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Revista de Psicologia
TERAPÊUTICO EM PACIENTES COM
Vol. 15, Nº. 23, Ano 2012
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
RESUMO
Juliana Tofaneli Mello
Universidade de São Paulo - USP Este trabalho se propõe a apresentar as funções do Acompanhamento
julianatofaneli@gmail.com Terapêutico, que historicamente era conhecido como Atendente
Psiquiátrico, e visa a ajudar pacientes cujas terapias clássicas nem
sempre são eficientes. Neste relato serão apresentados dois casos,
Ana Rita Bruni descritos ao longo do artigo, cujos diagnósticos fazem parte dos
Universidade Federal de São Paulo Transtornos do Espectro Autista (TEA), sendo um caso de Síndrome de
EPM / Unifesp Asperger, caracterizado por um prejuízo severo e persistente na
anabruni@uol.com.br interação social, padrões restritos e repetitivos de comportamento,
interesses e atividades. O outro caso, diagnosticado como Transtorno
do Espectro Autista Sem Outra Especificação (TEA-SOE), caracterizado
por um prejuízo severo e invasivo no desenvolvimento da interação
social recíproca ou de habilidades de comunicação verbal ou não-
verbal, com interesses e atividades estereotipados, mas que não
preenchem critérios para um transtorno específico. O objetivo é
compará-los mostrando o quanto a função do acompanhante
terapêutico pode ser a mesma em sua essência, mesmo em situações
distintas.
ABSTRACT
1. INTRODUÇÃO
Uma modalidade clínica, praticada por Donald Winnicott (1948), pode ser
utilizada pelo AT como forma de intervenção. O placement, explicado por Safra (2006), tem
o objetivo de colocar o indivíduo em uma situação que responda às suas necessidades
para que possa, assim, ser acompanhado. Winnicott (1948) afirma que o valor dessa
clínica pode proporcionar ao paciente um lugar no qual ele será cuidado, sem estar
degenerando em um hospital ou em suas casas. A partir disso, o presente artigo ilustrará
através de dois casos a função que o profissional exerce no trabalho de Acompanhamento
Terapêutico. Em relação às funções do Acompanhamento Terapêutico, este tem uma visão
privilegiada do paciente, por isso pode trazer informações precisas e valiosas para a
equipe (SANTOS; MOTTA; DUTRA, 2005). É uma modalidade de atendimento clínico
necessária para contemplar o sofrimento na atualidade. O AT oferece fundamentalmente
a seu paciente um lugar (SAFRA, 2006).
De acordo com Mauer e Resnizky (2003) existem oito principais funções do AT:
Contenção, o AT oferece suporte, acompanha e ampara o paciente em sua angústia, seus
medos, sua desesperança. De acordo com o conceito Winnicottiano de holding (que pode
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ser traduzido livremente como “contenção”), Barretto (2005) o define como tudo aquilo
que, no ambiente, fornece continuidade, constância tanto física como psíquica.
Referência, o AT é um modelo de identificação para o paciente. Ele opera como um
organizador psíquico, pois o ajuda a desenvolver diferentes modos de agir e reagir frente
à vida cotidiana. Reinvestimento, onde assume por alguns momentos o “Ego do
paciente” que, devido à sua fragilidade, ainda não é capaz de tomar certas decisões por si
mesmo. Ou seja, o AT atua como um organizador psíquico, já que o paciente se encontra
mais vulnerável. Criatividade, ao longo do processo, o AT irá promover o aparecimento
de áreas mais organizadas da personalidade do paciente. Vai ajudá-lo a se reencontrar
com a realidade, a liberar a capacidade criativa que está inibida. Novo olhar de mundo
objetivo, devido ao contato cotidiano com o paciente, o AT irá dispor de muitas
informações sobre seu modo de pensar em diferentes campos. Ser o porta-voz desse mapa
ampliado permitirá alcançar um olhar integral do paciente. Espaço para pensar, o AT se
inclui entre as atividades terapêuticas do paciente e o faz com disposição dialógica, ou
seja, funciona como seu “intérprete”. O espaço discursivo, que se forma a partir do
vínculo, abre as fronteiras do intercâmbio comunicativo do paciente. Orientação de
espaço, um paciente perturbado psiquicamente se encontra perdido em um espaço social,
sofre uma significativa desconexão com o mundo. O AT tem como função diminuir essa
barreira, facilitando o reencontro com a realidade externa. Intervenção familiar, além das
funções com o próprio paciente, o AT também ajuda a atenuar as interferências que
acabam ocorrendo na relação familiar. O AT surge como uma ponte, a qual ajuda a filtrar
as informações de forma que a família consiga se comunicar novamente.
2. MÉTODO
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Caso 1
A paciente M. foi adotada aos cinco dias de vida. A mãe adotiva (G.) havia acabado de
perder sua filha biológica devido a um aborto espontâneo. No próprio hospital onde ela
estava internada, se recuperando do aborto sofrido, soube de uma mulher que havia
abandonado um bebê então resolveu levar M. para casa e iniciar o processo formal de
adoção. Segundo G., a filha sempre soube que era adotada. Ela e seu marido contaram
quando a menina tinha aproximadamente cinco anos, pois acharam que esta seria uma
idade na qual ela já pudesse entender o que isso significava. Nessa mesma época, M.
começou a frequentar a escola e apresentar algumas características diferentes das outras
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A mãe adotiva G. conta que M., aos sete anos, pedia uma irmã, então ela e seu
marido resolveram adotar mais uma menina. J. foi adotada com aproximadamente um
ano de idade e teve um desenvolvimento normal, tornou-se uma menina inteligente,
responsável e dedicada na escola, o que provoca alguns conflitos na família como, por
exemplo, falar na frente de M. que a irmã é uma filha exemplar. Atualmente J. tem nove
anos. Aos sete anos, M. foi diagnosticada com Transtorno de Déficit de Aprendizagem e
Hiperatividade (TDAH) e foi medicada. Seu comportamento melhorou, porém ainda
apresentava dificuldades na aprendizagem. Aos doze anos de idade M. teve uma crise
alucinatória na qual ouvia uma voz dizendo que ia matá-la. Foi então que a família
procurou ajuda psiquiátrica e M. foi medicada.
A contenção que a AT deu para ela no momento, foi simplesmente ouvir seu
desabafo e participar de suas atitudes infantilizadas. Todas as sessões M. queria fazer
“baile” (sic), ou seja, dançar como fada as músicas da Xuxa (com direito a varinha de
condão e coroa na cabeça). Isso para ela era como se libertar de todo o estresse e pressão
que sofria ao seu redor.
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Com o vínculo já estabelecido, M. começou a usar a AT como referência. Imitava seu jeito
de vestir com bota de cano longo e queria pintar as unhas da mesma cor de esmalte.
Todas as sessões M. queria tomar lanche: comiam algum bolo ou torrada com
patê. M. derrubava tudo e falava de boca cheia. Além disso, quando ia ao banheiro, não
fechava a porta e parecia não se importar com a situação. A AT ajudava M. a “reinvestir”
esse comportamento e dar um novo olhar de mundo objetivo a paciente, indicando o que
ela deveria fazer, como por exemplo, pegar o guardanapo ou fechar a porta do banheiro
enquanto estivesse lá. Os atendimentos passaram a acontecer duas vezes por semana e
logo M. voltou à escola. Foi matriculada em um colégio que aceita inclusão de alunos de
vários diagnósticos, no qual foi alocada em uma sala dita como “alternativa” (a escola
explica que é uma sala com poucos alunos e currículo adaptado).
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dentro de uma hora de sessão. Além disso, parecia ter dificuldade em esperar, perdendo a
paciência quando sabia que algo ia demorar.
Caso 2
A paciente L. tem cinco anos e é filha única de uma relação estável. Seus pais nunca
perceberam um comportamento diferente, porém foram procurar ajuda médica quando a
escola em que estuda percebeu movimentos autísticos na menina e isolamento social.
Segundo informações colhidas pelas profissionais envolvidas no caso (uma psicóloga
comportamental e uma psicopedagoga), R., a mãe de L., soube do diagnóstico da filha
através de uma avaliação psiquiátrica e se surpreendeu que, as semelhanças de
comportamento de pai e filha se dão devido ao mesmo diagnóstico.
Foi relatado às profissionais que o pai de L., quando criança, tinha movimentos
repetitivos com as mãos e alguns comportamentos estereotipados, porém nunca
identificados pela família como algo atípico. Como a menina também apresentava esses
comportamentos, a família não se preocupou, já que esse padrão ocorrera anteriormente
sem alarde. Entretanto, sabe-se que há níveis de comprometimento de um transtorno, e
que o pai de L. deve ter sido bem estimulado a ponto de conseguir conviver socialmente,
ter um emprego e construir uma família sem que ninguém percebesse nada diferente (no
caso de Síndrome de Asperger). Tanto que, quando L. foi diagnosticada, mais ou menos
aos quatro anos de idade, houve um grande susto, pois descobriam que o pai também se
enquadra no espectro autista.
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limitações). O trabalho de AT neste caso foi requerido na escola para que essas
intervenções surtissem maior efeito, já que L. estuda período integral e está em processo
de alfabetização. L. teve uma AT por mais ou menos seis meses indo três vezes por
semana na escola, porém trabalho não deu certo devido à falta de multidisciplinaridade
da profissional. Outra AT foi indicada ao caso, já com o intuito de seguir orientações dos
profissionais envolvidos primeiramente no caso. O trabalho é realizado todos os dias da
semana, durante mais ou menos cinco horas por dia.
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na escola. Para que L. não se desorganize – já que uma mudança em sua rotina pode
causar grandes acontecimentos – a AT a orienta com relação ao seu espaço social
antecipando suas atividades. Às vezes, dependendo do seu humor no dia, essa atitude é
um desastre, porém na maioria das vezes funciona como um estímulo, pois sempre lhe é
explicado com detalhes o que está por vir.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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feito por poucas horas semanais. Este empresta seu ego àquela pessoa que busca estrutura
e isso pode ser, na maioria das vezes, desgastante para o profissional.
Já o trabalho com M. é realizado por duas horas semanais em sua casa, sem que
isso seja motivo de depreciação. As primeiras sessões com M. foram tão intensas a ponto
de haver o que Melanie Klein (1946) chamou de identificação projetiva, ou seja, o paciente
projeta no Acompanhante Terapêutico sentimentos, e o Acompanhante Terapêutico fica
identificado com tais emoções. Com isso, o profissional acaba sentindo esse sentimento
como se fosse próprio. O comportamento desorganizado de M. acabou sendo sentido pela
própria Acompanhante Terapêutica ao final das sessões e isso foi fundamental para que
houvesse um primeiro objetivo do trabalho. Nenhuma abordagem específica é utilizada,
porém pode-se considerar que interpretações psicanalíticas são feitas através de sua
história de vida e situações pontuais.
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