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N. Gregory Mankiw
Junho de 2006
RESUMO
Este ensaio apresenta uma breve história da macroeconomia, junto com uma avaliação do
que se pôde aprender nas últimas décadas. Baseia-se na premissa de que este campo
evoluiu pelos esforços de dois tipos de macroeconomistas: aqueles que entendem o campo
como um tipo de engenharia e aqueles que o vêem mais como uma ciência. Embora os
primeiros macroeconomistas fossem engenheiros voltados para a solução de problemas
práticos, os macroeconomistas têm, mais recentemente, se centrado em desenvolver um
ferramental analítico e em estabelecer princípios teóricos. Essas ferramentas e princípios,
no entanto, têm-se mostrado lentas para encontrar seu caminho em aplicações. À medida
que o campo da macroeconomia tem evoluído, um tema recorrente é a interação, às vezes
produtiva, às vezes não, entre os cientistas e os engenheiros.
N. Gregory Mankiw
Departamento de Economia
Universidade de Harvard
Cambridge, MA 02138
e NBER
ngmankiw@harvard.edu
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Economistas gostam de posar como cientistas. Sei, porque faço o mesmo com
freqüência. Quando dou aulas para graduandos, descrevo muito conscientemente o campo
da economia como o de uma ciência, de modo que nenhum aluno comece o curso achando
que está embarcando em alguma iniciativa acadêmica meia amorfa. Nossos colegas do
departamento de física do campus acham divertido que os vejamos como primos próximos,
mas somos rápidos em lembrar a qualquer um disposto a ouvir que os economistas
formulam teorias com precisão matemática, coletam enormes conjuntos de dados, tanto
sobre o comportamento individual como agregado, e exploram as técnicas estatísticas mais
sofisticadas para emitir julgamentos empíricos livres de vieses e de ideologias (ou pelo
menos assim imaginamos).
Este ensaio oferece uma breve história da macroeconomia, junto com uma avaliação
do que aprendemos nesse meio tempo. Minha premissa é que o campo deve sua evolução
aos esforços de dois tipos de macroeconomistas: aqueles que entendem o campo como um
tipo de engenharia e aqueles que o vêem mais como uma ciência. Os engenheiros são, em
primeiro lugar e primordialmente, solucionadores de problemas. Em contraste, o objetivo
dos cientistas é entender como o mundo funciona. A ênfase de pesquisa dos
macroeconomistas variou no tempo por entre essas duas motivações. Enquanto os
primeiros macroeconomistas eram engenheiros buscando a solução de problemas práticos,
os macroeconomistas das últimas décadas têm-se mostrado mais interessados em
desenvolver ferramentas analíticas e em estabelecer princípios teóricos. Essas ferramentas
e princípios, no entanto, têm-se mostrado lentas para encontrar seu caminho em aplicações.
À medida que o campo da macroeconomia tem evoluído, um tema recorrente é a interação,
às vezes produtiva, às vezes não, entre os cientistas e os engenheiros. A substancial falta de
conexão entre a ciência e a engenharia da macroeconomia deveria se impor como um
elemento de humildade para todos nós que trabalhamos neste campo.
Para evitar qualquer tipo de confusão, devo dizer logo no início que a história que
vou contar não tem bandidos nem mocinhos. Nem cientistas, nem engenheiros alegam uma
virtude superior. A história também não é uma de pensadores profundos e bombeiros
hidráulicos simplistas. Os professores de ciências tipicamente não são melhores na
resolução de problemas de engenharia do que os professores de engenharia na solução de
problemas científicos. Em ambos os casos, os problemas que se apresentam são difíceis,
tanto quanto intelectualmente instigantes.
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Assim como o mundo necessita tanto de cientistas como de engenheiros, carece de
macroeconomistas de ambos os padrões. Mas eu acredito que a disciplina avançaria com
mais suavidade e com mais frutos se os macroeconomistas tivessem sempre em mente que
o seu campo tem feições duais.
A revolução keynesiana
A Teoria Geral, de John Maynard Keynes, foi o ponto focal das discussões no seio
da profissão sobre como compreender aqueles fenômenos em curso. Todos esses cinco
Prêmios Nobel o confirmam em primeira mão. Tobin relata a seguinte reação da
Universidade de Harvard, onde estudava no final dos anos 30 e início dos 40: “O corpo
sênior da faculdade mostrou-se hostil em sua maioria...Os mais jovens, porém, assim como
os que ensinavam aos graduandos, estavam entusiasmados com o livro de Keynes”. Como
é comum nesses casos, eram os jovens que enxergavam mais longe que os velhos o impacto
das novas idéias. Keynes, juntamente com Marshall, tornou-se o economista mais
freqüentemente citado nas revistas de economia nos anos 30 e foi o segundo mais citado na
década de quarenta, depois de Hicks (Quandt, 1976). Tal influência persistiu por muitos e
muitos anos. Ainda no período de 1966 a 1986, Keynes figurava em 14° lugar em citações,
embora tivesse morrido duas décadas antes de começarem esses anos. (Garfield, 1990)
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multiplicador da política fiscal e o paradoxo da poupança. Samuelson escreveu (na página
253): “Embora grande parte desta análise se deva a um economista inglês, John Maynard
Keynes, ... seus fundamentos amplos estão hoje cada vez mais aceitos por economistas de
todas as escolas de pensamento”.
Tão logo Keynes publicou A Teoria Geral, uma geração de macroeconomistas pôs
mãos à obra para responder a esta questão, transformando sua visão ampla em um modelo
mais simples e mais concreto. Uma das primeiras e mais influentes tentativas foi o modelo
IS-LM proposto por John Hicks, então (1937) com 33 anos de idade. Franco Modigliani,
tratou, aos 26 anos de idade (1944), de ampliar e explicar o modelo de uma forma mais
completa. Até hoje, o modelo IS-LM permanece como a interpretação de Keynes oferecida
nos livros-texto de macroeconomia de nível intermediário mais largamente utilizados.
Alguns críticos keynesianos do modelo IS-LM alegam que este simplifica excessivamente a
visão econômica formulada por Keynes na Teoria Geral. Isso até certo grau pode ser
verdade. A questão toda do modelo era que simplificava uma linha de argumento que seria
difícil de seguir de outra maneira. A linha divisória entre a simplificação e o seu excesso é,
muitas vezes, difícil de identificar.
Embora tais modelos difiram em alguns detalhes, suas similitudes são mais
marcantes do que suas diferenças. Todos têm uma estrutura essencialmente keynesiana.
No fundo da mente de cada construtor de modelo abriga-se o mesmo modelo simples
ensinado hoje aos alunos das faculdades: uma curva IS relacionando as condições
financeiras e a política fiscal aos componentes do PIB, uma curva LM determinando as
taxas de juros como o preço que equilibra a oferta e a demanda de moeda e um tipo de
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curva de Phillips que descreve como o nível de preço responde ao longo do tempo às
variações na economia.
Os novos clássicos
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hoje, poucos adeptos, foi uma primeira precursora dos regimes de metas de inflação
atualmente em voga em tantos bancos centrais espalhados pelo mundo.
∗
(N.T.: A expressão em inglês consta de inúmeros textos da literatura em português, razão por que foi
deixada no original. Refere-se à premissa de que os mercados caminham sempre rumo ao ponto em que a
quantidade ofertada iguala a quantidade demandada e que este equilíbrio se dá via o mecanismo de
preços. Em síntese, que os mercados acabam por eliminar sobras ou excessos.)
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A terceira onda da nova economia clássica foi a das teorias do real ciclo de negócios
de Kydland e Prescott (1982) e Long e Plosser (1983). Assim como as teorias de Friedman
e Lucas, estas se assentavam na hipótese de que os preços se ajustam instantaneamente de
modo a equilibrar e limpar de excessos os mercados – uma diferença radical em relação à
teorização keynesiana. Ao contrário, porém, de seus predecessores novos clássicos, as
teorias do ciclo real de negócios omitiam o papel da política monetária, tanto da não
antecipada como de qualquer outra, na explicação das flutuações econômicas. A ênfase se
deslocava para o papel dos choques aleatórios sobre a tecnologia e da substituição
intertemporal no consumo e no lazer provocada por esses choques.
Como conseqüência dessas três ondas de uma nova economia clássica, o campo da
macroeconomia tornou-se cada vez mais rigoroso e cada vez mais vinculado aos
instrumentos da microeconomia. Os modelos do ciclo real de negócios eram exemplos
específicos e dinâmicos da teoria do equilíbrio geral de Arrow-Debreu. Na verdade, isso
era um dos principais fatores de sua atratividade. Com o passar do tempo, os que
propunham esse tipo de trabalho foram se afastando da hipótese de que o ciclo de negócios
é determinado por forças reais, em oposição às monetárias, e começaram a enfatizar as
contribuições metodológicas desta linha de trabalho. Atualmente, muitos
macroeconomistas originários da nova tradição clássica se contentam em admitir a hipótese
keynesiana de rigidez de preços, desde que essa hipótese esteja embutida em um modelo
adequadamente rigoroso no qual os agentes econômicos sejam racionais e tenham
expectativas futuras. Devido a essa mudança na ênfase, a terminologia evoluiu e esse tipo
de trabalho passou agora a receber o nome de teoria “do equilíbrio geral estocástico
dinâmico”. Mas eu já estou me adiantando na história.
Ao tempo em que as três ondas novo-clássicas começaram a dar na praia, nos anos
1970 e 1980, um dos seus objetivos era o de demolir os velhos modelos macroeconômicos
keynesianos enquanto uma questão de ciência e uma questão de engenharia. Em seu artigo
“Depois da Macroeconomia Keynesiana”, Sargent e Lucas (1979) escreveram: “Para uso
em política, o fato central é que as recomendações keynesianas não possuem embasamento
mais sólido, num sentido científico, do que as recomendações dos economistas não-
keynesianos ou, para tal propósito, do que as dos não-economistas”. Embora Sargent e
Lucas considerassem que a engenharia keynesiana se baseava em uma ciência deficiente,
sabiam que a nova escola clássica não dispunha ainda (em torno de 1979) de um modelo
pronto que se pudesse transladar a Washington: “Julgamos os melhores modelos de
equilíbrio atualmente existentes como protótipos de futuros modelos mais aprimorados, os
quais irão, e assim esperamos, mostrar-se como de uso prático na formulação de políticas”.
Conjeturavam também que tais modelos estariam disponíveis “com sorte, em dez anos”.
Mais tarde, voltarei à questão se essa perspectiva se concretizou conforme eles esperavam.
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começa a cochichar e a rir baixinho um para o outro.” E, no entanto, naquele mesmo
momento em que Lucas escrevia alegremente o elogio fúnebre da economia keynesiana, a
profissão estava às vésperas de saudar uma geração de “neokeynesianos”.
Os neokeynesianos
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mercados correlatos. De acordo com essas teorias, a economia pode-se encontrar em um
entre vários regimes, dependendo de quais mercados estão experimentando excesso de
oferta e quais experimentando excesso de demanda. O regime mais interessante – no
sentido de melhor corresponder ao que observamos nos períodos de retração da economia –
é o assim chamado regime “keynesiano”, no qual tanto o mercado de bens como o mercado
de trabalho exibem excesso de oferta. No regime keynesiano, o desemprego cresce porque
a demanda de mão-de-obra está baixa demais para assegurar o pleno emprego ao nível
vigente dos salários; a demanda de mão-de-obra está baixa porque as empresas não
conseguem vender tudo o que desejam aos preços vigentes; e a demanda pela produção das
empresas é inadequada porque os fregueses estão desempregados. Recessões e depressões
resultam de um círculo vicioso de demanda insuficiente e um estímulo à demanda pode ter
efeitos multiplicadores.
∗
(N.T.: Custos de menu são custos para empresas decorrentes da atualização de suas listas de preços,
catálogos e outros materiais que surgem quando os preços variam em uma economia. São, em verdade,
custos de transação, e as empresas resistem, por vezes, a alterá-los, levando a uma certa rigidez dos preços. O
autor, Greg Mankiw, tem um conhecido artigo publicado a respeito e parece nutrir uma preferência por essa
terminologia.)
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para se evitar mudanças nos preços relativos exacerbaria a lentidão de resposta dos preços
nominais.
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Stanley Fischer, Larry Summers, Joseph Stiglitz, Janet Yellen, John Taylor, Richard
Clarida, Ben Bernanke e eu mesmo. Desses economistas, os primeiros quatro vieram para
Washington nos anos Clinton e os últimos quatro na era Bush. A divisão dos economistas
entre os novos clássicos e os neokeynesianos não é, fundamentalmente, uma divisão entre a
esquerda e a direita. Num grau bem maior, é uma separação entre cientistas puros e
engenheiros econômicos.
Digressão e vitríolo
Existe ainda uma quarta razão, um pouco mais complicada, pela qual os
macroeconomistas que desabrochavam profissionalmente nos anos 1990 se sentiram mais
atraídos pelo estudo do crescimento de longo prazo do que pelas flutuações de curto prazo:
a tensão entre as perspectivas de mundo dos novos clássicos e dos neokeynesianos.
Enquanto Lucas, o economista líder dos novos clássicos, proclamava que “as pessoas já não
levavam mais a sério a teorização keynesiana”, proeminentes keynesianos assumiam
igualmente postura paternalista para com seus colegas novos clássicos. Em seu Discurso
Presidencial na AEA, Solow (1980) classificou de “estupidamente restritiva” a atitude dos
economistas novos clássicos de descartar a priori a existência de rigidez nos salários e nos
preços e a possibilidade de que os mercados não consigam eliminar seus excedentes. Ele
assim se pronunciou: “Lembro de ter lido uma vez que ainda não se compreendia como a
girafa conseguia bombear um volume de sangue adequado até o topo de sua cabeça; mas é
difícil imaginar que alguém concluísse a partir daí, que as girafas não têm pescoço
comprido”.
Numa entrevista com Arjo Klamer (1984), alguns anos mais tarde, Lucas observou:
“Não acho que Solow, em particular, tenha alguma vez tentado tratar dessas questões,
exceto fazendo piadas”. Na sua própria entrevista, no mesmo volume, Solow explicou sua
recusa em partir para o enfrentamento com os novos economistas clássicos: “Suponha que
alguém se sente exatamente onde você está sentado agora e anuncia que é Napoleão
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Bonaparte. A última coisa que eu vou querer com essa pessoa é entrar numa discussão
técnica sobre a tática de cavalaria na Batalha de Austerlitz. Se eu fizer isso, estarei
tacitamente aceitando o jogo de que ela é Napoleão Bonaparte.”
Numa certa medida, essa disputa reflete as diferentes óticas dos protagonistas
quanto ao objetivo do campo de estudo. Lucas parece queixar-se de que Solow atribui
pouco valor ao maior rigor analítico que a nova macroeconomia clássica apresenta. Solow,
por seu turno, parece queixar-se de que Lucas não considera a patente falta de realidade de
suas hipóteses de mercados que se equilibram. Ambos têm razão. Do ponto de vista da
ciência, o maior rigor apresentados pelos novos clássicos é muito atrativo. Mas, do ponto
de vista da engenharia, o custo deste rigor adicional parece excessivo.
Eu estou abordando a natureza deste debate, não apenas porque ele reflete a tensão
subjacente entre cientistas e engenheiros, mas também porque ajuda a explicar as escolhas
feitas pela geração seguinte de economistas. Este vitríolo entre gigantes intelectuais atrai a
atenção (de uma forma muito parecida a dos freqüentadores de bar diante de uma luta de
box, quando ficam instigando os participantes). Mas não se mostrou saudável para o
campo da macroeconomia. Não surpreende que muitos jovens economistas tenham
escolhido evitar alinhar-se com algum dos lados nessa disputa, focando sua atenção em
outros tópicos que não as flutuações econômicas.
Um velho adágio diz que a ciência progride a cada funeral. Hoje, com os benefícios
de uma expectativa de vida mais longa, seria mais correto (ainda que menos expressivo)
dizer que a ciência progride a cada aposentadoria. Na macroeconomia, à medida que a
geração mais antiga de protagonistas se aposentou ou caminhou para a aposentadoria,
houve uma substituição por uma geração mais jovem de economistas, a qual adotou um
padrão de maior civilidade. Ao mesmo tempo, um novo consenso surgiu quanto ao melhor
meio de compreender as flutuações econômicas. Marvin Goodfriend e Robert King (1997)
batizaram esse consenso de “a nova síntese neoclássica”. Este modelo de síntese tem sido
largamente aplicado na pesquisa de políticas monetárias (Clarida, Gali e Gertler, 1999, e
McCallum e Nelson, 1999). O tratamento mais extensivo desta nova síntese é o
monumental (em ambos os sentidos da palavra) tratado de Michael Woodford (2003).
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Descrever o surgimento deste consenso como um grande progresso é uma idéia
tentadora. E, em algumas das questões, foi assim mesmo. Mas há também uma maneira
menos otimista de encarar o estado atual da arte. O que talvez tenha ocorrido não tenha
sido tanto uma síntese, mas uma trégua entre combatentes intelectuais, seguida de uma
retirada para salvar as aparências de ambos os lados. Tanto os novos clássicos como os
neokeynesianos podem olhar para esta nova síntese e clamar vitória e, ao mesmo tempo
ignorar a derrota mais profunda que jaz sob a superfície.
A alma desta nova síntese – um sistema de equilíbrio geral dinâmico com rigidezes
nominais – é precisamente o que se encontra nos primeiros modelos keynesianos. Hicks,
por exemplo, propôs um modelo IS-LM numa tentativa de encaixar as idéias de Keynes em
um cenário de equilíbrio geral. (Recorde-se que Hicks ganhou o Prêmio Nobel de 1972,
juntamente com Kenneth Arrow, pelas contribuições à teoria do equilíbrio geral.) Klein,
Modigliani e os outros construtores de modelos buscavam trazer aquele sistema de
equilíbrio geral para os dados de modo a terem em mãos uma política mais aperfeiçoada.
Em grande medida, a nova síntese retoma a agenda de investigações e pesquisas
abandonada pela profissão nos anos setenta, sob a pressão dos novos clássicos.
Tendo o benefício, hoje, de uma visão retrospectiva, fica claro que os novos
economistas clássicos prometeram mais do que poderiam entregar. Seu objetivo declarado
era descartar a teorização keynesiana e substituí-la por modelos de “market clearing”,
aplicados aos dados de maneira convincente e, assim, utilizados para análise e
recomendações de política. Por esse critério, o movimento fracassou. Por outro lado,
ajudou a desenvolver ferramentas analíticas que agora estão sendo usadas para desenvolver
outra geração de modelos, os quais pressupõem rigidez de preços e, em vários aspectos,
assemelham-se aos modelos contra os quais investiam os novos clássicos.
Se Deus pôs os economistas na terra para resolver problemas práticos, então São
Pedro nos julgará, em última instância, pelas nossas contribuições à engenharia econômica.
Cabe, portanto, a pergunta: a evolução da teoria do ciclo de negócios nas últimas décadas
melhorou a concepção da política econômica? Ou, traçando uma meta mais modesta, os
avanços na ciência macroeconômica alteraram o modo como a política econômica é
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analisada e discutida pelos economistas profissionais envolvidos no processo de formulação
de políticas?
O livro deixa o leitor com uma impressão muito clara: os desenvolvimentos recentes
da teoria do ciclo de negócios, sancionados tanto pelos novos clássicos como pelos
neokeynesianos, tiveram impacto próximo a zero na formulação prática de políticas. A
análise de Meyer das flutuações econômicas e da política monetária é inteligente e
nuançada, mas não guarda qualquer traço da teoria macroeconômica moderna. Pode
parecer muitíssimo familiar a alguém que tenha sido instruído na síntese neoclássica-
keynesiana, prevalecente em torno de 1970, e que tenha ignorado a literatura acadêmica
desde então. Se fosse idiossincrática, a visão de mundo de Meyer poderia ser facilmente
descartada, mas não é. Ao contrário, é típica dos economistas com posições de mando nos
bancos centrais espalhados pelo mundo.
É moda entre os acadêmicos acreditar que a instituição banco central tem sido
fortemente influenciada pela literatura “rules-vs-discretion”∗, em particular pelos trabalhos
sobre inconsistência temporal que começaram com Kydland e Prescott (1977). Duas
mudanças institucionais são, com freqüência, relacionadas a aquelas contribuições
acadêmicas: a crescente independência dos bancos centrais (em países como, por exemplo,
a Nova Zelândia) e a adoção de metas de inflação como um regime de política de muitos
bancos centrais. Essas mudanças institucionais são consideradas, então, como vinculadas a
aperfeiçoamentos na política monetária. Segundo essa linha de argumentação, deveríamos
agradecer a Kydland e Prescott pela inflação baixa e estável de que desfrutaram tantos
países ao longo das duas últimas décadas.
∗
(N.T.: O termo é mantido em inglês na literatura corrente. Refere-se à postura dos agentes responsáveis por
políticas públicas, quando seguem determinadas regras preestabelecidas de procedimento face a eventos [por
exemplo, ajuda em casos de calamidade pública] ou, alternativamente, dispõem de suficiente margem,
discricionária, para conceber a melhor resposta de política diante de determinadas circunstâncias.)
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O segundo e mais importante problema é que essas mudanças institucionais não
estão necessariamente vinculadas aos aperfeiçoamentos verificados na política monetária.
Laurence Vall e Niamh Sheridan (2005) estudaram uma amostra ampla de países e
demonstraram que a adoção de metas de inflação não ajuda a explicar a tendência recente
de inflação baixa e estável. A política monetária melhorou naqueles países que adotaram
metas de inflação, como também nos que não as adotaram. Essa melhora em escala
mundial dos resultados da inflação pode ter ocorrido porque a economia mundial não se viu
às voltas com choques de oferta tão adversos quanto aqueles vividos nos anos 1970 ou
porque os banqueiros centrais aprenderam com a experiência daqueles anos que uma
inflação elevada deveria ser evitada com persistência. Mas as evidências indicam que
metas de inflação não se constituem em si num pré-requisito para uma boa política
monetária.
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A análise econômica do plano tributário de Bush foi feita com um olho no
crescimento de longo prazo e outro no ciclo de negócios do curto prazo. A perspectiva de
longo prazo poderia parecer familiar aos estudantes de finanças públicas. Mais
significativa foi a proposta de Bush em 2003 de eliminar a dupla tributação da renda e do
capital das empresas. O projeto finalmente aprovado pelo Congresso não atendia
plenamente a esse objetivo, mas o corte substancial nas alíquotas sobre dividendos
apontava na direção de uma maior neutralidade tributária. Ele reduziu o viés em favor de
lucros retidos sobre dividendos, o viés em favor do endividamento sobre o financiamento
com capital próprio e o viés em favor de capital de fora da empresa sobre o capital da
empresa. Modificou também o código tributário na direção da taxação do consumo em vez
da renda. Este último objetivo é consistente com a literatura bem estabelecida de finanças
públicas (ver, por exemplo, Diamond e Mirrlees, 1971; Atkinson e Stiglitz, 1976; Feldstein,
1978; Chamley, 1986) e não representa particularmente nada de novo em termos de teoria
econômica. Três décadas antes, Atkinson e Stiglitz já haviam observado que existia “uma
presunção convencional em favor da tributação do consumo de preferência à tributação da
renda”.
Mais relevante para este ensaio, contudo, é a análise de curto prazo da política
tributária. Quando o Presidente George W. Bush assumiu, em 2001, a economia estava a
caminho de uma recessão após o estouro da bolha da bolsa de valores no final dos anos
1990. Um objetivo dos cortes nos impostos era o de estimular a recuperação econômica e o
emprego. Quando o Presidente Bush assinou o Ato de Reconciliação do Alívio Tributário,
Crescimento e Emprego de 2003 justificou a política da seguinte forma: ”Quando as
pessoas dispõem de mais dinheiro, elas o gastam em bens e serviços. E, em nossa
sociedade, quando demandam um bem ou serviço adicional, haverá quem produza este bem
ou serviço. E quando alguém produz aquele bem ou serviço, significa que alguém conta
com maior probabilidade de achar um emprego”. Tal lógica é, em sua quinta-essência,
keynesiana.
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Na sala de aula
Além dos corredores do poder nas capitais mundiais, há outro local onde a profissão
de economista tenta vender sua mercadoria para um público maior: as salas de aula das
faculdades. Aqueles dentre nós que dão regularmente aulas para graduandos encaram o
nosso trabalho como produtor de cidadãos que estejam bem informados acerca dos
princípios da boa política. Nossa escolha do material é guiada pelo que julgamos como
importante para a compreensão da próxima geração de eleitores.
Não pretendo sugerir que a pedagogia tenha estagnado apesar da evolução do campo
de estudo. Os livros-texto de hoje atribuem ênfase maior à teoria monetária clássica, aos
modelos de crescimento de longo prazo e ao papel das expectativas do que o faziam
aqueles de trinta anos atrás. Há menos confiança e crença no que pode ser alcançado pelas
políticas e maior ênfase em regras de política do que em ações discricionárias de caráter
monetário e fiscal (a despeito da falta de evidência da importância prática de regras de
política). Mas, o arcabouço básico que os estudantes de hoje aprendem para se
familiarizarem com o ciclo de negócios é o mesmo com os quais privava a primeira geração
de keynesianos.
A exceção que confirma a regra é o texto de nível intermediário escrito por Robert
Barro e publicado pela primeira vez em 1984. O livro de Barro fornecia uma introdução
clara e acessível à abordagem da macroeconomia, sob a ótica dos novos clássicos, voltada
para estudantes de faculdade. Incluía também modelos keynesianos, mas estes eram
tratados numa parte posterior do livro, brevemente e com pouca ênfase. Quando o livro
saiu do prelo, recebeu substancial atenção e considerável aclamação. No entanto, embora
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muitos macroeconomistas tivessem lido o livro de Barro e ficado impressionados com ele,
foi muito menor o número dos que o indicaram para seus alunos. A nova revolução
clássica na pedagogia da economia da qual Barro esperava ser a fonte inspiradora nunca
decolou e o texto de Barro não chegou a ser um concorrente significativo dos livros-texto
predominantes em sua época.
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macroeconomia enquanto ciência e engenharia podemos assinalar o recente surgimento de
uma nova síntese como um sinal de esperança de que mais progressos poderão ocorrer em
ambas as frentes. Ao olhar para frente, visualizamos os ideais de humildade e competência
a que os macroeconomistas podem aspirar.
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