdo não sensibiliza
delas decorrentes (Ribeiro, 2004). os jovens para a discussão construtiva do tema sexualidade
Em 1968, a deputada federal do Rio de Janeiro Júlia humana. Eles costumam não se sentir à vontade para receber
Steinbruk apresentou um projeto de lei que previa a introdução uma adequada Orientação Sexual, pois identificam claramente
obrigatória da Educação Sexual nas escolas brasileiras. Tal a repressão sexual que experimentam em seu meio social,
projeto de lei não foi transformado em legislação porque aqui também reproduzida pelos profissionais orientadores
o então Ministério da Educação e Cultura, através de sua sexuais (Afonso e Ribeiro, 2006; Santos e Bruns, 2000).
Comissão Moral e Civismo, rejeitou o projeto, demonstrando Em contato com um conteúdo de Orientação Sexual que
o severo receio por parte dos gestores da educação brasileira prioriza os problemas advindos de uma vivência inadequada da
da época em relação ao tratamento de questões sexuais com sexualidade e não os aspectos afetivos, prazerosos, e de respeito
os estudantes (Ribeiro, 2004; Santos e Bruns, 2000). às relações humanas, os jovens costumam não perceber uma
Na década de 70, cresce a censura do governo militar relação coerente entre o conteúdo abordado e suas próprias
e há um quase desaparecimento de projetos de Orientação experiências reais concretas. Comenta-se que o sexo traz
Sexual nas escolas brasileiras. Apenas em 1978, com a problemas, mas a maioria dos jovens percebe suas experiências
abertura política trazida pelo presidente Ernesto Geisel, a sexuais como prazerosas, surgindo aí um paradoxo.
Prefeitura Municipal de São Paulo implantou projetos de Desta forma, urge a necessidade da discussão de
Orientação Sexual em três escolas, os quais, posteriormente, conteúdos adequados à realidade dos jovens para que eles
foram ampliados para muitas escolas municipais, envolvendo possam realmente tomar atitudes responsáveis na vivência de
orientadores educacionais e professores de Ciências e suas sexualidades. Assim, um programa efetivo de Orientação
Biologia. Em 1979, a rede pública estadual paulista iniciou Sexual deve reconhecer o exercício prazeroso da sexualidade,
um trabalho de informação aos estudantes sobre os aspectos sem deixar de contemplar as medidas de proteção à saúde e
biológicos da reprodução, por intermédio da disciplina de os métodos contraceptivos para tornar possível a emergência
Ciências e Programas de Saúde da Secretaria de Educação do de maternidades e paternidades responsáveis, no momento
Estado de São Paulo (Ribeiro, 2004; Santos e Bruns, 2000). de escolha consciente de cada pessoa que deseje ter filhos.
Ao fim da década de 70 e durante a década de 80, Nos dias atuais, percebe-se a crescente preocupação de
surgem novas ações no plano da Orientação Sexual, como alguns pais e educadores diante do número de gestações
o aparecimento de serviços telefônicos, programas de na adolescência. Segundo o Ministério da Saúde, enquanto
rádio e de televisão, enciclopédias e fascículos, congressos a taxa de fecundidade de mulheres adultas tem caído nas
e encontros de professores. Proliferam as iniciativas na últimas quatro décadas, entre as mulheres jovens existe
rede particular de ensino. Nasce nessa época a SBRASH uma relação inversamente proporcional. “Desde os anos 90,
– Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana (Santos e a taxa de fecundidade entre adolescentes aumentou 26%”
Bruns, 2000). (Brasil, 2006).

320
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Tal preocupação mobiliza e estimula o avanço das ações científicos suficientes e adequados para abordar as demandas
em orientação sexual, o que pode ser intensamente benéfico cotidianas da juventude em relação à sexualidade. É preciso
para os jovens, visto que eles poderão ter maior acesso a que, pela Orientação Sexual, os jovens possam formar suas
programas desta natureza. No entanto, cabe questionar se opiniões a respeito do tema para propiciar um pleno exercício
pais e educadores ainda mantêm seu foco sob uma concepção de suas sexualidades.
repressiva da sexualidade humana, desejando que uma Apesar da clara proposição dos PCN de conceber
Orientação Sexual possa produzir uma atitude sexualmente a Orientação Sexual no âmbito escolar enquanto tema
abstinente dos jovens brasileiros, desejo que se mostra transversal extremamente importante para a formação de
absolutamente inalcançável e indesejável. De outro modo, valores conscientes pelos jovens em relação à sexualidade,
a preocupação advinda dos pais e educadores quanto ao muitas dificuldades têm permanecido no exercício diário desta
número de gestações na adolescência pode ser um ponto de prática educacional. Como sexo é um assunto intensamente
partida para propiciar espaços abertos de discussão, onde o repleto de repressões em nossa sociedade ocidental, muitos
jovem possa refletir sobre sua própria sexualidade, no sentido educadores não manifestam interesse sobre o tema, deixando
de conscientemente poder efetuar escolhas para sua vida, que de buscar formação adequada para o trabalho de Orientação
incluem ter ou não filhos. Para tal escolha, o jovem, que num Sexual com a juventude.
futuro próximo se tornará um adulto, deve ter conhecimento Além dos profissionais diretamente em contato com
e autonomia sobre o uso de métodos contraceptivos (Santos os jovens, há uma grande parcela de educadores que são
e Bruns, 2000). dirigentes de estabelecimentos educacionais e, reproduzem
Outra preocupação de pais e educadores que mobiliza a as mesmas repressões sociais em relação à sexualidade,
execução de programas de Orientação Sexual são as doenças não contribuindo positivamente para a execução de bons
sexualmente transmissíveis uma vez que, ao iniciar a vida programas de Orientação Sexual, uma vez que não acreditam
sexual, muitos jovens, ainda que possuam conhecimento de que este tema seja importante para a comunidade estudantil
prevenção, não utilizam preservativo. (Bonini e Vani, 2006). ou acreditam que falar sobre sexualidade com jovens
Infelizmente a maioria dos programas brasileiros de estudantes pode induzi-los à prática precoce de relações
Orientação Sexual não é contínua. Caracterizam-se muitas sexuais.
vezes pelo oferecimento de palestras pontuais sobre A Orientação Sexual na escola ainda tem um extenso
sexualidade. Este tipo de programa não atinge os objetivos caminho a ser trilhado para que a sexualidade, presente na
de propiciar elementos para uma construção adequada vida de todas as pessoas, possa ser tratada (e aprendida)
do exercício da sexualidade dos jovens. Para trazer efetivos pelos profissionais da educação e seus respectivos educandos
benefícios à juventude, o processo de educação precisa de sem os massacrantes e silenciadores tabus e com respeito e
continuidade, de vínculo, de tempo, de reconhecimento. propriedade, para inibir práticas inadequadas e produzir
práticas saudáveis do exercício da sexualidade.
Orientação Sexual como tema transversal
O Educador/Orientador Sexual
O governo federal brasileiro, através do Ministério da
Educação - MEC, em seus Parâmetros Curriculares Nacionais Retomando a discussão sobre a definição dos termos
(1997), estabelece a Orientação Sexual no Ensino Fundamental “educação sexual” e “orientação sexual” presente no item
enquanto tema transversal, isto é, um assunto a ser trabalhado “Orientação Sexual X Educação Sexual” deste trabalho,
em todas as disciplinas escolares, por quaisquer professores encontramos com maior frequência na literatura especializada
que se sintam mobilizados, sempre que houver espaço na o termo “educador sexual” referindo-se àquele profissional que
grade curricular ou em horários extraclasses. exerce a prática educacional de Orientação Sexual, enquanto
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN, prática institucionalizada e sistematizada. Desta forma, neste
“propõe-se que a Orientação Sexual oferecida pela escola aborde momento, utilizaremos o termo “educador sexual” para
com as crianças e os jovens as repercussões das mensagens fazermos referência a este profissional especializado e não
transmitidas pela mídia, pela família e pelas demais instituições aos membros da família e demais relações interpessoais dos
da sociedade. Trata-se de preencher lacunas nas informações jovens, que contribuem para a sua educação em um sentido
que a criança e o adolescente já possuem e, principalmente, mais amplo, conforme Vitiello (1994).
criar a possibilidade de formar opinião a respeito do que Segundo Canosa Gonçalves (2003), o desenvolvimento
lhes é ou foi apresentado. A escola, ao propiciar informações psicossexual é um processo único e pessoal, que sofre
atualizadas do ponto de vista científico e ao explicitar e transformações ao longo do processo por diversos aspectos
debater os diversos valores associados à sexualidade e aos do comportamento sexual humano sendo eles: constituição
comportamentos sexuais existentes na sociedade, possibilita ao biológica do indivíduo (hereditariedade, níveis hormonais),
aluno desenvolver atitudes coerentes com os valores que ele relações familiares, padrão econômico, características
próprio eleger como seus”. culturais, adoção da fé, entre outros.
Portanto, o educador sexual, ao realizar sua prática,
Percebemos o complexo dever atribuído à Orientação está inserido neste complexo contexto do comportamento
Sexual no âmbito escolar na medida em que é sua função humano e deve intervir nesta realidade. Os jovens com
a reflexão contínua sobre as informações constantes os quais o educador sexual trabalhará trazem em suas
recebidas pelos jovens em suas relações sociais. Daí decorre histórias de vida diversas realidades, variadas construções
a necessidade de que os profissionais que executam biopsicossociais em um mesmo grupo de jovens
programas de Orientação Sexual tenham conhecimentos orientandos. Cabe ao educador sexual ter capacidade para

321
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

perceber tais diferenças e pautar suas ações de maneira


a privilegiar a diversidade, num contexto de respeito às ÉTICA PROFISSIONAL.
escolhas pessoais de cada jovem. Ao educador sexual é
requerida abertura intelectual, moral e afetiva para tornar
possível a realização da Orientação Sexual com jovens tão
diversos. A importância do assunto sobre a ética e a formação
docente
A Orientação Sexual deve ser uma prática ofertada Há mais de uma década, o impacto da ética não cessa
a todos os jovens, mas não uma prática arbitrária e de crescer em profundidade, invadindo as mídias, fornecendo
unidimensional, que reproduz os preconceitos repressivos matéria para reflexão filosófica, jurídica e deontológica,
de nossa sociedade. Assim, o educador sexual deve ser gerando instituições e práticas coletivas inéditas.
flexível em relação às diversas orientações afetivo-sexuais, Constata‐se, pois, que a ética ocupa hoje um ponto
de destaque, até considera-se que vivemos na “era da
às religiosidades, enfim, diversas concepções construídas
ética”. Percebe‐se que cada vez mais o seu uso se amplia
sobre sexualidade na história pessoal de cada jovem.
para diferentes âmbitos e instâncias, tais como: no “mundo”
Orientação Sexual “se destina à pessoa humana, com a
corporativo, a ética empresarial ou organizacional está em
prerrogativa de igualdade entre os seres humanos, em alta, muitas são as publicações sobre o assunto, por exemplo:
primeiro lugar” (Guimarães, 2006). “Ética empresarial” de Srour, “Ética empresarial” de Forrell,
O educador sexual deve apresentar adequação sexual, Fraedrich e Forrell e muitos outros, dando lugar para uma nova
isto é, reconhecer-se enquanto pessoa sexuada, com função profissional, os consultores de ética organizacional e
suas preferências e limites, e não influenciar as decisões associações de assessoramento.
dos jovens a partir destas preferências. Diferenciar-se Segundo Amôedo (2007), hoje vivemos a pós‐qualidade,
pessoalmente de quem orienta é imprescindível para que o estamos buscando e enfatizando a qualidade ética. Diz que a
educador sexual possa propiciar condições para reflexão ao “Exigência ética agora não é apenas por produtos ou serviços
jovem para que este possa realizar suas próprias escolhas. de qualidade, mas também de natureza ética”.
Segundo Canosa Gonçalves (2003) um bom educador Não é menor a ênfase em outras áreas, como por
sexual é “aquele que convive com os jovens no dia-a-dia, exemplo, as abordagens éticas em torno da bioética, a ética
que os conhece e é reconhecido por eles, e que tem em sua ecológica etc. É só jogar as palavras‐chave em torno da ética
prática profissional os pressupostos da educação”. nem site de busca e teremos uma enorme lista de publicações
Desafiante para o trabalho do educador sexual de textos e debates disponíveis para estudo.
com jovens é utilizar métodos e técnicas que prendam Também está em alta a questão da formação docente.
a atenção deste público, que provoquem reflexão e que Verifica‐se que o interesse pelo assunto é grande, é só
sejam capazes de fazer com que o jovem se comprometa observar nos congressos ou eventos de educação, onde se
consigo próprio e com suas parcerias. concentram o maior número de participantes, bem como,
nas pós-graduações, onde se concentram os focos das
É imprescindível que o educador sexual possua monografias, dissertações e teses nos últimos anos.
conhecimentos científicos adequados sobre Se ética e formação docente são hoje assuntos que estão
desenvolvimento humano, constituição dos órgãos sexuais, num pedestal, é preciso considerar como eles se pertencem
saúde reprodutiva, métodos de prevenção às DST´s e/ou no processo da formação e na prática docente, pois, o
contraceptivos, relacionamentos interpessoais e relações de exercício da docência requer atitudes, decisões e ações que
tem implicações éticas.
gênero. Não é necessário que o profissional detenha estes
Em uma das nossas pesquisas sobre dilemas éticos
conhecimentos em nível de especialista em sexualidade
da prática da docência, realizada com 230 professores de
humana, mas deve continuar buscar atualizar tais saberes,
oito instituições de educação superior, constatou‐se que
afim de oferecer uma prática de qualidade em relação à os professores se deparam com uma série de situações
Orientação Sexual. que consideram dilemas éticos e que ocorrem com relativa
Nesta realidade, o desafio proposto ao orientador sexual frequência e tem uma incidência ou impacto sobre suas vidas.
é que, através de seu trabalho, possa propiciar condições
para que os jovens reflitam a respeito de suas sexualidades Competência ética da profissão docente
e possam exercê-las de maneira saudável. Segundo Vitiello
(1997) educar é dar ao educando condições e meios para Competência e profissão são duas categorias que nem
que cresça interiormente. sempre são bem vistas no meio da comunidade pedagógica,
há resistência por uma parte dela, entendendo que elas têm
Fonte um viés ideológico do mundo mercadológico, corporativista.
BRANCO, M. A. O.; PINTO, M. J. C.; VIANNA, a. M. S. A. A competência tende a responsabilizar o sujeito, o educando
Orientação Sexual com Jovens: Construindo um Exercício pelo seu sucesso e fracasso, diminuindo o papel político e
Responsável da Sexualidade. social do processo educativo. Do outro lado, o termo profissão,
atribui o peso ao mundo produtivo, ao trabalho, voltado
mais para uma formação técnica e de instrumentalização.
Contudo, o que se constata é que ambos são hoje cada vez
mais de uso comum.

322
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Nem todo trabalho que é realizado é considerado Ao perguntar para uma pessoa se ela valoriza a
ou qualificado como profissão. As profissões são resultado honestidade, provavelmente ela responderá que sim. Porém,
de uma construção histórica e social, elas são ampliadas, mesmo na hipótese de ela não estar optando por um juízo
são modificadas e podem até desaparecer. Uma profissão moral em razão de sua aceitabilidade social, mesmo na
se caracteriza por alguns critérios, dentre eles padrões de hipótese, portanto, de ela ser sincera, tal juízo não garantiria
desempenho, especialização, identidade e missão central. que, em uma situação na qual a desonestidade trouxesse‐lhe
Nesse sentido poder‐se‐ia então dizer que a profissão alguma vantagem desejada, ela não agisse de forma desonesta.
docente consiste em: ensinar, pesquisar e formar. Nesse caso, ter competência ética é agir, se comportar de
Ao se discutir o que se entende por competência acordo com os princípios, com os valores de forma alinhada.
profissional, naturalmente que está em questão que
profissão, se cada uma se caracteriza por uma determinada Formação ética no processo da profissionalização para o
essência? Mesmo que há similaridades, cada profissão requer exercício de um profissionalismo com ética
competências específicas do profissional. Em síntese e de Considera‐se importante antes de discutir sobre a
uma maneira aligeirada, pode se destacar três níveis básicos: formação ética, esclarecer um pouco as duas categorias:
a) Competência cognitiva, isto é, ter domínio no âmbito profissionalização e profissionalismo, hoje já com certo uso
do conhecimento, ter as informações e conhecimentos em textos que discutem a docência. Há quem faz uma crítica
necessários que envolvem e demandam as profissões. No ao seu uso, que representa mudança de paradigma em relação
caso da docência, ter domínio sobre a área do saber que é ao conceito da docência, deixando o lado da vocação, que trás
objeto da sua docência. uma conotação religiosa, porém, do outro lado há um risco de
b) Competência técnica, é a capacidade da realização, do que acaba perdendo uma dimensão importante, humanística.
fazer as coisas bem feito; não é só saber, mas saber fazer. No caso Numa forma bem simples, profissionalismo, refere‐se à
da docência, podem ser entendidos todos os aspectos didáticos. qualidade do trabalho desenvolvido, ou seja, se o trabalho é
Naturalmente que há profissões que são mais práticas enquanto realizado dentro de padrões de qualidade requerido e não de
outras mais teóricas. Não se está aqui entrando na discussão uma forma amador.
dos conceitos e da questão dicotômica ou unívoca entre teoria e Já profissionalização tem a ver com a formação, com o
prática ou práxis, cuja ação envolve sempre teoria e prática. preparo, seja inicial ou continuado, com a qualificação para
c) Competência ética – O que se entende por competência o exercício de uma profissão, o estudo, a experiência, tudo
ética? Perrenoud (2000), quando trata das competências da aquilo que vem agregar para o exercício de um trabalho com
docência, ele a relaciona entre as dez que aponta, “Enfrentar profissionalismo.
os deveres e os dilemas éticos da profissão”. Se a docência é uma profissão, esta precisa ser aprendida,
Considerando que o foco deste texto é a formação ninguém nasce professor, aprende‐se ao longo do exercício e
ética, dar-se-á um pouco mais atenção a alguns aspectos estudo e, sobretudo, num mundo em constantes mudanças é
implicados. A rigor teria que se discutir mais sobre o que se preciso sempre aprender.
entende por ética, uma vez que esta categoria também nem Quer‐se então destacar a questão ética como um
sempre é usada com um mesmo significado ou conceito. O componente nesse processo da profissionalização, ou seja, da
termo ética acaba sendo muitas vezes focado a partir dos formação ética. Temos ciência de que se trata de um terreno
“lócus” de onde se “olha” e se “fala”: da política, da psicologia, que é bastante movediço, mas, não é por isso que não tenha
da religião, da filosofia etc. importância e não possa ser discutido.
Para Vazquez (1982) a “ética é ciência da moral”, mas, é Pensar na formação ética é considerar sua especificidade,
importante lembrar que a concepção da própria ética pode seu conteúdo, a sua metodologia. Diante disso, quer‐se
ser dimensionada como ética filosófica ou ética científica. chamar a atenção, ao menos, para algumas questões que se
Nesse sentido, Srour lembra, em relação à ética filosófica ou consideram significativos, como critérios básicos do processo
filosofia moral, que esta: “(...) tende a ter um caráter normativo da formação ética.
e de prescrição, ansiosa por estabelecer uma moral universal, No item anterior abordou‐se uma concepção sobre a
cujos princípios eternos deveriam inspirar os homens, competência ética, agora pois, quer‐se discutir como se dá ou de
malgrado as contingências de lugar e de tempo”. Em relação que forma se aprende ser ético? Como ocorre a formação ética?
à ética científica, ele menciona que ela “(...) tende a ter um Levantar‐se‐á duas questões, ou seja, far‐se‐á duas
caráter descritivo e explicativo porque centra sua atenção no considerações básicas em torno desse item, em torno do
conhecimento das regularidades que os fenômenos morais paradigma ou critérios éticos e a metodologia, enquanto
apresentam, malgrado sua diversidade cultural e apesar da processo da formação ética. Essas questões demandariam, a
variedade de seus pressupostos normativos (...)”. rigor, uma longa discussão e análise em torno dos fundamentos
Diante dessas considerações, quer‐se apontar duas da ética e sobre as diferentes concepções em torno dela.
concepções sobre a competência ética: uso do conhecimento Em relação a primeira questão, dos paradigmas, quer‐
com sabedoria, isto é, quando se produz conhecimento e se aqui apenas destacar dois aspectos que parecem ser
este se aplica de forma virtuosa; é saber usar o conhecimento pertinentes: um baseado na razão e outro no sensitivo.
para o bem. Numa outra perspectiva, a competência ética é o a) A razão como único critério ‐ Segundo Felipe, (...)
alinhamento entre princípios, valores morais com a conduta, razão, linguagem, consciência e pensamento têm sido,
com o comportamento que se vive, se age. desde Aristóteles, características essenciais aceitas pela
É comum constatar que há uma distância entre o juízo filosofia moral para estabelecer a linha divisória que define
e a ação. Por exemplo, pesquisas confirmam isso, Segundo quem pertence à comunidade moral e têm direitos morais
Taille e Menin, e quem dela fica excluído (2004).

323
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Ao longo do tempo considerou‐se, basicamente, como Cabanas, (1995), também aceito por Marques (2001),
critério o sujeito humano, como o único parâmetro, isto é, aponta como limites, em especial, da teoria cognitivista, quanto
como quem tem deveres e direitos morais, cujas ações têm à formação moral, o seguinte: em linhas gerais, a educação da
implicações éticas, na dimensão ativa e passiva, isto é, pratica moral é reduzida à formação do juízo moral, desconsiderando
atos morais e é alvo delas. a formação dos sentimentos morais, das atitudes morais e
Nos últimos anos, com o movimento ecológico e ambiental, dos hábitos morais. Em razão de ser formal, não quer inculcar
com o desenvolvimento da bioética, está‐se colocando em princípios morais, nem normas morais e nem promover
questão a razão como único parâmetro, já não responde a tipos de condutas morais. Também, por se apresentar como
atualidade ou às questões bioéticas e ética da ecologia. democrática confia na iniciativa dos educandos.
Assim, aponta‐se o sensitivo. Para Cabanas, é preciso incluir na formação moral o campo
b) Sensitivo como critério ético – Até pouco, o sensitivo, pessoal e o campo social, e, em ambos, superar o que chama
dor e prazer, estavam subordinados à razão. Atualmente, de moral mínima. Nesse sentido, a formação envolve relações
como dito, com as novas preocupações com o ecossistema, interpessoais, através de atividades de compartilhamento, de
com a sustentabilidade, evoca‐se a necessidade da inclusão experiências que exige disciplina, para a formação do caráter.
do sensitivo para medir nossas ações. Na verdade, ele ganhou Em relação à busca da autonomia, avalia que ocorre uma
força no âmbito do utilitarismo contemporâneo, com destaque inversão, passa ser vista como um fim, enquanto ela é um meio,
pela crítica de Peter Singer aos parâmetros morais tradicionais. que pode tanto ser usada para o bem como para o mal. Marques
Dor e prazer eram parâmetros para qualificar ações que lembra que, na visão de Cabanas, (...) vale mais uma moralidade
envolvia o ser humano, ou a espécie humana, quem era capaz heterônoma, numa pessoa capaz de uma boa conduta moral, do
de tomar consciência da dor e do prazer. Singer tese uma que um discurso ético pós-convencional sem correspondência com
crítica ao critério racional, o qualifica como sendo biológico uma conduta reveladora do respeito pelos outros, preocupação
pertencente à espécie humana, em detrimento às outras com o bem-estar dos outros e orientada para o amor.
espécies animais, vivas. Considera que, os animais agem Dessa maneira, ao se discutir uma metodologia, o
segundo suas sensações, dor e prazer, o fato de não termos como formar para o ser, e não apenas para o fazer, não se
medidas claras sobre a mente animal, não nos autorizam entende que exista uma receita que possa ser aplicada e
excluí‐los dos que têm direitos morais passivos. que se terá um resultado certo, no entanto quer‐se chamar a
A inclusão do sensitivo como critério ético implica atenção para dois aspectos e dois níveis que Amoêdo (2007)
numa reeducação, que por certo afeta a economia e valores considera importante no processo da formação ética para
culturais. São questões que demandam novos elementos no qualquer profissional: O fator subjetivo, do próprio sujeito
processo formativo. Mas o que se pretendia nesse momento, em formação, aspectos individuais. Como lembra Amoedo,
é ao menos, chamar a atenção para a questão. quanto aos fatores individuais, estes englobam a percepção
A segunda grande questão implicada no processo que as pessoas têm de si mesmas em seus empregos. Tais
formativo tem a ver com a metodologia, ou seja, como percepções enfocam as exigências das tarefas, as percepções
formar para a ética? Outra vez, não é uma questão simples sobre o papel desempenhado, a disponibilidade de escolha e
que se resolve numa reflexão em uma palestra ou artigo. o interesse pelo trabalho.
Contudo, quer‐se, em síntese, indicar três abordagens, teorias No caso do docente adquirir consciência clara da sua
ou métodos: Formação para as virtudes, desenvolvimento do tarefa, bem como sobre as implicações éticas ao praticá‐la,
juízo moral e formação integral, máxima, antinômica. como, por exemplo, sua relação com seu aluno. Quanto ao seu
No caso da primeira posição, considerada idealista, o papel, que pode ser explícito, que, normalmente, é delineado
processo da educação ética e moral leva em conta e centra seu formalmente, como implícito, de natureza subjetiva.
foco mais na formação do caráter. Por natureza, o ser humano O segundo fator pertinente no processo da formação ético/
está pré-disposto para fazer o bem, mas há deficiências moral do profissional, é o externo, institucional, na dimensão da
naturais que precisam ser corrigidas e aperfeiçoadas. Essa cultura organizacional. Amoêdo chama atenção que:
concepção tem sua matriz em Aristóteles, cuja preocupação Já a cultura, representada pelos valores e pelo estilo operacional,
com a formação está voltada para a formação das virtudes, expressada pela forma de viver, de conversar, de vestir, de definir o
por meio do hábito, para se atingir uma vida feliz, que é o bem. tempo, de comer ou de estabelecer metas para o sucesso, exerce
A segunda concepção, considerada por Cabanas (1995) um potente efeito sobre o que os funcionários identificam como
e Marques (2001) como positivista ou cognitivista, centra sua preocupação de natureza ética e de conduta a ser adotada.
preocupação na formação da moral na reflexão, na consciência
ou cognição. A matriz dessa posição pode ser localizada em Referência:
Sócrates, mas, especialmente, em Kant. Entre os principais SCHULZ, A. Formação ética para o exercício da Docência.
representantes, estão Piaget, Kohl Berg e, atualmente CINFE. Caxias do Sul, 2010.
Habermans. O foco principal do cognitivismo está voltado
para o desenvolvimento da consciência, ou juízo moral. Questões
A terceira posição, teoria antinômica, aqui representada 01. CESPE/2014) Com relação aos deveres do Estado para
por Cabanas e por Marques, cujos textos tecem uma crítica com a educação, de acordo com as disposições da Constituição
às posições anteriores em relação à formação ética – valores Federal de 1988 (CF), julgue os próximos itens. O atendimento
e moral-, sobretudo, Cabanas propõe uma concepção que educacional especializado a portadores de deficiência, será
considera a formação integral, chamada também de moral realizado, preferencialmente, na rede regular de ensino.
máxima, que busca incluir na formação todos os domínios ( ) Certo
e níveis da moralidade e da ética. ( ) Errado

324
CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

02. (CESPE/2014) Com relação aos deveres do Estado (A) se mantém em posições fixas e invariáveis, sendo
para com a educação, de acordo com as disposições da sempre o que doa seu saber ao ignorante.
Constituição Federal de 1988 (CF), julgue os próximos itens. (B) se antagoniza com a figura daquele que tudo sabe
O atendimento gratuito na educação infantil deve ser e que salvará da ignorância os sujeitos oprimidos.
garantido a todas as crianças de zero a cinco anos de idade. (C) desaliena o outro da ignorância e da opressão
( ) Certo político-ideológica.
( ) Errado (D) oprime o educando de forma bancária, seletiva e
excludente.
03. (FCC/2014) Com base na concepção piagetiana de
(E) deposita conhecimentos e valores para a libertação
aprendizagem, conclui-se que cabe ao professor
(A) planejar as atividades intelectivas em conformidade dos educandos.
com o ano escolar dos alunos.
(B) criar situações que estimulem o aluno a pensar, 07. (CESPE/2008) A partir das concepções
pesquisar, estudar e analisar a questão a ele apresentada. pedagógicas, julgue os itens subsequentes.
(C) escolher os conteúdos e organizar materiais As escolas que utilizam o método montessoriano
didáticos de acordo com os diversos interesses dos alunos. são consideradas uma manifestação da concepção liberal
(D) elaborar uma rotina de estudo para que o aluno tradicional.
conquiste sua autonomia de pensamento. ( ) Certo
(E) ensinar primeiramente os conteúdos mais simples ( ) Errado
para gradativamente chegar aos mais complexos.
08. (CESPE/2008) A partir das concepções
04. (FCC/2014) Segundo Paulo Freire, uma das tarefas
essenciais da escola, como centro de produção sistemática pedagógicas, julgue os itens subsequentes.
de conhecimento, é trabalhar criticamente a inteligibilidade A Lei n.º 5.692/1971, que organizou a educação
das coisas e dos fatos e a sua comunicabilidade. brasileira durante um longo período, é uma manifestação
Diante disso, é correto afirmar que a educação deve da tendência liberal tecnicista nas políticas educacionais
(A) propiciar um ensino baseado nas experiências ( ) Certo
científicas das pessoas aprendentes. ( ) Errado
(B) valorizar a sociedade do conhecimento que se
baseia nas ciências humanas. 09. (CONSULPLAN/2014) O currículo tem um
(C) enfrentar o desafio de ensinar informações de forma papel tanto de conservação quanto de transformação e
mnemônica, a fim de conseguir que o aluno compreenda o
construção dos conhecimentos historicamente acumulados.
conhecimento científico.
A perspectiva teórica que trata o currículo como um campo
(D) alicerçar-se nos conhecimentos prévios dos alunos,
para tentar motivá-los a aprender os conhecimentos de disputa e tensões, pois o vê implicado com questões
científicos transmitidos pela escola. ideológicos e de poder, denomina-se
(E) criar as condições para que o educando vá assumindo (A) tecnicista.
o papel de sujeito da produção de sua inteligência do (B) crítica.
mundo. (C) tradicional.
(D) pós-crítica.
05. (FCC/2014) Em objeção a uma escola uniforme,
Howard Gardner afirma que 10. (NUCEPE/2015) Sobre socialização é CORRETO
(A) nem todas as pessoas têm os mesmos interesses e afirmar que é o processo
habilidades; nem todos aprendem da mesma maneira.
(A) de divisão da riqueza social entre os indivíduos em
(B) as habilidades mentais/intelectivas são
uma determinada sociedade.
determinantes para o sucesso profissional de uma pessoa.
(C) sem o desenvolvimento do pensamento lógico- (B) de formação de grupos sociais.
matemático, o ser humano não consegue se desenvolver (C) de constituição de grupos políticos.
integralmente. (D) por meio do qual o indivíduo aprende e interioriza
(D) a inteligência espacial comanda a organização o sistema de valores, de normas e comportamentos de
mental do indivíduo, pois é ela que possibilita a uma determinada cultura, sendo sua condição de classe
compreensão global do mundo. um aspecto decisivo para a garantia de que aconteça.
(E) o professor, para saber se seu aluno é ou não (E) por meio do qual o indivíduo aprende a ser membro
inteligente, pode submetê-lo a testes de aptidão escolar. da sociedade
06. (FUNRIO – 2014) Na concepção de Educação
11. (FCC/2014) Segundo a Lei de Diretrizes e Bases
Bancária de Paulo Freire, a relação professor-aluno é
(LDB nº 9394/96), a educação, dever da família e do Estado,
uma relação que se estabelece a partir da ideia de que
inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de
os educandos são transformados em recipientes a serem
cheios e na qual o educador solidariedade humana, tem por finalidade

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CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

I. o pleno desenvolvimento do educando; seu preparo (A) haverá, quando necessário, serviços de apoio
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o especializado para atender às peculiaridades da clientela
trabalho. e que o atendimento educacional será feito em classes,
II. o desenvolvimento integral das habilidades do escolas ou serviços especializados, sempre que, em função
educando: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender das condições específicas dos alunos, não for possível a
a viver e aprender a ser. sua integração nas classes comuns de ensino regular.
III. o desenvolvimento intelectual do educando e a (B) haverá sempre serviços de especialistas nas escolas
para atendimento da clientela e que o atendimento
maturação gradativa de suas etapas emocionais.
será sempre oferecido nas classes comuns das escolas
Está correto o que se afirma APENAS em
de ensino regular e especializado, em função da
(A) III. obrigatoriedade da lei.
(B) I e II. (C) são desnecessários os serviços de apoio
(C) I especializado nas escolas, mas fora dela os alunos deverão
(D) II e III. frequentar as classes formadas unicamente para melhor
(E) I, II e III. atendê-los em suas necessidades educativas especiais.
(D) estarão disponíveis, sempre que for necessário,
12. (FUNRIO – 2014) Segundo o artigo 24 da Lei de especialistas adequados ao atendimento das
Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394 de 1996, em necessidades educativas especiais e que as classes mistas
seu inciso VI, o controle de frequência dos alunos ficará a serão organizadas em turnos distintos para melhor
cargo da acompanhamento dos casos.
(A) secretaria de ensino municipal, conforme o (E) haverá atendimento prioritário aos alunos com
disposto no seu regimento, e exigida a frequência mínima necessidades educativas especiais por especialistas a
de setenta e cinco por cento do total de horas letivas para serem contratados pelas escolas e que as classes serão
aprovação. organizadas segundo os tipos de transtornos ou deficiências
(B) secretaria de ensino estadual, conforme o disposto os superdotação.
no seu regulamento, e exigida a frequência mínima de
setenta e cinco por cento do total de horas letivas para 15. (VUNESP/2013) A organização do sistema
aprovação. educacional pode ser considerada em três grandes
(C) escola, conforme o disposto no seu regimento e instâncias: o sistema de ensino como tal, as escolas e
nas normas do respectivo sistema de ensino, exigida a as salas de aula. As escolas situam-se entre as políticas
frequência mínima de setenta e cinco por cento do total educacionais, as diretrizes, as formas organizativas do
de horas letivas para aprovação. sistema e as ações pedagógico-didáticas na sala de aula.
(D) escola, conforme o disposto no seu regimento, e Nesse sentido, é correto afirmar que a autonomia da
exigida a frequência mínima de oitenta e cinco por cento escola pública:
(A) é a possibilidade e a capacidade de a escola elaborar
do total de horas letivas para aprovação.
e implementar um projeto políticopedagógico que seja
(E) secretaria de educação básica do MEC, conforme
relevante à comunidade e à sociedade a que serve.
o disposto em regimento federal, e exigida a frequência
(B) é o diretor ter a liberdade para organizar e conduzir
mínima de oitenta e cinco por cento do total de horas
a escola da forma como achar conveniente.
letivas para aprovação. (C) não existe, uma vez que ela sempre deve prestar
contas de suas ações a uma instância superior.
13. (FUNRIO – 2014) Segundo a Lei de Diretrizes e (D) é definida pela ausência de uma relação de
Bases da Educação Nacional 9.394 de 1996, em seu artigo influência mútua entre a sociedade, o sistema de ensino, a
4º, inciso I, a educação básica, obrigatória e gratuita, instituição escolar e os sujeitos.
compreende as faixas etárias dos
(A) quatro aos onze anos de idade. Respostas
(B) cinco aos dezesseis anos de idade.
(C) quatro aos dezessete anos de idade. 01. Certo/ 02. Certo/ 03. B/ 04. E/ 05. A/ 06. A/ 07.
(D) seis aos quatorze anos de idade. Errado/ 08. Certo/ 09. B/ 10. E/ 11. C/ 12. C/ 13. C/ 14.
(E) cinco aos quinze anos de idade. A/ 15. A

14. (FUNRIO – 2014) O artigo 58 da Lei de Diretrizes


e Bases da Educação Nacional 9394, de1996, trata da
educação especial como modalidade de educação escolar
oferecida preferencialmente na rede regular de ensino,
para educandos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, e
define que

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