Você está na página 1de 7

CONTRAPONTO

Frederico Guilherme Bandeira de Araujo*

Corporeme
audiovisual presencial/virtual

40

* engenheiro, professor do IPPUR/UFRJ


e coordenador do Grupo de Pesquisa
Modernidade e Cultura

Book 1.indb 40 25/9/2012 13:19:07


SEQUÊNCIA NO CENA CENA VIRTUAL SEQUÊNCIA NO CENA CENA VIRTUAL
TIME CODE INÍCIO / FIM PRESENCIAL (PROJETADA) TIME CODE INÍCIO / FIM PRESENCIAL (PROJETADA)
DESCRIÇÃO AMBIENTE DESCRIÇÃO AMBIENTE
SEQUÊNCIA I IMAGEM: IMAGEM: Câmera em ângulo em
00:00 / 00:05 Personagem apresentador Tela preta. relação ao rosto. Ela não
Sala tipo auditório. Ambiente “recebe a palavra” do SOM: encara a câmera. Olha para
de evento acadêmico. Público coordenador da mesa. Em Sem som. o chão, feições serenas,
de estudantes, professores, silêncio, constrito, mas sem constrita.
pesquisadores e alguns aparentar tensão, volta-se SOM:
militantes de organizações para a tela. Figurino discreto, Voz em off destacada sobre
populares. Mesa à frente com informal. a trilha Corporeme (lenta,
expositores sentados. Tela SOM: cadenciada por breves
de projeção colocada atrás Ruídos do ambiente. silêncios):
ou lateralmente à mesa, de _ Por isso eu queria oferecer
modo que a Personagem a ela (pausa) esse momento
Apresentador, de seu lugar, de leveza (pausa) de uma
possa virar-se e ver a tela. sensação sem peso ...
IMAGEM: CORTE SECO IMAGEM: CORTE SECO IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO
SOM: CORTE SECO SOM: CORTE SECO SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE
SEQUÊNCIA II IMAGEM: IMAGEM: SEQUÊNCIA IV IMAGEM: IMAGEM
00:06 / 00:53 Personagem Apresentador Ambiente de galpão de 01:15 / 01:33 Idem, sequência anterior. Ensaio de dança moderna.
Mesmo ambiente permanece com a mesma fábrica fechado, estrutura Mesmo ambiente SOM: Grupo de dançarinas, Pina
atitude silenciosa, olhando metálicas à vista. Tons Idem, sequência anterior. Bausch à frente. Coreografia
com naturalidade ora para pastéis. Homem sentado coletiva. Figurino de ensaio
a tela, ora para o público. no chão, dobra e desdobra de dança. Malhas coloridas.
Atento mais à projeção. continuamente com as mãos Planos gerais. Close de Pina.
SOM: suas pernas, como se estas SOM:
Ruídos do ambiente estivem sem movimento Trilha Corporeme. Volta nível
próprio. Ao mesmo tempo de volume da sequência II
vai girado o corpo em seu IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO
próprio eixo e acelerando o SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE
movimento. Atrás do homem
SEQUÊNCIA V IMAGEM: IMAGEM
há esteira movendo-se, de
01:34 / 01:39 Idem, sequência anterior. Clown maquiando o rosto
vez em quando passam
Mesmo ambiente SOM: com pasta branca. Close,
vagonetas. Depois de dois
Idem, sequência anterior. tomada lateral, altura dos
ou três giros, o homem deita
olhos. A personagem olha
apoiando-se nos braços.
fixo à frente, sugerindo um
O último movimento é a
espelho que não se vê.
manipulação da cabeça
SOM
para encostá-la, no chão. O
Trilha Corporeme
plano termina com o homem
deitado, imóvel, de barriga IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO
para cima. SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE
SOM:
SEQUÊNCIA VI IMAGEM: IMAGEM:
Trilha Corporeme: música
01:40 / 02:23 Idem, sequência anterior. Dança coletiva em palco com
instrumental densa.
Mesmo ambiente SOM: chão de terra. Coreografia e 41
Dramaticidade do tango.
Idem, sequência anterior. figurino modernos. Grupo de
Piazzolla rasurado.
homens / grupo de mulheres.
IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO Não aparece público.
SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE Iluminação sóbria. Palheta
SEQUÊNCIA III IMAGEM: IMAGEM: de cores quentes. Sombras.
01:04 / 01:14 Idem, sequência anterior. Plano médio de mulher Tensão entre os dois grupos
Mesmo ambiente SOM: negra, fundo escuro, com expressa pelo gestual.
Idem. sequência anterior. malha de dança preta. SOM:
Trilha Corporeme.

Book 1.indb 41 25/9/2012 13:19:09


IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO
SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE
SEQUÊNCIA VII IMAGEM: IMAGEM SEQUÊNCIA XI IMAGEM: IMAGEM:
02:24 / 02:52 Idem, sequência anterior. Plano médio frontal de 03:07 / 03:10 Idem, sequência anterior. Continuação da sequência
Mesmo ambiente SOM: homem jovem, fundo Mesmo ambiente SOM: IX. Mulher amarra sapatilha
Idem, sequência anterior. grafitado, não figurativo, em Idem, sequência anterior. de balé em um dos pés
tons frios. Camiseta preta. Ele apoiados na cadeira que
inicialmente olha para o chão, trouxera.
feições serenas. Lentamente SOM:
levanta o olhar e fala olhando Trilha Corporeme
à câmera. Pode-se identificá- IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO
lo como o ator que faz a SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE
personagem Clown.
SEQUÊNCIA XII IMAGEM: IMAGEM
SOM:
03:11 / 03:21 Idem, sequência anterior. Clown ainda maquiando o
Fala em off destacada sobre
Mesmo ambiente SOM: rosto, agora pintando os
a trilha Corporeme:
Idem, sequência anterior. lábios com batom vermelho.
_ Que caminhos inventei, que
Close, tomada lateral, altura
não me fiz Pina Bausch.
dos olhos. A personagem
(Pausa)
olha fixo à frente, sugerindo
_ Forma, movimento, palavra.
um espelho que não se vê.
Fúria, orvalho, uma linha reta.
Sua expressão começa a
IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO
indicar estranhamento ou
SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE
certa tensão com sua própria
SEQUÊNCIA VIII IMAGEM: IMAGEM: face que (supostamente) vê
02:53 / 02:54 Idem, sequência anterior. Tela preta refletida.
Mesmo ambiente SOM: SOM: SOM
Idem, sequência anterior. Trilha Corporeme Trilha Corporeme
IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO
SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE
SEQUÊNCIA IX IMAGEM: IMAGEM: SEQUÊNCIA XIII IMAGEM: IMAGEM:
02:55 / 02:57 Idem, sequência anterior. Mulher caminha 03:22 / 03:24 Idem, sequência anterior. Tela preta
Mesmo ambiente SOM: aceleradamente ao longo do Mesmo ambiente SOM: SOM:
Idem, sequência anterior. eixo horizontal da câmera, Idem, sequência anterior. Trilha Corporeme
carregando cadeira e depois IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO
a colocando no chão. SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE
Figurino: vestido curto, de
SEQUÊNCIA XIV IMAGEM: IMAGEM:
pano leve e colorido. Plano
03:25 / 05:23 Idem, sequência anterior. Continuidade das sequências
geral. O cenário é um pátio
Mesmo ambiente SOM: IX e XI. Agora a mulher dança
de fábrica com galpões e
Idem, sequência anterior. balé, os pés em ponta, no
estruturas altas, deserto.
pátio árido. Céu azul pálido.
Linhas retas e duras. Sol
SOM:
fraco, tons pastéis.
Trilha Corporeme
SOM:
Trilha Corporeme IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO
SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE
IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO
42 SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE SEQUÊNCIA XV IMAGEM: IMAGEM:
05:24 / 05:27 Idem, sequência anterior. Pina Bausch em close. No
SEQUÊNCIA X IMAGEM: IMAGEM
Mesmo ambiente SOM: início em tomada lateral.
02:58 / 03:06 Idem, sequência anterior. Clown maquiando o rosto,
Idem, sequência anterior. Lentamente ela vira-se e
Mesmo ambiente SOM: agora delineando os olhos
encara a câmera. Expressão
Idem, sequência anterior. com lápis preto. Close,
serena. Densa. Cores frias.
tomada lateral, altura dos
Cinza predominante.
olhos. A personagem olha
SOM:
fixo à frente, sugerindo um
Trilha Corporeme
espelho que não se vê.
SOM
Trilha Corporeme

Book 1.indb 42 25/9/2012 13:19:11


IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO – O que é a honestidade?
SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE – Qual é a nossa
SEQUÊNCIA XVI IMAGEM: IMAGEM: responsabilidade mesmo
05:28 / 06:19 Idem, sequência anterior. Mulher só, em pé, imóvel, quando dançamos?
Mesmo ambiente SOM: em palco quase vazio – Pina nos ensinou a
Idem, sequência anterior. com poucas cadeiras ao defender aquilo que fazemos,
fundo. Vestido rosa pálido, em cada gesto, cada passo e
transparente. Homens de cada movimento.
terno preto entram aos Ao final da fala a trilha entra
poucos e manipulam o corpo num crescendo.
da mulher de várias maneiras, IMAGEM: CORTE SECO
IMAGEM: CONTINUIDADE
por todos os lados. São SOM (TRILHA):
SOM: CONTINUIDADE
muitos. Ela permanece inerte, CONTINUIDADE
olhos fechados.
SEQUÊNCIA XV IMAGEM: IMAGEM:
SOM:
07:45 / 08:30 Idem, sequência anterior. Espaço interno de construção
Trilha Corporeme
Mesmo ambiente SOM: de cimento aparente, amplo,
IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO Idem, sequência anterior. claro, janelas de vidro
SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE permitindo ver um exterior
SEQUÊNCIA XVII IMAGEM: IMAGEM: indefinido e pálido. O teto
06:20 / 06:34 Idem sequência anterior Close lateral da Personagem é vazado. Não há móveis
Mesmo ambiente SOM: Clown, já com o rosto todo ou qualquer objeto. Aridez.
Idem sequência anterior maquiado: faces brancas, Linhas retas e ângulos.
olhos negros, boca vermelha. Casal caminha em direção à
Segue olhando na mesma câmera, que lentamente se
direção do suposto espelho, afasta abrindo o quadro. Esse
feições expressando tensão caminhar é marcado pelo
com o que vê. Borra a tombar constante da mulher,
maquiagem em movimento ora para um lado, ora para
nervoso e angustiado. o outro, sempre amparada
SOM: e reequilibrada pelo par
Trilha Corporeme masculino. Ela de vestido
comprido, leve, amarelo. Ele
IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO
de calça e camisa pretas.
SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE
SOM:
SEQUÊNCIA XVIII IMAGEM: IMAGEM: Trilha Corporeme
06:35 / 07:30 Idem, sequência anterior. Continuação sequência
IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO
Mesmo ambiente SOM: XVI (manipulação mulher).
SOM: CONTINUIDADE SOM: CONTINUIDADE
Idem, sequência anterior. A câmera agora está
distante, atrás da platéia SEQUÊNCIA XVI IMAGEM: IMAGEM:
que aparece em perfil no 08:31 / 08:42 Idem sequência, anterior. Plano médio. Mulher velha,
primeiro plano. Ao final, Mesmo ambiente SOM: cabelos negros, longos,
plano médio permitindo a Idem sequência, anterior. soltos. Figurino preto, fundo
visão de detalhes das feições preto.
contraídas da mulher. Inicialmente com expressão
SOM: circunspecta, olha para
Trilha Corporeme baixo. Lentamente levanta
o olhar e encara a câmera.
IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO Ao fim esboça um leve e 43
SOM: CONTINUIDADE SOM: CORTE SECO sutil sorriso.
SEQUÊNCIA XIV IMAGEM: IMAGEM: SOM:
07:31 / 07:44 Idem, sequência anterior. Plano médio de homem Trilha Corporeme
Mesmo ambiente SOM: jovem, camiseta preta. Fundo
Idem, sequência anterior. preto. Olha para a câmera
sereno.
SOM:
Voz em off:

Book 1.indb 43 25/9/2012 13:19:13


IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE EM FUSÃO
SOM: CONTINUIDADE SOM: CORTE SECO SOM: CONTINUIDADE SOM: CORTE SECO
SEQUÊNCIA XVII IMAGEM: IMAGEM: SEQUÊNCIA XIX IMAGEM: IMAGEM:
08:43 / 10:17 Idem, sequência anterior. Close da Personagem 10:32 / 19:00 Personagem Apresentador, Personagem Clown parado
Mesmo ambiente SOM: Clown, agora encarando Mesmo ambiente voltando-se lentamente ao e olhando a câmera em
Idem, sequência anterior. a câmera, a maquiagem público, dá continuidade à silêncio, funde-se lentamente
totalmente borrada, como fala já iniciada. em tela preta (que assim
que explodindo sua anterior SOM: permanecerá até o fim
angústia. Começa a discursar Essa fala, ainda que a da fala do Personagem
afastando-se lentamente da partir de agora traga Apresentador).
câmera que, por sua vez, vai argumentações reflexivas SOM:
abrindo o quadro. O cenário mais explícitas, não deve Sem som
é um espaço de pilotis deixar o tom emotivo.
grafitados, pé direito alto, ao Apresentador diz:
fundo parede envidraçada. – Não sei, talvez ...
A personagem está sem – O que digo quando digo
camisa, descalça, vestindo ‘sou’ ou enuncio a expressão
calça clara de algodão cru. ‘meu corpo’?
SOM: – Trago, através desses
Personagem deslizando termos, uma experiência. Falo
ao longo da fala da então como um testemunho
explosão angustiada ao de uma experiência.
questionamento reflexivo, diz: – O que estaria implicado
– Corpo. nesse singular ato de
– Palavra corpo, imagem testemunhar? O que estaria
corpo. sendo suposto nesse
– Digo ‘meu corpo’, imagino testemunho enquanto
‘meu corpo’. experiência?
– A expressão ‘meu corpo’. – Testemunhar – a mim,
A imagem ‘meu corpo’. aos outros – o que digo
– Eu. A palavra ‘eu’. como ‘eu’ ou ‘meu corpo’
IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CONTINUIDADE é, antes de tudo, estranhar
SOM: CORTE SECO SOM: CONTINUIDADE esses dizeres, estranhá-los,
primeiro, pela ontologia de
SEQUÊNCIA XVIII IMAGEM: IMAGEM:
que se travestem essas falas,
10:18 / 10:31 Mesmo ambiente. Personagem Clown,
mas também pela alteridade
Mesmo ambiente Personagem Apresentador, terminado seu deslocamento
implícita entre um suposto eu
voltado à tela. para trás, está em pé, tomado
e a externalidade nomeada
SOM: em plano geral, de frente
‘meu corpo’, alteridade
Em tom indagativo, para a câmera.
marcada como relação de
Apresentador sobrepõe SOM:
posse. Posse unilateral: eu
sua fala à fala idêntica da Questionando-se, fala:
possuo meu corpo.
Personagem Clown. – Eu sou ‘meu corpo’?
– Essa posse seria de
Diz: – A oração auto-evidente
que caráter? Capitalista?
– Eu sou ‘meu corpo’? ‘meu corpo’.
Aquilo que digo ‘meu corpo’
– A oração auto-evidente – A imagem especular ‘meu
estaria sendo dito como
44 ‘meu corpo’. corpo’.
mercadoria? Como algo
– A imagem especular ‘meu – Sou? sem corpopalavra,
detentor de valores de uso
corpo’. sem corpoimagem, sem
e troca?
– Sou? sem corpopalavra, órgãos, sem dor, sem
– E o que estaria sendo
sem corpoimagem, sem inventados outros eus
dito como ‘eu’ em minha
órgãos, sem dor, sem de mim, sem outros
fala? Além de coisa capaz
inventados outros eus de corposimagens de mim?
de possuir.
mim, sem – Sou?
– Quando digo ‘eu’, denoto
outros corposimagens
a distinção com outros eus e
de mim?
também com o dito ‘meu
– Sou?

Book 1.indb 44 25/9/2012 13:19:15


corpo’ (e com outros corpos). constituição por interpelação
Mas, essa última distinção de diferenças tensas, não
se evidencia nitidamente pacíficas, de espaço e tempo
estratégica. Lembro que em com outros eus e outros
certos entardeceres, me digo corpos. Esse é o modo como
eu enquanto meu corpo. E, me constituo (self e corpo) e
assim, me invento como dor ao meu mundo formado de
e prazer, indivíduo, cidade, outros eus e outros corpos
cosmos, finitude. O uso da distintos do meu.
palavra corpo desse modo, – Mas isso permite o dizer
é o que decide naquilo que ‘sou’?
é dito pela palavra eu, a – Positivando uma visão
finitude. A expressão meu sobre todas essas questões
corpo institui o relógio de imbricadas: entendo que a
mim. Ou seja, invento essa possibilidade do dizer eu e
expressão pra me jogar meu corpo, só se dá através
naquilo que instituo como da constituição por interpela-
mundo e como estratégia a ção de diferenças tensas, não
me constituir finito e escapar pacíficas, de espaço e tempo
da insuportável perversidade com outros eus e outros
de me supor eterno. corpos. Esse é o modo como
– Todas essas coisas me constituo (self e corpo) e
implicam tipos de questões ao meu mundo formado de
e suposições relativas a: outros eus e outros corpos
individuação (eu não sou distintos do meu.
outro, meu corpo é único); – Mas isso permite o dizer
tempo (eu e meu corpo ‘sou’?
somos duráveis, ainda que – Enquanto corpo e mente,
finitos); espaço (eu sou algo finitos e limitados, é possível
diferido [espaçado] de todo e apenas dizer que estou, na
qualquer outro); composição ligeireza desse dizer, enquan-
(eu e meu corpo somos to esse próprio dizer. Qualifico
totalidades orgânicas ou o dito por esse dizer ‘estou’
não-organismos objetivados como agenciamento, como
enquanto sínteses disjuntivas, trama inextricável de conte-
corpos sem órgãos?); intensi- údo e expressão, de corpo e
dade (eu e meu corpo acon- outros corpos e palavra, de
tecemos a mim apenas como materialidades e significados.
intensidades desconexas, de Não enquanto duas ordens
modo a constituir conjuntos de estar apartadas que se
enquanto corpo sem órgãos, relacionam como externa-
como modo estratégico de lidades. Mas sim enquanto
presença a mim e aos outros dois regimes de signos: um
de mim?); linguagem (qual que diz matéria, outro que
a condição de possibilidade significa esse regime que
de dizer eu e meu corpo? Só diz matéria.
posso dizer essas expressões – O que digo que estou, 45
ontologicamente, indicando assim,
seres, ou assumo a palavra na ligeireza desse dizer ago-
que me diz, como proble- ra, pura invenção estratégica
mática significação de efeito à vida e ao procurar me fazer
presente?). aqui presente, constitui-se
– Positivando uma visão sobre num agenciar que assim
todas essas questões imbrica- enuncio: imbricação de dese
das: entendo que a possibili- jo (o desejo de me expressar
dade do dizer eu e meu sobre o tema da mesa, aqui,
corpo, só se dá através da agora) e limitações da possi

Book 1.indb 45 25/9/2012 13:19:17


bilidade de experimentação – Não obstante, esse
desse desejo (esse ‘aqui’ testemunho, ato presente,
é um evento acadêmico somente se positiva enquanto
no qual suponho certas diferença / relação com
expectativas às possibilidades outros corpos-agenciamento
dessa fala). testemunhados. – Enfim, pra
– Assumindo a mim como ficar dentro do tempo: o que
essa estidade aqui e agora, digo que estou é relação de
deslizo por um campo que mim. O que digo meu corpo,
me é confortável e nele sou nesse estar, é trama de afetos
tentado, como que por um dessa relação. Essa trama,
canto de sereia, a teste- em certos dias chuvosos,
munhar o que digo como chamo cidade. Nos dias ím-
meu corpo enquanto um pares de sol a pino, nomeio
organismo. fúria. Em dias santos, em
– Mas será que, nesta estida- segredo chamo amor.
de em que me faço aqui, ou IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE SECO
mesmo em alguma estidade SOM: CONTINUIDADE SOM: CORTE SECO
que me faço memória, ex-
SEQUÊNCIA XX IMAGEM: IMAGEM:
periencio efetivamente o que
19:00 / 19:45 O Personagem Apresentador Cartelas de créditos:
digo como meu corpo como
Mesmo ambiente volta-se à tela e permanece CORPOREME
um organismo presente?
assim até o final da projeção Realização
– O que posso testemunhar
/ final da apresentação. GPMC
sobre isso? Confesso que
SOM: Flávia Araújo
as funções desse suposto
Apresentador, lendo as Frederico Araujo
organismo me são obscuras,
cartelas: Giovani Barros
ainda que as tenha precisa-
– CORPOREME Marianna Teixeira
das por estranhas ciências
– Realização Ricardo Paris
que professam saber sobre
GPMC Ator convidado
o que dizem ser meu corpo,
Flávia Araújo Miguel Araujo
supostos saberes que, assim,
Frederico Araujo Trilha sonora Rasuras de
incidem nesse testemunhar
Giovani Barros Soledad e La Camorra I
como heteronomias.
Marianna Teixeira (Astor Piazolla)
– Mas, para além dessa obs-
Ricardo Paris Pedro Albuquerque
curidade, o que se evidencia
– Ator convidado Trechos do filme “Pina”
como memória do que digo
Miguel Araujo (Wim Wenders – 2011)
meu corpo, em mim, pra
– Trilha sonora Rasuras de libertariamente apropriados
mim, como memória da
Soledad e La Camorra I pelos realizadores.
palavra memória tomada
(Astor Piazolla) FIM
como enredamento de
Pedro Albuquerque Som:
dizeres agenciamento, é um
– Trechos do filme “Pina” Trilha Corporeme (num
inventário intrincado de afetos
(Wim Wenders , 2011) crescendo)
em intensidades distintas,
libertariamente apropriados
vibrações, reverberações, do-
pelos realizadores.
res, desvios de olhar, clarões,
– Fim
dois ou três entardeceres em
46 que me fiz a tarde e o olhar IMAGEM: CONTINUIDADE IMAGEM: CORTE EM FUSÃO
a tarde, a textura de certas SOM: CONTINUIDADE SOM: CORTE EM FUSÃO
mãos que farei minhas, a po- SEQUÊNCIA XXI IMAGEM: IMAGEM:
tência agonística que imputei 19:46 / 19:49 Personagem Apresentador Tela preta
aos lábios de uma mulher, e... Mesmo ambiente volta-se ao Coordenador SOM:
– Digo, desse modo, meu da mesa e “devolve-lhe” Trilha Corporeme (diminuindo
corpo como memória de a palavra. até cessar)
meu corpo enquanto caos SOM:
movente de intensidades Personagem Apresentador
passadas, vibrações presen- diz:
tes e cores imaginadas. – Obrigado.

Book 1.indb 46 25/9/2012 13:19:19

Você também pode gostar