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P, MAURICIO MESCHLER, S. J.

JESUS
ALGUNS TRAÇOS DA
FISIONOMIA MORAL DE JESUS

VERSÃO DE MORINHA MOREIRA

1 9 3 9
CRUZADA DA BOA IMPRENSA
CAIXA POSTAL, 3.371
R I O

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NII-<IL OBSTAT IMPRIMATUR
R•o, 10-7-1939 R.,, 10-7-1939
P Joio �t. d• S•q ueir• Moos. R. Casta Reao. V C.

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CAPtTlfLO I

O ENSINAMENTO ASCÉTICO
DE NOSSO SENHOR

Em todos os tempos teem sido atacados os prin·


cípios ascéticos da Igreja Católica. Basta o nome de
'1ascest'' (1) para excitar em muita gente, não só a
piedade e a -zombaria. mas até a aversão, o hortor, a
antipatia contra essa "deploraveJ aberração do es-pi·
rito católico'', contra es$e ''sistema de avHtamento,
de opressão da nossa natureza divinamente dotada".
Nioguem se admirará de que pagãos antigos e mo·
dernos assim se: exprimam, mas. -por parte de muitos
que crêem no cristianismo e. no evangelho, tal lingua­
gem trai mal-entendido ou ig-norância. Un1 fato é cer..
to: a Igreja católica não tem outra ascese senão a do
Evangelho, isto é, a de Cristo. Quem crê em Cristo
de-ve crer em sua doutrina .ascética.

1 -O autor Indicará nrn pouco ma.ts adlante o sBttido


extLto desta palnvn, tsto é. "exel'ciciO da vJda. espi­
ritual''. Em vários CB8051 porém, CMC ttrruo elgnlfica.ni
"a dootrtruJ., o& prlnelplc� que! rtJg;em e�le exera!eto"
- (Noto do trodulor).

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11 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

O diviuu Sal vador não podia qeixar na sombra


C!tí'e IJUulu capi tal, e assim é que em seu Evangelho
LUlÇOLI um programa de -ascetísmo co m pleto . Deseja ...

riurnos esboçar-lhes aqui as grandes linhas, e com tal


mnls n ao faaemos, -aliás, do que resum.ir os princípios
c.lt nRCl!su <.In. Igreja. Nada mais próprio para unir ao­
roçocK nmigoK da verdade_, nada mala favoravel à pró­
pria verdade do que apresentá-la ã grande luz do dia.
Este estudo é muito de molde a íluminar a pessoa do
divino Sa JvadorJ o seu tão elevado espírito. o seu no­
bre carater.
Dar uma idéa geral da ascese, e.><por-lbe a prática
e sacar algumas conclusões - eis tudo quanto aqui
nos propomos.

Evocando nos espiri tos o termo ••ascese". mais


do que muitos outros, idéias co nfusas e errôneas-, de­
ve·seJ antes de mais nada, apresentar a tal r·espeito
um conceito claro e exato.
"Ascese.. quer dizerl em resumo, ··exerci cio"';
efetivamente. não é outra coisa, senão o exerclcio d.a
vida espiritual. •• A vida consiste no movimento pro·
veniente de um princípio int-e rno de energia; é o �.xer­
cfoio, o esfor�o, a luta. Todo o esrorgo supõe um fim;
a vid<1 espiritual, d� que falamos, não tem outro esco­
po senão a perfeição cristã" (2). T�l é a significação
plena e e.xata do termo.

2- VMe WElSS, "ApologJes <11!8 Cbrlst.entuma11, v. 4., Frt·


burgo, 1905; 487.

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J E S U S 7

A perfeição de um ser em geral consiste na pos·


se de todas as qualidades que lhe �ão próprias. A per·
feição do Criador está em possuir num grau infinito
todos os atributos divinos; a d a criatura consiste em
participar da perfeiç3o. do CÍ='iador, aproximando�se
dele, unindo-se a ele o mais Intimamente possível,
como ao seu fim, seu fim supremo e seu soberano bem.
Quanto mais a criatura se une estreitamente a Deus,
maís participa da perfeição divina.
Ora. essa união ê procurada sobretudo peJa carj ..

elade ou pelo amor; na vid� futura, peJo amor beati­


{ico de Deus possui do e go.zado no céu; aqui em bai­
xo, pelo amor que tende e •e prepara para gol'l!r de
Deus. Este último amor tem dois graus. Um, para
atingir o seu fim último e unir-:se a Deus no céu, c:on�
tenta-se com meios. necessários, essenciais� a obser­
vância dos mandamentos; são o caminho reto, a estra-
da batida que conduz ao termo celeste. O outro amor
fax mais, pretende, desde aquí d e baixo, unir-se a
11
Deus numa certa medida e possuí-lo mais plenamen- 1
te na eternidade. Para isso, recorre a meios espeoiajs,
superrogatórios: a observânda dos conselhos. DeÜs
oiio impõe e-sses meios, propõe-nos apenas como mui-
to desejaveis, muito agradaveis a si mesmo, mas não
compele ning-uem a servir-se deles.
Tal o sentido, tal a extensão da perfeição. Os
meios de aí chegar compreendem dois graus que dão
lugar a dois estados dUerontes: o estado secular, que
ae 1imita à observação dos mandamentOS1 e o estado
religioso, que se empenha em seguir os conselhos
evangélicos. Tee.m os- doi.s um fim comum. mas aspi-

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ram a ele num grau diferente; tendem ambos à per­


feição, à caridade aqui em baixo, e ao céu. Qualquer
homem, qualquer cri-stão deve ser um asceta e é·o na
realidade, se aspira, como deve. à perfeição do seu es­
tado. É verdade que o estado religioso merece de um
modo especial o nome de "estado de perfeição'' (3).
É certo que não a possue -a inda, mas p ara ela tende e
empenhaofie em valer·se de meios especiais- que os
conselhos evangélicos lbe fornecem. Esforçando-se
por a tingir por meio deJes a perfeição. possue-a já
ep> certo grau, pelo menos prepara-se cada vez mais
pa:ra adquiri-l a por meio de uma renú ncia mais e-om­
pleta aos bens. aos pra%eres, aliás licitas, de que se
priva pelos votos de pobreza, castidade e obediêncio.
Não se segue dai que. tomado individualmente, cada
religioso esteja maiS- perto da perfeição que um s�
cular como secular. Notemos que os votos. os canse..
lhos não são ainda a pe"rfeição, .a prôprin caridade,
mas apenas meios de se chegar lâ, uma preparação
- é certo que a melhor pera a possuir (4). Os.manda­
mentos teem por fim afastar os obstáculos essenciais
ao amor e, por conseq-uencia, o pecado; assim, os vo·
tos pretendem trunfar de antros obstáculos mais afas­
tados, secundários, criados pelo go•o de certos bens
ou prazeres. não indispensaveis. Por ai tendem à c:a·
ridade perfeita, não são ainda a caridade. Uma vez
que o amor faz o homem perfeito, o que mais ama é
um maíor asceta, seja qua1 for o seu estado. Assim, a

3- SL TomAll, 2, 3, q, 184, a.. 2,


4 - St. Tomás, 2, 3. p. 154. a. J, 4.

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J E S U S g

perfeição não se acha ligada a qualquer estado parti·


cutar. Do fato de o estado religioso ser chamado em
ce.rto sentido estado de perfeição não se segue que o
os-tado secular seja da imper-feição. Conselhos e pre4
ceitos: teem um mesmo fim, a caridade. As duas es·
tradas são, pois, paralelas, apenas. uma conduz mais
alem que a outra. Eis, pois, um fato assente, o estado
religioso e o gênero de vida mais lavoravel à aquisi­
ção da perfeição.
Tal é� em seus traços gerais e harmoniosos, a as­
cese que nos oferecem a doutrina e a vida de nosso
Senhor. Jesus cnslna a perfeição mais elevada: âque­
Jes que querem unir-se mais estreitamtSnte a ele, es­
pecialmente àqueles que desejam segui-lo na carreira
apostólica - prescreve a pobreza, a castidade, a obe­
diência e uma renúncia completa ao mundo (S). Não
quis, no entanto, que a perfeição fosse o apanágio ex�
clusivo desse estado. E m suas instruções, particular·
mente no :Sermão da mont.an.ba, o '8uditório é dos mais
heterogêneos. AI{ estão os seus disclpulos, pessoas
vindas de todos os cantos da Palestina, das mais di·
v ersas condições c idóias, havendo mesmo pagãos (5),
A todos, som exceção, propõe Jesus os principias ele·
vados da sua celeste- doutrina e até os conselhos da
mais sublime p�rfei�ão. A todos, por exemplo, diz
que dêem e perdôem generosamente (7). Conclue sua
exortação nestes magnifieos termos: �·Sede perfei·

5-Mt.1 19, 12. - Me. 10, 21·29. - Lc. !J.57: 12, 33,
6-Mt .. 4. 25. Lc 6, 17,
- ..

7- ML, 5, 39-47.

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tos, como vosso Pai celeste ê perfeito" (8). U m pouet.


mais tarde, à mesa com verdadeiros- e p uros fariseu,
não hesitará em lhes propor os principies da rnais
alta p"''felção (9). A doutrina da oruz é a m ai s difí­
cil de praticar, a mais ber oica: Jesus pretende impõ·
la a todos (10). Tal é o processo do Salvador quando
1egi.sln: faz mais que r eprimir o mal no eoração,hu·
momo, deixa o caminho livre para. os esforços volu.n­
târio s para o m elhor. A tendência livre e nobte para
a per feição é como a atmosfera luminosa e r efre scan­
te no seio da qual se deve mover toda a vida do ho­
mem. Sem este amor de superro_gação, a caridade não
leria po<lido subs istir por muito tempo em seu grau
�sseocial. Dificilmente seriam observados os precei­
tos sem os conselhos. Pela graça 1le Deus, pôde cada
um aspirar a perfeição.
Acha:se esta verdade confirmada p ela vida pú­
blica e privada de Jesus C risto. Quando o Salvador
apareceui a vida religiosa - no sentido geral do ter­
mo - revestia no judaismo diversas formas. Di stin ·

guia ms - e tariseus. saduceus, essénios, discípulos de


João. O Salvador não s e declarou por nenhuma delas.
fosse qual {o$se, aliás, o sea espírito. Não adotou
mesmo o gênero de vida próprio do estado religioso
que acabara de fundar. Viveu livre dos laços do casa­
mento. mas sem abandonar o m undo ; foi pobre ma.; ,

não até ao ponto. de me ndig-ar : n sua vida foi uma

�-Mt., 5, 48,
9-Lc.., 14, 13, M.
lO- Me., 8, 3�. - I...c.-., !), 2a; 14-, 2.!'i

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J E S U s 11

continua e profunda contemplação; e, no entanto.J de


uma atividade exterior intensa; praticou a renúncia
em altíssimo grau_. e mostrou..se de uma incomparavel
afabilidade de relações. Era a pura chama da perfeí·
ç.ão que brilha aos nossos olhas deliciosa e variada ...

mente. A verdadeira austeridade da vida não exige


.de modo algum extraordinár-ias n1aceragõe6: somos
austeros pelo fato de nos propormos um fim nobre e
el evado na vida espiritual, por tendermos a ele por

meios apropriados, por o procurarmos com energia e


con stânci a, a despeito de todos os obstáculos; com a
condição, bem entendido, do nada admitirmos sem ne­
cessidade. na prática da vida, que lisonjeie a moleza
e a sensualidade (11). Tal foi a austeridade do divino
Mestre. A profunda gravidade do seu carater era
como que temperado pel:1 amavel simplicidade de uma
vida comum. Devemos repelir c.omo falsas e. sem obje­
to todas as insinuações que tendam a fazer consistir
o ascetismo numa tortura de nós mesmos., num mar·
t:irio do espírito e do corpo ou em confundi-lo com o
e spirito religioso (12).
A ascese não é apenas isso; e coisa ma.is bela.

11 -Suare%, "De rclJgtono soe. Jesu, 1, t, c.. O, 11. 2-.


U -l\64fm sempr-e Calou o Protestnnt:lsmo: "!�endo disto
prova ma.iM de obstlnaçAo do que de cornpetênoia.'',
como o nota ju:S'ta.rtlente Rl�s na sun. obra: "Daa
geiatltc.he Leben nach der Lehre- des belligen Bematd'',
plig. 36. Vi!de RARNACK, "das Wesen doa Chrlstea­
tumn,., t'it, 160. 175, Onde, polB, viu Harnaek que,
segando a doutrina católica. aonumte os monges po..
dem aegu:Jr o caminho tTnçado por No&so Scnbor't

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mais elevada, doce. amavel, respira alegria; tal a ver­


dadeira sabedoria, tal aliás a que vemos na pessoa de
Jesus: numa palavra, é a vida espiritual p raticada
·

tendendo à perfeição cristã.

2
Nn prática do asc.etismo há que considerar três
pontos: a sua soberana regra e primeiro princípio, seu
iim, e por Ultimo os meios a empregar.
A regra determinante, o principio soberano da
ascese são o dogma e a moral católicos. A vida espiri·
tua! sempre � dirigida e regulada pelas idéias e os
princípio s filos6fico-teol6gicos. A blstoria do asce­
tismo e da vida religiosa em todos os povos anti_gos
e modernos é uma prova disso. Na ascese cristã, pre·
c.isamente porque é a prática da vida ·sobrenatural, a
fé, a ci�ncia do sobrenatural desempenha o papel de
dirigente, sem excluir na entanto as ve rdade s de or­
dem racional. Só a fé nos pôde informar exata• e ade­
quadamente a respeito de Deu•. do mundo e do ho­
mem. A moral, pelas suas prescrições e proibições,
não fru; se.não aplicar à prátioa da vida as verdades da
fé. Toda a ascese que esteja em desacordo com as 1/er­
dadês, com os princípios racionais, dogmáticos ou
morais. que apenas se afasta deles, ê errônea e sen1
valor. É como que um er['o do c.ãlcalo. como que uma
conc1usão falsa tirada de pre mi ssas verdadeiras. Apli·
ca-se mesmo este principio aos deveres de e stado, às
cons-tituisões- monacats � ao s usos. gerals em vigor na
Igreja. Uma ascese que despreze este principio não
vem de Deus. Deus nao se contradiz. Daí igualmente

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J E S U S 13

se segue que a ascese não poderia ficar mais separa·


da do Evangelho que do dogma e da moral. Acham·
ltt! estes, efetivamente, contidos no Evangelho, de que
n ascese não é senão uma parte. Trata especialmente
da natureza da perfeiç.ão e dos meíos de se chegar a
ela. A ascese não pôde, pois., de modo algum. ser :se·
parado do Evangelho (13).
Eis porque Jesus insistia conlinuadamen\e na fé
e na ohsefvãnc-ia dos preceitos, apresentav�-os como
o caminho do etu: HSt- quereis entrar na vida, obser­
vai os mandamentos" (14). São a expressão da vonta·
de de Deus e do nosso dever. Eis porque t-ambem tão
energicamente evitava ser um m.enosprezador e um
destruidor da lei. ele que. a.o contrârio. se dizia en­
viado a cumpri-la (15). Ao dar uma decisão. er ao bli­
bito da lei que lhe ditava (16). A sua inteira santida­
de consistia em cumprir a vontade do seu Pai eele.s­
te (17). Mesmo para as prescrições morais de ordem
particular, temporária, não obrigando gravemente,
devemos, segundo sua doutrina e exemplos, subme..
ter...nos à vontade- de Deus. 11É preciso que toda a jus...
tiça. se cumpra'' (18). Jesus não se deixa desconcertar

13- Para pretender. como o fl12 H.at:no.ek. "Dn.a Weaen des


Cb.ristentu.ms". pâg. 50, que tt aaccsê f independente
do Evangelho. é prte<:i!Kl ter uma EoJsa noçi\o de. ascese,
que ela. oon.stste em fugir dn muntJo e ca&Ugar-se a
a1 próprio, sem outro rtrn �e.nilo C85Ugtlr·&e.
14-ML. 19. 17.
16- ML, �. 17, 18,
16-Lc. 10, 28. - ML, 22, �O.
17 -João, 5, 30; 8, 29, 38: 1-L. 31.
18-ML. 3, 15.- Le., 7, �0.

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14 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

pelo ascetiNrno dgido dos Fariseus. Condeoa·o em ter·


mos severo• (19). Tem lhe horror (20). Seus partidá­
-

rios colocom -sutts próprias observações acima da lei


d� Dou• (21); são sepulcros (22) caiados e dissimula­
dos (23), Wpócritas e sedutores do povo (24). Ele lhes
prodiz a mina porque "toda planta não plüDtada pelo
Pai celc11 te $erá arrancada e destruída" (ZS). Uma
pa•$agem muito caracterlstica é aquela em que Nosso
S•nhor ordena a submissão aos Fariseu,; e Esc-riba•
no que concerne. à autoridade de sua função, mas
proibe seguir seus exemplos (26). Com maior· razãu
reclama Ele a submissii,o à Igreja (27). Jesus não
deixa ao capricho de qualquer as regras da ascese e
da prática da vida cristã; tudo que é do domínio da
religião depende da Igreja. Esta constantemente faz
uso de tal poder para dar à vida religiosa sua regra e
forma. 1t. pois, à Igreja que se deve consultar. Nin­
guom esta isento de sua jurisdi�iio; a fé sem a s obras
não tem maior valor do que estas sem a fé.
Uma �egunda regra importante em ascetismo é
oâo perder de vista o fim a atingir. Em todas as coi-
5as o fim é o mais importante; ele orienta a vontade
fornecendo�lhe os meios e os motivos a usar, ele dá

19-Mt.., 6, 20.
20 -Lc. 16; 15.
21-1\tl. 15, 3; 23, 23.
22-Lc. li, «.
23 -llfl. 3
2 , 25, 27.
24-Mt. 23, 13, 15.
25-Mt. ll), L'!.
26-Mt. 23, 3.
27 -lllt. 18. 17.

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ao esforso para a feição seu valor e sua grandeza


moral.
Em ascese, considera...se um fim remoto, distan­
te, e um fim pr6x-imo, imediato.
O fim imediato é o cumprimento da vontade di­
vina relativa à nossa condiç_ão ou .a fidelidade
aos nossos deveres de estado. A ascese deve, antes
de tudo� obrigar..nos a viver segundo nossa condi�
çâo, levar-nos a ser tais quais esta condição exige:
bons padres, bons religiosos, bons pais de Iamilia,
hons estudantes. Eis porque Santo Inácio diz que o
rim de seus Exercícios, assim como de toda a vida espi­
ritual, é reconhecer a vontade divina e a ela submeter
a condUta. Sem dúvida, a ascese regula a vida do cris­
tão em· todos os seus deveres de homem de estado, de
membros de uma fanúlia ou da sociedade, de homem
do negócios, não só para essas funções em si mes­
mas, mas porque a vontade de Deus lbe marca o s de­
veres. � essa vontade de Deus que anima o coração do
asceta. A ascese que nos faz cumprir per-feitamente
nossos deveres- de estado é a verdadeira, a única sã e
c-azoavel. Ela -agrada a Deus1 ela ê meritória e edific9
uma obra duradoura. O resto n-ão é :Senão uma vã os­
tentação e uma desordem na vida espiritual.
Como é belo contemplar esta verdade posta em
prática por Nosso Senhor! T<lda � sua vida exterior
- minúcias, como orientação geral -se explica e s e
justifica por este fim imediato. Par'l todo•, secula­
res. padres� religiosos� de5ejava Jesus se.rvlr de exem­
plo e de modelo. Eis porque Ele não adotou o gê,ne­
ro de vida dos anacoretas, mas viveu sempre no mun-

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16 P. MAURíCIO :MESCHLER, S. J.

do entre os homens; eis alnda porque passou seus


trinta primeiros anos numa vida comum� laboriosa.
dependente- c escondida. Não deve a maior parte dos
homens reaJi2ar sua salvação nestas mesmas condi·
ções? Eis o motivo de ter Ele exercido suas- funções
de doutor em grande pobreza (28). A perfeição não
consiste, nem n a pobreza. nem numa vida retirad�
nem na convivência com os homens, nem na oração.
nem no trabalho_. mas no exercício moderado de tudo
isto, para cumprir a vontade de Deus, em coniormi·
dade com seu estado. Somente sob este- ponto de vis·
ta é pos-sivel compreender a vida do Salvador que,
por muítos motivos, surpreende nossa razão. A von·
t-ade de Deus ê como um fio de ouro qUrC nos guia
através da vida e das ações de Nosso Senhor Jesus
Cr-isto.
O fÍn> ren>oto • distante da ascese é a salvação da
alma, a bemaventurança eterna. Porque será tão ne­
cessário não perder de vista esse fim? Primeiramen­
t e porque desta clara visão do fim depende a ordem,
a precisão, o mérito da vida. Sem ela corre-se o risco
de se deixar absorver pelo fim próximo, de conside­
rá·lo como fim último, e de exercer a!t funç.õe.s mais
santa,;, como um artífice seu mister. Este .fim últi­
mo dã tambem à atividade a energia constante e ale­
gre. Os meios a empregar são, com efeito, muitas ve­
zes insignificantes em si próprios, embora reclamem
o sacriflcio e o esforço, e é porque ê preciso pro·

28- st. Tomh, s, q. 4, a.. r., 2, 3.

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J E S V S 17

curar a força e o ardor na contemplação do grande


fim a atingi-r.
E erro de tática em asce-se exigir o tr-abalho, a
htdiga, o sacrifício,a privação dos homens-, sem lhes
lembrar a finalidade magnífica e suprema que com­
pensa largamente do resto; S!ria prop riamente des�
pojar alguem de seus bens, sem nada lh� dar em tr'o­
(8. Jt preciso não deixar de se repet ir a si e aos ou­
tros: a renúncia, o sacrifício não constitue um firu,
norém meios; não um termo\ por ém o caminho. Para
.ttingir a um fim necessár io e elevado, um coração
1\0bre presta·se voluntariamente a todos os sacriH·
('(os: mortilicar·se por mortificar-se -seria uma mania
contra a na-tureea -írrazoavel... Com sua arte CiOn$um.a..
da em educação. Jesu& expô� a cada instante ;�os nos·
os olhares esta meta mag ncf'+ca e. diante de cada sa·
crifício, Ele nos anima pela esperança da grande re­
compensa: u o r einado de- Deus" (29). o "Rtino dos
Céus" (30), a "Vida Eterna" (31), uma in�favel bea­
titude, tal é a alegre mensagem que Ele tTU, e como
um estribilho bendito que termina eada uma de suas
r.x.ortações. Nas oito bemaventuran�s ê o céu que.
El e mostra sempre nas suas diversos compara ..

ções (32). Por todo ato de sacrifício - consista ele


em perder uma mão ou um pé de preferência a per·
Oer sua &alvação (33), a derramar seu sangue como

2fl-Lc. 10, D.
�0-l,lt. s. 2.
Sl-Jo., 6, SD.
32- Mt. 5, 3-1.2; 6, 4, e, 18.
M- Mt. 16, 8.
1
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mártir (34), a seguir a Jesus como apóstolo (35), "


praticar boas obras (36) - fosse esse ato o mais in­
-significante, como dar um copo d'ãgua em seu no...
me (37), por tudo isso o Mestre promete. como re­
compensa última, o oéu; e, desde aqui n a terra. como
penhor e antegozo desse. céu" Ele nos reserva este
bem tão prccios01 a pa2" do espírito, e o centuplo por
aquilo que tivermos abandon ado (38). Quando fala de
sua prõpria paixão, Je.sus em geral prediz sua res�
surreiç.:ão, como se Ele mesmo não pudesse conceber
o sofrimento independente da alegr-ia que o coroa.
Não somos somente chamados- a "viver e a morrer
com Cristo", mas ainda 11a reinar com E1e"''. e tal
deve ser a divisa do cristão.
Em terceiro lugar, é precis o considerar, em as·
cese, p! meios de que ela se serve e o uso que deles
faz. Para melhor encarar no seu conjunto a multipli­
cidade destes meios, tomemos por ponto de pBiti­
da a noção de 1'vida espiritual". A vid� como disse­
mos, é um movimento procedente do interior e diri·
gído para um fim. O fim, aqul, ê a perfeição e o céu.
O movimento que impulsíona traduz-se ·por atos mo..
raia bons; para produzir esses atos são necessários
-prine:ipios de energia interna e socorros e,xternos.
Esses princípios internos são, antes de tudo, as
potanoias fundamentais da alma: a inteligência e a

34 -Mt. 10, 32.


35 �Mt. 19, 21, 28.
36-Lc. 14, 14.
37-Mt. lD, 24.
38 -Mt. ll, 29; 10, 29.

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vontade. Porém, para permitir a essas forÕ"s agirem


com toda a perfeição desejave.l, são-lhes necessária•
as5íduas auxiliare$; são as virtudes� Todo o -papel
destas últimas consiste em ajudar a bem agir. Os ato.
morais bons e os mér.i tos para a vida eterna sã o os
frutos das virtudes.
O que precede mostr.a quanto .as virtudes são im·
por tante-s para -0 asc ese e para a vi d a espiritual; elas
o são tanto quanto o -talento e a habilidade represen·
ta na vida natural. Põde·se dizer com toda a segu·
rança qu� a perfeição consiste em possuir habitual­
mente a virtude em gra-u elevado. Como vimos, é cer­
to que a caridade c:onstitue. em suma, a -perfeição,
visto ser ela que une mais estreitamente o bomem a
Deus, mas a Caridade não p6de reinar sem -as outras
virtudes que_, por sua ve-z_, devem protegS-la, assegu·
rar sua atividade e :aervir..Lbes de orname nto. Neste
sentido) os te ologos dizem muito justamente qu,e a
perfejçQ.o consiste em estar disposto a qualquer hora,
�m qualquer circ:unstância, a agir segundo a virtude
Para a cria tura, a perfei�o é nada mais que a ãpti·
dão para atingir a finalidade, e, por sua vez, esta é
aquirida por atos de virtude quo con s t ituem os pas­
sos que nos aproximam do termo.
Eis a razão do Salvador recomendar com tanta
insistência as· virtudes - teologais e m orais - e,
dentre as prmei iras, .sobretudo a Fé e a Cari dade.
Nosso Senhor reclama primeiramente .a Fé por ser·
vir e.la de princípio para toda a vida es piri tual (39).

30-Me. 5, 36; 11. 22, - Le. 8,25. - Jo., 6, 29t 9, 35; 11, 26.

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20 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

Apoia o Divino Mestre e&ta exigencia com belos ar­


gumentos. Em primeiro I ugar nos propõe Ele seu
próprio testemunho, que confirma. por seus mila­
gros (40); depois, magníficas recompensas, a justifi­
cação (41), a esperança de uma ação muito fecunda
aqui na terra (42) e alegrüas celestes (43). Ele louva
ainda a Fê (44), atribuindo-lhe o poder dos mila·
gr�� (45); procura por todos os meios a armar seus
discipulos com uma fe inabalavel (46). Ameaça os in­
crédulo• com a rui na temporal e eterna (47) porque,
di• Ele. a incredulidade provém do espírito mau (48).
A Caridade sempre foi apresentada por Jesus como
o primeiro e o maior de seus mandamentos 49). Ele
no•lil propõe como senda o supremo desejo de seu
cração, sua suprema recomendação (50). Explica a
s u a natureza (51) e promete-lhe as mals abundantes
bençãos (52). O amor do próxiroo não deve ur sepa·
rado do amor de Deus (53). Fa. consistir a sua prâ-

"o- Jo. r,, ::12, so; 8, 18; 10, 2:5, 30; u, 12.- Lr.. 22. 70.
•1 -Jo. a, 1a .
.c2 -Lc. 17, 6'.- lt1t. 17, 19. Ma 9, 22.
- . - Jo,, 9, 38.
•s- Jo. :l, 16, 36; 6, 40; 10. 25.
H- Mt. 15, 2S; �. 10.
fG- Mt. 9, 22, 29. - Lc.. 17. 19.
�6- Mt. 17, 24, - 1\fc, 3, 17. - Jo, O, 20.
�7-Jo., 3, 18; 7, ;\G; 8, 21.
i8- Jo" 3. 20: &", -H: 12, 30, -4.3.
49- !dt. 22, �- - L<. lO, 27.
60-Jo 16, 4, 9.
..

Gl-Jo., 14, 21.


32 -Jo.. u. 23; lli. 7. lZ.
tí3-Jo., lti, 17.

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J E S U S 21

tica sobretudo nas obras de miseric<irdia (54), na


correção fraterna (55), e no amor aos inimigos (56).
Oferece ..nos uma fonte inesgotavel de motivos para
• prática da caridade fraterna (57). Enfim, a Espe­
rança {58) não se deve basear somtl!nte �m bens ma­
teriais, mas p6de c ompre e nder tambem as necessida­
de s temporajs (59).
Dentre as vir t ud es moraia, Nosso Senhor insi::;.tt
especialmente na pobreza esptritual e efetiva_,. pro­
pondo mesmo o mais completo desprenilimento (60)
e nos- põe cuídadosamente em guarda contra a cobi·
ça e suas- funestas consequência.s {61). Em segujda,
Jesus rC!comenda a Castidade, primeiramente em ge­
ral: purelOil de �orpo, de alma, de intenções (62) e, de­
pois, a virgindade, tendo em vista ts pe da hn.e nte os
trabalhos apostôlico (63). Em terceiro lugar, o Sal·
vador nos inculca a humildade (64), a prudência, �
fidelidade no cumprimento dos d�vereo (65). Fin�l­
mentt!J para nos animar a s up ortar torajo5amrnt� os

M-Mt., �. 7; 18, 35. - Lc. US, 9.


55 -l\l:t. 18, 1�. - Lc, 17,3.
50-l\l:t. 6, ••.
57 -Jo. ta. 2�.
.

5S- Mt.. 6, 90; 9, 22.


su-Jo. . e, ss. - Lc. 12, 22.
60- Mt. 5, 3; 19, 27. - L<:. 12, �3.
6.1- Mt. 19, -23.
- Lc . .1.2, 1:5".
63- Mt. 5, 8, 281 8. - Lo. :u, St.
G!t- Mt. 19, 12.
6<l- ML 6, 2.. - Lf!� 17. 10, 18, 17.
GS- Lc. 12, 36w48. - Mt. 24, 44i 25, l·SO.

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22 P. MAURiCIO MESCHLER, S. J.

sofrimentos e perseguições (66), Ele nos propõe a&


mais nobres aspirações (67).
Aquí tem lugar a doutrina da renúncia ou da
mortificação. Esta não é outra coisa -sen-ão a força
moral a empregarmos para sermos em nós mesmos e
em nossa conduta tais como o exigem nossos deveres
de homen-s_. de- cristãos, e nossa c:ond.iç:'d-0 particular,
numa palavra; para evitar o mal e. pratic-ar o bew
Como tudo isso n-ão se realiza senão ao preço de
grandes dificuldade$ em nosso estado de natureza de­
caida, a isso se chama faz.et violêncja, e esta violên·
ela traz os 110mes de mortificação, abnegação de si
mesmo. desprendimento. renúnciaJ segundo o consi·
derá-la do ponto de vista negativo ou positivo. Con­
siderando bem seu pnpelJ a abnegação não é uma vir·
tilde- iiolada, à parte, mas: entra em jogo na prática

de todas as virtudeS- e aparece em todos os lugares
em que haja uma dificuldade a vencer e, em parti­
cular, quando se trata de dominar as paixões. E la é,
por assim dizer, a chavo d e todas as virtudes. Jt essa
sua função de primeira importância na vida espiri­
tual. - A mortificação tem por objeto, não a nature­
za como tal, nem mesmo suas potências ou mesmo
suas paixões como paixões., porém o que há nelas de
desordenado, Isto é, de cul pavel, de. perigoso ou mes­
mo de inutil.- Ela tem por i.inalidade, não ferir, m u...
tilar a nature,za, mas elevá ta. formá..Ja, fortifícá-lB
..

para a fa-zer produz-ir tudD o que nosso estado neces-

56-Mt. 6, 10.
67- Lc. 12, 4-12. - Jo., 15� 1S..Z"7; 181 1-1!!.

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J El s u s

•itar ou reclamar de bom, belo e elevado. - Por seu


objetof a m ortificação é interi or ou exterior, confor·
me se exerce sobre as fa cu lda des internas ou exter­
uas do homem; volunLària ou involuntária, segundo
no-Ja impomos liv-remente ou nos vem de f6ra. dt
lleus ou dos homens.
Tal é o sentido da mortificação na ascese de Nos­
ao Senhor. Ele a designa tambem como cruz, despre­
Jto de si me&mo. A doutrina da cruz assim entendida
dirige-se a cada um, sem exceção. Todos os homens
devem observar os mandamentos, evitar o pecado, re­
elstir às más paixões, cu.mprír seus deveres de esta­
do. Todos devem estar prontos para morrer antes que
c:ometer um pecado grave ou renegar a fé. Estas obri­
gações são por Jesus impostas, sem exceção, a todos,
que fazem profissão de discipulos seus e de segui·
rem sua lei.
A via de seus preceitos é ••treita (68); sua dou­
trina é um fogo, um batismo, uma espada (69); Ele
não nos veio trazer a paz-, porétn. a guerra. a separa...

çiío (70). Cada um deve tomar sua c.r112, levá-la e re­


nunciar a si mesmo (71). Cada um deve estar dispos·
to a perder um pê, uma mão, um olho de preferência
a deixar-se corromper ou causar ale mesmo escãnda·
lo (72), ou de corar, diante dos homens, do Filho de

68-lft. 7, �3.
69-Lc. u, d.9,
70- Lo., 1.2, 51. - Ml. 10, L'l.
71- Mo. 16, 24. - LC. 14·26.
7.2 - )tt, 13,8.

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24 P. MAURíCIO MESCHJ,E:R. S. J.

flomem (73). Aliás, só os violentos podem conquis­


tar o Reino do Céu (74). - A lei d a mortificação é
para todos, mas obriga em graus diferentes, segundo
as condições. Aos que pertencem ao estado religioso
e querem segui-Lo na qualidade de ap6stolos, Jesus
exige um desprendimento maior_� sem limítea� De·
vem deixar casa e bens {75)_. renunciar à fami!ia, à
carne e ao sangue (76), aos negócios do mundo (77).
e isso sem restri�o (78). O Salvador, sempre tão co­
medido, tão moderado em suél,S exigência$, ne-sta ma·
téria não faz reserva alguma., não c:opheçe limite al­
gum, pois se trata do serviço c;lo rcioo de Deus (79).
- A lei da mortificação é penosa e dura, mas Jesus
a suaviza com a promefiisa de grandes recompe-nsas: a
salvaçlto, o boro da alma, a partlcipaçâo de sua pr6-
pria vida e dos esplendores do seu reino (80) e, ain­
da aqui n a terra, o contuplo om pa� e alegrias {81).
A perda da vida t:omporal é compensada por abun­
dantes frutos de salva9ão t>ara nôs e para os ho­
mens (82). Há urna relação entre a mortifiea<f.i.o in­
terna e " mortificação externa, t:ambem indicada pelo
Salvador. AmbaS- são ne..c.esrsá ias, vis-to o corpo e a

73- ML 10, 33.


74- Mt. ..
11,12
75-Le. 9, 48; 10, to; li, 23.- Mt 10, �O; 19, 2L
76-L<:. 9. 60. - :M.t. 2 1 . 48; 19. 12.
77-Lo. D, 61!.
78- Mt. 19, 20.
79-L<:. 9, 60: ],2, 35. - Ml. 10, 29.
80- Lc. 9, 20·26.
81-Me.. 10, :U..
82- .To., 12, 24-.

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J E S U S 25

alma sofreram ambos os efeitos do pecado original e


poderem tornar-se ocasião de pecado (83). No entan·
to, a mortificação interna é mais importante por ser
ela a razão de ser da outra, porque, mesmo só, ela lhe
póde dar um valor moral (84) e, até 11m certo ponto.
tomar lugar da mortificação exterior (85). Esta deve,
3Jiâs, regular�se se�pre de acordo com as clrc:uns­
tâncias (86).
Ê esta a doutrina da mortificação; bem encarada
e bem compreendida, tem fundamento na pr6pria es­
sêncl,a do cristiani-smo, assim corno n a dignidade dii
nossa natureza racíonal. Quem quer que pretenda o
�'ltulo de cristão e a dignidade de homem deve fazer·
se. violência e. vencer·se. A própria mortiflc-ação vo­
luntária e os tormentos que os santos se inflingiram
pura grande escândalo do mundo justificam-se pelos
principias da U cr istã Seu fundamento repousa prin·
.

cipalmente sobre três dentre elos. Em primeiro lugar:


a queda original. Não maitt somos o que fomos e o que
deveríamos ser segundo os.planos de Deus. A corrup­
ção operada em n6s pelo peeado tutomunha 1\0S&a
queda e nos faz sentir, cada dia, aquilo de que sere­
mos capa,;:es se não travarmos uma luta constante
contra n6s mesmos. O mal é, para nõs. uma lei (87),
uma esp6cie de poder com o qual devemo• sempre

83 -Mt. 5, 28.
84-L<!. 11, 39.
85- ML O. llli lfti, 11.
86-Mt. 9, 15.
87-Rm.. 7. 21.

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26 P. MAURICIO MESCHLER, S. J.

contar (88), Ai podemos triunfar por uma outr<� lei,


por um outro poder. Tambem a abnegação de si mes­
mo deve ser geral, espalha r-se sobre todo o ser. A se­
gunda verdade sobre a qual se funda a mortificação
volun�âria c a Redenção do homem por Jesus Cristo.
.B Ele quem nos mostra como nos devemos libertar do
jugo do pe-cado; o meio não é outro senão a mortifi­
cação e a renüncia a si mesmo. Haverá coisa mais no­
bre e mais tocante do que impor-se voluntariamente
Lrma vida de penitência por amor e respeito a· Je·
5US e tendo em vista satisfazer a beus pelos peca..
dos dos homens? Enfim. a mortlfic�ção voluntária
funda..se na certeza de uma vida futura, em que -será
recompensado todo o bom feito ne&ta vida e especial..
mente todo sacrifício livremente aceito por amor a
Deus para oa hom ens (89). A re)lúnda do Cristo ele­
i dos filhos do sfculo. No
va..se beni -acima da sab edora
entanto, estes não hesitam c.m privar·se temporaria-­
mente de certos bon$ at'lm de gozar atnda mais em se­
guida. Um homem de condição modesta coonomiza e
trabalha penosamente paca desfrutar um agradavol re­
pouso nos seu5 dias de velhice. Do mesmo modo,
diz-nos S. Pa ulo, o lutador leva uma vida de priva­
ções, de abstinência, nfim de conquistar uma coroa
perecv i el (90). Conseguí-lo-ã? Nossa coroa nos foi
assegurada e é eterna (91). Ela, porém, é ndquirida
pela fé, por uma vida cristii. Para oo judeus a os pa-

88-Lc. 14, 31..


89-Ml. 10, 27.
90-Ct, 1., Cbr., 9, 25.
91 -1. Petr., 5, 4.

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J E S U S 27

'tãos, a cruz é um escândalo, uma loucura (92). Bea­


litude e renúncia são, na ascese do divino Mestre,
t1ois conceitos inse-paraveis e constituem a base do
U:vangelho: um deles e o meio, o outro é o fi-m; a
l(rnndeza deste fim justifica o dificuldade, a rigidez
do meio, ela o consagra e lhe empresta um marav1..
lhoso atrativo.
Dentre os meios exteriores (objetivos) dos quais
•e serve a ascese, e que são assínalados p•lo Salva­
flor_. uns são comuns e outros extraordinár-ios. Os pri­
meiros derivam do triplo mi.nistério da Igreja : dou­
trinai, pastoral e sacerdotal.
O primeiro meio é o estudo do dogma e da mo­
taJ. A fé, a lei, os preceitos. constituem a única re­
gra lnfalivel que deve dirigir a vida e os esíorçoa da
ttsceta. EJe devo, pois, esforçar...se constnntemente
por conhecer os principíos do dogma e. da mora:.,
dim de os fazer passar para a sua prôpria vida, como
diz-iamos maiS- acima;.
O segundo meio � a direção. Falo aqui menos das
que são impostas pela& autoridades superiores da bie..
rarquia ecleoiástiea do que da direção dada pelos 10U•
periores imediatos e pelos diretores espirituais. Deus
Pai e seu Divino Filho quiseram que o homem �e
deixasse dirigir para -seu fim por mtio de outros hcr­
mens, que a Igreja fosse governada por um c)le­
fe (93) ; esta disposição compreende os indivíduos re·
1ativameote a seus superiores imediatos. Na vida es-

92-1. COr., 1, 23.


9S - Mt. 16-1&. - Jo, 21, 15. - Mt. 18, 18.

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28 P. MAURICIO MESCHLER, S. J.

piritual sempre se eons-iderou como erro gTave não


se reconhecer- nenhum mestre e pretender seguir o
c-aminho que se traçou sem auxilio de nioguem. A pa·
lavra de nosso Senhor encontra «qui sua «pllcaçào :
"Quem vos despreza, a mim despreza" (94), e ainda
esta outra : 11 Se um cego conduz outro cegoJ ambos
cairão no precipício (95). Obedecer ao diretor de
sua conciSncia é. pois, agir de acordo com os prlncf�

pios do Senhor, como tambem é um axioma univer­


salmente admitido que, na vida espiritual, é necess-á­
rio deixar-se guiar por um outro.
Enfim, a graça e o terceiro meio exterior posto
à disposição do asceta. É uma verdade fundameptal
do Cristianismo que, na orde,m ea.piritua.l, nada so­
mos sem a graça santificante e nada podemos sem -a
graça atual. O estado sobrenatural consiste essencial­
mente na. posse da graça santiflc-ante, e nossas ações
que visam a salvação MO podem t�r valor senão as­
sisUdas pela graça atual. Ora, Nosso Senhor criou na
Igreja fontes de gra.., unicamente para que nela en­
contremos a vida e a atividade sobrenaturais. Como
sacramentos, Jesus instituiu o Batismo, que nos c:o�
munica a vida sobrenatural (96), a Peniténtia, que a
restitue àqueles que a perderam depoiS- do Batis­
mo (97)J e a santa Eucaristia, que a conserva, fortifi
...

ca e desenvolve (98). T-ais são 01 principais meios de

94-Lo. 10, 16.


95-Lc. 6, 39.
08-1\lt. 28, lU. - Jo. 3. 3,
.

97-Jo.r 20, 23.


9S- Jo., 6. 6•·59. - Mt. 26, 26.

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J E S U S 29

•dquicir a graça: é, portanto, a eles que devemos re­


correr afim de progredir na via espiritual. Sob um
certo ponto dt! vista, a oração é.ainda. mais importao·
to, pois dela sempre podemos fazer uso e ainda por­
que nos alcança todas as gra�as. Por oração não se
devem entender somente os oficios públic.o-s da
tg-ceja. mas ainda a oração feita em particular,
«1 vocal ou mental. O Salvador não deixou de nos
inatntir u e-ste respeito. Ele nos ensina. -antes de
tudo. qual deva ser o objeto de nossa oração e nos
propõe, para isso, uma fórmula de oração no Padre­
Nosso (99). Em seguida nos explica quais as quali·
dades que nossa oração requer. e apoia sua doutrina
noa motivos mais urgentes para nós, de orar, e a con·
rtrma com seu exemplo (100). Isso não < mais que
JU3ti�a. Mestre da verdade, de toda virtude e pieda­
de verdadeirasj poderia Ele- deixar de nos ensinar e
no& excitar a orar, -sendo a oração de m
i portância tão
grande na vid-a espiritual de cada um e na prosperi·
dado de toda Igreja! Ela é, na verdade, o grande e
universal foco da graça 1!: por ela, sobretudo pela
oração mental. que aprendemos a conhecer as verda·
des do dogma e da moral, sou fundamento, sua exten·
são, sua grandeza, sua bele%3, o que elas têm de. con·
•olador e aplicavel à vida quotidiana: imprimimo-las
fm nossa inteligéncia, em nossa vontade e nelas en·
contcamos, graças aos princípios recebidos da F�
uma direttiz invariavel em nossa vida. Tornnmo..nos

99-�U. 6, 9.
100 -Lc. 11, 1·13; 18. 1-8. - Mt. 6, 9-13; 7, 7-lL

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30 P. MAURICIO MESCHLER, S. ].

verdadeiros homens de fé e de virtude. Não há for­


maçi!o do coração mais sólida e facil que a operada
pelo oraçâo. Enquanto que a eJa nos. dedicamos; Deus,
por seu lado. no5 transforma em Sua imagem. Na
opinião do& �eologos, a prece mental é moralmente
necessária a todos aque:1es que aspiram à perfeição.
.E: a alta escola da virtude e da santidade.
As devoções pertencem â oração, são como que a
mão de. obra, Unem..nos .a Deus e nos atraem as ben­
çãos de sua graça. A grande devoção de Nosso Se­
nhor foi dirigida a Seu Pai Celeste, de quem fala
sempre com o maior res-peito. Ele é su a origem e seu
fim (IOI; e Ele não é senão o caminho que conduz
ao Pai (!OZ), seu enviado (103) ; sua doutrina e seu�
milagres são a doutrina e obra do Pai {104). Ele reza
publifamente e em particular (105). A missão de Je­
sus consiMe em fa•er conhecido seu Pai, honrá-lo e
glori.l:icã-lo. Cumprir a vontade do Pai é a regra so­
berana de sua vida (106). Tambem, como é justo, hon­
ra o Espírito Santo: Ele revela sua glória. e sua di­
vindade2(107); por ele ae deixa conduzir (108) e atri-

101 -Mt. 11-25. - Jo., 6, 58; 16, 27·28.


102- Jo., 1<1, 6.
103- Jo., S. 3*·
lM -Jo., r§, 19i 17, 16; 9, 4.; 10, 37; H, 10.
105 -Mt. 6, 9; 11, 25; 15. 36: 26, 27, - Jo. 11, U; 17, 1. -
Lo. 23, 46.
105-Jo.. 4. 34; 5, 30; 6, 38.
107 - Mt. 12, 32i 28, 19. - Jo., 3, 5i H., 16; 17, 26; 15, 26.
U: 20. 22.
lOS -Mt. (, L - Lo. 4., 18; 10, 21.

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J E S U S 51

bue-lhe os milagres operados (109). Estabelece e con·


firma a devoção à sua Santa Mãe, mostrando�nos soa
oantidade e dignidade como Mãe de Deus {110). São
essasJ precisamente, as deqos_ões que, depois daquela
de que � obj eto a divina Humanidade de Jesus, llào
as mais caras e doces à Ig-reja.
Dentre os meios exteriores de que dispõe o as·
ceta, citaremos alguns, tambe-m extraordinários. d�
que Deua não ê o autor ma.s por Ele permitidos, e que
são de grande importância na vida espiritual. Em pri­
meiro lugar e.ncontramos a.s tentações: combates da
vanguarda, batalha$ e armadilhas na luta espiritual.
O benefício em nós produzido pela oração, a graça,
a prãtiea da virtude, é observado na tentação. No&so
Senhor não 01l'litiu este ponto em sua ascese. Como
-ns tentações não provém unicamente de nossa má.
natureza� mas tambem do es-pirtto mau e do ;mundo,
Jesus nos adverte da tática usada pelo inimigo no
ataque e durante o combate (1!1). bem oomo oo es­
cândalos do mundo (112). Quis o Salvador ser El�
mesmo tentado afim de dar ao mundo, em sua pes­
soa, um modelo prâtico de ser imitado para resistir
às tenta�ões (113). Seria m·uito instrutivo observar.
no decurso da vida de Jesus, os processos que usam
para com Ele os espíritos infernais e a conduta

109 -Mt. 1.2, 28.


110-Lc. ll, 28.
111-Lc;. l�. 24-26: 22, Sl. - M<>. H, :$8.
112 -Mt. 16, 7.
113-Ml 4, 1-11. - Lc. 4, l·lS.

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32 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

observada pelo Divino Mestre relativamente a


eles {114).
As -p�r&eguições constituem um segundo meio
<Jttraordinário; representam na vida de cada fiel em
particular, ass-im como na da Igreja, um papel c.on­
sideravel. Nosso Senhor lhes reservava um lugar em
s ua doutrina e� ainda .aí, Ele nos serve de exemplo.
Prediz à Igreja toda a espécie de perseguições, n i u­
meraveis e duras (115), propondo-nos os motivo•
mais imperiosos para suportá-la.., com paciênci a e
corage m (116). E sta energia para suportá-la.s, esse
nobre amor à Cruz constituem o mais alto grau da
perfeição cristã, o cúmulo da generos idade_.� e um for­
midavel testemunho da divi ndade de nossa Religião.
À vida e spiritual ou ascese ai
nda p erte m� e a m ís­
tica, cujo obje to é uma vida espiritual super-ior e ex·
traordínhia.. � ela o ponto culminante da aseeae e
consiste num grau de luz e de força, cuja medida ul­
trapassa a de uma graça comum. Sob a única influên­
cia de socorros divinos espeeiais. extraordinãrios, o
fiel é levado a uma união estrolta de $Ua inteligên­
eia, de sua vontade, enfim. de todas as suas faculda­
des com Deus. Neste estado� a alma é bem mais pas..
siva do que ativa e. de sua união com Deus, ela
tem, não somente uma certeza moral, mas como
que um sentimento intimo. A s operas: ões desta ex·

114- Lc. 4. Sl-l!S. - Mo. �. 2-13.


116-Lc. 11. 22, 37; 21, 12-lll; 22. aa-37. - :t.tt. 6, 1o-U;
.24, 9-2.8. - Jo., 16,1-5.
116- Le. 12. 1·12. - Jo., 15, 18, 27

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J E S U S 33

traordinãria vida espiritual compreendem todos


os gráus da oração e da atividade superior do
alma. desde a contemplação atê- às visões. às apa·
rições e outros fenômenos- produzidos, não só nn
própria pessoa, como tombem fora dela. Nosso Se·
nhor nada nos disse ou ensinou e><plicita ou detalha·
damente sobre esse estado de vida espiritual. Ele se
limita apenas a indicar sua existência e nature1.a em
palavras misteriosas que nos foram legadas por São
João (117). Não nos oferece tão pouco nenhum meio
infalivel de obter essas eapêcies de favores, unica4
mente pot"que esses meios não existem, tudo depen·
dendo e:tclusivamente do agrado de Deus. Aflm de
nos prepararmos. e:ontarno& somente com os meio!
gerais de que dispõe a ascese.
Vem os aqui, em linhas gerai$. a ascese do Salva­
dor: simples e sublime, clara e cheia de profundo�
mistérios1 de acordo com a nature..ca e estendendo·sc
a todos. Corresponde a todas as necessidades do es­
pírito e do coração, a todas as aptidões, às mais mo­
destas como às mais elevadas. É majestosa, verdadel­
ramente divina em seu fito meios. efeitos e frutos.
É poderosa sobretudo pela graça que traz em si, e
pelo e.xemplo de Cristo que dela é o autor. Tudo o
que é ensinado pelo Mestre encontra sua confirma�
çio no exemplo do divino Modelo. Ele mesmo, sua
pessoa e sua vida são a. expressão de sua doutrina.
Ele é o caminho, a verdade, a vida (118). Em sua

117-Jo. . 14. 23.


118- Jo., 1, 1L

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34 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

pessoa se resume a Revelação e a virtude que deve·


mos praticar. Em .sua vida, a virtude tira dii. majes·
tade e dos atrativos de sua pessoa uma força conqui&·
tadora; em sua Paixão, triwúa doa assaltos do-mundo
e do inferno : em sua �e�surreição, alcança a palma
da imortalidade para si e para todos aqueles que a
seguem. Jesus Cristo ê o autor_, o modelo e a reeorn �

pensa da ascese cristã, e esta não é outra -aenão a imi­


tação de Nosso Senhor.

De tudo o que- foi exposto, tiremos algumas con·


sequências .


...nos facil, agoPa, distinguir a ascese verdadeira
da falsa. Os princípios dados estabelecem o limite
que separa uma da outra e permitem discernir o ca ..

rater exato de cada uma delas. A falsa ascese supõe


erros filosóficos e teológicos, e sua doutrina •• ba·
-seia neles A ascese varia conforme as idéias que- os
.

homens e o mundo fazem de Deus. É isto que teste ..

munham todos os sistemas ascéticos -antigos e moder-o


nos, os dos Platônicos� dos Estoicos, dos Epicur-ís­
t-as, dos Céticos, Neoplatônicos. Gnósticos, Mani·
queus, Fadseus, Saduceus, Budi&tas, Bramanes, Par­
.sis. das seitas -protestantes, rqeionaliGtas., pantcistaa,
materialistas e jansenlstas. Da mesma forma, e isso é
um fato muito certo, uma ascese ê falsa quando, por
qualquer motivo� entra em c onflito com a razão, .a
conciência ou os deveres de estado. Uma falsa ascese
é aquela que. se desvia de sua verdadeira finalidade�
especialmente no que se refere à mortificação, pois

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J E S U S 35

dela faz, não um meio, porém um fim, forçando, des­


ta maneira, a natureza e suas faculdades.
Ainda é falsa a ascese que :Somente encara um
lado espiritual, não admite e não emprega senão um
meio em prejuizo do conjunto, não regulaJ;iza senão
o exterior do homem se,m se preoc u par com o inte·
rior, ataca somtnte uma paixão e deixa as outras de
lado, d�seja bem orar e roeeber os sacram ent os, ln!IS
não vencer-se. Perigosa é a ascese que pretende agir
em liberdade, sem direção, e guiar os negócios pela
violência e por meio de cabeçadas. Fatal ainda se
p6de tornar uma certa tendência mistica em ascese.
De-spreza-se e negligencia..se a sã e sólida -formação
do e-spírito para se aplicar inteiramente â d a vontade
e, sobretudo, do sentimento. Na vida espiritual dá-se
uma importância injustificavel ao que é extraordiná­
rio e_� em geral_, aos fenômenos em que a vontade fica
mais ou menos Inativa. Pretende-se atingir facilmen·
te o termo elevado da união com Deus, sem se ter
previamente purificado o coraç-ão e praticado gran­
des mortifica�ões. Enlim, é uma pretensa ascese de­
bilitada, enervada. inteiramente de conformidade com
o espirito moderno, e quão lame,ntavel e dig11a de pie­
dade! Em nossa época de nevrose. não mais se podem
suportar os·meios enérgicos e cfica.zes na aseeso an­
tiga. Impressionantes meditações sobre o peoado mor­
tal, a m or te, o inferno; princlpios vigorosos, preci­
sos; atos de verdadeira pobreza e humildade: pedir
isso seria, hoje em dia, elevar-se a pretensões exage­
radas. Tudo deve ser facil, ag:radavel, cômodo, ir por
si mesmo. Desejam·se, não meios, porém pequenas as·
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36 P. MAURtCJO MESCHLER, S. ) .

túeias. não um tratamento curativo, porém um regime


calmante. Consistirá em doces devoçõesinhaJS, etn bo­
nitas ninharias que se reputarão piedosas. Em muitos
pontos a moda tombem t�m sua ação nas coisas espi­
rituais, como nos hábitos : muita aparência hoje em
dia.., porém pouca realidade. E absolutamente necessá­
rio, em ascetismo como em ci!ncias e artes religiosas,
recorrer aos antigos se é que -se deseja algo de sério.
Uma segunda conclusão a tirar é a alta importân·
cia da ascese para cada fiel como para a Igreja e o
Cristianismo. Este é vida, e a vida é o exercido. A
ascese é um exercício e, por conseguinte., ela é o
Cristianismo verdade-iro, integral, vivo, T-ambem a
virtude, a pureza, o espirtito reUgioso, a. energia, a for­
ça de resistência e de difusão, em uma palavra, o e.s·
pírito cristão no povo, clero c ordens religiosas, me­
dem-se ·e,.atamente pelo grau em que o ascetismo é
praticado. Ê por meio da ascese que a Igreja é � que
ela é : o fermento da humanidade. a luz do mundo, o
.sal da terra. Ela seria inutil sem a .ascese: esta é sua
alma, sua força. como o era para Sansão sua misterio­
sa cabeleira. Enquanto conservar esse segredo de sua
força, será invencível. A história o prova, stmpre .ft
Igreja foi renovada graças aos santos e><erclcios da
orasão, às Ordens Religiosas e aos seus Santos. Tudo
isso é do domlnio da asc.ese. Foi a ascese que deu os
grandes homens que dilataram o Reino de Cristo, ho­
mens de Deus, educadores, renovadores do mundo. A
ascese é a pátria� a verdadeira ilha dos santos..
Se assim é, preciso se faz que nos re_gosije:mos
com tudo aquilo que póde aumentar em nós a. ascese, 6

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] E S U S 37

preciso aceitar com alegria e adotâ�lo como um meio,


com ardor e amor. Nisto consistem os •'Exercicios
Eapírituais de Santo Inácio", quer sejam eles apre�
sentados sob a forma de retiros para particulares ou
grupos de fiéis, quer sejam prégado& 110b a forma de
missões. Missão não é outra aoisa senão um retiro se·
guído por todo o povo. Os .....ExerclcioS-'' são, em
sub•tânGia, um sistema logicamente ordenado, apre­
sentando a todos, num encadeamento natural, as ver­
dad� da salvação e instruções práticas que tem em
vista renovar, elevar e fortificar a vida espiritual.
Sua finalidade exclusiva é a a.scese. É isso que far
um teologo (119) dizer que os uExerdcios" são pata
o mundo inteiro unt npviciado da vida espiritual.
Efetivamente, assim tem sido sempre. Foram eles, na
mão da Providência, não somente para uma multidão
dl.! fiéis isolados pertencentes a todas as condições�
um meio de se edificar, de se salvar, de se santific-ar,
como tambem o instrumento poderoso da r eforma
realb:uda na Igreja desde a apostasia protestante. ll:
graças a eles que. em grande parte, o mundo cristão
ae regenerou e revestiu-�e de uma mais perfeita for­
ma, Reunem numa admiravel ação comum os mais po­
derosos meios de salvação que nos oferecem a Reli­
gião e o Cristianismo. Neles existem, não s6 a força
da fé, como trunbem a força das verdades da salva­
ção, que nos são apresentadas num encadeamento
todo psioológieo. Há neles o poder da oração e dos
sacramentOs1 o poder da graça divina cooperando

llV- SUARFJ:Z, ;'De reU�one 1100. Jesu", I, �� O. JL 2.

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38 I', MAURíCIO MESCHLER. S. J.

com a ação do homem. Podem-se c até devt}rÍl se espeo4


..

rar deles frutos benfazejos. Nos últimos tempos, a


Alemanha tem sido por eles benef;ciada. Se a onda
devastadora do Kulturkampf encontrou no clero e no
povo alemão tllll ro chedo inquebrantavel contra o qual
seu furor se veio quebrar. os homens que refletem sa­
bem bem qua1 a origem deste baluarte. 11 Começo a re­
cear - dizia um dos mais notilveis prelados da Ale·
manha pouco antes de surgir o Kulturkampl co­-

meço a recear quando considero tudo o que entre nós


fiJ<eratn, e fazem ainda para fortificar a Fé, as gene·
rosas iniciativas de um cler o sério e o esforçO aben­
çoado de tantas comunidades que surgiram do nosso
solo, pregando por toda a part� as missões e os Exer ­

cidos espir-ituais: sinais tão maravilhosos são pre­


cursores da perseguição (120). "Aquele que ouve
.

minhas palavras e as põe em prática assemelba-se ao


sábio que constrói sua casa sobre o rochedo. A chuva
caj, as ondas se enfurecem, os ventos sopram com i.m·
petuosidade sobre esta cas� porém ela perm:mec:e de
pé porque está edificada sobre a rocha", (121).

120 -BAUDRl. •1Dt'..r Ert.blschof von 1(01n .Joh. v. OEJSSEL,


252. "'fl PCillE. KardlnoJ �. C<!!saol n, FrlbllrgO,
1896, 957.
121-Mt.. 7, 24-25.
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CAPiTULO II

A PEDAGOGIA D E NOSSO SENHOR

O Evangelho é uma escola onde quom quer ••


póde instruir. Tudo se p6de aprender nela, até mes­
mo a arte das artes: a da educação.
� um estudo fecundo e não sOmente um agrada­
vel passatempo folhear, comparando-os, o Evangelho
e um bom manual de pedagogia: por aí se vé como o
Mestre satisfaz a todas as exigências desta arte tão
delicada que 6 a educaçS.o, e no� oferece, em sua pes­
soa, o mais perfeito modelo de educador.
Neste estudo trataremos sumariamente das qua..
!idades requeridas para um bom educador, do méto­
do a seguir, enfim, dos frutos a colher. Esses trê&
pensamentos formam como que � fundo do qual se
destaca a fífura luminosa de Cristo.

Aiim de executar sua mJSsao tão importante e.


tão elevada, o educador deve ter aptidões especiais,
que podem ser reduzidas a quatro principais: deve

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40 P. MAURíCIO MESCHLER, S. ].

possuir autorídade sobre seus alunos, amá-los, tratá...


los com prudência e de&interesudame.nte.
Inicialmente� a autoridade é indispensavel ao
mestre: educar é formar o homem, totnâ-lo capa2 de
atinglr 6C-U fim, ora nisto consiste propriamente sõ .a
obra de Deu •. Num certo sentido, a educação é uma
contitauaç:ão, um remate da criação, e os homens só
podem nela tomar parte con 1 o instrumentos de Deus.
Os educadores naturais) istG é, os pais, os mestres ao-s
quais confiam seus filhos e,. aflnal, a Igreja, recebem
sua autoridade ôe Deus e é ent seu nome que exercem
suas funções. Devem cons-iderar-se como estando em
seu lugar e, em nome dt Deu-s, exigir da criança res­
peito, obediência, confiança e afeição; devem, tanto
quanto estiver no poder do homem, repre�elltar pe..
rante seus alunos o divino Modelo, tanto nos seuô
sentimentos coma em sua maneira de agir. N1sto con·
si&te a verdadeíra autoridaãe. Como esta condição
foi preenchida rigorosamente., inteiramente, de um
modo tão sublime por Noaso Senhor t Não somente
nos foi Ele dado por Deus para meatre. como t-am ..

b�m Ele próprio é, ao mesmo tempo, Deus e mestre.


"Este e o meu Filho bem amado, ouvi-o·• (1).
Exercendo sua• funções como educador. Jesu" sem·
pre reivindica sua missão divina: uMinbo doutrina
não vem de mim.., mas sim de meu Pai" (2) ;
"Quem me vê, vê o Pai" (3) ; ..Vôa me cha-

1-Mt, 17, 5,
2- Jo., 7, tb.
3- Jo 14. v.
••

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J E S U S �1

mais Senhor e Mestre, eu o oou" (4); "Há um que


.
ê vosso Mes-tre; Cris-to" (S); . Eu sou o caminho� .n
verdade, a vida" (6). Eis, pois� o verdadeiro Deus
vivo, n infinita sabeàoria do Pai que, desde .a origem,
criou o g·ênero humano, o tem conduzido e dirigi..
do (7). Por intermédio da educação dó como que uma
ultima demão em soa obra criadora.
Mas, precisamente porque está no lugar de Deu&
� dos pais e, em seu nome, ped" confiança e af.eição à
cl"iança, o me>tN tem obrigação de, ele próprio, amar
a juventude, a idade em que o homem se forma e edu­
ca� Quem não tiver para com as crianças um amor
todo especial, este não é t alhado para a educação;
desempenhará seu pap el como empregado vigilante.
nâ,o como educada.r. Sem eata. amUade, o mestre não
t.aberia representar Deus nem oe pais, e não obteria
nenhum resultado satjsfat6rio. Afim de ter sobre o
aluno uma -influência educc.�dora. deve, antes de tudo,
obter seu amor t confiança. Ora� sô o amor produz:
amor- e, por isso. é necessário qQe o coração do mes..

tre esteja cheio de a:fe.ição e: que esta se t.raduzt�. em


palnvras c ntos.
Que modelo admiravel ainda nos oferece nosso
Senhor ! Seu coração sempre estava cheio de ternu­
ra. Essa ternura transbordava de toda� as maneiras
quando se dirigia aos homens (8), sobretudo àqueles

•- Jo., 1S, lS.


5 -Mt. 2S. 10.
6-Jo., 14, 6.
7 -Snbcdo<lll, capltuloo 9. 10. 11.
8-Jo.l 18, 1; 15; ii--lS.
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42 P. MAURfClO MESCHLER, S. J,

que tinham necessidade de .socorro, e., mui especial·


mente, aos pequeninos (9). Um dia, �numerosas mu·
Jheres levaram-lhe seus filhinhos para que Ele os
abençoasse� Essa benção era o único benefício de or·
dem espiritual que os inocentinlms estarinm eÍn con..
dições de receber do Mestre. Os Apóstolos, vendo a
multidão consideravel de crianças e sabendo que J�
sus tudo fa•ia com perfeição, pensaram que não havia
motivo para o fatigar por tão pouco e quiseram desp�
dir e.stas mulheres. O Salvador, porêm, censur-a-os,
faz aproximar as crian;as, prodigaliza-lhes provas de
uma afetuosa ternura e pronuncia estas me.rnorav-eis
palavras: ''Deixai vir a rnim o& pe.que.ninos. porque
deles é o ;Reino dos Céus" (10). Belos motivos para
reweharmos e amarmos a infânc-ia! Ele vê nessê"s pe·
quoninos seres os favoritos dos Sanros Anjos <11) e
do sou Pai celeste, seus próprios irmãos e coherdei·
tos de se\J Reino., ao qual já têm direito pela graça
santificante, e contempla as magníficas virtudes que
ornamentam suas inocentes almas. Vê de antemão
re.ali!:adas .as sublime-s aspi:rações que dormitam nes­
tes jovens corações, contanto que uma boa educação
as desperte • dirija. O bom Mestte vê, tambem, a per­
da, a ruína quo traria a falta de educação ou educa­
çâo defeituosa. Vê as conspiraçõos satânicas trama­
das por esses antigos sedutores, o inferno e o mundo
que só podem executar seus planos de uma maneira

U-Mt. 11, 5, 28.


lD-Mt. 19, '14, - LC. 18, Hl.
11- Mt. 13, 10.

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J E S U S +3

duradoul"a por moio da corrupção do infância (12).


Jesus v� tudo isso •· para proteger seus pequenos fa·
voritos, em sua terna &olicjtu,de inclina-se sobro eles..
toma-os nos braços., esconde-os. por assim dizer, em
seu cora,iio, e os abençoa afim de os defonder dos
perigos.. Quanto bem se tem feito à inf-ância somen­
te pela virtude destas palavras de Jesus! Quantos ho·
mens que nelas se inspiraram, votaram às crianças seu
coração e os esforços de sua vida. inteira I quantas oa4
as
s de educação, quantos asilos protetores fizeram
elas brotar da terra! Pelo n1enos, essas palavras do
Salvador devem inspirar -a todos os educadores uma
afeisão profunda, uma grande venerao;ão para com
seus alunos. Em outras passagens do Evangelho ve..
mos que_... por seu lado, as criancinhas gostam de v'ir
encontrar-se com jtsus, sentem-se à vontade em sua
preaença (13), nele vêem um coração que os ama o
lhe3 deseja um bem imenso. Assim deveriam ser to·
dos os mestres!
Do amor nascem compaixão, doçura, paciência.
Ora., e.m con5equência da fraqueza da infância, de sua
inconstãnc.ia, de se-u carate.r superficial e voluvel.
como tambem dt!vido à inépcia de certos mestres, a
obra educacional torna·se extremamente dificultosa.
O educador deve, se deseja atingir a meta, prover·&�
de uma paciência inesgotavel, paternal_, no verdadei­
ro sentido da palavra.. Segundo Sto, Tomás, um mes·
tre, um preceptor merece, de algum modo., a coroa do

12-Mt. 1/t, B, 7.
13 -Lo. o, 47. - Mt. 18·2, - Mo. 9, 35.

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44 P. M.AU!{iCIO MESCI-ILER, S. J.

'
martirio pela paciênda que deve usar. Que paciê.n�
cia, que doçura demonstra o Salvador na edu cação do

seu povo t Ele ê paciente com seus discípulo& de es­


pfrito inculto e pouco doeU (14), com o povo impor­
tuno, rude, interesseiro {15)) c:o,m os maiore.s indife­
rentes e egoístas (16). Ele � paciente mesmo para
com seu Pai celeste. que lhe re.gateia as vitôrias com
lentidão e parcimônia. No meio de tantas dificulda·
dO$, o Salvador raramente. •• queixa (17), não pre·
tende modifi car repentinamente as circunstâncias.
Cada um p6 de. com toda a liberdade, " Ele recorrer e
dispor de sua caridade e de sua paciência. Aliá.s, o
Profeta já anunciara es.e c<1rater do Messias (18).
Esta paciência, essa condesc:endência não tinham por
fonte unic-amente a men2a
i bondade de seu coração
que, dia'\tc de um infortúnio (19). mesmo tempo­
ral (20), fatia saltar lágrimas de seus olhos e. sabia
suavizar uma censura, mesmo quando merecida (21),
pela piedado do olhar ; elas tambem lhe eram ditadas
por sua sublime inteHgência e sabedorla. 86 elas aon­
dam o abísmo da fraqueza e fragilidade humanas. Era
Ele paciente e mísericord1.osoj não iomente porque

U -Mt. IS, SB; 15, 15. - At. 1, 6.


16 -Me. S. 10; 5. 31, - Lol. O. 1. - Mt, H. 1�. H, -
Jo., 6, 26.
16-Jo.. 7. tB.
17 -Me:. 8, 17; 9, 18.
lEI -:Mt. 2·11!.
1 - taatar.� c:. 4.jt

19 -Mt. 9, 3�. - Lo. 19, 4:L - llalu, 61, :J..


f.!O -Jo., 11, 35.
21-Mc. 3, 5.
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J E S U S 45

era bam, mas tambem porque era sábio. A- m i pactên­


cia sempre careee de sabedoria e de habilidade: des­
conheee os homens e não os torna melhores. Nada faz
de bom, mas fat multo maL A paciência produr; obra
perfeita (22). Não podemos, oomo Jesus, fazer mila­
gres; mas podemos pôr em prática a paci6ncia, e esta
produz. entre os homens_, efeitos quasi que mirac:ulo·
sos: dâ prestigio, conquista os corações. tem a ben·
ção da Cruz, sem a qual nada se faz.
A terceira qualidade do educador ê a prudência
no .elo. A prudência cristã tem por finalidade o bem
e toma, para lá chegar, os meios apropriados. lt a pri·
meira virtude daqueles que têm homens para dirigir ;
sem ela não podem eles atingir seu fim, seu trabalho
seria improflcuo. Deles Deus niio se p6de servir em
matéría de educação nem para n�nhum outro minis­
tério. O conhecimento dos homens, o domlnio sobre
suas próprias paixões, a refle.xão, a oração devem
acompanhar e au...'ltiliar a prudência. Com que sabedo­
r-ia e com que prudén cía Nosso Senhor lidou com aJ
pe.ssoas e. as coisas! Que sábia medida observa Ele
instruindo os homens e dita.ndo-lbes os devere$ (23) l
Que moderação quando trata co1n seus inimigos (24),
mesmo quando o 2010 o leva a repreendê-lo3l Lem·
bremo..nos e comparemos as duas cenas em que Ele
expulsa os vendedores do templo (25). Era a própria

22-Jac. 1, 4.
23 -ltfc. 2, 18; 10-19.
Zf- M:t. 12, 11>·21; 14, 13.
26 - Jo., 2, 14-19. - Me. ll, 16·11.
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46 P. MAURiCIO MESCHLER, S. J.

circunspecção para evitar qualquer falsa manobra,


qualquer situação penosa, coisa importantissima afim
de sabiamente governar (26).
Um outro traço magnífico do carater de Jesus é
o desinteresse, a integridade perfeita. Ensinar, edu­
car não é para si tll1l mister, é uma fun�ào muito �le·
vada, é o sorvi!io do prõprio Deus quo lhe foi impos·
to por seu Pai para sua glória e salva�o dos homens.
Esta função d� mestre, de preeeptor não traz a Je­
sus Cristo proveito material algum, dinheiro algum;
ela não o dispensa de ter de recorrer -à caridade dos
homens para poder viver (27) ; e, afim de pagar o
módico imposto do templol necessário se lhe toma
fazer um milagre (28). O que Ele ensina, Ele mesmo
o pratica sem restrição: a pobreza (29), o desprendi·
menta completo {30), trabalho {31), amor ao• inimi­
gos (32) 'à humildade (33), à cruz (34). Tambom p6de
livremente e sem receio exortar e julgar, elevar a voz
para dar testemunho em favor da verdade e da jus­
tiça. E assim age em todas as circunstâncias. É a sin­
ceridade, a Imparcialidade, a justiça personHicadn.
Na pequena discussão entre Marta e Maria, não dá

26-ML H, 22. - Le. 8, 3·9; 9, 52. - Mo. 8, 26.


27- Le. 8. 3. - .ro. 12, 6,
28-ML 17, 23.
29-Mt. s-) 20.
30-ML 3, 13. - MJl. 3, 33.
31- Mt. S, 24. - .ro., 4, 6.
32-Lc. 22; 51; 23, 34.
33-Le. 7, 23.
34-Lc. 12, 60; 18, 31. - Mt. 16, 23.

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razão à fiel e serviçal dona de casa (35). Desvia com


doçura, porém com firmeza, o pedido indiscreto da
mãe dos Zebedeus (36). Tambem não poupa seus pa­
r•ntes (37) nem pessoas infEuentes (38). Seus pró­
prios inimigos reconhecem que Ele é verídico e en­
-sina o caminho que leva a Deus.. sem se -preocupar
com os homens. sem dar prreferência a quem quer
que seja. Nasceu Rei da Verdade (40), e é o ideal
perfeito do mestre e do educador.

li

Aplicou Mtas magnífica• qualidade• a um méto­


do de educação consumada.
A arte do verdadeiro etl!Uéâdõt llbrangé quatto
pontos: a finalidade da educasão, a natureza e o ca...
rater especial do -aluno, os meios a empregar e, enfim,
o modo de aplicar esses meios..
A educação tem por fim pôr o homem em condi­
ções de atingir, primeiramente, sua finalidade prõ­
xima, temporal, isto é, a posição, a condição que ele
deve ocupar na Igreja e no Estado; em seguida, de
o fazer atingir ao grande e último fim: a salvação, a
bemaventurança celeste. O bomem não deve ser edu­
cado par-a si mesmo, pois não constitue seu próprio

36-L<:. 10, 38.


�G-:Me. 10, :!fi. 36.
37 -;t.fc. 8, 4. - r..c. 4. 25.
38- LO. 9-42; p, 32; 14, 7.
30 -:M� 2.2, 16.
40- .ro, 18, 37.

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48 P. MAURiCIO MESCHLER, S. J.

fim. Os que o educam não se devem contentar em tor·


ná-lo util a seus semelhantes ou ao Estado; não de·
vem limitar seus objetivo:; à terra, necessário se tor·
na elevá-los até ao c6u e tudo deve contribuir para
fazê-lo atingir esse termo sUpremo. O homem existe
para gojZar da felicidade celestial e, para isso, deve
ele trabalhar aqui na terra de acordo com SlJBS força•
e sua posição na Igreja e no Estado para o bem dos
homens e a glória de Deus, cuja vontade ele cumpre-.
Esta subordinação do fim porá ordem e unidade nos
esforços do educador. Jesus, com muita insist�ncia,
frisa esse grande e eterno !im � o apresenta como re·
compensa aos trabalhos desta vida. ,.Que serve ao
homem ganhar o mundo inteiro, se perde sua al­
ma!" (41). "Aquelo que ama sua vida, perdê-la-á;
aquele que a odeia, salvá-la-á (42). Ao homem que co­
locou súa vida e seu coração em suas riquezas1 acres4
centa Ele: '"Insensato, esta noite tua alma ser·te-á
reclamada e a quem, então, passarão todos os bens
que adquiriste?" Todo aquele que conquistou tesou·
ros para si próprio não passa, aos olhos de Deus, de
um indigente" {43).
Em segundo Jugar1 é de suma mportância.
i em
matéria de educação, conJ:u!lcer·$e bem aquele qu� se
vai educar. Uma formaçã.o sã e séria deve adaptar-se
à naturOjZa, à• disposições e necessidades do aluno e
tomá-las como ponto de partida. Um aluno é um ho·

u-Mt. 16, 26.


4.2 - Jo., 12; 25.
�3- Lo. 12. 20. u.

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J E S U S 49

mern. orn o homem ê ser de uma dignidade prodig'io·


sa: é a criatura, o filho, o representante de Deus no
mundo visível. Sua -alma, seu corpo. são dotados de
vârias e admir2veis qualidades: é imortal e livre. No
princlpio ele era completamente bom, deixou de o
s�r de-pois do pecado; sem dúvida alguma� não se ter·
nou comp1etamcmte mau. mas está sujeito a muitas
Inclinações. paixões perig osas e desordenadas, que
devem ser domloada,s e governadas pela vontade. Elo
é, pois� suscetível de ser educado e tem necessidade
de o aer. O que há nele de mau deve ser reprill}ido,
abafado e, ao contrário, é preciso -semear e cultivar
o bem em seu coração. Será obra, menos do constran·
glmento externo do que da direção do mestre e da
iniciativa da crinn�a. Não se deve abandoná.Ja sem
freio à sua libordade como, tambem. não •• lha deve
tirar: a grande arte da educação consiste, ao co.ntrâ­
rio, em ens-inar à criança o uso moderado e nobre dt
sna liberdade.
Segtmdo o modo de agir do Salvador. encontra­
mos esses princí-pios aplicados com um tacto perfei­
to. Vê Ele, no homem, o filho de seu Pai Celeste (44),
e o trata tom o maior respeito (45). Admite-o em sua
escola tal como ele- se apresenta, com sua inteligên·
cia, vontade, imaginação, corpo e alam; a tudo isso
se estende sua ação educadora. provam-no sua� pala­
vras. Jesus tem em conta a liberdade humana e doia
Faz a apelo para tudo, tanto para o cumprimento de

44-Mt. 5. 4.!5; 6� 9; 2S, 9.


45-llfc. 10, U.
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50 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

rigorosos preceitos (46), como pata os atos de gran·


de perfeição (47). Denuncia tambem, com franqueza,
a presença do ma) n,e home.m e é esta a razão porque
prega -sem cessar a morrif-:ica_ção e a abnegação. Rarlls
questões foram por Ele mais frequente e instante·
mente recomendadas que .a da educação e da forma·
ção de si me$1"11o (48) (49).
Como meios de educação o Salvador propõe: o
ensino. a recompensa e o castigo, o exercício da ciên·
cia adquirida. Todos esses meios foram por Ele em­
pregados continuamente e da maneira mais sábia t
feliz.
O ensino de Nosso Senhor visa o fim e os meios

I
de atingi-lo. O Iim ú l timo é o céu, rinalidado toda
ela sobrenatural ; os meios deverão sé-lo tambem.
Como meios subjetivos Jesus recomenda -as virtudes
sobrenaturais de que somos enriquecidos pela infu­
são da graça santificante e, em particular, pelas viT·
tudes teologais de Fé, Esperança (50) e Carida·
de (51) para tom Deus e o próximo (52). Dentro as
virtudes morais, o Mestre nos assinala mui especial�
mente a pobreza e o desprendimento dos bens tem·
porais ou materiais (53}, a pureza do coração e do

�6-Mt. 9, 17.
4:7- Mt. 19, 21.
48-Mt. 16. 2 4. - l...e. 9, ZS; .17, 33.- Jo., 12, 23.
49-Mt. 7, lU. - Lc. 18, 24.
50- Me. 10. 16.
51- Jo.. 16, �.
52- Me. 12, !tO.
6:S- Mt. 5, :S; 19, 29,
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J E S U S SI

corpo (54), as obras de misericórdia (SS), o amor aos


inimigos (56) e o amor à cru:z (57). Como meios obje­
tivos Jesus menciona os mandamento!< de Deus (58),
que constituem o caminho direto para o céu, em se·
guida as fontes da graça, Sacramentos (59) e ora­
ção (60). O emprego desse s meio• não esta entregue
ao capricho de eada um, mi'ls su bordi nado ã dire�ã
o da
autoridade eclesiástica. Cristo estabelece u este po..
der, fixou sua tarefa e a extensão de sua jurisdi·
ão
ç (61). Tals são os meios de educação que Nosso
Senhor nos propõe e que El� próprio aplicou.
tnstrue·nos em cada ponto deste programa, e
seu ensinamento é atraente, persuasivo, adapta-se a
todas as nossas faculdades, inteligênci� imaginaç- ão,
vontade, sensibilidade. Jesus apresenta..nos o céu
como o palâc-io magnifico do Pai Celeste compreen­
dendo num erosos apartamentos (62) ; é a gra11de casa
familiar (63); u m esplõndicilo festim de núpcias, no
qual tomam parte numero&os convivas (64), é o grande,
o e terno reinado (65); numa palaVt'a, o céu e o lugar

54-Ml. 5, S. 38; 6. 22; 10, lll, 12,


�5-Mt. :i, 7.
�6-5. u.
57 -Ml. 5, 10.
58 -ML 10, 17.
511-ML 28, 19, 20. - Mt. 16, 116.- Jo., 6, M.- Lc. 22, 19.
60-Lc. 11, 2: 18, 1.
61-Mt. 1s, 1s: 1s.1s.
62 - Jo., 14, 2.
63-Lc. 13. 25.
M-Mt. 22, 2 . - Lc. 14, 16.
66 -Mt. 5, 3. - Mo. L, 14,
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52 P. MAURICIO MESCHLER, S. J.

de todos os esplendores, de todas as honras, de todas


as verdadeiras alegrias. E este reino. Ele o promete a
todas ao vlrtudu (66), à boa ação, a mais insignifican­
te (67). "Mantem a vontade em exercido pelos mais
b�los motivos e tudo lhos fornece, tanto na ordem
natural c.omo na sobreneturnl; os princípios de bom
oenso, de sabedoria prática (68) como tambem as con·
oidera�ilu da mai" alta perfeição (69). Algnmas ve­
zes estes motivos são de ordem exclusivamente natu­
ral (70). Quer ele tornar o homem bom tanto no seu
fundo como em tudo o que ele é, quer orientar todas
as suas faculdadu para o sobrenatural. Por aí quer­
!191 Ele mostrar o açordo perfeito entr� a oatureu e a
graça, honrar a primeira, elevá-la para a verdadeira
virtude sobr enatural e perfeita. Tambem não exige
que o homem renuncie a suas paixões naturais e as
e.xtirpe. Áo contrário� acha que deve conservá·las
mas dirlgindo..as, enobrecendo·as, propondo-lhes uma
f'malidade certa, eterna. e usâ·las como in.strumento
e meios para atingir esse fim (71). Isso constitue
uma particularidade d11 lei cristã e da educação do
homem por Jesus Cristo. Ele não llmita oeu ensino
aos preceito s que proibem o pecado ou ordenam o
cumprimento dos estritos deveres; dá, ainda mais,
conselhos, impele à perfeição e abre. assim, uma car­
reira sem limites .aos eliforços da liberdade e às no--
66-M� O, S.
67 - :Me. !), 40.
88- M\. 5, 47.
69-Mt. o, •s:
70- Lc. H, 8; 18, 8. - ML 7, 12; 20, 53.
71 -Ml 10, 2a; 18, 8, 4.
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J E S U S 53

bres aspirações do homem. Jesus quer formar o ho­


mem pela generosidade,
pela magnanimidade. O
Evangelho está cheio de conselhos sublimes de por­
feição no sentido mais vasto (72). Estabelece mesmo
um estado para aqueles que aspiram à perfeição cris­
tã (73). Que tacto, que discreção há no seu ensina­
mento! Quantas coisas poderia Ele revelar e da.s
quais não dU uma palavral Contenta·se em nos pôr a
descoberto relativamen,te poucas verdades, mas elas
são importantes e Ele quer vê·las passar pa,ra a nossa
vida prática. Prova de que a edúcação do homem non­
siste menos na formação da inteligência do que na
da vontade. Não ensina senão o necessário, o util, o
que enobrece, que faz bem ao coração, o eleva e o di­
lata. Às questões ociosas encontra sempre uma res·
posta util {74). Cada um de seus princípio� seria ca­
paz de fazer um santo.
Um outro meio de educação consiste na r-ecom..
pensa e no castigo. O Evangelho nos oferece, aqui,
larga matéria a considerar. Jesus exige muito, e pro­
mete ainda mais. O homem nada fará que não seja
recompensado. Quantas vezes ouvimos. por exem­
plo, o Salvador dizer-nos: "Felizes, felizes sereis
v61 " (75). Parece que s6 exige para poder dar.
. . •

Não se. mostra avarento ou parcimonioso na aprova­


ção e no louvor. Onde encontra. virtude, faz logo o

72-Mt. 5, �O. U. �4. �8.-Lc. 10, 37; H. U: 17. 1Qt 21. 0.


73-Mt. 19, 21.
7&-Le. 13, 24; 19, 11. - Mt. 18, U, U; 21. 20.
76 -Ml 5, 3-11. - Jo., lS, 17.

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54 P. MAU�CIO MESCHLER, S. J.

elogio (76). Muitas vezes atribue Ele seus milagres


à fé do miraculado (77). Jesus1 porém, vai alem de
prometer a recompensa. Cumula ainda os home:ns
com sua.s graças. Conhece bem o coração humano e
sabe que o amor não se impõe. ,nasce do amor. Ora,
o amor é bemfuejo. Os mi.lagres não constituem uni­
camente um testemunho do sua divindade, são ainda.
e sobrett�do, uma prova do s1.1a bondade e, por eles,
capta os corações para sua dot�trina. Ele � bom (78)
e sua vida sobrr! a te.rra não E. senão um imenso e con...
tfnuo boneffcio (79).
No entanto, as reprimendas, as ameaças, o cas:ti ...

go figuram tambem como meios de educação. Vê


m
em socorro da memória, dão mais atividade à inteli­
gência e â atenç_ão, pelo temor toma mais docil a von·
tade. Nosso Senhor tambem se utilizou desses maios,
mas - no\emo·lo nós e Ele próprio no-lo recorda
sempre (80) - não é por principio ou como inten­
cionalmente que Ele ameaça • pune. Aliás, E le amea­
ça muito menoS- do que encoraja e recompensa. Nã.o
é senão em intervaJos q
· ue fal apelo ao temor. aos ca:;..
tigos, quando a necessidade o exige e todos os ou ..

tros meios faibaram. .Foi somente no teroeiro ano de


15ua vida pública. quando deixou a Galiléia (81), no-

76-Mt. 8, 10; 15, 28. - Lc. 7, ti.


77 -Mt. 9, 22. - Lc. 7, 50; 17, 19; 18, 42. - Me. 10, 52.
78-Jo., 7, 1.2.
79-At.. 10, SS.
80-Jo., 3, 17; 12, 47. - Lo. 9, 58.
SJ- Lc. 10, ta.

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J E S U S 55

Uldamente quando, na festa dos Tabern�culoa (82) e


na dedicação do templo (83), os Judeus incrédulos e
rancorosos ab<>rtamente tentaram contra sua vida, fot
:,:omente quando começou a predizer a ruína de
Israel; e suas predições se fazem cada vu mais pre­
cisas (84) à medida que se torna mais evidente a inuti­
lidade do� seus esforços. Suas ameaças não se dirigem
unicamente ao povo, visam tambem certas class�&,
como. por exemplo, os Fariseus (85), e tlertas pessoas
às quais, figuradamente, anuncia a punição d e se_us
crimes (86). Ouvimos, então, a palavra grave e enh­
giea do Mestre . .a terrível sentença do jui.2 supremo.
Onde encontra a sinceridade, a bo.:t vontade, põe em
suas censuras uma tocante bondade (87), raramente
a voz se eleva (88). Que comovente delicadelUI nas re­
primendas dirigidas a Judas! Já um ano antes do
ignobil delito, o bom Mestre havia-lhe feito a primei­
ra advertência doce, por�m firme (89). Com que mo­
deração Ele censura, no banquete de Betânia, a in·
delicada refle,xão, tnsolente e ímpia de Judas (90) t
Até nos últimos instantes Ele tudo fax para salvar o
mi!eravel ; predi.z:·lhe em termos precisos a traição;

82-Lo.. 11, 31; 13, 3.


83- Lc. u. 25: 14, 24: 19, 27.
84- Le� 19, 43; 20, 16; 21, 2... - Mt. 22, 7; 23, 98.
B5 -Lc. 11, 39; 16, 22: 20, 17. - Mt. cap. 23.
86-ML 5, 20, 22, 25, 29; lS, 30, 48i 2!S, U . - Me. 9, U, 4S.
87- Me. 9, 32. - ll!t. :ro 22. -Jo., 20, 27; 21, 15.
88- Me. S. 17.- Mt. 16, 23i :1?', 16.
8V - .ro.., 6, '71.
90-Jo., 12, 7.- Mt. 28, 10,

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56 P. MAlJRtCIO MESCHLER, S. J.

por palavras enérgicas !nz- ressaltar a ignomínia, a


crueldade, as espantosas consequéncias {91) ; porém.
eonde.sce-ndente e magnânimo -até nas censuras, ca­
lando o nome do culpado, poupa diante dos disclpu­
los sua honra e sua vida {92}. E, quando recebe, en­
fim* o beijo do traidor, que ea1ma, que mansidão ce­
lestes I {93) .
O terceiro meio de educação <:onsiste na maneira
de pôr em prática os ensinamentos recebidos. O alu­
no não deve som!nte saber, mas deve tambem poder.
Para fa•i!-los chegar até ai, Jesus ""amina aqueles
que a Ele vê"m e o querem seguir. Exercita seus dis·
cipulos sobretudo na prá.tica da fé e da confiança.
lhequentelliei!lê, quãndõ está prestes a fazer um mi­
lagre, exige, como condição preparatória, a l"é (94).
É uma grande sabedoria. Deste modo. Jesus se asso.­
cia aos· homena como compTadores, faz bero à sua_
alma ao mesmo tempo que ao seu corpo. Exercita,
tambem, a humildade. A Cananéia teve. neste ponto,
que se submeter a uma dura prova antes de ser aten­
dida (95). Penosas são, sobretudo, as nondições de
admissão na carreira apostólica. O mestre inflexível
c.xige um desprendimento inteiro da família e dos
bens, uma completa renúncía à carne e ao sangue.

91-ML 26. 21, 23, 2t, - Lc. 22, 2\. - Jo., 13, 10, Ul, 20, 21.
92- .JQ., 15,23-30.
93-ML 26, t9, 60,
94-Mt. 9, 28; 10, 28. - Me.. 9, 22. - La. 17, U.. - Jo.,
•• 50; \1. 6.
95 -Ml 15, 2(, 26.

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J E S U S 57

Ninguem •• pôde substrair a estas condições (96).


Aos simples fiéis propõe esta terrivel alternativa: ou
perder tudo, até a vida. ou renunciar a ser dos seus
dísclpulos (97).
No entanto, a eficácia dos meiot� de educação,
mesmo os melhores, depende do modo corn que são
aplicados. Seu emprego deve ser con6tante, ininter­
rupto. O mestre deve aproveitar-se de todas as ota·
síões para instruir_. erguer, encorajar. Jesus ainda é
neste ponto.- um perfeito modelo. .'Em seus discursos.
desenvolve certos temas relativos â sua doutrina, e, em
todas a$ ocasiô«!,S, relembra seus ensinamentos e e.xor�
tações (98). Tamb4>m o mestre deve voltar muitas ve­
.r-es aos pontos importantes que deseja inculcar em
seus alunos e fazê-los passar para a pr�tica de sua
vida. Deste modo procede Jeilus para o exercicio da
aração (99), a necessidade da abnegação e da aceita·
ção do cruz, a caridade (100. 101). Reconhece-se por
aí o espírito prático do Mestre. Se, no estudo das
ciências bumnnns, repetir continuamente é o verda�
deiro meio de .aprender, quanto isso será ainda mais
verdadeiro para a ciência dos Santos! - Em tercei­
ro lugar, um bom método de educação trax prudên­
cia e circunspec_ção no emprego dos meios. O Sal..
vador não sobrecarrega seus disc.lpulota-: aliás, a vio·

96-Lc. 9. 07, 62. - Ml 10. 21.


97-Lc. 9, 23; H. 28.
98 - Lc. 12. 13; 13. 1: 14, 7; 18,24.
99-Lc. 18, 1 . - Jo., 14,13; 15, 7, lG; 15, 24-.
100 -Lc. u, «: 12, •o; 18, 3'1,.
101-Lc� 10, 27. -:Mt. 5, 21; 12, 7 . - Jo., 19, 34; 1�, 12.

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58 P. MAURiCIO MESCHLER, S. ].

ltncia não faz parte dos seus processos. Pouco a


pouco e uma coisa atrás da outra, eis- o seu princi­
pio (102). Ele não insiste sobre tudo do mesmo modo,
porém, iegundo as circunstâncias, apoía-se sobre os
pontos mais importantes para cada pessoa. Os Após­
tolos deveriam, sobretudo, tornar-se homens bumH­
des e desprendidos. Nisto Jesus insiste com firmeza,
sem reserva alguma. O que o h'lestre quer ver em seus
discipulos é o desejo sincero_, uma vontade resoluta;
o grau do querer dosa, de alg-um modo, os ensinamen­
tos do Salvador e modera suas exigências. O moço
rico nos oferece, a este respeíto, um exemplo signi­
ficativo. Peça ele somente para conhecer o caminho
da salvação, Jesus lhe indica os mandamentos; mas
exprima o desejo da perfeição, o M011tre logo lbe fala
de conselhos (103). Nosso Senhor sabe ser paciente
durante muito tempo, fechar os olhos a levu faltas,
tudo isso em vista de um bem maior, Por isso suporta
Ele as longas hll1!itaçõe& de Ni�odemus que o receio
dos Judeus mantem longe de Si {104). Essa indul­
gência paciente produ•lu frutos notave\s (!OS). Je­
sus observa em particular esta reserva. esta marcha
graduada quando nos reve-la sua divindade e quer
obrigar os Judeus a nela crerem (106). Não a desco·
bre claramente senão a uns poucos. Usa do mesmo

102-Lc. 5, 33, 39.


103 -Mt. 19, 16. 2l.
104-Jo., 9, 2: 7, GO, 51.
106-Jo., 19, 39.
106-Mo. 9, S.

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1 E S U S 59

processo quando predi:o sua paixão aos apóstolos e


nos outros disclpulos� É somente no terceiro ano d�
sua vida pública, após a confissão de São Pedro, que
prediz abertamente sua paixiio aos Apóstolos e a isso
retorna sempre de um modo cada vez mais. preci­
so (107) ; mostrando-se os Judeus cada dia m<1is en­
carniçados em perseguí·lo, então não Iaz mais mis·
tório algum de seus sofrimentos futuros (108). Cada
uma destas revelações é ac:on1panhada dos mais ad..
miraveis motivos para sofrermos com Ele corajosa e
alegremente.
Jesus -nos
é um modelo doce a contemplar, e de
um estudo bastante util em -sua maneira de tratar e
de ínatruir as di!erentes classes de pessoas que o
cercam.
Ao povo o Mestre enslna, sobretudo, os prind­
pios simples1 gerais, da moral, tais como são apresen·
tados, como, por exemplo, no ser.mão da monta­
nha (109). Seu ensinamento é dos mais simples, de
uma clareza límpida, ao alcance de todo&, se bem que
de um sentido muito pro�undo; apresenta-o muita•
vezes sob a forma de parábolas ou sentenças (110).
Procura ganhar o povo por meio de uma popularida­
de de bom merecimento. pela bondade, pa�iencia con-

l.07 -Lc. 4, U; 7, 22; 22. 'lO. - .Jo., 6, 18; 6, 37, 47: 7. 28:
8, 12; 27, 55; 10, 30; li, 4.1, 42. - Mt. 16, 20.
109- Jo., �. 19; 7, 20, St; 8. !l8. - Lc. 9, %2; 18. 31. - Mt.
17, 2.L
109-Lc. 9, 5, 23, 44; 10, 10, u. ... 4.9: 22, 36. - Jo.., 15, 181
27i 16. 1, 12.
110 -'M"t. cap. 5, 7.

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60 P. MAURiCIO MESCHLER, S. J.

descendente, por serviços prestados em toda,s as cir­


cunst.i.ncias, em todas suas necessidades, c:ompreen·
dendo as da vida material (U2),
Os milagres operados em favor do centu rião (113)
e da fllba de Jairo, o cbefe da sinagoga (ll4), mos­
tram-no• como tratava Jesus as pessoas da alta so­
ciedade, Ma� Ele não procura as casa.. dos ri·
cos (115); espera. que venham eles expor seu.s pedi­
dos(116) e, então, é a própria amabilidade (117) e,
quando começa a ex-t!rcer sobre eles influência, não
os deilta facilmente desaparecere (J 18); fecba os olhoa
a inúmeros inconvenientes que provêm, para si, do
contacto que com eles tem (119). Trata-os com uma
delicadeza cheia de deferências (120) e deles não exi­
ge um reconhecimento especial (121).
A entrevista com Nicodemos mostra-nos o pro­
cedimento do Mestre para com os sãhios. Nicodemos
é um doutor da lei, cuja reputação é grande, e que
sempre vivera nos preconceitos do Judaismo. Para
conqu.istá-lo, Jesus acolhe amigavelmente aquele q1.1e

Ul-Mt. cap. 13.


U2-Mt. 1t, H; 16, S2.
113 -Mt. 8, 5.
u'-Me. 5, se.
U6-Lc. 7, 10; 23, S.
U6- Me. 5, 23.
117 -Me. 5, 24..
U8-Me-. 5, 38.
llU-.Me. 5, 40.
120-Me. 5, 8'{, 43.
121- Me. 5, 42.
- .

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J E S U S 61

•6 ousou procurá-lo durante a noite (122). Emenda


com doçura seus erros sobre os meios de salva­
ção (123), e sobre o reino do Messias (124); delicada­
mente fa1. sentir ao Doutor sua superioridade de
Deus-Homem sobre si e sua escola (125) ; louva-o
com modéstia e dá-lhe a entender que a sinceridade
deve irnpelt-lo mais adiante no bom caminho (126) ;
énfim, testemunha-lhe jnteira confiança, descobre�
lhes- os mais profundos mistérios do Cristianismo, e
revela-u Filho de Deus (127). O Doutor deixa o
Mestr� cheio de fé. de reconhecimento, de devotamen�
to para com ele, e um dia há-de chegar •m quo justifi­
cará plenomente a espera do Salvador. Não pertence a
o•ta classe de escribas incrédulos e obstinados que Je­
sus trata com uma dog.ura e bondade ín.ünitas. Às suas
preguntas subtis e. insidiosa,&, encontra sempre uma
resposta prudentt. Em .sua presença pranunGia os
mais dogmâticos disc.ursos (128); por sua alta sabe·
dorla, pela asserç ão de suas réplicas na discussão.
confund•-lhe a perfidio (129) ; e, quando todos os ou­
tros meios falharam. põe. enfim, a descoberto pt\ran·
te o povo a sua malícia (130).

12!: -Jo.. 3, 2.
123 -Jo., 3, 4, 5.
124 -Jo., 3. 15, 16.
l.Z6 -Jo, 3. 10. u, a.
l2G-Jo., 3, 2, 1.
lr,' -Jo" 3, 13. 17.
1.28-Jo., 5, 17, cap. 6; 7. 16.
129-Jo. 8·1. li - Mt. oap. 22.
lSO- Mt. oap. 1?..

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62 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

A conversão da Samaritana mostra-nos detalha­


damcnte como Jesus sabía conquistar os pecadores e
as almas transviadas� Sem ter propriamente um espi­
rito pervertido e lrreligloso (131), esta mulher dei­
xara-se levar à libertinagem. e a grandes desvios de
conduta (132) ; no entanto, era �ineera, franca e ge­
nerosa (133) ; ora, como dir!amos hoje em dia, ospiri·
tual e não pouco curiosa. Como age Nosso- Senhor
para com ela? Mostra seu conhecimento do c.oração
humano, sua delicade-za e mag-nanimidade. Aproxima..
se dela e� contrariamente aos- hábitos dos Judeu� pe­
de-lhe um pouco de água (134) ; por meio de alusões
misteriosas à sua divina pessoa e ao que EJe chama o
dom da água viva (135), excita a curiosidade desta
mulht>r. Ela não compreende ou finge não compreen4.
der: graceja -ainda, e então Jesus surpreende�a pondo�
lhe a descoberto, sem reserva, todas- as faltas de que
ela tem a conciência carregada (136). Tornando-a,
deste modo, doei!, acaba de conquistá-la por sua mo­
deração, espírito largo, generoso. com o qual, sem sa­
crificar em nada a verdade (137), julga • trava o com­
bate entre Judeus e Samaritanos; acaba por conver­
tê-la declarando-lhe claramente ser o Messias (138).

161- Jo., 4. 1.2. 20. :15,


19.2-Jo., 4, 17, 18.
133 -Jo., •· 10. 29.
19.4 - Jo., 4-, ?, 9.
133 -Jo., 4, 10. 13. 14.
196- Jo., (, 1.8.
137- Jo.. 4. ;n.:Jt.
198-Jo., 4, 26.

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1 E S U S 63

Por aqui se segue facilmente o procedimento de Je­


sus na conversão gradual desta pecadora4 Primeira­
mente ela denominou-O "Judeu" (139). em seguida
"Mestre" (140) ; depois "Profeta" (14Z) e, enfim.
"o Cristo" (143). Ei-Ja de todo ganha a Si e, com ela,
• toda Sicbem. Nosso Senhor �ra, em geral, todo bon·
dade e mansidão para com os pt!eadores. Não espera­
va que a Ele vies5em, Ele prôprio ia ao encontro de­
les (H4) ; tem, paxa com eles. as mais animadoras pa·
lavras (145) e as mais tocantes parábolas; bem de·
pres� e com doçura, desvendou a meada confusa dn
sua copciê.ncia, nós o vimos com a Samaritana ; logo,
port.m. que eles iSE Jhe rendem, faz-lhes apenas uma
curta e benigna exortaçlio (146) ; oferece-se a manter
com eles uma estreita ami.rade; defendê-los-á com ca·
lor e contra os inimigos e caluniadores (147).
Mas ê sobretudo na formação dos �póstolos que
o método educador de Nosso SC!nhor nos aparece ela.·
ro e instrutivo. Tinha que fuer deles homCAs dignos
de sua subli-me voc:.as:ão; para isto trabalha com cul·
dado. prudência e tino. Em primeiro lugar, a forma­
ç.ão interior: seu espírito deve aprender e adaptar-se

1.39- .ro., 4o, 9.


.• 4, 11.
140 -Jo
1U- .ro., 4, 19.
H2-Jo.. 4, zo.
143- L<:. 5, 30.
H4-Jo.• �. !L
145- L<:. cap. 15.
H6- Jo.. 5, 14; 8. 11. - t.c. 7, 50.
H7- L<:. 7, 40, 50.
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64 P. MAURICIO M ESCHLER, S. J.

á sua doutrina dogmàtita e moral. Com este fim Je·


suas explica·lhes seu Evangelho por meio de disc.ur·
so�> a que devem $ompre assistir (148). Pelas suas
conversas privadas com os apóstolos, supra o que
omite em pUblico e inida·os nos mistêrios do relno
c�lestial (149). Prossegue neste ensinamento por
gTaus até ao sermão da Cei.aj que constitue o apogf!'u
de sua revelação (150); multas pontos foram aban­
donados à ação do Espírito Santo (151). No que ton­
cerne aos deveres� fim e .meios próprios à vocação
apost6lie<1, Jesus instruo sobrett�do Apóstolos e Dis­
ctpulos nos dois aer:mões refere11tes aos deveres pas­
toraiG. Esclarece..os de 1UJes especiais e mune--os de
poderes ilimitados (152). Ê particularmente bolo e to­
oanle quando, repetidas vozes, lhes explica o papel e
o• dever� daqueles q10e govcrnarâo a Igreja (153).
Esta font�açâo interior não é some.nte tcór-iea, faz-se
ainda na prática. O Mestre observa muito atentamen·
te as inclinações deeordt:nidaS- dos Apóstolos e com·
bate-as se-m descanso: tambem procura ele corrigir
sua ambi<;ão (154), inveja. >espírito de vingansa. mo­
dos mesquinhos e interesseiros (ISS). e sua sus.cepti·
bilidade (156)). Esforça-se, ao mesmo te:npo, por
H3- ML li. 1, - Lo, 16, L - Me. 3, Jt,
149-ML 13. lS; lõ. 101 15; 17, 16.
150 -Jo.., ce.p. 14.-17.
151- .To., 16, 12, UI.
162-Lc, n, 1: tO, 1,
1113 -Mt. 20, 25. - Lc. 22, 25.
154-M.c- D, 32. - Mt. 20, 24,
.

155- Lc. 9, c;o.


151>- Lc, D. 55.
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J E S U S 65

lhes inspirar as verdadeiras virtudes apostólicas.


Quer armá-los particularmente para os combates pela
Fé, e, em vista disso, {az: nascer várias. ocasiões propi·
tias (157). Alguns de seus milagres são feitos propo­
sitalmente para eles, tais como os que realilou sobre
o lago de Genesaré. Por meio deles quer Jesus tor­
nar -seus Apóstolos capazes de triunfar de todas as
di[iculdades interiores e exteriores, que encontrarão
em sua vocação (158). Exercita ainda os seus em ou­
tras virtudes apostôlicas como, por exemplo, o des·
prendimento completo dos bens deste mundo, da car­
ne e do sangue (159), o ardor no trabalho (160), a vi·
gilância (161), o suportar as privações (162), a pa­
ciência e alegria nas pere;cguições (163). e.flm de
lhes dar a formação exterior, Je.;us envia frequ.,nte­
mente os discípulos a exercerem os trabalhos de
apostolado (164). Para os iniclantt>S usa de grande
precauçã.o e circunspecçiio (165). Ao regressarem. in­
terroga-os sobre o que fizeram (166). encoraja-os,
moatrando-lhu os frutos de seus trabalhos (167 ) ;

157-M� H. 16. 27; 1�. 32; 10, 6, 15; 17, 2t. - Jo., G, G8.
Lc. 8, 26.
165- Lc. 5. 8. - ML 8. 24; 1<4, 24..
159 -Lc. 14, 26.
160- ML 8. 18. - Mo. 4, 36; ll. 31, 45; 8. 19, - Lc. 9, H.
161-Lc. 12, (2.
162- Lc. 1.2.33. - J.lt. 12. 1.
163 -lllt. 10, 16.
1M-Lc. 9. 52. 10. 1.
185- Mt. 10. 5. - Mo. 6, 7. - Lc. 10, t.
166- Mo. 8, ao.
167- .r..e. 10, 17.

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66 P. MAUlUCIO MESCHLER. S. J.

quando realiza milagres, reclama 5eu c.oncuno para


lidar com o povo (168) ; e, em cada ocasião, Jombra­
lhes seu papel de medi
adores entre Ele e as ho­
mens (169). Em suma, Jesus provê paternalmente às
necessidades temporais dos seus (170). e defende-os
dos ataques dos Fariseus (171). Nada, pois. de estra­
nbaveJ se os discípulos -St.ntirtm despertar em si uma
grande estima, u.m amor profundo à sua vocação;
tudo Jesus fazia afim de ne-les desenvolver esses sen­
timentos (172). O amor à vocoçilo é o fundamento
de tudo.
É especialmente na formação dos Apóstolos que
se demonstra com que perfeito conhecimento do co­
ração humano tratava Jes-us. c.ada um segundo seu ca­
rater e- suas disposições naturais. Isso já se observa
na voca�ão. de certos Apóstolos. João é part
icular­
mente sensivel às provas de ami�ade e de afeição: o
Mestre conquista-o abordando-o amigavelmente (173).
Filipe parece ter sido de carater manso e docil: Jesu.s
só diz uma palavra, só Iaz um gesto, e Filipe o se­
gue (174). O mesmo processo com Mateus (175). Na·
taniel é um homem instruido. independente, go$ta de

168 -Me, 6, 30.


um- �fc. s, 12. - Jo.. s. 6.
170-Lc. 10. 7: 22. 35,
171- Mt. 2, 16.
172 -:r.n. 5. 1�. 14. Lc. 10.
- 20-24.. - Me. 4. 21-25.
173- Jo., l, 39.
1111 -Jo 1, .ts:
.•

175-Mt. 9, 9.

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J E S U S 67

tomar .conhecimento das coisas por si mesmo e livre­


mente: Jesus conquiõta�lhe a estima e o respeito com
algumas palavras que demonstram que Natani"'l ê co�
nhecido as .i como o que tem de mais escondido ent
-s.m
seu coração (176). Quanto .a Pedro, o Galileu resolu·
to, intrépido, dotado de grande cora�ilo, Jesus o
atrai fazendo-lhe entrever um mí.sterioso e belo fu­
tu"ro (177). E oobretudo em Pedro que será instru­
tivo seguir a ação edu.oadora do Mestre. Afim de le·
var esse oarater impet�oso, cbe[o de confiança em si,
na justa medida da coragem unida à humi l dade cria­
tã, Jesus, ora o encoraja (178), ora o admoesta sua­
ve (179) ou severamente (ISO), algumas vezes faz-lhe
graves advertencias (181) e permite mesmo que seu
Apóstolo comet• faltas (182). Graças a essa doce e
enérgica disciplina, Pedro tornou-se o PonLifice de
fé inquebrantavel, de ardente amor e de profunda hu­
mildade (183).
tu

Estt's poucos traços vivos, tirados da vida de


Nosso Senhor encarado como educador, formam o que
podemos chamar a pedagogia de Deus aplicada aos

176-,Jo., 1, 47-49.
177 -Jo., 1, 42.
t71!- Lc. 5. 10.
170-Mt: 17, 24,
180- Mt 16, 2.�.
.

11!1- Lc. 22, 34, 46


182-Mt. H, 31. - Le. 22, 54;-61.
188- Jo., 21, 15·13.

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68 )>, M�AUR1CIO MESCHLER, S. J.

homens. Devia essa pedagogia produzir seus eleitos.


Todos aqueles que se deixaram fonnar por Jesus fi.
aeram honra á arte consumada do seu divino Mestre.
Os pecadorets tornaram--se justos, foram os in.strume.n­
tos de grandes feitoa reali><ados para a salvação dos
homens e a glória de Deus. Os frutos por eles opera­
dos foram tanto mais belos quanto eles mesmos puse­
ram mais magnanimidades e menos reserva em se
abandonar ao Mestre. Verificámo-lo em Nicodemos,
José de Arlmaté.la, Madalena, Marta, Lázaro e, ante<
de tudo, nos Apóstolos. Onde e em que estado os en­
controu Jesus! e que fez por eles! Esses frutos niio
se fizeram sentir soment-e entre os Apôstolos e os
primeiros Cristãos: Jesus é o Mestre. o Educador de
todo�c os tempos, da humanidade inteira. Todos aque­
les que, des.de sua vida morta), aderiram à sua doutri­
na, os povos cristãos de todos os séculos, passaram por
sua escola, foram por Eles educados, ex-terionnente
por meio de sua doutrina, seus- preceitos, seus Sacra­
mentos, sob a guarda da Igroja, e, interiormente. pela
sua grasa. Este trabalho de formação é empreendido
por Jesus e tombem por Ele aperfeiçoado novamente
na alma de cada um em particular. Em toda a alma
que se lhe consagra, que se deixa formar por Ele.
6pera maravilhas. Quantos -aantos, tantos testemu­
nhos vivos desta verdade: que Cristo é o termo_t o au­
tor, o modelo perfeito da educação cristã (184).

18t-Jo., 14, 6. - Gaiatas, 4, 10. - Rm. 8, 29.

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J E S U S 69

Todavia, a história da pedagogia de Nosso Se­


nhor deve registrar insucessos. revezes, dizemos hoje.
Em primeiro lugar revezes relativamente à maior par­
te do povo que Ele viera primeiramente salvar. Re·
veze5 numa imensa parte do gênero humano e mesmo,
na maior parte, nos Cristão.s. Revezes até no pequeno
grupo dos Apóstolos dos quais um deles se fez ins­
trumento d e sua morte e filho da perdição. Revezes.
ao men<ls parciais, na alma de cada homem, de cada
fieL Qual o homem cuja vida não está mais ou menos
man chada, sombreada de uma certa esterilidade da
qua] é o úntc.o responsavel? É uma triste, por�m ine·
gavel realidade. O b!lm�m � livre, D�I!S não o çon&­
tra,nge, e es-ta liberdade necessariamente acarreta con­
sígo a possibilidade de se abusar dela. O homem é fra­
co, t.ra.z em si um germe. de morteJ como todo se.r cria­
do. Por dentro e por fora inúmeras e g-raves tenta·
çõ�s o assaltam, e seri
a quasi um milagre se sua fragi­
lidade não sucumbi-sse. Ele não tem_. como os Anj031
que decidir·se numa prova definitiva de sua eter·ni·
dade. Sua �ducação, seu tempo de provação duram
toda vida. e Deus não deixa um só instante de traba·
lhar pela sua formação. A Providê
ncia p6de, no
fim. transformar tudo em bem. e, se o horn,em entra
em posse de seu fim, sua educação eirtá definitiva­
mente feitâ, tudo está ganho. Deus antes tolera o mal
do que suprime a liberdade, é neeeasário saber-se
disso.
De tudo o que foi dito, concluimos que cada um
deve reconhecer em Jesus Cristo seu mestre e acei­
tar-lhe a disciplina. Todos nós somos seus disdp_ulos,

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70 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

seus alunos (185). Aplicando-se Jesus à educação de


uma alma, exeree sobre ela, num grau mais perfeito.
com mais doçura e majestade, seu tríplice ministério
de Proteta, Pastor e Pontífice. Quando, dépois de
$U8 Ressurreição, Cristo, resplandecendo de uma gl6·
ria celestial, aparece a Maria Madalena, esta se pros­
tra a seus pés, cheia de admiração, dt arrebatamento
e de amor e, afim de traduzir os pensamentos que
atravessam seu espírito, o..� sentimentos que invadem
seu_ coração, não tem senão uma palavra : Rabboni,
Mestre (186). Esta palavra exprime, com efeito, tudo
o que ela sabe de Jesus e de si mesma, tudo o que
ela sente por Ele, resume toda a sua vida para Ele e
toda a vida dEle para ela: diz toda sua felicidade,
sua inex.primivel ale.gria. Esta palavra exprime as
mais belas relações, as mais nobres.:t as mais tocantes-.
as de umà criança com seu mestre, relações cbêias de
respeito, de afetuoso abandono_� de reconhecimento,
em uma palavra, as re1aç8es da alma com JesQs Cria·
to. O bom Mestre_� para nos formar, envolve por assim
dizer nosso ser e toda nossa vida numa rede terna a
forte. Exerce assim sobre nós e em nós a ação íntima,
suave, bemfazeja de sua autoridade, Feliz daquele
qu� se lhe abandona sem reserva.
Ainda há outras c.onc.lusões a tirar para aquele
que se dedicou à educação da juventude. Que ele se
regosija de cooperar com Nosso Senhor : o Mestre

185- Jo., 6, t5.


188- Jo., 20, 16.

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J E S U s 71

i portante nem
não lhe poderia confiar tarefa mais m
mais elevada. Que ele não desprenda seu olhar do
divino Modelo, que haja segundo seu espírito e seus
principias. Em seu método de educação, Jesus esbo·
çou o plano, gravou os fundamentos da pedagogia
cristã. Nele temos um modelo de toda boa educação .

Afastar-se deste modelo siguifica desviar-se em de·


ploravei.s erros e incorrer nas funestas consequências
de uma educação falhada. Sem Cristo niio se educa
uma criança, ela "Será violentada ou perdida, dela se
fará um pequeno ídolo dela prôpria, um homem ter·
restre qu.e será para a humanidade, não um benfeitor,
poróm um flagelo. Eis a triste consequéncin do es·
queclmellt6 das rtgras é iló!i ptineípios da sã educa·
ção c.risti; funesto efeito, mmbem inevitavel quando,
transtornando violentamente os limites do direito
nesta matéria, tomam se como educadores pessoas
.. às
quaisnem a lei divina pem a natural conferiram esta
missão. Que poderá acontecer de bom se o Estado
com seu funcionalismo se misc:ue nesta obra tão
delicada da educação, e, s,obretado, s• um gover­
no sem religião pretende dar o catecismo? As Jeis e
as obras de Deus são pedeitas, por�rn em que se
transformarão elas nas mãos sectárias e inabeis I
Até nos revezes de que falamos ac:ima p6de-se
instruir-se e consolar·ae considerando Nosso Senhor.
Para um coração de pai, de mãe, de padre_, de mestre,
é profundamente doloroso algumas vezes ver perdi·
dos em apar@noia os frutos de uma
tão longa e labo·
riosa educa2âo. Há aí um mistêrio acerbo�quasi im-
• penetravel. Mas tambem o Salvador sofreu essa dor.

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72 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

Quem, pois, melhores e mais puras?


teve intenções
Quem soube do qu" Ele? Quem se es­
melhor educar
gotou mais que Ele a tnslnar, a dar exemplo, a rezar
sem descanso? E, apesar disto, seus esforços falha­
ram diante da inconstância da paixão_, da malícia de
uma multidão! Quem, tanto quanto ele, suscitou inl·
migos por seu ensinamento? Ele sentiu isso tudo e
seus insucessos arrancaram·lhe lágrimas e suspiros
de dor (187). Se nem tudo saiu conforme era o dese·
jo de Deus, como é que nós-, pobres críaturas, ousa·
mos nos queixarI Deus1 no entanto, -sempre alcança
seu fim e quem -sabe ae esta cruz não será um instru­
mento de educação mais eficaz que todos os outros,
de Deus, pend"r a balan­
•• seu peso não faz, cliante
ça para o lado bom? Deus o sabe melhor do que n6s.

187-Lo. lll, LI.


• •

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CAPíTULO UI

JESUS EM SUAS RELAÇOES


COM OS HOMENS

No dia de Páscoa, Jesu$ ressuscitado terminara


aua vida mortal, na Ascensão abandonara inteiramen·
te a t�rra; e eis que, com a festa do Santíssimo Sa­
cramento, baixa_, pot assim diz-er, do céu ao .r:neio de
n6s e toma novamente posse da terra que não debta­
rá mais ate ao fim do ano litúrgico. Por meio do
Evangelho de cada domingo, a Igreja vai-nos apre-­
sentar Nosso Senhor n.as diferentes circunstâncias de
sua vida pública. Vê-Lo..emos compassivo para eom
os -pecadores, vivendo entre o povo, que instrue por
auas prédicas e milagres. Na época em que a colhei·
ta amadurec:e, o Mestre nos propõe as lindas pala·
vras da Arvore fertil e da árvore esteril, do adminia..
trador infle], eomo para nos exortar -a bem usufruir
dos dons que nos são feitos. Numa palavra, é a vida
pública de Jesus que, sem interrupção, se desenrola
aoo .oossos olhos.
Parece. pois, inteiramente conforme a piedade

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,4 P. MAURíCIO MESCH;LER, S, J,

crista pintar, num quadro de conjunto. Nosso Se­


nhor vivendo e conversando com os homens.
Sempre ê interessante- -e instrutivo estudar um
homem notavel em suas relações com seus semelhan­
tes. O que suas palavras, seus atos públicos nos dei­
xam ignorar, a intimidade d e sua vida pdvada no-lo
ensina. Um homem dá-se a conhecer muito mai-s por
sua vida privada do que pelo seu tipo. As rela�ões
isentas de qualquer constrangimento que um homem
mantem durante anos com pessoas de condições PJUÍ­
to diversas revelam-noS, com efeito, do modo mais
fiel. mais tntimo, o pensamento e o cara.ter desse bo..
mem. Assim tambem um retratista de renome não
pinta um homem enquanto este mantiver uma "po&e"
convencional; procura tomã to no meio da mais ani­
..

mada palestra; então o homem n.ão se "fu" uma ati­


tudeJ porém apresenta q que possue.
Num certo sentido, tarobem isso é muito verda­
deiro com Nosso Senhor. Slrtl, nosso interesse aumen­
ta aonsideravelmente quando consideramos quem Ele
é, quais foram suas relações conoSco-' com o gênero
humano e- o mundo inteiro. Quando Deus reveste
nossa natureza, é certamente de um interesse capital
observar como se dâ ã.s suas criaturas. como se c:on�
duz para com elas. Filósofos, psicólogos, artistas em
todoS- os tempos se esfor�ram por pintar o Homem�
Deus em suas relações com o mundo. O Evangelho
nos. oferece a imagem mais fiel como a mais bela. Ai
Ele é verdadeiramente Deus oferecendo-se aos olha­
res de todos os homens, sobretudo aos nossos, de
'
Cristãos para os quais seu exemplo não é tão somen·
,

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J E S U S 75

te- u.m modelo, mas. tambem, em c�rto sentido, uma


lei. Este modo do encarar a vida pública de Nosso
Senhor é de um interesse todo particular. Os teolo­
gos, querendo sintetizar praticamente os fatos que
ocupam este periodo da vida do Salvador, agrupam­
nos- sob os seguintes títulos� doutrinaJ milagres,
exemplos de virtude·s que nos dá Jesus vivendo e.otre
nós(!).
É este Ultimo ponto de vista que encaramos nas
páginas que aqui estão. Afim de desprender do Di­
vino Modelo alguns traços firmes o precisos, desen­
volveremos as .s�guintes idêlas: Jesus manteve reta�
<>Ões com os homens: estas relações foram perfeita.
e dignoa de um Deus. Algumas eonclusôes •• ofere­
cerão por s-i mesmas à nossa refiexão.

I
O Salvador viveu em relação com os homens.
Isso é um fato, Jesus nunca se dedicou exclusi­
vamente à vida contemplativa. Algumas vezes, é ver­
dade, retirou..se para a solidão, longe da convivS.ncia
dos homens., como, por exemplo, no inicio de sua vida
pública durante quarenta dias, e vártas ve3e5 em segui�
da, cada ve% por um espaço de tempo muito curto que
consagrava a refue.r suas forças ou a dedicar-se à
ornçào; porém, {ora destas ocasiões, viveu no meio
do mundo e manteve Q:OJn os homens re.laçõe.s muito
intensas. Vem ao mundo enquanto este se ac.ba em

1 - St. TomdB 3. q. 40.


.

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76 P. MAURiCIO MESCHLER. S. j.

pleno movimento. Tambem i a.rrastado pela agitação


causada por um acontecimento que abala o mundo_, e
que Ele próprio provocara; o recenseamento do m i ..

p6rio romano. Os representantes das antigas famílias


reaparecem e inundam o pais, afim de afirmar o fato
esquecido de sua e.xisténcia. Como eles, Jesus -se di..
rige à e.idade de seu antepassado Daví. Logo que
nasce.. jã os mensageiros levam seu nome a Roma. Nos
arquivos do Ca-pitólio, que domina o mundo, consig·
nam o nome do herdeiro do grande império, daquele
que_, um dia, será o mestre do universo. Sem dúvida_,
a.s verdejantes colinas de Nat.aré cercam e guardam,
calmas e fiéis, o berço de sua infância: à sua sombra
passa Jesus a maior -parte de sua vida e, no mome-nto
em que iniciar eua carreira pública, o mundo dEle só
saberá uma coisa: 6 o filho de Marta e de Josê, o car­
pinteiro (Z). Porém, mesmo em Nazaré, a pequena
vila da montanha, ]esus viveu no meío de- seus con·
cidadãos e, provavelmente nos diversos períodos des..
ta vida privada, foi conhecido c.omo piedoso, ate_n..
cioso, amavel. Nele brilhavam todas as graças da ju..
ventude; conquistara o respeito e -a veneração de&ses
rudes Nazarenos. E quanta,s mãea secretamente inve­
javam a feliz Maria I A vida de Cristo em Na1aré nos
é inteiramente oc.ulta e não nos é menos fecunda em
ensinamentos. Ela tira de sua pr6pria obscuridade
uma significação especial, uma importância mai1
consideravel ainda para todo o gênero humano. Por
sua Incarnação, Jesus não se apega unicamente- à. na..

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J E S U S 77

tureza angélica, dose" até à natureza humana afim de


nela se incorporar; e, por esta degradação, Deus de
algum modo penetra ainda mais �m sua criatura;
nela se enraiza e atrai ili �i. como a
planta com os su­
cos da terra. Do mesmo modo1 conservando a forma
do pão e do vinho nos altares e associando--os ao seu
ser elltcarístico, Cristo se aproxima ainda mais da
Criatura e a une a si.. Como por -sua Incarnação e por
sua pre-senç-a no t-abernáculo, Jesus.� residindo muito
teropo numa cidade ignorada. descendo até às mais
modestas classes do povo. só quis unir·se mais ínti·
mamente aos homens e conviver de um modo maü
real eom pessoas de uma condição com qual1 em sua
vida pública, não se irla mlscuir. Por sua vida d•
obediência e de trabalhos, foi o eompanheiro e o mo·
dela dos que compõem a maior parte da humanidade;
foi, verdadeiramente, Deus e Salvador por sua vidõ
oculta (3).
Todavia. foi na sua carreira püblica, como Dou­
tor da lej e Profeta, que manteve com os homens as
mais ativas relações. Não havia, então, no pais pe.s·
soa mais falada que Jesus de Nazaré. Em todo o lu·
gar podia ser visto e abordado; nenhum hq
j" �
homem
�m de
!"
'*hec�iie\'lle
Isrël, nenhuma criança que não o conhecesse, nenhuma
o
f t>8fe�u
da
classe social que não fosse atingida por sua ação 'jrqual
na
não provocasse, em grau elevado, agra & e� a to
veneração e:o amor,
v.., ou
6d ,.
a antipatia, o ódio furioso e perseguidor. u..t
�o��
v erdade,
Viera ao mundo, é verdade, em Bélém; '.i
llél cidade
tranquila, na obscuridade e silêncio da noite; mas
3- Jniaes, 45, 15.

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78 P. MAlJRiClO MESCHLER, S. J.

morrera em Jerusalém. na presença de todo o povo,


durante. -as festas de Páscoa_, suspenso na cruz; viu..
ma da raiva sanguinária de- seus inimígos enfim
triunfantes, da inconstância do seu povo alucinado,
da covardja e injustiç_a do governador romano. Se
morreu_. póde..se dizer com segurança. foi devido -a
ser tão conhecido e tão influente {4). Se se conten­
tasse em viver â test-a de um longínquo e calmo bur·
go do Essênia, abrigado por majestosas palmeira&
cnj06 c.imos se balanceiam, tranquilas, aoima daS- mar­
gens do Mar M<>rto, a inveja c o ódio certamente não
o teria!ll perseguido.
Na realidade, Jesus não deixou de viver no meio
do mundo; manteve com os homens assíàuas rela·
�es. E assim deveria ter feito de acordo com sua di..
vina. mis�o. Como Doutor supremo e como Profeta
de Deus, devia pregar a verdade ao mundo e, logo
em primeiro Jugor, e.sta verdade: que Ele próprio era
Deus. Como Legislador, devia promulgar seu cõdigo
e propô-lo como a nova via que conduz ao céu. Como
Mediador dos homens, devia inaugurar a nova alian­
ça. Enfim, como Padre-Rei, Ele devia fundar o novo
reino de Deus. E tudo isso deveria Ele fazer pessoal­
mente; não por um intermediário qualquer, mas El�
próprio; não por meio de promulgações escritas, mas
de viva voz e por meio de seus milagres. Assim tam­
bem Deus dera outrora sua lei ao povo_j falara com
Moísés pessoalmente e selaia a antiga aliança. Jesus
Cristo deveria. sobretudo, pela sa.ntidade de sua vida,

-4-Jo,, 7, 67,
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J E S U S 79

oferecer aos homens uma imagem viva da perfeição


e da sublimidade de sua moral; não da perfeisão co·
mum, própria das pessoas que vivem no mundo, mus
do próprio estado de perfeição. Com efeito, Nosso
Senhor c:omo Legislador tem em vista diferentes es·
tados dos quais wn ultrapassa os outros. O estado
contemplativo, que se dedica especialmente ao servi·
ço de Deus e à procura da verdade, e mais per-feito
que o estado de vida pu-ramente ativo que se ocupa
exclusivamente com as obras de misericórdia corpo ...

ral. Porém, ainda mais acima de cada um deles to�


m ado isoladamente, é a vida ativa que se dedica ao
serviso espiritual do próximo. Este estado supõe,
com efeito, a plenitude da contemplação c da cari­
dade ·que ele- deve comunicar aos outros e.. assim.
rt!une em si a perfeisão dos dois primeiros gênero&
de vida (5). O Salvador deveria dar, de um modo
completo, este belo exemplo da virtude, afim de a fa­
zer praticada pelos homens segundo a medida da
graça e de sua boa vontade. Assim tambem organizou
sua vida de tal modo que ela possa servir de modelo
para todas as condições, para todos os estados. Para
isso. viveu entre nós. em nossa vida humana, segun..
do as diversas etapas de seu desenvolvimento_, adotan­
do todas suas formas.
Isso lhe dava uma supedoridado sem a qual não
poderia atingir - muito difitilmonto peJo menos ­
o Iim que visava para nós. Esta vantagem e.ra a sim­
patia, a confiança que agem tão poderosamente so-
.

5- St. Tomü� 2, 2, q. 162, a.., 1: g., 188, a. 6.


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80 P. MAURfCJO MESCHLER, S. ].

bre o coração humano. São provocadas, entre os ho­


mens, por uma aproximação amigavel, adaptando-se
amavelmente aos usos estabelecidos entre eles; nesta
adaptação aos .seus hábitos estes homens vêem uma
prova de honra e de caridade; sem dificuldade pro­
curam e gostam, por sua vez, da pessoa que a pro­
vocou. Tambem, exceto o pecado_, Jesus não repelia,
não desprezava nada do que a vida humana traz con·
sigo. Sem h•sitar, tudo faz, presta-se a tudo como
todo o mundo, segundo os costumes do tempo, do
pais, do povo, e isso algumas vezes para grande es·
càndalo e apesar das reprim.endas de seus inimigos e
de seus perseguidores sempre à espreita de um ge-sto
para difamâ-lo (6).
Eis aí um belo o tocante traço do carator de Je­
sus e de sua religião; distingue-o entre todos. Ante5
dEle e bem diferentemente agira João Batista. Tam­
bern ele era ProFeta, era mesmo o maior dos Proef­
tas e, por sua palavra e seu exemplo, perturbara toda
Israel.; porém, durante. sua juvedtude, vive-ra entre
os animais do deserto; mesmo quando a palavra do
Deus chega até ele, não penetra nas habitações dos
homens; era a 11VOZ do deserto" (7); e, por sua pode..
rosa eloquência em pregar a penitênci-a, atraia os bo..
mens a si. Este-s nele viam um novo Elias (8) com
todo austero aparato dos tempos proféticos, levan..
tavam seus olhares maravilhados até ele como a um

6-Jo, �. 2. � Mt. 9, lL
7-Mt. a, 3.
8-Jo 1, 2L
.•

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J E S U S 81

ser sobrenatural que ..não comia nem bebia entre


eles". O próprio Salvador faa: notar a diferença entre
ele e João (9). E com razão; João era somente aquele
que prepara os caminhos e nãa o Messias; era o ami­
go do Esposo, não o Esposo em pessoa; o anjo de
Deus, não o próprio Deus; não tinha, pois. razão
para se aproximar ainda mais dos homens. Mas eis
que aparece o verdadeiro Esposo em todo o esplen­
dor e beleza de sua pessoa; a brandura está impressa
em seu-s lábios, sua fronte re�plandece com a unção
de uma alegria celestial; com sua doce voz, fala ao
coração da Esposa afim de a conqwstar. Ei-Lo, o bom
Samaritano rico de mansidão, o amavel Médico de
almas ; não recua na estrada empestada pelo vfoio e ·
não se arreceia de penetrar na sórdida morada onde
se escopde nossa miséria. O médico vem para os
doentes, não para os que se sentem bem... Ei-Lo1 Je..
suas, nosso Deu11, o grand10 Amlgo, o Mestr�> da vida.
"Ele não se aborrece de nada que criou c do que exis­
te, tem pena de cada ser p orquo este lhe perten­
ce" (10). Vem para procurar o que está perdido, para
reconduzir ao rebanho a ovelha perdida. Tal foi a
descrição que nos foi feita no Antigo Testamento, a
Sabedoria eterna, a grande amiga do homem: "em
vor alta clama na. estrada, faz retinir nas. a1turas., no
caminho, âs portas da cidade._, e diz: "se a1guem é
pequeno, que venha a mim; vinde. e tomei o pão, be­
bei o vinho que vos prepa�ei" (11). Jesus cumpriu
9-1oft. ll, 18.
bedo
10- So ria, U, 25.
11-Prov 1, 20; 8. l; O, 4.
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D
82 P. MAURICIO MESCHLER, S. J. ,

rigorosamente eata profecia. Muito diferente, dis ­

tante desta como a terra do céu. era a idêia que, a sa­


bedoria estoica flnra da d ivindade. Para ela, Deus
vivia retirado num isolamento tristonho. Dos cumes
inacessivtis onde- fixara sua residência, não se digna­
va nem mesmo Jançar um olhar sobre a humQ.nidade.
Muito dierente ê nosso Deus . ..Ele nos apareceu e
entreteve-se com os homens" (12), sim "o Verbo se
fez carne e habita entre nós" {13). Nosso Deus gos­
ta da nossa convivência, é um Deus afavel que apre4
cia nossa sociedade.

II

Era, pois, missão do Salvador e coma que sua ta­


refa principal, o viver entre o& homens e com eles se
relacionar,. Estas relações foram o que não poderiam
deixar de $er1 infinitamente perfeitas no sentido mais
alto da palavra; assim foram porque nelas brilharam
tré:s qualidades.
A primei ra a mais nl!cessátia -ao Homem-Deus­
.

nas suas r�lações eom os homens, [oi a edifieaçâo. (\


atitude de Jesus d�veria ser tal que em todos os p'on­
tos de vista exc-itasse os homenS- â prática da virtu·
de e exercesse sobre eles uma influência salutar. O
procedimento de um homem é ediíic.ante quandiJ
sempre e em todos o.s lugares está de acordo com a
lei suprema da moralidade e exclue qualquer sombra,

12 -Bo.rucb, 8, ss.
l!l-Ju., 1, 14.

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J E S U S 83

qualquer dúvida de uma procura desregrada de si


mesmo.
Ora, .a regra essencial, a lei suprema da morali­
dade não é outra senão a vontade de Deus. Sempre
consultar esta lei, cumpri-la todos os dias o em todos
os lugares - nisto s«; res-ume a santidade da criatU·
ra. Vemos esta condição maravilhosamente preen­
chida por Nosso Senhor relativamente aos homens.
No conjunto du sua vida tal qual nos é descrita pelo
Evangelho, encontramos vá rias particularidades es­
tranhas que não nos podemos explicar naturalmente.
Se é vel,'dade� eietivamente, que, por sua missão, Je­
sus teve que se misturar o mais possivel com o povo,
porque pas•a Ele a malor parte de sua vida no mais
profundo retiro em Nazaré, vila obscura e calma,
ocupandcrse com coisas em que ninguem se ilustrou?
Por que não viveu Ele em Jerusalém1 a sede da gran·
de sociedade judía-t em contacto c om a classe diri·
gente. num emprego hon.roso e influente? Pbr que
começa tão tardiamente a espalhar sua doutrina?
Por que e-acolhe com uma preferência notavel a in·
significante Galiléia para teatro de suas práticas, de
seus atos, de. seus milagres? E, mesmo, porque per­
manecer neste pequeno pais quo é a Palestina, e não
ir, como certam�nte. lhe sugeriu seu grande coração
transbordante de zelo pelas almas, para a Grécia ou
Roma. de onde poderia atingir todo o univerj!O co·
nhecido? Isso parecia unto mais indicado, quanto
encontrou entre seu povo um acolhimento menos fa..
voravel: a obstinação dos. Judeus em perseguí-lo fe�
com que sua missão se tomasse esteril, sob o ponto

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84 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

de vista do raciooínio. E, no entanto, Jesus limita


suas atividades às estreitas fronteiras de seu p�ís na�
tal; para o -r�to do mllndo. não tem uma prédica, u m
milagre. Ainda mais, porque, no quadro restrito de
sua ati'\tidade, escolher como Apóstolos homens '\tUI­
gares? por que estas mudan!)"s contínuas? para que
estes milagres que dão a impressão de serem feitos
c.om o fito exclusivo de ferir e irritar seus initní·
gos? (14) Com que fim são essas relasões com pes­
soas de reputação duvidosa? Tantos enigmas müto­
sos somente são explicaveis p ela vontade divina que,
do alto ·do céu, regula a economia desta vtda maravi­
lhosa e a dirige desde sua origom até seu fim. En­
carado sob este ponto de vista da vontade divina,
tudo se explica nas ações de Cristo, tudo nEle é vir­
tud<', santidade, objeto de edificação. Nosso Senhor,
mesmo, repelidas vezes apelou para esta misteriosa
regra de sua vida, por ela justifica certas contradi­
ções aparentes. Cúmprir a vontade de seu Pai, eis
sua tarefa, a finalidade de sua vida, .seu alimento, sua
consolaç_io, sua lei suprema (15), que fixou o in.ício
de sua carreira e dirigi u seus passos tanto nos gran­
des como n.os pequenos atos. Viagens, prégaçÕB$.
simples conversas, nada é iniciado sem primeiratnen·
te ter recebido ordem de seu Pai celestial. n:ã..o repe·
Ie nenhum doa que lhe envia (16), nem o tímido Ni­
todexnos, nem a Samaritana, ne.m roeamo Judas, que
o deveria trair.
H- .To., 9, 16. - Lc. 13, 14-.

15- Jo., t, 34; 1!, SO: 6, 38; 8, 29. - Mt. 11, 26.
16- .To., O, 37.

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J E S U S 85

lt este olhar invariavelmente fixado na vontade


divina_, este perfeito acordo com ela_. que dá às Tela­
ções de Jesus com os homems todo seU valor mora1 e
seu cara,ter de edificação. Fora dai qualquer vida,
mesmo a mals sublime, as ações mais dignas de ad­
mfração, compreendendo as- d.o Homem-Deus, seriam,
sob o ponto de vista moral. sem autoridade, sem va­
lor; esta vida tornar�se-ía uma grande ilusão.. de be­
los exteriores cobrindo ul!la verdadeira desordem.
Nós mesmos não podemos aprt-oiar coisa a.lguma que
não esteja plenamente de acordo aom os deveres de
estndo, com a c.on ciência e o infaliv�l julgamento de
Deus. O homem é, de fa1o, o que representa aos
olhos de Deus, sua vida vale o peso que ipdica a di·
vina balança. "O que é agradavel a meu Pai(l?), eu
o cumpro e em toda a parte". A5s-im s e justific-a de
um modo espantoso a vida do H01nom-Deus, assim
são explicadas a autoridade e 11 for!rll que seu,; exem·
pios possuíam c ainda possuem sobre os homens.
] esus, em suas relações com o mundo1 propõe à
nossa imitação qm outro traço de natureza idênthla à
precedente. Várias vezes interrompe por aJgum tem­
po seus trabalhos exteriores afim de se dedicar à ora·
ção e de se entreter com Deus seu Pai (18). Inte­
riormente, o Salvador estava sem cessar unido a
Deus, e, em virtude da união hipostática e da visão
imediata de Deus da qual gozava, mergulbnva n,uma
oontempla!lào inínterrupta: Ninguem se abrazou de

17-Jo., 8, l!ll.
18-Lc. 6. 12; 9. 18.

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86 P. MAURíCIO MESCHLER, S. ].

um desejo mais ardente de gloritlcar a Deus traba­


lhando para a salvação dos homens. Mas, por i�so,
não se julga Ele dispensado de proc\U'ar a Deus na
oração; teria considerado sumamente inconveniente
• esquecer a Deus dedicando-se aos homens. Jesus
assim age af
im de satisfazer ao dever da oração que
Jhe cabia pomo Homem-Deus, para agir por este meio
em nosso fa,vor perante seu Pai, {â oração é_, c.om

efeito, um instrumento poderoso de salvação, e Cris­


to nos devia resgatar, não somente por seus traba­
lhoS- e sofrimentos_, como tambem como Mediador.
por sua oração) ; e, enfim_, pa:ra nos instruir por seu
exemplo. Por nós mesmost não somos tão ricos. que su­
portemoS- sem prejuízo as despesas espirituais que
acarretam nossas continuas relações com os homens.
e podermos .prescindir do socorro da oração. Somos
como um jardineiro cujo regador se enche por meio
de um gargalo estreito, mas que derrama a água por
mil buracos; condição desfavoravel para manter n.,
justo nive) nossa vida espiritual. É'" preciso_, pois. as�
segu.rarmo-nos pelo socorro da oração. Trabalhando
para o próximo_, damos; rezando, reoebemos. Se nãa
nos visse rezar, o mundo se persuadiria dificilmente
de que, com ele tratando, pTocuramos seu bem e a
glória de Deus ; c-reria que temos em vista nossa su..
perioridade e nossa -satisfação pessoal - e ficaria
edüicado?
Um outro carater das relações de Jesus com os
homens, igualmente nobre e admiravel, é a sinceri·
dade, a completa veracidade. Em suas palavras, no3
seus processos, em todo seu modo de tratar o mundo,
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J E S lf S 87

nada de equiVoco, de falso, nada que se assemelhe à


diplomacia, à política. Falando, não usa de meios pe­
sos ou meias medidas como algumas pessoas. Gosta
de todo o mundo sinceramente. as finalidades interes..
seiras são lhe estranhas. Sem todavia tomar caminhos
desviados, procura conquistar o homem pelo bem que
lhe deseja, e não faz o cego como instrumento de
seus interesses pessoais. A todos declara franeamen·
te a sorte que os espera na sua companhia_, não lhes
esconde cotaa alguma, nem mesmo as mais duras con­
dições (19). As reprimendas merecidao, fá-las com
toda independência, a todos pede sacrifícios idênti­
cos, bem inferiores, no entanto, aos que Ele mesmo
se mi põe (20). É precisamente por esta franqueza
que. o odeiam os Faríseu.s astuciosos e hipócritas.
Contra estes m-alfeitores da mentira e hipocrisia" Je­
sus podia ser terrível por sua sinceridade (21). Foi
ela que o conduziu ao Calvário. Coisa verdadeiramen­
te estranha, esta virtude tão bela, tão nobre, �'ão ne­
cessária para os q'Ue lidam com os homens! E. no en·
tanto, sem falar do mundo falso e desleal por si mes­
mo, ela Ialta, algumas vezes, a pessoas aliàs esson·
cialmente boas e sinceramente desejosas do bem. Ha­
verá -ai um desagradavel erro ou uma espêcie de de-­
formação de carater? . . . Em todo o caso há, segura­
mente, falta contra os deveres da vida social. Nosso
próximo tem direito ã verdade, não quer ser mane­
jado como um instrumento cego, mesmo no seu pró-

19- LC. 9, 58; XI, 51. - Mt.. 10, 21. - Jo.. 16-2.
20- L<>. O, 23t 14, 28. - Mt. 10, 24. - Jo., 1�. 20.
21- Ml. cap. 23. -- Le. 9, M; 11. .:!. - Mt. 16, 23.
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88 P. \'I!AURíCIO \'I!ESCHLER, S. J.

pr-io interes-se. Esses virtuoaos diplomatas podem ser


santos, mas não o são inteiramente à maneir a de Je..
sus Cristo; e, se chegam a perder a confiança dos
que os cercam, não dcvtm queixar·se senão desta es-­
pécie de enfermidade de seu carater. Assim tambem
é necessária, para se ser sincero. toda a coragem de
um homem e um eompleto desinteresse.
Uma segunda eondi!jão essencial para a edifica­
ção dos homens é. precisamente, esse desinteresse. O
mundo deve-se convencer de que, ass-im proct!dendo,
em nada nos deixamos conduzir pelo egoísmo. Quão
belo é o exemplo de Jesus! Se fosse do seu desejo,
então não se teria assegurado Ele de vantagens pes­
soais, de bens temporais, de ale:b"t'Ías terrestres, do
favor do povo, Ele que tinha tantas relações! E que
vciu a ganhar? Os fatos falam por si. Que fortuna,
que bens · lhe trouxeram seus ensinamentos? Como
poderia Ele ter enriquecido com seus mila_gl;'"es curan·
do os enfermos! E nada possuiu, nem mesmo lugar
onde repous<�r a e11beqal nem mesmo um óbolo par�
a oferta ao templo {2Z). Qui& viver e morrer pobre
afim de nos dar um modelo completo da pobreu apos­
tólica. Eis porque lidou sobretudo com pessoas po­
bres e modestas, incapal<es de lhe trazer algum bene­
ficio temporal. Por prindpio, não excluía os ricos de
suas relações, mas não os procurava tão pouco; espe..
ravn que a Ele viessem e_, ao deiri
·los, não aceitava
deles senão o testemunho de sua gratidão. Quanto ao
prazer sensivel que se pôde experimentar nas reJa..

22-1\\l. 17. 26.

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J E S U S 89

ções exterioresJ Jesus ainda se mostra tambem pobre


e desprendido. Sua reserva, lidando com as mulheres,
é um fato digno de registro. Cura as, reeorre aos seus
..

servigos no interesse de seu reino e de seus Apósto·


los, porém evita tudo o que poderi-a ser tido como li·
sonja (23). Por assim dber, n5o conhece mais sua
pátria nem os seus; e mesmo, em suas lições e pres­
crições, se algumas vezes é &eve.ro, intransigente,
quasi áspero para com seus Apóstolos, é precisamen­
te quando fala do amor da família e da oasa paterna,
do apego à oarne e ao sangue, onde a satishçiio sen­
sual repousa tão complaeentemente, buscando, assim.
inteira compensas_ão às privações que a vocação im­
põe (24). Jesus tombem não procura tornar-se o fa­
vorito do povo enc::orajando..o em seus prazeres, o par­
tidá
rio das- pessoas influentes e poderosa!-., e a se ver
assim exaltado, elevado ao pedestal pelo favor públi­
eo Ele não era o Messias que esperavam os Judeus.
.

e tornou-se um escândalo a seus olhos carnais (25), o


flagelo de seu orgulho nacional, o jui.% inexoravel de
seus crimes contra a moral. Tal foi a conduta de Je­
sus relativamente a tudo o que põde encorajar o
egoísmo e a procura de si mesmo. Non .tibi placuit:
para coisa aJguma Ele se procurou. É a frase tão ex­
pressiva pela qual o Apóstolo São Paulo resume e ca­
racteriza as relações de seu divino Mestre com os ho­
mens (26). Nada queria receber dos homens, queria o
23-.To., 4, 27.- Lo. 10, 41. - &te. 7. 27.
24-Lo. 0,1)9, 62! 14, 211-95.
26-Mc. 7, 23.
26-Rm. 15, 3.
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90 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

homem e:rn si mesm.o e o queria, não para si. Jesu3',


mas. para Deus. t, em resumo, para o próprio homem.
Ei$ o ensinam.ento divino que tiramos de sua vida e,
mai-s csp�dalmente. em suas relações para conosco:
lição essa de importância capital para todos mas, so·
bretudoJ para aqueles que, por sua vocação, trabalham
para a salvação das almas (27). Um tal desinteresse
dá liberdade e segurança, assegura a autoridade. a in�
fluinc.ia, a força. Nada edifica, persuade tanto como
o verdadeiro desinteresse. Diante dele tudo se incli·
na. Fala a língua do sacrificio e da abnegação. Nada
impõe mais respeito e admiração.
Uma outra qualidade ainda contribue para tor­
nar perfeitas a!:i relações de Jesus com os homens:
elas lhes foram salutares e benéfica&. A beneficência
não ê- outra çoisa -se.nào a caridade atlva que se esfor·
ça por ajudar o próximo em seu corpo e sua alma;
por lhe fazer o bem; é a misericórdia no mais alto
sentido da palavra. �enbuma vida, nenhuma ação fo·
ram mais uteis, mais benéf:ic.as �os homens do qui! a$
do Salvador. El� fazia o bem a todos os que dele se
aproximavam, procurava todos os meios de lhes ser.
uril. Pela palavra e pelos atos. por intermédio de
seus ditscursos e por seus exemplos, instruiu seus
Apóstolos e todos seus fiéis, seus amigos e inimigos�
os que o recebem e os que o repelem; cura os males
do corpo e os da alm-a, tem milagres- para todas as ne�
cessidades, mesmo para as menores dificuldades da
vida. Em todo o lugar onde existe miséria, vem espa..

27- St. Tom4ff, a, q. 4.0 a., 3.


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J E S U S 91

Jhar o bâlsamo consolador de sua bcnção. Quando se


trata de ajudar e de consolar, serve-se de tudo para
operar milagres, d e sua palavra, de sua mão (28), de
sua saliva (29), da própria orla de sua roupa (30). De
si emana uma força que cura todas as doenças. Mas,
para ser benfeitor, fu-se trabalhador e seu trabalho
é contínuo, penoso, esgotante. A noite e o dia o en­
contram ocupado em procurar o bem e. a felicidade
dos homens. Afim de estender a todos cs povos e a
todos os tempos sua açio benéfica, fuda a Igreja. ins­
tituição apta, ent.re toda•, a espalhar os beneficios e
a dar- fe.licidade; institue os Sacramentos� estabelece
a hierarquia dos Apóstolos que, animada de seu es­
p!rito, deve prosseguir na obra do seu amor. Como
esse desejo de no• tornar felizes se manifesta tão ni­
tidamente no sermão em que Jesus explica aos Após­
tolos e aos Disclpulos seus deveres de pastores! To­
das. as forças de que dispõe para fazer o bem. até aos
dons da graça, EJe·lho,. ccmunica para que se tornem
os bemfeitores das almas e dos corpos i e. se não po­
dem fazer outra coisa, que ao menos desejem a pa�e
aos habitantes das casas onde entrarem {31). Eis ai
tudo o que Jesus se propôs fazer aqui na terra: tra­
balhar sem descanso e por todos os meios para pro�
porcionar o bem aos homens. E, quanto mais seu
fim se aproxima, mais seu Coração o impele a cedo..-

28-Ml 8, 3; 20, 34.


29-Jo.. 9, 6.
30-ML 9, 20.
.. - Le. 10.
a1- ML 10, 12 5.
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92 P. MAVR1CIO MESCHLER, S. J.

brar o esforço de seu amor. u·oevo :realizar a obra


daquele que me enviou, enquanto ainda se faz dia;
eis que vem a noite durante a qual ninguem pôde tra ....
balbar'' (32).
Esta beneficênci� o Salvador a exerce exterior·
mentet não soment� com eon$tância, sem se canscr,
mas t4mbem com facilidade, de boa vontade, com
uma alegria se.re.na, mesmo em circunstâncias que,
naturalmente. falando, deveriam alter-ar todo pra2er.
Quantas vet:es te:ve. ele de reprimir o mau humor e a
indignação do,. Apóstolos diante da indelicadeza, da
importLmidade, da grosseria dos solicitadores (23) I
Espalhando seus beneficios, Jesus era animado inte­
riormente por uma verdadeira bondade de coração,
não somente por esta bondade natural que procura
e gosta de se expandir, mas por uma bondade nasci­
da dos màis sublimes motivos de virtude. Cumulou·
nos de dons porque amava a Deus e a n6s, por Ele.
Via em nós criaturas como o era sua humanidade" ir·
mãos, filhos de Deus cujas necessidades são imensa.s
e de que tinha a missão.J .recebida de Deus.J de torná·
los felizes. Como uma onda clara e pura.J o beneficio
jorrava de seu coração transbordante d.o amor de
Deus e do& homens.
1'Eie é bom" (34), o povo o sentia em sua presen·
ça e dizia: "Jesus passou praticando o bem e curan·
do todos os males (3S). O lavrador cultiva sou campo
32- .To., 9, 4.
33-Mt. 19. 4.
34- Jo., 7, 12.
3:í-At. 10. 38.

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J E S U S 93

da manhã à noite e espalha à direita fi à t�squerda o grão


dourado que fecunda os campos mortos, dando-lhes
a benção da vida. Assim fez o Salvador. Com aua mão
lncansavel, espalha os beneficios sobre a planície de·
solada que habitamos, até ao instante em que esta di­
vina mão se abaixará à ina;ão da mort� Sua última
recomendaçào. ei�la: "Amai-vos uns aos outros� como
eu vos amei" (36). A súbnlme e tocante conta que
prestou a seu Pai ê! "A obra que me confiastes, eu a
cumpri" (37), e o"" ültimo suspiro que saiu de seus lá·
bios expirantes: ..Tudo está cons-umadou (38). Tal é
a 'tripla conclusão de sua vida toda de benefícios.
Assim, à tarde� terminando sua carreira, o sol brilha
com um último �splendor. Parece resplandecer de
uma alegria celestial abrangendo com o olhar o tra­
balho feito durante o dia; mede os benefícios de con­
solação e de vida que espalhou sobre a terra entre os
homens e depois, satisfeito o orgulhoso, inclina a ca­
beça sobre a nuvem da terra como para repousar.
Possamos nós, deixando a terraJ ter tambem a
consola�ão de dizer : de cada um dos que abandona­
mos, temos direito a algum reconhecimento t lt ne·
eessário tão pouca coisa para ía•er algum bemI Sem
falar em outros meios, há o bom coração, as palavras
afetuosas, um olhar benévolo.. os pensamentos e dese­
jos caritativos, meio de fazer o bem ao alcance de to­
dos; por e)e. só, é·se capaz de .realizar maravilhas de

aG -Jo., 15, 12.


37 -Jo., 17, 4.
38 -Jo., 19, SO.

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94 P. MAURICIO MESCHLER, S. J.

benfeitorias. O que nos faltar, a oração o fornecerà.


O verdadeiro inimigo dat generosidade não ê a po..
breza, porém a preguiça, a negligência, o egoismo
que :se deix-a levar a uma vida sem ideal., sem finali..
àaàe, $em utilidade, da qual ninguem sente tanto o
peso e a vergonha como o infeliz que a leva. Um ho­
mem de coração verdadeiramente nobre não póde ter,
ao deixar a terra, senão um só pesar, o de não ter
realizado um bem bastante sério.
Enfim, uma terceira qualidade concorre para tor·
nar perfeitas as relaçõe-s do Salvador com o homem,
é a amabilidade.
É necessário, primeiro que tudo, fazer-se uma
idéia precisa do que e a amabilidade; como todas as
virtudes, tem esta uma falsificaçã o no mundo. Ama­
vel, no verdadeiro sentido da palavra, é, antes d�
"
tudo, aque!e que ama verdadeiramente. Nada de mais
amavel do que o amor, s6 ele faz nascer o amor reci­
proco, mas deve ser desinteressado, nascido da bene•
volãncia.
O egoismo, eis. o que estraga e mata a amizade,
esta perece ao primeiro contacto, à mín1ma manife&­
tação do egoismo. Assim, o amor ê amavel, mas não
se deve limítar a uma benevolência interior (pois
esta -só é apreciada por Dreus e os Anjos), deve tra..
duzir-se exteriormente na atitude, nas palavras, nas
obras. Estas manifestações da verdadeira amabilida­
de consistem em relações cheias de deferência, afa­
bilidade, numa simpatia cordial que toma parte nas
dores e alegrias do próximo, na delicada atenção que
se dá em tomar os seus desejos como se ordens fos-

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J E S U S 95

sem, na disposição em que se estã em prestar·lhe ser­


viços; ela é uma espécie de intuição viva, pronta, de­
licada, de tudo que interesse o homem e que conoer­
,ne às suas faculdades nnntrais, inteligência, imagi..
nação, sensibilidade; é feita de paciência em suportar
as imperfeições do próximo, de modéstia e tacto em
mandar, louvar ou repreender. Todo aquele qae qui­
ser ser amavel deve manter-se em guarda contra a dis­
tração_, o capricho, a paixão, todas as coisas que tor­
nam tiio penos
a a vida de sociedade. Eis os traços que
compõem esta virtude que se chama amabilidade;
assim compreendida e praticada. ela e uma t"e-sultante,
uma emanação "Suave de todan as virtudes, está garan­
üda para conquistar o coração dos homen:;.
E assim foi o Salvador, amavel na mais bela e
completa acepção da palavra. Ele não era um legisla­
dor rígido, um preceptor austero, um homem de ne·
gócios que nada vê senã,o .seus negócios.
Que Ele soube atrair e g311bar os corações, é o
que nos mostra logo de U1ído 11ua prégação. Ai nos é
descobe-rta, não sô sua. grande inteligência e alta sa·
bedoria que fala a simples linguagem da5 cri011ças,
como tambem sua profunda sensibilidade e a fres·
cura de sua imaginação. O homem que assim no& fala
pertence ve.rdadeiramente a fteU paí
s, a $CU -povo, ao
seu tempo. Nado lhe é estranho; o amado resplendor
de sua pátrin, as flores que atapetam seus campos. os
animais qce os povoam, o céu azul e o sol que nela
b:rilba, os usos, os. costumes. as necessidades de seu
povo, a miséria de sua época. . . tudo observa, tudo
lhe ehega ao coração e tudo isso lhe serve de moti-

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96 P. MAURICIO MESCHLER, S. ]._

I
vo para seus sermões. Por mais compenetrado que es�
teja da grandeza e da importância de sua missão, en-
contra sempre. tempo para as mais pequenas. coisas.
Executa cada uma delas como se não tivesse outra
tarefa, com cuidado paciente e amavel. Como se de-
dica tão eordialmente às crianças! (39). Quanto é in­
dulgente com os pecadores, mesmo os mais infa-
mes! (40). Quanta paciência em esperar as boas von-
tades! (41). Como sabe delicadamente louvar o bem
praticado (42), reprimir o mal com doçura {43). or-
denar com modéstia (44) I Não esquece necessida-
de alguma; em sua oração do P.adre..Nosso faz mes-
mo uma súplica para o pão quotidiano. Sua padên-

cia e posta à prova por tod-as as misérias. e teve que


as suportar, grandes e numerosas, provenientes de
seus circulas de relações (45). Ê apelado por todos
os lados, de todos os lados reclamam milagres; in­
cansavel, coloca-se Ele à disposição de todos, não
exigindo recompensa ou reconhecimento de pe.ssoa
alguma. Não faz valer seu direito soberano sobre a
vida dos que curou ou re-ssuscitouJ ·e 6 com uma gran-
de delicadeza que repõe os que salvou nas mãos de
seu pai ou mãe (46). E quanto reconhecimento para

ll9 -L<. 18.ló.


�o-Jo., 8, 10.
41-Me. 6, Uti.
.(2 -Mo.. 5, 34... - Mt. S. 10; 15, 28.
49-Jo., 6) 14; 20, 27.
+4--Lc.._ 5, 3.
45-Lt. 7, léS. .
46-Lc.._ 7, 15, 9, 43.

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J E S U S 97

o mínimo serviço que lhe prestaram, para a mais pe­


quenina prova de afeiç ão (47) I Duas vezes, pelo me­
nos, Jesus derrama lágrhnas de compaixão. e delas
não so envergonha (48). Foi, porém. no incomparnvel
discurso em que. disse seu adeus .aos discípulos que
nos -revelou do modo mais eloquente, mais tocante.
seu coração transbordante de amor, de ternura, d�
sens-ibilidade_, aberto e acessivel a t.odas .as nobres
emoções. Tudo o que havia dito e ft!ito até então ba ..

vía-1J1e sido inspirado pelo amor escondido que fazia


bater seu coraçãD, porém, aqui, põe a descoberto esse
grande amor que se rompe em dta claro, que se ex­
prime. por palavras e acentuações tah como ainda
não tinham sido ouvidas. Este discurso da Ceia é,
verdadeiramente, o canto de triunfo, a grande e in­
falivel manifestação de amor, do amor que -se revela
ele próprio e quer ser correspondido, do amor que
fala. para consolar e prorneter, do amor que se exalta
numa admiravel e sublime oragão na qual Jesus jun­
ta suas mãos e dã .a seu& Rlhos:. uma suprema ben­

ção (49). Se o amor torna arnavel, quem negarã que


o bom Mestre o foi sem medida. Ele que ''amou os
seus que estavam no mundo, e os -amou com um amor
transbordante, exce-ssivo?"' (50).

n-Lo. 5. 4 . - Me. u, 9.
48- Jo., 11, Sõ. - Lc. 19. u.
19-Jo 15, 16, 17.
.•

60 - 1o. 13, 1.
.

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6
98 P. MAURiCIO MESCHLER, S. J.

III

De tudo isso muitas conclusões se podem tirar.


Primeiramente, u·ma coisa que. Sê impõe à n ossa
admiração e -no n osso -amor. Dizíamos no começo que
as relações de um homem com os que o cercam são a
expressão mais segura, menos dissimulada de suas
idéias, sentimentos, carater e virtudes. Ora Jesus,
nas suas relações com os homens, dá-nos em tudo o
exemplo da mais nobre e mais completa virtude, -re­
vestida dos mais atraentes exteriores. De fato, até à
vinda de ]esus de Nazaré, ainda n-ão lH! tinha visto
um homem cuja virtude fosse, ao mesmo tempo, tão
humana e tão alta e, no e,ntanto, acima do terrtstrc.
ll: injuriar a amaqeJ virtude do JOSI.IS compará-la com
a cortezia • i!legântia gregas ou o procedimento enér­
gico, decidido e conquistador dos Romanos; apenas
ousamos compará-la à pureza, à harmonia e majestn·
de com que brilhava Adão no fulgor da justiça origi­
nal. . . Mas. que é isso tudo diaqte de Nosso Senhor
Jesus Cristo? Platão tinha razão em dizer que o pro­
tótipo da beleza na virtude .ainda não apa�ecera ao
homem. Foi Jesus quem a exprimiu. Este conjunto
harmoniosamente belo de todas as virtudes, apresen­
tando-se sob as formas de uma vida comum, porém
pura, benfazeja e afaqe), prova que Jesus é homem
mas, ao mesmo tempo, Deus. Querendo Deus reves­
tir-se da natureza humana e entreter-se conosco, não
poderia fazer de outro modo senão como Jesus,
.,cbe�o de g.raça e verdade... u·A bondade, a mansi­
d5o de Deus nosso Redentor, apareceu aos b_o..

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J E S U S 99

mens" (51). Foi nestes termos concisos e exatos que


S. Paulo traçou o retTato exterior de Je.sus. Assim,
num horizonte mais largo, nos aparece a doce figura
da eterna Sabedoria. Não somente ela se confunde
com os homens para os instruir, mas os segue. pro­
cura. precede e espera, sentado no limiar de sua m�
rada. Foi ela quem estabeleceu e regulou a ordem H­
sica e moral, que elege os reis e guia os povos. Como
uma amiga, como mãe carinhosa_, toma cuidado eom
o homem, seu dísGipulo, seu filho; protege--o, educa-o
com uma condescendência, um cuidado tocante (52).
O Salvador, e,m -suas relaçõea com os homens, foi esse
ideal vivo. Ai tambem encontramos a explicação de
seus maravilhosos êxitos. Sem dúvida alguma, sua
alta sabedoria, sua poderosa eloquênda, seu poder
de operar milagres, o po.rfeito acordo entre 11ua vida
e sua doutrina foram meios muito eficazes; deles se
serviu Ele pnra levar a cabo sua missão, e eles bas­
tavam para convence.r os inteligentes. Para sensibili­
%.ar porém, e conquistar as almas, tinha Ele um ins.­
trumento igualmente poderoso-f era a amabilidade de
seu carater, o encanto de sua convecsa, a ternura de
seu c:oração. Deus bem sabe q11e o nosso olhar, todos
os nossos sentidos traduzem os sentimentos do nosso
c:oração_J por ísso atraiu-nos Ele pelos "Inças de
Adão'' (53), prendeu-nos nas malhas atraentes de seu
amor e encantos de sua conversa. Vemos, no Evange..
.
fil- TiL 2, 11; 3, 4.
52- SAbedoria, s. 13: 7, 21; 6, iO; 1�12. - lJVTO Ecl.-
5i4stico, cap. 24.
53 -Oolao, 11, 4.

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100 P. MAURtCIO MESCHLER, S. J.

lho, como um seu olhar profundo • doce transforma­


va em apóstolos homens terrestres, pecadores em san�
tos, e conquistava oo próprios ini migos (54).
Temos, poisj bastante.s coisas para admirar, ama-r
e mesmo imitar. Era1 aliás, no dii!er do Apóstolo, a fi�
nalldade de sua vida: " A bondade e a benignidade
de Deus nosso Salvador apareceram a todos os ho­
mens afim d� que. vivamos. na justi�, piedade e tem..
perança" (SS). O espetáculo de um homem virtuoso,
mesmo de uma bela obra de arte, é capa� de nos ele­
var_, de nos. tornar melhores e mais santos. Aqui não
ê mais uma bela natureza, não é mais uma beleza
plãstica, ó a própria graça que conduz ao céu, porque
Jesus ê o caminho, a verdade e a vida. Traçamos, em
linhas bem pálidas, a imagem do Salvador lidando
com os bo�ens. Que magnificõ conjunto de virtudes
Ele nos apresenta! Se o imitarmos, seremos bons,
uteis. santos. - É um fato, vivemos no mundo entre
os homens. devemos com eles conviver e1 ao mesmo
tempo. nos santificar, ganhar o céu. Nada ó melhor
para nos guiar e instruir do que o exemplo do Salva­
dor. Na escola do mundo sofre-se uma espécie de
adestramento, de di�ciplina toda artificial, vazia de
virtudes. O mundo vende a preço módlc.o a receita
da amabilidade e todos a desejam. Que são, no entan­
to. as conveniSnciasJ os modos distintosJ a slncerida�
de, o desinteresse tais comD o compreende o mundo?
se aqui a palavra_ de Nosso Senhor: •1Se vossa
Aplica·

54--M.c. • 14.. �- Le. 22. 6L


55 -Tito, 2, 12.

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J E S lT S 101

virtude não se ele-va. majs alto, não entrareis no reino


dos Céus" (56). Afim de aí chegar, é necessário a
todo preço ingTessor na escol-a de Cristo.
Esta escola e-xiste para todos mas, especialmen�
te, para os representantes do Mestre, que possuem
seu poder, sua autoridade, que prosseguem na sua
obra, para os que exercem. junto aos homens, o 1'man­
dato" de Cristo (57), isto é, os padres da Igreja ca·
tólica. Profundamente compenetrado de sua missão,
o padre deve ser o represe-ntante de Jesu5, não somen­
te pela promulgação oral de sua meoougem, como
tambem exprimindo-a pela dignidade de sua vida. �
esta nece-ssidade se impõe ao padre catôlico tanto
mal& imperiosa quanto deve ele transmitir ao mundo
a mensagem de Deus não indiretamente, por meio de
quaisquer escritos, mas de viva voz, mostrando-se·
lhe e dando·lbe o exemplo de uma santa vida. Deve
ele ser o verbo vivo. o Evartgelho de Deus incarMdo.
O padre não saberia desempenhar dig11amente sua l
fun9ões senão �ra�endo em sua pessoa uma espécie
de distinção ao mestno tempo divina e humana. Sua
atitude em face dos homens deve assemelhar-se à de
Cristo. E e isso mesmo o que Jesus nos ensina: ma
vida é o modelo da vida e da ação �aeerdotais. Nela e
por ala o sacerdote se torna '"" o bom aroma de Cris­
tou (58) : é apóstolo porque anuncia c prega Jesus
Cristo. é evangelista porque, no seu modo de tratar
os homens, recorda e representa o Mestre.

56-J.IL 5, 20.
57 - n Cor. 5, 20.
ss-n Cor. 2. 15.

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CAPiTULO IV

PRECAÇ.ltO DE NOSSO SENHOR


ENCARADA SOB O PONTO D E
VISTA DIDÁTICO E ORATóRIO

A eloqu!neUi stmpre foi admirada pelos homens


e considerada como um dom sublime, divino, como
sendo o sinal de um espírito superior-. É, com efeito,
o cet[O que governo e dirige os corações, a espada
que combate nas lutas do espírito e decide seu desen·
lace. Para nós, sempre foi o instrumento das mais ri­
cas benc;ãos, da salvação e da revelação divina. Ci·
tam..se resultados maravilhosos obtidos pelos homens
eloquentes .anunci
ando a palavra de Deus.
Tudo, porém, ·se apaga diante da eloquência do
Mestre inc:omparavel que. upoderoso em palavras e

obras" (1), percorreu a Palestina ensinando e pré·


gando, trazendo o povo após si: Nosso Senhor e Re­
dentor, Jesus Cristo. Possuía Ele todas as qualidadea

l- Lc. 24, 19.

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104 P. MI\.URfCIO MESCtfJ,BR. S., J.

de um ptrfeito mestre. Era conhecedor de todas ;u


matérias de ensino� tirava sua ciência do& tesouros
da divioa aabedoria e, por sua dupla nature%3 divina
e humana, dispunha conforme seu agrado da graç:>.
interior em favor de seus ouvintes. Era o mes-tre de
todos os Doutores_) ao mesmo tempo Deus e homem
numa só pe&!.oa. Assim sendo, o resultado de sua pa�
lavra foi enorme. Todos os Evangelistas estão de
acordo em nos relata� os tnagnlfico!< Sxitos de iUBs
prédicas ao povo.
Todavia, esses Exitos_, Jesus não os deveu unica�
me.nte aos meios de ação sobrenaturais de que dispu..
nha, mas tambem às qualidades. naturais de seu ensí..
no e de sua eloquêntia, qualidades essas que esboça·
remos aqui.
O dom oraório
t do Homem·Deus t eis- ai um
atraente é acertado estudo para nos aproximarmos do
Salvadorl para noa fazer melhor conhecer a grande ..

za e beleza naturais de sua inteligência. para nos ins­


pirar admiração e amor à sua pessoa.
Afim de obter por seus discursos um resultado
duradouro. o orador deve-se dirigir a todas- as facul­
dades de se·us ouvintes e tornar·se senhor do fim por
ele vi
sado. Seu assunto deverá. ser claro. agrad-ave.l.
prôprio a subjugar .a vontade. Para isso e necessário
que o orador, pela elevação de seu espírito e p�la sua
clareza, haja sobre a inteligência de seus ouvintes,
cative -sua imaginação e sentidos. e seja poder'o$0
para fa.2er querer. Tais são os traços que caratteri·
zam o' método didátioo e oratório do Nosso Senhor.

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J E S U S lOS

Quatro qualidades de seu esptrtto contribuem


para dar ao divin-o Mes:tTe uma ação poderosa sobre
seus ouvintes.
Primeiramente a clareza. Ela e devida. em gran·
de parte, à singular concisão, à precisão com qüe Je·
sus se exprime; em seguida, à simplicidade na expo4
siç.ão e desenvolvimento dos pensamentos e verdades.
Com o• Profetas, o espirito nos aparece como que
abatido sob o peso das rev•lações que lhes slio feitas,
luta penosamente com a expressão. recorre ao céu e
à terra afim de encontrar imagens e comparações que
corrospondam à realidade.
Com Nosso Senhor dá.-se o contrãrio, a palavra
flue como uma clareza. uma impidez,
l uma faciüda·
de natur-ais, assim como correr, borbulhando, as on­
das de uma fonte viva. Essa clareza está especial­
mente favorecida por um certo carater de universali·
dade de que esâ t impregnada a eloqu�ncia de Jesus.
É ele Doutor da lei em Israel, não somente para
ürael, mas para tqdos os tempos e para toda a huma­
nidade. Seu dogma, sua moral devem servir de fun..
damento intelectual e moral às futuras gerações, Sua
doutrina deve, po-is, -ter esse carater dl'! univ·ersalida·
de e nós o constatamos. Jesus é filho de Abraão, fi­
lho da terra prometida. e Profeta em lsralól; tambem
a religião de Israel, seu pafs. seu povo. sua históri�
seus costumes se refletem em seus pregadores, ma&
sem prejuízo de sta universalidade de que falamos.
Uma comparação estab.,leeida eom um capitulo to-

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106 P. MAURíCIO MBSClfLER, S. J.

mado a esmo num Profeta ou um trecho de eloquên­


eia rabínica antiga confirmaria plenamente esta tese.
Jesus é Deus-Homem e Filho do homem, e sua elo­
quéncia retrata o belo ideal da pura humanidade.
A segunda qualidade do espírito, de que dá pro­
va Nosso Senhor em seus discursos, é a profundeza
e elevação. Necessário ser-ia lembrar aqui inúmeras
imagens engenhosas. por exemplo o olho comparado
ao archote, o espírito interior, a intenção denomina..
da o olho da alma (2). Depois, são espécies de j<>gos
de palavras de sentido muito profundo: ..Deixai os
mortos sepultar os mortos" (3), '"Elias (Joii:o Batis·
ta) já veio'' (4) ; e essa• três misteriosas palavras:
Esplrito, sopro, dom, pelos quais designa o Espirito
Santo (5); esta aproximação muito exata entre "o
sono • a morte" (6), a "vida e. a alma" (7). Mas é so­
bretudo no discurso em que nos promete a Eucaris­
tia (8) que a eloquô.nci,a do Salvador se revela em
toda sua profundidade e esplendor. A palavra pão
forneee-lhe ensejo para revelações sublimes por sua
natureza, sua missão, seu papel êm face da humani­
dade, sua presença e sua <1�âo futura no Santíssimo
Sacramento. � sempre a mesma idéia, mas q�e varie...
dade, que riqueza na exposição das verdadesf � a

2-Ml. 6. 2
2 . - L<!. 11. 3(.
3-Lc. 9, 60.
•-Mt. 17, 11, 12·.
:S- J"o.l 8, 8: 4. 10�
6-Mt.. 9, 2 4. - Jo., 11, U.
7- Mt. 111, 2:;,
8- :ro., eap. o.

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J E S U S 107

ocasião de mencionar certas passagens que -são ver·


dad�iras visões e descobrem ao espírito um mundo
de mistério&. Atentemos em algumas das palavra.s de
Jesus, estas, por exemplo, pela• quais acolhe seus
discípulos em sua volta: '1Vla Satannz.: c.air do céu
como um raio". "'Sêde bendito, 6 meu Paj, vós que es·
condestes isso aos sábios e os reveJais aos bumi1des''.
..Tudo me foi confiado pelo Pai, e nenhum outro-' a
não ser o Pai e aquele a quem o Filho quer revelar,
sabem quem é o Filho" (9). Estos poucas palavras,
como clarões, iluminam, o mistério da predestinação,
seu desenvotvi.mento desde a origem dos séculos até
os dias do F'ilbo do homem e o fim dos tempoa. O
ponto de partida, assim como o centro deote magni·
fico desenvolvimento, não é out..-o senão o Home)ll­
Deus., fonte de todo eonht!cimento natural e -sobrena­
tural de Deus, como de toda salva�o. Ouçamos, ain­
da, as palavras que Jesu,; pronuncia om SiGhem,
cujos habitantes vê (10) aproximarem-se, e lhe �aem
dos lábios quando os Gentios se aproximam dele no
templo, na hora em que os deixa para sempre (11);
essas palavras nos mostram que grande messe a Igre­
ja recolherá um dia entre os Gentios e s magnificên�
cia da nova Igreja assim formada. Mais tarde, vendo
a persegui�ão tornar·se ameaçadora, Jesus exclama :
10Vim trazer o fogo à terrau, e "Vim trazer -a espad�
não a paz" (12). Estas palavras fazem entrever de que
9 -Lc:. 10, 21, 22. - Mt. 25·30.
10-Jo., 4, 95.
11-Jo., 12J 24, 25, Sl, 32.
12- Le. 12, 49. - ML 10, St.

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108 P. MAURíCIO ,MESCHLER, S. J.

espécie serão as tempestades que hão-de atacar o


Cristianismo ; este dtverá, sob o ferro e sob o fogo,
abrir caminho atrav6s do mundo. Algumas destas
esplendidao passagens podem ser consideradas como
verdadeiras profecias. Na parábola do mau rico, por
exemplo, diz que seus irmãos não creriam. mesmo se
Lázaro lhes fosse envia do do céu (13). Por essas pa­
lavras pôde-se considerar predita a incredulidade dos
Judeus, que persistiu mesmo depois da ressurreição
de Lázaro e da de Jesus-Cristo. Essas palavras "Des­
trui este templo, pois en o reedificarei em três
dias., (14) são uma verdadeira profecia referente â
ma mortt e ressurreição. Uma outra predição_. esta
horrorosa, diz respeito à ruína do povo. Diot Jesus
que "o fim de Israel nrá pior que seu passado" (15).
Signifiea, por ai, o te)llpo vlr�douro em que e!te povo
não m:tis será enganado pe)o demônio da idolatria.
porém levado pel1l fúria do fanatismo religioso, como
um demente que, persegui do com sua raiva a Deus e
aos homens, precipita-se ele pr6prio na ruína tempo­
ral e eterna. Há palavras d e ·Jesus que somente a
eterna e divina sabedoria poderia pronunciar: •Sou
.

a verdadeira cepa de vinha" (16). "Sou a lu2 do mun­


do" (17). ''Sou a fonte de lâgua viva" (18). "Sou· o ca-

12 - Lc. 16,31.
14-Jo., 2, 19.
16 - Mt. 12, !5.
10 -Jo., 15, L
17 -.Jo., 8, 12.
19-Jo., 7, 37.

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] E S U S 109

minha, a verdade, a vida�t (19). "Sou a ressurreição e


a vida" (20). São como que raíos de sol que.. projetan­
do seu clarão sobre o C3mpo imenso da vida, do ver­
dadeiro_, do belo. da beatitude� permitem-nos entre­
vê-los um instante. Verdadeiros abíGmos, profundida­
des para nós in-aondaveis. em que -o olhar se crava e
o espír-ito se perde, sem enco�t�trar Hmit�s: somente
Deus conhece sua imensidade.
Uma terceira qualidade de espírito nos aparece
noS- discursos de Nosso Senhor, ê a vivacidade. a
oportunidade de suas réplicas.
Que Iorça e que penetração quando, por exem­
plo, certas palavras da Escritura. que facilmente -pa�
reciam sem grande alcance_, se referem à imortalida�
de da alma (21) e à divindade de sua própria pes­
soa (22) 1 Que calma triunfante quando fntstra ns ar­
madilhas escondidas sob as palawas astuciosas de
�us inimigos I A observância do repouso de sábado
era objeto de continuas discussões; c:om que argu·
mentes perentórios condena Ele as observâncias exa­
geradas e falsas! Ora invoca a razão de ser primor­
dial e sublime destà lei: o repouso de Deus após a
Cria!lâo. repouso que nos lembra o Sábado, e demons­
tra que descansar não é, para Deus, suspender toda e
qualque.r atividade� mas_) ao contrário, prosseguir o
curso para sua glóda e salvação do& homens (Z3).

19-Jo. H. 6.
20- Jo., 11, 2S.
21-Jott. zz. 32.
22-Mt. 22, 43.
ll3 -Jo.. 5. 17.

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110 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

Ora vence seus adversários. citando-Jhu o exemplo


de santos personagen,. do Antig.o Testamento (24), o
dos sacerdotes do templo (25) e o deles próprio; não
praticam eles a circuncisão no dia de Sábado (26) :
não tomam ele.s- euidado c.om os seus animais nesse.
dia (27)? Esta superioridade na discussão é maravi­
lhosamente demonstrada, sobretudo em três c.ircuns�
tãncias. Utrul primeira vez na defesa da mulher adúl­
tera. Animados com o pérfido desejo de dele se vin·
garem, os sacerdotes deixam a Jesus o encargo de
pronunciar julgamento sobre esta pecadora. O Mes­
tre aproveita esta ocasião e, como juiz de todos, tan·
to dos acusadores como da acusada, trava o combate
seguÕ.do o direito supremo, com toda sabedoria, com
uma majestade divina, e despede, -envergonhados e
trê!mulos, os desleais acusadOTos (28). A segunda cir­
cunstânti'a é o interrogat6rio sofrido por Jesus dian.
te do grande Conselho quando, pela segunda ·vez, cas­
tigou oa vendedores do templo Perguntam-lhe em
.

virtude de que titulo, de que p(!deres, exerce Ele o


direito de propriedade no templo. Jesus retruca à ob­
jeção preguntando, por sua vez, se a missão de :João
teve ou não Deus como autor. Os Judeus, não que­
rendo nsponder a esta questão embaraçosa, pro­
curam escapar por meio de uma mentira. No entanto,
a pergunta de Jesus n-ão foJ, em absoluto, ociosa; li-

24-Lc. 6, a.
25-M� 12, õ.
2
6-.ro., 7, 22.
27-Lc, 14, b. - Mt. 12. 12.
28-10., 8, 7, 8.

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1 E S U S 111

ga-se estritamente: à que lhe f.Oi proposta e contem,


em germe, a resposta : aos Judeus fica o encargo de
desembara$á-la. Se, segundo eles, a missão de João
vem de Deus_, não têm senão que recordar o te&temu­
nho do Precursor em favor de Jesus, e o Salvador
não tem que expor mais minucio�ame!nte seu direito
de purificar ·a templo (29). Jesus mostra, enfim, o
mesmo desembaraço em confundir seus adve-rsários
quando os interroga a respeito do dinheiro de César.
Ele se apega simplesm ente ao argumento que lhe
fornecem Fariseus e Herodianos. O único fato de
uti1ãar moedas romana& é urn reconhecimento implí....
cito do direito de César de recolher impostos como
dono de seu pais. O Mestre lhes diz, pois : "Dai a
Cêsar o que é de Cêsar e a Deus. o que é de Deus" (30}.
Nós o vemos aqui, a controvérsia de Nosso Senhor não
consiste unicamente em triunfar de seus inimigo9, pon­
do�os fora de combate, porém em aproveitar-se de seus­
incessantes c pérfidos ataques 'Para nos instruir, para
fa•er importantes revelações e promulgar leis quo in­
teressam em todos os tempos. Assim. pois, quando
lhe fazem uma reprimenda de que num Ele nem seus
Discípulos observam os costumes dos antigos, lança
mão desta oca,sião para nos ensinar a importãncia e a
necessidade das instituiçOes e das observâncias ex·
ter1oros (31}. Os Fariseus e os discípulos de João
acusam·no de não �ort-ar os seus à oração e ao je-

29 -Mt. 21. 23·27.


so- 22, 15-21.
31-Mt. 16, 10.

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112 P. MAURiCIO MESCHLER, S. ].

jum, mas de comparecer a festas; esta censura for·


nece-lbe ensejo para formular os verdadeiros- princ1·
pios da mortiFicação exterior (32). Os Saduceu3,
afm
i de lhe tecer uma armadilha, expõem-lhe um
caso de c.onciência ridiculo; .aproveit>a·se da circuns­
tância para expliear a natureza da vida futura (33).
A questão dos F-nriseus sobre o ato de repúdio leva-o
a proclamar a indissolubilidade do casamento e mes­
mo a aconselhar a viTgindade evangélica {34). Cer­
tamente, eis aí uma dialética fecundn, benfazeja, ele­
vada, divina. A doutrina do Mestre, com as revela­
ções do Antigo Testamento, -reveste assim um carater
especial de atualidade e de verdade, que faz do anti­
go e do novo Testamento livros históricos e, ao mes·
mo tempo, códigos legislativos.
A riqueza, a variedade_, (juarta qualidade do e�
pirito do Mestre, brilham com um esplendor parti­
cular nos seus discursos. Jesus retoma várias vezea
as mesmas idéias, ímagen& ou parábolas, mas rara­
mente sob a mesma forma: sempre lhe ajunta algu·
ma nova modalidade, Poderá ser uma comparação,
uma Imagem jã eJnpregada, porêm posta-, . desta 've.z,
ao serviço de uma idéia diferente; ou então. ao con­
trãrio. uma nova imagem que emprega para uma mes­
ma idéia; ou. enf-im, nem a idéia ner:n a imageM :são
novas, mas remodela-as ajuntando-lhes novos traços.
Alguns exemplos para apoiarem esta trl:plice obser­
vação.

32-Lc. 5, 3+-39.
33- Lc. 20, 34-38.
34- ML 19, 3-12.
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J E S U S 113

Nas paráboJas e imagens que se seguem. o teor


é o mesmo* o Iiru visado é cada veZ" diferente.
Duas vens emprega Jesus a parlibola da ovelha des·
garr.ada que o pastor reconduz ao rebanho_, e a da
dracma que uma pobre mulht!r procura4 .Em ambas a1
ve.2es quer Jesus dar-nos uma idêla da grande bon­
d-ade e misericórdia de Deus para com os homens e,
especialmente, para com os pecadores; mas n:2s du,as
vezes não tem o mesmo fim a atingir. Na pr-im(!ita
parábola, o Mestre quer, pela visão desfll grande mi·
,;ericórdla, afastar do eacàndalo os que dele são cau­
adores
s (35); na outra Ele quer, pela visão desta
me;s:ma misericórdia, inclinar os Publicanos à peni­
tência mas-1 ao mes mo tempo. amolecer o coração de
pedra dos Fariseus e enchê-lo de compaixão para com
os Publicanos, a e"empio do próprio Salvador (36).
Duas ve�es nos fala o Evangelho de videiras, de tra·
balhadores trabalhando na vinha; em ambas as pas·
sagens. esta vinha simboliza a evangelização e a sal­
vação do povo Judeu, mas, ainda lâ1 finalidade t cir­
cunstâncias diferem. Na primeira vez, os trabalhado­
res são simples mefcenârios (37) ; na segunda pará­
bola, são rendeiros herdeiros <38). Nesta parábola, a
finalidade é mostrar de um modo luminoso a Uberda·
de absoluta de Deus na escolha de seus predestina·
dos, liberdade que não fere em coisa alguma a justJ.
ça; Nosso Senhor anuncia que vai abandonar o povo

35 -1\[t. 18, 7-14.


96-Lc. 15, 1·10.
37-Mt. 10, 1·1�
S8 -Mt. 12, SS·U.

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114 P. MAURiCIO MESCHLER, S. J.

I
judeu e levar aos Gentios o Evang�lho e a salvação.
Lá, os Judeug; sõ eram indtretamente visados� faz..se
alusão à sua inveja e arrogância no descontentamen�
to dos primeiros trabalhadores; aguí. ao contrârio, o
Salvador designa-os especialmente: abusam das gra-
ças de predileção que lbl!s foram dadas e atentam
contra sua própria vida. Lá, não se tratava de excluir
ningucm da bemaventuranya essencial - pois cada
trabalhador tecebe seu dinheiro - mas unicamente
recusar· a alguns os favores e privilegias. Aqui, ao
contrário, os trabalhadores estão ameaçados da r-uína
temporal e eterna. Do mesmo modo Jesus propõs por
duns vezes a pani.bola da Ies!a, mas em ambas as ve-
zes a finalidade e as circunstâncias diferem total­
mente. Na primeira vez (39), a intenção do Salvador
é mostrar-nos que não basta d!.!Sejar a festa da bem­
aventuranÇa eterna, mas qu.e, aJem disso, é necessá-
rio cumpr-ir as condições exigidas e, seguindo seu
apelo, entrar para sua Igreja. Os Judeus não quere-
rão aceitar este convite; tambem_}.não tomarão parte
nas festas das nupcias eternas, enquanto que os Pu­
blicanos e os Gentios, objeto de seu desprezo, tornar4
se-âo convivas voluntários do banquete divino, Na
segunda parábola (40) os Judeus n�o mais siío os
únicos visados. Jesus tambem se dirige ao$ Gentios
chamados ao seu lugar. Tarnbem eles devem preQJl-
cher as condi�Õi!& prescritas para a admis:são ao rei-
no de Deus, oero o que serão, por sua vez, expulsos.

I
S9- Lo. U, lG-24.
40- Mt. 22, t-H,
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J E S U S 115

como o foi esse conviva desprovido da roupa nupcial.


Os próprios Judeus são representados com novos tra­
ços. Fazem mais do que rejeitat o convite dos men­
sageiros, demonsU'am-lbes scolimcntos hostis e ma­
tam os servidores do rei, crim�< que eJ<Plam pela des­
U'ui!jâo de sua cidade.
Idõnticas Qompara9(i..s e sfmbolos, que se apre­
•entam sob uma m..sroa forma, tendem a uma finali­
dade diferente. Por exemplo. " "levedura" conoidera­
da como fermento êspiritual é, ora bem (41), ora mal
considerada (42). O "sal" apostólico significa, em
geral, ora a força, a feeundidade apos-tólica que a sa­
bedoria e a santidade (43) conferem, ora " energia
requerida para o desp-rendimento completo e o triun..
fo sobre si mesmo <44). Por duas ve%es serve-se Je­
sus da comparação da ., trave" no olho; na primeira
ve" para nos impedir de julgar nosso próximo (45).
e na S!.gllnda afim de nos proibir que nos considere­
mos como doutores para com os outros homens sob
o pretexto de curá-los: de males dos quais nós mes­
mos estamos atingidos (46). Diversa• vezes nos cita
o provérbio: o discipulo não está acima do mestre;
ora e para nos animar a carregar a cruz (47), ora para
nos prevenir contra os fa:Jsos doutore& porque_, se-

41-Lc. 12, L
t2-Lc. 13, 21.
43-ML 5, 13.
..-Lc. 14, 34.
�5-Mt. 7, 1.
46-Lc. 6, 39-42.
47 -ML 10, 24.
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116 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

guindo-os, acaba-se por •• perverter como eles (48).


"Nada há tão bem esco�:�dido que um dia não seja
descoberto''. Estas p31avras, na boca de jesus, e.xci..
tam-no$, pela primeira vez, a pregar e confessar (49)
sua doutrina; numa outra circunstância elas nos
põem de sobreaviso contra os Fariseus_, cuja bipocri·
sia e malícia serão um dia desmascaradas (50). O
f"t.adversário'' designa, ora a conciência que se torna·
-rã acusadora (Sl}, ora o pró:ximo com o qual não se
reconciliou durante a vida (52). Duas sentenças do
Salvador parecem contradizer-se: ,.Quem não está
c.onvosco é contra vôs" e "'todo aquele que não está
comigo est!lfã contra 'mim" (53). A contradição não
é senão aparente; com efeito, Jesus fala, no primeiro
cc.so, das disposições requeddas aos que pe.rtencem
ao colg ê io. .apostólico e, no sekundo caso, das condi­
ções exigidas a todos para entrar no reino dos
céus (54). Em oatro lugar fala o Mestre: "Com a
mesma medida com que medirdes, medir-vos,ãou.
Este (>rovérl'>io é aplicado tanto para o castigo (55),
quanto para a recompensa do bem feito (56), espe­
cialmente dos trabalhos apos:t6Hcos (57).

.a-Lo. 6. �o.
(9- Lc. 8, 17.
60 -:r.n. �o. 26. - Lc. n. 2,
61- Lc. 12, 58.
$%-Mt. �. 26.
IIS -Me. 9, 39.
6i -Mt. 12, SO.
r>5 - Mt. 7, 2. .
56-Lo. 6. 38.
57-Mo. 4, 24.
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J E S U S 117

Nas passagens que acabamos de citar, uma !ma·


gem idSntica., uma mesma fórmula é tomada em se.n·
tidos diversos e tendem a diferentes finalidades. De
modo inverso o Salvador faz convergir imagens va·
riadas ao mesmo fim. Querendo convencer os Fari·
seus que compreendem mal o repouso do Sábado, tira
da vida privada argumentos irrefutavels; faz-lhes
notar, por exemplo, que não têm nen.hum escrúpulo
em cuidar, neste dia, de seus animais. O mesmo pen·
samento vem algures por várias vezes, porém sempre
revestido de um� nova forma. Aqui é uma ove­
lha (58), acolá um burro ou um boi (59) que é neces·
sário retirar do buraco em que caíra_m .1\lais tarde� to·
.

mando a comparação do animal, não mais que é re·


tirado do pr�ciplclo, mas retirado da mang•doura
para ser conduzido ao bebedouro, Jesus a aplica mui­
to a propósito ao caso diOSta pobrQ enferma possessa
do demõnio e que o Salvador liberta (66). Se se tra­
ta de demonstrar o poder miraculoso da fé, Jesu'
declara-a capaz de diOSenraizar as ãrvores (61), deslo ·

car as montanhas e precipitã-las ao mar (62). Em am·


bas as parábolas o Salvador fala da perseverança na
oração. Eis, logo de início, um homem que, por sua:a
importunações, obtem de seu amigo o pão que solici ­

ta em plena noite (63). Depois, eis uma pobre viuva

58- Mt. 12. ll�


59-Lo. H, 5.
60 - Lo. 13. 15.
61-Lc. 17, 6. - Ma. 11, 23.
62- Mt. :u, 23.
6S - Lc. U, 8.
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118 P. MAURiCIO MESCHLER, S. J.

que obriga um ju.lz a fiU!er justiça s


à suas contínuas
súplicas (64). Por vàría• vezea <O):llpara Jesus os Fa­
riseu.s a sepulcros e os denomina "sepu1uos ocultos''
de tal modo que, ao passar, ninguem pensa que se
\
maucbou com seu contacto (65). Chama-os ainda de
"sepulcros- caiados'', querendo significar por aj que
$Ua aparência exterior dissimula a podridão inter·
na (66), Deseja e,u,itar-nos à vigilância, toma logo
a imagem, ora do guardo. da torre (67), ora do
pai de família que vigia sua casa contra o ladrão (68),
ora das virgens que esperam o esposo (69), ora do ad­
ministrador que gere seus bens (70). Na parãbola de>s
dois servos (Tl) somo& �nimadoa para trabalhar até
à morte.
Enfim, este último exemplo mostra�nos precisa­
mente como o Salvador sabl\ modificando certos de·
talhes. rejúvenescer e variar uma mesma imagem sem.
todavia1 mudar a finalidade. Numa das parábolas-,� um
homem rico_) de condição média, dividiu sua fortuna
com os criados. afim de a fa2er render; recompensa
os diligentes segundo seu mérito e '.telo; -agora, quan·
to ao empregado preguiçoso, retira-lhe o talento con­
fiado e fá-lo ser castigado (72). A outra parábola põe

e•- t.c. ·Js, 6,


�-Lc-. 11, 4.4.
66-Mt.. 23. Z7.
67-Lc. 32, S6.
68 - Mt.. 2·1. 43.
68-Mt. 25, L
70 - Mt. 24, 45,
71-Mt. 25, U. - Lc. 19, 12.
72- Mt.. 25. 34-30.

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J E S U s 119

em cena um jovem prindpe que. tambem ele, conJia


a administração de seus bens a alguns de seus �­
pregados. Os zelosos admlnístradores !:ào reC!oropen­
sados segundo teu mérito e encarr�gados de admi­
nistrar as ciUades; porém o criado preguiçoso e in­
solente deverá. como c-.,stigo. restituir o dinheiro
confiado e, ainda mais, o pr[ncipe >e vinga daqueles
que não o reconheceram como rei (73), Esges novo�
tractoa correspoodem perfeitamente à situação em que.
então, u epcontrava Joou;, Dirigia-se a Jerusalém;
amigos c inimigos espuavam. se bem que em diver­
sas dispoaiç:ões, o estabelcc.imento de seu reinado.
Um; e outro:> rcçebem E�u avi5o. Ao� $fU5 fieis Je­
sus quer rec.omendar que nã.o se entreguem a espe­
ranças vãs; a aurora de seu reinado temporal ainda
não apareceu; devem. pois, aproveitar�se elo 1empo
presente para cumprir boas ações. Aos adversaârios
deseja Jesus desvendar sua realeza, fa�-lhe-s ouvir
terríveis ameaças e cada vez. mais claras.
Assim põe o Mestre a descoberto todo seu es­
plendor, prégando e ensinando a profundeza, a pe­
netração, a riqueza de seu poderoso esplrito. Com
toda a sinceridade p6de-se dizer: ·'Há aqu.i alguorn
maior do que Salomão!" (74). A rigue•a. à variedade
de suas imagens, de sua palavra justamente se aplica
a palavra saida de sua boca: •• O sábio se assemelha
ao pai de- família que tira do seu tesouro riquezas an­
tigas e novas'' (75). 1' O tesouro de sua sabedoria r.
73 -Lc. 19, 11-28.
1• - ML 1.2, 42.
75- Mt. 13. 52.
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120 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

inesgotavel e, procedendo de uma inteligência tão fe·


cunda, tudo o que ex.isteJ mesmo o que é antigo , &e
reveste de um e-splendor de novidade.

li

A palavra e a doutrina do Salvador Jesus são


sempre a expressão de um profundo e poderoso espi.
rito. No ínvemo, a& árvores só oferecem aos nossos
olhos uma ramagem árida e naa: os dis�ursos de J e·
sus nos apresentam mais do que um punhado de ver·
dade:.t sublimeiS e feeundas, essas verdades- ainda são
reveatid� de uma verdejante folhagem e de uma flo­
.-ação primaveril. Cristo não se �ntenta com o es­
trito necessário em sua doutrina, não se dirige ao
nosso espírito por meio de idéias abstratas. Ele de·
senvolve., · desc·reve, fala ã imaginação e aos senti­
dos; neletudo é vida e movi mento Sem dúvida ai·
.

guma., discursoS- ou parábolas todos os ter­


em seus
mos não escondem um sentido profundo e mistico, e
os comentadores com ratão notâm aqui e ali simples
ornamentos de estilo. Vê-se, pois, que Jesus não des­
pre.ava a beleza da expressão. Estudemos alg-uns
·

destes m�todos.
Encontramos em seus di!:icurs.os poucas expres­
sões gerais. Não nos fala do .reino animal, porém da
águia (76), do corvo (77), dos pássaros (78), da ra·

76 Lt: 17, 37.


- .

77 Lc. 1.21 .24.�


-

78-Lc. 12, 6.

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] E S U S 121

posa (71), do escorpião (86). Sa se trata de mores,


arbustos e plantas, citalogo a amoreira (81), a íl­
gueira (82), a mostarda (83). o anis, a bortélã. o
cuminho (84), o joio (85). Choro e ranger de dentes
para Ele significam uma dor imensa (86). Para de­
signar o dinheiro fala do dracma (89), da moeda (88),
do talento (89). Se nos quer pintar as ocupações dao
pessoas do mundo. mostra·nos os homens ocupados
na direção dos seus negócios, gozando as alegrias da
famUia. felizes possuidores de vastos domínios (90).
Algumas vezes deiJ<a escapar algumas pequenas des­
crições típicas, tirada-s da nature�a e da vida huma­
na. Desse modo descreve Ele a semente que germi ­

na (91), o carater sinistro e os delitos dos espíritos


maus {92), o descuido do mundo com a perspectiva do
julgamento que se aproxima (93). Que semelhança
chocante neste retrato em que os Judeus contempe>­
raneos são representados com os traços de criança

79- Mt. 8, 20.


8j) -Lc. ll, ll.
81-La. 17, 6.
82-Le. 13. 6.
83-Mt. 19, Sl.
84-Mt. 23, 2�.
85-Mt. 1S, 25.
SG -Lc. 13, 28.
87 -Lc. 15, 28.
88-Lc. 19, 111.
89-Mt. 25, 15,
liO-Lc. 14, 18.
-91-Mc. 4, 26.
02-Lc. U, 21.
03-Lc. 17, 26, - Mt. 24, 37.

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122 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

eapriehosa, toda entregue a,os seus brinquedos (94) e


divertimentos� e o carater de Horodes traçado por
uma só palavra (95) ! Tendo sempre em vista o mes­
mo fim a atingir, Jesus recorre frequentemente aos
provérbios, a sabedor-ia dos povos, e que fa1am tão
bem à imaginação (96).
Mais vezes ainda faz apelo à natureza. que o en·
volve, à vida, aos costumes.. à história de seu povo,
tudo isso lhe fornece imagens que lhe animam os dls­
cursos. Os corvos e os lírios· ensinarão aos homens J

confiança na Providencia (97); o pequeníno grão de


mostarda mostrar-nos-á a força interna e poderosa
de expansão da Igreja fundada sobre a humilda­
de (98). A árvore estern e amaldlçoada proclama >\8
portas de Jerusalém a condenação desta cidade (99);
as raposas e pássaros nos d.ru::ão uma -id�.i-a ela pobr�­
"a do Salvador (100). O grão de trigo apodrecido na
tertq mas que, germ.inado, produ� ce:m por w;n, sim­
boliza a maravilhosa focur>didade da morte do Cris­
to (101). Enfim. o. cepo do vinha representa Je­
ous (102). Tambem são evocadas lembranças bist6ri­
cas que recebem diversas. a-pHcações. São elas Abia-

94 -Mt. 11. 16.


9:i - Lc. 1 3, 82.
96- Jo. 4. 37.- lA •. 23. 24 : 6. 31. 89. - Mt. 19, 24, 52:
28·2•. - Me. t, 22; 24, 25, 27. - Lc. 1.2, i2, 27.
-97 - Lc. 12, 2f. 27, 23 24. - Me. 4. 2'.!: 24, 25.
..

98- Mt. L,, SL


119-Lc. lU, 6. - 11. 31.
�00-Lc. 9, 58.
101- Jo.. 1.2. 24.
102- Jo 15, 1�
.•

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J E S U S 123

tar e Davi(l03), a rainha de Sabá e Salomão (104), os


profetas Elias e Eliseu (lOS), a serpente de bronxe
de Moisés {106), o dilúvio e o castigo de Soda­
ma (107). Em suas prégações o Mestre tambem se
utiliza de acontecimentot:t contemporaneos. como a
matança dos Galileus no templo, a escavação da torre
de Siloê (108), a construção de monume ntos em me­
mória dos Profetas (109). Quantos exemplos tirados
dos usos e costumes do povo Judeu não nos relatam
as palavras de Jesus, e ai sempre ba uma lição a to­
mar I O quadro de uma rua oriental (110) cbeia de
anima�o: cena de processo jurtdico (!Jl), o banque­
te nupcial (112) ; eis aqui um quadro representando
um patrão que fa� trabalhar <tü) e, em seguida, paga
a_ seus er:opregados {114) ; vemos, em &eguidat como
eram de corados todos os anos os túmulos (115). Eis
.aqui descritos em seus mi:nimos deta"Jhes os objetos
de uso doméstico� um ve.lbo remendo poêrto numa
roupa nova odres servindo para a conservação do vi-
,

103-Mc. 2, �5.
10!-Mt. 12. 4l!.
105-Lc. 4, 25, 27.
106-Jo., 3. 14.
107 -1\tL 24, 37; U, 29.
108-L<:. 13. 3.
109-Mt. 23, 29.
UO-Mt. 6, 2.
111-Mt. 18, 25, 30.
1�-Lc. 11, 119.
118-Mt. 25. L
114-Mt. 20, 1.
115-.ML 23, ?:1.
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124 P. MAURiCIO M:ESCHLSR, S. J.

nbo (116); assistimos à� desleais manobras dos gran·


des administradores financistas (117); vemos o ca­
rater tirânico da autoridade entre os Gentios (118),
a filosofia sibarltica e materialista dos gozado·
res (119). Cenas da vida campestre (120), e, enfim,
u esplêndidas solenidades do �emplo (121). A pesca
simb6lica simboliza o apostolado (122) ; a escolha
dos peixes que a segue e -a noite da colheita repre..­
sentam a san�o na noite do último dia {123). Os tra­
ços com que Jesus nos pinta os Fariseus são bem ex­
pressivos {124), suas feições de asc�tas {125), seus
modos de se mostrarem no templo e nos cantos da'l
ruas como vivos moinhos de prece (126), pessoas
anunciando com a trompa as esmolas que prodigali­
zam (127), aliás, �m um espírito pouco animador,
invejoso e rancoroso (128). A parábola do bom Sa­
maritano t129) nos oferece um delicioso exemplo na­
tural na pintura dos caracteres. Não bá nada_. desde

ll6-Lc. 5, SO, 87.


117- Lc. 16. 1..
llS-lllt. 20, 25.
119-Lc. 1.2. 16; 16. 19.
1.20- Jo., 10, 3t.
1�1-Jo.. 7, 37: 8. 1.2.
122 -Mt. 1, 17.
123-1\lt. u. 40, (9.
124-1\lt. 23, 5.
125-1\lt. 6, 16.
126- Mt. 6, 5.
U7 -l.tt. 6, :.!.
1.28.- Lc. 15, '25.
129-Loc. 10. ao.

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1 E S O S 125

o& mais seerotos mistérios da Santissima Trindado


at-ê as procissões divinas, qui:! não sejam simbolizado�
de um modo vivo, expressivo. profundo, nas instru­
çõ� do Salvador {130).
A propósito do earater ex:pre.ssivo da palavra de
Jesus_, ê preciso di-zer algo sobre as suas parábolas.
Abordar este assunto é coisa atraente e s6 seria pro·
veitoso para nôs.
Que ê, pois, uma parábola? Parábola é uma {131)
imagem sensivel, seja .a narração de um aconteci·
mento tirado da natureza visível ou da vida humana.
euja finalidade é explicar, demonstrar aos sentidos
um objeto de sua natureza mprasensivel. espiritual.
Porque Nosso Senhor usou deste método de en-

sino? Primeiramente porque esse processo era usa·
do no Oriente, do qual constitue uma particuJarida·
de. Apresentando-se como Doutor da lei, Jesus de­
via adotar o m'todo. De mais a mais, esse método ti­
nba sido objeto de uma profecia que lhe dil<ia res­
peito (132). Falando da condenação da raça de
Efraim (133) e da separação das de� tribus da casa
de Daví, o P&almista nela vê" figurada a ruptura de
Israel do "Filho de Davi,.� assim como a condena_ção
deste povo, condenação esta incorrida sem dúvida
por sua falta, mas cuja ocasião será precisamente esta
espéci• de véu das parábolas sob as quah o Salvador

130-Jo.., 6, 19, 20, SO; 16. 1S·lG.


133- Le. �1, 29. - :Jo.. 10, 6. - Mt. 13, 36. - Me. 4c, 34.
13;!.- pe. 77, 2. - Mt. 13, 35.
15.�-P•. 77, 67.

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126 P. MAURiCIO MESCHLER S. J.

apresentaria sua doutrina (134). Há, pois, ai uma dis­


posição misteriosa da Providência divina. Em tercei­
ro lugar. este método de ensino por meio da parábo­

la apresentava, tanto para o Mestre como para os


Discípulos, inúmeras vantagens. O auditório de Je­
sus era dos mais misturados, de condições e cultu­
ras muito diversas, o gênero "parábola·" estava ao al·
cance de todos. Muito simples, popular, falando ao ••·
pírito, cativando a imaginação, convem perfeitamen­
te aos ouvintes ignorantes, sem, no entanto, desagra­
dar aos espíritos cultos. Ainda mais, correspondía ao
nive1 moral dos ouvintes. Para os bons, para os que
queriam a verdade, era uma exortação à reflexão e à
investigação; os maus e incrédulos aí encontravam
sua condenaçãoJ segundo a palavra do Salvador toma..
da de Daví: ..Para que, ouvindo não ouçam. e vendo
não vefam". A luz que recebiam era muito clara para
lhes permitir desejarem -sinceramente nio ver, no en..
tanto ainda não suficiente para tirar deste prete><to
qualquer aparência de verdade. Por ssoi fecham cle&
os olhos a esta luz e se obstinam em sua culpavel in­
credulidade (US). A parábola ainda oferece um eJ<­
celente meio de fanr ouvir, sem ofender a pessoa al­
guma, as. verdade-s mais duras e. ofen'Sivas. De.ste
modo anunciou Jesus por div·ersas vezes a condena­
ção do povo judeu (136). O emprego das parábolaa
permitia, enfim, ao Salvador, tão delicado e bom,

Ul4 - Lo. 8, 10. - Mo. �. 11, - ?.{t, 13, ·13.


1115- Mo. 4,' 12. - Mt.' 13, 11, 12, ·u, 15.
136- Lo. 14. 24; lU, 27 20. 10. - 'Mt. 22. 7.
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J E S U S 127

poupar os Gentios sempre presentes em grande nti·


mero a seus discursos na Galiléia, e que uma expo·
siçâo clara de seu dogma teria certamente feito re...
pelida. Quanto ao mais, Jesus não se utilizava -sem..
pre de parábolas, testemanha·o o sermão da monta4
nha, somente o fazia quando o exigia o niveJ inte·
lectual e moral de •eu auditório (137}. As parábolas
satisfaz-iam às exigências de todos-, dos de "fora''
como dos d� "dentro" (138). E. quanto ao divino
Mestte, a! encontrava Ele matéria para nos revelar
seu espirito em toda sua profundidade, sua penetra­
ção, sua delicadeza, em tod<> o esplendor de sua gra­
ça e de sua afabilidade. Dal o emprego tão frequente
deste processo em sua prégação. Parábolas ilustram
um assunto prátic.o ou histórico, inventado ou já co­
nhecido (139), maís QIU menos espalhado, contada
com abundância de minúcias ou somente indicado;
1odos esses gêneros, a prégaçào de Jesus no-los of�
reo.e. Tambe..m. certos dücwsos se assemelham a um
�olicado bordado, delicioso pela sua var1edade, cujo
assunto primordial seria enquadrado numa infinida­
de de lindos arabescos. Por isto Jesus atraia para si
a consideração e afeição do povo e dos sábios. Com
efeito, suas parábola,& e-stão ao alcance da inteligên­
cia de uma criança e, no entanto, o espirito mais pro­
fundo se oan.saria em querer penetrar completamen­
te no seu sentido. As paráb'Ola.s nos mostram, em par-

137 -Ml.lJ. 34. - Me. 4, 33, 34.


138-Mc. 4, 11.
139-Mt. lS. 52.
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128 P. MAURICIO MESCHLER, S. J.

ticu1ar, qual era a riqueza estética c poética do esp1-


rito do Mestre. "Jesus não v-iveu somente na verdade
e na bondade, mas ainda na beleza. no seio da supre­
ma beleza que se confunde com o bom e o verdadei­
ro, desta poesia que é a e_)tpressão da moral e da ciên�
cia" (140).
Nosso Senhor -faria, pois, aparecer tudo em seus
ensinamentos: paises e habitantes, religião. moral e
históri-a, numa palavra, o universo criado: tudo lhe
servia para c.x-primir e comunicar .sua doutrina e suas
sublimes verdades. Falava ao espírito pelos sentidoJ,
e era o v-erdadeiro mêtodo. Os sentidos são, para o
homem, .a fonte, o principio dos conhecimentos natu­
rais., intervêm mesmo na aquisição das verdades de
ordem sobrenatural. As criaturas deste domínio,
como a s de ordem natural, �o obra da mesma mão,
do mesm'o espírito; urnas e outras nos manifestam o
Criador e seus mistérios, as criaturas naturajs fa­
zem-nos, de algum modo, pressentir a existência das
outras que são por elas revestidas, esclarecidas e
completadas. A verdade p uramênte intelectual ou o­
s
brenatural 6 preparada pela verdade sensivd e natu­
ral; esta nos conduz à outra por meio de certos da­
dosJ por imagens que a esboçam. Assim, Criaturas de
ordem natural e criaturas de ordem sobrenatural uni·
das formam o dominlo da verdade. Jesus Cristo do­
mina este menso
i campo, seu olhar abrange todos os
elementos, percebe cla,ramente todas as diversas re­
lações; vê, para cada mistério de ordem sobrenatural.

:140- KRALIT, "".Teau Leben und Werk", pá.g. 34.4.


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1 E S U s 129

am
i agem ou o simbolo que lhe corresponde na ordem
natural. A mão do artista resvala. ligeira, entre as
cordas de seu instrumento_. toca e ru v-ibrar aquela
que dá o som desejado, 'ISSlm faz Jesus vibrar c&ta
lira imensa que é a verdade, despertando OS- acordes
qlle se referem às dilerentes esferas da criação. Por
meio de simples palavt'ls, sem pretensão, o Verbo
nos revel-a os desígnios de Deus Pai ude&de. a.s ori�
gens (141), c os mistérios do reino dos eéus" (142) ;
as palavras, efetivamente, fazem mais do que ensinar
a moral, profetizam o reinado de Deus na futura Igre­
ja. A existência e a sorte da Igreja por elas são pre�
ditas e. adiantadamente. -postas sob nossas vistas. Sua
origem sobrenatural, ei..}a descrita nesta semente que
uma mão deixa cair ao solo (parábola do semea­
dor) (143). � no meio das dificuldades internas e ex­
ternas que se desenvolverá o grão semea4o (Parábo­
la da semente) (144). Depois, vemos no futuro a
Igreja progredir e aumentar pouco a pouco pela pré­
gação dos Apóstolos (parábola da lfUnpada) (145) e
graças ao seu próprio principio de vida (parábola do
grão de mostarda) (146) ; o poder que tem de atrair
para si e de transfo<mar a sociedade humana (pará­
bola do fermento) (147) ; o modo com que ela se

UJ.-Mt. 13, 35.


U2- Mt. 13, 11.
ti3-Lo. 8, ..
14.4.-Mt.. 13, 4-; 13, 25.
US - Mt. 5. 15.
1.{6- LC.. 1-éJ, 18.
147-Lo. 13, 21.

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L30 P. MAURtClO MESCHLER, S. J.

desenvolve por um crescimento graduado e lento soh


a i
nfluência do Espírito Santo (parábola da seár.o
que cresce) (148); o maravilhoso tesouro de graça.
de que ela está enriquecida (parábola do tesouro en·
contrado num campo e parábola da pérola) (149);
enfim, percebemos o termo e o fim eterno da IgreJII
sobre a terra (parábola da rêde) (150). Mistérios pro•
fundos e proféticoS-; quem poderia, então, compre·
cmdé-los? O Salvador os expõe à vista de seus com
patriotas sob os traços animados do panorama que oa
envolve. Esses traços ainda nos são conhecidos hojt
em dia. em grande parte. São os mesmos lagos, à
margem dos quais os pecadores a.inda lançam su�
rêc!es. IdÇntiça vegçtaçiít> selvagem, mesmas colhei·
tas exuberante-s debulhando suas ricas sementes .so­

bre a terra pedregosa dos cumes ou -sobre O$ cami-­


nhos atr"avés dos campos, onde- homens e animais as
eaJcarão aos pés.
Tudo se cumpriu e, antes mesmo que fosse for­
mulado, Cristo, o fundador d� Igreja, realinva já a
profecia que 1he cabia: 4' O ptinc1pio está posto no
mundo, o fermento foi colocado na massa por esta
mulher que pôs no mundo o Filho do homem e Ele,
divino ferme,nto, saberá es-tender""8e a todo o goênero
humano: Donec lermentatum est totum. O germe
vive sobre nossa terra, e este germe é o mais humilde
que jarna.is se y-iu: uma pobre c-riança num estábulo�

lU-Me. 4., �6.


149- ML 1s; >14, 45.
150 - ML 13. 30, 48.

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J E S U S 131

trinta anos de- silêncio e de trabalho manual ; depois,


um jovem que faJa a algnns homens, e cujos discur­
sos foram recolbjdos em dez páginas-. E tudo s
i so
fora das grandes monarquias do Orientei e fora da
luz e da civilização de Roma e da Gréci-a, tudo num
pequeno povo pobre, desconhecido, de.spreza.­
â olas eram, pois, verdadeiras pro­
do'' (151). A1< parb
fecias e na Igreja Católica $Omente elas encontram
seu cumprimento.

Ul

A sagrada eloquêneia, como aliás toda eloquén­


cia digna deste n11me, sai do cora!Yâo e vai ao coração.
O orador fala à ínteligõnc:ia e vai à imaginação afm
i
de comover a vontade. Assim fa.2ia o divino Mestre.
Um traço característico de sua prég-aç.ão é a unção,
esta benéfica ação da palavra sobre a vontade, que ela
penetra como faz o azeite, qÜe ele acalma, que exci·
ta atraindo--a, que de algum modo arrasta para condu·
zí-la ao bem. Para lã chegar, o orador não deve dis4
correr unicamente com a razão e dirigir-se à inteli�
gência de seus ouvintes, deve, mais, falar ao seu co4
raç_ãoJ abrindo-lhes seu pr6prio coração e sua alma.
Jesus sempre supõe, em se-us ouvintes, um nobre co­
ração, bom, sábio; Ele pr6prio p osue
s um nessa.s con­
dições e é a ele que deixa falar. Suas palavras não são
um clarão que cega e espanta.. -são como que um raio

151- GRATY, "CommentAire sur J'I'Jvanglle selon -saint. Ma,.


tltleu", cap. 13, ptl.r. :3:16.

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132 P. MAURíCIO MESCHLER, S. J.

de sol calmo, amavel, que ilumina docemente os olhos


e penetra no coração com um abengoado calor. Agem
diversamente sobre a vontade.
Em pfimeiro lugar, elas a fortificam apresentao·
do-lhes diferentes motivos. Quasi nunca o Salvador
nos impõe uma obrigação sem apoiá Ia com razões,
-

e as que invoca s-ão as mais variadas; ora de ordem na


..

tural (152), ora de ordem sobrenatural (153), ora re­


lativas a Deus (154). ora referindo-se aos ho­
mens (155), ora de um interesse direto para aquele
que recebe a ordem (156). Aqui é à nossa razão que
Jesus apela. acolá é ao nosso coração generoso e se·
de'!.to de bemaventurança. Rejeitando o que há de
vazio, de refinado, de forçado na interpretação da lei
como a entendem os Far- iseu1 vai direto ao que ela
oferece de gt"andioso e aí prende o esp{rito; preten­

de sempre mostrar que sua Religião é sumamente ra­
zoavelJ de confocmidade com a natureza.. bela� subli­
me, con,soladora, depois Ele deixa aos nossos cora­
ções o cuidado d.a escolha. Ensina sempre o que ani­
ma, eleva, e faz bem. Tambem põê sempre Ele adi-ao..·
te a recompensa. o fim supremo1 o céu. Fala -sempre
do magni.fico e eterno reino que nos é reservado
como recompensa das boas aç<ies, mesmo as· mais in­
significantes (157). Fazei isso, diz Ele, e sereis fe-

152- Lc. lA. 8, 11.


u;a -Jo.. 18. 3<1.
154 -Mt. 5, t5. 48.
165- Mt. 18, lli.
'
156-Mt. 6, {.
167- Mt. 10, 42.

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J E S U S 133

lizes: esta l!xp.ressão volta a todo o momento a aeua


lábios (158). É-lhe necessâxia uma imperiosa necessi­
dade para recorrer às ameaç.as.Só mesmo a deslealda...
dedo a intolerância o encontram intransigente (159).
ALguns dos seus di-scursos, pela riqueza, largueza de
vistas) progressão, poder,n ser considerados como ver·
dadeiros modelos de pJanos oratórios. Assim é a
exortação que nos faz de não nos preocuparmos des­
medidamente com os interesses materiais (160).
Assim t-ambc.m são os convites incessantes de com
Ele carregar a cruz (161), de sofrer as persegui­
ções (162). Tal, enfim, e muito especialmente o dis­
curso contra o escândalo (163).
Muitas passagens produzem em nós, apesar de.
serem pouco compreendidas-, uma emoç ão viva e pro­
funda. Uma vez, por exemplo, enquanto que-, cercado
de seus discipulos e do povo, Jesus ensinava no tem..
pJo, seus pais aí entraram e quiseram levá-lo tratan­
do-o como exaltado. Uma segunda vez, é advertido de
que sua mãe e seus irmãos estão !ora : .r Quem, pois.
é minha mãe. quem são meus irmãos", exclama Ele.
Dtpois, abrindo os braços e tom os olhos fixos no&
seus Apóstolos e ouvintes: "Aquele que faz a vonla·
de- de meu Pai, este é para mim uma mãe, uma irmã.

156-Mt. 5, S. - .Jo., UJ, 17.


159 -Mt. enp. 23.
150-Lt. 12, 23, 91.
Ul-Lt. 9, 23-27.
162 -Lc. 12, 4-, 12.
1113 -ldt. 1,1), 7-H.

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134 P. MAURi CIO MESCHLER S. j.

um irmão" (164). Quão surpreendente é o epílogo do


di•curso profético em que Jesu.s desvendou o misté­
rio da perdestinação, designando-se a -si próprio coma
o centro e o termo: "Vinde a mim vós todos que s.o�
freis � que estais acabrunhados1 eu vos aliviarei. To­
rnai meu jugo e recebei minha doutrina. porque eu
sou doce e humilde de cora<;;:
ão, e achareis o repouso
de vossas almas. Doce é meu jugo e 1eve meu far·
do (165)". Quem saberia compreender a fundo o sen­
tido destas. pal:�vras? Quem sentirá toda sua força?
- Não m�nos pe.netr�nte são estas pó\lavras pronut'\­
ciAdas na noite do dia memoravel de Cafarnaum: Je­
su� prometera realizar o maior dos milagres do amor
e eis que este povo, ainda ba bem pouco tempo cheio
de entusiasmo. .afasta.-se de sua ptesem;a e ree-usa.
nEle acreditar: os prôprios ·Discipl.dos se mostram
hesitante$: Com o coragão tristemente emocionado.
Je-sus se dirige então a seus. Apôstolos. q\le ainda o
cercam: u E vós, diz Ele, quereis tambem .abandon-ar­
me?" (166}. Que singular impressão produz sua irô·
nica alusão a Jerusalém: pretendiam os Fariseus, poJ
astúcia, induzir Jesus a deixar a Peré.a para ir à Ju4
déia, onde pretendiam f�ê-lo cair em suas armadi­
lhas: "� verdade que um Profeta não sabetia morrel'
fora de Jerusall!m (167)'' observa Jesus. Penetrante
tOmbem esta apostrofe à cidade deicida: ··Jerusalém,

164- Mt,. 12, 4-6� - Me. 3, 31.


165-Ml. 11, 28.
161>-Jo., 8, oi!.
167- Lc. n. aa.

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J E S U S 13.�

]erusaJêm, que matas os Profetas e lapidas aquela•


que te são envia;dos! Quantas ve�es quis reunir teu11
filhos como a galinha seus pintinhos sob suas .asas c
tu não o quiseste! (168)". Quantas coisas nesta •ó
frase dirigida a Judas : "Amigo. por um beijo trao•
o Filho do Homem" (169).

É, porém, o discurso após a Ceia que nos oferetc


o exemplo da mais viva, mais pungente emoção. São,
sobretudo, três sentimentos que animam esta obr:.s�
prima da eloquênc-ia do Mestre, COM'C&pondem bem à
situação� Ê, em primeiro lugar, um amor que brota do
coração. O amor inspirava todas as palavras. todu a•
açõe• do Salvador; aqui, no entanto. transborda como
uma torrente, revela·se livremente.. expande-se sem
conhecer obstáculos, in�ade o coração dos Apónolo•
e, por meio deles, penet-ra até nos corações dos fiéis
c de todos os homens; El" deseja reunir todos os
seus, unl-loe ao Pai celeste afim de formar um gran·
de lar de amor de que será centro o Espírito Santo.
Ne.stas invocações entrecortadas que compõem a ora­
ção do Deus�Pontífice, sente..se como o pulsar, o frê·
mito do amor. São esses, verdadeiramente� os supre­
mos acentos de caridade do Homem-Deus (170). O
segund.o sentimento de que estão impregnadas as pala­
vras de Nosso-Senhor é a tristeza ; é uma espécie de
angústia profunda produzida pela aproximação da se-

168-I.A 13, 34; l9, 42, - Ml 23, 37.


169- Lo. 22. (8.
170- Jo. 17. l!O,
.

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136 P. MAURiCIO MESCJ.iLER, S. J.

paração dos seu:&. de sua paixão e de seu espantoso


suplício. Trist-eza ta:tilbem com a perspectíva dos '!o­
frimentos -sCTn fim, das perseguições que os seus te­
rão de sofrer em todos os tempos em consequência.
Seu co-ragão se constrange com ess-e espetáculo,
sua voz emlldece, ê com grande esforço que conse­
gue dominar a emoção (171). No entanto, a coragem,
a Eorga de espírito acaba sempre triunfando e eis a!
o terceiro carater de seu discurso. A consolação trans·
borda mesmo tão abundante que a dor dá lugar à
mais profunda alegria. As palavras consoladoras res­
soam logo como um grito de guerra e de vlt6ria (172);
os Apóstolos reerguidos, transportados para tão
verdadeir-a felicidade, tão intima que é proporciona­
da pela fé, saem com segurnnça da sala luminosa da
ceia o -afrontam as trevas do caminho de Getsema·
ni (173). 1'ambem o sermão da montanba não marca
somente o apogeu da revelação de seu espírito e de
sua verdade, é a obra-prima da eloquência de seu co·
ração. E este coração e um verdadeiro coraç ão de ho­
mem, acessivel como o nosso à 'a1egria, ao temor, à
GompaixãoJ à tdsteza, à angústia. à coragem, ao amor,
a um amor terno� à amizade, numa palavra-, a todos
os nobrea sentimentos que podem eomov�r o coração
Sem dúvida, há outros meios pelos quais o Sal­
vador agla sobre a vontade de seus ouv-intes. Era� em
primeiro lugar, a pe,rfoiçâo sublime de sua pes'loa;

171-.Jo., ta, 33; 15, 19; 1� 16.


172-Jo,. �·. :ro; 18. 33.
173-.To., lG, 29.

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J E S U S 137

uma espécie d� integridade soberana que brilhava em


todo se� ser. Integridade do esplrito: como a pró­
pria verdade, nunca Ele s.e contradiz, nunca teve de
se retratar1 nunca deixou: entrever traço algum de
incerteza, de hesitação. Integridade moral: em si.
acordo perfetto entre a vida e a doutrina, é a mata
alta santidade. não dando lugar a nenhum comentá­
rio fundado. Depois-' é uma autoridade soberana em
seu ensinamento e que Jhe peunltia dar..se testemu­
nho a si mesmo. Não se prevalecia da autoridade de
um 5ábio, de um Doutor da lei i afirmava..
se legi-sla­
dor, mostro absoluto da lei e da religião. Não apela­
va para mestre& estrangeiros e não expunha suaa
idéias oomo o faziam os Doutores de Israi!J. Ele mes­
mo é a autoridade e, por isso, usa frequente..mente
des-ta expressão; "E eu vos digo"'. É Ele que põe J;im
à lei antiga (174) ; diz s• mestre da. lei (115). não a
·

faz somente observada, fá-la lambem. Enfim, a todos


estes meios, Jesus juntava o poder de fazer milagros.
Realizaos
... em todos os domínios da natureza, com a
intenç
ão de, por aí, confirmar sua doutrina. Prova,
tambem, de que lia nos oorações: poder pclo qual "Ele
fazia voltar, ganhava e, em ocasião propicia, confun­
dia (176). Tais métodos de ensino, tais argumentos
eram próprios de um Homem-Deus. Não e Ele o ver·
dadciro mestre, o Mestre por excelcncia (177). ünico,
Homem e Deus ao mesmo tempo!

174-Mt. 5, 22. 28.


17� -ML 12, 11. . .
�-�1. � - - � - K - � & �1 � - � � -
177- Mt. 2S, 10.

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138 P. MAURiCIO .MESCHLER, S. J.

O êxito de um tal mestre não pod�ria 3er du­


vidoso. A prégaçào de Jesus susdtava em todo país
um movimento irres1stivel. Desde o inicio, o& seull
nEle saudaram o "Mestre" (178), e o povo o designou
sempre com este titulo (179). Os Fariseus e os Dou·
tores da lei nEle reconbecoram este título de bonra,
apesar de não o conquistarem pata a Irequência de
suas escolas (180). O povo tinha por Ele a mais pro·
funda veneração (181); sentia em sua pessoo um po­
der desconhecido (182). Nenhuma casa, nenhuma si­
nagoga que pudesse conter o auditório sempre cres�
cente de Jesus {183}. A[im de escutá-lo, deixa-se a
cosa, suas ocupações, percorrem·se distâncias consi­

deraveis, segue-m-no ao deserto (184), cercam-no.


comprimem-se em massa ao seu redor (185). esque­
cem-se de be)>er e de comer (186). Perto de Jesus sen­
tem-se à vontade, é a alegria, a consolação, a feiici­
dadc. Seus inimigos não podem conter este movimen·
to (187) ; em face desta palavra conquistadora são
derrotados seus .sarcasmos. Tambem eles são c·ons·
trangidos a prestar homenagem ã beleza, ao encanto,

17B--Ju,, 1. 30, 49.


179 -LO. 9, 38.
uo -Jo.. a. �: -s, -4� - Mt. u, u. - Lc. 20, 21, :zs, .a9.
181-Le. <. 15. •

182-1\tL 1, 22, 2'i: 7, ZS, 2!1.- Lc. (, 32.


183 -.Me. 1, 27.
1S! -1, 45; 6, 33.
185- Lc.. 12, 1.
166-Me. B. 2. •

187-Jo., 11, f81 12, 19.


188- Lc. 4., '22, - Jo., 7, 46.
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J E S U S 139

2 veracidade, à força de sua palavra (188). Sempre


vencidos, reduzidos ao silêncio em seus ataques con­
tra o Mestret devem abandonar a Juta_ pela palavra e
recorrer a outras armas (189).
Somente a morte. dizem eles, poderá fechar-lhe
a boca.- Que espetácuJo incomparavel deveria ser o
ver Jesus ensinando à multidão ! Imaginemo-lo pré·
�ndo, por exemplo, oeu "Sermão da Montanha". Esta
apreo�nta duas elevaçãO$ denominadas "chifre de
Hittin". oferecendo ao Mtstre um !>1agnifico púlpito.
O flanco da montanha ê eavado em anfiteatro ; dele o
golpe de vista se estend�, ao mesmo tempo grandioso
e gracioso. sobre uma região das mais -pitorC!sca.s. Eis,
de um lado, a superficie- argentina do lago e os países
limitroies da Ituréa, da Decapole e Perêa. Do outro
lado, .são as verdejantes planicies do Zabulão que
emolduram, estende-ndo..se majestosamente., os roche-­
dos do Libano e Anti-Libano. Neste anfiteatro oe
comprime uma multidão inumeravel, dos mais varia·
dos costumes. vínda da Idnméa, da Judéia, dos con·
tinentes situados a leste do Jordão ou mesmo de Tiro
e Sídônja. Diante deste auditório, o Mestre com sua
majestade de- Profeta e de Legislador e, -ao me-smo
tempo, com a amave1 doçura que caracterizava a Sa·
bedoria eterna feita carne, Jesus Cristo promulga o
novo Testamento (190). Podemos representá-lo, tam­
bem, sentado ouma barca que •• balança ligeiramen­

te sobre a superfície ondulante do lago, na graciosa

189- Lo. 19, 48; 20, 40. - Mt. 22, ó6.


l�-Lc. 6, 17. - Mt. 4. 25: 5, 1.
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140 P. MAURiCIO MESCHLER, S. J.

bafa de Betsaída, ou em Cafnrnaum. O povo ai 4Stá,


cachos humanos pitorescamente suspensos à ma.r.gem
escarpada. O divino Mestre mostra todas as belezas
desta maravilhosa nature2a. e aproveita a ocasião par3
descobrir os mistérios (191) do Reino de Deus. E, en­
quanto .fala, o sol, abaixando-se no horizonte, 6oura,
com as cintilações de seus raios, o lago e as margens
verdejantes: os rochedos que pendem a leste recortam
no azul do c�u e na prata do lago suas fendas profun­
das, tintas de púrpura, azul sombrio e roxo. Num lon·
ginquo azul vaporos
o, o Hermon levanta majestoso
seu cume branco de neve, que domina. tod&:� essa mag­
nifica decoração. Tais cenas excedem em beleza, em
grandeza, em signilica�o aquelas nas quais a lei foi
editada sobro o Sinai e proclamada diante do povo
sobre o Jiebal. Foi do�tes espetáculos quo o próprio
Jesus dis�e: ''Felizes dos olhos que vê�m o qu� vô.s
vedes; fcli2es dos ou'l'idos que ouvem o que vós ou­
vis. Eu vos digo, muitos Prof�tas � muitos Reis dese­
jaram ve-r o que contemplais; ouvi-r o que vós ouvis
� isso não lhes foi concedido" (192). Afim de con­
templar esses espetáculo� todos os povos da terra
deveriam .acorrer. Deus aparecendo em pessoa para
instruir os homens, eis ai, certamente, um aconteci·
menta inédito ; e, quando esse Deus fala uma lingua­
gem tão bela, tão humana, quem, pois, não a escuta·
ria, não lhe obedeceria? . . .

1.91-lft. 13, 12. - Mo. '4, 1.


192- Mt. 13, 16, 17. - L<:. 10. 23, 2•.

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J E S U S 141

E, no eptanto, quem pcderia crõ-lol A multidão


não acolheu sua doutrina, esses homen& não creram.
Fecu�da em bençãos, a semente do Verbo cniu, porém
esta terra prometida não a recebeu. Então o E•pirito
Santo, com se.u poderoso s.()pro» tomou o grão e, por
meio dos ApôstoiGs, espalhGu-o pelas nações pagãs.
E foi ai que a doutrina de Je.sus obteve seu êxito, aí
realizou ela a mais feliz_, a mais be·miazeja das revo·
luções. Ela refutou o paganismo, criou o mtmdo cris­
tão, a Fé cristã, a ciência cdstã, a arte cristã.,� a lei
cristã, os costumes, a educação cristãs. En1 nosso5
dias, os germes espalhados pelo Salvador se desen­
volvem, desabrocham em obras grandiosas e benfa­
•ejas. Em nossos dias a prégação de Cristo ainda pro·
duz frutos, converte almas, dá a Sabedoria aos humil..
des, ilumina os olhos; sua beleza, o consolo (193) que
ela espalha trazem a alegria e a felicidade a milhões
de cora�ões. Quem, poi-s, poderia contemplar a belez-a
desta doutrina,. gozar do seus &uaves encantos, sem
pensar no coração dondo ela brota, sem abençoar Ol
lábios que a espalharam oom tanta força e tanta un­
ção, sem ficar tocado de admiração o de amor para
com a grande, a magnífica inteligêpcia que nos
revela?

1113 - p,_ 18, 8.


'I
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.
IN D I C E

CJapltulo I- O E:li!S!NAldJilNT'O ASOlllTICO DFJ

NOSSO SENHOR . . . . . . . ... .. . . . . 5

C..piluln TI -A PEJDAGOGTA DE NOSSO SE·

NROR . . . . ,......,., .. . . . . . . . .... .

C3pitulo UJ-JES:US EM SUAS RELAÇOES COM

OS HOMENS .,. ................ , . 73

C..pitulo IV- A PR!:GAÇAO DE NOSSO SEll'rnOR

ENCARADA SOB O PONTO DE

VISTA DIDA'l'ICO E ORATOR!O . . 103

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