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Direcção de

i' 1\-1, ABRAMSON, A. GUREVITOH e N. KOLESNITSKI

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) CAPíTULO III
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o ESTADO FRANCO
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) 1. O PERJODO MEROV1NGIO
)
Nascimento do Estado franco. Clóvis. A confederação
)
dos' Francos constituiu-se em território romano, no Rena
} inferior, durante os séculos III e IV. Os Francos estabele-
)
ciam-se em aldeias e lugarejos espalhados, e, por isso, a
romanização não os atingiu profundamente, nessa época,
} subsistindo as relações comunitárias e as grandes famílias.
) Os Francos dividiam-se em Francos Rípuários, isto é, ribei-
)
rinhos, (do latim rípa-margem), que viviam no vale do
Reno, a leste do Meuse, e Francos Sálios (tribos que se
)
tinham estabelecido no delta do Rena antes da conquista da
) Gália). Estes últimos, durante um período que começa na
)
segunda metade do século IV e se prolonga por todo o
século V, apoderaram-se, pouco a pouco, de todo o Norte
/ da Gália, até ao Loire. Em fins do século V, algumas tribos
, de Francos que tinham cada uma o seu próprio chefe, resol-
)
veram submeter-se a um rei comum, chamado Clóvis (481-
-511). Clóvis desembaraçou-se dos rivais, alguns dos quais
)
da mesma linhagem e tomou Soissons, que pertencia a Siá-
) grio, último governador romano da Gália; lançou-se em
) seguida numa expedição contra os Burgúndios, submeteu os
Alamanos, que tornou seus tributários" e, após a batalha
)
de Poitiers, tomou a Aquitânia aos Visigodos. Desejoso de
j reforçar a sua autoridade e de conseguir o apoio da aristo-
I
)

I
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cracia gaulesa e do dero, Clóvis abraçou o catolicismo ao

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HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA

mesmo tempo que os seus companheiros de armas, no que f(> ;1«vendetta) continuava a existir, e traziam-nas sempre con-
imitado quase de seguida por todos os Francos, Foi o fu sigo. Para um Franco, o insulto mais cruel era a suspeita
) dador da dinastia dos Merovíngios (o antepassado lendárí de cobardia. A Lei Sâlica, colectânea das regras de direito
penal dos Sálios, indicava a multa que tinha de se pagar
)
destes reis francos chamava-se Meroveu). pela acusação sem fundamento, feita por um homem livre
contra outro homem livre, de ter abandonado o escudo
} o bispo Gregório, de Tours (falecido cerca de 594), auto durante o combate.
de uma História dos Francos, exalta nela a personalidade d
)
Clóvis, por causa da sua conversão ao catolicismo, acto
)
que teria ficado a dever todas as suas vitórias. Mas não coa o reino dos Francos, sob Clóvis, não tinha ainda perdido
seguiu, mesmo assim, esconder a crueldade e perfídia d completamehte os aspectos característicos da confederação de
) fundador do Estado franco. Conta como Clóvis levou o filh
do rei dos Ripuários a assassinar o pai, a fim de lhe sucede tribos que, como tal, tinha conquistado o território romano,
) no trono, para, uma vez o crime consumado, fazer com que e aí estabelecido o seu domínio. Os primeiros reis francos
I
, o filho perecesse, e conseguir depois ser ele próprio coroado foram, acima de tudo, chefes de guerra. Pilhavam a popu-
rei pelos Ripuários. Gregório de Tours acaba o relato dest lação local, apoderavam-se das cidades e tesouros ainda intac-
) malfeitoria do seguinte modo: «Deus fazia com que os inimi
gos caíssem todos os dias a seus pés, e com que o rein tos, usurpavam as terras e os escravos, e partilhavam os
) despojos com os guerreiros. Percorriam os seus infindáveis
aumentasse, porque caminhava diante dele com um coração
.) recto, fazendo o que agradava aos seus olhos.» O autor conta, domínios acompanhados de tropas, alimentando-Se à custa
a seguir, o assassínio de outros colaboradores, que se lhe dos oprimidos. Os reis francos consideravam a Gália como
) atravessavam no caminho do poder autocrático, e cita as
palavras que o rei dirigiu à sua corte: «Pobre de mim, que um despojo de guerra.
)
fiquei corno um viajante entre estrangeiros, sem parentes
) que me possam soc?rrer, s~ dep~rar com, a adversidade.» Alargamento do reino dos Francos. Por morte de Clóvis,
E Gregório comenta. «Mas Isto nao quer dizer que a morte filh di' idi atrimónio e cada um
) deles o afligisse; falava assim por ardil e para descobrir se os seus quatro I os VI iram o p ~"
não lhe restaria ainda algum parente, para o mandar rnatar.» governou como monarca autónomo. Os MerovmglOs flzera~
)
Na época de Clóvis, <?s. Francos continuavam ~ ser um depois numerosas partilhas e reagrupamentos dos seus dO,m.l-
) I pov~ bárbaro, pouco famllianzadocom a civilização, O as- nios. Os reis francos, insatisfeitos, alargaram o seu dOIDlDIo
pecto exterior e o comportamento dos guerreiros francos , ib izinhasr sr bmet am assim definitivamente os Bur-
) inspiravam terror aos Gauleses; as fontes escritas são elo- f;, as tn os VlZI as, .su er . • .
quentes a este respeito, embora os autores religiosos fossem ' gúndios; em seguida, os duques das tribos germamcas dos
)
bastante moderados em relação aos Francos católicos. E, no )." Bávaros e Turíngios também se submeteram. Foram colo-
) entanto, o catolicismo coexistiu com ? ,Paganismo, e,ntre os 1nizadas várias províncias da Germânia, particularmente as
)
Francos, durante .mUlto tempo: Procópio de Cesareía, des-
crevendo as atrocidades cometidas pelos Francos durante a
conquista da Itália do Norte, testemunha: «Estes bárbaros
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regioes compreen 1. as en re o e
. posteriormente designadas com
R no e o Meno que foram
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nome de Franc?n~a. Os
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)
são cristãos que conservam grande número das suas crencas reis francos afastavam cada vez mais para leste os limites do
} primitivas, praticam sacriffcíos humanos e observam ritos seu reino, e, em certa altura, chocaram-se com os Saxãos
que estao longe da verdadeira piedade, em especial o de lã , . fre am ata ues das tribos
) interrogar o futuro.» A proibição da poligamia decretada e com os Eslavos po ábios : so r q
)
pela Igreja, não impedia que fosse corrente entre os reis nómadas dos Avaros. Aproveitando a guerra entre o Impe-
francos. rador Justiniano e os Ostrogodos, tomaram a Provença a
) Os Francos manejav~II?- com muita habilida,dt; a espada, estes últimos. Cerca de meados do século VI, o reino dos
a Iança com ponta metálica e armada com varres ganchos F . vasto de todos os que se tinham COflS-
)
afiados. O machado com um ou dOIS gumes largos e cabo
muito curto (a francisca), suas armas preferidas. Serviam-se
n:
,ra~cos era o, a.Is . , .
tituído no territóno do antigo Império Romano. Englobava
)
delas frequentemente para resolver litígios pessoais, porque a quase totalidade da Gália (menos a Bretanha, o país dos
)

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HlS'iÓRIA DA IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA


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Basces, na; fronteira\- pirenaica, e a Septimânia visigótica, Organização administrativa. Os reis francos tinham con-
litoral mediterrânico) e/vários «países» da Germânia, O ráp servado muito menos elementos da organização governamental
) engrandecimento do reino dos Francos, que acabou por ab romana do que os Gados de Espanha e Itália. Continuaram,
)
car, por um lado, províncias tão heterogéneas como a Aq realmente, a cobrar impostos à população galo-romana. As
tânia, a Provença e a Borgonha, profundamente romanizad suas tentativas para obrigar os Francos a pagar impostos
e, por outro lado, regiões trans-renanas da Germânia, foi faf provocaram respostas violentas e mesmo rebeliões reprimidas
para a união instável e artificial realizada por Clóvis. O rein com selvajaria. Muito antes da conquista da Gália, já a
)
dos Francos desfez-se em migalhas; as várias partes de qu organização administrativa romana começara a desorganizar-
se compunha revelavam uma nítida tendência para a aut~k -se e não conseguiu sobreviver-lhe, mas um grande número
nomia e. distinguiam-se umas das outras, tanto pelo caráctf" de magistrados do Império pôs-se ao serviço do rei franco., ,
das relações sociais e económicas, como pela sua estruturit No século V, nas antigas circunscrições urbanas, o poder' ,'.~' .".,.
étnica. Os maiores Estados, praticamente autónomos, er~ estava concentrado nas mãos dos bis os que conseguiram / /.--;;.
a Nêustria, no Noroeste da Gália, a Borgonha (então Bur~ mantê-lo sob a nova autorida e. O bispo residia na cidade. ~.
gúndia), no Sudeste, e a Austrásia, que compreendia a Gá!ill O rei nomeava para as várias circunscrições os seus «oficiais», '
) do Nordeste e as terras da Germânia conquistadas pelõii os condes, que eram, ao mesmo tempo, responsáveis pela;
)
Francos. Os dirigentes da Austrásia e da Nêustria tentava.nti paz interna, juízes, perceptores de impostos, que convocam
aumentar as suas possessões e degladiavam-se em querela$~ a reunião dos homens livres e os conduziam ao exército ..
)
implacá veis. Os Francos tinham mantido as assembleias dos homens livres, .
) ou mallus (campos de Março), as quais, antes da conquista, j

) As lutas intestinas pululam na história dos Merovíngiose eram realizadas pelos Germanos ao ar livre e, mais tarde,
parentes muito -?r~xim?s lutavam, constantemente uns contra em locais cobertos. Estas assembIeias foram postas imediata-
) os outros, CIotano, filho de Clovls,esmag:ou, uma. revolta . b . . ' . .__ _--,
d 1 filh não hesitou em queimá-lo VIVOcom mente so a autondade dos condes. O du.el.to romano, em- . "'-""'-\
) prepara
a mulher a epeoso filhos.
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Uma luta particularmente sangr~nt,a. foi 01,'
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ora nao esaparecesse por cornp 1eto, per deu eu Jm fI uencia
~ , na. .
) a que pôs frente a frente os dois netos =. ClOVIS:Quilpérico, Gália do Norte, e a Igreja católica tornou-se sua guardiã.,. .
rei da Nêustria, e Sigeberto, rei da Austrasía, e s~as, mulheres, O direito consuetudinário dos Bárbaros teve uma grande) ....-
)
F. re d egdon.ah
d eB ilde Antes de casar com Quilpérico
~dm .. oncubina
Fres ~-'-----.- ._--
Gregório de Tours 'conta difusão e foi posto em código por algumas tribos, sob á"
/
li degon a tm a SI o sua c .. . . . .. _
)
e à força de violência e perfídia, Fre~ego?da cons~gUlu; forma de colectânea de LeIS. A primeira redacçao dos costu-
/ ifa~tar do seu caminho as mulheres .de Quilpérico e os, fl!h~S; mes populares e judiciários francos foi feita sob a égide de
acabou por ser rainha e agravou a nvah~ade eI?-tre Quilpérico Clóvis (a Lei Sálica). A Gália do Norte tornou-se o «país do
) . - A mulher de Sigeberto Brunilde (filha do reI dos ., . , . , .
e .o.lrm ao). . i" assfnio da irmã mulher de dlrelt.o consuetudinário», ao passo que a Gaba do Sul con-
j VIS1g0 d os, qUIS v.n",ar o ass , 1 [ti d ' d di . . 'd di .
)
o próprio Quilpérico escapouas intrigas da mulher e a~abou,
I
Quilpédco, Mas Sigeberto morr~u na guerra par~ que e a o . tínuou sen o o «pais o iretto escrito», Isto e, o íreíto
arrastou. As duas rainhas contmuararn a degladiar-se. Nem romano.
A jurisprudência romana foi substituída, na Gália do
)
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or ser morto por instigaçao de Fredegonda. Brunilde tentou N
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bít ariedade da aristocracia aus- l orte, pe as normas germamcas. O de inquente era respon-
vencer a m lSClp ma e a ar 1 rI. ., . _
trasiana mas foi derrubada, Os magnates a~,stras:ano~ inves- savel pelos ,a~tos, que cometia, n~o perante o Esta~o, mas
tiram do poder real Clotário Il, rei da Nêustria, filho de perante a vínma e perante os pais, a quem era obrigado a
Fredegonda. Acusada de ter «mandado assassinar dez reis pagar uma indernnização pecuniária. Uma parte do wergeld.
)
'ld ., .d f condenada a uma morte I --- -
francos», B rum, e, ja 1 asa, 01 1 1 f ita em o [redum, ia para o rei. O valor estipulado variava segundo
) terrível' atada a cauda de um cava o se vagem e ei a! . .
· o estrato SOCIaldo ofendido,
pe d aço.S I
)

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HISTóRIA DA IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA

",O'pt'OCedimento penal compreendia diversas provas JU~" enraizados do que entre os Francos da Gália. Para cá do
)
cia.is', entre as quaís o. testemunho colectivo (várias p.es-" Rena, as relações e contactos eram permanentes entre Galo-
) ajuramentadas pronunciavam, ao mesmo tempo que o acusa _Romanos e Bárbaros; ora, após a invasão, os Galo-Romanos
fórmulas rituais que o Jlíbavam da acusação), e os «ordáliO: não tinham modificado em nada a sua maneira de viver,
ou «julgamento de Deus»: o juiz podia ordenar um due e os usos romanos serviram, assim, de modelo à ordem social
judiciário entre os litigantes, ou submeter o acusado às prov dos conquistadores. Por outro lado, o desenvolvimento entre
da água a ferver ou do ferro em brasa (as queimaduras per os Bárbaros da propriedade privada constituía um terreno
tiriam que o juiz se pronunciasse sobre a culpabilidade favorável para a assimilação de muitos elementos do direito
inocência do acusado). O resultado das provas, para os B romano.
baros, dependia da intervenção divina; consideravam que
) quem estava «puro perante Deus» podia sair vencedor d'df: Os Galo-Romanos. Nos séculos VI e VII, coexistiam den-
duelo e suportar todas as provas. " . tro do Estado franco várias estruturas econômico-sociais.
Durante o século VI, o poder real isola-se definitivarnenj A população galo-romana submetida pelos Francos, que cons-
do povo e começa a combatà.Io, Só então o Estado fran tituía a maioria nas regiões meridionais e ocidentais, ou seja,
) perde as características de confederação de tribos. na Borgonha, Aquitânia e Nêustria, era muito variada. Havia
) i?' pequenos proprietários independentes e grandes proprietários,
'i~'
)
Ordem social. Na Gália, a maior parte dos francos esta4[1" laicos ou eclesiásticos, que exploravam em grande escala o
beleceu-se em terras não ocupadas Ou em domínios pertenJi:?' trabalho da população: colonos, escravos e pequenos rendei-
)
centes ao fisco romano. Em alguns casos raros, ocupava~; ros livres. A antiga nobreza agrária e escIavagista, mantinha
) terras dos Galo-Romanos, ou partilhavam-nas com eles. Fo".;?' c controle da maior parte dos seus domínios e das outras
)
ram os Francos quem principalmente colonizou a Gália dot* riquezas. Os Galo-Romanos não tinham os mesmos direitos
Nordeste até ao Se na e ao Marne, região quase desabitadas; que os Francos, mas muitos representantes da antiga classe
)
na época anterior. Mais a oeste, entre o Sena e o Loiret': senatorial entraram ao serviço do rei dos Francos e foram
) surgiram muitas aldeias e acampamentos francos, mas aí fo .•.. promovidos aos mais altos cargos, o que lhes permitiu enri-
ram envolvidos por uma população gaulesa mais numerosa. I quecer novamente e reforçar a sua posição social. -º-clero
/

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Pouco a ~o~co, aflu~ram os .Bár~aros vindos das províncias, J era, essencialmente, .~ galo-romana. No final do'-Sê-
da Germânia, que tinham SIdo Incorporadas no remo dO$:.,. culo VI e princípios do VII, desapareceram as antigas dife-
); Francos. A maneira de viver destes era muito diferente da' renças: a aristocracia galo-romana aproximava-se dos Francos
) dos Bárbaros que tinham invadido a parte Sul do Império que, por sua vez, também se tornavam grandes proprietários
do Ocidente. A fusão dos Bárbaros com os Galo-R omanos de terras.
)
fez-se lentamente. A romanização foi menos intensa no Norte A situação dos camponeses dependentes e dos escravos,
) do que em Itália, Espanha ou na Gália meridional. Durante nos vastos domínios da nobreza latifundiária e ela Igreja,
) vários séculos após aconq uísta, coexistiram duas línguas na continuava praticamente na mesma. Só depois da queda do
Gália do Norte. A língua francesa, saída pouco a pouco do Império, as rendas e serviços, anteriormente cobradas pelo
)
romano, foi profundamente influenciada pelo frâncico, Havia fisco, passaram a sê-Ia pelos grandes proprietários. As corveias
) diferenças muito nítidas entre as regiões gaulesas e as pro- assumiam proporções cada vez mais alarmantes. Os colonos
) víncias trans-renanas do reino dos Francos. A romanização disfrutavam como se fosse coisa sua das explorações que
foi menos profunda na Germánía, onde os antigos usos comu- levavam a cabo nas terras dos grandes proprietários,Por
)
nitárias levaram mais tempo a desaparecer, porque mais outro lado, a pequena propriedade galo-romana da Gália do

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••. éRIA DA IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA


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Nolite' nãO; pôde' resistir: aos' constantes conflitos soei . flOjc empregados em francês, são de origem germânica. A cria-
militares da época das' Grandes invasões; os camponeses'>, ç:ã(} de -iadO ocupava um. ~~.~~E.~rtante na economia;
diam. a liberdade e ficavam sob a autoridade da Igreja e. OS Francos dedicavam-se principalmente à...ftiação de porc~s.
magnates laicos. Iam-se diluindo as diferenças entre, por A organização da exploração do solo adquiriu uma gran e
lado, os colonos e escravos, fixados ao solo e, por outro ilDportância na vida da comunidade.
camponeses livres.
Como a conquista franca não era acompanhada da, d o alódio. A passagem a uma agricultura mais intensiva,
truição da grande propriedade agrária romana (embor em grande parte sob a influência dos Galo-Romanos, tornou
rei e a nobreza tivessem ficado com as terras do fisco) e possível a gestão de cada unidade econ?mica por uma família
implicava o desaparecimento da' Sociedade galo-romana, ve restrita. A desigualdade de recursos tinha forçosamente que
ficou-se, no reino dos Francos, uma síntese das instituiç- se agravar nas novas condições. A dissolução das relações
sociais dos Romanos do Baixo Império e dos Germano de clã acelerou-se após a invasão. Certas disposições d~
Esta síntese também se verificou nos reinos bárbaros} Jiilka atestam ainda a sobrevivência da grande família, que
Europa Meridional, mas sob uma 'forma diferente, porql compreendia o pai, com os filhos adultos e suas famílias:,
as relações tribais e comunitárias, nestes reinos, tinh· habitavam sob o mesmo tecto; geriam a mesma exploração
desempenhado um papel acessório comparativamente com e possuíam a terra em comum. Quando o proprietário falecia
relações baseadas na escravatura. sem deixar filhos ou irmãos, a parcela de terra, chamada
l'

',~, «terra sálica» ou «terra deixada pelos antepassados», não


. AA c~munidade agrária franca não se desagregou sob,.:j podia ser transferida para os pais de colaterais ou para as
influênciaromang (a comunidade e os usos comunitários e~ mulheres devendo voltar à posse da comunidade. O antigo
tiam n~ Gália a~t~s das invasões), transformou-se, sim, e~; direito c~nsuetudinário ignorava a alienação da terra. O título
comumdade de vizinhos ou comunidade de marca. As re~: 58 da Lei Sálica enuncia as condições de pagamento do wer-
ções feud~is no ~stado franco constituíram-se tendo por bas~ geld pelos pais de um assassino insolvente aos pais da vítima,
a reorgarnzação ínterna da grande propriedade agrária her-1! no caso de os bens móveis não serem suficientes. Ficou ela-
d~da de ~oma e as modificações por que passaram as condi';~ ramente estipulado que os bens imóveis - terra ou casa-
~oes de VIda dos camponeses germanos e gauleses que, outroI'ai} não podiam ser vendidos nem cedidos e deviam continuar
livres e membros das comunidades, foram submetidos peloSÍl~'., a pertencer à família do culpado.
grandes. <'il.' No entanto, na época em que a Lei Sálica foi redigida,
a grande família como célula económica começava a dissol-
A economia. Com o estabelecimento dos Francos na Gália ver-se. Os proprietários opulentos, que não queriam prestar
dó Norte, generalizou-se o empreg,o da charrua de rodas com assistência a parentes ameaçados de ruína, rompiam publi-
alveca,e, ao mesmo tempo, a divisão dos campos ern alqueí- camente todos os laços de parentesco, praticando um rito
ves, recebendo cada camponês uma faixa. O método agrícola particular: partiam ramos por cima das cabeças e espalhavam
mais divulgado na Gália do Norte foi o afolhamento bienal, os bocados à sua volta. O impulso que, sob a influência
a que logo se seguiu o afolhamento trienal. O rápido aumento romana, foi dado ao desenvolvimento da propriedade privada
da população exigiu o desbravamento das florestas. Os e individual, enfraquecia irremediavelmente as relações de
Francos aprenderam a cultivar hortas e vinhas, que se expan- clã. Não é por acaso que o título 59 da Lei Sálica (De alodis),
diram igualmente para lá do Reno. Muitos dos nomes de sobre as heranças, contém uma cláusula proibindo a trans-
produtos agrícolas e termos usados em agricultura, ainda ferência de terras para mulheres - aparentemente esta prática

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HISTóRIA DA IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA

já se, tinha--espalhado" sem ter sido ainda admitida legalm


dOS terrenos comunais tinha uma importância vital para quem
por ser contrária aos antigos costumes germânieos. Na se
era proprietário directo de um bocado de terra, porque o

II
)
metade do século VI, o rei Quilpérico reconheceu oficialm
camponês não podia levar a bom termo a sua exploração
às filhas o direito de herdarem as terras do pai, na fi
sem dispor de prados, forragens ou bosques. A utilização
de herdeiros masculinos. Assim se afirmava o direito de p
colectiva das águas, florestas e pastagens não excluía, em
da terra pela família restrita. O a/ódio possuía as caraci;
certos casos, a sua partilha entre camponeses, que nem por
ricas distintivas da propriedade privada individual: não pa
isso adquiriam o direito de propriedade sobre os mesmos.
ser alienado, vendido, cedido, ou legado por testamento, ele
O título 45 da Lei Sâlica (De Migrantibus) analisa um litígio
entre os habitantes de uma vila que englobava várias explora-
A transfonnação do alódio em propriedade privada ções independentes, e um indivíduo que aí se tinha estabe-
foi uniforme nas diferentes tribos gennânicas e depe
do nível de desenvolvimento social. O processo foi mais le lecido sem seu consentimento. No ano seguinte ao da sua
na Germânia do que na Gália. Na Turíngía, por exem fixação, todos os habitantes, ou um deles, podiam obrigar
só ficou completado no século VIII. A Lei dos Turin o recém-vindo a deixar a vila, se não estivessem dispostos a
(fins do século VIII, princípios do século IX) prescrevia ceder-lhe a utilização dos terrenos comunais e a posse de uma
meadamente: «a herança do falecido passa para o filh_.
) não para a filha. Se não houver filho, a filha fica com'õr parcela das terras comunitárias.
dinheiro e os escravos, mas a terra vai para os p~rent~s mal: Quando os Francos se estabeleceram na Gália, a comuni-
próximos da linha paterna». A Lei contem, alem dlSSO,~i dade sofreu modificações profundas, em comparação com
seguinte cláusula: «Quem quer que seja que tomar posse; a organização comunitária dos antigos Germanos. Deixaram
de uma herança em terras, receberá igualmente o aparatj;,
guerreiro, isto é, a cota de malha, e caber-íhe-a vingarfÍi, de se fazer reagrupamentos de terras, e as concessões torna-
parente e pagar o que for decidido por acordo.» Um homeni ram-se perpetuas, para se transformarem finalmente em pro-
ou um guerreiro que pretendesse ser membro livre da soci~ priedade privada individual. A comunidade agrária - que
dade devia ser proprietário de um terreno, justificação dm' agrupava «grandes famílias» - tinha-se transformado numa
seu franqueamento e do gozo pleno e integral dos seus direito~
No entanto, mais cedo ou mais tarde, a terra viria a seio:! comunidade de aldeia, em que a exploração era gerida por
/-;.
por toda a parte obiecto de herança, não condicionado, e famílias restritas, de maneira independente, sendo as parcelas
que podia ser alienado livremente. Uma fórmula (ou mOdeIO,,"J' cultiváveis sua propriedade privada, e continuando os res-
que servia para redigir as actas que legalizavam várias trans tantes imóveis a ser propriedade comum.
sacções), redigida antes do ano 700, condena expressamentc);
O aparecimento do alódio - terra possuída em plena
como «ímpio. o antigo costume segundo o qual «as filhas: ,"
não têm direito à sua parte das terras paternas, em pé de' propriedade - contribuiu para consolidar a pequena produção
igualdade com os seus irmãos.» . individual. Os povos germânicos davam à comunidade de
aldeia o nome de Marca (do alemão Marke, fronteira; deno-
A Marca. A propriedade individual da terra, entre os minação esta que se tomou extensiva ao conjunto do terri-
Bárbaros, continuava a estar associada à propriedade colec- tório de uma comuna). Dado que a comunidade de marca
tíva. A parcela de terreno cultivável de cada Franco alternava desempenhava um papel considerável na produção agrícola
com as dos seus vizinhos. A cultura intercalar tornava inevi- das pequenas explorações, a sua importância não era menor
tável o afolhamento no território de uma aldeia, e os cam- no que se refere às relações sociais e à administração local.
poneses eram obrigados a executar os trabalhos agrícolas As assembleias públicas eram convocadas para resolver os
dentro dos mesmos prazos. Florestas, pastagens, terrenos incul- litígios entre aldeãos; os membros das comunidades e os
tos e outras terras indivisas eram propriedade comum: os seus deões eram responsáveis, perante o poder real, pela
camponeses levavam o gado às pastagens comuns. A utilização paz e pela execução dos serviços devidos ao Estado. As

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msrÓRtAi D7A IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA

CQDlunidades;t·agrupadas; dentro' de um mesmo território co número de homens não livres ou semilivres fixados ao solo,
titufam,; as;,divisõesí~administrativas a que se chamava «cen
ou empregados como pessoal doméstico; par vezes cobravam
nas», e onde' os tribunais tinham a sua sede, sob a presidê rendas' a, pequenos camponeses livres que. se tornavam «ren-
de- um «centürio», ao qual os Francos: chamavam thuning deiros». A população das aldeias da Gália do Norte (princi-
Ao princípio, esta dignidade era adquirida por eleição, palmente da Austrásia) e das províncias trans-renanas estava
o thuningus passou, pouco depois, a ser nomeado pelo r
longe de ser homogénea sob o ponto de vista social, e esta
diferenciação era cada vez maior. Encontra-se já a distinção
Os Francos livres ou leudes, Os Francos tinham vindo pa entre «melhores» ou «primeiros», «médios» ou «simples» e
a Gália como conquistadores. A Sálica reflecte, portanto, na
«inferiores» (errrenores») nas capitulares Cactos legislativos que
ralmente, a sua posição privilegiada dentro do reino de Cló .
emanavam dos reis francos) dos filhos de Clóvis e nas leis
Os Francos são mencionados como membros de pleno direi rribais do fim do século VI e princípios do VII; estes qualifi-
de uma mesma tribo, possuidores de bens, e gozando de u
cativos aplicavam-se tanto à situação material como à condi-
liberdade ilimitada. O wereeld de um Franco era o índi,
ção social. A Lei dos Alamanos estabelecia estas categorias,
dessa posse plena e inteira dos seus direitos e atingia a som:
atribuindo-lhes wergeldes diferentes.
enorme de 200 sols-ourn (uma cabeça de gado grosso valia~;
nessa época, 1 a 3 sols). O Franco era proprietário ruraí., Crescimento da grande propriedade agrária. As distinções
membro de uma comunidade, devia apresentar-se às mobíí], entre ricos e pobres no seio dos Bárbaros transformavam-se
)
zações gerais e assistir às assembleias populares. Os primeiros;:, em diferenças de classe, que os Galo-Romanos conheciam há
reis francos convocavam todos os guerreiros para os campos.' muito. À medida que a propriedade privada individual se refor-
de Março, onde tinha lugar uma espécie de revista da Pri- }~j çava, começava a verificar-se a alienação da terra. Os ricos
mavera, e onde também eram debatidos problemas relacio-~i;'l e notáveis aumentavam os seus domínios à custa das terras
nados com o governo do pais. O Franco tinha direitos e deve-"~ dos pequenos camponeses: a pequena propriedade tornava-se
res: o direito de porte de armas implicava o dever de ser'~$'
instável, ao mesmo tempo que as relações de clã se desagre-
) apresentar para a guerra; o direito de tomar parte nas deli-"
gavam, e que o nível da produção agrícola baixava. No con-
berações judiciais pressupunha a obrigação de a elas assistir;
junto, os camponeses não estavam em condições de manter
o direito que o Franco tinha de receber uma parte do wergeld
a propriedade das suas nesgas de terra. A penúria de mão-de-
quando um parente era assassinado, subentendia o dever de
. . -obra, de animais de tracção e instrumentos de trabalho, as
pagar uma parte do wergeld quando qualquer dos seus paren-
tes cometia um assassínio. . colheitas miseráveis e as epízootias frequentes eram outras ,/
tantas causas da ruína dos pequenos camponeses livres. A isto /"
Todos os Francos tinham os mesmos direitos, excepto os
tudo deve ainda acrescentar-se as multas judiciais excessivas,
esbirros; as suas vidas estavam protegidas por wergeldes e
cujo sistema tinha sido elaborado quando ainda existiam as
indemnizações idênticas. No entanto, se é verdade que os
relações de clã. Depois do desaparecimento do clã, estas mul-
leudes mantinham a igualdade de direitos individuais, também
tas, em vez de diminuírem, aumentaram, porque a necessidade
é verdade que era flagrante entre eles a desigualdade de rique-
de defender a propriedade privada tornou-se ainda maior, e o
zas. Ao lado dos Francos livres, que possuíam explorações
peso dessa defesa recaia agora inteiramente sobre os parti-
individuais, empregavam escravos e litas na qualidade de mão-
culares. As exacções e o serviço militar demasiado caro tam-
-de-obra auxiliar; havia, portanto, por um lado, gente empo-
bém concorriam para arruinar os pequenos camponeses livres,
brecida ou completamente arruinada, e, por outro, proprietá-
rios abastados. Exploravam o trabalho forçado de um grande que s~ viam obri~a?os ~cãr:--vénde~-ãlié?ar a_~a:
propnedade
-.~. sob vanas
_---,-.-.~._P.-.f.Qn.Plco.es. •...
fSi1õcando-se
__ ~~~ Iiãaependenclã-
_.~'"'' _._
90
- HlSI'óRIA DA IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA

agrária; dos>\,grandes. proprietários e deixando-se escraviza recia frequentemente a libertação de' escravos que não lhe
Quando um homem livre se via despojado da propriedadeç, pertenciam, por saber de certeza que, tanto eles como os seus
não conseguia manter a independência e ficava imediatamente" descendentes, cairiam na dependência da Igreja. Como ficou
à mercê de um grande agrário. A violência desempenhava um;;:,; escrito, nomeadamente na Lei Ripuária (século VI), as fa-
gr~nde papel na ruína dos _pequenos. e na c~ncentração da ~ro-!I' mílias de esoravos libertos ficavam sob o patrocínio da Igreja,
priedade das terras nas maos da aristocracia, Magnates Iaicos ~ a quem tinham de fazer entregas de géneros ou dinheiro, ou
e eclesiásticos, companheiros de armas e funcionários usavam efectuar serviços e deixar-Lhe os bens em herança, quando
e abusavam do poder, para oprimir as pessoas simples e enri, ;;Ii~ não tivessem filhos.

(
""'",
quecer. Os r.eis declaravam-se de~~nsores dos fracos e deser, ::.•...
~.'. Os crentes eram levados, quando entregavam a. dizima,a ,... .,......, . '.
dados, mas, por outro lado, gratificavam com terras os seus;'.'fl doar à Igreja um escravo por cada dez que possuíssem; assim <' .
)
fiéis e servidores, o que contribuía para reduzir os camponeses ,,~~ o exigiam os bispos. O clero enriqueceu consideravelmente /~ -
à servidão. Em períodos de disputas internas, os reis rivais ({" graças às doações generosas dos reis, que procuravam obter
tinham necessidade do apoio de personalidades poderosas et o seu apoio, na crença de que assim se redimiriam dos seus
\
)
atraíam-nas para o seu lado oferecendo-lhes terras com os. fi numerosos. pecados.
camponeses livres nelas fixados, ou então cediam-lhes uma!;' E, no entanto, não seria a exploração da agricultura em
) parte dos seus domínios pessoais, reconhecendo o poder polí- grande escala que viria a favorecer o alargamento da grande
)
tico dos magnates dentro dos limites desses domínios, ou propriedade agrária, mas sim a pequena exploração depen-
mesmo em regiões inteiras. dente, que tinha começado a constituir-se na Gália já antes
/
da conquista pelos francos. Esta pequena propriedade desen-
A Igreja e a leudatização. A Igreja esforçava-se activa- volveu-se de maneira particularmente intensa, após a disso-
) mente por alargar os seus domínios, cuja existência datava lução da organização gentílica dos Bárbaros e o desapare-
já de muito antes da conquista franca. O clero utilizava a cimento da propriedade e do Estado esclavagista. A pequena
doutrina cristã em benefício dos seus próprios interesses, produção afirmou-se como forma económica preponderante:
) incutindo nos Francos, suas novas ovelhas, a ideia de que qualq uer domínio com alguma importância era constituído
',' deviam expiar os pecados fazendo-lhe donativos. A dízima, principalmente por parcelas de terra exploradas por colonos,
~-\ cujo pagamento o clero pretendeu impor a todos os cristãos
, a partir do século VI, era uma das suas principais fontes de
.L escravos amarrados à gleba, litas, escravos libertos e campo-
neses escravizados.

)
riqueza. Não se tratava ainda, no entanto, de um imposto
geral. A autoridade e a riqueza da Igreja tinham chegado a
I, Declinio da pequena propriedade.Os camponeses, empur-
tal ponto, que o rei Quilpérico lamentou-se, empregando as rados para a ruína, não eram os únicos que caiam sob a
seguintes palavras: «São os bispos os únicos que governam!» férula dos magnates laicos ou eclesiásticos. Com efeito, o
A Igreja católica, guardiã do direito romano, queria que o processo através do qual a pequena propriedade se estava a
j Estado reconhecesse a legalidade e intocabilidade dos donati- transformar num anexo da grande propriedade agrária arras-
)
vos, extorquidos com a violação de costumes populares ances- tava a mesa dos camponeses de condição livre. A causa da
trais, Quem estivesse sob a autoridade da Igreja ou sob a sua escravização gradual dos camponeses que dispunham de terras
dependência gozava de uma protecção especial; os crimes de e instrumentos de trabalho, e cuja situação podia parecer
que fosse vítima eram passíveis das punições mais severas. estável, tem de ser encontrada na sua condição contraditória
Nos domínios eclesiásticos, uma multidão de colonos, ren- dentro do Estado franco. Quando as grandes famílias se des-
deiros e escravos trabalhava até ao esgotamento. O clero favo- membraram, a constituição de explorações independentes, ge-

92 93
- HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE. MÉDIA
-:~:
ridas por famílias restritas, não podia deixar de ter influênc lógicO da dissolução da organização gentilica, com base em
na condição: dos Francos livres. Enquanto os Francos vivera novas forças produtivas, após o estabelecimento dos Francos
organizados em grandes famílias, constituídas por várias deze na Gália.
nas de pessoas, todas as obrigações sociais eram normalment A necessidade objectiva desta transformação e o progresso
cumpridas, mesmo que um ou vários homens abandonass histórico que representava a passagem ao feudalismo não signi-
o trabalho e partisse para a guerra, ou fosse tomar parte n ficam, de modo nenhum, naturalmente, que os camponeses
administração dos negócios públicos; a actividade produtiv se apressassem a entregar as suas parcelas de terra aos pode-
da grande família não era por isso interrompida. Mas quandt rosos, e que, de boa vontade, «trocassem a sua liberdade por
passaram a ser famílias restritas que começaram a ocupar-s uma dependência mais livre» (citando uma expressão empre-
da valorização das actividades econômicas, 09 Francos transe gada nessa época). Muito pelo contrário, os camponeses opu-
) formaram-se dejinitivamente em camponeses. A terra passou, nham-se ao processo de feudalização tanto quanto lhes era
a absorvê-los inteiramente. Só podiam consagrar-se ao tra possível e defendiam com a obstinação do desespero a sua
balho produtivo; quanto às outras funções, que cabiam ao antiga liberdade. Mas que esperança de a manter podiam
membros livres da tribo, o seu desempenho provocava inters ter os pequenos camponeses? Perante a ameaça de ruína e sob
rupções inevitáveis ria produção, a desorganização desta e a a coacção directa exercida pelos grandes, que se aproveitavam
ruína consecutiva dos camponeses. da sua fraqueza, não tinham qualquer possibilidade de sal-'
)
O nível de produção atingido no século VI, a família res- vaguardar a sua propriedade imóvel e defender a sua liber-
)
trita como célula econórnica, e o alódio - terra possuída em dade individual.
regime de pleno direito de propriedade - originavam modi- O camponês era frequentemente coagido a aceitar a tutela
ficações profundas no seio da sociedade franca; tornavam de outro mais poderoso do que ele, para quem transferia a
inevitáveis a divisão do trabalho entre a classe dos campo- propriedade da terra, embora continuasse a valorizá-Ia. Quando
neses, produtores directos, e a classe dominante, que exercia as perdia a propriedade da terra, o camponês perdia, ao mesmo
) funções públicas {administrativas, judiciárias e principalmente tempo, a sua condição de homem livre. Passando à qualidade
militares) e vivia da exploração dos produtores directos. Mas, de dependente, já não era obrigado a desempenhar os cargos
)
para que tivesse lugar esta divisão do trabalho, base da divi- I que competiam aos homens livres. Os reis francos proibiram
são da sociedade em classes, como afirma Engels C), para que I por várias vezes, formalmente, a renúncia voluntária dos
as forças do camponês fossem exclusivamente concentradas na .,'. pequenos proprietários a favor dos «grandes deste mundo»,
produção, deixando de o obrigar a abandonar a sua exploração 1 mas os seus esforços foram vãos; isto só prova que uma tal
para se desempenhar de funções públicas, era necessário des- prática tinha adquirido o carácter de verdadeiro flagelo social,
)
pojar o camponês da sua antiga liberdade e da igualdade de que ameaçava a própria existência do Estado. Transformados
direitos, ou seja, por outras palavras, era necessário desa- em camponeses, os guerreiros francos viram-se na necessidade
possá-lo da terra. A transformação em camponeses depen- de descobrir condições de existência minimamente suportáveis,
dentes de um número cada vez maior de Francos e de Ger- acabando por renunciar à liberdade individual e ao direito de
manos e a transformação das camadas superiores numa classe propriedade da sua nesga de terra. Os que não quisessem
dirigente constituída por grandes proprietários foi o resultado sujeitar-se, «de bom grado», à «protecção» de um grande pro-
) prietário agrário, a isso eram obrigados.

(1) Ver F. Engels, Anti-Dúhring , Éditions Soclales, Paris, 1956, A precária e a recomendação. O desenvolvimento da pe-
p. 320. quena exploração camponesa submetida aos grandes proprie-

94 q5
- :'1

MISTÓRIA'. DA, IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA

táriosc provocou a+difusão, no' Estado franco, da. forma AllleaçadQs de ruína, os camponeses. renunciavam ao seu, di-
usufruto agrário denominada precária. A precária, ou «te reito de propriedade da terra; por outro lado, a Igreja e: os
obtida por imploração»(do latim vulgo precaria; de preces" magnates pagavam-lhes muitas vezes uma certa soma para
oração, pedido) já existia no tempo dos Romanos em territõ que eles se resolvessem a ficar na sua dependência. Para
rios da Igreja, que concedia terras a prazo a pequenos rendes estes camponeses havia também a esperança de que o patro-
ros. Quando, durante os séculos VI e VII; o clero se' certífi cínio de- um magnate evitaria que fossem obrigados a desem-
cou da rapidez com que se expandiam os seus domínios, de-. penhar certos cargos, públicos, ou que isso os protegesse da .
.I
cidiu fixar camponeses pobres, ou que não possuíam terr violência de outros grandes. Finalmente, havia a precaria
) suficientes, às terras recentemente adquiridas; o' usufruto e remuneratoria ou «precária remunerada», que consistia, numa '
) concedido a longo prazo, a titulo vitalício, ou mesmo heredí- espécie de fusão das duas formas anteriores; o camponês que
tário. Efectuava-se então urna troca de actas de concessão renunciava, em favor da Igreja, ao seu direito de propriedade
entre o proprietário da terra e o que adquiria a precáriac- do bocado de terra que continuava a cultivar, recebia ao
o proprietário recebia do camponês uma acta chamada; mesmo tempo uma parcela suplementar, geralmente não cul-
) precária e entregava-lhe 'outra acta a que se dava o nom '. tivada:.
de prestário (do lato praesto: dou, entrego). Estas actas fixa- Inicialmente, as rendas que os titulares de precárias eram
)
vam os prazos de usufruto das terras, a importância que o obrigados a pagar não eram exorbitantes, pois o principal inte-
arrendatário devia pagar ao proprietário e o seu compromisso resse dos proprietários era aumentar os seus domínios e o
) de não prejudicar os direitos e interesses deste último. O de- número de camponeses que neles trabalhavam. Quando, pos-
)
tentor da precária não podia ser arbitrariamente despojado da teriormente, os descendentes dos primeiros arrendatários se
terra, pelo proprietário que lha tinha concedido, e o seu dirigiam à Igreja para renovar a precária, temendo perder o
) direito de usufruto era considerado inviolávelenquanto cum- usufruto da terra, o novo contrato podia fixar condições mais
prisse as cláusulas do contrato. Dado que as terras eram arren- duras, aumentar as rendas, e serem as mesmas acrescidas de
dadas por pequenos camponeses pobres (na maioria, ou mesmo obrigações ou prestação de trabalhos obrigatórios e gratuitos.
exclusivamente), e que quem as arrendava eram os ricos pro- As obrigações de fidelidade e obediência tornavam-se cada
prietários, as relações entre as partes contratantes não se vez mais apertadas, e os detentores de precárias deixavam de '\'
desenrolavam em pé de igualdade, e o arrendatário via-se ,,1 ser livres.
) obrigado a reconhecer a sua dependência perante o proprie- é'y O acto pelo qual um homem passava a ficar sob a pro-
tário da terra. I tecção de uma personalidade poderosa, prestando-lhe jura-
) A terra concedida a alguém que nunca tinha sido proprie- mento de fidelidade, chamava-se «commenâatio» ou recomen-
tário (precária cedida ou precaria data) não era, nessa época, dação (do lato commendare - confiar, recomendar); tinha-se
a única forma de precária. O pequeno agricultor livre que tornado muito corrente entre os Francos. Os camponeses
procurava conservar a possibilidade de explorar a terra, sem, miseráveis, sem quaisquer direitos cívicos, eram obrigados a
no entanto, poder preservar o seu direito de propriedade, confiar no poder da Igreja e dos senhores laicos, para obter
) cedia a terra à Igreja, ou a um magnate, que lha devolvia socorro e protecção, em troca da liberdade:-.::-
a titulo de precária. Era o que se chamava precaria oblata ou
«precária oferecida», ou ainda «precária devolvida». Era gra- Evolução da estrutura social. À medida quea grande pro-
ças à precaria oblata que os camponeses livres das comuni- priedade agrária crescia, e que a dependência dos camponeses
dades, cujo número continuava a aumentar no reino dos se acentuava, transformava-se a estrutura social do reino dos
Francos, se transformavam em camnooeses dependentes. Francos. Tornou-se caduca a antiga divisão da sociedade bár-
-----.
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96 . Q7
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.HISI'f.f~~~' IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA 1


!
~
aeses. o; título. de. conde não era ainda um benefício. heredí-
','1.

bSra'"cmmobreza gentilica't' camponeses. livres. das. comunida:~


) escravos e pessoas semilivres, cedendo o lugar a uma- !átÍa, mas já se conservava na mesma família durante, por
estrutura social. A personagem. poderosa e influente pa vezes, várias gerações.
a ser o grande proprietário de imóveis, que exercia o p O poder real tinha sido destruido. O último rei da dinas-
em vastos domínios, mesmo que não pertencesse: a nebn tia das Merovíngias foi Dagoberto, filho de Clotário 11.. Rei-
de' raiz, isto é, mesmo que fosse plebeu, ou ainda, co OoU em três regiões da reino, refreando as veleidades das
acontecia às vezes, um desses homens livres enobrecidos., nobres de agirem a seu bel-prazer; a sua política externa foi
serviço do rei. A fortuna em terras e o serviço. de rei tinh muito activa. Interveio nas assuntos das Visigodos, em Espa-
passado a ser as principais- fontes de influência. Por OUI panha, e dos Lombardos, em Itália, mas foi derrotada na
lado, diluíam-se as diferenças entre agricultores livres, e' guerra contra as tribos federadas dos Eslavas ocidentais, co-
mentos inferiores, semilivres e não livres: eram todos peq tnandadas por Sarno.
nos produtores. que trabalhavam penosamente nas terras.
nobres e dos proprietários. opulentos. As diferenças de c «Os reis preguiçosos». Ascensão dos prefeitos do palácio.
dição que existiam então entre um titular de. precária ij~ Dagoberta morre em 639. A dinastia merovíngia degenera;
um colono, um lita ou um escravo reduziam-se a uma div depois dele. Os reis que sucedem a Dagoberto ficaram na
sidade de formas de dependência: estavam todos, uns m história com a nome de «reis preguiçosos» e não foram capa-
que outros, à mercê de um proprietário da solo. Os pequen zes de conservar as seus domínios, que passaram para as
proprietárias livres, de alódios, que tinham existida nas s mãos das magnates. Os Meravíngios revelaram-se impotentes
culos VII e VIII na Gália e principalmente na Germâ . perante a ascensão. impetuosa da aristocracia agrária. Os gran-
já não. desempenhavam a papel de antanho nas negócios p des já não. estão dispostas a obedecer aos reis e fazem-lhes
blicos. O poder da Estado dependia agora, em primeira lug guerra; e também se degladiam sem tréguas. Emancipam-se
das suas relações com as grandes proprietários de imóveis, províncias inteiras e condados íronteiriços. Nos séculos VII e
privilegiados. VIII, a cunhagem da moeda deixou de estar centralizada;
a moeda é cunhada em qualquer parte. Os verdadeiros sobe-
Enfraquecimento do poder real. O aumento das suas riqu ranos da reino dos Francos são agora os prefeitos. Inicial-
zas e influência social permitiu ao. alto clero. e aos grand mente, a chefe do palácio, ou prefeito (do lat. major domus
laicos que impusessem a sua vontade ao rei Clotário lI, a que _ chefe de casa) era intendente da domínio real. Mas como
tinham ajudada a submeter a Nêustria, a Austrásia e a Bal1t~i; os domínios do rei eram, ao. mesmo tempo, centros adminis-
ganha. O Edito de Paris, assinado em 614, confirmava asrbi trativos da Estado, os prefeitos puderam reforçar considera-
prerrogativas da clero e a inalterabilidade das doações e grars- velmente a sua autoridade. Cancentraram nas suas mãos, du-
ficações concedidas pelas reis anteriores aos seus «fiéis»; reco- rante o século. VII, enormes riquezas em terras e vieram a ser
nhecia igualmente a autoridade da Igreja e dos «poderosos», os primeiras dignitários do reino. Acumularam as seguintes
dentro das seus domínios. O compromisso de Clotário de só: funções: cobrança de impostas, comando da exército, no-
nomear condes para as distritos quando. fossem proprietáriosi meação das condes e outros funcianários. Pouca a pouca,
nesses mesmos distritos tinha uma importância muito especiaL passaram de pessoal doméstico, nomeado pelo rei, para verda-
A administração das províncias passava, deste modo, para as ' deiras monarcas, eleitas pelas condes, que viam neles os .seus
mãos dos poderosos, e a dependência das condes em relação- porta-vozes.
ao rei não. podia deixar de diminuir. A aristocracia ficou a. Cada região do, reino: Nêustria, Austrásia, Borgonha, tinha
dispor de mais um meio para enriquecer e oprimir os campa- à sua frente um prefeito. Calacavam na trono jovens da di-

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HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA

nastia real, que empurravam para a devassidão, mo papel importante ao lado dos poderosos, e em primeiro
pouco depois da infância, enquanto eles governavam o ar dos duques. Era neste grupo social, em que não havia
em seu nome; Os prefeitos- da Austrásia, ou pepinianos adeiros proprietários feudais, que os' prefeitos de Austra-
cendentes de Pepino, o Velho, prefeito do palácio de " podiam encontrar apoio. Ainda outra razão, que consistia
rio II e Dagoberto, adquiriram um ascendente particul grande extensão do Estado franco da Germânia, contribuía
pepinianos conseguiram que o cargo de prefeito do p ~a o reforço das suas posições.
se tornasse hereditário. Um deles, Pepino II de Heristal~;;i!
magou, em 687, os seus rivais da Nêustria e da Borgon~
tornou-se senhor todo-poderoso das três regiões do reinos
2. o PERÍODO CAROLÍNGIO
.c.-,

j Francos. Toda a Gália, menos a Aquitânia, caiu errr:


poder. ",,!i}~~

O declínio dos Merovíngios e a ascensão dos pepinia~;. A reforma militar. Os benefícios. Pepino de Heristal. teve
" foram devidos ao desenvolvimento desigual do feudaUslii.iIIJl filho, Carlos, prefeito do palácio entre ,715 e 741. Remou,
nas várias regiões do Estado franco. O aumento do. ~4C facto, entre os Francos, promulgou éditos em seu próprio
) dos agrários, em todo o território do reino, foi particu~ nome, presidiu ao tribunal do rei. Jugulou resolutamente .uma
mente intenso nos séculos VII e VIII, na Nêustria e na mi' tentativa da aristocracia da Nêustria para recuperar a inde-
gonha; nestas regiões, a maioria da população era galo-ti'pendência.
mana. O desmembramento da Gália em regiões quase ina$ Carlos procurou utilizar, em proveito do poder central,
) pendentes, onde os magnates agrários reinavam como do. as relações sociais que se tinham estabelecido cerca do sé-
inevitável na época da economia natural, tinha sido interrôDi: culo VIII. Ora estas relações estavam longe de ser as do
pido pela conquista franca, mas prosseguia agora em virtu:4i tempo de Clóvis e de seus filhos. A classe dos camponeses
) do enfraquecimento dos Merovíngios, provocado por dispu. dependentes aumentava constantemente. Os agricultores já não
internas. O poder dos reis mantivera-se forte enquanto eri eodiam cumprir o serviço militar porque isso os impedia de
dispuseram de uma massa imensa de imóveis, de onde podiam ~ ocuparem dos trabalhos agrícolas, o que muito simples-
retirar bens com que contemplavam os membros dos seus-sâ mente cavava a sua ruína. A aristocracia dispunha de séquitos
/ quitos e da Igreja. No entanto, esta generosidade acabou pti..militares pessoais. Os membros dos séquitos de armas dos rnag-
I enfraquecer a realeza, pois, ao favorecerem o poder agrámonates recebiam destes o armamento, os cavalos de batalha, um
dos seus fiéis, os reis contribuíam para a sua independêncl soldo, uma parte dos despojos, e, muitas vezes, até imóveis.
)
Os prefeitos do palácio puseram-se à frente dos grandes agri O magnate era considerado como o mais velho, o «senhor»
;'
rios, que já não faziam caso do poder real, embora o utitt; (do lat. senior) e o companheiro de armas que lhe prestava
zassem para servir os seus fins.>; juramento de fidelidade era seu vassalo (vassus, depois vassa-
O desenvolvimento da grande propriedade agrária, no lus). O vassalo que se recomendava a um senhor, colocava-se
entanto, fazia-se com menos rapidez na Austrásía e na partt sob a sua protecção e passava a ser seu «homem», seu subor-
) da Germânia incorporada no reino dos Francos, onde este dínado; devia-lhe fidelidade e obediência. Nos séculos VII e
processo tinha começado mais tarde do que nas regiões da VIII, as tropas a cavalo evidenciaram toda a sua superio-
Gália, mais profundamente romanízadas, A diferenciação dos ridade militar, em confronto com os exércitos de infantes, mal
bens ainda não tinha arruinado a camada dos camponeses armados, constituídos por camponeses, que dificilmente tinham
livres; ainda existiam os camponeses titulares de alódios, e OS sido arrancados aos trabalhos agrícolas, e que foram suplan-
pequenos e médios proprietários continuavam a desempenhar- tados,

100 lOl
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HISTÓRIA DA IDADE. MÉDIA HISTóRIA DA IDADE MÉUIA

. -. " . . - ..... o. mês. de Maio. Os editos reais passaram. portanto a ser pro-
Nas nevas condições sociais; a orgaDIzaçao rnilítae- . 1 de s nos, «campos: de Maio», _ t:
J
que ~~.ap~iar na:. ~ropriedade imo?iJiária. Te~d? .em cont~, c a~a ~forrna de Carlos, que c.onsagrou a: restauração do
modIflcaçoes venflcadas, o prefeito. Caríos- microu, um " tÍime feudal reforçou. em prímeiro lugar o. poder do Estad~,
forma militar cujas repercussões sociais tiveram grande re to no d<>'qual se agrupavam os grandes. senhores. do se-
)
cance. Distribuiu uma parte do património real e bens~c eI\
re aumentou o potencial militar do remo dos. F.ranc~s.
fiscados à Igreja pelos seus partidários entre os proprietál'f ~~~ .neste momento que a Gália teve de fazer frente. à mvasao
"'_.
médios e pequenos possuidores de bens com a condição d", dos Árabes que acabavam de conquistar a Es?anha. A ameaça
) apresentarem para prestar serviço na guerra à frente de dos. «infiéis» pairou pesadamente sobre o pais .. ~ batalha em

)
grupo de guerreiros, a quem, por sua vez, doassem ter .'. que a sua sorte se decidiu teve lugar em Poítiers, em ~32.
Esta concessão de terra, chamada benefício (do lat. ben« Segundo as palavras de um cronista da épo~a, os guerreiros
cium - graça - mercê), era feita a um guerreiro que,' . francos mantiveram-se no campo de batalha firmes como uma
-
~\
J

) contrapartida, se comprometia a fazer serviço militar a cavalo


e a prestar juramento de fidelidade a quem lha fazia. A reC~""'i
)
de prestar os serv.íços exigidos, ou a felonia par. com .,,!".~J'
'...'....·,r:::-:::-:::-:::-:::: :~: :~'~~.~~~I~~
)
senhor, acarretava a perda do benencío. .:-:-.';' :::: :::: :::::~::~:
:S-.
-:.:-:.:-.:.: J :i

) A concessão de terra a um guerreiro não constituía, "."" '.".' .: . . ..'. .'. . . . . . . .

liiiiiil~~
) esta razão, uma remuneração por serviços prestados, como "íi," • . ... :.:.::::::::::: ..
tempo dos Merovíngios, que entregavam terras aos seus fi".
)

em regime de propriedade ilimitada e incondicional. O senlir


/ fazia uma concessão sob condições, e conservava o direito?'>.
) propriedade da terra. A posse do benefício terminava em .';;W _._
de falecimento do vassalo ou do senhor.
)
Os beneficiários de terras concedidas por Carlos tornavéUlk:
-se seus vassalos directose distribuíam terras, por sua vez",~,.
seus próprios vassalos. O chefe dos Francos era o sen1I~
supremo. As relações de vassalagem baseadas em concessfl
)
feitas a titulo de benefício eram reconhecidas pelo Estadiii;.~;
tornaram-se as suas alavancas de comando oficiais. O po~
do Estado apoiava-se agora nos poderosos senhores agrári~
I
) ligados ao chefe do Estado por relações de vassalagem e com. ,"'##$#4 2 ,~ •• ; 5
pelidos a servi-h O Estado considerava os camponeses coIll,o).
)
um corpo social cuja obrigação principal consistia em garantft
3 IXK-Ió co
a subsistência dos vassalos do rei. Em vez de súbditos dor_ 1]]J[ffij7
) os camponeses transformavam-se cada vez mais em súbditii!I
) dos senhores agrários. No século VIII, os reis deixara o Estado franco nos séculos V a VIII
convocar revistas militares no mês de Março; como a ..... 1- Território dos Francos; cerca de 481; 2 - Conquistas de Clóvis (481-
·511); 3 - O Estado franco sob os sucessores de Clóvis (cerca de 614);
do exército era constituida por guerreiros a cavalo, esti.~ 4 - Datas de anexação dos territórios; 5 - Anexações precárias; 6 - Inva-
sões da Gá!ía pelos Árabes e batalha de Poitiers (732); 7 - Aquisições.
revistas só eram possíveis quando a erva já tinha cresci~! sob Carlos Martel e Pepino, ° Breve (715-768)

103
-
HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA

muralha e inabaláveis como uma rocha. Os muçulmanessq que Pepino preparava. Em Novembro de 751,. Pepino foi pro-
ainda não tinham sofrido qualquer derrota; foram- batido clamado rei dos, Francos" por uma, assembleia. de notáveis
) seu chefe, Abd El Rahman, morreu; e os restos do exén creunida em Soíssons, Os últimos Merovíngios, Quildérico III
) voltaram para Espanha. CarIos, a quem coube a glória :,ê' seu filho, foram tonsurados. Depois de ter sido ungido pelo
vitória, recebeu depois o cognome popular de Martel (<<M papa com os Santos Óleos, Pepino tornou-se rei «pela graça
)
telo»). Disputas internas dentro do Califado impediram,' de Deus». Assim começou a dinastia dos Carolíngios, que deve

)
Árabes de tentar novas campanhas para além dos Pirené
A Aquitânia foi novamente integrada no reino dos Franc i'
o seu nome ao mais eminente dos seus representes, Carlos
Magno, filho de Pepino, o Breve. Pepino não foi ingrato:
'~-.
Carlos Marte! também conseguiu submeter defini~~ i,durante uma expedição contra os Lombardos, apoderou-se
)
mente os Alamanos e colocar sob a dependência dos' Fran do exarcado de Ravena e doou-o ao Papa (756). Desde então, (:'",
) algumas tribos germânicas que se tinham emancipado sob;;t o Papa deixou de ser apenas o chefe espiritual da Igreja / '
) Merovíngios, particularmente os Frisões, ribeirinhos do [católica e passou a ser também um soberano temporal do r.:
)
do Norte. Para conseguir este fim, não desdenhou os servi •.
dos missionários cristãos, convidados a vir de Inglaterra •..1 ..
jEstado pontificio, o «Património de São Pedro», Consolidou- r
\,-se a aliança entre o Papa e o rei dos Francos, apesar das' ')
) não hesitavam em utilizar o ardil e a crueldade para implant grandes confiscações de bens da Igreja que o poder real tinha
) o catolicismo nas tribos germânicas. feito desde a reforma beneficiária. Os concessionários destas
terras eram obrigados a pagar à Igreja um censo em géneros . '-.
)
o primeiro destes missionários foi. o legado do Papa, Bo (1/5 da colheita). A dízima da Igreja tornou-se obrigatória \j '~
) fácio, que fundou mosteiros e bispados. As instituições re
giosas criadas na Germânia constituíram um meio para feu com Pepino, o Breve. '."
) lizar a população e fortalecer o domínio franco. Todo o cI
germânico ficou subordinado ao arcebispado de Mayen A expansão do Estado franco, seus fundamentos. A evolu-
)
fundado por Bonifácio. Evangelizados à força, os povos da G,
mânia sublevaram-se várias vezes. Foi durante uma des ção das relações feudais dentro do Estado franco não foi
)
revoltas que morreu Bonifácio, o «apóstolo da Germãnia a mesma que na Itália ou em Espanha, onde a ordem escla-
) A Igreja apressou-se a canonizá-lo. vagista legada por Roma se tinha mantido relativamente está-
) vel, tendo exercido uma influência definitiva no regime dos
A política dos dirigentes francos na Germânia foi ap Bárbaros, em vias de desagregação. Por outro lado, a feuda-
vada pelos papas, e contribuiu para a aproximação entre: lização da Gália, conquistada pelos Francos, distinguiu-se do
) reino dos Francos e o papado. A autoridade de Carlos Mart! p:ocesso análogo que teve lugar nos povos germânicos, escan-
)
continuou a crescer, tanto e tão bem, que no fim da s dinavos e eslavos, que nunca tinham estado incorporados no
vida considerou que já não era necessário que um rei Império Romano, e não tinham conhecido, portanto, a escra-
)
sentasse no trono, e governou sozinho. .( vatura clássica. Com efeito, entre os Bárbaros que não se
)
i: tinham deslocado para o território do Império, a sociedade
) Mudança de dinastia. O filho de Carlos, Pepino, cognorn.Jt: feudal constituiu-se, principalmente, como consequência da
nado «o Breve» por causa da sua pequena estatura, já não ~: desagregação interna da comunidade primitiva, razão pela
contentou com o título de prefeito. Enviou uma ernbaíxade-í qual a gênese do feudalismo foi lenta. A interacção das pre-
) ao papa para lhe perguntar quem devia ser rei: o que exer:,~J,: missas do regime feudal na Gália romana, por um lado, e
) o poder de facto, ou ° que apenas aparentemente o POSSUl~: entre os Francos, por outro, nas vésperas da conquista con-
O papa Zacarias, pressionado pejos Lornbardos, e interessad~: tribuiu para que surgissem relações feudais de tipo superior,
)
na ajuda dos Francos, deu ° seu apoio ao golpe de Estacfer No entanto, enquanto durou o processo de formação do

10-4
105
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'.)

HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA


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feudalismo, certas camadas' da classe dominante que se'6St: e' das dízimas da Igreja, os Saxões revoltaram-se; Massacra- H1f
constituindo (principalmente pequenos e médios propriet,f ram os sacerdotes e os condes e voltaram ao paganismo, que,
) tiveram necessidade de um poder centralizado e agrtrpara
em torno dos dirigentes francos. Durante certo tempo;'
no seu espírito, estava' associado à liberdade. Carlos Magno
teve as maiores dificuldades em esmagar a revolta, apesar da
u;~

grande o poderio do Estado franco. Sob o reinado dos Me extraordinária' crueldade da repressão (foram executados cerca
víngios, o reino dos Francos tinha englobado toda a GáH' de 4000 reféns). A pena de morte era' aplicada aos Saxões
outros territórios; a expansão foi ainda maior sob os Carolín", logo ao mais pequeno delito, como, por exemplo, a recusa
j - gios, favorecidapelas constantes guerras dos reis francos; ~ de baptismo ou infracção às prescrições da Igreja. Carlos
segunda metade do século VIII e' no século IX. ';!~~ Magno procedeu ao despovoamento do país, deportou uma
)
O maior conquistador desta dinastia foi Carlos Ma8lI~ grande parte da população para as províncias do interior e
(768-814), filho de Pepino, o Breve. Guerreou na Germãhil1 instalou colonos eslavos e francos em sua substituição. Carlos
)
e em Itália, em Espanha e contra os Eslavos. Carlos Ma --,---' concedeu vastas extensões de terra, com os camponeses res-
ambicionava criar um vasto império, mas a sua política ti pectivos, aos senhqres francos, aos mosteiros e aos bispos que,
)
como único resultado apressar o processo de feudaliza segundo-um: croniS\t. do. tempo, converteram os Saxões, «que
) após o qual o império se desmembrou. tinham perdido a pr'óp~~dade e a liberdade», em camponeses
) arrendatários. Só em 8~,,~,~pós 33 anos de luta mortífera,
Carlos Magno e as guerras na Saxónia. Prosseguindo" Íli cessou definitivamente todaà=resístência dos Saxões.
)
obra iniciada pelos seus predecessores, Carlos Magno lançou Acelerou-se então o processo de feudalização da Saxónia
) ombros à tarefa de submeter toda a Germânia. Algumas tritids' conquistada. Os [rilings encontraram-se em massa nas terras
) germânicas faziam já parte do reino dos Francos. Mas os: da aristocracia franca e da nobreza autóctone, que tinha pas-
Saxões, estabelecidos entre o Reino e o Elba, e mais longe' sado parcialmente para o lado de Carlos Magno; tinham-se
)
para nordeste, continuavam independentes. A evolução das tornado camponeses dependentes segundo as relações feudais.
i )
tribos saxónicas, não romanizadas, era lenta; a comunidade A Lei Saxonica autorizou doações em proveito da Igreja e
) primitiva ainda subsistia em fins do século VIII. Não havia do rei, mesmo que os herdeiros do doador perdessem a sua
um poder único entre os Saxões (as tribos eram governadas parte, e reconhecia que estas doações eram feitas por razões
por duques independentes), e o paganismo mantinha-se bem. de «necessidade extrema e de fome». O paganismo foi extir-
vivo. Conservavam as mesmas camadas sociais das tribos geri;;; pado à força; Carlos Magno deu ordem para que fosse incen-
mânicas anteriores às migrações dos povos: os nobres, 00. diado o bosque sagrado onde os Saxões celebravam cultos.
edelings, os homens livres, ou [rilings, as pessoas dependentes A conquista franca teve grande importância para o desen-
)
(semilivres), ou lates, e os escravos. As distinções sociais e volvimento social dos Saxões, mas não teve influência deci-
econômicas entre edelings e [rilings eram certamente profun- siva na vitória final do feudalismo na Germânia Setentrional.
) das. Mas, nessa época, o feudalismo dava apenas os primeiros
passos nas tribos saxónicas. As guerras contra os Eslavos, os Avaros e os Bâvaros.
)
Carlos Magno atacou os Saxões em 772, aproveitando-se A conquista da Saxónia colocou, Carlos Magno frente a
da sua falta de coesão e do antagonismo que os opunha aos frente com os Eslavos ocidentais. As hostilidade contra os
/
i seus vizinhos eslavos, os Obodritas. Ao cabo de dez anos de Vilzes (Vilci ou Veléteos), Sérbios e Checos, permitiram
guerra implacável, parecia ter conseguido enraizar-se sufi'" que Carlos Magno impusesse tributos aos Eslavos e lhes exi-
cientemente na Saxónia, para começar a sua cristianízação. gisse tropas auxiliares para defender as fronteiras. Os Francos
Mas, em 782, não podendo suportar o fardo dos impostos construíram fortificações nas Marcas fronteiriças, mas Carlos

106 107
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HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA
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não anexou os territórios Eslavos. Organizou expediçõcs"contr~~,l Carlos- Magno. em Espanha e' Itália; Os-Francce também
os khanato dos Avaros - união de tribos nómadas que tinhaar..', fizeram a guerra. aos Árabes em Espanha, A primeira expedi-
conquistado, no século VI, as tribos eslavas da Panónís, ção de Carlos Magno para lá dos Pirenéus não foi feliz. Foi
(entre o Danúbio e a Tisza) , vivendo da exploração destas>: necessário levantar o cerco a Saragoça, e o exército teve que
tribos e da pilhagem dos povos vizinhos. Os Avaros tinham-sei' bater em retirada. Foi então que a retaguarda, comandada
)
instalado no território que os Hunos tinham ocupado no sé. por Rolando, mar grave da Bretanha, foi dizimada pelos Vas-
culo V, e os seus contemporâneos confundiam-nos muitas" cansas (Bascos), no desfiladeiro de Roncesvales (episódio que
vezes com os Hunos. Não era esta a primeira vez que os, foi cantado, dois séculos mais tarde, na Canção de Rolando).
Francos encontravam os Avaros; Carlos Magno vconseguíu Algum tempo depois, porém, Carlos Magno conseguiu apode-
)
derrotá-Ios com o apoio dos Eslavos, exterminou os seus~,che~~;i,írar-se do Nordeste da península ibérica, incluindo Barcelona,
fes e apoderou-se de despojos enormes, O campoentrinchei •. e constituiu a Marca de Espanha para proteger o Estado
rado do Khan, ou ring «anel»), constituído por nove entrin .•.. franco das incursões árabes.
cheiramcntos concêntricos construídos em madeira, pedra ou
)
terra, foi arrasado, e. a' região círcunvizínha foi devastadas, As ilhas ..Baleares também foram conquistadas .. Ao mesmo
Carlos Magno destituiu o duque de Baviera, aliado dos tempo que combatia o Emir de Córdova, potentado árabe
da Espanha, Carlos Magno estabeleceu relações amigáveis com
) Avaros, e a Baviera perdeu definitivamente a sua indepen- o califa de. Bagdade, Harun-Ar-Rachid. Houve troca de em-
dência. Nomeou, para a Germânia, condes que lhe eram baixadores, e Carlos Magno recebeu presentes fabulosos, entre
)
afectos e outros oficiais, mandou construir igrejas e deu-lhes os quais um elefante, que era um animal raro nessa época.
) terras com os respectivos camponeses. Grande número de: Os reis da Galiza e das Astúrias, na Espanha do Norte, assim
como o rei dos Scots (Escócia), submeteram-se a Carlos
) camponeses livres foi colocado sob a autoridade dos bispos; Magno. Os imperadores bizantinos trocaram embaixadores
e abades, ficando obrigados a pagar-lhes rendas e prestar-Ihes com ele porque viam com desconfiança um Estado que reunia
)
serviços. A ruína das camadas inferiores dos camponeses'.I,· a quase totalidade da Europa Ocidental. Eginardo, biógrafo
) acelerou-se' de Carlos Magno, cita a este respeito um ditado grego: «Se
j o Franco é teu amigo, é porque não é teu vizinho.» O nome /
)
A Lei dos Bâvaros (princípios do século VIII) já enunciava 1 de Carlos (Karl) tornou-se um nome comum para os VizinhOS;!
I

j eslavos e húngaros (kral, korol significativa rei).


que qualquer bávaro tinha o direito a fazer doações de terras',
escravos, ou outros bens à Igreja (depois de serem feitas par- ~
Carlos Magno foi o continuador da política de Pepino, o

I
tilhas com os filhos), sem que os duques ou o próprio rei se'
./ pudessem opor. Estas doações, de resto, ficavam também ao Breve: organizou duas expedições a Itália e submeteu o reino
abrigo da ambição ou de qualquer intuito de recuperação dos Lombardos. Os duques lombardos foram substituídos por·
) ulterior por parte do doador. j, condes francos, que administraram a Itália como déspotas.
A Lei dos A lamanos protegia igualmente os interesses da
) A inclusão do Norte e de uma parte do Centro de Itália, no
Igreja; os doadores ou os seus herdeiros não podiam ter i

qualquer pretensão aos seus bens, mesmo que o doador emitisse Império, consolidou a aliança de Carlos Magno com o Papa,
o voto de «doar à Igreja a sua própria pessca.» o qual não se entendia com Bízâncio há muito tempo, e que,
)
No entanto, nesta mesma época, a supremacia dos Francos perante a ameaça dos Lombardos, se inclinava para uma apro-
na Gália e na Germânia foi ameaçada pelos Normandos (cho- ximação com os soberanos francos.
) mens do Norte»), Estes piratas, vindos da Dinamarca e No-
ruega, pilhavam o litoral. Para fazer frente a este perigo, Carlos Magno, imperador. Carlos Magno ambicionava re-
Carlos Magno criou uma frota e colocou guarnições nos por- ger os assuntos dá Igreja à maneira dos imperadores romanos.
)
tos e nas embocaduras dos rios. Obteve, no ano 800, a consagração imperial, graças ao apoio

108 109
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I HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA
HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA
i
I

I o Estado de Carlos Magno não tinha capital fixa, e ele


!,
,..".--.. percorria todas as suas possessões, dispersas pelo Império;

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~~\~~ t •.•__ ,4
Illas, no fim da vida, a sua residência favorita foi Aix-la-Cha-
~2 x s 'pelle, onde fez estadas prolongadas.
~3

... :.~'-.'-,-'.'.:."~-,'. Eginardo descreve Carlos Magno, como uma personagem


) que levava, um gênero de vida muito simples. Na sua corte
) não havia a etiqueta rigorosa e os faustos da corte de Cons-
tantinopla, Carlos Magno usava geralmente, o vestuário nacio-
nal dos, Francos, de simples pano; só nos dias de festa. usava
uI!l vestuário tecido a ouro e um diadema do mesmo metal
) ornado com pedrarias. Era de estatura elevada e entregava-se
,",com assiduidade à equitação e à caça, passatempos favoritos
Idos Francos. Eginardo destaca a bonomia de Carlos. Magno,
) o que nunca o impediu de dar provas de crueldade para com
o inimigo", corno, por exemplo, em relação aos, Saxões. Carlos
)
Magno apresentava-se como protector da Igreja, mas pretendia
) dominá-Ia. Zelava pela instrução dos Francos, mas apenas dos
nobres, escusado seria dizê-lo, Ele próprio falava latim e
)
'1" compreendia o grego. Venerava os que cultivavam as artes
)
•.liberais e cumulava-os de honrarias. O seu preceptor foi
____ ~, r . ~i. Alcuíno, monge anglo-saxão, que lhe ensinou retórica, dialéc-
) .re~~~~~ ~ / - ;~; '.', tica ~ astronomia. «Também tentou ~screver e tinha O' hábito
) -:----:::~~ __ ••••• .__. _.• '. _ 0aéné •• nl :, de por tabuinhas e folhas de pergaminho p0,r baixo das almo-
~ p-.
1'"

· ......
..... .~.NiPI.. &_. ... .•..fadas do leito, com. o o.bJeCtlvOde aproveitar os momentos
Y:E==S~ ,_ .... •livres para se exercitar no desenho de letras, mas começou

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---
.
A administração do Império. Carlos Magno governava o !J}
:

seu imenso império assistido por servidores reais. Não existia

I
)
o Império de Carlos Magno (768-814) :.Conselho permanente do Rei. Carlos Magno convocava as
1 - O Estado franco no princípio do reinado de Carlos Magno (768)~
2 -, Direoção das conquistas dos Francos em 768-814; 3 - O Império cerca _.':.
altas pers.onalidades para reuniões quando o julgava o.portuno.
de 814; 4 - Territórios dependentes do. Império Franco cerca de 814~ •.Mas os grandes tinham uma influência considerável na política.
5 - Principais batalhas; 6 - Possessões bizantinas
Carlos administrava as várias regiões por intermédio dos i
1condes e as províncias fronteiriças por intermédio de mar-
do Papa Leão IIl. Depois de possuir o título de Imperador 1 graves. Ora os condes obedeciam muito pouco ao poder
Romano, Carlos Magno queria ser chefe de Estado e da 1 central; utilizavam os privilégios com objectivos de lucro e
) Igreja, pretendendo ainda o papel de sucessor dos reis do An- .j oprimiam a população. A1cuíno qualificava-os de salteadores
tigo Testamento, os quais, segundo a Bíblia, eram «coroados 1 e não juizes.
por Deus». Bizâncio recusava reconhecer este novo título de J Para controlar localmente a administração, Carlos Magno
)
Carlos Magno, e só ao cabo de negociações intermináveis se 1 enviava todos os anos para as províncias bispos, abades e
) arrancou ao Imperador Bizantino o seu acordo para o tratar condes, que mereciam a sua confiança. Os «enviados reais» !
por «irmão». : (missi dominici) percorriam os condados munidos do poder

llO 111
-
HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA

de intervir na ~dministração e refrear os ,a~usos d~s con~ ..• ~.i.~.;.j.. Refor~ judiciária. e reforma mi~it~r...Sob os Merov~ngío~.
) Eram estes enviados que proclamavam os éditos reais à PC.;; da havia, no Estado franco, vestígíos da, «democracia nu-
) lação. Os condes e os enviados reais concentravam nasS~(f'tan>: assembleías públicas e mobilizações em massa. Tudo
mãos as funções civis, judiciárias e militares; todos os ofidait, o desapareceu definitivamente com Carlos Magno. A plebe
que, até aí, eram eleitos nas assembléias judiciárias, fo~}' não tinha que se apresentar em todas as assembleías judi- .")
substituídos por servidores reais. No entanto, os «missí dom-j', 'árias, mas apenas nas- grandes ocasiões (três vezes por ano),
nici» também pilhavam a população. Um deles deixou-nos ~,. ra as outras sessões dos tribunais só era obrigatória a
relato, em verso, da Sua missão. Quando convocou a assemi' esença de um corpo de jurados, composto de, personalidades
)
bleia do povo, todas as pessoas trouxeram presentes: os ril" astadas e bem em destaque, que eram nomeadas pelo poder
) traziam jóias e ouro, os pobres traziam pão, legumes, tecidC ~\ vernamental. Simultaneamente, continuava a aumentar o
calçado; assim, era absolutamente verdade que todos estav~!~ pel do conde, que presidia. ao tribunal, Desobrigada de se
habituados a ver os enviados reais - que deviam inquirir sobti!~ resentar, a população ficou livre de um encargo díspen-
os abusos dos condes - despojaram a população e trafic~! so, mas isso retirou-lhe também a possibilidade de influir
)
com a própria autoridade. Até os intendentes do patrimô', '? procedimento judiciário, que se tornou atribuição exclusiva
) de Carlos Magno se comportavam com frequência como verd~!· s magistr~d~~ ?O Estado ~ dos grandes proprietári?s ~~m~-
) deiros feudais independentes e utilizavam em seu proveito os dos de privilégios, os qu~~ se serviam do poder judiciário
rendimentos dos domínios. ra fortalecer as suas posrçoes,
)
. d f ' " d f' ..' A reforma militar de Carlos Magno revestia-se de um
)
Os servIços
,
os unClOnanos eram remunera os com a-
,,' AI' d b f"
, ,.
d ti h ...• ácter análogo. O SIstema dos beneffcios permítía concentrar
., .
vores re 1atIVOSa imoveis. em o ene lCIO,o con e 10 a,o! '. -
di d f' rt d 1t' di .. ' A.ft ' arte militar nas maos dos grandes senhores. Entretanto, o
) ireito e icar vcom uma pa e . as _mu as JU icianas.. ~ .'. do d o serviço . arma d O era pesa d o dee mais rnai para uma parte
.
) guerras de Carlos Magno e a confiscação de bens
, ' , ,
que
sua dí
à
tmham' -, ",uito important d 1
e a popu açao. - A it 1 li' .
s capl u ares caro nglas
)
pertencido a traidores , ou cnmmosos
, , ' puseram a sua'I' rsposiçaa.]
d encionam várias vezes o s hom ens livres que «nao - por po-
uma
. grande quantidade
_,' de imoveis, que foram
. uti iza os . par- a . b . idi f
ez , mas SIm por mano ra mSl lOsa, pre erem trans f enr' os
) \. claln:ente em doaçoes a ~gr~J~ e aos servidores. O rei era us bens para a Igreja, com o objectívo de evitar o serviço
i
) considerado como o proprietário de todas as terras restantes, iblico».
) e os camponeses nelas fi~ados eram obriga?os, a pagar-lhe Carlos Magno decidiu que todos os que possuíam mais de
re~~as e p~e~tar-lhe ~ervIços. Todos os subdl~OS estavam atro «mansus» [ou casais] (manses, lato manere) eram obri-
)
sujeitos a múltiplos serviços: trabalhos de construçao, carregos, dos a prestar serviço militar, incluindo os beneficiários;
) hospedagem, serviço de guarda, etc. Os recursos do Estado anto aos outros menos abastados deviam associar-se até
) provinham igualmente dos despojos de gue~ra, multas, taxas, .unirem o equivalente a 3 ou 4 man;us e equipar em comum
)
portagens e direitos para expor mercadorias para venda, e ,·tu homem que enviariam para a hoste.
ainda, em menor proporção, os impostos, 1 Esta reforma, bem como a r;-forma judiciária, não teve
)
Carlos Magno promulgou uma série de leis e capitulares jienas o efeito de aliviar a situação dos súbditos do monarca
) relativas aos mais variados aspectos da vida do Estado e da ttentores de reduzidos meios de fortuna. A sua não particí-
)
sociedade, desde o cumprimento das obrigações militares, até,ção no serviço das armas e na administração privava os
ao desenvolvimento das ciências; emendou as leis existentes ejmponeses da liberdade plena e colocava-os numa posição
)
redigiu o direito dos Frisões, Saxões, Turíngios e Franco- *ferior em relação aos grandes proprietários agrários. De
) -Charnavos. • em diante, o camponês não era mais do que um trabalhador,
)

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HISTORIA DA IDADE MEDIA HISTORIA DA IDADE MÉDIA


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obrigado a manter as. camadas, superiores da sociedadec-é ..pelos condes ou pelos juizes; Os reis tentavam impedir que a
) regadas de administrar, julgar, fazer a guerra e orar~N... ..'Igreja extorquisse doações aos pobres. Num dos seus édítos,
) repartição de funções engendrava a divisão da sociedade:I( carlos Magno deplorava que, «quando alguém recusa trans-
-<:'~-
seguintes classes: camponeses privados de direitos, Po.~{;-,ferir os seus bens para o bispo, para o abade, ou para o conde,
"'// lado, e, por outro, os seus senhores" grandes 'p~opri~ .,,: ; ou... para o centurião, estes procuram uma ocasião de con-
) -·.2~
\..;
agrários, que monopolizavam as funções admínístratíe '.. denar o pobre diabo e constrangê-lo a incorporar-se na hoste,
) militares, com o. objectivo de enriquecer cada vez mais" eX1\ll: e isto até que, arruinado, ele se veja obrigado a vender ou
rando as massas laboriosas. A reforma militar desarmavi;';[~';~ceder a sua propriedade ... ».
)

)
L agricultores, e deixava-os sem defesa, frente aos feu?ais. ~"'\':'.'.
'~.;:;. ~,no ent~nto~ toda~ as tentativas d.os Ca:olín~ios para ím-
Esta reforma de Carlos Magno, que. era a contmuaça,:' ,~;pedIr estas vrgances ficaram sem efeito. Nao tinham à: sua
reforma benefícíária de Carlos Martel, tinha em vista refa_'disposição quaisquer meios eficazes: a própria administração
)
. _o'· o poderio militar do país. O Império englobava um tem ".~.~ ; ~'-;
'serfeudalízava cada vez mais. Confrontados com uma tal
imenso; para O' manter, CarIos Magno apoiava-se nos be ", t..situação, os Carolíngios não podiam atingir o. seuobjectivo-
) (''V-':::;:'
;J ciários e na Igreja, que acumulava as. funções espirituai~" ...: ;.:-consolidar o poder e as forças guerreiras -, dentro de um'
) uma parte das funções políticas. O Império parecia pode::::,;;;;prazo muito curto, a não ser acelerando -o' processo de feuda-
) e estável mas, na realidade, nunca conseguiu a unidà;J,i, lização. As reformas militar e judiciária concorriam justa-
interior, ~ começou a abrir fendas no fim do reinadoé __ , Illente para privar os camponeses dos seus direitos e impli-
)
Carlos, ,;:~~7cavam o aumento da sua dependência perante a classe domi-
) ;-i~j .aante em formação. Este aspecto da política social' contra-
) Aceleração do processo de [euâalização. Nos séculos _;ditória dos Carolíngios teve, incomparavelmente, um efeito
e IX, aceleraram-se os ritmos do processo de feudaliza~. muito maior.
)
Amplas camadas de camponeses ficaram completamente arniJi. Os laços de vassalagem e o poderio dos senhores assumiram
) nadas pelas guerras intermináveis, pelas exacções do fiscoo~' uma envergadura tal, que os reis não podiam continuar a
) do clero, opressões e usurpações dos grandes agrários e abusos: mantê-los arredados do governo do país. Foi por esta razão
dos funcionários. A precária e a recomendação ganhav. que favoreceram a extensão das relações. de vassalagem, auto-
)
cada vez maior amplitude. A precária era hereditária na roaioJ,'rizaram os homens livres a recomendarem-se «a quem melhor
) parte dos casos, e as relações entre os concessionários e::OIlí entendessem» e ordenaram aos vassalos que tinham prestado
) que faziam concessões já não eram baseadas em contratos, homenagem aos seus senhores que os seguissem para toda a
)
mas sim no costume. parte, não infringissem o seu juramento, e não tivessem o
A transferência para a Igreja e para os grandes senhores. atrevimento de os deixar contra a vontade deles. Era proibido
) dos alódios mantidos pelos camponeses assumiu tais pro- iomar um vassalo ao seu serviço desde que ele tivesse aban-
) porções, que os Carolíngios tiveram pena deles, tendo sido um: donado o seu senhor sem o seu consentimento. Um pouco mais
)
dos aspectos da sua política justamente combater esta prática, tarde, em meados do século IX, foi directamente ordenado a
porque começavam a temer que a autonomia dos grandes-todo o homem livre que escolhesse um senhor, o qual era
)
crescesse excessivamente . .-;-S capitulares encerram .inte:-diçõesJresponsável pelo. comportamento dos seus vassalos.
) reiteradas, tendentes a por um termo à escravizaçao dosd O desenvolvimento dos laços de vassalagem teve como
)
homens livres e à captação dos bens dos herdeiros. Os enviados~consequência inevitável que as obrigações do vassalo para com
reais tinham ordens para devolver a liberdade àqueles quejo seu senhor passassem a ter prioridade em relação às obri-
)
dela tinham sido privados à força, através de intrigas jurídicas,'igações para com o Estado. É curioso, neste aspecto, citar o
,; I .

114 115
HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA

juramento que prestavam O'Ssúbditos de Carlos Magno: j,.' ~~formaçãO', os reis já, se tinham visto obrigados a ceder perante
vam ser fiéis ao imperador «como un:vassalO' de~e sê-lo, ~< as exigências dO'~ ~~ndes proprietários de terras e a reco-
direito, ao seu sen~O'r, para manutençao do seu reme e do s~,: nhecer e poder JUdlCI~ e de ~~licIamento dos, ~enhores. Vi·
direito». A subordinação do vassalo ao senhor tornou-se WIlI.' raro-se obrigados depois a redigir cartas especiais, chamadas
forma de diminuir a fidelidade de um súbdito, para com o s~, diplomas, que proibiam aos seus agentes (condes, juízes, etc.)
rei. A política que tinha em vista utilizar e 'SIstema de vasSil: que penetrassem nos domínios de um determinado senhor
lagern em proveito do Estado não fez mais do que ref~r., feu~al, quer para administrar justiça, fazer apreensões, punir
exclusivamente o poder dos senhores e ~umentar. a .sua m~: d.eli~~uentes, quer a~d~ para cobrar multas judiciárias. Isto
pendência perante o poder real. Os próprios Carolíngios for'-"SJgnlfIcava colocar oficialmente a população de um domínio ,,:
obrigados a utilizar as relações de vassalagem e a col0ct,: sob a autoridade policial e jurídica do seu proprietário a quem ',' ,~
.",\

igrejas, particulares e grupos inteires da população SO'ba,~~, passaram também a ser entregues as receitas judiciais. O ..••••
?-"

protecção, as relações de submissão directa ao Estado e~ Estado. reconhecia, assim, o direito de justiça privada. ou
instáveis e PO'UCO' eficazes. '1'11: senhorzal, que derivava das relações de dependência pessoal e -;
" de coacção que se estabeleceram entre o feudal e os seus
A imunidade. As modificações [ntroduzidas na organiza~ arrendatários. Legitimando este poder de administrar justiça, -..:
militar e o desenvolvimento do sistema de benefícios repres., o rei atribuía ao feudal, simultaneamente, funções de defensor
tavam, de facto, a concentração do poder militar nas mãos"á". da paz interna e de justiceiro. Um domínio que, assim, se
grandes proprietários agrários. Ó poder judicial acab~subtraía às visitas e autoridade dos condes e outros oficiais
também por passar para as mãos dos possuidores do solo"i:*' do rei, transformava-se num território dentro do qual o pro-
feudal, para obrigar um camponês que geria a sua próp~· prietário gozava de toda a imunidade (do latim immunitas,
exploração a trabalhar para ele, tinha que o submeter, nit senção, dispensa); o próprio território em que se exercia este
só economícamente
P"
- fixando-o à terra -, mas também P~' privilégio chamava-se imunidade. As..Imunidades tinham tido
soalmente. Necessitava de meios de coacção. Todos O'S já uma certa difusão na época dos Merovingios.
prietários dispunham de meios coercitivos contra os escraves;
litas e escravos libertos. Eram responsáveis, perante a 1., A distribuição de imunidades a que os reis francos proce-
diam tinha o mesmo carácter contraditório de que se revestia
pelos delitos que eles praticassem contra terceiros, vigiav:~ toda a sua política social. Por um lado, isto significava reco-
,~
"

• '~'>

o seu comportamento, forçavam-nos a trabalhar e c~st,l. ahecer. e poderio dos grandes proprietários agrários no seio .-!'
-,
vam-nos, Ora, à medida que se aprofundava a dependêncla,.dl; da sociedade e a confissão da incapacidade do Estado para se
antigos camponeses livres, também estes ficavam sob a vi., opor ao reforço da sua autonomia; por outro lado, a concessão ..•....

lância dos agrários, que os submetiam à coacção. ,~~;de imunidades aos feudais, tinha como objectivo utilizar o
Os camponeses escapavam cada vez mais ao controleee poder deles sobre a população para defesa dos interesses do
autoridade judiciária do conde, Passaram a ser passíveis,,4fí. Estado, ou, dito por outras palavras, transformar os proprie-
\
justiça do seu senhor, a cuja terra estavam presos e a qu~ tários com imunidades em agentes reais, conferindo-lhes a .. ~,-
se tinham recomendado. O alargamento desta prática ori&tt:responsabilidade pela manutenção da ordem e da justiça.' •... - \~

nava conflitos inevitáveis entre, por um lado, os grandes, .p~., Sob os Carolíngios, os grandes senhores conseguiram que o
)

prietários, que queriam ser eles próprios a julgar e ~~n~r;,,~',ihe~ r= atribuído o direito de julgar os homens livres que
seus camponeses, e, por outro os condes e outros O'flClal~~,resldlam nos seus domínios, mas este direito tinha limites: os
","--
rei, que até então administravam a justiça aos campon~ delitos graves (homicídio, pilhagem, fogo posto, banditismo),
) Quando o Estado franco estava ainda no princípio da' S1f. ue acarretavam a pena de morte, desterro, ou passagem ao

116 117
HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA

estado de servidão, continuavam a- ser julgados pelos"ê,;~t Reforço da p~o.priedade iundiâria fe~dal. A. «tr~~~f?r-
) A justiça' do Estado era a alta justiça, e a justiça privà<r.' iaJAção das re!açoes baseadas na ~~opnedade lmobl~a~la»;
a baixa justiça; as terras com imunidades não estavam:;;' (.engels), q~e tinha começa~o, na Gaha, sob, o~ Merovíngios,
tanto, definitivamente fora da alçada dos condes. O~f<t, ,liCou terminada no essencial sob os Carolíngios, ~ome.ada-
prietários agrários gozavam de pleno poder judicial em ren~jlente no século IX. Embora os pequenos; proprietários livres
aos não livres, mas estes, no entanto, não estavam subme"'ainda .fossem numerosos~ ~u~s cla~e.s se enf~entavam. no
por completo à arbítrari te d a d e do sen h or, porque po . di1, lmpéno franco: os propnetànos ..'
agranos feudais e o bcarnpe-.' .
ou vidos em trib n 1 A' id d. .'1-", .SÜ1ato d ependente. O regime feudal dominava, mas su sístiam
) u a. . Imum a e concorna para qu ' '" . - . . ( li
di ti - dif 'fl" _da outras formas de' relaçoes SOCIaIScomuna vre, escra-
apagass.em
( d asder t1S inçoes entre as 1 erentes categorias~'"
,'!"tura,' ) d d d
an o, por vezes, provas e u a g m rande vitalidade .
pessoas epen en es.\' . d d ' .
! " forma preponderante de proprie a e agrana passou a ser
. Em resumo, o des:nvolvi~ento da justiça senh~riaI,;, .~';propriedade feudal, que se baseava na exploração de um
1: tnbu~a para a ascen~ao política dos grandes feudais, e,':, ,campesinato reduzido à servidão.
a
, ) qU~la o poder do rei e fragmentava o Estado. Como co. ' A grande propriedade agrária baseada na exploração dos
quêncía da reforma judiciár~a, e ~m virtude da independê"":,:, pequenos agricultores, não consti~uía uma inovação que apa-
)
crescep~;.ó0s c?ndes:, os :nbu~aIs dos condados, do mi :\/ recesse na Gália nos séculos VIU ou IX. Já existia na época
) modo que .os tribunais de lIDum~ade, converteram-se pouc~ romana: havia dominios, com escravos e colon.os fixados a
) pouco em Instrumentos de coacçao-feudal.;ilY parcelas, mas tratava-se, nesse caso, de uma vanante da pro-
) As imunidades também favoreciam frequentemente 3.1 priedade esc1avagista porque o colono romano, e muito menos
,
pliação da propriedade feudal. A divisão em parcelas da." ainda o escravo, não eram proprietários das suas explorações.
J
sessão agrária, no interior de um território usufruindo~ Os nobres germanos desde tempos muito recuados, possuíam
)
imunidade, fazia com que as pessoas não dependentes diret' terras, bens de raiz, que mandavam cultivar por litas e
) tamente de um feudal aí pudessem residir. Mas, corno a im~ escravos, dotados, também eles, de parcelas de terra; ora estes
, nidade concedida ao senhor feudal dizia respeito a todo o terrl4 últimos estavam sob a dependência pessoal dos seus donos,
,I
tório, a jurisdição do feudal era extensiva a camponeses ql.\~ ao passo que, entre os Germanos, o camponês livre continuava
anteriormente, não dependiam dele. A imunidade tornava-_ a ser o produtor principal. O trabalho dos não livres e dos
então, um meio de coacção suplementar e um processo~ semilivres, embora bastante difundido, não passava de aces-
submeter um maior número de camponeses. O tribunal ~. sório. O elemento novo da grande propriedade agrária, que
) h
imunidade tinha, por consequência, que resolver litígios entI,O:.'se tinha tornado no Estado franco uma força social dominante,
) pessoas que dependiam do senhor, e terceiros, que estavam era constituído pelas relações de posse: a propriedade do feudal
fora da sua autoridade; este tribunal tornou-se" no Estada sobre a terra combinava-se com a propriedade do camponês
)
franco, uma instância obrigatória da hierarquia judiciárias sobre os instrumentos de trabalho e sua exploração. Esta
Era frequente que os reis, ao cederem terras, concedessem transformação tinha tido origem precisamente na passagem de
igualmente o direito de imunidade em relação à população uma massa considerável de homens livres à categoria de cam-
) que nelas habitava. Os privilégios de imunidade que os reis poneses dependentes: ao perder o direito à propriedade da
)
concediam largamente aos proprietários eclesiásticos, e, mais terra, o camponês conservava os seus instrumentos de tra-
raramente, aos grandes senhores feudais, reforçaram o poder balho, a sua casa, a exploração, a qual continuava a exercer
J daqueles sobre a população e contribuíram para o triunfo de sobre o mesmo pedaço de terra que passara a ser propriedade
) feudalismo. do feudal.

118 119
- ,jll11i
HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA mSTÓRIA DA IDADE MÉDIA
,~

o grande domínio. OS! reis, francos, condes e outro p,e tD1ansus (manse) eram incorporadas, às, vezes duas. ou mais
de serviço, os beneficíários e li Igreja acu,mularam p~op famílias, cada uma' efectuando a, sua própria exploração. Este
dades imensas durante os séculos VIII e IX. Havia mui Illansus (manse) era principalmente uma unidade fiscal, que
magnates que possuíam dezenas de grandes domínios. A es't servia para determinar as obrigações e rendas devidas pelos
) tura da grande propriedade. agrária" aparece aos: nossos o camponeses; cada mansus (manse) fornecia diversos produtos
) nitidamente desenhada, quando com pulsamos os muitoss: agrícolas, e o seu encarregado tomava parte nos trabalhos. obri-
cumentos que chegaram até nós desde a época carolín gatórios de lavoura e gradagemdas terras senhoriais, bem
capitulares reais (particularmente a capitular De Villis (c como na colheita e outros trabalhos dos campos, fazia serviços
) dos domínios), editada, provavelmente por Carlos. Ma de carrego, etc, Os polípticos fixavam, em. geral,. a impor-
) polípticos de mosteiros, diplomas. de doações, formulário tância e os prazos de execução dos trabalhos obrigatórios e o
estatutos de administração dos domínios, etc. valor das rendas. Se a população dependente se entregava
O grande domínio, ou senhoria, era constituído por também a qualquer indústria doméstica, uma parte dessa
) grande número de pequenas explorações, raramente ti produção era igualmente mencionada nas entregas a fazer
) ligadas. umas às outras, As terras estavam frequentemen; (ferros. forjados; tecidos,etc.). Como o comércio era restrito,
)
dispersas por várias localidades. A grande propriedade agrá as rendas em dinheiro ocupavam um lugar medíocre. As
associada à pequena produção fragmentada baseava-se "" formas preponderantes de renda feudal eram a renda em
)
exploração da segunda. Uma parte, das terras do domí~ corveias e a renda em produtos. A importância de cada uma
) senhorial, geralmente a mais pequena, ficava sob a ges~ dependia da extensão do domínio senhorial e da quantidade
) directa do proprietário ou dos seus intendentes. Era a reserv", de escravos domésticos que nele trabalhavam. Enquanto que
do dono, o domínio propriamente dito (em lato mansus ind(jfiJ., os titulares de precárias forneciam só alguns dias de corveia
)
minicatusy, que nunca era uma exploração importante. Alé.., por ano nos séculos VII e VIII, os camponeses dependentes
) do terreiro e dos edifícios de serviço, o domínio compreendiaí dos séculos VIII e IX faziam várias semanas decorveia
,) pastagens, florestas, terras cultiváveis, em geral dispersas-es] em diversos domínios, principalmente na época das colheitas
intercaladas por faixas cultivadas pelos camponeses. ~. ou da lavoura, sendo obrigados pelo feudal, ainda por cima,
)
terras senhoriais estavam submetidas, por esta razão, aos a muitas servidões colectivas. Os camponeses, por via das
) regulamentos comunitários (rotação obrigatória das cultura~ corveias chegavam a perder três dias por semana na reserva do
) pastagem nos terrenos incultos, etc.). As terras do domínís, senhor.
eram cultivadas pelos camponeses, que executavam os tra;;
)
balhos obrigatórios utilizando os seus próprios instrumentos Os camponeses dependentes, diversas categorias. A popu-
) de trabalho, e, em parte, por escravos domésticos. lação de um domínio dividia-se em várias categorias: servos,
) As outras propriedades do feudal eram confiadas a arren- liras, colonos, rendeiros livres. Os servos eram os escravos
datários dependentes. Quanto aos terrenos eclesiásticos (os; fixados à gleba, os domésticos e os camponeses que tinham
)
arquivos dos mosteiros, bem conservados, permitem ter uma perdido a liberdade. Os colonos eram os descendentes dos
) ideia melhor da sua organização), centenas e milhares de colonos romanos e os camponeses reduzidos à submissão,
) camponeses encontravam-se fixados a esses solos. Estas terras anteriormente membros das comunidades, ou os possuidores de
(em lato mansae, e em alemão Hufe) compreendiam terras precárias cujas condições de arrendamento se tinham agravado
cultiváveis, pastagens e às vezes vinhas; a sua extensão variá..• entretanto. Os polípticos e outros documentos da época já
)
'lei, mesmo considerando um domínio, nem sempre era sufi- I consideravam os colonos os servos e os litas no mesmo pé
ciente para manter os camponeses e suas famílias. A cada I de igualdade, isto é, como pessoas que pertenciam a uma

120
I 121
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HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA
) j.
instituição- religiosa ou: at. um proprietário secular (A. c, tUldos ou em dificuldades. Os proprietários- destes domínios
tular De vaus torna extensiva a toda a: população depende utilizavam, além de rendeiros anteriormente livres, escravos
que trabalhava nos domínios imperiais, a designação de homilil e semilivres, fixados à: gleba, cujo trabalho desempenhava
nostre, «nossa gente»). Havia também vários tipos de ma ' ,- frequentemente um papel decisivo. O pequeno domínio carac-
(manses): serviles, lidiles -.e ingenuiles. (geralmente ocupa<ft tcritava-se pela dispersão das terras; constituía-se lentamente,
por colonos). à medida que o' proprietário se apossava de pequenas par-
A medida que se desenvolvia o sistema das concesse celas, ou de propriedades inteiras. Bta muito vaga e pouco
dentro dos domínios, as. distinções entre os vários man estável a diferença entre o pequeno senhor feudal, isto é', o
(manse) passaram a basear-se na forma e importância. proprietário de' terras que vivia da exploração de rendeiros
renda, e não na categoria de' camponeses. que. as ocupav fixados à: gleba, e o camponês abastado, que tinha absorvido
as corveias mais pesadas eram atribuídas aos detentores : vários bocados de terra e que os mandava cultivar por um
unidades agrárias (mansus) serviles e lidiles, e as mais lev., pequeno número de pessoas dependentes (litas ou escravos, e,
aos titulares de unidades (mansus) ingenuiles. No entant mais raramente, homens livres). Esse camponês, no entanto,
estas: distinções. não, eram muito nítidas, porque o ma não' tinha deixado de' tomar parte' activa na produção. O,
(manse) lidile podia ser ocupado por um colono e o mansi pequeno feudal, como consequência de modificações insigni-
(manse) ingenuile por um lita ou por um escravo. Não e: ficantes, à. primeira vista, podia passar à categoria de cam-
rigorosa a correspondência entre o escalão social do rende' ponês, desde que fosse pouco elevada a importância das
e o tipo de mansus (manse). A exploração feudal não esta rendas que recebia. A camada de pequenos feudais engrossava
Iecia distinções entre as categorias de rendeiros, porque n:t'
com o afluxo de camponeses livres que tinham enriquecido,
havia uma unificação completa, mesmo no interior de u
" mas a sua estrutura continuava a ser multíforme. Simulta-
mesmo domínio. A divisão dos camponeses em grupos o
neamente, alguns pequenos feudais elevavam-se acima dos
categorias, segundo o estatuto pessoal, a extensão do terren _
outros. Como o processo de feudalização ainda não tinha
o carácter ou volume das obrigações, o grau de dependênc~~
terminado, os reagrupamentos continuavam no seio da classe
pessoal, etc., isolava-os uns dos outros e facilitava a su~?
dominante.
exploração, impedindo-os de opor ao feudal uma resístêacíss
organizada. A miscelânea das formas de renda e de depeIHi.& A rivalidade entre as várias camadas de feudais, no seio
dência pessoal foi muito acentuada ao longo de toda a Idad-eti do Estado franco, ocupava um lugar preponderante no desen-
Média. O isolamento económico dos domínios e a variedad~ volvimento do feudalismo. Os senhores feudais seculares, pode-
de formas de submissão dos camponeses que podia have~. rosos e cornbativos, tentavam frequentemente apoderar-se dos
faziam com que, em cada domínio feudal, fossem aparecendo imóveis do clero e das terras de proprietários de menor enver-
usos próprios e locais, e costumes que se perpetuavam. gadura. Esta rivalidade, que tinha como objectivo a posse das
....J
terras e o poder sobre os homens (os feudais de então preo-
o pequeno domínio. Maior ainda era a variedade das! cupavam-se menos em aumentar os seus rendimentos ma-
) pequenas propriedades feudais, que tinham um número res-- teriais, do que em aumentar o número de camponeses e terri-
trito de camponeses dependentes. Os proprietários destes domí- tórios, sobre os quais reinavam como verdadeiros donos),
nios eram simples beneficiários, que se incorporavam na hostes originava a redistribuição dos bens e também que os direitos
a cavalo, sem séquito de vassalos, ou então antigos campcs- de dois ou mais feudais se estabelecessem sobre uma única e
.J neses livres que tinham sido capazes de concentrar várias terras, mesma terra. Certos indivíduos altamente interesseiros, pro-
nas suas mãos e reduzir à servidão alguns camponeses arrui-. curando ampliar as suas possessões, obtinham a concessão de

122 123
> HISTóRIA DA IDADE j\1ÉDIA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA
).,

j
benefícios da parte de vários, senhores, e tornavam-se vassa " Um movimento antifeudal de rara amplitude" a: revolta
) de todos eles. saxónica, estalou no Império franco, em 841-843, num mo-
Estava em vias de se constituir uma estrutura hierárquf mento em que estavam acesas as disputas entre os netos de
)
da classe feudal: os vassalos directos do rei, eclesiásticos> o' Carlos Magno. Esse movimento permite-nos avaliar o grau de
)
laicos, tinham por sua vez vassalos mais pequenos, que lh aproximação a que tinham chegado os camponeses livres e
) deviam obediência, à cabeça dos quais se apresentavam. dependentes. Como disse um cronista da época: «um sem
hoste, na qualidade de beneficiá rios reais. Estes grandes s número de [rilings e [ates», que reivindicavam o restabele-
)
nhores, rodeados de vassalos que lhes' estavam ligados pe cimento dos usos e costumes do paganismo, «adoptaram o
)
homenagem que lhes prestavam e pelas doações imobiliári nome de Stellinga (efilhos da antiga lei») e reuniram-se para
) possuidores de enormes domínios, com centenas e mesmi expulsar do país quase todos os senhores, recomeçando depois
milhares de camponeses, tornavam-se pequenos reizính a viver como antigamente, cada um segundo a sua lei». Uma
)
pouco inclinados a fazer caso do rei e dos seus oficiais. parte considerável dos [rilings saxões ainda não tinha sido
)
partir do século IX, os grandes domínios começaram a em transformada em rendeiros, dependentes da aristocracia e da
) cipar-se; o Império franco desmernbrava-se por falta de coe Igreja, mas mesmo assim revoltaram-se ao lado dos lates,
interna. porque tanto uns como os outros estavam submetidos à explo-
)
\~ti§'l ração dos poderes feudais, e ambicionavam libertar-se do seu
) jugo. A insurreição da Stellinga foi esmagada pelo poder real
Os camponeses livres na sociedade
. feudal em formaçãolifftt;'
~~
) A transformação das relações de propriedade agrária nãQff.~ «num banho de sangue, mas em conformidade com a lei»
) provocou o desaparecimento total docampesinato livre dqj (segundo o mesmo cronista). O processo tendente a reduzir à
Estado franco. Os agricultores livres de certas regiões, parti~l1: servidão o campesinato livre da Saxónia acelerou-se. Outras
) revoltas camponesas e «golpes», do século IX, tiveram o
cularmente da Germânia tinham conservado a propriedad~~!
) das suas terras. Mas a sua condição já não era a mesma de:;;:~: mesmo trágico fim.
.;.ú,

) antigamente, Já não representavam. a base da organizaçã()';W


social, como tinha acontecido alguns séculos antes. Na SUíIi:'. Desmembramento do Império carolíngio. Não podiam
)
maioria completamente absorvidos pelo trabalho, deixaram de-. subsistir dúvidas sobre a fragilidade do Império. Essa fragi-
) ter a possibilidade de tomar parte na administração local, no~:'!~ lidade era provocada pela fragmentação feudal crescente,
) tribunais, ou de prestar serviço na hoste, razão pela qual este~~ falta de 'laços económicos no interior do Estado e heteroge-
camponeses deixaram de ter influência na vida pública. A sua<" neidade étnica da população. As nacionalidades estavam em
)
liberdade ficou assim vazia de conteúdo real, sem que oss vias de formação, em algumas regiões do Império. Quando
) grandes a tivessem usurpado. Na vida corrente, um camponês conseguiam bases sólidas para firmar o seu poder, os gran-
) que possuísse um alódio e que fosse pessoalmente livre, pouco des feudais, principalmente os senhores laicos, deixavam de
se distinguia de um camponês dependente. Embora sem cair, estar interessados na manutenção do Império, e nestas con-
)
como este último, sob a tutela do senhor, era objecto da explo- dições ele não podia continuar por muito tempo. Já Carlos
) Magno tinha tido dificuldades para conter as forças centrí-
ração do Estado feudal e dos seus funcionários. Um e outro,
) no entanto - embora na verdade em graus diferentes - dei- fugas. Vieram dizer-lhe, pouco antes da sua morte: «Já
)
xaram de gozar plenamente os seus direitos e ficaram sem, não é observada qualquer submissão para com os teus envia-
defesa perante forças sociais' poderosas, representadas pelos' dos, e as ordens dos teus condes já não são cumpridas.»
) As fronteiras do Império abriram-se perante as incursões
condes e grandes proprietários agrários. Os camponeses livres
) eram explorados pelo poder real e pela Igreja. dos Eslavos, Árabes e Normandos. Após a morte de Carlos
)

124 125
-
HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA HIS:TÓRIA DA IDADE MÉDIA

,i_ncia média: ..uma parte' da Austrásia, a:; Borgonha e a


Itália, e recebeu o título de' imperador, que já não trazia
q,ualquer vantagem, Diferentemente da Alemanha e da
França, o reino de Lotário constituía um conjunto artificial;
foi obiecto de nova partilha, no século IX. A Borgonha
e a Austrásia foram divididas entre os reis. de' França e da
Germânia, e a Itália separou-se. O território situado entre
o- Meuse e o Reno, que coube à Germânia, foi depois desíg-
nado Lotaríngia, ou Lorena (<<reino de Lotário»). A partilha
definitiva do Império teve lugar em 888.

Advento do feudalismo. Durante o período perturbado


e; de guerras intestinas, os grandes fortaleceram as suas posi-
ções. O seu poderio deixou de ser limitado: pela autoridade
,J central. Os grandes aproveitaram a rivalidade entre os des-
cendentes de Carlos Magno para reforçar ainda mais. a sua
autonomia. Foi nesta época que se tornou obrigatório os
) Marseille homens livres prestarem homenagem a um senhor. Simul-
) taneamente, os beneficiários adquiriram direitos mais amplos
em relação aos seus imóveis.
Os condes da Frância Ocidental conseguiram obter, na
/' segunda metade do século IX, o reconhecimento de facto,
o desmembramento do Estado franco pelo Estado, da hereditariedade dos seus ofícios e benefícios
';,,<f~# (a Capitular de Kiersy , 877). Esse foi um passo importante
-.:J.:,~i!A para a transformação do conde, agente do poder real, em
)
Magno, sucedeu-lhe o seu filho Luís I, o Piedoso, protectô~I" grande senhor independente, e do benefício - doação fun-
dedicado da Igreja. Excessivamente devoto" passava a maio~t, diária condicionada e a prazo ~ em propriedade hereditária
J
parte do seu tempo em orações e acções de graças. Mostrou,:;/;Jt; ou fie! [feudo] (do baixo latim [eodum; alto alemão fiu-
-se incapaz de dominar os filhos, que se revoltaram e ambi:'!~~ gado, bem; em alemão lehn). O princípio da hereditariedade
cionavam a partilha do Império. Foram feitas, sucessivamentei.j dos feudos triunfou definitivamente nos séculos X a XII.
) várias partilhas, durante o reinado de Luís, o Piedoso, e- Não havia unidade no interior dos reinos que se tinham
) pouco depois da sua morte. Em 843, foi assinado o tratado-c constituído após o desmembramento do Império, os quais,
de Verdun: o Império foi dividido em três reinos, cada um . por isso, se foram fraccionando rapidamente. Os ducados,
)
deles governado por um neto de CarIos Magno. Luís, o' condados, domínios senhoriais tornaram-se independentes. Os
Gerrnânico, recebeu, por partilha, a Gerrnânia, a leste do senhores eclesiásticos também aumentaram o seu poderio;
Reno, e uma região relativamente pouco extensa, na margem. pouco se distinguiam, de resto, na vida corrente, dos senhores
esquerda do Reno médio, a Frância Oriental: CarIos, o Calvo, seculares. Os papas ampliaram a sua influência; defendiam
)
ficou com a Nêustria e a Aquitânia, ou seja, com a Frância a proeminência nos assuntos da Igreja e ingeriam-se nas
Ocidental, berço da futura França; Lotário ficou com a relações entre os grandes senhores seculares.

171\ 127
\
- I
~:,
, ;.; ,.:-t".,

HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA

o desmembramento do Império carolíngio viria. a CAPÍTULO IV


recer a afirmação de algumas nacionalidades na Eu
Ocidental. Um ano antes da partilha de Verdun, Carlo A EUROPA OCIDENTAL
Calvo, e Luís, o Germânico, tinham pronunciado, pera DO SÉCULO IX AO SÉCULO XI
os seus exércitos, perto de Estrasburgo, um juramento, p\
)
qual-se comprometiam solenemente a prestarem-se assistê'
mútua e a manter a sua aliança. É interessante notar q
para serem compreendidos, tiveram que se dirigir aos s
vassalos na língua germânica e na língua romana (antij,j
,;:;------
francês). O texto do juramento de Estrasburgo é o documen
mais antigo da língua francesa e um dos mais antigos di'
cumentos escritos da língua alemã.
Ao aproximar-se o século X, o Império estava dividi,
)
em vários reinos independentes. O fraccionamento de J. O REGIME FEUDAL
) em senhorias feudais, isto é, pequenas soberanias autossu
) cientes, colocava o nível da produção e da troca em harm As relações de produção feudais, seu carâcter progressista.
nia com a vida política e social e com a estrutura de elas: O regime feudal triunfa definitivamente, na maior parte
)
da jovem sociedade feudal. da Europa, nos séculos IX a XI. Começa uma nova e impor-
) tante fase da história do mundo .. O feudalisDJO...c:.9.º~~ituium
! p~Q.. hiit6~~laçãQ às fQffilJKões sociQeconómicas
anteriores •. pois _qgÇJ~9.:Z:ª.:.S.~QQI ..UllL.nQY ..Q_ ..º~.sen~ento
)

)
I *" ~s.....Q.to.d,tl.tivas,. e, _com consequênciav da.....
No que se refere à maior parte dos povos da Europa, o
$Qçiectade.

) feudalismo nasceu dos restos da comunidade primitiva e da


)
interacção entre esta e as relações esclavagistas, em vias de
dissolução, herdadas do antigo Império Romano. A igual-
dade entre os homens e o facto de não existir uma exploração
) de classe no regime da comunidade primitiva explicam-se
)
pela pobreza da sociedade e pelo nível muito baixo das forças
produtivas, que forneciam apenas os produtos indispensáveis.
)
O feudalismo, esse sim, implica a divisão social do trabalho:
) a exploração dos campon~e
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à classe dommanfus
,. .--.----.-.._'~_A_;.----...-
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)
~~s....de-.se....consagrar a guerra, admmlstraçao,. funções reli-
S:iosas.~ ....de, se..dedicar às ciências e às artes. A 'baseTIlateriãl
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d!,. evolyção soc~~__~~_.I.~ade Média é·a-·-produção de llffi
) V?!~mec~da
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) ~~ª-Il1P<?Pe.S.esexploradores. O feudalismo constitui, por-
tanto, um progresso ernrelação ao regime sem classes dos
) Ger.~anos, ÉsÚivose out:rospovos. . .- ... '-'---'''''''-''-----
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