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MILITARISMO, CONSERVADORISMO E CRISTIANISMO

Antes de mais nada quero dizer que estou completamente ciente de que esse texto é
polêmico e de que, talvez, eu venha a me arrepender de fazê-lo, mas, ainda assim, vejo que o
momento é propício e que eu posso trazer a luz algumas coisas importantes para a reflexão.
Quando digo que o momento é propício me refiro à febre político-ideológica que
sobreveio os brasileiros repentinamente. Dentro dessa febre existe um sintoma peculiar que é a
glorificação do militarismo. A quantidade de alusão às forças armadas por parte de pessoas que
nem sequer tem alguma ligação com esse setor vem crescendo e isso por dois motivos básicos:
O primeiro motivo é a eminente disputa pela presidência da república na qual temos um
candidato capitão e seu vice, um general. O segundo motivo – ligado ao primeiro – diz respeito
ao principal conflito ideológico latente no país, isto é, o conflito entre conservadores e
progressistas. Nesse contexto os que fazem alusões e elogios mil aos militares estão, na verdade,
querendo exaltar valores que – segundo eles – são pregados e incentivados pelas instituições
militares. Com isso a ala conservadora vira quase que por consequência uma ala militarista,
belicosa e patriota nos termos institucionais.
Tendo feito esse panorama julgo ser necessário ressaltar algumas verdades, verdades as
quais permanecem ofuscadas hoje demonstrando que ideologias – de direita e de esquerda –
sempre tendem a obscurecer fatos e dados da realidade. As verdades que quero resgatar são
basicamente três, como segue:
1) As virtudes do militarismo não subsistem em si mesmo: Nesse ponto quero esclarecer que
as virtudes que os fãs do militarismo destacam (disciplina, honra, respeito hierárquico e
patriotismo) não tem sua natureza no próprio militarismo, do contrário teríamos de assumir
que o militarismo é o fundador de valores importantes como esses o que – em uma
perspectiva cristã – seria inaceitável por motivos que penso ser desnecessário argumentar.
Logo, toda boa dádiva presente nas instituições militares (veja, estou assumindo que elas
existem!) são virtudes de uma sociedade e contexto moral e espiritual mais amplo que os
difundiu. O militarismo dependendo do contexto histórico, social e moral pode ser
totalmente diferente do que é isso que o brasileiro tem passado a idolatrar hoje em dia. Não
nos esqueçamos que militares participaram de revoluções comunistas ao redor do mundo.
Não nos esqueçamos das divisões militares e policiais do nazismo que ajudaram na caça
antissemita e na imposição da ideologia ariana. Não nos esqueçamos do militarismo
imperialista japonês que ao invadir a china praticava decapitações públicas inclusive de
infantes. Não nos esqueçamos dos vários regimes militares facínoras que existem até hoje
na África e em outras partes do mundo, os quais mantém os mesmos valores citados acima.
Não nos esqueçamos também dos vários casos de abuso de autoridade militar aqui mesmo
no Brasil nos quais vários soldados sofrem abuso moral como se precisasses passar por
humilhações morais para provar a dignidade de servir a uma instituição para a qual foram
obrigados a se alistar. Ou seja, esses valores “do” militarismo não só não existem em si
mesmo como também não são suficientes para garantir de que sejam símbolos do
conservadorismo contra o progressivismo.
2) Militarismo e conservadorismo nem sempre se casam: Derivado do primeiro ponto, o fato
de que os valores do militarismo precisam ser criticados a luz de um contexto mais amplo,
fica óbvio que militarismo não é sinônimo de conservadorismo. Muitos são os exemplos nos
quais militares traíram a ordem social vigente com vistas a estabelecer a sua própria ordem
revolucionária. Paremos para pensar no golpe republicano de 1889 no qual a ala “intelectual”
e positivista do exército brasileiro atacou covardemente o sistema vigente, a monarquia
parlamentar constitucional, regida legitimamente (e com apoio popular) por nosso último
imperador, Dom Pedro II. Os militares eivados na ideologia positivista puseram fim à
estabilidade do governo então vigente e isso por motivos espúrios que nem caberia a
descrição aqui. O fato é que a partir dos governos revolucionários dos Marechais Deodoro e
Floriano Peixoto (mais desse do que daquele) se iniciou o que muitos chamam da república
da espada. Crueis perseguições aos monarquistas foram realizadas (sendo que os
republicanos eram livres para manifestar suas ideias no período monárquico) e muitos foram
mortos. Além disso, foi justamente pela fundação da república (por militares) que a
instabilidade política do Brasil ficou evidente. A quantidade de golpes, presidentes depostos,
impedidos, a quantidade de constituições, de intervenções, enfim, toda a agitação que o
Brasil experimentou de 1889 a 1946 foi causada por essa intervenção militar ilegítima contra
o Brasil império. Isso porque nem citamos a “Era Vargas” com seus golpes dentro de golpes,
todos ou apoiados por militares ou de militares contra militares. Em 1964 surgiu uma nova
intervenção militar e é esta que é mais ostensivamente defendida pelos neoconservadores
como se fosse ela a marca de uma resistência da moral cristã ocidental contra o avanço do
comunismo. Que fosse! O fato é que o comunismo (ou progressivismo) não nasceu no Brasil
só depois de 1985 quando os militares deixaram o poder. O chamado “marxismo cultural”
ou “gramscianismo” floresceu dentro do regime militar, o detonou de dentro pra fora e quase
que com apoio dos militares, pois enquanto o progressivismo crescia nas universidades e
outros órgãos, os militares – ocupados combatendo guerrilheiros no mato – só criavam novas
estatais para o aparelhamento desses gramscistas. Sendo assim, toda a glória da moral
“cristã” que reinava nas décadas de 1960 e 1970 no Brasil – se é que de fato reinou – não foi
por causa dos militares, mas apesar deles. Os militares não criaram os valores que puseram
em sua propaganda e na OSPB, só se aproveitaram de sua existência e ficaram vendo-a
escorrer feito areia pro entre os dedos. Tanto a linha dura como a “sorbonne” não souberam
lidar com o progressivismo e permitiram o seu florescimento que culminou nas diretas já e
na ascensão das velhas raposas que permanecem até hoje nos cargos públicos. O governo
militar parecia tão confuso no seu posicionamento que nos seus atos institucionais se
autoproclamava líder de uma “autêntica revolução”. Com esses dois pontos estabelecidos é
possível provar o seguinte: Militarismo não é sinônimo de valor moral nem de
conservadorismo. É possível ser um bom militar e ser degredado, revolucionário e imoral.
3) Militarismo não é sinônimo de espiritualidade cristã: Esse ponto é o que eu considero mais
latente e urgente de se combater. Ainda assim, acredito que só com os dois pontos anteriores
é possível provar o título desse terceiro ponto. Se o militarismo não é sinônimo dos valores
que os brasileiros tanto admiram ao ver desfiles e discursos militares, esse mesmo
militarismo (e “seus” valores) também não pode ser sinônimo de alguma evidência de
espiritualidade cristã. Ora, não eram oficiais militares os que crucificaram e mataram ao
nosso Senhor¿ Não são militares os que perseguiram e martirizaram os santos da Igreja¿ Não
são todos militares rígidos e disciplinados os que fazem funcionar órgãos de repressão em
países anticristãos¿ Não são militares os que matam os crentes em regimes totalitários ao
redor do mundo até hoje¿ Sim, de cara fica provado que militarismo não é sinônimo de fé
cristã. Obviamente o meu interlocutor dirá que jamais proferiu tal assertiva e que na verdade
sua admiração está nos valores e não na instituição necessariamente. Para essa reação eu
creio que os dois pontos anteriores são argumentação suficiente, mas ainda assim, eu
pergunto: A admiração desses valores precisa ser demonstrada através da continência e
reverência aos militares¿ É necessário essa espécie de atalho para valorizar tais
características¿ Eu, pessoalmente, acredito firmemente que não! Não precisamos de atalhos
para valorizar a disciplina, precisamos do fruto do Espírito (Gl 5:22). Não precisamos de
atalhos para valorizar a honra, precisamos ser imitadores de Deus (Mt 15:4, Jo 5:23, Rm
13:7, 1Sm 2:30). Não precisamos de atalhos para valorizar o respeito hierárquico e a
autoridade, precisamos de uma cosmovisão cristã acerca de Deus e do Estado (Rm 13, Tt
3:1, 1Pe 2:13-14, 2Pe 2:10, Jd 1:8). Ou seja, se a intenção dessas pessoas é de fato exaltar
os valores, exaltem antes de tudo a fonte deles. Não deixem que coisas criadas – como diz
Paulo aos Romanos – tomem o lugar do criador. Não deixem que o pálido reflexo dos valores
divinos presentes na criação roube toda a sua admiração. Não é pecado admirar-se dos
desfiles militares, ou regozijar-se por tê-los como nossa defesa nacional, afinal, foram
criados para isso e sua autoridade provém de Deus. Entretanto, precisamos ter em mente que
toda ordem existente no militarismo (novamente, estou assumindo que há coisas boas sim!)
existe pela graça comum de Deus. Nós Cristãos, contudo, somos portadores da graça
especial, não precisamos desse intermédio. Não é a forma correta de expressar nosso viver
diante do mundo. Os descrentes sim se apegam a essas coisas incompletas por não ter acesso
ao âmago dos valores.
Com isso creio estar provado que o militarismo não é sinônimo de conservadorismo
nem de cristianismo. Sendo assim, essa febre militar de hoje revela-se como uma atitude
ideológica e reacionária contra o progressivismo latente em nossa sociedade. O progressivismo
de fato deve ser combatido, contudo, esse combate deveria se dar tendo como ponto de partida
essas duas verdades:
“Porque nossa luta não é contra o sangue e a carne e sim contra os principados e
potestades, conta dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas
regiões celestes” Ef 6:12;
“Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo,
os meus ministros de empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas
agora meu reino não é daqui.” João 18
Portanto, ao desejar enfatizar valores da moral cristã e do conservadorismo clássico,
pensemos; o militarismo não é o meio apropriado para isso, pois o reino de Cristo não é aqui,
nossa luta não se dá contra as pessoas progressistas, mas contra as ideias malignas que pregam
e que, sabemos, provém de regiões mais altas e que não podem ser combatidas com mera
argumentação pró-político, pró-partido, pró-ideologia e pró-militarismo. Apesar de que essas
coisas podem ser feitas, o que precisamos mesmo é ser pró-Jesus. Espero que esse meu texto
possa ser interpretado da forma mais positiva e construtiva possível e que eventuais
discordâncias possam ser tratadas com respeito.
Diego Montenegro,
19 de setembro de 2018.

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