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Direito Das Obrigações I Menezes Cordeiro (Final)
Direito Das Obrigações I Menezes Cordeiro (Final)
普京的法律大学
大象城堡
2014/2015
Professor António Menezes Cordeiro
YAY! Talvez sem saber como, possivelmente – também – no êxito e compromisso da ambição, o
segundo ano cá está!
Desejando boa sorte, cabe-me alertar para o facto de a sebenta ter, certamente, pequenas
imprecisões que, por lapso e sem intenção, nela perpassaram. Leiam criticamente, como tudo
em ciência! E não dispensem a consulta dos manuais (só por si excelentes, na brilhante
academicidade e cientificidade do autor, excecionais!).
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Secção II: Relatividade E A Eficácia Perante Terceiros
- no direito de crédito, haveria uma verdadeira relação jurídica entre duas pessoas
determinadas: o credor e devedor; pelo contrário, o direito real, surgiria ou uma “relação” de
aproveitamento da coisa ou uma “relação” universal: em qualquer das leituras, seria absoluto;
- no direito de crédito, o credor está legitimado, pelo Direito, para exigir o cumprimento
ao devedor e apenas ao devedor; pelo contrário, em direitos reais, o titular pode obter a
restituição da coisa de qualquer terceiro (1311.º, n.º1), assim como, também de qualquer
terceiro, pode exigir o respeito pela sua própria posição;
À partida, a matéria parece clara, lógica e justa. A clivagem existente entre os direitos
de crédito e os direitos reais pode adequadamente ser figurada como a relatividade dos
primeiros e a absolutidade dos segundos. É certo que a contraposição alicerçou-se na conceção
moderna de direito real (a do poder absoluto, derivado de relação universal) hoje abandonada.
Todavia, sabemos que o Direito Civil não é (sempre) lógico. E por isso, fatores de absorção
estrutural, teleológica, funcional e linguística levaram a que, nas obrigações, surgissem figuras
de exceção a algum (ou a vários) dos três fatores acima apontados, outro tanto sucedendo em
direitos reais. Tais exceções foram adquirindo significado, em termos de se justificar uma análise
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da matéria. Temos de fixar o preciso alcance dos termos, antes de proceder a uma sua utilização
dogmática. Ora, no tocante à relatividade dos créditos, temos, desde logo, três possíveis aceções:
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- estrutural: os créditos seriam relativos por pressuporem uma relação jurídica: os reais
seriam absolutos por consignarem, para o seu titular, uma posição isolada (ab + soluta);
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direito potestativo permite, a uma das partes, alterar uma situação jurídica de outra,
independentemente da vontade desta. Para um leigo, parece haver uma relação entre o titular
e a pessoa sujeita; para um jurista, a “relação” existente não é uma técnica relação obrigacional, 4
porque os regimes são muito diferentes. Numa relação obrigação, um devedor fica adstrito a
uma prestação. Aplica-se-lhe todo um complexo de normas relativas à manutenção do dever de
prestar, às suas vicissitudes e à sua execução. Numa situação de sujeição, a pessoa sujeita nada
pode fazer; logo: nada deve fazer. O regime é totalmente diferente, o que permite concluir que
a ligação direito potestativo/sujeição não é uma relação obrigacional. Consideramo-la
estruturalmente absoluta, porquanto independente (ab-soluta) de qualquer atuação do não-
titular. Quanto a saber se há direitos de crédito potestativos: se limitarmos o crédito à pretensão
a uma prestação, é obvio que não há. Teríamos de abrir uma categoria de “direitos potestativos”.
O problema coloca-se no plano histórico-cultural dos créditos. Por muito que custe a admitir, as
categorias civis não são, somente, lógico-formais. Surgem condicionadas pela evolução histórica
e pelas diversas coberturas linguísticas. A essa luz, o direito subjetivo é uma categoria
compreensiva e não analítica. E por isso todos consideram o direito potestativo como um direito
subjetivo embora, estruturalmente, seja diverso: o direito subjetivo deriva de uma norma de
permissão, enquanto o direito potestativo resulta de uma norma que confere poderes. Dado
este passo, regressemos ao direito de crédito. Sendo compreensivo, ele diz-nos que visa o
aproveitamento de uma prestação. Esse aproveitamento fez-se, nuclearmente, pela execução,
a cargo do devedor, da prestação principal. Mas não há apenas: há aproveitamentos nucleares
da relação obrigacional que derivam de exercícios potestativos; há aproveitamentos da
prestação principal que implicam tais exercícios; e há posições instrumentais dento da relação
complexa, também potestativas. Em suma: por via de compreensividade do direito subjetivo, há
menos créditos potestativos ou, pelo menos, elementos potestativos creditícios. E como a ideia
de “estrutura” é lógico- analítica e não compreensiva, temos de admitir créditos
estruturalmente absolutos ou, pelo menos, subestruturas absolutas dentro das relações
obrigacionais globalmente relativas. Outra fonte de problemas é representada pelos direitos
pessoais de gozo. Como vimos, estes direitos compreendem um núcleo permissivo, virado para
uma coisa corpórea. Este núcleo é estruturalmente absoluto: o titular goza a coisa mercê da sua
própria atividade (ab solutum) e não por via de qualquer prestação. Elementos relativos surgem
no plano secundário e nos deveres acessórios ou, pelo menos, em alguns destes. De todo o
modo, não é possível proclamar o direitos pessoais de gozo como “relativos”: o gozo é, por
definição, absoluto. Também aqui a relatividade (estrutural), enquanto vetor dogmático
omnipresente, falha.
Relatividade tendencial e sistema: tudo visto, poderemos dizer que a obrigação típica envolve
uma relação jurídica (técnica), entre o credor e o devedor. Mas há situações histórica e
sistematicamente consideradas obrigacionais que, seja por envolverem elementos potestativos,
seja por implicarem direitos de gozo (pessoais), não se podem reconduzir a relações jurídicas:
não são relativas. Fica-nos a relatividade estrutural como uma característica tendencial,
operante no plano do sistema, mas que não tem de estar concretamente presente em todas as
situações obrigacionais. Por isso encontrámos a relatividade como mero princípio. Esta
“relativização da relatividade”, que abaixo retomaremos, é acompanhada pela “relativização da
absolutidade” dos direitos reais. Podemos inferir, desta rúbrica, que não é possível preconizar
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- oponibilidade forte: traduz a pretensão que o titular de um direito tem de exigir o quid
valioso que o Direito lhe atribui: pode ser erga omnes (o poder de reivindicar a coisa, conferido
ao proprietário, artigo 1311.º) ou inter partes (o poder de exigir o cumprimento ao devedor
cometido ao credor);
Passando aos créditos, parece indubitável que eles estão dotados de uma oponibilidade
forte inter partes: o credor pode exigir contra o devedor inadimplente (817.º) e apenas contra
ele; o proprietário pode exigir a coisa a qualquer pessoa que a possua ou a detenha (1311.º, n.1).
Deve explicar-se que, mau grado a relatividade estrutural, a obrigação admite a intromissão de
terceiros, desde que dirigida à satisfação do credor: 767.º, n.º1. Não pode é o cumprimento ser
exigido a terceiro. A regra será, pois: uma oponibilidade forte meramente inter partes, para os
créditos e uma oponibilidade forte erga omnes, para os direitos reais. Mas se esta é a regra, logo
deparamos com exceções. Elas são de três tipos:
A lei portuguesa admite que os titulares de certos direitos de crédito possam, por uma
declaração de vontade e uma subsequente inscrição, adquirir uma oponibilidade erga omnes.
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Temos, depois, diversos institutos que permitem, a um credor, obter o em ou o valor a que tem
direito, das mãos de um terceiro. Assim sucede, desde logo, na hipótese da ação direta (336.º,
n.º1). De seguida, surgem as hipóteses de ação sub-rogatória e de ação pauliana. No primeiro 6
caso, o credor exerce, contra terceiros, um direito patrimonial do devedor, quando isso se
manifeste essencial para a satisfação do seu próprio credito (606.º, n.º 1 e 2). Na mesma linha,
podem os credores invocar a prescrição favorável ao devedor (305.º, n.º1), bem como a nulidade
de atos por ele praticados (605.º, n.º1); podem, ainda, aceitar a herança do devedor (2067.º,
n.º1). Em todos estes casos, um credor exerce (“opõe”) o crédito contra terceiros, aos quais vai
exigir o valor que lhe cabe. Na ação pauliana, o credor pode impugnar os atos do devedor que
envolvam a diminuição da garantia patrimonial do seu crédito (610.º, n.º1), verificados
determinados requisitos. Ainda pela pauliana, o credor pode exigir a restituição dos bens a
terceiros ou executá-los no próprio património do obrigado à restituição (616.º, n.º1). De novo
o credor obtém de terceiros, aquilo a que tem direito. Em suma: no Direito das Obrigações e
tendencialmente, o credor (só) pode exigir o bem, serviço ou valor a que tenha direito, ao
próprio devedor. Será uma oponibilidade forte inter pares, que contracena com a oponibilidade
forte erga omnes, que provém dos direitos reais. Todavia, essa regra não funciona sempre,
podendo haver recortes negativos, quer nos reais, quer nas obrigações. Tais recortes nem são
(ou não são sempre) excecionais: dependem do entrecruzar de normas, de princípios e de
institutos. A oponibilidade forte inter pares (apenas) é tendencial e ordenadora.
Seja qual for a explicação para estes fenómenos, parece patente que, da obrigação
nuclear, contratada entre o promitente e o promissário, advêm efeitos nas esferas de terceiros.
Em princípio, tais efeitos predem-se com prestações secundárias; não é de excluir que envolvam
a própria prestação principal. Aditando, podemos explicar que certos contratos postulam, pela
sua natureza e pela exigência do sistema, deveres acessórios não só para defesa dos interesses
do credor mas, também, dos de terceiros. Esta problemática poderia resolver-se à luz da
responsabilidade aquiliana: dizendo que a responsabilidade do devedor para com terceiros se
teria ficado a dever à violação culposa de direitos de personalidade, como o direito à integridade
física, por via do artigo 483.º do Código Civil. Mas tal solução não confere uma proteção (tão)
eficaz como a dos contratos com proteção de terceiros; estes beneficiam, aqui, da preciosa
presunção de culpa/ilicitude, tal como resulta do artigo 799.º, do Código Civil. Através dos
contratos com proteção de terceiros, verifica-se que o devedor tem deveres para cumprir não
apenas para com o credor mas, também, perante terceiros. Podemos ainda reconduzir à
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«As obrigações são direito relativos. A norma só diz respeito ao devedor e não a outras
pessoas. Os interesses do credor só são protegidos às custas dos interesses do devedor e não às
custas dos interesses de terceiros. Um terceiro não pode violar a obrigação. Através desta
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limitação à proteção, os direitos de crédito distinguem-se dos “direitos absolutos”, nos quais a
norma de proteção diz respeito a todos, tal como sucede com os direitos reais, os direitos de
autor e outros direitos patrimoniais sobre a empresa. O direito absoluto assemelha-se a uma 8
fortificação, que concede proteção em todas as direções; o direito obrigacional a uma barricada,
que só protege numa direção, mas que não impede ataques de outras direções.»
Colocação do problema: a oponibilidade forte tem a ver com a exigência, erga omnes ou inter
partes, do bem devido, enquanto a oponibilidade média se reporta a deveres específicos que,
não se confundindo com o cumprimento, visem tutelar a posição do credor. A oponibilidade
fraca joga como dever geral de respeito: existe sempre ou apenas opera perante os direitos
absolutos. À partida, dir-se-ia que apenas o devedor é responsável pelo incumprimento de uma
obrigação (798.º). E essa afirmação é tanto mais impressiva quanto é certo que, de tal
incumprimento, nasce um tipo de responsabilidade específico (a responsabilidade obrigacional),
marcada, entre outros aspetos, por uma presunção de culpa (e de ilicitude, artigo 799.º, n.º1)
que faz, dela, um instituto muito enérgico. Já no tocante a outros direitos, designadamente aos
absolutos: qualquer terceiro que, com dolo ou negligência, ilicitamente os violasse, cairia e
responsabilidade (483, n.º1). Uma responsabilidade mais lassa, uma vez que não assenta em
qualquer presunção (487.º, n.º1): a responsabilidade aquiliana, operacional erga omnes. A
relatividade na responsabilidade poder-se-ia ficar por aqui: os créditos são relativos porque
apenas eles, quando violados, dão azo à responsabilidade obrigacional. Mas vai, na doutrina
comum, mais longe: não só apenas os créditos dão azo à responsabilidade obrigacional (inter
partes) como também esses mesmos créditos não poderiam dar lugar à responsabilidade
aquiliana. Paralelamente, os direitos absolutos, designadamente os reais, só obteriam a tutela
adveniente da violação do dever geral de respeito (erga omnes) e não uma tutela mais
especializada, que se traduziria na inobservância de deveres específicos. Em síntese: teríamos,
para os créditos, uma responsabilidade mais forte e eficaz, mas apenas inter partes ou relativa;
para os direitos absolutos, especialmente o reais, quedaria uma responsabilidade mais solta,
mas erga omnes. Mas o Direito Civil não é (apenas) lógica, enquanto a riqueza da vida e a
diferenciação das situações que, nela, vão surgindo, também se não compadecem com
esquemas rígidos.
Tutela relativa dos direitos absolutos: a uma primeira leitura, a proteção geral dos direitos
absolutos funcionaria perante atuações ilícitas de terceiros. O dever genérico de respeito,
radicado no artigo 483.º, n.º1, exigiria, simplesmente, abstenções. O artigo 486.º poderia
mesmo depor nesse sentido. Um pouco de reflexão logo mostra que não é assim. A pessoa que,
vendo uma criança a afogar-se numa piscina, podendo retirá-la sem problemas, o não faça,
pratica um homicídio doloso direto. Temos de inferir que a responsabilidade aquiliana não se
limita a exigir abstenções: ela segrega deveres de atuação positivos, que devem ser respeitados.
Trata-se da doutrina dos deveres de tráfego. Os deveres de tráfego são, hoje, derivados do artigo
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483.º, n.º1. Fundamentalmente eles surgem quando alguém crie ou controle uma fonte de
perigo: cabem-lhes, então, medidas necessárias para prevenir ou evitar danos. A matéria dá
lugar a extensas seriações de ocorrências relevantes. Podemos elencar: 9
- a criação do perigo: aquele que dê azo ao perigo deve tomar as medidas adequadas;
- a responsabilidade pelo espaço: quem controle um espaço deve prevenir perigos que
lá ocorram ou possam ocorrer: quem tem a vantagem do lugar deve assumir os deveres que daí
decorram;
- a abertura ao tráfego: quem tenha um lugar aberto ao tráfego deve garantir a sua
segurança;
- introdução de bens no tráfego: o seu autor responde pelos danos daí resultantes;
- responsabilidade do Estado: pense-se nos danos causados por coisas sob controlo
público ou em relações de especial proximidade;
- responsabilidade pelo governo da casa: quem o tenha deve assegurar-se que, daí não
resultam danos.
Tutela absoluta dos direitos relativos: coloquemos agora a questão em termos materiais: os
direitos de crédito podem ser atingidos por terceiros e, sendo-o, contemporizará o Direito
moderno com tal eventualidade? Enquanto vínculo abstrato, a obrigação não pode ser atingida
por terceiros: é uma pura criação do espirito. Apenas o devedor poderá, aquando do
cumprimento, não o levar a cabo. Só que a obrigação não é – ou pode não ser – apenas uma
criação do espírito. Por vezes, ela exigirá suportes materiais, condições ambientais e agentes
humanos. Quem atingir esses elementos circundantes estará, automaticamente, a impedir o
credor de alcançar as vantagens que a Ordem Jurídica lhe destinou. Poder-se-ia contrapor que,
em todas essas eventualidades, o crédito não é diretamente atingido. Caberia ao devedor
“lesado” ressarcir-se e, depois, ressarcir o seu credor. Em todos os casos e sobretudo, quando
se mostre que o agente pretendeu, com as “manobras circundantes”, atingir a obrigação,
prejudicando o credor, não há como evitar responsabilizá-lo. É justo e adequado e, sobretudo:
é reclamado por uma Ciência do Direito que tenha minimamente em conta o seu papel de, com
adequação e previsibilidade, resolver os problemas que se lhe deparem. Poderíamos admitir
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que razões histórico-culturais levem a que a tutela absoluta desejável seja conseguida não pela
via mais direta (a aplicação do artigo 483.º, n.º1, a todos os direitos, incluindo os créditos) mas
por outros caminhos, como o dos deveres acessórios, o dos deveres do tráfego ou o do abuso 10
do direito. Mas, de facto, terá de haver, em certas circunstâncias, uma via de responsabilizar o
terceiro que atinja o direito de crédito. Os direitos ditos relativos terão, no plano da
responsabilidade e verificados os pressupostos da Ordem Jurídica onde o problema se ponha,
de dispor de uma tutela absoluta.
Solução proposta: o Direito civil português dispõe das duas vias historicamente elaboradas
para o desenvolvimento harmonioso e adequado do sistema:
- da cláusula geral da boa fé (artigos 227.º, n.º1, 239.º, 334.º, 437.º, n.º1 e 762.º, n.º2),
que permite segregar deveres de conduta, sempre que a harmonia do ordenamento o exija (via
alemã);
- da cláusula geral da responsabilidade civil (483.º, n.º1), que faculta uma lata cobertura
aquiliana, como modo de prosseguir os valores básicos do sistema (via napoleónica).
Seria totalmente inexplicável que esta preferência levasse a um bloqueio: a boa fé não
funciona porque há responsabilidade e esta não opera para abrir as portas à boa fé. Teremos,
pois, de estar atentos. Na gíria nacional, a “eficácia externa” traduz tudo aquilo que, nas
obrigações, transcenda o círculo estreito entre credor e devedor, ou seja: tudo o que questione
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a relatividade pura. Mas é evidente que, nesses termos, ela abarca questões diversas, com
soluções próprias. Simplificando, iremos distinguir:
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- eficácia externa latu sensu: corresponde a todos os elementos que superem a
relatividade e, designadamente, o que temos chamado a eficácia forte e média; questões como
os deveres acessórios eficazes perante terceiros ou a formação de vínculos semelhantes aos
contratuais, que respeitem a terceiros, têm solução à luz dos respetivos institutos e não devem,
aqui, interferir;
- eficácia externa stricto sensu ou própria: tem a ver com a tutela aquiliana dos créditos;
é esta a questão em aberto.
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É óbvio que só em casos especiais o terceiro pode ser responsabilizado pelo que fez.
Normalmente, ele nem saberá do crédito do terceiro (ou isso não e poderá provar). Mas deve
ficar claro que, pelo Direito português, nenhum construtivismo afasta a aplicabilidade do artigo
483.º, n.º1, aos créditos. A recente viragem jurisprudencial, no bom caminho, deve, como já
sublinhámos, ser acompanhada e incentivada.
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Secção III – Especialidade E Atipicidade
- identificando as partes;
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- tipos abertos: procedem a descrições mais lassas, as quais, embora impondo alguns
elementos, deixam os demais ao sabor das partes.
- uma descrição precisa, ainda que por remissão, da realidade que desencadeia a
estatuição;
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- a própria lei vem dizer que se vai estatuir com recurso a descrições pormenorizadas da
realidade;
- a lei proíbe a analogia: fica subentendido que haverá descrições capazes da matéria
relevante e que decorrerá um numerus clausus de descrições;
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- os diversos direitos reais são típicos: correspondem a uma descrição do seu conteúdo
e não ao produto de uma classificação, c fatigo 1306.º, n.º1, epígrafe;
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- há um numerus clausus de direitos reais: apenas os que constam da lei (ou fonte
equivalente), sendo possível fazer uma sua lista exaustiva;
- os direitos reais são oponíveis erga omnes; assim, para que os terceiros saibam com o
que podem contar, os direitos reais hão-de assumir figurinos conhecidos ou cognoscíveis, com
facilidade;
- as partes podem fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo positivo ou
negativo da prestação (398.º, n.º1);
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- tipicidades sociais: são os tipos sociais de obrigações que, embora não dispondo de
referência legal, correspondam a situações habituais, perfeitamente reconhecíveis na sociedade.
Apesar de omissos na lei, os tipos sociais são úteis: uma vez identificados, permitem aceder,
através de várias vias, a aspetos importantes do seu regime.
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32.º Obrigações e Reais
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pela normatividade jurídico-positiva. A permissão deixa de o ser para quem não seja beneficiário.
Por isso, no crédito, se o devedor não cumprir, o credor pode lançar mão dos meios de execução
específica ou de composição pecuniária, realizando, em última instância, valores patrimoniais 19
do devedor; e no direito real, se alguém se apossar da coisa-objeto, pode o titular usar da
reivindicação pedindo ao tribunal que a coisa lhe seja entregue, se necessário manu militar.
Ainda no núcleo da distinção, as situações de base configuradas são o crédito relativo à entrega
da coisa certa, pelas obrigações e a propriedade, pelos reais. Este aspeto e muito importante.
Perante as referidas situações de base, temos:
- havendo uma oposição entre a obrigação e o direito de propriedade, este leva sempre
a melhor ainda que aquela seja mais antiga (prevalência tipo II);
Em síntese, podemos dizer que, no núcleo da distinção entre direitos de crédito (de
entrega de coisa certa) e direitos reais (de propriedade), temos, frente a frente:
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De todo o modo, a apresentada distinção nuclear é despicienda. Embora ela não modele
cada crédito e cada direito real, ela opera como arquétipo sempre presente, mau grado
inúmeros desvios, em toda a matéria. 20
- o numerus clausus: a contraposição é clara: ele aplica-se, como vimos, aos direito reais
(1306.º, n.º1) mas não às obrigações. Estas funcionam mesmo como figura residual: de acordo
com a conversão legal fixada no final do 1306.º, n.º1, o direito “real” que se situe fora do
catálogo real terá “mera” natureza de obrigação;
Figuras híbridas: direitos pessoais de gozo, ónus reais e relações jurídicas reais: a
distinção entre obrigação e reais levanta especiais dificuldades, perante figuras híbridas e,
designadamente:
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-os ónus reais: são, em geral, deveres que impendem sobre os titulares de direitos reais.
Em sentido próprio, definimo-los como os direitos de exigir prestações positivas ou periódicas,
a titulares de direitos reais de gozo sobre um prédio. Surgem, muitas vezes, integrados em
direitos mais amplos, mas temos, porém, casos de ónus reais autónomos:
No ónus real, há que distinguir: as diversas prestações a que ele vai dando lugar,
prestações essas que constituem o objeto de efetivas obrigações e o direito-matriz ou direito a
fazer surgir essas mesmas obrigações. O direito-matriz – o ónus propriamente dito – traduz uma
forma de aproveitamento da coisa. Uma forma artificial, é certo: mas os direitos reais não se
limitam, hoje, aos de gozo. De facto, nos ónus reais, não haveria mediação, sendo patente a sua
natureza relativa. Todavia, surge a inerência: o beneficiário pode solicitar as prestações ao
proprietário da coisa, onde quer que este se encontre. Temos, assim, um direito real de
aquisição, direito esse que é fonte de obrigações: as obrigações propter rem;
- as relações jurídicas reais: são as que se estabelecem entre titulares de direitos reais,
com vista a resolver conflitos de vizinhança ou de sobreposição. A vizinhança é um fenómeno
sociológico e jurídico que deriva da contiguidade ou da proximidade entre prédios ou partes de
prédios (frações autónomas). Quando ocorra, o exercício de propriedade (ou de outro direito
de gozo) por um dos vizinhos pode bulir com os direitos dos outros. O Direito intervém, fixando
uma teia complexa de relações entre vizinhos, de modo a permitir uma convivência pacífica e
mutuamente proveitosa. O Código Vaz Serra, nos seus artigos 1353.º a 1375.º versa diversas
relações de vizinhança.
Sobreposição, por seu turno, é outro fenómeno típico dos direitos reais e que ocorre
sempre que, sobre a mesma coisa, incidam direitos de diferentes titulares: sejam tais direitos
homogéneos, sejam heterogéneos. De novo o Direito intervém, fixando obrigações reportadas
aos titulares em conflito, de modo a permitir a coexistência. Todas estas relações surgem entre
titulares de Direitos reais, sejam eles quais forem. Elas são inerentes às coisas em presença; mas
dão origem a obrigações de diversa natureza. Do nosso ponto de vista, têm natureza real; no
seu funcionamento, elas podem originar direitos potestativos e, ainda, verdadeiras obrigações,
também propter rem. Os ónus reais e as relações jurídicas reais seguem um regime de Direitos
Reais: submetem-se A tipicidade; podem das azo a publicidade; manifestam o fenómeno da
inerência; traduzem, ainda que sem um gozo direto, uma forma de aproveitamento de coisas
corpóreas ou, tecnicamente: uma permissão normativa de aproveitar. Já as obrigações propter
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rem que delas decorram: são obrigações que, em tudo o que não sogra inflexão, seguem o
regime geral.
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Afinidades e interligações: entre obrigações e reais, para além das diferenças que temos
vindo a acentuar e a precisar há, ainda, afinidades. Desde logo, ambas as disciplinas são ius
romanum atual. Podemos, a propósito da generalidade dos seus institutos, apontar origens e
designações romanas, reforçadas através das sucessivas receções. De seguida, ambas integram
o sistema do Direito patrimonial privado, genericamente protegido através da “propriedade
privada” (62.º CRP). Por fim: obrigações e reais dão azo à Ciência do Direito civil, operando como
Direito comum por excelência. No plano das fontes, verifica-se que algumas são comuns: o
contrato e os negócios unilaterais. No fundo, isso deve-se à colonização de direitos reais pelas
obrigações: no Direito Romano, o dominium adquiria-se pelo usus e pelo decurso do tempo.
Quanto a sanções: quer obrigações quer reais dão azo à responsabilidade civil, ainda que
diferenciada. Funcionalmente: há direitos reais ao serviço de obrigações e obrigações ao serviço
de direitos reais. À medida que as sociedades se tornam mais complexas, a diferenciação de
funções e de papeis faz o seu caminho. Hoje, particularmente no tocante à propriedade sobre
imóveis, o aproveitamento do beneficiário passa por uma teia de obrigações. Digamos que, sem
as obrigações, os direitos reais não teriam conteúdo útil. Mais longe ainda: na atual vida
económica, qualquer tipo de propriedade tem, antes de mais, o papel de garantir créditos: basta
pensar na locação financeira ou na reserva de propriedade. Temos, aqui, uma
“obrigacionalização dos reais”. Mas também ocorre o inverso. As obrigações são, em si, vínculos
abstratos, enquanto a sobrevivência e o desenvolvimento das pessoas postulam o
aproveitamento de coisas corpóreas. Reais dá, às obrigações, uma substância natural e, logo,
humana. No plano prático: é raro que surjam questões “obrigacionais” e “reais” puras. Pelo
contrário, elas interligam-se, havendo que lidar com normas oriundas dos dois quadrantes.
Obrigações e reais interpenetram-se, de tal modo que, apenas por abstração, podemos, muitas
vezes, discernir as situações subjacentes. No fundo, ambas essas disciplinas traduzem um plano
comum da sociabilidade humana.
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- situações não-patrimoniais fortes: o Direito não admite que os respetivos bens sejam
trocados por dinheiro: a vida, a saúde e a integridade física, por exemplo;
- situações não-patrimoniais fracas: não podem ser trocadas por dinheiro; mas o Direito
admite que sejam visadas por negócios jurídicos patrimoniais: o direito à saúde e à integridade,
quando haja acordos sobre a experimentação humana.
Verifica-se, ainda, que as situações não carecem de contudo patrimonial. Em suma: tudo
isto depõe no sentido de ser possível a constituição de obrigações de personalidade, isto é, de
obrigações cujas prestações envolvam bens de personalidade, seja limitando-os, seja alargando
a sua esfera inicial. As obrigações de personalidade seguem o regime geral das obrigações.
Surgem algumas especificidades:
- a sua violação dá azo a uma responsabilidade civil compensatória (70.º, n.º2 1.ª parte),
por vezes com predeterminação de terceiros beneficiários (496.º);
- a sua cessação pode estar bloqueada, por haver ligação à pessoa do credor (577.º, n.º1);
- o credor pode não ser constrangido a receber a prestação de terceiro (767.º, n.º2): ela
pode prejudica-lo, dada a natureza dos bens envolvidos;
- sanção pecuniária compulsória pode não ser possível (829.º-A): quando estejam em
causa prestações que exijam especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado;
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- a execução específica pode, também, não ser possível, por a isso se opor a natureza da
obrigação assumida (830.º, n.º1);
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- são absolutamente impenhoráveis – 822.º alíenea a), do CPC;
Tudo isto em, grosso modo, a ver com a negociabilidade limitada. No seu funcionamento,
os deveres de personalidade regem-se, no geral, pelas obrigações. Estas asseguram, ainda, a sua
proteção, através da responsabilidade civil. Quanto ao cumprimento de prestações de
personalidade: há uma dupla tutela, obrigacional e aquiliana. Lidamos, aqui, com direitos
absolutos, pelo que nem margem há para as discussões historicamente surgidas, em torno da
relatividade das obrigações e da sua eficácia externa.
As obrigações de família: o Direito da Família lida com uma teia complexa de deveres: entre
os cônjuges; entre os pais e filhos; e entre parentes. Esses deveres podem ter conteúdo pessoal
ou patrimonial: mas são reconhecidos pelo Direito, em qualquer dos casos. De um modo geral,
o Direito da família lida com relações obrigacionais, não sendo hoje correto falar-se, nesse
domínio, em “direitos à pessoa” ou “sobre a pessoa”. A matéria tende, contudo, a ser
apresentada em torno de institutos ou de estados: casamento, parentesco, filiação, etc. No
tocante aos cônjuges, o artigo 1672.º refere recíprocos deveres de respeito, fidelidade,
coabitação, cooperação e assistência. Quanto ao respeito, à fidelidade e à coabitação, a lei não
é explicita: apenas alude à obrigação de, salvo motivos ponderosos, ambos os cônjuges
adotarem a residência da família (1673, n.º2). Todavia, será possível ir mais longe, apontando
diversos deveres pessoais, em que o Direito não interfere, de modo direto. O dever de
cooperação (1674.º): “(…) importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a
assumirem as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram.” Por seu turno, o
dever de assistência (1675.º, n.º1) compreende a obrigação de prestar alimentos e a de
contribuir para os encargos da vida familiar (1676.º, n.º1). Tudo isto se efetiva através de
obrigações, submetidas ao regime geral. Mas apresenta diversas especificidades que, de resto,
resultam logo das normas exemplificadamente apontadas. A responsabilidade pelas dívidas da
família tem regras específicas, dependentes do regime de bens (1717.º e seguintes). A filiação
é, também, uma fonte de obrigações recíprocas. Na base segundo o artigo 1878.º, n.º1, compete
aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde deles, prover ao seu sustento,
dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens. Por seu
turno (1878.º, n.º2), os filhos devem obediência aos pais. De novo temos obrigações, sujeitas ao
regime geral, mas com especificidades, designadamente:
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assegurar determinada função. Por outro lado, as relações de família são perpétuas, apenas se
extinguindo com a morte de algum dos intervenientes.
25
Aspetos gerais: o Direito de autor ou, mais latamente, o Direito sobre os bens intelectuais, é
uma disciplina civil, hoje reconhecida como autónoma A doutrina sublinha que a sua
especificidade resulta, muito vincadamente, da índole do seu objeto Numa primeira abordagem,
ele tem uma feição dupla, traduzida em dois distintos “direitos”:
O direito (subjetivo) de autor pode ser constituído em termos dualistas (tendo em conta
os dois “direitos” referidos) ou em moldes monistas, com o primado de um ou de outro dos dois
aspetos considerados. De acordo com a boa metodologia jurídica, qualquer opção deve assentar
na prévia determinação do regime aplicável. Sucede, todavia, que o Código do Direito de Autor
(CDA) não vem dar corpo a nenhuma construção coerente. Ele foi fruto das circunstâncias tendo
evoluído ao sabor de instrumentos internacionais díspares e de diversas contingências ligadas a
problemas concretos que, bem ou mal, se pretenderam solucionar. Cabe chamar a atenção para
a existência de valorações unitárias no Direito de autor. Muitas vezes os “monismos”, os
“dualismos” e os “pluralismos” advêm de se lidar com noções não-compreensivas de direitos
subjetivos e de não se atinar na origem do problema. O direito de autor arrancou da aplicação
da ideia de propriedade às realidades imateriais. Essa conceção está, de certo modo, ainda
subjacente ao artigo 1303.º do Código Civil. Foi a pandectística alemã que, ao reservar a
propriedade para as coisas corpóreas, obrogou a repensar o tema dos direitos de personalidades,
inicialmente negados por Savigny. Na fase final do pandectismo, os direitos de personalidade
foram potenciados e enriquecidos pelo tratamento dogmático alcançado pelos direitos obre
bens imateriais, recém-conquistados para a Ciência do Direito. Trata-se de um aspeto que deve
ser enfatizado: os direitos de personalidade desenvolveram-se apoiados na prática e nas
necessidades de dar corpo aos vetores humanistas que, perante novas realidades animaram o
Direito Civil. No tocante às manifestações “parcelares” que, na periferia, animaram os direitos
de personalidade temos, em primeiro lugar, o tema das patentes. Visando explicar a tutela aí
dispensada aos seus titulares, Carl Gareis introduz a ideia do “direito individual”. Haveria, depois,
um “direito individual geral”. ´´: “(…) a ordem jurídica reconhece a cada pessoa o direito de se
realizar como indivíduo, de viver e de desenvolver as suas forças”. Neste “direito individual geral”
tem-se visto o “direito geral de personalidade” depois referido ¨por alguns pandectistas.
Paralelamente, Josef Kohler batia-se pelos direitos dos bens imateriais. Eles não dariam lugar a
uma “propriedade espiritual” e não se limitariam a possibilitar uma determinada defesa: pela
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O direito de autor e os direitos conexos: a evolução acima apontada é útil para melhor
surpreender a natureza do direito de autor. As considerações obtidas são aplicáveis aos direitos
conexos. O direito subjetivo é uma posição vantajosa marcada pela liberdade. O beneficiário
dispõe de uma permissão normativa de aproveitamento de um bem. Mas por razões histórico-
culturais que se projetam nas normas de hoje, essa permissão é conferida em termos
compreensivos. Tomando o exemplo universal do direito de propriedade: ele implica a
concessão de um conjunto infindo de possibilidades, totalmente variável consoante o objeto em
jogo e as circunstâncias de cada caso. A esta luz, compreende-se que a doutrina mais
aprofundada defenda um monismo do direito de autor, sem preocupações de saber se se trata
de “monismo pessoal” ou de “monismo patrimonial”. O direito de autor confere, ao titular, uma
tutela conjunta dos deus interesses espirituais e materiais. De resto, se bem pensarmos, ambos
os aspetos estão interligados:
- o desrespeito pelo “direito moral” do autor atinge a sua capacidade de gerar riqueza;
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A evolução do Direito de autor: a ideia de que o autor tem um direito sobre o produto da
sua criação exige um esforço elevado de abstração. Por isso, ela é relativamente recente. O
problema de um direito imaterial a uma obra do espírito pôs-se, inicialmente, a propósito de
obras literárias, após a invenção da imprensa. Criou-se um esquema de privilégios: o soberano
atribuía a determinado livreiro o privilégio de, em exclusivo, editar certa obra. A posição do
autor não era reconhecida. Ainda antes da Revolução Francesa, o Conselho de Estado pôs termo
a privilégios perpétuos, reconhecendo o direito do autor à obra criada. Na Revolução Francesa,
admitiu-se o princípio de que, ao autor, cabia a propriedade da sua obra, mantendo-se, nos seus
herdeiros, por um período que veio a ser alargado por leis sucessivas. Em Portugal, o tema do
Direito de autor foi espoletado pela Constituição de 1838. A matéria teve, depois, acolhimento
no Código Civil de Seabra, de 1867, em capítulo intitulado Do trabalho litterario e artístico.
Apesar de pouco desenvolvido, o Código de Seabra marcou uma nova fase no Direito de Autor.
Seguiu-se o Decreto n.º13:725, 3 de junho de 1927, que veio aprovar o regime da Propriedade
literária, scientifica e artística. Este Decreto prestou bons serviços ao Direito de autor português
e aos criadores em geral. Todavia, cedo foi ultrapassado pela evolução dos meios de reprodução
e de comunicação das obras e pelas revisões da Convenção de Berna. Assim, uma Portaria de 6
de junho de 1946 designou uma comissão encarregada de elaborar um anteprojeto onde se
fizesse uma harmonização do Direito interno comos textos internacionais e com as novas
realidades. A Câmara Corporativa ocupou-se, depois, da matéria, vindo a aprovar um novo texto,
em 24 de março de 1953. Entretanto, foi concluída em Roma, a 26 de outubro de 1961, uma
Convenção sobre direitos vizinhos do direito de autor. Tudo isto conduziu, finalmente, à
aprovação do Código de Direito de Autor, de 1966. Trata-se já de um verdadeiro Código que
colocou a matéria num patamar mais elevado. Infelizmente, não houve uma correspondência
doutrinária que acompanhasse o progresso legislativo. O Decreto-lei n.º63/85, 14 de março,
veio aprovar um novo Código. Trata-se de Direito vigente, ainda que muito alterado. Iremos
tomar nota das modificações surgidas, procurando ordenar a matéria em função das
necessidades do estudo subsequente. O Código do Direito de Autor de 1985, muito generoso,
não acautelava os direitos dos autores e de outros intervenientes, do ponto de vista destes.
Desencadeou-se uma forte reação, que levou à aprovação da Lei n.º45/85, 17 de setembro, que
alterou fortemente diversos aspetos iniciais, republicando o Código em anexo. Oliveira Ascensão,
que teve um papel importante na versão inicial, reagiu fortemente, passando, na sua obra, a
criticar a lei e a defender perspetivas redutoras, nas diversas matéria. O CDA foi
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subsequentemente, alterado por outras leis. A evolução geral das fontes legislativas ilustra uma
certa procura de equilíbrio. O Direito de autor está sob uma enorme pressão derivada dos meios
atuais de comunicação e de divulgação. Trata-se de uma vantagem cultural, se for aproveitada 28
nesse sentido. Mas ela envolve um risco mortal para a criação de obras. Esta dimensão deve
estar presente nas operações de interpretação e de aplicação.
O Direito de autor e as obrigações: o Direito de autor constitui, hoje, uma reforçada área de
especialização, dentro do Direito Civil. A sua ligação com o Direito das obrigações tem, todavia,
um papel de primeiro plano, que não tem sido evidentemente sublinhado. Tradicionalmente, o
Direito de autor era aproximado de Direitos Reais: o artigo 1303.º do Código Civil pressupõe-no
e manda mesmo aplicar, ao Direito de autor e à propriedade industrial, as “disposições deste
Código”, o que tem sido entendido como “disposições deste Livro(Direito das Coisas)”. Todavia,
o Direito das obrigações, de resto igualmente abrangido pela remissão do referido artigo 1303.º,
parece mais apropriado: em prejuízo por importantes aportações de Direitos Reais, como a
reivindicação. O Direito de autor reporta-se a bens intelectuais. O aproveitamento que estes
proporcionam aos autores, no plano material, só se obtém através de uma teia de obrigações.
E no plano moral: estamos no domínio dos direitos de personalidade, com os inerentes deveres
de justas (ações e omissões). Sem a técnica do Direito das obrigações, o Direito de autor paralisa.
De seguida, cumpre recordar a área de responsabilidade civil. A tutela aquiliana deve ser
complementada através das múltiplas normas de proteção e dos deveres do tráfego. A
dogmática autoralista teria tudo a ganhar com o estudo das obrigações. Finalmente, cumpre
sublinhar que o Direito de autor – como, em geral, os demais relativos a bens intelectuais – tem,
hoje, um funcionamento essencialmente contratualizado. O aproveitamento é feito através de
cadeias de entidades especializadas, com as quais há que acertar contratos e autorizações.
Relações de trabalho: o próprio Código Civil define, no seu artigo 1152.º, o contrato de
trabalho. O contrato de trabalho é, depois, remetido para legislação especial (1153.º): hoje o
Código do Trabalho. As relações de trabalho são, em sentido estrito, todas aquelas que se
estabeleçam entre o trabalhador e o empregador e, designadamente, as que decorram do
contrato de trabalho. Em sentido amplo, elas abrangem as relações coletivas de trabalho, as
relações das condições de trabalho e diversas situações de ordem geral. Temos todo um
universo complexo e diferenciado, com uma cultura própria, com técnicas específicas e com
exigências crescentes de especialização. O Direito do Trabalho é, de modo predominante,
considerado uma especialização do Direito das Obrigações. É certo que, historicamente, o
Direito do Trabalho deve a sua ocorrência à necessidade humana, social e política de defender
trabalhadores, particularmente vulneráveis na sequência da revolução industrial. E nesse
sentido, foi operando uma série de instrumentos que transcendem o tradicional Direito das
condições de trabalho e Direito coletivo de trabalho. Cumprida a sua missão histórica, o Direito
do Trabalho funciona, hoje, como um Direito de pessoas, sensível à proteção destas,
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- situações obrigacionais, que relacionam os sócios entre si, os sócios com a sociedade
e os titulares dos órgãos com os sócios e com a sociedade.
De novo temos aqui um largo campo dominado pelo Direito das Obrigações e no qual as
regras societárias, quando surjam, apenas precedem a adaptações parcelares. Podemos apontar
um fenómeno já detetado, a propósito do Direito Comercial: o da natureza fragmentária do
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Noção e aspetos evolutivos: na vida social e económica, somos confrontados com coisas
individualizadas por características próprias, que as distinguem de todas as demais, enquanto
são idênticas a quantas pertencerem ao mesmo género. Estas últimas devem ser determinadas,
dentro do seu género, por fatores que traduzam uma quantidade. São coisas fungíveis (207.º),
a não confundir com prestações fungíveis: as que podem ser efetuadas pelo devedor ou por
terceiros. O objeto de uma obrigação pode reportar-se, dentro do universo das prestações de
entrega:
- a uma coisa fungível que, todavia, já tenha sido delimitada previamente, de tal modo
que se saiba, de antemão, qual é ela;
A obrigação cujo objeto seja determinado pelo género diz-me genérica (539.º). As
obrigações genéricas não colocam um mero problema de objeto da sua prestação. Há que saber
como se faz o cumprimento. Está em causa todo um regime, o qual permite autonomizar o tipo
“obrigação genérica”. A simplicidade desta matéria engana: ela implica um desenvolvimento
teorético de milénios. No Direito Romano, perante stipulationes que conduzissem a obrigações
de género, quando nada estivesse determinado, podia o devedor escolher os objetos da pior
qualidade. Na hipótese de empréstimo, deveriam ser devolvidas coisas de qualidade idêntica à
das recebidas. Os imperadores Caracala e Severo, seguindo GAIO, determinaram que não
deviam ser prestadas nem as piores, nem as melhores. Finalmente: Justiniano fixou a regra da
prestação de coisas de utilidade média. Temos, pois, uma evolução lenta, em direção ao que
hoje parecerá óbvio. No Direito Romano, o devedor de débito de género mantinha-se obrigado
até que cumprisse ou até que o género tivesse (todo) vindo a perecer. Uma regra que iremos
encontrar, nos nossos dias.
Problemática atual: a primeira constatação tem a ver com o âmbito das obrigações genéricas.
Não está em causa um simples problema de compra e venda ou de determinação da prestação:
antes se joga um modelo de enquadramento das diversas obrigações que, por repousarem,
linguisticamente, em géneros, exigem uma determinação. Essa ideia de “tipo” ou de “modelo”
ideal veio a ser acolhida pela doutrina oitocentista, passando, daí, aos códigos de segunda
geração. Toda a obrigação é afetada: desde a conduta das partes, através dos deveres acessórios,
até à atuação do devedor, aos seus empenho e diligência, à transferência do risco e ao
cumprimento. As especialidades daí resultantes são inúmeras: totais. De seguida, é importante
frisar o relevo prático das obrigações genéricas. Todo o comércio por grosso segue, em regra,
essa via, à qual se abriga mesmo o comércio a retalho. Finalmente, o tema das obrigações
genéricas ocorre, fundamentalmente, no domínio do Direito da perturbação das prestações. A
individualização do objeto torna-se importante ara efeitos de cumprimento imperfeito. Ora uma
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obrigação relativa a um objeto fungível só por exceção constituirá uma obrigação específica. No
tráfego normal, lida-se com coisas fungíveis, pelo que esta matéria deve estar sempre presente.
Pergunta-se se as obrigações genéricas traduzem um modelo aplicável, apenas, quando haja 32
prestações de dare ou se, nas de facere, o mesmo tema pode ser suscitado. Em boa verdade,
perante uma obrigação de serviço, o objeto é, necessariamente, designado através do género.
Mesmo quando individualizado em função do devedor, apenas é possível um referência desse
tipo. A individualização, ex rerum natura, dar-se-á na execução. Por isso, também e até esse
momento, o risco corre, à partida, pelo devedor. Os modelos aplicáveis nas obrigações de
serviço não correspondem, todavia, aos historicamente apurados nas obrigações genéricas,
moldados sobre prestações de coisa. Os princípios poderão ser comuns: a sua aplicação deve,
porém, ser indicada, em cada caso concreto.
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- ou com a entrega;
- ou com o envio;
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- ou com a mora do credor, isto é, a recusa injustificada, por parte deste, em receber a
coisa.
Quanto à solução correta: os Direitos positivos terão uma palavra a dizer. De todo o
modo, quanto a Thöl, sempre se imporá uma observação: desde o momento em que, de uma
forma ou de outra, as partes se ponham de acordo quanto ao preciso objeto do cumprimento,
desinserindo-o do género pelo qual foi designado inicialmente, a obrigação deixará de ser
genérica. Ficaremos perante uma comum obrigação específica, que seguirá o seu regime normal.
O regime; a escolha: o Código Vaz Serra ocupa-se das obrigações genéricas nos seus artigos
539.º a 542.º, à matéria em causa, um tratamento mais amplo e cuidado do que o da
generalidade dos outros códigos. As precisões decisivas advieram de Manuel de Andrade: o risco
corre pelo devedor, a quem compete, em nome de um favor debitoris disseminado pelo sistema,
a escolha; esta deverá operar segundo critérios médios, sendo comunicada ao credor: um
negócio unilateral recipiendo, a uma indagação extensa de Direito comparado que lhe permitiu
apresentar uma proposta alargada, depois ligeiramente simplificada. Perante uma obrigação
genérica, a escolha compete ao devedor (539.º). Pode haver estipulação em contrário, altura
em que a escolha passará para o credor, para terceiro ou para credor e devedor, por acordo. Em
qualquer dos casos e não sendo o género perfeitamente homogéneo, a escolha deverá obedecer
a juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido estipulados (400.º, n.º1). Como
interpretar a remissão para juízos de equidade? Antunes Varela vem dizer que, “praticamente”
isso significa que nem o devedor pode prestar coisas de pior qualidade, nem o credor exigir as
melhores. Mas tal não corresponde a qualquer noção de equidade conhecida, sendo de
presumir que o legislador escolheu bem as palavras vertidas na lei (9.º, n.º3). Uma remissão
para a equidade pode ter um de dois sentidos:
- a equidade forte: implica uma decisão tomada de acordo com elementos do caso
concreto;
Não faz sentido admitir que o artigo 400.º, n.º1, no coração do Direito das Obrigações,
remeta para uma equidade forte, que redundaria em critérios extrajurídicos de decisão. Fica-
nos, pois, a segunda hipótese. Que critérios jurídicos não-formais poderão ser atendidos, para
determinar uma prestação segundo juízos de equidade? A determinação do sentido de uma
prestação é matéria negocial. Cabe às partes fazê-lo. Quando escolham um género homogéneo,
está feito. Quando esse não seja o caso: deviam-no ter feito. Há uma lacuna negocial. O apelo à
equidade, neste ponto, será entendido como uma remissão para critérios substanciais: os do
artigo 239.º. E assim, partindo sempre da interpretação do contrato, haverá que atender:
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- em qualquer caso e com primazia: à boa fé, ou seja, aos valores fundamentais do
ordenamento.
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Por esta via, chegamos à exigência de uma escolha tendencialmente média, que melhor
assegure o equilíbrio entre as partes (materialidade subjacente) e que respeite aquilo em que,
legitimamente, as partes confiaram (tutela da confiança).
A concentração: A escolha, seja realizada pelo devedor (solução supletiva), pelo credor ou por
terceiro, não interfere, em si, com o risco. Segundo o artigo 340.º, enquanto a prestação for
possível em coisas do género estipulado, não fica o devedor exonerado pelo facto de perecerem
aquelas com que ele se dispunha a cumprir. Trata-se da consagração da velha máxima genus
non perit ou munquam perti. Só com o cumprimento, lógica e praticamente subsequente à
escolha, cessa o risco do devedor. Nesse momento opera, por excelência, a concentração:
apenas abrange a efetiva prestação efetuada. Trata-se da consagração, entre nós, da tese de
Jhering. Antes do cumprimento, a obrigação pode, de todo o modo, concentrar-se por alguma
das seguintes cinco razões (541.º):
- por acordo das partes: nessa altura, a obrigação deixará de ser genérica, passando ipso
facto a específica; depois disso, se a coisa perecer, por causa não imputável ao devedor, o risco
é do credor (796.º, n.º1);
- quando o género se extingue, ao ponto de restar apenas uma das coisas nele
compreendidas; o devedor terá de cumprir com o remanescente; caso, depois, também este
pereça, sem imputação ao devedor, opera o 796.º, n.º1: o risco do credor;
- por mora do credor: sem motivo justificado, ele não aceita a prestação ou não pratica
os atos necessários ao cumprimento (813.º); a concentração funciona, em tal eventualidade, em
torno das precisas coisas que o devedor tenha oferecido em cumprimento, num afloramento da
teoria da separação; o credor passa a suportar o risco “normal” derivado da concentração e,
ainda, o risco agravado do 815.º, n.º1, o qual inclui a impossibilidade superveniente derivada de
negligência do próprio devedor;
- pela escolha feita pelo credor ou por terceiro, depois de comunicada ao devedor ou a
ambas as partes (542.º, n.º1).
Quanto a escolha caiba ao devedor e este a faça: ele pode voltar atrás e fazer opção
diversa e isso até ao cumprimento ou até que opere outra qualquer causa de concentração. O
risco é dele. Competindo a escolha ao credor ou a terceiro: ela só é eficaz depois de comunicada
ao devedor ou a ambas as partes, altura em que se torna irrevogável (542.º, n.º1). Assim que
produza efeitos, tal escolha faz correr o risco pelo devedor, não podendo mais ser tocada sem
o consentimento deste. A escolha integra, aqui, o conteúdo de um encargo, a exercer uma única
vez. Pode, ainda, suceder que a escolha caiba ao credor. Nessa eventualidade (542.º, n.º2):
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- ou tal não sucede, altura em que o devedor lhe pode fixar um prazo para que ele realize
35
a escolha.
Aspetos práticos: no tocante ao género, ele há-de estar suficientemente fixado, sob pena de
indeterminabilidade. De seguida, é importante verificar se le é homogéneo. Sendo-o, a escolha
surge relativamente inóqua; na hipótese inversa, ela representa uma importante prerrogativa
do devedor, fazendo especial sentido recorrer aos critérios (“juízos de equidade”) acima
referidos. O género pode ser mais ou menos extenso, assim se delimitando a atuação do
devedor. Quando, todavia, este deva prestar o género todo, a obrigação já será específica. A
escolha, nas obrigações genéricas, deve ser tomada em sentido amplo. Pode envolver uma
seleção simples (electio), operações de medidas diversas (mensura) ou uma designação
(demonstratio). Nos termos gerais, a escolha pode ser comunicada expressa ou tacitamente.
Quando, como é de regra, compita ao devedor, ela decorre, muitas vezes, do próprio ato do
cumprimento. De todo o modo, pode considerar-se um negócio unilateral preparatório do
cumprimento: negócio por envolver liberdade de celebração e liberdade de estipulação, uma
vez que o devedor pode escolher ou não, dentro de certas margens e, fazendo-o, ainda que
dentro dos limites do artigo 400.º, n.º1, pode decidir o conteúdo da escolha. O devedor que se
recuse a escolher quando essa operação lhe caiba vai, antes de mais, omitir o cumprimento. A
falta de escolha dilui-se, nesse nível. Caso seja possível a execução específica, caberá ao próprio
tribunal proceder ou manda proceder à escolha que o devedor inadimpliu (827.º). Para esse
efeito, dispõe o artigo 930.º, do Código do Processo Civil. A execução é, de facto, individual ou
específica. Pergunta-se se as obrigações genéricas podem respeitar a imóveis. Aparentemente,
o regime histórico dos artigos 539.º a 542.º foi desenhado para móveis. Todavia, nada impede
a sua aplicação a imóveis, sendo até bastante frequente. A obrigação é genérica, havendo que
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fazer a escolha através das competentes operações de seleção e medição. O regime das
obrigações genéricas dirige-se, como vimos, a um tipo abstrato de obrigação. Passando ao
terreno, ele vai implicar prestações secundárias, com relevo para as que presidiam à escolha e, 36
ainda, deveres acessórios. O devedor fica adstrito a vigiar o género, antes da escolha, e a ter de
fazer para que o negócio não se transforme numa operação aleatória, que não permita
prosseguir o fim da obrigação e a satisfação do interesse do credor. Esse regime vai, depois,
integrar-se com numerosas regras específicas. A determinação de género e as operações de
escolha podem obedecer a normas técnicas. No limite não haveria verdadeiras obrigações
genéricas, uma vez que a precisa determinação do cumprimento, a ser devidamente executada,
acabaria por não deixar margem à livre-escolha humana: tudo estaria em aplicar as regras.
Todavia, o Direito trata o período anterior à concretização como sendo de liberdade. De facto,
as obrigações genéricas implicam o descrito regime, independentemente do debate de fundo
sobre o determinismo. Até onde vai o regime das obrigações genéricas? Importa esclarecer que
a obrigação genérica não deixa de o ser depois da escolha: ela mantém-se como tal sendo,
quando muito, uma obrigação genérica concretizada. Daí resulta que as regras aplicáveis podem
ser repristinadas a todo o tempo. Esta consideração permite solucionar o tema da natureza das
obrigações genéricas: serão, por hipótese, obrigações comuns condicionadas à ocorrência de
concretização? A vontade das partes é a de contrair uma obrigação de género; não se confunde
com a vontade condicional, que faz depender um efeito jurídico de um facto futuro e incerto.
Podemos, assim, optar pela sua autonomia, histórica, cultural e dogmática.
- das obrigações genéricas: nestas, objeto é designado pelo seu género e pela
quantidade; nas alternativas, são indicados dois ou mais objetos (individualizados ou genéricos),
para escolha ulterior;
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- das pretensões alternativas, que ocorrem quando, perante certa situação, o credor
possa escolher entre um de vários remédios;
A escolha: a escolha, como foi dito, cabe, supletivamente, ao devedor. É possível às partes,
determinar que compita ao credor ou a terceiro. Qual o critério? A escolha é livre. Ao contrário
do que sucede com o as obrigações genéricas, pode o devedor (a quem caiba a escolha) optar
pela pior prestação. Cabendo ao credor, este escolherá a melhor e assim por diante.
Quando deve ser feita? O devedor terá de escolher até ao cumprimento, sob pena de,
retardando este, entrar em mora. Se o devedor não o fizer e se seguir uma exceção, manda o
artigo 548.º que o credor possa exigir do devedor que ele escolha:
- no prazo estipulado;
- quanto à forma: não ter de ser feita por escrito, em virtude do princípio da liberdade
da forma;
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- uma renuncia antecipada ao direito: é nula, por via do artigo 809.º, n.º1, em
interpretação extensiva;
- um comum ato unilateral: é revogável por quem o fez, nos termos gerais;
- uma delimitação prévia do risco: é ineficaz, uma vez que, se se impossibilitar antes do
momento o cumprimento, o credor pode exigir a prestação ainda possível.
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- se ela couber ao credor, este fica despojado do seu direito de escolher; por isso, ele
poderá, em alternativa:
c) ou resolver o contrato, “nos termos gerais” (os dos 801.º, n.º2 e 802.º).
- se couber ao devedor, também se considera cumprida; este pode optar, todavia, por
efetuar a outra prestação e ser indemnizado pelos danos.
Toda esta matéria poderia ser alcançada, pelos princípios gerais. Em compensação, o
Código não dispõe sobre situações de impossibilidade criadas por alguma das partes, quando a
escolha caiba a um terceiro. Pelos princípios gerais, teremos o seguinte quadro de soluções:
- sendo imputável ao devedor, pode o credor exigir uma das prestações possíveis, ou
optar pela indemnização ou, ainda, resolver o contrato (546.º, 2.ª parte, por analogia).
Pesam dois argumentos: por um lado, ninguém pode ser beneficiado pelo ilícito próprio
(334.º, proibição do tu quoque); por outro, o terceiro (apenas) tem legitimidade para escolher,
em normalidade, entre duas (ou mais) prestações. Estando em causa situações anómalas, que
envolvam danos, só o próprio pode decidir.
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Funcionamento e natureza: o Código Vaz Serra não consagra as obrigações com faculdade
alternativa de forma expressa, de tal modo que o seu funcionamento deve ser procurado nas
regras gerais. Encontramos manifestações legais de obrigações com faculdade alternativa: assim
sucede com o artigo 558.º, n.º1, relativo a moeda com curso legal apenas no estrangeiro:
quando adstrita a uma obrigação desse tipo, o devedor pode, salvo cláusula em contrário, pagar
em moeda com curso legal no País. No tocante a obrigações com faculdade alternativa a parte
creditoris, a sua admissibilidade não suscita dúvidas, sendo mesmo apontado o artigo 442.º, n.º2
como exemplo. Quando assente num contrato, a determinação dos seus contornos exige uma
cuidada interpretação. Situação de fronteira é aquela em que surja uma obrigação com sinal ou
com cláusula penal. Poder-se-á dizer que o devedor tem o poder alternativo de, aquando do
cumprimento, em vez de efetuar a prestação devida, pagar sinal em dobro ou a cláusula penal.
Essa eventualidade terá de resultar do contrato. Nada dizendo (expressa ou tacitamente), não
há verdadeira obrigação com faculdade alternativa, mas, antes, a aplicação de sanções. Estas
(seja o sinal, seja a cláusula penal) têm regimes próprios. Quanto à natureza: a obrigação com
faculdade alternativa é uma obrigação simples que, todavia, apresenta, no seu conteúdo, o
direito potestativo (secundário), a parte debitoris ou a parte creditoris de proceder, no
cumprimento, à substituição da prestação. Há como que uma aceitação prévia, pela outra parte,
de uma dação em cumprimento, que venha a ser decidida por quem tenha a faculdade em causa.
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42
Nota evolutiva: as regras básicas relativas ao dinheiro eram conhecidas no Direito romano. A
evolução da troca para a compra, através da introdução da moeda, ocorre em Paulo. Surgiu a
moeda: no início, ela não era contada mas, antes, pesada, de modo a determinar o seu valor
intrínseco. Depois, o Estado romano passou a, nela, apor a sua marca, de modo a atestar o valor.
O princípio do valor nominal fez a sua aparição: o dinheiro a usar nos pagamentos opera de
acordo com a valia facial aposta nas moedas utilizadas. O pagamento com moeda falsa não
liberava o devedor: este era, todavia, obrigado a restituir as espécies falsificadas. Nas obrigações
pecuniárias, tornou-se de estilo a cláusula probe dari ou probos reddere: a pagar em boa moeda.
No século IV, foi determinado o curso forçado do solidus: uma moeda de ouro criada por
Constantino e que operou, depois, durante séculos. Na Idade Média, a falta de um poder central
eficaz e a multiplicação das cunhagens levou ao desaparecimento do nominalismo. A moeda
passou a valer pelo seu teor metálico. Na Idade Média, coube ao humanista Carolus Mlinaeus
(Charles Dumoulin) formalizar a atual essência do dinheiro. Este não vale pelo seu valor
intrínseco (bonitas intrinseca) mas, sim, pelo valor extrínseco (bonitas extrinseca) ou valor
impositus, isto é: o valor legal que a moeda tenha, ao tempo da constituição da obrigação. Isto
significa que se, depois da constituição da dívida, o dinheiro de valorizou, há vantagens para o
credor; se se desvalorizar, a vantagem é para o devedor. Esta doutrina foi adotada oficialmente
por diversos Estados europeus, a partir do século VXI. As codificações não foram, no início,
unanimes. O Código Napoleão manteve a tradição nominalista. O ALR prussiano (1794) e o AGBG
austríaco (1811) conservaram o princípio do valor do metal. Todavia, a pandetística foi mais
flexível. Deve ter-se presente eu, antes da unificação alemã circulavam diversas espécies,
incluindo notas de banco de vários emitentes. Assim, veio a admitir-se a seguinte contraposição:
- obrigações pecuniárias impuras: as partes fixaram uma cifra que, todavia, poderia ser
realizada sob qualquer outra espécie: caberia ao devedor escolher.
- o dinheiro deve ser avaliado de acordo com o valor facial, seja qual for a forma
(metálica ou em papel) por que se exprima;
- esse valor não lhe avém do Estado mas da “crença geral” de que ele comporta esse
valor.
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O valor nominal do dinheiro e a sua ligação ao papel moeda acabou por ser firmado,
juridicamente, em meados do século XIX. Adiantamos, todavia que, dentro do ideário liberal, o
próprio Código de Seabra admitia, por acordo, esquemas alternativos que precavessem o valor 43
da moeda. As Ordenações, por vicissitudes várias, eram mais estritas. A regra era dobrada por
expressiva norma penal. Tais sanções não terão tido aplicação: mas mostravam o empenho do
Estado na soberania monetária.
Obrigações pecuniárias; o valor nominal: são obrigações pecuniárias aquelas cuja prestação
consista numa entrega em dinheiro. O Código Vaz Serra trata das obrigações pecuniárias de
forma tripartida. Distingue:
- obrigações com curso legal apenas no estrangeiro o seu objeto consiste em dinheiro
que tenha curso legal noutro espaço jurídico.
Esta classificação, que resulta dos artigos 550.º e seguintes do Código Civil, dá lugar a
termos impenetráveis. De facto, as obrigações em moeda estrangeira podem também, por seu
turno, ser de quantidade ou de moeda específica. Haveria, então, que apurar uma coordenação
particular que englobe as diversas normas em presença. A regra geral relativa às obrigações de
quantidade vem referida no artigo 550.º do Código Civil, como princípio nominalista. Este
princípio vale como preceito jurídico-normativo; não como produto imanente da própria moeda.
A sua análise cabal implica a ponderação de vários aspetos que lhe estão subjacentes. Em
primeiro lugar, o princípio nominalista move-se no seio dos diversos “valores” atribuídos à
moeda. Recorde-se que tais valores podem ser:
- valor nominal ou extrínseco: imposto por lei a cada moeda, e constando, de modo
publicitado, dos exemplares que, em concreto, traduzam a moeda considerada;
O princípio nominalista diz, em primeiro lugar, que nas moedas de quantidade releva,
apenas, o valor nominal ou extrínseco. Para além de mandar atender a um determinado valor
da moeda que corresponde já a uma nítida emancipação dos níveis económicos – valor nominal
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– tem ainda implícitos certos corolários que lhe dão expressão plena. Assim a moeda legal tem
um poder liberatório irrecusável pelo seu valor nominal: efetivamente, quando, pelas regras
económicas, surjam desvios entre o seu valor nominal e os outros valores acima referidos 44
apenas uma regra jurídica muito particular poderia dar uma certa consistência ao primeiro; tal
regra é a do poder liberatório, isto é, a faculdade reconhecida à moeda com curso legal de
provocar, através do cumprimento, a extinção das obrigações que exprima, pelo seu valor
nominal ou facial. O valor nominal relevante é o do cumprimento; pactuada uma obrigação por
certo valor e sobrevindo, depois, alterações no valor económico em jogo, é sempre pelo valor
facial no momento do cumprimento que se afere o poder liberatório em jogo. O risco das
alterações no valor da moeda corre, indiferentemente, pelos devedores ou pelos credores,
consoante o sentido da modificação; a desvalorização onera o credor; esta asserção é, na prática,
totalmente teórica: bem se sabe que o sentido geral da evolução das moedas vai no sentido da
desvalorização; a distribuição do risco operada pelo princípio nominalista faz-se, pois, a favor
dos devedores, podendo mesmo considerar-se como um dos pilares do apregoado do princípio
favor debitoris. Tudo isto pode ser retirado do artigo 550.º. Assinale-se que a introdução do euro
não perturbou minimamente o princípio nominalista. Fixou-se a regra da manutenção dos
instrumentos jurídicos anteriores. Apenas há que aplicar a taxa de conversão quanto ao nosso
escudo.
- diretas: quando as partes insiram, nos seus instrumentos negociais, cláusulas que
imponham, como objeto de vínculo, uma moeda estrangeira;
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As estipulações de moeda estrangeira, seja qual for a forma que assumam, podem ainda
destinar-se a dois objetivos distintos:
45
- o de prevenir uma particular instabilidade da moeda nacional e, designadamente, a
evitar os inconvenientes que possam advir, para as partes, da sua desvalorização;
Quando tenha lugar em países cuja moeda esteja marcada pela depreciação, o recurso
a obrigações valutárias visa, classicamente, evitar hipóteses de desvalorização; pelo contrário,
nos países de moeda forte, a utilização de moeda estrangeira anda, em regra, ligada a negócios
puramente cambiais. O recurso a obrigações em moeda estrangeira, seja qual for a forma por
que tenha lugar e um tanto de acordo com o objeto que vise, pode ainda assumir duas
configurações bem distintas, na sua estrutura como no seu regime. Pode tratar-se:
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54.º - Os Juros
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opera em base anual. No Direito romano praticava-se a centésima usura: 1% ao mês ou 12% ao
ano. A obrigação de juros pressupõe, assim uma outra – a de capital. Posto isso, ela é
determinada em função do montante desta, da sua duração e de uma determinada relação que 48
se estabelece entre elas: a taxa, em regra, como foi dito, de base anual. A prestação de juros
não tem de ser pecuniária; é-o, porém, em regra. A questão da legitimidade dos juros está na
base da maior discussão existente no seio do hoje chamado Direito Bancário. O Código Vaz Serra,
na sua versão original, baixou a taxa legal dos juros civis para 5%. O artigo 1146.º estabelecia os
limites máximos: 8% e 10% consoante houvesse, ou não, garantia real. Porém, logo em 1973 e
com um agravamento após 1975, iniciou-se um processo inflacionista vincado. Alterou-se o
artigo 539.º, n.º1 do Código Civil, de tal modo que a fixação da taxa de juros legais passasse a
ser feita por portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano. E de facto,
logo a Portaria n.º 447/80 fixou essa taxa de 15%; a Portaria n.º 581/83, 18 maior, em 23%;
finalmente, no campo civil, a Portaria n.º 291/2003, 8 abril, fixou a taxa em 4%. Quanto ao
campo comercial, há a observar o aviso n.º 9944/2012, 2 julho, mantém a taxa em 8%. Quanto
aos limites das taxas de juros: mercê da redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 262/83, 16
junho, o artigo 1146.º, n.º1 do Código Civil fixou, como imites para as taxas de juros, a taxa legal,
acrescida de 3% e de 5%, consoante houvesse, ou não, garantia real, cifras essas que
ascenderiam a 7% e 9%, na hipótese de cláusula penal – idem, n.º2. Desenha-se, hoje, uma certa
tendência para liberalizar, em geral, a temática dos juros. Os Estados e os bancos centrais
dispõem de fórmulas indiretas mas eficazes para gerir a política de juros, enquanto o Direito civil
e as leis de tutela dos consumidores podem, em concreto, resolver as situações injustas.
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um uso, aí invocado. Tal uso deve, de todo o modo, ser alegado e provado, em concreto: a
posição básica do Direito privado é, perante o anatocismo, de desfavor, sendo certo que ainda
há poucos anos ta uso não estava radicado. O artigo 5.º, n.º6 do Decreto-Lei n.º 344.º/78, 17 49
novembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 204/87, 16 maio, a contrario, permite a
capitalização de juros correspondentes a um período igual ou superior a três meses: nos termos
gerais haverá que, após o vencimento, concluir um acordo, nesse sentido.
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50
55.º Quadro Geral E Evolução
- a teoria das partes intelectuais: cada contitular teria um direito individual sobre quotas
abstratas relativas ao objeto em causa. O direito subjetivo delimita-se pelo seu objeto, não o
contrário. Ora, aqui, teríamos uma realidade que adviria, precisamente, da configuração do
direito. Além disso, a “quota ideal” não pode ser entendida como uma prestação, o que tiraria
substância ao crédito aqui em causa e, logo, à obrigação que o abranja;
- a teoria do direito único, com vários titulares: na comunhão, dois ou mais titulares
possam ser encabeçados no mesmo direito. Não pode ser: a menos que se introduza aqui, uma
pessoa coletiva, e seja qual for a noção defendida, o direito subjetivo é sempre individual.
Inverter essa lógica é pôr em crise as noções de direito subjetivo e de personalidade jurídica sem,
com isso, nada explicar;
A mão-comum: uma variante marcada da pluralidade obrigacional seria dada pela ideia de
titularidade em mão-comum. A mão-comum fica muito próxima da personalidade coletiva; não
se deixa, porém, caracterizar perante o Direito vigente, a não ser aproveitando figuras
dogmáticas autónomas, como a comunhão conjugal, a comunidade de herdeiros ou a própria
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sociedade. No tocante às obrigações, ela surge ainda em domínios que, entre nós, estão
personalizados. Podemos falar em pessoas rudimentares. De todo o modo: a mão-comum, a
existir, dá azo a obrigações de tipo singular e não plural. A questão estará mas em explicar o 51
sujeito, que parecerá uma pessoa coletiva, do que a obrigação em si. O problema pode, de resto,
ser alargado à ideia de “parte subjetivamente complexa”: mais um fator de relativização da
personalidade coletiva.
O Código Vaz Serra: o Código Vaz Serra reparte o tema das obrigações por duas secções,
dentro do capítulo dedicado às modalidades das obrigações. As obrigações solidárias arrumam-
se, por seu turno, em três subsecções:
- o credor só possa exigir, a cada devedor, a parcela do cumprimento que lhe compita,
na parciariedade passiva;
- o devedor só possa exonerar-se pagando, a cada credor, a parcela que lhe caiba, na
parciariedade ativa.
- prestações que possam ser executadas por um único dos co-devedores: a prestação,
embora indivisível, pode ser prestada pelos diversos co-devedores, que repartirão o esforço
necessário, ou, apenas, por um deles;
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- o beneficium divisionis: conhecida no Direito Romano, esta regra leva a que o credor
só possa exigir, a cada devedor, a parcela que lhe caiba: se a exigisse in totum, o devedor
demandado poderia excecionar o beneficium divisionis. Paralelamente, na parciariedade ativa,
cada credor só pode pedir a sua quota-parte; demandando ao devedor pelo total, este
contraporá o beneficium. Este benefício tem ainda um papel da maior importância: afasta a
regra da integralidade da prestação (763.º): mesmo quando divisível, a prestação deve ser
efetuada por inteiro, não tendo o credor o dever de aceitar prestações parciais. Quando, pela
frente, tenha vários co-devedores, o credor ficará ciente de que o cumprimento pode ser
fracionado. Torna-se importante, perante uma situação de pluralidade, determinar se a
prestação é divisível. Primeiro: objetivamente; caso a divisão implique prejuízo para o credor,
ela já não será opção. Depois: subjetivamente; havendo um acordo estipulando a integralidade
da prestação, será necessário verificar, pela interpretação, se ele equivale a uma ideia de
solidariedade, se ele convive com a parciariedade ou se ele deixa de se aplicar perante uma
pluralidade superveniente;
Prestações indivisíveis: o Código Civil comporta várias regras relativas às obrigações parciárias
com prestações indivisíveis: quatro os cinco artigos dedicados à parciariedade (535.º a 538.º).
Bem se compreende: trata-se de área que, pela natureza das coisas, pode proporcionar mais
dúvidas. A norma básica consta do artigo 535.º, n.º1: havendo pluralidade de devedores e uma
prestação indivisível, esta só pode ser exigida de todos, salvo se houver solidariedade: ex
contratu ou ex lege. A mesma regra aplica-se quando a pluralidade resulte de sucessão
hereditária (535.º, n.2). Pode a obrigação indivisível e parciária extinguir-se apenas em relação
a alguns ou algum dos devedores: designadamente por remissão ou por confusão, hipóteses em
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que os artigos 836.º, n.º1 e 870.º, n.º1 remetem, expressamente, para o 536.º. Nessa altura,
cabe ao credor exigir a prestação (por inteiro) aos restantes obrigados, desde que lhes entregue
o valor da parte que competia ao devedor ou devedores exonerados (536.º). Essa entrega deve 53
ser feita simultaneamente ou o devedor (ou devedores ) instados podem recusar, usando a
exceptio daí resultante. Pode ainda a prestação indivisível tornar-se impossível por facto
imputável (apenas) a algum ou alguns dos devedores (537.º). Dispõe o artigo 537.º: ficam os
outros exonerados. Tudo opera, pois, como se um terceiro tivesse impossibilitado a prestação.
Aplicar-se-á, depois, o regime da impossibilidade superveniente: imputável ao devedor que lhe
tenha dado azo (801.º, n.º1) e não-imputável aos restantes (790.º, n.º1). Naturalmente: todos
os danos causados deverão ser indemnizados, pelos responsáveis. Se a obrigação fosse solidária,
ninguém ficaria exonerado: o próprio escopo da solidariedade o exige. Havendo pluralidade
parciária ativa com prestação indivisível: qualquer dos credores pode exigi-la por inteiro; mas o
devedor, enquanto não for judicialmente citado, só perante todos se pode exonerar (538.º, nº1).
Significa isto que a obrigação parciária ativa com prestação indivisível, havendo citação do
devedor por um dos credores, se torna, relativamente a este, solidária. O regime explica-se: a
assim não ser, o credor ficaria dependente dos demais o que, sendo a prestação indivisível, o
privaria de quaisquer vantagens. Naturalmente: recebendo a prestação por inteiro, o credor terá
de fazer contas com os restantes.
- a divisão é potestativa: pode não ser invocada; de resto, muitas vezes, não o será;
havendo confiança, o devedor parciário paga por inteiro, fazendo depois contas com os seus
parceiros.
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Noção: há solidariedade passiva ou obrigação in solidum quando, numa obrigação plural (512.º,
n.º1, 1.ª parte):
54
- cada um dos devedores responda pela prestação integral;
Os dois requisitos têm o seu papel: pode alguém convencionar, com dois deveres e em
separado, a mesma prestação; não há solidariedade pois, embora possa exigir, a qualquer deles,
a prestação integral, o cumprimento, por um deles, não libera o outro. A solidariedade passiva
pode reportar-se a qualquer tipo de obrigação: de facere ou de dare. A hipótese natural é a de
se tratar de prestações pecuniárias. Pode ainda suceder, sem prejuízo para a solidariedade, que
os devedores:
- o artigo 100.º do Código Comercial, que leva a uma regra supletiva de solidariedade,
no tocante às obrigações comerciais, a qual tem aplicação no campo cambiário;
- os artigos 497.º, n.º1 e 507.º, n.º1 e n.º2, quanto à obrigação de indemnizar; aqui
prevalece um juízo de favor em prol do lesado, que justifica a solidariedade;
- os artigos 1135.º, 1139.º e 1169.º, quanto aos comodatários e aos mandantes com
interesse comum;
- por não ser possível, ab initio, pedir a prestação a qualquer um dos devedores.
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- pelos meios comuns a todos os codevedores: meios que afetem o vínculo na sua
totalidade: a sua nulidade, a prescrição do crédito ou a sua extinção pelo cumprimento ou por
qualquer outra forma (523.º). Ocaso julgado entre o credor e um dos devedores é oponível pelos
devedores contra o credor, desde que não se baseie em fundamento que respeite, apenas,
àquele devedor (522.º).
Se um dos devedores tiver um meio de defesa pessoal contra o credor, este não fica
inibido de reclamar dos outros a prestação integral, ainda que esse meio já lhe tivesse sido
oposto (519.º, n.º2). É lógico: tal meio de defesa não atinge a obrigação, no seu todo, a qual
pode ser atuada contra os demais devedores. Quando a prestação se torne impossível por facto
imputável a um dos devedores, todos os outros são responsáveis pelo seu valor (520.º, 1.ª parte).
Essa regra é importante, porque mostra que a solidariedade se alarga aos sucedâneos da
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Relações internas: este termo traduz o relacionamento entre os codevedores. Como ponto de
partida, cumpre assinalar que, na solidariedade perfeita ou autêntica, todos os codevedores são
iguais, perante o credor. E isso sem prejuízo de ser diferente o conteúdo das prestações de cada
um deles, de estarem obrigados em termos diversos ou com distintas garantias (512.º, n.º2, 1ª
parte). A diversidade porventura existente virá depois à luz, nas relações entre os devedores.
Nas relações entre si, presume-se uma situação de igualdade na participação na dívida: isso
sempre que outra coisa não resulte da relação jurídica entre eles existente, isto é, da própria
obrigação plural complexa (516.º). O devedor que satisfizer o crédito para além do que lhe
competir tem o direito de regresso contra cada um dos codevedores, na parte que a estes
compita (524.º). O direito de regresso é um direito novo, autónomo, que deriva de um facto
complexo: a própria fonte de obrigação solidária e o facto de o devedor em causa ter procedido
ao seu cumprimento, nos precisos termos em que o haja feito. Tem um regime adequado,
características suas e vida própria. Não se deve confundir o direito de regresso dos devedores
solidários que cumpram para além da sua quota com a sub-rogação a favor do fiador que cumpra,
nos direitos do credor (644.º). A sub-rogação é um meio de transmissão de obrigações que opera
a favor do terceiro que satisfaça uma prestação (589.º a 594.º). Ora o devedor solidário não
realiza uma prestação de terceiro, nem visa adquirir seja o que for. E assim, o direito de regresso
não traz consigo as garantias da obrigação principal: nem as suas fraquezas. Pelo Direito vigente
trata-se, simplesmente, de uma obrigação legal, assente na preocupação de prevenir o
enriquecimento dos devedores que não tenham sido chamados a cumprir até ao limite das
respetivas quotas. O direito de regresso pode ser detido, relativamente a cada codevedor que,
dele, seja titular (525.º, n.º1):
- pela falta do decurso do prazo que lhe tenha sido concedido para o cumprimento;
Essa possibilidade opera ainda que o codevedor tenha deixado, sem culpa sua, de opor
o meio comum de defesa; não assim se a falta de oposição for imputável ao devedor que
pretenda fazer valer o mesmo meio (525., n.º2): haveria, ai, um tu quoque contrário à boa fé.
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Pode um dos codevedores ficar insolvente ou, por qualquer outro motivo, não poder cumprir a
prestação a que esteja adstrito: altura em que a sua quota-parte é repartida proporcionalmente
pelos demais (benefício da repartição), incluindo (526.º, n.º1): 57
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Noção e regras gerais: na solidariedade ativa temos uma obrigação com vários credores e um
devedor, na qual (512.º, n.º1, 2.ª parte):
- cada um dos credores tem a faculdade de exigir, só por si, a totalidade da prestação;
Relações externas: cabe ao devedor, escolher o credor solidário a quem satisfaça a prestação
(528.º, n.º1, 1.ª parte): escolherá, naturalmente, o que mais lhe convier, numa manifestação de
favor debitoris. Depois de citado judicialmente por um credor cujo crédito se ache vencido, deve
cumprir perante este (528.º, n.º1, 2.ª parte). O dever de cumprir em face do credor que tenha
exigido judicialmente a prestação não cessa pelo facto de o devedor cumprir perante um credor
diferente (528.º, n.º2, 1.ª parte): bem se compreende, pois isso poderia esvaziar o conteúdo de
direitos de crédito de titulares não convenientes. Pode, todavia, a solidariedade ativa ter sido
estabelecida em favor do devedor. Nessa altura, pode ele renunciar total ou parcialmente ao
benefício e prestar, a cada um dos outros a prestação, com dedução da parte do demandante
(528.º, n.º2, 2.ª parte). Caberá então, ao devedor provar que a solidariedade foi estabelecida no
seu interesse e que a repartição de valores é possível, sem prejudicar os credores ou algum deles.
Ao credor solidário podem ser opostos os meios de defesa comuns a todos os credores, como a
prescrição da obrigação ou os que pessoalmente respeitem ao credor considerando, como a
incapacidade (514.º, n.º2). Quanto à prescrição (530.º, n.º1): se o direito de um dos credores,
por via da suspensão ou da interrupção da prescrição ou outra causa, se mantiver, enquanto
hajam prescrito os direitos dos restantes, pode o devedor opor àquele credor a prescrição do
crédito na parte relativa a estes últimos. Naturalmente: isso pressupõe que a prestação seja
divisível: não o sendo, terá de se proceder ao encontro dos valores. A renúncia à prescrição,
feita pelo devedor em benefício de um dos credores, não aproveita aos demais (530.º, n.º2).
Caso julgado: o formado entre um dos credores e o devedor não é oponível aos outros credores,
porém, ser oposto por estes ao devedor, mas sem prejuízo das exceções pessoais que o devedor
possa invocar em relação a cada um deles (531.º). Prevalece, aqui, uma lógica semelhantes à
dos limites do caso julgado, quanto à solidariedade passiva. Quanto à impossibilidade
superveniente da obrigação (529.º):
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- quando resulte de facto imputável a um dos credores, fica este obrigado a indemnizar
os demais (n.º2).
59
A satisfação do direito de um dos credores, por cumprimento, dação em cumprimento,
novação, consignação em depósito ou compensação, produz a extinção da relação global, em
face de todos os credores (532.º): solução justa e lógica, uma vez que há uma única obrigação.
Relações internas: o credor cujo direito tenha sido satisfeito para além da parte que lhe
competia deve satisfazer aos outros a parte que eles tinham na prestação comum (533.º).
Quando a prestação não seja divisível, haverá um encontro de valores. Nos termos gerais, o
credor satisfeito deve ser interpelado pelos restantes, para entrar em mora. Só então dele
deverá juros.
«Usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem
alterar a sua forma ou substância.»
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corpóreas. Já no Direito Romano, verificou-se que créditos podiam ficar envolvidos em situações
de usufruto. O usufruto de créditos está hoje tratado nos artigos 1464.º a 1466.º do Código Civil,
Grosso modo, o regime é o seguinte: 60
- tratando-se de capitais postos a juro, o usufrutuário faz seus os juros; o capital só pode
ser levantado ou invertido com o acordo do titular da raiz (1464.º, n.º1 e 2);
Em qualquer caso, o crédito principal (ou o valor que ele represente) cabe ao titular da
raiz.
Quer isto dizer que um direito de crédito pode ficar afeto, como garantia, à satisfação
de outro crédito. Moldado sobre um típico direito real, o penhor de créditos tem uma
regulamentação explícita nos artigos 679.º e seguintes. O crédito empenhado deve ser
suscetível de transmissão e, portanto, de realização pecuniária. A partir daí, ele representa um
valor pelo qual o credor pignoratício poderá, preferencialmente, realizar a cifra a que tenha
direito. Em torno do penhor de créditos são construídas diversas figuras bancárias.
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Capítulo IV – O Contrato-Promessa
61
Secção I – Origem e enquadramento
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- pode haver execução específica, pela qual a sentença do tribunal substitui a declaração
negocial em falta.
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A experiência portuguesa: no Direito das Ordenações a compra e venda tinha mera eficácia
obrigacional: o contrato ficava concluído logo que houvesse acordo quanto à coisa e quanto ao
preço, mas o domínio apenas se transferia com a tradição ou entrega da coisa. Num quadro
destes, menos espaço ficaria para uma promessa de venda. De resto, as Ordenações admitiam
que, celebrada a compra e venda e havendo sinal passado, qualquer das partes se pudesse
arrepender: o comprador, perdendo o sinal e o devedor, restituindo-o em dobro. A função de
arrependimento podia, deste modo, ser assumida pela própria compra e venda. O Código
Comercial de Ferreira Borges (1833) dispunha:
O Código de Seabra tomou uma posição oposta, posição essa que constitui o ponto de
partida para a grande elaboração do contrato-promessa que, posteriormente, teria lugar. Donde
nos vem semelhante preceito, que estabelece uma saída diametralmente inversa à do Código
de Napoleão? De acordo com o Projeto inicial de Visconde de Seabra, seriam apenas, “mera
convecção de prestação de facto”, a promessa de venda sem determinação de preço ou
especificação de coisa: uma saída que fazia sentido. No Código finalmente aprovado, adotou-se
a posição oposto, sem que se conheçam as razões. Podemos, todavia, construí-las: o Código de
Seabra abandonou o sistema anterior da compra e venda meramente obrigacional, a favor do
consensualismo na produção dos efeitos reais. Com isso, abriu um vazio, pelo qual penetrou o
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«Tratando-se de bens imobiliários, o contrato deve ser reduzido a escrito, e , sendo feito
sem outorga da mulher do promitente vendedor, este responde por perdas e danos para com o
promitente comprador.»
A preparação do Código Civil de 1986: o passo seguinte coube a Vaz Serra, no seu estudo
preparatório do atual Código Civil, sobre o contrato-promessa. No seu estilo habitual, Vaz Serra
fez um apanhado da doutrina e das leis do seu tempo sobre o contrato-promessa, escolhendo
as soluções que teve por adequadas, e concluindo com um articulado. Na base do a apontado
desenvolvimento, Vaz Serra fez propostas ambiciosas, para o então futuro Código Civil. As
opções decisivas que, depois, passariam ao Código Civil foram obra de Antunes Varela, na
primeira revisão ministerial. Assim:
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Em síntese, podemos afirmar que o Código Vaz Serra operou uma pequena revolução
no contrato-promessa, ainda que aproveitando a tradição anterior. Com efeito, o contrato-
promessa foi definitivamente reconhecido como uma figura de ordem geral, desligando-se da 65
compra e venda. Na linha de reforma de 1930, conservou-se o alijamento formal do contrato-
promessa, decisivo para a salvaguarda do seu alcance prático. As duas grandes novidades
residiram na possibilidade da promessa com eficácia real (413.º) e na execução especifica do
contrato promessa (830.º). Ficaram lançados no plano os pilares para um dos mais produtivos
institutos contratuais.
Grosso modo, podemos adiantar que o Decreto-Lei n.º 236/80, 18 julho, visou
estabelecer um regime especial para os contratos-promessa relativos a habitação; que o
Decreto-Lei n.º 379/86, 11 novembro, procurou resolver problemas suscitados por aquele
diploma, aproveitando para (tentar) aperfeiçoar anomalias na redação inicial do Código; e que
o Decreto-Lei n.º 116/2008, 4 julho, pretendeu suprimir a referência ao notário e a menção
exclusiva à escritura pública. Na mesma secção I:
Sempre no Livro II, Titulo I do Código Civil, temos o artigo 755.º, n.º1 alinha casos
especiais do direito em causa. Este preceito adveio do artigo 442.º, n.º3, versão de 1980.
Lidamos, depois, com o artigo 830.º (contrato-promessa), relativo à execução específica. Estas
alterações tiveram, nos termos apontados, e respetivamente, o escopo de enfrentar as
promessas relativas à habitação e de corrigir as anomalias resultantes da primeira reforma.
Adiantamos que a matéria presume, pelas suas implicações, alguma complexidade.
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- função de desformalização;
- financiamento: a parte adquirente não dispõe dos fundos necessários para cumprir o
contrato definitivo; em vez de se constituir devedora, com todos os riscos que isso implica para
o vendedor, recorre-se à promessa;
- acabamento: desta feita, a parte vendedora não concluiu, ainda, o objeto, não
pretendendo as partes transacionar sobre bens futuros; a promessa resolve o problema de um
vinculação prévia;
- fiscalidade: o imposto municipal sobre a transação de imóveis deve ser pago, em regra
pelo comprador antes da operação definitiva; o recurso ao contrato-promessa permite
sedimentar o negócio, enquanto se dá cumprimento às obrigações fiscais.
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- a indecisão quanto a contratar: uma das partes aceita vincular-se, mas a outra só o fará
se quiser: é a promessa monovinculante ou “unilateral”;
-a regulação parcial: a promessa pode visar compor parte dos interesses das partes,
dentro de um universo mais vasto que esteja em aberto.
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De facto, pela pura lógica, se o contrato-promessa coloca as partes numa situação semelhante
à do correspondente contrato definitivo, faz todo o sentido submete-los a forma idêntica.
Todavia, encontramos, no nosso Direito, um interessante desvio: o artigo 410.º, n.º2 apenas 68
exige, para as promessas relativas a definitivos formais, o escrito assinado pelas partes ou pela
parte que fique vinculada, sem, com isso, obstar à execução específica. Por esta via, os rigores
da forma são aplainados, numa saída reconhecida pela jurisprudência. Evidentemente: os
ganhos em desformalismo serão depois gastos no definitivo ou na execução específica; mas
momentaneamente, são de monta. Finalmente, o contrato promessa pode assumir uma feição
reguladora autónoma, isto é: enquanto valoração distinta do contrato definitivo. Também aqui
podemos distinguir:
- o contrato-promessa como situação estável, entre as partes; pode não haver qualquer
pessoa no definitivo; o contrato-promessa valerá, por si.
As figuras afins: o contrato-promessa não se confunde com as diversas figuras que lhe estão
próximas. Desde logo, cabe despistar outros contratos ou atos preparatórios. Assim:
- pacto de preferência: uma das partes obriga-se, perante a outra a, querendo celebrar
determinado contrato com terceiros, o fazer, nesses precisos termos, com o beneficiário (o
preferente), nas mesmas condições apresentadas pelo terceiro em causa (tanto por tanto); no
pacto de preferência, as partes não se obrigam a contratar: apenas uma delas se adstringe a dar
preferência; além disso, não há nenhum contrato prefixado a cuja celebração possam, sequer,
ficar vinculados;
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- pacto de opção: uma das partes recebe o direito potestativo de, querendo, fazer surgir
certo contrato definitivo; aqui e ao contrário da promessa, ninguém fica obrigado; apenas uma
das partes fica em sujeição; 69
Num segundo grupo, surgem situações de dever de contratar, isto é, que impõem, a
uma pessoa, a obrigação de concluir um contrato mas que não se reconduzem a contratos-
promessa. Assim:
- o dever legal de contratar: certas leis, designadamente na área dos serviços vitais ou
na do domínio da concorrência, obrigam a contratar; também aqui falta uma prévia vinculação
contratual.
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- o acordo de reserva: no decurso de uma negociação e sem que haja qualquer acordo,
uma das partes aceita, durante um certo lapso de tempo, manter-se disponível para contratar,
com referência a determinado objeto, apenas com um interessado.
Tudo isto tem relevância jurídica, obrigando os interessados, por via negocial ou na base
de uma relação de confiança, a respeitar o que tenham afirmado. Podemos ter obrigações de
prosseguir negociações sérias ou de tipo procedimentais. Os aspetos acordados ficam, em
princípio, conquistados: não se pode, quanto a eles e sem uma especial justificação, voltar atrás.
Os danos que forem infligidos, com violação de obrigações principais ou secundárias e de
deveres acessórios, devem ser indemnizados. Todavia, fica ressalvado um ponto: faltará, nestas
figuras, um conteúdo suficientemente preciso e autossuficiente para que permita encontrar um
contrato definitivo, altura em que poderemos estar perante um verdadeiro contrato-promessa,
não temos, nestas situações, elementos suficientemente densos para integrar esta figura. Esta
contratação mitigada não dá azo a negócios de segunda categoria: são verdadeiros contratos,
com toda a dignidade inerente, mas que apenas produzem efeitos na área dos maiores esforços
ou de condutas procedimentais. No quarto grupo, temos acordos de cortesia, manifestações de
obsequidade e acordos de cavalheiros. Assim:
- acordo de cortesia é o convénio que, não tendo conteúdo patrimonial, releve do mero
trato social;
- acordo de obsequidade surge como o acordo de cortesia que seja dominado por um
elemento de respeito ou pelo desejo de homenagear;
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- o contrato normativo: como vimos, pode obrigar à prática de atos jurídicos, ainda que
em termos gerais e abstratos; em certos casos, fará sentido aplicar, havendo incumprimento, a
execução específica ex 830.º; será então um “contrato-promessa normativo”; mas não
necessariamente:
- o contrato-tipo: dá corpo a decisões de contratar, caso venham a surgir; não gera, por
si, um dever de contratar;
- o compromisso: pacto pelo qual as partes submetem a árbitros qualquer litígio entre
elas surgido;
- promessas com e sem tradição da coisa objeto do definitivo (442.º, n.º2, 2.ª parte);
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Importância: o contrato-promessa, pela largueza das suas funções e pelas facilidades formais
que a lei lhe confere, tem, entre nós, uma importância muito mais vincada do que nos países
juridicamente próximos. No campo imobiliário, poucas eram as transações que não fossem 72
precedidas pelas correspondentes promessas. E nos restantes contratos: proliferam as figuras
mistas, com apelo às promessas, bem como a sua utilização no plano organizatório. A reforma
precipitada de 1980 e a recusa (evitável) de, em 1986, restituir, ao contrato-promessa, a sua
configuração inicial, introduziram, numa área que deveria ser dominada pela segurança e pela
previsibilidade, uma incerteza que multiplicou os litígios e as intervenções doutrinárias. A par
do arrendamento e da preferência, podemos considerar que o contrato-promessa é das áreas
mais guarnecidas de decisões judiciais e de comentários, no campo contratual. Com tais latas
funções, o contrato-promessa assume um papel importante na ordenação dos bens e na
circulação da riqueza: superior, no País, ao da generalidade dos demais espaços europeus. As
incertezas introduzidas pela aventura de 1980 e pelos cuidados de 1986 agravaram a
litigiosidade do instituto, com larga representação jurisprudencial. A aparente acessibilidade do
tema, apenas assente na doutrina nacional, levou à multiplicação de intervenções doutrinárias
e de obter dicta: nem sempre com o desejável nível. Devemos ainda prevenir para desmandos
de linguagem inabituais, no coração do Direito Civil, e que o tema do contrato-promessa
suscitou em vários autores. Volvido um terço do século, afigura-se possível a reconstrução
jurídico-científica serena de toda esta matéria.
22.º - A prometibilidade
- pela natureza dos valores envolvidos: a execução da promessa é possível (…) sempre
que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida (830.º, n.º1, in fine);
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- por norma expressa: o artigo 103.º, n.º3 do Código do Trabalho afasta a execução
específica da promessa de trabalho, como exemplo.
73
Além disso, a própria prometibilidade fraca pode ser vedada pelo ordenamento, com
uma consequência da maior gravidade: a de não ser, de todo e com referência ao contrato
atingido, possível o correspondente contrato-promessa. Neste ponto, o Direito legislado é
menos claro. A regra geral mantém a possibilidade de conclusão dos diversos contratos-
promessa. Mas nem sempre e, também aqui, por duas ordens de fatores:
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- seja indemnizado quer das despesas feitas, quer das despesas contraídas, naprevisão
do casamento (1594.º, n.º1, 2.ª parte);
- pode caber aos pais do noivo inocente ou de terceiros, que tenham agido em nome
dos pais (1594.º, n.º1, in medio); ora tais pessoas são terceiros, na promessa;
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- é devida em caso de incapacidade, quando haja dolo do noivo incapaz ou dos seus
representantes; ora, aqui, surge uma figura diversa, uma vez que a fonte do dever de
indemnização não é o incumprimento, mas antes o dolo. 75
Nada disto e objeto de uma promessa de casamento. Logo, não pode ser imputado a
um contrato com tal teor. As dificuldades em reconduzir a promessa de casamento a um
verdadeiro contrato levaram à defesa de outras teorias, para além do contrato:
- teoria da facticidade: a relação de noivado seria uma pura relação social, fonte de
simples deveres morais. A sua quebra envolveria responsabilidade ética ou uma quebra de um
“contrato social”. Estamos, todavia, perante fórmulas descritivas, quando se impõe uma efetiva
redução dogmática;
- manter a lealdade, de modo a não encetar atos que impliquem a quebra da promessa;
a lei explicita quebras de lealdade com:
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são causas justificativas de agressões físicas, morais ou patrimoniais. Pelo contrário: dão azo a
uma relação obrigacional legal, assente na confiança e constituída pelos apontados deveres
acessórios. A sua violação dá lugar à presunção do artigo 799.º, n.º1. Em suma: a promessa de 76
casamento não é um verdadeiro contrato-promessa, porque falta, ao casamento, a
prometibilidade jurídica: antes é uma fonte de uma relação obrigacional legal, assente na
confiança, a tomar em termos atualistas e com o alcance resultante dos valores básicos do
ordenamento.
Típicos e atípicos: outras situações, que em tempo terão levantado dúvidas, são hoje pacíficas.
Assim, admitem-se:
- promessas de partilhas;
- promessas de arrendamento;
- promessas de sociedade;
Em todos os casos, há que atentar: os concretos deveres que assistem aos promitentes
são modelados pelo objetivo final: a conclusão do definitivo em causa. Este deve ser usado como
bússola interpretativa da promessa em jogo. O contrato-promessa pode ainda, para além de
elementos destinados à inclusão do contrato prometido, incluir regras de conduta imediata que
transcendam esse âmbito. Assim, temos:
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Secção II – O regime
23.º - A forma
Evolução e regra geral: ao contrato-promessa não foi, inicialmente, dada especial importância.
Ela não tinha eficácia translativa do domínio e, aparentemente, não envolvia grande
responsabilidade de ambas as partes. E assim, o Código de Seabra, na sua redação pimitiva, não
continha regras formais relativas às promessas. Esse silêncio poderia ser interpretado no sentido
de se lhe aplicarem as regras formais relativas ao contrato definitivo. Todavia, a natureza
especial das regras formais leva a que elas nãos sejam transponíveis para fora do seu estrito
âmbito de aplicação. E assim teremos de admitir que, no âmbito do Código de Seabra, os
contratos-promessa não estavam sujeitos a qualquer forma especial. A intensificação do tráfego
jurídico, mormente no grande esforço de urbanização que foi feito nos finais do século XIX e nos
princípios do século XX, levou à multiplicação de promessas relativas a imóveis. Aquando da
preparação do Código de 1966, houve mais ponderação. Presentes estavam os modelos
estrangeiros que, com lógica, submetiam o contrato-promessa à forma do definitivo. Sob esta
influência, orientação rejeitada por Antunes Varela, a favor de uma simplificação formal. E assim,
na versão original do artigo 410..º tínhamos as seguintes regras formais:
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A primeira hipótese seriam sempre exigíveis duas assinaturas; na segunda, sê-lo-iam nas
promessas bivinculantes, bastando uma, nas restantes. À partida, é insólita a hipótese de um
contrato assinado, apenas, por uma das partes. Todavia, Antunes Varela, autor do texto, veio
esclarecer: Promitente seria, para o Código de 1966, apenas a parte que, num contrato-
promessa, fique vinculada ao definitivo. Esta solução tendia a ser pacífica. Todavia, em 1986, o
Decreto-Lei n.º379/86, 11 novembro, visando “esclarecer dúvidas”, veio redigir o n.º2 do artigo
410.º, criando novas dúvidas, particularmente vinculadas perante as cláusulas acessórias.
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- a resposta positiva é dada por Galvão Telles: o contrato torna—se bilateral, pelo que
as partes são interessadas e assinam;
79
- a resposta negativa advém de Pinto Monteiro, de Almeida Costa, e dubitativamente,
de Menezes Leitão: no fundamental, não estando tal cláusula sujeita a forma especial, cairia na
liberdade de forma (219.º);
- ou por redução;
- ou por conversão.
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«No domínio do texto primitivo do n-º2 do artigo 410.º do Código Civil vigente, o
contrato-promessa bilateral de compra e venda de imóvel, exarado em documento assinado
apenas por um dos contraentes é nulo, mas pode considerar-se válido como contrato-promessa
unilateral, desde que essa tivesse sido a vontade das partes.»
A questão não é de mera qualificação: envolve o regime. A redução pode ser travada
mostrando-se que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada – 292.º - o que constitui
um aceno à vontade real; a conversão pelo contrário, apela a uma vontade hipotética modelada
pelo fim, mais objetiva – 293.º . Além disso, o ónus da prova não é coincidente; na redução, o
interessado deve provar a divisibilidade do negócio cabendo à contraparte demonstrar que ele
não teria sido concluído senão na totalidade; na conversão, cabe ao interessado fazer prova de
que teria havido – a saber-se da invalidade – um negócio diverso. Pela nossa parte, sempre
temos preconizado uma interpretação-aplicação conjunta dos dois preceitos, a que
acrescentaríamos ainda, pelo menos, o artigo 239.º, com o seu apelo à boa fé, devidamente
concretizado. No sistema do contrato-promessa, não podemos deixar de sublinhar o seguinte:
uma promessa monovinculante é visceralmente diferente da bivinculante: na primeira, surge
uma parte sujeita ao livre arbítrio de outra, o que não sucede na segunda. Não há, aqui, um
mero problema de “invalidade parcial”: o ponto é tão importante que todo o contrato fica
atingido. As prestações principais têm um sentido diferente, consoante a natureza mono ou
bivinculante da promessa. Os deveres acessórios, que podem ser decisivos, são diversos. Apenas
a conversão pode salvar a promessa bivinculante, vitimada por falta de uma assinatura. O
contrato, particularmente quando fonte de obrigações, é um conjunto. Além da lógica
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na terminologia do artigo 410.º, n.º3. Relativamente a eles, existe um regime formal específico,
desde 1980, que tem levantado um mar de dúvidas. O circunstancialismo histórico que presidiu
à reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 236/80, 18 julho, deve ser reconstituído. Nessa época,
o País curava de absorver cerca de um milhão dos seus cidadãos que haviam regressado, sem
nada, do Ultramar. Faltavam habitações. O arrendamento estava bloqueado pelo regime
vinculistico, sendo impossível revê-lo por pruridos de tipo ideológico. Assistiu-se, por isso, a um
pico de construção para habitação própria, procedendo-se a uma imediata colocação no
mercado de novos fogos, mesmo quando clandestinos ou, ainda, em construção. E o contrato-
promessa de compra e venda surgia como instrumento de eleição para se proceder a uma rápida
comercialização, com uma colheita de fundos, junto de particulares interessados. Esta súbita
corrida à habitação própria coincidiu com uma depreciação cambial muito marcada, do escudo,
projetada, de imediato, em taxas elevadas de inflação. Punham-se problemas deste tipo:
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- o inacabamento da construção;
Em face de tal frequência, o preâmbulo explica que o regime legal não responde às
necessidades da então conjuntura. Isso porque os promitentes-compradores:
- ou são coagidos, para alcançar a propriedade da casa que muitas vezes já habitam, a
satisfazer exigências inesperadas, que agravam o preço inicialmente fixado.
Sempre no preâmbulo, o legislador explica que vai exigir, quer para das mais solenidade
ao contrato, quer para evitar a venda de construções clandestinas sem conhecimento do
adquirente, que, no documento do contrato, se proceda ao reconhecimento presencial das
assinaturas dos promitentes e que o notário certifique a existência de licença de construção do
edifício. Mantém, depois, ao que diz, a regra anterior no tocante à resolução do contrato,
havendo sinal. Simplesmente, tendo havido tradição da coisa para o promitente comprador, a
indemnização passa a ser o valor da coisa em vez que “(…) se criou forte expectativa de
estabilização no negócio e uma situação de facto socialmente atendível (…)”. Essa situação é
reforçada pela atribuição, ao promitente comprador, de um direito de retenção. Tudo isto é
dobrado pelo reconhecimento, ao promitente comprador, do direito de, em alternativa,
requerer a execução específica do contrato. Por razões de equilíbrio, se deve reconhecer, ao
promitente vendedor, a possibilidade de, na execução específica, pedir a modificação do
contrato por alteração das circunstâncias. Ocupa-se, finalmente, da expurgação de eventual
hipoteca, podendo o promitente comprador exigir do promitente vendedor a entrega do
montante do débito garantido. Em suma:
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- a referência a “prédio urbano” deve ser convolada para edifício; os “prédios” não se
constroem e não têm frações;
- não está em causa, apenas, a propriedade, mas ainda qualquer outro direito real;
Sensível a estas críticas o legislador deu ao artigo 410.º, n.º3, uma nova redação, através
do Decreto-Lei n.º 379/86, 11 novembro. Temos, assim, um regime formal e de formalidades
específico para as promessas urbanas:
O âmbito de exigência formal do artigo 410.º, n.º3 foi delimitado pela jurisprudência.
Assim, ela não se aplica:
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- se ela podia ser declarada ex officio, pelo Tribunal; e se ela podia ser sanada,
supervenientemente.
Pela nossa parte, respondemos pela negativa às três primeiras questões e pela positiva,
à última. Com efeito, o artigo 410.º, n.º3 desenha uma invalidade mista, a aproximar da
anulabilidade: o promitente-adquirente, na falta do formalismo legal, recebe o direito
potestativo de anular o negócio. O promitente-alienante só disporá de idêntico direito quando
a omissão tenha sido culposamente causada pelo promitente-adquirente. Ainda poderíamos
admitir que estejam em jogo interesses públicos, que requereriam a nulidade. Todavia, o tipo
de norma em causa mostra que a valoração legislativa se dirige à proteção dos promitentes-
adquirentes e não à da regularidade das construções. A jurisprudência oscilou um pouco,
acabando por acolher-se à boa doutrina. A invocação da invalidade ex 410.º, n.º3, a levar a cabo
pelo promitente-adquirente, pode, nos termos gerais, ser bloqueada por abuso do direito. Assim
sucederá quando o próprio adquirente, com conhecimento de causa, tenha dispensado a
formalidade ou quando tenha recebido alguma vantagem patrimonial, precisamente para
simplificar a conclusão do contrato. Mas haverá, aí, que insistir nos aspetos do investimento de
confiança, requerido para a tutela do interessado e nos aspetos teleológicos em causa. Apesar
de se jogar uma invalidade sui generis, destinada a proteger o adquirente, é obvia, também, a
presença do interesse público, sempre ligada às exigências de forma. Digamos, em síntese, que
se exige, para bloquear, ex bona fide, a invocação da invalidade decorrente do artigo 410.º, n.º3,
um abuso do direito reforçado.
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Chegar-se-ia, deste modo, ao absurdo de exigir, para a promessa, uma forma (muito)
mais pesada do que a requerida para o correspondente definitivo, quando a sensibilidade do
Direito português é precisamente a inversa: o aligeiramento da forma, no tocante à promessa:
o aligeiramento da forma, no tocante à promessa (410.º, n.º1). O legislador de 1986 foi sensível
a estas críticas. E assim, o Decreto-Lei n.º 379/86, 11 novembro, desdobrou o artigo 413.º,
inserindo, no seu n.º2, a matéria relativa à forma, nos termos seguintes:
«Deve constar de escritura pública a promessa a que as partes atribuam eficácia real;
porém, quando a lei não exija essa forma para o contrato prometido, é bastante documento
particular com reconhecimento de assinatura da parte que se vincula ou de ambas, consoante
se trate de contrato-promessa unilateral ou bilateral. »
Finalmente, o Decreto-Lei n.º 116/2008, 4 setembro, que visou limitar o papel dos
notários, substituiu a primeira parte do preceito por:
Os preceitos parecem claros, devendo assinar-se que o Decreto-Lei n.º 379/86, além de
restabelecer coerência no campo do contrato-promessa, antecipou o atual movimento
destinado a desformalizar o Direito. As consequências técnicas precisas da promessa real são
discutíveis: nenhum notário as vai resolver. Mas o sentido da figura – a oponibilidade erga
omnes – é percetível por qualquer cidadão. A alteração de 1986 merece, neste ponto, todo o
aplauso.
- e as que, por sua razão de ser, não se devem considerar extensivas ao contrato-
promessa.
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Regras não extensivas por sua razão de ser: por sua razão de ser, não se aplicam ao contrat-
promessa todas as regras que visem a consubstanciação das prestações próprias do contrato
definitivo e, a fortiori, o seu regime. Também a temática da perturbação das prestações, típica
de cada uma das figuras contratuais, não tem lugar na correspondente promessa. Ainda na parte
geral das obrigações, encontramos diversas regras que, “por sua razão de ser”, só podem visar
contratos definitivos. De um modo geral, aplicam-se, ao contrato-promessa, as regras relativas:
- à cessão da posição contratual (424.º a 427.º); veja-se, nesse sentido, o artigo 412.º,
n.º2;
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- ao contrato para pessoa a nomear (452.º a 456.º), bastante frequente, nos contratos-
promessa;
Por sua razão de ser, não se aplicam a contrato-promessa, pelo menos inteiramente, as
matérias referentes:
- prestações principais que se analisam na emissão das declarações de vontade que irão
integrar o definitivo;
Além disso e como temos enfatizado, estão em jogo múltiplos deveres acessórios,
assentes na boa fé e que visam, em modus de contrahendo, acautelar os interesses das partes.
Recordarmos os deveres de segurança, de lealdade e de informação. Na mesma linha, considera
que a parte que tenha dado início à execução da promessa, criando na outra parte a confiança
legítima de que iria prosseguir, não pode invocar na falta, assim como não o pode fazer quem,
por três vezes, reforce o sinal passado. O contrato-promessa não é, no seu regime substantivo,
uma projeção simplificada do definitivo. Ele tem vida própria, regras específicas e funções
distintas. A fixação do regime da promessa é sempre uma atividade criativa, guiada pela Ciência
do Direito e na qual o contrato definitivo visado pelas partes é um elemento, entre outros, a ter
em conta.
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A transmissão da posição das partes: o artigo 412.º, n.º1 determina a transmissão dos direitos
e das obrigações das partes em contratos-promessa, aos seus sucessores, salvo quando sejam
exclusivamente pessoais. Com isso, faz-se aplicação da regra geral do artigo 2024.º, segundo a
qual a sucessão por morte respeita, apenas, às situações jurídicas patrimoniais; as restantes
extinguem-se com a morte do visado. Ocorrendo a sucessão, cabe aos herdeiros cumprir o
contrato-promessa em jogo. Será responsável aquele que o impeça. Este preceito visou eliminar
dúvidas anteriores quanto à transmissão mortis causa da promessa. Quanto à transmissão entre
vivos: o artigo 412.º, n.º2 remete-a para as regras gerais, que são, fundamentalmente, as da
cessão da posição contratual (424.º a 427.º). O direito do promitente é penhorável, nos termos
gerais que norteiam a penhora de direitos. Ocorrendo insolvência de uma parte em contrato-
promessa, cabe ao administrador da insolvência decidir se cumpre o contrato-promessa ou se
recusa o cumprimento. Todavia, não pode ser recusado o cumprimento da promessa com
eficácia real, se já tiver havido tradição a favor do promitente-comprador. Trata-se, com efeito,
de uma situação especialmente reforçada, que o próprio legislador da insolvência considera
irreversível.
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- princípio da integridade: a prestação não deve ser efetuada por partes (763.º, n.º1),
prevalecendo uma indivisibilidade de raiz;
- princípio da boa fé: na execução do vínculo, há que acatar a medida de esforço exigível
e os deveres acessórios existentes, de modo a acautelar os valores fundamentais do
ordenamento, através da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente (762.º,
n.º2).
- o lugar da prestação;
Para os presentes propósitos, releva o prazo da prestação. Tudo isto tem regras: quando
ocorra, cumprimento extingue, em regra, a prestação principal. Mas não põe cobro,
necessariamente, ao vínculo obrigacional. Assim, este subsistirá nas obrigações duradouras e
nas relações complexas, que podem subsistir, através dos deveres acessórios. O incumprimento
é a não realização, pelo devedor, da prestação devida, quanto tal ocorrência corresponda à
violação de normas jurídicas, isto é: quando não exista uma causa de justificação para a não
execução da atitude obrigacionalmente prevista. O incumprimento apresenta várias
modalidades, sendo de distinguir:
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Cumpre ainda jogar com a ideia de garantia. Genericamente, garantia é todo o instituto
destinado a assegurar as obrigações e o seu cumprimento. Temos:
- ou o aspeto por regular é comunicável ao contrato definitivo, altura em que este será
concluído, procedendo-se à determinação aquando da execução deste; assim sucede com a
determinação do preço;
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da sua divisão: havendo sucessão hereditária, poderia cada herdeiro celebrar um contrato-
promessa relativo à sua quota-parte, desde que tal eventualidade interesse ao promitente-
adquirente. Nessa hipótese, seria de encarar uma modificação da promessa, por mútuo acordo. 91
A transmissão da posição de promitente aos herdeiros não pode, seja pelas regras das
obrigações, seja pela das sucessões, modificar a realidade em jogo. A promessa deveria ser
cumprida in totum, pelos herdeiros no seu conjunto. Se um deles faltar, a responsabilidade é da
herança (de todos), sem prejuízo do direito de regresso a que possa haver lugar, contro o
responsável. Quanto aos parâmetros relativos a concretização, no adimplemento, do contrato-
promessa, temos:
- tempo da celebração: não havendo prazo, qualquer das partes pode interpelar a outra,
nos termos dos artigos 777.º, n.º1 e 805.º, n.º1; no caso da promessa monovinculante, poderá
ser necessário recorrer ao tribunal (411.º);
O incumprimento lato sensu da promessa pode ainda resultar de algum dos seguintes
fatores, todos eles assimiláveis ao incumprimento definitivo:
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Outras formas de extinção: o contrato-promessa pode ainda cessar por diversas outras
formas. Assim, de acordo com o esquema geral que rege as relações complexas, temos:
- a revogação por comum acordo ou distrate: sempre possível, desde que ambas as
partes deem o seu assentimento.
- a novação, sempre que exista acordo, dos promitentes, nesse sentido (857.º);
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Aspetos gerais e remissão: o sinal é uma cláusula típica, própria dos contratos onerosos. No
que agora releva, podemos sintetiza-lo: aquando da celebração de um contrato ou,
posteriormente mas antes do cumprimento, uma das partes entrega, à outra, uma coisa ou uma
quantia; se o contrato for cumprido, a coisa ou a quantia entregue é imputada no cumprimento
ou, não sendo a imputação possível, é restituída; se houver incumprimento, cabe distinguir:
sendo o incumprimento provocado por quem recebe o sinal, deve este restituí-lo em dobro;
sendo, pelo contrário, causado por quem dá o sinal, fica este perdido. Trata-se de uma figura
conhecida pelos usos, com tradições entre nós. O sinal vem previsto nos artigo 440.º a 442.º, do
Código Civil. Tem um papel de relevo no domínio do contrato-promessa. Surge, ainda, como
uma cláusula frequente: em torno dele há vasta jurisprudência. O sinal não tem uma natureza
unitária. Tal com ele nos surge, trata-se, na verdade, de um produto de uma rica evolução
histórica. Em termos muito sumários:
- o Direito grego antigo, onde o instituto nasceu, o prévio pagamento do sinal assegurava
o negócio, dando-lhe consistência e permitindo o ressarcimento dos danos, no caso de violação;
- o sinal tem uma dimensão penitencial quando opere como “preço do arrependimento”,
permitindo ao interessado resolver o contrato, mediante o pagamento do que resulte o próprio
sinal.
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O sistema era simples e coerente. Assim, na generalidade dos contratos, o sinal tinha o
sentido confirmatório, sendo imputado no pagamento sempre que possível. Pelo contrário, no
contrato-promessa e na linha da tradição anterior, tinha um alcance penitencial: permitia que
as parte meditassem até ao momento do cumprimento e, aí, optassem ou pela execução do
combinado, ou pelo pagamento resultante do regime do sinal. Naturalmente: todas estas regras
eram supletivas. De todo o modo, ficou clara a mensagem legislativa de, contrariando a solução
tradicional das Ordenações, dar um suplemento de vitalidade aos contratos e à sua execução.
Nas ordenações, como referido, a compra e venda era puramente obrigacional: não transferia
o domínio, o qual só transitava, para o comprador, pela entrega. Uma vez celebrada, era
vinculativa, não permitindo o arrependimento: exceto se houvesse sinal, altura em que, o
arrependimento era possível. Em compensação, se em vez de sinal ocorresse uma entrega em
dinheiro “em parte de paga, ou em sinal e parte de paga”, já não havia lugar a arrependimento
ficando os “contratos de compra e venda mais perfeitos”. O sistema era harmónico e flexível.
Com as codificações, particularmente com o Código Vaz Serra, a compra e venda passa a real
quoad effectum, assumindo a promessa de compra e venda o papel de verdadeira “compra
obrigacional”. O sinal/arrependimento transfere-se, pois, para ela. Tratava-se, de resto, de um
regime justo e bem adaptado às realidades sociais.
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Em termos de política legislativa, podemos dizer que a reforma de 1980 foi muito
enérgica. Bastante mais grave foi a absoluta falta de cuidado técnico por que toda esta reforma
foi levada a cabo. Vamos chamar a atenção para alguns pontos particularmente flagrantes:
- o legislador pretendeu, quer pela ratio legis, quer pela occasio legis, quer pelo
elemento sistemático (o 410.º, n.º3), quer pelo tipo de situação em jogo, quer finalmente, pela
teleologia resultante das soluções, ocupar-se de promessas urbanas para habitação, todavia:
generalizou, pelo menos na forma, a todos os contratos-promessa, uma solução de emergência
requerida apenas pelas promessas habitacionais;
- a reforma veio baralhar noções básicas; no novo 442.º, n.º2 refere “coisa” objeto do
sinal e, logo a seguir, sem adjetivos “coisa” objeto do contrato definitivo;
Perante esta reforma, a melhor solução, fazendo prevalecer o espírito da lei sobre a sua
letra e dando a primazia aos elementos sistemáticos e teleológicos da interpretação, era a de
considerar que o novo regime aplicava-se, apenas, aos contratos-promessa visados no novo
artigo 410.º, n.º3. Relativamente os restantes, que nada sugeria fossem objetiva ou
subjetivamente visados pelo legislador, mantinha-se o texto inicial. Como sugestões tendentes
a reduzir o âmbito da reforma de 1980 no contrato-promessa, para além da ideia global de a
acantonar aos contratos referidos no artigo 410.º, n.º3, tínhamos as seguintes:
- tal indemnização, quando tenha lugar, deveria ser deduzida do preço convencionado,
descontando o sinal entregue.
Ambas foram as propostas pelo Professor Lobo Xavier: acabariam por ser acolhidas na
lei, aquando da reforma de 1986.
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- podendo, na hipótese de ele optar pelo valor da coisa, o promitente faltoso opor-se,
oferecendo para cumprir a promessa, salvo tendo-se já passado ao incumprimento definitivo,
previsto no artigo 808.º (442.º, n.º3, 2.ª parte): é a exceção do cumprimento da promessa.
O sinal comum, a resolução e a mora: o grande problema em aberto cifra-se em saber se,
para o funcionamento do sinal, se exige a resolução do contrato e se esta, por seu turno, requer
o incumprimento definitivo ou se basta a simples mora. Essa mesma questão pode ser
recolocada a propósito de cada uma das quatro saídas atuais para o sinal; a perda/restituição
dobrada; a indemnização pelo valor da coisa; a execução específica direta; a exceção do
cumprimento. Vamos ver. Quanto ao funcionamente comum ou clássico do sinal, que envolvia
a sua perda ou a sua restituição em dobro, a doutrina divide-se: querem uns que ele implique o
incumprimento definitivo e a resolução do contrato, enquanto outros se contenham com a
simples mora. Há que distinguir entre o regime e a qualificação. O sinal visa simplificar o
funcionamento do contrato. Marca-se uma data e passa-se sinal. Se na data aprazada não
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- a reforma de 1986 coloca, lado a lado com o sinal, a indemnização pelo valor da coisa
entregue por conta do definitivo.
O Direito não pode ser um mero jogo de proposições formais, onde todas as
combinações são possíveis, encontrando defensores. Neste momento, particularmente nos
Países do Sul, enfrentamos um movimento geral de incumprimento de prazos, com graves danos
para as economias e com severas perdas de postos de emprego e isso ao ponto de já ter
provocado duas intervenções das instituições europeias. Cabe ao Direito civil, pela clareza das
suas soluções e pela defesa do acordado, adotar uma postura pedagógica. Quanto a negócios
significativos: por maioria de razão se deve acatar o clausulado, não sendo credíveis
“esquecimentos” com culpa leve. O Direito civil não deve aceitar a sua própria burocratização.
Isto dito: como joga o sinal clássico com a resolução? À partida, a resolução tem eficácia
retroativa (433.º), envolvendo a supressão de todo o contrato. Tanto basta para dizer que ela
não foi pensada para o sinal: havendo incumprimento, funciona, do contrato, a parcela
vocacionada para intervir, substituindo as prestações principais: o próprio sinal. Mantêm-se, nos
termos gerais, as prestações secundárias e as acessórias.
A tradição da coisa: o regime do sinal é infletido, de acordo com a atual redação do artigo
442.º, n.º2, 2.ª parte, quando haja “tradição da coisa a que se refere o contrato prometido”.
Trata-se de uma inovação então interpretável como aplicando-se, apenas, aos contratos-
promessa do artigo 410.º, n.º3, mas a que hoje não pode deixar de ser conferido um alcance
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geral. Para prevenir confusões, comecemos por recordar que o sinal é, em si, uma cláusula real
quoad constitutionem (só opera com a entrega da coisa), e quoad effectum (produz efeitos reais,
transferindo a propriedade para a parte que o recebe). Normalmente, tratar-se-á de dinheiro, 98
em termos que permitem, também, uma imputação no preço; mas a prática documenta
entregas diversas, como títulos de crédito. A tradição em causa no artigo 442.º, n.º2, 2.ª parte,
reporta-se à entrega, ao promitente-adquirente, da coisa que ele irá adquirir com a celebração
do contrato definitivo. Tal entrega não poderia nunca advir do contrato-promessa que, por
natureza, se limita a prever futuras prestações de escrito ou concluída oralmente a latere e com
o conteúdo indicado. Seria o promitente-adquirente um verdadeiro possuidor? A jurisprudência
alemã anterior à reforma de Decreto-Lei n.º 236/80, decidiu que o promitente-adquirente
traditário não era possuidor por não ter animus; o contrato-promessa não seria causal da
transmissão de nenhum direito real. A questão, todavia, não estava corretamente colocada. Na
verdade, o contrato-promessa não era causal da transmissão de nenhum direito real; mas
também não era causal da entrega da coisa. Tal entrega, teria de ser imputada a um segundo
acordo, de natureza atípica e genericamente admitindo pelo artigo 405.º; tal acordo, porém,
teria natureza meramente obrigacional, sendo insuscetível de proporcionar a posse. Passou-se,
depois, a uma terceira fase em que a tutela do promitente-adquirente com tradição da coisa
passou a ser admitida. Efetivamente, não há qualquer tipicidade de contratos constitutivos ou
translativos de direitos reais. Consequentemente, também não haverá limites desse tipo, no
tocante a contratos com eficácia possessória. Não há nenhum obstáculo à inclusão, num
contrato atípico ou em qualquer contrato obrigacional, de uma cláusula tendente à traditio de
uma coisa; tão-pouco há impedimento a que, ao lado de um contrato, seja ele qual for, as partes
celebrem um segundo acordo, especificamente destinado à entrega da coisa. Questão diversa
é, agora, a de saber qual a natureza da posse do promitente-adquirente. Tudo depende da
vontade das partes: haverá, pois, que interpelar o acordo relativo à traditio usando todos os
demais elementos coadjuvantes. Em abstrato, temos as seguintes hipóteses possíveis:
- a entrega da coisa é um favor feito pelo promitente-alienante: desta feita, temos algo
de semelhante a um comodato, pelo que a posse do promitente-adquirente se deve situar no
âmbito do artigo 1133.º, n.º2;
Nos termos gerais e a menos que sobrevenha uma inversão do título, apenas no
primeiro caso há possibilidade de usucapião.
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promitente-adquirente que tenha pago um sinal (comum) e que, além disso, aproveite da
tradição da coisa. Isto dito, ele pode, havendo incumprimento por banda do promitente-
alienante: 99
- ou pôr cobro a esse mesmo contrato, mas exigindo o valor da coisa, com dedução do
preço e sendo-lhe restituído o sinal (442.º, n.º2, 2.ª parte);
- ou requerer a execução específica, nos termos do artigo 830.º (442.º, n.º3, 1.ª parte).
Como primeiro termo de alternativa, ele pode optar pelo funcionamento comum do
sinal. O segundo termo resultou da redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º236/80, 18 junho,
depois de nós próprios termos chamado a atenção para o enriquecimento escandaloso que ele
poderia originar para o promitente-adquirente e de o Professor Lobo Xavier ter procurado
minimizá-lo. Aquilo que se confere (ou pode conferir), ao promitente-adquirente, é o aumento
do valor da coisa. Com um duplo sentido: impedir o enriquecimento do promitente-vendedor
que, tendo violado o contrato, ainda seria contemplado com a valorização imobiliária e vedar o
empobrecimento do promitente-adquirente, que terá de satisfazer as suas necessidades no
mercado, a preços atuais. O terceiro termo – o poder recorrer à execução específica do contrato-
promessa, mesmo havendo sinal – adveio do final do artigo 442.º, n.º2 na versão de 1980, tendo
sindo normalizado no artigo 442.º, n.º3, 1.ª parte, da reforma de 1986. Trata-se da solução mais
comum, uma vez que, pela geografia do contrato celebrado, o promitente-adquirente deseja
objetivamente a coisa prometida, a qual vai ao encontro do seu interesse efetivo.
«(…)se o contraente não faltoso optar pelo aumento do valor da coisa ou do direito,
como se estabelece no número anterior, pode a outra parte opor-se ao exercício dessa faculdade,
oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no artigo 808.º»
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- de executar a coisa, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário e
de ser pago com preferência aos demais credores do devedor;
- de fazer prevalecer esse seu poder sobre a hipoteca, ainda que registada
anteriormente;
- porque, não havendo sinal, a tradição será uma mera tolerância, não cabendo penalizar
o promitente-vendedor.
Além disso a retenção só garante o direito ao aumento do valor da coisa e não o direito
à restituição em dobro: esta é comum, não havendo valorações que expliquem o seu reforço
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por causa da tradição da coisa. Também o credor hipotecário anterior é tratado com justiça,
uma vez que o seu direito se reporta ao valor da coisa ao tempo da hipoteca e não ao aumento
desse valor, “reservado” pela lei ao promitente-adquirente traditário. Resta acrescentar que 101
com o termino da bolha imobiliária e com uma inflação negativa, muito pouco ficará para este
insólito direito, verdadeiro resquício da inflação de há trinta anos: em boa hora.
Aspetos gerais: diz-se execução específica a realização, pelo tribunal, da prestação que
incumbia ao devedor inadimplente. Os casos paradigmáticos resultam dos artigos 827.º a 829.º
do Código Civil:
- na prestação de dare, a entrega é feita pelo tribunal ou por ordem deste: manu militari
(27.º);
Em toos estes casos, a execução específica é possível quando o devedor possa ser
substituído na sua realização. Assim, não cabe tal instituto perante prestações de facto não
fungíveis (828.º a contrario) e nas prestações de non facere, quando não seja possível fazer
reverter o sucedido (829.º, n.º1, a contrario: não haja obra). Nessa eventualidade, quedam duas
soluções:
Existe ainda uma categoria de dever, que se presta a uma substituição, por parte do
tribunal: a da realização de um facto jurídico. Tradicionalmente, entendia-se que a prática de tal
facto, designadamente a conclusão de um contrato, era de efetivação insubstituível. Mais
modernamente, as dificuldades dogmáticas na execução do contrato-promessa têm sido
situadas no dispositivo constitucional que garante a liberdade de disposição: ora a execução
específica constituiria uma exceção severa a esse princípio. Perante isso, ao não-cumprimento
de um contrato-promessa apenas se poderia reagir através de pedidos de indemnização. Ora
esta solução é triplamente inconveniente:
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- ou defendendo que o Decreto não altera, com generalidade, o Código Civil, antes
introduzindo um regime específico para certos contratos-promessa;
- ou sustentando que, mau grado a alteração, havia que proceder a uma equivalente
restrição “… pelo espirito e pelo contexto da disposição…” (Antunes Varela);
- ou, pelo menos, apresentando a nova redação como “inconveniente” (Vasco Lobo
Xavier).
Contudo, não faltou quem, na base da letra da lei, argumentasse com a generalidade da
alteração. Defendendo, de iure condendo, a solução restritiva, com argumentação jurídico-
cientifica irrefutável. Em nova intervenção legislativa, conduzida pelo Decreto-Lei n.º 379/86, 11
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novembro, tentou-se introduzir alguma ordem, nesta matéria. No tocante ao artigo 830.º,
ensaiou-se uma media via: conservar um regime de exceção para os contratos urbanos (os do
artigo 410.º, n.º3) e regressar à redação inicil do Código Civil, quanto aos restantes. Assim: 104
- o n.º4, com referência a esses mesmos contratos, regulou a expurgação das hipotecas;
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próprio, induziu o vício de que se pretende prevalecer (tu quoque), seja porque vem contrariar
uma posição previamente assumida, defrontando a confiança legítima assim ocasionada (venire
contra factum proprium). Em tais eventualidades, quando o vício vise apenas a tutela de direitos 105
disponíveis, a execução pode prosseguir; se estivessem em causa valores públicos
inultrapassáveis, quedaria uma indemnização ao lesado, verificados os pressupostos da
responsabilidade civil.
De acordo com o sistema português que, neste ponto, remonta às origens do contrato-
promessa na pandectística mais recente, com tónica em Degenkolb, as partes usam, no
contrato-promessa, a sua liberdade contratual. Embora o contrato-promessa tenha regras
próprias, especialmente evidenciadas no plano das prestações secundárias e dos deveres
acessórios, o processo é, todo ele, dirigido teleologicamente para a obtenção do definitivo. A
menos que exista sinal (penitencial) ou outra causa de bloqueio a superveniência do definitivo
é uma fatalidade jurídica: inteiramente justa e legítima, porquanto livre e validamente
controlado pelas duas partes. Assim sendo, são desde logo possíveis três situações:
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- a “resolução” no sentido de opção pelo sinal: já vimos que não há, aqui, senão uma
“resolução” das prestações principais; de todo o modo, a presença e, a fortiori, a opção pelo
sinal afastam a execução específica (830.º, n.º2);
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manter a execução específica. Aí, duas são as soluções possíveis, a determinar de acordo com a
interpretação global do que tenha sido acordar:
107
- ou a execução específica irá funcionar em alternativa ao esquema do sinal ou á cláusula
penal, cabendo ao interessado, na altura própria, fazer a sua opção;
- ou ela opera cumulativamente com essas figuras, as quais, para além do aspeto
compulsivo, visarão compensar o lesado pela demora e pelas maiores despesas e incómodos
que sempre advêm da necessidade de recorrer ao tribunal.
No último caso, ainda será preciso, pela interpretação do contrato, resolver um outro
problema: o da imputação do sinal no preço, quando haja. O artigo 442.º, n.º1 é supletivo:
estamos no coração das obrigações! Assim, podem as partes combinar que, havendo
incumprimento e seguindo-se a execução específica, o sinal acresça ao preço em vez de, nele,
ser imputado. E a fortiori assim sucederá com qualquer pena convencional, a que as partes deem
diversa designação. De modo a facilitar o funcionamento de toda esta matéria, a lei estabelece
duas presunções:
Esta liberdade das partes, relativa à execução específica, tem os imites do artigo 830.º,
n.º3, 1.ª parte; no esforço de reduzir, às dimensões que lhe cabiam, a generalização vocabular
incorrida pelo Decreto-Lei de 18 de julho de 1980. Não pode ser afastada a execução específica
no tocante aos contratos urbanos, isto é, aos previstos no artigo 410.º, n.3. Visou-se, com isso,
proteger a posição dos promitentes-adquirentes de fogos para a habitação. As condições
socioeconómicas são hoje diversas: manifesta-se, então, a lacuna oculta de saber como
proceder quanto ao preço: o artigo 830.º, n.º5 só regula o tema na hipótese de uma execução
específica movida pelo adquirente. Há ainda quem pretenda que a execução específica é sempre
possível nos contratos com eficácia real. E se as partes, atribuindo eficácia real à promessa e
seguido os demais ditames para a sua válida constituição, declararem afastar a execução
específica: há ilegalidade? De novo frisamos a primazia da autonomia privada. Faz todo o sentido
atribuir eficácia real a uma promessa e, não obstante, afastar a execução específica: o
promitente-adquirente lançará mão dessa eficácia se a coisa passar a um terceiro, entendido
que fique que, contra terceiros, nunca cabe a execução específica, mas antes uma medida
diversa.
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- contratos definitivos que repugna, ao sentir geral, ver concluir manu militari, como a
doação.
Em primeiro lugar, cumpre excluir as situações nas quais, pura e simplesmente, não seja
de admitir verdadeiras promessas vinculativas de contratos. Tais os casos, já ponderados, do
casamento e da doação. Em relação aos contratos reais quoad constitutionem sabe distinguir:
- contratos precários, que podem cessar, a todo o tempo, por iniciativa do proprietário
ainda que, porventura, tenha de indemnizar; em relação a eles, não faz sentido uma execução
específica cujos efeitos poderiam terminar imediatamente, por vontade do réu;
- contratos estáveis em relação aos quais e configurável a execução específica: seja pela
condenação do promitente faltoso a entregar a coisa, assim surgindo o definitivo, seja por
sucedâneos que não exijam a entrega.
Quanto aos contratos ditos pessoais, a ausência de execução expecífica (ou mera
prometibilidade fraca) cifra-se em considerações paralelas. A execução específica é vedada, em
certos casos, por expressa disposição legal. Também aqui, a não haver tal preeito, jogaria o
raciocínio próprio do mandato. Os danos de confiança são, em qualquer caso, indemnizáveis.
Em suma: o Direito evolui à medida que formos capazes de substituir juízos intuitivos, ainda que
corretos, por proposições jurídico-científicas suscetíveis de controlo racional. Além disso, no
contrato-promessa como noutras áreas, há sempre que trabalhar o Direito como um todo.
Generalidades: no Direito do Código Vaz Serra a execução específica não é automática. Ainda
que dentro de certos limites, pede-se ao juiz que repondere os interesses em presença,
mantendo, na fase definitiva, os equilíbrios escolhidos pelas partes e balanceados pelo
ordenamento. Já referimos a necessidade de colmatar, na execução específica, eventuais
espaços em branco deixados pelas partes. Seja em função do que elas próprias tenham
clausulado nesse sentido, seja em consonância com os parâmetros gerais relativos à
determinação da prestação (440.º) ou do preço (883.º), seja, finalmente, em obediência aos
ditames sobre a integração dos negócios (239.º), sobre a sua redução ou conversão (292.º e
293.º) ou sobre a própria integração da lei (10.º). Cabe agora analisar, ainda que brevemente,
três institutos que, por expressas referências legais, podem ter aplicação aquando da execução
específica.
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A expurgação das hipotecas: quem adquira bens hipotecados, registe o título de aquisição e
não seja pessoalmente responsável pelo cumprimento das obrigações garantidas, pode
expurgar a hipoteca: ou pagando integralmente aos credores hipotecários as dívidas garantidas
ou, sendo a aquisição gratuita ou sem fixação de preço, declarando estar pronto a entregar aos
credores, para pagamento dos seus créditos, até à quantia pela qual obteve os bens ou aquela
em que os estima (721.º). Verificados os requisitos e mantendo-se a hipoteca depois da
execução específica, pudesse o exequente (830.º, n.º2, 2.ª parte, versão de 1980).
«(…) para o efeito de expurgar a hipoteca, rquerer que a sentença a que se refere o
número anterior condene também o promitente-vendedor a entrgar-lhe o montante desse
débito, ou o valor nele correspondente à fração objeto do contrato, e dos respetivos juros
vencidos e vincendos até integral pagamento.»
Envolvia que, a propósito de uma execução específica que não estava inicialmente
prevista, o promitente-alienante visse, sem contrapartida, vencer de imediato os seus débitos
para com a banca, que poderiam ter todo um calendário de pagamentos. Uma consciência
constitucional mais acurada teria invalidade semelhante norma, quando aplicada a contratos
anteriores. A reforma de 1986 conservou esse preceito, agora no artigo 830.º, n.º4, mas
limitando-o expressamente aos contratos urbanos, previstos no artigo 410.º, n.º3. Como limite
interpretativo adequado: esse preceito só se aplica quando o promitente-alienante se tenha
obrigado a vender “livre de ónus ou de encargos”.
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«No caso de contrato em que ao obrigado seja lícito invocar a exceção de não
cumprimento, a ação improcede, se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no
prazo que lhe for fixado pelo tribunal.» 110
Trata-se do preceito que constava do artigo 830.º, n.º3 da versão de 1986. O artigo 830.º,
n.º5 contempla um problema prático efetivo que, a não ter sido encarado pelo legislador, iria
desequilibrar fortemente a execução específica do contrato-promessa. Como pano de fundo,
devemos adiantar que a sentença que decrete a execução específica de uma promessa, estando
em causa uma compra e venda ou similar é, de facto, um título translativo do domínio: quando
bem poderia suceder que, justamente, o réu condenado não tivesse querido celebrar o contrato
prometido por temer que o promitente-adquirente não lhe pagasse o preço ajustado. Seria justo
sentença transferir o domínio, sem se assegurar desse pagamento? Por certo: não. Em vez do
preço, pode estar em causa qualquer outra prestação. Em termos técnicos, a exceção de não
cumprimento do contrato ou exceptio non adimpletii contractus é o instituto que permite, nos
contratos bilaterais, se não houver prazos diferentes para o cumprimento, a cada um dos
contraentes, a faculdade de recusar a sua execução, enquanto o outro não efetuar a prestação
que lhe caiba ou não oferecer o seu pagamento simultâneo. O artigo 830.º, n.º5 visa,
precisamente, articular o funcionamento da exceptio com a execução específica. A sua redação
presta-se, contudo, a dúvidas. Vamos consignar algumas proposições jurisprudenciais:
- a consignação em depósito, aqui em causa, não pode ser substituída por caução;
- a sua exigência não ofende o princípio da igualdade, nem constitui uma pretensão
desproporcionada;
Alargamento a outros deveres de contratar: o artigo 830.º, pela sua epígrafe e pela previsão
do seu número 1, reporta-se à execução específica de contratos-promessa. Quid Iuris?
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Anos volvidos, Vaz Serra mantém e reforça essa posição (apelado também e se necessário à
analogia). A análise mais cuidadosa sobre o tema coube a Calvão da Silva, que pode ser colocada
ao lado da linha maioritária. Diz esse autor:
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decurso de um processo em que, de resto, Antunes Varela teve todo o mérito. Assim sendo, seja
por razões axiológicas de fundo, seja pelos motivos técnico-jurídicos invocados, afigura-se-nos
que a execução específica é aplicável a todas as obrigações de contratar. Só assim não será se 112
leis especiais ditarem outro rumo ou se, em concreto, se revelarem valores que recomendem
saída diversa. Para além do dever do mandatário sem representação, já examinado, estão
especialmente em causa as diversas manifestações de contratação mitigada, sempre que, nelas,
seja possível discernir, com clareza mínima, uma intenção de contratar e um perfil suficiente,
para o contrato definitivo.
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«Um dos casos em que parece de aceitar a possibilidade de atribuição de eficácia real a
um direito de crédito é a do crédito derivado do contrato-promessa, defendendo-se, assim, o
credor contra alienações feitas a terceiro.» 113
Tratava-se, apenas, do registo de uma futura aquisição, que defendia o beneficiário contra
transmissões a favor de terceiro. Esta redação não ocorre na primeira revisão ministerial. Foi na
segunda revisão, provavelmente na linha de uma intuição de Antunes Varela ou de Pires de Lima,
para a qual não foram dadas explicações que surge um preceito semelhante ao artigo 413.º.
Frisemos as novidades:
- no da exigência de escritura pública: ela não ocorreria para certos contratos definitivo
relativos a móveis sujeitos a registo. Ora, toda a lógica da articulação promessa/definitivo vai,
pelo Direito português, no sentido de aliviar, na promessa, as exigências de forma feitas para o
definitivo: nunca o inverso. Responde Antunes Varela: as dúvidas ocorridas em torno da eficácia
real da promessa são tais que, mau grado a apontada distorção, se justificaria a intervenção
esclarecedora do notário. Todavia: os meandros últimos da eficácia real não estão, ainda, sob o
controlo da Ciência do Direito, pelo que nenhum notário pode valer; a ideia de eficácia real é,
porém, muito simples, sendo acessível a qualquer leigo que a queira utilizar.
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- quanto ao registo: a redação original do artigo 413.º inculcava que o registo era, aqui,
constitutivo, aproximando-se do da hipoteca. Na verdade, ao dizer liminarmente “mas, neste
caso, promessa só produz efeitos em relação a terceiros depois de registada”, o preceito deixava 114
entender que, sem registo, a atribuição de eficácia real a uma promessa nada acrescentava, em
relação à promessa comum. Ora essa solução desvia-se do sistema registal português. Aí, o
registo (salvo na hipoteca) é apenas consolidativo. O facto sujeito a registo e não registado é
oponível inter partes, a terceiros estranhos e a terceiros que adquiram, do mesmo adquirente,
direitos incompatíveis, salvo se beneficiarem de uma aquisição tabular. Perante isso,
preconizámos a aproximação do artigo 413.º ao sistema geral de registo. Com o seguinte alcance:
a promessa real não registada só não produziria efeitos perante terceiros que, estando de boa
fé, adquirissem do mesmo alienante um direito incompatível com a própria promessa e o
registassem antes do registo de qualquer ação intentada pelo promitente-adquirente, para fazer
valer o seu direito. O Decreto-Lei n.º 379/86, 11 novembro, decidiu intervir no artigo 413.º,
fundamentalmente para acolher a crítica que formulámos em relação à exigência de escritura
pública. O artigo 413.º, n.º2 foi ainda alterado pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, 4 julho, tendente
a limitar s escrituras públicas. Esse diploma reproduziu, em nova redação, o preceito em causa,
com alterações que atingiram a sua primeira parte. Na segunda parte do preceito, o legislador
veio repetir a exigência de “documento particular com reconhecimento de assinatura”, sem se
aperceber de que, menos de dois anos antes, abolira essa figura, pelo referido artigo 2.º do
Decreto-Lei n.º 250/96, 24 dezembro. Malhas do império: não se consegue acertar o tema da
forma da promessa real. O regime formal do contrato-promessa com eficácia real está, hoje,
mais razoável do que em 1966. Quid Iuris quanto ao registo? De facto, o legislador de 1986 veio
provocar um desvio em relação ao sistema geral do registo. Pode fazê-lo. E há duas razões que
depõem nesse sentido:
- o facto de a promessa real apresentar um encargo muito forte sobre a coisa que onere
e isso ao ponto de a absorver ainda mais do que a própria hipoteca.
O funcionamento da eficácia real: celebrada uma promessa real, qual o seu funcionamento?
Na base temos, ainda, um contrato-promessa: nas relações entre as partes aplicar-se-á, pois, o
regime correspondente. Inter partes, haverá lugar à execução específica, nos termos gerais. E
se, violando a promessa, o promitente alienante vender a coisa a terceiro ou a onerar por
qualquer forma? A lei não dispôs sobre a forma de agir. Apenas permite entender, pelo uso da
expressão “eficácia real” e pela sujeição a registo, que o promitente adquirente poderá agir
diretamente contra o terceiro em causa. No Direito português, a transmissão (ou oneração,
salvo na hipoteca) opera imediatamente por força do contrato (408.º, n.º1). Como agir? Na
doutrina, têm sido defendidas praticamente todas as posições imagináveis. Assim, perante uma
alienação faltosa a um terceiro:
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Nenhuma detas orientações pode ser rejeitada ad nutum: todas tÊm argumentos a seu favor.
De todo o modo, há que atentar nalguns aspetos práticos. A execução específica só pode ser
usada inter partes. A venda, a terceiros, de bens onerados com uma promessa real não é nem
ilegítima, por envolver bens alheios, nem ineficaz. O promitente-alienante é o titular legítimo,
dispondo da coisa como entender. Ora nada nos leva a poder construir uma propriedade
resolúvel, para a hipótese de um incumprimento. Da mesma forma, não temos como configurar
uma propriedade inerme. A ação ad hoc de Menezes Leitão parece mais sólida. Mas ainda
podemos avançar, no plano da sua dogmatização. Num contrato-promessa com eficácia real,
quando a coisa seja alienada a um terceiro, a que poderá seguir-se toda uma sequência de novas
alienações, o promitente-adquirente tem de solucionar dois pontos:
- adquirir a coisa;
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preciso, a menos que o réu na “reivindicação adaptada” o queira, ele próprio, chamar, para
excecionar a invalidade da promessa, a exceção do contrato não cumprido ou qualquer outra
que lhe diga respeito. 116
O problema e o registo da ação: não se confunde com a eficácia real a questão da eficácia do
registo da ação de execução específica, mesmo em comuns contratos obrigacionais. O problema
é equacionável: quando seja intentada uma execução específica numa promessa sem eficácia
real, o réu pode, pura e simplesmente, vender de imediato a coisa a terceiros; quando tal faça,
o tribunal ver-se-á incapacitado de decretar a execução específica, mesmo que se mostrem
reunidos os diversos requisitos. A execução específica teria, assim, uma fragilidade extrema. A
questão pode (ou poderia) ser resolvida graças às regras do registo predial. Com efeito, a
execução específica relativa a imóveis está sujeita a registo, nos termos do artigo 3.º, n.º1 do
Código do Registo Predial. Esse registo é mesmo necessário, sob pena de a ação não prosseguir
depois dos articulados (3.º, n.º2 CRp). Transitada a ação que dê provimento à execução
específica, a decisão está sujeita a registo – 3.º, n.º1, c) – e é averbada ao registo da ação – 101.º,
n.º2, b) CRp – o qual se converte em definitivo com a prioridade que lhe advém da inscrição
inicial (6.º, n.º3 CRp). Ou seja: o registo da sentença que decrete a execução específica retroage
à data do registo da própria ação. São-lhe inoponíveis os registos de aquisição de terceiros
posteriores ao registo da ação (5.º). Assim se consegue evitar o facto indecoroso e injusto de,
intentada uma ação de execução específica, o réu poder neutralizar a decisão do tribunal
apressando-se a vender o bem a terceiro. Há, ainda, outra hipótese: é intentada uma ação de
execução específica, mas não é feito o seu registo e, não obstante, os autos prosseguem. No
decurso da ação, a coisa-objeto é vendida a um terceiro, que também não regista. Nessa altura,
pela regra da prioridade do registo e pelo funcionamento da própria execução específica, esta
prevalece, se for registada antes do registo do terceiro. Estas soluções, tão simples, justas e
naturais, vieram a ser perturbadas pelo facto de se vir dizer que, pelo registo da ação de
execução específica, a promessa meramente obrigacional adquiriria eficácia real. Não é o caso:
a promessa manter-se-ia, sempre, obrigacional; apenas a eventual decisão do tribunal teria uma
eficácia reportada à data da propositura da ação ou do seu registo. Mas como se falou
(impropriamente) em eficácia real, surgiram opiniões e decisões desencontradas.
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ação judicial respetiva. No mau sentido, em 1991, afirmando que não é possível, pelo registo,
conferir eficácia real à promessa que a não tenha entendeu que nem a ação de execução
específica estava sujeita a registo, e que nem tal registo podia conferir eficácia real. Orientação 117
contrária (e, logo, correta) surgiu depois. Tudo parecia normalizado. Todavia, o acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/98, 5 novembro, ainda que com numerosos votos de vencido,
uniformizou jurisprudência no sentido erróneo. O Supremo foi em especial impressionado por,
pela via que rejeitou, um terceiro poder ser afetado por uma decisão judicial em cujo processo
não tinha intervindo. Mas não: ele é afetado, sim, por um registo, registo esse que pode
impugnar, nos termos gerais, discutindo tudo o que haja para debater. E se ninguém tiver
registado, vale a data da propositura da ação, que prevalece contra terceiros adquirentes, que
não registem. Quanto à doutrina: na sua larga maioria, defendeu que o registo da ação de
execução específica fazia retroagir, à data deste, a decisão que viesse a ser proferida no seu
termo. Subsequentemente, a boa jurisprudência foi restabelecida por RPt (Relação do Porto) e
confirmada pelo Supremo: fazemos votos para que permanentemente. Voltamos ao ponto de
partida: todo este périplo, que envolveu muitas dezenas de horas perdidas e algumas decisões
injustas assentou na confusão de chamar “eficácia real” ao que mais não era do que um tema
comum de eficácia da sentença, reportada à data da inscrição da ação em que foi proferida. A
imagem de uma “eficácia real” quando, precisamente, não estava em causa a promessa real do
artigo 413.º levou às orientações que criticámos. Neste como noutros pontos, há que ser muito
preciso, na linguagem jurídica, sob pena de se desencadearem falsos problemas. ~
- esse mesmo papel assiste à promessa a qual, uma vez concluída, esgota a liberdade
das partes: o definitivo seria, tão só, um ato de execução do já combinado.
A primeira opção explicativa levaria, no fundo, à negação da própria promessa, como contrato
autónomo. Se as partes querem contratar e sabem em que sentido fazê-lo, porque não se
desempenham, em vez de encetar o circuitus inutilis da promessa? A segunda orientação
extremista desvaloriza o contrato definitivo. No fundo, este seria apenas uma operação de
redocumentação: a hipótese de um negócio poder integrar um cumprimento seria absurdo.
Também esta orientação deixa rastos em autores que nela se reconheçam. Será possível tentar
um equilíbrio entre ambos os contratos? Pela nossa parte, já defendemos o efetivo apagamento
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Embora, de seguida, passemos a matizar a nossa posição, estes dois aspetos, ainda quando não
absolutizados, devem ser retidos.
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assegura, ainda , uma repartição de riscos diferente da que irá surgir com o definitivo. À partida:
mais equilibrada. Basta ver que impossibilidade casual de celebrar o definitivo é, em regra,
distribuída, nos seus inconvenientes, por ambas as partes, enquanto que a supressão casual das 119
vantagens asseguradas pelo definitivo cai, toda ela, no regaço de quem a sofra. Em suma: mau
grado a primazia reguladora da promessa, o contrato definitivo não perde em categoria.
Continua a ser um verdadeiro contrato, ainda que devido e pré regulado, pelo menos em parte.
Apresenta um espaço diferente de autonomia e acentua valores que são apenas pré visualizados
na promessa. Daqui retiramos a explicação para um aspeto da maior importância: estamos em
presença de valores próprios e de uma relacionação específica que justificam, à dupla
promessa/definitivo, a aplicação de um subsistema próprio de perturbação das prestações, que
não coincide com o regime geral das obrigações. Os inconvenientes da rígida aplicação dos
esquemas da mora e do incumprimento definitivo demonstram-no.
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120
35.º - Coordenadas histórico-dogmáticas
Diz-se, em Direito, que há preferência ou que alguém está obrigado a dar preferência quando
um sujeito (o obrigado), caso queira celebrar um determinado negócio (o negócio ou contrato
preferível), desde que esta queira acompanhar as condições do negócio em causa (caso prefira
ou dê tanto por tanto) e isso em detrimento do terceiro (o preferido), com o qual o negócio fora
ajustado. Historicamente foram surgindo diversas figuras de preferência: só muito tarde se
generalizou tal figura. Isto explica o plural “pactos de preferência”. Também historicamente, a
preferência desenvolveu-se a propósito da venda, embora cubra, hoje, qualquer negócio
patrimonial (423.º). No fundo, as anomalias legislativas detetadas permitem logo uma pequena
abordagem, histórica e explicativa, da figura.
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- a preferência na emphyteusis, uma figura de origem oriental e que fez a sua aparição
no período de vulgarização; no seu âmbito, o proprietário recebeu, sob Justiniano, o poder de,
quando o enfiteuta quisesse vender o seu direito, após até dois meses de reflexão, realizar ele
o negócio projetado ou receber uma determinada compensação.
«Paulo, D.19.1.21.5:
Mas se eu te vendo um fundo, para que não vendas a nenhum outro que não eu, é dada
uma ação de venda se venderes a um outro.»
«Hermogeniano, D.18.1.75:
Aquele que vender um fundo com a cláusula de que ele próprio pode arrendá-lo, caso o
queira vender, não o deve fazer a outrem, mas ao próprio, ou algo semelhante: pode ele agir,
por via do contrato de compra e venda, para o cumprimento.»
Nas palavras de Arangio-Ruiz: esta figura, de romana, nem tinha o nome. Na verdade, a
expressão protimiseos mais não é do que o alatinamento do grego προτμισεs, praeletio ou
preferência. Em suma: embora, no Direito Romano, pela sua enorme riqueza e diversidade, seja
possível documentar figuras semelhantes à preferência, parece assente a ausência de um
verdadeiro instituto semelhante ao que, mais tarde, viria a surgir no Ocidente.
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nobreza fundiária, perderam valia, enquanto as luze recomendavam uma propriedade livre de
entraves. Desenvolveu-se uma tendência legislativa geral para a sua supressão. Os primeiros
códigos conservaram apenas resquícios, sendo de sublinhar o Código Napoleão, que manteve 122
somente a preferência no âmbito da comunhão hereditária, na forma de retratação. No Código
Austríaco de 1811, a matéria, embora muito simplificada em relação ao Direito anterior,
apresentou algum desenvolvimento: enquanto uma cláusula acessória, relativamente à compra
e venda. O BGB procurou também pôr cobro à compilação anterior, conservando dois tipos de
preferência: a obrigacional e a real imobiliária, no seio dos diversos direitos reais. Ambas sãod e
base convencional. Para além de reaparições modernas, abaixo referidas, temos, como
preferência legal, a do co-herdeiro. O Código Italiano não prevê, em termos gerais, a figura da
preferência (prelazione). Todavia, ela é bem conhecida, por via doutrinária, sendo corrente a
contraposição entre as preferências convencional, legal e testamentária. A referência mais clara,
a essa figura surge a propósito do contrato de fornecimento: refere-se a cláusula típica pela qual
o adquirente se obrigue a dar, em subsequente contrato, preferência ao primeiro fornecedor,
estabelecendo-lhe um prazo-limite de cinco anos. Surgem, ainda, preferências em leis
extravagantes, com incidência especial no domínio da locação. Podemos considerar, numa
rápida panorâmica europeia, que o direito de preferência é muito infletido pela História e pelas
tradições, apresentando diferenças notáveis, entre os códigos dos diversos países. Presta-se a
análises comparatísticas, embora a sua dispersão seja tal que, muitas vezes, soçobra em meras
descrições. Ao logo do século XX, houve um certo nascimento da figura.
1
«Defeso he per direito ao foreiro, que tras alguma herdade, casa ou vinha, etc. aforada pera sempre,
ou certas pessoas, que nom posssa vender, nem escaimbar, doar, nem enalhear a cousa aforada sem
outorgamento do Senhorio, porque o Senhorio deve sempre pera ello seer requerido, se a quer tanto
por tanto; e querendo-a elle, nom a poderá aver outrem; e nom a querendo, entom a poderá outrem
aver»: assim estava inserida nas Ordenações Afonsinas
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Trata-se do embrião da futura ação de preferência. O Código de Seabra não referia, de modo
expresso, o pacto de preferência ou preferência meramente convencional. Este era todavia
admitida, ao abrigo da autonomia privada, tendo tido um especial papel entre herdeiros, como
forma de manter a unidade da herança ou entre co-enfiteutas, para conservar a unidade do
prazo. A doutrina e a jurisprudência reconduziram-no a uma promessa ou mera convenção de
prestação de facto, fonte de responsabilidade civil, quando incumprida. O desenvolvimento
normativo continuava a ser escasso. Mas tudo visto, podemos considerar que o Código de
Seabra foi além do Código Napoleão, ao consagrar (mais) algumas situações legais de
preferência. E, como seria muito natural, ficou aquém do BGB que, dispondo já de uma
dogmática muito mais avançada, tratou separada e corretamente a preferência convencional e
a real.
A preparação do Código Civil de 1966: na preparação do Código Civil de 1966, Vaz Serra
teve em especial conta o modelo alemão. Era, de facto, o mais desenvolvido e o mais equilibrado.
Vaz Serra assinalou a multiplicação dos direitos legais de preferência, mas concentrou o seu
estuo na preferência convencional. Ponderando as várias hipóteses, apresentou um articulado
extenso. Aí, optou pelo tratamento em conjunto da preferência obrigacional e da preferência
real. Como especial novidade e baseando-se nas particularidades do BGB, Vaz Serra distinguia,
entre os direitos convencionais de preferência, três hipóteses:
- a preferência obrigacional;
- a preferência real.
A preferência produziria, nos termos gerais, efeitos entre as partes. Quanto às duas restantes:
a preferência com eficácia real seria uma comum preferência obrigacional que, tendo sido
objeto de registo prévio (Vormerkung), adquiriria eficácia perante terceiros. O direito real de
preferência atinge diretamente a coisa, distinguindo-se do direito pessoal preventivamente
anotado. Esta contraposição é interessante: suscita uma série de problemas que terão de se
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mostrar resolvidos, prante a lei vigente. Vaz Serra apresentou, no anteprojeto global, um texto
em 17 artigos e do qual despareceria já o direito real de preferência. De notar que, nesse
anteprojeto global, a obrigação de preferência era inserida no título relativo às modalidades das 124
obrigações, ao lado das de sujeito indeterminado, solidárias, divisíveis, genéricas, alternativas,
de juros, pecuniárias, de indemnização, de reembolso de despesas e de informação. Seria uma
solução bem interessante. Nos preparatórios subsequentes, a matéria apresentou-se bastante
instável. A primeira revisão ministerial conservou a preferência como uma modalidade de
obrigação, mantendo-a apões a obrigação de informar e de apresentar coisas e documentos. Na
segunda revisão, o tema passa para os contratos enquanto fontes das obrigações, local onde se
iria manter. Muitos dos seus preceitos só encontraram a sua fórmula definitiva na segunda
revisão ministerial em causa ou no próprio projeto definitivo.
Trata-se, quanto sabemos, de longe, do Código Civil que mais preferências legais estabelece.
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- a de pacto de recuperação: alguém aliena uma coisa ou um direito, mas quer reservar-
se a possibilidade de vir, um dia, a recuperá-lo: a preferência convencional será um instrumento
útil, nesse sentido.
Para além disso, temos as inúmeras preferências legais, cujas funções, quando fixadas por
diplomas extravagantes, já acima foram alinhadas e que podemos, agora, sistematizar desta
forma:
- funções públicas: pretende-se intervir no tecido social sem usar meios de autoridade,
como a expropriação; em certos casos, recorre-se à iniciativa privada para manter ou melhorar
a tutela do bem comum.
Surgem outras finalidades, como a punitiva, por parte das surrealistas preferências fiscais. Ao
contrário do que vimos suceder com o contrato-promessa. O pacto de preferência não tem
grande apetência para estabelecer um modus vivendi complexo, entre as partes, até ao
momento do (eventual) negócio definitivo. Mas assume algumas potencialidades, nessa
dimensão. Haverá pois que estar atento a eventuais prestações secundárias ou a deveres
acessórios que, de imediato, possam vigorar entre as partes. O pacto de preferência raramente
surgirá isolado. Quando isso sucedesse, ele configurar-se-ia mesmo como uma liberalidade, uma
vez que traduz a concessão, a uma pessoa, de um benefício, sem contrapartida. Em regra, o
pacto de preferência articula-se como uma cláusula no seio de um contrato mais vasto. De resto,
isso explicará porque se usa, no Código, “pacto” de preferência e não, como seria curial,
“contrato” de preferência. Temos, aqui, uma circunstância relevante: a função do pacto de
preferência irá depender da geografia global do contrato em que ele se inclua. Da mesma forma,
a sua interpretação e a sua aplicação devem ocorrer a essa luz.
Figuras afins: na distinção do pacto de preferência das denominadas figuras afins, é útil a
remissão para a delimitação do contrato-promessa. Torna-se fácil, em geral, fazer a transposição
do competente quadro, para a preferência. Não obstante cabe sublinhar algumas
particularidades. O pacto de preferência tem uma estrutura típica não-sinalagmática. Tal como
a lei o desenha, temos uma parte – o preferente – que recebe uma vantagem apreciável,
enquanto a outra nada obtém, estruturalmente, em troca. Pelo contrário: fica obrigada à
comunicação para efeitos de preferência, perdendo, ainda, a plena disposição do seu bem.
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Assim, cabe em especial distingui-lo de figuras onde se verifiquem estruturações desse tipo.
Temos:
126
- a promessa monovinculante: tal como na preferência, apenas uma das partes fica
obrigada; todavia, na promessa sabe-se, ab initio, que o contrato definitivo irá ocorrer entre as
partes; na preferência, o contrato definitivo é uma incógnita, quanto ao conteúdo, uma vez que
depende, para além da vontade do preferente, daquilo que venha a ser combinado com o
terceiro;
- a opção: figura inominada e atípica, ela traduz o direito potestativo de uma das partes
fazer surgir certo contrato definitivo, uma vez que a outra emite logo a declaração final; o
funcionamento da opção depende, apenas, do beneficiário, enquanto na preferência exige
sempre o mútuo consentimento, aquando da conclusão do definitivo; e na opção, sabe-se, ab
initio, qual o conteúdo do definitivo, o que não sucede com a preferência;
- a venda a retro: uma das partes dispõe do direito potestativo de resolver o contrato
(927.º); embora, por essa via, ela possa provocar um rearranjo nas relações jurídicas presentes,
não está em causa um eventual contrato novo e, para mais, de conteúdo ainda desconhecido.
No plano das preferências legais públicas, há que manter a distinção perante a expropriação por
utilidade pública, mesmo quando esta se conclua por um acordo: a expropriação não tem,
estruturalmente, natureza contratual e o seu epílogo não depende de condições acordadas com
terceiros, como sucede com a preferência.
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- as preferências legais são sempre reais; como normas de estilo, os preceitos que as
estabelecem remetem para o artigo 1410.º, n.º1, relativo à ação de preferência;
- as preferências convencionais são ora obrigacionais, ora reais, consoante a opção das
partes e isso desde que, nesta última hipótese, sejam , ainda e por elas, observadas
determinadas formalidades.
No caso das preferências legais, cada situação poderá assumir um perfil próprio: impõe-se,
sempre, a interpretação das normas que as estabeleçam. No entanto, existe uma
interpenetração entre as diversas preferências legais e o regime geral da preferência
convencional. O regime geral da execução da preferência consta dos artigos 416.º a 418.º:
precisamente inserido no domínio do pacto de preferência. E esse regime tem aplicação seja às
preferências obrigacionais, seja às reais. Torna-se, assim, possível a elaboração de uma teoria
geral das preferências.
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todas estas vias, o circunspeto pacto de preferência tem um papel muito mais importante do
que o resultante, prima facie, dos artigos 414.º a 423.º do Código Civil.
128
A resposta é positiva. Temos contratos precários que, embora válidos e eficazes, podem cessar
a todo o tempo, por iniciativa de alguma das partes, como o comodato ou o mandato. Em
relação a eles, ainda que a preferência faça sentido, já não o faria a ação de preferência. As
mesmas razões que restringem a prometibilidade limitam, também a preferibilidade: o que não
admira, dada a proximidade existente entre a promessa e a preferência.
A forma: o artigo 415.º manda aplicar, ao pacto de preferência, o artigo 410.º, n.º2. Como está
epigrafado “forma”, a doutrina interpreta esse preceito como mandando aplicar, quanto à fora,
o regime da promessa. E isso redundaria no seguinte:
- porém, quando o contrato preferível exija documento quer autêntico quer particular,
a respetiva preferência teria de ser feita por escrito;
- tal escrito deverá ser assinado pela parte que se vincula ou por ambas, se o pacto for
bivinculante.
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Haveria ainda que ressalvar o pacto de preferência com eficácia real: e a este, por via do artigo
421.º, aplicar-se-iam as regras do artigo 413.º (promessa real). Num pacto de preferência
comum, apenas uma das partes fica vinculada: o obrigado à preferência. Bastaria a assinatura 129
deste. Todavia, é pouco compaginável uma preferência ad nutum: ou há uma contraprestação
(o prémio da preferência), a pagar pelo preferente ao obrigado ou a preferência se inclui, como
cláusula, num pacto mais vasto, de onde promanam deveres para ambas as partes. Fica-nos,
pois, a ideia: bastará a assinatura do obrigado à preferência, a menos que ambas as partes se
vinculem. E sendo este o caso, mas faltando uma assinatura? O negócio é nulo, podendo, porém,
ser encarada a hipótese da sua redução ou conversão. À semelhança do que sucede com o
contrato-promessa temos, no pacto de preferência, um aligeiramento formal relativamente ao
que se exija para o definitivo. As razões históricas que, no Código Vaz Serra, levaram ao alívio
formal das promessas jogam, no mesmo sentido, nas preferências. De todo o modo, a presença
do princípio da equiparação na forma, em Direitos sensíveis e evoluídos, como o alemão e o
italiano, constitui um sinal que não deve ser minimizado.
Podemos, hoje, apontar um quarto argumento, de ordem geral: na base das regras disponíveis,
haverá que compor o regime de outros contratos prévios, como a opção, para os quais não há
normativo disponível expresso. Ora nesses casos, as regras da promessa são básicas, enquanto
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regime geral aplicável a todos os preliminares. Não vemos como excetuar a preferência. A
orientação proposta nunca se mostrou criticada. Pelo contrário: temo-la como reforçada, pela
prática e pelo Direito comparado. Daqui resulta a aplicação, ao pacto de preferência, das regras 130
aplicadas à capacidade, à conformidade legal e aos demais requisitos atinentes ao objeto (280.º),
próprias do contrato preferível. Ainda nos termos do aqui aplicável artigo 410.º, n.º1, há que
excecionar as regras que, pela sua razão de ser, não caibam na preferência. Estão nessa situação
as normas que, especificamente, se prendam com a execução dos diversos contratos definitivos,
tal como foram relevadas a propósito do contrato-promessa. A aproximação preconizada não
deve conduzir a resultados tão estritos como os que se verificam no contrato-promessa.
Efetivamente, neste último, o definitivo está totalmente prefixado. Na preferência, apenas se
conhece, de antemão, o tipo geral do contrato definitivo. Por isso, a equiparação apenas
determina a aplicação de regras de ordem muito geral. De todo o modo, tem relevo prático.
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- quem deve comunicar: a comunicação deve ser feita pelo obrigado à preferência ou
por alguém que, com poderes bastantes, o represente. Tecnicamente, pelo seguinte: o
preferente, caso aceite, fecha, de imediato, um contrato ou, pelo menos, o contrato-promessa
equivalente;
- a quem deve comunicar: a comunicação deve ser feita ao preferente. Pode haver vários
preferentes: a comunicação para preferência deve, então, ser feita a todos;
- o que deve comunicar: deve ser comunicado o projeto do negócio existente, nos
seguintes termos:
- com o clausulado completo ou, pelo menos, com todos os elementos essenciais
que relevem para a formação da vontade de preferir ou não preferir; a falta de fatores
relevantes ou o facto de, depois da comunicação, se concluir o negócio com o terceiro, mas em
condições diferentes, invalida a comunicação feita;
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Apenas se admite que, na comunicação, não seja desde logo inserida a data da
escritura, uma vez que esta depende da colaboração entre os contratantes. A comunicação da
identidade do terceiro interessado, tem levantado algumas dúvidas. Há que repor a perspetiva 132
privatística do problema. A decisão do preferente é puramente subjetiva: ele decidirá, como
entender, na base de raciocínios económicos, estéticos, sociais ou outros. Uma das funções
históricas da preferência é, justamente, o poder de exclusão de (certos) terceiros das relações
negociais. Além disso, sem se indicar o terceiro interessado, não é possível configurar uma
proposta concreta nem, muito menos, sindicá-la. Assim, quer pela gestão intrinsecamente
privada (e logo subjetiva) dos interesses em jogo, quer pelas funções histórico-sociais da
preferência, quer, finalmente, pelas necessidades de controlo objetivo do processo, a
identificação do terceiro é sempre necessária;
- como deve comunicar: a comunicação não está sujeita, por lei expressa, a nenhuma
forma: e assim já se entendeu que podia ser mesmo verbal. Tratando-se de uma comunicação
relativa a um contrato definitivo para que a lei exija documento, quer autêntico, quer particular,
exige-se, porém, forma escrita, por aplicação do artigo 410.º, n.º2: a comunicação, a ser aceite
pelo preferente, gera um dever de contratar a que se aplicam as regras do contrato-promessa.
Além disso, uma comunicação verbal irá, em regra, colocar grandes dúvidas de prova, sendo que
caberá, depois, ao obrigado à preferência fazer a prova da existência efetiva de uma
comunicação completa. Independentemente da discussão básica, recomenda-se sempre, aos
obrigados à preferência que recorram, pelo menos, à forma escrita. A comunicação pode, ainda,
seguir a forma de notificação judicial.
- quando deve comunicar: a comunicação deve ser feita quando exista uma proposta
contratual eficaz e enquanto tal eficácia se mantiver ou, pelo menos, na presença de um projeto
de contrato firme e sério. A não se verificarem tais requisitos, uma de duas:
A lei fixa um prazo curto para que o terceiro se pronuncie (oito dias: 426.º, n.º2):
justamente para se assegurar de que a proposta ou o projeto mantêm a sua atualidade.
«(…) deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade,
salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo»
A fortiori, pode suceder que se tenha pactuado um prazo mais longo, altura em que este será o
observável. Como se vê, o legislador pretende que a pendência aqui em jogo, pela instabilidade
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que representa quer para o obrigado quer para o preferente, quer para o terceiro, seja o mais
curta possível. Podemos apresentar o seguinte quadro das possíveis atitudes do preferente:
133
- ou exerce a preferência, o que significa a aceitação pura e simples do contrato, com o
conteúdo indicado pelo obrigado;
A renúncia antecipada não é válida (809.º, n.º1): apenas perante uma concreta situação de
preferência, já formada e perante todos os elementos da comunicação, é possível, ao preferente,
renunciar. Assim, tal renúncia só é eficaz quando referida a uma transação concreta, quando, ao
preferente, tiver sido dado conhecimento do projeto de venda e das cláusulas do contrato e
quando o preferente seja inequívoco e claro. Na mesma linha, o prazo para a caducidade
prevista no artigo 416.º, n.º2 só começa a correr perante uma comunicação completa e
legitimamente feita e endereçada. A “aceitação” da comunicação para preferência, com
alterações, modificações ou reticências, envolve, de pleno direito, a renúncia, por parte do
preferente, ao seu direito. Havendo aceitação da comunicação de preferência, perfila-se o
contrato definitivo, isto é, o contrato visualizado pelo pacto de preferência e que, por opção do
beneficiário, se vem mesmo a concluir na esfera deste. Temos, agora, três sub-hipóteses:
- ou tal não sucede, mas por haver forma escrita, considera-se perfeito um contrato-
promessa relativo ao definitivo, cabendo a ambas as partes seguir os seus trâmites;
- ou falta esse circunstancialismo e então, por via da boa fé negocial e dos competentes
deveres acessórios, caberá às partes formalizar o definitivo, sob pena, por parte do obrigado, de
violar a preferência e, do preferente, de violar os deveres acessórios ao mesmo ligados.
Havendo contrato-promessa, a sua execução específica não oferece dúvidas, se for necessária:
devemos evitar a transformação do Direito Civil num labirinto burocrático, a pretexto de
formalismos.
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- se este não ocorrer, o preferente deve requerer, nos 10 dias subsequentes, que se
designe dia e hora para a parte contrária receber o preço, por termo no processo, sob pena de
ser depositado; 134
- não seguindo esta tramitação, o preferente perde o seu direito (1458.º, n.º3).
O preferente não se pode opor à notificação invocando vícios no contrato: só o pode fazer pelos
meios comuns (1458.º, n.º5). Perante situações potencialmente, recomenda-se a opção pela
notificação judicial.
Venda da coisa conjuntamente com outras: o artigo 417.º, n.º1 prevê a hipótese de venda
da coisa juntamente com outras. Trata-se de um preceito dirigido à compra e venda e retirado
do BGB. Só que, no BGB, toda esta matéria surge no capítulo da compra e venda, enquanto no
Código Vaz Serra, ela deveria ter um alcance geral. Comecemos pelo regime legal. Segundo o
artigo 417.º, n.º1:
«Se o obrigado quiser vender a coisa juntamente com outra ou outras, por um preço global, pode
o direito ser exercido em relação àquela pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído, sendo lícito,
porém, ao obrigado exigir que a preferência abranja todas as restantes, se estas não forem separáveis
sem prejuízo apreciável.»
O n.º2 tem uma precisão muito importante: a regra aplica-se mesmo quando o direito do
preferente considerado tenha eficácia real. A sequência será a seguinte:
- caso entenda que a separação lhe traz um prejuízo considerável, o que terá de provar,
pode o obrigado à preferência exigir que a preferência abranja todo o conjunto: a discordância
do preferente envolve oposição ao projeto e renúncia à preferência.
Como se vê, apesar de todo o esforço doutrinário e jurisprudencial dos últimos quarenta anos,
não é possível dar respostas inteiramente precisas às diversas questões práticas que se levantam.
Designadamente, indicação de prazos para as comunicações e respostas. Propomos a aplicação
do prazo de oito dias, fixado no artigo 416.º, n.º2, para a efetivação das diversas comunicações
e respostas: é o único disponível e parece razoável. Uma saída poderá residir na adoção do
esquema de notificação judicial. Aplica-se, então, o artigo 1454.º CPC. No campo processual e
quanto a prazos, aplica-se a regra geral do artigo 153.º CPC: dez dias. Questão complexa será a
generalização do artigo 417.º. Nós próprios admitimos que esse preceito e o artigo 418.º
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- a menos que seja “lícito presumir” que a venda seria efetuada mesmo sem a prestação
estipulada;
Neste último caso, mesmo quando avaliável em dinheiro, o preferente não é obrigado a
satisfaze-la. Nos termos da lei, a prestação acessória não avaliável afasta, de facto, a preferência.
Logo, a prova de que ela foi feita (apenas) com essa finalidade é muito difícil, salvo completa
chicana do obrigado e do terceiro. Deve-se, pois, partir da regra (de resto, pacífica) de que tudo
é avaliável em dinheiro e de que o ónus da pessoalidade isenta compete ao obrigado à
preferência: ou esta poderá nunca funcionar. Cumpre agora ponderar a questão, já aludida, das
uniões de contratos e dos contratos mistos: como ordená-los perante os artigos 417.º e 418.º?
Uma venda de coisas em conjunto tanto pode traduzir uma união de contratos como um único
contrato relativo a várias coisas: não há, no nosso Direito da compra e venda, nenhum princípio
de especialidade. De todo o modo, o contrato será seguramente único, quando se reporte a uma
universalidade. As valorações subjacentes ao artigo 417.º apontam, antes, para outras
coordenadas:
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A primeira tanto abrange as uniões de contratos como os contratos mistos. Dependendo das
circunstâncias, podem umas e outros ser desagregados, sem prejuízo para o interessado. Nessa
altura, as valorações do 417.º permitem a divisão, de modo que o preferente exerça o seu direito 136
no que lhe competia. À partida, os negócios (e as uniões) não são divisíveis, pelo que há, aqui,
um beneficium divisionis a favor do preferente. Não pode é prejudicar o obrigado, sendo o
critério o comum, do valor ou da perda do valor. O regime legal é simples e claro: sendo o
negócio divisível, procede-se à desarticulação e ao exercício da preferência na parcela respetiva;
não o sendo, o preferente ou desiste ou prefere no conjunto. Há um fenómeno de expansão da
preferência. A segunda valoração tem a ver com a fungibilidade do negócio projetado. Saindo
do estrito plano da preferência e, portanto, quando esta recaia em objeto ou em conteúdo
inseridos em negócio mais vasto e não sendo eles divisíveis, o exercício do direito do preferente
sobre o conjunto implica que o mesmo seja fungível. Sendo-o, caímos na hipótese anterior: ele
preferirá, ou não, sobre o conjunto, consoante a decisão jurídico-económica que possa ou
entenda tomar. Não o sendo, a lei permite:
- ou o afastamento da parte não fungível, quando não seja essencial ou quando tenha
fins fraudulentos.
O artigo 418.º, mau grado a sua epígrafe, contém doutrina que não se limita aos contratos
complementares: antes se deve estender a todo o universo das uniões de contratos e dos
contatos mistos, quando não sejam desagradáveis e se apresentem não fungíveis.
Pluralidade de preferentes: o artigo 419.º soluciona, à luz dos princípios gerais, as hipóteses
de pluralidade de titulares do direito de preferência. Temos três possibilidades básicas, que
abrem sempre na indivisibilidade dos direitos – ou cada um exerceria a sua parte:
Em termos de comunicação: ela deve ser feita, sempre, a todos os preferentes, só depois se
abrindo o processo de escolha entre eles. E na mesma linha: não pode um preferente exercer
validamente o seu direito se não mostrar que todos os outros foram avisados e que não
quiseram ou não puderam preferir. Quando muito, entender-se-á que, nas preferências
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sucessivas, preferindo o de grau superior, não há que indagar de comunicações aos restantes.
O modo de colocar, na prática, todas estas regras e as respetivas bifurcações é complexa. De
novo se recomenda o recurso ao processo de notificação prevista no Código de Processo Civil, 137
onde tudo isto vem regulamentado. Perante a pluralidade de preferentes, recomenda-se que a
matéria seja seguida por um advogado experiente. Segundo o artigo 419.º, o direito e a
obrigação (convencionais) de preferência não são transmissíveis em vida nem por morte, salvo
estipulação em contrário. O direito de preferência é, assim, intuito personae. Além disso,
previne-se o agravamento que adviria, para a posição do obrigado à preferência, da passagem
do direito a herdeiro e legatários.
Aspetos gerais: o artigo 421.º, n.º1 permite os pactos de preferência com eficácia real. Na
versão original, isso dependia:
Damos por reproduzidas as considerações então feitas, incluindo a de, por esta via, se ter
conferido eficácia constitutiva ao registo em jogo. Havendo eficácia real, a preferência produz
efeitos perante os terceiros adquirentes da coisa em jogo, através de uma ação a tanto
destinada: a ação de preferência. É esse o sentido da remissão para o artigo 1410.º, feita no
artigo 421.º, n.º2. A preferência com eficácia real ou preferência real resultou da junção,
operada nas revisões ministeriais do anteprojeto de Código Civil, das propostas de Vaz Serra que
previam, de acordo com o esquema alemão, um direito real de preferência, ancorado no Livro
sobre o Direito das coisas e um direito (obrigacional) com eficácia real, recebida através de uma
prenotação no registo e que caberia ao Livro das obrigações. E como o legislador nacional
mandou, em ambos os casos, aplicar o regime do artigo 1410.º, próprio dos direitos reais,
podemos adiantar que a junção se fez na figura da preferência real: ainda que denominada “com
eficácia real”. Pergunta-se se, pactuada uma preferência com eficácia real, esta opera na
primeira alienação da coisa ou se, pelo contrário e tal como sucede com as preferências reais,
ela se mantém indefinidamente, gravando a coisa até que venha a ser exercida, como nas
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preferências legais. Depende: uma vez que a lei prevê essa possibilidade, podem as partes
combinar: ou uma preferência com eficácia real boa, apenas, para a primeira transmissão ou
uma outra que perdure, através de transmissões ulteriores e até que seja exercida. O registo 138
protegerá a confiança dos sucessivos adquirentes, os quais ficarão obrigados à competente
obrigação de comunicação. Nada dizendo, e dada a natureza real da preferência, entender-se-á
que, estando registada, ela perdura através das transmissões ulteriores. Em todo o Direito,
enxameiam os casos de preferências legais, sabidamente de tipo real.
- razão histórica: o preceito adveio do artigo 1566.º, §1.º do Código de Seabra, situado
na compropriedade e a propósito de um dos poucos direitos de preferência legal então
reconhecidos;
- razão sistemática: o Livro III do Código Civil, relativo ao Direito das coisas, não tem
parte geral; é a propósito da propriedade que vamos encontrar muitas das regras gerais,
aplicáveis a direitos reais.
A natureza genérica do artigo 1410.º, em especial articulação com os artigos 416.º a 418.º, para
os quais, de resto e em conjunto, remetem numerosas disposições, não oferece dúvidas. A ação
de preferência permite ao preferente, em caso de violação de uma preferência real, fazer o seu
negócio faltoso, isto é: afastar o terceiro adquirente e subingressar na posição dele. O artigo
1410.º, n.º1, redação atual, dispõe:
Para a ação de preferência ter um efetivo papel, ela não é prejudicada, bem como o direito de
preferência que vise realizar, pela modificação ou distrate da alienação faltosa, ainda que
resultantes de confissão ou transação judicial (1410.º, n.º2). De outro modo, nenhuma ação de
preferência teria um sentido útil, esvaziando-se o conteúdo da preferência real. A ação de
preferência coloca uma série de questões, que podemos sintetizar nos pontos seguintes:
- a legitimidade passiva: responde à questão de saber contra quem deve ser intentada a
ação. Duas opiniões
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por cautela, intentadas contra o alienante e o preferente. Este episódio ilustra mais um
discutível serviço prestado à justiça do nosso País e aos interesses privados que, nela, se
debatem; 140
- o prazo para intentar a ação: segundo o artigo 1410.º, n.º1, a ação de preferência deve
ser intentada no prazo de seis meses a contar da data em que o preferente teve conhecimento
“dos elementos essenciais da alienação”. O preceito parece claro. Não basta, para se iniciar o
decurso desse prazo, o conhecimento genérico de que houve uma transmissão: o preferente
tem de ter acesso ao objeto do contrato, ao preço e à identidade do adquirente. Em termos
processuais, o preferente, quando intente ação passados os seis meses sobre a alienação faltosa,
sujeitar-se-á a que lhe seja levantada a exceção da caducidade; caber-lhe-á, então, demonstrar
o momento em que teve conhecimento das condições essenciais da venda ou, pelo menos, que
dele não teve conhecimento há mais de seis meses sobre a data da ação. O prazo de seis meses
é assaz confortável para permitir, ao preferente, preparar a ação e reunir os fundos necessários
para fazer o depósito do preço;
- o alcance do preço a depositar: o artigo 1410.º, n.º1, na redação atual, exige ainda o
“depósito do preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação”. Quanto ao preço,
surgiram dois entendimentos:
A simulação: a preferência com eficácia real e a daí derivada ação de preferência colocam um
problema complicado, quando a alienação feita pelo obrigado à preferência, a um terceiro,
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assente num contrato simulação. Várias situações são configuráveis, das quais, algo frequente:
a de se estar perante uma simulação relativa na qual, para poupar no IMT e, ainda, no IRS ou
IRC, se declare um preço inferior ao real. Segundo o artigo 240.º, há simulação quando se 141
reúnam três requisitos:
Estes elementos devem ser invocados e provados por quem pretenda prevalecer-se da
simulação ou de aspetos do seu regime. O acordo entre as partes é importante para
prevenir a confusão com o erro ou a reserva mental; a divergência entre a vontade e a
declaração surge como dado existencial da simulação; o intuito de enganar terceiros – a
não confundir com a intenção de os prejudicar – prende-se com a atuação de criar uma
aparência. “Terceiros” será qualquer pessoa alheia ao negócio ou acordo simulatório: não
necessariamente ao contrato simulado. Há diversos tipos de simulação:
- fraudulenta ou inocente: consoante vise prejudicar alguém – portanto: assuma
animus nocendi ou animus decipiendi;
- subjetiva: sempre que ela incida sobre as próprias partes. Aqui, temos a
interposição fictícia de pessoas: A vende a B e ambos combinam que se declare vender
a C.
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prejudicados, nos seus direitos legitimários, pela sucessão. Sendo o contrato nulo, a
nulidade pode ainda ser invocada por qualquer terceiro interessado, nos termos gerais
do artigo 286.º, contra os simuladores ou os seus herdeiros. O ponto cadente é o da 142
invocação da simulação pelos próprios simuladores e contra terceiros. O artigo 243.º,
n.º.1 impede tal invocação perante terceiros de boa fé. O n.º2 desse preceito veio dar
uma definição incompleta de boa fé subjetiva: sabemos, todavia, pelas coordenadas
jurídico-cientificas gerais e pela interpretação sistemática e teleológica, que se trata de
uma boa fé subjetiva ética. O artigo 243.º, n.º3 determina a má fé perante o registo da
ação de simulação. É evidente: havendo registo, qualquer interessado em conhecer a
realidade tem o dever de se inteirar do seu teor. Chegando ao nosso ponto, verifica-se
que a regra da inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé suscita um delicado
problema de justiça, no confronto com as preferências dotadas de eficácia real. Com
efeito, uma das simulações mais frequentes é, na prática, a venda por um preço
declarado inferior ao real, para defraudar o fisco. Nessa altura, se tiver sido preterido
um preferente que disponha de eficácia real, este pode mover uma ação de preferência,
pagando o suposto valor real, apenas; e se os simuladores explicarem – e provarem –
que o preço fora, na realidade, o valor real que o preferente havia pagado, poderá o
preferente escudar-se com o artigo 243.º, n.º1: os simuladores não podem arguir a
simulação contra terceiros de boa fé. O preferente teria um enriquecimento
escandaloso. O Direito Civil português podia hoje considerar-se estabilizado: os terceiros
preferentes não podem invocar “boa fé” para obterem por um preço inferior ao real;
isso equivaleria a um enriquecimento estranho ao espírito legislativo. A tutela da
confiança só se justifica quando haja um investimento da confiança, isto é: quando o
confiante adira à preferência e, nessa base, erga um edifício jurídico e social que não
possa ser ignorado sem dano injusto. Ora o preferente por valor simulado inferior ao
real não fez qualquer investimento de confiança. A sua posição não pode invocar a tutela
dispensada, à aparência, pela boa fé. A simulação pode, nos termos gerais, ser
constatada na própria ação de preferência: aí será, então, declarada a competente
nulidade, de modo a poder preferir-se pelo preço real. Só na hipótese de ter surgido
uma ação de simulação autónoma será necessário, ao preferente, aguardar pelo trânsito
em julgado da decisão que declare a nulidade, para preferir por esse preço podendo, em
alternativa, preferir desde logo pelo preço real. Também podem ocorrer simulações
inversas: justamente para afastar o preferente, as partes declaram um preço superior
ao efetivamente combinado e praticado. Quando isso suceda, não oferece dúvidas de
que o preferente pode invocar a nulidade do negócio simulado e preferir pelo preço real.
Na mesma linha, pode o preferente invocar a nulidade de uma doação, quando esta vise
encobrir uma compra e venda dissimulada, tendo-se recorrido a tal esquema
justamente para afastar a preferência.
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Capitulo 6
O Pacto de Opção
146
41.º - Aspetos gerais e regime da opção
Noção Básica, origem e desenvolvimento: o pacto de opção é um contrato pelo qual uma
das partes (o beneficiário, o titular ou o optante) recebe o direito de, mediante uma simples
declaração de vontade dirigida à outra parte (o vinculado ou o adstrito à opção), fazer um
contrato entre ambas combinados: o contrato definitivo. Assim, a opção não se confundo:
- com a venda a retro: apresentada, pelo Código Vaz Serra, omo uma modalidade de
compra e venda, ela permite, ao vendedor, resolver o contrato (927.º); trata-se de uma figura
que deixa, nas mãos deste, o direito potestativo de (re)aver a propriedade; a opção, todavia,
encaixa numa prévia compra e venda e assume prazos longos (929.º) bem como um regime
pesado (930.º), que não se coaduna com as exigências do moderno pacto de opção.
Um pouco mais delicada é a distinção entre o pacto de opção e a proposta contratual irrevogável,
pelo menos, no prazo em que o seja. Com efeito, a proposta dá azo ao contrato (definitivo) pela
mera aceitação. A proposta, em princípio, tem uma margem temporal de irrevogabilidade, que
mais a aproxima da opção. Uma análise anteciapada dos regimes mostra as diferenças de fundo:
- a proposta é de formulação unilateral, enquanto a opção é um contrato, derivado, nos
termos gerais, das competentes proposta e aceitação;
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A potabilidade e o preço da opção: perante a figura da opção, põe-se desde logo o tema de
saber se ela pode reportar-se a quaisquer definitivos. Assim, podemos introduzir o conceito de
“optabilidade”, isto é: a suscetibilidade que os contratos tenham de poder ser objeto de pactos
de opção. No domínio do Direito das Obrigações vigora a autonomia privada. A liberdade
contratual (405.º) permite às partes, em regra, introduzir em opção a conclusão de quaisquer
contratos. De resto: a opção é, apesar de tudo, um minus em relação ao contrato definitivo. Se
as partes podem concluir certos contratos, poderão, relativamente a eles, fechar opções. Temos
de entender que contratos como o de doação ou o de casamento, por força dos regimes
respetivos e dos inerentes valores subjacentes, não comportam opções. Aplicam-se, aqui,
diretamente ou por analogia, as regras sobre a prometibilidade em sentido forte: o que não é
prometível não é, a fortiori, opcionável. Podemos ir mais longe: não é possível a opção
relativamente aos contratos que excluam a execução específica ou que exijam, na conclusão,
operações que transcendam a mera declaração unilateral do optante. Quanto a opções relativas
a contratos reais quod constitutionem: podemos admiti-las se, previamente, o optante (ou
alguém por ele) já tiver detido o controlo material da coisa. A hipótese de uma “opção” que,
uma vez exercida, obrigaria o adtrito a entregar a coisa para, assim, se completar o definitivo é
lícita e eficaz… mas não é uma opção. A opção representa, para o seu beneficiário, uma
vantagem evidente. Particularmente nas áreas sensíveis do mercado, onde ela se torna mais
interessante, a opção permite, a uma pessoa, adquirir, por sua exclusiva vontade, uma
determinada posição jurídica. Em compensação, ela traduz, para o adstrito, uma desvantagem
de conteúdo inverso. Nessas condições, compreende-se que, aquando da concessão de uma
opção, haja uma contrapartida monetária: um preço. O optante paga, ao adstrito, pela
constituição da opção. A cláusula de pagamento tem natureza acessória, pelo que pode escapar
à forma imposta à opção (221.º).
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- quanto à execução: a opção cessa com o seu exercício, passando a integrar o definitivo;
consequente e logicamente, as regras deste só nessa altura se manifestam.
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- especulação;
- financiamento;
- remuneração
Celebrando uma opção, as partes congelam as condições da venda. A partir daí, ser-lhes-á
indiferente a evolução do mercado; o risco desaparece, designadamente para a parte optante,
que exercerá o seu direito se o entender. Pelo mesmo diapasão, entende-se a função
especulativa que a opção pode assumir: o optante irá exercer (ou não) o seu direito conforme a
mais-valia que lhe confira o aparecimento, no momento escolhido, do definitivo. Além disso,
evita que um terceiro possa aproveitar o bem.
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como um preliminar aleatório, sinalagmático (em regra) e sui generis. Constitui uma figura geral
dotada de tipicidade social. No plano do seu conteúdo, o pacto de opção dá corpo a uma relação
obrigacional complexa, sem prestações principais: estas são substituídas pela dupla direito 151
potestativo/sujeição, a cargo, respetivamente, do optante e do adstrito. Ambas as partes ficam,
todavia, envolvidas na teia de prestações secundárias e dos deveres acessórios. Com o contrato
definitivo surgem as prestações principais, a este inerentes, e toda a demais sequência
secundária e acessória.
Noção; Direito romano e padectística: o artigo 443.º do Código de Vaz Serra abre uma
subsecção dedicada ao contrato a favor de terceiro. E fá-lo com uma noção que, de facto,
adianta já parte da regulamentação aplicável a essa figura. Sintetizando, diremos que pelo
contrato a favor de terceiro, uma das partes (o promitente) assume, perante a outra
(promissário), uma obrigação de prestar a uma pessoa estranha ao negócio (o terceiro), a qual
adquire um direito à prestação. A figura do contrato a favor de terceiro entra em conflito com o
princípio da relatividade das obrigações. Transposto para os contratos: manda a lógica
geométrica que eles apenas produzam efeitos entre as próprias partes. Um envolvimento de
terceiros, mesmo quando destinado a beneficiá-los, não seria compaginável. Todavia,
valorações específicas podem levar a saídas diversas. Não foi fácil o caminho que,
modernamente, levou a considerar a figura do contrato a favor de terceiro. No Direito Romano
clássico, o contrato a favor de terceiro não era admissível, Segundo Gaio: «(…) per extraneam
personam nobis adquiri non posse.», ou seja, nada pode ser adquirido pra nós através de uma
pessoa estranha. A ideia é retomada por Ulpiano e pelas Institutiones de Justiniano, através da
célebre máxima: «alteri stipulari(…)nemo potest», ou seja, nada pode ser estipulado, a favor de
ninguém (sugerimos alguém para que se não entre na dupla negativa), por outrem. Trata-se de um princípio
cuja aplicação é possível seguir em numerosas fontes clássicas. Pois bem: ele vinha pôr em causa
não só a representação como os subsequentes contratos a favor de terceiro. No período pós
clássico, surgiram desvios à regra alteri stipulari. Com Justiniano, admite-se a doação com
cláusula de prestar a terceiros, a administração contratada pela qual o administrador se obriga
a fornecer uma coisa a terceiro e outros. O Direito comum manteve a conceção de base restritiva.
As exceções foram, todavia, sendo alargadas. O naturalismo fez regredir a máxima alteri stipulari
non potest: de facto, se fundamento do vinculo reside na vontade e na razão, porque não admitir
a vinculação de alguém, que o queira, perante um terceiro? Esta doutrina fez carreira no espaço
jurídico da língua alemã. As primeiras codificações foram restritivas, admitindo figura, apenas,
quando o terceiro, aderindo ao contrato, desse o seu assentimento. No período pandectístico,
o tema suscitou grande atenção e obteve muitas reflexões. Windscheid, que teria um peso
decisivo no então futuro BGB, distingue duas questões, a propósito da admissibilidade do
contrato a favor de terceiro:
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- a de saber se uma pessoa pode, por contrato com um promissário (o que recebe a
promessa ou vinculação), obrigar-se a prestar a um terceiro;
152
- a de apurar se o terceiro recebe, por essa via, uma pretensão eficaz.
Direito Inglês e Direito Europeu: a matéria presta-se a reflexões no Direito comparado, sendo
interessante relevar a recente experiência britânica. Ficou celebre a afirmação do Visconde
Haldane, em decisão da Câmara dos Lordes de 26 de abril de 1915:
«My Lords, in the Law of England certain principles are fundamental. One is that only a
person who is party to a contract can sue on it. Our Law knows nothing of a ius quaesitum tertio
by way of property, as, for example, under a trust, but it cannot be conferred on a stranger to a
content a right to enforce the contract in personam».
Na base da recusa está a doctrine of privity of contract: os direitos e deveres entre as partes
surgem, por contrato e este não produz efeitos para além delas. A estreiteza daqui decorrente
foi sendo contornada com recurso a vários expedientes:
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«os contratos feitos em nome de outrem, sem a devida autorização, produzem o seu
efeito, sendo ratificados antes que a outra parte se retracte.»
As duvidas haviam, de facto, sido desfeitas pela reforma do Código de Seabra levada a cabo pelo
Decreto n.º19216, de 16 dezembro de 1930. Este diploma acrescentou, ao artigo 646: «o
cumprimento dos contratos feitos em benefício de terceiro pode ser exigido pelos beneficiários».
Deve ser divulgado, a propósito do tema em estudo, o artigo 1089.º do Código Civil Brasileiro de
1916. Dipõe:
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Este preceito, densamente anotado por Paulo Merêa, tratou-se de uma primeira consagração
explícita do contrato a davor de terceiros, em lei lusófona, sendo, por certo, do conhecimento
de Guilherme Moreira e de Vaz Serra. 154
O Código Vaz Serra e o Código brasileiro de 2002: na sequência dos apontados preparatórios, o
Código Vaz Serra veio dedicar, ao contrato a favor de terceiros, os artigo 443.º a 451.º. Vai, na
pormenorização do regime, além do BGB e do Código Italiano. Destes preceitos, apenas o 450.º
sofreu alterações, desde 1966. Mais precisamente, foi, no seu n.º2, suprimida a referência à
(revogação das doações) por superveniência de filhos legítimos. Em ponderação global,
podemos dizer que a matéria relativa ao contrato a favor de terceiros é uma derivação do Direito
alemão, embora conceitualmente afeiçoada à realidade jurídico-científica local. No tocante ao
Código Civil brasileiro de 2002: mais útil do que tentar uma síntese será revelar, entre nós, a
pertinente regulação:
§único. A substituição pode ser feita por ato entre vivos ou por disposição de última
vontade.
Estamos perante um texto claramente mais sintético do que o de Vaz Serra. Não obstante, ainda
é reconduzível à mesma família. A ordem jurídica brasileira tem, neste domínio, uma experiência
que remonta 1916. Afigura-se que convive bem com normas simples e impressivas.
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Figuras afins: a dogmática do contrato a favor de terceiro fica mais clara com a sua
155
contraposição às figuras afins:
- do contrato para pessoa a nomear: temos duas partes, reservando-se uma delas (ou,
até, as duas) a faculdade de indicar um terceiro que adquira os direitos ou assuma as obrigações
provenientes desse contrato(452.º, n.º1); não há, aqui, propriamente, um terceiro, dado que
este, uma vez designado, passa a parte;
- da cessão da posição contratual: uma das partes, com o acordo da outra, transmite,
por negócio, a sua posição a um terceiro (424.º): tudo se explica em termos puramentes
contratuais;
- o contrato comum com prestação feita a terceiro (770.º): aí, seja por combinação
prévia, seja por autorização do credor, seja por outra das razões legalmente apontadas, o
devedor presta perante um terceiro: não porque o contrato a tanto se destinasse, mas por via
do fator legitimamente surgido; poderá, porventura, haver aqui um contrato a favor de terceiro
não autentico;
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- o contrato com proteção de terceiros: um contrato comum confere, pelo jogo dos seus
deveres acessórios, uma proteção a determinados terceiros; embora a figura tenha uma
dogmática própria, distinta da do contrato a favor de terceiros, ela costuma ser estudada a
propósito deste, com o qual tem contactos;
- o contrato com proteção por terceiros: também um contrato comum proporciona, por
um jogo de deveres ex bona fide, uma tutela a conceder por certos terceiros; temos uma
dogmática próxima da do contrato com proteção de terceiros, a ver nesse ensejo.
Modalidades: o contrato a favor de terceiros é uma figura de ordem geral. Ele apenas traduz
um modo no qual se podem encontrar os mais diversos contratos. Todas as classificações e todas
as tipologias deste lhe são, pois, aplicáveis, ainda que com adaptações. No que toca a
modalidades que, expressamente, tenham sido reconhecidas na lei, podemos apontar contratos
a favor de terceiros (443.º, n.º2):
- remissivos de dívidas;
- transmissão de créditos;
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A própria relação básica é, ainda, acompanhada por prestações secundárias e pelos deveres
acessórios a que, ex bona fide, haja lugar. A natureza concreta do contrato a favor de terceiro
que esteja em causa joga-se na relação básica. A prestação a efetuar ao terceiro poderá
equivaler à totalidade prevista pela relação básica ou de cobertura ou, apenas, a parte. A
liberdade de celebração e a liberdade de estipulação exercem-se a propósito da relação básica.
O terceiro apenas poderá aceitar ou recusar a prestação: qualquer outra alternativa faria, dele,
uma parte.
O terceiro adquire o direito à prestação, independentemente de ter dado o seu acordo (444.º,
n.º1). Este ponto marca o abandono do estrito alteri stipulari nemo potest, constituindo a
grande mais-valia da figura ora em estudo. Como se vê, a relação de atribuição é algo pobre e
resulta, estritamente, da relação básica: o que não admira, uma vez que a esta cabe exprimir a
autonomia privada e o seu exercício. A relação de atribuição depede da perfeição da relação
básica, como se alcança do artigo 449.º. Pergunta-se se qualquer tipo contratual pode integrar
o formato de um contrato a favor de terceiro. A resposta é negativa: não será possível um
contrato de casamente a favor de terceiro. A resposta geral a esta questão implica repristinar o
correspondente princípio aplicável no contrato-promessa. O que se pode “prometer” a uma
parte pode prometer-se a favor de terceiro: apenas isso.
46.º - O Regime
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- nas medidas relativas à realização coativa da prestação (817.º a 830.º, conforme casos).
A posição do terceiro: o terceiro adquire, pelo contrato a seu favor, imediatamente, o direito
à prestação: independentemente da aceitação. Na hipótese de lhe dever ser feita uma prestação,
mas sem que o inerente direito lhe tenha sido atribuído: teremos um contrato a favor de terceiro
não autêntico. A precisa determinação do direito de terceiro, com a conclusão de saber se se
trata de um efetivo contrato a favor de terceiro, depende do que tenha sido estipulado e da
interpretação do contrato. Alguma doutrina salienta a necessidade de se apurar a “intenção” de
atribuir o direito ao terceiro. Não há, todavia, nenhuma “intenção” diferente da que preside a
qualquer negócio jurídico. O sentido “a favor de terceiro” resultará das regras comuns da
interpretação, tal como emergem do artigo 236.º, n.º1. No entanto, há que ter presente a regra
do artigo 237.º: tendo a (eventual) prestação a terceiro elementos de gratuitidade, prevalecerá,
na dúvida, a interpretação mais favorável ao disponente. Pode, daí, retirar-se que o fator
“direito do terceiro”, que não retribui, deve ser claramente expresso, no negócio de base.
Perante um contrato a favor de terceiro, o beneficiário pode rejeitar ou aderir à promessa (447.º,
n.º1) ou, ainda, nada fazer. A lei dispõe o seguinte:
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Esta minúcia regulamentadora, que serviu de inspiração a Vaz Serra, no anteprojeto, e guião de
Antunes Varela nas revisões ministeriais, encobre uma certa desconfiança pelo contrário a favor
de terceiro: provavelmente um resquício napoleónico do Direito anterior. Podemos, ao abrigo
das regras gerais (217.º), admitir que as competentes “declarações” ocorrem tacitamente e, em
especial: pela rejeição ou pela aceitação da própria prestação. A rejeição extingue o direitodo
terceiro à prestação. O que sucede ao dever de prestar, a cargo do promitente? O Código Civil
italiano prevê que a prestação caiba ao promissário, exceto se resultar diversamente da vontade
das partes ou da natureza do contrato (1441.º, III). Essa mesma regra deverá singrar entre nós,
mau grado o silêncio do Código: trata-se de uma saída a confirmar, em face da interpretação do
contrato. À partida, o terceiro não pode exonerar o promitente da sua prestação principal, uma
vez que ela foi assumida perante o promissário. A adesão tem as consequências seguintes:
- torna a promessa firme (446.º, n.º1, a contrario e a fortiori): não pode haver disposição
nem modificação no seu objeto.
Pergunta-se se a adesão não traduzirá o ingresso do terceiro no contrato, de tal modo que, no
fundo, o negócio a favor de terceiro mais não seria do que uma contratação a três, na qual o
terceiro aceitaria uma proposta feita por promitente e promissário. O terceiro adquire o direito
à prestação independentemente de “aceitação” (444.º, n.º1) e, logo, de adesão. Esta apenas
consolida um contrato que, por não ter sido celebrado com o terceiro, é, antes dela, instável.
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interpretar de modo restritivo, sob pena de se vir precarizar um contrato que deveria ser
dignificado. Quando se celebre um contrato, ambos os outorgantes têm, em princípio, interesse
nele. Mesmo na hipótese de um contrato não-sinalagmático, a parte que nada receba não 161
quererá ficar liberta do seu dever contra vontade: isso pode não lhe convir ou ser humilhante.
Tenha-se presente a natureza contratual da remissão (863.º, n.º1). A regra será, pois, a do
mútuo interesse em qualquer contrato, pelo que a revogação pressuporá, o mútuo acordo de
promitente e promissário (448.º, n.º2, 2ª parte). A posição do terceiro beneficiário está
confinada ao que resulte do contrato. Por isso, pode o promitente opor-lhe os meios de defesa
que resultem de não cumprimento ou alteração de circunstâncias, como exemplo. Não pode é
usar dos meios que lhe advenham de outra relação que tenha com o promissário, como,
também, como exemplo, a que conduza uma compensação. É o que se retira do artigo 449.º. O
contrato a favor de terceiros pode ter, na sua raiz, uma contribuição do promissário para o
promitente que, depois, irá prestar ao terceiro. Segundo o artigo 450.º, n.º1, a interação de
institutos como a colação a imputação e redução de doações e a impugnação pauliana, usadas
para sindicar as transmissões patrimoniais, designadamente quando gratuitas, dá-se, apenas,
no segmento da contribuição do promissário. Evita-se, com isso, envolver o terceiro numa
discussão cujos termos ele não conhece. Enquanto beneficiário do direito, o terceiro não tem,
sobre si e em princípio, outros encargos. Porém, se a designação tiver um sentido de liberalidade,
são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas relativas à revogação das doações po
ingratidão do donatário (450.º, n.º2): artigos 970.º a 979.º. Finalmente, o artigo 451.º, n.º1
dispõe para a eventualidade de a prestação a um terceiro dever ser feita após a morte do
promissário. Nessa altura, presume-se que só depois do falecimento ele adquire direito à
prestação em causa; pode-se, pois, provar que outra foi a vontade das partes. Caso o terceiro
morra antes do promissário, os seus herdeiros são chamados à titularidade da promessa (451.º,
n.º2): adquirirão o direito nos precisos termos em que isso sucederia com o terceiro de cuius.
O papel dos deveres acessórios: num contrato a favor de terceiro, há um equilíbrio muito
especial: exigido pelo facto de o beneficiário não ser parte no contrato. Deste modo, podemos
apontar as fragilidades seguintes:
Estas fragilidades são especialmente candentes nos contratos a favor de terceiro que devam
produzir efeitos depois da morte do promissário, como sucede com os seguros de vida. De tal
modo que, nessa área, se justifica uma especial supervisão do Estado, através do Instituto de
Seguros de Portugal. Em termos civilisticos, a fraqueza estrutural do contrato a favor de terceiros
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deve ser ultrapassada através de uma adequada teia de deveres acessórios, impostos pelo
sistema, através da regra da boa fé (762.º, n.º2). As duas partes e o próprio terceiro ficam
envolvidos em deveres de segurança, de lealdade e de informação, de maneira a que seja 162
retirado um máximo de eficácia do negócio acordado. O terceiro deve receber a efetiva
prestação acordada: o promitente não pode desencantar o promissário o qual deve, por seu
turno, não piorar a posição do promitente e não desamparar a confiança do terceiro. O
promissário paga, muitas vezes, o benefício que o promitente irá repercutir no terceiro: pense-
se na hipótese do seguro. Nessa eventualidade, funciona o nexo de sinalagmaticidade, com as
devidas consequências. O contrato a favor de terceiro representa uma das evoluções mais
avançadas do moderno Direito Civil. Pressupõe, deste modo, uma sociedade com padrões éticos
elevados e com uma capacidade especial de positivar valores básicos, através da concretização,
adequada e previsível, dos seus conceitos indeterminados. Em suma: a integração harmoniosa
do contrato a favor de terceiros na ordem jurídica implica uma Ciência Jurídica de nível superior,
capaz de concretizar os deveres acessórios e de, no terreno, colocar os valores básicos do
ordenamento.
Noção e origem: contrato para pessoa a nomear é aquele cujos termos permitem que uma das
partes tenha o direito de designar um terceiro que encabece os direitos e as obrigações deles
derivados. Num primeiro tempo, o contrato é concluído entre duas partes: uma delas pode,
porém, indicar um terceiro que irá ocupar o seu lugar. Na linguagem deste subsetor, usa-se a
seguinte terminologia:
- stipulans: a parte que pode nomear um terceiro, para ocupar o seu lugar (o estipulante);
- amicus: o terceiro;
A figura do contrato para pessoa a nomear era desconhecida no Direito Romano. Dada a
natureza específica das obrigações e o envolvimento pessoal das partes, repugnava ao espírito
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jurídico romano a possibilidade de, num contrato, haver qualquer indeterminação relativa a
alguma delas. O seu aparecimento é imputado ao droit coutumier francês. Surgiu com especial
acuidade no domínio dos leilões públicos. Aí, as pessoas de classe social mais elevada teriam 163
repugnância em surgir publicamente: seja para não aproveitar a desgraça dos executados; seja
para não correrem o risco de serem batidas nas licitações; seja, finalmente, para não fazer subir
os lances. Em tal conjuntura, poder-se-ia fazer intervir um mandatário ou fiduciário sem
representação. Mas essa saída comportava uma dupla desvantagem: obrigava o fiduciário
adquirente a retransmitir os bens para o interessado, o que poderia implicar uma dupla
tributação; pressupunha uma especial fidelidade do fiduciário, capaz de honrar o combinado. O
contrato para pessoa a nomear daria azo a uma saída particularmente aprazível: o interessado
mantinha o seu anonimato e não haveria, depois, lugar à dupla tributação, uma vez que ele iria,
com a electio, ocupar a posição do licitante. O contrato para pessoa a nomear teve, depois, uma
expansão no campo comercial, particularmente nos países do Sul. Apenas a partir de uma fase
bastante ulterior ele sofreu o influxo dogmático da representação que, entretanto, se foi
afirmando; antes disso, ele desempenhou um papel dogmático autónomo que se iria conservar.
Manteve-se, de todo o modo, no campo comercial.
A experiência lusófona: o Código de Seabra não referia, de modo expresso, o contrato para
pessoa a nomear. Ele ocorreria, por força do modelo italiano de 1882, no Código Comercial Veiga
Beirão (1888). Dispõe o seu artigo 465.º:
«O contrato de compra e venda mercantil de cousa móvel pode ser feito, ainda que
diretamente, para pessoas que depois hajam de nomear-se.»
Guilherme Moreira deu atenção especial ao preceito, na sua obra básica de Direito Civil.
Construiu-a com precisão: a reserva do direito de nomeação de outra pessoa seria uma condição
resolutiva quanto aos efeitos que o negócio imediatamente produz e uma condição suspensiva
quanto à eficácia do mesmo negócio, em relação à pessoa a declarar. Com uma consequência
dogmática importante: não haveria, aqui, nem contrato a favor de terceiros, nem representação,
nem gestão de negócios. O Código Civil italiano de 1942 operou a unificação do Direito privado:
acolheu, no seu seio, a matéria mercantil, enquanto o velho Código de Comério de 1882 foi
revogado. Consequentemente vamos encontrar, nos seus artigos 1401.º a 1405.º, o contrato
para pessoa a nomear e o seu regime. A opção do Código Civil italiano, para além da tradição
civilística de Guilherme Moreira, pesou em Vaz Serra. Este, no âmbito da preparação do Código
Civil, dedicou, ao tema, um escrito específico: ainda hoje o nosso maior desenvolvimento sobre
o tema. Relativamente ao Direito vigente (o artigo 465.º do Código Comercial), verificou-se-lhe
a estreiteza de regulação e o facto de só ser aplicável a móveis. Vaz Serra ponderou as várias
soluções e propôs um articulado: embora limitado a três requisitos, tínhamos:
2.º Publicidade;
3.º efeitos.
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Funções e figuras afins: contrato para pessoa a nomear servirá, naturalmente, as funções que
as pessoas, nele partes, hajam por convenientes. Estamos no campo do Direito privado. Todavia,
para efeitos de interpretação, podemos apontar-lhe algumas funções típicas:
- discrição: certas figuras públicas não podem surgir em público sem serem incomodadas;
a presença de procuradores, atuando em seu nome, nem sempre resolve o problema;
- rapidez: pretendendo concluir um negócio por conta de outrem e não tendo podere
de representação, o agente pode recorrer ao contrato para pessoa a nomear como modo
expedito de, mais tarde, se redocumentar;
- benefício fiscal: a alternativa para uma contratação por conta de outrem, sem
representação, é o mandato; este obriga a uma dupla transmissão, com duplicação fiscal; este
aspeto, conquanto que tradicional, tem vindo a perder o peso mercê do cerco fiscal às diversas
facilidades.
O contrato para pessoa a nomear ocupa, em sobreposição, funções que podem ser asseguradas
por outros institutos. Todavia, não e confunde com eles. É distinto:
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- da venda de bens alheios: o alienante, quando eles sejam tomados como futuros
(893.º), deve procurar adquiri-los, para regularizar a situação; isso implica, logicamente, um
contrato distinto, inexistente no contrato para pessoa a nomear;
- da gestão de negócios: tem um âmbito mais vasto, sem que o gestor venha a ocupar a
posição de dominus.
Regime e efeitos: a cláusula a pessoa a nomear consta, em princípio, do próprio contrato que
a contenha. Nada obsta a que se insira num texto à parte ou, até, subsequente: revestirá, todavia,
a forma exigida para o contrato em si: procedem as mesmas razões justificativas, nos termos do
artigo 221.º, n.º2 e isso além da regra incontornável do 262.º, n.º2, quanto à forma da
procuração. Nem todos os contratos comportam semelhante cláusula: o artigo 452.º, n.º2 exclui:
Caso a caso haverá que ponderar os aspetos envolvidos. Concluído o contrato para pessoa a
nomear, inicia-se um procedimento que poderá culminar na colocação do amicus na posição do
stipulans. Temos a sequência seguinte:
- conclusão do contrato;
- concordância do amicus;
- electio.
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Natureza: resta-nos fixar a natureza jurídica do contrato para pessoa a nomear: uma
oportunidade para precisar alguns dos aspetos dogmáticos em presença. Trata-se de um tema
particularmente discutido em Itália, tendo sido apresentadas as teorias seguintes:
- teoria do duplo contrato: muito conhecida pela sua defesa por Enrieti, descobre no
contrato para pessoa a nomear, dois contatos:
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- teoria da formação sucessiva: explica que, bem vistas as coisas, teríamos, no contrato
para pessoa a nomear, um procedimento complexo, que culminaria com o contrato definitivo.
No processo aí implicado encontraríamos, sucessivamente:
- teoria da sub-rogação legal: corta cerce: o amicus surge, na relação “pessoa a nomear”,
por força do artigo 452.º. Não havendo lugar a uma representação, caberia a sub-rogação legal.
Verificados os requisitos a que a lei submete a designação e a sua eficácia, o terceiro ingressaria
na posição do stipulans, num típico fenómeno de sub-rogação. É inegável a presença de uma
previsão legal. Mas em compensação, não parece adquirido que, na sua falta, a cláusula “pessoa
a nomear” não seja possível: cabe recordar a experiência alemã. Alem disso, a sub-rogação é
reservada, no nosso Direito, para a transmissão de créditos (589.º e seguintes). Aqui, o terceiro
assume, por inteiro, uma posição contratual: créditos, débitos e toda uma teia de deveres
acessórios. A explicação não é, pois, convincente;
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- teoria da representação: por fim, ainda que sob diversas configurações, reúne uma
maioria dos atuais sufrágios, em Itália. Fazendo uma transposição para o Direito português,
bastará sublinhar que a chave da eficácia da electio está no artigo 453.º, n.º2, cujo texto
dispensará glosas:
Pois bem: o contrato para pessoa a nomear andará, perante isso, na clara órbita da
representação. Temos problemas: na representação, o representante age em nome do
representado (cotemplatio domini). No contrato para pessoa a nomear, isso não sucede, sendo
inaceitável uma contempaltio domini, que já não teria significado. A aproximação à
representação sem poderes suscita, ainda, outros problemas: o amicus pode não ser, na
conclusão, conhecido pelo próprio promitens. Logo, a figura terá de ser outra, embora seja
evidente que tudo isto é tornado possível pelo rasgar de paredes permitido pela representação.
Todas estas teorias são úteis, por contarem parcelas da verdade. Mas nenhuma, só por
si, esgota a figura do contrato para pessoa a nomear ou faz, dele, mais do que uma simples
descrição. Somos levados, por isso, a manter a posição que já defendemos: a do contrato para
pessoa a nomear como categoria típica e autónoma. Ele implica, num todo coerente, a cláusula
pessoa a nomear, a electio com os seus requisitos e as alternativas: ou o amicus electus, ou o
stipulans ou a ineficácia do conjunto. A moderna obrigacionista reforça a ideia de unidade
estrutural: tudo isto é interligado por deveres acessórios, ex bona fide, que mandam que se
respeite a confiança dos intervenientes e a materialidade subjacente. O stipulans não pode
piorar a situação do promitens, aumentando as suas incertezas ou fazendo designações
inconvenientes; o amicus não pode defraudar as expectativas legítimas do promitens; e este não
deve tirar partido das circunstâncias, mais do que o próprio contrato o permite. A essa luz, todas
as obrigações envolvidas recebem uma coloração específica, própria do grande subsistema
axiológico e regulativo em que se inserem: o do contrato para pessoa a nomear.
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Eficácia Jurídica
170
Eficácia jurídica; situação e modelo de decisão: há eficácia jurídica quando algo ocorra no
mundo do Direito, isto é, sempre que se verifiquem determinadas consequências nas quais,
através de critérios reconhecidos, ainda que discutíveis, seja possível apontar as características
da juridicidade. As consequências juridicamente relevantes são sempre respeitantes a pessoas:
sem Humanidades, não há cultura, não há Ciência e logo Direito. Assim sendo, a eficácia jurídica
reporta-se, de modo necessário, a situações jurídicas. A situação jurídica, por seu turno, resulta
de uma decisão jurídica, ou seja, assume-se como o ato e o efeito de realizar o Direito,
solucionando um caso concreto. A decisão jurídica é uma decisão humana, em sentido cognitivo-
volitivo: implica Ciência – ou seja arbitrária – e implica opção – ou surgiria automática. A opção,
ainda que pressupondo sempre uma margem maior ou menor de manobra, baseia-se em fatores
colhidos nas fontes e que, por se mostrarem aptos a infletir a vontade humana, se apresentam
como argumentos em sentido próprio. Os argumentos relevantes perante cada caso concreto
concatenam-se, com as suas conexões, os seus valores e o seu peso relativo, em modelos de
decisão, isto é, em complexos articulados que habilitem o intérprete-aplicador a decidir com
legitimidade. A eficácia jurídica resulta, assim, afinal, de modelos de decisão, emergindo estes
de argumentos, o que é dizer, dos fatores que componham um regime jurídico-positivo aplicável.
Estudar a eficácia jurídica implica o levantamento, a análise e a explicação dos regimes que a
ditem e a justifiquem. Numa linguagem tradicional - e prevenindo, pelas explicações acima
alinhadas, o perigo de retrocessos conceptuais ou subsuntivo – poder-se-ia dizer eu a eficácia
jurídica é o produto da aplicação de regras jurídicas (normas e ou princípios). O ponto de partida
para o estudo dogmático do Direito civil há-de, em quaisquer circunstancias ser constituído pela
eficácia jurídica e não por normas ou fontes. Convém, efetivamente, ter presente que todo o
esforço desenvolvido pela Ciência Jurídica, a partir dos finais do século XX, para superar o
irrealismo metodológico, assenta na natureza constitutiva dessa mesma Ciência e no facto, hoje
já não discutível, de apenas no caso concreto decidido aparecer o verdadeiro Direito.
- constitutiva, caso se forme (se constitua) uma situação antes inexistente na ordem
jurídica;
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Transmissão e sucessão: ainda que discutível, pode-se operar uma distinção entre
transmissão e sucessão, integrando então esta apenas um conceito amplo de transmissão. Na
transmissão, verifica-se a passagem de uma situação jurídica da esfera de uma pessoa, para a
de outra: na sucessão, ocorre a substituição de uma pessoa por outra, mantendo-se estática
uma situação jurídica a qual, por isso, estando inicialmente na esfera de uma pessoa, surge,
depois da troca, na de outra. Aparentemente idênticas, nos seus resultados, transmissão e
sucessão acabariam, no entanto, por implicar eficácias diferentes, donde o seu particular
interesse: na transmissão, a situação transferida poderia sofrer certas alterações de elementos
circundantes, enquanto na sucessão, ela manter-se-ia totalmente idêntica. A base legal de
distinção reside, sobretudo, na contraposição dos regimes da sucessão na posse e da acessão
da posse, consagrados nos artigos 1255.º e 1256.º do Código Civil. Havendo sucessão a posse,
segundo o artigo 1255.º, esta continua nos sucessores, independentemente da apreensão
material da coisa: ela mantém todas as suas características e dispensa qualquer manifestação
de vontade ou atuação similar específica. Pelo contrário, na transmissão referida no artigo
1256.º, a posse pode mudar de características – pode ter “natureza diferente” – e depende, na
sua continuidade, de uma manifestação de vontade do transmissário.
Eficácia pessoal, obrigacional e real; outros tipos: a eficácia pode ainda classificar-se
consoante a natureza das situações jurídicas a que se reporte. Assim, há eficácia pessoal quando
a situação jurídica que se constitua, transmita, modifique ou extinga não tenha natureza
patrimonial. A eficácia revela-se obrigacional sempre que tenha dessas quatro vicissitudes se
reporte a situações obrigacionais e real quando tal ocorra perante situações próprias de coisas
corpóreas. Nalguns casos, a lei refere expressamente a eficácia real – por exemplo, o artigo 413.º
- ou obrigacional – artigo 1306.º, in fine (“natureza obrigacional”); noutros apenas uma
ponderada consideração de cada caso poderá elucidar a natureza da situação. Ainda de acordo
com a natureza das situações em jogo, outros tipos de eficácia podem ser isolados.
O papel dos factos jurídicos: a decisão constitutiva do Direito, que solucione o caso concreto,
opera uma síntese entre os elementos normativos que compõem o modelo de decisão e os
factos subjacentes nele envolvidos. Embora a fonte da produção de efeitos – portanto, de
eficácia – só possa residir na vontade do intérprete-aplicador, não restam dúvidas de que esta
acompanha certos factos, mais precisamente os factos que o Direito considere relevantes e aos
quais, por isso, entenda associar determinados efeitos. São os factos jurídicos, classicamente
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utilizados como referências para as ulteriores tomadas de decisões jurídicas e, daí, para a própria
eficácia jurídica. O aprofundamento da linha acima referida acabaria por conduzir à afirmação
da função puramente legitimante dos factos jurídicos: a sua presença tornaria legitimas 172
determinadas decisões. Mais um passo e seria possível considerar que a legitimação se bastaria
com a sua invocação pela entidade decidente. Estes aspetos, que não devem dispensar uma
atuação sindicante da Ciência Jurídica, são importantes: eles recordam que não há, nos factos
isoladamente tomados, um papel juridificante: este assiste ao Direito, a sua Ciência e aos seus
cultores.
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173
Negócios unilaterais e multilaterais ou contratos: o negócio diz-se unilateral quanto tenha
uma única parte; é multilateral ou contrato quando, pelo contrário, se assuma como produto de
duas ou mais partes. Na sua simplicidade, esta contraposição levanta dúvidas quando se
pretenda desenvolvê-la em termos científicos. A ideia de parte não equivale à de pessoa: num
negócio – unilateral ou multilateral – várias pessoas podem encontrar-se interligadas, de modo
a constituir uma única parte. A aproximar a ideia de parte da de declaração corresponde já a
uma base mais promissora; dir-se-á, então, que nos negócios unilaterais há uma única
declaração – ainda que eventualmente feita por várias pessoas – enquanto nos multilaterais as
declarações são várias. Verifica-se, no entanto, que várias declarações podem dar azo a um mero
negócio unilateral, desde que se encontrem ordenadas de modo paralelo: as declarações
contratuais, teriam, assim, de ser contrapostas. Trata-se, pois, de esclarecer a ideia de
contraposição, quando aplicada a declarações negociais. Uma via seria a de aproximar a
contraposição da multiplicidade de interesses opostos ou, pelo menos, divergentes: no contrato,
eles seriam vários, enquanto no negócio unilateral, o interesse surgiria único, ainda que
compartilhado por várias pessoas. A referência feita a interesses dá uma base extrajurídica à
distinção agora em análise, numa explicitação que não deve ser ignorada. Mas há dificuldades
quando, dos interesses, se pretenda retirar um critério firme de distinção. Pode suceder que os
vários intervenientes num negócio unilateral tenham, sem prejuízo pela sua posição comum,
interesses objetiva e subjetivamente diversos. Estas dificuldades são típicas da metodologia
conceptual: apenas uma renovação mais profunda permitirá superá-las. A distinção entre
negócios unilaterais e contratos não pode repousar em apregoadas diferenças genéticas –
número de pessoas, de declarações ou de interesses – mas sim nos efeitos que venham a ser
desencadeados:
- nos contratos, os efeitos diferenciam duas ou mais pessoas, isto é: fazem surgir, a cargo
de cada interveniente, regras próprias, que devam ser cumpridas e possam ser violadas
independentemente umas das outras; em moldes formais, há mais de uma parte; e em
consequência, tendem a surgir várias declarações, várias pessoas e vários interesses.
Repare-se que a diferenciação de tratamentos presente nos contratos não pode ir tão longe que
impeça uma convergência entre elas: há um regime conjunto, que absorve as posições em
presença, originando, em regra, situações jurídicas plurissubjetivas complexas. Os negócios
unilaterais completam-se, por definição, com a declaração que os consubstancie; dispensa-se
qualquer anuência de outros intervenientes. Com especificidades, a doutrina comum apresenta
a sua sujeição a um princípio da tipicidade: com base no artigo 457.º, entende-se que apenas
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seria possível celebrar os negócios unilaterais expressamente previstos na lei, não podendo, pois,
compor-se tipos negociais novos, ao abrigo da autonomia privada. Uma melhor estudo das
fontes revela, no entanto, que a tipicidade é, tão só, aparente: o legislador permitiu, através de 174
vários esquemas que os interessados engendrem, negócios não tipificados em leis. Os contratos
resultam do encontro de duas vontades, através duma proposta e da sua aceitação. Dentro dos
negócios contratuais, importa, pelo seu relevo, referencias as seguintes subdistinções:
- o negócio conjunto: várias pessoas são titulares de posições jurídicas que só podem ser
atuadas no seu conjunto, por todas elas;
- a deliberação: várias pessoas são titulares de posições jurídicas confluentes que podem,
no entanto, ser atuadas em sentido divergente, prevalecendo, então, a posição da maioria; este
esquema é habitual no domínio da formação orgânica da vontade depois imputada a pessoas
coletivas – associações e sociedades – mas pode surgir independentemente desse tipo de
personalização;
A contraposição acima efetuada coloca múltiplos problemas que só podem ser resolvidos em
cada caso concreto, perante os dados aplicáveis do Direito objetivo. Razões de tutela de
confiança, muito ponderosas, levam a uma forte objetivação das deliberações, particularmente
quando sociais. O negócio conjunto pode implicar vontades manifestas em simultâneo ou
sucessivamente, mas todas regidas pelas mesmas normas jurídicas, de modo a conseguir um
determinado efeito. Quando elas integrem normas diversas – correspondendo, portanto, a
regimes diferenciados – não cabe falar em negócio: antes ocorrem vários atos autónomos, ainda
que conectados. Tal será o caso do ato sujeito a autorização, a qual se analisa, também, num
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ato jurídico: ambos os atos ficam interligados, conservando, porém, uma independência
substancializada em regimes autónomos. O fenómeno da conexão – a não confundir com o da
pluralidade – pode ainda dar lugar a outras distinções. Assim, pense-se em conexões paritárias, 175
subordinadas ou condicionantes, consoante o tipo e relação que se estabeleça entre os atos em
presença. Caso particular de conexão é a processual: vários atos surgem articulados numa
sequência para a obtenção de um fim. Questão delicada é a da distinção entre negócio conjunto
e a deliberação quando, para certa eficácia, se requeira uma concordância unânime dos
membros de uma assembleia. Nessa eventualidade, em termos materiais, o negócio seria
conjunto: cada participante teria, só por si, o direito de facultar a decisão comum. Porém, em
moldes formais, tende a falar-se em deliberação, uma vez que a situação em causa vai encadear-
se num todo onde avultam as deliberações propriamente ditas. Trata-se de mais uma
manifestação do dilema lógica-cultura que domina o universo jurídico.
Negócios inter vivos e mortis causa: numa primeira abordagem, os negócios inter vivos
destinam-se a produzir efeitos em vida dos seus celebrantes. Os negócios mortis causa, pelo
contrário, manifestar-se-iam apenas depois da morte do seu autor. Esta simplicidade não
satisfaz. As partes, ao abrigo da sua autonomia privada, podem estipular que os seus negócios
produzam efeitos com a morte de algumas delas. Não obstante, o negócio é inter vivos por
assentar num tipo de regulação primacialmente destinado a reger relações inter vivos. O
verdadeiro negócio mortis causa é intrinsecamente concebido pelo Direito para reger situações
jurídicas desencadeadas com a morte de uma pessoa. Em termos práticos, ele é regulado pelo
Direito das sucessões. De novo há, pois, que partir dos efeitos, para explicar esta contraposição.
A distinção tem um particular relevo, no tocante aos regimes aplicáveis. O negócio mortis causa
não tem preocupações de equilíbrio, uma vez que surge como liberalidade, e assenta no valor
fundamental da vontade do falecido – o de cuiús. Na mesma linha, ele não envolve, de modo
geral, um problema de confiança dos destinatários que, por isso, careçam de proteção. Implica,
assim, regras próprias de interpretação e de aplicação, estranhas à generalidade dos negócios.
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luz da publicidade jurídica, num paralelo com os negócios reais quoad constitutionem, quando
justificados, como no caso do penhor.
177
Negócios pessoais, obrigacionais e reais quoad effectum; outros tipos: os negócios
podem classificar-se em pessoais, obrigacionais e reais (quoad effectum) consoante a forma de
eficácia a que deem lugar seja pessoal, obrigacional ou real. Ainda em consonância com outros
tipos de eficácia, novas modalidades de negócio podem ser isoladas. Sem preocupações de
exaustividade, cabe referir negócios comerciais, agrários, económicos ou de trabalho. As regras
aplicáveis a estes negócios variam bastante, sendo objeto de disciplinas diferenciadas, dentro
do Direito Civil. Em princípio, a parte geral do Direito civil deveria ocupar-se do regime geral dos
negócios jurídicos, fosse qual fosse o seu tipo de eficácia. Admitir-se-ia, naturalmente, a
existência de desvios setoriais, desde que impostos por normas específicas, a tanto dirigidas.
Contestar, com generalidade, essa afirmação seria tão irrealista como propugna-la. Impõe-se,
na verdade, uma ponderação cuidadosa, perante cada tipo de negócio, a fim de indagar da
aplicabilidade das regras negociais ditas gerais. Adiante-se, no entanto, que as fraquezas
dogmáticas da parte geral dos Códigos Civis – quando exista, o que se sabe estar em franca
regressão. Boa parte das regras que, como tal, são apresentadas têm, tão-só, imediata aplicação
aos negócios obrigacionais.
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n.º1. Nos contratos gratuitos, o empobrecimento do património de uma das partes corresponde,
em regra, ao enriquecimento do património da outra. Pode, todavia, não ser sempre assim. Pode
suceder que as partes, ao abrigo da sua autonomia privada, componham um negócio misto que 179
compreenda uma parte onerosa e outra gratuita. A doutrina chama, por vezes, a atenção para
o relevo da intenção das partes, quando se trata de determinar a natureza onerosa ou gratuita
de um negócio. Este aspeto deve, pela sua importância teórica e prática, ser melhor explicitado.
A problemática da onerosidade ou da gratuitidade de um negócio revela-se e releva na sua
eficácia e através dela: quando se indaguem os efeitos prosseguidos pela atuação de cuja
natureza se trate, afloram as estruturas atribuitivas de base que os enformam. E assim sendo,
poderia parecer que a vontade das partes surge relativamente irrelevante: afinal, perante as
concretas consequências patrimoniais resultantes, para os intervenientes, da efetivação dos
negócios, proceder-se-ia ao competente juízo de onerosidade ou de gratuitidade. Não é assim.
Um negócio pode vir a revelar-se como imensamente lucrativo para uma das partes e ruinoso
para a outra; nem por isso haverá gratuitidade: se as partes o não tiverem querido como tal,
antes se verificando a presença de um negócio em desequilíbrio. No verdadeiro negócio gratuito,
vontade livre do sacrifício determinou-se pela intenção de dar – o animus donandi; apenas na
presença deste fator têm aplicação as regras próprias das liberalidades. Trata-se de um aspetos
da maior importância: como será ponderado em local oportuno, o Direito não admite, em certas
condições, desequilíbrios excessivos entre as posições das partes; quando, porém, apareça um
negócio gratuito, querido enquanto tal, o desequilíbrio é justo e admissível.
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caso em jogo, apenas o próprio o possa praticar pessoal e livremente, sendo razoável exigir,
quando outrem o pretenda levar a cabo, particulares cautelas. A qualificação de um negócio
como de disposição ou de administração não pode, pois, ser causal em relação ao regime em 180
jogo: ela liga-se a esse regime, singrando quando ele deva ter aplicação.
Outras modalidades: o Direito vigente e a autonomia das partes promovem ainda numerosas
outras modalidades de negócios jurídicos. Nuns casos, elas poderão apresentar um relativo grau
de generalidade, surgindo em várias disciplinas jurídicas; noutros surgirão particularmente
acantonadas em determinadas áreas normativas. Essas modalidades irão surgir à medida que se
desenrole a matéria. No entanto – e pela sua relevância – faz-se, de seguida, breve menção a
duas delas: negócios parciários e negócios aleatórios. Um negócio diz-se parciário quando
implique a participação dos celebrantes em determinados resultados. Um negócio é aleatório
quando, no momento da sua celebração, sejam desconhecidas as vantagens patrimoniais que
dele derivem para as partes. Repare-se contudo que esse desconhecimento, que dá a margem
de álea, deve ser da própria natureza do contrato, em moldes tais que ele não faça sentido de
outra forma. A precisão é necessária porque qualquer negócio implica sempre flutuação ou
riscos, em função das margens de álea que não se podem nunca evitar. Tais negócios são
celebrados, dentro dum esquema de normalidade social, no entanto, não pela álea que possam
implicar, mas antes pela predeterminação das vantagens que impliquem.
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181
Negócios unilaterais e multilaterais ou contratos: o negócio diz-se unilateral quanto tenha
uma única parte; é multilateral ou contrato quando, pelo contrário, se assuma como produto de
duas ou mais partes. Na sua simplicidade, esta contraposição levanta dúvidas quando se
pretenda desenvolvê-la em termos científicos. A ideia de parte não equivale à de pessoa: num
negócio – unilateral ou multilateral – várias pessoas podem encontrar-se interligadas, de modo
a constituir uma única parte. A aproximar a ideia de parte da de declaração corresponde já a
uma base mais promissora; dir-se-á, então, que nos negócios unilaterais há uma única
declaração – ainda que eventualmente feita por várias pessoas – enquanto nos multilaterais as
declarações são várias. Verifica-se, no entanto, que várias declarações podem dar azo a um mero
negócio unilateral, desde que se encontrem ordenadas de modo paralelo: as declarações
contratuais, teriam, assim, de ser contrapostas. Trata-se, pois, de esclarecer a ideia de
contraposição, quando aplicada a declarações negociais. Uma via seria a de aproximar a
contraposição da multiplicidade de interesses opostos ou, pelo menos, divergentes: no contrato,
eles seriam vários, enquanto no negócio unilateral, o interesse surgiria único, ainda que
compartilhado por várias pessoas. A referência feita a interesses dá uma base extrajurídica à
distinção agora em análise, numa explicitação que não deve ser ignorada. Mas há dificuldades
quando, dos interesses, se pretenda retirar um critério firme de distinção. Pode suceder que os
vários intervenientes num negócio unilateral tenham, sem prejuízo pela sua posição comum,
interesses objetiva e subjetivamente diversos. Estas dificuldades são típicas da metodologia
conceptual: apenas uma renovação mais profunda permitirá superá-las. A distinção entre
negócios unilaterais e contratos não pode repousar em apregoadas diferenças genéticas –
número de pessoas, de declarações ou de interesses – mas sim nos efeitos que venham a ser
desencadeados:
- nos contratos, os efeitos diferenciam duas ou mais pessoas, isto é: fazem surgir, a cargo
de cada interveniente, regras próprias, que devam ser cumpridas e possam ser violadas
independentemente umas das outras; em moldes formais, há mais de uma parte; e em
consequência, tendem a surgir várias declarações, várias pessoas e vários interesses.
Repare-se que a diferenciação de tratamentos presente nos contratos não pode ir tão longe que
impeça uma convergência entre elas: há um regime conjunto, que absorve as posições em
presença, originando, em regra, situações jurídicas plurissubjetivas complexas. Os negócios
unilaterais completam-se, por definição, com a declaração que os consubstancie; dispensa-se
qualquer anuência de outros intervenientes. Com especificidades, a doutrina comum apresenta
a sua sujeição a um princípio da tipicidade: com base no artigo 457.º, entende-se que apenas
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seria possível celebrar os negócios unilaterais expressamente previstos na lei, não podendo, pois,
compor-se tipos negociais novos, ao abrigo da autonomia privada. Uma melhor estudo das
fontes revela, no entanto, que a tipicidade é, tão só, aparente: o legislador permitiu, através de 182
vários esquemas que os interessados engendrem, negócios não tipificados em leis. Os contratos
resultam do encontro de duas vontades, através duma proposta e da sua aceitação. Dentro dos
negócios contratuais, importa, pelo seu relevo, referencias as seguintes subdistinções:
- o negócio conjunto: várias pessoas são titulares de posições jurídicas que só podem ser
atuadas no seu conjunto, por todas elas;
- a deliberação: várias pessoas são titulares de posições jurídicas confluentes que podem,
no entanto, ser atuadas em sentido divergente, prevalecendo, então, a posição da maioria; este
esquema é habitual no domínio da formação orgânica da vontade depois imputada a pessoas
coletivas – associações e sociedades – mas pode surgir independentemente desse tipo de
personalização;
A contraposição acima efetuada coloca múltiplos problemas que só podem ser resolvidos em
cada caso concreto, perante os dados aplicáveis do Direito objetivo. Razões de tutela de
confiança, muito ponderosas, levam a uma forte objetivação das deliberações, particularmente
quando sociais. O negócio conjunto pode implicar vontades manifestas em simultâneo ou
sucessivamente, mas todas regidas pelas mesmas normas jurídicas, de modo a conseguir um
determinado efeito. Quando elas integrem normas diversas – correspondendo, portanto, a
regimes diferenciados – não cabe falar em negócio: antes ocorrem vários atos autónomos, ainda
que conectados. Tal será o caso do ato sujeito a autorização, a qual se analisa, também, num
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ato jurídico: ambos os atos ficam interligados, conservando, porém, uma independência
substancializada em regimes autónomos. O fenómeno da conexão – a não confundir com o da
pluralidade – pode ainda dar lugar a outras distinções. Assim, pense-se em conexões paritárias, 183
subordinadas ou condicionantes, consoante o tipo e relação que se estabeleça entre os atos em
presença. Caso particular de conexão é a processual: vários atos surgem articulados numa
sequência para a obtenção de um fim. Questão delicada é a da distinção entre negócio conjunto
e a deliberação quando, para certa eficácia, se requeira uma concordância unânime dos
membros de uma assembleia. Nessa eventualidade, em termos materiais, o negócio seria
conjunto: cada participante teria, só por si, o direito de facultar a decisão comum. Porém, em
moldes formais, tende a falar-se em deliberação, uma vez que a situação em causa vai encadear-
se num todo onde avultam as deliberações propriamente ditas. Trata-se de mais uma
manifestação do dilema lógica-cultura que domina o universo jurídico.
Negócios inter vivos e mortis causa: numa primeira abordagem, os negócios inter vivos
destinam-se a produzir efeitos em vida dos seus celebrantes. Os negócios mortis causa, pelo
contrário, manifestar-se-iam apenas depois da morte do seu autor. Esta simplicidade não
satisfaz. As partes, ao abrigo da sua autonomia privada, podem estipular que os seus negócios
produzam efeitos com a morte de algumas delas. Não obstante, o negócio é inter vivos por
assentar num tipo de regulação primacialmente destinado a reger relações inter vivos. O
verdadeiro negócio mortis causa é intrinsecamente concebido pelo Direito para reger situações
jurídicas desencadeadas com a morte de uma pessoa. Em termos práticos, ele é regulado pelo
Direito das sucessões. De novo há, pois, que partir dos efeitos, para explicar esta contraposição.
A distinção tem um particular relevo, no tocante aos regimes aplicáveis. O negócio mortis causa
não tem preocupações de equilíbrio, uma vez que surge como liberalidade, e assenta no valor
fundamental da vontade do falecido – o de cuiús. Na mesma linha, ele não envolve, de modo
geral, um problema de confiança dos destinatários que, por isso, careçam de proteção. Implica,
assim, regras próprias de interpretação e de aplicação, estranhas à generalidade dos negócios.
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luz da publicidade jurídica, num paralelo com os negócios reais quoad constitutionem, quando
justificados, como no caso do penhor.
185
Negócios pessoais, obrigacionais e reais quoad effectum; outros tipos: os negócios
podem classificar-se em pessoais, obrigacionais e reais (quoad effectum) consoante a forma de
eficácia a que deem lugar seja pessoal, obrigacional ou real. Ainda em consonância com outros
tipos de eficácia, novas modalidades de negócio podem ser isoladas. Sem preocupações de
exaustividade, cabe referir negócios comerciais, agrários, económicos ou de trabalho. As regras
aplicáveis a estes negócios variam bastante, sendo objeto de disciplinas diferenciadas, dentro
do Direito Civil. Em princípio, a parte geral do Direito civil deveria ocupar-se do regime geral dos
negócios jurídicos, fosse qual fosse o seu tipo de eficácia. Admitir-se-ia, naturalmente, a
existência de desvios setoriais, desde que impostos por normas específicas, a tanto dirigidas.
Contestar, com generalidade, essa afirmação seria tão irrealista como propugna-la. Impõe-se,
na verdade, uma ponderação cuidadosa, perante cada tipo de negócio, a fim de indagar da
aplicabilidade das regras negociais ditas gerais. Adiante-se, no entanto, que as fraquezas
dogmáticas da parte geral dos Códigos Civis – quando exista, o que se sabe estar em franca
regressão. Boa parte das regras que, como tal, são apresentadas têm, tão-só, imediata aplicação
aos negócios obrigacionais.
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n.º1. Nos contratos gratuitos, o empobrecimento do património de uma das partes corresponde,
em regra, ao enriquecimento do património da outra. Pode, todavia, não ser sempre assim. Pode
suceder que as partes, ao abrigo da sua autonomia privada, componham um negócio misto que 187
compreenda uma parte onerosa e outra gratuita. A doutrina chama, por vezes, a atenção para
o relevo da intenção das partes, quando se trata de determinar a natureza onerosa ou gratuita
de um negócio. Este aspeto deve, pela sua importância teórica e prática, ser melhor explicitado.
A problemática da onerosidade ou da gratuitidade de um negócio revela-se e releva na sua
eficácia e através dela: quando se indaguem os efeitos prosseguidos pela atuação de cuja
natureza se trate, afloram as estruturas atribuitivas de base que os enformam. E assim sendo,
poderia parecer que a vontade das partes surge relativamente irrelevante: afinal, perante as
concretas consequências patrimoniais resultantes, para os intervenientes, da efetivação dos
negócios, proceder-se-ia ao competente juízo de onerosidade ou de gratuitidade. Não é assim.
Um negócio pode vir a revelar-se como imensamente lucrativo para uma das partes e ruinoso
para a outra; nem por isso haverá gratuitidade: se as partes o não tiverem querido como tal,
antes se verificando a presença de um negócio em desequilíbrio. No verdadeiro negócio gratuito,
vontade livre do sacrifício determinou-se pela intenção de dar – o animus donandi; apenas na
presença deste fator têm aplicação as regras próprias das liberalidades. Trata-se de um aspetos
da maior importância: como será ponderado em local oportuno, o Direito não admite, em certas
condições, desequilíbrios excessivos entre as posições das partes; quando, porém, apareça um
negócio gratuito, querido enquanto tal, o desequilíbrio é justo e admissível.
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caso em jogo, apenas o próprio o possa praticar pessoal e livremente, sendo razoável exigir,
quando outrem o pretenda levar a cabo, particulares cautelas. A qualificação de um negócio
como de disposição ou de administração não pode, pois, ser causal em relação ao regime em 188
jogo: ela liga-se a esse regime, singrando quando ele deva ter aplicação.
Outras modalidades: o Direito vigente e a autonomia das partes promovem ainda numerosas
outras modalidades de negócios jurídicos. Nuns casos, elas poderão apresentar um relativo grau
de generalidade, surgindo em várias disciplinas jurídicas; noutros surgirão particularmente
acantonadas em determinadas áreas normativas. Essas modalidades irão surgir à medida que se
desenrole a matéria. No entanto – e pela sua relevância – faz-se, de seguida, breve menção a
duas delas: negócios parciários e negócios aleatórios. Um negócio diz-se parciário quando
implique a participação dos celebrantes em determinados resultados. Um negócio é aleatório
quando, no momento da sua celebração, sejam desconhecidas as vantagens patrimoniais que
dele derivem para as partes. Repare-se contudo que esse desconhecimento, que dá a margem
de álea, deve ser da própria natureza do contrato, em moldes tais que ele não faça sentido de
outra forma. A precisão é necessária porque qualquer negócio implica sempre flutuação ou
riscos, em função das margens de álea que não se podem nunca evitar. Tais negócios são
celebrados, dentro dum esquema de normalidade social, no entanto, não pela álea que possam
implicar, mas antes pela predeterminação das vantagens que impliquem.
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189
Invalidades e Ineficácia
A ineficácia e a sua evolução: a ineficácia dos negócios jurídicos traduz, em termo gerais a
situação na qual eles se encontram quando não produzam todos os efeitos que dado o seu teor,
se destinariam a desencadear Trata-se da ineficácia em sentido próprio ou amplo, a qual
abrange a desencadear. Trata-se da ineficácia em sentido próprio ou amplo, a qual abrange as
diversas invalidades. A definição apresentada é muito genérica: ela não deixará de agrupar uma
multiplicidade de situações diversificadas. Agrava-se, neste domínio, a tendência sempre
presente para, da parte geral do Direito Civil, fazer algo de atemporal; apenas nas últimas
décadas têm sido feitos esforços para situar historicamente a problemática da ineficácia. Como
ponto de partida, pode assentar-se no seguinte: os negócios jurídicos não produzem, sempre,
os efeitos que se destinem a produzir porque a autonomia privada é duplamente limitada. Em
termos extrínsecos, ela cede perante a lei, que apenas a reconhece dentro de determinadas
fronteiras; em moldes intrínsecos, ela pode ser deficientemente exercida pelas partes que,
sendo falíveis, vão, por vezes, falhar na tentativa de configurar situações jurídicas. Assim sendo,
torna-se natural que o tema da ineficácia acompanhe sempre o da própria negociabilidade
privada. No Direito Romano, apareceria já a referência a nullum para designar, em certos casos,
a não produção de efeitos negociais; não houve, contudo, qualquer generalização da figura.
Além disso, a nulidade era sumariamente aproximada duma ideia de inexistência de tipo físico;
apenas uma longa evolução permitiria o acesso a um plano puramente jurídico. No período
medieval também não se deixa localizar uma doutrina, nesse domínio; os próprios humanistas,
dotados já de instrumentalização sistemática, não lograram ir mais longe. A escola do Direito
natural, designadamente graças à sua vertente central dedutivística e generalizadora, foi
acumulando o material que permitiria transcender esse estado de coisas. A Savigny o mérito de
ter apresentado e divulgado um quadro geral de ineficácias, quadro esse que condicionaria toda
a evolução posterior da matéria, até às codificações tardias, através da pandectística e, em
especial, de Windscheid. Apenas à luz do “Direito romano atual” - e, portanto, das fontes
romanas tratadas pelos quadros da terceira sistemática – foi possível aprofundar ideias como a
da invalidade dos negócios. O tema da ineficácia – ou da impugnabilidade dos negócios –
apresentou, no princípio do século XIX, uma grande capacidade de absorção. Ele abrangia, deste
modo, situações que se reportavam:
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O negócio jurídico seria prejudicado na sua eficácia quando ultrapassasse as margens legais para
ele fixadas ou quando, na sua formação, tivessem ocorrido desconformidades; essa mesma
eficácia pode cessar, na sua vigência, através de atos a tanto destinados, na sua base, à lei pode 190
exigir um processo complexo de cuja completude dependa uma eficácia plena; por fim, a técnica
processual das ações/exceções oitocentistas apresentava, como instrumento de não eficácia, a
própria possibilidade de mover exceções. A evolução posterior pode ser enquadrada em dois
parâmetros: a simplificação e a substancialização. A simplificação resulta da tendência para
reduzir, através de generalizações ou de depurações, as diversas figuras de ineficácia. A
substancialização exprime a conversão das figuras puramente processuais em realidades
substantivas. O manuseio substantivo das realidades que interferiram nos modelos de decisão
pode considerar-se adquirido para a Ciência do Direito. Em compensação, o movimento
destinado a simplificar o quadro das ineficácias exprime apenas um motor de oscilação pendular
do fenómeno. Uma tendência contrária, ligada ao casuísmo de certas intervenções legislativas,
tem promovido figuras variadas, nem sempre redutíveis aos quadros preestabelecidos da
ineficácia. Pode mesmo afirmar-se que a presente conjuntura vai, entre nós, no sentido duma
certa multiplicação de manifestações de ineficácia. Em Portugal, pode fixar-se o início do
tratamento científico da ineficácia em Guilherme Moreira. A doutrina anterior fazia referências
pouco consistentes ao problema, com claros reflexos no Código de Seabra, onde ela era
embrionária. Guilherme Moreira, fundador da moderna civilística portuguesa, contrapunha já a
ineficácia à invalidade dos negócios jurídicos e distinguia, nesta, a nulidade absoluta ou
inexistência e a nulidade relativa ou anulabilidade, em termos abaixo retomados. Um quadro
mais diversificado foi apresentado por Manuel de Andrade; o Código Civil de 1966 simplificou,
no entanto, os seus termos, numa situação que tem vido a inverter-se, na atualidade, pelo
menos a nível legislativo.
- na ineficácia em sentido estrito, o negócio, em si, não tem vícios; apenas se verifica
ema conjunção com fatores extrínsecos que conduz à referida não-produção.
- invalidade:
- nulidade;
- anulabilidade;
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- invalidades mistas;
2
Guilherme Moreira, Institutiones, distinguia a nulidade, mas restrita e implicando um vício, da
ineficácia, mais ampla, que incluiria situações em si idóneas, mas incompletas ou condicionadas do
exterior; contrapunha, depois, a nulidade ou inexistência à anulabilidade ou nulidade relativa e excluía a
inexistência como vício autónomo. Manuel de Andrade, Teoria Geral, admitia, em termos similares, a
ineficácia como conceito mais amplo e a nulidade como mais restrita, consoante fosse extensiva a todos
– mesmo as partes – ou se limitasse a terceiros; contrapunha, depois, uma nulidade absoluta a outra
relativa, mas admitia, junto à nulidade, a figura da inexistência. Galvão Telles, Manual dos contratos em
geral, apresenta um quadro semelhante ao aqui propugnado e que correspondia, também, em traços
largos, ao de Paulo Cunha, embora com a adenda da inexistência. Castro Mendes, Teoria Geral,
apresentando o que chama de “quadros dos valores negativos do negócio jurídico”, considera: a
invalidade e a irregularidade e, como “valores negativos de menor importância”, a inoponibilidade e a
impugnabilidade; na invalidade, distinguia a inexistência, a nulidade e a anulabilidade. Mota Pinto,
Teoria Geral, adota o esquema de Manuel de Andrade, embora atualizando a terminologia. Carvalho
Fernandes, Teoria Geral, parte duma distinção entre eficácia e validade, na base do negócio ter, em si,
suscetibilidade de produção de efeitos ou de subsistência e apresenta um quadro que reúne a
inexistência, a invalidade e a irregularidade. Oliveira Ascensão, O Direito, admite a ineficácia em sentido
amplo e descobre nela, a inexistência, a invalidade e a ineficácia em sentido restrito.
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- declaração feita sem consciência negocial ou sob coação física: artigo 246.º;
- fim contrário à lei ou à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes, quando seja
comum a ambas as partes: artigo 282.º;
Para além dos referidos, numerosos outros preceitos preveem casos particulares de nulidade.
As partes especiais do Código Civil compreendem, por seu turno, variadas outras previsões de
nulidade; outro tanto acontece em relação a leis extravagantes, com relevo para o diploma
relativo às cláusulas contratuais gerais. As previsões acima explanadas permitem apurar, no seu
conjunto, dois grandes fundamentos para a nulidade:
Os preceitos em jogo não se articulam, entre si, num tofo harmónico: o Código Civil de
1966 dispersou a matéria, distribuindo-a, por vezes, sem tipos desfocados. Tem-se
tentado autonomizar a ideia de nulidade a partir de certos valores subjacentes: ela seria
cominada perante os vícios a partir pesados do negócio, designadamente quando se
colocassem em questão os denominados interesses públicos. As contingências históricas
e culturais do Direito não permitem, no entanto, seguir tal via. Basta pensar numa das
mais precisas nulidades cominadas pelo Direito: a nulidade formal; não há aí, valores
substantivos em jogo claramente determinados. A nulidade deriva, assim, de qualquer
dos dois fatores referidos – a falta de elementos essenciais ou a contrariedade à lei
imperativa – sendo o de interpretação. Em conjunto, esses dois fatores esgotam o
universo lógico das falhas negociais. Assim – e ainda que por via interpretativa, dado o
silêncio da lei – pode concluir-se que a nulidade é o tipo residual da ineficácia: perante
uma falha negocial, quando a lei não determine outra saída, a consequência é a nulidade.
A nulidade atinge o negócio em si. Segundo o artigo 286.º e na linha do Direito anterior,
verifica-se que:
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Caberá, pela interpretação das regras em jogo, verificar se se está perante uma
anulabilidade oi se se cai na regra geral da nulidade. Por razões diversas, a lei tem vido
a criar hipóteses de invalidades que não se podem reconduzir aos modelos puros da
nulidade e da anulabilidade. Trata-se das chamadas invalidades mistas ou atípicas. Assim
sucede com a hipótese da invalidade por simulação: ela não pode ser invocada por
qualquer interessado, como vimos. Outras hipóteses surgem em regras especiais; tal o
caso do artigo 410.º, n.º3, na redação dada pelo Decreto-lei n.º 379/86, 11 novembro,
e a aprofundar em Direito das obrigações. Quando ocorram, há que, pela interpretação,
delucidar os exatos contornos do seu regime.
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ela só se impõe quando previstas por lei – artigo 219.º - lei essa que, a surgir, será
excecional. O Código Civil não contém qualquer norma que obrigue à invocação judicial.
Pelo contrário: os artigos 186.º e 187.º falam em invocar a nulidade e arguir a 194
anulabilidade sem inserirem qualquer rasto duma necessidade de invocação judicial.
Não parece viável, na falta de base legal, exigir tal procedimento. É certo que o artigo
292.º, n.º1 pressupõe ações de declaração de nulidade ou de anulação. Mas isso explica-
se por, aí, se pretenderem fazer valer posições contrárias ao que resulta do registo
predial: ora a nulidade deste, seja substantiva seja registal, só pode ser invocada depois
de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado – artigo 17.º CRP. O panorama
legal é, pois, o seguinte: a lei é omissa quanto ao regime geral da invocação das
invalidades, o que depõe no sentido da desformalização, mau grado os preparatórios;
no entanto, há uma diretriz que impõe o recurso a juízo – ou um acordo – perante
invalidades que atinjam situações registadas. Trata-se de construir um sistema coerente,
nesta base. A invocação de nulidades ou a declaração de anulação surgem como atos
subordinados aos principais: os próprios negócios viciados. Assim, elas deverão seguir a
forma exigida para esses mesmos negócios. Mal se compreenderia que para invocar um
vício que atingisse um negócio corrente verbalmente concluído, houvesse que recorrer
ao tribunal ou a outra fórmula solene. A esta regra básica ocorrem desvios: no caso de
bens sujeitos a registo, queda o acordo – sob a forma exigida para negócio em curse –
ou a ação judicial, como vimos. É evidente que se a declaração de nulidade ou a anulação
“informais” não foram aceites, como tais, pelos destinatários, há litígio, a dirimir em
juízo. Mas o tribunal limitar-se-á, então, a apreciar se a invocação da nulidade ou se a
anulação foram devidamente atuadas. Perante a exigência do cumprimento dum
negócio inválido, a parte visada pode defender-se por exceção. Antes disso, porém, ela
já podia, licitamente, recusar a prestação. O possuidor duma coisa por via dum negócio
inválido deixará de estar de boa fé assim que conheça o vício – artigo 1260.º, n.3. Não
se exige, para tanto, qualquer ação. Temos indícios no sentido de se dispensar a
invocação judicial, com os desvios apontados: situações registadas e situações de litígio.
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anulável – por exemplo, por coação, artigo 256.º - pode beneficiar daqueles esquemas;
mas sendo o negócio inexistente – e isso sucederia, porventura, no caso do artigo 246.º
- tudo ficaria bloqueado. Repare-se: o adquirente pode ignorar totalmente a “coação 196
física” de que esteja a ser vítima a contraparte – pense-se numa contratação por telefax
– ou a sua “falta de consciência da declaração”. Os pretensos casos de inexistência
jurídica são, pois, casos de nulidade, sob pena de gravíssimas injustiças, enquadradas
por puros conceptualismos. As preocupações conceptuais que levaram alguns autores a
introduzir, na doutrina geral do negócio jurídico, a inexistência, tem ainda outro efeito
pernicioso: facultaram uma expansão dessa pretensa figura noutras áreas, sempre com
efeitos nocivos. Assim sucedeu no caso do registo predial. O registo, quando realizado,
produz alguns efeitos substantivos. Quando, porém, ele tenha sido efetuado com certos
vícios, tais efeitos podem ficar comprometidos. Não obstante, essa ineficácia deixa
salvaguardados alguns direitos de terceiros de boa fé: a pessoa que acredite num registo
– organizado, para mais, pelo Estado – merece proteção. O Código de Registo Predial de
1967 enumerava as causas da nulidade do registo; no seu artigo 85.º ressalvava as
posições de terceiros de boa fé. Na mesma linha, o Código do Registo Predial de 1984,
refere as causas de nulidade, enquanto o seu artigo 17.º, n.º2, garante os terceiros de
boa fé. Simplesmente, levado por meras preocupações de simetria concetuais, o
legislador de 1984 consagrou, também, “causas de inexistência” do registo – artigo 14.º
- associado a esse vício uma total ausência de efeitos – artigo 15.º, n.º1 – e logo, a uma
primeira leitura, a total desproteção de terceiros, mesmo de boa fé. Uma análise dos
vícios que conduzem a “inexistência” – e que antes de 1984 levavam à nulidade – não
permitem, no entanto, descobrir qualquer razão de fundo para desamparar os terceiros
de boa fé: há casos de nulidade que são tão ou mais greves do que os da inexistência.
De novo a construção da inexistência, que tende a estender-se, ainda, a outras áreas,
conduz a resultados nefastos, havendo que tentar minimizá-los pela interpretação. De
todo o modo nada, na lei geral, impõe a inexistência, no domínio do negócio jurídico. E
pelas razões expostas, nenhuma razão científica recomenda a sua autonomização. Os
casos previstas na lei como “não produzindo quaisquer efeitos” são, a realidade,
nulidades. Resta acrescentar que, na prática, não é possível declarar inexistências, até
por razões de Direito notarial. A referência doutrinária a essa figura mais não faz do que
impedir o funcionamento de figuras como a falta de consciência da declaração ou a
coação física.
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O Regime
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tudo funcionando, como se não houvesse eficácia retroativa, nestes casos. O dever de
restituição predisposto no artigo 289.º, n.º1 tem natureza legal. Ele prevalece sobre a
obrigação de restituir o enriquecimento, meramente subsidiário. No entanto, já haverá 198
que recorrer às regras do enriquecimento sem a mera obrigação de restituir não
assegurar que todas as deslocações ou intervenções patrimoniais injustamente
processadas, ao abrigo do negócio declarado nulo ou anulado, foram devolvidas. Não
será assim quando, mau grado a invalidação, ocorra uma outra causa de atribuição
patrimonial. O próprio artigo 289.º, n.º3 manda aplicar, diretamente ou por analogia, o
disposto nos artigos 1269.º e seguintes e, portanto: o regime da posse, incluindo as
regras sobre a perda ou deterioração da coisa, sobre os frutos, sobre os encargos e sobre
as benfeitorias. Caso a caso será necessário indagar a boa ou má fé do obrigado à
restituição. Para além das regras sobre a posse, outras poderão infletir, num ou noutro
sentido, o dever de restituição. Pode a parte obrigada à restituição ter alienado
gratuitamente a coisa que devesse restituir: ficará obrigada a devolver o seu valor.
Porém, se a restituição deste não puder tornar-se efetiva, fica o beneficiário da
liberalidade obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento –
artigo 289.º, n.º2. Trata-se dum afloramento da regra prevista no artigo 481.º, n.º1. O
dever de restituir é recíproco. A doutrina estrangeira já intentou por via doutrinária,
construir aqui um sinalagma, de modo a permitir a aplicação de institutos que garantam
as posições das partes. A lei portuguesa solucionou, de modo expresso, o problema, no
artigo 290.º. Outros institutos, como o direito de retenção, podem ter aplicação, desde
que se verifiquem os respetivos requisitos. A nulidade ou a anulação dum negócio são,
ainda, suscetíveis de causar danos ilícitos. Podem intervir institutos de responsabilidade
civil e, designadamente, a culpa in contrahendo. Invalidade dum negócio pode não
prejudicar a manutenção dos deveres de segurança, de informação e de lealdade que
acompanham qualquer obrigação, por força da boa fé. Esta, na linguagem de Canaris,
manter-se-á, então, mau grado a falta do dever de prestar principal. Tais deveres irão
acompanhar toda a relação de liquidação, podendo ainda manter-se post factum finitum.
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sujeitos a registo, vale o artigo 291.º: não são prejudicados os direitos de terceiros,
adquiridos de ao fé e a título oneroso e que registem antes de inscrita qualquer ação de
nulidade ou de anulação ou qualquer acordo quanto à validade do negócio – n.º 1, 199
todavia, esse regime só opera passados três anos sobre a conclusão do negócio.
Atentem-se bem nos requisitos:
Os terceiros são protegidos por estarem de boa fé e por terem realizado o investimento
de confiança: o título oneroso e o decurso dos 3 anos atestam-no. Este preceito não se
confunde com o artigo 17.º, n.º2 CRP: exige-se, aqui, um registo prévio, nulo ou anulado,
não requerido pela lei civil. Tem-se suscitado, na jurisprudência, a dúvida de saber se o
artigo 291.º se aplica aos casos de ineficácia stricto sensu dos negócios. A questão
coloca-se, designadamente, no tocante a contratos praticados com violação de direitos
de preferência: pode o terceiro adquirente prevalecer-se do artigo 291.º? Algumas
decisões respondem negativamente: a (mera) eficácia não permitiria a tutela de
terceiros. Tais decisões estão, em princípio, corretas. Mas não as fundamentações. As
razões que levam à tutela dos terceiros – boa fé, investimento de confiança e inação das
partes interessadas – podem proceder tanto nas invalidades como nas ineficácias. Além
disso, tal tutela não tem nada de excecional: a letra da lei, só por si, não permitiria a
exclusão. No caso das preferências legais, todavia, o artigo 291.º - tal como o 17.º, n.º2
CRP – não se aplica pela razão simples de elas não estarem sujeitas a registo.
Consequentemente, não só os preferentes não têm modo de as publicitar como os
próprios terceiros adquirentes não têm especial fundamento para clamar a ignorância
da sua existência. De resto e na generalidade dos casos, a preferência legal deduz-se da
situação de fundo, pelo que – visto o artigo 291.º, n.º3 – não há, sequer, boa fé.
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divisibilidade dos negócios. De modo algum: o que a leu diz é o seguinte: a nulidade ou
anulação (quando seja) parcial não determina a invalidade do conjunto. Repare-se: a lei
não permite que a prestação seja realizada por partes, havendo pois um princípio da 200
integralidade do cumprimento – artigo 763.º: não se compreenderia como facultar uma
desarticulação de princípio dos negócios, a pretexto da invalidade. Teremos de, pela
interpretação e em momento logicamente anterior, determinar o alcance de qualquer
invalidade. O segundo requisito tem a ver com a vontade das partes no tocante ao ponto
da redução: esta não opera quando se mostre que o negócio não teria sido concluído
sem a parte viciada. Bastará provar, pelas circunstâncias objetivas ou pela vontade real
duma das partes, conhecida pela outra – artigo 236.º - ou pela sua vontade hipotética e
pela boa fé – artigo 239.º - que, sem a parte viciada, aquele concreto negócio não teria
visto a luz. Em termos de ónus da prova, a situação será a seguinte:
- ao seu opositor caberá invocar e provar os factos donde se infira que, sem a
parte viciada, não teria havido negócio.
Embora o artigo 292.º não o diga, temos de acrescentar dois outros requisitos:
A boa fé surge no artigo 239.º devendo funcionar perante a redução e a conversão: não
há redução quando ela atente contra a confiança legítima das partes ou contra a
materialidade subjacente. Esta última é claramente percetível quando o negócio
reduzido não permita prosseguir os fins ou as funções vertidos, pelas partes, no negócio
inválido. As regras formais foram salvaguardadas nos artigos 238.º e 293.º. Mas também
aqui elas se impõem: não pode, pela redução, chegar-se a um tipo negocial com
exigências de forma não satisfeitas no negócio a reduzir. O grande tema que levou à
discussão, perante o Direito Civil português, das potencialidades da redução, prende-se
com o contrato-promessa. Embora os meandros deste tenham a ver com o Direito das
Obrigações podemos, aqui, enunciar o essencial do debate. O cotrato-promessa pode
ser bilateral (bivinculante), quando ambas as partes fiquem adstritas a celebrar o
contrato definitivo, ou unilateral (monovinculante) quando apenas uma parte fique
obrigada ao definitivo: a outra será, então, livre de decidir. O contrato-promessa relativo
a contrato formal exige forma escrita; todavia, sendo o contrato monovinculante,
admite-se que baste a assinatura da pessoa que irá ficar obrigada – artigo 410.º, n.º2,
depois alterado. Quid Iuris se um contrato-promessa bivinculante surgir assinado apenas
por uma das partes? Pouco depois da entrada em vigor do Código Civil, veio decidir-se
que, havendo apenas uma assinatura, tal contrato valia como monovinculante. Contra
manifestou-se Vaz Serra: esta transmutação só seria possível se se verificassem as regras
de redução. As dúvidas suscitadas levaram a novo acórdão, com as secções cíveis
reunidas, onde foi confirmada a primeira orientação do Supremo: na presença duma só
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«No domínio do texto primitivo do n.º2 do artigo 410.º do Código Civil vigente,
o contrato-promessa bilateral de compra e venda de imóvel, exarando em documento
assinado apenas por um dos contraentes é nulo, mas pode considerar-se válido como
contrato-promessa unilateral, desde que essa tivesse sido a vontade das partes.»
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O primeiro requisito deve ser integrado com os elementos a retirar dos artigos 236.º,
n.º2 e 238.º, n.º2: não faria sentido, pela simples interpretação, obter, de declarações
negociais, negócios inatingíveis pela conversão. Os requisitos essenciais terão de ser
imputáveis à vontade comum das partes, antes depois da conversão, enquanto a forma
deve ser aferida de acordo com as suas razões determinantes. O segundo requisito leva-
nos à integração. A vontade hipotética aqui dominante – e que constitui o motor de
conversão – deve ser aferida segundo a boa fé e os demais elementos atendíveis. Trata-
se duma questão de direito, que não deve ser requisitada. Todavia, os elementos fáticos
de que ela se depreenda – e que podem, eventualmente, transcender o mero contrato
– têm de ser invocados e provocados e provados pelos interessados, nos termos gerais.
O funcionamento prático da conversão tem sido entravado por pressupostos legalistas
e conceptuais. Assim, a 8 de abril de 1969, o Supremo Tribunal de Justiça recusou-se a
conversão duma adoção (não reconhecida à luz do Código de Seabra) em doação mortis
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causa por de tratar dum negócio inexistente e não nulo; uma pura violência, dado ser
claríssima e lícita a vontade das partes aí envolvidas. Posteriormente, a maioria das
invocações de conversão tem a ver com o aproveitamento de contratos, nulos por falta 203
de forma, na modalidade dos correspondentes contratos-promessa. Tem havido alguma
dificuldade em manusear o instituto: as partes interessadas ora omitem os elementos
necessários à determinação da vontade hipotética ora não invocam a própria conversão.
Mas também se exacerba o aspeto conceptual da forma: a conversão poderia levar à
frustração ao sujeitar certos negócios à escritura pública. Não é assim: se o negócio
resultante da conversão não estiver sujeito a escritura, nada haverá a objetar. A vontade
hipotética ou conjetural tem sido sublinhada. Em data mais recente, o Supremo tem
vindo a acolher a conversão, para ressalvar contratos formalmente nulos: é invocada a
justiça e o sistema e a necessidade duma “revalorização” (Carvalho Fernandes), em
nome do fim económico-social. Trata-se duma via animadora. O Direito conhece
hipóteses de conversão legal: perante certas desconformidades, indica, de imediato,
qual o destino dos negócios atingidos Caso a caso deveremos verificar, pela
interpretação se é possível bloquear a “conversão legal” pela não ocorrência dos
requisitos previstos no artigo 293.º. À partida, a resposta é positiva: estamos no Direito
Civil.
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A Boa Fé
204
Evolução geral e sentido atual: A boa fé surge referida no Código Civil português vigente em
setenta artigos, dispersos pelos seus cinco livros. Institutos parcelares, de índole muito variada,
têm-na em conta e fazem dela o seu cerne. As razões desse emprego multifacetado e o seu
sentido atual só são compreensíveis perante a evolução geral do instituto ao longo da História.
Das questões em causa pode, tão só, dar-se aqui um breve apanhado. No início encontra-se a
fides romana, do período arcaico. Em termos semânticos, ela tinha, então várias aceções: sacras,
expressas no culto da Deusa Fides e patentes em sanções de tipo religioso contra quem
defraudasse certas relações de lealdade; fáticas, presentes em garantias de tipo pessoal,
prestadas pelos protetores aos protegidos; éticas, expressas nas qualidades morais
correspondentes a essas mesmas garantias. As dúvidas levantadas por estas proposições
levaram os especialistas a uma reconstrução histórica do tema a partir de aplicações concretas.
Verificou-se, assim:
- uma fides-poder, própria das relações entre o patronus e o cliens, que evoluiu para a
virtude do mais forte;
Esta evolução da fides antiga permite documentar três pontos: ela perde força significativa,
como a prova a sua presença em situações diversas e, até, contraditórias; ela conheceu uma
utilização pragmática, sem preocupações teoréticas; ela traduz um divórcio entre a linguagem
comum e a linguagem jurídica. No limite a fides aparece sem um sentido útil preciso,
transmitindo uma vaga ideia apreciativa. Estava, assim, disponível para dar cobertura a
inovações jurídicas. O Direito romano assentava em ações. Nele, o protótipo da situação jurídica
ativa era protagonizado não por um direito subjetivo, mas por uma actio: a pessoa que
pretendesse uma tutela jurídica dirigia-se ao pretor e solicitava uma ação; este quando
entendesse o pedido juridicamente justificado, concedia a actio, expressa numa fórmula,
dirigida ao juiz, segundo a qual, se se provassem determinados factos alegados pelo autor
interessado, o réu deveria ser condenado; no caso negativo, seguir-se-ia a absolvição. As
actiones dadas pelo pretor, mesmo quando de origem consuetudinária, baseavam-se em leis
expressas. Chegou-se, assim, a um esquema formal, bastante rígido, incapaz de se adaptar e de
enquadrar situações económico-sociais inteiramente novas. O bloqueio tornou-se claro quando
as conquistas romanas através do Mediterrâneo vieram colocar o Direito perante tarefas
inteiramente novas, designadamente nas áreas das trocas comerciais. O pretor interveio: em
casos particulares, ele veio conceder ações sem base legal expressa, assentes, simplesmente, na
fides, precedida do adjetivo bona fides ou boa fé. A inovação deve-se, provavelmente, ao próprio
Quintus Mucius Scaevola – apontado como o primeiro cientista do Direito, no século I a.C. – e
permitiu criar, enquanto bonae fidei iudicia, figuras como a tutela, a sociedade, a fidúcia, o
mandato, a compra e venda e a locação. Nos século subsequentes, a lista foi aumentando. As
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figuras jurídicas introduzidas pelo engenho criativo romano, em nome da bona fides, foram
ainda dobradas pelo engenho criativo romano, em nome da bona fides, foram ainda dobradas
por um novo regime jurídico. Sem entrar em particularidades técnicas, pode dizer-se que esse 205
regime era de maior elasticidade do que o anterior, permitindo encontrar soluções mais
consentâneas com a realidade e em termos que possibilitam uma ponderação dos interesses
em presença. A bona fides permitiu, no Direito romano clássico, a criação de figuras essenciais
que constituem ainda hoje, o cerne do moderno Direito das obrigações; além disso, ela facultou
um esforço geral no sentido de desformalizar o Direito, de modo a obter soluções fundadas no
próprio mérito substancial das causas a decidir. Mas essa vitória foi a sua perda momentânea:
criados os institutos e implantado o regime, a bona fides perdeu um sentido técnico, tornando-
se apta, apenas, para transmitir uma vaga ideia apreciativa. Ainda no Direito romano, tornou-se
necessário, em determinado momento da sua evolução, aperfeiçoar institutos nos quais uma
pessoa, por exercer certos poderes, se tornava titular da posição jurídica correspondente. Tal
sucedeu com a usucapio, base da atual usucapião – artigos 1287.º e seguintes do Código Civil –
pela qual quem tivesse em seu poder, durante determinado período, uma coisa, se tornava seu
proprietário. O aperfeiçoamento destinava-se a possibilitar o funcionamento desse instituto
apenas a favor de quem não tivesse consciente de prejudicar outrem. E para o efeito, recorreu-
se à locução bona fides: quem estivesse de boa fé (=desconhecesse lesar outrem) beneficiaria
de regras mais favoráveis. A subjetivação da bona fides, assim alcançada – pois ela passa a
exprimir um estado do próprio sujeito – deve ser entendida como um fenómeno de colonização
linguística técnica: o termo estava disponível tendo, por isso, sido utilizado pelos juscientistas
na criação do Direito. Nas compilações de Justinianus, onde, apesar das interpolações, se
refletem os diversos passos do Direito romano ao longo duma evolução secular, os múltiplos
empregos da boa fé conduzem à diluição do instituto: contagiada pela retórica grega, a bona
fides chega a uma situação singular: ela surge, a cada passo e a propósito dos mais diversos
institutos e, quando isolada, nada quer dizer. No Direito canónico, a bona fides, conserva uma
utilização subjetiva semelhante à que se viu consubstanciar no Direito romano, a propósito da
usucapio. O teor geral do canonismo conduziu, no entanto, a alguns desvios, conferindo à boa
fé tonalidades éticas que se podem exprimir equiparando-a à ausência de pecado. A boa fé não
implica só ignorância: exige ausência de censura. No Direito germânico desenvolveu-se, com
raízes próprias, também uma ideia de boa fé (Treu und Glauben): ela partiu das ideias de crença,
confiança, honra e lealdade à palavra dada. Posteriormente, ela veio a objetivar-se, exprimindo
valores ligados ao ritual, ao padrão social e à exterioridade do comportamento, de modo a
ajuizar do seu acordo com bitolas sócio-culturais de atuação, sem a intervenção da Ciência do
Direito. A boa fé traduz a tutela da aparência. A evolução posterior, até aos nossos dias, liga-se
à riqueza dos fenómenos culturais no Direito, patentes nas receções do Direito romano. Num
primeiro momento, a boa fé da receção é fundamentalmente subjetiva, traduzindo um estado
de ignorância do sujeito, em termos de promover a aplicação de um regime mais favorável. Com
o humanismo, os estudiosos vieram a descobrir um emprego polissémico da boa fé nas fontes.
E em obediência ao sistema periférico por eles preconizado, os humanistas reuniram as
referências dispersas feitas à boa fé pelos textos romanos. Os jusracionalistas aproveitaram
também a expressão bona fides, rica em história, designadamente para melhor justificar a
necessidade de respeitar os contratos celebrados. O uso assim feito era fraco: o contrato deve,
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como é evidente, ser respeitado, sem que o apoio da boa fé seja útil. A prática que antecedeu a
codificação francesa dava, à boa fé, um relevo subjetivo, nos termos por que, desde o Direito
romano tardio, ela era conhecida. No espaço alemão ocorreu, no entanto, um fenómeno diverso, 206
de maior importância: no termo de uma confluência entre a boa fé germânica e os textos
romanos, sempre presentes mercê da receção, verificou-se, desde o princípio do século XIX, o
recurso à bona fides por parte dos tribunais comerciais, como forma de enquadrar questões
inteiramente novas, ligadas ao surto económico então verificado. O fenómeno foi tanto mais
importante quanto é certo que, mercê da situação política interna então vivida, não era possível
dotar o espaço alemão de leis comerciais unitárias e atualizadas. O progresso foi simplesmente
assegurado pelos tribunais comerciais, em decisões baseadas na boa fé. Nas diversas
codificações, a boa fé teria um destino bastante diferente. O Código de Napoleão, fiel às
tradições em que assentou, consagrou a boa fé com duas aceções: o alcance subjetivo, pelo qual
a boa fé corresponde a um estado de ignorância do sujeito, que merece, do Direito, a concessão
de um regime mais favorável e o alcance objetivo, de cariz jusracionalista, em cujos termos a
boa fé reforça o vínculo contratual. A evolução subsequente daria conteúdo, apenas, à primeira
versão. A boa fé objetiva, tolhida pela fraqueza do seu uso contratual e bloqueada pela
incapacidade da doutrina francesa em elevar-se seja acima da exegese, seja acima da sistemática
central, perdeu-se, não tendo conteúdo útil e não dando lugar, até aos nossos dias, a quaisquer
soluções particulares. O Código alemão, na sequência, também, das suas raízes, deu uma dupla
dimensão à boa fé. Em sentido subjetivo (guter Glauben)ela exprime a não consciência de
prejudicar outrem; em sentido objetivo (Treu und Glauben) ela corporiza-se numa regra de
conduta, a observar pelas pessoas no cumprimento das suas obrigações. Posteriormente,
assistiu-se a uma aplicação prática intensa de ambos os termos e a um enorme desenvolvimento
do segundo. Na linha possibilitada por uma Ciência Jurídica sensível às realidades e capaz –
através dos mecanismos da sistemática integrada – de alterar, em função delas, o próprio
sistema, a boa fé esteve na base de praticamente todas as inovações jurídicas verificadas, no
Direito Civil, nos últimos cem anos. No espaço jurídico português, a boa fé traduz os passos
acima esquematizados, com algumas adaptações. O Código de Seabra sofreu, como é conhecido,
o influxo do modelo napoleónico e da Ciência Jurídica francesa, embora com raízes profundas
na tradição românica nacional. No tocante à boa fé, isso traduziu-se, desde logo, na salvaguarda
do instituto, em aceção subjetiva. A objetiva – numa originalidade única – desapareceu pura e
simplesmente do texto do Código. Na verdade, o conhecimento havido de que a consagração
objetiva da boa fé, no texto napoleónico, não tivera quaisquer efeitos práticos recomendou,
naturalmente, a sua proscrição. A viragem cultural para a pandectística teve como efeito uma
redescoberta da boa fé objetiva; agora, no entanto, ela apresentava-se já como instituto
comprovado pelas múltiplas inovações que fora capaz de propiciar e não como mera referência
genérica. O Código Civil de 1966, neste seguimento evolutivo, veio pois:
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Num aparente paradoxo que só a natureza cultural do Direito permite explicar, pode assim
afirmar-se que o Código português foi o que mais longe levou as potencialidades históricas da
boa fé; para tanto, aproveitou as lições de História e de Ciência do Direito universal. O sentido
atual da voa fé exige, para ser referenciado em termos assumidos – uma vez que, subjacente,
está ela, por definição, a todos os passos jurídico-científicos – uma longa pesquisa que atente
em todos os sub institutos que a ela recorram e, ainda, nas diversas soluções que eles propiciem.
Algumas das conclusões assim obtidas podem ser sumariadas como segue. O Direito é uma
Ciência que se constitui na resolução de casos concretos. Porquanto Ciência, o Direito surge
sistemático por natureza. O sistema deve, porém, ser entendido em termos integrados –
portanto com um núcleo de princípios e uma periferia atuante, ambos interligados por vias de
sentido duplo – e com uma série de limitações originadas, entre outros aspetos, por lacunas e
por quebras ou contradições no seu seio. Apesar de tudo, há um sistema nas ordens jurídicas da
atualidade, traduzido pela preocupação científico-cultural de descobrir uma unidade figurativa
e ordenadora ou um fio condutor que reúna os diversos institutos que a História colocou nos
espaços jurídicos dos nossos dias. Esse sistema tem exigências que se mantêm, de modo
contínuo – ainda que com efeitos e configurações muito variáveis – nos diversos pontos onde o
Direito deve intervir. A boa fé tem justamente esse papel: ela traduz, até aos confins da periferia
jurídica, os valores fundamentais do sistema; e ela carreia, para o núcleo do sistema, as
necessidades e as soluções sentidas e encontradas naquela mesma periferia.
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A conceção ética postula a presença de deveres de cuidado e de indagação: por simples que
sejam, sempre que exigiria, ao agente, uma consideração elementar pelas posições dos outros.
A opção por uma ou por outra das duas conceções não deve ser feita de ânimo leve: ela é obra
de toda uma tradição científico-cultural, que não pode ser alijada. No Direito romano, a bona
fides subjetiva tinha a ver, apenas, com o conhecimento humano. Ela seria, então, puramente
psicológica. Mas no período intermédio, como reflexo, entre outros, do pensamento jurídico-
canónico, a boa fé enriqueceu-se com um contributo ético: apenas o desconhecimento não-
censurável seria relevante. No século XIX, particularmente por via dum certo regresso a um
romanismo mais primitivo, o problema voltou a colocar-se. Ficaria célebre uma polémica entre
Wächter e Bruns: o primeiro optando por uma conceção psicológica e, o segundo, por uma
conceção ética, no sentido acima referido. A posição ética de Bruns viria a prevalecer, estando
hoje consagrada nos ordenamentos alemão e italiano. Há três argumentos decisivos que
amparam essa opção:
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- a modificação dos contratos por alteração das circunstâncias – artigo 437.º, n.º1;
209
- a complexidade das obrigações – artigo 762.º, n.º 2.
Antes de fazer uma breve referência a estes institutos, cumpre sublinhar que nenhum deles
deriva da boa fé, em termos conceptuais: de resto, pela sua vaguidade, nem seria possível retirar
da boa fé seja o que for. Todos estes cinco institutos tiveram origens históricas diferentes,
concretizando-se, por várias vias, antes de se acolherem à boa fé. Apenas a reconstrução
possibilitada pela terceira sistemática levou a uma certa aproximação dogmática entre eles. A
culpa in contrahendo corresponde a uma descoberta de Rudolph von Jhering. No fundamental,
ela diz-nos que antes da formação do contrato, as partes já têm diversos deveres a respeitar e,
designadamente, deveres de proteção, de lealdade e de informação. Tais deveres visam
prevenir que, nessa fase pré-contratual, alguma das partes possa atingir a confiança da outra,
provocando-lhe danos. Além disso, eles recordam que a negociação contratual, embora livre,
não deve ser usada para fins danosos, alheios à finalidade em jogo: a de procurar a eventual
celebração dum contrato. A integração dos negócios desenvolveu-se a partir das regras de
interpretação negocial e, designadamente: quando elas tiveram de enfrentar uma especial
escassez de material expressamente subscrito pelas partes. Nessa eventualidade, o intérprete-
aplicador deverá ter e conta a lógica imanente ao negócio e as exigências substanciais do sistema,
de acordo com as expectativas que as partes tenham, legitimamente, depositado no processo.
O abuso do direito teve origem na jurisprudência francesa de meados do século XIX, embora
tenha sido retomado, em termos muito diversos, pelo pensamento jurídico alemão. Hoje, ele
agrupa diversas figuras; será objeto, de seguida, dum excurso autónomo. A modificação dos
contratos por alteração das circunstância surgiu nos comentadores do século XIII; sofreu, depois,
uma evolução atormentada até ser, já neste ´seculo, aproximada de boa fé. No fundamental,
este instituto permite, em certas condições, modificar ou resolver a contratos que, mercê de
alterações registadas após a sua conclusão, venham a assumir feições injustas para alguma das
partes. Trata-se dum instituto do Direito das obrigações, que recorda a materialidade do sistema
e a defesa das expectativas justificadas das partes. A complexidade das obrigações advém, ela
própria, da junção de dois institutos: a violação positiva do contrato, assente numa descoberta
de Staub, em 1902 a ideia de obrigação como uma estrutura complexa, desenvolvida nos
princípios do século XX por vários autores. Acolhida, no artigo 762.º, n.º2, sob a referência à boa
fé, a complexidade das obrigações promove, a propósito de cada vínculo, um conjunto de
deveres de proteção, de lealdade e de informação que asseguram, nesse nível, a tutela da
confiança das partes e do princípio que, em qualquer caso, prevalecem os interesses reais
protegidos do credor. Também este instituto pertence ao Direito das Obrigações. Os cinco
referidos institutos tornam-se incompatíveis e inaplicáveis sem a intervenção da Ciência do
Direito. Com efeito, eles lidam com conceitos indeterminados e com construções técnicas de
alguma complexidade. Todos eles têm origem na resolução de questões concretas e não,
propriamente, em desenvolvimentos teoréticos. Além disso, todos eles requerem uma
sindicância muito atenta da Ciência do Direito, com recurso a proposições firmes e pensadas: de
modo algum eles poderão propiciar um Direito assente no sentimento ou um mero decisionismo
imponderado. Em medidas diversas, em todos eles afloram dois princípios que – trata-se duma
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imagem científica auxiliar – atuam como fatores de mediação entre a boa fé e o instituto
considerado: o principio da confiança e o princípio da materialidade subjacente. Tais princípios
são induzidos das suas concretizações da boa fé e, depois, usados a consecução de novas 210
soluções.
- fora desses casos, ela releva quando os valores fundamentais da ordem jurídica e
surgem associados, por forte tradição românica, a uma regra objetiva da boa fé. Preconiza-se, a
propósito dessa tutela da confiança, no Direito positivo português vigente, a construção
seguinte:
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Um estudo apurado das previsões legais específicas que tutelem situações de confiança e das
consagrações jurisprudenciais dos institutos genéricos, onde tal tutela tenha lugar, permite
apontar os pressupostos da sua proteção jurídica. São eles: 211
1.º uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjetiva
e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore
estar a lesar posições alheias;
2.º uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objetivos
capazes de, em abstrato, provocarem uma crença plausível;
4.º a imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela
proteção dada ao confiante: tal pessoa, por ação ou omissão, terá dado lugar à entrega do
confiante em causa ou ao fator objetivo que a tanto conduziu.
A situação de confiança pode, em regra, ser expressa pela ideia de boa fé subjetiva: a posição
da pessoa que não adira à aparência ou que o faça com desrespeito de deveres de cuidado
merece menos proteção. A justificação da confiança requer que esta se tenha alicerçado em
elementos razoáveis, suscetíveis de provocar a adesão de uma pessoa normal. O investimento
de confiança exige que a pessoa a proteger tenha, de modo efetivo, desenvolvido toda uma
atuação baseada na própria confiança, atuação essa que não possa ser desfeita sem prejuízos
inadmissíveis; isto é: uma confiança puramente interior, que não desse lugar a comportamentos,
não requer proteção. A imputação da confiança implica a existência de um autor a quem se deva
a entrega confiante do tutelado. Ao proteger-se a confiança de uma pessoa vai-se, em regra,
onerar outra; isso implica que esta outra seja, de algum modo, a responsável pela situação criada.
Os quatro requisitos acima apontados devem ser entendidos e aplicados com duas precisões
importantes. As previsões específicas de confiança dispensam, por vezes, algum ou alguns dos
pressupostos referidos. Os requisitos para a proteção da confiança articulam-se entre si nos
termos de um sistema móvel. Isto é: não há, entre eles, uma hierarquia e não são, em absoluto,
indispensáveis: a falta de algum deles pode ser compensada pela intensidade especial que
assumam alguns – ou algum – dos restantes. A mobilidade, assim entendida, dos requisitos em
causa, ilustra-se, desde logo, com as situações acima sumariadas da aquisição pelo registo. A
tutela da confiança, genericamente dispensada pela boa fé, tem uma teleologia relevante para
se determinar o âmbito da proteção. À partida, podemos considerar a confiança como um
elemento imprescindível na manutenção do grupo social. Na sai falta, qualquer sociedade
humana se esboroa. Em termos interpessoais, a confiança instalada coloca os protagonistas à
mercê uns dos outros: o sujeito confiante abranda as suas defesas, ficando vulnerável.
Seguidamente, todos os investimentos, sejam eles económicos ou meramente pessoais,
postulam a credibilidade das situações: ninguém dá hoje, para receber (apenas) amanhã, se não
houver confiança nos intervenientes e nas situações. Por fim, a confiança e a sua tutela
correspondem a aspirações éticas elementares. A pessoa defraudada na sua confiança é, desde
logo, uma pessoa violentada na sua sensibilidade moral. Paralelamente, o agente que atinja a
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confiança alheia age contra um código ético imediato. A confiança torna-se um elemento
importante. O Direito não o pode ignorar: trata-se de um sujeito confiante pela mesma bitola
dispensada a um outro não confiante equivale a tratar o diferente de modo igual. Haveria, então, 212
uma violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º CRP. Podemos ir mais longe. O
princípio da igualdade implica a harmonia e a adequação do sistema no seu conjunto. Em jogo
estará, sempre, uma confiança conforme com o sistema. E assim sendo, encontraremos, na
tutela da confiança, um modo de concretização dos valores últimos do sistema.
- a idoneidade valorativa;
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normas e soluções. E inevitável uma certa perda de importância, por esta via. Mas à medida que
as sociedades se aperfeiçoem, o sistema torna-se mais exigente. Áreas antes a ele alheias
exigem, subitamente, soluções que o prolonguem. A boa fé, apelando para a primazia 213
subjacente da materialidade subjacente, está vocacionada para o fazer.
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