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Editorial

Caros Colegas,
Temos a satisfação de encaminhar à comunida-
de veterinária mineira, o último Cadernos Técnicos
de 2012, o volume 67.
A Escola de Veterinária e o Conselho Regional
de Medicina Veterinária Minas Gerias, com satisfa-
ção, veem consolidada a parceria e compromisso en-
tre as duas instituições com relação à educação con-
tinuada da comunidade dos Médicos Veterinários e
Zootecnistas de Minas Gerais.
O presente número aborda, de forma objetiva, a
temática sobre Bem-Estar Animal, considerando-a
atual e da maior relevância, pela sua inserção na vida
moderna, no contexto da interação homem, animal
e ambiente. Esta interação é imprescindível para
que a sociedade possa desfrutar, de forma responsá-
vel e harmônica, de todas as ações necessárias para
assegurar, com equilíbrio, uma produção animal
que atenda as demandas da sociedade consonantes
com a ética que deve permear as ações técnicas ine-
rentes à produção animal.
Com este número do Cadernos Técnicos espe-
ramos contribuir tanto para a conscientização quan-
to para a informação aos colegas, auxiliando para
que possam construir as melhores opções de mane-
Universidade Federal
de Minas Gerais jo de animais no contexto em que estão inseridos.
Escola de Veterinária Portanto, parabéns à comunidade de leitores
Fundação de Estudo e Pesquisa em que utilizam o Cadernos Técnicos para aprofun-
Medicina Veterinária e Zootecnia
- FEPMVZ Editora dar seu conhecimento e entendimento sobre o
Conselho Regional de
Bem-Estar Animal, em benefício dos animais e da
Medicina Veterinária do sociedade.
Estado de Minas Gerais
- CRMV-MG
Prof. Antonio de Pinho Marques Junior
www.vet.ufmg.br/editora Editor-Chefe do Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia (ABMVZ)
Prof. José Aurélio Garcia Bergmann
Correspondência: Diretor da Escola de Veterinária da UFMG
FEPMVZ Editora
Caixa Postal 567 Prof. Marcos Bryan Heinemann
30123-970 - Belo Horizonte - MG Editor do Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia
Telefone: (31) 3409-2042
E-mail: editora.vet.ufmg@gmail.com
Prof. Nivaldo da Silva
CRMV-MG nº 0747 – Presidente do CRMV-MG

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Conselho Regional de Medicina
Veterinária do Estado de Minas
Gerais - CRMV-MG
Presidente:
Prof. Nivaldo da Silva

E-mail:
crmvmg@crmvmg.org.br

CADERNOS TÉCNICOS DE
VETERINÁRIA E ZOOTECNIA
Edição da FEPMVZ Editora em convênio com o CRMV-MG
Fundação de Estudo e Pesquisa em Medicina Veterinária e
Zootecnia - FEPMVZ

Editor da FEPMVZ Editora:


Prof. Antônio de Pinho Marques Junior

Editor do Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia:


Prof. Marcos Bryan Heinemann

Editora convidada para edição 67:


Simone Koprowski Garcia

Revisora autônoma:
Ângela Mara Leite Drumond

Tiragem desta edição:


9.100 exemplares

Layout e editoração:
Soluções Criativas em Comunicação Ldta.

Fotos da capa:
bigstockphoto.com

Impressão:
Imprensa Universitária

Permite-se a reprodução total ou parcial,


sem consulta prévia, desde que seja citada a fonte.

Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia. (Cadernos Técnicos da Escola de Veterinária da UFMG)

N.1- 1986 - Belo Horizonte, Centro de Extensão da Escola deVeterinária da UFMG, 1986-1998.

N.24-28 1998-1999 - Belo Horizonte, Fundação de Ensino e Pesquisa em Medicina Veterinária e Zootecnia, FEP
MVZ Editora, 1998-1999

v. ilustr. 23cm

N.29- 1999- Belo Horizonte, Fundação de Ensino e Pesquisa em Medicina Veterinária e Zootecnia, FEP MVZ
Editora, 1999¬Periodicidade irregular.

1.Medicina Veterinária - Periódicos. 2. Produção Animal - Periódicos. 3. Produtos de Origem Animal, Tecnologia
e Inspeção - Periódicos. 4. Extensão Rural - Periódicos.

I. FEP MVZ Editora, ed.

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Prefácio
Um dos desafios mais recentes enfrentados por docentes
e pesquisadores tem sido inserir os novos conceitos da ciên-
cia do Bem-Estar Animal (BEA), com uma abordagem críti-
ca, e também prática, em seus trabalhos e na formação acadê-
mica e profissional de Médicos Veterinários e Zootecnistas.
Neste volume, estão reunidas revisões críticas de pes-
quisadores e pós-graduandos, abordando temas tão variados
quanto os interesses pessoais de cada um deles: utilização de
animais para fins didáticos e científicos, métodos de avaliação
objetiva do BEA, dor e analgesia na clínica veterinária, alter-
nativas ao manejo de animais de produção em confinamento
total, implicações mercadológicas sobre produtos de origem
animal, formas de enriquecimento ambiental nas instalações
e no manejo de animais em cativeiro e outros temas atuais
relacionados ao BEA.
A qualidade e atualidade deste material caracterizam-se
em uma valiosa fonte de consulta, em português, que, até
agora, ainda é escassa para estudantes e profissionais que bus-
cam a educação continuada e atualização de conhecimentos
e para a comunidade em geral, pois são assuntos relacionados
ao nosso cotidiano enquanto proprietários de animais de es-
timação, usuários da força de trabalho de algumas espécies,
público para animais em parques e zoológicos e consumido-
res dos produtos de origem animal.
Espera-se atender a esses recentes questionamentos da
sociedade em torno das relações dos seres humanos com
os outros animais, de forma sempre objetiva, com base no
conhecimento técnico e científico atual. Em breve, com um
novo contingente de profissionais com formação em Bem-
Estar Animal, espera-se contribuir para melhorar a saúde e
a qualidade de vida dos animais domésticos e silvestres, e do
próprio homem.

Seleção e Revisão dos textos:


Profª Simone Koprowski Garcia
Prof. Rafael Resende Faleiros
Prof. Luiz Alberto do Lago

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Sumário

1. Comportamento animal: uma visão geral....................................................9


Paulo Eduardo Machado Gonçalves; Venício José de Andrade
A Etologia descreve e analisa o comportamento, que é um dos recursos de
adaptação desenvolvidos pelos animais em resposta aos desafios do ambiente.
2. Utilização de animais no ensino e na pesquisa.......................................... 14
Raul Fernando Silva Molano
Reduzir o número, refinar metodologias e desenvolver alternativas para o uso
de animais no ensino e na pesquisa é uma forte tendência mundial.
3. A vivissecção e o uso de animais no ensino................................................ 21
Rafael Resende Faleiros; Lílian de Rezende Jordão
Ao longo da História, não apenas as técnicas evoluíram, mas também a
referência ética que norteia o procedimento de vivissecção no ensino da
Veterinária
4. Experimentação Animal no Brasil: análise crítica da
legislação pertinente.................................................................................. 33
Heloísa Maria Falcão Mendes; Rafael Resende Faleiros
O que diz a Lei 11.794, de 2008, a “Lei Arouca”, sobre o uso de animais na
experimentação científica?
5. Bem-estar de cães e gatos........................................................................... 42
Renata Maria Albergaria Amaral
Domesticados há milênios, cães e gatos mantém seus instintos e comportamento
naturais, apesar do antropomorfismo e da posse irresponsável.
6. Bem-estar de equinos durante o transporte e eventos equestres ............. 51
Haroldo Vargas Leal Júnior
Exposições e campeonatos fazem parte do valioso negócio de equinos, mas
alguns cuidados no transporte e manejo dos animais evitam o estresse e as
lesões.
7. Bem-estar dos animais de trabalho ........................................................... 62
Baity Boock Leal; Rafael Resende Faleiros
Equinos e bovinos usados para a lida, tração ou transporte de cargas devem ser
treinados, alimentados e manejados para isso, respeitando-se seus limites.

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8. Bem-estar Animal na cunicultura intensiva .............................................. 70
Matheus Anchieta Ramirez; Walter Motta Ferreira
No Brasil, a carne de coelhos atende a nichos de mercado, mas, como toda
criação intensiva, deve-se adotar boas práticas para a manutenção do Bem-
estar Animal.
9. Enriquecimento ambiental: conceitos básicos e
considerações relevantes ........................................................................... 80
Marcela Peixoto Roscoe; Geraldo Eleno Silveira Alves
Estímulos ambientais físicos, sociais e sensoriais são necessários para animais
silvestres ou domésticos em cativeiro, pois aumentam seu Bem-estar.
10. Bem-estar e Enriquecimento Ambiental para gatos domésticos .............. 92
Fabíola Bono Fukushima; Christina Malm
O comportamento solitário e investigativo muito peculiar dos gatos determina
as formas de enriquecimento de seus ambientes em nossa casa.
11. Aspectos de comportamento e Bem-estar Animal durante a
doma de equinos ...................................................................................... 102
Anamaria Santos Soares
Monty Roberts e os “encantadores de cavalos” usam princípios de linguagem
corporal para a doma gentil, explorando a inteligência e sensibilidade dos
animais.
12. “Boas Práticas” para o Bem-estar Animal na avicultura e suinocultura
industriais ................................................................................................ 113
Simone Koprowski Garcia; Leonardo José Camargos Lara
Aves e suínos são criados intensivamente em confinamento total, sendo o
principal objeto de estudos sobre o Bem-Estar de animais de produção.
13. Comportamento e Bem-estar de bezerros na bovinocultura leiteira....... 135
Sandra Gesteira Coelho; Ana Paula Saldanha Franzoni
O potencial dos animais pode ser explorado com mais eficiência se seu
comportamento e necessidades forem atendidos nos sistemas de produção.
14. Bem-estar Animal e o mercado ................................................................. 152
Gustavo Henrique Ferreira Abreu Moreira
O custo da adoção de boas práticas para o Bem-estar de animais de produção
se reflete no aumento da produtividade e da qualidade dos produtos.

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Comportamento
animal: uma visão geral
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Paulo Eduardo Machado Gonçalves1* - CRMV-MG: 7272
Venício José de Andrade2 - CRMV-MG: 0321
1
Doutor em Zootecnia pela EV-UFMG. paulo@veterinarioonline.com.br
2
Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais
*Autor para correspondência: vejoan@vet.ufmg.br

Introdução oferecer a melhor nutrição a um animal


e ele não responder à altura, uma vez
A ciência animal tem se desenvolvi-
que a alimentação pode estar sendo for-
do num ritmo espantoso, principalmen-
necida em horários impróprios, em ins-
te em áreas restritas, como nutrição, me-
talações inadequadas, com temperatura
lhoramento, reprodução, etc. Verifica-se
e localização incorretas, além da inob-
que é raro uma área conseguir acompa-
servância de outros fatores de manejo
nhar o desenvolvimento de outra, uma
vez que as pesquisas ultrapassam rapi- ainda desconhecidos, visando adequar
damente as informações antes que estas as necessidades do fazendeiro ou da fa-
cheguem ao usuário final. zenda, e não as necessidades do animal.
Para ilustrar tal situação, imagine o Pesquisas visando ao aumento de
que está ocorrendo com animais que produção têm deixado de lado uma vi-
vêm há anos se adaptando normalmen- são mecanicista dos animais, em que
te por processos de seleção natural e so- estes são manipulados como seres inani-
frem grandes agressões provocadas por mados. Um novo seguimento com pre-
mudanças radicais nos sistemas de pro- ocupação na biologia animal vem sur-
dução impostos pelo homem. gindo, porém ainda com entendimento
Seguindo esse raciocínio, pesquisas limitado devido à falta de pesquisas di-
na área do comportamento animal de- recionadas a esse ramo de atividade.
vem ser desenvolvidas, pois é possível Para atender ao mercado, que é um
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dos pontos-chave da cadeia de produ- Os etólogos estudam esses padrões
ção, com produtos de alta qualidade, de comportamento específicos das es-
seguros, nutritivos, saborosos e também pécies, fazendo-o preferencialmente no
atender a compromissos sociais e ques- ambiente natural. Isso porque acredi-
tões ambientais, a cadeia tem se rees- tam que detalhes importantes do com-
truturado visando ao bem-estar animal portamento só podem ser observados
e humano sem perder o foco na lucra- durante o contato estreito e continuado
tividade. Porém tem enfrentado muitas com espécies particulares que se encon-
barreiras socioculturais e técnicas, que, tram livres no seu ambiente, devido,
com o tempo, serão superadas após uma principalmente, à interação de animal e
melhor compreensão da biologia ani- ambiente, e que vem sendo prejudicada
mal, incluindo seu temperamento e suas pelos novos sistemas de produção que
interações com o homem e o meio am- priorizam comodidade para o homem
biente ao qual está sendo inserido. e alta densidade de animal por área, vi-
O objetivo desta revisão é demons- sando maior lucratividade, muitas vezes
trar a importância dos conhecimentos não alcançada por não proporcionar o
comportamentais básicos na escala fi- bem-estar animal2.
logenética dos organismos para melhor
compreensão do bem-estar animal. Estudo Comportamental
Atualmente, a caracterização de
Revisão da literatura comportamento passa a ser mais com-
A Etologia, disciplina que estuda o plexa a partir de novas descobertas que
comportamento animal, originou-se a estão sendo incorporadas à definição bá-
partir da Zoologia. Influenciada pela te- sica, que considerava o comportamento
oria darwiniana, está ligada aos nomes como “qualquer movimento executado
de Konrad Lorenz e Niko Tinbergen, por um dado organismo”. Já a nova defi-
que julgavam insuficiente a teoria dos nição leva em conta a influência de sons,
Reflexos e do Behaviorismo para ex- cores e recentemente odores, como os
plicar o comportamento animal, tendo feromônios, pois estes têm forte influ-
como uma de suas preocupações bási- ência em certas atitudes animais. Assim,
cas a evolução do comportamento atra- define-se como toda resposta muscular
vés do processo de seleção natural. ou secretora observada por mudanças
Segundo Darwin (1850), citado por no ambiente interno ou externo dos
Bowlby1, cada espécie é dotada de um re- animais2,3.
pertório de padrões de comportamento Os etólogos caracterizam-se por
que lhe é peculiar, da mesma forma que é uma posição metodológica que gira em
dotada de suas peculiaridades anatômicas. torno das quatro questões de Tinbergen,
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que, em 1963, propôs que, em primei- de o nascimento. Sendo produtos da
ro lugar, deve-se observar e descrever o evolução, conferem valor adaptativo
comportamento e, posteriormente, de- para eventos do ambiente com alta
ve-se estudar esse comportamento com previsibilidade; enfim, são produtos
base nas análises causal, ontogenética, da herança genética.
filogenética e funcional4. Por último, a análise funcional es-
A análise causal é feita através do es- tabelece uma relação entre um deter-
tabelecimento de uma relação entre um minado comportamento e mudanças
determinado comportamento com uma que ocorrem no ambiente circundan-
condição antecedente, sendo estudados te ou dentro do próprio indivíduo. O
os estímulos externos responsáveis pelo comportamento se caracteriza como
comportamento e os mecanismos mo- um fenótipo, produto da ação de genes
tivacionais internos. Pode-se dizer que e do ambiente, além da interação entre
esse é o tipo de com- ambos. Assim, há forte
portamento aprendido; Tinbergen propôs influência das condi-
nessa condição há o de- que deve-se observar ções ecológicas, sendo o
senvolvimento de ajus-
e descrever o próprio animal um fator
tes de caráter individual,
comportamento importante na definição
devido a produtos de
e, posteriormente, dessas condições, visto
deve-se estudar esse que ele próprio provoca
experiências pelas quais
comportamento com alterações importantes
o individuo passa no de-
base nas análises causal, no ambiente.
correr de sua vida.
ontogenética, filogenética O estudo atual do
A análise ontogené-
e funcional. comportamento ani-
tica envolve uma rela-
ção do comportamento mal visa racionalizar
com o tempo, estando o interesse vol- os métodos de criação com melhorias
tado para o processo de diferenciação no manejo, alimentação e instalações,
e de integração dos padrões comporta- proporcionando condições favoráveis
mentais no curso do desenvolvimento aos animais, visando ao bem-estar e de-
de um indivíduo jovem, e que pode ser sempenho animal, principalmente em
bem caracterizado como habilidades sistemas intensivos de produção. Para
para aprender. que esse processo de racionalização se
A análise filogenética, por sua vez, estabeleça sistematicamente e sem con-
estuda a história do comportamento turbações, o processo de tentativa e erro
no curso da evolução da espécie; tais muitas vezes utilizado indiscriminada-
comportamentos são definidos como mente deve ser abandonado, e conheci-
inatos, potencialmente presentes des- mentos particulares do sistema nervoso
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e sensorial da determinada espécie ani- O comportamento, nos mamíferos
mal a ser trabalhada devem ser tomados ou organismos superiores, não é tão li-
como um rumo nas melhorias de mane- mitado pelo estímulo externo; uma boa
jo, bem como nas próximas pesquisas. parte dele se origina dentro do organis-
mo, com base em experiências anterio-
Sistema Nervoso res e boa parte pode ser guiada por pro-
O comportamento animal está in- cessos simbólicos de aprendizado, que
timamente ligado ao processo de cefa- vão desde um petisco para determinar
lização contínua, o enorme desenvol- um comando para um cão até processos
vimento dos hemisférios cerebrais e mais complexos, como a linguagem no
particularmente o córtex, proporcio- homem.
nando um aumento crescente nas fun- Toda a evolução serve aos fins adap-
cionalidades sensoriais e cognitivas na tativos do indivíduo, sendo que os siste-
série filogenética2. mas sensoriais desempenham um papel
Observa-se um maior grau de refi- de extrema importância como um todo.
namento da sensibilidade e do movi- E o homem interfere significativamente
mento nos animais superiores, devido na seleção natural, buscando o animal
ao mútuo intercâmbio entre os sistemas que mais lhe convém e que apresente o
sensorial e motor. Seus sistemas asso- temperamento desejável à sua função.
ciativos servem para correlacionar vá-
rias influências que chegam ao cérebro Temperamento
e, mais que isso, servem também para É um conceito antigo em psicologia,
integrar o indivíduo às experiências pas- mas apenas recentemente passou a ser
sadas, impondo um padrão organizado tratado como uma característica de in-
de atividade inibitória e excitatória que teresse na produção ani-
influenciarão o próximo mal. O temperamento
passo do animal. O temperamento é
é definido como o con-
Os animais inferio- definido como o conjunto junto de comportamen-
res, com predominância de comportamentos
de comportamentos de dos animais em relação tos dos animais em rela-
ao homem e frente às ção ao homem e frente
taxia e reflexo, apresen- às situações rotineiras
tam apenas uma série situações rotineiras de
manejo de manejo, etc., sendo
de movimentos casuais,
essa característica única
com movimentos de
e individual, proporcio-
aproximação ou repulsa inteiramente
nando a oportunidade para comparação
dependentes de estímulos específicos e
entre indivíduos5, 6.
externos ao individuo.
Na prática, avaliam-se os indivídu-
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os considerando um ou vários aspec- Considerações finais
tos de seu temperamento, medindo a
tendência, caracterizada quando um Os novos conhecimentos adquiri-
determinado animal apresenta certos dos na área básica sobre os mecanismos
comportamentos de forma consisten- sensoriais e o desenvolvimento evolu-
te, em termos de intensidade, relativo à tivo das espécies proporcionaram ao
agressividade, agilidade, atenção, curio- homem um melhor entendimento do
sidade, docilidade, esperteza, medo, rea- bem-estar e comportamento animal,
tividade, teimosia, timidez, etc. possibilitando reduções drásticas no
Historicamente, as tendências ou tempo de manejo, menores índicies de
reações emocionais dos animais em re- acidentes e de contusões e adequação
lação ao homem desempenharam im- nas interações entre o animal e seu am-
portante papel na definição daquele que biente, com grande reflexo na produtivi-
seria domesticado. Após o processo de dade e lucratividade.
domesticação, o homem continuou in- Atualmente, o “temperamento” é con-
teressado em animais menos agressivos siderado uma característica de valor econô-
e mais fáceis de lidar, promovendo a se- mico, pois interfere diretamente no bem-
leção de indivíduos com características -estar dos animais e, consequentemente, no
mais desejáveis. desempenho reprodutivo e produtivo.
Dessa forma, definiram-se vários
tipos e maneiras para se medir “tem- Referências bibliográficas
peramento” nos animais domésticos. 1. BOWLBY, J. Attachment and loss: VOl. I Attachment.
Muito embora as medidas avaliadas re- 2nd ed.. New York: Basic Books, 1982.
presentassem medidas de reatividade e 2. CARTHY, J.D.; HOWSE, P.E. Comportamento
não caracterizariam o temperamento no Animal. São Paulo: EPU: Ed. Universidade de São
Paulo. v.14, 1980, 79p.
seu sentido mais amplo, ou seja, como
3. KANDEL, E.R; CAREW, T.J; WALTERS, E.T.
o conjunto de traços psicofisiológicos Classical conditioning in a simple whithdrawal re-
estáveis de um dado indivíduo, determi- flex in Aplysia caliornica. J. Neurosci. 1: 1426-1437,
nando suas reações emocionais. 1976.

Quem sabe, num futuro próximo, 4. TINBERGEN, N. On aims and methods of etho-
logy. Zeitschrift für Tierpsychologie. V. 20, p. 410-
seja possível caracterizar e medir o “tem- 433, 1963.
peramento”, bem como correlacioná-lo 5. FORDYCE, G; GODDARD, M.E; SEIFERT, G.W.
com o sistema de produção de forma a The measurement of temperament in cattle and
otimizá-lo e trazer novas contribuições the effect of experience and genotype. Proceedings
of Australian Society of Animal Production, v.14, p.
benéficas tanto para os animais quanto 329-332, 1982.
para o homem que os manipula. Esse 6. FORDYCE, G.; DODT, R.M.; WYTHES, J.R.
item, sem dúvida, representa um dos Cattle temperaments in extensive beef herds in
grandes desafios atuais da interação do northen Queensland. 1. Factors affecting tem-
perament. Australian Journal of Experimental
homem com os animais. Agriculture, v. 28, n.6, p. 683-687, 1988.

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Utilização de animais no
ensino e na pesquisa
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Raul Fernando Silva Molano


Departamento de Saúde Animal, Universidade de Caldas, Colômbia
Autor para correspondência: raul.silva@ucaldas.edu.co

Introdução néticos e bioquímicos, avaliação


toxicológica.
A utilização de animais no ensino
2. Estudos aplicados em medicina ou
e na pesquisa geralmente se refere ao
odontologia e medicina veterinária:
uso controlado de animais no labora-
consistindo de pesquisa, desenvol-
tório ou na sala de aula para propósitos
vimento e controle de qualidade
científicos, médicos e acadêmicos, mas
dos produtos ou dispositivos, in-
também para o conhecimento deles
cluindo a avaliação toxicológica e
próprios e possíveis aplicações na sua
própria saúde e bem- de segurança ou testes de eficácia.
-estar. O uso de animais 3. Proteção do homem,
compreende atividades O uso de animais dos animais ou do
relacionadas com1: compreende atividades ambiente: mediante
1. Pesquisa biológica relacionadas com avaliação toxicológi-
fundamental: rea- pesquisa biológica ca, avaliação de segu-
lizada com a fina- fundamental; estudos ridade de um produ-
lidade principal de aplicados em medicina to ou outro tipo de
aumentar o conheci- ou odontologia e avaliação ambiental.
mento da estrutura, medicina veterinária; 4. Educação e forma-
função e funciona- proteção do homem, ção: procedimentos
mento do homem e dos animais ou do realizados para fins
dos animais. Como ambiente; educação de educação, forma-
estudos fisiológi- e formação; pesquisa ção, demonstração,
cos, patológicos, forense; diagnóstico e aquisição de habili-
farmacológicos, ge- reprodução. dades e destrezas.
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5. Pesquisa forense: utilização de ani- o bem-estar animal. Considera-se hoje
mais em inquérito, humano ou ve- em dia que o bem-estar de um animal
terinário, relevante para potenciais surge da interação do bem-estar físico
processos judiciais. (saúde física), bem-estar mental (saúde
6. Diagnóstico direto em pesquisa de mental e emocional) e da liberdade para
doenças, incluindo a pesquisa de expressar a sua naturalidade (comporta-
suspeita de envenenamento. Não há mento natural)3.
nenhuma função de pesquisa, estes
são, essencialmente, estudos aplica- Movimentos sociais pelos
dos, principalmente envolvendo a direitos dos animais
produção de reagentes biológicos, Nas últimas décadas, consolidou-se
por exemplo, anticorpos e fatores a construção e proclamação dos direitos
de coagulação. dos animais como um conjunto de prin-
Reprodução: modificar a produção cípios que defendem que os animais
e reprodução de animais com genéti- devem ser respeitados e deve-se evitar
ca prejudicial, defeitos, e os animais a sua exploração. Principalmente nos
geneticamente modificados. Animais países desenvolvidos, surgem grupos de
geneticamente normais submetidos a proteção dos direitos dos animais carac-
procedimentos regulamentados, como terizados como movimentos de pesso-
amostras de tecido ou de administra- as que vão desde ativistas radicais, que
ção hormonal para fins de programas de defendem a liberação, até organizações
criação. que reivindicam uma melhor relação
Para fins de pesquisa, os animais entre os animais e os seres humanos. As
utilizados com maior frequência são: ações desses grupos têm levado à elabo-
ratos, camundongos, coelhos, cães, ração de numerosas legislações nos di-
suínos e primatas2, e, em menor quan- ferentes países para regular a utilização
tidade, cobaios, hamsters, aves, gatos, de vertebrados no ensino e na pesquisa.
bovinos, ovinos, caprinos, equinos, pei- Essas normas de proteção dos ani-
xes, répteis, anfíbios, invertebrados e mais incluem um conjunto de leis rela-
micro-organismos. tivas à responsabilidade dos donos ou
Mesmo que esse modelo tenha exis- de quem tem animais sob a sua respon-
tido desde o começo da era moderna, sabilidade, tanto para com os próprios
na atualidade, a sensibilização da socie- animais quanto para com outras pesso-
dade e a chegada das novas tecnologias as, e o grau de responsabilidade dos pro-
levaram à reformulação dos conceitos prietários depende do animal de que se
implícitos nesse modelo, especifica- trate e da legislação de cada país ou de
mente os conceitos relacionados com cada estado. Por último, na Declaração
Utilização de animais no ensino e na pesquisa 15

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Universal dos Direitos dos Animais, o fomenta-se o surgimento de grupos de-
Artigo 8º proclama: i. A experimenta- dicados a controlar e supervisar as ativi-
ção animal que implique um sofrimen- dades educativas e de pesquisa com ani-
to físico ou psicológico é incompatível mais. Finalmente, como consequência
com os direitos do animal, quer se trate de se reconhecer os direitos dos animais,
de experimentos médicos, científicos, pela sensibilização de grupos de defesa
comerciais ou qualquer dos animais e pelos progressos alcan-
que seja a forma de ex- çados na área da bioéti-
perimentação; ii. As téc-
Cientistas sustentam ca, surge o conceito da
que tem sido possível Bioética Animal, defini-
nicas alternativas devem
desenvolver uma da como o conjunto de
ser utilizadas e desen-
medicina avançada, normas éticas que regu-
volvidas 4.
como antibióticos lam o comportamento
Embora citada
ou vacinas, graças à e as relações do homem
por vários autores,
experimentação animal, com os animais5.
oficialmente essa de-
e que esta continua Por outro lado, os
claração não tem sido sendo um fator-chave na
proclamada nem pela pesquisa e tratamento de cientistas sustentam que
ONU (Organização tem sido possível desen-
doenças importantes volver uma medicina
das Nações Unidas)
nem pela UNESCO avançada, como antibi-
(Organização das Nações Unidas para a óticos ou vacinas, graças à experimen-
educação, a ciência e a cultura). tação animal, e que esta continua sendo
Ao mesmo tempo tem-se acrescen- um fator-chave na pesquisa e tratamen-
to de doenças importantes (coronárias,
tado a criação de organismos interna-
câncer, AIDS); no estágio atual da ciên-
cionais e outras associações dedicadas
cia mundial, há várias situações em que
à Ciência dos Animais de Laboratório,
não se pode excluir o uso de animais6:
como ICLAS (International Council
1. Avaliação do efeito de células-tronco
of Laboratory Animal Science), ILAR
no reparo de órgãos;
(Institute of Laboratory Animal
2. O efeito de genes (aumento ou
Resources), UFAW (Universities
redução de sua expressão) so-
Federation of Animal Welfare), AALAS
bre o organismo (uso de animais
(American Association for Laboratory
transgênicos);
Animal Science), FEELASA (Federation
3. Estudo de células ou tecidos que
of European Laboratory Animal Science devem ser obtidos de animais,
Associations). para estudos de biologia celular e
Da mesma maneira, dentro das co- molecular;
munidades científicas e acadêmicas,
16 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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4. Estudos de toxicida- Nesse sentido,
Aceita-se que o uso de
de pré-clínica, que,
animais para pesquisa, Russel e Burch publi-
obrigatoriamente,
ensino ou comprovação caram, em 1959, o li-
envolvem avaliação vro “The Principles of
só se justifica quando
dos efeitos colate- Humane Experimental
contribui para o
rais em animais; desenvolvimento de Technique”, no qual su-
5. Impacto de téc- conhecimentos que gerem o conceito dos
nicas cirúrgicas beneficiem os seres Três “R” (reduction, re-
inovadoras; humanos ou os próprios finement e replacement)
6. Teste de novos ma- animais. como medida de tra-
teriais utilizados em tamento humanitário
seres humanos; nos experimentos com
7. Treinamento cirúrgico sofisticado animais 7,11. Alguns dos conceitos e ati-
na ausência de modelos de plástico vidades visando à aplicação desses prin-
ou outros; cípios são:
8. Estudo em modelos animais de do- 1. Reduzir (reduction) ao mínimo
enças humanas, como o diabetes possível o número de unidades ani-
mellitus, hipertensão, aterosclero- mais empregadas para conseguir
se, obesidade, insuficiência renal, resultados estatisticamente signifi-
epilepsia, diversos tipos de câncer, cativos ou alcançar o objetivo cien-
além de muitas outras; tífico ou acadêmico procurado.
9. Desenvolvimento de vacinas e anti- i. Realização de estudos piloto
corpos contra novas doenças; para determinar alguns dos pro-
10. Desenvolvimento de animais que blemas potenciais em um expe-
potencialmente poderiam fornecer rimento antes de vários animais
órgãos ou tecidos para transplante. serem utilizados;
ii. Desenho experimental utilizan-
Os três “R” do animais como os seus pró-
Hoje em dia, aceita-se que o uso prios controles
de animais para pesquisa, ensino ou iii. Recolha do máximo de informa-
comprovação só se justifica quando ções de cada animal, talvez a re-
contribui para o desenvolvimento de colha de dados para mais de um
conhecimentos que beneficiem os seres experimento em simultâneo;
humanos ou os próprios animais. Isso iv. Consultoria com um assessor
exige que as instituições de ensino e os estatístico para usar apenas o
pesquisadores se adaptem e procurem número de animais necessários
alternativas. para atingir significância;
Utilização de animais no ensino e na pesquisa 17

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v. Minimização de variáveis, tais possam ser empregados sempre
como doença, estresse, dieta, que for necessário;
genética, etc., que podem afetar vii. Procedimentos dolorosos ou eu-
os resultados experimentais; tanásia não devem ser realizados
vi. Realização de pesquisas biblio- na presença de outros animais.
gráficas e de consulta adequada 2.1. Desenho do experimento:
com os colegas para que as expe- i. Escolha do modelo animal: qua-
riências não sejam duplicadas; lidade da espécie e da linhagem
vii. Utilização da espécie adequada para modelo e quantidade de ani-
de animais para que os dados re- mais a serem utilizados. Deve-se
colhidos sejam uteis; valorar a necessidade e utilidade
viii.Substituição sempre que possível. do modelo animal. Segundo al-
2. Refinar (refinement) as técnicas para guns autores8, os modelos ani-
evitar todo sofrimento que for desne- mais frequentemente são usados
cessário aos animais e minimizar o des- como um análogo, uma repre-
conforto e a dor. Deve-se compreender sentação da espécie animal em
que procedimentos causadores de dor questão, a partir dos quais seria
e desconforto em humanos induzem possível extrapolar resultados
respostas semelhantes nos animais. para aquela espécie. No entanto,
i. O uso de animais de experimen- muitas vezes, os modelos ani-
tação deve estar de acordo com mais possibilitam apenas desen-
a legislação vigente; volver especulações, mais do que
ii. Recurso humano e físico; para extrapolar os resultados.;
iii. Instalações adequadas, manu- ii. Escolha do inóculo: dose, via e
tenção e manipulação correta frequência de inoculação;
do equipamento; iii. Planejar o desenho do experi-
iv. Planejamento do manejo dos mento com prévio conhecimen-
animais com prévio conhecimen- to e compreensão da biologia e
to e compreensão da biologia e etiologia da espécie em questão;
etiologia da espécie em questão; iv. As condições de vida do animal
v. Todo o pessoal que maneja e uti- de experimentação;
liza animais devem ser qualifica- v. Escolha do habitáculo, alimen-
do e treinado regularmente para to e água de bebida, conforto,
conduzir os procedimentos; higiene do macro e microam-
vi. Acesso a cuidados veterinários biente, temperatura e umidade
deve estar disponível em todos relativa, ventilação, iluminação,
os momentos, de maneira que barulho, ambiente social;
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vi. Limitar o uso de animais confor- xii. Realizar uma única cirurgia
me o objeto de estudo e os obje- maior em cada animal, sempre
tivos de cada malha curricular; que possível;
vii. Identificar a dor e o sofrimen- xiii. Realizar atendimento pós-cirúr-
to e fazer planos para prevenir gico adequado, incluindo a ter-
ou aliviá-los. Adequado uso de morregulação e balanço hídrico.
analgésicos e anestésicos; 3. Substituir (replacement) o emprego
viii.Definir o ponto final para o ex- de animais vertebrados vivos e cientes
perimento o mais rapidamente por outros modelos de experimenta-
possível, ou seja, se a informa- ção. Como alternativa, os animais vi-
ção necessária pode ser obtida vos podem ser substituídos por mode-
antes que o animal sinta os efei- los não-animais, tais como9:
tos negativos do experimen- i. Manequins para uma introdu-
to.  Por exemplo, se medirmos ção à dissecção no ensino da
a toxicidade de um composto estrutura do animal ou do corpo
ou a sobrevivência após a im- humano: modelos e manequins
plantação de uma neoplasia, um simuladores, cadáveres de ani-
estudo-piloto pode informar os mais que morreramm natural-
sinais clínicos observados, ou mente, dissecção, material bio-
o tamanho que atinge o tumor, lógico preservado;
determinando previsibilidade ii. Mecânico ou modelos de com-
no tempo até debilitação ou óbi- putador: modelos 3D, progra-
to, experiências posteriores po- mas de computador, CD e DVD
dem, então, determinar o ponto interativos, apresentações na
final do experimento de acordo Internet e realidade virtual;
com o tamanho do tumor ou si- iii. Material audiovisual: filmes, ví-
nais clínicos de toxicidade, em deos e vídeos interativos, dese-
vez da morte como ponto final; nhos manuais, slides, fotografias;
ix. Garantir que as doses de drogas iv. Modelagem in vitro;
são corretas e que as drogas uti- v. Observação e estudo em campo;
lizadas não estão expiradas; vi. Experiências em seres humanos,
x. Assegurar que os procedimentos experimentos com plantas, mi-
a serem realizados no animal se- cro-organismos, ovos, répteis,
jam razoáveis para essa espécie; anfíbios e invertebrados podem
xi. Realizar cirurgias e outros pro- ser utilizados em alguns estudos
cedimentos seguindo as normas para substituir os animais de
de assepsia para evitar infecção; sangue quente 9,10.
Utilização de animais no ensino e na pesquisa 19

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Conclusão Finalmente, essas alternativas de-
pendem da capacidade de adaptação e
O emprego de animais na pesquisa aceitação de todas as pessoas envolvidas.
e no ensino envolve responsabilidade
para com os animais utilizados. Eles de- Referências bibliográficas
vem ser tratados como seres sensíveis,
1. STATISTICS OF SCIENTIFIC PROCEDURES
evitando ou minimizando o incômodo ON LIVING ANIMALS. Secretary of State for
e o desconforto, o sofrimento físico e the Home Department, Great Britain. p. 6-7, 2004.

mental e a dor. Na atualidade, existe um 2. FAGUNDES, D. J., TAHA, M. O. Modelo animal de


doença: critérios de escolha e espécies de animais de
marco conceitual e ético, aceito tanto uso corrente. Acta Cir. Bras. v.19, n.1, p. 59-65,
pela comunidade científica internacio- 2004.
nal quanto pelas sociedades protetoras 3. HEWSON, C. J. What is animal welfare? Common
definitions and their practical consequences. Can
de animais responsáveis, considerando Vet J. v.44, n.6, p.496-499, 2003.
que o uso de animais com fins científi- 4. SCHNAIDER, T. B., SOUZA, C. Aspectos éticos
da experimentação animal. Rev Bras Anestesiol.
cos ou acadêmicos não é por si desejável v.53, n.2, p.278–285, 2003.
e que, sempre que seja possível, devem 5. CAPÓ, M. M. Bioética animal: desarrollo de un
ser utilizadas alternativas. concepto privado. Animales de experimentación.
La Revista Hispanoamericana. v.5, n.5, p.18-19,
Todas essas alternativas apresentam 1999.
vantagens, principalmente a utilização 6. SCHOR, N., BOIM, M. A. Importância do uso de
animais experimentais para a medicina humana.
do conhecimento preexistente para o Arquivos Brasileiros de Ciências da Saúde. v.33, n.1, p.7, 2008.
ensino, aplicando os princípios conhe- 7. SPIELMANN, H. Animal Use in the Safety
Evaluation of Chemicals: Harmonization and
cidos aos novos sistemas, diminuindo o Emerging Needs. ILAR Journal. v.43, suplement,
custo da utilização de animais12. p.11-17, 2002.
Certas desvantagens que, na sua 8. MORAES, G. C. O uso didático de animais vivos
e os métodos substitutivos em medicina veteriná-
grande maioria, derivam do fato de que ria. 2005. Monografia (Graduação em Medicina
todos os modelos são dependentes de in- Veterinária). Escola de Medicina Veterinária,
Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, Brasil.
formações preexistentes, em um sistema 9. WALL, R. J., SHANI, M. Are animal models as
tão complexo como um organismo vivo, good as we think?. Theriogenology. v.69, n.1, p.2-9,
2008.
todas as variáveis em fisiologia e patolo-
10. SMITH, A. J., SMITH, K. Guidelines for Humane
gia não são conhecidas, assim, qualquer Education: Alternatives to the Use of Animals in
investigação sobre os novos processos Teaching and Training. Alternatives to labora-
tory animals. v.32, Sup. 1A, p.29-39, 2004.
biológicos deve utilizar um organismo 11. COMITÉ DE ÉTICA EM EXPERIMENTAÇÃO
vivo em algum ponto. Além disso, muitas ANIMAL – CETEA. Princípios éticos para
o uso de animais de experimentação. 2009.
dessas técnicas são excelentes metodolo- Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
gias iniciais. Porém, testes finais em ani- Horizonte, Brasil.
12. INSTITUTIONAL ANIMAL CARE AND USE
mais devem ser obrigatoriamente neces- COMMITTEE (IACUC). Ethics and Alternatives.
sários antes que se possa introduzir um University of Minnesota. http://cflegacy.research.
umn.edu/iacuc/. http://www.ahc.umn.edu/rar/
novo tratamento ou droga para uso em ethics.html. Acessado em: 24 nov. 2009.
seres humanos ou em animais.
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bigstockphoto.com

A vivissecção e o uso
de animais no ensino
Rafael Resende Faleiros* - CRMV-MG: 3905
Lilian de Rezende Jordão - CRMV-MG: 8.340
Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais
*Autor para correspondência: faleiros@ufmg.br

Introdução Rio de Janeiro e São Paulo, propondo,


entre outras medidas polêmicas, a proi-
Seguindo uma tendência do mundo bição do uso de animais para pesquisa
ocidental globalizado, tem se observado e ensino e a completa modificação dos
na sociedade brasileira um crescimen- sistemas de produção animal.
to das ações de grupos organizados em O Estado de Minas Gerais não tem
defesa dos animais. Tais ações vão des- ficado à margem desse processo. Em
de protestos isolados quanto ao uso de 2009, a Universidade Federal de Minas
animais em rodeios até ações políticas, Gerais, mais especificamente a Escola
como a proposição de leis que têm tra- de Veterinária, por meio de seus pro-
mitado em municípios e estados, como fessores, recebeu uma série de e-mails
A vivissecção e o uso de animais no ensino 21

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e panfletos alertando que animais es- Escola de Veterinária pratica vivissecção
tariam sendo utilizados de forma ina- e existem entre os professores vários vi-
dequada no ensino e que a Escola de visseccionistas. Obviamente, as técni-
Veterinária estaria praticando vivissec- cas de ensino vêm evoluindo de forma
ção. A primeira reação de quem ouve extraordinária, utilizando-se de méto-
tais notícias é de perplexidade. Será re- dos que até pouco tempo eram apenas
almente que ainda se pratica vivissecção imaginação, como videoconferênicas
em universidades? Ou antes, o que vem via Internet, simulação computacional,
a ser exatamente esse termo, que, segun- realidade virtual, recursos audiovisuais
do a informação divulgada, parecia se altamente sofisticados, etc. Contudo
tratar de uma atrocidade. um curso de medicina veterinária que
Segundo um desses panfletos, o ter- nunca se utilize de “qualquer opera-
mo vivissecção teria dois significados. O ção feita em animal vivo com objetivo
primeiro, “Qualquer operação feita em de ensino....” está muito além da atual
animal vivo com o objetivo de realizar realidade.
estudo ou experimento”, e o segundo, Com relação ao segundo significa-
“Realização de experiência dolorosa ou do, “Realização de experiência doloro-
cruel em animal vivo”. sa ou cruel em animal
Interessante notar que Sob a ótica de um vivo”, muitas questões
as duas definições, ape- médico veterinário e da poderiam ser formula-
sar de terem como obje- própria lei brasileira, das. Inicialmente sobre
to o animal, referem-se é inaceitável que a própria formulação
a situações totalmente experiências cruéis da frase, pois não seria
diferentes e, na grande sejam realizadas em possível realizar expe-
maioria das vezes, dia- seres vivos, ainda que riência dolorosa em
metralmente opostas. para fins didáticos ou animal morto. Segundo
Uma situação é o uso científicos, quando sobre a questão fisioló-
de animais vivos para en- existirem recursos gica; a dor é uma sensa-
sino, atividade praticada alternativos. ção indispensável ao ser
rotineiramente em qual- vivo, ela faz parte de seu
quer escola de medicina veterinária do mecanismo de defesa e, se totalmente
mundo, ou para fins científicos – outro abolida, certamente levaria todos os
tipo de atividade amplamente realizada animais, inclua-se aí o homem, à auto-
em qualquer entidade pública e privada destruição. Depois sobre a questão mo-
que se utilize de experimentação animal. ral, sabendo-se que a dor é necessária
À luz da primeira definição, retirada do aos animais e impossível de ser total-
dicionário Houaiss, não resta dúvida, a mente abolida. Experiências dolorosas

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são moralmente aceitas, mesmo em se- co. Desse modo, majoritariamente, os
res humanos, desde que não represen- procedimentos necessários ao apren-
tem sofrimento desne- dizado são realizados
cessário e que possam Vivissecção é uma por professores e profis-
trazer benefícios pos- palavra de origem sionais em animais vivos
teriores. Assim, siste- latina, vivus significa que necessitam de aten-
maticamente, o Brasil vivo, enquanto sectio dimento e que são en-
vacina suas crianças na quer dizer corte. Tem- caminhados ao Hospital
certeza de que essa ex- se assim o significado pelo público. Mais além,
periência, mesmo que “cortar um corpo vivo”, para regulamentar essa
momentaneamente enquanto que dissecação atividade, existe um ór-
dolorosa aos infantes, significa “cortar um gão específico que abran-
trará benefícios futu- corpo morto”. ge toda a Universidade,
ros a todos. que é o Comitê de Ética
Entretanto, sob a em Experimentação Animal da UFMG
ótica de um médico veterinário e da (CETEA).
própria lei brasileira, é inaceitável que Mais do que esse esclarecimen-
experiências cruéis sejam realizadas to, este artigo pretende trazer à tona
em seres vivos, ainda que para fins di- questões históricas e éticas do uso de
dáticos ou científicos, quando existi- animais no ensino e fatos relativos à
rem recursos alternativos. Assim, todos atuação dos grupos de protecionismo
os procedimentos realizados na Escola dos direitos dos animais e ao atual per-
de Veterinária da UFMG para fins de fil do discente do ensino superior de
ensino ou pesquisa são executados por Medicina Veterinária no país, a fim de
profissionais treinados para identificar subsidiar a discussão criada em torno
e evitar a dor e a crueldade aos animais, do uso de animais no ensino da medici-
ou seja, pelos próprios médicos veteri- na veterinária.
nários. Tem-se com isso a garantia de
que todos os animais serão tratados Sobre a vivissecção
com ética e respeito e receberão anes-
tésicos e analgésicos, bem como outros A origem do termo
medicamentos e procedimentos que Vivissecção é uma palavra de ori-
se fizerem necessários. Além disso, a gem latina, vivus significa vivo, en-
Escola de Veterinária também se pre- quanto sectio quer dizer corte. Tem-se
ocupa com a utilização desnecessária assim o significado “cortar um corpo
de animais e para isso mantém um vivo”, enquanto que dissecação signifi-
Hospital Veterinário aberto ao públi- ca “cortar um corpo morto”. Acredita-se

A vivissecção e o uso de animais no ensino 23

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Figura 1. Claude Bernard (o terceiro homem da direita para a esquerda) durante um experi-
mento com seus colaboradores em um laboratório do Collége de France. Imagem de pintura
original em óleo sobre tela de L.A. Lhemitte, 1889, exposta no Laboratório de Fisiologia,
Universidade de Sorbonne em Paris1. (Fonte: Nature Reviews, Conti, 20011)

que o termo foi inicialmente usado por mentos muito invasivos com mínimos
Claude Bernard, que tem sido conside- recursos técnicos e sem nenhuma anes-
rado na literatura internacional como tesia – que ainda não havia sido de-
uns dos mais importantes fisiologistas e senvolvida nem para humanos. Nesse
um dos pais do conhecimento científi- contexto, Bernard foi capaz de fazer afir-
co (Fig. 1). mações, inaceitáveis nos dias de hoje,
Pelos serviços prestados à ciência como, por exemplo, “(O fisiologista) não
e sua contribuição à evolução do co- ouve o grito dos animais, nem vê o sangue
nhecimento, poderíamos acreditar que que escorre. Só vê a sua vida e só repara
Claude Bernard seria hoje unanime- nos organismos que lhe escondem proble-
mente considerado um grande benfei- mas que ele quer descobrir”.
tor. Mas, infelizmente, isso não é a ver- Contudo, essa forma de pensar em
dade, pois Bernard, talvez no ímpeto de relação aos animais não foi originária
validar seus conhecimentos, foi grande de Bernard. O fisiologista seguia a linha
entusiasta do uso de animais vivos em de pensamento cartesiano, até então
sua experimentação, contudo em uma aceita pela sociedade, de que o animal
época em que se utilizavam procedi- era uma máquina. Tal conceito foi apre-
24 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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sentado na publicação “Discours de la Evolução da vivissecção: um
Méthode”, do filósofo René Descartes, breve histórico
de 1637. Descartes difundira a ideia de A discussão sobre diferenças entre
que todos os animais agiam mecanica- homens e animais remonta a centenas
mente, sem capacidade de ter sensações. de anos atrás. Pitágoras (582-500 a.C.)
Por essa doutrina, acreditava-se que os acreditava na metempsicose, doutrina
sons e as contorções apresentados pelos segundo a qual uma mesma alma pode
animais em situações de desconforto animar sucessivamente corpos diversos,
eram simples reflexos involuntários e homens, animais ou mesmo vegetais.
que mesmo procedimentos mais inva- Portanto, na visão do filósofo, todas as
sivos poderiam ser realizados sem ca- criaturas deveriam ser respeitadas.
racterizar sofrimento ou crueldade para As pesquisas na área da saúde são
com os animais. executadas há mais de dois mil anos,
Mesmo consideran- tendo início, provavel-
do os padrões da épo- Pitágoras (582-500 mente um pouco além
ca, a posição de Claude a.C.) acreditava na de Pitágoras, com os
Bernard já gerava discór-
metempsicose, doutrina estudos de Hipócrates
segundo a qual uma (450 a.C.), que relacio-
dia. Sua esposa, contrá-
mesma alma pode nava o aspecto de órgãos
ria à sua conduta de dis-
animar sucessivamente humanos doentes ao de
secar animais vivos em
corpos diversos, homens, animais, com finalidades
uma época em que não animais ou mesmo claramente didáticas.
se conhecia a anestesia, vegetais. Portanto, na Acredita-se que
rompeu com o marido visão do filósofo, todas os dois mais impor-
e fundou a Sociedade as criaturas deveriam ser tantes biólogos gregos
A n t i -Vi v i s s e c ç ã o respeitadas. foram Herófilo (270
Francesa, em 1883. a.C.), da Calcedônia, e
Assim, pode-se obser- Erasístrato (260 a.C.),
var que o termo vivissecção já nasce de Quios, que trabalharam na Escola de
com um tom pejorativo e polêmico ao Alexandria na primeira metade do sécu-
designar procedimentos que, mesmo lo III a.C. Eles foram os primeiros a pra-
importantes para o desenvolvimento da ticar a dissecação do corpo humano, e é
ciência e moralmente aceitos na época, provável também que tenham feito vi-
são inaceitáveis à luz dos vastos conhe- vissecção em humanos, embora existam
cimentos sobre os mecanismos da per- argumentos contraditórios. Herófilo, ao
cepção sensorial dos vertebrados e dos que tudo indica, foi o primeiro a disse-
conceitos éticos vigentes na atualidade. car animais em público, e Erasístrato, o

A vivissecção e o uso de animais no ensino 25

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primeiro a realizar experimentos com dissecação de macacos, principalmente
animais vivos, o que possibilitou a sua o macaco da Barbária, o que o levou a
descrição de que as artérias, quando alguns erros, apesar de estar ciente da
cortadas durante a vida, contêm sangue. diferença anatômica existente entre
Por seu trabalho, Erasístrato é consi- homens e macacos. Insistia que os mé-
derado o fundador da fisiologia expe- dicos deveriam praticar a dissecação e
rimental e o primeiro vivisseccionista. não confiar inteiramente nos livros. Em
Esses médicos, chamados dogmatistas, animais vivos, fez incisões em torno de
apontavam as vantagens da vivissecção, diferentes vértebras para determinar
argumentando que o benefício trazido que partes e funções eram afetadas. Seu
superava o mal feito: “não é cruel, como uso de vivissecção seria hoje inaceitável
a maioria diz, procurar remédios para as em bases humanitárias, mas em sua épo-
multidões de homens inocentes de todas ca não era relevante devido à comum
as épocas futuras, por meio do sacrifício brutalidade dirigida aos animais e aos
de um reduzido número de criminosos”. próprios seres humanos, demandada até
Posteriormente, em Roma, o médico mesmo como entretenimento.
Celsius viria a defender a dissecação Com a morte de Galeno, pratica-
praticada pelos helênicos, mas conde- mente cessaram as experiências em
naria a vivissecção, argumentando que animais, sendo retomadas por Versalius
o conhecimento adquirido poderia ser (1514-1564), que publica “De fabrica
obtido mais lentamente através de ou- Corporis Humani”, contendo um capí-
tros métodos, como a observação de tulo intitulado “Sobre a dissecção de ani-
feridos de guerra. mais vivos”.
No período posterior, a dissecação Posteriormente, William Harvey
do corpo humano decairia, mas há rela- (1578-1567) mostraria que, a partir
tos de estudos de ossos de cadáveres em da vivissecção em animais, toda a con-
Alexandria ainda na época de Galeno. cepção do organismo humano foi mo-
Fora de Alexandria, só a observação aci- dificada, especialmente em seu livro
dental de esqueletos permitia um exame “Uma Dissertação Anatômica Sobre o
da ossada humana. Movimento do Coração e do Sangue em
Galeno (129-199 d.C.), de Pérgamo, Animais”, como resultado da experimen-
considerado o príncipe dos médicos, tação em mais de 80 espécies animais.
desenvolveu, a partir da vivissecção de Outros nomes que conduziram expe-
animais, a teoria da digestão, introdu- rimentos em animais nessa época po-
zindo outros elementos na visão exclu- dem ser citados: Francis Bacon (1561-
sivamente mecanicista de Erasístrato. 1626), René Descartes (1596-1650),
Sua grande obra anatômica se baseou na Anthony van Leeuwenhoek (1632-
26 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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1723), Stephen Hales monstrada em Boston,
Os questionamentos
(1677-1761) e René no final de 1840 –, refle-
científicos evoluiriam,
Réaumur (1683-1757). tem em grande parte o
e com isso a
Francis Bacon argumen- pensamento cartesiano,
experimentação em
tava acerca da utilidade animais tornou-se isto é, não considerava o
da vivissecção em ani- crescente, a partir do sofrimento do animal, já
mais para conhecimento século XVIII, levando que este era visto como
do organismo humano, em consideração uma máquina. Além
pois dessa forma pode- basicamente a noção, do próprio trabalho,
ria abster-se de realizá- advinda do pensamento Magendie deixou um
-la em criminosos, o que cartesiano, de que os pupilo, Claude Bernard
era considerado moral- animais não sentem dor. (1813-1878).
mente recusável. A partir das razões
Desde então, os filosóficas e científicas
questionamentos científicos evolui- fornecidas por Bernard, a vivissecção
riam, e com isso a experimentação em tornou-se institucionalizada. Autor da
animais tornou-se crescente, a partir do “Introduction à l’étude de la médecine ex-
século XVIII, levando em consideração périmentale”, Claude Bernard afirmava
basicamente a noção, advinda do pen- que, para o estudo de um dado parâ-
samento cartesiano, de que os animais metro no organismo, as outras variáveis
não sentem dor. Porém, foi no século deveriam ser mantidas constantes, e, as-
XIX que a vivissecção e a experimenta- sim, forneceu as bases da pesquisa expe-
ção animal surgiram como importantes rimental moderna. Segundo ele: “A ex-
métodos científicos. perimentação animal é um direito integral
François Magendie (1783-1855) e absoluto”. Acredita-se que as afirma-
foi considerado um pioneiro nas experi- ções de Claude Bernard já pretendiam
mentações que caracte- responder às críticas que
rizaram esse século. Os Claude Bernard aumentavam em relação
experimentos realizados afirmava que, para à vivissecção, pois, na
por Magendie, inclusive o estudo de um comunidade científica,
publicamente, em uma dado parâmetro no a prática de utilização
época em que ainda organismo, as outras de animais ganhava im-
não haviam surgido os variáveis deveriam ser pulso e até então havia
anestésicos – a demons- mantidas constantes, uma atmosfera filosófica
tração de anestésicos e, assim, forneceu as propícia.
voláteis em produzir bases da pesquisa Embora as consi-
anestesia geral foi de- experimental moderna. derações de Claude
A vivissecção e o uso de animais no ensino 27

ct dez2012.indb 27 11/12/2012 14:14:38


Bernard tenham sido
A primeira organização a intenção de evitar abu-
preponderantes, tan- sos na utilização de ani-
em defesa dos animais
to em aspectos mo- mais frente à euforia da
foi fundada em 1824,
rais quanto científicos, cultura da produção em
na Inglaterra, sob o
é também no campo
nome de Sociedade para série. A ideia original
científico que podemos
Prevenção da Crueldade não era proibir o uso de
observar alguns cientis- animais, mesmo porque
para com os Animais.
tas preocupados com o a tração animal ainda era
sofrimento animal, mes- fundamental para a so-
mo um pouco antes de Claude Bernard. brevivência humana, mas criar normas
Robert Boyle (1627-1691) e Robert para garantir que os animais não fossem
Hook (1635-1703), que utilizavam ani- mal tratados. Nasce aí o movimento que
mais em seus experimentos, declararam advogava em prol da garantia do bem-
perceber intenso sofrimento e não de- -estar animal. Ou seja, um movimento
sejar repetir os mesmos que defendia que os
experimentos e, em 1665, Os animais, devido à humanos devem ter a
Edmund O’Meara (1614- sua capacidade de sentir responsabilidade mo-
1681) já dizia que a ago- dor, são moralmente ral de não promover
nia a que os animais eram semelhantes ao homem crueldade ou sofri-
submetidos daria origem e, assim, têm direitos mento desnecessário
a resultados distorcidos. semelhantes. aos animais. Ao longo
Além disso, a sociedade dos anos, o movimento
e até mesmo a própria es- em favor do bem-estar
posa de Bernard, como anteriormente animal conseguiu sensibilizar a socieda-
dito, já questionavam o sofrimento dos de e várias leis, normativas e conceitos
animais dissecados vivos, até então sem vêm sendo produzidos em proteção aos
qualquer tipo de anestesia. animais.
Contudo, nas últimas décadas,
Os movimentos em surge um novo conceito de defesa
defesa dos animais dos animais, que vem ganhando adep-
tos principalmente nos últimos anos.
A primeira organização em defesa
Baseado nas ideias de filósofos como
dos animais foi fundada em 1824, na
Peter Singer e Tom Reagan, que emer-
Inglaterra, sob o nome de Sociedade
giram na década de 70, vem se forta-
para Prevenção da Crueldade para com
lecendo junto aos simpatizantes da
os Animais. Esse movimento nasce
causa a ideia dos direitos dos animais.
praticamente junto com a Revolução
Segundo esse raciocínio, os animais,
Industrial e possivelmente ocorreu com
28 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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devido à sua capacidade de sentir dor, de animais na pesquisa científica e
são moralmente semelhantes ao ho- ensino, os ativistas dos direitos dos
mem e, assim, têm direitos semelhan- animais são radicalmente contra qual-
tes. Dessa forma, qualquer tipo de quer uso de animais em experimenta-
utilização dos animais pelos homens é ção e ensino, a que eles normalmente
considerado discriminatório e imoral, se referem como vivissecção. Assim,
como também o são, por exemplo, o entre os alvos preferidos para protes-
racismo e a escravidão. tos por tais organizações, estão as uni-
Os ativistas mais radicais dos direi- versidades e os órgãos de pesquisa.
tos dos animais são contrários a qual-
quer tipo de utilização dos animais As atuais características
pelos homens, seja para alimentação, do ensino da medicina
vestuário, pesquisa, entretenimento, veterinária no brasil
esporte, comercialização ou qualquer
tipo de atividade que coloque em Nos últimos anos, o ensino de
questão a vontade e a liberdade de Medicina Veterinária no Brasil tem
qualquer espécie animal. Atualmente passado por uma verdadeira revolução
existem várias organizações espalha- silenciosa. Vários fatores podem ser im-
das por todo o mundo plicados nessa situação.
que trabalham ativa- Um dos mais evidentes
mente em prol de suas Preconizam os três R, a é a mudança da política
ideias. As iniciativas
redução, a substituição educacional, que vem
vão desde grupos de
e o refinamento do uso progressivamente priva-
estudantes de Direito
de animais na pesquisa tizando o ensino supe-
científica. rior, dando acesso a um
e advogados que de-
fendem os direitos dos número cada vez maior
animais e organizações que agem pres- de pessoas às faculdades, especialmente
sionando deputados para apresentar e aquelas de maior poder aquisitivo, con-
aprovar leis protecionistas, até grupos siderando-se os elevados custos ineren-
extremistas que invadem criatórios tes ao curso.
comerciais e laboratórios de pesquisa Outro fator interessante é o perfil
para intimidar as pessoas e ganhar a do aluno ingresso nas faculdades. No
atenção da imprensa. passado, majoritariamente oriundo do
De forma diferente daqueles pre- meio rural ou com ligações diretas com
ocupados com o bem-estar animal, ele, hoje verifica-se nas principais uni-
que preconizam os três R, a redução, versidades brasileiras predominância de
a substituição e o refinamento do uso alunos criados em grandes centros. Essa
A vivissecção e o uso de animais no ensino 29

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crescente participação de alunos criados lação de afinidade e que até mesmo, em
em ambientes urbanos tem modificado determinados casos, supriram parte do
gradativamente o perfil discente, hoje carinho que poderia ter sido dado pelos
fortemente influenciado pelo estilo de mais próximos, caso eles não estivessem
vida moderno. intensamente envolvidos com as tarefas
Entre as várias mudanças decorren- da vida moderna.
tes da vida moderna, aqui serão destaca- A questão do estilo de vida. Além
das as questões relativas à convivência do fenômeno da urbanização, o Brasil
com os animais ou à visão que se tem experimentou nas últimas décadas cres-
deles, divididas em três subtópicos: a cimento expressivo da indústria pro-
questão emocional, a do estilo de vida e dutora de alimentos de origem animal.
a questão ideológica. Essa indústria coloca a cada dia nas gôn-
A questão emocional. Com os fenô- dolas do supermercado uma variedade
menos da urbanização e da globalização expressiva de produtos industrializados
do capitalismo, a relação entre homens que, além de boa qualidade e aparência,
e animais tem se modificado substan- apresentam custos bastante atraentes
cialmente nas grandes cidades. O ani- à população envolvida na correria da
mal que sempre foi valorizado por ques- vida moderna. Assim sendo, boa parte,
tões produtivas passa a ser hoje, nos quem sabe a maioria, dos atuais alunos
grandes centros, valorizado quase que das escolas de veterinária de grandes
exclusivamente como animal de com- centros sempre teve acesso a produtos
panhia. Situação essa motivada pelo de origem animal sem ter contato com
crescimento exacerbado da objetivida- os seres que os forneceram. Situação
de nos relacionamentos humanos e da esta que os distanciam da realidade dos
competitividade individual incentivada sistemas produtores de alimento animal
pelo arrocho econômico do modelo fi- e das práticas necessárias à reprodução,
nanceiro vigente. Assim, os pequenos criação e abate dos animais. Não é de
animais ganham status de membro da se surpreender casos de alunos que se
família pela disponibilidade de aten- recusam a frequentar aulas de inspeção
ção e carinho a qualquer hora do dia, animal por não suportarem presenciar o
situação cada vez mais escassa aos se- abate, mesmo que, paradoxalmente, es-
res humanos submetidos às condições tejam conscientes de que essa é a única
metropolitanas. Obviamente, a maioria alternativa para a produção de produtos
dos alunos que hoje em dia ingressam que estão à mesa de suas famílias dia-
nas escolas tem os animais não mais riamente. Ou seja, boa parte dos alunos
como instrumentos de produção, mas procedentes de grandes centros cresceu
seres com os quais construíram uma re- consumindo produtos de origem ani-
30 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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mal, mas seu contato com animais sem- o atual modelo (capitalismo e demo-
pre foi na intimidade doméstica ou pe- cracia) é a única e correta opção. Assim,
los meios de comunicação impressa ou percebe-se que as pessoas, mesmo que
transmitida que, predominantemente, inconscientemente, aderem aos valores
divulgam imagens cândidas de animais amplamente difundidos, que podem
que geram sensações até lhe trazer suces-
prazerosas aos leito- O termo vivissecção foi so pessoal, mas que
res e espectadores cunhado em uma época em obviamente não nu-
de forma a facilitar que o sofrimento animal era trem seu instinto de
a veiculação da ima- praticamente desconhecido e justiça, uma vez que
gem ou mensagem em nada reflete a realidade as diferenças sociais
de produtos que in- e a complexidade do uso de crescem exponen-
teressam ao editor. animais em experimentação cialmente. Já canta-
A questão ideo- e pesquisa da atualidade, va um reconhecido
lógica. Com o fim do principalmente no que tange poeta brasileiro, ao
socialismo e o pre- às Escolas de Veterinária fim do segundo mi-
domínio quase que do país. Assim, tal termo lênio: “ideologia, eu
absoluto do capita- deveria ser utilizado apenas quero uma para vi-
lismo, baseado na para designar procedimentos ver...”, como se fosse
globalização da in- realizados outrora e que hoje um desabafo frente
formação, dos negó- não são aceitos à luz dos à necessidade do ho-
cios e, obviamente, atuais conceitos éticos, morais e mem moderno de
na cultura da produ- técnicos. assumir os preceitos
ção, tendo a compe- atuais impostos pe-
titividade e o lucro las grandes corpora-
como objetivos absolutos, também têm ções internacionais e ser todo o tempo
sido provocadas alterações culturais em politicamente correto. E é nesse cenário,
todos os países envolvidos nesse proces- de busca por uma causa que defenda a
so. Uma delas é o vazio ideológico, ou igualdade, que cresce o interesse, não
seja, aquelas antigas e nobres ideias de só da sociedade, mas também daqueles
igualdade entre seres humanos e a so- que se dedicam aos animais nas ideias
cialização do poder, que alimentavam daqueles grupos que defendem direito
milhões de pessoas que idealizavam iguais para os animais.
um futuro melhor, já não existem mais,
decorrente da falência de países que a Considerações finais
defendiam e da difusão em massa, por O termo vivissecção foi cunhado
todos os meios de comunicação, de que em uma época em que o sofrimento

A vivissecção e o uso de animais no ensino 31

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animal era praticamente desconhecido nado várias atividades com animais, in-
e em nada reflete a realidade e a com- clusive algumas inerentes à formação e à
plexidade do uso de animais em expe- atuação do Médico Veterinário, como o
rimentação e pesquisa da atualidade, uso de animais na produção, no esporte,
principalmente no que tange às Escolas no ensino e na experimentação.
de Veterinária do país. Assim, tal termo Apesar de a intenção de alguns des-
deveria ser utilizado apenas para desig- ses grupos ser legítima, com relação a
nar procedimentos realizados outrora e evitar o sofrimento dos animais, suas
que hoje não são aceitos à luz dos atuais reivindicações, em sua maioria, têm
conceitos éticos, morais e técnicos. sido pautadas em cima de argumen-
Esse tipo de vivissecção, que en- tação emocional e de pouca sustenta-
volve crueldade, todos os veterinários ção científica. Assim, cabe ao Médico
devem abolir, não apenas por força de Veterinário se atualizar cada vez mais
lei ou pelo juramento que fizeram ao sobre a ciência do Bem-Estar Animal, a
receber seus diplomas, mas simples- fim de formar sua opinião de forma con-
mente pelo fato de que tal concepção sistente e embasada no conhecimento
é totalmente contrária à essência vital científico, que é a base de toda a sua
daqueles que dedicam sua vida aos ani- formação acadêmica. Cabe também ao
mais não humanos. Quanto ao uso de Médico Veterinário se informar sobre
animais no ensino, esse está permitido todos os aspectos do assunto para agir
por lei e ainda deverá ser utilizado por de forma ética, técnica e dentro da lei,
muitos anos, até que existam métodos respeitando os animais e trabalhando
alternativos eficientes e a custo viável de acordo com os anseios da sociedade
para todos os procedimentos. Contudo, atual.
deve ser sempre realizado supervisiona-
do por Médico Veterinário com forma- Referências bibliográficas
ção destacada em anestesia, analgesia e 1. CONTI, F. Claude Bernard: primer of the sec-
bem-estar animal. ond biomedical revolution. Nature Reviews
Grupos ativistas do bem-estar e dos Molecular Cell Biology. v.2, p.703-708, 2001.
direitos dos animais têm exercido in- 2. SINGER, P. Libertação animal. Editora Lugano. 1
Edição. 2004. 392p.
fluência cada vez mais evidente junto
3. REAGEN, T. The Case for Animal Rights e Animal
à sociedade e determinados setores do Rights and Human Obligations. Editora California
poder público. Tais grupos têm questio- Universit. 2 Ed. 2004. 425p.

32 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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Experimentação animal
no Brasil: análise crítica
da legislação pertinente
Heloisa Maria Falcão Mendes
Rafael Resende Faleiros* - CRMV-MG: 3905
Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais
*Autor de correspondência: faleiros@ufmg.br

bigstockphoto.com

Introdução um consenso na comunidade científica,


no âmbito da ética pertinente à pesquisa
A experimentação científica em hu- com seres humanos2. No Brasil, a ques-
manos e animais apresenta história e pe- tão é regulada por legislação específica
culiaridades distintas. Da mesma forma, em vigor há algum tempo.
os preceitos éticos e as regras que nor- A pesquisa com animais, ao contrá-
teiam o assunto têm características dife- rio, apesar de despertar discussões e de-
rentes em se tratando de seres humanos bates calorosos no passado e ainda hoje,
e animais. não alcançou ainda um consenso quan-
Atualmente no to às suas normas nem
mundo, a pesquisa en- Entrou em vigor preceitos éticos.
volvendo seres humanos uma legislação que Persistem debates
é orientada por códigos regula a prática da profundos e complexos
específicos, como a experimentação animal sobre a legitimidade
Declaração de Helsinki, no país, representada ética e moral do uso de
de 2008 . Esta não pos-
1 pela Lei 11.794/20086, animais em experimen-
sui caráter legal nem regulamentada em julho tação3, 4, 5, dentre outras
normativo, mas detém o de 2009, e pelo Decreto questões.
mérito de ter alcançado
nº 6.899/20097. Assim, não há um
Experimentação animal no Brasil: análise crítica da legislação pertinente 33

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código ético para a pes- nome da ciência foram
“A pesquisa em qualquer
quisa com animais, tal julgados por uma cor-
área do conhecimento,
como a Declaração de te. Como resultado, foi
envolvendo seres
Helsinki para os huma- elaborado o Código de
humanos, deverá
nos. No Brasil, a questão Nuremberg, publicado
observar as seguintes
foi sendo superficial- em 1949. Trata-se de um
exigências: estar
mente abordada pela conjunto de preceitos
fundamentada na
legislação brasileira ao experimentação éticos para a pesquisa
longo dos anos. Apenas prévia realizada em clínica com seres huma-
a partir de 2009 entrou laboratórios, animais nos. Porém, na prática, o
em vigor uma legislação ou em outros fatos Código de Nuremberg
que regula a prática da científicos” configurou-se como um
experimentação animal documento político de
no país, representada condenação ao nazis-
pela Lei 11.794/20086, regulamentada mo e não foi adotado pela comunidade
em julho de 2009, e pelo Decreto nº científica em suas práticas. Em 1964, a
6.899/20097. AMM (Associação Médica Mundial)
O objetivo desta revisão é abordar instituiu a Declaração de Helsinki, ten-
brevemente alguns aspectos da expe- do como base o Código de Nuremberg.
rimentação com seres humanos e ani- O objetivo era promover a incorpora-
mais, e discutir os principais pontos da ção de uma conduta ética nas pesquisas
Lei 11.794/2008. clínicas com seres humanos. O texto da
declaração sofreu várias modificações
Pesquisa com seres desde que foi instituído, tendo sido a úl-
humanos tima modificação realizada em 2008. A
A experimentação com seres huma- declaração não tem valor legal nem nor-
nos só é admitida quando oferece uma mativo, mas representa um consenso na
perspectiva de cura da enfermidade ou comunidade científica sobre as práticas
a redução do sofrimento humano8. E da experimentação com seres humanos
ainda, de acordo com o Parágrafo 6º da e é considerada a maior referência ética
Declaração de Helsinki, “Nas pesquisas para os pesquisadores2, 9.
médicas envolvendo seres humanos, o bem- No Brasil, a experimentação com
-estar do sujeito da pesquisa deve ter pre- seres humanos é regida por legislação
cedência sobre todos os outros interesses”1. específica. Inicialmente, a Resolução
Após a II Guerra Mundial, em 1947, 01/88 do Conselho Nacional de Saúde
nos Estados Unidos, médicos nazis- estabeleceu as regras da experimentação
tas que haviam cometido crimes em com seres humanos e continha pouca
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referência ao uso de animais. Essa re- longo da história, mas, paralelamente,
solução foi substituída pela Resolução foram surgindo os grupos de proteção
196/9610, do Conselho Nacional de dos animais, inicialmente no século
Saúde, que, dentre outras deliberações, XIX, como na Inglaterra, em 1824, com
estabeleceu que “A pesquisa em qual- a criação da Society for the Preservation
quer área do conhecimento, envolvendo of Cruelty to Animals. Posteriormente,
seres humanos, deverá observar as se- na França, em 1845, e nos anos seguin-
guintes exigências: estar fundamentada tes em países como Alemanha, Bélgica,
na experimentação prévia realizada em Áustria, Holanda e Estados Unidos3, 11.
laboratórios, animais ou em outros fatos A primeira lei sobre o uso de animais
científicos”3. em experimentação surgiu em 1876,
É importante salientar que a no Reino Unido – a British Cruelty to
Resolução 196/96 é orientada por Animal Act. Essa lei foi elaborada pos-
diversos códigos internacionais,teriormente à descoberta por William
como o Código de Nuremberg, a T. G. Morton, em 1846, da anestesia ci-
Declaração de Helsinki, as Diretrizes rúrgica com éter8. Nos Estados Unidos,
Éticas Internacionais para Pesquisas data de 1909 a primeira publicação
Biomédicas envolvendo Seres sobre aspectos éticos da utilização de
Humanos, dentre outros . 10 animais em pesquisa. E novamente a
Inglaterra, em 1906, promulgou uma lei
Pesquisa com animais vedando o uso de cães e gatos em expe-
rimentação científica 11.
O uso de animais em pesquisa re-
Em 1930, Hitler proibiu a experi-
monta ao período anterior a Cristo. Tal
mentação animal, pois passou a utilizar
prática provavelmente iniciou-se por
seres humanos sem o seu consentimen-
volta do ano de 450 a.C., com os estu-
to para as práticas científicas3. Em 1949,
dos de Hipócrates, que comparava a
foi elaborado o Código de Nuremberg,
anatomia dos órgãos de humanos e ani-
sem força de lei, mas apenas um código
mais. Posteriormente, outros estudiosos
de conduta. Em 1964, foi instituída a
continuaram a utilizar animais para fins Declaração de Helsinki, principal emba-
didáticos. Porém, foi Galeno (131-201 samento ético para a prática científica e
d.C) que iniciou as pesquisas experi- isento de força legal ou normativa2.
mentais em animais, ou Os comitês de ética
seja, testava variáveis a A primeira lei sobre em pesquisa começaram
partir de alterações pro- o uso de animais em a surgir com o intuito de
vocadas nos animais3. experimentação surgiu preservar as leis e princí-
O uso de animais em 1876, no Reino pios sobre o assunto. O
na pesquisa perdura ao Unido.
Experimentação animal no Brasil: análise crítica da legislação pertinente 35

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primeiro comitê surgiu na Suécia (1979) turais vigentes5.
e, posteriormente, nos Estados Unidos A legislação brasileira sobre a prote-
(1984) e no Brasil, na década de 19908. ção e o uso dos animais apresenta sete
marcos regulatórios, definidos a seguir.
Legislação sobre
Código Civil de 1916
experimentação animal Instituiu-se pela primeira vez pro-
no Brasil teção jurídica aos animais. No artigo
A legislação pertinente à proteção 47, os animais eram considerados “bens
dos animais e ao seu uso para fins di- móveis suscetíveis de movimento próprio
dáticos e científicos no Brasil é restrita (semoventes)”11.
em quantidade e profundidade de sua
Decreto-Lei 24.645 de 10 de
abordagem. Julho de 1934
Excetuando-se a Lei 11.794/2008,
o assunto não foi amplamente con- O decreto “Considera como maus-
templado em legislações anteriores. -tratos a mutilação ou ferimento, feito de
Considerando-se que o uso de animais forma voluntária em animais, mas excep-
na experimentação não é uma prática ciona aquelas operações praticadas no in-
recente e que somente a partir de 2009 teresse da ciência”.
existe uma legislação pertinente, consta- O art. 3º ainda considerava como
maus-tratos “abandonar animal doente,
ta-se que são lentos os progressos jurídi-
ferido, extenuado ou mutilado, bem como
cos no campo da experimentação animal
deixar de ministrar-lhe tudo o que humani-
no Brasil. Porém, tal situação indica que tariamente se lhe possa prover, inclusive as-
no Brasil, à semelhança do que ocorre sistência veterinária”; “não dar morte rápi-
no mundo todo, não se alcançou ainda da, livre de sofrimentos prolongados, a todo
uma maturidade sobre a questão do uso animal cujo extermínio seja necessário” 12.
de animais nem tampouco um consenso Observa-se que nesse decreto não
sobre as formas adequadas de fazê-lo. há uma discussão detalhada sobre quais
Esse fato possivelmente está jus- práticas poderiam ser realizadas no in-
tificado na complexidade das discus- teresse da ciência. A discussão nessa
sões acerca do uso ou não de animais época provavelmente ainda era muito
para experimentação e para outros fins, incipiente no Brasil, refletindo-se na
uma vez que estão envolvidos aspectos abordagem superficial da legislação.
éticos, científicos, legais, econômicos,
comerciais8, jurídicos e políticos. Além
Lei nº 6.638, de 8 de maio de
1979
disso, a legislação e o debate sobre o uso
de animais em experimentação variam Estabeleceu juridicamente a práti-
entre países e conforme os valores cul- ca de vivissecção no Brasil, em que “o

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animal só poderá ser submetido às inter- risco de penalizações decorrentes do
venções recomendadas nos protocolos das uso de animais e também limita o seu
experiências que constituem a pesquisa ou uso.
nos programas de aprendizagem cirúrgica,
Lei 11.794, de 08 de outubro de
quando, durante ou após a vivissecção, re-
2008 – A Lei Arouca
ceber cuidados especiais”.
A lei também proibia a prática da Essa lei regulamenta o inciso VII
vivissecção em estabelecimentos de 1º e do § 1º do art. 225 da Constituição
2º graus ou qualquer outro frequentado Federal; estabelece procedimentos para
por menores de 18 anos 12. o uso científico de animais, revoga a Lei
Contudo, a Lei nº 6.638 nunca foi nº 6.638, de 8 de maio de 1979, e dá ou-
regulamentada e, assim, jamais teve va- tras providências.
lidade no país. Ela foi revogada pela Lei A lei 11.794/2008 foi regulamenta-
nº 11.794 de 2008 7. da pelo Decreto 6.899, de 15 de julho
de 2009, e “Dispõe sobre a composição
Constituição Federal de 1988 – do Conselho Nacional de Controle de
Artigo 225 Experimentação Animal – CONCEA,
Em seu art. 225, parágrafo 1º, inciso estabelece as normas para o seu funciona-
VII, a constituição federal “veda a práti- mento e de sua Secretaria-Executiva, cria o
ca que submeta animais a atos onde possa Cadastro das Instituições de Uso Científico
estar presente a “crueldade” 12. de Animais – CIUCA, mediante a regula-
mentação da Lei no 11.794, de 8 de outu-
Lei nº 9.605/1998 (Lei de
bro de 2008, que dispõe sobre procedimen-
Crimes Ambientais)
tos para o uso científico de animais, e dá
Essa Lei denomina como crime am- outras providências” 6.
biental a prática de “ato de abuso, maus- A Lei nº 11.794, apelidada de Lei
-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, Arouca, foi proposta em 1995 pelo de-
domésticos ou domesticados, nativos ou putado Sérgio Arouca (1941-2003),
exóticos”, incorrendo na pena de deten- médico e sanitarista. Após 13 anos de
ção e multa12. discussões e modificações, ela foi apro-
O parágrafo 1º do art. 32 da referi- vada em 08 de julho de 20087,13. Em
da lei sujeita a essa mesma pena “quem seu Art. 1º,  a lei diz que “A criação e a
realiza experiência dolorosa ou cruel em utilização de animais em atividades de
animal vivo, ainda que para fins didáticos ensino e pesquisa científica, em todo o
ou científicos, quando existirem recursos território nacional, obedece aos critérios
alternativos” 12. estabelecidos nesta Lei”. De acordo com
Esse parágrafo da lei é bastante po- a lei, o uso de animais em pesquisa cien-
lêmico, pois expõe os pesquisadores ao tífica fica restrito aos estabelecimen-
Experimentação animal no Brasil: análise crítica da legislação pertinente 37

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tos de ensino superior e aos de ensino determinar sua compatibilidade com a
técnico da área biomédica. A lei define legislação aplicável”, manter cadastro
experimentos como sendo “procedimen- atualizado de todos os pesquisadores da
tos efetuados em animais vivos, visando instituição e remetê-los ao CONCEA
à elucidação de fenômenos fisiológicos ou (Conselho Nacional de Controle de
patológicos, mediante técnicas específicas e Experimentação Animal), dentre outras
preestabelecidas”. funções.
Nesse caso, a lei não considera expe- Aos CEUA foi conferida autoridade
rimentação com animal morto. Porém, de intervenção no curso das atividades
na prática científica, muitos são os pro- de ensino e pesquisa se assim couber.
cedimentos realizados com animais “Constatado qualquer procedimento em
mortos. Esse é um ponto da lei que descumprimento às disposições desta Lei
demandará modificações futuras. Ela na execução de atividade de ensino e pes-
isenta de sua alçada as atividades rela- quisa, a respectiva CEUA determinará a
cionadas à pecuária e produção animal paralisação de sua execução, até que a ir-
– “Não são consideradas como atividades regularidade seja sanada, sem prejuízo da
de pesquisa as práticas zootécnicas relacio- aplicação de outras sanções cabíveis”.
nadas à agropecuária”. De acordo com a lei, os CEUA serão
As instituições que constituídos por médi-
criem ou utilizem ani- Aos CEUA compete cos veterinários, biólo-
mais para ensino ou pes- “examinar previamente gos, pesquisadores da
quisa ficam obrigadas a os procedimentos área específica e repre-
criarem seus Comitês de de ensino e pesquisa sentantes das sociedades
Ética no Uso de Animais a serem realizados protetoras dos animais
(CEUA). Como o prazo na instituição à qual legalmente estabelecidas
para isso foi de 90 dias esteja vinculada, no país.
após a regulamentação para determinar sua O CONCEA passa
da lei, o que ocorreu compatibilidade com a a ser o órgão máximo de
em julho de 2009, legal- legislação aplicável”. deliberações sobre o uso
mente hoje nenhuma de animais em pesquisa
instituição de pesquisa e ensino e cabe a ele “for-
no país pode operar sem seu respectivo mular e zelar pelo cumprimento das nor-
CEUA. mas relativas à utilização humanitária de
Aos CEUA compete “examinar animais com finalidade de ensino e pesqui-
previamente os procedimentos de ensi- sa científica”, e “estabelecer e rever, periodi-
no e pesquisa a serem realizados na ins- camente, normas técnicas para instalação
tituição à qual esteja vinculada, para e funcionamento de centros de criação, de
38 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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biotérios e de laboratórios de experimen- da Ciência e Tecnologia, sempre que, en-
tação animal, bem como sobre as condi- cerrado o experimento ou em qualquer de
ções de trabalho em tais instalações. O suas fases, for tecnicamente recomendado
CONCEA será presidido pelo Ministro de aquele procedimento ou quando ocorrer
Estado da Ciência e Tecnologia” e integra- intenso sofrimento”.
do por membros de diversos setores da Além de normatizar o uso de ani-
sociedade, incluindo outros ministérios. mais, a lei possui também caráter edu-
Todas as instituições de pesqui- cativo ao estimular o uso de menor
sa e ensino deverão se credenciar no número possível de animais e o uso
CONCEA e todos os pesquisadores das de métodos alternativos: “Sempre que
instituições deverão estar cadastrados possível, as práticas de ensino deverão
nos respectivos CEUA, e posteriormen- ser fotografadas, filmadas ou gravadas,
te junto ao CONCEA. de forma a permitir sua reprodução para
A lei, em seu capítulo IV, estabelece ilustração de práticas futuras, evitando-se
as condições de criação e utilização de a repetição desnecessária de procedimen-
animais para ensino e pesquisa, sendo tos didáticos com animais”; “O número
que “A criação ou a utilização de animais de animais a serem utilizados para a exe-
para pesquisa ficam restritas, exclusiva- cução de um projeto e o tempo de duração
mente, às instituições cre- de cada experimento será
denciadas no CONCEA” A lei veda a reutilização o mínimo indispensável
e “O animal só poderá ser do mesmo animal para produzir o resulta-
submetido às intervenções em mais de um do conclusivo, poupando-
recomendadas nos pro- experimento e também -se, ao máximo, o animal
tocolos dos experimentos sua reutilização de sofrimento”.
que constituem a pesquisa em mais de um “Experimentos que
ou programa de apren- procedimento cirúrgico possam causar dor ou an-
dizado quando, antes, com envolvimento gústia desenvolver-se-ão
durante e após o experi- de procedimentos sob sedação, analgesia ou
mento, receber cuidados traumáticos. Essas anestesia adequadas”, e
especiais, conforme esta- determinações da lei alguns tipos de proce-
belecido pelo CONCEA”, afetam diretamente dimentos dependerão
e ainda, “O animal será a prática do uso de de autorização especí-
submetido a eutanásia, animais em pesquisa e fica: “Experimentos cujo
sob estrita obediência às ensino, uma vez que é objetivo seja o estudo dos
prescrições pertinentes a frequente a reutilização processos relacionados à
cada espécie, conforme as de animais no meio dor e à angústia exigem
diretrizes do Ministério
acadêmico. autorização específica do
Experimentação animal no Brasil: análise crítica da legislação pertinente 39

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CEUA, em obediência a normas estabele- sideradas as condições e normas de segu-
cidas pelo CONCEA”. rança recomendadas pelos organismos in-
A lei veda a reutilização do mesmo ternacionais aos quais o Brasil se vincula”.
animal em mais de um experimento e Dentre as penalidades previstas na
também sua reutilização em mais de um lei, existem aquelas para a instituição e
procedimento cirúrgico com envolvi- para as pessoas físicas envolvidas. Para
mento de procedimentos traumáticos. as instituições, as penalidades são ad-
Essas determinações da lei afetam di- vertência, multa, interdição temporária,
retamente a prática do uso de animais suspensão de financiamentos e fomen-
em pesquisa e ensino, uma vez que é tos para pesquisa e ensino e interdição
frequente a reutilização de animais no definitiva. Para as pessoas físicas, ad-
meio acadêmico. vertência, multa, interdição temporária
O CONCEA também poderá res- e interdição definitiva da atividade de
tringir ou proibir experimentos que en- pesquisa ou ensino. Tanto para a insti-
volverem elevado grau de agressão, consi- tuição como para a pessoa física, cabem
derando-se conjuntamente os resultados ainda as sanções penais.
potenciais da pesquisa: “O CONCEA, le- O prazo para as instituições adequa-
vando em conta a relação entre o nível de so- rem suas instalações físicas às exigências
frimento para o animal e os resultados prá- da lei é de cinco anos a partir de sua en-
ticos que se esperam obter, poderá restringir trada em vigor, ou seja, até 20147.
ou proibir experimentos que importem em
elevado grau de agressão”. Considerações finais
Os projetos de pesquisa e atividade As opiniões divergem quanto à
de ensino deverão ser supervisionados Lei Arouca. Para Marques et al.12, a
por profissionais de nível superior da lei representa um avanço inestimável,
área biomédica, desde que credencia- visto que o uso científico de animais
dos pelo CONCEA. Nesse aspecto, a lei está protegido por lei federal. Porém,
não privilegia os médicos veterinários, não nega que a lei tenha que ser aper-
pois admite a supervisão dos procedi- feiçoada em alguns pontos. Já na opi-
mentos a qualquer profissional da área nião do Prof. William Saad Hossne
biomédica. (Universidade Estadual Paulista), o
A lei também prevê a adequação de ideal seria, à semelhança do que ocor-
instalações físicas adequadas para a cria- reu para a pesquisa com seres huma-
ção e experimentação animal conforme nos, a sistematização de um código
normas específicas: “Para a realização de ético para a pesquisa com animais. No
trabalhos de criação e experimentação de entanto, considera que o Brasil está
animais em sistemas fechados, serão con- apenas iniciando o processo de ama-
40 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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durecimento sobre essa questão e que 3. RAYMUNDO, M.M. e GOLDIM, J.R. Ética da
pesquisa em modelos animais. Bioética, n. 10, v.1,
o primeiro passo, fundamental, foi a p. 31-44, 2002.
aprovação da lei 14. 4. LOURENÇO, D.B. Direito, alteridade e especismo.
Em discussão sobre a lei, proposta 2005. 419p. Dissertação (Mestrado em Direito) -
Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro.
na disciplina de bem-estar Animal do
5. REZENDE, A.H.; PELUZIO, M.C.G.;
Programa de Pós-Graduação em Ciência SABARENSE, C.M. Experimentação animal: éti-
Animal da Escola de Veterinária da ca e legislação brasileira. Revista de Nutrição, v.21,
UFMG em 2009, levantou-se o argumen- n.2, p. 237-242, 2008.

to de que a lei não representa um avanço 6. Decreto 6.899/2009. Disponível em <http://www.


planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2009/
em relação ao tratamento ético aos ani- Decreto/D6899.htm> Acesso em 10/03/2010.
mais, e que, sim, ela apenas consagra o 7. Lei 11.794/2008. Disponível em <http://www.
que as instituições já fazem em relação ao planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/
lei/l11794.htm> Acesso em 10/03/2010.
uso de animais no ensino e na pesquisa.
8. SCHNAIDER, T.B. e SOUZA, C. Aspectos éticos
Contudo, o fato de que as instituições de da experimentação animal. Revista Brasileira de
ensino e pesquisa se adiantaram à publi- Anestesiologia, v.53, n2, p. 278-285, 2003.
cação da lei, em relação à criação de seus 9. AMB. Associação Médica Brasileira. A questão do
placebo - posição da AMB. Jornal da Associação
comitês de ética antes mesmo da Lei Médica Brasileira, nov/dez. p.32-34, 2008.
Arouca também foi aventada. Disponível em < http://www.amb.org.br/Word/
Entretanto, ainda que a lei não ouse helsinki_JAMB.pdf> Acesso em 09/03/2010.

uma ruptura ou restrição excessiva em 10. Resolução 196/96 do Conselho Nacional de


Saúde. Disponível em <http://www.ufrgs.br/bio-
relação ao uso de animais, é importante etica/Res19696.htm> Acesso em 09/03/2010.
que a sociedade disponha de um instru- 11. MACHADO, J.G.S.; PINHEIRO, M.S.; MARÇAL,
mento legal para dar suporte às suas dis- S.H.; ALCÂNTARA, P.F.P. Análise bioética da le-
gislação brasileira aplicável ao uso de animais não-
cussões. Além disso, após tantos anos de -humanos em experimentos científicos. Revista de
uso dos animais na pesquisa e ensino, fa- Saúde do Distrito Federal, v. 15, n. 3-4, p. 9-21, 2004.
zia-se urgente a existência de um aparato 12.
MARQUES, R.G.; MIRANDA, M.L.;
CAETANO, C.E.R.; BIONDO-SIMÕES, M.L.P.
legal que tratasse o assunto. Obviamente, Rumo à regulamentação da utilização de animais
à medida que avança o pensamento da no ensino e na pesquisa científica no Brasil. Acta
Cirúrgica Brasileira, v.20, n3, p. 262-267, 2005.
sociedade em relação ao uso de animais,
novas propostas deverão ser apresenta- 13. CAPELLA, D. Lei Arouca e a ética no uso
de animais. 2009. Disponível em <http://
das procurando aperfeiçoar a lei. www.icb.ufr j.br/index .php?option=com_
content&task=view&id=630> Acesso em
10/03/2009.
Referências bibliográficas 14. CALDAS, C. Experimentação animal. Notícias
1. Declaração de Helsinki de 2008. Disponível em BR. Disponível em <http://cienciaecultura.bvs.
<http://www.amb.org.br/Word/helsinki_JAMB. br/pdf/cic/v61n1/a04v61n1.pdf> Acesso em
pdf> Acesso em 09/03/2010. 10/03/2010.
2. DINIZ, D.; CÔRREA, M. Declaração de Helsinki:
relativismo e vulnerabilidade . Cadernos de Saúde
Pública, n.3, v.17, p. 679-688, 2001.

Experimentação animal no Brasil: análise crítica da legislação pertinente 41

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Bem-estar

bigstockphoto.com
de cães e
gatos
Renata Maria Albergaria Amara - CRMV-MG: 8332
Médica Veterinária
Autora para correspondência: renataalbergaria@hotmail.com

Introdução ruim. e qualquer avaliação nesse sentido


deve ser independente de considerações
Animais estão presentes na vida éticas3.
cotidiana do homem há 12.000 anos, Para Molento4, a definição mais
quando começaram a ser domesticados, aceita de bem-estar animal é a de um
fornecendo alimentos, agasalho, traba- completo estado de saúde física e men-
lho, proteção e companhia. O cão tem se tal, em que o animal se encontra em har-
associado com o homem há mais tempo monia com seu meio ambiente.
que qualquer outro animal doméstico e Em 1993, na Inglaterra, o Comitê
seu processo de domesticação foi um fa- de bem-estar de Animais de Produção
tor importante no desenvolvimento da definiu as cinco liberdades para a ava-
sociedade humana1,2. liação do bem-estar animal. Elas são:
Principalmente a partir do século Liberdade nutricional, Liberdade sa-
XX, os cães são usados para preencher nitária, Liberdade comportamental,
mais necessidades humanas que qual- Liberdade psicológica e Liberdade am-
quer outra espécie doméstica e, por isso, biental. A implementação das cinco li-
é crescente a preocupação da sociedade berdades vem ao encontro da ideologia
em oferecer um bem-estar de grau bom de uma grande parte dos médicos vete-
pleno para essa espécie1. rinários brasileiros.
O conceito de bem-estar refere-se O médico veterinário deve conhe-
ao estado de um indivíduo em uma es- cer as principais linhas de pensamento
cala, variando de muito bom a muito acerca da relação homem-animal, reco-
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nhecendo a diferença entre promoção universais dos comportamentos dos
de bem-estar animal e a filosofia dos di- cães e gatos1.
reitos dos animais4.
Agressividade e Bem-Estar
Comportamento animal Animal
O comportamento dos animais é o A agressividade é definida como
resultado do modo como os vários sub- um comportamento ao qual todos os
sistemas nervosos e hormonais intera- mamíferos estão vulneráveis, sendo um
gem entre si e com o mundo externo5. conflito onde a causa principal5 é o meio
É importante observar que as caracterís- social em que o animal vive . O com-
ticas comportamentais próprias de cada portamento agressivo, em alguns casos,
espécie auxiliam os animais a satisfaze- é normal e faz parte do repertório com-
rem as necessidades biológicas2. portamental do animal, necessário para
Os cães são animais predadores que sua sobrevivência .
6

vivem em grupos familiares extensos, Mensurações do comportamento


possuindo uma comple- têm grande valor na avaliação de bem-
xa organização social1. -estar. No animal, alguns
O comportamento sinais de bem-estar po-
Já os gatos, por sua vez,
agressivo, em alguns bre são evidenciados
são predadores de com- casos, é normal e faz
portamento solitário, por mensurações fisio-
parte do repertório lógicas, como aumento
de natureza defensiva comportamental do
e principalmente terri- de frequência cardía-
animal, necessário para
torialista. Animais da ca, atividade adrenal e
sua sobrevivência.
espécie felina utilizam resposta imunológica
métodos visuais e vocais reduzida3.
na tentativa de evitar confronto físico6. A agressão em animais de com-
Nos últimos 25 anos, tem se tor- panhia tem profundas implicações
nado comum para os veterinários ver com o bem-estar animal, e mudanças
os animais apresentando problemas comportamentais podem indicar que
comportamentais. Em parte, isso refle- o bem-estar não está satisfatório2,6.
te a mudança no papel do cachorro na Comportamentos anormais, como es-
sociedade, de um habitante do quintal tereotipias, automutilação e comporta-
para um membro da família1. mentos agressivos podem indicar que o
Os proprietários podem não saber indivíduo encontra-se em condições de
qual é o comportamento animal normal bem-estar ruim3.pobre3.
ou podem ter expectativas irreais do seu São considerados posturas ou sinais
animal, pois não observam os aspectos de agressividade ou ataque iminente
Bem-estar de cães e gatos 43

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em cães e gatos: pilo-ereção, mostrar monstros e refletem na hostilidade de
os dentes, vocalizar, encarar de frente, alguns membros da sociedade sobre es-
abanar apenas a ponta da cauda, orelhas ses animais8.
eretas, achatadas ou para frente, cauda Para esses autores, leis que proíbam
elevada e contato visual prolongado5,6. posse particularmente baseadas em ra-
ças que desempenham algum tipo de
Cães Agressivos comportamento não são adequadas,
Para Beaver1, não existem raças pois generalizam e prejudicam muitos
agressivas. Existem raças que criaram animais que não apresentam nenhum
má fama devido a acidentes, como vício ou perigo à população. Para os
Pit Bull, Rottweiler, autores não deveria ser
Fila Brasileiro, Pastor Qualquer raça pode permitido “criminalizar”
Alemão, Doberman ou tornar-se agressiva. raças inteiras por causa
Mastim Napolitano. Essa característica de exceções ou má con-
Na verdade, qual- depende de vários duta de proprietários.
quer raça pode tornar- fatores, como o entorno Eles acreditam que, no
-se agressiva. Essa ca- social, vínculo com futuro, a classe médica
racterística depende de pessoas, estado sanitário, veterinária irá se orga-
vários fatores, como o comportamento nizar para extinguir po-
entorno social, vínculo aprendido e bem-estar líticas discriminatórias
com pessoas, estado sa- animal. e auxiliar os legisladores
nitário, comportamento a elaborar leis mais ade-
aprendido e bem-estar quadas ao comporta-
animal. As raças mais conhecidas pela mento animal . 8

característica de guarda possuem maior É importante enfatizar que cães


potencialidade para possessividade, ter- mordem um número significativo de
ritoriedade e dominância. Tais caracte- pessoas todos os anos e enquanto pes-
rísticas combinadas com o tamanho e a soas e cães existirem, esse problema
força do cão podem se tornar um gran- persistirá1.
de risco para as pessoas se esses animais
Tipos de Agressividade
não forem socializados e tratados ade-
quadamente desde filhotes1,7. De acordo com a origem no sistema
A mídia tem enfatizado a ideia de nervoso central, existem dois tipos de
que certas raças de cães são de nature- agressão .
1

za violenta e representam perigo para as A agressão predatória não está asso-


pessoas. Essa descrição exagerada colo- ciada aos sinais de agressão e é aquela
ca cães como os da raça Pit Bull como disparada por presas em movimento.
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Esse tipo de agressividade é instintivo desconforto ou constrangimento cau-
e não está associado com os sinais de sada pela proximidade de um objeto ou
agressividade, tem origem hipotalâ- indivíduo. Assim, nessas condições, o
mica, utilizando a acetilcolina como animal apresenta um bem-estar pobre1,5.
neurotransmissor.
A agressão afetiva normalmente tem Antropomorfismo
uma ativação autônoma, envolvendo o Antropomorfismo significa a apli-
córtex frontal, podendo utilizar siste- cação de algum domínio da realidade
mas neurotransmissores colinérgicos, social, biológica, física, da linguagem
catecolaminérgicos, GABA ou seroto- ou conceitos próprios do homem, in-
ninérgicos. Esse tipo de agressivida- clusive seu comportamento, ao animal.
de apresenta uma linguagem corporal Um animal doméstico sofre todas as in-
identificável associada com alteração fluências do ser humano e essa situação
acentuada de humor e com os sinais pode afetar não só a saúde, mas também
de agressão. Existem várias situações o seu comportamento, em que passa a
que podem estimular o ser um total dependente
animal a exibir um com- A agressão predatória do homem, interferindo
portamento agressivo não está associada aos nos relacionamentos fa-
afetivo. Dentre elas, a sinais de agressão e é miliares e pessoais9.
situação que mais atua aquela disparada por A domesticação de
de forma negativa para presas em movimento. cães e gatos remonta
o bem-estar animal é a a mais de 10 mil anos,
agressividade por medo. A agressivida- quando esses animais passaram a consu-
de por medo ou defesa acomete com mir dietas similares às de seus proprie-
maior frequência cães que não foram tários, alimentando-se de suas sobras.
sociabilizados corretamente, podendo Esse tipo de alimentação fez surgir nes-
aparecer também em cães ou gatos que ses animais problemas de saúde simi-
desenvolvem medo perante situações lares aos dos humanos, como doenças
que desconhecem. No intuito de disfar- cardíacas, obesidade, diabete, doenças
çar seus receios, o ani- hepáticas, doenças re-
mal toma uma postu- A agressão afetiva nais e câncer, que na na-
ra agressiva, podendo apresenta uma tureza não eram obser-
apresentar uma postura linguagem corporal vadas anteriormente10.
ambivalente, como se identificável associada Os animais domés-
estivesse se defenden- com alteração acentuada ticos têm necessidades
do de alguma coisa 1,6
. O de humor e com os sinais nutricionais e preferên-
medo é uma sensação de de agressão. cias alimentares dife-
Bem-estar de cães e gatos 45

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rentes das do homem. Não há dúvidas As visões culturais sobre os cães e os
de que o antropomorfismo alimentar gatos variam por todo o mundo. Existem
interfere na saúde do animal, mas esses lugares em que cães são altamente con-
problemas de inadequação nutricional siderados, recebem nomes de seres hu-
só são percebidos no longo prazo. A ina- manos, dormem na cama com seus do-
dequação nutricional normalmente se nos e comem a mesma comida que eles.
apresenta na forma de dermatites alérgi- Na outra extremidade, há pessoas que
cas, obesidade, pressão arterial alterada, não respeitam os animais. Entre esses
entre outras enfermidades10. dois extremos, estão culturas indiferen-
Outro tipo de antropomorfismo tes ao bem-estar dos animais1.
que virou mania entre os proprietários
é o antropomorfismo social. Para Vidal9,
Mutilações Estéticas
esse antropomorfismo “beira a casa do Instituições de controle de cino-
ridículo”. Para o autor, não se deve con- filia, organizações de criação de cães
fundir cuidados sanitários, clínicos, nu- de raça pura, na tentativa de padroni-
tricionais, alimentares, cirúrgicos e que zar certas raças, exigiam que o animal
promovam o bem-estar pleno do animal, passasse por cirurgias mutilantes para
que se fazem necessários ser registrado. Essas
aos animais domésticos, Quando o cão é inserido cirurgias incluíam o
com os excessos, como no ambiente familiar, ele corte da cauda (caudec-
unhas postiças, óculos e se vê como parte de uma tomia), corte das ore-
calçados, que alguns pro- matilha. Entretanto, lhas (conchectomia) e
prietários insistem em com o antropomorfismo, a amputação do dedo
fazer os animais usarem. pessoas associam ergot11. Além disso, al-
Os animais domésti-
atitudes animais com guns profissionais, na
cos se comunicam atra-
posturas humanas. tentativa de adaptar o
vés do corpo e de voca- animal ao meio urbano,
lizações, expressando dessa maneira seu difundiram práticas como o corte das
comportamento1. Quando o cão é inse- cordas vocais de cães (cordotomia) e a
rido no ambiente familiar, ele se vê como retirada da unha de gatos (oniectomia
parte de uma matilha. Entretanto, com e tendectomia)11.
o antropomorfismo, pessoas associam Atualmente, as instituições de re-
atitudes animais com posturas humanas. gistro de raça não aceitam mais animais
Assim, comportamentos normais po- que já passaram por essas cirurgias para
dem resultar em problemas como maus- registro. Salientam que nas principais
-tratos, abandono e bem-estar animal competições de raça também não ad-
ruim6,11. mitem animais que passaram por tais
46 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 46 11/12/2012 14:14:40


procedimentos cirúr- propagação de doenças.
O Conselho Federal de
gicos. Com a crescen- É de responsabilidade
Medicina Veterinária
te preocupação sobre
dispôs que essas cirurgias do proprietário preve-
questões relacionadas nir e cuidar de seu ani-
não deveriam mais
com o bem-estar ani- ser realizadas, pois mal nesse sentido11.
mal, começaram a exis- o animal passa por A posse responsável
tir questionamentos sofrimento desnecessário, é o conjunto de várias
sobre a real necessida- dor, medo, estresse e atitudes, envolvendo
de da realização dessas incapacidade de exercer proprietários de ani-
cirurgias .
12
o comportamento da mais, médicos veteri-
No sentido de espécie. nários, sociedade civil
orientar os profissio- e poder público, ob-
nais médicos veteriná- jetivando o bem-estar
rios, o Conselho Federal de Medicina animal e uma melhor relação entre ser
Veterinária e Zootecnia , na Resolução humano e esses animais.
877, de 15 de fevereiro de 2008, dispôs Para os proprietários, a posse res-
que essas cirurgias não deveriam mais ponsável implica basicamente: respon-
ser realizadas, pois o animal passa por sabilizar-se pela limpeza dos dejetos do
sofrimento desnecessário, dor, medo, animal, evitar procriação inconsequente,
estresse e incapacidade de exercer o levar o animal regularmente ao médico
comportamento da espécie. Todos es- veterinário, manter o animal dentro de es-
ses fatores levam o animal a um bem- paço doméstico, fornecer boas condições
-estar ruim pobre, principalmente no ambientais (espaço adequado, higiene,
pós-cirúrgico imediato13. cuidados para evitar a superpopulação),
vacinar regularmente o animal, propor-
Posse Responsável cionar atividades físicas e momentos de
Embora o cachorro e o gato tenham interação do animal com as pessoas11.
se tornado uma parte importante da Para a escolha do animal de estima-
sociedade, estima-se que somente 38% ção, deve-se observar: o espaço dispo-
dos proprietários de cães mantêm seus nível, o objetivo da criação, o custo de
animais de estimação em longo prazo. manutenção do animal, cuidados espe-
Todo ano, milhões de cães são descar- cíficos da espécie e raça, o tempo dispo-
tados, sendo enviados para novos lares, nível do proprietário, as pessoas que irão
abandonados em abrigos de animais ou conviver com o animal e o tempo médio
soltos para se tornarem vadios1. de vida da espécie animal a ser criada11.
Animais de estimação requerem Animais abandonados ou domici-
cuidados especiais para que se evite a liados de forma incorreta estão sujeitos
Bem-estar de cães e gatos 47

ct dez2012.indb 47 11/12/2012 14:14:40


a acidentes de trânsito, existem várias doenças
proliferação de doen- Existem cerca de 400 que podem ser transmi-
ças, fome e maus-tratos. milhões de cães de rua tidas dos animais para
Algumas Organizações em todo o mundo. Esse o homem. Segundo
Não Governamentais
elevado número indica Bussolotti14, as zoonoses
(ONG) sustentam abri-
uma grave crise de bem- que mais preocupavam
gos para animais visan-
estar animal: milhões o Centro de Controle
de cães com fome e
do retirar esses animais de Zoonoses de Belo
potencialmente doentes
da rua. Em longo prazo, Horizonte (CCZ-BH)
perambulam pelas ruas,
essas medidas não são em 2006 eram leishma-
comprometendo a saúde
eficazes, já que os abri- niose, raiva, leptospirose
de outros animais e de
gos normalmente ficam e toxoplasmose.
seres humanos.
superlotados, impossibi- Os cães tornam-
litando muitas vezes que -se vadios devido a um
os animais exerçam as cinco liberdades. tratamento irresponsável por parte dos
Assim, esses animais tendem a apresen- proprietários. O vadio é definido como
tar um bem-estar ruim.. um cão doméstico errante que recebeu
Além disso, a taxa de sucesso dos liberdade não supervisionada para vagar
abrigos é muito baixa. Aproximadamente em uma base regular ou intermitente.
19% dos cães que deixam os abrigos são Evidências indicam que a maioria dos
introduzidos em novo lar, 15% são recla- cães errantes tem dono1.
mados pelo proprietário original e 66% Existem cerca de 400 milhões de
são sacrificados .
1 cães de rua em todo o mundo. Esse
A observação desses fatores e a esco- elevado número indica uma grave crise
lha correta do animal de estimação são de bem-estar animal: milhões de cães
muito importantes por favorecerem uma com fome e potencialmente doentes
relação homem e animal mais saudável e perambulam pelas ruas, comprometen-
induzir a uma melhor interação entre as do a saúde de outros animais e de seres
duas partes. Dessa forma, a posse respon- humanos15.
sável, além de proporcionar uma melhor Os cães vadios respondem por 20%
qualidade de vida para cães e gatos, au- das mordeduras nos seres humanos.
menta o grau de bem-estar pleno desses Eles podem ser perigosos para o tráfe-
animais. go e podem ser predadores de animais
de produção e populações de animais
Controle Populacional silvestres, inclusive ofendendo o equilí-
A superpopulação canina é uma brio ecológico1.
preocupação em saúde pública, pois O Centro de Controle de Zoonoses
48 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 48 11/12/2012 14:14:40


de Belo Horizonte trabalha com quatro PROGRAMA 4 – eutanásia.
programas básicos, tendo como política Animais coletados de centros urba-
central o controle populacional14: nos que estão doentes ou com exame
PROGRAMA 1 – conscientização e de leishmaniose positivo são sedados,
educação continuada sobre posse anestesiados e em plano anestésico
responsável. profundo recebem o agente da eutaná-
Os agentes do CCZ-BH vão a escolas sia por via endovenosa. Esse programa
e residências com palestras educativas e visa à eliminação de animais errantes de
panfletos sobre o assunto. Esse programa modo humanitário, de forma individual
tem como objetivo modificar positiva- e sem sofrimento para o animal.
mente os conhecimentos, atividades e
hábitos da população relacionados com a Considerações finais
prevenção de enfermidades e promoção A preocupação com o Bem-Estar
de saúde e bem-estar dos animais. Animal é crescente, principalmente em
PROGRAMA 2 – esterilização. relação a cães e gatos. Muitas vezes o
São realizadas pelos médicos vete- proprietário não sabe qual é o compor-
rinários do CCZ-BH a orquiectomia, tamento canino e felino normal e os tra-
vasectomia e ovariosalpingohisterec- tam como membros da família. Dessa
tomia. Essas cirurgias são permitidas maneira, pode-se desenvolver distúr-
pelo Conselho Federal de Medicina bios comportamentais nesses animais
Veterinária13. O programa tem a vanta- que sugerem uma não adaptação ao
gem principal de evitar crias indeseja- meio e um bem-estar ruim.pobre.
das, sendo realizado gratuitamente para Culturas regionais variam ampla-
os proprietários. Sabe-se que os progra- mente, e o antropomorfismo, associa-
mas de castração têm reduzido o grau de ção de atitudes animais com posturas
problema de superpopulação, mas pelo humanas, acomete com frequência os
menos em determinadas áreas esses animais domésticos. O fato é que os ani-
procedimentos cirúrgicos seriam mais mais domésticos foram retirados de seu
efetivos se ocorressem antes de qual- ambiente natural e não conseguem de-
quer ninhada ser parida1. sempenhar todos os comportamentos
PROGRAMA 3 – adoção. naturais da espécie. O antropomorfis-
Os animais coletados nos centros ur- mo pode ser benéfico em alguns casos
banos são examinados e submetidos ao ou mesmo prejudicar o animal em ou-
exame de leishmaniose. Os animais saudá- tros. Assim, o bom senso deve predomi-
veis, bem como aqueles que apresentarem nar e o conforto e bem-estar devem ser
resultado negativo no exame de leishma- sempre avaliados.
niose, ficam disponíveis para a adoção. As cirurgias em animais com o
Bem-estar de cães e gatos 49

ct dez2012.indb 49 11/12/2012 14:14:40


objetivo estético ou comodidade hu- 4. MOLENTO, C.F.M.. Medicina Veterinária e Bem-
estar Animal. Revista C.F.M.V., Brasília, ano IX,
mana já não são mais recomendadas n.28 e 29, p.15-20, jan./ago. 2003.
pelo Conselho Federal de Medicina 5. LANTZMAN, M.. Agressividade. Petvet, 2004.
Veterinária. Essa medida, além de orien- Disponível em: <http://www.pet.vet.br>.
Acessado em 12 de maio de 2006.
tar o médico veterinário, sugere que o
6. HORWITZ, D.F.. Feline Agression. In: HOUPT,
bem-estar dos animais deve ser priori- K.A.. Recent Advances in Companion Animal
dade para a classe médica veterinária. Behavior Problems. Ithaca: Internacional
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A posse responsável engloba um em: <http://www.ivis.org>. Acessado em 15 de
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o respeito ao animal doméstico desde 7. NISKI, S.. Raças Agressivas: Quais são? Lord Cão
News, Rio de Janeiro, n.19, fev. 2001. Disponível
a escolha até os cuidados básicos. Um em: <http://www.lordcao.com>. Acessado em 12
comprometimento maior com o cão abril de 2006.
ou gato diminui a incidência de zoono- 8. WAPNER, M.; WILSON, J.F.. Are laws prohibi-
ting ownership of pit bull-type dogs legally enfor-
ses e aumenta a qualidade de vida dos ceable? J.A.V.M.A., v.16, n.10, p.1552-1555, May
animais. 2000.
Medidas objetivando o controle po- 9. VIDAL, R.M.. Humanização ou Desumanização?
Vet-UY, n.13, jun. 2005. Disponível em: <http://
pulacional mostram-se cada vez mais www.vet-uy.com>. Acessado em 12 de maio de
necessárias, uma vez que a população 2006.

de animais considerados errantes cres- 10. TARDIN, A.C.; POLLI, S.R.. Evolução na alimen-
tação dos cães. Boletim Informativo Nutron Pet,
ce a cada ano, provocando um impacto n.01, out. 2001.
enorme para a sociedade. Os vários pro- 11. 
BRASIL. Ministério da Saúde. Animais
Domésticos. Biblioteca Virtual do Ministério da
gramas propostos pelo CCZ-BH ten-
Saúde, 2004. Disponível em: <http://www.mi-
dem a ser efetivos em longo prazo. Isso nisterio.saude.bvs.br/html>. Acessado em 02 de
dependerá da cooperação dos proprie- maio de 2006.
12. LEVAI, L.F..Direito dos Animais. 2a ed. rev. ampl.
tários e da eficiência com que os progra- São Paulo: Mantiqueira, 2004. 160p.
mas serão realizados. 13.
BRASIL. Conselho Federal de Medicina
Veterinária. Cirurgias Mutilantes: O que fazer?
Referências bibliográficas Revista Veterinária e Zootecnia em Minas, n.88, p.28,
jan./mar. 2006.
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In: BEAVER, B.V.. Comportamento Canino: Um 14.
BUSSOLOTTI, A. (Comunicação Pessoal).
guia para veterinários. São Paulo: Roca, 2001. Centro de Controle de Zoonoses, Prefeitura de
p.171-249. Belo Horizonte, MG. Informação obtida em 05 de
junho de 2006.
2. ZANELLA, A J.. Indicadores fisiológicos e com-
portamentais do bem-estar animal. A Hora 15. WORLD SOCIETY FOR THE PROTECTION
Veterinária, ano14, n.83, p.47-52, jan./fev. 1995. OF ANIMALS. Animais de Companhia: Cães
3. BROOM, D.M.; MOLENTO, C.F.M.. Bem-Estar de Rua e o Bem-Estar Animal, 2004. Disponível
Animal: Conceito e Questões Relacionadas: em <http://www.wspabrasil.org/capaings.asp?
Revisão.Archieves of Veterinary Science, v.9, n.2, p.1- CampaignType=7>. Acessado em 08 de julho de
11, 2004. 2006.

50 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 50 11/12/2012 14:14:41


Bem-estar de equinos
durante o transporte e
eventos equestres
Haroldo Vargas Leal Júnior - CRMV-MG: 3811
Médico Veterinário bigstockphoto.com

Autor para correspondência: haroldovargas@gmail.com

Introdução ser apenas “produtos do sistema agrope-


Nas últimas duas décadas, os estu- cuário” para se tornarem “seres sencien-
dos sobre a importância do Bem-Estar tes”. Esse protocolo determina também
Animal vem crescendo consideravel- que os países-membros da Comunidade
mente. A conscientização de diversos Europeia estabeleçam regras voltadas
profissionais e da população mundial para o bem-estar dos animais de pro-
quanto à qualidade de vida dos ani- dução. A “diretiva do transporte” esta-
mais, impulsionada pelo fenômeno da belece as condições de transporte dos
globalização, tem estimulado a ação de animais e a “diretiva dos animais de
diversas comissões criadas nos últimos produção” regulamenta a qualidade de
anos para o estudo e regulamentação do vida dos animais, sendo essas condições
bem-estar aos animais de produção. fundamentais para a participação de
Em 1997, criou-se o Protocolo de animais em feiras agropecuárias.
Proteção e Bem-Estar Animal, que foi Os Estados Unidos, que têm a
anexado ao tratado estabelecido pela maior população mundial de equinos,
Comunidade Europeia em 2005. Graças possuem uma lei que regulamenta o
a esse protocolo, os animais deixam de transporte animal, mas, na Europa, com
Bem-estar de equinos durante o transporte e eventos equestres 51

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certeza, os critérios de aplicação das re- Juntamente com esse expressivo
gras para transporte e bem-estar animal crescimento do número de pessoas en-
estão muito mais evoluídos. volvidas com os animais, deparamos
O Brasil possui o maior número de com milhares de eventos e competições,
eventos agropecuários anuais do mun- sobretudo das espécies equina, bovina
do. De norte a sul, a tradição das expo- e canina. Consequentemente, o trans-
sições de animais de raça vem crescen- porte de animais atinge importância
do consideravelmente. As Associações considerável.
de Raça de Equinos vêm apresentando Na espécie equina, é comum que ani-
taxas de fomento que chegam, em algu- mais sejam transportados, quer seja para
mas raças, a ultrapassar a faixa de 20% a reprodução, em especial nos meses de
ao ano. O Brasil possui o 3º maior reba- agosto a março, ou para eventos agrope-
nho de equídeos do mundo e, segundo cuários e provas equestres, que aconte-
dados da CNA (Confederação Nacional cem em sua maioria nos meses de março
da Agricultura), de 2006, o Agronegócio a novembro. Infelizmente as condições
Cavalo gera mais empregos que a indús- de transporte desses animais em nosso
tria automobilística e movimenta mais país são precárias, provavelmente por ab-
de R$ 7 bilhões por ano. Desse mon- soluto desconhecimento dos envolvidos,
tante, os eventos equestres apresentam quer sejam órgãos fiscalizadores, trans-
cifras anuais que correspondem a R$ portadores, tratadores, proprietários e
146 milhões, e o transporte de equinos até mesmo Médicos Veterinários.
gera um faturamento em torno de R$86 Nos eventos agropecuários, rara-
milhões por ano. Esses dados permitem mente observam-se cuidados básicos
avaliar o grau de importância das prá- com esses animais que minimizem a fal-
ticas que garantam o bem-estar animal ta de qualidade de vida durante as feiras,
ligadas à equideocultura. que ocorrem em ambiente totalmente
As condições de vida do mundo adverso aos locais originais de vida des-
atual têm incrementado o desejo do ses animais.
“homem da cidade” de criar vínculos Os principais problemas gerados du-
com atividades rurais, próximo às gran- rante os eventos e feiras estão relaciona-
des cidades, e aquisição de animais de dos ao estresse e suas consequências fi-
companhia. Tal fato tem promovido o siológicas e psíquicas. Outros problemas
aumento de criatórios especializados de relacionados ao transporte inadequado
cães e a explosão do número de Centros são a anorexia e rejeição de alimentos,
Equestres nas cidades de médio e gran- redução nas taxas de ingestão de água,
de porte, com o aumento substancial do obstruções esofágicas, cólicas, reações
número de proprietários de animais. alérgicas e traumatismos diversos.
52 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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É fundamental, por- fome, sede, excitação,
Durante eventos
tanto, conhecer e identi- dor e desconforto térmi-
agropecuários ou
ficar os diversos fatores co que interferem direta-
deslocamento para
que comprometem o mente nos sentimentos e
estes, os animais
bem-estar animal duran- emoções e consequente-
são submetidos a
te o transporte e even- mente no bem-estar des-
sensações como medo,
tos agropecuários, ten- ses animais1.
fome, sede, excitação,
tando minimizar suas No Brasil, não exis-
dor e desconforto
consequências. tem normas para o trans-
térmico que interferem
Todos os profissio- porte de animais que se
diretamente nos
nais, das mais variadas baseiem na real necessi-
sentimentos e emoções
áreas, possuem obriga- dade de preservação do
e consequentemente
ções morais com a socie- bem-estar dos animais.
no bem-estar desses
dade, com seus clientes, Na União Europeia,
animais.
com os colegas de pro- existem normalizações,
fissão, para consigo mes- como o guia para trans-
mo e para com sua família. Para os que porte de bovinos e ovinos, criado em
trabalham com a pecuária, cabe ainda 20042. O transporte dessas espécies
outra honrosa obrigação que é o respei- pelo mar também foi normatizado, em
to aos animais. Respeitar os animais é, 2005, pela Organização Mundial de
antes de tudo, proporcionar a eles qua- Saúde Animal (OIE)3.
lidade de vida.
O estresse é um importante fator de
comprometimento do bem-estar, princi-
Bem-estar versus estresse palmente para animais em condições de
no transporte e eventos transporte, apresentação em feiras por
equestres vários dias e vendas em leilões. Muitos
Existem muitas definições de Bem- autores citam a importância do estresse
Estar Animal. A que parece ter maior no bem-estar animal1,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13.
aceitação diz ser um completo estado de É definido como um efeito ambien-
saúde física e mental, es- tal em um indivíduo que
tando os animais em har- O estresse é um interfere no controle sis-
monia com o meio am- importante fator de têmico e reduz sua saú-
biente. Durante eventos comprometimento de ou aparência de estar
agropecuários ou deslo- do bem-estar, saudável1. Tentativas de
camento para estes, os principalmente para interação de um animal
animais são submetidos animais em condições de com o meio ambiente
a sensações como medo, transporte. podem falhar, o bem-
Bem-estar de equinos durante o transporte e eventos equestres 53

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-estar ficar comprometido e
Fotos: Haroldo Vargas Leal Jr.

o estresse ser desencadeado.


As falhas podem estar rela-
cionadas a causas que geram
sentimentos de falta de pra-
zer, e muitos desses prazeres
podem ser psicológicos, não
sendo o estresse obrigato-
riamente relacionado a um
sentimento1.
Figura 1 - Tratamento de laminite desencadeada por Bem-estar refere-se a
desidratação após viagem de três dias
uma ampla extensão de sta-
tus muito bons ou muito
ruins, mas, com certeza, em
um indivíduo estressado, seu
status de vida é ruim1.

Injúrias, doenças e
privações durante
o transporte e
eventos equestres
Smith14 associou o es-
tresse a infecções virais e
Figura 2 - Trauma ocorrido na rampa de embarque bacterianas, exercício inten-

Figura 3. Estresse pré-embarque

54 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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so, cirurgia prévia ao trans-

Fotos: Haroldo Vargas Leal Jr.


porte e às primeiras experi-
ências de viagens de alguns
equinos, sendo estas respon-
sáveis por níveis mais inten-
sos de estresse. O estresse as-
sociado ao transporte pode
desencadear outras patolo-
gias, como laminite, desidra-
tação, doenças respiratórias,
cólicas, obstruções esofági-
cas, diarreia e morte embrio-
nária. Masmann e Woodie9 Figura 4. Rampa com moderado grau de inclinação
também confirmaram que
cavalos que nunca viajaram
têm maior nível de estres-
se em sua primeira viagem.
McClintock e Begg4 com-
provaram que o estresse de
transporte pode predispor
a doenças como a salmone-
lose, devido ao aumento das
taxas de cortisol e supressão
da adrenal, resultando em
Figura 5. Rampa com grande inclinação
deficiências imunológicas.

Figura 7. Trailer para oito cava-


los, com cabeças em ângulo de Figura 6. Cavalos viajando muito próximos, com risco
45o no sentido da viagem de traumas e agressões

Bem-estar de equinos durante o transporte e eventos equestres 55

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As principais le- res predisponentes são a
As principais lesões
sões relacionadas ao inalação de partículas e
relacionadas ao
transporte ocorrem esporos no feno ofertado
transporte ocorrem
na região nasal, nas durante as viagens, gases
na região nasal, nas
extremidades dos extremidades dos tóxicos das descargas dos
membros, musculatu- membros, musculatura veículos, ventilação ex-
ra e coluna vertebral. e coluna vertebral. cessiva e cavalos viajando
Geralmente se devem Geralmente se devem a com a cabeça amarrada
a problemas no em- problemas no embarque sem poderem movimen-
barque e desembarque e desembarque dos tar a cabeça para cima e
dos equinos, freadas equinos, freadas para baixo. Oferta de água
repentinas e curvas repentinas e curvas e eletrólitos são as princi-
acentuadas . Segundo
9
acentuadas. pais medidas preventivas9.
GRADIN et al. , a 6
Em bovinos, o com-
presença de um ou prometimento da ativida-
mais cavalos agressivos em um grupo de ciliar dos pulmões, com redução na
sendo transportado aumenta o número atividade fagocitária dos macrófagos,
de injúrias, devido principalmente às aliado a viroses, predispõe a infecções
mordeduras. bacterianas secundárias, sendo co-
Nos equinos, os três mais comuns mumente associado como a causa do
problemas clínicos que acontecem no Complexo das Doenças Respiratórias
transporte são os traumatismos, a desi- nesses animais15. As doenças respira-
dratação e a pleuropneumonia9. Esses tórias em bovinos ocorrem em 3 a 5%
problemas podem desencadear outras dos animais transportados11. Viagens
doenças e comprometer a saúde desses longas foram fatores desencadeadores
animais, não raramente levando ao óbi- de salmoneloses responsáveis pela mor-
to (Fig. 1 e 2). talidade de um grupo de seis éguas4 (4).
As doenças do transporte de ani- Também foi observado que, no trans-
mais, como a pleuropneumonia ou porte aéreo de equinos, há um favoreci-
“Shipping Fever” (febre dos transportes), mento da febre dos transportes quando
têm sido relatadas nas últimas 3 décadas as viagens são longas e ocorrem várias
e relacionadas às quedas de imunida- paradas para abastecimento, carga e des-
de devido ao estresse e a bactérias dos carga de animais16.
gêneros Salmonella spp e Pasteurella sp. A desidratação e perda de peso
Os sintomas da pleuropneumonia são foram observadas em vários experi-
febre e depressão, com secreções nasais mentos8,13,17,22. Ela é um dos principais
e tosse ocorrendo raramente. Os fato- fatores de perda de desempenho em
56 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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competições e está muitas vezes corre- O transporte de éguas em adian-
lacionada a pobres condições de bem- tado estágio gestacional pode induzir
-estar durante o transporte. Em conse- ao aborto devido a elevadas taxas de
quência às desidratações, pode ocorrer cortisol e quedas nas concentrações
deficiência circulatória nos cascos com progesterônicas18.
consequente laminite, impactações de
cólon menor gerando cólicas, doenças Condições ideais de
musculares e redução da função renal, transporte de equinos
principalmente em cavalos que estejam Na década de 1990, cerca de 200.000
sendo medicados com fenilbutazona9. a 250.000 equinos eram anualmente
Equinos submetidos a viagens com transportados para abatedouros dos
privação de água têm aumento nas ta- EUA e Canadá. O serviço de inspeção
xas de respiração, batimentos cardíacos, desses países não aplica regras severas
proteína total, concentrações de sódio e para o transporte, mas algumas normati-
cloro séricos e consequente desidrata- zações, como oferta de água e alimentos,
ção8,22. A necessidade de ventilação, ferrageamen-
ingestão de água aumen-
Os principais problemas to correto, tipo de piso,
ta durante o transporte e
no transporte de animais forma de embarque e
pode ser prevenida pelo desembarque, tempo de
ocorram no embarque
uso de flavorizantes na descanso, densidade ani-
e desembarque dos
água, aplicação oral de animais, pois, nessa mal, modelos e tipos de
soluções eletrolíticas, etapa, tem-se o maior veículos e trailers para
exercícios leves durante número de injúrias e transporte, foram pro-
paradas a cada quatro a aumento na frequência postas (Fig. 3 a 7)19. O
seis horas e viagens du- cardíaca. uso de protetores para
rante o turno da noite .9
membros, cauda e cabe-
O aumento da tem- ça durante as viagens e
peratura corporal está relacionado à inten- os modelos ideais de trailers para o trans-
sidade de estresse e ao nível de ventilação porte de equinos foram propostos9,17.
dos veículos. Animais desidratados apre- Allup e Chessington correlacionaram
sentam perda de peso. Da mesma forma, os diferentes tipos de veículos utilizados
o aumento na frequência cardíaca ocorre às condições inadequadas de transporte,
em todos os animais quando submetidos sendo esses os principais fatores estres-
ao transporte. Em bovinos, esse aumento santes para animais em trânsito.
é maior que em equinos, pois as opera- Talvez os principais problemas no
ções de embarque geralmente são mais transporte de animais ocorram no em-
agressivas11. barque e desembarque dos animais,
Bem-estar de equinos durante o transporte e eventos equestres 57

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pois, nessa etapa, tem- Em 1999, Stull17
Ao final de uma jornada
-se o maior número de
de 24 horas de viagem, avaliou 9 diferentes mo-
injúrias e aumento na delos de trailers para
ocorrem significativas
frequência cardíaca9,14. transporte de equinos e
mudanças no seu
O aumento da frequên- metabolismo muscular, comprovou que, quanto
cia cardíaca durante o aumento no índice de maior a área individual
transporte de equinos estresse, desidratação, durante o transporte,
é desencadeado no mo- perdas de peso e da maiores são os riscos
mento do embarque, eficiência do sistema de injúrias. O tipo de
chegando a 97 bc/min imunológico. Essas suspensão do trailer e
nos primeiros dois mi- alterações aumentam as rotas de transporte
nutos de transporte e a susceptibilidade a não tiveram influências
caindo nos seis minutos doenças e interferem no no batimento cardía-
seguintes para menos de desempenho de cavalos co, consumo de feno
80 bc/min e para 55 bc/ atletas. e água e temperatura
min com 14 minutos de corporal14.
transporte11. O tempo de viagem interfere na fi-
Cavalos com resistência ao embar- siologia equina. Ao final de uma jornada
que em traillers têm maior predispo- de 24 horas de viagem, ocorrem signi-
sição a injúrias e estresse. Esses dados ficativas mudanças no seu metabolismo
foram comprovados por Shanahan10, muscular, aumento no índice de estres-
que, utilizando o método TTEAM para se, desidratação, perdas de peso e da efi-
treinamento de cavalos para embarque, ciência do sistema imunológico. Essas
proporcionou um menor tempo para alterações aumentam a susceptibilidade
colocar os animais em posição de via- a doenças e interferem no desempenho
gem dentro dos trailers, melhorando os de cavalos atletas13. Em bovinos, viagens
níveis de estresse comprovados por bai- superiores a 30 horas predispõem à fa-
xas taxas de cortisol salivar e de frequên- diga muscular, comprovada pelos níveis
cia cardíaca. Esses animais foram treina- de lactato sanguíneo, e à desidratação,
dos em seis seções de 30 minutos cada. esta medida pelos valores de hematócri-
Lapworth propôs diferentes mo- to e proteína plasmática8,17.
20

delos de rampas para acesso a veículos Quanto à densidade, posição e sen-


de carga animal, indicando que as ram- tido de orientação durante a viagem,
pas não devem ter ângulos superiores a bovinos que viajam no compartimento
20° e condenou os veículos de carga de de trás dos veículos apresentam taxas
dois andares para o transporte de equi- de batimentos cardíacos 3% maiores e
nos e bovinos. carne mais escura que aqueles que via-
58 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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jam no compartimento abertura do evento para
A privação de água
da frente. As densidades
pode ocorrer tanto pela aclimatação e descanso
no transporte (número da viagem. Durante esse
qualidade da água,
de equinos/m2), quando período, ocorre uma sé-
muitas vezes com o
utilizadas em valores me- rie de situações que in-
sabor alterado por
dianos, podem reduzir o terferem no bem-estar
cloro ou por resíduos
estresse em longa distân- dos animais e desenca-
de cal nos cochos
cia, facilitar o controle de deiam diferentes níveis
recém-pintados.
agressividade, propiciar o de estresse. Nas espé-
encontro da melhor posição de viagem, cies bovina e equina, esses problemas
adotar o sentido de orientação preferen- são comuns.
cial e permitir o descanso quando o trai- A apresentação para julgamento em
ler estiver parado6. pista, sonorização alta, desrespeito do
O sentido de orientação, com a ca- público aos animais, intensidade lumi-
beça para frente ou para trás, foi avaliado nosa, área de confinamento e os riscos
por diversos pesquisadores. Não encon- de agressão dos lavadores são alguns dos
traram diferenças entre animais viajan- muitos problemas que agridem a quali-
do em diferentes posições, mas compro- dade de vida desses animais.
varam efeitos estressantes nas alterações A privação de água pode ocorrer
do ângulo de viagem e nas acelerações e tanto pela qualidade da água, muitas
paradas bruscas11. Contudo foi observa-
vezes com o sabor alterado por cloro ou
do que, viajando em posições contrárias
por resíduos de cal nos cochos recém-
ao sentido de viagem, os animais podem
-pintados, como pela displicência dos
adquirir melhor equilíbrio21.
tratadores na tarefa de ofertar água de
qualidade e na fre-
Bem-estar em A pintura de paredes quência necessária.
leilões, feiras das cocheiras dos Outros problemas re-
e exposições parques de exposições lacionados aos tratado-
agropecuárias previamente aos res podem ser o alcoo-
Em geral, os animais
eventos, utilizando “cal lismo, a inexperiência,
expostos em eventos
virgem”, tem o objetivo o descaso com suas
agropecuários necessitam
de embelezamento e obrigações com os ani-
de um grande período de
higienização. Entretanto, mais, entre outros atos
permanência dentro dos
a cal é extremamente de irresponsabilidade.
parques de exposição, que
irritante para os equinos, A preocupação dos
normalmente inicia-se
levando a reações tratadores em organi-
com a chegada prévia à
alérgicas de pele. zar seu local de estada
Bem-estar de equinos durante o transporte e eventos equestres 59

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no parque de exposições, não raramen- Criadores de gado e cavalos têm atu-
te, faz com que eles não priorizem a almente preferido participar de eventos
oferta de alimentos aos animais recém- de curta duração e cujo público seja se-
-chegados de uma viagem e colocados lecionado, pois é crescente o nível de
em suas cocheiras. Na espécie equina, conscientização e preocupação com as
um animal estressado pela viagem e condições de bem-estar de seus reba-
com fome pode ingerir a “cama da co- nhos. Mas, talvez, as condições extre-
cheira”. Comumente essas forrações do mas ocorram justamente nos leilões e
piso são feitas com palha de arroz, e as competições de curta duração. Nestes,
ocorrências de obstruções esofágicas e/ os animais, em períodos de 48 a 72
ou cólicas devido à ingestão desse mate- horas, são submetidos a apresentações
rial são frequentes. sob condições quase sempre agressivas,
A pintura de paredes das cocheiras viagens para o destino do evento, retor-
dos parques de exposições previamente no para seu local de vida ou para um
aos eventos, utilizando “cal virgem”, tem novo lugar, no caso de vendas para no-
o objetivo de embelezamento e higieni- vos proprietários, bem como alterações
zação. Entretanto, a cal é extremamente nos hábitos alimentares, desidratação e
irritante para os equinos, levando a rea- mudanças no meio ambiente, compro-
ções alérgicas de pele. metendo gravemente suas condições de
Alterações frequentes na qualidade bem-estar.
do alimento ofertado pela organização
de eventos podem ocasionar inapetên- Considerações finais
cia e problemas digestivos. Ampliar os conhecimentos sobre o
A agressividade do público visitante Bem-Estar Animal é uma obrigação de
pode levar os animais a se assustarem. todos os Médicos Veterinários e demais
Tal fato desencadeia intensamente o profissionais que lidam responsavelmen-
estresse e pode ser a causa de injúrias e te com os equinos. É necessário que esses
traumatismos. profissionais se conscientizem da neces-
As ocorrências de atendimentos por sidade de aguçar o senso de observação
Médicos Veterinários durante eventos e espírito crítico, visando proporcionar
agropecuários são rotineiras. Os casos de melhores condições de vida aos animais,
doenças pós-eventos, quando os animais quer seja durante o transporte, compe-
retornam ao seu local de vida, também têm tição, leilão ou feira agropecuária, ou no
alta casuística de problemas de saúde, pois dia a dia desses seres em seu habitat.
estão intimamente correlacionados à que- Estudos sobre o assunto ainda são li-
bra de imunidade gerada pelas altas taxas mitados e, em sua maioria, foram desen-
de cortisol circulante durante os eventos. volvidos em países de clima temperado.
60 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 60 11/12/2012 14:14:42


Nesses países, as vias rodoviárias são de Review. Proceedings of the 2nd International Conference
on Equine Rescue, v.15, n.4, p.141-144, 1995.
excelente qualidade, bem diferente da 10. SHANAHAN, S. Trailer loading stress in horses:
nossa realidade. Sugere-se que a pesquisa behavioral and physiological effects of nonaver-
sive training (TTEAM). Journal of Apllied Animal
objetive determinar fatores ambientais Welfare Science, v.6, n.4, p. 263-274, 2003.
que interfiram na qualidade de vida des- 11. SMITH, B.L.; JONNES, J.H.; CARLSON, G.P.;
PASCOE, J.R. Effect of body direction on heart
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em um país com a dimensão do Brasil,
13. STULL, C.L. and RODIEK, A.V. Physiological
coberto por precária malha rodoviária, response of horses to 24 hours of transportation
using a commercial van during summer condi-
certamente trarão novos referenciais tions. Journal of Animal Science, v.78, n.6, p.1458-
para a qualidade de vida dos animais. 1466, 2000.
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Bem-estar de equinos durante o transporte e eventos equestres 61

ct dez2012.indb 61 11/12/2012 14:14:42


Bem-estar de animais
de trabalho

bigstockphoto.com
Baity Boock Leal1 - CRMV-MG: 7979
Rafael Resende Faleiros2* - CRMV-MG: 3905
1
Médica Veterinária da PUC Minas Betim
2
Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais
*Autor para correspondência: faleiros@ufmg.br

Introdução de forma cultural quanto econômica3.


Bovinos, equinos, muares, camelos, ele-
No mundo, cerca de dois bilhões x
fantes, dentre outros, foram os princi-
O objetivo desta revisão é elucidar
pais provedores da força motriz para o
os principais fatores relacionados ao
mundo, antecedendo a urbanização e a
bem-estar em animais de trabalho, per-
evolução dos combustíveis4.
mitindo uma melhoria da qualidade de
Com a difusão da industrialização,
vida desses animais.
as máquinas foram substituindo, rapida-
mente, a força animal, devido à grande
Utilização de equídeos potência, velocidade e facilidade de ma-
para trabalho nuseio3. No entanto, atualmente, a força
Desde o início das civilizações, os animal ainda compreende 50% da força
animais de trabalho tiveram contribui- bruta na agricultura, enquanto que o
ção significativa para a sociedade2, tanto combustível, apenas 30%, nos países em
62 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 62 11/12/2012 14:14:43


desenvolvimento4. Esse fator é explica- mente para os proprietários dos equi-
do pela facilidade de investimentos em nos. Essas incluem facilidade de lida, de
maquinaria nessas propriedades, sendo fornecimento da alimentação e de de-
justificados apenas em fazendas com tecção precoce de doenças pelos funcio-
maior nível tecnológico de produção2. nários. Para os animais, a proteção con-
Equinos e muares são utilizados no tra os eventos da natureza amenizam o
campo aproveitando-se sua força mo- impacto negativo no seu bem-estar5.
triz em várias funções, como cultivo da No entanto, de modo geral, o con-
terra, transporte de cargas a curtas distân- finamento para a espécie equina vai
cias, lida com outros animais e transporte contra sua natureza. Isso porque, em
do próprio homem3. seu ambiente natural, os equinos pas-
Além de sua importância na agricul- sam 60% do tempo pastando (Fig. 1),
tura, os animais de trabalho compõem
enquanto em confinamento, recebendo
o ambiente urbano, exercendo não so-
alimentação pré-determinada, utilizam
mente função de trabalho, mas também
apenas 10% do seu tempo para esse fim
na segurança pública, como, por exem-
(Fig. 2)5. A restrição de pastejo e de con-
plo, equinos da cavalaria, bem como
vívio social, a chamada socialização, a
cães de policiamento.

Efeitos da função 20%


Comer

exercida pelo
Estação
equídeo sobre o seu 60%

bem-estar 10%
Deitado
10%
Na espécie equina,
existem várias situações Outros

que podem interferir na


qualidade de seu bem- Figura 1. Perfil comportamental de equinos em liberdade (5)
-estar, variando de acordo
com a atividade a que os Comer
animais estão submetidos. 65%

Os equinos utilizados em Estação

ambientes urbanos estão, 15%


Deitado
invariavelmente, submeti- 5%
15%
dos ao confinamento por Outros
uma questão de espaço. Há
vantagens do sistema de Figura 2. Perfil comportamental de equinos sob confinamento
confinamento principal- restrito recebendo feno e ração duas vezes ao dia (5)

Bem-estar de animais de trabalho 63

ct dez2012.indb 63 11/12/2012 14:14:45


intensidade da atividade ma situação ocorre com
A restrição de pastejo
física e a baixa ingestão os equídeos do México,
e de convívio social, a
de volumoso são fatores que carregam pesos ex-
chamada socialização,
ligados ao confinamen- cessivos (madeiras, ferro
a intensidade da
to que podem ser con- atividade física e a baixa e pessoas) e por longos
siderados fatores estres- ingestão de volumoso períodos. Além disso,
santes para os equinos, são fatores ligados os animais são iniciados
prejudicando a qualida- ao confinamento que ainda novos nesse tipo
de de seu bem-estar5,6. podem ser considerados de trabalho, com 8idade
Muitas vezes, os ani- fatores estressantes para média de 20 meses .
mais de trabalho não os equinos, prejudicando Dores em decorrên-
recebem o tratamento a qualidade de seu cia do trabalho exaustivo
necessário tanto duran- bem-estar. também afetam 90% dos
te o trabalho quanto na cavalos no Paquistão.
recuperação do desgaste Após a avaliação física
físico. Pouca importância é dada na hora desses animais, pôde-se evidenciar que
de atrelar o animal ao sistema de trans- esses animais apresentavam artrites e
porte (carroça, troncos). O transporte tendinites crônicas, além de sofrerem de
deve ocorrer sem gerar estresse que supe- desidratação e estresse térmico4.
re a capacidade fisiológica do animal ou A socialização entre animais é de
danificar tecidos, mas isso, muitas vezes, extrema importância, tanto para os
pode ocorrer apenas pelo mau posiciona- equídeos quanto para outras espécies.
mento dos arreios7. Animais com restrição de convívio so-
O excesso de trabalho é outro fa- cial podem apresentar desvios compor-
tor que afeta o bem-estar dos equinos e tamentais, como estereotipias, demons-
muares. Foi demonstrado na Índia que trando o bem-estar pobre a que estão
os muares que trabalham com carrega- submetidos9. Além disso, a socialização
mentos de tijolos chegam a trabalhar em permite maior segurança à espécie equi-
torno de oito a doze horas sob um calor na, já que são animais-presas10.
de mais de 40°C e com cargas com peso Indícios de bem-estar pobre podem
muito acima de sua capacidade física . ser observados também em equinos
4

Em consequência, a maioria desses utilizados em policiamento urbano no


animais demonstrou dores crônicas e Brasil. Em trabalho realizado em 2007,
desidratação, além de graus variados de demonstrou-se que equinos de poli-
apatia. Essas observações indicam no- ciamento urbano, na maioria das vezes,
tória situação de bem-estar pobre a que passam longos períodos nas ruas das ci-
esses animais estão submetidos. A mes- dades sob calor forte e barulho intenso.
64 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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Ao retornarem aos es- Muitas vezes, por ra-
A socialização entre
tábulos, os animais são zões financeiras, o espa-
animais é de extrema
colocados em suas baias,
importância, tanto para ço destinado aos animais
muitas vezes sem cama e é restrito, não existindo
os equídeos quanto
sem realizarem interação área para socialização
para outras espécies.
com outros animais. Esse nem para exercícios.
Animais com restrição
manejo inadequado para de convívio social podem Além disso, até mesmo a
essa espécie desencadeia apresentar desvios higiene desse ambiente
a ocorrência de com- comportamentais, e dos animais pode estar
portamentos anormais como estereotipias, comprometida pela alta
para a espécie, como, demonstrando o bem- densidade populacional,
por exemplo, coprofagia, estar pobre a que estão acarretando dissemina-
aerofagia, dança de lobo submetidos. ção de doenças. Fatores
(Fig. 3). Esses compor- como espaço físico e hi-
tamentos são associados giene do ambiente são
a estresse crônico. Nesse mesmo estudo, fundamentais para uma boa qualidade
correlacionaram-se situações de estresse de vida .
8,9

crônico com bem-estar pobre, identifi-


cando um maior número de episódios de Utilização de outras
abdômen agudo em animais estabulados espécies para trabalho
e em trabalho de policiamento urbano Bovinos também são utilizados para
quando comparados a animais em liber- a tração agrícola ou transporte de cargas
dade e que não realizavam nenhum tipo ou de pessoas e podem ter seu bem-estar
de serviço11. comprometido, como, por exemplo, pelo
Equinos e muares sofrem maus-tra- mau posicionamento dos arreios, acar-
tos e agressões por seus proprietários retando lesões de pele e músculos, além
frequentemente. Jumentos carregadores de perda da capacidade de tração do
de tijolos no Egito, por exemplo, têm animal1,7. Além disso, esses animais são
seu esforço duplicado com o aumento muitas vezes transportados para outros
do número de carregamentos, com o locais pelos seus proprietários de forma
acúmulo de resíduos no fundo da car- incorreta, a fim de realizar trabalhos em
roça e com a baixa pressão do pneu da outras propriedades ou cidades. Nessa
carroça. Em contrapartida, o carroceiro situação, fatores como espaço físico, dis-
utiliza agressão física para que o animal tância da viagem, condições da estrada,
mantenha o mesmo desempenho, sem, temperatura ambiente e realização de pa-
no entanto, avaliar o impacto no bem- radas estratégicas para descanso podem
-estar dos animais4. influenciar o bem-estar durante o trans-
Bem-estar de animais de trabalho 65

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Fotos: Baity Leal

Figura 3. Comportamentos anormais observados nos equinos da Cavalaria da Polícia Militar


de Minas Gerais: (A) Aerofagia, (B) Coprofagia, (C e D) “Dança de lobo” (11)

porte e ao chegarem com outros cães e


ao destino .
9 Bovinos também são utilizados humanos faz parte
Os cães também para a tração agrícola ou do bem-estar desses
têm função de ani- transporte de cargas ou de animais, diminuindo
mais de trabalho, pessoas e podem ter seu a ocorrência de com-
como, por exemplo, bem-estar comprometido, portamentos anor-
podem ser utiliza- como, por exemplo, pelo mau mais e melhorando
dos pela polícia para posicionamento dos arreios, a convivência com
identificação de ar- acarretando lesões de pele seus proprietários e
mas, explosivos, pes- e músculos, além de perda treinadores9,13.
soas desaparecidas e da capacidade de tração do Outra espécie
drogas . Tanto estes
12 animal. não muito comum à
últimos quanto os realidade brasileira,
cães-guia de pessoas com deficiências porém muito usada na África e Ásia, são
físicas ou mentais necessitam de treina- os elefantes. No início das civilizações,
mento e de bem-estar adequados, já que a população de elefantes estava presente
a responsabilidade envolvida é grande. em toda a área da África e parte da Ásia.
Fatores como qualidade de treinamen- No entanto, a partir da década de 70,
to e interação com o treinador ou mi- o número de exemplares dessa espécie
litar tem influência no temperamento reduziu-se drasticamente14. Os elefan-
do animal, podendo acarretar agressi- tes asiáticos e africanos têm uma longa
vidade ou docilidade9. A socialização história de domesticação, tendo sido
66 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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Fotos: Baity Leal

utilizados como animais movem grupos de aten-


de trabalho desde os Fatores como qualidade dimento a campo, com
primórdios. Foram uti- de treinamento e equipes de médicos ve-
lizados como armas de interação com o terinários e voluntários,
guerra por Alexandre, o treinador ou militar a fim de avaliar as con-
Grande (326 d.C), pelo tem influência no dições de sanidade des-
seu porte e capacidade temperamento do ses elefantes16. Um fator
de transportar os arma- animal, podendo preocupante quanto à
mentos . Atualmente,
15 acarretar agressividade sobrevivência dos ele-
os elefantes são utili- ou docilidade fantes é a necessidade de
zados para os mais va- um ambiente adequa-
riados fins, como passeios e atrações do. Comparado aos anos 60, a região
turísticas, meio de transporte nas gran- de florestas da Tailândia cobria 50%
des cidades e para cultivo da terra. No do território, enquanto que atualmen-
entanto, o manejo desses animais é re- te se restringe a 15%15. A expectativa
alizado usualmente de forma inadequa- de devastação ambiental que assola as
da. Os filhotes são apartados de suas grandes reservas ambientais do mundo
mães logo após o nascimento e sofrem compromete as perspectivas de sobrevi-
maus-tratos, indo até mesmo a óbito vência e bem-estar desses animais.
em alguns casos. Com o objetivo de Outra espécie muito utilizada para
melhorar o bem-estar desses animais, trabalho são os exemplares da família
organizações não governamentais pro- Camelidae, que compreende camelos,
Bem-estar de animais de trabalho 67

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dromedários, lhamas. São espécies alta- carga, já que seus proprietários sugerem
mente resistentes ao ambiente desérti- que seus animais estão mais lentos para
co, por meio de adaptações, como, por exercer o trabalho porque estão pregui-
exemplo, olhos com membranas que çosos. No entanto, se for avaliar o peso
evitam o ressecamento, calosidades nas da carga, a desnutrição e contexto álgico
protuberâncias ósseas para que o ani- desse animal, pode-se concluir que não
mal fique mais confortável ao se deitar se trata de preguiça, mas sim de incapa-
e capacidade de aproveitar águas sal- cidade física de exercer o trabalho.
gadas17. Atualmente, essas espécies só Os impactos psíquicos de um bem-
existem sob regime de domesticação na -estar pobre são de difícil acesso. No
Arábia Saudita e vêm sendo introduzi- entanto, os fatores físicos, como insta-
das em outras regiões do mundo, como lações, nutrição, indicadores comporta-
América do Sul18. O camelo é utiliza- mentais e clínicos, podem ser importan-
do pelo homem, principalmente, para tes para uma avaliação mais detalhada.
transporte de carga e de pessoas, para No caso dos equinos, alterações com-
policiamentos e para jornadas de longas portamentais e clínicas, como abdômen
distâncias. Esses animais podem percor- agudo, podem ser indícios importantes
rer entre 130 a 200 km por dia e carregar de bem-estar pobre.
até 200 kg por 60 km. No entanto, essas Baseado nesses fatores, o papel do
qualidades, muitas vezes, são superes- médico veterinário pode tanto incre-
timadas pelos seus proprietários e, por mentar, identificando possíveis fatores
consequência, os animais acabam sendo de risco, como depreciar o bem-estar
utilizados em demasia, sofrendo danos de um animal, permitindo algumas si-
físicos17,18. Devido à dependência do ser tuações de sobrecarga física e alterações
humano para sua sobrevivência, os ca- clínicas, como quadros dolorosos agu-
melos e dromedários têm de sobreviver dos ou crônicos. Dessa forma, esse pro-
sob condições de espaço físico restrito fissional pode influenciar melhorando a
e alimentação inadequada, comprome- qualidade do bem-estar de um animal
tendo seu bem-estar. de trabalho.
A fim de acrescentar ao estudo do
Considerações finais Bem-Estar Animal, são necessárias no-
A avaliação do bem-estar de um vas pesquisas aplicadas a esses animais
animal muitas vezes é dificultada devi- de trabalho. Isso porque, identificando
do ao efeito do antropomorfismo, ou a realidade a que esses animais estão
seja, ato de caracterizar os animais com submetidos, é possível sugerir modifi-
sentimentos humanos. Isso pode ser cações visando incrementar a qualidade
exemplificado no caso dos equinos de do bem-estar dos animais de trabalho.
68 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 68 11/12/2012 14:14:45


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Bem-estar de animais de trabalho 69

ct dez2012.indb 69 11/12/2012 14:14:45


Bem-estar animal
na cunicultura
intensiva

Matheus Anchieta Ramirez1*


Walter Motta Ferreira1 - CRMV-MG: 0175/Z
1
Escola de Veterinária da
Universidade Federal de Minas Gerais
*Autor para correspondência: matheusarta@yahoo.com.br bigstockphoto.com

Introdução foi importado da Europa, sofrendo ape-


nas algumas adaptações, sendo a criação
A cunicultura no Brasil é uma ati- intensiva com os animais confinados em
vidade ainda pouco difundida entre os gaiolas.
produtores. Quando comparamos os É por esse motivo que se torna inte-
efetivos dos rebanhos de bovinos e os ressante discutir o bem-estar na cunicul-
de coelhos (2,2 milhões de cabeças e tura, onde os animais estão totalmente
262 mil, respectivamente), temos a di- dependentes e vulneráveis ao manejo
mensão do quão pouco explorada é a que lhes é imposto.
atividade no Brasil.
Por outro lado, as explorações que A cunicultura intensiva
existem no Brasil, ao contrário do que A criação intensiva de coelhos se
se esperaria, operam com um considerá- faz em gaiolas de arame galvanizado
vel grau de especialização, podendo ser (Fig.1), onde os animais recebem dietas
consideradas bem tecnificadas. O mo- peletizadas em cochos, podendo ser die-
delo de cunicultura existente no Brasil tas completas (Fig.2) ou complementa-
70 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 70 11/12/2012 14:14:45


das com fornecimento os custos de produção3
A elevação da densidade
de forragens. e, consequentemente,
de criação, no entanto,
Historicamente, os aumentando a lucrativi-
leva ao empobrecimento
esforços de pesquisa dade da atividade4.
do bem-estar dos
em torno da cunicultura A elevação da densi-
animais por reduzir o
intensiva se concentra- dade de criação, no en-
espaço para locomoção e
ram na determinação de tanto, leva ao empobre-
exercícios.
dietas que promoves- cimento do bem-estar
sem um maior ganho dos animais por reduzir
de peso, aumento dos índices repro- o espaço para locomoção e exercícios
dutivos e o aumento da densidade de (Fig.3). Nesse sentido, foi consenso
criação sem diminuição dos parâmetros entre os pesquisadores que o limite má-
zootécnicos. ximo de lotação das gaiolas deveria ser
Essas preocupações da pesquisa de 40Kg/m2, pois, em lotações maiores,
promoveram, de fato, maior ganho de o consumo de ração é reduzido, o que
peso e maior número de animais por é atribuído mais ao desconforto do que
metro quadrado. A busca pelo maior ao acesso restrito ao comedouro2.
rendimento total de carne por metro Outro ponto que empobrece o
quadrado resultaria na otimização das bem-estar dos animais é a maximização
1,2

instalações e da mão de obra, reduzindo da densidade energética das dietas. O

Fotos: Matheus Ramirez

Figura 1. Criação intensiva em sistema


convencional com gaiolas elevadas sobre Figura 2. Detalhe de uma dieta completa
canaleta. peletizada fornecida à matriz e sua ninhada.

Bem-estar animal na cunicultura intensiva 71

ct dez2012.indb 71 11/12/2012 14:14:46


coelho é um animal que apresenta a par- o grau de umidade relativa do ar no in-
ticularidade da cecotrofia, fenômeno no terior da granja deve ser mantido entre
qual parte das fibras mais digestíveis da 60 e 75%, mas aceita-se 55 e 85% como
ingesta é direcionada para o ceco, onde limites de segurança7,8.
sofre um processo de fermentação. Se a O aumento de gás amoníaco e de
dieta é muito rica em amido, parte deste dióxido de carbono no interior das
acaba indo para o ceco granjas está relaciona-
onde será fermentado do com maior número
pela microbiota local, A deficiência sanitária de lesões pulmonares e
produzindo uma grande é apontada como maior isolamento pulmonar
quantidade de ácidos. causa de problemas de bactérias9. Nas cria-
A acidificação do meio
na cunicultura na ções intensivas, deve ser
propicia o crescimento
Europa11. Pode-se dado destaque à boa ae-
de bactérias patogêni-
observar que isso ração do ambiente, pois
é verdade também
cas, como a E. coli e o esta possibilita a reno-
no Brasil, devido à
Clostridium perfringens, vação do ar viciado, o
adoção de modelos
o que pode gerar o qua- qual apresenta elevadas
padronizados,
dro clinico conhecido quantidades dos gases
importados
como Enterite Mucoide. CO , H S e NH , e asse-
principalmente da 2 2 3
As doenças digestivas Europa. Com certeza, gura a perfeita oxigena-
são as mais comuns na isso afeta negativamente ção dos animais. Por ou-
cunicultura e a Enterite o bem-estar dos animais. tro lado, deve-se garantir
Mucoide é a principal que haja trocas gasosas
doença encontrada nas sem correntes de ar, que
granjas (Fig.4).
5
são prejudiciais aos coelhos7.
As doenças respiratórias vêm em A zona de conforto térmico de co-
segundo lugar no ranking das patologias elhos está compreendida entre 15 e
mais frequentes nos sistemas intensivos 20oC, com temperaturas mínimas de 06
de criação5, e os problemas respiratórios a 08oC e máximas de 28 a 30oC8,10.
estão normalmente associados aos mo- A deficiência sanitária é aponta-
dernos sistemas de produção intensiva, da como maior causa de problemas na
estando sua gravidade relacionada com cunicultura na Europa11. Pode-se ob-
fatores ambientais e de manejo6. A alta servar que isso é verdade também no
umidade relativa do ar e velocidade do Brasil, devido à adoção de modelos pa-
vento inadequada, muito lenta ou rápi- dronizados, importados principalmente
da, são combinações que favorecem as da Europa. Com certeza, isso afeta nega-
doenças respiratórias5 (5), sendo que tivamente o bem-estar dos animais.
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O estresse na criação potente para a secreção do hormônio
intensiva adrenocorticotrófico, que, por sua vez,
estimula a secreção de glicocorticoides
A reação de medo dos coelhos frente pela glândula adrenal16. Os glicocor-
aos seus tratadores é considerada como ticoides prejudicam o sistema imune,
um dos maiores fatores estressantes na reduzindo a produção de anticorpos
criação intensiva de coelhos12. e o número de células de defesa circu-
Outro fator é o pe- lantes, o que pode ge-
queno espaço disponí- A legislação europeia rar falhas nas defesas
vel para os animais nas sobre o Bem-Estar do animal durante uma
gaiolas, o que limita seus Animal contempla três infecção16,17.
movimentos, impedin- aspectos: proteção dos A produção de adre-
do-os de expressar suas animais dentro dos nalina em excesso cor-
manifestações naturais, sistemas produtivos, no responde, quase de ime-
resultando em altera- momento do transporte e diato, a perturbações de
ções de ordem higiêni- ao abate. natureza circulatória,
co-sanitária, comporta- respiratória e também
mentais e produtivas13. digestiva . Dentre as alterações diges-
18
A necessidade de espaço é um fator tivas, destaca-se a redução do peristal-
preocupante, pois coelhos criados para
tismo intestinal, com prejuízos ao fenô-
produção de carne, ou mesmo como co-
meno da cecotrofia. Essa alteração na
baias de laboratórios, são mantidos em
cecotrofia, com consequente alteração
pequenas gaiolas que, em alguns casos,
no trânsito intestinal, predispõe o ani-
possuem apenas duas ou três vezes o
mal à Enteropatia Mucoide.
tamanho do animal, restringindo seus
Por esses motivos, deve-se tomar
movimentos14.
atitudes que reduzam o estresse crônico,
A temperatura ambiente mere-
que é aquele capaz de diminuir a capa-
ce destaque, especialmente no Brasil.
cidade imunológica do organismo, con-
Temperaturas acima de 24oC provocam
correndo, assim, para um melhor status
aumento na frequência respiratória, ina-
sanitário das explorações19.
petência e redução do consumo de ali-
mentos15. Desse modo, para se fornecer
O bem-estar na
conforto térmico aos animais, a ambiên-
cia deve merecer uma atenção especial.
cunicultura
O estresse por tempo prolongado A legislação europeia sobre o Bem-
pode causar uma redução na resposta Estar Animal contempla três aspectos:
imunológica dos animais, predispondo- proteção dos animais dentro dos siste-
-os a doenças3. O estresse é um estímulo mas produtivos, no momento do trans-
Bem-estar animal na cunicultura intensiva 73

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Matheus Ramirez

Figura 3. Lesão nas


patas em matriz criada
em gaiola de arame
galvanizado

porte e ao abate. problemas sanitários na exploração.


Alguns sinais de bem-estar pobre
Particularidades dos coelhos
surgem de medições fisiológicas, como,
por exemplo, batimentos cardíacos ace- Quando se trata do bem-estar de co-
lerados, nível de adrenalina, nível de elhos, deve-se ter em mente que, ao con-
adrenalina após estímulo com ACTH trário do que se poderia pensar, esses
ou resposta imunológica reduzida após animais são notavelmente rústicos, con-
um estímulo20. O mesmo autor afirma tando com grandes recursos de adapta-
que um indivíduo que não seja capaz de ção ao ambiente, e podem apresentar
adotar uma postura preferida, apesar de bons índices produtivos mesmo quan-
tentativas repetidas, será avaliado como do as condições de criação levam a um
tendo um nível de bem-estar mais bai- bem-estar pobre. Isso alerta para o fato
xo do que outro que pode adotar essa de que a análise de índices zootécnicos,
referida postura. Outros indicadores sem a necessária relação com outros pa-
de bem-estar pobre na cunicultura são râmetros fisiológicos, comportamentais
ossos quebrados, principalmente dos e sanitários, não é um indicador pleno
membros locomotores, algumas anor- de bem-estar.
malidades de comportamento decor- Ao mesmo tempo, porém, sabe-se
rentes de abrigos inadequados, sinais de que, entre as espécies domésticas, os
desnutrição e sinais de doenças metabó- coelhos são uma das espécies mais sen-
licas ou infecciosas, coelhas comerem síveis às condições do ambiente em cria-
os filhotes e a ocorrência frequente de ções extremamente confinadas, além da

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Matheus Ramirez

Figura 4. No cen-
tro da canaleta,
sinais de diarréia,
principal sinto-
ma da Enterite
Mucoide

completa dependência da intervenção resultados muito ruins, devido à alta


humana nessa forma de criação12,22. E mortalidade de láparos e à agressividade
a dificuldade em definir o conceito de de algumas fêmeas, o que tem desesti-
bem-estar nos animais domésticos e mulado os investimentos nesses siste-
avaliá-lo mediante critérios objetivos é mas de produção23.
maior na cunicultura, devido à grande Outra intervenção que se faz para
presença da espécie em estado silvestre, melhorar o bem-estar das reprodutoras
o que gera um confundimento sobre é o uso de gaiolas enriquecidas, com dois
qual seria o hábito natural no animal pavimentos, onde o inferior funcionaria
doméstico23. como toca, proporcionando, em tese,
uma condição de vida mais próxima do
Propostas alternativas natural. Porém, os resultados zootécni-
para melhorar o bem- cos com o uso desse tipo de instalação
estar na cunicultura ainda são muito controversos.
A fase de engorda é a mais estudada
Na coelha reprodutora, a criação nos aspectos de bem-estar e, dentre eles,
em grupos, o tamanho da gaiola e a a diminuição das densidades de criação
substituição dos tratamentos hormo- e o enriquecimento ambiental dos sis-
nais na reprodução são os principais temas23. Nos atuais sistemas de criação
temas estudados. A recria das matrizes
de coelhos, em gaiolas de 40x60x60 cm,
em grupos, que era cogitada como uma
com quatro ou mais coelhos, é impossí-
possibilidade de enriquecimento do
vel que os animais adotem uma postura
bem-estar das fêmeas, tem apresentado
Bem-estar animal na cunicultura intensiva 75

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mais confortável e que expressem seu expressar melhor seu comportamento
comportamento natural, como cavar ou natural. Esses sistemas têm apontado
saltar. queda no ganho de peso e no consumo
O piso mais comum, de grade, pode de ração, fazendo com que a conversão
causar lesões nas patas dos animais, e o alimentar seja semelhante à das gaiolas.
uso de barras de ferro em vez dos ara- Existe a tendência em privilegiar os ti-
mes promoveria um enriquecimento pos de alojamento nos quais os coelhos
ambiental24. A redução no espaçamen- possam expressar o maior número pos-
to entre os arames poderia diminuir o sível de comportamentos, qualificados
risco de lesões, mas, por outro lado, po- como naturais, como exercitar-se por
deria provocar a retenção das fezes nas meio de pequenos saltos, levantar-se
gaiolas que, em contato com os animais, sobre as patas traseiras e roer26. Essas
comprometeria as condições sanitárias mudanças na qualidade de locomoção
e o bem-estar dos animais. Nesse senti- podem explicar as diferenças na quali-
do, há a necessidade de substituição dos dade dos fêmures, mais resistentes nos
pisos tradicionais para coelhos recriados sobre
evitar o aparecimento de Formas alternativas camas. Outra vantagem
pododermatites ulcera- de criação, que desse sistema quando
tivas, decepamento dos promoveriam melhor a recria é feita em lotes
membros e outras alte- bem-estar, concentram- grandes é a geração de
rações das extremida- se na recria dos animais um importante espaço
des, que são comuns na em pisos sólidos com livre disponível para que
cunicultura intensiva25. cama de serragem ou os animais se exercitem,
Formas alternativas palhas. A maioria dos devido ao comporta-
de criação, que promo- autores afirma que a mento natural dos coe-
veriam melhor bem- recria em cama fornece lhos de se juntarem para
-estar, concentram-se na condições muito boas de descansar. Os animais
recria dos animais em bem-estar aos animais e que podem se exercitar
pisos sólidos com cama que esse sistema favorece têm demonstrado uma
de serragem ou palhas. a melhor qualidade de reação melhor ao estres-
A maioria dos autores carne. se de transporte ao ma-
afirma que a recria em tadouro, apresentando
cama fornece condições muito boas menores níveis de cortisol, em 6%, e de
de bem-estar aos animais e que esse fosfocreatina, em 46%, no momento do
sistema favorece a melhor qualidade abate, em comparação com os coelhos
de carne23. Há um consenso de que os recriados em gaiolas26.
animais recriados sobre camas podem Na comparação entre o sistema de
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recria convencional, em dental de pedaços des-
Outro fato, muito
gaiolas, e o sistema em
importante, é que vários ses objetos para a saúde
boxes com acesso a for-
países, ao colocarem em e bem-estar dos animais.
ragens, foi encontrada Apenas recentemen-
prática sua legislação
maior mortalidade no te têm sido feitos esfor-
sobre o bem-estar,
grupo dos animais re- ços para verificar qual o
passaram a exigir
criados em gaiolas con- método de transporte
automaticamente as
vencionais27. Já a com- mesmas práticas para a e abate é menos estres-
paração na recria entre importação de carnes, o sante para os animais.
gaiolas convencionais e Geralmente, os parâ-
que poderia configurar
sobre cama de serragem, metros estudados são
como uma barreira
encontrou-se maior ga- comercial não tarifária os níveis plasmáticos
nho de peso e maior à entrada da carne de de corticosteroides e de
consumo de alimento coelhos nesses mercados. fosfocreatina e os níveis
para a recria em cama de musculares de lactato.
serragem, e não houve Foi demonstrado que
interferência dos tratamentos na qua- o transporte tem um grande potencial
lidade da carne dos animais27. Os mes- estressante para os animais , e que a in-
28

mos autores afirmaram que o piso com sensibilização elétrica é menos traumá-
serragem enriqueceu muito fracamente tica para os animais do que a insensibili-
o bem-estar dos animais, parecendo ser zação mecânica .
23

mais confortáveis apenas para os ani-


mais pesados no final da recria.
Implicações econômicas
Outro tipo de enriquecimento das das exigências de bem-
gaiolas que tem sido estudado é a colo- estar na cunicultura
cação de pedaços de madeira ou palhas, Um ponto capital nas normativas
para que os animais possam mordiscar. sobre o bem-estar é sua repercussão
Há uma intensa discussão, se a ingestão econômica nas explorações, principal-
desses materiais pode reduzir a densida- mente no tocante à densidade de cria-
de nutricional da dieta, o que compro- ção, pois uma queda na densidade de
meteria o desempenho dos animais, mas recria aumentará os custos de produ-
reduziria o risco de os animais serem ção19. Os mesmos autores afirmam que
acometidos por Enterite Mucoide. A a diminuição da lotação das gaiolas de
colocação de objetos nas gaiolas, como 10 para sete coelhos (elevando o espaço
latinhas de alumínio, também tem sido por coelho de 400 para 571 cm2) leva a
utilizada, mas deve-se ponderar sobre o uma queda de 50% na margem líquida
risco de ferimentos ou de ingestão aci- das explorações. Isso é um fator preo-
Bem-estar animal na cunicultura intensiva 77

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cupante, pois IVIA-CITA29, no estudo Considerações finais
econômico das explorações de coelhos
Há a necessidade de se repensar os
na Espanha, aponta que a atividade não
sistemas de criação comercial de co-
é rentável.
elhos com vistas a enriquecer o bem-
Outro fato, muito importante, é
-estar dos animais. Porém, o aumento
que vários países, ao colocarem em prá-
dos custos de produção sem o respecti-
tica sua legislação sobre o bem-estar,
vo aumento dos preços recebidos pelos
passaram a exigir automaticamente as
produtores pode tornar essa atividade
mesmas práticas para a importação de
inviável economicamente. Os parâme-
carnes, o que poderia configurar como
tros de bem-estar devem ser definidos
uma barreira comercial não tarifária
cientificamente, para que esse requisito
à entrada da carne de coelhos nesses
não se torne uma barreira comercial não
mercados30.
tarifária.
A pesquisa em bem-estar na cuni-
cultura não deve tirar do foco o prisma
Referências bibliográficas
econômico, pois são necessárias várias
1. FERREIRA, W.M. Densidade populacional, es-
alterações nos sistemas para gerar a me- tress e desempenho produtivo de coelhos para
lhoria desse parâmetro. Não se pode corte em recria. Cad. Téc. Esc. Vet., Belo Horizonte,
v.2, p. 31-40, 1987.
esquecer, também, que os países ricos
2. OLIVEIRA M.C.; ALMEIDA C.V. Desempenho
terão mais facilidade para a implemen- de coelhos em crescimento criados em diferen-
tação dessas mudanças que os países tes densidades populacionais. Arq. Bras. Med. Vet.
Zootec.,v.54, n.5, p. 530-533, 2002.
mais pobres. As normas sobre o bem-
3. OLIVEIRA, M.C.; ARANTES, U.M.; ALVES, J.A.
-estar devem ser pautadas em resultados Desempenho produtivo e contagem de linfócitos
científicos, o que não retira totalmente de coelhos sexados submetidos a duas densidades
populacionais. Ciência Animal Brasileira, v. 4, n. 2,
a subjetividade dessas normas, pois elas p. 109-115, 2003.
continuarão envolvendo aspectos éti- 4. CAVALCANTE NETO, A. et al. Efeito da densi-
cos. Porém, isso impediria a utilização dade populacional sobre o desempenho de coe-
do bem-estar como barreira comercial30. lhos em crescimento. Biotemas, v. 20, n.3, p. 75-79,
Set. 2007.
Se as condições de bem-estar real-
5. ROSELL, J. Enfermedades del aparato respira-
mente melhoram a qualidade de vida tório del conejo em explotaciones intensivas.
dos coelhos, reduzindo as enfermida- Perspectivas clinicas. V Jornadas Profesionales de
Cunicultura, Tortosa, Nov. 2003. p.21.1-21.7.
des e a mortalidade, e se os mercados
6. PERCY, D.H.; BARTHOLD, S.W. Pathology of
consumidores pagarem mais por esse Laboratory Rodents and Rabbits. 2.ed. Blackwell
produto, os próprios produtores se en- publishing. 2001. 284p.
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78 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 78 11/12/2012 14:14:46


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Bem-estar animal na cunicultura intensiva 79

ct dez2012.indb 79 11/12/2012 14:14:46


Enriquecimento
ambiental: conceitos
básicos e considerações
relevantes

Edgar Onoda

Marcela Peixoto Roscoe - CRMV-MG: 8212


Geraldo Eleno Silveira Alves* - CRMV-MG: 3612
Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Geras
*Autor de correspondência: geraldoeleno@vet.ufmg.br

Introdução As dificuldades na promoção de um


manejo ideal para animais em cativeiro,
Atualmente, a necessidade de se
sejam eles silvestres ou domésticos, são
manter em confinamento animais das
enfrentadas em todo o mundo, tornan-
mais variadas espécies encontradas pelo
do-se fundamental a inclusão de progra-
mundo é inegável e se justifica por inú-
mas que preencham os requisitos bási-
meros motivos, sendo os principais: a
educação ambiental, a pesquisa, os pro- cos de bem-estar dos animais mantidos
jetos de conservação, a criação comer- nessas condições.
cial e para serem animais de companhia. A saúde está diretamente ligada à
Porém, animais confinados em cativeiro felicidade, tristeza e estresse, tanto no
podem apresentar diversos problemas homem como nos animais. Porém, nos
de origem fisiológica e psicológica, uma animais, esses sentidos não são facil-
vez que seu ambiente é muito restrito, mente mensurados. Por esse motivo o
estéril e não responsivo, impedindo que conceito de bem-estar animal é basea-
eles tenham controle sobre as próprias do na observação de comportamentos
ações. frente às experiências de dor e prazer.
80 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 80 11/12/2012 14:14:47


O cuidado e ma- melhorias no ambiente,
O enriquecimento
nutenção de todos os proporcionando um
ambiental surge
animais em zoológicos, maior bem-estar animal.
como um criativo
laboratórios, canis, fa-
princípio de manejo Definição de
zendas e outros devem que busca melhorar Enriquecimento
ser associados a um a qualidade de vida Ambiental
ambiente que promova desses animais, através
saúde e bem-estar, sa- O ambiente natural
principalmente da em que um animal vive
tisfazendo as necessida- promoção dos estímulos constitui-se de uma rica
des psicológicas em um ambientais necessários à
mistura de diversos es-
ambiente que forneça manutenção do seu bem-
tímulos. O indivíduo
uma estimulação ade- estar físico e psicológico. deve responder apro-
quada para a espécie que
priadamente para sobre-
abriga.
viver e reproduzir. Quando um animal
O enriquecimento ambiental surge
se encontra em cativeiro, seu compor-
como um criativo princípio de manejo
tamento é afetado drasticamente, sendo
que busca melhorar a qualidade de vida
causado, na maioria dos casos, por estí-
desses animais, através principalmente
mulos insuficientes na ocupação do seu
da promoção dos estímulos ambientais
tempo de atividade, induzindo diferen-
necessários à manutenção do seu bem- tes respostas de comportamento, como
-estar físico e psicológico. Na prática, o tédio, aborrecimento e estereotipias1.
enriquecimento abrange uma infinida- Definiu-se enriquecimento ambien-
de de técnicas e mecanismos inovadores tal como sendo o conceito que descreve
que incrementam o ambiente dos ani- como o ambiente de animais em cativei-
mais que se torna mais complexo e di- ro pode ser mudado para benefício dos
nâmico, diversificando suas oportunida- seus habitantes2.
des de expressar comportamentos mais O enriquecimento
próximos aos naturais, ambiental proporciona
realizando seus padrões Definiu-se
condições adequadas
de atividades diárias e enriquecimento
de vida e cuidados para
controle do ambiente. ambiental como sendo
uma espécie, diminuin-
O objetivo deste se- o conceito que descreve
do as respostas de es-
minário é revisar a lite- como o ambiente de
tresse relacionadas ao
ratura que trata do enri-
animais em cativeiro
cativeiro. O enrique-
quecimento ambiental,
pode ser mudado para
cimento ambiental é o
com propósito de res-
benefício dos seus
fornecimento de estí-
habitantes.
saltar a importância das mulos que promovem a
Enriquecimento ambiental: conceitos básicos e considerações relevantes 81

ct dez2012.indb 81 11/12/2012 14:14:47


expressão de comporta- impraticável em quase
Os objetivos do
mentos e atividades men- todos os ambientes de
enriquecimento são:
tais apropriados à espécie cativeiro, mas fornecer
aumentar a diversidade
em um ambiente sem es- alguns possíveis com-
e/ou número de
tímulos . É um processo
3 ponentes críticos do
comportamentos
dinâmico que muda as ambiente natural6.
normais da espécie;
práticas de manejo com reduzir a frequência Objetivos do
o intuito de aumentar as de comportamentos Enriquecimento
escolhas, habilidades e anormais; aumentar a Ambiental
comportamentos da es- utilização positiva do Os objetivos do
pécie, melhorando seu ambiente; aumentar a enriquecimento são:
bem-estar4. habilidade de lidar com aumentar a diversidade
O enriquecimento dificuldades de uma e/ou número de com-
ambiental envolve a adi- maneira mais natural. portamentos normais
ção de elementos ao am-
da espécie; reduzir a
biente ou mudança no
frequência de comportamentos anor-
seu método de apresentação, o que au-
mais; aumentar a utilização positiva do
menta a sua complexidade, resultando
ambiente; aumentar a habilidade de li-
em efeitos benéficos no comportamen- dar com dificuldades de uma maneira
to e outros aspectos biológicos e funcio- mais natural4; aumentar as habilidades
nais do indivíduo. Um ambiente enri- cognitivas do animal; aumentar o inte-
quecido apresenta desafios aos quais os resse e melhorar a educação de visitan-
animais estão evolucionariamente adap- tes e funcionários; eliminar a frustração
tados em um ambiente incapacitante a e melhorar a reprodução; utilizar em
respostas naturais. É proporcionado aos programas de reintrodução de espécies
animais um aumento de oportunidades ameaçadas; e reduzir o número de inter-
de executar comportamentos, como venções clínicas7.
atingir objetivos e aumentar o controle O enriquecimento
sobre o seu ambiente ambiental pode ser usa-
físico e social por opor- Um objetivo comum do como incentivo eco-
tunidades de retirada, para o estudo do nômico. Um objetivo
procura, aproximação e enriquecimento é o comum para o estudo do
interação5. aumento da produção enriquecimento é o au-
O objetivo final do com a melhoria da mento da produção com
enriquecimento am- taxa de crescimento e a melhoria da taxa de
biental não é de copiar conversão alimentar e crescimento e conversão
a natureza, o que seria
redução de perdas. alimentar e redução de
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perdas, como, por exemplo, perdas com investigação. Animais submetidos a
mortalidade, ferimentos, baixas taxas um bem-estar pobre, constantemente
de crescimento e piora na qualidade da possuem a fisiologia e o sistema imune
carne. Estas podem ser reduzidas com alterados, e seu uso em experimentos
a diminuição de brigas, automutilações científicos pode gerar resultados pou-
e redução de respostas de fuga quando co confiáveis. Em termos científicos e
manuseado, transportado ou trocado de éticos, o bem-estar e o enriquecimento
ambiente. O enriquecimento ambiental ambiental de animais de pesquisa de-
também melhora a imagem pública da vem ser uma preocupação importante
produção animal, aumentando a con- de veterinários, técnicos e cientistas .
8

fiança dos consumidores5. Como conhecer a espécie a ser


Em animais silvestres e de zoológi- enriquecida?
cos, o enriquecimento ambiental é usa-
As condições ambientais dos ani-
do para melhorar o bem-estar e possibi-
mais em cativeiro devem se aproximar
litar treinamento, principalmente para
ao seu estado natural para que se atenda
animais que serão reintroduzidos na
ao nível de saúde da espécie1. Antes de
natureza, estimulando comportamen-
introduzir qualquer estímulo de enri-
tos naturais específicos, como procura
quecimento ambiental em um recinto, é
de alimentos, orientação espacial, fuga
necessário que se faça um estudo sobre
de predadores e socialização entre a
os hábitos e comportamentos da espé-
espécie. O ambiente enriquecido deve
cie a ser enriquecida, com o intuito de
oferecer ao animal em cativeiro um
tornar o enriquecimento compatível a
senso de controle, resultando da habi-
ela7.
lidade de tomar decisões, como se es-
conder, quando e como Levantamento
se alimentar e em qual Antes de introduzir bibliográfico
temperatura e ambiente qualquer estímulo O conhecimento da
permanecer . 1 de enriquecimento espécie é muito impor-
Para se assegurar re- ambiental em um tante e pode ser feito
sultados científicos con- recinto, é necessário através de levantamen-
fiáveis, o animal usado que se faça um estudo tos bibliográficos para
em pesquisas deve pos- sobre os hábitos e delimitar o que já se co-
suir fisiologia e compor- comportamentos da nhece sobre a espécie.
tamentos normais, dimi- espécie a ser enriquecida, A pesquisa bibliográfica
nuindo efeitos adversos com o intuito de tornar pode ser realizada em
específicos que podem o enriquecimento bibliotecas (livros e re-
alterar os resultados da
compatível a ela. vistas científicas) e na
Enriquecimento ambiental: conceitos básicos e considerações relevantes 83

ct dez2012.indb 83 11/12/2012 14:14:47


internet, em sites especializados ou de e dependendo dos objetivos do estudo,
busca (por exemplo: www.periodicos. pode ser completo, abrangendo todos
capes.gov.br; www.google.com, www. os tipos de comportamento, ou parcial.
ethograms.org). As definições utilizadas devem ser claras
e detalhadas7,9.
Observações preliminares
A coleta de dados também pode Como enriquecer um recinto?
ser feita por observação dos animais. Para se implementar o enriqueci-
Porém é necessário saber quais com- mento ambiental, deve-se seguir nove
portamentos são importantes, qual o passos5:
método de coleta mais eficiente e por i. Identificar claramente o proble-
quanto tempo os dados serão coletados ma a ser resolvido e qual será
(total de horas suficientes para respon- o objetivo do enriquecimento
der a questão). De acordo com os obje- ambiental.
tivo da pesquisa, deve-se escolher entre ii. Desenvolver e testar hipóteses
6 e 12 comportamentos para explicar a causa do
mais relevantes para o O etograma é um problema. Se o objetivo
estudo. Em projetos de catálogo do repertório do enriquecimento é re-
enriquecimento, o tem- comportamental dos duzir comportamentos
po mínimo de observa- indivíduos estudados. considerados anormais,
ção do comportamento É também conhecido conhecer a motivação
e coleta de dados é de 60 como inventário do animal para o desen-
horas, divididas em três
comportamental volvimento desse com-
fases de 20 horas – an-
ou taxonomia portamento irá ajudar
comportamental. a identificar o método
tes da aplicação do en-
riquecimento, durante apropriado para resolver
a introdução dos estímulos e depois da o problema.
aplicação do enriquecimento7. iii. Quando houver o entendimen-
to do mecanismo em questão, a
Formulação do etograma técnica de enriquecimento pode
Após todos os dados preliminares ser desenvolvida para testar a
serem coletados, é o momento de for- hipótese de como o problema
mular o etograma. O etograma é um pode ser resolvido. Conhecer o
catálogo do repertório comportamental comportamento natural dos ani-
dos indivíduos estudados. É também mais e o valor de sinais em res-
conhecido como inventário comporta- posta a diferentes estímulos em
mental ou taxonomia comportamental, seu habitat natural e ambiente
84 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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social pode ser o mais eficiente dispositivo, objeto ou mudança.
método de identificação de es- O enriquecimento ambiental
tímulos relevantes ou oportuni- não pode ser considerado apro-
dades perdidas pelo cativeiro o priado se estimular o desenvol-
qual deve ser usado como fonte vimento de comportamento
de enriquecimento ambiental. anormal.
iv. Incorporar complexidade sufi- viii. Assegurar que o animal tenha
ciente no enriquecimento para capacidade de controle ao tipo
evitar resposta muito simples ou e nível de estímulo de enrique-
movimentos retidos. Aumentos cimento recebido. O modelo
discretos de complexidade no de enriquecimento deve permi-
ambiente não irão gerar um re- tir o animal responder a desa-
pertório de comportamentos fios com respostas adaptativas,
desejáveis. como a capacidade de se mover
v. Aplicar a técnica de enriqueci- rapidamente ao esconderijo se
mento de maneira sistêmica. um objeto estranho aparecer
Pesquisas em que um grande inesperadamente.
número de variáveis é utilizado ix. Conduzir uma análise de custo-
ao mesmo tempo são de difícil -benefício para identificar o
interpretação, resultando em método mais efetivo de enri-
métodos menos efetivos e de quecimento para um objetivo
custo mais elevado do que o específico.
necessário.
vi. Levar em conta os efeitos de ex-
Fisicamente
periências prévias e a habilidade A área ocupada pelo animal deve
de adaptação a um ambiente en- ser projetada de acordo com a espécie,
riquecido. Efeitos residuais de tamanho, peso, sexo, idade e número
outros estímulos de enriqueci- de indivíduos do grupo, levando-se em
mento e mudança para um am- conta também o volume da área, poden-
biente novo devem ser avaliados. do utilizar o espaço tridimensional au-
vii. Descrever cuidadosamente a mentando o espaço limitado do cativei-
resposta ao ro. Comprimento, largura
estímulo pro- O enriquecimento físico e altura devem ser cuida-
p o rc i o nad o. pode ser feito alterando- dosamente planejados1.
Não é suficien- se a forma, a composição O enriquecimen-
te apenas se re- ou a complexidade do to físico pode ser feito
ferir ao uso do recinto. alterando-se a forma, a
Enriquecimento ambiental: conceitos básicos e considerações relevantes 85

ct dez2012.indb 85 11/12/2012 14:14:47


composição ou a com- ção motora, incitando
Muito mais importante
plexidade do recinto . 7
estímulos cognitivos e
que o tamanho do
Um dos maiores desa- habilidade de memória,
recinto é o que ele tem
fios do enriquecimento
para oferecer ao animal. principalmente espacial,
ambiental é como usar e aumentando o senso
de maneira eficiente de segurança do animal4.
as áreas disponíveis para os animais. O aquecimento artificial pode ser
Ambientes pequenos (área e volume) usado para se obter áreas de temperatu-
aumentam a incidência de movimentos ra e umidade variadas. Aquecimento de
estereotipados e outros comportamen- rochas artificiais, troncos, jatos de água
tos anormais envolvendo a locomoção, fria e quente podem fornecer diferentes
porém mesmo em espaços muito restri- níveis de temperatura em ambientes ter-
tos o enriquecimento pode ser usado6. restres e aquáticos. O controle da lumi-
Muito mais importante que o ta- nosidade também pode criar gradientes
manho do recinto é o que ele tem para artificiais, sendo controlado por um ti-
oferecer ao animal7. A “mobília” do re- mer, para se evitar uma superexposição,
cinto é composta de objetos que podem ou até mesmo sendo controlado por
ser adicionados, retirados e mudados de dispositivos acionados pelos próprios
local dentro do cativeiro4; poleiros, cor- animais10.
das, troncos, galhos, pedras, manilhas,
mangueiras, plantas, areia, folhas secas,
Socialmente
serragem, enfim, objetos que estimulem A socialização é importante em ani-
ou disponibilizem o uso de uma área mais que naturalmente vivem em gru-
maior do recinto, sendo usados em es- pos sociais, podendo ser usado como
tratificações verticais ou simplesmente enriquecimento ambiental nessas espé-
horizontais, dependendo da espécie7. cies. Geralmente animais vivem em gru-
O fornecimento de pos por duas razões: au-
diferentes tipos de “mo- mentar a probabilidade
A socialização é
bília” deve ser espécie- de achar comida e evitar
considerada o melhor
-específica e objetivo- método para enriquecer predadores. Mas, além
-específico. A posição da a vida de um animal em disso, viver em um gru-
mobília associada com cativeiro. po social é uma enorme
o fornecimento de ali- fonte de estímulo, sendo
mentos, água e termor- tão complexo e diversifi-
regulação podem promover um aumen- cado, que dificilmente pode ser substi-
to do comportamento de exploração, tuído pelo enriquecimento ambiental.
melhorando a força física, coordena- Apesar disso, a socialização é considera-
86 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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da o melhor método para enriquecer a da atividade física, melhorando a saúde
vida de um animal em cativeiro4. musculoesquelética e cardiovascular,
Para se implementar o enriqueci- praticando e aprendendo habilidades de
mento social, é de extrema importância sobrevivência, ganhando familiaridade
o conhecimento das ca- com o ambiente, melho-
racterísticas do grupo. O uso do enriquecimento rando a comunicação
Na natureza os animais social aumenta o e construindo relações
geralmente vivem em comportamento sociais12.
grupos hierárquicos de brincadeiras Animais que não
compostos por machos, dos animais. O foram criados pela mãe
fêmeas e filhotes, po- comportamento natural ou em seu gru-
dendo formar subgru- de brincadeiras é po social podem desen-
pos dentro de grupos considerado importante volver comportamentos
maiores (ex.: fêmea e porque estimula a sociais anormais. Por
seus filhotes) .
4 função adaptativa, esse motivo é impor-
No enriquecimento, melhorando a saúde. tante assegurar que os
pode-se alterar o tama- filhotes tenham contato,
nho e a composição do grupo, forne- por pelo menos algumas
cendo companhia real, intraespecífica horas do dia, com o tipo de grupo social
ou interespecífica7. Quando um agru- em que ele se desenvolveria. No caso de
pamento social não é possível, pode- animais de companhia, laboratório e de
-se usar o contato visual com outros fazenda, é importante não somente o
animais com o uso de janelas6, estátuas desenvolvimento de comportamentos
e espelhos11. O local a ser enriquecido normais para a espécie como a sociali-
deve possuir áreas para se esconder e zação com humanos, principalmente no
para atividade em grupo10. período da infância, o que resultará em
O uso do enriquecimento social au- animais menos estressados ao contato
menta o comportamento de brincadei- humano .
4

ras dos animais. Na maioria das espécies, Sensorialmente


esse pode ser visto como uma atividade
solitária ou como intera- O enriquecimento
tividade social. O com- O enriquecimento sensorial pode ser fei-
portamento de brinca- sensorial pode ser feito to com o fornecimento
deiras é considerado com estímulos: visuais, de diversos estímulos:
importante porque esti- auditivos, olfativos, visuais (imagens), au-
mula a função adaptati- táteis, alimentar e ditivos (sons variados),
va, incluindo o aumento gustativos. olfativos (cheiros de ali-

Enriquecimento ambiental: conceitos básicos e considerações relevantes 87

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mentos, sangue, presas ou predadores), gestibilidade e energia, consumindo-os
táteis (objetos para manipulação, subs- durante a maior parte do dia4.
tratos diferenciados), alimentar (dife- Porém, em cativeiro, devido à res-
rentes tipos de manejo e apresentação trição econômica, ao grande volume
dos alimentos) e gustativos (sabores de alimentos e à dificuldade de mane-
que normalmente não são fornecidos jo, há impossibilidade de se fornecer
na dieta do animal)7. uma alimentação espécie-específica4.
Geralmente os herbívoros são alimen-
Alimentos
tados com concentrados ou forragens
Em cativeiro, onde os indivíduos secas e os consomem rapidamente, em
não dependem de nenhum esforço para oposição ao que ocorre na natureza13,
procurar, coletar ou caçar seus alimen- enquanto os carnívoros recebem carne,
tos, uma importante maneira de enri- eliminando o tempo que gastariam com
quecimento é aumentar a caça4.
o tempo gasto com a O enriquecimento O enriquecimen-
aquisição dos alimen- alimentar pode ser to alimentar pode ser
tos, pois, em vida livre, usado para aumentar o usado para aumentar o
muitas espécies gastam tempo de processamento tempo de processamen-
a maior parte do seu e alimentação dos to e alimentação dos
tempo nessa atividade. animais com o uso animais com o uso de
Modificações na dieta, de frutas congeladas, frutas congeladas, ali-
envolvendo variações alimentos escondidos em mentos escondidos em
no intervalo, na frequ- buracos ou sob a cama, buracos ou sob a cama,
ência, tipo, variedade, aparelhos ou dispositivos aparelhos ou dispositi-
quantidade e qualidade de liberação lenta de vos de liberação lenta de
dos alimentos funcio- alimentos. alimentos ou substitui-
nam como enriqueci- ção por alimentos que
mento alimentar .7
necessitam de processamento, como
Para se estabelecer o enriquecimen- espigas inteiras de milho, castanhas, ou
to alimentar, é importante saber a eco- que aumentem a saciedade e o tempo
logia, o porte e o comportamento de de digestão, como os alimentos ricos em
alimentação do animal. Por exemplo: fibras5,6. Também é importante lembrar
um animal pequeno, em geral, consome que o alimento deve ser bem distribuído
alimentos altamente energéticos, po- para reduzir a agressividade entre mem-
dendo consumi-los várias vezes ao dia, bros do mesmo grupo, o que poderia
enquanto animais grandes conseguem diminuir o tempo de consumo6.
sobreviver com alimentos de baixa di- Para carnívoros, podem-se utili-
88 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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zar presas vivas, con- Vários tipos de brin-
Um brinquedo é
sideradas altamente quedos e objetos podem
considerado um
enriquecedoras para ser usados para o enri-
objeto que estimula
predadores, aumentan- quecimento, como, por
o comportamento
do o tempo, esforço, exemplo: cordas usadas
de brincadeira, que
concentração, perícia,
envolve a manipulação, como cabo-de-guerra,
estimulando um com- colocadas entre duas áre-
desenvolvendo a
portamento social, com
coordenação locomotora as de cativeiro ou usadas
a possibilidade de do- pelo tratador; objetos
e visual.
minância, cooperação e para mastigação, man-
aprendizado. Porém, na maioria das ve- gueiras, pneus, bolas; dispositivos para
zes, esse tipo de alimentação não é bem esconder alimentos; etc1.
aceito por questões éticas, e sistemas Jamais o item de enriquecimento
que imitam a fuga da presa podem ser poderá se tornar parte do recinto, pois
usados5. a essência da técnica está na novidade e
Brinquedos e objetos imprevisibilidade que este traz ao ani-
A adição de brinquedos e objetos mal em cativeiro. Se o animal permane-
no ambiente dos animais em cativeiro é cer muito tempo de posse do enriqueci-
talvez o enriquecimento ambiental mais mento, ele perderá o interesse ou poderá7
empregado. Seu uso re- ficar superestimulado .
flete a grande disponi- Os objetos e brinquedos É improvável que um
objeto irá continuar a
bilidade, simplicidade e não podem ser vistos
familiaridade. Em geral como a “panaceia” ou desencadear altos níveis
um brinquedo é consi- remédio para todos os de estímulo investigató-
derado um objeto que males do enriquecimento rio se não houver algu-
estimula o comporta- ambiental. ma recompensa ou uma
mento de brincadeira, consequência funcional,
que envolve a manipu- como, por exemplo, a
lação, desenvolvendo a coordenação descoberta de comida .
5

locomotora e visual. Porém nem todos Os objetos e brinquedos não podem


os animais são acostumados com brin- ser vistos como a “panaceia” ou remédio
quedos, podendo desenvolver respostas para todos os males do enriquecimen-
de fuga. Também é importante lembrar to ambiental, uma vez que possuem
que o comportamento de brincadeira é relevância ou complexidade insuficien-
mais comum em animais jovens, com te se comparados aos desafios a que
exceção de algumas espécies domestica- os animais estão evolucionariamente
das, particularmente o gato e o cão4. adaptados5.
Enriquecimento ambiental: conceitos básicos e considerações relevantes 89

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Por estímulos O enriquecimento
mais efetivos para o
cognitivos ambiental deve ser um
desenvolvimento de
ambientes e técnicas
O enriquecimento am- componente do manejo
de manejo mais ade-
biental por estímulos cog- diário de animais em
quados. A avaliação
nitivos é composto pelas cativeiro, sendo regra
dos níveis de estresse
oportunidades de aprendi- para melhorar seu
e de bem-estar permi-
zado e escolha, introduzin- bem-estar.
te a utilização desses
do dispositivos que incen-
estudos em projetos
tivem o animal a resolver
conservacionistas, de produção e de
problemas complexos, aumentando sua
criação.
capacidade cognitiva. Podem ser dispo-
A identificação e correção das fontes
sitivos mecânicos, como os quebra-ca-
de estresse em ambiente de cativeiro,
beças, ou o treinamento do animal, tam-
que interferem na saúde, no comporta-
bém conhecido como condicionamento
mento e nos níveis de reprodução e pro-
operante com reforço positivo7.
dução das espécies, torna-se um desafio
O treinamento é usado como enri-
constante para os profissionais.
quecimento ambiental uma vez que di-
O enriquecimento ambiental deve
minui o tédio, melhora o relacionamento
ser um componente do manejo diário
com humanos, aumenta a atividade física
de animais em cativeiro, sendo regra
e brincadeiras intra e interespecíficas, me-
para melhorar seu bem-estar. É um ali-
lhorando consideravelmente o bem-estar
mento para o cérebro, sendo tão impor-
dos animais em cativeiro. Os animais po-
tante para a saúde e o bem-estar quan-
dem ser treinados de forma que facilite
to uma dieta balanceada. Já que algum
a sua manipulação (por ex.: separar-se
estresse é inevitável e se torna parte do
do grupo social, entrar em locais desco-
manejo de animais domésticos, de ani-
nhecidos, como trailers e caixas de trans-
mais em fazendas, zoológicos e labora-
porte, aceitar os cuidados veterinários)
tórios, devemos desenvolver infinitas
e como forma de aumentar a eficácia de
pesquisas para determinar técnicas de
outros tipos de enriquecimento, princi-
manejo tão detalhadamente descritas e
palmente com o uso de brinquedos14.
comprovadas como são feitas na repro-
dução e a na nutrição.
Considerações finais
O estudo de comportamentos de Referências bibliográficas
animais confinados não somente con- 1. LOZANO-ORTEGA, I. Managing animal beha-
tribui para o bem-estar destes, mas tam- vior throught enviromental enrichment with emphasis
in rescue and rehabilitation centers. Trinity: Durrel
bém auxilia na elaboração de métodos Wildlife Conservation Trust, 1999. Disponível

90 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 90 11/12/2012 14:14:47


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tion: interactive management of wild and captive ment in environmental enrichment kaleido-
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8, p. 167 – 177. AAZP National Convention, 1992. Toronto.
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REINHARDT, V.; REINHARDT, A. Anais…1992. p. 1 -5.
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Horizonte: Cativo, 2005. Apostila.

Enriquecimento ambiental: conceitos básicos e considerações relevantes 91

ct dez2012.indb 91 11/12/2012 14:14:47


Bem-estar e
enriquecimento
ambiental para gatos
domésticos
Fabíola Bono Fukushima - CRMV-MG: 7378
Christina Malm* - CRMV-MG: 3105
Escola de Veterinária da Universidade
Federal de Minas Gerais
*Autor para correspondência: malm@vet.ufmg.br

Introdução
Existem muitos mitos e opiniões so- bigstockphoto.com

bre gatos domésticos e sobre a melhor


forma de abrigá-los. Estudos a respeito
do comportamento e do bem-estar de
gatos surgiram apenas nas últimas dé- sistema nervoso de animais através de
cadas, devido à crescente popularidade um ambiente enriquecido de forma
do gato doméstico como animal de esti- sensorial e motora, além de melhorar o
mação1,2,3 e pelos problemas comporta- bem-estar do animal, tem efeitos benéfi-
mentais manifestados por essa espécie, cos em parâmetros morfológicos, mole-
que constituem a razão culares e fisiológicos do
primária de abandono Ambientes enriquecidos cérebro. Acredita-se que
e eutanásia de gatos nos estimulam demandas ambientes enriquecidos
Estados Unidos2. sensoriais, motoras estimulam demandas
Baseados na ideia e cognitivas, sensoriais, motoras e
de que um corpo e uma além de reforçar cognitivas, além de re-
mente saudáveis reque- comportamentos como forçar comportamentos
rem exercícios físicos aprendizado, interações como aprendizado, inte-
e mentais, estudos in- sociais, atividade física e rações sociais, atividade
dicam que exercitar o exploração. física e exploração4.

92 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 92 11/12/2012 14:14:48


Enriquecimento cativeiro convencionais eram estéreis,
ambiental entediantes e insuficientes para a saúde
psicológica dos animais. Assim, de iní-
O termo “enriquecimento ambien- cio, o enriquecimento significava sim-
tal” já foi definido de diversas formas. plesmente a introdução de objetos para
Em 1925, Robert Yerkes introduziu o brincar em recintos pequenos e pobres,
conceito de que “a maior possibilidade nos quais o volume de confinamento
para melhorar a satisfação de prima- era fixo. Durante os anos 90, o termo
tas em cativeiro se baseia na invenção
gerou seu próprio campo de questiona-
e instalação de instru-
mento científico e pas-
mentos que possam
Ambiente enriquecido: sou a ser referido como
ser usados para brincar
processo dinâmico no qualquer aspecto físico,
ou trabalhar”5. O gru-
qual as mudanças nas social, de projeto ou de
po de trabalhos cien-
manejo que pudesse
tíficos da Associação estruturas e nas práticas
melhorar o comporta-
de Zoológicos e de manejo são realizadas
Aquários Americanos com o objetivo de mento no micro-habitat
(Enrichment Working aumentar as escolhas de animais em cativei-
Group of the Behavior comportamentais ro, em qualquer lugar
and Husbandry disponíveis para os ou condição, incluin-
Advisory) definiu enri- animais e prolongar do em ambientes de
quecimento como “um comportamentos e pesquisas científicas4,5.
processo dinâmico no habilidades espécie- Atualmente, as técnicas
qual as mudanças nas específicos, assim de enriquecimento am-
estruturas e nas práticas melhorando o bem-estar biental são tidas como
de manejo são realiza- animal essenciais para o manejo
das com o objetivo de de animais de zoológico
aumentar as escolhas comportamentais e de laboratório, animais de produção
disponíveis para os animais e prolongar e de companhia. Diversas abordagens
comportamentos e habilidades espécie- são descritas visando ao enriquecimen-
-específicos, assim melhorando o bem- to para primatas não humanos
8,9,10
e
-estar animal” .
6 podem ser adaptadas para animais de
O enriquecimento está relaciona- companhia.
do à adição de ingredientes que estão Entretanto, para discorrer acerca de
faltando em um ambiente empobreci- enriquecimento ambiental para gatos
do7. Durante a década de 80, muitos domésticos, é necessário determinar-
profissionais de zoológicos america- mos as condições mínimas de bem-es-
nos perceberam que os ambientes de tar para a espécie. Em 1965, o Comitê
Bem-estar e enriquecimento ambiental para gatos domésticos 93

ct dez2012.indb 93 11/12/2012 14:14:48


Brambell discutiu sobre o bem-estar interno e externo, identificação
de animais de produção em sistemas individual (microchip ou co-
intensivos e propôs que estes deveriam lar) e pronto acesso a cuidados
se beneficiar das cinco liberdades: livres veterinários;
de fome e sede; livres de desconforto; iv. Oportunidades de expressar a
livres de dor e doenças; ter liberdade maioria dos comportamentos
para expressar seus comportamentos normais, incluindo comporta-
naturais; e livres de medo e estresse . 11 mentos com relação a animais da
Desde então, essas liberdades têm sido mesma espécie ou a humanos;
empregadas para avaliação do bem-estar v. Proteção contra condições que
de animais de produção, bem como dos possam levar a medo e estresse.
de laboratório e zoológico. Contudo, as Diante disso, a introdução de técni-
dificuldades aparecem cas de enriquecimento
quando tentamos deter- Fornecimento de uma ambiental privilegia es-
minar o comportamen- dieta balanceada, pecialmente a quarta e a
to normal dos animais espaço adequado e quinta liberdades e pode
de companhia e quão abrigo, cuidados de ser feita através de mu-
prejudicial é a impossi- saúde, oportunidades danças no ambiente físi-
bilidade de expressá-lo. de expressar co, social, sensorial, ocu-
Nesse sentido, pro- comportamentos pacional e nutricional.
põe-se uma adaptação
normais e proteção. Essas mudanças levarão
das cinco liberdades à melhora da saúde físi-
para gatos domésticos :3 ca e mental, resultando em restabeleci-
i. Fornecimento de uma dieta ba- mento do bem-estar animal .
3

lanceada, de acordo com a neces-


sidade nutricional de cada fase da Enriquecendo o ambiente
vida do animal, e água fresca; de gatos domésticos
ii. Fornecimento de espaço ade- Na história das sociedades, os gatos
quado e abrigo, sem extremos não foram domesticados da mesma ma-
de temperatura, luz adequada, neira que cães ou animais de produção.
baixos níveis de ruídos, limpeza Sua história está relacionada ao controle
adequada, em ambiente exclusi- de doenças em humanos transmitidas
vamente interno ou com acesso por roedores, uma vez que estes sempre
externo; se sentiram atraídos pelas sociedades
iii. Fornecimento de cuidados de e, em contrapartida, significavam uma
saúde, incluindo vacinação, dieta apropriada para o pequeno felí-
castração, controle parasitário deo. Dessa forma, os humanos permiti-
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ram que os gatos acom- No Reino Unido, a
Problemas específicos
panhassem seus grupos, maioria dos gatos tem
associados ao
mas não houve seleção acesso ao ambiente ex-
confinamento incluem
para melhorar caracte- terno, e alguns autores
tédio, agressividade
rísticas comportamen- com pessoas e outros consideram que esse
tais específicas, como gatos, medo, redução da seja o modo mais natural
ocorreu com os cães .2
capacidade reprodutiva, de vida desses animais.
O gato doméstico anorexia, afastamento Contudo, gatos de vida
evoluiu do gato sel- de grupos sociais, livre têm maiores chan-
vagem africano (Felis perseguição à própria ces de serem expostos a
silvestris libyra), um cauda, estereotipias e doenças infecciosas, de
carnívoro que vivia em automutilação se envolverem em bri-
ambientes arenosos e gas com outros gatos ou
gramíneos, onde se es- com animais de outras
conder era uma prática normal na caça espécies, de sofrerem acidentes ou mor-
por alimento e na sobrevivência. Desse rerem por atropelamento, ou ainda, de
modo, é comum que gatos de compa- se perderem1,3. Por outro lado, o espaço
nhia ou de laboratório expressem esses disponível para gatos confinados em
mesmos comportamentos adaptati- casa ou apartamento é inevitavelmente
vos. Adicionalmente, gatos vivem em menor quando comparado com o de ga-
grupos matriarcais nos quais as fêmeas tos que têm acesso ao ambiente externo,
compartilham os cuidados dos filhotes tornando-os mais propensos a desen-
e os machos ajudam nesses cuidados até volver problemas comportamentais1.
a maturidade sexual (seis a nove meses) Entretanto, é importante ressaltar que
ou social (dois a quatro anos). Nesse o aumento apenas das dimensões do
sentido, a ausência ou desequilíbrio da espaço pode não significar incremento
estrutura social desses animais confina- dos níveis de atividade12. Nesse sentido,
dos em casas ou em laboratórios pode é ideal uma melhora na qualidade do es-
provocar desordens de ansiedade e, paço, que pode ser alcançada através do
consequentemente, alterações compor- enriquecimento ambiental, abrangendo
tamentais. Problemas específicos asso- as diversas formas de manejo.
ciados ao confinamento incluem tédio,
agressividade com pessoas e outros ga- Busca por alimento
tos, medo, redução da capacidade repro- O fornecimento de alimento duas
dutiva, anorexia, afastamento de grupos vezes ao dia, ou mesmo ad libitum, não
sociais, perseguição à própria cauda, es- representa nenhum tipo de desafio para
tereotipias e automutilação2. o gato. Na natureza, gatos passariam até
Bem-estar e enriquecimento ambiental para gatos domésticos 95

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com o intuito de pre-

Fabíola Fukushima
servar a sensação de
surpresa tão benéfi-
ca ao animal. Com
o passar do tempo,
desde que o dono
constantemente va-
rie alguns dos locais
onde coloca o ali-
mento, a atitude de
confinamento tem-
porário virá a refor-
çar ainda mais o estí-
mulo e tornará mais
desafiante a “caça”
por comida3,12,13.
Figura 1. Felino doméstico observando fonte de água corrente
adaptada, feita com uma bomba utilizada em aquários, acoplada Água
a uma mangueira plástica e a uma vasilha de água.
A maioria dos
seis horas por dia caçando suas presas, donos tem por hábito fornecer água
com uma taxa de sucesso de uma tenta- no mesmo cômodo em que fornece
tiva para cada três. Assim, faz-se neces- comida. Na natureza, gatos caçam suas
sário tornar interessante e estimulante presas e buscam fontes de água em mo-
para o gato o ato de se alimentar. O uso mentos distintos. Assim, a presença de
de alimento úmido dificulta em muito água próxima à fonte de alimento pode,
qualquer tentativa nesse sentido, po- em muitos casos, fazer com que o gato
rém, a ração seca é mais adequada para beba menos do que o necessário, fato
o enriquecimento alimentar. Gatos de- potencializado quando o mesmo está
vem obter alimento em pequenas quan- exposto a uma dieta com alimento seco.
tidades, mas constantemente, assim, Encontrar água em outros locais é extre-
pode-se espalhar ração em pequenas mamente satisfatório para o gato. Deve-
quantidades por todo o ambiente, em se também alternar constantemente o
locais baixos e altos costumeiramente posicionamento dos bebedouros pelo
frequentados pelo animal. Talvez seja ambiente, a fim de se manter a sensação
necessário prender o gato em algum cô- de imprevisibilidade que é de grande
modo enquanto se executa a tarefa de valor no enriquecimento do ambiente
espalhar o alimento pelo ambiente, tudo em que o animal vive. O número ide-
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al de bebedouros em descanso e observação
Gatos, assim como
um ambiente é igual ao deve ser escolhido com
humanos, precisam de
número de gatos mais cuidado, levando-se em
momentos de descanso
um3. Alguns animais conta que o gato deve
a sós.
preferem fontes de água conseguir subir e, prin-
corrente (Fig. 1), o que cipalmente, descer; lem-
pode ser conseguido com uma simples brando que é sempre mais fácil subir do
torneira gotejando ou com a utilização que descer .
1,3,12,14

de fontes de água comerciais para ga- Locais privativos


tos. Contudo, as fontes comerciais têm
como vantagem a filtragem constante da Gatos, assim como humanos, pre-
água, reduzindo o desperdício. cisam de momentos de descanso a sós.
Os animais podem escolher locais sob a
Vegetação cama, dentro de armários, atrás de sofás
etc. O importante é que nesses momen-
Uma fonte de grama pode ser dispo-
tos os gatos não sejam importunados,
nibilizada ao gato como emético natu-
mesmo que seja para estimulá-lo com
ral, importante na eliminação de bolas
algum item de enriquecimento, como o
de pelo (tricobezoares). Em locais em
fornecimento de petiscos e a apresenta-
que não há gramados naturais, podem-
ção de um novo brinquedo13.
-se comprar versões comerciais destina-
das especialmente aos gatos ou, então, Camas
plantar grama em um pequeno vaso e Um bom número de camas con-
deixá-lo ao alcance do animal1,3. fortáveis deve ser provido em locais
Locais elevados para descanso diferentes no mesmo ambiente com o
intuito de reduzir a probabilidade de
Gatos são escaladores naturais e é gatos descansarem nas
importante que o am- caixas de areia. Gatos
biente ofereça oportu- Caixas de areia devem preferem se deitar em
nidades de descanso e ser dispostas em locais lã de poliéster quando
observação a partir de discretos, longe do comparado com toalha
locais elevados. Isso en- alimento. As áreas de algodão, tecido rús-
corajará exercícios físi- podem ser cobertas tico e papelão1. Esses
cos naturais, particular- ou ao ar livre, mas animais demonstram
mente importantes para é importante que preferência por sofás,
gatos que não têm aces- representem um local camas, cadeiras e tapetes
so ao ambiente externo. seguro, onde não se que já se encontram no
Um local elevado para
sintam ameaçados.
Bem-estar e enriquecimento ambiental para gatos domésticos 97

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ambiente e são utilizados por seu dono, nhador seja alto o suficiente para que o
e raramente escolhem as camas próprias gato possa se esticar completamente na
para gatos14. vertical. Alguns gatos preferem arranhar
superfícies horizontais, e para tanto
Caixas de areia existem tapetes próprios para tal1,3,13.
O número ideal de caixas de areia
Contato social
é variável, desde uma por animal mais
uma até uma para cada dois gatos1,3. A interação social pode ser intraes-
Essas caixas devem ser dispostas em pecífica, entre animais da mesma espé-
locais discretos, longe do alimento. As cie, ou interespecífica, com animais de
áreas podem ser cobertas ou ao ar livre, espécies distintas. O enriquecimento
mas é importante que representem um social, seja este intra ou interespecífico,
local seguro, onde não se sintam ame- pode melhorar a qualidade do tempo
açados. Os substratos de granulação gasto em confinamento, mas os gatos
mais fina tendem a ser preferidos, mas variam em seu grau de sociabilidade.
é essencial retirar as fezes diariamente, Estudos recentes sobre gatos que vivem
visto que alguns indivíduos não utili- em grupos mostram que eles mantêm
grupos sociais relativamente estáveis
zam caixas sujas3,13,14. A frequência de
por longos períodos, demonstram reco-
troca do granulado e higienização da
nhecimento individual, possuem uma
caixa de areia vai depender do número
organização social complexa e se envol-
de animais que a utilizam e do tipo de
vem em interações sociais variadas16,17,18.
granulado (sílica, madeira, argila etc.),
Em colônias, onde novos gatos são
podendo variar de duas vezes por sema-
frequentemente introduzidos ao grupo,
na a uma vez por mês.
alguns gatos permanecem solitários en-
Postes para arranhar quanto outros estabelecem laços sociais
que enriquecem a vida, devido ao incre-
Gatos precisam manifestar o com- mento da variabilidade e complexidade
portamento de arranhar para manter sociais3,12. Contudo, problemas podem
suas unhas aparadas e também para aparecer quando os animais atingem a
marcar seu território. Se atitudes para maturidade social e começam a compe-
preencher esses instintos não forem to- tir por recursos dentro do mesmo am-
madas, os gatos acabarão por arranhar biente. Isso ocorre com mais facilidade
móveis, portas e paredes. Arranhadores, em ambientes pequenos, com pouco
facilmente encontrados em lojas para fornecimento de alimento, água, luz, ca-
animais de estimação, são uma boa op- lor, vento e conforto. Não há uma regra
ção para que os gatos deem vazão aos de quantos animais se pode ter em uma
seus instintos. É importante que o arra- determinada área. Deve-se usar o bom
98 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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senso para perceber se o ambiente é ca-

Fabíola Fukushima
paz de comportar mais de um gato com
conforto, evitando assim a competição
entre os animais13.
Embora o estabelecimento de con-
tato social dessa espécie com humanos
possa variar de acordo com a persona-
lidade do gato, o dono é o maior res-
ponsável pelo bem-estar de seu animal.
Portanto, a interação com outros gatos
ou animais, apesar de importante e en-
riquecedora, não substitui a atenção
humana. Alguns gatos gostam de ser
escovados e acariciados, enquanto ou-
tros preferem a interação através de um
brinquedo. Assim, brincadeiras preda-
tórias (o proprietário como presa), ca-
rícias não prolongadas e comunicação Figura 2: Gato observando o ambiente
verbal são opções de contato social e externo no parapeito de janela com tela de
são geralmente bem recebidas pelo gato. Nylon.

No outro extremo das relações sociais alcance do gato. Quando não estão em
entre homem e animal, encontram-se uso, devem ser guardados e somente
manifestações como beijar e abraçar, ra- trazidos ao gato de tempos em tempos.
ramente apreciadas por esses animais1,3. Pequenos brinquedos (como os que
Os brinquedos e as imitam ratos) podem ainda ser coloca-
brincadeiras predatórias dos dentro das vasilhas de comida como
uma fonte adicional de estímulo13.
Objetos que se movem, com textu-
As brincadeiras do gato adulto com
ras complexas e com características de
presa são os mais adequados para brin- objetos diversos estão diretamente rela-
cadeiras. Uma variedade cionadas à fome, ou seja, as brincadei-
de brinquedos está dis- ras fazem parte de um
Objetos que se movem, comportamento preda-
ponível, mas o caráter de com texturas complexas tório natural da espécie.
novidade é sempre im- e com características
portante1,3. Brinquedos Nesse sentido, varas de
de presa são os mais
logo se tornam previ- pescar de brinquedo são
adequados para
síveis e entediantes se ideais para simular os
brincadeiras.
deixados parados ao movimentos da presa.
Bem-estar e enriquecimento ambiental para gatos domésticos 99

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Tais brinquedos presos temporária em dois ter-
Vale lembrar que,
a porções de pelo ou pe- ços dos gatos. Quando
quando não estiver em
nas de aves são efetivos utilizado esporadica-
uso, o brinquedo deve
como estimulantes para mente, o catnip pode ser
ser guardado fora do
os gatos. A “presa” deve uma distração divertida.
alcance do gato para
ser agitada em frente ao A erva de gato está dis-
que este não perca o
gato (nunca de maneira ponível comercialmente
estímulo com relação à
rítmica, mas, sim, alea- desidrata, podendo ser
brincadeira.
tória) para prender sua espalhada sobre o arra-
atenção e depois puxada nhador ou outras super-
a fim de disparar o gatilho de caça. Vale fícies, e em brinquedos, que podem ser
lembrar que, quando não estiver em uso, utilizados durante 10 minutos em dias
o brinquedo deve ser guardado fora do alternados .
3

alcance do gato para que este não perca


o estímulo com relação à brincadeira13.
Considerações finais
Os gatos domésticos, dentre as es-
Ar fresco pécies domesticadas, apresentam um
É benéfico deixar janelas abertas, comportamento ímpar. É importante
desde que estas contenham algum tipo conhecer os comportamentos natu-
de proteção contra uma rais para manutenção
possível queda do gato Catnip ou erva dos gatos do bem-estar desses
para o lado externo (por é uma planta da família animais, especialmente
exemplo, com telas de das hortelãs, capaz de para aqueles que vivem
Nylon ) (Fig. 2). Gatos
® produzir um estado de exclusivamente em am-
apreciam lufadas de ven-
euforia temporária em bientes internos, pois
to, que, além do prazer
dois terços dos gatos. são mais susceptíveis
sensorial que propiciam, ao estresse e a distúr-
trazem em si odores novos e estimulan- bios de comportamento.
tes, enriquecendo o ambiente de gatos Diversas formas de enriquecimen-
domésticos entediados3. to ambiental podem ser empregadas
para gatos domésticos, de modo a
Estimulantes melhorar o bem-estar desses animais,
Nepeta sp. é um gênero botânico na- incluindo mudanças no ambiente fí-
tivo da Europa, África e Ásia, também sico, social, sensorial, ocupacional e
conhecido por Catnip ou erva dos gatos. nutricional.
É uma planta da família das hortelãs, A introdução de diferentes formas
capaz de produzir um estado de euforia de enriquecimento ambiental é capaz
100 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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Bem-estar e enriquecimento ambiental para gatos domésticos 101

ct dez2012.indb 101 11/12/2012 14:14:49


bigstockphoto.com

Aspectos de
comportamento e bem-
estar animal durante a
doma de equinos
Anamaria Santos Soares - CRMV-MG: 5255
Médica Veterinária
Autora para correspondência: anamariassoares@gmail.com

Introdução e gastos de recursos, sendo um BEA sa-


tisfatório, ou, então, qualquer falha nes-
O bem-estar animal (BEA) é o es-
tado do indivíduo em relação às suas sa tentativa de adaptação pode refletir
tentativas de adaptação com o seu am- em um BEA pobre2. Hoje buscamos um
biente1. Essa tentativa pode seguir duas BEA rico em todos os processos realiza-
vias: ser alcançada com poucos esforços dos com os animais.
102 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 102 11/12/2012 14:14:49


A equitação surgiu desde o primeiro do cavalo é de medo, trata-se de con-
momento em que o homem imaginou quistar sua confiança e sua amizade para
como controlar o cavalo montado sobre depois ensiná-lo e adestrá-lo5.
ele. O primeiro a tratar o problema da
Comportamento natural dos
doma de maneira científica foi o grego
equinos
Xenofonte, que já em 380 a.C. havia es-
crito dois livros sobre o assunto e por As características comportamentais
isso é considerado o pai da equitação. manifestadas pelos animais resultam
Mas foi no Renascimento que a equita- da pressão de seleção exercida durante
ção floresceu com toda a sua força, sen- o processo de evolução. As característi-
do tratada no mesmo patamar da músi- cas comportamentais próprias de cada
ca, pintura e literatura3. espécie auxiliam os ani-
O cavalo, a partir de mais a satisfazerem suas
A doma moderna é
sua domesticação, pas- necessidades biológi-
mais racional. Como
sou a ter participação cas6. Esse comporta-
a primeira reação do
fundamental e decisiva cavalo é de medo, trata- mento deve ser conhe-
no destino da huma- cido para que possamos
se de conquistar sua
nidade. As guerras e as confiança e sua amizade compreender melhor
conquistas tiveram as para depois ensiná-lo e cada espécie animal.
marcas das patas do ca- adestrá-lo. Os equinos são her-
valo; a posse dos equi- bívoros adaptados a vi-
nos passou a significar verem em manadas, em
nobreza e poder. Nos dias atuais, o ca- grandes extensões de terras, alternan-
valo representa uma atividade na econo- do seus locais de pastejo em função da
mia, trabalho, lazer e terapêutica4. disponibilidade de alimentos. Desde
A domesticação do cavalo também os mais remotos tempos, os cavalos
tem merecido muita discussão e evoluí- selvagens sempre conviveram com o
do do empírico para o racional4. Os do- perigo e usaram a velocidade e a for-
madores pegavam os potros na vastidão ça para vencer seus predadores. Eles
aberta dos pampas, e lá mesmo tinham conviviam em manadas lideradas pela
de encilhá-los e montá- matriarca. O garanhão
-los para levá-los à sede O senso de obediência é cuidava da segurança
da estância. Esse tipo de um atributo do equino. da manada. Portanto, o
doma, pela tradição, veio senso de obediência é
até hoje com domadores um atributo do equino.
nem sempre tão bons. A doma moderna Fugir a qualquer situação de pe-
é mais racional. Como a primeira reação rigo é, também, inerente aos cavalos.

Aspectos de comportamento e bem-estar animal durante a doma de equinos 103

ct dez2012.indb 103 11/12/2012 14:14:50


Normalmente o cavalo
Os cavalos apresentam Doma racional
é um animal que con-
uma excelente memória, A doma antiga, tra-
vive com situações de
motivo pelo qual se deve dicional ou à gaúcha,
medo. Esse medo pode
cuidar para que desde visava vencer, submeter,
ser natural ou adquirido seu primeiro contato dominar o cavalo. Era
e é uma reação instinti- com o homem haja violenta e cruel. Mas era
va contra uma ameaça, um relacionamento o único processo utilizá-
além de fazer parte do positivo e agradável, sem
vel naqueles longínquos
seu instinto de sobrevi- traumas. tempos em que não
vência. Sem essa capa-
havia cercas, nem man-
cidade, provavelmente
gueiras ou bretes5. Era estabelecida uma
o equino não existiria mais como es-
luta, na qual o homem sempre era o ven-
pécie. Lamentavelmente, a domesti-
cedor. Na doma racional o cavalo é con-
cação alterou muito os hábitos desses quistado e sua inteligência é utilizada4.
animais. Para muitos, o direito de ser A doma racional é um conjunto de
herbívoro e de correr solto, em liber- procedimentos técnicos-científicos que
dade, foi caçado7. visam extrair do cavalo o máximo de
Os cavalos apresentam uma exce- trabalho com o mínimo de esforço. É
lente memória, motivo pelo qual se um processo de ensino-aprendizado no
deve cuidar para que desde seu pri- qual se utilizam conhecimentos de físi-
meiro contato com o homem haja um ca, anatomia, fisiologia e etologia. Os es-
relacionamento positivo e agradável, tímulos para a aprendizagem se baseiam
sem traumas que possam marcá-los na recompensa quando o cavalo acerta,
para o resto da vida. São irracionais e não no castigo quando
e têm medo, por isso ele erra3.
fogem e, se persegui- A doma antiga visava
Diante desses crité-
dos, disparam até a dominar o cavalo. Na
rios de bem-estar ani-
morte. Apresentam doma racional o cavalo
mal, fica inadmissível a
apurado instinto de é conquistado e sua
utilização da doma tra-
conservação e defe- inteligência é utilizada.
dicional, já que as cinco
sa. Dificilmente apre- liberdades são tolhidas.
sentam maldade, sendo que esta, na Os animais podem até apresentar um
maioria das vezes, é aprendida com o bom estado nutricional e sanitário, po-
homem ou por inabilidade deste. Têm rém são submetidos à brutalidade. A
grande coragem, mas, ao mesmo tem- qualquer manifestação de comporta-
po, são covardes. Às vezes uma míni- mento contrário ao que é pedido e es-
ma coisa pode apavorá-los4. perado, o animal é cruelmente repreen-
104 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 104 11/12/2012 14:14:50


dido. Portanto, devemos conhecer um em 1948, quando tinha apenas 13 anos
método de doma racional conhecido de idade. A partir de então, iniciou um
como método de iniciação dos cavalos. minucioso estudo sobre a linguagem
dos cavalos e, após muitos anos de es-
Método de iniciação dos
tudo, a denominou de Equus. Segundo
cavalos
Monty Roberts10, o mais sutil grau de
Os “encantadores de cavalos”, como movimentação dos equinos tem um
Monty Roberts, John Lyons, Ray Hunt, significado. A base da linguagem Equus
Pat Parelli e outros, iniciam seus cava- é o posicionamento do corpo e sua di-
los de forma delicada, sem traumas. reção. O olhar também diz muito. A ati-
Eles utilizam um redondel e deixam tude do corpo relativa à espinha dorsal
o cavalo galopar, em círculo, ao redor é crucial para o vocabulário dos cavalos.
do treinador. Durante Se a égua matriarca quer
o galope o cavalo apre- Os “encantadores de expulsar um potro do
senta comportamentos cavalos” utilizam um grupo, ela fixa seus olhos
específicos, como virar redondel e deixam nele, enrijecendo a colu-
as orelhas para o trei- o cavalo galopar, na e apontando a cabeça
nador, apresenta movi- em círculo, ao diretamente em sua di-
mentos de mastigação redor do treinador. reção. De acordo com a
e de lamber os lábios, Durante o galope posição do corpo dela,
e movimenta a cabeça o cavalo apresenta o potro sabe se já pode
para baixo. Esse tipo de comportamentos retornar ao grupo. Esse
comportamento acon- específicos, como virar as é um comportamento
tece com todos os ca- orelhas para o treinador, natural dos cavalos e faz
valos9. Saber analisar e apresenta movimentos parte de sua comunica-
interpretar essas ações de mastigação e de ção. Monty Roberts en-
é fundamental para uma lamber os lábios, e tão percebeu que, se ele
boa iniciação. movimenta a cabeça pudesse usar o mesmo
A linguagem do cor- para baixo. Esse tipo de sistema de comunica-
po não é privilégio dos comportamento acontece ção que observou a égua
humanos nem dos cava- com todos os cavalos dominante empregar,
los; ela constitui a forma ele poderia se comuni-
de comunicação mais car com os cavalos. Se
comum. ele compreendesse como usar essa lin-
Monty Roberts começou a obser- guagem, ele poderia transpor o abismo
var o comportamento dos cavalos sel- entre o homem (o animal lutador) e o
vagens nas manadas de mustangues cavalo (o animal voador). Ele poderia

Aspectos de comportamento e bem-estar animal durante a doma de equinos 105

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criar um forte vínculo de confiança. cavalo não erra. Todas as suas ações,
Conquistaria a comunicação entre es- provavelmente, foram motivadas por
pécies diferentes. quem o está iniciando. Deve-se criar um
Entender o conceito de avançar ambiente no qual o cavalo fique estimu-
e recuar para os cavalos também é de lado a aprender.
fundamental importância. Se o flanco Em todo o mundo os cavalos com-
do cavalo for pressionado pelas nossas preendem e são compreendidos através
mãos, ele pressionará o seu peso contra de Equus. Se os treinadores se recusarem
as nossas mãos. Portanto, sua doma visa a acreditar que os cavalos podem se co-
preservar a comunicação natural da es- municar fluentemente, eles irão utilizar
pécie. Ele busca um diálogo com os ca- a dor numa tentativa de treinar o cavalo
valos, e não uma imposição10. com eficácia. Porém, se acreditarem que
eles se comunicam, também acreditarão
Princípios fundamentais da que os cavalos serão capazes de criar
técnica da Conjunção
uma relação de inimizade se forem trei-
Esse método foi elaborado por nados através de práticas dolorosas.
Monty Roberts e, em 1996, ele foi des- O objetivo do método da conjunção
crito em seu livro “O homem que ouve é criar uma relação baseada na confian-
cavalos”. Ele nunca emprega os verbos ça, em que o cavalo queira fazer parte
quebrar e domar um cavalo, ele usa ape- “do time”. No método convencional há
nas iniciar um cavalo10. uma relação de inimizade entre o treina-
O cavalo, como já foi dito, é um ani- dor e o cavalo, já que esta é baseada na
mal voador. Seu instinto lhe diz que ele dor (muitas vezes o treinador bate, chu-
deve disparar, fugir. Se ta, dá safanões, empurra,
alguma pressão é apli- Se alguma pressão é puxa, amarra ou impede
cada na relação entre aplicada na relação seus movimentos). Se
homem e cavalo, ele pre- entre homem e cavalo, houver necessidade de
ferirá sempre fugir a lu- ele preferirá sempre fugir aplicar qualquer restri-
tar. Avançar e recuar são a lutar. ção, ela deve ser feita
movimentos óbvios nas de forma cordial e sem
relações entre animais o sentimento de “você
da mesma espécie ou de espécies diver- deve”, e sim “gostaríamos que você
sas. O que será estudado e desenvolvido fizesse”10.
será o conhecimento desse fenômeno. Sempre lembrar que, se o cavalo não
Para se iniciar um cavalo por esse estiver pronto para ser montado, não o
método, é necessário não ter medo dos faça. O que importa é a qualidade do
cavalos. Deve-se ter em mente que um trabalho, e não a rapidez com que ele
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foi executado. No final, todos querem e engole ar), dança de urso (o cavalo,
a mesma coisa: um cavalo feliz e bem- dentro da baia, faz movimentos com
-comportado, que aceite a sela, as réde- o pescoço, de um lado para o outro) e
as e o cavaleiro sem traumas. Deixar o coprofagia.
animal sentir-se livre também é de fun- As estereotipias acontecem nas si-
damental importância para o sucesso tuações em que o indivíduo perde o
desse método. controle de seu meio ambiente, especial-
mente naquelas onde ele se sente amea-
Doma X cinco liberdades
çado, onde ocorre frustração ou ausência
Diante dos aspectos abordados, completa de estímulos. Sua ocorrência é
resta estabelecer se, mesmo sendo sub- um indicativo de bem-estar pobre12.
metido à doma racional, as cinco li- O cavalo é um ser acostumado a vi-
berdades estão preservadas. Quando ver em sociedade e, assim que se inicia
o animal está sendo domado, ele fica a doma, ele é alojado em baia ou pique-
submetido ao manejo do ambiente no te. Ocorrem limitações, como de área
qual o domador trabalha. Sua capacida- a ser ocupada, de contato com outros
de adaptativa é explorada ao extremo, animais, de escolha de alimento a ser in-
podendo gerar doenças e distúrbios de gerido. Uma situação de estresse é então
comportamento. estabelecida. Em resposta ao estresse,
Mudanças comportamentais po- ocorre a liberação de vários peptídeos
dem ser indicativas de que o bem-estar e hormônios, como cortisol, prolactina,
dos animais não é satisfatório. O com- melatonina, beta-endorfina, tiroxina, va-
portamento anormal pode ser dividido sopressina, ocitocina e somatotrofina6.
em três categorias: destrutivos, compor- Quando um animal é submetido
tamento estereotipado ou apatia6. Entre a constantes elevações no nível plas-
estes, as estereotipias são os distúrbios mático de cortisol, os mecanismos de
de comportamento mais comuns nos homeostase são alterados e o estresse
equinos. crônico pode se desenvolver. Como
O comportamento estereotipado consequência poderá ocorrer imunos-
é caracterizado pela repetição de uma supressão, interferência com a retenção
ação de forma invariável por longo pe- de água, ulceração gástrica, hipertensão,
ríodo de tempo sem aparente função, arteriosclerose e alguns casos de morte.
sendo mais frequente em animais con- O estresse térmico também influencia a
finados6,11. As estereotipias mais fre- resposta imunitária6.
quentemente encontradas nos equinos Uma das fases mais difíceis da doma
são aerofagia (o cavalo apoia sua cabeça é o seu início. O equipamento (cabresto,
em um obstáculo, como a porta da baia, rédeas, sela, embocaduras, etc.) neces-
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sário à doma e o próprio cavaleiro são relação de confiança mútua deve ser
promotores de desconforto no animal. estabelecida12.
Portanto, o treinador deve ter muita ha-
bilidade em todas as etapas da doma, de Considerações finais
forma a causar o mínimo trauma físico e Do mesmo modo que a criação de
psicológico no animal. cavalos evoluiu, a doma também está
O cavalo que está preso não possui sendo aprimorada. Não se pode mais
a liberdade de expressar seu compor- aceitar uma doma na qual reina a bru-
tamento natural. Isso talidade com o cavalo.
pode ser um grande fa- As práticas desumanas
tor desencadeante do es-
“Quebrar” um cavalo é
prática do passado. estão sendo, cada vez
tresse, com todas as suas mais, abolidas. Os trei-
manifestações clínicas e nadores estão perceben-
comportamentais. do que, quanto mais se maltrata um ani-
O animal deve ser livre de fome, mal, mais difíceis serão sua doma e seu
sede e desnutrição. Na grande maioria temperamento. “Quebrar” um cavalo é
das vezes os animais estão submetidos a prática do passado.
horários específicos de alimentação. Os O americano Monty Roberts, atra-
alimentos disponíveis são aqueles for- vés de sua técnica de conjunção, in-
necidos pelo homem. Com essa prática fluenciou muito os treinadores de todo
o animal não fica desnutrido, porém ele o mundo. Hoje os treinadores que estão
não tem a liberdade de escolher qual ali- começando querem ser encantadores
mento ele quer ingerir e em quais quan- de cavalos, e muitos dos treinadores an-
tidades e horários o fará. tigos também passaram a se basear em
O animal deve ser livre de descon- sua técnica.
forto. O que o homem julga ser confor- Portanto, muitos treinadores estão
tável para um cavalo pode não ser o que buscando um bem-estar rico para seus
eles acham naturalmente confortável. animais. Está se formando uma cons-
Uma baia pode levar ao desconforto tér- ciência de que um animal que vive em
mico. Temperaturas muito quentes ou um ambiente agradável, que é bem ali-
muito frias podem mudar muito o com- mentado, bem tratado e, acima de tudo,
portamento do animal, influenciando, respeitado e encarado como um ser que
inclusive, a sua longevidade. O treina- sente, será um animal melhor treinado,
dor não deve, nunca, gerar o sentimento que realizará os comandos de forma
de medo no cavalo; ao contrário, uma mais prazerosa e com mais vontade.

108 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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Anexo I
Passo a passo da Doma Gentil
1. Na prática, o que se quer é que o ani- tir essa operação. Assim vai ser pas-
mal aceite a sela, as rédeas e o cava- sada uma mensagem para o cavalo
leiro sem traumas. de que você gostaria que toda essa
2. O local ideal para se iniciar o traba- correria parasse. Olhe para a orelha
lho é um redondel de 16 metros de que está voltada para o centro do
diâmetro com piso coberto de areia. círculo. Isso fará com que ele corra
O cavalo é então levado para dentro mais devagar ou pare simplesmente.
do redondel, puxado pelo cabresto, Enquanto isso, a orelha do lado da
com uma guia leve e longa, aproxi- cerca continuará se movendo em
madamente de nove metros. todas as direções para observar o
3. Levar o cavalo ao centro do redon- ambiente. A cabeça do animal co-
del, afagar sua testa com a palma das meçará a baixar e subir, como se ele
mãos (cavalo não gosta de palma- estivesse cumprimentando, as ore-
dinhas). Ir para trás do cavalo, mas lhas serão apontadas para dentro e
longe de sua área de coice. Quando o focinho, para fora. O pescoço se
estiver atrás dele ou se ele disparar, inclinará levemente para aproximar
o que acontecer primeiro, jogue a a cabeça do centro do círculo. Ele
corda nos seus posteriores. A cor- provavelmente começará a lamber
da pode bater nele, mas o treinador os lábios, pôr a língua para fora e
não deve bater nele com a corda. mastigar o ar. Finalmente, ele abai-
Quase todos os potros então come- xará a cabeça quase até a superfície
çarão a correr, dando a volta no re- do solo. As orelhas demonstram
dondel. O cavalo está recuando, de o respeito que ele tem pelo treina-
modo que o treinador deve avançar, dor. Chegar mais perto significa
manter a pressão. A cada duas vol- exatamente isso. Lamber os lábios e
tas, ou quando necessário, jogar a mastigar significa: “Sou um animal
corda para manter a pressão. Deve- voador, estou comendo; logo, não
se manter uma atitude firme, olhar precisa ter medo de mim”. Abaixar
fixo nos olhos dele e os ombros a cabeça até perto do chão quer di-
enquadrados com a cabeça dele. zer: “Se nós pudermos renegociar
O treinador deve sempre se mover a situação, vou deixar você ser o
para a frente, tendo o cuidado de se chefe”. Com a experiência, a sensi-
afastar da área de coice. Tentar fazer bilidade e interpretação dos sinais
com que o cavalo complete cinco serão facilitadas; porém, quando o
ou seis voltas para cada lado e repe- cavalo realizar esse gesto, pode ter
Aspectos de comportamento e bem-estar animal durante a doma de equinos 109

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certeza de que ele está pedindo para do até o centro do redondel. Agora
parar de pressioná-lo. Ele quer parar o treinador deverá entrar nas áreas
de correr. Nesse ponto, o treinador vulneráveis do cavalo. Começar
deve enrolar sua corda, assumir na parte anterior do flanco direito.
uma atitude submissa... olhos para Usar ambas as mãos e prosseguir
baixo. Não olhar para os olhos dele. massageando o pescoço, os ombros,
Colocar o eixo dos seus ombros as costas, as ancas, flancos anterio-
numa posição de 45 graus. Esse é res e posteriores. Fazer do outro
um convite para que ele venha até o lado. Agora o pé dele poderá ser le-
treinador ou para que, pelo menos, vantado. Fazer isso de forma decidi-
olhe na sua direção e pare de recuar. da, porém gentil.
Se ele se aproximar, ótimo! Se ele 6. Agora os equipamentos podem ser le-
parar e não se aproximar, o treina- vados ao centro do redondel. Deixar
dor deve chegar até ele. Fazer isso, o cavalo inspecioná-los bem. O trei-
porém, dando voltas ou semicírcu- nador deverá se movimentar entre o
los. Se ele se afastar, ponha-o para equipamento e o cavalo. Caminhar
trabalhar mais umas voltas e repita várias vezes entre os dois até o mo-
todo o processo. Quando o treina- mento em que ele preferirá segui-lo.
dor se aproximar dele, chegar quase Assim que tiver sua atenção total,
mostrando as costas para ele (om- engatar uma guia em seu cabresto.
bro em 45 graus). Voluntariamente, Segurar a guia com a mão direita a
ele deverá se aproximar e encostar a uma distância de um metro. Pegar a
cabeça no ombro do treinador. Essa manta e colocar delicadamente so-
é a conjunção. bre suas costas. Primeiro, um pouco
4. Quando puder, o treinador deve se além da paleta, para depois ajustá-la
aproximar do cavalo e fazer-lhe um no lugar certo. Se ele se afastar, nada
bom afago entre os olhos e depois de punições. Apenas o afaste com os
se afastar caminhando em círculos. olhos e repita o processo até a con-
Fazer para a direita e depois para a es- junção e o acompanhamento. São
querda, por várias vezes. O cavalo de- pouquíssimos os cavalos que se afas-
verá segui-lo ou pelo menos se mover tam a essa altura da iniciação. Depois
para manter a cabeça na sua direção. que a manta estiver nas costas do ani-
Se isso não acontecer, ele deverá ser mal, pegar a sela com a barrigueira
colocado para trabalhar novamente. sobre o assento, colocá-la em frente
Assim, a conjunção e o acompanha- ao pescoço, na altura da paleta. A
mento terão sido realizados. sela deve estar apoiada no quadril
5. Depois de estabelecido o acompa- direito do treinador. Colocá-la gen-
nhamento, o animal deverá ser leva- tilmente sobre as costas do animal.
110 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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Passar pela frente do animal e fazer- do mosquetão pelo estribo direito
-lhe um afago no flanco. Baixar a ci- (de trás para frente) e encaixá-lo
lha e a barrigueira suavemente. Ficar do lado esquerdo do bridão. Ir para
na frente do cavalo e afagá-lo entre os o lado direito e repetir a operação.
olhos. Ficar em frente às suas mãos e Voltar para o lado esquerdo. Pegar
pegar o látego e colocá-lo à frente da as duas guias nos lados do cavalo e
ponteira da cilha. Apertá-la, porém se mover para trás e lateralmente,
sempre observando as reações do fora da zona de coice do cavalo, em
animal. Não apertá-la muito, mas direção à garupa. O treinador terá
não deixá-la muito frouxa, pois, caso como movê-lo para frente balançan-
o animal empine, ela não saia do lu- do a rédea direita sobre sua garupa.
gar. Pegar o látego traseiro e fazer o 8. Agora o cavalo está pronto para ser
mesmo. Tirar a guia do cabresto, se montado. Certificar-se de que a sela
afastar cautelosamente com a corda e a barrigueira estão bem colocadas.
na mão. Utilizar a corda para fazê-lo Primeiro apoiar apenas a barriga so-
afastar-se. bre a sela. Pedir para movimentar o
7. O treinador deve ficar muito cal- cavalo com cuidado, em dois ou três
mo. O cavalo precisa acreditar que círculos à direita e à esquerda, duas
é o único irritado com a sela; caso ou três vezes. Se o cavalo aceitar
contrário, sua inclinação será de bem o cavaleiro, o seu pé pode ser
corcovear. Esperar pelos sinais de guiado até o estribo esquerdo e ele
que ele quer parar de dar voltas e se poderá montar. Repetir os círculos.
juntar ao treinador. Deixar que ele Se o cavalo estiver relaxado, repetir
faça isso apenas quando ele estiver círculos cada vez maiores. Abrir o
totalmente acostumado com a sela. mosquetão cuidadosamente e sol-
Quando ele se aproximar, colocar tar a guia, ajudando o cavaleiro a
o bridão e pôr as rédeas debaixo da efetuar um círculo em cada direção.
parte de trás da sela. Manter as ré- Não galopar, apenas andar ao passo
deas folgadas. Os loros dos dois es- e trote. Após cada círculo, deixar o
tribos devem ser mantidos presos, cavalo recuar um passo.
juntos sob o cavalo. Fazer isso com 9. Se o cavalo não estiver pronto para ser
o auxílio de um loro extra. Agora montado, não o faça. O que importa
o cavalo está pronto para ser char- é a qualidade do trabalho e não a ra-
reteado. Pegar as duas guias pela pidez com que ele foi executado. No
ponta do mosquetão e colocar uma final, todos querem a mesma coisa:
sobre o assento da sela, deixando o um cavalo feliz e bem-comportado.
mosquetão chegar quase no chão Sempre se lembrar de deixar o ani-
do lado direito. Aí passar o segun- mal sentir-se livre.
Aspectos de comportamento e bem-estar animal durante a doma de equinos 111

ct dez2012.indb 111 11/12/2012 14:14:50


Referências bibliográficas 7. LEAL Jr, H.V.; SCHETTINI, M.A. Aprenda montar
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-estar animal-UFMG, 2006.
-estar animal. Revista C.F.M.V., n.28-29, p.15-20,
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Veterinary Journal, n.142, p.524-525, 1986.
9. KRUEGER, K. Behaviour of horses in the “round
3. ECK, S.L. Eqüinos: raças, manejo e equitação. São pen technique”. Animal Behaviour Science. 9p.
Paulo: EDITORA DOS CRIADORES, 1985. Disponível em: http://epub.uni-regensburg.
477p. de/19411/2/krueger_2006_Behaviour_of_hor-
ses_in_the_round_pen_technique.pdf Acesso
4. LEAL, T.C. Doma racional.2ed. Guaíba: em 09 out. 2012.
LIVRARIA E EDITORA AGROPECUÁRIA,
1996. 81p. 10. ROBERTS, M. O homem que ouve cavalos. Rio de
Janeiro: BERTRAND BRASIL, 2001. 343p.
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LIVRARIA E EDITORA AGROPECUÁRIA, 11. DANTZER, R. Stress, stereotypies and welfare.
1997. 87p. Behavioural Processes, n.25, p.95-102, 1991.
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portamentais do bem-estar animal. A Hora measurement. Journal Animal Science, n.69,
Veterinária, n.83, p.47-52, 1995 p.4167-4175, 1991.

112 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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Boas práticas para
o bem-estar animal
na avicultura e
suinocultura industriais
Simone Koprowski Garcia* - CRMV-MG: 4345
Leonardo José Camargos Lara - CRMV-MG: 5719

bigstockphoto.com
Escola de Veterinária da Universidade Federal
de Minas Gerais
*Autora para correspondência:
simonekg@vet.ufmg.br

Introdução tar inovações na área de gestão ampla-


mente utilizadas nos setores industrial
Apesar da vocação brasileira para e comercial, tais como o programa de
a produção agropecuária e de sua im- Gestão pela Qualidade, a Análise de
portância, faz pouco mais de 20 anos Perigo e de Pontos Críticos de Controle
que o setor passou a ser entendido no (APPCC) e outras.
contexto de cadeias agroindustriais e Uma das novas exigências do mer-
tratado como um dos mais importan- cado de alimentos seguros é o controle
tes ramos da economia, o agronegócio, de processos e produtos, com destaque
responsável pela autossuficiência em ali- para os programas de rastreabilidade e
mentos e pelo saldo positivo na balança de certificação – no caso de commodi-
comercial. Na pauta de exportações do ties, como as carnes, o controle vai além
agronegócio, destacam-se o complexo da vigilância sanitária, envolvendo todo
da soja e o das carnes de bovinos, aves o processo produtivo nos aspectos de
e suínos, principalmente. Essa mudan- sustentabilidade ambiental dos sistemas
ça relativamente recente de conceito de criação intensivos, responsabilidade
econômico talvez explique por que o social da empresa e garantia do bem-
produtor rural ainda demore em ado- -estar animal.
Boas práticas para o bem-estar animal na avicultura e suinocultura industriais 113

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Nesse cenário, observam-se diversas cessos produtivos à crescente exigência
iniciativas visando padronizar ou definir dos consumidores pela segurança e qua-
normas para criações intensivas e, den- lidade dos alimentos, livres de contami-
tre elas, a instituição das “Boas Práticas”, nações químicas, biológicas ou físicas
aplicáveis em cada etapa da produção, e produzidos de forma sustentável nos
mas de forma sistêmica. Nesta revisão, aspectos ambiental e social.
discutem-se algumas recomendações As primeiras iniciativas visando à
relacionadas ao conceito de Bem-Estar segurança alimentar tinham foco nas
Animal (BEA) e as implicações econô- práticas agrícolas, especialmente no uso
micas da adoção das “Boas Práticas” em indiscriminado de agrotóxicos e pesti-
criações intensivas. cidas químicos para o controle de pra-
gas. Posteriormente, desenvolveu-se o
O que são “boas manejo integrado de culturas e de solo,
práticas”? incorporando o conceito de preserva-
ção ambiental. No final da década de
No setor agropecuário, “Boas
1990, a preocupação se estendeu para os
Práticas” (BPA ou GAP, do inglês Good
aspectos sociais da produção agropecu-
Agricultural Practices) são um conjunto
ária intensiva, como seu impacto sobre
de recomendações que adequam os pro-

Bem-estar do trabalhador
Maior qualidade de vida, saúde e
segurança para as comunidades locais

Segurança alimentar Proteção do ambiente


na produção e
SOCIAL e dos recursos naturais
processamento

ECONÔMICO AMBIENTAL

Tecnologias adequadas Eficiência energética


Uso de tecnologias adaptadas Mínimo uso de recursos não
à capacidade e condições renováveis e otimização do uso
da região local de recursos renováveis

Bem-estar animal
na produção e transporte

Figura 1. Sustentabilidade das operações de produção agropecuária


Fonte: Adaptado de Cox1

114 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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as comunidades rurais, frangos, perus e aves
Em sua maioria, as
a situação legal e o bem- poedeiras e as Normas
recomendações de
-estar do trabalhador, Técnicas de Produção
BPA seguem normas e
assim como o bem-estar Integrada de Frango (3; 4;
padrões desenvolvidos,
dos animais1 (Fig.1). regulamentados e
5; 6; 7; 8; 9; 10
).
No Brasil, merece utilizados em diversos Em sua maioria, as
destaque o Programa países e, por isso, servem recomendações de BPA
Alimentos Seguros como um instrumento seguem normas e pa-
(PAS), iniciativa multi- de comparação e drões desenvolvidos,
-institucional coordena- reconhecimento regulamentados e utili-
da pelo Serviço Nacional (benchmarking) no zados em diversos pa-
de Aprendizagem comércio internacional. íses e, por isso, servem
Industrial2, que visa di- No entanto, nem todas como um instrumento
fundir a aplicação da se aplicam a todas as de comparação e re-
APPCC, incluindo as situações. conhecimento (bench-
BPA, “do campo à mesa”. marking) no comércio
A EMBRAPA coordena internacional. No en-
o subprograma PAS-Campo e divulga, tanto, nem todas se aplicam a todas as
desde 2002, as recomendações de BPA situações devido a diferenças culturais,
para diversas atividades, incluindo ca- climáticas, legais e econômicas, não só
prinocultura, ovinocultura, avicultura, entre países, mas também entre regiões
suinocultura e bovinocultura de corte e e até entre sistemas de produção. Essas
de leite. Outras iniciativas relacionadas diferenças determinam recomendações
à produção pecuária são a do Sindicato específicas, tais como as BPA nacionais
Nacional da Indústria de Alimentação (p.ex., a ChinaGAP) ou a publicação
Animal, que divulga e treina audito- da EMBRAPA com recomendações de
res internos para as “Boas Práticas” BPA para a Agricultura Familiar (11; 12).
de Fabricação (BPF) de rações; a As BPA contemplam alguns aspec-
da Agência Nacional de Vigilância tos de Bem-Estar Animal, tais como o
Sanitária, do Ministério da Saúde, que atendimento dos requerimentos nutri-
aplica as “Boas Práticas” em laboratórios cionais, a prevenção e tratamento de do-
de análises; a da Associação Brasileira enças, a adequação da temperatura para
de Criadores de Suínos e a da União os animais nas instalações, as condições
Brasileira de Avicultura, que editaram do transporte para o abatedouro, dentre
seus Manuais de Boas Práticas, envol- outros. No entanto, a importância do
vendo, no caso da UBABEF, a produção Bem-Estar Animal na concepção das
de ovos e de frangos, bem-estar para BPA ainda é muito relativa, sendo mini-
Boas práticas para o bem-estar animal na avicultura e suinocultura industriais 115

ct dez2012.indb 115 11/12/2012 14:14:51


mizada quando esbarra de inspeção sanitária no
em padrões (ou para-
Nem todas as questões abate e processamento.
digmas) zootécnicos,
de bem-estar dos Todo esse avanço re-
tais como a densidade
animais criados
cebe aplausos do ponto
de animais por área e a
intensivamente estão
de vista econômico do
completamente
idade mínima de des- país, mas não é bem-
esclarecidas e, por isso,
mama, ou quando limi-
ainda geram discussões -visto por parte da so-
ta os ganhos financeiros
e ceticismo, que tendem ciedade que relaciona
da atividade, ou, ainda, alta produtividade com
a diminuir com a
quando entra em cam- sofrimento animal. As
consolidação desta
pos mais subjetivos, tais BPA na produção avíco-
ciência
como o dos sentimentos la são importantes fer-
dos animais. ramentas que permitem
Também é verdade que nem todas ao produtor conciliar produtividade,
as questões de bem-estar dos animais sustentabilidade ambiental dos sistemas
criados intensivamente estão completa- intensivos de criação, responsabilidade
mente esclarecidas e, por isso, ainda ge- social e saúde animal.
ram discussões e ceticismo, que tendem A Influenza Aviária, que nunca exis-
a diminuir com a consolidação desta ci- tiu no Brasil, tem levantado no mundo
ência nos meios acadêmico-científicos e novos conceitos em relação à criação
com os avanços nas técnicas de mensu- intensiva das aves, prática esta conde-
ração e avaliação do bem-estar animal. nada em passado recente e agora indica-
da como única saída, pois a contenção
Bem-estar animal na de animais em alojamentos adequados
avicultura industrial com certas especificidades atende justa-
A avicultura brasileira se destaca mente às questões de biosseguridade e
hoje no cenário mundial por ser a ter- controle sanitário, não somente para os
ceira maior potência na produção de animais, mas também para os seres hu-
carne e a sétima na produção de ovos. manos. Naturalmente, esses alojamen-
Além disso, é responsável por aproxima- tos devem respeitar os conceitos básicos
damente 40% da carne de frango expor- de BEA, representados pelas “Cinco
tada no mundo. Esses expressivos re- Liberdades”. A não adoção dessas bases
sultados não seriam possíveis de serem é incompatível com o bom desempenho
alcançados se a avicultura brasileira não de produção, ou seja, para o sucesso da
estivesse calcada em fortes pilares de empresa avícola, o avicultor deve respei-
produtividade, biosseguridade, sanida- tar essas premissas13.
de, manejo, nutrição e rígidos controles As BPA são essenciais para a ob-
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tenção de bons índices de produtividade, de qualidade (controle de
pois permitem aos animais expressar todo qualidade);
potencial genético, o que seria impossí- vii. Local apropriado para destino
vel em ambientes inadequados. As BPA das aves mortas (incineração,
envolvem: avançados conceitos de nutri- compostagem e desinfecção
ção animal; qualidade das instalações e de veículos utilizados nesse
equipamentos que permitam o conforto processo);
das aves; procedimentos de biosseguida- viii. Ambiência adequada: ventila-
de que evitam a entrada de patógenos; e ção, temperatura e qualidade do
regras de conduta das pessoas que traba- ar dentro dos parâmetros ideais;
lham nas granjas e dos visitantes. ix. Treinamento e conscientiza-
Alguns bons exemplos de BPA em ção dos funcionários e dos
uma granja de frangos de corte visan- visitantes;
do à segurança alimentar seriam as x. Aplicação do manejo pré-abate
seguintes14: (jejum de ração para redução de
i. Biosseguridade para evitar en- contaminação da carcaça);
trada de patógenos (controle de xi. Acompanhamento dos procedi-
funcionários e de visitantes, va- mentos de apanha (como, por
zio sanitário de 72 horas, banhos, exemplo, pegar as aves pelo dor-
troca de roupas, proibição ao so para evitar contusões);
funcionário de ter contato com xii. Manejo correto dos dejetos (uti-
aves fora do ambiente de traba- lização da cama como adubo).
lho, registro de fluxo de pessoas, Outro item muito importante que
desinfecção de equipamentos, não pode deixar de ser observado é a ve-
controle do fluxo de pessoas e de rificação e manutenção do programa de
veículos e limpeza e desinfecção BPA na produção avícola por meio de
de veículos autorizados); auditorias frequentes para comprovar a
ii. Controle de vetores de doenças execução das práticas adotadas.
(roedores, pássaros, insetos etc.);
iii. Manejo adequado de cama;
Frangos de corte
iv. Uso adequado de medicamen- Os aspectos que têm sido mais dis-
tos, respeitando dosagens e pe- cutidos na criação de frangos de corte
ríodos de retirada; em relação ao Bem-Estar Animal são:
v. Higienização: lavagem e desin- a) densidade de aves por área;
fecção adequadas dos galpões e b) qualidade da cama;
equipamentos entre lotes; c) qualidade do ar;
vi. Acesso livre a água e ração d) programa de luz.
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A densidade de criação (nº de aves/ ambientes de criação com menores con-
m²) é decisiva para o resultado econô- centrações de poluentes atmosféricos,
mico da criação de frangos de corte e como poeira, amônia, monóxido e dió-
por isso mesmo gera muita polêmica. xido de carbono e outros gases nocivos,
Vários países possuem legislações espe- os quais constituem fatores críticos na
cíficas para definir a densidade máxima atividade devido aos danos causados à
de criação permitida com o objetivo de saúde dos animais e dos trabalhadores.
possibilitar maior movimentação das A qualidade da cama é um impor-
aves, menores incidências de problemas tante fator, pois tem influência no au-
de perna e melhora na qualidade do ar mento de lesões de pele, peito e pés.
e da cama. A questão principal é que a Em função disso, o efeito do aumento
influência da densidade da densidade e da baixa
na taxa de crescimento A União Europeia qualidade da cama está
está relacionada mais sugeriu que só pudessem diretamente relacionado
com estresse calórico ser permitidas maiores com queda na capacida-
do que com restrição de densidades quando o de de dissipação de ca-
movimentação, e que o produtor fosse capaz de lor, que pode, em parte,
aumento dos problemas manter a qualidade do ser melhorada por meio
de perna também está ar e da cama. de eficiente manejo de
relacionado com fatores cortina, ventilação ade-
genéticos, como aumen- quada e monitoramen-
to da taxa de crescimento inicial, menor to da qualidade do ar, ou seja, conforto
atividade locomotora dessas aves e com ambiental. Em 2000, a União Europeia
a quantidade de luz fornecida. sugeriu que só pudessem ser permitidas
Em função do tipo de galpão utiliza- maiores densidades quando o produtor
do na avicultura brasileira, nossa produ- fosse capaz de manter a qualidade do ar
ção animal intensiva possui várias vanta- e da cama16.
gens sobre a produção animal da Europa Os conceitos sobre programas de
e América do Norte . O fato é que o luz para frangos de corte mudaram
15

clima tropical e subtropical da América muito com o passar do tempo. Durante


do Sul permite que as instalações sejam vários anos a indústria avícola utilizou
abertas na maior parte do tempo, favo- programas de luz com fotoperíodos de
recendo a produção intensiva com uso 23 a 24 horas de luz diária com o obje-
da associação entre ventilação artificial tivo de maximizar o consumo de ração
e natural, iluminação e manutenção de e, consequentemente, o ganho de peso
melhores condições de salubridade e dos frangos de corte. Com a evolução
qualidade do ambiente. Isso resulta em da avicultura, o melhoramento genético
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proporcionou ao merca- dutividade e a saúde das
do uma ave com um rá- A criação de aves em poedeiras. Entretanto,
pido crescimento inicial
gaiolas permitiu um esse tipo de criação
e, em função disso, mais
grande avanço em não está de acordo com
susceptível a problemas
termos de distribuição uma das bases do BEA,
de ração e água, coleta
de pernas e incidência que é a possibilidade
de ovos e manejo de
de doenças metabólicas de expressão de certos
esterco. Entretanto, esse
(ascite e morte súbita)
tipo de criação não está comportamentos natu-
que podem ser agra- rais das aves, como, por
de acordo com uma
vadas por condições exemplo, bater asas e
das bases do BEA,
ambientais, como, por que é a possibilidade empoleirar.
exemplo, o período de de expressão de certos Os novos sistemas
iluminamento a que es- comportamentos propostos (gaiolas en-
sas aves são submetidas. naturais das aves. riquecidas com presen-
A utilização de fotope- ça de ninhos, poleiros,
ríodos menores, duran- lixas de unha e criação
te o período de criação do frango, tem em cama) evidenciam aumento do es-
demonstrado benefícios para o ganho paço preconizado por ave, com maiores
de peso e taxa de mortalidade, e está de possibilidades de expressão de certos
acordo com a tendência mundial em se comportamentos naturais que sugerem
dar mais atenção ao bem-estar animal, uma melhor qualidade de vida para os
por meio da utilização de programas de animais, mas que podem trazer também
luz com fotoperíodos moderados17. possibilidades de fraturas, maior agressi-
vidade das aves em função de um maior
Poedeiras comerciais número de animais por grupo, contato
Dentro da avicultura industrial, o maior com fezes e maior contaminação
segmento mais criticado em relação ao dos ovos18, e ainda levam a aumentos
BEA é o da produção de ovos, em fun- nos custos de produção. Além disso,
ção dos seguintes aspectos do manejo: a densidade é um fator autolimitante,
a) criação das aves em gaiola; pois altas densidades, sem conforto am-
b) debicagem; biental, podem trazer além da queda no
c) muda forçada. desempenho e maiores taxas de mor-
A criação de aves em gaiolas permi- talidade, prejuízos e piora na qualida-
tiu um grande avanço em termos de dis- de de vida dos animais. Esses prejuízos
tribuição de ração e água, coleta de ovos podem ser ainda maiores em épocas de
e manejo de esterco, além de melhorar baixos preços de ovos e/ou altos custos
a higiene, a qualidade dos ovos, a pro- de alimentação. Essas novas regras, por
Boas práticas para o bem-estar animal na avicultura e suinocultura industriais 119

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outro lado, poderiam ser interessantes uma melhora posterior na qualidade de
para o Brasil, visando maior exportação vida dessas aves19.
de ovos, pois, diferentemente dos países A muda forçada é uma prática que
europeus, o Brasil possui uma grande visa preparar a ave para um novo ciclo
disponibilidade de área. Entretanto, as de produção por meio de uma involu-
decisões nesse sentido devem se basear ção do sistema reprodutivo e posterior
em estudos sérios e utilizando melhores novo ciclo de produção de ovos. Essa
recursos para definir de maneira mais prática é muito utilizada nas granjas co-
precisa o bem-estar animal e também merciais para permitir um aumento ou
devem ser tomadas en- manutenção de produ-
volvendo sempre to- Bicagem é um ção sem o alojamento de
dos os segmentos inte- comportamento social aves de reposição e, nor-
ressados (produtores, das aves que acontece malmente, só é interes-
pesquisadores e consu- mesmo naquelas não sante quando adotada
midores) para que a de- debicadas e criadas em situações específicas
cisão não pese única e soltas. de mercado. O método
exclusivamente sobre o mais utilizado pelos pro-
produtor. dutores é fazer um jejum de ração por
A debicagem é uma prática muito alguns dias, visando redução de peso e
questionada em função de ser sempre consequente involução do sistema re-
associada a dor e sofrimento animal. Em produtivo das galinhas. É um método
relação à debicagem, vários são os tra- muito questionado do ponto de vista
balhos que demonstram a importância do bem-estar animal, pois fere umas das
dessa prática, na fase de recria, do pon- bases principais de acesso ao alimento.
to de vista de redução da incidência de Essa prática, apesar de ainda ser muito
canibalismo e estresse social nas fases utilizada, tem se mostrado desinteres-
posteriores, pois a bicagem é um com- sante também do ponto de vista econô-
portamento social das aves que acon- mico, segundo trabalhos realizados por
tece mesmo naquelas não debicadas e diversas instituições de pesquisa e, por
criadas soltas. O objetivo dessa prática isso mesmo, tem forte tendência de não
é, portanto, evitar uma maior mortalida- ser mais utilizada.
de, nas aves criadas soltas ou em gaiolas,
em função de canibalismo que provoca- Matrizes pesadas
rá queda no desempenho e desconforto Segundo alguns autores20, existe
animal. O efeito estressante momentâ- um paradoxo na criação de matrizes
neo da debicagem pode ser superado pesadas em conciliar bom desempenho
pela ave, em função, principalmente, de reprodutivo, boa saúde das aves, baixas
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mortalidades e bom desempenho da Produção e de Interesse Econômico,
progênie sem utilizar o recurso da restri- são importantes, pois estimulam o setor
ção alimentar, que fere uma das leis de produtivo a se adequar às novas regras
acesso livre ao alimento. Aves que con- mundiais, o que favorece, principalmen-
somem ad libitum apresentam maiores te, o comércio internacional.
taxas de mortalidade, menor produção Além da legislação, maiores investi-
de ovos e menores índices de fertilida- mentos no estudo do comportamento
de, resultados incompatíveis com o ob- dos animais e respostas fisiológicas ao
jetivo da criação. Segundo os mesmos estresse são necessários para melhor
autores, a saída para esse impasse seria conhecimento e direcionamento das
o desenvolvimento de linhagens menos medidas a serem adotadas na produção
susceptíveis aos problemas relacionados animal.
acima por meio de melhoramento gené-
tico, pois tentativas como a diluição e/ Bem-estar animal na
ou inclusão de fibras nas dietas não fo- suinocultura industrial
ram eficazes na redução dos efeitos da Com exceção dos pescados, a car-
alimentação ad libitum. ne suína é a mais consumida em todo
Muito estudo ainda deve ser realiza- o mundo; em parte devido à enorme
do com o objetivo de melhorar o aspec- produção e consumo na China, onde a
to de bem-estar das matrizes pesadas, atividade é desenvolvida de modo ain-
conciliando respostas da tradicional, mas com
que possam ser aplica- Normas como a forte tendência à espe-
das à prática comercial. Instrução Normativa nº cialização. Ao contrário,
Quanto à legislação 56, de 7 de novembro nos Estados Unidos, que
e normas referentes ao de 2008, do MAPA, tem o segundo maior
BEA, o Brasil precisa que estabelece os rebanho de suínos do
avançar muito em com- procedimentos gerais mundo, e na União
paração com outros de Recomendações de Europeia (27 países),
países21. Normas como Boas Práticas de Bem- a atividade é intensiva,
a Instrução Normativa Estar para Animais concentrada e especia-
nº 56, de 7 de novem- de Produção e de lizada, disponibilizando
bro de 2008, do MAPA, Interesse Econômico, aproximadamente 30 kg
que estabelece os pro- são importantes, de carne suína por habi-
cedimentos gerais de
pois estimulam o tante, por ano.
Recomendações de
setor produtivo a se Embora o consumi-
Boas Práticas de Bem-
adequar às novas regras dor brasileiro prefira as
mundiais. carnes de aves e de bo-
Estar para Animais de
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vinos, a disponibilidade de carne suína ne na carcaça dos leitões;
é de 15 kg por habitante, por ano. Para ii. Nutrição: requerimentos diá-
isso, o Brasil abateu, em 2010, cerca de rios de energia, proteína (ami-
34 milhões de suínos, produzindo apro- noácidos), vitaminas, macro e
ximadamente 3.240 mil toneladas equi- microminerais, por fase, deter-
valente-carcaça, das quais aproxima- minados para as condições de
damente 23% foram exportadas, o que confinamento total, contidos
coloca o país entre os cinco maiores pro- em rações à base de milho (grão)
dutores e exportadores mundiais de car- e soja (farelo), oferecidas em co-
ne suína. A suinocultura industrial aloja medouros preferencialmente
60% das 2,46 mil matrizes existentes no automáticos, nas formas seca ou
país, mas é responsável por 84% da pro- úmida, com restrições ao uso de
dução e tende a crescer, enquanto que as algumas fontes de origem ani-
criações de subsistência estão desapare- mal e antibióticos, com forneci-
cendo a taxas de 5 a 10% ao ano, confor- mento de água à vontade;
me estimativas da Associação Brasileira iii. Instalações: confinamento total
da Indústria Produtora e Exportadora em galpões bilateralmente aber-
de Carne Suína e da EMBRAPA22; 23. tos (no Brasil), com piso cimen-
Assim como acontece na avicultura, tado e parcialmente ripado para
a suinocultura industrial baseia-se em escoamento dos dejetos para
um “pacote tecnológico” desenvolvido fosso interno, com gaiolas indi-
nos últimos 40 anos, que uniformiza viduais para fêmeas em gestação
mundialmente as condições de criação e e lactação, baias individuais para
as metas de produtividade nos seguintes varrões, baias coletivas para lei-
aspectos gerais, com poucas variações: tões (creche, crescimento e ter-
i. Genética: linhagens das raças minação) e, eventualmente, para
Large White, Landrace, Duroc, leitoas de reposição e porcas
Hampshire e Pietrain, princi- recém-desmamadas, com be-
palmente, desenvolvidas por bedouros comerciais tipo taça
empresas transnacionais em para porcas em lactação e leitões
granjas-núcleo e multiplicado- lactentes, tipo chupeta para as
ras para produção de matrizes demais categorias de leitões e
e reprodutores híbridos desti- para varrões, e bebedouros de
nados à reposição dos plantéis cimento tipo calha para porcas
comerciais, visando à eficiência em gestação;
de crescimento e conversão ali- iv. Controle sanitário: programa
mentar e alta proporção de car- de biosseguridade das granjas,
122 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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quarentenário, controle de ve- põem para adaptarem-se às condições de
tores, desinfecção e vazio das estresse a que são submetidos, a avaliação
instalações à saída de cada lote, objetiva do BEA envolve igualmente um
protocolo de vacinação específi- conjunto de parâmetros que refletem o
co para cada granja e região, mo- estado clínico, as funções fisiológicas e o
nitoramento sanitário periódico comportamento, bem como os aspectos
na granja e ao abate, medicação de manejo geral, incluindo o treinamen-
controlada na ração ou água, to de recursos humanos e os resultados
evitando resistência dos patóge- zootécnicos de produção28.
nos ou contaminação da carne; As “Boas Práticas” preconizam,
v. Transporte e abate: as linhas ge- dentre outras coisas, o registro e análi-
rais são dadas pelo Ministério se periódica de toda ocorrência relacio-
da Agricultura, Pecuária e nada ao plantel, ou seja, a escrituração
Abastecimento (MAPA) em sua zootécnica, que é a base para correções
regulamentação para inspeção e ajustes de manejo sanitário, nutricio-
de produtos de origem animal nal e reprodutivo e para aferições de
(RIISPOA), reformulado e atu- resultado econômico. O nível de com-
alizado a partir de 2008. plexidade na elaboração dos registros
Com isso, os resultados zootécni- zootécnicos vem determinando o uso
cos tendem a ser semelhantes à média de ferramentas computacionais, tanto
internacional. para o controle da propriedade quanto
As recomendações de “Boas para comparações regionais, nacionais e
Práticas” na produção de suínos da internacionais das diferentes atividades
EMBRAPA24 e da ABCS10 refletem (programas bureau). Nenhuma dessas
esse “pacote” ou modelo tecnológi- ferramentas, no entanto, visa direta-
co, que tem alguns aspectos de BEA mente à avaliação de Bem-Estar Animal,
questionados em fóruns tão distintos ainda que o monitoramento dos regis-
quanto organizações não governamen- tros sanitários, produtivos e reproduti-
tais (ONGs) de proteção animal e a vos possa, indiretamente, dar indícios
Sociedade Internacional de Veterinários de algum comprometimento do BEA.
Especialistas em Suínos (IPVS)25; 26; 27. A Tabela 1 serve de exemplo. A
A discussão é válida e ocorre pela classificação das granjas em piores e
dificuldade de estabelecer padrões de melhores foi feita em relação ao núme-
avaliação do bem-estar dos suínos e rela- ro de leitões desmamados, por fêmea
cioná-los aos aspectos de produtividade coberta, por ano (NLD/F/A). Esse
e de lucratividade. Em função da varie- indicador é considerado um dos mais
dade de recursos de que os animais dis- importantes porque sumariza todo o
Boas práticas para o bem-estar animal na avicultura e suinocultura industriais 123

ct dez2012.indb 123 11/12/2012 14:14:51


Tabela 1. Indicadores zootécnicos obtidos em 120 granjas de suínos no
Brasil, com 221.271 matrizes, em 2010
Classificação das granjas
Indicadores zootécnicos
Piores Melhores
MÉDIA
10% 10%
Média de fêmeas nos plantéis (nº) 1.387 1.819 3.256

Leitegadas desmamadas (nº) 3.062 4.138 7.478

Taxa de parição (%) 88,10 89,50 92,30

Intervalo entre partos (d) 144,15 144,19 145,16

Repetição regular de cio (%) 5,42 4,54 3,01

Intervalo desmama-cio (d) 6,07 5,94 5,47

Partos/porca/ano (nº) 2,39 2,45 2,49

Leitões por leitegada (média)

Nascidos vivos (nº) 10,68 11,77 13,33

Natimortos (%) 4,34 5,24 4,63

Desmamados (nº) 10,21 10,85 12,12

Peso ao nascer (kg) 1,44 1,47 1,41

Peso à desmama ajustado para 21 dias (kg) 6,21 6,00 5,87

Idade média à desmama (d) 21,19 21,53 22,86

Mortalidade na maternidade (%) 7,40 7,90 7,58

Desmamados/fêmea coberta/ano (nº) 23,63 26,57 30,67

Taxa de reposição de fêmeas (%) 54,08 49,79 45,68

Taxa de descarte de fêmeas (%) 44,70 44,43 38,39

Taxa de mortalidade de fêmeas (%) 7,01 6,19 6,22

Fonte: Adaptado de Agroceres29.

processo de reprodução e de cria, em suinocultura.


que se concentram as mais delicadas ca- Se cada porca pode desmamar mais
tegorias animais e operações de manejo de 30 leitões por ano, então a perda de
reprodutivo, nutricional e sanitário na até sete leitões, nas piores granjas, sig-
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nifica falha em um ou mais momentos a função reprodutiva é afetada pelo
do processo produtivo; mas o indicador efeito de estressores na forma crônica,
não informa exatamente qual. Para isso tal como temperatura ambiente, tama-
é preciso individualizar cada etapa: o nho dos grupos, isolamento em celas
NLD/F/A é composto pelo nº de lei- individuais, barulho, além de inanição
tões desmamados por parto (relaciona- e doenças, que causam anestro, perdas
do ao n° de leitões nascidos vivos e pela embrionárias e infertilidade. É especial-
taxa de mortalidade até a desmama) e mente importante manter o timing dos
o nº de partos, por porca, por ano (re- eventos hormonais que comandam o
lacionado à duração da lactação e dos final da fase folicular ovariana, já que
dias não produtivos da matriz). Cada variações na concentração do hormô-
uma dessas relações pode ser ainda mais nio luteinizante (LH), como as que
detalhada, gerando um fluxograma dos ocorrem devido ao aumento de cortisol,
componentes de cada indicador, que impedem a ovulação. Da mesma forma,
permite identificar onde estão as falhas fêmeas até a terceira semana de gestação
relacionadas ao manejo geral. submetidas a estressores têm os níveis
Nenhum parâmetro considerado de estrógeno alterados, o que impede
isoladamente é válido para a avaliação a fixação dos embriões e a placentação.
objetiva do BEA, ainda mais quando Essas respostas podem ser evidenciadas
são sujeitos a muitas fontes de variação, nos registros zootécnicos pelo aumento
como são os indicadores zootécnicos. No dos dias não produtivos, devido ao au-
minucioso trabalho da Universidade de mento do período entre a desmama e
Bristol para desenvolver protocolos nes- o primeiro cio, ou entre a desmama e a
se sentido, especialistas sugeriram, entre cobrição bem–sucedida, ou, ainda, pelo
10 tópicos a serem analisados, apenas aumento da taxa de repetição de cio. Os
dois baseados nos registros zootécnicos efeitos do estresse na forma aguda ainda
da granja (de mortalidade e de sanidade é objeto de pesquisas 31; 32.
do plantel)30. No entanto, é possível justi- Nos últimos 10 anos, os pontos mais
ficar algum comprometimento do BEA a polêmicos no manejo de suínos com re-
partir do baixo desempenho dos animais, lação ao BEA, especialmente na União
associando parâmetros de avaliação. Europeia, que tem uma rigorosa legisla-
Os efeitos do estresse sobre as funções ção a respeito, são os listados a seguir33.
biológicas, no entanto, já são mais bem
entendidos atualmente, com os estudos Alojamento e manejo de fêmeas
das respostas neuroendócrinas do eixo em fase de gestação
hipotálamo-hipófise-adrenal. • Isolamento em gaiolas individuais;
Em várias espécies, como a suína, • Arraçoamento uma vez ao dia.
Boas práticas para o bem-estar animal na avicultura e suinocultura industriais 125

ct dez2012.indb 125 11/12/2012 14:14:51


Alojamento e manejo de fêmeas • Qualificação de pessoal de nível
em fase de lactação técnico;
• Falta de acesso a materiais para cama • Treinamento de mão de obra;
no período pré-parto; • Conscientização e sensibilização de
• Impossibilidade de interação com os profissionais e produtores.
leitões neonatos. No Brasil, foram comparados in-
dicadores de bem-estar de 24 porcas
Manejo de leitões lactentes
gestantes mantidas em dois tipos de ins-
• Corte ou desgaste de dentes ao nasci- talações: 12 ficaram em duas baias cole-
mento como rotina; tivas, com 2,27 m2 por animal, e 12 em
• Corte ou isquemia do terço final da gaiolas individuais com 1,17m2, durante
cauda ao nascimento como rotina;
os três meses de verão no estado de São
• Castração cirúrgica sem anestesia na
Paulo. Nesse período, foram registradas
primeira semana de vida;
as variações bioclimáticas das instala-
• Desmama ultraprecoce (menos de 14
ções (índice de conforto térmico), o
dias de idade) sem fins sanitários.
comportamento das porcas por meio de
Manejo de leitões nas fases de filmagem cronometrada e a temperatu-
crescimento e terminação ra corporal e taxa respiratória, cujas di-
• Alta densidade de animais por área; ferenças estatísticas foram significativas,
• Tamanho dos grupos; indicando melhor grau de BEA para por-
• Falta de materiais para enriqueci- cas alojadas coletivamente. No entanto,
mento ambiental. os resultados zootécnicos não diferiram
entre os dois grupos para os indicadores
Transporte e manejo de leitões
pré-abate de período de gestação (dias), duração
do parto (minutos), tamanho da leitega-
• Forma de condução dos leitões até o
da (número total de leitões), número de
embarque;
leitões nascidos vivos, número de nati-
• Área e tipo de caminhões no
mortos, peso dos leitões ao nascimento
transporte;
e à desmama e taxa de mortalidade de
• Tempo de viagem;
leitões lactentes34.
• Período total de jejum pré-abate;
Outros autores35 testaram uma al-
• Formas de insensibilização
ternativa de instalação para porcas ges-
pré-sangria.
tantes, em grupos mantidos sobre palha
Qualificação dos recursos em galpões de estrutura tubular (hoop
humanos na suinocultura barns). O BEA foi avaliado em com-
• Formação superior com enfoque em paração ao dos animais mantidos em
BEA; gaiolas individuais por meio de diversos
126 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 126 11/12/2012 14:14:51


indicadores: comportamento, dosagem e de carcaça de leitões não submetidos
de cortisol, ocorrência de lesões de pele à mutilação da cauda e mantidos em
e membros, exames hematológicos e de ambientes enriquecidos com palha ou
imunocompetência e indicadores zoo- em baias com piso cimentado e e com
técnicos de desempenho reprodutivo. um brinquedo plástico (Bite Rite Tail
A taxa de parto (76,9% x 66,0%), a taxa Chew). Quanto aos resultados zootécni-
de retorno ao cio (7,35% x 13,2%) e o cos, não houve diferença estatística no
número de leitões nascidos vivos por ganho de peso (GP), consumo de ração
porca coberta (8,3 x 6,4) foram signi- (CR) e conversão alimentar (CA) até os
ficativamente piores nas fêmeas man- 40 kg de peso corporal (fase de creche).
tidas em hoop barns, mas o número de Dos 40 aos 60 kg (fase de crescimento),
leitões desmamados foi maior nessa foi observado um pico de manifestação
instalação. O desempenho ponderal dos agressiva nos dois grupos e houve maior
leitões não diferiu entre os tratamentos. GP e CR para leitões sobre palha. Na
Excetuando a observação do compor- fase de terminação (dos 60 aos 90 kg),
tamento, que indicou que o sistema de houve maior CR e CA para leitões so-
hoop barns resulta em maior grau de bre palha. O peso das carcaças frias e a
bem-estar, os autores não puderam con- espessura de toucinho sobre o ponto P2
cluir o mesmo com os demais indicado- não diferiram entre grupos. Os autores
res em função da grande variabilidade consideraram os dados de desempenho
das respostas e da não significância esta- não significativos e muito influenciados
tística na diferença da maioria delas. pela densidade e pelo desequilíbrio en-
Esta é uma ponderação interessante tre machos e fêmeas nas baias (já que
na avaliação do BEA com base apenas machos apresentam maior tendência ao
em indicadores zootécnicos: em muitos comportamento de morder a cauda dos
estudos de campo, não é possível fazer outros leitões). Alguns autores37 (37)
inferências sobre os resultados. observaram o comportamento e o GP
Há, por exemplo, muito interesse de leitões ao nascimento, à desmama e
dos pesquisadores de BEA em com- na sétima semana de idade em relação
provar que a mutilação do terço final da a um teste de simulação de mordedura
cauda e o corte ou desgaste de dentes de das caudas (Tail Chew Test), e encon-
leitões no primeiro dia de vida são prá- traram que apenas na sétima semana os
ticas de manejo abusivas e que não se leitões que despenderam mais que 1,5%
justificam como métodos de prevenção de seu tempo no teste eram significati-
do canibalismo e lesões nas mamas, res- vamente mais leves que os leitões que
pectivamente. Foram testados o com- ficaram menos de 1,5% do tempo nessa
portamento e o desempenho ponderal atividade36.
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Com relação ao corte ou desgaste sagem de cortisol, β-endorfina e IGF-I e
dos dentes ao nascimento, foram levan- II, os indicadores zootécnicos de consu-
tados na literatura grandes variações na mo de ração, GP médio diário e CA nas
ocorrência e gravidade das lesões de cinco semanas de experimento. A CA
úbere nas mães e de pele na leitegada38. não diferiu em função de forma ou con-
Para testar dois procedimentos de res- dições de alojamento, mas o consumo e o
secção dos dentes (corte ou desgaste) GP foram significativamente maiores no
em relação a leitões intactos, os autores ambiente limpo. Com base na dosagem
registraram, além das lesões, o número hormonal e nos resultados de desempe-
de leitões por leitegada (10,7 x 10,9), nho, os autores concluíram que os leitões
a taxa de mortalidade (2,6% x 4,1%) foram mais sensíveis às condições de hi-
e o peso individual ao nascimento e à giene das instalações do que ao tamanho
desmama, aos 27 dias de idade (8,21 x dos grupos.
(7,26 e 8,06)). Não houve efeito sobre Também é comum que consumi-
esses indicadores zootécnicos entre o dores de produtos de origem animal
grupo intacto e os grupos tratados, dado associem criações ao ar livre (outdoor
pela não significância estatística das res- system) e de menor escala ao conceito
postas. Considerou-se que a indicação de bem-estar dos animais de fazenda,
dessa prática deve ser ponderada com conforme uma ampla pesquisa feita em
base nas proporções de lesões de pele sete países da Europa em 2005, incluin-
dos leitões (menor nos grupos tratados) do moradores de áreas urbanas e ru-
e nas lesões de gengiva e boca causadas rais40. A Dra. Sandra Edwards41 pondera
pela ressecção. que muitas das características primárias
Embora os procedimentos doloro- que os consumidores atribuem à carne
sos e a restrição da liberdade de movi- de suínos criados ao ar livre não são re-
mentos dos animais criados em fazendas almente devidos ao sistema de criação,
sejam aspectos mais chocantes para a opi- mas ao material genético utilizado, além
nião pública, muitos outros aspectos das de características secundárias, de confe-
criações intensivas têm sido criticados e rir maior bem-estar aos animais, maior
estudados pelos pesquisadores do BEA. sustentabilidade ambiental e seguran-
Foi testado o efeito do manejo de leitões ça alimentar, que são muito discutíveis
em fase de creche criados em isolamen- na prática. No aspecto de bem-estar,
to ou em grupos (de 10 leitões com 1m3 foi comparado o desempenho repro-
para cada um), em ambientes limpos ou dutivo de porcas criadas ao ar livre ou
sujos (com má qualidade do ar devido à em confinamento na Croácia42. Foram
saturação de amônia, dióxido de carbono registrados o período de vida útil (561
e poeira)39. Foram avaliados, além da do- x 659 dias), o número de partos ao des-
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carte (3,01 x 4,54), dias não produtivos pouco conhecimento dos técnicos sobre
por ano (34,9 x 12,9), produtividade o manejo no sistema ao ar livre, citados
total de leitões nascidos (36,1 x 54,1), pelos autores do leste europeu, também
nascidos vivos (33,2 x 49,3) e desma- são preocupantes no Brasil43.
mados (19,4 x 41,2), todos significa-
tivamente melhores para o sistema de Auditoria e certificação
confinamento. A percentagem de morte para bem-estar animal
de matrizes (5,8 x 8,9), ao contrário, foi No cenário de grande visibilidade
maior neste sistema. As principais cau- internacional da avicultura e suinocul-
sas de descarte de matrizes nas criações tura, assim como da bovinocultura bra-
ao ar livre foram anestro (29 x 16%) e sileira, o desafio é manter os contratos
os problemas locomotores (39 x 25%); já firmados e negociar as exigências dos
e no sistema de confinamento foram as mercados potenciais, principalmente
infecções urogenitais (14 x 26%), sín- nas questões sanitárias, mas também
drome Metrite-Mastite-Agalaxia (12 x nas áreas tributária e técnica. Uma das
26%) e problemas cardíacos (6 x 22%). barreiras técnicas que começa a se deli-
As principais causas de mortalidade de near no horizonte das negociações jun-
leitões lactentes nos sistemas de criação to à Organização Mundial do Comércio
ao ar livre e confinamento, respectiva- (OMC) é a do Bem-Estar Animal, tanto
mente, incluíram as perdas perinatais que a entidade vem aprofundando as
(32 x 10%) e os problemas gastrointes- discussões sobre o assunto por meio
tinais (18 x 19%, diferença não significa- da Organização Mundial de Sanidade
tiva). Com base na literatura levantada Animal (OIE)44; 45. A eleição da OIE
e nos resultados da pesquisa, os autores como fórum decisório sobre as ques-
ponderam que, embora o sistema de cria- tões de BEA deve-se à sua isenção: ao
ção ao ar livre confira, via de regra, maior tratar o assunto como um aspecto de se-
grau de bem-estar na avaliação compor- gurança alimentar e, portanto, de saúde
tamental, isso pode ser gravemente com- animal e humana, os argumentos emi-
prometido, como observado na avaliação nentemente econômicos, políticos ou
pelos indicadores zootécnicos de desem- mesmo éticos e culturais perdem força.
penho reprodutivo, quando os diversos A ONU, através de sua Organização
fatores microclimáticos e de manejo não para Agricultura e Alimentos, também
são observados, como nas criações ao ar trata do assunto com destaque, envol-
livre estudadas, nas quais houve influ- vendo cada vez mais instituições públi-
ência negativa das altas temperaturas e cas e privadas nessa discussão46.
grandes amplitudes térmicas durante o No entanto, o envolvimento de to-
verão (> 30oC). O aspecto climático e o dos os agentes da cadeia produtiva, no
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caso, de aves e suínos, na mudança de Os principais pontos de monitora-
atitude em relação ao BEA não é tarefa mento constam da Figura 2.
simples. Isso requer a conscientização Os pontos auditados pelo Projeto
dos agentes, o desenvolvimento de me- Welfare Quality refletem as principais
didas objetivas de avaliação do BEA, a demandas dos consumidores, varejis-
identificação e intervenção em situa- tas e produtores europeus, com uma
ções de risco, legislação e acompanha- abordagem “da mesa ao campo” (fork to
mento do processo47. farm), numa referência às estratégias ini-
Auditoria e certificação de produ- ciais de estabelecer padrões de avaliação
tos e processos são ferramentas de ges- do bem-estar dos animais de produção
tão desenvolvidas pelo setor industrial, “do campo à mesa” (farm to fork)40; 47.
mas que vem sendo utilizadas desde a Nos manuais de auditoria da ONG
década de 1990 pelas cadeias produti- norte-americana HFAC48, que desen-
vas mais organizadas e expressivas do volve o Programa Certified Humane, os
agronegócio mundial. O bem-estar na itens abordados são:
produção animal intensiva também 1. Alimentos e água;
pode ser investigado, ou auditado, de 2. Ambiente (instalações, temperatura
maneira sistemática e padronizada, de e ventilação, área de repouso, espa-
forma a obter reconhecimento nacio- ço disponível, enriquecimento am-
nal e internacional. É o que propõe, por biental, iluminação e sistemas para
exemplo, o Projeto Welfare Quality, cria- partos (suínos);
do na Europa, e o HFAC (Human Farm 3. Gerenciamento (gerentes, funcioná-
Animal Care), nos EUA. Ambos pode- rios, manejo, identificação, equipa-
riam ser usados no Brasil. mentos e inspeção);
O Projeto Welfare Quality foi cria- 4. Saúde dos animais (práticas, monito-
do em 2005, após a constatação pela ramento, cuidados, etc.);
Comissão da União Europeia de que o 5. Transporte (preparação, carregamen-
mercado não oferecia suficiente transpa- to, água e alimentação);
rência aos consumidores sobre as formas 6. Abate (manejo, instalações, treina-
de produção animal e processamento ali- mento de pessoal, insensibilização).
mentar40; 47. Velarde47 cita um levantamen- Na verdade, esses princípios e crité-
to de demandas dos consumidores nesse rios podem ser adotados pelo próprio
sentido, no qual 63% dos quase 30 mil produtor, numa primeira etapa de ava-
entrevistados europeus mudariam seus liação, ou de autoavaliação, da condição
locais habituais de compra para onde hou- geral do Bem-Estar Animal na granja.
vesse produtos com indicação do Bem- Em seguida, um técnico com conhe-
Estar Animal no processo de criação. cimento das operações de manejo e
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Princípios Critérios Significado
Os animais não devem passar
1. Ausência de sede longos períodos sem água e
BOA ALIMENTAÇÃO
2. Ausência de fome alimentos; a dieta deve suprir as
necessidades nutricionais.
Deve-se prever o controle de
3. Conforto térmico
temperatura nas instalações
BOAS 4. Conforto na área de
e dar área suficiente e de boa
INSTALAÇÕES descanso
qualidade para descanso e movi-
5. Facilidade de movimentação
mentação dos animais.
6. Ausência de doenças
Devem-se evitar fatores de risco
7. Ausências de lesões e
e tratar rapidamente doenças,
BOA SAÚDE injúrias
lesões e injúrias, além de evitar
8. Ausência de manejos
práticas de manejo dolorosas.
dolorosos
Os animais devem expressar um
9. Comportamento social
variado repertório de atitudes e
COMPORTAMENTO 10. Outros comportamentos
posturas frente aos estímulos po-
APROPRIADO 11. Boa relação homem-animal
sitivos do grupo, das instalações
12. Estado emocional positivo
e do homem.

Figura 2. Osquatro princípios e doze critérios considerados pelo Projeto Welfare Quality para
avaliação de BEA na bovinocultura leiteira, suinocultura e avicultura intensivas.

peculiaridades da e traçar metas para


Esses princípios e critérios
espécie pode uti-
podem ser adotados pelo próprio as mudanças que
lizar os mesmos produtor, numa primeira etapa
critérios para fazer de autoavaliação, da condição se fizerem necessá-
essa avaliação com geral do Bem-Estar Animal na
enfoque mais diri- rias no sentido de
granja. Em seguida, um técnico
gido. Finalmente, com conhecimento das operações agregar valor à pro-
é requerida uma de manejo e peculiaridades da
avaliação externa, espécie pode utilizar os mesmos dução por meio da
independente ou critérios para fazer essa avaliação informação e certi-
terceirizada, feita com enfoque mais dirigido.
por auditores trei- Finalmente, é requerida uma ficação reconhecida
nados para isso e avaliação externa, independente
ou terceirizada, feita por pelos consumido-
que podem identi-
ficar pontos falhos
auditores treinados. res28; 47.
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Considerações finais cenário paradigmático, o BEA máximo
só ocorre em um sistema intensivo em
Se o BEA tornar-se uma barreira
detrimento da produtividade, e vice-
comercial, como parece ser a tendên-
-versa. No entanto, num cenário mais
cia49, certificações e auditorias para BEA
desafiador, a introdução de novas prá-
serão uma necessidade de produtores
ticas e tecnologias pode tanto melhorar
e indústrias, não uma escolha. No mo-
o grau de BEA sem perda de produtivi-
mento, os pesquisadores ainda se de-
dade quanto melhorar o nível de ambos.
param com dificuldades para justificar
O desafio é manter o equilíbrio para o
e comprovar o comprometimento do
atendimento das necessidades dos ani-
bem-estar em experimentos de campo
mais (nos aspectos físicos e mentais) e
e para padronizar protocolos que se-
dos criadores (no aspecto econômico),
jam reconhecidos internacionalmente.
o que requer conhecimento zootécnico
Auditorias para BEA envolvem muitas
e econômico, boa comunicação com os
questões que devem ser respondidas
agentes (criadores, indústrias, consumi-
antes da implementação de qualquer
protocolo, tais como a formação de es- dores) e comprometimento pessoal e
pecialistas, a conscientização de todos profissional com o Bem-Estar Animal.
os agentes sobre a necessidade e os be-
nefícios advindos do melhoramento de
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134 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 134 11/12/2012 14:14:52


Comportamento
de bezerros e
bem-estar na
bovinocultura
leiteira
Sandra Gesteira Coelho - CRMV-MG: 2335
Ana Paula Saldanha Franzoni
Autor para correspondência: sandragesteiracoelho@gmail.com

bigstockphoto.com

Introdução comportamento dos animais, os pro-


dutores conseguirão identificar os des-
Em grande parte dos sistemas de
vios de comportamento e adequar os
produção, o homem explora os animais
sistemas minimizando o desconforto.
ignorando aspectos intrínsecos a es-
Dessa forma, o potencial dos animais
tes, como locomoção, escolha da dieta,
poderá ser explorado com maior efici-
comportamento social, dentre outros.
ência, respeitando suas necessidades e,
Com isso, muitas vezes os animais ficam
consequentemente, aumentando a pro-
impossibilitados de expressar seu po-
dutividade do sistema de produção.
tencial de produção de forma adequada
e se tornam menos eficientes, além de
Aspectos
sofrerem com picos constantes de es-
tresse que trazem prejuízos para seu or-
comportamentais de
ganismo1. O estudo do comportamento bezerros
é importante para atender às exigências
atuais e futuras dos mercados interno e
Vocalização
externo. Porém, mais importante ainda A vocalização é um ruído gerado
é que, por meio do conhecimento do na laringe e propagado pelas cavidades
Comportamento de bezerros e bem-estar na bovinocultura leiteira 135

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ressonantes antes de ser ocorre, uma vez que os
Os bezerros são
emitido pelos bordos ou bezerros são sensíveis
sensíveis a sons
nariz dos animais. Ela é à vocalização humana.
gerados pelo ambiente
responsável pela inte- Os animais foram mais
ou por animais.
ração entre animais de Essa sensibilidade responsivos à voz hu-
muitas espécies, além permite que percebam mana que a outros tipos
de ser importante na predadores ou perigos de sons produzidos no
relação materno-filial. É a uma distância mesmo volume. Os be-
provável que os bezerros considerável. zerros foram capazes de
produzam vocalizações identificar e gravar de-
distintas, que se modifi- terminados chamados,
cam de acordo com o contexto ou esta- seja pela vocalização humana ou por de-
do emocional dos mesmos. Essas voca- terminados sons, como bater em balde
lizações também variam de animal para de metal, ou uma sirene4.
animal. Possivelmente essa diferença no Vacas são capazes de aprender a vol-
som produzido entre os bezerros seja tar dos pastos para a ordenha quando
algumas vezes sutil e não perceptível chamadas, e caso tenham treinamento,
aos ouvidos humanos. Isso ocorre espe- podem passar a respeitar determinada
cialmente quando o som produzido não ordem imposta para entrar na sala de
está relacionado com ocorrências visu- ordenha5. Nesse estudo, as vacas apenas
ais, olfativas ou sinais táteis2. respeitavam a ordem quando a mesma
Os bezerros são sensíveis a sons pessoa as chamava, demonstrando que
gerados pelo ambiente ou por animais. eram capazes de identificar o tratador.
Essa sensibilidade permite que perce- Além da diferença no som propria-
bam predadores ou perigos a uma dis- mente dito, a mudança na frequência de
tância considerável. Já foi demonstrado vocalizações também indica as caracte-
que os bezerros podem ter respostas de- rísticas do animal, como, por exemplo,
fensivas aos sons de morcegos. Ao ouvir os touros vocalizam mais vezes que no-
o som dos morcegos, os vilhos6. Em um estudo
animais se movimenta- Os bezerros foram com gado Chillingham,
vam e assim evitavam capazes de identificar que vive livre em um
a mordida, já que os e gravar determinados parque na Inglaterra, e
morcegos preferem ata- chamados, seja pela é pouco manejado, foi
car animais parados ou vocalização humana ou constatado que há di-
deitados .3 por determinados sons, ferenças no espectro
A comunicação en- como bater em balde de do som produzido por
tre espécies também metal, ou uma sirene. touros, vacas e bezerros,
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demonstrando que ocorrem mudanças tamento comparados com os dias sem
nas vozes durante o desenvolvimento7. o tratamento. O aumento na produção
Os autores também observaram que os foi observado na segunda ordenha nos
touros respondiam aos sons realizados dias em que as vacas passaram pelo tra-
por outros touros, indicando que eles tamento na primeira ordenha. As vacas
foram capazes de diferenciar esse som que respondiam ao tratamento eram as
daquele realizado pelas vacas. Além dis- que tinham parido havia menos tem-
so, o tipo de vocalização era influencia- po e, portanto, as que identificavam o
do pelo grau de dominância. som dos bezerros como o das próprias
O bezerro reconhece o mugido de crias devido à proximidade da idade dos
sua mãe ou do companheiro de baia8, e mesmos.
também a audição sozinha é suficiente O isolamento também gera reações
para reconhecimento das mães. O som de vocalização, seja por medo, por fal-
das mães e de outras vacas foi gravado ta de contemporâneos ou da mãe. Os
e executado em lados bezerros também irão
opostos aos dos bezer- O isolamento também vocalizar em resposta
ros, e os mesmos se diri- gera reações de à falta de alimento, va-
giam para o lado da voz vocalização, seja por riando com a frequência
de suas mães, sendo os medo, por falta de e volume de leite forne-
animais capazes de di- contemporâneos ou cido. Essas vocalizações
ferenciar gravações das da mãe. Os bezerros podem ser reduzidas ou
vocalizações das pró- também irão vocalizar eliminadas com o for-
prias mães de vocaliza- em resposta à falta de necimento de maiores
ções de outras vacas. alimento, variando com volumes de colostro ou
Mccowan et al. gra- a frequência e volume de leite10.
9

varam a vocalização de leite fornecido. Outro fator que está


25 bezerros com menos diretamente ligado à
de uma semana de ida- vocalização na maioria
de no momento prévio ao aleitamento das espécies é a dor, sendo a primei-
e reproduziram para 721 vacas da fa- ra resposta encontrada na maioria dos
zenda A e 1852 da fazenda B, durante animais quando estes estão sofrendo
aproximadamente 30 minutos para cada qualquer tipo de agressão. A resposta
animal. As vozes dos bezerros eram re- varia de animal para animal e dificulta o
produzidas de forma aleatória e em dias estudo dessa característica, provocando
alternados, e apenas na primeira orde- divergência entre pesquisadores quanto
nha do dia. Foi observado aumento de ao melhor parâmetro para avaliá-la. A
1-2% no volume de leite nos dias do tra- vocalização é um excelente parâmetro,

Comportamento de bezerros e bem-estar na bovinocultura leiteira 137

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melhor até que a frequência cardíaca e crônicos estão relacionados a aumento
níveis séricos de cortisol, já que os últi- da susceptibilidade a doenças13.
mos também aumentam em situações O sono pode ser avaliado por meio
prazerosas2. da realização de eletroencefalografia
(EEG), que o divide em duas fases, am-
Sono
bas importantes para a qualidade do
O sono pode ser definido como esta- sono: REM (fase de movimento rápi-
do de imobilidade com grande redução do dos olhos) e NREM (fase sem mo-
de resposta e consciência, que pode ser vimentos rápidos dos olhos)14. O sono
diferenciado de coma pela rápida rever- REM é também chamado de paradoxal,
sibilidade11,12. As funções do sono ainda porque, apesar de o animal estar aparen-
são pouco esclarecidas, mas sabe-se que temente dormindo, sua atividade cere-
este é fundamental para a saúde e bem- bral está alta, as frequências cardíaca e
-estar da maioria dos mamíferos, princi- respiratória são variáveis, há contrações
palmente durante o desenvolvimento. musculares das extremidades e movi-
A falta de sono está relacionada com mentos rápidos dos olhos.
diminuição do desempenho cognitivo e Durante a fase REM, os bezerros fi-
diminuição da longevidade, e distúrbios cam com os músculos do pescoço atô-

20
Horas de sono por dia

Castor da
15 montanha
Esquilo da mongólia Ramster Bicho preguiça
dourado
Rato do Chinchila
campo

10
Porquinho da índia
Rato
africano Coelho

Rato cauda Daimão da Guiné


em escova Daimão
Daimão Daimão Girafa Elefante asiático
5 do cabo
das árvores do Vaca Elefante
cabo Ovinos
africano
Veado Macaco Cavalo
R = -0,8, P<0,001
0
0,001 0,01 0,1 1 10 100 1.000 10.000
Peso (Kg)

Gráfico 1. Comparação para herbívoros entre tempo de sono e peso corporal (R=-0.77,
P<0.001). Adaptado de (12)

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nicos e só conseguem dormir apoiando corpo, no mínimo por 30 segundos. Os
a cabeça no chão ou sobre o corpo. Já bezerros dormiram durante 12h 41min
a fase NREM pode ocorrer com o ani- +/- 24 min, e desse tempo 44,3+/- 8,0%
mal de pé. Uma forma de diferenciar as foi de sono REM e 55,7+/- 8,0% de
duas fases é por meio da observação da sono NREM. Bezerros do tratamento
ruminação, que pode ocorrer apenas no balde com bico tiveram menor tempo
NREM, pois no REM a motilidade ru- entre a última mamada e o descanso
menal é muito diminuída e a eructação que o grupo mamando no balde sem
também é inibida15. bico (16,2+/- 2,0 min vs. 21,9+/- 2,0
Pouco se sabe sobre o comporta- min, p=0,02), e o mesmo tempo que o
mento de sono da maioria dos mamífe- grupo mamando na mãe (18,5+/- 2,0
ros, mas há uma relação min). Os bezerros des-
inversamente propor- Os bezerros dormiram cansaram mais durante
cional entre o tamanho de 80 a 100 vezes por a noite que durante o
do animal e o tempo que dia e 10 minutos a cada dia, respectivamente,
este dorme (Gráfico 1), vez. 79,0+/- 2,9% vs. 73,8+/-
e todos os animais ten- 2,9%, (p=0,001). Os
dem a dormir menos ao animais dormiram de
longo dos anos .12
lado em maior proporção durante a noi-
Hanninen et al. avaliaram o efeito te (3,7+/- 1,7% vs. 1,9+/- 1,7%), com-
16

de três formas de fornecimento do leite portamento correlacionado com maior


sobre o comportamento de sono de 40 relaxamento. A ação de mamar possibi-
bezerros. Os bezerros foram distribu- litou maior sono NREM para os bezer-
ídos em três grupos: bezerros que ma- ros, e estes dormiram mais rápido após
mavam livremente na mãe, bezerros que a última mamada. O trabalho indicou
mamavam em balde com bico e bezer- maior qualidade de sono nos bezerros
ros que bebiam o leite no balde. Os be- que ficavam com suas mães, que, ape-
zerros foram filmados individualmente sar de apresentarem o mesmo tempo de
durante 48 horas seguidas quando atin- sono durante o dia que o grupo maman-
giram dois e três dias de idade. A carac- do no balde, apresentaram maior tempo
terização do sono foi dada da seguinte a cada vez que dormiram. A presença da
forma: NREM quando o bezerro esta- mãe aumenta a secreção de ocitocina e
va dormindo com a cabeça levantada e diminui a secreção de cortisol, acalman-
permanecia parado no mínimo durante do os bezerros17.
30 segundos, e REM quando ele esta- Hanninen et al.16 relataram que os
va dormindo com o pescoço relaxado, bezerros dormiram de 80 a 100 vezes
apoiando a cabeça no chão ou sobre o por dia e 10 minutos a cada vez. Esse
Comportamento de bezerros e bem-estar na bovinocultura leiteira 139

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tempo foi superior ao observado em ou- gestão de leite. Portanto, a fome não é
tro trabalho dos mesmos autores, reali- apenas afetada pela falta de nutrien-
zado com bezerros de nove a 10 sema- tes, mas pode ser influenciada por um
nas de idade, que dormiram cerca de 50 leque de fatores internos e externos,
vezes por dia com duração de 5 minu- incluindo vias neuronais ainda pouco
tos cada. Os autores acreditam que esse conhecidas18.
comportamento de sono fragmentado Nos sistemas de produção atuais, na
pode ser resquício de maior parte do mundo,
seus antepassados, que, Os criadores adotam o durante o aleitamento a
por serem animais pre- fornecimento de quatro recomendação tradicio-
dados, precisavam estar litros/dia, sem nenhum nal é o fornecimento da
alertas, passando menos ajuste para as mudanças dieta líquida de modo
tempo dormindo. de peso durante toda a restrito, ou seja, 8% a
Vários fatores irão fase de aleitamento. 10% de peso vivo. Mas
afetar o sono dos bezer- os criadores, na verda-
ros, como instalações, forma de ama- de, adotam o fornecimento de quatro
mentação, presença da mãe e de compa- litros/dia, sem nenhum ajuste para as
nheiros, dentre outros. mudanças de peso durante toda a fase
de aleitamento. Isso se deve, além da fa-
Comportamentos indicativos cilidade de oferecer volume fixo, da re-
de fome dução da ingestão de alimentos sólidos
Fome é o estado subjetivo associado quando os volumes de leite são altos, do
à necessidade de ingestão de alimentos consequente atraso no desenvolvimen-
para manter as atividades inerentes à to do rúmen e da perda de peso após o
vida. É regulada pelo sistema homeos- desaleitamento, à crença de que o au-
tático, que é estimulado pelos baixos mento da ingestão de leite acarrete au-
níveis de glicose e outros nutrientes no mento na incidência de diarreia, além, é
sangue, e quando os níveis ideais são claro, de o fornecimento de maior volu-
atingidos esse sistema é inibido. Outro me de leite levar ao aumento no custo
sistema relacionado com a fome é o da criação19.
sistema hedônico, que é associado ao Esse sistema de aleitamento é dife-
aprendizado do sabor rente do comportamen-
e cheiro dos alimentos Esse sistema de to de ingestão em condi-
preferidos, como exem- aleitamento é diferente ções naturais. Quando o
plo, o gosto da lactose do comportamento de leite é fornecido à vonta-
aumenta a motivação
ingestão em condições de, os bezerros chegam
dos bezerros para in-
naturais. a ingerir cerca de 9 a 10
140 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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kg de leite por dia, do a expressão dos compor-
Comportamentos
quarto dia de vida até a tamentos anormais23.
anormais parecem
desmama. Quando dei-
estar associados com a Mamada cruzada
xados com suas mães,
forma de fornecimento
mamam cerca de quatro A mamada em ou-
do leite, uma vez
a 10 vezes por dia, com tros bezerros é um com-
que a alimentação
duração de mamadas de portamento comum
em baldes com bicos
sete a 10 minutos . A 20
ou mamadeiras em bezerros criados em
restrição no volume de reduzem a expressão grupo , devido ao
24,25

leite oferecido tem efei- dos comportamentos pouco de tempo gasto


tos diretos em seu de- anormais. para consumir o leite26
senvolvimento e saúde. ou a deficiências de nu-
Jensen e Holms relata-
21 trientes, como sódio27.
ram que bezerros criados com alimen- A mamada cruzada é a sucção não
tadores artificiais e que sofrem restrição nutritiva realizada no corpo de outros
alimentar visitam mais vezes os alimen- bezerros, não sendo ainda claro o mo-
tadores, mesmo que essas visitas não re- tivo de tal comportamento. A mamada
sultem em sucção do leite, passam mais cruzada é menos frequente em animais
tempo em pé e menos tempo brincan- que têm possibilidade de mamar em
do ou descansando. Além disso, esses suas mães28, e é comum em animais cria-
animais demoram mais tempo em cada dos em grupo25. Acredita-se também
mamada, sendo quase o dobro do tem- que a mamada cruzada pode estar rela-
po despendido pelos bezerros com vo- cionada a pouco tempo para sucção do
lume à vontade de leite18. A frequência e leite26, pois, quando o tempo de alimen-
duração de comportamentos anormais, tação aumenta, as sucções não nutritivas
como mamada cruzada e outras mama- diminuem, porém não são eliminadas29
das não nutritivas, assim como movi- devido ao aumento na
mentação anormal da sensação de saciedade.
língua, aumentam com A mamada em
a restrição alimentar21,22. outros bezerros é um Desmama
Comportamentos anor- comportamento comum A desmama é um
mais parecem estar as- em bezerros criados processo que consiste
sociados com a forma de em grupo, devido ao no fim do aleitamen-
fornecimento do leite,
pouco de tempo gasto to, ou seja, na transição
uma vez que a alimenta-
para consumir o leite da dieta líquida para o
ção em baldes com bicos
ou a deficiências de alimento sólido, e con-
nutrientes, como sódio.
ou mamadeiras reduzem sequentemente na sepa-
Comportamento de bezerros e bem-estar na bovinocultura leiteira 141

ct dez2012.indb 141 11/12/2012 14:14:53


ração e independência Um estudo com be-
As mudanças na
do bezerro da mãe. Em zerros de corte mostrou
dieta, no ambiente e
condições naturais, a que a resposta negativa
nas relações sociais
desmama ocorre gra- (estresse) era reduzi-
após a desmama são
dualmente ao longo do na maioria das vezes da quando a desmama
tempo, com os bezerros estressantes para os ocorria em duas fases di-
aumentando gradativa- animais jovens, o que ferentes: primeiro impe-
mente o consumo de pode ser exemplificado dindo o bezerro de ma-
alimentos sólidos ao pela redução do consumo mar na mãe e só depois
mesmo tempo em que de alimento, distúrbios separando-o da vaca29.
reduzem a ingestão de gastrointestinais e Os bezerros que rece-
leite. Porém, na maioria também por respostas beram o tratamento da
dos sistemas de produ- comportamentais como desmama em duas eta-
ção de leite, o bezerro é aumento de atividade e pas vocalizaram 96,6%
separado da mãe poucas vocalização. menos, movimentaram-
horas após o nascimento -se 78,9% menos, duran-
ou poucos dias depois. te o período de observa-
Apesar de ser separado da mãe, o bezer- ção, passaram 23,0% do tempo a mais se
ro continua recebendo o aleitamento de alimentando e 24,1% do tempo a mais
forma artificial, com a utilização de leite, descansando, comparados com o grupo
leite de descarte ou sucedâneo, durante controle.
várias semanas. A interrupção do forne- A comparação entre as respos-
cimento de leite ocorre a partir dos 60 tas comportamentais de bezerras
dias de idade ou quando o animal ingere Holandesas submetidas a desmama
700g a 1 kg de concentrado durante três feita de forma gradual (diluindo o leite
dias consecutivos. em água morna) e a desmama feita de
As mudanças na dieta, no ambiente forma abrupta (interrupção brusca do
e nas relações sociais após a desmama fornecimento de leite). Além disso, a
são na maioria das vezes estressantes fim de investigar a importância de ou-
para os animais jovens, o que pode ser tros fatores além da ausência de leite
exemplificado pela redução do consu- sobre o estresse após a desmama, os
mo de alimento, distúrbios gastrointes- autores31 avaliaram mais dois tratamen-
tinais e também por respostas compor- tos: remoção brusca de todo o sistema
tamentais como aumento de atividade e de fornecimento de leite e manutenção
vocalização. Portanto, a desmama pode do sistema de fornecimento de leite e do
ter efeitos sobre a produção e o bem- acesso dos animais à água morna em vez
-estar dos animais30. de leite. Os resultados encontrados pe-
142 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 142 11/12/2012 14:14:53


los pesquisadores foram que os animais portamento, o volume de água ingerido,
que receberam leite diluído em água do- observaram que esse volume, no caso
braram o consumo de concentrado (2 da água morna fornecida no sistema de
kg/dia) cerca de cinco dias antes da des- aleitamento, foi o mesmo de leite ingeri-
mama em relação aos animais que rece- do antes da desmama (8 kg/dia). O con-
beram leite não diluído. Porém, após a sumo de água morna teve pouco efeito
desmama, o consumo de concentrado no volume de água total consumido em
entre os grupos tornou-se equivalente. relação ao grupo controle (2,62+/- 0,48
Também não houve diferença quanto vs. 3,55+/-0,54). Esses resultados indi-
ao ganho de peso médio diário entre cam que fatores não nutricionais repre-
os grupos tanto antes sentam papel importan-
quanto após a desma- A dor é uma experiência te nos comportamentos
ma. Quanto às respostas sensitiva e emocional de ingestão e que indi-
comportamentais ana- aversiva, inesperada, cam estresse, tais como
lisadas, houve diferença causada por destruição aumento de movimen-
apenas no dia anterior ou lesão de tecidos. tação e vocalização.
à desmama com rela- Ela modifica o O enchimento do
ção a maior tendência comportamento do intestino com leite leva
dos bezerros do grupo animal para diminuir ou à sensação parcial de sa-
que recebia leite dilu- evitar a injúria. ciedade33. Dessa forma,
ído de vocalizar mais a utilização da desmama
(P<0,05). Já em relação com diluição do leite
aos tratamentos de remoção abrupta com água morna e posterior forneci-
do sistema de fornecimento de leite e mento de água morna manteria a sensa-
de manutenção do sistema com ofere- ção de saciedade. No entanto, além do
cimento de água mor- enchimento do intesti-
na após a desmama, os A resposta no, metabólitos e hor-
bezerros submetidos ao comportamental mônios também afetam
segundo tratamento vo- irá variar de acordo a saciedade34, sendo ne-
calizaram menos, foram com a agressão. No cessários mais estudos
menos ativos e passaram caso da descorna, para melhor interpreta-
menos tempo com a ca- os comportamentos ção dos resultados.
beça do lado de fora da avaliados na maioria
baia, indicando maior
Expressão de dor
dos trabalhos são
relaxamento. balançar a cabeça, coçar A dor é uma ex-
Budzyska e Weary , 32
a cabeça e balançar as periência sensitiva e
avaliando, além do com- orelhas. emocional aversiva,

Comportamento de bezerros e bem-estar na bovinocultura leiteira 143

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inesperada, causada por
Castração causa redução to, para que os animais
destruição ou lesão de
no consumo de alimentos sejam comparados com
tecidos. Ela modifica o eles mesmos, evitando
e no crescimento dos
comportamento do ani- erros de interpretação
bezerros.
mal para diminuir ou dos resultados. Muito
evitar a injúria, para re- cuidado também deve
duzir a probabilidade de recorrência e ser tomado no momento de contenção
para promover a recuperação35. dos animais para a realização do proce-
Há consenso de que manifestações dimento desejado, já que isso, por si só,
sutis de hesitação, fuga e comportamen- pode ser responsável pelo aumento nos
tos anormais, além de modificações fi- níveis de cortisol. Além disso, a avalia-
siológicas, como aumento no cortisol e ção do efeito da agressão em médio e
proteínas de fase aguda, são formas de longo prazo é importante, como obser-
reconhecimento da dor35,36,37. A respos- var o consumo e peso dos animais nos
ta comportamental irá variar de acordo dias subsequentes, o tempo despendido
com a agressão. No caso da descorna, os posteriormente para o descanso e brin-
comportamentos avaliados na maioria cadeiras e a saúde do animal. O impor-
dos trabalhos são balançar a cabeça, co- tante é a associação de todos os parâme-
çar a cabeça e balançar as orelhas37,38,39. tros para diminuir a subjetividade dos
A vocalização também pode ser uma mesmos e evitar erros de interpretação,
resposta importante a ser avaliada, mas que podem ocorrer facilmente devido à
nem sempre está presente e normalmen- individualidade da expressão de dor de
te ocorre de forma pontual à agressão2. animal para animal.
A observação pode ser realizada Alguns pesquisadores utilizaram os
diretamente a campo ou por meio de níveis séricos de cortisol e outros fato-
filmagem dos animais, o que seria mais res para verificar os padrões de resposta
adequado para que não haja influência de animais submetidos à descorna38,39,
do observador no comportamento dos à castração40,41 e à marcação a ferro
mesmos. A observação deve ser feita quente42, e mostraram que em todos
desde o momento inicial da agressão, e os casos, independentemente do mé-
o indicado é que seja realizada no máxi- todo empregado, houve aumento dos
mo de horas possíveis, variando com o níveis de cortisol avaliado, indicando a
grau de lesão dos animais. Como a dor é dor e estresse dos animais. O ideal para
uma expressão individual e pode variar evitar os malefícios da descorna seria a
muito de animal para animal, é aconse- utilização de anestésicos associados ao
lhável que seja feita a mesma observa- anti-inflamatório não esteroidal, pelo
ção em um dia anterior ao procedimen- último atuar diretamente na inflamação
144 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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e possuir tempo de ação usadas como indica-
A expressão da dor
muito maior que o anes- dores de doenças. Por
dos bezerros é um
tésico apenas .
41
exemplo, a hidrofobia é
dos comportamentos
A castração causa usada no diagnóstico da
mais importantes para
redução no consumo aplicação prática a raiva43 e o olhar fixo para
de alimentos e no cres- campo. Porém, devido as estrelas é usado no
cimento dos bezerros . 40
à sua subjetividade, diagnóstico da polience-
Esses pesquisadores é muitas vezes falomalacia44. No entan-
afirmam que é indicada negligenciada e pouco to é pequeno o número
a utilização de anestési- estudada. de pesquisas científicas
cos, mas que os mesmos realizadas para avaliar as
não são capazes de ali- mudanças no comporta-
viar o estresse além de três horas após mento como indicador de doenças45.
a agressão. Os grupos de pesquisas que se de-
A expressão da dor dos bezerros é dicam a isso procuram identificar como
um dos comportamentos mais impor- e quando as mudanças se iniciam, para,
tantes para aplicação prática a campo. a partir daí, potencializar o monitora-
Porém, devido à sua subjetividade, é mento e consequente tratamento do
muitas vezes negligenciada e pouco es- animal afetado. Sabe-se que redução na
tudada. Ainda hoje, alguns procedimen- ingestão de alimentos e água é um dos
tos, na maioria das fazendas, são reali- primeiros sintomas observados em ani-
zados sem qualquer medicamento que mais doentes e no homem46.
evite a dor, tais como a descorna, mar- As doenças afetam o comportamen-
cação dos animais, castração e excisão to animal alterando-o, seja a curto ou
de teto extranumerário. Não há dúvidas em longo prazo, sendo esse efeito uma
quanto à necessidade desses procedi- estratégia coordenada do corpo para
mentos para a otimização do manejo debelar a infecção, que inclui a febre e
geral da fazenda; no entanto, a utilização alterações psicológicas. A febre é indica-
de, no mínimo, anti-inflamatórios seria dor de infecção; ela estimula a prolifera-
indicada por ser de fácil manipulação e ção de células imunes e, pelo aumento
aplicação, causar pouco estresse e, em de temperatura, torna o ambiente des-
sua maioria, possuir preço acessível. favorável para o crescimento de muitas
espécies de bactérias e vírus46. Entre as
Mudanças no comportamento alterações no comportamento frente à
frente às doenças doença, estão a hipofagia, letargia, hipe-
Há muitos anos as avaliações de ralgesia, hiper ou hipotermia, redução
mudanças no comportamento têm sido do aprendizado e da memória, redução
Comportamento de bezerros e bem-estar na bovinocultura leiteira 145

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nos cuidados com o pró- na administração de pe-
Os animais saudáveis
prio corpo, redução na quenas quantidades de
permaneceram mais
exploração física e social TNF e IL-1 aumenta a
tempo nos cochos se
do ambiente e mudan-
alimentando e ingeriram duração da fase NREM
ças na libido . Essas
47,48
mais alimentos que os e nas infecções mais se-
mudanças no compor- animais doentes. veras ocorre redução da
tamento servem para di- fase REM52. Esses acha-
recionar os esforços para dos demonstram que
alterações fisiológicas que preservem a mudanças no comportamento de sono
vida49. e vigília podem ser usadas para diagnós-
As citocinas proinflamatórias são tico precoce das doenças.
responsáveis por essas alterações no O tempo de sono, a postura duran-
comportamento. Essas citocinas são li- te o sono e o número de movimentos
beradas pela ativação dos macrófagos bruscos durante o sono são diferentes
e monócitos como resposta a infec- em animais sadios e doentes46. Os ani-
ção50 e constituem em sinal molecular mais saudáveis permaneceram mais
que sincroniza as respostas no local da tempo nos cochos se alimentando e
infecção, bem como as respostas sis- ingeriram mais alimentos que os ani-
têmicas metabólicas, fisiológicas e de mais doentes. Diferentes citocinas têm
comportamento51. sido apontadas como responsáveis por
As citocinas também participam esses efeitos; por exemplo, a IL-1α e a
na regulação do sono. A presença de TNF – α suprimiram o consumo de ali-
receptores para citocinas no cérebro mentos uma hora após o tratamento em
sugere que elas têm papel fisiológico diferentes espécies. Para esses autores,
como reguladores do sono e vigília. As a anorexia é benéfica para os animais
citocinas envolvidas são TNF-α e IL-1α, doentes54.A ingestão forçada de alimen-
mas também existem evidências da par- tos em animais doentes, para que estes
ticipação de interferon tipo 1 no sono e atingissem o mesmo consumo de ani-
despertar52. mais saudáveis, elevou
Durante o sono, duas A ingestão forçada de a taxa de mortalidade
fases são identificadas, alimentos em animais até próximo a 100%
a fase de rápido movi- doentes, para que estes nesses animais, em
mento dos olhos (REM) atingissem o mesmo comparação a animais
e a fase de movimentos consumo de animais doentes que tiveram o
dos olhos, que não são
saudáveis, elevou a taxa consumo respeitado55.
rápidos (NREM). Em
de mortalidade até Isso demonstra ser esse
quadros infecciosos ou
próximo a 100%. comportamento de
146 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 146 11/12/2012 14:14:53


queda de ingestão de alimentos uma es- A recomendação de separação ime-
tratégia do organismo para combate às diata dos bezerros e de individualização
agressões, devendo ser respeitado esse dos animais é antiga. Os livros de pro-
comportamento. dução animal de 1895, 1911 e 1920 já
orientavam, para um bom sistema de
Sistema de criação de bezerros
criação, a individualização dos bezerros
Na natureza os bezerros permane- em instalações secas, limpas e livres de
cem com suas mães por um longo tempo, correntes de vento56. Todas essas reco-
mas nos sistemas de produção de leite mendações tinham o objetivo de redu-
eles são separados algumas horas após zir as taxas de morbidade e mortalidade.
o nascimento. A separação precoce dos Embora a individualização dos ani-
animais causa menos estresse nas vacas e mais permita maior observação, menor
bezerros que a separação tardia. disseminação de doenças, maior ganho
Após a separação nos sistemas in- de peso e redução nas mamadas cruza-
tensivos e semi-inten- das, os bezerros criados
sivos, na maioria das Embora a em grupo desenvolvem
vezes os bezerros são individualização mais precocemente
criados em instalações dos animais permita interações sociais im-
individualizadas. Essas maior observação, portantes para o desen-
instalações em regiões menor disseminação de volvimento do com-
de clima temperado po- doenças, maior ganho portamento social e se
dem ser em locais fecha- de peso e redução nas exercitam mais57.
dos ou ao ar livre, e em mamadas cruzadas, A aparente dificul-
regiões de clima tropical os bezerros criados em dade, em obter ao mes-
estão frequentemente grupo desenvolvem mais mo tempo maior pro-
ao ar livre. Nos Estados precocemente interações dutividade e interação
Unidos, na maioria das sociais importantes para social entre os animais,
fazendas, as bezerras são o desenvolvimento do fez com que nos últi-
criadas de forma indi- comportamento social e mos anos a literatura
vidualizada até o desa- se exercitam mais. científica se dividisse
leitamento e depois são em recomendações para
agrupadas. Na Europa, a manutenção da indivi-
criação de bezerros até oito semanas de dualização e pesquisas direcionadas a
vida pode ser realizada de forma indivi- estudar formas de agrupar os animais
dualizada ou não, mas, após oito sema- precocemente para que os mesmos pos-
nas, os bezerros têm de ser criados em sam interagir.
grupos. Provavelmente a forma de criar os

Comportamento de bezerros e bem-estar na bovinocultura leiteira 147

ct dez2012.indb 147 11/12/2012 14:14:54


bezerros não tenha grande importân- de moderada qualidade57,59. Torna-se
cia se todos se conscientizarem de que necessário o acompanhamento dos par-
a saúde depende do equilíbrio entre a tos para garantir a ingestão de pelo me-
exposição aos patógenos e a resistência nos 3,78 litros de colostro nas primeiras
às doenças. necessária,Para a redução da seis horas para adequada imunização.
morbidade e da mortalidade dos bezer- Dados do NAHMS60 demonstram que
ros, é necessário atuar sobre esses dois 19,2% dos bezerros avaliados estavam
pontos. Para resistir às doenças nos pri- mal-colostrados, evidenciando dessa
meiros meses de vida, os bezerros pre- forma o desafio que os bezerros en-
cisam receber volumes frentam para resistir às
adequados de colostro A observação do doenças.
de alta qualidade imu- comportamento animal Bezerros podem
nológica e sanitária nas e a utilização deste para ser criados juntos, mas
primeiras horas de vida, avaliar o bem-estar essa recomendação não
uma vez que o sistema devem fazer parte do se aplica a situações em
imune dos bezerros é dia a dia do tratador, que o desafio é alto –
imaturo e incapaz de produtor e veterinário. nesses casos, criar os be-
responder rapidamente zerros de forma indivi-
a estímulos antigênicos. dualizada vai aumentar
Após a colostragem, é necessário ain- o bem-estar por reduzir as chances de
da que os bezerros sejam bem alimen- doenças58.
tados, já que a subnutrição é a maior
causa de imunodeficiencia em todas as Considerações finais
espécies58. A observação do comportamento
Para reduzir a exposição aos patóge- animal e a utilização deste para avaliar
nos, eles precisam ser criados em áreas o bem-estar devem fazer parte do dia a
secas, limpas e bem ventiladas, que os dia do tratador, produtor e veterinário.
utensilhos utilizados sejam desinfetados É importante conhecer o comporta-
e que tratadores, produtores e técnicos mento dos animais em rebanhos pouco
tenham consciência da necessidade de manejados, para avaliar as mudanças de
implementar práticas de biossegurança. comportamento nos sistemas de produ-
Atender a todos os itens acima não é ção atuais, bem como seu impacto sobre
uma tarefa fácil, já que o colostro de ani- a produtividade e a saúde.
mais da raça Holandesa e Pardo Suíço Para melhor entendimento do com-
apresentam concentração média de portamento, os estudos devem analisar
imunoglobulinas, respectivamente, de várias respostas em conjunto, pois dessa
48,2 e 47,7 g/L, que os classifica como forma é possível entender as interações

148 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 148 11/12/2012 14:14:54


entre as mesmas, além de obter o máxi- 10.
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Comportamento de bezerros e bem-estar na bovinocultura leiteira 149

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150 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

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Comportamento de bezerros e bem-estar na bovinocultura leiteira 151

ct dez2012.indb 151 11/12/2012 14:14:54


Bem-estar
animal e o
mercado
Gustavo Henrique Ferreira Abreu Moreira - CRMV-MG: 11490
MV, Residente em Clínica Médica de Ruminantes, EV-UFMG.
Autor para correspondência: gusvet_ufmg@yahoo.com.br
bigstockphoto.com

Introdução
Jeremy Bentham foi a primeira pes-
soa a falar sobre a importância do Bem- Nem, eles podem falar? Mas, eles po-
Estar Animal (BEA), em 1789; respon- dem sofrer?”.
dendo aos pensadores do Racionalismo Por muito tempo se pensou que pro-
– que acreditavam que os animais eram dutividade e BEA não poderiam coexis-
máquinas, que não falavam nem pensa- tir em um mesmo ambiente. Na Europa,
vam como os homens, não tinham alma, onde há uma maior demanda pelo BEA,
e por isso não sentiam dor –, disse: “A já existem estudos buscando quantificar
questão não é: Eles podem raciocinar? o impacto que o padrão de bem-estar

152 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 67 - dezembro de 2012

ct dez2012.indb 152 11/12/2012 14:14:54


pode ter nas relações
Ao conhecer e respeitar medo, tédio, estresse e
custo-benefício. O BEA saúde. Os autores acres-
a biologia de nossos
então começou a fazer centaram que os efeitos
animais de produção,
parte integrante dos sobre o bem-estar podem
cuidando de seu bem-
cálculos do valor eco- estar, podemos obter ser oriundos de situações
nômico dos produtos melhores resultados como: doenças, trauma-
de origem animal. econômicos, quer tismos, fome, interações
O Prof. Paranhos aumentando a sociais, condições de
da Costa1 relatou que, eficiência do sistema de alojamento, tratamen-
nos últimos anos, o criação, quer obtendo to inadequado, manejo,
conceito de bem-estar produtos de qualidade transporte, mutilações
animal começou a ser superior, atendendo às variadas, tratamento ve-
implantado no cenário expectativas do mercado terinário, entre outras.
da produção animal, consumidor. Fora do meio aca-
principalmente com a dêmico, o BEA é geral-
definição de protocolos mente tratado do ponto
de boas práticas de manejo. Em um pri- de vista ético, por grupos que atuam
meiro momento, essas ações buscavam em defesa dos animais (e seus direitos),
cuidar do manejo, oferecendo um pro- pressionando para definição de normas
duto final de qualidade, visando atender legais que limitem a ação do homem no
às exigências do mercado internacional. trato com os animais. Esses movimentos
Para ele, ao conhecer e respeitar a biolo- têm crescido com tal força que grande
gia de nossos animais de produção, cui- parte da legislação da União Europeia
dando de seu bem-estar, podemos obter (UE), envolvendo as relações entre ho-
melhores resultados econômicos, quer mens e animais, foi elaborada sob tais
aumentando a eficiência do sistema de influências. Não estamos tão distantes
criação, quer obtendo produtos de qua- dessa realidade europeia, afinal, se qui-
lidade superior, atendendo às expectati- sermos exportar produtos de origem
vas do mercado consumidor2. animal para os países que participam
Para outros autores , o BEA é uma da UE, devemos produzi-los segundo
3

nova ciência, indispensável aos profis- suas regras (essa é uma exigência legal).
sionais que trabalham em torno da inte- Além disso, há também as pressões in-
ração entre humanos e animais, e deve ternas em defesa dos animais, tanto de
estar relacionado com conceitos como: caráter social como legal, que, de uma
necessidades, liberdades, adaptação, forma ou de outra, acabam interferindo
controle, capacidade de previsão, sen- na definição do modo como os animais
timentos, sofrimento, dor, ansiedade, serão criados.
Bem-estar animal e o mercado 153

ct dez2012.indb 153 11/12/2012 14:14:54


Questões sobre bem-estar Para a produção de poedeiras em
animal gaiolas industriais, a UE possui legisla-
ção obrigando sua eliminação completa
BEA ao longo da história até 2012, assim como o confinamento de
porcas gestantes em baias individuais5 . 5.
A domesticação dos animais, inicia-
Assim, nas sociedades europeias,
da com o lobo, por volta de 12.000 a.C.,
é clara a tendência de um retrocesso a
constituiu um importante elo entre o
partir do padrão de produção intensiva
homem e os animais.
extrema em virtude de considerações
Ao longo dos anos, as interações en-
centradas no BEA.
tre humanos e animais foram sofrendo
alterações em decorrência do aumento Conceito e aplicações de BEA
da demanda por produtos de origem
Cercada por muita discussão, a ex-
animal. No início do século XX, os sis-
pressão “Bem-Estar” apresenta uma
temas de produção animal começaram
grande dificuldade ao se tentar chegar
a adotar esquemas com altas taxas de
a uma definição estática, ou talvez um
lotação, buscando aumentar a produção
tanto quanto simplista, uma vez que
animal e reduzir o espaço necessário
cada indivíduo apresenta sua ideia sobre
para tal. Nos anos 1970, a criação inten-
siva de animais levou ao confinamento bem-estar.
intenso de bovinos, suínos e aves em Para aplicações práticas, se faz ne-
muitos países. cessário um conceito claramente defi-
Na contramão dessa intensificação, nido de bem-estar, que, dentro do am-
vem crescendo o número de pessoas biente científico, é melhor apresentado
dispostas a evitar o consumo de produ- por Broom6, segundo o qual, “bem-
tos de origem animal provenientes de -estar de um indivíduo é seu estado em
produções que causem sofrimento aos relação às suas tentativas de se adaptar
animais. ao seu ambiente”.
Organismos federais e multina- Segundo Gonyou7, durante grande
cionais estão em processo crescente parte de suas vidas os animais devem
de imposição de critérios mínimos de fazer escolhas baseadas na avaliação do
BEA àqueles envolvidos na produção ambiente e nas próprias necessidades.
animal4. Em países da UE, existem mo- Portanto, dentro dos limites impostos
ratórias para a eliminação completa de pelos seus genes, devem ajustar seu me-
sistemas de criação considerados de bai- tabolismo, reações fisiológicas e com-
xíssimo potencial de bem-estar, muito portamentais, para mostrar respostas
embora essa transição frequentemente adequadas às diversas características e
envolva menor produtividade. condições do ambiente.
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Para que isso aconteça, o ambiente ções da fisiologia e/ou do comporta-
deve prover os recursos necessários para mento de um animal podem ser indi-
a obtenção dessas respostas, sob pena cativas de comprometimento de seu
de ocorrer estresse, decorrente da falha bem-estar. Tais alterações podem ser
na adaptação do animal ao meio, levan- medidas de forma objetiva e constituem
do à diminuição do BEA8. uma importante estrutura de avaliação
Podemos aplicar o conceito de do BEA. Níveis séricos de cortisol e per-
Broom6, enfocando o grau de dificul- centual de tempo gasto em comporta-
dade que o animal demonstra na sua mentos estereotípicos são exemplos de
interação com o ambiente. À medida parâmetros medidos8.
que o grau de dificuldade imposto pelo
ambiente vai se tornando maior, o in-
BEA x Produtividade
divíduo começa a lançar mão de uma A lógica da economia que envolve a
série de artifícios fisiológicos e compor- produção animal permite formular uma
tamentais, buscando contornar ou se relação generalizada entre produtivida-
adaptar à nova situação. de e bem-estar, explicada na Figura1.
Consequentemente, certas altera- Segundo McInerney4, essa relação

B
Bem-estar Máximo
animal

A Na natureza Desejado C?

Mínimo D
Crueldade
E

Produtividade

Figura 1. Relação entre Bem-Estar Animal e produtividade


Fonte: McInerney (2004), adaptado por Molento9
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sugere uma complementaridade em bai- vidade/bem-estar (Fig.1) mostra que,
xos níveis de produção, com aumentos ao se ler o gráfico da direita para a es-
de produção causados por um melhor querda, desde o ponto E até B, aumen-
manejo (nutrição, instalações, contro- tos no grau de BEA envolvem perda de
le sanitário, etc.), levando a aumentos produtividade e, consequentemente,
no grau de bem-estar, que corresponde haverá um custo econômico. O forma-
ao espaço de A a B. Muitos produtores, to da curva indica que as primeiras me-
trabalhando abaixo da produtividade lhorias de bem-estar, por exemplo, de D
máxima de seu sistema por dificulda- para C, podem ser obtidas a um custo
des técnicas, encontram-se nesse espa- relativamente baixo; já os movimentos
ço. Ao se aprimorar as condições dadas em direção a níveis crescentes de bem-
aos animais nesse tipo de situação, ha- -estar, de C para B, tornam-se progressi-
verá simultaneamente incremento de vamente mais caros.
produtividade e de bem-estar animal.
Entretanto, a partir do ponto B, aconte-
A busca pelo BEA
ceram aumentos adicionais de produti- Segundo Molento9, a demanda por
vidade em detrimento do BEA, à medi- bem-estar animal é uma característica
da que o sistema se torna mais intensivo atual do mercado interno europeu, que
e as técnicas de criação buscam explo- apresenta uma declarada preferência
rar ainda mais o potencial biológico do por padrões aumentados de bem-estar
animal. A tecnologia em dos animais de produ-
zootecnia permite tais As preferências por ção. De fato, para aque-
desenvolvimentos, e as produtos certificados les cientes e sensíveis
pressões comerciais le- para BEA tendem às questões de BEA, as
vam à sua adoção. a ser demonstradas condições sob as quais
Graus de bem-estar mais amplamente os animais de produção
abaixo de um determi- pelas sociedades como são mantidos percorrem
nado ponto (D) são resultado de educação, toda a cadeia produtiva
enquadrados como
de conhecimento de para se tornarem atribu-
crueldade.
conceitos básicos de BEA tos do produto final. A
O grau ideal de
e da evolução normal teoria convencional de
de percepções e valores, demanda de mercado
bem-estar de animais de
que acontecem quando
produção para diferen- permite sugerir alguns
as preocupações de uma
tes sociedades provavel- princípios aplicáveis à
geração são substituídas
mente se acomodará ao
por aquelas da geração demanda por BEA.
redor do ponto C. Em primeiro lugar,
seguinte.
O modelo produti- parece razoável admitir
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que a demanda por BEA não seja mui- Pesquisas com os consumidores
to responsiva a preços, a elasticidade de sobre a disposição em pagar mais por
preço da demanda é numericamente produtos certificados para BEA exis-
baixa. A lógica desse raciocínio é que tem em algumas sociedades. Depois
a preferência por produtos associados de entrevistar 2.000 cidadãos ingleses,
ao mais alto grau de BEA baseia-se em Bennett11 relatou que as pessoas estão
questões éticas; tais preferências ten- dispostas a pagar em média £0,43 a mais
dem a ser mantidas por atitudes prove- por dúzia de ovos produzidos com um
nientes de reflexão profunda e não são, padrão mais alto de bem-estar das aves.
para sociedades de alto poder aquisiti- Na Alemanha, uma pesquisa de opinião
vo, modificadas por preços4. Entretanto, pública relatou que 83% das pessoas
preços mais baixos para produtos de entrevistadas disseram estar dispostas
BEA satisfatório aumentarão a deman- a pagar mais por ovos de galinhas que
da na medida em que viabilizarem essa não fossem mantidas em gaiolas indus-
escolha a um maior número de compra- triais. Resultados similares existem para
dores, os quais não tinham poder aqui- outros países e para outros produtos;
sitivo para tal opção nos preços mais entretanto, não existem publicações na-
elevados. cionais nessa área.
As preferências por produtos certi-
ficados para BEA tendem a ser demons- BEA no Brasil
tradas mais amplamente pelas socie- No Brasil, ainda é comum em dis-
dades como resultado de educação, de ciplinas de zootecnia geral e específica
conhecimento de conceitos básicos de o uso de livros-texto dos anos 70 e 80,
BEA e da evolução normal de percep- que preconizam o racionalismo, com a
ções e valores, que acontecem quando filosofia do animal de produção como
as preocupações de uma geração são máquina. A consequência desse ensino
substituídas por aquelas da geração é um corpo profissional fora de sinto-
seguinte. nia com a realidade mundial. Um para-
Em seu trabalho sobre sociedades lelo pode ser traçado com a atividade
em transição econômica, Bellaver e de pesquisa pecuária brasileira, com
Bellaver10 propõem a mesma hipótese uma grande quantidade de linhas de
apresentada por McInerney4, em que a pesquisa norteadas por uma maximi-
demanda por produtos diferenciados zação da produtividade sem conside-
em termos de BEA tende a crescer à rações sobre a qualidade de vida dos
medida que aumentam as informações, animais9.
a consciência e a percepção do público A situação em nível de campo refle-
em relação à produção animal. te os quadros educativos e de pesquisa.
Bem-estar animal e o mercado 157

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Zanella12 descreve a visita de um grupo Conclusão
de inspetores europeus a abatedouros
No Brasil, apesar de ainda imperar o
no Rio Grande do Sul. Os inspetores
pensamento de produtividade máxima,
relataram que as autoridades brasileiras
as cadeias produtoras começam a entrar
não estão observando o BEA em con-
em contato com esta nova demanda do
cordância com a diretiva 93/119/EC
mercado consumidor, que é o BEA. A
da Comunidade Europeia, de 22 de de-
adaptação da produção animal brasilei-
zembro de 1993, que trata da proteção
ra ao BEA é um processo certo, ainda
dos animais ao abate. O relatório dos
que lento e com alguns obstáculos a se-
inspetores oferece a explicação de que a
rem ultrapassados.
diretiva não é entendida nem implanta-
As experiências e pesquisas inter-
da pelos serviços de inspeção no Brasil.
nacionais sobre BEA como conceito
O artigo de Zanella12 chama atenção às
econômico compõem um bom alicerce
dificuldades encontradas por um gran- para o desenvolvimento dessa área no
de número de profissionais brasileiros, Brasil. Entretanto, são necessários estu-
que na sua grande maioria não recebe- dos nascidos e conduzidos em território
ram formação em BEA. nacional, a fim de elucidar alguns pon-
Admitindo-se que sistemas mais tos ainda desconhecidos sobre o BEA
extensivos têm mais alto potencial de em nossa sociedade.
bem-estar animal, o Brasil tem uma A necessidade de incorporar o BEA
posição privilegiada, favorecida pelas na pecuária brasileira talvez emane pri-
condições climáticas e pelo baixo custo meiramente de preocupações éticas da
de terras e mão de obra, se comparado própria sociedade ou, talvez, de bar-
aos mesmos parâmetros existentes para reiras de comércio exterior fundamen-
os produtores europeus. Entretanto, tadas em questões de BEA – de qual-
uma pecuária mais extensiva, apesar de quer maneira, é uma necessidade real e
apresentar um maior potencial de BEA, crescente.
não significa automaticamente melhor Apesar dos inúmeros desafios, o
qualidade de vida para os animais. A maior conhecimento sobre o assunto e
atuação de profissionais conhecedores a maior demanda da sociedade, aliados
dos princípios básicos da ciência do a uma aplicação gradativa das novas ten-
BEA é indispensável para incorporar de dências de produção, poderiam viabili-
maneira organizada as práticas de BEA zar a transição.
à pecuária nacional. Segundo Bellaver Nesta fase inicial de aplicação dos
e Bellaver10, a situação demanda novas conceitos básicos de BEA a campo,
políticas para se aprimorar a produção pequenas alterações de manejo e insta-
animal em termos de BEA. lações, associadas a baixo ou nenhum
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custo, podem levar a uma elevação im- 5. SINGER, P. Animal liberation. New York:
portante do padrão de bem-estar dos HarperCollins, 2002. 324 p.

animais. 6. BROOM, D.M. Indicators of poor welfare. British


A inclusão do ensino de BEA duran- Veterinary Journal, London, v.142, p.524-526,
te a graduação em Medicina Veterinária 1986.

e Zootecnia, aliada ao fomento de pes- 7. GONYOU, H.W. Behavioral methods to answer


quisas nacionais nessa área, teriam um questions about sheep. J. Anim. Sci., 69 : 4155-
grande impacto na melhoria do grau de 4160, 1991.

bem-estar de animais de produção no 8. BROOM, D.M.; JOHNSON, K.G. Stress and ani-
Brasil. mal welfare. Dordrecht, Kluwer Academic, 2000.
211 p.
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Etologia, 18: 26-42, 2000. 10.
BELLAVER, C.; BELLAVER, I.H. Livestock
2. PARANHOS DA COSTA, M.J.R., CROMBERG, production and quality of societies’ life in trans-
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tema de pastejo rotacionado. In: Peixoto, A.M., 11. BENNETT, R.M. Measuring public support for
Moura, J.C. e Faria, V.C. Fundamentos do Pastejo animal welfare legislation: A case study of cage
Rotacionado, FEALQ: Piracicaba, p. 273-296, egg production. Animal Welfare, Herts, v.7, p.1-10,
1997. 1997.
3. BROOM, D.M.; MOLENTO C.F.M. Bem-estar 12. ZANELLA, A.J. Descaso com o bem-estar animal:
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& Animal Health Economics Division of Defra,
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