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da é tímida: O espaço literário

BLANCHOT, Maurice. A con- (L’Espace littéraire) foi o livro


versa infinita: a ausência de li- de estreia, a cargo da editora
vro. Tradução de João Moura Jr. Rocco e do tradutor Álvaro Ca-
São Paulo: Escuta, 2010. 215 p. bral, em 1987, seguido de Pena
de morte (L’Arrêt de mort), edi-
ção hoje esgotada da Imago em
tradução de Ana Maria de Alen-
A edição brasileira de L’Entretien car, em 1991. A Rocco ainda
Infini, de Maurice Blanchot, publicou, em 1997, A parte do
publicada pela editora Escuta fogo (La part du feu), traduzi-
sob o título A conversa infinita, do por Ana Maria Scherer, que
teve suas 640 páginas divididas recentemente ganhou uma nova
em três volumes, que seguem edição em companhia da primei-
as seções da obra francesa, ori- ra tradução de Blanchot do catá-
ginalmente publicada em 1969 logo da editora, no mesmo perí-
pela editora Gallimard, a sa- odo em que se publicou Uma voz
ber: La parole plurielle (parole vinda de outro lugar (Une voix
d’écriture), traduzida por A pa- venue d’ailleurs), em 2011, em
lavra plural (palavra de escrita), tradução de Adriana Lisboa. Em
L’Expérience-limite, por A ex- 2005, a Martins Fontes lança O
periência limite, e L’Absence de livro por vir (Le livre à venir),
livre (le neutre le fragmentaire), traduzido por Leyla Perrone-
por A ausência de livro (o neutro -Moisés. São previstas para este
o fragmentário). Dos volumes ano A comunidade inconfessável
que foram publicados entre 2001 (La Communauté Inavouable),
e 2010, a tradução do primeiro edição aos cuidados da Editora
esteve sob a responsabilidade de UnB em parceria com a Lumme
Aurélio Guerra Neto, diferente- Editor, em tradução de Eclair
mente das duas seguintes, assina- Antonio Almeida Filho, e Car-
das por João Moura Jr. e publica- tas a Vadim Kozovoi (Lettres à
das a partir de 2007. Vadim Kozovoï), em edição da
A abertura do mercado edi- Lumme Editor com tradução de
torial brasileiro às traduções das Eclair Antonio Almeida Filho e
obras de Maurice Blanchot ain- Amanda Mendes Casal.
196 Resenhas de Traduções

A escolha editorial, até o mo- obras no repertório de leituras


mento, parece indicar um empe- no âmbito da formação acadêmi-
nho em traduzir as obras ditas ca superior; a ausência, todavia,
ensaísticas de Maurice Blanchot, de pesquisadores de suas obras,
mas dele não se pode depreen- consideradas em sua integralida-
der nem uma ordem que siga a de, não poderia se justificar pela
sequência cronológica da publi- restrita publicação de seus livros
cação francesa – que, ademais, em língua portuguesa uma vez
se afasta muito do período em que autores franceses academi-
que se traduz e publica no Brasil: camente são lidos, independente-
a primeira obra traduzida, por mente da tradução de suas obras,
exemplo, foi lançada em seu país ou mesmo os pesquisadores que
de origem em 1955 e a segunda se dedicam ao estudo exercem
traduzida pela editora Rocco data em algum nível a tradução, seja
de 1949 na França, mas haveria antecipando ou sobrepujando o
ainda a obra Faux pas, a primei- mercado editorial, realizando tra-
ra coletânea de ensaios, publica- duções que se incluem no exer-
da em 1943, até hoje inédita em cício da escrita ou oferecendo o
língua portuguesa – tampouco exercício da tradução na prática
uma preferência que reflita o in- docente, seja o acompanhando,
teresse em ampliar o catálogo de transformando-se em tradutores
traduções brasileiras haja vista o reconhecidos por sua especialida-
espaçamento entre as edições dos de no estudo do autor.
livros, por editoras distintas, a As obras de Blanchot não se
ausência de formação de um gru- explicam umas às outras, mas
po especializado de tradutores/ considerá-las individualmente
pesquisadores de Maurice Blan- como se o restante da biblioteca
chot ou da opção de incluir um à qual elas pertencem fosse tão
revisor técnico especializado. somente um dado inócuo seria
Certamente, a tradução das ignorar o procedimento da com-
obras de Maurice Blanchot po- posição, o jogo de reescrita e de
deria não somente auxiliar na repetição que se abre em suas
formação de um público leitor de obras, a autorreferência – para
suas obras no Brasil, como tam- que forcemos o uso do termo fá-
bém incentivar a inclusão de suas cil –, impressa superficialmente
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na seleção lexical, no reencontro que extraímos do paratexto que


de temas, no espaço paratextual precede à nova versão de Thomas
de uma menção a uma obra an- l’obscur – publicada em 1950;
terior. Ainda que esta seja uma a primeira versão é também a
simplificação necessária, é preci- primeira obra publicada por
so que se pondere que a reescrita Maurice Blanchot, em 1941 –,
e a repetição se encontrariam em é possível tocar minimamente na
outro nível: a exigência fragmen- relação que afirmamos entre os
tária e a escritura do desastre, livros de Maurice Blanchot, que
por exemplo, são-lhe uma busca, pode ser quase sempre expressa
mas busca do escritor para além por um único livro, o livro que se
do campo do comentário sobre decide ler e traduzir. E ainda não
uma temática de sorte que a pre- discutimos a imersão de outros
sença do fragmento na leitura de autores, que nem sempre se faz
uma página de uma obra escri- por meio da simples citação ou
ta em “fragmentos”, como em mesmo a citação não se encarre-
L’Écriture du Désastre, na qual se garia de delimitar os limites entre
compreenderia uma discussão so- as vozes, mas discutiremos isso
bre o fragmentário, levaria a uma mais adiante. Por ora nos vol-
tensão em que o fragmento torna- temos ao exemplo da exigência
-se uma versão fora do texto, tex- fragmentária que Blanchot acu-
to que seria espaço do discurso, sa lhe ser uma busca repetitiva e
de modo que o texto seja somente sempre outra de uma exigência
mais uma versão entre outras ver- sem fim que porta em seu fim a
sões – há versões de uma mesma escritura do desastre. Segundo
realidade ausente, assim Blanchot nossa perspectiva, a escritura do
(2010) escreveria em uma prière desastre precederia ou sucederia
d’insérer à obra L’Arrêt de mort o livro que porta este nome, o
[título que preferimos traduzir que denuncia que o fim, no uso
por A suspensão de morte], no blanchotiano, não seria um ho-
momento em que menciona, no rizonte de espera, tampouco a
mesmo ano de 1948, a publicação obra final, que assinalaria que
de Le Très-Haut [O Altíssimo]. todos os livros caminhariam para
Em se pensando em uma in- L’Écriture du Désastre – a escri-
finidade de versões, expressão tura do desastre, o desastre, não
198 Resenhas de Traduções

poderia ser unicamente o nome Hoppenot (2002), a advertência


de um livro. Isso vai ao encon- que Blanchot dirige a seu tradu-
tro de uma afirmação de Georges tor japonês de L’Attente l’oubli
Bataille de que Blanchot parece visa a “prepará-lo” para a tarefa
indiferente à realidade de que da escrita fragmentária. Certa-
livros são escritos e publicados. mente, o fragmentário não se po-
Assim, a ligadura entre exigên- deria render somente a um único
cia fragmentária e escritura do efeito de escrita, de modo que
desastre que obviamente poderia A conversa infinita experimenta
ser sugerida pela obra que men- outras versões, como a conversa
cionamos, antes se exprime, para e o uso de itálicos, para além das
Blanchot, nas páginas iniciais de marcações que tornariam conhe-
A conversa infinita, para ele uma cidas as obras L’Attente l’oubli
das versões mais enigmáticas [A espera o esquecimento], Le
dessa exigência. pas au-delà [O passo/não além]
A aparente desordem dos li- e L’Écriture du désastre [A es-
vros de Maurice Blanchot não critura do desastre]. A escrita
poderia furtá-los de um empre- fragmentária, exercida anonima-
endimento de tradução em que mente por Blanchot – há nisso
não se os considerasse como um um aparente oximoro, mas jus-
todo nem cada um como um vo- tificável, o anônimo e a autoria
lume acabado e restrito, mas em em uma mesma oração –, na
que se jogasse com a abertura década de 60, na revista Comi-
dos livros à interrupção inces- té – que ressoava o engajamento
sante de continuidade, assinala- coletivo e anônimo –, que teve
da pela “própria” fragmentação alguns de seus momentos reto-
– ou pelo recurso à escrita frag- mados e reescritos parcialmente
mentária – de seus livros a par- em L’Amitié, livro publicado em
tir da qual a interrupção não é o 1971, reflete a busca repetitiva
espaço da clausura, do encerra- e a infinidade de versões que a
mento, mas a comunicação dos escrita fragmentária pode as-
inacessíveis, que, em A comu- sumir, desde que assumir seja
nidade inconfessável (1983), se abandonar. A própria expressão
cambiaria pela expressão comu- “ausência de livro” é arrancada
nidade literária. Segundo Eric de um dos fragmentos sob o tí-
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tulo Tracts Affiches Bulletin em em português poderia significar


que se encontra a sentença tudo um interesse de tornar conhecida
concorre à ausência de livro. a obra de Blanchot no Brasil, mas
A tradução de A conversa in- oferece ao leitor um falseamento
finita, ainda que a obra em prin- do catálogo brasileiro das edi-
cípio pareça uma coletânea de en- ções em língua portuguesa, assim
saios, como as obras traduzidas como sugere um descuido quan-
que a antecederam, apresenta ao do não são citadas as obras já tra-
leitor brasileiro a possibilidade duzidas, publicadas por editoras
de conhecer a escrita fragmentá- distintas, de modo que se indica
ria. A própria edição traz em sua uma ausência de diálogo entre as
contracapa um pequeno resumo traduções.
bibliográfico que, com exceção Assinalaremos na tradução
do título O espaço literário, apre- brasileira de A ausência de li-
senta obras ainda não publicadas vro três aspectos da composição
em português, mas cujos títulos editorial para posteriormente nos
aparecem comodamente vertidos determos na discussão da tradu-
para nossa língua: dentre elas, ção, em que ofereceremos ênfase
sua primeira obra e romance Tho- a três momentos: a repetição da
mas l’obscur [Thomas o obscu- escolha por fala em tradução a
ro], como também o récit Le der- parole, a tradução de désoeuvre-
nier homme [O último homem], ment por não obrar e a tradução
publicado em 1957, sem que se do título Le demain joueur por O
comente – mas as quatro linhas amanhã brincalhão. Certamente,
do texto não permitiriam – que, não consiste em um erro de tra-
salvo a publicação de L’instant dução o título do capítulo A voz
de ma mort [O instante de minha narrativa (o “eu”, o neutro), mas
morte], em 1994, Blanchot publi- de um problema de copidesque
cou os chamados relatos (récits) que engendra um problema con-
– que substituíam a publicação ceitual. O título francês La voix
de seus três primeiros romances narrative (le “il”, le neutre) reú-
– entre o final da década de 40 e ne duas referências fundamentais
o início da década de 60, com a à compreensão da obra de Mau-
publicação de L’Attente L’Oubli, rice Blanchot: “ele”, por exem-
em 1962. A referência às obras plo, na apreensão, na literatura,
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da passagem do “eu” ao “ele” e da para a inclusão da referência


também em uma certa indecidi- à tradução brasileira ao mesmo
bilidade entre a indeterminação tempo que se mantém o número
do sujeito e um sujeito ele, sem da nota, que designaria a referên-
rosto, desassujeitado, e o neutro cia original.
– uma afirmação positiva que o O texto brasileiro em relação
pensamento não saberia afirmar à adequação das passagens em
–, que Blanchot traduz em diver- itálico não mantém as ocorrências
sas ocasiões pela expressão nem tal como o texto francês quan-
um nem outro. do se trata das citações inclusas
Deveríamos também mencio- nos capítulos. O uso de itálicos
nar as notas da tradução quando é um procedimento textual mui-
misturadas às notas originais da to comum nas obras de Mauri-
edição que, quando mal (ou não) ce Blanchot, desde os récits até
assinaladas poderiam provocar as obras Le Pas Au-delà (1973)
dúvidas no leitor. João Mou- – observe-se, por exemplo, as
ra Jr. recorre frequentemente a passagens de récits, sobretudo,
traduções já publicadas em lín- que concernem a conversas que
gua portuguesa quando se trata surgem nesse livro – e L’Écriture
das citações realizadas no corpo du Désastre (1980) – nessa obra,
do texto; as referências às obras há fragmentos que incluem ci-
traduzidas são realizadas regular- tações em itálico. A inclinação
mente por notas que asteriscos editorial é manter em itálico os
assinalam. Contudo, quando as fragmentos e as conversas – con-
referências ocorrem no interior tudo no final do capítulo A ponte
de notas da edição francesa, a de madeira (a repetição, o neu-
inclusão do designativo “N. da tro), a passagem da conversa não
T.”, que deveria ser feita entre mantém o itálico em que se gra-
colchetes, em uma inserção de- fou o texto francês. No capítulo
pois do comentário entre parên- O Athenaeum, há uma citação
teses do tradutor, é dúbia na pá- a Friedrich Schlegel, em itálico
gina 65, 109 e na página 118, em (não mantido na tradução): “ter
que a nota original em que se faz um sistema é, para o espírito, tão
referência à tradução francesa da mortal quanto não ter: será, pois,
obra de Bertolt Brecht é apaga- preciso que ele se decida a perder
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tanto uma quanto outra dessas que a voz do autor parece delas
tendências” (p.111), que é reto- se ausentar. Por fim, o paratexto
mada em L’Écriture Du désastre que encerra A conversa infinita,
da seguinte forma: “«Ter um sis- na edição brasileira, pode false-
tema, eis o que é mortal para o ar a leitura, parecendo pertencer
espírito; não ter um, eis também ao texto restante uma vez que se
o que é mortal. De onde a neces- encontra imediatamente abaixo
sidade de sustentar, perdendo- do último parágrafo do capítulo
-as, ao mesmo tempo as duas exi- final, A ausência de livro.
gências»” (BLANCHOT, 1980, A própria edição de A con-
p.101). O curioso na citação é a versa infinita testemunha um
mudança que a redação sofre de desencontro/descompasso nas
uma obra a outra: a primeira é perspectivas dos dois tradutores
uma tradução de Armel Guerne1 responsáveis pelos três volumes
ao passo que a segunda transfor- da obra: ao final do capítulo de A
ma-se em um misto de tradução ausência de livro traduzido por
e reescrita pela manutenção do O amanhã brincalhão, a expres-
termo “perder” que, com efeito, são, em itálico, parole plurielle,
consiste em um erro na tradução se traduz por fala plural ao pas-
de Guerne, que é retificado na so que no título do primeiro vo-
obra L’absolu littéraire, na subs- lume a mesma expressão se tra-
tituição por “juntar”: “Il est aus- duz por palavra plural, seguida
si mortel pour l’esprit d’avoir un da expressão parole d’écriture,
système que de n’en avoir aucun. em língua portuguesa, palavra
Il faudra donc qu’il se décide à de escrita. Certamente, fala de
joindre les deux” (LACOUE- escrita levaria o prejuízo semân-
-LABARTHE; NANCY, 1978, tico da escolha por fala a um
p.104). O uso de itálico nas ci- contrassenso maior do que os
tações em Blanchot se relaciona outros usos que surgem na tra-
ao itálico das passagens que se dução do terceiro volume de A
desviam do texto dito ensaístico, conversa infinita, mas vejamos,
nas conversas e nos fragmentos, por exemplo, a tradução de um
em virtude de as citações ofere- dos capítulos Parole de fragment
cerem uma possibilidade de repe- por Fala de fragmento, assim
tição e reescrita ao mesmo tempo como também são traduzidas por
202 Resenhas de Traduções

fala as ocorrências do termo pa- e oral. Segue a tradução de João


role no capítulo final L’Absence Moura Jr.:
de livre, que poderiam ser subs-
tituídas por palavra, sem levar A “Torá oral” não é portanto
prejuízo à compreensão em lín- menos escrita, mas ela é dita oral
gua portuguesa já que o uso ates- no sentido em que, discurso, só
ta a correspondência implícita ela permite a comunicação, dito
entre palavra e fala em expres- de outro modo, o comentário, a
sões como “dar sua palavra”, fala que a um só tempo ensina e
“ter o dom da palavra”, que se declara, autoriza e justifica: como
confundem, na primeira, com o se fosse necessária a linguagem (o
gesto de promessa e de engaja- discurso) para que a escrita desse
mento que não fugiria à situação lugar à legibilidade comum e tal-
de fala, de palavra falada, e, na vez também à Lei entendida como
segunda, com a capacidade de defesa [défense] e limite, como se
eloquência e encadeamento dis- de outra parte a primeira escrita,
cursivo. A expressão “palavra em sua configuração de invisibi-
de Deus” poderia, no extremo, lidade, devesse ser considerada
exemplificar a tradução por que como fora de fala e voltada uni-
optamos justamente em virtude camente para o de fora, ausência
de o vocábulo ‘palavra’ não ca- ou fratura tão originária que seria
racterizar o alcance redutor do preciso rompê-la para escapar à
vocábulo fala, que poderia con- selvageria daquilo que Hölder-
duzir a uma divisão entre fala e lin denomina o aórgico. (p.211,
escrita: tanto o termo refere-se à grafamos em negrito os momen-
Torá, isto é, às escrituras divinas tos que desejamos destacar visto
entregues pelas mãos de Deus a que as ocorrências em itálico são
Moisés quanto às manifestações reproduções do texto. Marcamos
de sua voz que, no Genesis, re- o vocábulo défense por sua dupla
vela seu poder criador. A indis- tradução por defesa e, sobretudo,
tinção implícita em “palavra” é proibição)
mesmo utilizada por Blanchot
em A ausência de livro, no úl- A escolha por palavra visaria
timo capítulo que mencionamos, a engajar os domínios de autoria
quando se refere à Torá escrita e leitura, fundamentais à compo-
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sição em Maurice Blanchot, ao nos voltemos ao âmbito jurídico


domínio da tradução a fim de que e religioso de responder, a adu-
a obra traduzida que reflete esse ção de re-spondeo transpõe-se
entrelaçamento também possa de- em retribuir uma sponsio, uma
sinvestir o escritor de autoridade promessa recíproca que, em por-
uma vez que o gesto de escrever tuguês, resulta no substantivo
cede em resposta à escuta de uma plural esponsais, ao mesmo tem-
voz – uma voz que não fala –, po uma promessa que se faz e se
como ressalta o ensaio de Jean- recebe e uma cerimônia regida
-Luc Nancy, Responder pelo sen- pelas escrituras.
tido [Répondre du sens], que tem Em La Communauté Desoeu-
por epígrafe a citação de Philippe vrée, Nancy ainda apresentará
Lacoue-Labarthe de que “a frase uma dimensão da palavra (pa-
– a literatura – é oral”, que par- role) segundo a qual as palavras
te da compreensão do aedo cujo (mots) – composição individua-
canto se faz cantar pelo canto di- lizada de fonemas, meios de ex-
vino da musa que ele recita. A pressão que, segundo o contexto
fonte oral da literatura por meio em que aparecem, podem ser
(ele é com efeito um médium) de orais ou escritas – formam-se na
Homero derrama-se naquele que articulação da boca, na exposi-
escreve, aquele que ouve uma ção de um “dentro” ao “fora”. A
voz, que não escreve, mas que palavra (parole) não é um meio
arquiescreve, segundo a expres- de comunicação – como a fala
são de Nancy, que recorrerá ao seria, outra acepção para parole,
dictare, em seu duplo sentido de sobretudo consoante o entendi-
repetir e de prescrever, de que a mento que provém da linguística
língua alemã extraiu o vocábulo saussuriana, na qual a dicotomia
dichten, cuja acepção é compor langue/parole atribui à segunda a
um escrito, sobremaneira, um realização ou desempenho –, mas
poema. Assim, lemos: “Aque- a comunicação até o silêncio, nas
le que escreve responde de uma palavras de Nancy, a exposição,
maneira ou de outra, por eco ou e para tanto se reportará ao can-
por execução, por transcrição ou to dos esquimós inuítes, cujos
por tradução, à ditadura de uma gritos se entregam à boca aberta
dictatio” de sorte que, para que de um parceiro: “A boca falante
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não transmite, não informa, não neste récit em que tanto a ques-
opera um laço, ela é – talvez, tão “quem disse?” como “quem
mas no limite, como no beijo – silencia?” restam sem a fala de
o batimento de um lugar singular uma realização sincrônica. Quem
contra outros lugares singulares” fala, fala como o último a falar
(NANCY, 2004, p.77, grifo nos- nas conversas que surgem nos re-
so). Não pretendemos defender latos (récits) de Blanchot.
uma tradução explicativa, mas Mas voltemos à inseparabili-
antes uma tradução que amplie dade entre uma dimensão oral e
as possibilidades de compreensão escrita que nos faria optar por pa-
do leitor para que o verbo parler, lavra. As noções de Dizer como
presente em A conversa infinita, interrupção do dizer do já dito,
falar, em língua portuguesa, não de Emmanuel Levinas2, endos-
encontre uma única correspon- sam nossa perspectiva, sobretudo
dência com o substantivo “fala” quando Levinas nos oferece as
que, nesta obra, ainda implicaria leituras talmúdicas, adentrando
o prejuízo de que consideremos no universo do comentário, se-
os momentos de conversa segun- gundo o qual a expressão da sig-
do uma dimensão teatral, como nificação pertence à significância
se houvesse um diálogo (sincrô- de sorte que, quando se trata
nico) no qual a questão de um é das Escrituras, leitura e inspira-
respondida por outro, espaço no ção confundem-se, assim como
qual se cederia à tagarelice (ba- comentário e escrita. Assim, o
vardage): “Lembra-te do que capítulo de A ausência de livro
dizia Kafka: ‘Ah, como gostaria intitulado A ponte de madeira (a
de poder falar a esmo’. Mas ele repetição, o neutro) reporta-se à
não podia, e eu não posso. Isso é exegese (ao comentário) a partir
sentido como um fraquejamento da recitação, da leitura e do ensi-
essencial que nos priva da coti- no judaicos da Escritura:
dianidade das relações humanas”
(BLANCHOT, 2009, p.45). As- O castelo não é constituído por
sim como em L’Attente L’Oubli uma série de acontecimentos ou
(1962), o aparente diálogo cede à de peripécias mais ou menos in-
palavra plural, no sempre incum- terligada, mas por uma sequên-
prido falar para alguém, como cia sempre mais distendida de
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versões exegéticas, as quais não ra que se reporta ao Liber único


têm finalmente por objeto senão – à Bíblia –, para Blanchot, não
a possibilidade mesma da exege- é de Deus nem do homem, mas
se – a possibilidade de escrever do outro, do morrer, como lemos
(e de interpretar) O castelo. E em uma das páginas finais de A
se o livro se detém, inacabado, ausência de livro. Escrever, an-
inacabável, é porque se atola nos tes de significar um engajamento
comentários, cada momento exi- pela composição do livro, se li-
gindo uma glosa interminável, garia (des-ligando-se) ao morrer
cada interpretação dando lugar prévio de todo livro uma vez que
não apenas a uma reflexão (mi- no jogo insensato de escrever –
drash halachah) mas a uma nar- expressão de Mallarmé, apropria-
ração (midrash haggadah) que é da por Blanchot – a escritura es-
preciso por sua vez ouvir, isto é, taria em relação ao outro do livro
interpretar em níveis diferentes, a uma de-scrição, que é exigência
cada personagem representando scripturária. Por isso pensamos
uma certa altura de fala [parole] em uma dupla tradução do termo
e cada fala [parole], em seu ní- écriture por escrita/escritura so-
vel, dizendo verdade sem dizer a bretudo porque o primeiro desses
verdade. (p.160-161) usos não reflete um sentido ati-
vo, além de no segundo haver a
Blanchot não pretende asse- possibilidade de remissão do lei-
verar a possibilidade de diálogo tor ao campo semântico jurídico
em O castelo, de Franz Kafka, e religioso, como espaço em que
mas exatamente sua impossibili- a possível compreensão segundo
dade em um relato em que toda esses âmbitos se desengaja por
palavra (parole) é palavra de es- uma espécie de disseminação ar-
crita/escritura para que se possa quioriginária – origem não seria
manter o alcance da exegese bí- um termo que expressaria a pre-
blica que desponta no excerto que cessão infinita, sem começo – em
selecionamos. Em certo sentido, que a escritura, anterior ao dis-
não há fala entre personagens, na curso, ao comentário, cederia à
impossibilidade da permanência fração do fragmentário.
única da cotidianidade do diálogo Nesse momento de A ausência
no espaço da escrita. A Escritu- de livro, o momento final, faz-se
206 Resenhas de Traduções

referência ao désoeuvrement, no mento ou dissimulação. Nesse


sentido ativo, como produção sentido, em L’Écriture du Désas-
da ausência de obra, segundo a tre, por exemplo, haveria duas
expressão empregada em A con- expressões, experiência-limite e
versa infinita, que na tradução não experiência, recusar escrever
brasileira apresenta-se por “não e escrever por recusa, “Quando
obrar”. Não há equivalente em escrever, não escrever, é sem im-
português para o vocábulo fran- portância, então a escritura muda
cês que, em outros usos, pode – que ela tenha lugar ou não, é
significar ócio, inoperância ou a escritura do desastre” (BLAN-
inatividade, mas João Moura Jr. CHOT, 1980, p.25).
analisa o uso blanchotiano parti- Leslie Hill (2009) refletiria
cular e talvez recorra à leitura- sobre a escritura do desastre no
-tradução do capítulo A literatura âmbito da frase do texto blancho-
ainda uma vez em que se versa tiano pela inclusão de vocábulos
sobre o jogo na literatura de uma em -dé que poderiam substituir,
afirmação irredutível à unifica- apagar a aparição do desastre,
ção que se esquivaria à identifi- sem que haja uma palavra-chave
cação com a unidade que se dá de que comandaria a série de modo
forma positiva pelo pensamento que a alteração lexical mostra
de modo que essa afirmação se- o aspecto movente, fortuito do
ria apreendida, como trapaça do jogo. Ainda que Hill não cite
neutro, em meio a uma série de désoeuvrement – visto que ele
negações. No capítulo René Char não se propõe a estabelecer um
e o pensamento do neutro, o neu- inventário – ele citaria dissimula-
tro – desinteressa-se da afirmação tion, défaut, discours, distance,
e da negação – remete-se em lin- dehors, désarrangement, désar-
guagem escrita ao “valor” que se roi, déjà, todos termos que se
confere a certas palavras a partir escrevem em A conversa infini-
da utilização de aspas ou parênte- ta. Certamente não é possível,
ses, que ao contrário de acentuar por meio da tradução, manter os
as palavras deixando-as em rele- prefixos ­-de, -des ou –dis, em to-
vo, caracteriza-se por uma refe- das as suas aparições (haja vista,
renciação sempre por desfazer-se nos exemplos, défaut que se tra-
em uma singularidade de apaga- duz por falta no último capítulo
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de A ausência de livro e dehors, tamente, antes da consciência de


que, naturalmente, se traduz por finitude. Assim, o desobramento
fora), mas não nos fiaríamos na está à obra (à l’oeuvre) – está por
negação da alternativa de Moura fazer-se, por desfazer a obra, sem
Jr. ainda que a mudança de para- se engajar em uma operação de
digma em não obrar não seja um cumprimento – além do sentido
problema, visto que Hill recor- presente da proposta de tradução
da o sentido verbal de desastre, que encontramos em Ausência de
que, contudo, ainda permanece livro, em que à l’oeuvre se traduz
um nome (aí então o desvio pa- por obrando (cf. 194).
radigmático poderia engendrar Por fim, mas sem que pro-
um problema na leitura). Nossa curemos esgotar os comentários
opção por desobramento, embora possíveis, discutiremos breve-
apresente o problema do efeito mente a tradução do capítulo Le
de estranhamento no nível lexi- demain joueur por O amanhã
cal, que vai à contramão das es- brincalhão, que atesta a passa-
colhas compositivas de Maurice gem perigosamente conceitual de
Blanchot – que não visam a for- jogo a brincadeira ainda que du-
jar novos vocábulos –, mantém o rante todo o capítulo, à exceção
prefixo em substituição à nega- de uma nota em que intention de
ção para que possamos apostar na jeu é traduzida por intenção de
desaparição da obra antes de seu brincadeira, tanto o substantivo
cumprimento ou que seu cumpri- jeu é traduzido por jogo quando
mento se dê em uma anteriorida- o verbo jouer, por jogar – ape-
de inencontrável assim como se nas o adjetivo jogador é recusa-
poderia acercar-se do desastre do na tradução por brincalhão,
sem jamais apreendê-lo uma vez aparentemente mais corrente. No
que apreendê-lo é detê-lo, pará- capítulo em que se reflete sobre
-lo, embargá-lo. O uso da nega- o surrealismo acrescenta-se a se-
tiva em Blanchot se relaciona a guinte passagem: “Jogo: por essa
“eventos” que poderiam parecer palavra designa-se a única serie-
presentes, mas que sofreriam a dade que valha. O jogo é a pro-
ruptura de uma passividade anti- vocação pela qual o desconheci-
ga mas não pretérita, sempre já do, deixando-se apanhar no jogo,
(toujours déjà) a desfazer infini- pode entrar em relação” (p.187,
208 Resenhas de Traduções

grifo nosso). O tom derrisório verso do desregramento, desar-


impresso na tradução, no extre- ranjo, desconcerto, das voltas,
mo, nos reportaria a uma carta volteios e trapaças do jogo, que
de Blanchot (2009) em que ele se relacionará à queda (chute), à
critica as traduções em francês perda e à aposta, para que apre-
de Kafka, que atribuiriam a sua sentemos só alguns exemplos de
obra um riso exagerado, mas, usos que são constantes na obra
para além da discussão do sério de Maurice Blanchot. O amor
– que ainda seria redutora –, a que vai ao extremo do desamor,
expressão le demain joueur tal segundo a citação surrealista, é
como é traduzida em português amor pelo desconhecido e tam-
implica um problema referen- bém espera, como no final de
cial já que Stone-Richards (2007) L’Arrêt de mort4 em que “ela” se
assinala a menção implícita de dissolve no jogo das frases, su-
Maurice Blanchot ao segundo gerindo que quem vem é imóvel.
manifesto surrealista, que lemos Mas essas referências já se liga-
abaixo: riam a Georges Bataille e à co-
munidade dos amantes, em que
É normal que o surrealismo se no jogo do acaso, o amor não é
manifeste em meio e talvez ao mais necessário na relação.
preço de uma sequência ininter- O tradutor tem a tarefa de ler
rompida de fraquezas, de zigue- o texto que se lhe apresenta e ain-
zagues e de defecção que exigem da tentar, mas sem a garantia de
a todo instante a recolocação em ter êxito, desdobrar ou sugerir as
questão de seus dados originais, incontáveis referências, que já se
quer dizer, o lembrete ao prin- encontram apagadas por sua dis-
cípio inicial de sua atividade se simulação na obra francesa – por
junta à interrogação do amanhã isso o tradutor, por vezes, realiza
jogador [demain joueur] que quer a subtração da subtração –, sem
que os corações «se apeguem» e se entregar ao trabalho de comen-
se desapeguem3 (BRETON apud tador ou de analista, isto é, o tra-
STONE-RICHARDS, 2007, p.4) dutor deve permanecer ignorante
ainda que sua maior trapaça seja
O excerto selecionado junta à transformar-se em um bom leitor.
expressão demain joueur o uni-
Cadernos de Tradução nº 29, p. 195-210, Florianópolis - 2012/1 209

Notas ela, fundamental às últimas linhas


do récit. Aqui apresentamos nossa
1. Leslie Hill assinalará as diferen-
tradução modificada: “Quem pode
tes versões da “mesma” citação,
dizer: isto aconteceu, porque os
em se reportando ao equívoco da
eventos permitiram? Isto se passou,
tradução de Armel Guerne. Cf.
porque, em um certo momento, os
HILL, Leslie. ‘A fine madness’:
fatos se tornaram enganosos e, por
translation, quotation, the frag-
seu estranho agenciamento, auto-
mentary. In: McKEANE, John;
rizaram a verdade a se apoderar
HANNES, Opelz (org.). Blanchot
deles ? Eu mesmo não fui o mensa-
romantique: a collection of essays.
geiro desgraçado de um pensamen-
Bern: Peter Lang, 2011.
to [une pensée] mais forte que eu,
2. Sobre o Dizer e o dito, cf. : nem seu joguete, nem sua vítima,
LEVINAS, Emmanuel. Autrement pois este pensamento [cette pen-
qu’être ou au-delà de l’essence. sée], se ela me venceu, venceu ape-
Paris: Librairie Générale Françai- nas por mim (...) e eu a amei e não
se, 2008. Sobre as leituras talmú- amei senão a ela, e tudo que acon-
dicas, cf. : LEVINAS, Emmanuel. teceu, eu quis, e tendo tido olhos
La volonté du ciel et le pouvoir des apenas para ela (...), na ausência,
hommes. In: ____. Nouvelles lec- na desgraça, na fatalidade das coi-
tures talmudiques. Paris: Minuit, sas mortas, na necessidade das coi-
2005. p. 33-34. sas vivas, na fadiga do trabalho,
nestes rostos nascidos de minha
3. Il est normal que le surréalisme
curiosidade, em minhas palavras
se manifeste au milieu et peut-être
falsas, em meus juramentos menti-
au prix d’une suite ininterrompue
rosos, no silêncio e na noite, eu lhe
de défaillances, de zigzags et de
dei toda minha força e ela me deu
défection qui exigent à tout ins-
toda a sua, de modo que essa força
tant la remise en question de ses
demasiado grande, que nada seria
données originelles, c’est-à-dire le
capaz de arruinar, nos vota talvez a
rappel au principe initial de son ac-
uma desgraça sem medida, mas, se
tivité joint à l’interrogation du de-
é assim, assumo essa desgraça e me
main joueur qui veut que les coeurs
regozijo sem medida e, a ela, eu
«s’éprennent» et se déprennent.
digo eternamente : « Vem », e eter-
4. A tradutora Ana Maria de Alen- namente, ela está lá [là] ” BLAN-
car apresenta a alternativa ideia CHOT, Maurice. L’Arrêt de mort.
para o feminino francês pensée a Paris: Gallimard, «L’Imaginaire»,
fim de que se mantenha o anafórico 2008. p.127.
210 Resenhas de Traduções

Referências bibliográficas Recherche sur les Ecritures Sub-


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Lost in translation: Notations on
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et pratiques. Actes du 1er Collo- UNB
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