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Título original:
The Making and Breaking of Affectional Bonds © 1979 R. P. L. Bowlby and others.
1a edição brasileira: outubro de 1982.
Prefácio.
De tempos em tempos, ao longo dos últimos vinte anos, fui convidado para falar a colegas, ou
a um público mais numeroso, em alguma ocasião formal. Esses convites proporcionaram-me
uma oportunidade para um reexame crítico dos resultados de pesquisas e para descrever, em
linhas gerais, o pensamento atual.
No presente volume, foram selecionadas para reimpressão algumas dessas
conferências e contribuições para simpósios, na esperança de que possam fornecer uma
introdução às idéias que são expostas sistematicamente nos três volumes recém-concluídos
sob o título geral de Attachment and Loss (*1). Como cada conferência ou contribuição foi
dirigida a um público particular numa ocasião particular, achei preferível reeditá-las em sua
forma original, em vez de tentar qualquer revisão substancial. Portanto, cada uma delas é
publicada numa forma próxima daquela em que foi originalmente divulgada, com um
parágrafo introdutório que descreve a ocasião e o público. Aproveitou-se a oportunidade para
corrigir a gramática e padronizar a terminologia e as referências; e foram acrescentadas
algumas notas explicativas entre colchetes, sempre que pareceram necessárias. Toda vez que
uma afirmação exigia modificação ou ampliação, à luz de novas provas ou novos estudos,
acrescentei um comentário e forneci referências complementares (remetendo freqüentemente
o leitor para um dos volumes de Attachment and Loss) numa anotação no final do capítulo.
Foi omitida uma seção do Capítulo 3 por razões explicadas no texto.
Nota de rodapé:
(*1). A ser publicado por esta editora sob o título de Ligação e Perda.
VII
Meu interesse pelos efeitos de diferentes formas de experiência familiar sobre uma criança em
desenvolvimento começou em 1929, quando trabalhei durante seis meses no que hoje se
chamaria uma escola para crianças desajustadas. Uma década depois, após completar minha
formação psiquiátrica e psicanalítica, e trabalhar durante três anos na London Child Guidance
Clinic, apresentei algumas observações num artigo intitulado “The Influence of Early
Environment on the Development of Neurosis and Neurotic Character” [A Influência do Meio
Ambiente Inicial no Desenvolvimento da Neurose e do Caráter Neurótico] (1940); e estava
também coligindo material para a monografia “Forty-Four Juvenile Thieves” [Quarenta e
Quatro Delinqüentes Juvenis] (1944, 1946). Foram muitas as razões pelas quais, depois da
guerra, escolhi como campo especial de estudo a remoção de uma criança do lar para uma
creche ou hospital, e não mais o amplo campo da interação pais-filhos. Em primeiro lugar, era
um evento que, acreditava eu, poderia ter efeitos perniciosos sobre o desenvolvimento da
personalidade de uma criança. Em segundo lugar, não poderia haver dúvidas sobre o fato, o
que contrasta enormemente com a dificuldade em obter informação válida sobre como os pais
tratam uma criança. Em terceiro lugar, parecia ser um campo onde poderiam ser possíveis
medidas preventivas.
Embora nessa pesquisa tenha me esforçado constantemente para aplicar o método
científico, estive sempre profundamente cônscio de que, como em outros campos da
medicina, quando um psiquiatra empreende um tratamento ou tenta a prevenção, ele deve ir,
com freqüência, além do que é cientificamente aceitável. A distinção entre os critérios
necessários em pesquisa e os aceitáveis em terapia e prevenção nem sempre é entendida, e
resulta em muita confusão. Numa conferência recente, “Psychoanalysis as Art and Science”
[Psicanálise como Arte e Ciência] (1979), tentei deixar clara a minha posição.
A minha dívida para com muitos colegas que colaboraram comigo ao longo dos anos,
e a quem este volume é dedicado, será salientada nas próprias conferências que se seguem.
Estou profundamente grato a todos eles. Também estou muito grato à minha secretária,
Dorothy Southern, que trabalhou desde o início em cada uma dessas conferências, em suas
numerosas versões e rascunhos, e o fez com infatigável cuidado e inquebrantável entusiasmo.
Índice.
Nota de rodapé:
Não só vemos revistas populares, como Picture Post *(1), informarem seu público de que “a
criança infeliz converte-se no infeliz adulto neurótico” o que importa é
“o comportamento daqueles entre os quais uma criança cresce... e, nos primeiros anos,
especialmente o comportamento da mãe”; mas essas opiniões tiveram eco nas publicações
oficiais. O Home Office [do Ministério do Interior britânico] (1955), ao descrever o trabalho
do seu Departamento da Criança, assinala que “as experiências passadas de uma criança
desempenham um papel vital em seu desenvolvimento, e continuam sendo importantes para
ela... e adverte que “a finalidade deve se garantir, tanto quanto possível, que cada bebê seja
regularmente cuidado pela mesma pessoa”. Finalmente, existe um relatório preparado por
uma comissão nomeada pelo Ministro da Educação que trata, de um modo abrangente, de
todos os problemas da criança desajustada (Ministério da Educação, 1955). Baseia suas
recomendações, inflexivelmente, em proposições tais como “A pesquisa moderna sugere que
as influências mais formativas são aquelas que a criança recebe antes de iniciar a sua
escolaridade, e que, por essa época, certas atitudes que podem afetar decisivamente todo o seu
desenvolvimento subseqüente já adquiriram forma”; e “A felicidade e estabilidade de uma
criança nesse período (o estágio final da infância) ou sua infelicidade e desajustamento na
sociedade ou na escola dependem predominantemente de uma coisa: a adequação de sua
formação nos primeiros anos de vida”. Ao celebrar-se o centenário do nascimento do
fundador da psicanálise, é apropriado registrarmos essa revolução no pensamento moderno.
Existe hoje, entre os psicanalistas e aqueles que são por eles influenciados, uma ampla
área de concordância, pelo menos quanto a algumas das questões cruciais que se referem aos
cuidados com a criança. Todos reconhecem, por exemplo, a importância vital de uma relação
estável e permanente com uma mãe (ou mãe-substituta) amorosa durante toda a infância, e a
necessidade de aguardar a maturação antes de arriscar intervenções tais como o desmame e o
treinamento de hábitos pessoais de higiene — e, na verdade, todas as outras etapas na
“educação” de uma criança. Sobre outras questões, entretanto, existem diferenças de opinião
e, em virtude da complexidade e da relativa novidade do estudo científico desses problemas,
seria surpreendente que não existissem.
Nota de rodapé:
Isso causa, com freqüência, confusão e perplexidade nos pais, especialmente os “ávidos de
certezas nesta vida”. Como seria bem mais fácil para todos nós se conhecêssemos todas ou,
pelo menos, a maioria das respostas ao problema de como criar os nossos filhos! Mas isso está
longe de ser a situação atual e não desejo, nem por um instante, dar a impressão de que é.
Entretanto, acredito que a obra de Freud nos dotou de alguns conhecimentos sólidos e, além
disso, o que talvez seja ainda mais importante, mostrou-nos um modo fecundo de considerar
os problemas que envolvem os cuidados com a criança e procurar uma compreensão mais
profunda dos mesmos.
Donald Winnicott, em sua conferência sobre psicanálise e culpa *(1), discutiu o papel vital, no
desenvolvimento humano, do desenvolvimento de uma capacidade saudável para sentir culpa.
Deixou claro que a capacidade para experimentar um sentimento de culpa constitui atributo
necessário da pessoa saudável. Embora seja desagradável, como a dor física e a ansiedade, é
biologicamente indispensável e constitui parte do preço que pagamos pelo privilégio de
sermos seres humanos. Mostra, depois, como a capacidade para sentir culpa “implica que a
ambivalência seja tolerada” e uma aceitação da responsabilidade pelo nosso amor e o nosso
ódio. Estes temas têm merecido o profundo interesse dos psicanalistas britânicos, em virtude
da influência preponderante exercida por Melanie Klein. E minha intenção ampliar agora o
exame do papel da ambivalência na vida psíquica — essa tendência inconveniente que todos
possuímos para ficarmos com raiva e, por vezes, com ódio da mesma pessoa que nos é mais
querida — e considerar aqueles procedimentos nos cuidados com a criança que parecem
tomar mais fácil ou mais difícil a uma criança crescer capaz de regular esse conflito de um
modo maduro e construtivo. Pois acredito que um critério principal para se julgar o valor de
diferentes procedimentos nos cuidados com a criança reside nos efeitos, benéficos ou
adversos, que eles têm sobre a capacidade em desenvolvimento de uma criança para regular
seu conflito de amor e ódio, e, através disso, a capacidade para sentir de um modo saudável
sua ansiedade e culpa.
Façamos uma descrição sucinta das idéias de Freud sobre o tema da ambivalência. Dos
inúmeros temas que são ventilados em toda a sua obra, nenhum é mais brilhante nem mais
persistente do que esse.
Nota de rodapé:
Ele surgiu logo no início da psicanálise. Durante sua investigação dos sonhos, Freud (1900)
percebeu que um sonho em que a pessoa amada morre indica freqüentemente a existência de
um desejo inconsciente de que essa pessoa morra — uma revelação que, embora menos
surpreendente do que quando foi exposta pela primeira vez, talvez não seja hoje menos
perturbadora do que há meio século. Em sua busca da origem desses desejos inoportunos,
Freud voltou-se para a vida emocional da criança e formulou a hipótese — que era, na época,
audaciosa — de que, em nossos primeiros anos de vida, é regra, e não exceção, sermos
impelidos por sentimentos de raiva e ódio, tanto quanto de interesse e amor, em relação a
nossos pais e nossos irmãos. De fato, foi nesse contexto que Freud apresentou ao mundo, pela
primeira vez, os temas, hoje familiares, de rivalidade entre os irmãos e de ciúme edipiano.
Nos anos que se seguiram à publicação de sua grande obra sobre sonhos, o interesse de
Freud pela sexualidade infantil fez com que o tema da ambivalência passasse a ocupar um
lugar menos proeminente em seus escritos. Reaparecerá em 1909 quando, num artigo sobre
neurose obsessiva, lembra-nos que “em todas as neuroses, deparamo-nos com os mesmos
instintos reprimidos por trás dos sintomas... o ódio mantém-se reprimido no inconsciente pelo
amor...” Alguns anos depois, a fim de enfatizar o significado fundamental desse conflito,
Freud (1912) introduziu o termo ambivalência, que fora criado recentemente por Bleuler.
O significado clínico que Freud atribuiu à ambivalência reflete-se em suas construções
teóricas. Na primeira de suas duas principais formulações, o conflito intrapsíquico tem lugar
entre os instintos sexuais e os do ego. Como nessa época considerava os impulsos agressivos
parte integrante dos instintos do ego, Freud resumiu sua proposição afirmando que “os
instintos sexuais e os do ego desenvolvem facilmente uma antítese que repete a do amor e
ódio” (1915). O mesmo conflito básico reflete-se de novo na segunda de suas formulações —
a que se refere ao conflito entre os instintos de vida e de morte. Nesta terminologia,
verificamos que a ambivalência com que um paciente neurótico se defronta é considerada por
Freud como resultante de uma falha no processo de fusão dos instintos de vida e de morte, ou
a um colapso ulterior da fusão, ou seja, a defusão (1923). Conclui, portanto, que o problema
clínico e teórico crucial está em compreender como o conflito entre amor e ódio chega a ser
satisfatoriamente regulado ou não.
As opiniões sobre os méritos dessas formulações metapsicológicas de Freud variam, e
continuarão variando ainda por muitas décadas. Por vezes, pergunto-me se as controvérsias
teóricas que essas formulações
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É graças a Freud que o significado desse conflito na vida do homem foi percebido de
novo, e é também graças a ele que pela primeira vez é objeto de investigação científica.
Sabemos hoje que o medo e a culpa provenientes desse conflito estão subjacentes a muitas
doenças psicológicas, e a incapacidade para enfrentar esse medo e essa culpa está
subentendida em muitos distúrbios de caráter, incluindo a delinqüência persistente. Embora
nosso trabalho deva dar um grande passo à frente quando as questões teóricas estiverem mais
claras, acredito que, em muitos casos, poderemos progredir bastante usando conceitos do dia-
a-dia, como amor e ódio, e conflito — o inevitável conflito que se desenvolve em nós quando
amor e ódio são dirigidos para uma só e mesma pessoa.
Ficará claro que os passos dados pelo bebê ou a criança ao avançar no sentido da
regulação dessa ambivalência têm importância decisiva para o desenvolvimento de sua
personalidade. Se a criança seguir um caminho favorável, ela crescerá consciente de que
existem, em seu íntimo, impulsos contraditórios, mas estará apta a dirigi-los e controlá-los, e a
ansiedade e culpa que eles engendram será suportável. Se o seu progresso for menos
favorável, a criança será assediada por impulsos sobre os quais sente não ter controle ou ter
um controle inadequado; em conseqüência disso, sofrerá uma ansiedade aguda com relação à
segurança das pessoas que ela ama e também temerá o revide que, acredita ela, não deixará de
cair sobre sua própria cabeça.
Nota de rodapé:
*(1). Tradução literal: “No entanto, mata cada homem a coisa que ama, / Que isto seja ouvido
por todos eles, / Alguns matam com um olhar amargo, / Outros com uma palavra de adulação,
/ O covarde o faz com um beijo, / O valente com uma espada!” (N. do T.).
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É nesse caminho que está o perigo — o perigo de a personalidade recorrer a uma série de
manobras, cada uma das quais cria mais dificuldades do que resolve. Por exemplo, o medo da
punição que é esperada como resultado de atos hostis — e também, é claro, de intuitos hostis,
pois nunca é fácil para uma criança distinguir claramente uns dos outros — acarreta
freqüentemente mais agressão. Assim, vemos em inúmeros casos uma criança agressiva agir
baseada em que o ataque é a melhor defesa. Do mesmo modo, a culpa pode levar a uma
exigência compulsiva de demonstrações de amor que a tranqüilizem e, quando essas
exigências não são satisfeitas, a novos sentimentos de ódio e, por conseguinte, a mais culpa.
São esses os círculos viciosos que resultam quando a capacidade de regular o amor e o ódio se
desenvolve de modo desfavorável.
Além disso, quando a criança pequena não tem confiança em sua aptidão para
controlar seus impulsos ameaçadores, há o risco de que, inadvertidamente, recorra a um ou
mais dos incontáveis mecanismos psíquicos primitivos e bastante ineficazes destinados a
proteger seus entes queridos de danos e ela própria da dor de um conflito que parece insolúvel
por outros meios. Esses mecanismos psíquicos, que incluem a repressão de um ou dos dois
componentes do conflito — ora o ódio, ora o amor, e, por vezes, ambos — o deslocamento, a
projeção, a supercompensação e muitos mais, têm, todos, uma coisa em comum: em vez de o
conflito ser trazido para campo aberto e enfrentado pelo que é, todos esses mecanismos de
defesa são evasões e negações de que o conflito existe. Não admira que sejam tão ineficazes!
Antes de chegarmos ao nosso tema principal — as condições que, na infância,
favorecem ou retardam o desenvolvimento da capacidade de regular o conflito — quero
enfatizar mais uma coisa: não existe nada de mórbido no conflito. Muito pelo contrário:
conflito é, em todos nós, a condição normal de nossas transações. Todos os dias
redescobrimos em nossas vidas que, se adotarmos um determinado curso de ação, teremos de
renunciar a outros que também são desejados; descobrimos, de fato, que não podemos comer
o doce e ficar com ele. Portanto, em cada dia de nossas vidas, cabe-nos a tarefa de decidir
entre interesses rivais em nosso próprio íntimo, e de regular conflitos entre impulsos
irreconciliáveis. Outros animais têm o mesmo problema. Lorenz (1956) mostrou que, antes,
pensava-se que somente o homem era vítima de impulsos conflitantes mas que hoje sabe-se
que todos os animais são constantemente acossados por impulsos que são mutuamente
incompatíveis, como ataque, fuga e abordagem sexual.
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O que sabemos, pois, das condições que geram a dificuldade? Não pode haver dúvida de que
uma característica principal do conflito que toma difícil regulá-lo é a magnitude de seus
componentes. No caso de ambivalência, se o impulso para obter satisfação libidinal *(2) ou o
impulso para magoar e destruir a pessoa amada for extraordinariamente forte, aumentará o
problema de regular o conflito. Freud percebeu isso desde o começo. Logo no início de sua
obra, rejeitou a idéia de que aquilo que distinguia os indivíduos mentalmente sãos dos menos
afortunados era a existência ou a natureza dos conflitos experimentados; ele sugeriu, pelo
contrário, que a diferença reside no fato de os neuróticos apresentarem, “em escala ampliada,
sentimentos de amor e ódio por seus pais, o que ocorre de modo menos evidente e menos
intenso nas mentes da maioria das crianças” (1900). Este é um ponto de vista que foi
abundantemente confirmado pelo trabalho clínico dos últimos cinqüenta anos.
Portanto, uma chave para os cuidados com a criança é tratá-la de tal maneira que
nenhum dos dois impulsos que põem em perigo a pessoa amada — a voracidade libidinal e o
ódio — se tome demasiado intenso.
Nota de rodapé:
Ao contrário de alguns analistas que são pessimistas quanto ao vigor inato dos impulsos de
uma criança, acredito que essa condição é, na maioria das crianças, resolvida com relativa
facilidade, contanto que elas tenham pais carinhosos. Se um bebê tem o amor e a companhia
de sua mãe e logo também a de seu pai, ele crescerá sem uma pressão exagerada de anseios
libidinais e sem uma propensão irresistível para odiar. Se não tiver essas coisas, seus anseios
libidinais provavelmente serão muito elevados, o que significa que o bebê estará procurando
constantemente amor e afeição, e será continuamente propenso a odiar aqueles que não
conseguem — ou lhe parecem não conseguir — dar-lhe o afeto que ele tanto deseja.
Embora a necessidade irresistível que uma criança tem de amor e segurança seja hoje
um fato muito conhecido, há quem proteste contra isso. Por que haveria um bebê de fazer tais
imposições? Por que não pode ficar satisfeito com menos cuidados e atenções? Como
poderemos arranjar as coisas de modo que os pais tenham tempos mais tranqüilos e menos
sobrecarregados? Talvez um dia, quando soubermos mais a respeito das necessidades
libidinais de uma criança pequena, estejamos aptos a descrever de um modo mais preciso os
seus requisitos mínimos. Entrementes, será aconselhável respeitar as suas necessidades e
compreender que negá-las equivale freqüentemente a gerar na criança forças poderosas de
exigências libidinais e a propensão para odiar; e isso pode, mais tarde, causar grandes
dificuldades tanto para ela como para nós.
Não minimizemos os problemas que a necessidade de satisfazer as exigências de seus
bebês cria para as mulheres. Em tempos idos, quando a educação superior lhes era vedada,
havia menos conflito entre as exigências da família e da carreira, embora a frustração para
mulheres competentes e ambiciosas fosse grande. Hoje, as coisas são muito diferentes. As
mulheres ingressam em profissões onde passaram a desempenhar um papel indispensável.
Com efeito, em todos os campos ligados à saúde e ao bem-estar infantil, elas têm figurado
entre os nossos líderes. Esse progresso, entretanto, como todo o crescimento e
desenvolvimento, acarretou suas próprias tensões, e muitas leitoras conhecerão pessoalmente
o problema das exigências conflitantes de família e carreira. A solução não é fácil e — nem
fica bem para aqueles que, entre nós, têm a sorte de não se defrontarem com o problema —
ditar as leis com que o outro sexo deveria resolvê-lo. Esperemos que, com o correr do tempo,
a nossa sociedade, ainda predominantemente organizada segundo as conveniências dos
homens e pais, se ajuste às necessidades das mulheres e mães, e que as tradições sociais
evoluam de modo a guiar os indivíduos num rumo esclarecido de ação.
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Voltemos agora ao nosso tema e vejamos o que acontece quando, por qualquer razão,
as necessidades de um bebê não são suficientemente satisfeitas no momento certo. Há alguns
anos venho investigando os efeitos nocivos que acompanham a separação de crianças
pequenas de suas mães, depois que entre elas se formaram relações emocionais. Foram muitas
as razões pelas quais escolhi esse tópico para as minhas pesquisas: em primeiro lugar, os
resultados têm aplicação imediata e valiosa; em segundo lugar, é uma área em que podemos
obter dados comparativamente sólidos e, assim, mostrar àqueles que ainda são hiper-críticos
da psicanálise que esta possui boas razões para reivindicar o status científico; finalmente, a
experiência de uma criança pequena, ao ser separada de sua mãe, fornece-nos um exemplo
dramático, quando não trágico, desse problema central da psicopatologia — a geração de um
conflito de tal envergadura que os meios normais para resolvê-lo são destroçados.
Parece existir agora uma razoável certeza de que é por causa da intensidade da
demanda libidinal e do ódio gerados que a separação de uma criança de sua mãe, depois que
formou com ela uma relação emocional, pode acarretar efeitos tão devastadores para o
desenvolvimento de sua personalidade. Conhecemos há vários anos a saudade intensa e a
agitação que tantas crianças pequenas manifestam quando da internação num hospital ou
instituição residencial, e o modo desesperado como, mais tarde, depois que seus sentimentos
acalmaram com o regresso ao lar, se agarram a suas mães e as seguem obstinadamente. O
aumento de intensidade de suas exigências libidinais não precisa ser enfatizado. Também
tomamos conhecimento do modo como essas crianças rejeitam suas mães quando voltam a
vê-las pela primeira vez, e as acusam amargamente por as terem abandonado.
Muitos exemplos de intensa hostilidade contra a figura mais amada foram registrados
por Anna Freud e Dorothy Burlingham nos relatórios das Hampstead Nurseries durante a
guerra. Um exemplo particularmente pungente é o de Reggie, que, com exceção de um
intervalo de dois meses, passou toda a sua vida em creches desde os cinco meses de idade.
Durante a sua estada, ele formara “duas relações apaixonadas com duas jovens assistentes que
cuidaram dele em diferentes períodos. A segunda ligação foi subitamente quebrada aos dois
anos e oito meses, quando a ‘sua’ assistente casou. Reggie sentiu-se completamente perdido e
desesperado quando ela saiu, e recusou-se a olhá-la quando, quinze dias depois, ela o visitou.
Virou a cabeça para o outro lado quando ela lhe falou, mas fixou os olhos na porta, que a
moça fechou ao sair. A noite, sentou-se na cama e disse: ‘Minha, muito minha Mary-Ann!
Mas não gosto dela’”. (Burlingham e Freud, 1944:51.)
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Mais tarde, quando a sua terapeuta saiu de férias, ele exprimiu, na letra de uma canção
tradicional, o seu desespero por não ser amado:
Nota de rodapé:
*(1). Tradução literal: “Jumbo teve um bebê vestido de verde / embrulhou-o e mandou-o à
Rainha. / A Rainha não gostou dele por ser muito gordo, / Cortou-o em pedacinhos e deu-o ao
gato. / O gato não gostou porque ele era muito magro, / Cortou-o em pedacinhos e deu-o ao
Rei. / O Rei não gostou porque ele era muito lento, /Jogou-o pela janela e deu-o ao corvo.”
(N. do T.).
*(2). Tradução literal: “Oh, meu benzinho, eu te amo;/ Oh, meu benzinho, não acredito que
você me ame. / Se realmente me amasse como diz, / Não iria para a América, deixando-me no
zoo”. (N. do T.).
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Outras provas do modo como a separação da mãe provoca numa criança pequena intensa
necessidade libidinal e ódio são fornecidas por um estudo do meu colega Christoph Heinicke
(1956). Ele comparou as respostas de dois grupos de bebês entre 15 e 30 meses de idade; um
grupo estava numa instituição residencial, o outro, numa creche diurna. Embora as crianças de
ambos os grupos mostrassem preocupações em recuperar os pais perdidos, os da instituição
residencial expressaram seus desejos com muito mais choro — em outras palavras, mais
intensamente; do mesmo modo, as crianças da instituição residencial, e não as da creche,
foram as que, em várias situações, se mostraram propensas a agir de forma violentamente
hostil. Embora seja apenas uma inferência que essa hostilidade é inicialmente dirigida contra
os pais ausentes, certos dados desse estudo estatisticamente fundamentado são compatíveis
com a hipótese, formulada há alguns anos (Bowlby, 1944), de que um dos principais efeitos
da separação mãe-criança é uma grande intensificação do conflito de ambivalência.
Até aqui, ao considerarmos o que concorre para dificultar a regulação da
ambivalência, nos primeiros anos da infância, concentramos a atenção em experiências, como
a privação materna, que conduzem ao anseio libidinal e ao ódio em níveis particularmente
elevados. Existem muitos outros eventos, além desse, que podem, naturalmente ocasionar
problemas. A vergonha e o medo, por exemplo, também podem gerar grandes dificuldades.
Nada ajuda mais uma criança do que poder expressar francamente, de um modo direto e
espontâneo, seus sentimentos de hostilidade e ciúme; e não existe, creio eu, tarefa parental
mais válida do que ser capaz de aceitar com serenidade expressões de devoção filial tais como
“Detesto você, mamãe”, ou “Papai, você é um bruto”. Ao tolerarmos tais explosões,
mostramos aos nosso filhos que não tememos essas manifestações hostis e que confiamos em
que podem ser controladas; além disso, propiciamos à criança a atmosfera de tolerância e
compreensão em que o autocontrole pode desenvolver-se.
Alguns pais acham difícil que tais métodos sejam eficazes ou sensatos, e pensam que
se deveria inculcar nas crianças que o ódio e o ciúme não são apenas coisas ruins, mas
potencialmente perigosas. Há dois métodos comuns para fazer isso. Um deles é a expressão
veemente de reprovação por meio do castigo; o outro, mais sutil e explorando o sentimento
infantil de culpa, consiste em incutir na criança a certeza de que está sendo ingrata, e indicar-
lhe o sofrimento, físico e moral, que tal comportamento causa em seus dedicados pais.
Embora ambos os métodos pretendam controlar as paixões malignas da criança, a experiência
clínica sugere que nem um nem outro é muito bem-sucedido na prática, e que ambos
acarretam um pesado ônus de infelicidade.
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Os dois métodos tendem a fazer com que a criança receie seus sentimentos e se culpe por eles,
levando-a a recalcá-los e, assim, tornando-lhe mais (e não menos) difícil controlá-los. Ambos
tendem a criar personalidades difíceis: o primeiro — a punição — gerando rebeldes e, se for
muito severo, delinqüentes; o segundo — a vergonha — neuróticos carregados de sentimentos
de culpa e de ansiedade. Assim é na política, assim é com as crianças: a longo prazo, a
tolerância da oposição paga belos dividendos.
Sem dúvida, muito do que foi dito até aqui é terreno conhecido: as crianças necessitam
de amor, segurança e tolerância. Tudo isso está muito certo, dirão, os leitores, mas quer dizer
que nunca podemos frustrar nossos filhos e devemos deixar que eles façam tudo o que
quiserem? Toda essa evitação da frustração somente levará, dirão ainda, a que eles cresçam
como filhos bárbaros de pais espezinhados e oprimidos. Acredito que isso seja uma conclusão
que nada tem a ver com as premissas; mas como se trata de uma conclusão usada tão
comumente, vale a pena ocuparmo-nos dela em maior detalhe.
Em primeiro lugar, as frustrações realmente importantes são as que dizem respeito à
necessidade que a criança tem de amor e atenção por parte dos pais. Desde que essas
necessidades sejam satisfeitas, as frustrações de outras espécies importam muito pouco. Não
que sejam particularmente boas para a criança. Com efeito, uma das artes de ser um bom pai
ou uma boa mãe reside na habilidade para distinguir as frustrações evitáveis das inevitáveis.
Uma quantidade imensa de atrito e raiva em crianças pequenas, e de perda de paciência por
parte dos pais, pode ser evitada por procedimentos simples como apresentar um brinquedo
atraente antes de intervir para retirar das mãos da criança a melhor peça de porcelana da mãe,
ou atraí-la para a cama com insinuante bom humor em vez de exigir a pronta obediência, ou
permitir-lhe que escolha a sua própria dieta e coma ao seu próprio jeito, incluindo, se ela
assim o desejar, o uso da mamadeira até os dois anos de idade ou mais. A quantidade de
ansiedade e irritação que resultam da expectativa de que crianças pequenas se conformem às
nossas próprias idéias sobre o que, como e quando devem comer é ridícula e trágica — ainda
mais por dispormos hoje de tantos estudos minuciosos que demonstram a eficiência com que
bebês e crianças pequenas podem regular suas próprias dietas, e a conveniência e comodidade
que resultam para os pais quando esses métodos são adotados (Davis, 1939).
Admitido, entretanto, que existem muitas situações em que a frustração de uma
criança pode ser evitada sem inconvenientes para nós e com efeitos benéficos sobre o estado
de ânimo de todos, há outras situações em que não pode. O fogo é perigoso, a porcelana
quebra, a
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tinta mancha tapetes, uma faca pode ferir uma outra criança e ferir também a própria criança.
Como evitaremos essas catástrofes? A primeira regra é organizar a casa de modo que os
fósforos e outros artigos combustíveis estejam sempre guardados, e que as porcelanas, facas e
tintas fiquem sempre fora do alcance. A segunda é a intervenção cordial mas firme. E curioso
como tantos adultos inteligentes pensam que a única alternativa para deixar uma criança
correr solta é infligir-lhe castigos. Uma política de intervenção firme mas amistosa, sempre
que uma criança estiver fazendo alguma coisa que queremos impedir, não só cria menos
azedume do que uma punição mas, a longo prazo, é muito mais eficaz. Creio que uma das
grandes ilusões da civilização ocidental é a eficácia do castigo como um meio de controle.
Para crianças mais velhas e adultos, a punição tem seus usos como auxiliar de outros
métodos; acredito que, nos primeiros anos, o castigo é despropositado por ser desnecessário e
porque pode criar, através da ansiedade e do ódio, males muito maiores do que aqueles que
pretendia curar.
Felizmente, com os bebês e as crianças de pouca idade, que são muito menores do que
nós, a intervenção amistosa é fácil; num abrir e fechar de olhos, podemos agarrar uma criança
e levá-la para longe do lugar de perigo. O preço que isso exige é a nossa presença quase
constante, um preço que aconselhamos os pais a pagarem. Em todo caso, não tem qualquer
fundamento a idéia de que as crianças pequenas podem ser disciplinadas para obedecer a
regras, de modo que se mantenham na linha, mesmo em nossa ausência. As crianças
rapidamente aprendem a saber do que é que nós gostamos e não gostamos, mas não possuem
o equipamento psíquico necessário para satisfazer sempre os nossos desejos em nossa
ausência. A menos que se aterrorize uma criança ao ponto de levá-la à inércia, o
disciplinamento de nossos filhos está fadado ao fracasso, e aqueles que o tentam só podem
esperar frustração e exaustão. Um modelo que exemplifica a prática da intervenção firme mas
amigável é a professora talentosa de jardim de infância, e os pais podem aprender muito com
os métodos que ela usa.
Cumpre assinalar que essa técnica de intervenção amistosa não só evita a estimulação
da raiva e do azedume, ainda que inconscientes, que acredito serem inseparáveis da punição,
mas fornece à criança um modelo para a regulação efetiva de seus conflitos. Mostra-lhe que a
violência, o ciúme e a voracidade podem ser dominados por meios pacíficos e que não há
necessidade de recorrer a métodos drásticos de condenação e punição que, quando copiados
por uma criança, podem sofrer distorções e converter-se, por causa de sua imaginação
primitiva, em culpa e implacável autopunição patológicas. Trata-se, é claro, de
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uma técnica baseada na concepção que Donald Winnicott nos expôs, de acordo com os
ensinamentos de Melanie Klein — a concepção segundo a qual existe nos seres humanos a
semente de uma moralidade inata que, se tiver oportunidade de germinar, proporciona à
personalidade da criança os alicerces emocionais do comportamento moral. É uma noção que
coloca a par do conceito de pecado original, do qual a psicanálise descobre tantas provas no
coração humano, o conceito de preocupação original pelo nosso semelhante ou de bondade
original, a qual, se beneficiada por circunstâncias favoráveis, acabará por ganhar a primazia. É
uma concepção cautelosamente otimista da natureza humana, que acredito ser justificada.
Vimos até aqui algumas das condições para o cuidado com crianças que parecem suscetíveis
de promover o desenvolvimento saudável da capacidade de regular o conflito. E o momento
adequado para considerar o problema do ponto de vista dos pais. Poder-se-á perguntar se
estamos aconselhando os pais a serem eternamente amorosos, tolerantes e controladores
amistosos. Penso que não... e, como pai, espero que não. Nós, pais, também temos nossos
sentimentos de raiva e ciúme; e, quer isso nos agrade ou não, é inevitável que eles por vezes
se exprimam, quando não de um modo deliberado, pelo menos inadvertidamente. É minha
convicção, e certamente minha esperança, que, se os antecedentes gerais de sentimento e
relacionamento são bons, uma explosão ocasional de mau humor ou uma palmada eventual
não podem causar sérios danos; isso tem a vantagem, por certo, de aliviar os nossos próprios
sentimentos e, talvez, de mostrar também aos nossos filhos que temos os mesmos problemas
que eles. Tais expressões espontâneas de emoção, talvez com um pedido subseqüente de
desculpas se tivermos ido longe demais, podem distinguir-se nitidamente da punição, com seu
pressuposto formal sobre o certo e o errado. O aforismo de Bernard Shaw, de nunca bater
numa criança, a não ser quando se estiver com a cabeça quente, é um bom conselho.
Um ponto que aqueles que não são pais devem ter em mente é que sempre foi muito
mais fácil cuidar dos filhos dos outros do que dos próprios. Em virtude do vínculo emocional
que liga a criança aos pais e os pais à criança, as crianças sempre se comportam de um modo
mais “infantil” com seus pais do que com outras pessoas. Ouve-se com freqüência pessoas
bem intencionadas comentarem que uma certa criança
14
se comporta maravilhosamente com elas, e que o seu comportamento difícil com a mãe se
deve à maneira insensata como esta lida com o filho; a acusação usual é que a mãe a estraga
com mimos! Tais críticas geralmente são injustificadas e constituem, com muito mais
freqüência, manifestações da ignorância de quem critica do que de incompetência dos pais.
Isto é verdadeiro até no mundo das aves. Jovens tentilhões perfeitamente capazes de se
alimentarem por si mesmos, começam imediatamente implorando comida, de um modo
infantil, assim que avistam seus pais.
Os pais, especialmente a mãe, são, pois, pessoas muito caluniadas; receio que
caluniadas sobretudo pelos profissionais, tanto médicos como profissionais de outras áreas
afins. No entanto, seria absurdo pretender que os pais não cometam erros. Alguns erros
nascem da ignorância, mas talvez mais numerosos sejam os que são fruto dos problemas
emocionais inconscientes que têm origem em nossa própria infância. Quando examinamos
crianças numa clínica de orientação infantil, pode parecer que, num certo número de casos, as
suas dificuldades resultam da ignorância dos pais sobre coisas tais como os efeitos nocivos da
privação materna ou da punição prematura e excessiva, mas, com freqüência muito maior, os
problemas surgem porque os próprios pais têm dificuldades emocionais de que só estão
parcialmente conscientes e que não podem controlar. Por vezes, eles leram todos os livros
mais recentes sobre cuidados com crianças e assistiram a todas as conferências de psicólogos,
na esperança de descobrirem a melhor maneira de lidar com seus filhos, mas, apesar disso, as
coisas continuam saindo erradas. De fato, o fracasso de muitos pais cheios de “idéias
psicológicas” na realização de um bom trabalho na criação dos filhos deixou-os céticos,
desvalorizando as idéias. Isso é um erro. O que devemos entender, contudo, é que o
importante não é apenas o que fazemos, mas o modo como o fazemos. Se a mãe é ansiosa e
ambivalente, amamentar quando o bebê pede acarretará provavelmente mais problemas do
que a amamentação rotineira, regulada pelo relógio, quando a mãe é uma pessoa descontraída
e feliz. O mesmo acontece com os métodos modernos versus métodos antiquados de
treinamento de hábitos de higiene. Isso não significa que os métodos modernos não sejam
melhores; quer dizer que eles são apenas uma parte daquilo que importa, e que os seres
humanos, desde a infância, são mais sensíveis às atitudes emocionais daqueles que os cercam
do que a qualquer outra coisa.
Não há mistério nisso; nem há necessidade de invocar um sexto sentido. Os bebês são
mais sensíveis e estão mais atentos ao significado de tons de voz, gestos e expressões faciais
do que os adultos; e, desde os
15
primeiros dias de vida, são profundamente sensíveis ao modo como são manipulados *(1).
Uma mãe extremamente ansiosa, de quem estou tratando, disse-me como descobriu que seu
bebê de dezoito meses, de quem se queixa por ser muito chorão e apegado a ela, reage de
maneira muito diferente conforme a maneira como vê a mãe sair do quarto. Se ela se levanta
de um salto e sai correndo para evitar que a panela que está fervendo derrame, o bebê chora e
exige que ela volte. Mas se a mãe sai do quarto calmamente e sem estardalhaço, ele mal se
apercebe de que ficou sozinho. Além da compreensão intelectual, que eu não menosprezo, é
sobretudo da sensibilidade dos pais para as reações de seu bebê e da capacidade, sobretudo da
mãe, para se adaptar intuitivamente às necessidades dele que nasce uma prática eficaz de
cuidar das crianças.
Isto não constitui novidade nenhuma. Ouvimos freqüentemente de professores e outros
profissionais que uma criança está sofrendo por causa da atitude de um de seus pais,
geralmente a mãe. Dizem-nos que a mãe é uma criatura excessivamente ansiosa ou repressora
do bebê, super-possessiva ou propensa à rejeição, e tais comentários são repetidamente
justificados. Mas o que os críticos geralmente não levam em conta é a origem inconsciente
dessas atitudes desfavoráveis. Por conseguinte, os pais desorientados vêem-se alvo de uma
mistura de exortação e críticas, cada uma delas mais inútil e ineficaz do que as outras.
Uma abordagem psicanalítica esclarece a origem das dificuldades parentais e, ao
mesmo tempo, fornece uma base racional para ajudar os pais. Muitas das dificuldades com
que os pais se defrontam, o que não chega a causar surpresa a ninguém, resultam da sua
incapacidade para regular a própria ambivalência. Quando nos tornamos pais para uma
criança, poderosas emoções são despertadas, emoções tão fortes quanto as que vinculam um
bebê à mãe ou um amante a outro. Nas mães, em particular, existe o mesmo desejo de
possessão completa, a mesma devoção e a mesma renúncia a outros interesses. Mas,
lamentavelmente, a par de todos esses sentimentos deliciosos e ternos, ocorre também, com
excessiva freqüência, uma mistura — hesito em dizê-lo — de ressentimento, e até de ódio. A
intrusão de hostilidade nos sentimentos de uma mãe ou de um pai pelo seu bebê parece tão
estranha, tão chocante e, muitas vezes, tão horripilante, que muita gente terá dificuldade em
acreditar. Entretanto, é uma realidade e, por vezes, uma sombria realidade para um dos pais e
para a criança. Qual é a sua origem?
Nota de rodapé:
*(1). Ver, por exemplo, o relato de Stewart et al. (1954) sobre bebês que choram
excessivamente. Verificaram que era uma resposta às dificuldades que as mães
experimentavam em lidar com os filhos de um modo coerente.
16
Embora ainda seja difícil explicar essa hostilidade, parece evidente que os sentimentos que
são despertados em nós quando nos tornamos pais têm muito em comum com os sentimentos
que foram suscitados em nós, quando crianças, por nossos pais e irmãos. A mãe que sofreu
privação pode, se não se tomou incapaz de sentir afeição, experimentar uma intensa
necessidade de possuir o amor do bebê e fazer tudo o que estiver ao seu alcance para
assegurar-se de que o obtém. A mãe que, quando criança, tinha ciúmes de um irmão mais
novo, poderá experimentar agora uma hostilidade absurda e exorbitante pelo novo e
pequenino “estranho” que veio instalar-se na família. Esse sentimento, entretanto, é mais
comum no pai. A mãe (ou o pai) cujo amor pela própria mãe era impregnado de antagonismo
pelo modo autoritário como, em criança, foi por ela tratada(o), será passível de irritar-se e
abominar o modo como o bebê faz valer e impõe suas exigências.
Acredito que o problema não reside na simples repetição de antigos sentimentos —
talvez uma certa dose desses sentimentos esteja presente em todos os pais — mas, sobretudo,
na incapacidade parental para tolerar e regular esses sentimentos. Aqueles que, na infância,
experimentaram intensa ambivalência em relação aos pais ou irmãos, e que recorreram então,
inconscientemente, a um dos muitos mecanismos primitivos e precários de resolver o conflito
a que me referi antes — repressão, deslocamento, projeção, etc. — estão despreparados para a
renovação do conflito quando se tomam pais. Em vez de reconhecerem a verdadeira natureza
de seus sentimentos em relação à criança e de ajustarem seu comportamento, vêem-se
instigados e impelidos por forças que ignoram, e mostram-se perplexos por serem incapazes
de agir com todo o amor e paciência que desejam. A dificuldade deles reside em que o
ressurgimento dos sentimentos ambivalentes está sendo enfrentado, sem que o saibam, pelos
mesmos métodos primitivos e precários a que recorreram em sua própria infância, numa
época da vida em que não dispunham de melhores métodos. Assim, a mãe que está
constantemente apreensiva com a possibilidade de que seu bebê morra, não tem consciência
do impulso em seu próprio íntimo para matá-lo *(1) e, adotando a mesma solução que adotou
na infância em relação a seus desejos de morte contra a própria mãe, esforça-se
obstinadamente, de um modo incessante e infrutífero, por afastar todos os perigos que possam
vir de outros lados: acidentes, doenças, negligência de vizinhos. O pai que se ressente do
monopólio do bebê sobre a mãe — sua esposa — e insiste em que as atenções dela são
escassas, não tem consciência de que está sendo motivado pela mesma espécie de ciúme que
sentiu na infância quando nasceu um irmão mais novo.
Nota de rodapé:
*(1). Existem muitos e diferentes estados de espírito que podem levar uma mãe a estar
constantemente apreensiva temendo que seu bebê morra, sendo que o desejo inconsciente de
matar a criança é apenas um deles. Entre outros estão a perda anterior de um filho pequeno, a
perda de um irmão durante a infância e o comportamento violento do pai da criança. Ver a
discussão das fobias nos capítulos 18 e 19 de Attachment and Loss [Ligação e Perda], volume
2.
17
O mesmo é verdade a respeito da mãe impelida a possuir todo o amor de seu bebê e que, por
sua abnegação incansável, tenta assegurar-se de que não é dada ao bebê nenhuma desculpa
para alimentar quaisquer outros sentimentos que não sejam de amor e gratidão. Essa mãe, que
à primeira vista parece ser tão carinhosa, gera em seu bebê, inevitavelmente, um grande
ressentimento em face de tamanha exigência de amor; e também uma grande culpa em razão
das alegações dela de que é uma mãe tão boa, que não se justifica nenhum outro sentimento
além da gratidão. Comportando-se desse modo, é claro que ela não tem consciência de que é
digna de amor — o amor que ela nunca teve quando era criança. Quero repetir que, em minha
opinião, não é simplesmente o fato de os pais terem essas motivações que cria as dificuldades
para os filhos; o que causa problemas é os pais ignorarem seus próprios motivos, e recorrerem
inconscientemente à repressão, à racionalização e à projeção, para lidar com seus próprios
conflitos íntimos.
Provavelmente não existe nada mais prejudicial para uma relação do que uma parte
atribuir suas próprias falhas e defeitos à outra, convertendo-a em bode expiatório.
Infelizmente, os bebês e as crianças pequenas são perfeitos bodes expiatórios, pois
manifestam de forma nua e crua todos os pecados de que a carne é herdeira; são egoístas,
ciumentos, sujos, interessados em sexo e propensos a explosões coléricas, à obstinação e à
voracidade. Os pais que carregam consigo um sentimento de culpa em relação a uma ou outra
dessas fraquezas podem tornar-se extremamente intolerantes diante de suas manifestações
num filho pequeno. Atormentarão a criança com suas tentativas fúteis para erradicar o vício.
Lembro-me de um pai, atormentado a vida inteira pela masturbação, que tentou impedi-la em
seu filho colocando-o sob um chuveiro frio sempre que o encontrava com a mão nos órgãos
genitais. Agindo desse modo, o pai apenas conseguiu intensificar o sentimento de culpa da
criança, e também o seu medo e aversão à autoridade. Algumas das relações entre pais e filhos
mais envenenadas que levam a graves problemas nas crianças resultam do fato de os pais
verem ciscos nos olhos de seus filhos para não verem toras nos seus.
Ninguém com orientação psicanalítica que tenha trabalhado numa clínica de
orientação infantil pode ter deixado de se impressionar com a freqüência com que esses e
outros problemas emocionais comparáveis ocorrem nos pais de crianças que foram
encaminhadas para tratamento, ou com o elevado grau em que os problemas dos pais parecem
ter criado ou exacerbado as dificuldades das crianças. Com efeito, são tão freqüentes, que em
muitas clínicas é dada tanta atenção aos pais, ajudando-os a resolverem seus problemas
emocionais, quanto às crianças, ajudando-as a resolverem os delas. Portanto, não deixa de ser
interessante pensar que
18
esse é um aspecto da doença psicológica que parece ter sido quase desconhecido para Freud e,
talvez por essa razão, um dos aspectos a que, em minha opinião, os psicanalistas ainda têm
que prestar a devida atenção. Entretanto, acredito que seja um dos mais promissores para o
futuro. A limitada experiência que temos sugere que a ajuda especializada aos pais nos meses
críticos, antes e depois do nascimento, e nos primeiros anos de vida de uma criança pode ser
extremamente importante para ajudá-los a desenvolverem as relações afetivas e
compreensivas, que quase todos eles desejam com o bebê. Sabemos que os primeiros anos de
um bebê, quando, sem que ele o saiba, os alicerces de sua personalidade são assentados,
constituem um período crítico de seu desenvolvimento. Analogamente, parece que os
primeiros meses e anos após o nascimento de um bebê são um período crítico no
desenvolvimento de uma mãe e de um pai. Na fase inicial, os sentimentos dos novos pais
parecem mais acessíveis do que em outros períodos, a ajuda é freqüentemente procurada e
bem recebida, e, como as relações na família ainda são plásticas, essa ajuda é eficaz. Mesmo
que seja relativamente modesta, se for uma ajuda qualificada e oportuna poderá ter efeitos
duradouros. Se o nosso pensamento é correto, então a família com um novo bebê é um ponto
estratégico para quebrar o círculo maligno de crianças perturbadas que, ao crescerem,
convertem-se em pais perturbados que, por sua vez, lidam com seus filhos de tal modo que a
geração seguinte desenvolverá as mesmas perturbações ou outras semelhantes. As vantagens
do tratamento de crianças pequenas são hoje muito conhecidas; estamos advogando agora que
também os pais deveriam ser ajudados logo depois que tenham “nascido”.
O pensamento contemporâneo talvez ainda não tenha reconhecido como uma das
principais causas dos erros dos pais a distorção que os conflitos inconscientes oriundos de sua
própria infância acarretam aos sentimentos que eles nutrem em relação aos filhos. Isso não é
apenas perturbador e alarmante para os pais muitos dos quais têm a esperança natural de ver
as dificuldades familiares em alguma outra parte que não em seus próprios corações —, mas
também é desconcertante para os médicos e outros investigadores profissionais — que
descobrem que muitos dos problemas com que se defrontam situam-se num domínio
aparentemente intangível, sobre o qual não possuem conhecimentos, nem são treinados para
ajudar a resolvê-los. Não obstante, é evidente que essa é a realidade e, se os pais têm que
receber a ajuda esclarecida que os capacite a se tornarem os bons pais que ambicionam ser, os
profissionais terão que ter uma compreensão maior do conflito inconsciente e do papel que
esse conflito desempenha na criação de distúrbios
19
nos cuidados que os pais dispensam a seus filhos. Isto suscita um problema de primeira ordem
— demasiado amplo para que possamos considerá-lo neste capítulo.
O ponto de vista que estou defendendo, como se verá, baseia-se na convicção de que muita
infelicidade e muita enfermidade mental se devem a influências ambientais, as quais está a
nosso alcance mudar. Em psicanálise, como em outros ramos da psiquiatria, de fato, em todas
as ciências biológicas, discute-se constantemente sobre as contribuições da hereditariedade e
da aprendizagem, sobre o que é inato e o que é adquirido. O nosso problema é entender por
que razão um indivíduo cresce sem grandes dificuldades em sua vida impulsiva, enquanto um
outro é flagelado por esses impulsos. Não pode haver dúvidas de que variações na dotação
hereditária e na influência do meio ambiente desempenham importantes papéis. O próprio
Freud, entretanto, talvez em razão de sua primeira hipótese ambiental (a referente à influência
da sedução infantil) estar comprovadamente errada, foi cauteloso em incluir variações
ambientais na explicação das dificuldades de seus pacientes; e, à medida que foi
envelhecendo, parecia acreditar cada vez mais que pouco podia ser feito em termos de
mudanças ambientais para mitigar a força do conflito infantil. Muitos psicanalistas o seguiram
nessa noção. Alguns, de fato, não só sustentaram que aqueles dentre nós que se mostram mais
esperançosos estão equivocados, mas também manifestaram suas apreensões, temendo que a
ênfase sobre o significado do meio ambiente nos faça desviar as atenções do fato crucial do
conflito intrapsíquico. Cumpre admitir que esse perigo existe e que analistas escreveram
livros sobre os cuidados com a criança focalizando principalmente o conflito extrapsíquico,
ou seja, o conflito entre as necessidades da criança e as oportunidades limitadas que o meio
ambiente proporciona para a satisfação dessas necessidades. Embora, como já assinalei, eu
acredite que esse conflito extrapsíquico entre necessidades internas e oportunidades externas
para satisfazê-las é bastante real, quero deixar claro que, em minha opinião, ele tem em si
mesmo, importância limitada para o desenvolvimento psíquico. Quanto ao meio ambiente
externo, o que importa é saber em que medida as frustrações e outras influências impostas por
ele desenvolvem o conflito intrapsíquico de tal forma e com tanta intensidade que o
equipamento psíquico imaturo do bebê não possa regulá-la satisfatoriamente. É com este
critério que devemos
20
avaliar os méritos ou deméritos dos cuidados com crianças, e é abordando o problema desse
modo, creio eu, que a psicanálise tem sua principal contribuição a dar.
Embora eu seja um adepto convicto e entusiasta da noção segundo a qual as situações
concretas que um bebê experimenta têm importância crucial para o seu desenvolvimento,
repito que não desejo dar a impressão de que sabemos hoje como habilitar todas as crianças a
crescerem sem perturbações emocionais. Creio que já sabemos muita coisa e que, se
pudermos aplicar nossos conhecimentos atuais (e em virtude da escassez de profissionais
qualificados receio que esse seja um grande “se”), ocorrerá um aumento substancial da
felicidade humana e uma tremenda redução das doenças psicológicas. Entretanto, seria
absurdo supor que já temos tantos conhecimentos que podemos garantir que uma criança, se
tiver tal ou tal experiência, crescerá sem maiores dificuldades. Existem problemas espinhosos
a resolver, como os que decorrem do efeito deturpador das fantasias de uma criança e sua
interpretação errônea do mundo que a rodeia *(1), assunto que não abordei neste capítulo;
mas, além disso, também podem existir dificuldades sobre cuja origem nada sabemos
atualmente. Mesmo sobre aquelas de que já temos alguma compreensão, os nossos
conhecimentos ainda são escassos e não têm uma base suficiente de dados sistematicamente
coletados.
Só o futuro revelará as linhas de pesquisa mais fecundas. Toda pesquisa é um jogo de
azar, e temos que jogar o nosso dinheiro nos cavalos em que tivermos palpite. Num campo tão
vasto, a minha tendência é apostar nos mestiços. Parece-me provável que estudos de
motivação em crianças pequenas, especialmente o estudo do modo como a mãe e o bebê
desenvolvem suas relações impregnadas de alta carga emocional, uma preocupação tão central
da psicanálise, ganharão muito em clareza e precisão se lhes aplicarmos conceitos e métodos
de pesquisa derivados da escola européia de estudos do comportamento animal, liderada por
Lorenz e Tinbergen e freqüentemente conhecida como etologia. Penso também que o nosso
insight do mundo cognitivo que uma criança pequena constrói para si, depois habita e
finalmente modela, progrediria bastante com os conceitos e métodos de pesquisa que tiveram
Piaget como pioneiro. Também é lícito esperar que a teoria da aprendizagem esclareça o
processo de aprendizagem que ocorre nos meses e anos críticos em que uma nova
personalidade nasce. Entretanto, ainda que eu considere as contribuições desse tipo
indispensáveis, elas serão estéreis se não forem constantemente interpretadas à luz dos
conhecimentos adquiridos pelo contato íntimo com a vida emocional de crianças e pais num
contexto clínico, usando métodos como os introduzidos por Melanie Klein e Anna Freud,
entre outros psicanalistas de crianças, e indo buscar sua inspiração última no homem cujo
centenário de nascimento celebramos esta semana.
Nota de rodapé:
*(1). Acredito que o caráter deturpador das fantasias infantis foi muito exagerado pela teoria
psicanalítica tradicional. Quanto mais detalhes se conhecer sobre os acontecimentos da vida
de uma criança e sobre aquilo que lhe foi dito, aquilo que ela ouviu ou observou mas se espera
que não saiba, mais claramente se poderão ver suas idéias sobre o mundo e sobre o que
acontecerá no futuro como construções perfeitamente razoáveis. Os dados que demonstram
esse ponto de vista são apresentados nos capítulos finais do segundo volume e em todo o
terceiro volume de Attachment and Loss.
21
Pós-Escrito.
A maioria dos temas esboçados na conferencia reproduzida neste capitulo foram retomados
em conferencias subseqüentes desta coletânea. Para uma descrição dos trabalhos mais
recentes sobre o desenvolvimento das relações mãe-bebê, ver Stern (1977).
22
Nota de rodapé:
*(1). Originalmente publicado em British Journal of Medical Psychology (1957), 30: 230-40.
23
Grande parte da teoria psicanalítica tem levado em conta esses instintos, seu surgimento
sucessivo e gradual na ontogenia, sua organização gradativa, e nem sempre bem-sucedida, em
totalidades mais complexas, os conflitos que surgem quando dois ou mais instintos estão
ativos e são incompatíveis, a ansiedade e culpa a que dão origem, as defesas chamadas a agir
para enfrentá-las. Preocupados com essas paixões humanas primitivas que, em virtude da
rudimentaridade dos mecanismos existentes para governá-la, são capazes, como sabemos por
termos pago o preço da experiência, de nos levar à realização de atos que mais tarde
lamentamos, os psicanalistas têm freqüentemente manifestado impaciência para com a
abordagem dos teóricos da aprendizagem. Em sua teorização, parece haver muito pouco lugar
para o sentimento humano ou para a motivação que jorra das profundezas inconscientes e
irracionais. Ao analista e ao psicólogo clínico, sempre pareceu que o teórico da aprendizagem
está tentando meter à força um litro de natureza humana rebelde dentro de um dedal de rígida
e pretensiosa teoria.
Inversamente, os teóricos da aprendizagem criticam os psicanalistas. As definições de
instinto são notoriamente insatisfatórias e suscetíveis de degenerar em alegórico. Embora as
descrições clínicas sejam volumosas, os relatos de observação sistemática continuam sendo
escassos. O método experimental se faz notar por sua ausência. Pior que tudo, as hipóteses
são freqüentemente formuladas de tal maneira que é impossível testá-las — um defeito fatal
para o progresso científico. A teoria da aprendizagem, sustenta-se corretamente, define os seus
termos, formula as suas hipóteses operacionalmente e passa a testá-las mediante experimentos
adequadamente planejados.
Como alguém que se esforça por ser um clínico e um cientista, tenho sido agudamente
sensível a esse conflito. Como clínico, considero a abordagem de Freud a mais
recompensadora; não só ele atraiu a atenção para problemas psicológicos de importância
clínica imediata, como também a sua série de conceitos invocadores de um inconsciente
dinâmico constitui na prática um modo útil de ordenação de dados. Entretanto, como cientista,
sinto-me muitas vezes contrafeito em face do status precário de muitas de nossas observações,
da obscuridade de muitas de nossas hipóteses e, sobretudo, da ausência de qualquer tradição
que exija que as hipóteses sejam testadas. Esses defeitos são responsáveis, creio eu, pelas
controvérsias — com excessiva freqüência acaloradas e estéreis — que têm caracterizado a
história psicanalítica. Tenho perguntado a muitos colegas como poderemos submeter a
psicanálise a uma maior disciplina científica, sem sacrificar as suas inigualáveis
contribuições.
24
Foi nesse estado de espírito que me deparei, há alguns anos, com a obra que vem
sendo realizada pelos etologistas. Fiquei imediatamente empolgado. Aí estava uma
comunidade de biólogos dedicados ao estudo do comportamento de animais em seu habitat
natural, que não só usavam conceitos como os de instinto, conflito e mecanismo de defesa,
extraordinariamente semelhantes aos que são empregados em nosso trabalho clínico do dia-a-
dia, como faziam descrições maravilhosamente detalhadas do comportamento e haviam criado
uma técnica experimental para submeter suas hipóteses a provas. Continuo hoje tão
impressionado quanto estava então. A etologia, creio eu, está estudando os fenômenos
relevantes de um modo científico. Na medida em que estuda o desenvolvimento do
comportamento social e, especialmente, o desenvolvimento de relações familiares em
espécies inferiores, acredito que está estudando um comportamento análogo, e talvez, por
vezes, homólogo, a muito do que nos preocupa clinicamente; na medida em que usa a
descrição de campo, hipóteses com conceitos operacionalmente definidos e experimentos,
está empregando um rigoroso método científico. É verdade que somente depois de ser
provada no cadinho da atividade de pesquisa saberemos se a etologia é, de fato, uma
abordagem tão fecunda com seres humanos quanto o é com espécies inferiores. Basta dizer
que se trata de uma abordagem que se impõe mais vivamente a mim, porque acredito que ela
pode fornecer o repertório de conceitos e dados necessários, se quisermos que os dados e
insights proporcionados por outras abordagens, notadamente os da psicanálise, da teoria da
aprendizagem e de Piaget, sejam explorados e integrados.
Recapitulando sucintamente as principais características do enfoque etológico,
comecemos pela obra de Darwin (1850), não só porque ele foi um etologista antes da palavra
ter sido inventada, mas também porque uma preocupação básica da etologia é a evolução do
comportamento através do processo de seleção natural.
Em A Origem das Espécies, escrito exatamente há um século, Darwin dedica um
capítulo ao instinto, no qual assinala que cada espécie é dotada de seu próprio repertório
peculiar de padrões de comportamento, do mesmo modo que é dotada de suas próprias
peculiaridades de estrutura anatômica. Enfatizando que “os instintos são tão importantes
quanto a estrutura corporal para o bem-estar de cada espécie”, Darwin formula a hipótese de
que “todos os instintos mais complexos e maravilhosos” se originaram através do processo de
seleção natural, tendo preservado as variações continuamente acumuladas que são
biologicamente vantajosas. Ilustra a sua tese com referências às características
25
se encontra na natureza e que concorre para uma função vital na sobrevivência da raça dos
chapins-reais (Tinbergen, citado por Thorpe, 1956).
Outros padrões são muito mais simples. Quando sacudimos o ninho de um melro,
numerosas cabecinhas feias se espicham para fora, cada uma delas com uma gigantesca boca
escancarada; quando colocamos um pinto de 24 horas numa mesa com grãos de comida, ele
debica logo, de modo preciso, em cada um deles. Mas até mesmo esses padrões mais simples
estão longe de ser rudimentares. A resposta de bico escancarado dos filhotes de melro é
suscitada e orientada por uma Gestalt visual, assim como pelo estremecimento do ninho; as
bicadas do pinto estão organizadas de tal modo no espaço e no tempo que cada grão é
alcançado com exatidão impecável. E evidente que tais padrões de comportamento não podem
ser simples reflexos. Em primeiro lugar, sua organização é mais complexa e dirigida para o
comportamento em um nível global; em segundo lugar, parece que, uma vez ativados,
possuem freqüentemente um ímpeto motivacional próprio que só cessa em circunstâncias
especiais.
Os etologistas estudam esses padrões de comportamento específicos da espécie; o
termo ethos deriva do grego e significa “da natureza da coisa *(1). Desde os tempos de
Darwin, uma finalidade principal desse estudo permaneceu taxonômica, ou seja, a
classificação das espécies com referência às suas relações mais próximas, vivas e mortas.
Verificou-se que, apesar da variabilidade potencial, a fixidez relativa desses padrões nas
diferentes espécies de peixes e aves é tal, que eles podem ser usados para fins de classificação
com um grau de confiabilidade não inferior ao das estruturas anatômicas. Uma visita à estação
de pesquisas de Konrad Lorenz, na Alemanha, demonstra rapidamente o interesse permanente
de Lorenz em rever a classificação taxonômica de patos e gansos por referência aos seus
padrões de comportamento. Do mesmo modo, um dos principais objetivos de Niko Tinbergen
é fazer um completo inventário descritivo em termos de comportamento de muitas espécies de
aves marinhas. Enfatizo isto para mostrar o grau em que esses padrões de comportamento são
específicos para cada espécie, são herdados e fazem parte da natureza do organismo, tanto
quanto seus ossos.
Neste ponto, dou-me conta de que alguns leitores talvez estejam um pouco
impacientes. Sim, poderão dizer alguns, tudo isso é muito interessante e pode ser verdadeiro
quanto a peixes e aves, mas quem nos garante que se aplica também aos mamíferos, para não
falar do homem?
Nota de rodapé:
O comportamento do mamífero não se distingue por sua variabilidade e pela parte que cabe à
aprendizagem? Estamos certos de que existem padrões herdados de comportamento nos
mamíferos? O etologista responderá: Sim, é verdade que no mamífero o comportamento é
mais variável e que a aprendizagem desempenha um papel importante mas, não obstante, cada
espécie exibe um comportamento que lhe é peculiar — por exemplo, a respeito da locomoção,
alimentação, corte e acasalamento, e cuidados com os filhotes — e parece muito improvável
que esses padrões sejam inteiramente aprendidos. Além disso, como Beach demonstrou com
ratos, e Colhas e Blauvelt com cabras, é produtivo estudar esse comportamento pelos mesmos
métodos e conceituar os dados do mesmo modo que provou ser tão compensador no caso dos
vertebrados inferiores. No que se refere aos padrões de comportamento, não há qualquer sinal
de que exista uma ruptura entre peixes, aves e mamíferos, que seja mais acentuada do que no
tocante à anatomia. Pelo contrário, apesar da introdução de novas e importantes
características, existem todos os sinais de uma seqüência evolucionária. Padrões inatos de
comportamento parecem tão importantes para mediar os processos biológicos básicos de
mamíferos quanto de outras espécies; e, na medida em que o Homem compartilha dos
componentes anatômicos e fisiológicos desses processos com os mamíferos inferiores, seria
estranho que não compartilhasse também, pelo menos em certa medida, de seus componentes
comportamentais.
Para fins taxonômicos, a descrição minuciosa de padrões de comportamento pode ser
suficiente. Para uma ciência do comportamento, entretanto, precisamos saber muito mais. Em
especial, precisamos conhecer o máximo possível sobre a natureza das condições internas e
externas do organismo que regem o padrão.
Os etologistas deram uma importante contribuição para o nosso conhecimento das
condições externas relevantes para o organismo. Heinroth foi um dos primeiros a assinalar
que os padrões de comportamento específicos da espécie são freqüentemente ativados pela
percepção de Gestalten visuais ou auditivas bastante simples a que elas são inatamente
sensíveis. Exemplos muito conhecidos disso, analisados por meio de experimentos que usam
bonecos de vários formatos e cores, são a resposta de acasalamento do macho do esgana-gato,
a qual é suscitada pela percepção de uma forma que se assemelha a uma fêmea grávida, a
resposta de bico escancarado do filhote da gaivota falcoeira, suscitada pela percepção de um
ponto vermelho semelhante ao que se observa no bico de uma ave adulta, e a resposta de
ataque de um pintarroxo, suscitada pela percepção em seu próprio território de um tufo de
penas vermelhas semelhante ao que existe no peito de um macho rival.
28
Em todos os três casos, a resposta parece ser provocada pela percepção de uma Gestalt muito
simples, conhecida como um “estímulo de sinal”.
Uma parte considerável do trabalho etológico tem sido dedicada à identificação dos
estímulos de sinal que suscitam os vários padrões de comportamento específicos das espécies
em peixes e aves. Na medida em que muitos desses padrões de comportamento são
mediadores do comportamento social — corte, acasalamento, alimentação dos filhotes pelos
pais e seguimento dos pais pelos filhotes — muita coisa foi elucidada sobre a natureza da
interação social. Em dezenas de espécies, foi demonstrado que o comportamento propiciador
do acasalamento e parentalidade é controlado pela percepção de estímulos-sinais apresentados
por outros membros da mesma espécie, como a envergadura de uma cauda ou a cor de um
bico, ou um trinado ou um chamamento, cujas características essenciais são as de Gestalten
relativamente simples. Tais estímulos-sinais são conhecidos como “detonadores sociais”.
Os necessários estímulos externos são tão simples nos mamíferos quanto em peixes e
aves? Essa questão foi recentemente discutida pelo psicólogo norte-americano Beach, cujos
trabalhos sobre o comportamento de acasalamento do rato macho e o de recuperação de
filhotes por ratas se baseiam em métodos e conceitos semelhantes aos da escola européia de
etologia, com suas raízes zoológicas. Após numerosos experimentos, Beach e Jaynes (1956)
chegaram a conclusões de que, à primeira vista, parecem colocar os ratos numa categoria
diferente dos pintarroxos; ambas as respostas, concluíram eles, dependem de um padrão de
estímulo que é de natureza multissensorial. No entanto, mostram-se cautelosos, e, numa
comunicação pessoal, Beach sublinhou a possibilidade, apresentada por Tinbergen, “de que,
se fragmentarmos a resposta maternal total da fêmea adulta em seções ou segmentos, é
possível concluir que cada elemento no padrão seqüencial era, de fato, controlado por uma
simples pista sensorial”. Além disso, na mesma comunicação, Beach observou que “o
comportamento de mamíferos muito jovens poderia perfeitamente ser governado por
controles sensoriais mais simples do que aqueles que operam na idade adulta” e que é mais do
que provável que alguns deles sejam suscitados por algo que se aproxima de um estímulo-
sinal. Opiniões deste gênero, provenientes de um investigador do gabarito de Beach, em nada
contribuem para corroborar o ponto de vista de que uma abordagem etológica é inaplicável a
mamíferos.
Também podem ser usados experimentos para elucidar as condições internas do
organismo que são necessárias à ativação de um padrão
29
Nota de rodapé:
Estas experiências demonstraram que os atos de comer e beber são encerrados por meio de
estímulos proprioceptivos e (ou) interoceptivos que se originam na boca, esôfago e estômago,
e que, no animal intato, são a conseqüência da própria realização desses atos; em outras
palavras, existe um mecanismo para o feedback negativo. Tal cessação não se deve à fadiga
nem à saciação da necessidade de comida e bebida; pelo contrário, o próprio ato origina os
estímulos de feedback que lhe põem termo. [Para discussão desse processo, ver Deutsch
(1953) e Hinde (1954).]
Igualmente interessantes são as observações de etologistas segundo as quais o
comportamento tanto pode ser ativado por estímulos exteroceptivos, quanto ser terminado por
eles. Moynihan (1953), por exemplo, demonstrou que o impulso da chapalheta para chocar só
se reduz quando ela se senta sobre uma ninhada completa de ovos arrumados de forma
adequada. Enquanto essa situação persistir, a ave permanecerá tranqüilamente sentada. Se os
ovos forem retirados ou desarrumados, a chapalheta ficará irrequieta e tenderá a fazer todos os
movimentos de nidificação. Esse desassossego prossegue até que ela experimente de novo os
estímulos provenientes de uma ninhada completa de ovos arrumados de forma apropriada.
Hinde (1954) também observou que, no começo da primavera, a simples presença de um
tentilhão fêmea leva a uma redução do comportamento de corte do macho, como cantar e
procurar. Quando a fêmea está presente, ele se mantém quieto e calado, quando ela está
ausente, o tentilhão torna-se imediatamente ativo. Neste caso, onde um padrão de
comportamento socialmente relevante é suprimido por estímulos-sinais, poderíamos talvez
falar de um “supressor social” como um termo paralelo de um detonador social.
Parece provável que os conceitos de detonador social e supressor social sejam valiosos
no estudo da interação social não-verbal em seres humanos, sobretudo a interação que
contiver uma carga emocional; voltarei a fazer referência a eles quando examinar a possível
aplicação dessas idéias à pesquisa sobre o desenvolvimento infantil.
O nosso modelo básico para o comportamento instintivo é, pois, uma unidade que
compreende um padrão de comportamento específico da espécie governado por dois
mecanismos complexos, um que controla a sua ativação e o outro a sua terminação. Verifica-
se, não raras vezes, que um certo número de padrões distintos, cada um dos quais merece um
estudo detalhado, estão conjugados de tal maneira que resulta um comportamento tão
complexo quanto o de cortejar e construir ninhos. A função biológica desses padrões e de sua
organização superior é concorrer para os processos vitais básicos do metabolismo e da
reprodução;
31
Nota de rodapé:
*(1). Na versão original, usei a expressão então corrente “fase crítica do desenvolvimento”.
Esta, porém, tem a desvantagem de implicar que a ocorrência ou não de um determinado
desenvolvimento tem um caráter de tudo-ou-nada, o que está longe de ser o caso. Por isso,
depois foi adotada a expressão “fase sensível do desenvolvimento” para indicar que, durante
essa fase, o curso do desenvolvimento em questão não é mais do que especialmente sensível a
condições ambientais.
32
São esses, pois, os principais conceitos propostos pelos etologistas. Em seu conjunto,
fornecem-nos uma abordagem muito diferente daquelas da teoria da aprendizagem e da
psicanálise; entretanto, não são incompatíveis, em absoluto, com os componentes substanciais
desses dois outros enfoques. Falta ver, ainda, se a abordagem etológica leva à melhor
compreensão dos dados do desenvolvimento da criança e se fornece um estímulo para mais e
melhores pesquisas. Parece indubitável, porém, que nos fornece uma perspectiva diferente
para observarmos as coisas e
34
nos leva a empreender diferentes tipos de pesquisa. Ilustrarei isso considerando duas
características muito conhecidas do comportamento social dos bebês: o sorriso e a tendência
deles, a partir dos seis meses de idade, para se ligarem à sua figura materna familiar.
James Barrie disse-nos que, quando o primeiro bebê sorriu, o sorriso desfez-se em mil
fragmentos e cada um deles converteu-se num duende. Posso acreditar piamente nisso. Os
sorrisos de bebês são coisas poderosas e fascinantes, deixando suas mães enfeitiçadas e
escravizadas. Quem irá duvidar de que o bebê que mais prontamente retribui um sorriso à sua
mãe é o mais bem amado e o mais bem cuidado?
Nestas observações preliminares aventurei-me diretamente numa descrição e
exploração etológica do sorriso do bebê. Apresentei a vocês o sorriso infantil como um
detonador social — um padrão de comportamento, provavelmente específico da espécie, no
Homem, que, em circunstâncias normais, amadurece nas primeiras semanas de vida e que tem
como uma das funções suscitar na mãe o comportamento maternal. Além disso, mencionei a
possibilidade de que se tenha desenvolvido na evolução da espécie humana uma taxa
diferencial de sobrevivência favorecendo os bebês que sorriem bem. Visto por esse prisma,
estarei interessado, é claro, em identificar as condições, internas e externas ao bebê, que são
necessárias para provocar um sorriso, e as condições que levam à sua terminação. Em
especial, tentarei apurar se responde a estímulos-sinais visuais e auditivos, e se está ou não
sujeito, sob qualquer aspecto, às fases sensíveis do desenvolvimento. Além disso, espero vê-lo
atuando como um componente na organização superior de padrões de comportamento que
compreendem o “comportamento de ligação” no bebê ligeiramente mais velho, ou seja, o
complexo de comportamento que liga a criança à figura materna. Pesquisas nesse sentido
estão sendo empreendidas em Tavistock pelo meu colega Anthony Ambrose *(1).
Essa abordagem, que pode ser facilmente integrada à teoria da aprendizagem,
contrasta com a que é rigorosamente confinada pela teoria da aprendizagem.
Há cerca de 20 anos, Dennis (1935) notou que os bebês (de sete a dezesseis semanas)
sorriam a um rosto e uma voz humanos. Como teórico da aprendizagem, acreditava que o
rosto e a voz não podiam ser os estímulos não-condicionados e, assim, realizou experimentos
para ver se podia identificar o estímulo não-condicionado. O seu método consistiu em criar os
bebês de tal modo que, tanto quanto possível, sua amamentação e outros cuidados fossem
realizados de forma que eles não pudessem ver um rosto humano e que não lhes fosse dirigida
a palavra; a sua expectativa era de que, com o passar do tempo, seria possível determinar para
o que é que os bebês sorriam naturalmente.
Nota de rodapé:
Os resultados que obteve, entretanto, não confirmaram suas expectativas; os bebês criados
desse modo ainda sorriam para um rosto humano e nenhuma outra condição de estímulo era
mais eficaz do que essa. Por conseguinte, Dennis declarou que não obtivera provas da
existência de um estímulo não-condicionado para a resposta de sorrir à qual o rosto humano
pudesse ter ficado condicionado.
Não obstante, Dennis não podia crer no que seus olhos viam. Desconhecendo os
trabalhos de Heinroth e Lorenz, continuou rejeitando a possibilidade de que o próprio rosto
humano seja um eficaz estímulo não-aprendido, usando o argumento (errado) de que não
havia provas de uma especificidade semelhante no controle sensorial de respostas não-
aprendidas em animais. Preferiu, pelo contrário, apresentar uma teoria especulativa segundo a
qual esse sorriso acaba sendo provocado mediante um processo de condicionamento “por
qualquer estímulo que anuncia o término da aflição a que o bebê estava sujeito”. E evidente
que um apoio exclusivo e irrestrito na teoria da aprendizagem, embora inspirando
experimentos interessantes, tinha tomado difícil para Dennis conceder o devido peso tanto às
suas próprias descobertas quanto a explicações alternativas.
Dez anos depois, Spitz e Wolf (1946) publicaram mais alguns trabalhos experimentais
sobre o sorriso do bebê. Numa série de experimentos usando máscaras, eles demonstraram
que em bebês entre dois e seis meses de idade, oriundos de diferentes origens raciais e
culturais, o sorriso é evocado pela qualidade configurativa visual do rosto humano.
Afirmaram ainda que essa configuração deve incluir como elementos dois olhos na posição
frontal do rosto em movimento. Essas observações foram amplamente confirmadas e
ampliadas por Ahrens (1954), que também mostrou como a configuração necessária para
suscitar o sorriso torna-se mais complexa com a idade. Parece irrefutável, e esses dois
pesquisadores concordam, que pelo menos um dos estímulos exteroceptivos que evocam um
sorriso no bebê de dois para três meses é uma Gestalt visual relativamente simples. Portanto, é
uma surpresa descobrir que, ao examinar o componente motor do sorriso, Spitz não o
considera um padrão inato e específico da espécie. Deixou claro, em comunicações pessoais,
que o considera, pelo contrário, uma resposta motora aprendida em resultado do
condicionamento instrumental. Equiparando-a à aprendizagem da linguagem através da
seleção e uso especializado de fonemas naturalmente dados, Spitz escreve:
“Uma seleção ocorre pela supressão progressiva (ou abandono) dos padrões não-
adaptados aos fins e pelo reforço dos padrões de comportamento adaptados aos fins.
36
Foi isso que eu pretendi significar quando disse que a resposta de sorriso é um padrão de
comportamento adquirido em resposta aos cuidados maternos; ele está presente desde o
começo, como uma de muitas dezenas de padrões de comportamento fisionômico; é
cristalizado, dentre todos eles, em resposta à solicitude da mãe, ou seja, ao início da relação
objetal”.
Spitz não admite facilmente a noção de que o padrão pode ser, pelo contrário, inato no
bebê humano e de que, por volta das seis semanas de idade, está organizado e pronto a ser
provocado pelos estímulos apropriados.
Entretanto, nada seria mais provável. No fim das contas, grandes riscos foram
assumidos durante a evolução do Homem. Em seu equipamento, o fiel da balança inclinou-se
acentuadamente em favor da flexibilidade de comportamento e, portanto, da aprendizagem,
em oposição à fixidez inata. Seria, no entanto, muito estranho que a segurança biológica
resultante de padrões fixos fosse completamente abandonada. Suponho que chorar, chupar e
sorrir sejam alguns dos nossos muitos padrões motores inatos e representem a garantia da
natureza contra deixar tudo ao acaso da aprendizagem.
Reconheço, no entanto, que o caso não está provado e talvez nunca seja provado de
um modo absoluto. Além disso, quero enfatizar que nada existe no quadro que apresentei que
seja incompatível com o fato de o sorriso ser influenciado pela aprendizagem. Com efeito,
temos boas razões para acreditar que seja. Recentemente, Brackbill (1956) relatou um
experimento em que dois grupos de bebês entre 14 e 18 semanas de idade foram submetidos,
durante 15 dias cada, a “recompensas” de dois graus diferentes por seus sorrisos, sendo a
“recompensa” uma atenção extra por parte da experimentadora. No final do período, os dois
grupos divergiam significativamente, no sentido esperado, quanto à freqüência e persistência
de seus sorrisos. A conclusão de que o sorriso é influenciado pelo condicionamento
instrumental parece estar bem baseada nas provas apresentadas por Brackbill. Qualquer outra
suposição de que o sorriso deva ser entendido exclusivamente em termos de condicionamento
instrumental não é justificada pelos dados oferecidos pela autora e, como já disse, parece
improvável. Andar e correr são aperfeiçoados pela prática, e nem por isso concluímos que
esses comportamentos sejam adquiridos unicamente por aprendizagem — e se o fizéssemos
estaríamos certamente errados!
Muita coisa depende do modo como conceituamos o sorriso do bebê; as questões
sobre desenvolvimento social para as quais procuramos respostas na pesquisa serão
formuladas de modo diferente, é possível que todas as nossas concepções da interação social
humana sejam
37
Espero não ser necessário repetir que, ao preferir a abordagem etológica não estou
descartando a teoria da aprendizagem. Pelo contrário, para se entender muitos dos processos
de mudança a que estão sujeitos os componentes de padrões instintivos, a teoria da
aprendizagem é indispensável e, portanto, complementar da etologia.
Analogamente, a obra de Piaget (1937) também é complementar da etologia. Mesmo
que estejamos certos ao considerar que, nos primeiros meses de vida do bebê, os estímulos
detonadores e supressores de padrões de comportamento social são da natureza de simples
Gestalten, isto logo deixa de ser verdade. Já por volta dos seis meses de idade os estímulos
mediadores do comportamento social do bebê incluem complexas imagens mentais, ao passo
que no segundo ano ele está desenvolvendo a capacidade de pensamento simbólico que
aumenta consideravelmente os estímulos que se revestem de significação social. Para
compreender essa mudança, parece provável que os conceitos de Piaget se mostrem
indispensáveis. Entretanto, não precisamos supor que, pelo fato de um indivíduo ter-se
tornado capaz de utilizar objetos de percepção e conceitos mais complexos, ele deixe
necessariamente de ser influenciado por estímulos mais primitivos. Pelo contrário, não parece
improvável que, à semelhança dos chimpanzés, descritos com tanta compreensão por Yerkes
(1943: 35-6), continuemos sendo influenciados por tais estímulos e que, em condições de
ansiedade e estresse, sejamos particularmente sensíveis a eles.
Isso nos leva à relação entre a etologia e a psicanálise. E evidente que, na medida em
que se ocupa do Homem como um animal que usa símbolos, dotado de extraordinárias
capacidades para aprender e, portanto, para protelar, distorcer e disfarçar a expressão de
respostas instintivas, a psicanálise está explorando uma região adjacente e complementar da
etologia. Contudo, na medida em que se ocupa das próprias respostas instintivas, parece
provável que as duas disciplinas coincidam em muitos pontos. Nesse contexto, é interessante
refletir sobre a convicção expressa por Freud há mais de 40 anos (Freud, 1915) de que, para
uma compreensão mais profunda do instinto, a psicologia precisaria da ajuda da biologia. Em
conseqüência do desenvolvimento da ciência da etologia, que tem suas raízes mergulhadas na
biologia, acredito ter chegado agora o momento em que a teoria psicanalítica do instinto pode
ser reformulada. Não é esta a ocasião para tentarmos um tão vasto e polêmico
empreendimento. Entretanto, será evidente que noções tais como as de narcisismo primário e
de controle do instinto como resultados exclusivos da aprendizagem social não merecerão
muita atenção, ao passo que as de relações humanas primárias, inevitabilidade do conflito
39
intrapsíquico, defesas contra o conflito e modos de regulá-lo, serão noções centrais. Um dos
resultados dessa reformulação poderá ser um corpo teórico mais parcimonioso e coerente.
O desenvolvimento de todas essas linhas de pensamento pela pesquisa empírica será
tarefa de uma geração. Se isso será empreendido ou não, dependerá de um clima de opinião
na psicologia britânica que valorize todas essas abordagens, reconheça-as como
reciprocamente complementares e, assim, leve os estudantes de graduação e pós-graduação a
receberem instrução sobre os princípios que as regem.
Pós-Escrito.
A abordagem defendida foi adotada com notável êxito por Mary Salter Ainsworth, de quem
numerosas publicações são indicadas nas Referências do presente volume, e também por
Nicholas Blurton Jones (1972).
Para uma exposição atualizada dos conceitos e dados etológicos em relação ao
homem, ver Hinde (1974).
Todos os anos, a Associação Psiquiátrica Americana convida para as suas reuniões anuais um
conferencista, usualmente um psiquiatra de fora dos Estados Unidos, para fazer uma palestra
em honra de Adolf Meyer. Fui convidado para falar na reunião realizada na primavera de
1961, em Chicago. O texto foi publicado mais tarde, nesse mesmo ano.
Durante meio século ou mais, existiu uma escola de pensamento que acreditava que as
experiências da infância desempenham um importante papel na determinação da propensão de
um indivíduo para, ao crescer, contrair ou não uma doença mental. Adolf Meyer deu uma
grande contribuição para o desenvolvimento dessa escola. Ao insistir que o paciente
psiquiátrico é um ser humano e que seu pensamento, seu sentimento e seu comportamento
perturbados devem ser examinados no contexto do ambiente em que está vivendo e em que
viveu, Adolf Meyer convidou-nos a prestar atenção a todos os complexos detalhes da
biografia do paciente como possíveis pistas para a sua doença. “A mais valiosa característica
determinante é, via de regra, a forma de evolução do complexo [sintoma], o tempo, a duração
e as circunstâncias de seu desenvolvimento.” Embora eu não encontre provas de que o próprio
Adolf Meyer estivesse grandemente interessado em experiências sobre os primeiros tempos
da infância, elas situam-se obviamente em seu campo de visão e constituem, de fato, uma
extensão lógica de seu trabalho.
Nota de rodapé:
Nota de rodapé:
*(1). Na versão original da conferência que forma este capítulo, referi-me a uma mudança na
“força” da ligação. Entretanto, ficou provado que é extremamente enganador conceber a
ligação como algo que varia de acordo com sua força, e a idéia foi abandonada por
pesquisadores esclarecidos. Com freqüência, é útil pensar que a ligação varia segundo uma
dimensão “segurança-ansiedade”. Ver a minha análise da questão nos parágrafos iniciais do
Capítulo 15 de Attachment and Loss [Ligação e Perda], Vol. 2.
43
A interrupção pode ser longa ou breve, acontecer uma única vez ou repetir-se. As experiências
englobadas sob a designação geral de privação materna são, pois, múltiplas e nenhuma
investigação pode estudá-las todas. Portanto, para que a pesquisa seja eficaz, a experiência a
ser estudada deve ser definida com muita precisão em cada projeto.
Quanto às estratégias de pesquisa, o investigador tem uma escolha (Ainsworth e
Bowlby, 1954). Uma possibilidade óbvia é examinar uma amostra de crianças mais velhas e
adultos que em seus primeiros anos de vida tenham passado por essa experiência, para ver se
eles diferem ou não de uma amostra comparável de pessoas que não tenham passado pela
experiência. Embora adotada com brilhantismo por Goldfarb (1955), essa estratégia apresenta
muitas dificuldades práticas. As principais são: a localização de uma amostra adequada; a
seleção e o exame dos controles apropriados; a utilização de instrumentos idôneos para medir
as características da personalidade que se espera que apresentem diferenças. Uma abordagem
alternativa consiste em estudar as respostas da criança durante a experiência e no período
imediatamente posterior. Depois de passar vários anos não muito produtivos usando a
primeira estratégia, o meu grupo de pesquisa concentrou-se, durante a maior parte da década
passada, na segunda. Isso tem dado resultados muito mais gratificantes.
Nota de rodapé:
*(1). Ver especialmente o estudo relatado por Heinicke e Westheimer (1966), do qual algum
dados e conclusões são por nós apresentados no Capítulo 4.
44
Estamos bastante confiantes nos modelos comuns porque as observações feitas por outros
investigadores (Burlingham e Freud, 1942, 1944; Prugh e outros, 1953; Illingworth e Holt,
1955; Roudinesco, Nicolas e David, 1952; Aubry, 1955; Schaffer e Callender, 1959) registram
seqüências de respostas substancialmente semelhantes.
No contexto descrito, um bebê de quinze a trinta meses que venha tendo uma relação
bastante segura com sua mãe e nunca se tenha separado dela antes, mostrará, via de regra,
uma seqüência previsível de comportamento. Essa seqüência pode ser decomposta em três
fases, de acordo com a atitude dominante da mãe. Descrevemo-las como as fases de protesto,
desespero e desligamento *(1). Primeiro com lágrimas e raiva, o bebê exige que sua mãe
regresse e parece ter esperança de conseguir reavê-la. Esta é a fase de protesto, e pode durar
vários dias. Depois, torna-se mais calmo mas, para um observador perspicaz, é evidente que o
bebê continua tão preocupado quanto estava antes com a ausência da mãe e ainda anseia pelo
seu regresso; mas suas esperanças dissiparam-se e ele entra na fase de desespero. Essas duas
fases se alternam freqüentemente: a esperança converte-se em desespero e o desespero em
renovada esperança. Finalmente, porém, ocorre uma mudança maior. O bebê parece esquecer
sua mãe, de modo que, quando ela regressa, permanece curiosamente desinteressado e,
inclusive, pode parecer que não a reconhece. Esta é a terceira fase — a do desligamento. Em
cada uma dessas fases a criança é propensa a birras e episódios de comportamento destrutivo,
muitas vezes de um tipo inquietantemente violento.
O comportamento da criança ao voltar para casa depende da fase atingida durante o
período de separação. Usualmente, durante um certo tempo, mostra-se indiferente e nada
pede; em que grau e por quanto tempo, depende da duração da separação e da freqüência das
visitas. Por exemplo, quando esteve fora e sem receber visitas durante semanas ou meses, e
atingiu assim os primeiros estágios do desligamento, é possível que a indiferença persista
durante um período que vai de uma hora a um dia ou mais. Quando finalmente se desfaz,
torna-se manifesta a intensa ambivalência de seus sentimentos pela mãe. Desencadeia-se uma
tempestade de sentimentos, intenso apego à mãe e, sempre que esta se afasta, nem que seja
por instantes, uma intensa ansiedade e raiva. Daí em diante, por semanas ou meses, a mãe
poderá estar sujeita a solicitações ansiosas de sua presença constante e a recriminações
furiosas quando se ausenta.
Nota de rodapé:
*(1). Em alguns artigos anteriores, foi usada a palavra “negação” para designar a terceira fase.
Ela tem, contudo, muitas desvantagens e foi abandonada.
45
Entretanto, quando a criança esteve fora por um período superior a seis meses ou quando
houve separações repetidas, de modo a ter sido alcançado um estágio avançado de
desligamento, há o perigo de que a criança fique permanentemente desligada e nunca mais
recupere sua afeição pelos pais *(1). Ora, na interpretação desses dados e em seu
relacionamento com a psicopatologia, um conceito-chave é o de luto. Existem, de fato, boas
razões para acreditar que a seqüência de respostas descrita — protesto, desespero e
desligamento — é uma seqüência que, numa variante ou outra, é característica de todas as
formas de luto. Após uma perda inesperada, parece haver sempre uma fase de protesto,
durante a qual a pessoa que sofreu a perda se empenha, na realidade ou em pensamento e
sentimento, em recuperar a pessoa perdida *(2) e a recrimina por sua deserção. Durante esta
fase de desespero e a seguinte, os sentimentos são ambivalentes, enquanto que o estado de
ânimo e a ação variam entre uma expectativa imediata, expressa numa intimação raivosa para
que a pessoa regresse, até um profundo desespero, expresso em suspiros contidos — ou até
mesmo inexprimido. Embora a esperança e o desespero alternados possam continuar por
muito tempo, acabará por desenvolver-se um certo grau de desligamento emocional da pessoa
perdida. Após ter passado pela desorganização da fase do desespero, o comportamento nesta
fase se reorganiza com base na ausência permanente da pessoa. Embora este quadro do luto
sadio não seja inteiramente familiar aos psiquiatras, as provas de sua veracidade parecem
convincentes (Bowlby, 1961b).
Se este ponto de vista é correto, as reações de crianças pequenas ao serem removidas
para um hospital ou instituição devem ser simplesmente consideradas como variantes de
processos básicos de luto. Parece que os mesmos tipos de respostas ocorrem, na mesma
seqüência, independentemente da idade. Tal como os adultos, bebês e crianças pequenas que
perderam uma pessoa amada sentem pesar e passam por períodos de luto (Bowlby, 1960b).
Parece haver apenas duas diferenças inter-relacionadas. Uma, é que na criança a escala de
tempo é abreviada, embora muito menos do que, por vezes, se pensava. A outra, que é
significativa para a psiquiatria, é que na infância os processos que culminam no desligamento
têm condições para se desenvolverem prematuramente, tanto mais que coincidem (e
mascaram) com um forte anseio residual pela pessoa perdida e raiva contra ela; estes
sentimentos persistem, prontos para manifestar-se, em nível inconsciente.
Nota de rodapé:
Nota de rodapé:
*(1). Está agora claro que o processo de luto em crianças não necessita adotar um curso que
leve à patologia, se bem que tal aconteça com bastante freqüência. O advérbio
“habitualmente” usado no texto, aqui e em outros pontos do capítulo, é, portanto,
desorientador. As condições que influenciam o desfecho são examinadas por Furman (1974) e
tratadas em detalhe também na Parte III de Attachment and Loss, Vol. 3.
47
e mostrarmos de modo sucinto como esses dados parecem conjugar-se. Entretanto, como a
tese gravita toda ela em torno da natureza dos processos que entram em ação no luto e,
especialmente, os que estão presentes na primeira fase, é necessário dispensar-lhes mais
atenção.
Impulsos para recuperar e para recriminar a pessoa perdida: seu papel na psicopatologia.
Nem sempre se percebe que a raiva constitui uma resposta imediata à perda, comum e talvez
invariável. Em lugar da raiva indicando que o luto está seguindo um curso patológico — uma
opinião sugerida por Freud e comumente sustentada — as provas existentes evidenciam que a
raiva, incluindo a raiva com relação à pessoa perdida, é parte integrante da reação de pesar. A
função dessa raiva parece ser a de reforçar o ímpeto dos esforços vigorosos tanto para reaver a
pessoa perdida como para dissuadi-la de uma nova deserção, que são marcas distintivas da
primeira fase do luto. Como até hoje não se tem prestado muita atenção a essa fase e como,
além disso, ela parece ser crucial para um entendimento da psicopatologia, toma-se necessário
explorá-la mais completamente.
Como nos casos de morte um esforço carregado de raiva para recuperar a pessoa
perdida é tão obviamente inócuo, há uma tendência para considerá-lo patológico em si
mesmo. Acredito que isso é um erro. Longe de ser patológica, as provas sugerem que a
expressão manifesta desse impulso irresistível, por mais fora da realidade e inútil que seja, é
uma condição necessária para que o luto siga um curso saudável. Somente depois que todos
os esforços foram feitos para reaver a pessoa perdida é que, segundo parece, o indivíduo
adquire um estado de ânimo capaz de fazê-lo admitir a derrota e de reorientá-lo para um
mundo em que a pessoa amada é aceita como irreparavelmente ausente. O protesto, incluindo
uma exigência raivosa do retomo da pessoa e uma recriminação contra ela por ter desertado
faz parte da resposta à perda, tanto por parte de um adulto (especialmente quando se trata de
uma perda súbita) como por parte de uma criança.
Isso poderá parecer desconcertante. Como explicar que tais exigências e recriminações
sejam feitas mesmo quando a pessoa já não pode ser trazida de volta? Por que um irrealismo
tão gritante? Acredito existir uma boa resposta, originada na teoria da evolução.
Em primeiro lugar, um exame das respostas comportamentais à perda que são
manifestadas por espécies não-humanas — aves, mamíferos
48
inferiores e primatas — sugere que essas respostas têm antigas raízes biológicas. Embora não
estejam registradas em toda a sua extensão, as informações existentes mostram, contudo, que
muitas (senão todas) as características descritas para seres humanos — ansiedade e protesto,
desespero e desorganização, desligamento e reorganização — também são a regra em muitas
outras espécies *(1).
Em segundo lugar, não é difícil perceber que essas respostas devem ter evoluído. Na
existência primitiva e natural, perder o contato com o grupo familiar imediato é extremamente
perigoso, sobretudo para os filhotes. Portanto, é do interesse da segurança individual e da
reprodução da espécie que existam fortes laços unindo os membros de uma família ou de uma
família extensa; e isso requer que toda a separação, ainda que breve, seja respondida por um
esforço imediato, automático e vigoroso para recuperar a família, especialmente o membro
com quem a ligação é mais forte, e para desencorajar esse membro a uma nova separação. Por
essa razão, sugere-se que as determinantes herdadas do comportamento (freqüentemente
qualificadas de instintivas) evoluíram de tal modo que as respostas padronizadas à perda de
pessoas amadas são sempre, em primeiro lugar, impulsos para reavê-las e, depois, para
recriminá-las. Entretanto, se os impulsos para recuperar e recriminar são respostas
automáticas inerentes ao organismo, conclui-se que elas entrarão em ação como resposta a
toda e qualquer perda, sem discriminar entre aquelas que são realmente recuperáveis e
aquelas, estatisticamente raras, que não o são. É uma hipótese desse tipo, creio eu, que explica
por que uma pessoa que sofreu uma perda experimenta comumente um impulso irresistível
para reaver a pessoa, mesmo sabendo que a tentativa é infrutífera, e para recriminá-la por ter
partido, mesmo quando sabe que a recriminação é irracional.
Logo, se tanto o esforço inútil para recuperar a pessoa perdida como as recriminações
furiosas contra ela por ter desertado não são sinais de patologia, poder-se-á perguntar: então,
de que modo se distingue o luto patológico do luto saudável? O exame dos elementos de
demonstração sugere que uma das principais características do luto patológico é a
incapacidade para expressar abertamente esses impulsos para reaver e recriminar a pessoa
perdida, com toda a saudade do desertor e toda a raiva contra ele que esses impulsos
implicam.
Nota de rodapé:
*(1). As demonstrações foram reexaminadas por Bowlby (1961b) e Pollock (1961). Para dar
um exemplo citado por Pollock: um chimpanzé que tinha perdido sua companheira fez
repetidos esforços para reanimá-la. Guinchou raivosamente e, algumas vezes, expressou sua
cólera arrancando tufos de pêlo de sua própria cabeça. Depois, houve choro e luto. Com o
tempo, ficou mais intimamente ligado ao seu tratador e mostrava-se mais irritado do que antes
quando o tratador ia embora.
49
Em vez de sua expressão aberta que, apesar de ser tempestuosa e estéril, leva a um resultado
saudável, os impulsos de recuperação e recriminação, com toda a sua ambivalência de
sentimentos, cindem-se e são reprimidos. Daí em diante, continuam como sistemas ativos na
personalidade mas, incapazes de encontrar uma expressão direta e manifesta, passam a
influenciar os sentimentos e o comportamento de um modo estranho e distorcido. Daí as
numerosas formas de perturbação de caráter e doença neurótica.
Darei um breve exemplo ilustrativo de uma dessas formas, extraído de um caso
relatado por Helene Deutsch (1937). Quando veio para uma análise, esse homem, com trinta e
poucos anos, não apresentava dificuldades neuróticas aparentes. O quadro clínico, entretanto,
era de um caráter inexpressivo e carente de afetividade. Helene Deutsch descreve como o
paciente “mostrou um completo bloqueio de emoções e sentimentos, sem o menor insight...
Não tinha relações amorosas, nem amigos, nem interesse real por qualquer coisa. Em todos os
tipos de experiências mostrava a mesma reação apagada e apática. Não havia empenho nem
desapontamento... Não havia reações de pesar pela morte de pessoas próximas, nem
sentimentos inamistosos ou impulsos agressivos”. Como se desenvolveu essa personalidade
estéril e mutilada? À luz de uma hipótese a respeito do luto na infância, a história, em
conjunto com o material proveniente da análise, pudemos construir uma explicação plausível.
Primeiro, a história: Quando o paciente tinha cinco anos de idade, sua mãe falecera, e
disseram que ele tinha reagido a essa perda sem qualquer emoção (3). Daí por diante, além
disso, ele não tinha conservado lembrança de nenhum evento anterior à morte da mãe.
Segundo, o material proveniente da análise: O paciente descreveu como, durante os últimos
anos de sua infância, costumava deixar aberta a porta de seu quarto, “na esperança de que um
grande cão se aproximasse dele, fosse muito carinhoso com ele e satisfizesse todos os seus
desejos”. Associada a essa fantasia estava uma vívida recordação da infância de uma cadela
que deixara suas crias sozinhas e desamparadas, ao morrer pouco depois de dar à luz. Embora
nessa fantasia a saudade oculta da mãe que ele perdeu pareça plenamente evidente, ele não a
expressa de modo simples e direto. Pelo contrário, todas as recordações de sua mãe tinham
desaparecido da consciência e, na medida em que podiam ser percebidos, os afetos
conscientes em relação a ela eram hostis.
Para explicar o curso de desenvolvimento neste caso, a hipótese que estou
apresentando (e que não é muito diferente da de Helene Deutsch) é que, após a morte da mãe,
em lugar de haver uma expressão plena do impulso para recuperar sua mãe e da raiva pela
deserção dela, o luto do paciente tinha-se deslocado precipitadamente para uma situação de
desligamento.
Nota de rodapé:
*(1). Na versão original deste capítulo (e em alguns lugares dos dois anteriores), segui a
tradição psicanalítica de referência a “relações objetais”, “o objeto amado” e “o objeto
perdido”. Abandonei esse uso pouco tempo depois. Não só ele decorre de um paradigma
teórico que mesmo em 1961 eu já não mais sustentava, como considero seriamente errôneo
mencionar uma outra pessoa como um objeto, pois implica a relação com algo inerte e não
com outro ser humano que desempenha um papel igual ou talvez dominante na determinação
de como a relação se desenvolve. Portanto, ao voltar agora a publicar o que foi a conferência
original, alterei a redação e passei a mencionar sempre uma “pessoa amada” ou uma “pessoa
perdida”, em vez de “objeto amado” ou “objeto perdido”.
50
Nota de rodapé:
*(1). Numa publicação anterior (Burlingham e Freud, 1942), entretanto, Anna Freud adotou
um ponto de vista semelhante ao adotado aqui.
*(2). A mudança de circunstância requerida varia com o estágio para o qual o desligamento
progrediu. Quando a criança ainda está nas fases iniciais, a renovação da ligação segue logo á
nova união com a mãe; quando a criança atingiu um estágio avançado, talvez seja necessário
um tratamento psicanalítico.
51
Nota de rodapé:
*(1). Está agora claro que o processo de luto em crianças não necessita adotar um curso que
leve à patologia, se bem que tal aconteça com bastante freqüência. O advérbio
“habitualmente” usado no texto, aqui e em outros pontos do capítulo, é, portanto,
desorientador. As condições que influenciam o desfecho são examinadas por Furman (1974) e
tratadas em detalhe também na Parte III de Attachment and Loss, Vol. 3.
*(2). Não raras vezes, uma criança não responde com emoção à morte de um dos pais porque
recebeu pouca ou nenhuma informação sobre o que aconteceu e, mesmo que seja informada,
não lhe é dada a oportunidade de expressar seus sentimentos e emoções, ou de fazer perguntas
a um adulto compreensivo. Para referências, ver a nota 4 acima.
52
Em tais casos, uma parte da personalidade, secreta mas consciente, nega que a pessoa tenha
realmente desaparecido e afirma que ela ainda está em comunicação com o paciente, ou que
em breve ela reaparecerá; simultaneamente, uma outra parte da personalidade compartilha
com os parentes e amigos o conhecimento de que a pessoa está irremediavelmente perdida,
para sempre. Por mais incompatíveis que sejam, as duas partes coexistem durante muitos e
muitos anos. Tal como no caso da repressão, as divisões do ego também culminam em doença
psiquiátrica.
Por que, em alguns casos, a parte que ainda anseia por reaver a pessoa perdida seria
consciente e, em outros, seria inconsciente? Essa é uma questão que não está esclarecida.
Tampouco são claras as condições que levam algumas crianças órfãs a se desenvolverem de
modo satisfatório e outras não *(1). Este problema tem sido estudado por Hilgard (Hilgard,
Newman e Fisk, 1960). O que parece certo, entretanto, é que a precipitação do início dos
processos defensivos, repressão ou divisão, com a fixação resultante, ocorre muito mais
facilmente na infância do que em anos mais maduros. Nesse fato reside, a meu ver, a
explicação principal de por que e como as experiências de perda nos primeiros anos da
infância acarretam o desenvolvimento defeituoso da personalidade e a propensão para a
doença psiquiátrica.
Portanto, a hipótese que estou formulando é de que, na criança pequena, a experiência
de separação da figura materna é especialmente suscetível de evocar processos psicológicos
tão cruciais para a psicopatologia quanto a inflamação e seu resultante tecido cicatricial para a
fisiopatologia. Isso não significa que o resultado inevitável seja uma mutilação da
personalidade; mas significa que, como no caso de, digamos, uma febre reumática, forma-se
com muita freqüência um tecido cicatricial que leva, mais tarde, a uma disfunção mais ou
menos séria. Segundo parece, os processos em questão são variantes patológicas daquelas que
caracterizam o luto saudável.
Embora esta posição teórica esteja muito próxima de outras já existentes no campo, ela
parece, não obstante, ser diferente de todas. Sua força reside no fato de relacionar as respostas
patológicas com que nos deparamos em pacientes mais velhos com as respostas à perda que
são realmente observadas nos primeiros anos da infância, fornecendo assim um elo mais
sólido entre as condições psiquiátricas da vida adolescente e adulta e a experiência infantil.
Passemos agora a comparar essa formulação com algumas das que a precederam.
Nota de rodapé:
*(1). Sabe-se hoje muito mais sobre as condições relevantes; ver as notas 4 e 5 acima.
53
Nota de rodapé:
*(1). Ver especialmente os livros de Parkes (1972), e Glick, Weiss e Parkes (1974).
54
Nota de rodapé:
*(1). No caso de Peggy, há razões para crer que a separação aos três anos e meio foi apenas a
culminação de uma série de distúrbios em seu relacionamento com a mãe, descrita como uma
mulher dominadora que disciplinava a criança com severidade.
55
Ambos preferiram usar conceitos tais como “desapontamento” e “desilusão”, que parecem ter
um significado diferente.
Muitos outros analistas, embora atentos em maior ou menor grau para o papel
patogênico desses eventos na infância, tampouco identificam a resposta da criança à perda
com o luto. Um desses autores é Fairbairn (1952). Um segundo é Stengel que, em seus
estudos sobre o devaneio compulsivo (1939, 1941, 1943), chama especial atenção para o
impulso de recuperação do objeto perdido. Um terceiro autor sou eu mesmo, em meus
primeiros estudos (Bowlby, 1944, 1951). Outros são Anna Freud (1960) e René Spitz (1946);
ao contestarem a noção de que bebês e crianças pequenas sentem pesar, rejeitam como uma
possibilidade a hipótese de que o desenvolvimento do caráter neurótico e psicótico seja, por
vezes, o resultado de um sentimento de luto na infância ter enveredado por um caminho
patológico.
Uma razão principal pela qual a resposta da criança à perda não é tão freqüentemente
identificada com o luto parece ser uma tradição que limita o conceito de “luto” a processos
que têm um desfecho saudável. Embora esse uso, como qualquer outro, seja legítimo, tem
uma séria desvantagem: logicamente, toma-se impossível discutir quaisquer variantes do luto
que possam parecer patológicas.
As dificuldades a que esse uso dá origem estão ilustradas no artigo de Helene Deutsch,
“Absence of Grief” [Ausência de Pesar] (1937), já citado. Em suas considerações, vemos que
a autora reconhece com vigor o lugar central que a perda da pessoa amada na infância ocupa
na produção de sintomas e de desvios de caráter, assim como de um mecanismo de defesa
que, em conseqüência da perda, poderá redundar em ausência de emoção e sentimento.
Contudo, embora a autora relacione esse mecanismo ao luto, ele é representado mais como
uma alternativa do que como uma variante patológica do luto. Se bem que, à primeira vista,
essa distinção possa parecer meramente de terminologia, seu significado é mais profundo;
com efeito, considerar o processo defensivo que resulta de uma perda na infância como uma
alternativa do luto significa omitir aqueles processos defensivos de espécies semelhantes mas
de menor grau e início mais tardio que também participam do luto saudável, e esquecer
também que o que é patológico não são tanto os próprios processos defensivos mas,
sobretudo, a sua intensidade e o seu início prematuro.
Do mesmo modo, embora Freud estivesse, por uma parte, profundamente interessado
no papel patogênico do luto e, por outra, especialmente em seus últimos anos, também tivesse
consciência do papel patogênico da perda na infância, ele nunca apontou o luto infantil e sua
56
predisposição para adotar um curso patológico como conceitos que conjugam esses dois
conjuntos de idéias. Isso ficou bem ilustrado em sua discussão sobre a divisão do ego no
processo defensivo, à qual estava dedicando especial atenção no final de sua vida (1938).
Num dos seus artigos sobre o assunto (1927), Freud descreve dois pacientes nos quais
uma divisão do ego se seguira à perda do pai. Escreveu ele: “Na análise de dois jovens, tomei
conhecimento de que ambos — um em seu segundo ano de vida e o outro aos dez anos —
tinham-se recusado a reconhecer a morte do pai... e, no entanto, nem um nem outro haviam
contraído uma psicose. Um segmento muito importante de realidade tinha sido assim negado
pelo ego...”. Mas, continua Freud, “fora somente uma corrente dos processos mentais que não
reconhecera a morte do pai; havia uma outra que tinha plena consciência do fato; aquela que
era coerente com a realidade [ou seja, a morte do pai] manteve-se lado a lado com a que
correspondia a um desejo” [o de que o pai ainda vivesse] (1927). Entretanto, nesse e em
outros artigos sobre o mesmo tema, Freud não relaciona a descoberta de tais divisões do ego
com a patologia do luto em geral nem com o luto infantil em particular. Reconheceu-as,
porém, como seqüelas não incomuns de perdas sofridas no começo da vida. Quando discute
suas conclusões, Freud observa:
“Suspeito de que ocorrências semelhantes não são raras, em absoluto, na infância”. Estudos
estatísticos recentes mostram-nos que a suspeita de Freud era fundamentada.
Assim, um exame da literatura mostra que, apesar do significado fortemente
patogênico atribuído à perda de um dos pais e à perda de amor, na tradição principal da
teorização psicanalítica a origem do luto patológico e da conseqüente doença psiquiátrica no
adulto não está ligada à predisposição dos processos de luto para adotarem um curso
patológico quando ocorrem após uma perda sofrida na infância.
Acredito que uma importante contribuição de Melanie Klein (1935, 1940) foi ter
estabelecido essa relação. Afirma que bebês e crianças pequenas se afligem e passam por
fases de depressão, e que seus modos de responder em tais períodos são determinantes da
maneira como, no resto da vida, responderão a novas perdas. Certos métodos de defesa,
acredita Klein, devem ser entendidos como “dirigidos contra a prostração por causa do objeto
perdido”. Sob esse aspecto, minha abordagem é semelhante à dela. Surgem diferenças,
entretanto, a respeito dos acontecimentos considerados importantes, da idade em que eles
ocorrem, e da natureza e origem da ansiedade e agressão.
As perdas de que fala Melanie Klein são patogênicas, situando-se todas no primeiro
ano de vida e, em sua grande maioria, relacionadas
57
últimas décadas que mostram que a incidência de perdas na infância, nas vidas de pacientes
que sofrem de doença psiquiátrica e de desvios de caráter, é significativamente mais elevada
do que na população geral. [Como os dados estatísticos até 1967 são apresentados no próximo
capítulo, os que constavam da versão original deste foram omitidos. Parte dos comentários,
entretanto, foi mantida.]
No entanto, dada a importância que os dados estatísticos têm para a minha
argumentação, é possível que surjam algumas dúvidas. Em primeiro lugar, devemos estar
atentos para a falácia post hoc ergo propter hoc. Em segundo lugar, mesmo que estejamos
certos ao afirmar a existência de uma relação causal entre a perda prematura e a doença
subseqüente, não se segue que ela seja sempre mediada pelos processos patológicos
anteriormente descritos. De fato, existem duas outras espécies de processos que, em alguns
casos, quase certamente dão origem à patologia. Uma delas consiste no processo de
identificação com os pais, o qual é parte integrante do desenvolvimento saudável mas leva,
freqüentemente, à dificuldade após a morte de um deles *(1). A outra espécie é evocada pelo
membro sobrevivente do casal, viúvo ou viúva, cuja atitude para com a criança poderá mudar
e tomar-se patogênica.
Há uma outra dificuldade que a hipótese deve enfrentar. Embora seja verdade que há
uma incidência maior de morte de pais na infância de indivíduos que, mais tarde, são
propensos a desenvolver certos tipos de personalidade e certas formas de doença, a incidência
absoluta é, no entanto, baixa. Perguntar-se-á: como explicar os outros casos? Existe mais de
uma explicação possível.
Em primeiro lugar, a fim de basear a minha tese em provas sólidas, restringi
deliberadamente a maior parte da discussão à incidência da morte de um dos pais. Quando são
incluídas outras causas de perda dos pais nos primeiros anos, a percentagem de casos afetados
aumenta consideravelmente. Além disso, em muitos dos casos em que não houve nenhum
episódio de separação real no espaço entre a criança e um dos pais, existem freqüentemente
provas de que houve, não obstante, separação de outro tipo e mais ou menos grave. Rejeição,
perda de amor (talvez com a chegada de um novo bebê ou em virtude de depressão da mãe),
perda de afeição de um dos pais pelo outro e situações semelhantes, têm todas como fator
comum a perda pela criança de um ente a quem ama e a quem está ligada. Se o conceito de
perda for ampliado para cobrir a perda de amor, esses casos deixarão de constituir exceções.
Nota de rodapé:
*(1). Distúrbios psiquiátricos cm que a identificação com o pai (ou mãe) que se perdeu
desempenha um papel significativo vêm sendo estudados há muito tempo por analistas. São
particularmente claros nas reações de aniversário (Hilgard e Newman, 1959).
59
Parece improvável, contudo, que tal ampliação abranja todos o casos incluídos nos
síndromes psiquiátricos em questão. Se esse for comprovadamente o caso, então será
necessário procurar alguma outra explicação para os que não são considerados pela presente
hipótese. Talvez num exame mais apurado o quadro clínico de tais casos se mostre
substancialmente diferente daqueles que são relatados. Também pode acontecer que as
condições clínicas se mostrem essencialmente semelhantes, mas os processos patológicos em
ação em casos não relatados tenham sido iniciados por eventos de uma espécie diferente.
Enquanto essas e outras possibilidades não forem exploradas, os problemas subsistirão.
Entretanto, como raramente existe uma relação simples entre síndrome, processo patológico e
experiência patogênica, os problemas não são diferentes dos que ocorrem constantemente em
outros campos da pesquisa médica.
Conclusão.
É provável que a maior parte da pesquisa no campo da psiquiatria ainda comece hoje com um
produto final, um paciente doente, e procure desvendar a seqüência de acontecimentos,
psicológicos e fisiológicos, que parecem ter culminado em sua doença. Isso resulta em muitas
e sugestivas hipóteses mas, como qualquer outro método de investigação, tem algumas
limitações. Uma das características preponderantes de uma ciência em progresso é a
exploração de tantos métodos quantos puderem ser criados. Quando na medicina fisiológica a
pesquisa foi ampliada para incluir a investigação sistemática de um ou outro agente
patogênico e seus efeitos, colheu-se uma enorme quantidade de conhecimentos. Talvez não
esteja distante o dia em que o mesmo seja possível em psiquiatria.
Por causa de suas implicações práticas e científicas, o estudo de respostas à perda da
figura materna nos primeiros anos de vida é um dos mais promissores. No aspecto prático,
existe a probabilidade de nos tornarmos capazes de desenvolver medidas para impedir, pelo
menos, algumas formas de enfermidade mental. Sob o aspecto científico, há oportunidades
que são proporcionadas pela identificação de um evento da infância, que é provavelmente
patogênico, que pode ser claramente definido e cujos efeitos sobre a personalidade em
desenvolvimento podem ser sistematicamente estudados por observação direta.
Existem, é claro, muitos outros acontecimentos na infância, além de uma perda, que
constituem uma boa razão para acreditar que também
60
Durante vários anos, a Eugenics Society organizou simpósios sobre a interação de fatores
genéticos e ambientais no desenvolvimento humano. O quarto simpósio, realizado em
Londres no outono de 1967, ocupou-se de “Influências Genéticas e Ambientais Sobre o
Comportamento”. O estudo que se segue foi uma contribuição para o simpósio, e foi
publicado no ano seguinte.
Médicos de família, sacerdotes e leigos perceptivos sabem, há muito tempo, que existem
poucos golpes para o espírito humano tão grandes quanto a perda de alguém próximo e
querido, O senso-comum tradicional sabe que podemos ser esmagados pelo pesar e morrer
por causa de um grande sofrimento, e também que um amante repudiado é capaz de fazer
coisas que são insensatas ou perigosas para ele mesmo e para os outros. Sabe ainda que não
sentimos amor e nem pesar por um ser humano qualquer, mas apenas por um ou alguns seres
humanos em particular. O núcleo daquilo que eu chamo de “vínculo afetivo” é a atração que
um indivíduo sente por um outro indivíduo.
Até décadas recentes, a ciência teve pouco a dizer sobre esses assuntos. Cientistas
experimentais nas tradições da psicologia seja fisiológica seja da teoria hulliana da
aprendizagem da psicologia nunca mostraram interesse pelos vínculos afetivos e, por vezes,
falaram e agiram como se eles não existissem.
Nota de rodapé:
*(1). Publicado originalmente em Thoday, J. M. e Parker, A. S. (orgs.) (1968), Genetic and
Environmental Influences on Behaviour. Edimburgo: Oliver & Boyd. Reimpresso com
autorização de The Eugenics Society.
63
Prevalecimento da vinculação.
tendem a manter-se próximos um do outro. Quando, por qualquer razão, se separam, cada um
deles procurará o outro, mais cedo ou mais tarde, a fim de reatar a proximidade. Qualquer
tentativa, por parte de terceiros, para separar um par vinculado encontrará vigorosa
resistência; não é raro o mais forte dos parceiros atacar o intruso enquanto o mais fraco trata
de fugir ou, talvez, de se agarrar ao parceiro mais forte. Exemplos óbvios são as situações em
que um intruso tenta tirar os filhotes de perto de uma mãe, por exemplo, o bezerro da vaca, ou
separar a fêmea de um par heterossexual vinculado, por exemplo, ganso e gansa.
De uma forma um tanto paradoxal, o comportamento de tipo agressivo desempenha
um papel decisivo na manutenção de vínculos afetivos. Assume duas formas distintas:
primeiro, ataques e afugentamento de intrusos e, segundo, a punição de um parceiro errante,
seja ele esposa, marido ou filho. Há provas de que boa parte do comportamento agressivo de
um tipo desconcertante e patológico tem origem em uma ou outra dessas formas (Bowlby,
1963).
Os vínculos afetivos e os estados subjetivos de forte emoção tendem a ocorrer juntos,
como sabem todos os romancistas e autores teatrais. Assim, muitas das mais intensas emoções
humanas surgem durante a formação, manutenção, rompimento e renovação de vínculos
emocionais. Em termos de experiência subjetiva, a formação de um vinculo é descrita como
“apaixonar-se”, a manutenção de um vínculo como “amar alguém”, e a perda de um parceiro
como “sofrer por alguém”. Analogamente, a ameaça de perda gera ansiedade e a perda real
causa tristeza; ao passo que ambas as situações podem despertar raiva. Finalmente, a
manutenção incontestada de um vínculo é experimentada de segurança, e a renovação de um
vínculo como uma fonte de júbilo. Assim, qualquer pessoa interessada na psicologia e
psicopatologia da emoção, seja em animais ou no homem, não tardará em deparar-se com
problemas de vinculação afetiva: o que faz com que os vínculos se desenvolvam e para que
existem, e, especialmente, as condições que afetam a forma assumida pelo seu
desenvolvimento.
Na medida em que psicólogos e psicanalistas tentaram explicar a existência de
vínculos afetivos, quase sempre foram invocadas as razões de alimento e sexo. Assim, na
tentativa de explicarem por que uma criança se liga à mãe, teóricos da aprendizagem (Dollard
e Miller, 1950; Sears, Maccoby e Levin, 1957) e psicanalistas (Freud, 1938) supuseram, cada
um por seu lado, que isso se deve ao fato de a mãe alimentar o bebê. Na tentativa de
compreenderem por que adultos se ligam uns aos outros, o sexo foi comumente considerado a
explicação óbvia e suficiente. Entretanto, quando as provas são minuciosamente examinadas,
65
verifica-se que essas explicações são insuficientes. Atualmente, há provas abundantes de que,
não só entre as aves mas também entre os mamíferos, os filhos ligam-se a objetos maternos
apesar de não serem alimentados por essa fonte (Harlow e Harlow, 1965; Cairns, 1966), e de
que os vínculos afetivos entre adultos não são, de modo algum, necessariamente
acompanhados por relações sexuais; ao passo que, inversamente, relações sexuais ocorrem,
com freqüência, independentemente de quaisquer vínculos afetivos persistentes.
O que se sabe hoje acerca da ontogenia dos vínculos afetivos sugere que estes se
desenvolvem porque a criatura nasce com uma forte inclinação para se aproximar de certas
classes de estímulos, notadamente os que lhe são familiares, e para evitar outras classes de
estímulos — os estranhos. Quanto à função, a observação de animais em seu habitat natural
sugere nitidamente que a função biológica de quase toda, senão de toda a vinculação entre
indivíduos da mesma espécie é a proteção contra predadores — uma função tão importante
quanto a nutrição ou a reprodução para a sobrevivência de uma população, mas que
geralmente tem sido menosprezada por investigadores confinados entre as quatro paredes de
um laboratório e preocupados apenas com o homem que vive em sociedades economicamente
desenvolvidas.
Sejam essas hipóteses corroboradas ou não por pesquisas subseqüentes, a capacidade
de um indivíduo para estabelecer vínculos afetivos de um tipo adequado a cada fase do ciclo
vital de sua espécie e ao seu próprio sexo constitui, obviamente, uma capacidade tão típica de
indivíduos da espécie mamífera quanto as capacidades, por exemplo, de ver, ouvir, comer e
digerir. E é muito provável que uma capacidade de vinculação tenha um valor de
sobrevivência para uma espécie, tão grande quanto qualquer dessas outras capacidades
estudadas desde longa data. E comprovadamente produtivo considerar muitos distúrbios
psiconeuróticos e da personalidade nos seres humanos como um reflexo de um distúrbio da
capacidade para estabelecer vínculos afetivos, em virtude de uma falha no desenvolvimento
na infância ou de um transtorno subseqüente.
Rompimento de vínculos e doença psiquiátrica.
Nota de rodapé:
*(1). Também existem valiosos estudos sobre a reação de adultos à morte de um ente querido
e as relações entre as reações de perda e a doença mental (Parkes, 1965). Numa exposição
sucinta como esta é impossível incluir uma discussão de todos esses dados.
67
Apurou-se que freqüentemente a infância de tais indivíduos foi seriamente perturbada pela
morte, divórcio ou separação dos pais, ou por outros eventos que resultam na ruptura de
vínculos afetivos, sendo que a incidência de tais perturbações é muito mais elevada do que em
qualquer outro grupo comparável, quer seja de pessoas da população geral, quer seja de
pessoas que apresentem quadros psiquiátricos de outras espécies. Por exemplo, num estudo de
bem mais de mil pacientes de ambulatório psiquiátrico, com menos de 60 anos de idade, Earle
e Earle (1961) diagnosticaram 66 como sociopatas e 1357 como portadores de algum outro
distúrbio. Adotando como critério a ausência da mãe durante seis meses ou mais, antes dos
seis anos de idade, Earle e Earle apuraram uma incidência de 41 % para os sociopatas e 5 %
para os restantes.
Quando o critério é ampliado, a incidência aumenta. Assim, Craft, Stephenson e
Granger (1964) adotaram como critério a ausência da mãe ou do pai (ou de ambos) antes de
dez anos de idade. Dos 66 internos do sexo masculino em hospitais especiais para psicopatas
agressivos, nada menos de 65 % tinham tido essa experiência. Num estudo de vários grupos
de controle, Craft mostra como a incidência desse tipo de experiência infantil se eleva com o
grau de conduta anti-social manifestada pelos membros de um grupo.
Outros que divulgaram conclusões estatisticamente significativas do mesmo tipo para
grupos de psicopatas e delinqüentes persistentes foram Naess (1962), Greer (l964a), e Brown
e Epps (1966); e para alcoólatras e toxicômanos, Dennehy (1966).
Nos psicopatas, a incidência de ilegitimidade e de transferência da criança de um “lar”
para outro é elevada. Não é por mero acaso que Brady, dos assassinatos “Moors”, era um
psicopata com essas características.
Um outro grupo psiquiátrico que mostra uma incidência muito alta de perda na
infância é o dos Pacientes suicidas, tanto os que tentaram o suicídio como os que o
consumaram *(1). O mais provável é que as perdas tenham ocorrido durante os primeiros
cinco anos de vida e tenham sido causadas não só pela morte de um dos pais mas também por
outras causas permanentes, principalmente a ilegitimidade e o divórcio. Nesses aspectos, os
pacientes suicidas tendem a assemelhar-se aos sociopatas e, como se verá mais adiante, a
diferir dos depressivos.
Nota de rodapé:
*(1). Embora qualquer grupo de suicidas e de indivíduos que tentaram o suicídio contenha
alguns sociopatas e alguns depressivos, a maioria será provavelmente diagnosticada como
sofrendo de neurose ou distúrbio de personalidade (Greer, Gunn e Koller, 1966) e constitui,
portanto, um grupo psiquiátrico bastante distinto.
68
Idade da perda: N.
Pacientes não-psiquiátricos %: 156.
Pacientes psiquiátricos não-suicidas %: 156.
Indivíduos que tentaram o suicídio %: 156.
Dos numerosos estudos que relatam uma incidência muito alta de perda na infância
entre os indivíduos que tentam o suicídio — por exemplo, Bruhn (1962), Greer (1964b) e
Kessel (1965) —, um estudo recente de Greer, Gunn e Koller (1966) é um dos mais bem
controlados. Uma série de 156 indivíduos que tentaram o suicídio foi comparada com
amostras da mesma grandeza, de pacientes psiquiátricos não-suicidas e de pacientes de
cirurgia e obstetrícia sem história psiquiátrica; ambos os grupos de controle se equiparavam
ao de suicidas potenciais quanto à idade, sexo, classe e outras variáveis relevantes. Tomando
como critério de perda a ausência contínua de um ou ambos os pais durante, pelo menos, doze
meses, Greer apurou que tais eventos tinham ocorrido antes dos cinco anos de idade com
freqüência três vezes maior no grupo de suicidas potenciais do que em qualquer dos grupos de
controle — uma incidência de 26 % contra 9 % para cada um dos outros grupos (Quadro 1).
Além disso, as perdas no grupo de suicidas potenciais tendiam mais freqüentemente a
ser permanentes e de ambos os pais, ao passo que nos outros grupos diziam respeito, com
maior freqüência, a apenas um dos pais e eram perdas temporárias, causadas por exigências
tais como doença ou trabalho *(1).
Num outro estudo sobre o mesmo grupo de indivíduos que tentaram o suicídio (Greer
e Gunn, 1966), verificou-se que aqueles que tinham sofrido a perda dos pais antes de
completar quinze anos diferiam significativamente, em certos aspectos, dos que não tinham.
Uma dessas diferenças, em concordância com as outras conclusões, é o fato de que aqueles
que haviam sofrido uma perda na infância tinham maior probabilidade de ser diagnosticados
como sociopatas do que aqueles que não tinham sofrido uma perda na infância (18% contra
4%).
Nota de rodapé:
*(1). Ver também um estudo subseqüente das relações entre a orfandade na infância e as
idéias de suicídio, de autoria de Adam (1973).
69
Uma outra condição que está associada a uma incidência significativamente maior de
perda na infância é a depressão. Entretanto, o tipo de perda experimentada tende a ser de uma
espécie diferente da deterioração familiar geral, que é típica da infância de psicopatas e de
indivíduos que tentam o suicídio. Em primeiro lugar, na infância de depressivos, a perda
deve-se mais freqüentemente à morte de um dos pais do que à ilegitimidade, divórcio ou
separação. Em segundo lugar, nos depressivos, a incidência de orfandade tende a ser maior
durante o segundo qüinqüênio da infância e, em alguns estudos, também no terceiro.
Resultados desse tipo foram relatados por F. Brown (1961), Munro (1966), Dennehy (1966) e
Hill e Price (1967). As indicações são de que a perda de um dos pais por morte ocorre com
freqüência duas vezes maior num grupo de depressivos do que na população total *(1).
Assim, parece agora razoavelmente certo que, em numerosos grupos de pacientes
psiquiátricos, a incidência de rompimento de vínculos afetivos durante a infância é
significativamente elevada. Embora estes últimos estudos confirmem as conclusões anteriores
a respeito da maior incidência de perda da mãe durante os primeiros anos da infância, eles
também as ampliam. Para vários tipos de condições, sabe-se agora que as maiores incidências
de vínculos afetivos desfeitos incluem tanto os vínculos com os pais como com as mães, e são
observados entre os cinco e os catorze anos, tanto quanto nos primeiros cinco anos. Além
disso, nas condições mais extremas — sociopatia e tendências suicidas — não só é provável
que uma perda inicial tenha ocorrido nos primeiros anos de vida mas também é provável que
tenha sido uma perda permanente, seguida da experiência de repetidas mudanças de figuras
parentais.
No entanto, demonstrar uma incidência maior de algum fator é uma coisa; demonstrar
que ele desempenha um papel causal é outra coisa muito diferente. Embora a maioria dos
autores que apresentaram esses dados conclusivos acima referidos acredite que a maior
incidência de perdas na infância tem uma relação causal com o subseqüente distúrbio
psiquiátrico — e existem inúmeros relatos clínicos apontando nessa direção (para referências,
ver Bowlby, 1963) —, explicações alternativas ainda são possíveis. Como exemplo, a maior
incidência de morte materna e paterna em pacientes psiquiátricos poderia ser resultado do fato
de as diferenças entre as idades dos pacientes e de seus pais serem maiores do que a média
para a população.
Nota de rodapé:
*(1). Dados estatísticos a respeito da incidência de perda dos pais durante a infância em
adultos deprimidos têm sido freqüentemente contraditórios, e eu simplifiquei a versão original
deste parágrafo a fim de harmonizá-lo com o pensamento atual.
O estudo mais recente e abrangente do problema (embora confinado a mulheres) é o
de George Brown e Tirril Harris (1978). Eles concluem que a perda na infância contribui, de
três maneiras distintas, para a depressão clínica. Em primeiro lugar, as mulheres que perderam
a mãe por morte ou separação, antes dos 11 anos de idade, são mais propensas a reagir à
perda, ameaça de perda e outras dificuldades e crises na vida adulta mediante o
desenvolvimento de um distúrbio depressivo do que as mulheres que não experimentarem
essa perda na infância. Em segundo lugar, se uma mulher sofreu uma ou mais perdas de
membros da família por morte ou separação antes dos 17 anos de idade, qualquer depressão
que se desenvolva subseqüentemente é suscetível de ser mais grave do que numa mulher que
não tenha sofrido perdas desse tipo. Em terceiro lugar, a forma assumida pela perda na
infância afeta a forma de qualquer doença depressiva que possa desenvolver-se mais tarde.
Quando a perda na infância foi devida à separação, é provável que qualquer doença que seja
subseqüentemente contraída mostre características de depressão neurótica, com sintomas de
ansiedade. Quando a perda se deve a morte, qualquer doença que se desenvolva
subseqüentemente poderá apresentar características de depressão psicótica, com muito
retardamento.
Brown e Harris também chamam a atenção para alguns dos problemas, antes não
reconhecidos, de obtenção de números válidos quando se fazem comparações entre um grupo
de pacientes psiquiátricos e um grupo de controle.
70
Sendo assim, não só a morte de um dos pais ocorreria mais cedo, mas também haveria maior
probabilidade de o filho nascer com uma carga genética adversa. Assim, o que parece ser um
determinante ambiental poderia, no fim das contas, ser um determinante genético.
Não é fácil testar essa possibilidade. Para que ela seja corroborada, é preciso: primeiro,
que se verifique se as médias das diferenças entre as idades dos pacientes psiquiátricos e as de
suas mães (e/ou pais) são, de fato, superiores às médias para a população total; e, segundo,
que se possa demonstrar que a idade mais elevada dos pais na época do nascimento dos filhos
tem um efeito adverso sobre a dotação genética do filho, de tal modo que aumente a
probabilidade de distúrbios psiquiátricos. O primeiro requisito pode ser perfeitamente
satisfeito: provas recentes (Dennehy, 1966) sugerem que as médias das diferenças entre as
idades dos pacientes psiquiátricos e as dos seus pais podem situar-se acima das médias para a
população da qual eles provêm. Do segundo requisito, porém, é mais difícil obter provas. Em
termos claros, talvez leve ainda algum tempo para que a questão seja resolvida.
No entanto, aqueles que acreditam ser causal a relação entre o rompimento de vínculos
afetivos durante a infância e a deterioração da capacidade para manter vínculos afetivos,
típica das perturbações da personalidade na vida adolescente e adulta, apontam outras provas
que sustentam sua hipótese. Tais provas envolvem o modo pelo qual jovens primatas humanos
e sub-humanos se comportam quando um vínculo afetivo é rompido por separação ou morte.
Quando uma criança pequena se vê entre estranhos e sem suas figuras parentais familiares, ela
não só se mostra intensamente aflita no momento, mas suas relações subseqüentes com os
pais ficam comprometidas, pelo menos temporariamente. O comportamento observado em
crianças de dois anos de idade, durante e após uma breve estada numa creche residencial, é o
objeto de um sistemático estudo descritivo e estatístico empreendido na Tavistock por
Heinicke e Westheimer (1966). A parte do relatório para a qual chamo a atenção é aquela em
que eles comparam o comportamento, em relação à mãe, de dez crianças que tinham estado na
creche e agora voltaram para casa, com o de um grupo de controle formado por dez crianças
que permaneceram em casa o tempo todo.
Nas crianças separadas observaram-se duas formas de distúrbio do
71
comportamento afetivo, nenhuma das quais foi observada no grupo de controle de crianças
não-separadas. Uma forma é a de desligamento emocional; a outra, aparentemente oposta, é
uma implacável exigência para estar perto da mãe.
(1) No primeiro encontro com a mãe, após ter estado fora de casa com estranhos por
duas ou três semanas, uma criança de dois anos mantém-se caracteristicamente distante e
desligada. Enquanto que, durante seus primeiros dias fora de casa, é comum uma criança
chorar pateticamente pela mãe, quando finalmente regressa parece não a reconhecer ou evitá-
la. Em vez de se precipitar para a mãe e ficar agarrada às suas saias, como provavelmente
faria caso se perdesse numa loja durante meia hora, a criança freqüentemente a fica estudando
e recusa-se a dar-lhe a mão. Todo o comportamento de busca de proximidade, típica de um
vínculo afetivo, está ausente, usualmente para consternação intensa da mãe; e continua
ausente — às vezes apenas por alguns minutos, mas outras vezes durante dias, o reatamento
da ligação pode ser repentino mas, com freqüência, é lento e gradual. O tempo em que o
desligamento persiste está Positivamente correlacionado com o tempo de separação (Quadro
2).
(2) Quando — como é usual — o comportamento de ligação é reatado, uma criança
mostra-se comumente muito mais apegada do que antes da separação, Desagrada-lhe que a
mãe a deixe sozinha e tende a chorar ou a segui-la pela casa toda. O modo como essa fase
evolui depende muito de como sua mãe reage. Não raras vezes sobrevém um conflito, uma
criança exigindo a constante companhia de sua mãe e esta recusando a tal recusa evoca
prontamente na criança um comportamento hostil e negativo, capaz de desafiar ainda mais a
paciência da mãe. Das dez crianças separadas que foram observadas por Heinicke e
Westheimer, seis delas apresentaram um comportamento hostil intenso e persistente em
relação à mãe, e negativismo após a volta para casa; tal comportamento não foi observado nas
crianças não-separadas (Quadro 3).
É claro que ainda há uma grande distância entre mostrar que os vínculos de uma
criança com sua mãe, e freqüentemente também com seu pai, sofrem um desequilíbrio em
virtude de uma breve separação, e demonstrar de um modo inequívoco que separações longas
ou repetidas estão causalmente relacionadas com os subseqüentes distúrbios de personalidade.
Entretanto, o comportamento de desligamento tão típico de crianças pequenas, após uma
separação, não tem mais do que uma semelhança passageira com o comportamento de
desligamento de alguns psicopatas, embora seja difícil distinguir o comportamento
agressivamente exigente de muitas crianças recentemente reunidas à mãe do comportamento
agressivamente exigente de muitas personalidades histéricas.
72
Nenhum desligamento:
Separadas: -.
Não-separados: 10.
Quadro 4.
Consternação pela separação temporária da mãe, do pai ou irmão, em meniscos anóxicos e
não anóxicos no nascimento.
2° ano:
Anóxicos:
Consternados: 8.
Não-consternados: 2.
Não-anóxicos:
Consternados: 2.
Não-consternados: 12.
Significância P: 0,01.
3° ano:
Anóxicos:
Consternados: 9.
Não-consternados: 2.
Não-anóxicos:
Consternados: 4.
Não-consternados: 7.
Significância P: 0,1.
O total de amostras compreende 29 pares de meninos equiparados por classe, ordem de
nascimento e idade da mãe.
Igualmente óbvio, entretanto, é que quaisquer experimentos desse tipo com sujeitos humanos
são rejeitados por motivos éticos. Por essas razões, é muito bem-vindo o fato de estarem
sendo agora empreendidos experimentos análogos usando primatas não-humanos. Dados
preliminares sugerem que, em bebês rhesus de seis meses de idade, os efeitos de uma perda
temporária da mãe (seis dias) não são, durante e após a separação, diferentes dos verificados
em crianças de dois anos (Spencer-Booth e Hinde, 1966) - por exemplo, aflição e nível
reduzido de atividade durante a separação, e uma tendência excepcionalmente forte para
apegar-se à mãe depois que voltaram a reunir-se. Além disso, as reações da mãe rhesus a esse
comportamento não diferem das da mãe humana. Até agora, porém, não há registro de que
nenhum bebê-macaco tenha mostrado desligamento, e isso poderá representar uma diferença
própria da espécie.
Tanto em bebês humanos como em macacos, verifica-se uma vasta gama de variações
individuais na reação ao rompimento de um vínculo. Parte dessa variação deve-se,
provavelmente, aos efeitos sobre um bebê de eventos que ocorrem durante a gravidez e o
parto. Assim, Ucko (1965) apurou que meninos que no parto tinham sofrido um período de
asfixia são muito mais sensíveis à mudança ambiental, inclusive separação da mãe, do que
meninos que não sofreram asfixia (Quadro 4). Por outro lado, é bem provável que uma outra
parte dessa variância seja geneticamente determinada. Com efeito, é uma hipótese razoável a
de
74
que uma das principais formas pelas quais os fatores genéticos atuam para influenciar o
desenvolvimento da saúde mental e da doença mental é através de seu efeito sobre o
comportamento de vinculação: em que grau e forma, e em que circunstâncias, pode um
indivíduo estabelecer e manter vínculos afetivos, e como reage ele ao rompimento desses
vínculos? Realizando estudos desse tipo, talvez seja possível no futuro conjugar as pesquisas
ambientais e genéticas sobre distúrbios de comportamento.
75
Nota de rodapé:
Contamos hoje com uma soma Considerável de informações idôneas sobre o modo pelo qual
adultos reagem a uma perda importante. Elas provêm de numerosas fontes, notadamente os
estudos de Lindemann (1944) e Marris (1958), ampliados por um recente estudo, ainda
inédito em sua maior parte, de Parkes (1969, 1971b) *(2). Embora a intensidade do pesar
varie consideravelmente de indivíduo para indivíduo, e a duração de cada fase também varie,
existe um padrão geral básico.
Num estudo anterior (Bowlby, 1961b), sugeriu-se que o curso do luto pode dividir-se
em três fases principais, mas sabemos hoje, que essa divisão omitiu uma importante primeira
fase, a qual é usualmente bastante breve.
Nota de rodapé:
O que antes era enumerado como fases 1, 2 e 3, foi reordenado, portanto, como fases 2, 3 e 4.
As quatro fases agora reconhecidas são:
1. Fase de torpor ou aturdimento, que usualmente dura de algumas horas a uma
semana e pode ser interrompida por acessos de consternação e (ou) raiva extremamente
intensas.
2. Fase de saudade e busca da figura perdida, durando alguns meses e, com freqüência,
vários anos.
3. Fase de desorganização e desespero.
4. Fase de maior ou menor grau de reorganização.
Fase de torpor.
Em nosso estudo, a reação imediata à notícia da morte do marido variou muito de uma
viúva para outra. A maioria delas mostrou-se aturdida e, em graus variáveis, incapaz de aceitar
a notícia. Um caso em que a fase de torpor durou mais do que o geral foi o de uma viúva que
disse que, ao ser informada da morte do marido, permaneceu calma e “não sentiu
absolutamente nada” e ficou muito surpreendida, portanto, quando percebeu que estava
chorando copiosamente. Disse que evitou consciente e deliberadamente seus sentimentos,
porque temia ser vencida pela dor ou enlouquecer. Durante três semanas, continuou
relativamente calma e controlada, até que, finalmente, desmoronou na rua e desfez-se em
pranto. Refletindo sobre essas três semanas, descreveu-as mais tarde como sendo algo
parecido com “caminhar à beira de um poço negro e sem fundo”.
Muitas outras viúvas relataram que as notícias as tinham deixado inteiramente
impassíveis no começo. No entanto, essa calma que antecede a tempestade era quebrada, às
vezes, por acessos de emoção extrema, usualmente de medo mas, com freqüência, de raiva e,
em um ou dois casos, de exaltação.
Alguns dias, ou uma ou duas semanas depois da perda, ocorre uma mudança, e a
pessoa começa, embora apenas episodicamente, a dar-se conta da realidade da perda que
sofreu; isso leva a espasmos de intensa aflição e a crises de choro. Entretanto, quase ao
mesmo tempo, há grande desassossego, preocupações com pensamentos sobre a pessoa
perdida, muitas vezes acompanhados por uma sensação de sua presença
79
real, e uma tendência acentuada a interpretar sinais ou sons como uma indicação de que a
pessoa perdida está agora de volta. Por exemplo, ouvir o som do trinco da porta às 5 horas da
tarde é interpretado como sendo o marido regressando do trabalho, ou um homem na rua é
erroneamente percebido como o marido ausente.
Apurou-se que algumas dessas características, ou todas elas, ocorrem na grande
maioria das viúvas entrevistadas. Como as mesmas características são também relatadas por
muitos outros pesquisadores, não pode haver dúvida de que são um traço regular do
comportamento de luto e não são, em absoluto, características anormais.
Quando as provas desse tipo foram reexaminadas há alguns anos (Bowlby, 1961b),
sugerimos que, durante essa fase do luto, a pessoa é dominada por um impulso para buscar e
reaver a figura perdida. Por vezes, a pessoa tem consciência desse impulso, se bem que, com
maior freqüência, não tenha; algumas vezes, a pessoa deixa-se levar por ele voluntariamente,
como quando visita a sepultura ou outros lugares estreitamente associados à figura perdida,
mas outras vezes esforça-se por sufocar tal impulso por ser irracional e absurdo. Entretanto,
seja qual for a atitude que uma pessoa adote em relação a esse impulso, ela se vê impelida a
buscar e, se possível, recuperar o ente perdido.
Esse ponto de vista foi enunciado em 1961. Até onde nos é dado saber, até agora não
foi questionado, embora duvidemos de que já tenha sido geralmente aceito. Seja como for, as
provas de que dispomos hoje mostram que ele está bem fundamentado.
O texto seguinte é extraído de um estudo recente, onde ficam claras as provas da
hipótese da busca:
“Embora sejamos propensos a conceber a busca em termos do ato motor de
movimento inquieto no sentido das possíveis localizações do objeto perdido, [a busca]
também tem componentes perceptivos e ideacionais... Sinais do objeto só podem ser
identificados por referência a lembranças do objeto como ele era. Portanto, a busca de sinais
do objeto no mundo externo inclui o estabelecimento de uma ‘disposição’ perceptiva interna
derivada da prévia experiência do objeto.” (Parkes, 1969).
É dado o exemplo de uma mulher buscando seu filho pequeno que morreu: ela
movimenta-se incansavelmente pelos locais prováveis da casa, buscando com os olhos e
pensando no menino; ouve um estalido e imediatamente o identifica com o som dos passos do
filho na escada; grita, “John, é você?”. Os componentes desta seqüência são:
(a) movimentar-se inquietamente e esquadrinhar o meio ambiente;
(b) pensar intensamente na pessoa perdida;
80
(c) desenvolver uma “disposição” perceptiva, ou seja, uma disposição para perceber e
prestar atenção a quaisquer estímulos que sugiram a presença da pessoa, e ignorar todos
aqueles que não forem relevantes para esse objetivo;
(d) dirigir a atenção para as partes do meio ambiente em que seria possível a pessoa
estar;
(e) chamar a pessoa perdida.
Enfatiza-se que cada um desses componentes está presente em homens e mulheres que
perderam um ente querido; além disso, algumas das pessoas que sofrem uma perda estão
conscientes de um impulso de busca.
Duas características muito comuns do luto, que foram interpretadas em nossos escritos
anteriores como sendo parte desse impulso para a busca, são o choro e a raiva.
Darwin concluiu que (1872) as expressões faciais típicas do pesar no adulto resultam,
por um lado, de uma tendência para gritar como uma criança quando se sente abandonada e,
por outro, de uma inibição dos gritos. Chorar e gritar são, é claro, métodos por meio dos quais
uma criança comumente atrai e recupera sua mãe ausente, ou alguma outra pessoa que possa
ajudar a encontrá-la; e ocorrem no luto, acreditamos nós, com os mesmos objetivos em mente
— consciente ou inconscientemente.
Acreditamos que a freqüência com que a raiva se manifesta como parte do luto normal
tem sido habitualmente subestimada — talvez porque pareça tão despropositada e
vergonhosa. Entretanto, não pode haver dúvida acerca de sua ocorrência muito freqüente,
sobretudo nos primeiros dias. Lindemann e Marris ficaram impressionados com isso. A raiva
ficou evidente, pelo menos episodicamente, em 18 das 22 viúvas que foram estudadas por
Parkes, e em sete delas foi muito acentuada na época da primeira entrevista. Os alvos dessa
raiva eram uma pessoa da família (quatro casos), sacerdotes, médicos ou funcionários
públicos (cinco casos), e em quatro casos o próprio marido morto. Na maioria desses casos, a
razão dada para a raiva foi que a pessoa em questão tinha sido, de certo modo, responsável
pela morte, ou indiferente em relação a ela, quer para com o falecido ou para com a viúva.
Entre as quatro viúvas que expressaram sua raiva em relação ao marido morto, houve
uma que desabafou furiosamente durante uma entrevista, nove meses depois da perda: “Oh,
Fred, por que foi que você me deixou? Se você soubesse o inferno que isto é, nunca me teria
deixado!”.
81
Mais tarde, ela negou que estivesse furiosa e comentou: “Seria uma perversidade se isso
acontecesse”. Uma outra viúva também expressou suas recriminações raivosas contra o
marido por tê-la desertado.
Também foi comum um certo grau de auto-acusação geralmente quando em torno de
alguma omissão ou ação de menor importância associada à última doença ou à morte do
marido. Embora se registrassem momentos em que essas auto-acusações eram muito severas,
em nenhuma dessas viúvas eram tão intensas e implacáveis quanto em indivíduos cujo pesar
persistiu até ser, finalmente, diagnosticado como doença depressiva (Parkes, 1965).
No estudo anterior (Bowlby, 1961b), foi sublinhado que a raiva é usual e útil quando a
separação é apenas temporária; nesse caso, ajuda a vencer obstáculos à reunião com a figura
ausente; e, concretizada a reunião, as expressões recriminatórias em relação a quem parece ter
sido responsável pela separação tornam menos provável que uma separação volte a acontecer.
A raiva e as recriminações só são despropositadas quando a separação é permanente e
definitiva.
“Foi concluído o seguinte: existem, portanto, boas razões biológicas para que se reaja
a toda e qualquer separação de um modo automático e instintivo com um comportamento
agressivo; a perda irrecuperável é estatisticamente tão incomum que não é levada em conta.
No decorrer de nossa evolução, segundo parece, o nosso equipamento instintivo acabou sendo
formado de tal modo que se pressupõe que todas as perdas sejam recuperáveis, reagindo se
em conformidade com essa idéia.” (Bowlby, 1961b).
A hipótese central em toda a nossa tese é que muitas características da segunda fase do
luto devem ser entendidas como aspectos não só da saudade mas também da busca real da
figura perdida. Essa hipótese está intimamente relacionada, é claro, com o quadro de
comportamento de ligação que foi descrito por um de nós (Bowlby, 1969). Argumento que o
comportamento de ligação é uma forma de comportamento instintivo que se desenvolve tanto
em seres humanos como em outros mamíferos, durante a infância, e que tem como objetivo
ou meta a proximidade de uma figura materna. Sugere-se que a função do comportamento de
ligação é a proteção contra predadores. Embora o comportamento de ligação se manifeste de
maneira especialmente forte *(1) durante a infância, quando é dirigido para as figuras
parentais, ele continua em atividade durante a vida adulta, quando geralmente é dirigido para
alguma figura ativa e dominante, muitas vezes uma pessoa da família mas, outras vezes, um
patrão ou alguma pessoa mais velha da comunidade A teoria enfatiza que o comportamento de
ligação é suscitado sempre que uma pessoa (criança ou adulto) está doente ou em
dificuldades, e é muito intenso quando ela está assustada ou quando a figura de ligação não
pode ser encontrada.
Nota de rodapé:
e é muito intenso quando ela está assustada ou quando a figura de ligação não pode ser
encontrada. Uma vez que, à luz dessa teoria, o comportamento de ligação é considerado como
uma parte normal e saudável da constituição instintiva do homem, sustenta-se que é
extremamente errôneo qualificá-lo de “regressivo” ou pueril, quando observado numa criança
mais velha ou num adulto. Por essa razão, também, o termo “dependência” é considerado
passível de levar a uma perspectiva seriamente equivocada, porquanto, na linguagem
cotidiana, descrever alguém como dependente não pode deixar de implicar certas conotações
de censura. Em contrapartida, descrever alguém como ligado a outrem implica uma avaliação
positiva.
Este quadro do comportamento de ligação como um componente normal e saudável do
equipamento instintivo do homem leva-nos também a considerar a ansiedade de separação
como uma resposta natural e inevitável, sempre que uma figura de ligação está inexplicável
ou injustificadamente ausente. E à luz desta hipótese, acreditamos, que podem ser melhor
entendidos os acessos de pânico a que são propensas, como se sabe, as pessoas que perderam
um ente querido. Tais acessos têm probabilidade de ocorrer durante os primeiros meses após a
perda, especialmente quando a realidade dessa perda se impõe de maneira inapelável à pessoa
enlutada.
Tanto o nosso próprio estudo, em pequena escala mas intensivo, como a pesquisa
realizada por Maddison e Walker (1967), sugerem que a maioria das mulheres leva muito
tempo para superar a perda do marido. Seja qual for o modelo psiquiátrico segundo o qual são
julgadas, menos de metade delas conseguiu recuperar-se no final do primeiro ano. Das 22
viúvas entrevistadas por Parkes, duas foram consideradas ainda entregues a um profundo
pesar e outras nove estavam intermitentemente perturbadas e deprimidas. Somente quatro
pareciam estar conseguindo um bom ajustamento no final do primeiro ano. Insônia e vários
outros incômodos menores eram extremamente comuns. Na pesquisa empreendida por
Maddison e Walker, um quinto das viúvas estava ainda com a saúde muito debilitada e num
estado emocional perturbado no final do primeiro ano.
Enfatizamos esses dados, ainda que aborrecidos, por acreditarmos que os clínicos
alimentam, por vezes, expectativas irrealistas sobre a rapidez com que alguém deve superar
uma perda importante. É possível que algumas das formulações teóricas de Freud sejam um
tanto desorientadoras a esse respeito. Por exemplo, uma passagem freqüentemente citada de
Totem e Tabu (1902-3) diz o seguinte: “O luto tem uma tarefa psíquica muito precisa a
executar: a sua função é desligar as lembranças
83
Há alguns anos, um de nós (Bowlby, 1960b) enfatizou que as crianças pequenas não só se
afligem com a separação, como também o pesar delas é freqüentemente muito mais demorado
do que por vezes se supõe. Em apoio desse ponto de vista, citaram-se algumas observações de
colegas — Robertson (1953b) e Heinicke (1956) *(1) — sobre o persistente pesar de crianças
de um e dois anos, em creches residenciais, ao ficarem separadas de suas mães, e também as
descrições de casos de crianças nas Hampstead Nurseries durante a guerra. Esses estudos
parecem deixar claro que, nessas circunstâncias, crianças de tenra idade se mostram
abertamente pesarosas com a falta da mãe durante, pelo menos, algumas semanas, chorando
por ela ou indicando de algum outro modo que ainda têm saudade dela e esperam o seu
regresso.
Nota de rodapé:
A noção de que o pesar na infância é efêmero não resiste a um exame atento, à luz dessas
observações. Em especial, foi citada a descrição feita por Freud e Burlingham (1943) de um
menino de três anos e dois meses, cujo pesar persistiu claramente por muito tempo, embora
silenciosamente. Repetimos essa descrição agora por acreditarmos que contém muitos dados
importantes. Ao ser deixado na creche, Patrick foi aconselhado a ser um bom menino e não
chorar — caso contrário sua mãe não o visitaria.
“Patrick tentou cumprir sua promessa e não foi visto chorando. Em vez disso,
meneava lentamente a cabeça sempre que alguém olhava para ele, e garantia — para si
mesmo e para quem se interessasse em escutá-lo — que sua mãe viria buscá-lo, lhe vestiria o
casaco e o levaria de novo para casa com ela. Sempre que um ouvinte parecia acreditar, ele
ficava satisfeito; sempre que alguém o contradizia, Patrick desmanchava-se em choro
convulsivo.
Esse mesmo estado de coisas prosseguiu durante os dois ou três dias seguintes, com
vários elementos novos. Os acenos de cabeça assumiram um caráter mais compulsivo e
automático: ‘Minha mãe me vestirá o casaco e me levará de novo para casa’.
Mais tarde, foi acrescentada uma lista, cada vez maior, de peças de vestuário que sua
mãe lhe vestiria para sair: ‘Ela me vestirá o casaco, e as meias compridas, e fechará o zíper, e
me porá o gorro’.
Quando as repetições dessa fórmula se tomaram monótonas e intermináveis, alguém
lhe perguntou se não poderia parar de dizer sempre a mesma coisa. Patrick tentou de novo ser
um bom menino, como sua mãe queria que ele fosse. Deixou de repetir a fórmula em voz alta,
mas os movimentos de seus lábios mostravam que ele continuava recitando-a constantemente,
em silêncio, para si mesmo.
Ao mesmo tempo, substituiu as palavras por gestos, como se estivesse colocando o
gorro, vestindo um casaco imaginário, fechando o zíper, etc. O que num dia aparecia como
um movimento expressivo, era reduzido no dia seguinte a um mero gesto frustrado dos dedos.
Enquanto a maioria das outras crianças estavam ocupadas com seus brinquedos, jogando,
cantando, etc., Patrick, totalmente desinteressado, ficava de pé num canto, mexendo as mãos e
os lábios com uma expressão absolutamente trágica no rosto.” (Freud e Burlingham, 1942:
89.)
Muita controvérsia se seguiu aos primeiros estudos publicados de Bowlby; e
suspeitamos de que ainda passará algum tempo antes que todos os problemas ventilados
fiquem esclarecidos. Das muitas questões debatidas, há apenas duas sobre as quais queremos
fazer aqui alguns comentários. A primeira refere-se ao uso do termo luto; a segunda diz
respeito às semelhanças e diferenças entre o luto da criança e o luto do adulto.
85
Nos estudos anteriores, considerou-se útil usar o termo “luto” num sentido amplo, a
fim de abranger uma grande variedade de reações à perda, incluindo algumas que conduzem a
um resultado patológico, e também aquelas que se seguem a uma perda nos primeiros anos de
vida. A vantagem desse uso é que se toma então possível reunir numerosos processos e
condições que as provas mostram estar inter-relacionados — assim como o termo
“inflamação” é usado em fisiologia e patologia para reunir numerosos processos, alguns dos
quais têm um desfecho saudável e outros são malsucedidos e resultam em patologia. A prática
alternativa consiste em restringir o termo “luto” a uma forma particular de reação à perda, ou
seja, aquela “em que o objeto perdido é gradualmente descatexiado pelo doloroso e
prolongado trabalho de recordar e pelo teste da realidade” (Wolfenstein, 1966). Um perigo
desse uso, entretanto, é que pode levar a expectativas sobre como deveria ser o luto saudável,
que estão em discordância total daquilo que hoje sabemos ocorrer, realmente, em muitas
pessoas. Além disso, se preferirmos convencionar um uso restrito, vemo-nos diante da
necessidade de encontrar, ou talvez inventar, algum novo termo; pois acreditamos ser
essencial, se quisermos discutir produtivamente estas questões, dispor de alguma palavra
apropriada pela qual possamos nos referir a toda a gama de processos que entram em ação
quando é sofrida uma perda. Nesta ocasião, usaremos o termo “pesar” nesse sentido, uma vez
que já tem sido empregado por analistas de um modo bastante amplo e não existe objeção a
que crianças muito pequenas fiquem pesarosas.
Além de terem concentrado a atenção numa área central da psicopatologia, as
controvérsias de anos recentes têm tido muitos outros efeitos que devem ser bem acolhidos
por todos. Elas mostraram o quanto ainda sabemos pouco sobre o modo pelo qual crianças de
todas as idades, inclusive adolescentes, reagem a uma perda importante, e sobre que fatores
são responsáveis pelo desfecho mais favorável em alguns casos do que em outros *(1); em
segundo lugar, estimularam pesquisas valiosas.
Já enfatizamos como é muito difícil, mesmo para adultos, apreender inteiramente que
alguém muito próximo está morto e nunca mais voltará. Para crianças, evidentemente, é muito
mais difícil ainda. Wolfenstein (1966) relatou as respostas de numerosas crianças e
adolescentes que tinham perdido um dos pais e foram encaminhadas para análise, muitas
delas durante o primeiro ano após o falecimento. Entre os pontos que impressionaram o seu
grupo de observadores, salientou-se que “os sentimentos de tristeza tinham sido cerceados;
havia pouco choro. A imersão nas atividades da vida cotidiana continuou...”.
Nota de rodapé:
*(1). Atualmente sabe-se muito mais sobre as condições que afetam o curso do luto na
infância. Ver as Notas 4 e 5 do Capítulo 3.
86
Entretanto, gradualmente, os analistas que tratavam essas crianças aperceberam-se de que,
manifestamente ou não, elas estavam “negando o caráter definitivo da perda”, e de que a
expectativa da volta do ente perdido ainda estava presente em um nível mais ou menos
consciente. As mesmas e persistentes expectativas são registradas por Barnes (1964) como
tendo ocorrido em duas crianças de escola maternal que perderam suas mães quando tinham,
respectivamente, dois anos e meio e quatro anos de idade. Essas crianças continuaram
expressando a esperança e a expectativa de que a mãe regressaria.
Quando, no devido tempo com a ajuda dos analistas e de outros, essas crianças
gradualmente adquiriram consciência de que a mãe, de fato, nunca mais voltaria, reagiram
com pânico e raiva, tal como fizeram as viúvas descritas acima. Ruth, uma menina de 15 anos
descrita por Wolfenstein, comentou, alguns meses após a morte de sua mãe: “ Se mamãe
estivesse realmente morta, eu ficaria sozinha... Ficaria terrivelmente assustada”. Em outra
ocasião conta-se que Ruth, na cama, à noite, às vezes sentia-se desesperada, “cheia de
frustração, raiva e saudade. Arrancava as roupas de cama, embrulhava-as para lhes dar o
formato de um corpo humano e abraçava-se a elas”.
Assim, embora certamente existam diferenças entre o modo como uma criança reage à
perda e aquele como um adulto reage, também há semelhanças muito básicas.
Existe, além disso, uma outra semelhança para a qual desejamos chamar a atenção.
Acreditamos que não só a criança, mas também o adulto, necessita da assistência de uma
outra pessoa de sua inteira confiança, se quiser recuperar-se da perda sofrida. Ao examinarem
as reações de crianças à perda e a melhor forma de ajudá-las, quase todos os autores
enfatizaram como é imensamente importante que a criança disponha de uma pessoa que atue
como substituta permanente, a quem ela possa ligar-se gradualmente. Só em tais
circunstâncias podemos esperar que uma criança venha, em última instância, a aceitar a perda
como sendo irremediável e a reorganizar então sua vida interior de acordo com isso *(1).
Suspeitamos de que o mesmo ocorre no caso de adultos, se bem que na vida adulta possa ser
mais fácil encontrar também apoio na companhia de algumas outras pessoas. Isto leva a duas
questões inter-relacionadas e muito práticas: o que sabemos dos fatores que auxiliam ou
dificultam o luto saudável? Qual o melhor método para ajudar uma pessoa enlutada?
Nota de rodapé:
*(1). O quanto qualquer outro arranjo é insatisfatório foi expresso, de forma pungente, por
Wendy, a menina de quatro anos descrita por Barnes (1964). Quando o pai dela enumerou a
extensa lista de pessoas que conheciam Wendy e a amavam, ela respondeu tristemente: “Mas
quando mamãe não estava morta eu não precisava de tanta gente... eu precisava só de uma”.
87
Atualmente, os psiquiatras em geral concordam em que, para que o luto leve a um resultado
favorável, e não desfavorável, é necessário que a pessoa que sofreu uma perda expresse —
mais cedo ou mais tarde — seus sentimentos e emoções. “Soltai as palavras tristes”, escreveu
Shakespeare, “as penas que não falam sufocam o coração extenuado e fazem-no quebrantar”.
Entretanto, embora até aqui todos possamos concordar, para uma pessoa que é incapaz
de expressar seus sentimentos e para outra que esteja tentando ajudá-la a expressá-los,
permanecem as perguntas: Como soltar as palavras? Quais são os sentimentos a expressar? E
o que impede sua expressão?
Existem hoje provas de que os afetos mais intensos e perturbadores provocados por
uma perda são o medo de ser abandonado, a saudade da figura perdida e a raiva por não
reencontrá-la — afetos que estão associados, por um lado, ao anseio de buscar a figura
perdida e, por outro, a uma tendência para recriminar furiosamente quem quer que pareça ser
o responsável pela perda ou estar dificultando a recuperação da pessoa que foi perdida. A
pessoa que sofre uma perda parece lutar contra o destino, com todo o seu ser emocional, na
tentativa desesperada de reverter a marcha do tempo e reaver os tempos felizes que
subitamente lhe foram arrebatados. Em vez de enfrentar a realidade e tentar harmonizar-se
com ela, uma pessoa que sofre uma perda empenha-se numa luta contra o passado.
Evidentemente, para darmos à pessoa que sofre uma perda o tipo de ajuda que
desejaríamos dar, é essencial vermos as coisas do seu ponto de vista e respeitarmos seus
sentimentos — por menos realistas que possam parecer. Pois somente se a pessoa que sofre a
perda sentir que podemos, pelo menos, compreendê-la e simpatizar com ela nas tarefas que
estabeleceu para si mesma, haverá a possibilidade de que expresse todos os sentimentos que
estão fervilhando em seu íntimo — seu anseio pelo regresso da figura perdida, sua esperança
de que, milagrosamente, tudo possa ainda estar bem, sua raiva por ter sido desertada, suas
recriminações raivosas e injustas contra “esses médicos incompetentes”, “essas enfermeiras
incompetentes”, e contra seu próprio eu culpado; se tivesse feito isto e aquilo, ou não tivesse
feito isto e aquilo, talvez o desastre pudesse ter sido evitado.
Quer estejamos no papel de amigo de uma pessoa que recentemente
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sofreu uma perda ou no de terapeuta de alguém que sofreu há muitos anos a morte de um ente
querido e não conseguiu resolver seu luto, parece ser desnecessário e prejudicial colocarmo-
nos no papel de “representantes da realidade”: desnecessário, porque a pessoa que sofreu a
perda está, em alguma parte de si mesma, perfeitamente cônscia de que o mundo mudou;
prejudicial porque, ao ignorarmos o mundo tal como uma parte da pessoa ainda o vê,
afastamo-nos dela. O nosso papel deve ser, então, o de um companheiro pronto a oferecer
todo o apoio, preparado para explorar, em nossas discussões, todas as esperanças e desejos e
tênues possibilidades improváveis que a pessoa ainda acalenta, somados a todas as
recriminações, remorsos e decepções que a afligem. Eis dois exemplos.
Num estudo anterior (Bowlby, 1963), foi descrito o caso da Sra. Q, uma mulher de
aproximadamente 35 anos de idade; seu pai falecera inesperadamente após uma operação
facultativa, e numa época em que o terapeuta dela (J. B.) estava no exterior. Durante um ano,
a Sra. Q guardara seus sentimentos e suas idéias para si mesma; entretanto, no aniversário da
morte do pai, o verdadeiro quadro foi revelado.
“Contou-me agora que durante as semanas que se seguiram à morte de seu pai, tinha
vivido parcialmente convicta de que o hospital cometera um erro de identidade e de que, a
qualquer momento, eles telefonariam ‘para dizer que havia um engano e que seu pai estava
vivo e pronto para voltar para casa’. Além disso, estava especialmente zangada comigo pois
acreditava que, se eu tivesse estado disponível, poderia ter exercido a minha influência sobre
o hospital e, assim, conseguido que ela recuperasse o pai. Agora, doze meses depois, essas
idéias e esses sentimentos ainda persistiam. Ela ainda alimentava uma certa expectativa de um
recado do hospital, e ainda estava irritada por eu não entrar em contato com a direção de lá.
Além disso, secretamente, a Sra. Q estava fazendo preparativos para receber o pai em casa,
quando ele voltasse. Isso explicava por que ficara furiosa com a mãe por ter mandado
redecorar o apartamento em que os velhos tinham vivido juntos e também por que continuava
adiando a redecoração de seu próprio apartamento; ela sentia que era vital que quando o pai
finalmente regressasse pudesse encontrar os lugares que lhe eram familiares tal como os
deixara.” (Bowlby, 1963.)
Ora, não houve necessidade de o seu terapeuta intervir em nome da realidade; outros já
o tinham feito e ela sabia bem qual era a visão que seus parentes e amigos tinham de tudo
isso. O que ela precisava era de uma oportunidade para expressar a saudade, as esperanças e o
amargor que seus parentes e amigos não podiam entender. Ela contou que, na semana anterior,
pensara ter visto seu pai olhando a vitrina de uma loja e que tinha atravessado a rua para
inspecionar mais de perto o homem em questão. Descreveu sua fúria para com a enfermeira
que lhe
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transmitira a notícia da morte do pai e como se sentira tentada a jogá-la no chão de concreto e
a estourar-lhe os miolos. Contou como sentira que o seu terapeuta a traira por estar longe
justamente quando mais precisara dele; e falou de muitas outras coisas que, à luz fria do dia,
ela mesmo sabia não serem realistas e justas. O que ela necessitava do terapeuta, e esperamos
que tenha encontrado, era alguém que pudesse compreendê-la e se solidarizasse com o não-
realismo e a injustiça dela. Com o passar dos meses, suas esperanças e sua raiva foram se
dissipando, e a Sra. Q começou a se reconciliar com a realidade da perda.
O mesmo papel foi desempenhado com um rapaz de 16 anos, a quem chamaremos
Bill. Ele tinha sido examinado primeiro por um psiquiatra (J. B.) numa clínica, quando tinha
quatro anos de idade, porque as coisas estavam correndo mal em seu lar adotivo. A história
não era muito clara, mas depreendemos que a mãe de Bill era uma prostituta que colocara o
filho num lar adotivo, quando ele tinha dois anos, e depois desaparecera. Bill apresentou
grandes problemas e os pais adotivos recusaram-se a conservá-lo. Conseguiu-se para ele
assistência especial e, mais tarde, tratamento num estabelecimento residencial para crianças
com distúrbios sérios. Era examinado algumas vezes por ano na clínica pelo mesmo psiquiatra
e, desse modo, pudemos proporcionar-lhe uma certa continuidade. Agora, aos 16 anos,
terminaria a escola em breve.
Nessa entrevista, Bill falou ao psiquiatra sobre o seu plano de ir para a América
procurar a mãe. Já estivera numa empresa de navegação marítima e estava tentando conseguir
a passagem trabalhando a bordo de um cargueiro. Era um rapaz muito inteligente e seus
planos para a viagem pareciam viáveis. Mas imagine-se o espanto do psiquiatra! Aí estava um
rapaz que tinha visto a mãe pela última vez quando tinha apenas dois anos de idade e, desde
então, nunca mais tivera notícias nem ouvira falar dela, que não tinha a mínima idéia de onde
ela poderia estar, e que nem mesmo tinha a certeza do nome dela. Francamente, o plano era
um jogo de cabra-cega. Mas o psiquiatra conteve-se. Esse era o mundo de Bill e era o plano
de Bill, e ele o estava confidenciando ao seu terapeuta, cujo papel não era depreciá-lo nem
destruí-lo. De fato, a sessão toda foi dedicada à discussão do plano. Bill acreditava que seu pai
era um militar americano e que a mãe o acompanhara depois da guerra. Seus planos para
atravessar o Atlântico foram reexaminados, bem como os métodos pelos quais poderia ganhar
dinheiro suficiente do outro lado do Atlântico para continuar sua busca. Nenhuma objeção foi
levantada pelo psiquiatra, mas convidou Bill a voltar para uma nova conversa dentro de uma
semana, mais ou menos. Bill voltou.
90
Contou que tinha pensado muito sobre o plano, mas que agora começava a ter suas dúvidas.
Talvez fosse difícil localizar sua mãe; e talvez, mesmo que fosse bem-sucedido, ela não o
acolhesse de bom grado. Afinal de contas, refletiu Bill, ele não passaria de um estranho para
ela. Uma vez mais, dada uma oportunidade para explorar junto com alguém compreensivo
todos os sentimentos e planos que ele acariciara secretamente durante anos, o próprio senso de
realidade era suficiente.
Naturalmente, no caso de outros pacientes, sobretudo os mais velhos, que sofreram
uma perda vários anos antes, durante a infância ou adolescência, a tarefa de ajudá-los a
recuperar seus sentimentos perdidos, suas esperanças perdidas de reunião e sua raiva por
terem sido abandonados, pode ser longa e tecnicamente difícil. Mas os objetivos gerais
continuam sendo os mesmos.
Ansiar pelo impossível, raiva desmedida, choro impotente, horror ante a perspectiva
de solidão, súplicas lastimosas por compaixão e apoio — são esses os sentimentos que uma
pessoa que sofre uma perda necessita expressar e, por vezes, primeiro descobrir, para que faça
algum progresso. Entretanto, são sentimentos passíveis de serem encarados como indignos e
degradantes. Na melhor das hipóteses, expressá-los pode parecer humilhante; na pior, podem
atrair críticas e desprezo. Não é de admirar que tais sentimentos muitas vezes acabem não
sendo expressados, podendo mais tarde ser recalcados.
Isto leva-nos a fazer uma pergunta: Por que algumas pessoas acham mais difícil —
freqüentemente, muito mais difícil — do que outras expressar seus sentimentos de pesar?
Estamos convictos de que um motivo principal por que algumas pessoas acham
extremamente difícil expressar pesar é que a família em que elas foram criadas, e com a qual
ainda convivem, é daquelas em que o comportamento de ligação de uma criança é visto sem
simpatia, como algo a ser eliminado o mais rapidamente possível. Em tais famílias, o choro e
outras manifestações de protesto por uma separação podem ser qualificados como pueris,
coisa de bebês, e a raiva ou o ciúme como sentimentos altamente repreensíveis. Além disso,
nessas famílias, quanto mais uma criança pede para ficar com a mãe ou o pai, mais lhe é dito
que tais exigências são tolas e injustificadas; quanto mais a criança chora ou faz birras, mais
lhe dizem que é tola, caprichosa ou má. Em conseqüência de estar submetida a tais pressões, é
provável que a criança acabe aceitando esses padrões para si mesma; chorar, fazer exigências,
sentir-se furiosa porque não são satisfeitas, culpar os outros, tudo isso será julgado pela
criança como algo injustificado, censurável e ruim. Assim, quando sofre uma perda séria, em
vez de expressar o tipo de
91
sentimentos que invadem qualquer pessoa que sofre uma perda, ela tende a sufocá-los. Além
disso, seus parentes, produtos que são da mesma cultura familiar, compartilham
provavelmente das mesmas concepções críticas a respeito da emoção e sua expressão. E
assim, a própria pessoa que mais necessita de compreensão e encorajamento é aquela que tem
menos probabilidades de recebê-los.
Uma ilustração clara desse processo de internalização dos controles de censura nos é
dada pelo caso de Patrick, o menino de três anos, da Hampstead Nursery, descrito
anteriormente. Patrick, como se recordará, fora aconselhado a ser um bom menino,
comportar-se bem e não chorar — caso contrário sua mãe não iria visitá-lo. Parece provável
que isso era típico da atitude da mãe em relação às expressões de consternação do menino.
Portanto, não surpreende que ele se esforçasse por sufocar todos os seus sentimentos e, em
lugar de expressá-los, desenvolvesse um ritual que se tornou cada vez mais divorciado do
contexto emocional em que se originara.
Evitar o luto é uma importante variante patológica do pesar mas não é, acreditamos, a
única. Existem muitos adultos que sofrem perda os quais, ao procurarem a ajuda de
psiquiatras, dão poucas provas da inibição emocional que foi descrita acima. Pelo contrário,
como foi documentado num estudo anterior (Parkes, 1965), essas pessoas manifestam todas as
características do pesar de uma forma severa e prolongada. O problema aqui não é apurar por
que a paciente é incapaz de expressar pesar, mas por que ela (usualmente, é uma mulher) é
incapaz de superá-lo. Pode ser, é claro, que mesmo nesses casos exista algum componente
ainda não reconhecido do pesar que está sendo inibido; mas há três características que
parecem distinguir essas reações de pesar crônico e que podem sugerir uma explicação
alternativa.
Em primeiro lugar, verifica-se usualmente que a ligação da paciente com o marido
falecido foi extremamente íntima, sendo que boa parte da auto-estima e identidade do papel
da sobrevivente dependia da contínua presença do esposo. E muito provável que tais pacientes
relatem ter sofrido grande consternação mesmo durante breves separações temporárias no
passado. Em segundo lugar, a paciente não tem relações estreitas com um outro membro da
família para quem possa transferir alguns dos laços que a vinculavam ao seu esposo. Suas
relações intensas com ele parecem ter sido tão exclusivas que mesmo aqueles membros da
família que existem se afastaram, de modo que, após o falecimento, a sobrevivente não
encontrou pessoas nem interesses para distraí-la de seu pesar. Finalmente, as relações
matrimoniais talvez tenham sido de natureza ambivalente, pelo fato de o marido se ressentir
da conduta possessiva da esposa.
92
Nota de rodapé:
*(1). Ver o livro de Glick, Weiss e Parkes (1974).
93
Os amigos e os filhos convertem-se então numa importante fonte de afirmação, à medida que
o viúvo ou a viúva desenvolve uma postura mais firme e enfrenta o mundo de novo.
A capacidade de um viúvo ou de uma viúva para enfrentar esses novos papéis e
responsabilidades depende claramente, em parte, da personalidade e experiência anterior, e,
em parte, das exigências feitas pelo ambiente familiar e do apoio que encontrar nele. Os filhos
pequenos podem ser um fardo ou uma bênção, assim como os parentes do cônjuge falecido; e
a mulher sem experiência de um trabalho fora de casa terá de superar muitos obstáculos. Não
surpreende que uma proporção significativa de viúvas não consiga encontrar qualquer modo
satisfatório de vida. Quando, depois de treze meses de viuvez, foram indagadas sobre como se
sentiam, 74% das jovens viúvas de Boston concordaram em que “você nunca supera isso”.
Um estudo que ilustra o papel que amigos e parentes desempenham para influenciar o
desfecho do luto foi realizado por Maddison e Walker (1967). Estudaram dois grupos, cada
um composto por vinte viúvas que concordaram em ser entrevistadas. Esses grupos foram
equiparados, o máximo possível, de acordo com as variáveis sociológicas mais comuns. Um
grupo tinha sido selecionado porque, ao fim de dez meses de viuvez, todos os seus membros
pareciam, com base em suas fichas de saúde, ter chegado a um resultado bastante favorável; o
outro grupo tinha sido selecionado porque suas fichas de saúde sugeriam não ter sido atingido
um resultado satisfatório. As entrevistas confirmaram que, de fato, as fichas de saúde
constituem um bom indicador de como uma pessoa está enfrentando os problemas emocionais
da viuvez.
No decorrer de longas entrevistas semi-estruturadas, o entrevistador indagou quem
tinha se colocado à disposição da viúva durante seus primeiros três meses de viuvez, e, a
respeito de cada uma dessas pessoas, se a considerara útil, inútil ou neutra. Além disso, foram
feitas perguntas para apurar se a viúva achara fácil ou difícil expressar seus sentimentos com
cada pessoa mencionada, se elas a tinham encorajado ou não a se deter sobre o passado, se
tinham insistido em dirigir sua atenção para os problemas do presente e do futuro, e se tinham
oferecido qualquer tipo de ajuda prática. Como o objetivo da investigação era apurar apenas
como as próprias viúvas lembravam seu relacionamento com outras pessoas, nenhuma
tentativa foi feita para checar se seus depoimentos correspondiam aos das pessoas com quem
elas tinham estado em contato.
Quando as respostas dos dois grupos de viúvas foram comparadas,
94
destacaram-se as seguintes diferenças. Em primeiro lugar, as viúvas cuja condição após doze
meses era desfavorável relataram que tinham recebido muito pouco encorajamento, tanto para
exprimirem seu pesar e raiva como para falarem sobre o marido morto e o passado.
Queixaram-se de que, pelo contrário, as pessoas pareciam tomar mais difícil a expressão de
sentimentos ao insistirem para que elas se refizessem e se controlassem, que afinal de contas
não eram as únicas a sofrer, que seria uma prova de sensatez enfrentarem os problemas do
futuro em lugar de ficarem repisando esterilmente o passado. Em contrapartida, as viúvas cujo
resultado do luto foi razoavelmente satisfatório relataram como as pessoas com quem tinham
tido contato haviam facilitado para elas o choro desinibido e a expressão de seus intensos
sentimentos; e descreveram o alívio que tinha sido poderem falar longa e livremente sobre os
tempos passados com o marido e as circunstâncias da morte dele.
Como interpretar esses dados? Uma explicação óbvia, e talvez a mais aceitável, é que
a atitude desses amigos e parentes levou a viúva a suprimir ou evitar expressões de pesar e
que o resultado patológico ocorrera em conseqüência disso. Pode ser também que a viúva
tenha atribuído a seus amigos e parentes o seu próprio medo de expressar sentimentos,
responsabilizando-os por sua própria incapacidade. Ou ambos os processos podem ter
ocorrido conjuntamente.
Entretanto, nem todas as formas de desfecho patológico descritas por Maddison e
Walker podem ser atribuídas à inibição ou evitação dos sentimentos de pesar; muitas viúvas
mostraram o síndrome do pesar crônico, descrito acima. Nesses casos, é possível que as
experiências descritas pelas viúvas reflitam um colapso de comunicação, de tal modo que a
família não era vista como compreensiva e útil. Faltando a compreensão e o apoio de parentes
e amigos, a viúva pode muito bem ter-se visto em dificuldades para encontrar qualquer
incentivo para recomeçar tudo, para se envolver em um novo investimento no mundo, com
todos os perigos de uma nova decepção e perda. Em vez disso, parece que a tendência dela é
de se voltar para o passado, de buscar constantemente o marido, que ela só poderá encontrar
nas recordações, e de condenar-se a um pesar persistente.
Isto nos leva ao nosso ponto final. Uma parte da teoria apresentada na literatura
psicanalítica e a linguagem usada nas discussões clínicas não nos satisfazem inteiramente. Por
exemplo, não é incomum o choro de adultos, após uma perda desastrosa, ser classificado
como “uma regressão”, ou o forte anseio pela companhia de uma outra pessoa, um impulso de
apego a outrem, ser descrito como expressão de “dependência infantil”. Não só acreditamos,
com bases científicas, que
95
essa teoria está equivocada, como representa francamente uma atitude que, se transferida para
o trabalho clínico, só pode reforçar as tendências de uma pessoa que sofreu uma perda a
sentir-se culpada e ter vergonha dos próprios sentimentos e comportamento que, em nosso
entender, mais a ajudarão a superar a perda, desde que os expresse.
Existem outras palavras e conceitos que acreditamos levarem às mesmas dificuldades.
“Pensamento mágico” e “fantasia” são termos que devem ser usados com extrema cautela.
Uma fantasia é, por definição, algo inteiramente não-realista; assim, designar as esperanças e
expectativas de uma criança quanto ao regresso de sua mãe morta como
“realização de um desejo em fantasia” é, em nosso entender, não fazer justiça a tais
sentimentos. A crença da Sra. Q em que seu pai ainda poderia estar vivo estava certamente
equivocada, como ela própria suspeitava, mas nada tinha de absurda. Ocasionalmente
cometem-se erros, e pessoas desaparecidas reaparecem quando menos são esperadas. As
idéias de Bill, o rapaz de 16 anos que alimentava a esperança de reencontrar sua mãe, eram
provavelmente mal concebidas mas, dadas certas premissas, constituíam um plano bastante
legitimo. Se evitarmos termos tão carregados como “negação da realidade” e “fantasia”, e
preferirmos usar frases tais como “não acreditar que tenha ocorrido X”, “acreditar que Y ainda
pode ser possível” ou “fazer um plano para conseguir Z”, parece-nos que conseguiremos ver o
mundo mais como os nossos pacientes o vêem, e manter aquela posição neutra e empática a
partir da qual, como sabemos por experiência, teremos mais condições de os ajudar.
96
No outono de 1970, a Tavistock Clinic celebrou o Jubileu de Ouro de sua fundação. Para
assinalar o evento, a Clínica e sua organização-irmã, o Tavistock Institute of Human
Relations, organizaram uma conferência em que foram apresentados trabalhos descrevendo as
pesquisas em
curso nas duas instituições. Uma versão do presente estudo foi incluída nessa conferência, e
uma versão ampliada foi publicada, mais tarde, nas atas da conferência.
O conceito de base segura.
Acumulam-se evidências de que seres humanos de todas as idades são mais felizes e mais
capazes de desenvolver melhor seus talentos quando estão seguros de que, por trás deles,
existem uma ou mais pessoas que virão em sua ajuda caso surjam dificuldades. A pessoa em
quem se confia, também conhecida como uma figura de ligação (Bowlby, 1969), pode ser
considerada aquela que fornece ao seu companheiro (ou à sua companheira) uma base segura
a partir da qual poderá atuar.
A necessidade de uma figura de ligação, uma base pessoal segura, não se limita
absolutamente às crianças, se bem que, em virtude de seus impulsos durante os primeiros anos
de vida, durante esses anos tal necessidade seja mais evidente e, portanto, objeto de mais
estudos. Há boas razões para acreditar, entretanto, que a necessidade ocorre também com
adolescentes e adultos maduros.
Nota de rodapé:
com qualquer dessas figuras, quando encontradas. Tal deterioração pode ser de diversos graus
e assumir muitas formas: apego ansioso, exigências excessivas ou muito intensas para a idade
e para a situação, não-envolvimento indiferente e independência desafiadora.
Paradoxalmente, a personalidade saudável, quando vista sob essa luz, mostra não ser
tão independente quanto os estereótipos culturais supõem. Os ingredientes essenciais são a
capacidade para confiar nos outros quando a ocasião requer, e para saber em quem é
conveniente confiar. Uma pessoa funcionando de modo saudável é, pois, capaz de trocar
papéis quando a situação muda. Ora está fornecendo uma base segura a partir da qual seu
companheiro ou companheiros podem atuar; ora sente satisfação em confiar em um ou outro
de seus companheiros que, em compensação, lhe proporciona essa base.
A capacidade para adotar um ou outro papel, de acordo com as circunstâncias, é bem
ilustrada por muitas mulheres durante sucessivas fases de suas vidas, desde a gravidez até a
maternidade, passando pelo parto. Uma mulher capaz de enfrentar com êxito essas mudanças
está apta, durante a gravidez e o puerpério, segundo apurou Wenner (1966), tanto a expressar
o seu desejo de apoio e ajuda como também a proporcionar apoio e ajuda, de uma forma
direta e efetiva, a uma figura apropriada. Seu relacionamento com o marido é estreito, e ela se
mostra ávida e contente por confiar no apoio dele. Por sua vez, ela é capaz de dá-lo
espontaneamente a outros, inclusive ao seu bebê. Por outro lado, diz Wenner, uma mulher que
passa por sérias dificuldades emocionais durante a gravidez e o puerpério tem,
comprovadamente, dificuldade em confiar em outras pessoas. Ela é incapaz de expressar seu
desejo de apoio ou então expressa-o de um modo agressivamente exigente, refletindo num
caso ou outro sua falta de confiança em que esse apoio lhe será dado. Comumente, ela se
mostra insatisfeita com o que lhe pode ser dado e é incapaz de dar espontaneamente a outrem.
Para fornecer a continuidade de apoio potencial que é a essência de uma base segura,
as relações entre os indivíduos envolvidos deve persistir durante um período de tempo,
medido em anos. Embora, para a clareza da exposição, a teoria seja freqüentemente melhor
formulada em termos não-emocionais, cumpre ter sempre em mente que muitas das emoções
humanas mais intensas surgem durante a formação, manutenção, interrupção e renovação
daquelas relações em que um parceiro está fornecendo uma base segura ao outro, ou em que
eles alternam seus papéis. Enquanto que a manutenção inalterada de tais relações é
experimentada como uma fonte de segurança, a ameaça de perda provoca ansiedade e
freqüentemente raiva, e a perda real provoca o turbilhão de sentimentos, que é o pesar.
99
Durante as duas últimas décadas, numerosos clínicos voltaram suas atenções para o estudo de
indivíduos que, é razoável crer, possuem personalidades saudáveis e funcionando bem. Não
só essas pessoas não mostram nenhum dos sinais habituais de distúrbio da personalidade,
tanto no presente quanto, até onde se pode averiguar, no passado, como também são
manifestamente autoconfiantes e bem-sucedidas em suas relações humanas e em seu trabalho.
Embora cada um dos estudos publicados até agora seja inadequado sob certos aspectos, as
conclusões são sugestivas. Em primeiro lugar, essas personalidades bem adaptadas
apresentam um perfeito equilíbrio entre, por um lado, iniciativa e auto-confiança, e, por outro,
a capacidade para buscar ajuda e fazer uso de ajuda quando a ocasião requer.
Nota de rodapé:
*(1). Tanto a teoria propriamente dita como as provas em que ela assenta são apresentadas em
major detalhe nos primeiro e segundo volumes de Attachment and Loss (Bowlby, 1969 e
1973).
100
Em segundo lugar, um exame de seu desenvolvimento mostra que elas foram criadas em
famílias estreitamente unidas, com pais que, segundo parece, nunca deixaram de lhes
propiciar apoio e estímulo. Em terceiro lugar, embora neste ponto as provas sejam menos
substanciais, a própria família foi, e ainda é, parte de uma rede social estável em que a criança
em desenvolvimento é bem acolhida e pode misturar-se com adultos e companheiros de sua
idade, muitos dos quais lhe são familiares desde os seus primeiros anos de vida.
Até onde nos é dado ver, cada estudo oferece o mesmo quadro — o quadro de uma
base familiar estável, a partir da qual primeiro a criança, depois o adolescente e, finalmente, o
jovem adulto se afasta numa série de saídas cada vez mais longas. Embora a autonomia seja
evidentemente encorajada em tais famílias, ela não é forçada. Cada passo segue o anterior,
numa série de estágios acessíveis. Embora os laços familiares possam ser atenuados, nunca
são quebrados.
Os astronautas têm uma posição destacada como homens autoconfiantes, capazes de
viver e trabalhar eficazmente em condições de grande risco e estresse. Seus desempenhos,
suas personalidades e suas histórias foram estudados por Korchin e Ruff. Em dois artigos
(Korchin e Ruff, 1964; Ruff e Korchin, 1967), eles publicaram suas conclusões preliminares
sobre uma pequena amostra de sete homens.
Apesar do elevado grau de autoconfiança e uma nítida preferência pela ação
independente, todos os homens declararam sentir-se “satisfeitos quando é necessária a
dependência de outros” e possuir capacidade para “manter a confiança, em condições que
poderiam parecer de desconfiança”. O desempenho da tripulação da Apolo 13, que sofreu uma
avaria no caminho para a Lua, é testemunho dessa capacidade. Não só os membros da
tripulação mantiveram sua própria eficiência em condições de grande perigo, mas
continuaram cooperando, confiante e eficazmente, com seus companheiros na base terrestre.
Passando às suas biografias, verificamos que esses homens “cresceram em
comunidades relativamente pequenas e bem organizadas, com uma considerável solidariedade
familiar e forte identificação com o pai... [Mostraram] um padrão de crescimento
relativamente tranqüilo e sem grandes obstáculos, em que puderam enfrentar os desafios
existentes, atingir níveis crescentes de aspirações, adquirir cada vez maior confiança e, dessa
forma, ganhar em competência”.
Um outro estudo, desta vez sobre jovens universitários que pareciam a seus
professores possuir uma boa saúde mental e prometer um bom futuro como líderes de sua
geração e como trabalhadores em prol da comunidade, foi relatado por Grinker (1962).
101
observadas numa amostra de 23 bebês *(1) de doze meses de idade. Foram feitas observações
do comportamento exploratório e de ligação dos bebês, e do equilíbrio entre ambos, quando
os bebês estavam em casa com suas mães e também quando eram colocados numa situação
ligeiramente estranha de teste. Além disso, tendo obtido dados sobre o tipo de cuidados
matemos que cada bebê recebera durante o primeiro ano de vida (mediante sessões
prolongadas de observação a intervalos de três semanas nos lares das crianças), Ainsworth
tem condições de propor hipóteses que conjuguem certos tipos de organização
comportamental aos doze meses a certos tipos de experiência anterior de cuidados maternos.
O projeto está descrito e os resultados preliminares são relatados em Ainsworth e Bell (1970);
as diferenças individuais e seus antecedentes são examinados em Ainsworth, Bell e Stayton
(1971, 1974).
As conclusões do estudo mostram que, com apenas algumas exceções, o modo como
um bebê de doze meses se comporta, com ou sem sua mãe em casa, e o modo como se
comporta com e sem ela numa situação ligeiramente estranha de teste, têm muita coisa em
comum. Tomando por base as observações de comportamento nos dois tipos de situação, é
possível classificar os bebês em cinco grupos principais, de acordo com dois critérios: (a) se
exploram muito ou pouco quando em situações diferentes, e (b) como tratam a mãe — quando
ela está presente, quando ela se afasta e quando ela regressa *(2).
Os cinco grupos, com um certo número de bebês classificáveis em cada um deles, são
os seguintes:
GRUPO P: O comportamento exploratório de um bebê deste grupo varia com a situação e é
mais evidente na presença da mãe. Ele usa a mãe como base, mantém-se atento ao paradeiro
dela e troca olhares com ela. De tempos em tempos, volta para junto da mãe e desfruta do
contato com ela. Quando a mãe regressa, após uma breve ausência, o bebê a recebe
efusivamente. Nenhuma ambivalência se manifesta de modo evidente em relação à mãe. N =
8.
Nota de rodapé:
*(1). Embora a amostra total estudada na situação estranha compreenda 56 bebês, somente 23
deles foram também observados com a mãe em casa.
*(2). A classificação aqui apresentada, baseada no comportamento em ambos os tipos de
situação, é uma versão ligeiramente modificada da que foi apresentada por Ainsworth e seus
colaboradores (1971), na qual o comportamento de uma criança em seu próprio lar é a única
fonte de dados. Os bebês classificados aqui nos grupos P, Q e R são idênticos aos
classificados nos Grupos I, II e III de Ainsworth. Os bebês classificados aqui no Grupo T são
os mesmos classificados no Grupo V de Ainsworth, menos um bebê que, embora passivo em
casa, mostrou ser acentuadamente ativo no teste de situação estranha e foi, portanto,
transferido para o Grupo S. Os bebês no Grupo S são os mesmos do Grupo IV de Ainsworth,
mais o bebê transferido. A classificação aqui apresentada teve a aprovação da professora
Salter Ainsworth.
104
faixa uniformemente baixa (1,0 a 3,5) e as dos quatro bebês do Grupo Q estão numa faixa
intermediária (4,5 a 5,5). Essas diferenças são estatisticamente significativas (usando o Teste
U de Mann-Whitney).
As diferenças entre grupos, na mesma direção e, grosso modo, da mesma ordem de
magnitude, são igualmente apuradas quando as mães são classificadas nas outras três escalas.
Assim, as mães de bebês do Grupo P obtêm classificações elevadas nas escalas de aceitação-
rejeição, cooperação-interferência e acessibilidade desconhecimento. Inversamente, as mães
de bebês dos Grupos R, S e T são classificadas numa faixa de média para baixa em cada uma
dessas três escalas. As mães de bebês no Grupo Q mostram classificações que se situam mais
ou menos a meio caminho entre as classificações das mães de bebês no Grupo P e as de bebês
nos Grupos R, 5 e T, respectivamente.
É evidente que um grande número de novos estudos será ainda necessário para que
seja possível extrair conclusões com um alto grau de confiabilidade. Não obstante, os padrões
gerais de desenvolvimento da personalidade e de interação mãe-bebê visíveis aos doze meses
de idade são suficientemente semelhantes ao que se observa do desenvolvimento da
personalidade e da interação entre pais e filhos em anos subseqüentes para que seja plausível
acreditar que uns são os precursores dos outros. Pelo menos, os dados oferecidos por
Ainsworth demonstram que um bebê cuja mãe é sensível, acessível e receptiva, que aceita o
comportamento dele e é cooperativa no trato e no relacionamento com ele, está muito longe
de ser a criança exigente e infeliz que algumas teorias poderiam sugerir. Pelo contrário, os
cuidados maternos desse tipo são evidentemente compatíveis com uma criança que está
desenvolvendo uma medida limitada de autoconfiança por volta do seu primeiro aniversário,
combinada com um alto grau de confiança em sua mãe e de prazer na companhia dela *(1).
Outras fortes evidências apontando nessa direção foram apresentadas por Baumrind
(1967), que realizou um estudo muito minucioso de 32 crianças de jardim de infância, de três
e quatro anos de idade, e suas mães.
Assim, até onde alcançam as parcas evidências de que dispomos, sustenta-se a
hipótese de que uma autoconfiança bem alicerçada desenvolve-se paralelamente à confiança
num dos pais, o qual proporciona à criança uma base segura a partir da qual ela realizará suas
explorações.
Nota de rodapé:
*(1). Publicações mais recentes da Dra. Salter Ainsworth e seus colegas serão encontradas
num estudo de recapitulação de Ainsworth (1977) e numa monografia definitiva, Ainsworth e
Outros (1978).
107
Embora o esquema teórico aqui apresentado não seja muito diferente daquele adotado
implicitamente por muitos clínicos, ele difere num certo número de pontos de boa parte da
teoria correntemente ensinada. Entre essas diferenças, citaremos as seguintes:
(a) Uma ênfase, no esquema atual, sobre o parâmetro ambiental familiar-estranho, a
qual não existe na teoria tradicional;
(b) Ênfase, no esquema atual, sobre os muitos outros componentes da interação mãe-
bebê além da amamentação; sustenta-se que a excessiva ênfase sobre a amamentação
prejudicou imensamente a nossa compreensão do desenvolvimento da personalidade e as
condições que o influenciam;
(c) A substituição dos conceitos de “dependência” e “independência” pelos conceitos
de ligação, confiança, segurança e autoconfiança;
(d) A substituição da teoria da oralidade derivada da teoria dos objetos internos por
uma teoria de modelos operacionais do mundo e do eu, os quais são concebidos como sendo
construídos por cada indivíduo em resultado de sua experiência, determinam suas
expectativas, e com base nos quais o indivíduo traça seus planos.
Examinemos, uma de cada vez, essas diferenças, as quais estão intimamente
interligadas.
A imensa importância na vida de homens e animais do parâmetro familiar-estranho só
foi inteiramente reconhecida nas duas últimas décadas, muito depois de terem sido formuladas
as várias versões de teoria clínica ainda ensinadas. Sabe-se hoje que, em numerosas espécies,
sempre que uma situação se toma familiar a um indivíduo, ela é tratada como se fornecesse
segurança, ao passo que qualquer outra situação é tratada com reserva. Ao estranhamento
reage-se de um modo ambivalente; por um lado, ele é gerador de medo e retraimento, por
outro, suscita curiosidade e investigação. A predominância de uma ou de outra resposta
antitética depende de muitas variáveis: do grau de estranheza da situação, da presença ou
ausência de uma companhia, e do fato de o indivíduo que responde ser maduro ou imaturo,
bem disposto ou cansado, saudável ou doente.
A razão pela qual a familiaridade e a estranheza teriam acabado por exercer efeitos tão
poderosos sobre o comportamento é examinada na seção final deste capítulo, com especial
referência ao seu papel na proteção.
Enquanto a influência da familiaridade e estranheza sobre o comportamento do
homem não foi compreendida, as condições que levam uma criança a ligar-se à mãe dela eram
pouco entendidas. O ponto de vista mais plausível, subscrito por Freud e pela maioria dos
analistas, e
108
também pelos teóricos da aprendizagem, era que a variável mais importante consistia em ser
amamentado pela mãe. Essa teoria, uma teoria do impulso secundário, embora nunca tivesse
sido baseada em provas ou argumentos sistemáticos, logo se tomou amplamente aceita e
levou naturalmente a duas outras noções que atraíram numerosos adeptos. Uma diz que tudo o
que acontece nos primeiros meses de vida deve ser de importância muito especial para o
desenvolvimento subseqüente. A outra noção é de que, quando uma criança aprendeu a
alimentar-se sozinha, deixa de haver qualquer razão para que ela exija a presença da mãe; por
conseguinte, a criança deve abandonar tal “dependência”, a qual, daí em diante, passa a ser
estigmatizada como infantil ou pueril.
O ponto de vista aqui adotado, e apoiado por numerosas provas (Bowlby, 1969), é de
que o alimento desempenha apenas um papel secundário no comportamento de ligação de
uma criança à mãe, de que esse comportamento se manifesta com o máximo vigor *(1)
durante o segundo e o terceiro anos de vida e persiste com menos intensidade
indefinidamente, e de que a função do comportamento de ligação é a proteção. Corolários
desse ponto de vista são que a separação involuntária e a perda são potencialmente
traumáticas durante os anos da infância e adolescência, e que, com graus de intensidade
adequados, a propensão para manifestar o comportamento de ligação é uma característica
saudável e nada tem de pueril.
Do mesmo pressuposto tradicional, de que uma criança se liga à mãe por depender
dela como fonte de suas satisfações fisiológicas, provêm os conceitos e a terminologia de
“dependência” e “independência”. Desde que uma criança pode alimentar-se sozinha, dizem
os defensores da teoria do impulso secundário, ela deve tomar-se independente. Portanto, daí
em diante, qualquer desejo forte da presença de uma figura de ligação passa a ser considerado
como expressão de uma “necessidade infantil”, parte de um eu “pueril” que deve ficar para
trás.
Como termos e conceitos para expressar a teoria aqui proposta, “dependência” e
“independência” têm um certo número de graves inconvenientes; por conseguinte, são
substituídos por termos e conceitos tais como “confiar em”, “ligado a”, “contar com” e
“autoconfiança”. Em primeiro lugar, dependência e independência são inevitavelmente
concebidas como sendo mutuamente exclusivas; ao passo que, como já foi enfatizado, confiar
em outros e autoconfiança não só são compatíveis como são mutuamente complementares.
Em segundo lugar, descrever alguém como “dependente” implica inevitavelmente um matiz
pejorativo, ao passo que descrever alguém como “confiante em outra pessoa” nada tem de
depreciativo.
109
Em terceiro lugar, enquanto o conceito de ligação subentende sempre ligação a uma ou mais
pessoas especialmente amadas, o conceito de dependência não implica tal relacionamento
mas, pelo contrário, tende a ser anônimo.
Muito influenciado também pelo papel especial atribuído à amamentação e à oralidade
na teoria psicanalítica é o conceito de “objeto interno”, um conceito que é ambíguo sob
múltiplos aspectos (Strachey, 1941). Em seu lugar pode ser colocado o conceito, derivado da
psicologia cognitiva e da teoria do controle, de um indivíduo que desenvolve dentro de si
mesmo um ou mais modelos operacionais representando as principais características do
mundo à sua volta e de si mesmo como um agente nesse mundo. Tais modelos determinam
suas expectativas e previsões, e fornecem-lhe instrumentos para a construção de planos de
ação.
O que na teoria tradicional é denominado um “objeto bom”, pode ser reformulado,
dentro deste quadro de referência, como um modelo operacional de uma figura de ligação que
é concebida como acessível, confiável e pronta para ajudar, quando solicitada. Analogamente,
o que na teoria tradicional é designado como um “objeto mau”, pode ser reformulado como
um modelo operacional de uma figura de ligação a quem se atribuem características tais como
acessibilidade incerta, relutância em prestar ajuda ou, talvez, probabilidade de uma reação
hostil. Do mesmo modo, pensa-se que um indivíduo constrói um modelo operacional de si
mesmo, em relação a quem os outros responderão de certas formas previsíveis, O conceito de
modelo operacional do eu compreende dados que são atualmente concebidos em termos de
auto-imagem, auto-estima, etc.
Em que medida tais modelos operacionais são produtos válidos da experiência real de
uma criança ao longo dos anos, ou são versões distorcidas de tal experiência, é uma questão
de suma importância. Os trabalhos de psiquiatria da família dos últimos 25 anos apresentaram
numerosos dados sugerindo que a forma que o modelo adota é, de fato, fortemente
determinada pelas experiências reais de uma criança durante a infância, muito mais do que se
supunha antes. Este é um campo de interesse vital e requer, urgentemente, uma investigação
especializada. Um problema clínico e de pesquisa consiste em que os indivíduos perturbados
freqüentemente parecem manter dentro deles mais de um modelo operacional tanto do mundo
como do eu-no-mundo. Além disso, tais modelos múltiplos são freqüentemente incompatíveis
entre si e podem ser mais ou menos inconscientes.
Talvez se tenha dito o suficiente para mostrar que o conceito de modelos operacionais
é central para o esquema proposto. O conceito pode ser elaborado a fim de permitir que
muitos aspectos da estrutura
110
(c) Deixam claro que os tipos de resposta à separação que são observados em seres
humanos podem, em outras espécies, ser mediadas a um nível primitivo e, presumivelmente,
infra-simbólico.
Esta última conclusão questiona as várias teorias clinicamente derivadas que procuram
explicar a ansiedade de separação, dado que a maior parte delas considera virtualmente
axiomático que a separação involuntária de uma figura materna não pode, por si mesma, gerar
ansiedade ou medo e que, portanto, deve existir algum outro perigo que é previsto e temido.
Muitas e diversas sugestões foram propostas para o que poderia ser esse outro perigo. Por
exemplo, Freud (1926), que foi o primeiro a considerar a ansiedade de separação como um
problema-chave, sugeriu que, para os seres humanos, “a situação fundamental de perigo é
uma situação reconhecida, recordada e esperada de impotência e desamparo”. Melanie Klein
propôs teorias invocando um instinto de morte e medo de aniquilamento, e também teorias
derivadas de suas idéias sobre ansiedade depressiva e persecutória. O trauma do nascimento é
ainda uma outra sugestão. Revendo a literatura, fica muito claro que muitas das questões mais
veementemente debatidas em psicopatologia e psicoterapia gravitaram, e ainda gravitam, em
torno de como conceituamos a origem e natureza da ansiedade de separação (Bowlby, 1960a,
1961a, 1973). Como o debate prossegue há tanto tempo e com tão pouco progresso, levanta-se
a questão de saber se estão sendo formuladas as questões erradas e (ou) se estão sendo
utilizados pressupostos iniciais errados. Examinemos, pois, quais foram os pressupostos
iniciais.
Quase todas as teorias sobre o que provoca medo e ansiedade em seres humanos
partiram da suposição de que o medo só é apropriadamente suscitado em situações percebidas
como intrinsecamente dolorosas ou perigosas. Pensa-se que tal percepção deriva ou de
experiências prévias de dor ou então de alguma consciência inata de forças interiores
perigosas. Uma ou outra dessas suposições será encontrada na teoria da aprendizagem, na
psiquiatria tradicional, como é exemplificado num estudo de Lewis (1967), e em todas as
diversas versões da psicanálise e suas derivações.
Quem adotar um pressuposto desse tipo logo se defrontará com o fato de que os seres
humanos freqüentemente manifestam medo em numerosas situações comuns que não parecem
ser inerentemente dolorosas ou perigosas. Quantos de nós, poder-se-á perguntar, sentiremos
prazer em entrar sozinhos numa casa completamente estranha e imersa em total escuridão?
Que alívio sentiríamos se tivéssemos a companhia de alguém, ou uma boa luz, ou, de
preferência, um companheiro e uma luz!
112
Embora na infância situações desse gênero suscitem medo mais fácil e intensamente, é inútil
fingir que os adultos estão acima dessas coisas. Qualificar os medos desse tipo como
“infantis”, como se faz freqüentemente, é querer fugir a uma porção de questões.
É impressionante verificar como existem tão poucos estudos empíricos das situações
que comumente despertam medo em seres humanos, depois do trabalho sistemático de Jersild
no início da década de 1930. As publicações em que eles foram divulgados (por exemplo,
Jersild e Holmes, 1935;Jersild, 1943) são minas de informações úteis.
Em crianças entre o segundo e o quinto anos de vida, relata Jersild, existe um certo
número de situações bem definidas que habitualmente suscitam medo. Por exemplo,
asdescrições de 136 crianças, num período de três meses, mostram que nada menos de 10 %
delas mostraram medo, pelo menos numa ocasião, quando colocadas em confronto com cada
uma das seguintes situações: (a) ruído e eventos associados a ruído; (b) altura; (c) pessoas
estranhas, ou pessoas conhecidas com indumentária estranha; (d) objetos e situações de
natureza insólita; (e) animais; (f) dor ou pessoas associadas à dor.
Também existem provas abundantes de que as crianças manifestaram menos medo
quando acompanhadas de um adulto do que quando sozinhas. Para qualquer pessoa
familiarizada com crianças, esses dados dificilmente podem ser considerados revolucionários.
Entretanto, não é nada fácil harmonizá-los com os pressupostos dos quais parte a
maioria da teorização. Freud tinha perfeita noção disso e confessou-se perplexo com o
problema. Entre as soluções que ele buscou está a tão conhecida tentativa de distinguir entre
um perigo real e um perigo imaginário. A tese que ele expõe em Inibições, Sintomas e
Ansiedade (1926), pode ser sintetizada, usando suas próprias palavras: “Um perigo real é um
perigo que ameaça uma pessoa, oriundo de um objeto externo”. Portanto, sempre que a
ansiedade é “acerca de um perigo conhecido”, pode ser considerada como uma “ansiedade
realista”; ao passo que, sempre que for “acerca de um perigo desconhecido”, será “ansiedade
neurótica”. Como o medo de estar sozinho, no escuro ou com estranhos, é medo, na opinião
de Freud, de perigos desconhecidos, deve ser considerado neurótico (S. E., Vol. 20, pp. 165-
7). Além disso, como todas as crianças experimentam esses medos, sustenta-se que todas as
crianças sofrem de neurose (pp. 147-8). Certamente, há muitos que não se satisfazem com tal
solução.
As dificuldades com que Freud se debateu desaparecem quando se adota uma
abordagem comparativa do medo humano. Pois evidencia-se que o homem não é, em
absoluto, a única espécie que demonstra medo
113
em situações que não são intrinsecamente dolorosas ou perigosas (Hinde, 1970). Animais de
muitas espécies apresentam um comportamento de medo em resposta a ruídos e outras
mudanças bruscas de estimulação, ao escuro e também a estranhos e a eventos insólitos. O
abismo visual e um estímulo que rapidamente se expande também suscitam medo,
regularmente, em animais de numerosas espécies.
Quando indagamos como é que situações desses tipos podem tão facilmente gerar o
medo em animais de tantas espécies, não é difícil perceber que, embora nenhuma delas seja
intrinsecamente perigosa, cada uma dessas situações é, em certo grau, potencialmente
perigosa. Por outras palavras, enquanto nenhuma delas contém um alto risco, cada uma delas
comporta um risco ligeiramente mais elevado, mesmo que esse risco aumente, digamos, de 1
% para 5 %.
Vista sob este prisma, cada uma dessas situações causadoras de medo é considerada
um indício natural de maior risco. Reagir com medo a todas essas situações é, portanto,
reduzir os riscos. Como tal comportamento possui valor de sobrevivência, argumenta-se que o
equipamento genético de uma espécie toma-se tal que cada um de seus membros, ao nascer,
tende a se desenvolver de maneira a, usualmente, passar a se comportar dessa forma típica. O
homem não constitui exceção.
Uma distinção aqui invocada, e que é um lugar comum para os etologistas mas uma
fonte de muita confusão e perplexidade para os psicólogos experimentais e clínicos, é a
distinção entre causação e função biológica — por um lado, as condições que causam o
comportamento e, por outro, a contribuição desse comportamento para a sobrevivência da
espécie. Nesta teoria, considera-se que o estranhamento e outros sinais concretos
desempenham, cada um deles, um papel causal na geração do comportamento de medo;
enquanto que a função de tal comportamento é a proteção.
Talvez a distinção entre a causa e a função de um determinado comportamento possa
ser esclarecida com referência ao comportamento sexual, em que a distinção é tão óbvia, que
geralmente é lida como certa e virtualmente esquecida. Em termos claros, a distinção é assim
descrita: os estados hormonais do organismo e certas características do parceiro do sexo
oposto levam, em conjunto, ao interesse sexual e desempenham papéis causais na produção
do comportamento sexual. A função biológica desse comportamento, entretanto, é uma outra
questão; é a reprodução. Uma vez que causação e função são distintas, é possível, por meio da
contracepção, interferir entre o comportamento e a função a que ele serve.
Em animais de todas as espécies não-humanas, o comportamento
114
se processa sem que o animal (presumivelmente) tenha qualquer insight da função. O mesmo
pode ser dito da maioria dos seres humanos, a maior parte do tempo. Sob este prisma, nada há
de surpreendente no fato de os seres humanos reagirem habitualmente com um
comportamento de medo em certas situações, apesar de um observador de fora poder saber
que, em tais situações, o aumento do risco de vida é mínimo, ou nem mesmo isso. No início, a
pessoa simplesmente reage à situação — uma súbita mudança ou um alto nível de ruído, um
rosto estranho ou um acontecimento insólito, um movimento brusco — e não a qualquer
estimativa de risco. O cálculo prudente de risco pode ou não se seguir.
A separação relutante de uma criança de seus pais, ou de um adulto de um
companheiro em quem confia, pode ser simplesmente considerada como uma outra situação
do mesmo gênero, embora seja um exemplo um tanto especial. Mesmo em comunidades
civilizadas, existem muitas circunstâncias em que o risco é um tanto maior quando um
indivíduo está sozinho do que quando está acompanhado. Isso acontece especialmente durante
a infância. Por exemplo, os riscos de acidentes em casa obviamente são maiores quando se
deixa uma criança sozinha do que quando o pai ou a mãe estão por perto. O mesmo pode ser
dito de acidentes na rua. Em 1968, no distrito londrino de Southwark, 46% de todos os
acidentes de trânsito ocorreram com crianças de menos de 15 anos, com a mais alta incidência
no grupo etário dos três aos nove anos. Mais de 60 % dessas crianças estavam completamente
sozinhas, e dois terços das restantes estavam na companhia de apenas uma outra criança. Para
os velhos ou doentes, viver sozinho é um risco notório. Mesmo para adultos saudáveis,
excursionar pelas montanhas ou praticar alpinismo sozinho significa, materialmente, aumentar
o risco de vida. No meio ambiente em que o homem evoluiu, os riscos que acompanham o
estar sozinho devem ter sido, por certo, muito maiores. Uma simples reflexão mostra,
portanto, que, como estar sozinho aumenta o risco, não faltam razões para que o homem tenha
desenvolvido sistemas comportamentais que o levam a evitá-lo. No caso dos seres humanos,
reagir com medo à perda de um companheiro em quem se confia não é, pois, mais
desconcertante do que reagir com medo a qualquer dos outros indícios naturais de perigo
potencial — estranheza, movimento súbito, mudança brusca ou alto nível de ruído. Em todos
os casos, reagir assim tem valor de sobrevivência.
Uma característica muito especial do comportamento de medo em seres humanos e em
outros animais é o grau em que recrudesce em situações caracterizadas pela presença de dois
ou mais sinais concretos; por
115
exemplo, o estranho que subitamente se aproxima, o cão desconhecido que uiva, o ruído
inesperado que se ouve no escuro. Comentando sobre as observações feitas durante 21 dias
por pais acerca de situações causadoras de medo, Jersild e Holmes (1935) assinalam que
combinações de duas ou mais das seguintes características foram freqüentemente citadas em
conjunto: ruído, pessoas e situações estranhas, o escuro, movimento brusco e inesperado, e
estar sozinho. Enquanto que uma situação assinalada por uma única dessas características
poderá apenas alertar o indivíduo, o medo, mais ou menos intenso, pode perfeitamente ser
suscitado quando várias delas estão presentes em conjunto.
Porque a resposta a uma combinação de fatores é, com freqüência, muito maior ou
diferente do que a resposta a qualquer um deles isoladamente, é conveniente designar tais
situações como “compostos”, um termo escolhido para lembrar a analogia química (Bowlby,
1973).
Em conformidade com outros dados sobre os efeitos de situações compostas, os
experimentos com crianças e com macacos rhesus (Rowell e Hinde, 1963) mostram a enorme
diferença de intensidade das reações de medo segundo a presença ou ausência de um
companheiro de confiança. Por exemplo, Jersild e Holmes (1935) apuraram que, quando
crianças de três e quatro anos foram solicitadas a ir apanhar uma bola que rolara para um
corredor escuro, metade delas recusaram-se a fazê-lo, apesar dos incitamentos dos
experimentadores. Entretanto, quando um dos experimentadores as acompanhou, quase todas
as crianças se mostraram dispostas a ir procurar a bola no escuro. Diferenças do mesmo tipo
foram observadas em muitas outras situações levemente assustadoras, por exemplo, quando
uma criança foi solicitada a aproximar-se de um cachorro imenso, preso por uma corrente, e
acariciá-lo.
Esses resultados harmonizam-se de tal modo com a experiência comum que pode
parecer absurdo alongarmo-nos em sua descrição. Entretanto, é evidente que, quando
psicólogos e psiquiatras passam a teorizar sobre o medo e a ansiedade, o significado desses
fenômenos é seriamente subestimado. Por exemplo, quando se presta a devida atenção a esses
resultados, deixa de ser um mistério que, em quase todas as situações familiares, o medo e a
ansiedade sejam grandemente reduzidos pela mera presença de um companheiro de confiança.
Tais conclusões habilitam-nos a compreender também por que a acessibilidade dos pais e sua
disponibilidade para responder dá a uma criança, um adolescente ou um jovem adulto
condições para se sentirem seguros, e uma base a partir da qual podem confiantemente
proceder a explorações. Elucidam-nos igualmente sobre o modo como, da adolescência em
diante, outras figuras de confiança passam a ter funções semelhantes.
116
Isso nos leva de volta ao ponto de partida de nossa argumentação e ajuda a explicar
por que o apoio decidido e sistemático dos pais, combinado com o encorajamento e o respeito
pela autonomia de uma criança, muito longe de abalar a autoconfiança, fornece, pelo
contrário, as condições em que ela pode desenvolver-se melhor. Também ajuda a explicar por
que, inversamente, uma experiência de separação ou perda, ou ameaças de separação ou
perda, especialmente quando usadas pelos pais como sanções para induzir o bom
comportamento, podem abalar a confiança de uma criança nos outros e em si mesma,
acarretando assim um ou outro desvio do desenvolvimento ótimo — a falta de confiança em si
mesma, a ansiedade ou depressão crônica, o não-envolvimento distante ou a independência
arrogante que soa falso.
Uma autoconfiança bem fundamentada, podemos concluir, é, geralmente, o produto de
um crescimento lento e não reprimido, da infância até a maturidade, durante o qual, através da
interação com outros, incentivadores e confiáveis, a pessoa aprende a combinar a confiança
nos outros com a confiança em si mesma.
117
Desde os tempos em que iniciei meus estudos de psiquiatria no Hospital Maudsley, meus
interesses concentraram-se na contribuição do meio ambiente de uma pessoa ao seu
desenvolvimento psicológico. Durante muitos anos, essa foi uma área menosprezada e só
agora está recebendo toda a atenção que merece. Isso não foi culpa do resoluto defensor do
estudo científico dos distúrbios mentais, cuja vida e obra recordamos hoje. Pois ainda que em
algumas passagens de seus escritos se possa pensar que Henry Maudsley deu pouca
importância aos fatores ambientais, isso está longe de ser verdadeiro, como fica evidente pela
leitura de seu influente livro, Responsibility in Mental Diseases, publicado há quase
exatamente um século. Com efeito, desde o início de sua carreira, a abordagem de Maudsley
foi de biólogo — como seria de se esperar do filho de um agricultor;
Nota de rodapé:
*(1). Originalmente publicado em British Journal of Psychiatry (1977), 130: 201-10 e 421-31.
Reimpresso com permissão do Royal College of Psychiatrists.
119
e ele sabia que em psiquiatria, como em todas as coisas biológicas, é necessário considerar “o
indivíduo e seu meio ambiente, o homem e suas circunstâncias”, e que isso requer que
adotemos uma abordagem em termos de desenvolvimento *(1). Assim, ao preparar esta
conferência, que me sinto muito honrado por ter sido convidado a proferir nesta data,
considero-me apoiado pela convicção de que o seu tema, o do desenvolvimento social e
emocional em diferentes tipos de ambiente familiar, está de acordo com tudo o que Henry
Maudsley defendeu.
O que, por uma questão de conveniência, designo como teoria da ligação, é um modo
de conceituar a propensão dos seres humanos a estabelecerem fortes vínculos afetivos com
alguns outros, e de explicar as múltiplas formas de consternação emocional e perturbação da
personalidade, incluindo ansiedade, raiva, depressão e desligamento emocional, a que a
separação e perda involuntárias dão origem. Como um corpo de teoria, lida com os mesmos
fenômenos que antes eram tratados em termos de “necessidade de dependência”, ou de
“relações com o objeto”, ou de “simbiose e individuação”. Embora incorpore muito do
pensamento psicanalítico, a teoria da ligação difere da psicanálise tradicional ao adotar um
certo número de princípios que derivam das disciplinas relativamente novas da etologia e
teoria do controle; assim fazendo, está habilitada a dispensar conceitos tais como os de
energia psíquica e impulso, e a estabelecer estreitos laços com a psicologia cognitiva. Os
méritos que se atribuem a ela são que, embora seus conceitos sejam psicológicos, eles são
compatíveis com os da neurofisiologia e da biologia do desenvolvimento, e que, também, se
conforma aos critérios habituais de uma disciplina científica.
Os defensores da teoria da ligação argumentam que muitas formas de distúrbio
psiquiátrico podem ser atribuídas ou a desvios no desenvolvimento do comportamento de
ligação ou, mais raramente, a uma falha em seu desenvolvimento; argumentam também que a
teoria esclarece a origem e o tratamento dessas condições Em suma, a tese desta conferência é
que, se quisermos ajudar terapeuticamente tais pacientes, é necessário que os habilitemos a
considerar minuciosamente como os seus modos atuais de perceber e lidar com pessoas
emocionalmente significativas, incluindo o terapeuta, podem ser influenciados e, talvez,
seriamente distorcidos pelas experiências que eles tiveram com seus pais durante os anos da
infância e adolescência, e que possivelmente — pelo menos algumas delas — ainda persistem
ou repercutem no presente.
Nota de rodapé:
*(1). A citação é de um ensaio de Maudsley publicado em 1860. Por esta e outras informações
sobre a vida e obra de Maudsley, estou grato à descrição feita por Sir Aubrey Lewis na 25
Conferência Maudsley (Lewis, 1951).
120
Isso implica que o paciente reveja essas experiências do modo mais honesto possível, uma
revisão que o terapeuta pode apoiar ou impedir. Numa breve exposição, só é possível enunciar
princípios e os fundamentos lógicos que os subentendem. Começamos com um breve esboço
do que se entende por teoria da ligação. (Para uma descrição mais completa dos dados em que
se baseia, os conceitos empregados e os argumentos a seu favor, com todas as referências, ver
os três volumes de Attachment and Loss, Bowlby, 1969, 1973, 1980.)
Até meados da década de 1950, só predominava um ponto de vista explicitamente
formulado sobre a natureza e origem dos vínculos afetivos, e, sobre essa questão, havia
concordância entre psicanalistas e teóricos da aprendizagem. Os vínculos entre indivíduos
desenvolvem-se, segundo era sustentado, porque um indivíduo descobre que, para satisfazer
certos impulsos, como por exemplo de alimentação na infância e de sexo na vida adulta, é
necessário um outro ser humano. Esse tipo de teoria propõe duas espécies de impulsos,
primários e secundários; classifica o alimento e o sexo como impulsos primários, e a
“dependência” e outras relações pessoais como secundários. Embora os teóricos das relações
objetais (Balint, Fairbairn, Guntrip, Klein, Winnicott) tentassem modificar essa formulação,
os conceitos de dependência, oralidade e regressão persistiram.
Os estudos dos efeitos perniciosos da privação de cuidados maternos sobre o
desenvolvimento da personalidade levaram-me a questionar a adequação do modelo
tradicional. No início da década de 1950, os trabalhos de Lorenz sobre imprinting, que tinham
sido publicados originalmente em 1935, tomaram-se mais geralmente conhecidos e
ofereceram uma abordagem alternativa. Lorenz tinha verificado que, pelo menos em algumas
espécies de aves, durante os primeiros dias de vida, desenvolvem-se fortes vínculos com uma
figura materna, sem qualquer referência à alimentação e simplesmente através da exposição
do filhote à figura em questão, com a qual se familiarizou. Argumentando que os dados
empíricos sobre o desenvolvimento do laço de um bebê humano com sua mãe podem ser
melhor entendidos em termos de um modelo derivado da etologia, delineei uma teoria da
ligação num ensaio publicado em 1958. Simultânea e independentemente, Harlow (1958)
publicou os resultados de seus primeiros estudos com filhotes de macacos rhesus criados com
bonecos como mães-substitutas. Um bebê macaco, apurou Harlow, agarrar-se-á a um boneco
que não o alimenta, desde que esse boneco seja macio e confortável.
Durante os últimos 15 anos, foram publicados numerosos estudos empíricos sobre
crianças (por exemplo, Robertson e Robertson, 1967-72;
121
Heinicke e Westheimer, 1966; Ainsworth, 1967; Ainsworth, Bell e Stayton, 1971, 1974;
Blurton Jones, 1972), a teoria foi consideravelmente ampliada (por exemplo, Ainsworth,
1969; Bowlby, 1969; Bischof, 1975), e foi examinada a relação entre a teoria da ligação e a
teoria da dependência (Maccoby e Masters, 1970; Gewirtz, 1972) *(1). Foram propostas
novas formulações a respeito da ansiedade patológica e da fobia (Bowlby, 1973), assim como
do luto e suas complicações psiquiátricas (por exemplo, Bowlby, 1961c; Parkes, 1965, 1971a,
1972). Parkes (1971b) ampliou a teoria para abranger toda a gama de reações observadas
sempre que uma pessoa se defronta com uma importante mudança em sua situação vital.
Foram feitos muitos estudos de comportamento comparável em espécies primatas (ver o
exame crítico desses estudos por Hinde, 1974).
Em suma, o comportamento de ligação é concebido como qualquer forma de
comportamento que resulta em que uma pessoa alcance ou mantenha a proximidade com
algum outro indivíduo diferenciado e preferido, o qual é usualmente considerado mais forte e
(ou) mais sábio. Embora seja especialmente evidente durante os primeiros anos da infância,
sustenta-se que o comportamento de ligação caracteriza os seres humanos do berço à
sepultura. Inclui o choro e o chamamento, que suscitam cuidados e desvelos, o seguimento e o
apego, e também os vigorosos protestos se uma criança ficar sozinha ou na companhia de
estranhos. Com a idade, a freqüência e intensidade com que esse comportamento se manifesta
diminuem gradativamente. No entanto, todas essas formas de comportamento persistem como
parte importante do equipamento comportamental do homem. Nos adultos, elas são
especialmente evidentes quando uma pessoa está consternada, doente ou assustada. Os
padrões de comportamento de ligação manifestados por um indivíduo dependem, em parte, de
sua idade atual, sexo e circunstâncias, e, em parte, das experiências que teve com figuras de
ligação nos primeiros anos de sua vida.
Como um modo de conceituar a manutenção da proximidade, a teoria da ligação, em
contraste com a teoria da dependência, enfatiza as seguintes características *(2):
(a) Especificidade. O comportamento de ligação é dirigido para um ou alguns indivíduos
específicos, geralmente em ordem clara de preferência.
(b) Duração. Uma ligação persiste, usualmente, por grande parte do ciclo vital.
Nota de rodapé:
*(1). Outros campos clinicamente importantes a que a teoria da ligação foi aplicada
eficazmente são as origens do vínculo mãe-bebê durante o período neonatal, por Marshall
Klaus e John Kennell (1976), distúrbios do relacionamento conjugal, por Janet Mattinson e
Ian Sinclair (1979), e as conseqüências emocionais da separação conjugal, por Robert S.
Weiss (1975).
*(2). Ao descrever estas características, baseio-me no texto de um artigo (Bowlby, 1975)
escrito para o Volume 6 do American Book of Psychiatry O 1975 by Basic Books, Inc., e
agradeço aos seus organizadores e editores pela permissão para fazê-lo.
122
Nota de rodapé:
*(1). Embora este parágrafo seja pouco diferente de parágrafos semelhantes nos capítulos 4 e
6, deixo-o inalterado porque, sem ele, este capítulo ficaria seriamente incompleto.
123
Esses sistemas são ativados por certas condições e terminados por outras. Entre as condições
ativadoras estão o estranhamento, a fome, o cansaço e qualquer coisa que seja assustadora. As
condições terminais incluem a visão ou o som da figura materna e, especialmente, a interação
feliz com ela. Quando o comportamento de ligação é fortemente despertado, o término poderá
requerer o contato físico ou o agarramento à figura materna e (ou) ser acariciado por ela.
Inversamente, quando a figura materna está presente ou seu paradeiro é conhecido, uma
criança deixa de manifestar o comportamento de ligação e, em vez disso, desliga-se daquela e
explora o seu meio ambiente.
(g) Função biológica. O comportamento de ligação ocorre nos jovens de quase todas as
espécies de mamíferos e, em certas espécies, persiste durante toda a vida adulta. Embora haja
muitas diferenças de detalhe entre as espécies, a manutenção da proximidade com um adulto
preferido (quase sempre a mãe) por um animal imaturo é a regra geral, o que sugere que tal
comportamento possui um valor de sobrevivência. Num outro escrito (Bowlby, 1969)
argumentei que a mais provável função do comportamento de ligação é, de longe, a proteção,
principalmente contra os predadores.
Assim, o comportamento de ligação é concebido como uma classe de comportamento
distinta do comportamento de alimentação e do comportamento sexual, tendo, pelo menos,
um significado igual na vida humana. Nada existe de intrinsecamente pueril ou patológico
quanto a ele.
Cumpre assinalar que o conceito de ligação difere substancialmente do conceito de
dependência. Por exemplo, a dependência não está especificamente relacionada com a
manutenção da proximidade, não se refere a um indivíduo específico, nem está
necessariamente associada a uma emoção forte. Nenhuma função biológica lhe é atribuída.
Além disso, no conceito de dependência há implicações de valor que são o oposto exato
daquelas que o conceito de ligação subentende. Enquanto que qualificar uma pessoa como
dependente tende a ser depreciativo, descrevê-la como ligada a alguém pode muito bem ser
uma expressão de aprovação. Inversamente, ser uma pessoa desligada em suas relações
pessoais é considerado, usualmente, como um comportamento que nada tem de admirável. O
elemento depreciativo no conceito de dependência, o qual reflete um não-reconhecimento do
valor que o comportamento de ligação tem para a sobrevivência, constitui uma fraqueza fatal
para seu uso clínico.
No que se segue, o indivíduo que manifesta o comportamento de ligação é usualmente
mencionado como criança, e a figura de ligação como mãe.
124
Isso ocorre porque, até agora, o comportamento só foi minuciosamente estudado em crianças,
O que se expõe, entretanto, é aplicável também a adultos e a quem quer que esteja atuando
para eles como figura de ligação — freqüentemente um cônjuge, algumas vezes um dos pais
e, com freqüência maior do que se poderia supor, um filho.
Foi assinalado em (f) que, quando a mãe está presente ou seu paradeiro é conhecido e
ela está disposta a participar num intercâmbio amistoso, a criança geralmente deixa de
apresentar o comportamento de ligação e prefere explorar o seu meio ambiente. Nessa
situação, a mãe pode ser considerada como a fornecedora de uma base segura a partir da qual
a criança fará suas explorações, e à qual regressará, sobretudo quando se cansar ou se assustar.
No restante de sua vida, a pessoa é suscetível de manifestar o mesmo padrão de
comportamento, afastando-se cada vez mais e por períodos cada vez maiores daqueles a quem
ama, ainda que mantendo sempre o contato e regressando, mais cedo ou mais tarde. A base a
partir de onde um adulto opera será a sua família de origem, ou então uma nova base que ele
criou para si mesmo. Qualquer indivíduo que não possua tal base é um ser sem raízes e
intensamente solitário.
Na descrição feita até agora, foram mencionados dois padrões de comportamento além
da ligação, ou seja, a exploração e o cuidar.
Existem hoje evidências abundantes que apóiam o ponto de vista de que a atividade
exploratória é de grande importância per se, habilitando um animal ou uma pessoa a formar
um quadro coerente das características ambientais que podem, em qualquer momento, tornar-
se importantes para a sobrevivência. Crianças e outras criaturas muito jovens são
notoriamente curiosas e indagadoras, o que as leva comumente a se afastarem de suas figuras
de ligação. Neste sentido, o comportamento exploratório é antitético do comportamento de
ligação. Em indivíduos saudáveis, os dois tipos de comportamento normalmente se alternam.
O comportamento dos pais, e de qualquer pessoa que se incumba do papel de cuidar da
criança, é complementar do comportamento de ligação. A função de quem dispensa esses
cuidados consiste em, primeiro, estar disponível e pronto a atender quando solicitado, e,
segundo, intervir judiciosamente no caso de a criança ou a pessoa mais idosa de quem se
cuida estar prestes a meter-se em apuros. Não só isso constitui um papel básico, como existem
provas substanciais de que o modo como é desempenhado pelos pais determina, em grau
considerável, se a criança será mentalmente saudável ao crescer. Por essa razão, e também
porque é esse o papel que desempenhamos quando agimos como psicoterapeutas, sustentamos
que a nossa compreensão do mesmo se reveste de importância crucial para a prática da
psicoterapia.
125
Um outro ponto precisa ser assinalado, antes de examinarmos as implicações desse
esquema para uma teoria da etiologia e psicopatologia, e, por conseguinte, para a prática
psicoterapêutica. Refere-se à nossa compreensão da ansiedade e, em particular, da ansiedade
de separação.
Um pressuposto muito comum das teorias psiquiátricas e da psicopatologia é de que o
medo só deve manifestar-se em situações que sejam verdadeiramente perigosas, e que o medo
que se manifesta em qualquer outra situação é neurótico. Isto leva à conclusão de que, como a
separação de uma figura de ligação não pode ser considerada uma situação verdadeiramente
perigosa, a ansiedade em torno da separação dessa figura é, portanto, neurótica. O exame das
evidências mostra que tanto o pressuposto quanto a conclusão a que leva são falsos.
Quando abordada empiricamente, verifica-se que a separação de uma figura de ligação
pertence a uma classe de situações passíveis de suscitar medo, sendo que, no entanto,
nenhuma delas pode ser considerada intrinsecamente perigosa. Essas situações incluem, entre
outras, o escuro, as mudanças súbitas e acentuadas no nível de estímulo: ruídos fortes,
movimentos bruscos, pessoas estranhas e coisas insólitas. Há evidências de que animais de
muitas espécies se alarmam em tais situações (Hinde, 1970), e de que isso também é
verdadeiro no caso de crianças (Jersild, 1947), e mesmo de adultos. Além disso, o medo é
especialmente suscetível de ser provocado quando duas ou mais dessas condições estão
simultaneamente presentes, por exemplo, ouvir um ruído forte quando se está sozinho no
escuro.
Sustenta-se que a explicação dos motivos pelos quais tão regularmente indivíduos
reagem com temor a essas situações é que, embora nenhuma das situações seja
intrinsecamente perigosa, cada uma delas comporta um risco maior. Ruído, estranhamento,
isolamento e, para muitas espécies, a escuridão, são outras tantas condições estatisticamente
associadas a um risco maior. O ruído pode ser o prenúncio de um desastre natural: incêndio,
inundação ou terremoto. Para um animal jovem, um predador é estranho, movimenta-se e,
com freqüência, ataca de noite, sendo muito mais provável que o faça quando a vítima está
sozinha. Como tal comportamento promove assim o êxito da sobrevivência e da procriação,
prossegue a teoria, verifica-se que os jovens das espécies que sobreviveram, incluindo o
homem, são geneticamente propensos a se desenvolverem de modo a reagir ao ruído,
estranheza, aproximação súbita e escuridão; as reações características, em tais casos, são a
ação de evitação ou a fuga — de fato, eles se comportam como se o perigo estivesse
realmente presente. De um modo comparável, reagem ao isolamento procurando companhia.
As respostas de medo suscitadas pela ocorrência natural de tais indícios de perigo fazem parte
do equipamento comportamental básico do homem (Bowlby, 1973).
126
Vista sob este prisma, a ansiedade em tomo da separação involuntária de uma figura de
ligação assemelha-se à ansiedade que o comandante de uma força expedicionária sente
quando as comunicações com a sua base são cortadas ou ameaçadas.
Isso leva à conclusão de que a ansiedade em tomo de uma separação involuntária pode
ser uma reação perfeitamente normal e saudável. O que pode ser difícil de explicar é por que
tal ansiedade é despertada em algumas pessoas com uma intensidade tão grande ou, ao
contrário, em outras, com tão pouca intensidade. Isso nos conduz a questões de etiologia e
psicopatologia.
Ao longo de todo este século, tem sido acirrado o debate sobre o papel das
experiências infantis na causação dos distúrbios psiquiátricos. Não só os psiquiatras de
mentalidade tradicional têm sido céticos quanto à importância de tais experiências, como
também os psicanalistas, nas décadas de 1960 e 1970, mostraram uma atitude idêntica.
Durante muito tempo, a maioria dos analistas que atribuem importância à experiência da vida
real concentraram suas atenções nos dois ou três primeiros anos de vida e em certas técnicas
para cuidar de crianças — o modo como um bebê é alimentado e recebe treinamento de
higiene — no fato de a criança presenciar ou não as relações sexuais dos pais. A atenção à
interação familiar e ao modo como os pais tratam uma criança não foi estimulada. De fato,
alguns extremistas sustentaram que o estudo sistemático das experiências de uma pessoa no
seio de sua família está fora dos interesses próprios de um psicanalista.
Ninguém que se dedique à psiquiatria infantil, melhor denominada psiquiatria familiar,
pode compartilhar de tal ponto de vista. Numa grande maioria de casos, não só existem
evidências de relações familiares perturbadas mas, habitualmente, predominam problemas
emocionais dos pais que derivam de suas próprias infâncias infelizes. Assim, sempre me
pareceu que o problema não consiste em estudar ou não o ambiente familiar de um paciente
mas em decidir que características são importantes, que métodos de investigação são
exeqüíveis e que tipo de teoria se ajusta melhor aos dados. Uma vez que muitos outros
adotaram o mesmo ponto de vista, uma quantidade considerável de pesquisas razoavelmente
confiáveis vem sendo realizada por investigadores oriundos de várias disciplinas. É com base
nos resultados dessas pesquisas, interpretados em termos da teoria da ligação, que ofereço
agora as generalizações e as idéias que se seguem.
127
O ponto fundamental de minha tese é que existe uma forte relação causal entre as
experiências de um indivíduo com seus pais e sua capacidade posterior para estabelecer
vínculos afetivos, e que certas variações comuns dessa capacidade, manifestando-se em
problemas conjugais e em dificuldades com os filhos, assim como nos sintomas neuróticos e
distúrbios de personalidade, podem ser atribuídas a certas variações comuns no modo como
os pais desempenham seus papéis. Muitas das evidências em que a tese se baseia são
retomadas no segundo volume de Attachment and Loss (Capítulo 15 em diante). A principal
variável para a qual chamo a atenção é o grau em que os pais de uma criança (a) lhe fornecem
uma base segura e (b) a estimulam a explorar a partir dessa base. Nesses papéis, o
desempenho dos pais varia segundo vários parâmetros, dos quais o mais importante, porque
permeia todas as relações, talvez seja o grau em que os pais reconhecem e respeitam o desejo
e a necessidade que a criança tem de uma base segura, e ajustam seu comportamento a isso.
Isto implica, em primeiro lugar, uma compreensão intuitiva do comportamento de ligação de
uma criança e uma disposição para satisfazê-lo e, no momento adequado, terminá-lo; e, em
segundo lugar, o reconhecimento de que uma das fontes mais comuns de raiva na criança é a
frustração do seu desejo de amor e cuidados, e de que a sua ansiedade geralmente reflete a
incerteza quanto à disponibilidade dos pais. Complementar em importância ao respeito dos
pais pelos desejos de ligação de uma criança é o respeito pelo seu desejo de explorar e ampliar
gradualmente suas relações com crianças de sua idade e com outros adultos.
As pesquisas sugerem que, em muitas áreas da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos,
mais da metade da população infantil está crescendo na companhia de pais que proporcionam
tais condições a seus filhos pequenos. Geralmente, essas crianças crescem seguras e
autoconfiantes, e mostram-se confiantes, cooperativas e prestativas para com as outras
pessoas. Na literatura psicanalítica, diz-se que uma pessoa assim tem um ego forte; e pode ser
descrita como alguém que é dotado de “confiança básica” (Erikson, 1950), “dependência
madura” (Fairbairn, 1952), ou “introjetou um objeto bom” (Klein, 1948). Nos termos da
teoria da ligação, a pessoa é descrita como tendo construído um modelo representacional de si
mesma como sendo capaz de se ajudar e merecedora de ser ajudada se surgirem dificuldades.
128
Por outro lado, muitas crianças (em algumas populações, um terço ou mais) crescem
com pais que não oferecem essas condições. Cumpre assinalar aqui que o foco de atenção está
nas relações que os pais têm com um determinado filho, uma vez que os pais não tratam todos
os filhos da mesma maneira e podem proporcionar condições excelentes para um e condições
muito adversas para um outro.
Consideremos alguns dos padrões de desvio mais comuns de comportamento de
ligação apresentados por adolescentes e também por adultos, com exemplos de experiências
típicas da infância que aqueles que apresentam tais padrões provavelmente tiveram quando
crianças, e talvez ainda tenham.
Muitos daqueles que são encaminhados a psiquiatras são indivíduos ansiosos,
inseguros, geralmente descritos como superdependentes ou imaturos. Em condição de
estresse, tendem a desenvolver sintomas neuróticos, depressão ou fobia. As pesquisas revelam
que eles estiveram expostos a pelo menos um, e geralmente mais de um, de certos padrões
típicos da parentalidade patogênica, os quais incluem:
(a) ausência persistente de respostas de um ou ambos os pais ao comportamento eliciador de
cuidados, da criança, e/ou depreciação e rejeição marcada;
(b) descontinuidades da parentalidade, ocorrendo mais ou menos freqüentemente, incluindo
períodos em hospital ou instituição;
(c) ameaças persistentes por parte dos pais de não amar a criança, usadas como um meio para
controlá-la;
(d) ameaças, por parte dos pais, de abandonar a família, usadas ou como um método de
disciplinar a criança ou como uma forma de coagir o cônjuge;
(e) ameaças por parte de um dos pais de abandonar ou mesmo de matar o outro, ou então de
cometer suicídio (estas ameaças são mais comuns do que se poderia supor);
(f) indução de culpa à criança, afirmando que o comportamento dela é ou será responsável
pela doença ou morte de um dos pais.
Qualquer dessas experiências pode levar uma criança, um adolescente ou um adulto a
viver em constante ansiedade, com medo de perder sua figura de ligação e, por conseguinte, a
ter um baixo limiar para a manifestação do comportamento de ligação. A condição é melhor
descrita como de ligação ansiosa (*).
(*) Não existe qualquer prova em favor da idéia tradicional, ainda generalizada, de que
tal pessoa foi tratada com excessiva complacência quando criança e que, por isso, acabou
“estragada pelo mimo”.
129
Um conjunto adicional de condições a que alguns desses indivíduos estiveram
expostos, ou ainda estão, é quando um dos pais, geralmente a mãe, exerce pressão sobre eles
para atuarem como figura de ligação para ela, invertendo assim a relação normal. Os meios de
exercer tal pressão variam desde o encorajamento inconsciente de um senso prematuro de
responsabilidade para com os outros, até o uso deliberado de ameaças ou indução de culpa. Os
indivíduos tratados dessa maneira são passíveis de se tornarem excessivamente escrupulosos e
dominados por sentimentos de culpa, assim como ansiosamente ligados. Uma maioria de
casos de fobia escolar e agorafobia se produz, provavelmente, desse modo.
Todas as variantes de comportamento parental até aqui descritas são suscetíveis não só
de provocar raiva dos pais na criança, mas também de inibir a sua expressão. O resultado é
muito ressentimento parcialmente inconsciente, o qual persiste na vida adulta e expressa-se,
geralmente, num afastamento em relação aos pais e numa aproximação em relação a alguém
mais fraco, por exemplo, um cônjuge ou um filho. É provável que tal pessoa também esteja
sujeita a fortes anseios inconscientes de amor e apoio, os quais podem expressar-se por
alguma forma aberrante de comportamento eliciador de cuidados, por exemplo, tentativas
frouxas de suicídio, sintomas de conversão, anorexia nervosa, hipocondria, etc. (Henderson,
1974).
Um padrão de comportamento de ligação que é abertamente o oposto da ligação
ansiosa é o descrito por Parkes (1973) como autoconfiança compulsiva. Ao invés de buscar o
amor e os cuidados de outros, uma pessoa que apresenta esse padrão insiste em agüentar firme
e em fazer tudo por si mesma, sejam quais forem as condições. Também essas pessoas são
passíveis de desmoronar sob estresse e apresentar sintomas psicossomáticos ou depressão.
Muitas dessas pessoas tiveram experiências semelhantes às dos indivíduos que
desenvolvem uma ligação ansiosa; mas reagiram a elas de modo diferente, inibindo o
sentimento e o comportamento de ligação, e negando, talvez até ridicularizando, qualquer
desejo de relações estreitas com quem quer que pudesse dar amor e carinho. No entanto, não é
preciso ter muito discernimento para compreender que elas desconfiam profundamente de
quaisquer relações íntimas e aterroriza-as a simples idéia de terem que confiar em outra
pessoa, em alguns casos para evitar a dor de serem rejeitadas, e, em outros, para evitar serem
submetidas a pressões que as obriguem a cuidar de outra pessoa. Tal como no caso da ligação
ansiosa, é provável que exista muito ressentimento subjacente, o qual, quando suscitado, se
volta contra pessoas mais fracas, e também muito anseio inexprimido de amor e apoio.
130
Um padrão de comportamento de ligação relacionado com a auto-confiança
compulsiva é o de solicitude compulsiva. Uma pessoa que o manifesta pode envolver-se em
muitas relações íntimas, mas sempre no papel de dispensar cuidados, nunca de os receber.
Com freqüência, o indivíduo escolhido é um aleijado que poderá, por algum tempo, agradecer
os cuidados que lhe dispensam. Mas no caso da solicitude compulsiva, a pessoa esforça-se
também por cuidar de quem não procura nem agradece tal ajuda. A experiência típica da
infância de tais pessoas é terem tido uma mãe que, devido à depressão ou algum outro
impedimento, não pôde cuidar da criança mas, em vez disso, aceitou de bom grado ser
cuidada, e talvez tenha exigido também ajuda para cuidar de irmãos mais novos. Assim, desde
o começo da infância, a pessoa que se desenvolve desse modo descobre que o único vínculo
afetivo de que dispõe é um vínculo em que é sempre ela que deve ser solícita para com os
outros e que a única atenção que poderá receber é a atenção que dá a si mesma. (As crianças
que crescem em instituições também se desenvolvem, por vezes, desse modo.) Tal como na
autoconfiança compulsiva, também neste caso existe muito anseio latente de amor e
solicitude, e muita raiva latente para com os pais por não lhes terem dado amor e atenção; e,
uma vez mais, muita ansiedade e culpa em tomo da expressão desses desejos. Winnicott
(1965) descreveu indivíduos desse tipo como tendo desenvolvido um “falso eu” e concorda
em que a sua origem deve ser encontrada na pessoa que, quando criança, não recebeu
cuidados matemos “suficientemente bons”. Ajudar essa pessoa a descobrir o seu “verdadeiro
eu” implica ajudá-la a reconhecer e a deixar-se possuir pelo seu anseio de amor e atenção, e
por sua raiva para com aqueles que não souberam supri-la quando criança.
Os eventos da vida que são especialmente passíveis de atuar como fatores de estresse
em indivíduos cujo comportamento de ligação se desenvolveu em uma ou outra das direções
até aqui descritas são a doença grave ou morte de uma figura de ligação ou de alguém a quem
se era muito afeiçoado, ou alguma outra forma de separação. Uma doença grave intensifica a
ansiedade e talvez a culpa. A morte ou a separação confirmam as piores expectativas da
pessoa e levam ao desespero e à angústia. Nessas pessoas, o luto por uma morte ou separação
poderá seguir um curso atípico. No caso da ligação ansiosa, o luto tende a se caracterizar por
uma raiva extraordinariamente intensa e (ou) auto-recriminação acompanhada de depressão, e
tende a persistir por muito mais tempo que o normal. No caso da autoconfiança compulsiva, o
luto pode ser protelado por meses ou anos. Entretanto, irritabilidade e tensão geralmente estão
presentes e podem ocorrer depressões episódicas, mas muitas vezes tanto tempo depois, que
se perde de vista a conexão causal com a morte ou separação. Estas formas patológicas de luto
são discutidas por Parkes (1972).
131
As pessoas do tipo até aqui descrito não só são sujeitas a entrar em colapso após uma
perda ou separação, como também podem deparar-se com certas dificuldades típicas quando
casam e têm filhos. Em relação a um cônjuge, uma pessoa pode apresentar uma ligação
ansiosa e fazer constantes exigências de amor e atenção; ou ainda pode apresentar uma
solicitude compulsiva para com o cônjuge, com ressentimento latente por lhe parecer que não
esteja sendo apreciada e nem correspondida. Em relação a um filho, esses padrões também
podem se manifestar. No primeiro caso, a pessoa (pai ou mãe) exige que o filho cuide dela e,
no segundo, insiste em cuidar do filho mesmo quando isso deixou de ser apropriado, o que
resulta em “amor sufocante” (*). Distúrbios do comportamento dos pais resultam também do
fato de o filho ser percebido e tratado como se fosse um irmão mais novo, o que pode resultar,
por exemplo, em um pai sentir ciúme das atenções que sua mulher dispensa ao filho de
ambos.
Uma outra forma comum de distúrbio é quando um dos pais vê em seu filho uma
réplica dele mesmo, especialmente daqueles aspectos que ele se empenhou em reprimir em si
mesmo e que se esforça agora por reprimir também na criança. Nesses esforços, o pai (ou a
mãe) usará provavelmente uma versão dos mesmos métodos de disciplina — talvez rudes e
violentos, talvez reprovadores e sarcásticos, talvez indutores de culpa — a que foi submetido
(a) em criança e que resultaram no desenvolvimento dos mesmos problemas que se empenha
agora em prevenir ou curar, de maneira tão inadequada, no próprio filho. Um marido também
pode perceber e tratar sua mulher do mesmo modo. Analogamente, uma esposa e mãe pode
adotar esse padrão em sua percepção e maneira de tratar o marido ou o filho. Quando nos
defrontamos com um comportamento desagradável e frustrador desse tipo, é importante
lembrar que cada um de nós é capaz de fazer a outros aquilo que nos foi feito. O adulto tirano,
que maltrata os mais fracos, é a criança tiranizada e maltratada que cresceu.
(*) O termo “simbiótico” é usado, por vezes, para descrever essas relações
sufocantemente íntimas. Contudo, o termo não foi bem escolhido, visto que, em biologia,
refere-se a uma parceria mutuamente vantajosa entre dois organismos, ao passo que as
relações familiares assim denominadas são seriamente desajustadas. Descrever a criança
como “superprotegida” é igualmente errôneo, pois não são levadas em conta as insistentes
exigências de atenção que um dos pais está fazendo à criança.
132
Quando um indivíduo adota em relação a si mesmo ou aos outros as mesmas atitudes e
formas de comportamento que seus próprios pais adotaram e podem estar ainda adotando em
relação a ele, pode-se afirmar que ele se identifica com um dos pais. Os processos pelos quais
essas atitudes e formas de comportamento são adquiridas são, presumivelmente, os da
aprendizagem por observação e, assim, não diferem dos processos pelos quais outras formas
complexas de comportamento são adquiridas, inclusive as habilidades úteis.
Dos muitos outros padrões de funcionamento familiar e desenvolvimento da
personalidade perturbados que podem ser entendidos em termos do desenvolvimento
patológico do comportamento de ligação, um dos mais conhecidos é o indivíduo
emocionalmente desligado, incapaz de manter um vínculo afetivo estável com quem quer que
seja. As pessoas com essa incapacidade são classificadas como psicopatas e (ou) histéricas.
São freqüentemente delinqüentes e suicidas. A história típica é de prolongada privação de
cuidados matemos durante os primeiros anos de vida, geralmente combinada com rejeição
posterior ou ameaças de rejeição pelos pais ou pais adotivos (*).
Para explicar por que indivíduos de diferentes tipos continuam apresentando as
características descritas muito depois de terem crescido, parece necessário postular que, sejam
quais forem os modelos representacionais de figuras de ligação e do eu que um indivíduo
constrói durante sua infância e adolescência, eles tendem a persistir relativamente inalterados
até e durante toda a vida adulta. Por conseguinte, esse indivíduo tende a assimilar qualquer
nova pessoa com quem possa formar um vínculo afetivo, a esposa ou um filho, um patrão ou
o terapeuta, a um modelo existente (o de um ou outro de seus pais ou do próprio eu), e
continua freqüentemente a fazê-lo, apesar de repetidas provas de que o modelo é inadequado.
Analogamente, espera ser percebido e tratado por essas pessoas de um modo que seja
apropriado ao seu modelo do eu, e continuará com tais expectativas apesar de provas em
contrário. Tais percepções e expectativas distorcidas levam a diversas crenças errôneas sobre
as outras pessoas, a falsas expectativas acerca do modo como elas se comportarão e a ações
inadequadas, com a intenção de frustrar o comportamento esperado delas. Assim, para darmos
um simples exemplo, um homem que durante a infância foi freqüentemente ameaçado de
abandono pode facilmente atribuir intenções semelhantes à sua esposa. Portanto, interpretará
as coisas que ela diz ou faz em função
Tais são, pois, os elementos de uma psicopatologia baseada na teoria da ligação. Que
orientação ela nos dá para avaliarmos os problemas de um paciente e ajudá-lo?
Em primeiro lugar, devemos decidir se o problema apresentado está entre aqueles a
que a teoria da ligação é aplicável, uma questão que ainda requer muita exploração. Se for
aplicável, examinaremos qual o padrão tipicamente assumido pelo comportamento de ligação
do paciente, levando em conta o que ele nos diz a respeito dele mesmo e das relações que
estabelece, e também como se relaciona conosco, seus ajudantes potenciais. Também
exploramos eventos relevantes de sua
134
vida, principalmente partidas, doenças sérias ou morte, e também chegadas, e examinamos em
que medida os sintomas apresentados podem ser entendidos como respostas recentes ou
tardias a esses eventos. No decorrer dessas explorações, podemos começar a obter alguma
idéia dos padrões de interação que predominam no lar atual do paciente, que pode ser o lar de
sua família de origem ou o da nova família que ele ajudou a criar, ou (talvez especialmente no
caso de mulheres) ambos. Qualquer material histórico que elucide o modo como os padrões
atuais se produziram serve para tornar mais nítidas as nossas percepções.
Uma importante dificuldade nesse processo de avaliação é que a informação oferecida
talvez omita fatos vitais ou os falsifique. Não só os parentes — pais ou cônjuge — são
capazes de omitir, suprimir ou falsificar tais fatos, mas o próprio paciente também poderá
fazê-lo. Isto, é claro, não ocorre por acidente. Em primeiro lugar, é evidente que muitos pais,
que por uma razão ou outra negligenciaram ou rejeitaram um filho pequeno, ameaçaram-no
de abandono, encenaram tentativas de suicídio, tiveram repetidas brigas entre eles ou se
apegaram à criança por causa de seu próprio desejo de contarem com uma figura que lhes
desse atenção, detestarão que os verdadeiros fatos sejam conhecidos. Inevitavelmente,
esperam críticas e recriminações e, assim, preferem distorcer a verdade, algumas vezes
inadvertidamente, outras deliberadamente. Do mesmo modo, os filhos de pais como esses
cresceram sabendo que a verdade não deve ser divulgada e talvez estejam meio convencidos
também de que eles mesmos são culpados por todos os problemas, como seus pais sempre
insistiram em afirmar. Um método comum de manter em segredo os distúrbios familiares
consiste em atribuir os sintomas a alguma outra causa; ele tem medo dos meninos na escola (e
não de que a mãe possa se suicidar); ela sofre de dores de cabeça e indigestão (e não porque a
mãe ameaça repudiá-la se ela sair de casa); ele foi difícil desde que nasceu (não que fosse
indesejado e negligenciado pelos pais); ela está sofrendo de uma depressão endógena (e no
entanto está chorando tardiamente a perda do pai, que ocorreu há muitos anos). Muitas vezes,
o que é descrito como sendo um sintoma é comprovadamente uma resposta que, divorciada da
situação que a provocou, parece inexplicável. Ou então um sintoma surge como resultado da
tentativa feita pelo paciente de evitar reagir com sentimento autêntico a uma situação
verdadeiramente aflitiva ou deprimente. Em um caso ou outro, uma primeira e importante
tarefa consiste em identificar a situação, ou situações, à qual o paciente está respondendo, ou
inibindo uma resposta.
É obviamente desejável que qualquer clínico que empreenda esse tipo de trabalho
disponha de um extenso conhecimento dos padrões
135
desviantes de comportamento de ligação e das experiências familiares patogênicas que
comumente se acredita contribuírem para os mesmos; e também deve estar familiarizado com
os tipos de informações que são freqüentemente omitidas, suprimidas ou falsificadas. Se
houver esse conhecimento, muitas vezes pode tornar-se evidente a falta de alguma informação
crucial ou o caráter duvidoso, quando não claramente falso, de certos tipos de afirmações.
Sobretudo, um clínico com experiência nesse tipo de trabalho sabe quando ainda tem que
descobrir os fatos e está preparado para esperar que as informações importantes venham à
tona ou para sondar cautelosamente as áreas promissoras. Os principiantes são capazes de
saltar para conclusões apressadas e cometer erros.
Ao elaborar um quadro clínico, será prudente o psiquiatra não confiar apenas nos
métodos tradicionais de entrevista mas, sim, sempre que possível, realizar uma ou mais
entrevistas com a família. Nenhuma outra técnica oferece maior probabilidade de revelar
rapidamente os padrões presentes sob sua verdadeira luz e de fornecer pistas sobre o modo
como eles se desenvolveram. Atualmente há numerosos livros sobre psiquiatria da família e
terapia da família. Embora eles chamem a atenção para a imensa influência que diferentes
padrões de interação podem exercer sobre cada membro da família e descrevam técnicas de
entrevista e modos de intervenção, os conceitos que usam não são os da teoria da ligação.
Para os fins da presente exposição eles são, portanto, de valor limitado.
Ainda há muito trabalho a ser feito antes de podermos ter certeza sobre quais os
distúrbios do comportamento de ligação que são tratáveis pela psicoterapia e quais os que não
são; e, se tratáveis, a qual dos vários métodos deve ser dada preferência. Muita coisa depende
da experiência, capacidade e recursos do clínico. De modo geral, podemos acompanhar Malan
(1963), usando como principal critério se o paciente e (ou) os membros de sua família
mostram disposição para explorar o problema apresentado de acordo com as diretrizes
descritas; geralmente, é no decorrer da nossa avaliação que ficará claro se é esse o caso, ou
não. À5 vezes, o paciente e seus familiares reagem, pronta ou relutantemente, à noção de que
o problema ou sintomas de que se queixam parecem fazer sentido em termos dos
acontecimentos e dos distúrbios familiares que estão descrevendo. Não é raro que essas idéias
sejam repulsivas para um ou mais e, ocasionalmente, são rejeitadas como irrelevantes e
absurdas. Dependendo dessas reações é que decidimos a nossa estratégia terapêutica.
Não temos espaço aqui para examinar todos os usos limitações dos muitos padrões
possíveis de intervenção terapêutica — seja com pais
136
e filhos (de todas as idades) ou com casais — que se tornaram hoje uma prática estabelecida.
Entrevistas conjuntas, entrevistas individuais, as duas alternadamente, tudo tem seu lugar,
assim como as sessões prolongadas que podem durar várias horas; mas estamos muito longe
de saber qual o padrão que pode ser indicado como o melhor para um determinado problema.
Existem, porém, certos princípios que são relevantes para qualquer desses procedimentos
terapêuticos. Por uma questão de facilidade de exposição, escolho o caso da terapia
individual, embora assinalando que é possível reformular o enunciado de cada princípio de
modo que se refira aos membros de uma família, em vez de uma única pessoa.
Em meu entender, a um terapeuta cabe realizar um certo número de tarefas inter-
relacionadas, entre as quais estão as seguintes:
(a) em primeiro lugar, e acima de tudo, proporcionar ao paciente uma base segura a partir da
qual ele possa explorar a si mesmo e explorar também suas relações com todos aqueles com
quem estabeleceu, ou poderá estabelecer, um vínculo afetivo; e, simultaneamente, fazer com
que fique claro para ele que todas as decisões sobre como analisar melhor uma situação e
sobre qual a melhor forma de agir devem ser dele, e que acreditamos que, com ajuda, ele é
capaz de tomar essas decisões;
(b) juntar-se ao paciente nessas explorações, encorajando-o a examinar as situações em que
atualmente ele se encontra com pessoas significativas, e os papéis que pode desempenhar
nelas, e também como reage em sentimento, pensamento e ação quando nessas situações;
(c) chamar a atenção do paciente para os modos como, talvez inadvertidamente, ele tende a
interpretar os sentimentos e o comportamento do terapeuta em relação a ele, e para as
previsões que ele (o paciente) faz e as ações que adota em resultado disso; e convidá-lo depois
a examinar se os seus modos de interpretar, predizer e atuar podem ser parcial ou totalmente
inadequados, à luz daquilo que sabe a respeito do terapeuta;
(d) ajudá-lo a examinar como as situações em que geralmente se encontra e suas reações
típicas a elas, incluindo o que pode estar acontecendo entre ele próprio e o terapeuta, podem
ser entendidas em termos das experiências da vida real que teve com figuras de ligação
durante a infância e adolescência (e talvez ainda esteja tendo), e de quais foram então (e
podem ser ainda) suas reações a elas.
137
Embora as quatro tarefas delineadas sejam conceitualmente distintas, na prática têm
que ser empreendidas simultaneamente. Pois uma coisa é o terapeuta fazer tudo o que estiver
ao seu alcance para ser uma figura confiável, útil e constante, e uma outra é o paciente
interpretá-lo como tal e confiar nele. Quanto mais desfavoráveis tiverem sido as experiências
do paciente com seus pais, menos fácil será para ele confiar agora no terapeuta, e mais
facilmente perceberá, interpretará e receberá negativarnente tudo o que o terapeuta fizer e
disser. Além disso, quanto menos confiar no terapeuta, menos lhe contará e mais difícil será
para ambas as partes explorar os eventos dolorosos, assustadores ou misteriosos que possam
ter ocorrido durante os anos de infância e adolescência do paciente. Finalmente, quanto menos
completo e exato for o quadro existente do que aconteceu no passado, mais difícil será para
ambas as partes entenderem os sentimentos e o comportamento atuais do paciente, e maior a
probabilidade de que persistam suas percepções e interpretações errôneas. Assim, verificamos
que cada paciente está confinado num sistema mais ou menos fechado, e só lentamente,
muitas vezes passo a passo, é possível ajudá-lo a escapar.
Das quatro tarefas, aquela que pode esperar mais é o exame do passado, visto que sua
única importância reside nos esclarecimentos que fornece para o presente. A seqüência, para o
terapeuta e o paciente trabalhando juntos freqüentemente poderá ser: primeiro reconhecer que
o paciente tende habitualmente a reagir a um determinado tipo de situação interpessoal de um
certo modo derrotista; em seguida, examinar que tipos de sentimentos e expectativas tais
situações comumente despertam nele; e, só depois disso, examinar se ele pode ter tido
experiências, recentes ou em seu passado distante, que contribuíram para o fato de ele reagir
com esses sentimentos e expectativas nas situações apresentadas. Dessa forma, lembranças de
experiências relevantes são evocadas, não simplesmente como acontecimentos infelizes, mas
em termos da influência penetrante que exercem no presente sobre os sentimentos,
pensamentos e ações do paciente.
É evidente que um grande número de psicoterapeutas, independentemente de suas
concepções teóricas, dedicam-se habitualmente a essas tarefas, de modo que muito do que
estou dizendo lhes é familiar há muito tempo. Na terminologia tradicional, as tarefas são
mencionadas como fornecimento de apoio, interpretação da transferência, e construção ou
reconstrução de situações passadas. Se é que há novos pontos que merecem ênfase na presente
formulação, eles são:
(a) atribuição de um lugar central, não só na prática mas também
138
em teoria, do nosso papel de dotar um paciente com uma base segura, a partir da qual ele
possa explorar e depois chegar às suas próprias conclusões e tomar suas próprias decisões;
(b) rejeitar as interpretações que postulam várias formas de fantasia mais ou menos
primitivas, e optar pela concentração nas experiências da vida real do paciente;
(c) voltar a atenção particularmente para os detalhes de como os pais do paciente podem
realmente ter-se comportado em relação a ele, não só durante sua infância mas também
durante a adolescência e até o presente; e também para o modo como ele costuma reagir;
(d) utilizar as interrupções no decorrer do tratamento, especialmente as impostas pelo
terapeuta, quer rotineiramente, como no caso de férias, quer excepcionalmente, como no caso
de doença ou outras oportunidades: primeiro, para observar como o paciente interpreta uma
separação e como reage a ela; depois, para ajudá-lo a reconhecer como está interpretando e
reagindo; e, finalmente, para examinar com ele como e por que ele se desenvolveria desse
modo.
Uma insistência no princípio de que a atenção de um paciente deve se voltar para o
exame do que podem ter sido suas experiências reais, e como essas experiências podem ainda
influenciá-lo, freqüentemente dá origem a um mal-entendido. Poder-se-á perguntar: será que
não estamos apenas encorajando um paciente a atribuir toda a responsabilidade por seus
problemas aos pais dele? E, sendo assim, que benefício pode resultar disso? Em primeiro
lugar, cumpre enfatizar que, como terapeutas, não nos compete determinar quem deve ser
incriminado ou por que razões. Nossa tarefa consiste, sim, em ajudar um paciente a
compreender em que medida ele percebe e interpreta erroneamente a conduta daqueles a
quem estima ou poderia estimar no presente, e como, em conseqüência, ele trata essas pessoas
de uma forma que produz resultados que ele lamenta ou deplora. Nossa tarefa, de fato,
consiste em ajudá-lo a reexaminar os modelos representacionais das figuras de ligação e dele
mesmo que, sem que se aperceba disso, estão governando suas percepções, previsões e ações,
e como esses modelos podem ter sido desenvolvidos durante sua infância e adolescência e, se
ele achar conveniente, ajudá-lo a modificar esses modelos à luz de experiências mais recentes.
Em segundo lugar, considerando que um paciente atribui culpas facilmente, devemos ser
capazes de assinalar as dificuldades emocionais e as experiências infelizes por que seus pais
talvez
139
tenham passado, despertando, assim, a sua simpatia e compreensão. Tendo em mente o nosso
papel médico, devemos abordar o comportamento dos pais, que pode ser profundamente
lamentável, de um modo tão objetivo quanto o modo pelo qual tentamos abordar o
comportamento do próprio paciente. O nosso papel não é atribuir culpas nem apontar
culpados, mas identificar cadeias causais com a finalidade de rompê-las ou atenuar suas
conseqüências.
Este é o momento oportuno para nos referirmos à terapia familiar, urna vez que, no
decorrer das entrevistas com a família, talvez seja possível adquirir uma perspectiva muito
mais extensa sobre o modo como surgiram as dificuldades atuais. Usando essas ocasiões para
traçar urna árvore genealógica detalhada, dados vitais podem ser desenterrados pela primeira
vez, especialmente quando são incluídos os avós. Como observou um colega, “é
surpreendente ver os efeitos que tem sobre um paciente ouvir seus avós falarem a respeito dos
avós deles”.
Embora eu acredite que os mesmos princípios se apliquem tanto à terapia familiar
como à terapia individual, as diferenças na aplicação são numerosas demais para podermos
discuti-las aqui, merecendo ser examinadas em detalhe num estudo à parte. Uma diferença
pode, entretanto, ser mencionada. Urna finalidade precípua da terapia familiar é habilitar
todos os membros da família a relacionarem-se uns com os outros de modo a que cada
membro possa encontrar uma base segura em seu relacionamento com a família, como ocorre
em todas as famílias que têm um funcionamento sadio. Com esse objetivo em vista, a atenção
se volta para a compreensão dos métodos pelos quais os membros da família às vezes
conseguem oferecer uns aos outros uma base segura, mas outras vezes não, por exemplo,
interpretando erroneamente os papéis uns dos outros, desenvolvendo falsas expectativas uns
em relação aos outros, ou quando dirigem a um membro da família formas de comportamento
que seriam adequadas se dirigidas a um outro. Por conseguinte, na terapia familiar, será
reservado menos tempo à interpretação da transferência do que na terapia individual. Uma
vantagem fundamental é que, quando a terapia se mostra eficaz, pode freqüentemente
terminar mais cedo e com menor dor e perturbação do que a terapia individual, no decorrer da
qual um paciente pode facilmente acabar considerando o terapeuta como a única base segura
que lhe é possível imaginar.
Voltemos agora a falar em termos de terapia individual.
Já enfatizei que, em minha opinião, uma importante tarefa terapêutica consiste em
ajudar um paciente a descobrir quais são as situações, atuais ou passadas, com que os seus
sintomas se relacionam, quer
140
se trate de respostas a essas situações ou de efeitos secundários da tentativa de não reagir a
elas. Entretanto, como foi o paciente que esteve exposto à situação em questão, ele já possui,
num certo sentido, todas as informações relevantes. Por que é, então, que ele necessita de
tanta ajuda para descobri-la?
O fato é que grande parte das informações mais importantes referem-se a eventos
extremamente dolorosos ou assustadores que o paciente, na verdade, preferiria esquecer.
Lembranças de ter sido sempre considerado inconveniente, de t•er tido que cuidar de uma
mãe deprimida, em vez de ter sido cuidado por ela, do terror e raiva que sentia quando o pai
era violento ou a mãe fazia ameaças, da culpa que o invadia quando lhe diziam que seu
comportamento faria seus pais ficarem doentes, do pesar, desespero e raiva que o dominavam
depois de uma perda, ou da intensidade de seus anseios não correspondidos durante um
período de separação forçada. Ninguém pode recordar tais eventos sem que se renove o seu
sentimento de angústia, ou raiva, ou culpa, ou desespero. Ninguém faz questão de acreditar
que seus próprios pais, que em outras ocasiões podem ter sido carinhosos e solícitos, em
alguns momentos se comportaram de forma mais deprimente. E, por outro lado, é muito
pouco provável que os pais estimulem seus filhos a registrar ou a recordar tais
acontecimentos; com efeito, com muita freqüência eles tentam negar as percepções dos filhos
e impõem-lhes o silêncio. Para os pais é igualmente penoso examinarem de que maneira o
próprio comportamento deles pode ter contribuído, e talvez ainda esteja contribuindo, para os
problemas atuais do filho. Portanto, existem, de todas as partes, fortes pressões para o
esquecimento e a distorção, a repressão e a falsificação, inocentando-se uma parte e
incriminando-se a outra. Concluímos, pois, que os processos defensivos têm como objetivo
impedir o reconhecimento ou a recordação de eventos da vida real e os sentimentos por eles
suscitados, assim como sempre tiveram por objetivo a tomada de consciência de impulsos ou
fantasias inconscientes. Com efeito, muitas vezes só quando a trajetória detalhada de alguma
relação perturbada e aflitiva é recordada e descrita é que vêm à mente o sentimento
despertado por ela e as ações cogitadas em resposta. Lembro-me bem de como uma jovem
inibida e silenciosa, de pouco mais de 20 anos, propensa a estados de ânimo supostamente
imprevisíveis e a crises histéricas em casa, respondeu ao meu comentário: “tenho a impressão
de que sua mãe realmente nunca a amou”. (Ela era a segunda filha, sendo seguida de perto por
dois filhos muito desejados.) Lavada em lágrimas, ela confirmou a minha opinião, citando,
palavra por palavra, comentários feitos pela mãe desde a infância até o presente, e o
desespero,
141
ciúme e raiva que o modo como a mãe a tratava despertavam nela. Seguiu-se naturalmente a
análise de sua profunda convicção de que eu também a achava antipática e de que suas
relações comigo seriam tão desastrosas quanto com a mãe, o que explicava os silêncios mal-
humorados que vinham impedindo a terapia.
A técnica desenvolvida para ajudar pessoas que sofreram perdas ilustra bem os
princípios que estou descrevendo. Nesse trabalho, os eventos em questão e os sentimentos,
pensamentos e ações por ele suscitados são recentes e, assim, comparados com os eventos e as
reações da infância, têm maiores probabilidades de ser recordados com nitidez e exatidão. Os
sentimentos dolorosos, além disso, ainda estão freqüentemente presentes ou, pelo menos, são
mais facilmente acessíveis.
Aqueles que se dedicam ao aconselhamento de pessoas que sofreram perdas (por
exemplo, Raphael, 1975) apuraram empiricamente que, para que elas sejam ajudadas, é
necessário encorajá-las a recordar e a descrever, muito detalhadamente, todos os eventos que
conduziram à perda, as circunstâncias que a cercaram e as experiências por que passou desde
então; com efeito, parece que somente desse modo é que uma viúva (*), ou qualquer outra
pessoa que sofreu uma perda, consegue distinguir suas esperanças, arrependimentos e
desesperos, sua ansiedade, raiva e talvez culpa, e, tão importante quanto isso, recapitular todas
as ações e reações que pretendia (e talvez ainda pretenda) realizar, por mais inadequadas e
arrasadoras que muitas delas sempre tenham sido, e certamente seriam agora. E desejável que
a pessoa que sofreu uma perda recapitule não só tudo o que cercou essa perda, como também
toda a história do relacionamento, todas as suas satisfações e deficiências, as coisas que foram
feitas e aquelas que ficaram por fazer. De fato, parece que só quando consegue relembrar e
reorganizar a experiência passada é que se torna possível para ela considerar-se viúva, refletir
sobre todas as suas possibilidades frituras, com suas limitações e oportunidades, e tirar delas o
maior proveito, sem tensões nem esgotamentos subseqüentes. O mesmo se aplica, é claro, a
viúvos e a pais que perderam um filho.
Até aqui, não mencionei qualquer conselho. A experiência do aconselhamento a
pessoas que sofreram perda mostra que, até que elas tenham tido tempo suficiente para
avançar em sua recapitulação do passado e em sua reorientação para o futuro, os conselhos
são muito mais nocivos do que benéficos. Além disso, a pessoa necessita muito mais de
informação do que de conselhos. Pois a situação da vida de uma
(*) As distinções que estou fazendo são idênticas às feitas por Neki (1976), que
estabelece o contraste do valor dado pela cultura índia a “ligações afiliativas fortemente
interdependentes, fomentadas e levadas até a idade adulta” com o valor ocidental de
“independência orientada para a realização pessoal”. O seu exame de como esses ideais
divergentes afetam a terapia nesses aspectos obedece a diretrizes muito semelhantes às aqui
delineadas.
148
exatamente de acordo com essa orientação, de forma que é impossível qualquer investigação
dos resultados. O máximo que se pode dizer é que certas provas indiretas são promissoras.
Provêm de investigações sobre a eficácia da psicoterapia breve e do aconselhamento a
pacientes que sofreram perda.
Malan (1963, 1973) vem examinando há muitos anos os resultados da psicoterapia
breve (definida arbitrariamente como tendo, no máximo, 40 sessões) e concluiu que se pode
especificar um grupo de pacientes suscetíveis de se beneficiarem com um certo tipo de
psicoterapia cujas características também podem ser especificadas. Os pacientes que têm
possibilidade de colher benefícios são aqueles que, durante as primeiras entrevistas, mostram-
se aptos a enfrentar o conflito emocional e estão dispostos a explorar sentimentos e a
colaborar dentro de uma relação terapêutica. A técnica que provou ser eficaz foi aquela em
que o terapeuta se sentiu apto a compreender os problemas do paciente e a formular um plano;
e em que acompanhou a relação de transferência e a interpretou francamente, prestando
especial atenção à ansiedade e raiva do paciente quando o terapeuta fixou uma data de
término.
Na repetição do estudo, Malan e seus colegas chegaram à mesma conclusão. Além
disso, apuraram que “um importante fator terapêutico é a disposição do paciente para
envolver-se de um modo que repita uma relação da infância” com um ou outro de seus pais,
ou com ambos, e a sua habilidade, com a ajuda do terapeuta, para reconhecer o que está
acontecendo (Malan, 1973). Um estudo subseqüente feito pelo mesmo grupo, desta vez com
pacientes que melhoraram depois de uma única entrevista, apresenta novos dados que
comprovam essa conclusão (Malan e outros, 1975).
Embora a teoria de psicopatologia usada por Malan e seus colegas seja diferente, em
alguns aspectos, da que delineamos aqui, existem certas semelhanças importantes. Além
disso, como será notado, existe uma considerável semelhança entre os princípios de técnica
que ele considera eficazes e os defendidos aqui.
A avaliação da eficácia do aconselhamento a viúvas consideradas como tendo um
prognóstico desfavorável também aponta numa direção promissora. Entre as viúvas que
receberam a forma de aconselhamento acima descrito, apurou-se que o número das que
tinham progredido favoravelmente, ao fim de treze meses, era significativamente maior do
que entre as de um grupo de controle que não recebera qualquer espécie de aconselhamento
(Raphael e Maddison, 1976).
Deve-se reconhecer, é claro, que delinear princípios de terapia é muitíssimo mais fácil
do que aplicá-los nas condições sempre variadas
149
da prática clínica. Além disso, a própria teoria ainda se encontra num estágio inicial de
desenvolvimento, e muito trabalho ainda precisa ser feito. Entre as tarefas prioritárias está
determinar tanto a gama de condições clínicas para as quais a teoria é relevante como as
variantes particulares da técnica mais adequadas para tratá-las.
Entretanto, aqueles que adotam a teoria da ligação acreditam que tanto a sua estrutura
como sua relação com os dados empíricos são hoje tais que a sua utilidade pode ser testada
sistematicamente. Nos campos da etiologia e da psicopatologia, ela pode ser usada para
elaborar hipóteses específicas que relacionam diferentes formas de experiência familiar com
diferentes formas de distúrbio psiquiátrico e também, talvez, com as mudanças
neurofisiológicas que as acompanham, como Hamburg e seus colegas (1974) acreditam. No
campo da psicoterapia, pode ser usada para especificar a técnica terapêutica, descrever o
processo terapêutico e, dados os desenvolvimentos técnicos necessários, para medir a
mudança. À medida que as pesquisas prosseguirem, a própria teoria será, sem dúvida,
modificada e ampliada. Isso nos dá a esperança de que, no devido momento, a teoria da
ligação se mostre útil como um componente no seio do corpo mais amplo da ciência
psiquiátrica, que Henry Maudsley se esforçou ao máximo por fomentar.
Notas
(1) Outros campos clinicamente importantes a que a teoria da ligação foi aplicada
eficazmente são as origens do vínculo mãe-bebê durante o período neonatal, por Marshall
Klaus e John Kennell (1976), distúrbios do relacionamento conjugal, por Janet Mattinson e
Ian Sinclair (1979), e as conseqüências emocionais da separação conjugal, por Robert S.
Weiss (1975).
(2) Nos Capítulos 4 e 20 de Attachment and Loss, Volume 3, tracei um esboço do
modo como os processos defensivos podem ser abordados em termos de processamento de
informação humana. Ver também a monografia de Emanuel Peterfreund (1971).
150
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Indice de nomes
Abraham, K., 54, 58
Adam, K. S., 75
Adams, J. E., 143
Ahrens, R., 36
Ainsworth, M. D. S., 40, 44, 64, 67, 103-4, 107, 117, 122
Altschul, S., 147
Ambrose, Anthony, 35
Anderson, J. W., 103
Anthony, E.J., 77
Argies, P., 145
Aubry,J., 45
Balint, M., 121, 146, 147
Barnes, M. J., 87
Barrie, James, 35
Bateson, P. P. G., 64
Baumrind, D., 107
Beach, F. A., 28, 29, 32
Beil, S. M. 104, 122
Bischoff, M., 122
Blauvelt, H., 28
Bleuler, E., 4
Biurtonjones, N., 40, 122
Bowlby, J., ambivalência, 11; ansiedade de separação, 112; estratégias de pesquisa, 44;
ligação, 109, 127, 128; luto, 46, 52, 56, 57, 78, 80, 82, 89-90; perda, 44, 56, 69, 89-90, 121;
pesar da criança, 84, 85; vínculos, 67; vínculom 43
Brackbill, Y., 37
Brady, lan, 68
Brown, F., 68, 70
Brown, George, 75
Bruhn, J. G., 69
Burlingham, Dorothy, 9, 45, 51, 85
Cairus, R. B., 66
Cailender, W. M., 45
Caplan, G., 145
Cohen, M. B. 146
Craft, M., 68
Darwin, Charles, 25-7, 32, 81
David, M., 45
Davis, C. M., 12
Dennehy, C. M. 68, 70, 71
Dennis, W., 35-6
Deutsch, Helene, 50, 52, 56, 58, 147
Deutsch, J. A., 31, 32
Dollard, J., 65
Earle, A. M., 68
Earle, B. V., 68
Emerson, P., 64
Engel, G., 47
Epps, P., 68
Erdelyi, M. H., 134
Erikson, E. H., 128
Fairbairn, W. R. D., 56, 58, 100, 121, 128
163
Fisk, F., 53
Fleming, J., 147
Freud, Anna, 9, 22, 45, 51, 56, 85
Freud, E. L., 84
Freud, S., 1, 3, 4, 5, 7, 19, 20, 23, 24, 30, 39, 47-8, 52, 54, 56, 57, 58, 65, 83-4, 103, 112, 113
Furman, E., 61
Gerö, G., 55, 58
Gewirtz, J. L., 38, 122
Glick, I. O., 61, 96
Goldfarb, W., 44
Gosling, R. G., 97
Granger, C., 68
Greer, S., 68, 69
Grinker, R. R., 101, 102
Gunn, J. C., 68, 69
Guntrip, H., 121, 146
Hamburg, D. A., 143, 150
Harlow, H. F., 43, 66, 121
Harlow, M. R., 66
Harris, Tirril, 75
Havighurst, R. J., 102
Heard, D. H., 145, 147
Heathers, G., 38
Heinicke, Christoph, 11, 44, 61, 71-2, 84, 122
Heinroth, O., 28, 36
Henderson, A. S., 130
Hilgard, J. R., 53,59
Hill, O. W., 70
Hinde, R. A., 31, 40, 64, 74, 111, 114, 116, 122, 126
Holmes, F. B., 113, 116
Holt, K. S., 45
Hunt, J. McV., 33
Illingworth, R. S., 45
Jacobson, E., 47, 55, 58
James, Wilhiam, 32
Jaynes, J., 29
Jersild, A. T., 113, 116, 126
Kennell, J. H., 150
Kessel, N., 69
Klaus, M. H., 150
Naess, S., 68
Neki, J. S., 148
Newman, M. F., 53, 59
Nicolas, J., 45
Padifla, S. G., 33
Parker, A. S., 63
Parkes, C. M., 61, 67, 77, 78, 80, 81, 82, 84, 92, 96, 122, 130, 132
Paul, N. L., 145
Peck, R. F., 102
Pedder, J., 147
Peterfreund, E., 150
Piaget, J., 21, 23, 25, 39
Pollock, G. H., 49
Popper, Yana, 10
Price, J. S., 70
Prugh, D., 45
Raphael, B., 142, 149
Robertson, J., 44, 84, 111, 121
164
Rollman-Branch, H. S., 43
Root, N., 51
Rosen, V. H., 147
Roudinesco, J., 45
Rowell, T. E., 116
Ruff, G. E., 101
Sade, D. S., 64
Schaffer, H. R., 43, 45, 64
Sears, R. R., 65
Seligman, M. E. P., 148
Shakespeare, W., 88
Shaw, Bernard, 14
Sinclair, 1. A. C., 150
Sluckin, W., 64
Spencer-Booth, Y., 64, 74, 111
Spitz, R. A., 36, 37
Stayton, D. J., 104, 122
Stengel, E., 56, 58
Stephenson, G., 68
Stern, D. N., 22
Stewart, A. H., 16
Strachey, A., 110
Sutherland, J. D., 1
Thoday,J. M., 63
Thorpe, W. H., 27, 33
Tinbergen, N., 21, 27, 29, 30
165