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os

MISTÉRIOS
DA
INFLAÇÃO
Idéias e propostas
discutidas em VISÃO
Artigos de Henry Maksoud
e entrevistas com:
Francisco Lafaiete Lopes •
Octavio Gouvêa de Bulhões • André Lara Resende •
Sérgio Quintela • Marcílio Marques Moreira •
Paulo Rabello de Castro • Carlos Brandão •
Edmar Bacha • Carlos Geraldo Langoni •
Alberto Benegas Lynch • Mário Henrique Simonsen •
Antônio Dias Leite • João Pedro Gouvêa Vieira

São Paulo
Editora Visão Ltda.
1986
Este livro ou parte SUMÁRIO
dele não pode ser reproduzido
por qualquer meio sem
autorização escrita
do Editor.

Apresentação 7

Ficha catalográfica preparada pelo Abertura 19


Setor de Documentação da Editora Visão:
Os mistérios da inflação 21

Entrevistas 25
Os mistérios da inflação: idéias e propostas discutidas em Visão.
M678 SãO' Paulo, Visão, 1986.
12lp.
I- Francisco Lafaiete Lopes 27
II- Octavio Gouvêa de Bulhões 36
III- André Lara Resende 40
IV- Sérgio Quintela 44
V- Marcílio· Marques Moreira 49
I. Inflação I. Maksoud, Henry, ed. II. Lopes, Francisco Lafaiete III.
Bulhões, Oétavio Gouvêa de IV. Resende, André Lara V. Quintela, Sér- VI- Paulo Rabello de Castro 55
gio VI. Moreira, Marcílio Marques VII. Castro, Paulo Rabello de VIII. VII- Carlos Brandão 63
Brandão, Carlos IX. Bacha, Edmar X. Langoni, Carlos Geraldo XI.
Lynch, Alberto Berregas XII. Simonsen, Mário Henrique XIII. Leite, VIII- Edmar Bacha 69
Antônio Dias XIV. Vieira, João Pedro Gouvêa. IX- Carlos Geraldo Langoni 75
CDD-332.41
X- Alberto Benegas Lynch 79
XI- Mário Henrique Simonsen 84
XII- Antônio Dias Leite 89
XIII- João Pedro Gouvêa Vieira 94
EDITORA VISÃO LTDA.
Rua Afonso Celso, 243
04119- São Paulo - SP Artigos de Henry Maksoud 101
Brasil
O que é a inflação? 103
Os mitos e a indigestão inflacionária 107
O monetarismo keynesiano-estruturalista 111
1986
Impresso no Brasil De quanto dinheiro precisamos? 115
Printed in Brasil O remédio constitucional para as endernias
econômicas 119
.....,.. '

i • i'
e tanto ver proliferar interpretações desencontradas
D sobre o que causa a inflação e como acabar com ela,
VISÃO lançou-se a campo objetivando esclarecer a ques-
tão. Num trabalho coordenado pelo editor de Economia,
Antônio Tofaneto, foram ouvidos especialistas de diferen-
tes áreas de atividade, segundo um ternário básico, em en-
trevistas individuais, em que cada qual teve oportunidade
de analisar a fundo a inflação e sugerir a maneira que julga
ser a mais eficiente de acabar com ela.
Participaram do debate o professor Francisco Lafaiete
Lopes (edição de 17-7-85), Octavio Gouvêa de Bulhões (31-
7-85), André Lara Resende (7-8-85), Sérgio Quintela (14-8-
85), Marcílio Marques Moreira (21-8-85), Paulo Rabello de
Castro (4-9-85), Carlos Brandão (11-9-85), Edmar Bacha
(18-9-85), Carlos Geraldo Langoni (25-9-85), Alberto Be-
negas Lynch (2-10-85), Mário Henrique Simonsen (9-10-
85), Antônio Dias Leite (16-10-85) e João Pedro Gouvêa
Vieira (23-1 0-85).
Embora cada um dos entrevistados tenha identificado
diferentes focos de pressão inflacionária, envolvendo a po-
lítica econômica, a política monetária, o endividamento in-
terno e externo, VISÃO entende que a verdadeira causa da
inflação precisa ser explicitada com todas as letras: ela de-
corre da emissão de dinheiro e títulos, efetuada para finan-
ciar de forma inflacionária o déficit público, e que faz com
que os meios de pagamento cresçam mais do que o produto
nacional. Ou seja, o Governo "fabrica" dinheiro sem las-
tro para tapar o buraco que surge por gastar acima de sua
receita, em vez de cortar despesas.
E a partir dessa emissão inflacionária, a verdadeira cau-

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sa da inflação, segue-se uma série de artifícios econômicos so, VISÃO deixa claro que a caUsa da inflação são as emis-
que mascaram a causa e foram abordados pelos entrevista- sões de dinheiro e dá, a seguir, um resumo das propostas
dos, quais sejam: a indexação (que acaba determinando dos entrevistados.
um valor nominal e outro real para a moeda); o controle de
preços (que comprime as margens de lucro dos setores atin- Francisco Lafaiete Lopes - O professor defende a aplica-
gidos e distorce os sinais de oferta e demanda do mercado); ção do chamado "choque heterodoxo" da inflação, que
o uso indevido do compulsório dos bancos (distorcendo o consiste, basicamente, num realinhamento geral dos pre-
mecanismo de regulação de liquidez que deveria ser objeti- ços (para que cheguem a seus níveis reais) e de salários, se-
vo do instrumento de open market); o endividamento ex- guido de um congelamento de preços e salários e de uma
terno excessivo (cujo custo descapitaliza o país); o endivi- reforma monetária, criando-se uma nova moeda (o cruza-
damel).to interno também excessivo (sugando recursos do do) à razão de 1.000 cruzeiros por cruzado. Sua justificati-
mercado, pressionando a taxa de juros e gerando aplica- va: "Toda inflação crônica é predominantemente inerciai.
ções especulativas em lugar das produtivas); o aumento da Ao nível de 200117o ela já não responde ao tratamento orto-
tributação (sugando mais recursos produtivos do doxo (cortes no déficit público e não-emissão de moeda);
mercado); políticas de achatamento de salários e controle se ele for gradual, ficamos no mesmo patamar até que o
de ganhos; programas subsidiados de crédito, etc. Resulta- próximo choque (como o de salários) o empurre para cima;
do: quanto mais artifícios, mais distorções que causam ou- se for abrupto, caímos numa profunda recessão e acaba-
tras distorções em detrimento do livre mercado. mos matando a economia. Se não fizermos nada, caminha-
Mas o pior efeito da inflação que o Governo gera, con- mos para a hiperinflação. Com a adoção de um plano de
forme tem sido denunciado por VISÃO, é a reação equivo- estabilização, a moeda má é expulsa do mercado e a nova
cada que se estabeleceu em todos os segmentos da econo- moeda nasce forte e confiável". Francisco Lafaiete Lopes
mia, envolvendo trabalhadores de todos os níveis e empre- chegou a apresentar a sua proposta ao presidente Tancredo
sários: em vez de exigir que o Governo acabe com a infla- Neves e o plano argentino inspirou-se no choque heterodo-
ção (equilibre receita e despesa, parando de emitir), todos xo que defende.
buscam mecanismos de defesa mais eficientes para prote-
ger-se da inflação. Vale dizer, procuram conviver com a in- Octavio Gouvêa de Bulhões - O professor defende a ex-
flação, tentando encurtar a velocidade de reajuste de pre- tinção da correção monetária, dos subsídios, e uma políti-
ços e salários, fazendo aplicações especulativas, etc. Dois ca "que assegure a supressão de desequilíbrios orçamentá-
absurdos ilustram isso: rios, garanta a disciplina monetária, favoreça um clima de
1?) A elevação dos índices de preços passou a ser enten- progresso". Embora defenda o "choque ortodoxo", Bu-
dida como causa e não como conseqüência da inflação. E lhões recebe como inovadora a proposição de Lopes.
os reajustes de preços nominais (para manter o preço real "Conseguindo o alinhamento dos preços, ou seja, a eficá-
das mercadorias) passou a ser confundido com as oscila- cia da relatividade dos preços, seria obtida a estabilidade
ções de preços decorrentes da lei da oferta e procura. do nível dos preços e, portanto, se tornaria desnecessária a
2?) As pessoas que buscam aplicações indexadas para correção monetária. Nessas condições, o déficit público
manter o valor real de sua poupança passaram a confundir deixaria de crescer, pois seu aumento de exercício para
a simples correção monetária do seu capital com ganho exercício advém da incorporação da inflação passada na
real, reclamando quando as taxas de correção diminuem estimativa dos dispêndios futuros ... " Bulhões defende
(quando a inflação é menor), pois confundem ganho nomi- também a capitalização das empresas, estimulando, por
nal com ganho real, o qual consiste apenas da parcela de exemplo, a subscrição de ações novas com recursos do
juros, não da correção monetária. PIS, inclusive das empresas estatais, e cita a Companhia
Como clarear as mentes e evitar tais confusões? Para is- Vale do Rio Doce como exemplo a ser seguido. "O realce é

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necessário pelo fato de ser de suma importância diminuir o mente as estatais que não estão desempenhando nenhuma
débito das empresas estatais, como meio de reduzir o défi- função. Também acha fundamental recriar a Federação,
cit público." transferindo aos Estados e municípios a maior parte possí-
vel da arrecadação tributária, acompanhada das necessá-
André Lara Resende- O professor afirma que "a infla- rias transferências de obrigações. Quanto à carga tributá-
ção brasileira pode ser absolutamente eliminada em menos ria, é enfático: "Surpreendo-me quando vejo economistas
respe~táveis afirmarem que a carga tributária vem caindo;
de três meses, com medidas coerentes e sérias de redução
do déficit público e, conseqüentemente, com menos emis- só se Isso ocorreu por causa da recessão. Como empresário
são sem lastro. Isso se consegue com medidas efetivas e e como cidadão, garanto que pago mais impostos e taxas
não apenas com declarações de intenção. Primeiro, isso hoje do que pagava há dois ou três anos, seja de ICM, IR,
passaria por redução de gastos públicos e reforma fiscal. ISS, IPTU, Previdência, etc. Não conheço um único im-
Depois, viria a reforma monetária, com a introdução da posto que tenha sido reduzido".
moeda indexada, para desindexar a economia e eliminar o
problema da inércia da inflação". Para Lara Resende, Marcílio Marques Moreira - O professor e banqueiro dis-
controlar o déficit público não tem mistério algum: "Re- corda de políticas de "choque". "As experiências históri-
dução de despesa é redução de despesa e pronto. Agora, is- cas e recentes dos países industrializados mostram que,
to tem certos custos políticos. Quer dizer, você precisa re- quando se combate a inflação de forma decidida e com cre-
duzir gastos de custeio, reduzir pessoal, com efeitos sobre dibilidade, ela cai mais depressa do que se imagina.'' Nessa
o emprego e a produção". E, quanto a desindexar a econo- linha, propõe uma política monetária neutra ou ligeira-
mia, Lara Resende propõe a introdução de uma moeda in- mente restritiva, a retirada do elemento realimentador da
dexada em relação ao cruzeiro, que batizou de "cruzeiro- indexação, para que a correção monetária "deixe de ser
ouro", valendo um décimo de ORTN. "O uso da nova unicamente um 'espelho retrovisor' ... O problema é a mo-
moeda, quer como instrumento de troca, quer como uni- netarização dos instrumentos financeiros de curto e curtís-
dade de conta, seria inteiramente facultativo. É óbvio, po- simo prazo, até do overnight. Ou seja, papéis de médio ou
rém, que a nova moeda rapidamente expulsaria o cruzeiro longo prazo não deveriam ser usados para operações de
de circulação e, assim, o sistema brasileiro de indexação curto prazo e os de curto prazo não deveriam ser indexa-
morreria de morte natural, por falta de referencial." dos". No caso das relações com o exterior, Moreira enten-
de que "deveríamos examinar a vinculação do cruzeiro ao
Sérgio Quintela - O empresário acredita que a inflação dólar, tanto do comércio como da dívida. Deveríamos di-
pode ser debelada rapidamente. "Mas para isso é preciso versificar e, desde já, trabalhar com o marco, o iene, o
negociar a dívida externa de forma a viabilizar o desejo do franco ... Temos fluxos comerciais que viabilizam isso. No
país de honrar os compromissos sem exportar capital, con- caso da dívida externa, o Brasil passaria, por exemplo, a
ter de fato o déficit público, acabar com os subsídios e ter dever aos bancos alemães em marco e não em dólar''.
uma economia de mercado eficiente, mais aberta à compe-
tição internacional.'' Quintela diz que precisamos de uma Paulo Rabello de Castro - O professor diz que o Estado- •
folga cambial, no período de reajustamento da economia, empresário é a causa da inflação. "A inflação deriva do
o que traria dois efeitos principais: "Primeiro, reduziria as desperdício no uso dos recursos reais postos à disposição
taxas internas de juro e, conseqüentemente, aliviaria até o da sociedade. O Governo, em vez de ser o organizador,
déficit público; segundo, liberaria mais as importações, o coordenador e fiscalizador das ações sociais, passou a ope~
que provocaria queda da inflação por meio do maior grau rar como empresário, numa subversão constitucional dos
de concorrência da indústria, serviços e produtos agríco- poderes. Através da inflação, ele subverte o sistema de pre-
las". E para reduzir o déficit propõe fechar pura e simples- ços; através de um monstruoso déficit público, gera uma

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expansão monetária explosiva e desequilibra totalmente a porque a doença acabou. As taxas de juro descem, acaba a
economia. E acaba por destruir a moeda ao não fixar recei- confusão da especulação financeira. A economia entrará na
tas e tarifas em cruzeiros reais.'' Rabello de Castro propõe normalidade, como em qualquer país desenvolvido, com a
que o Governo volte a seu papel, que as empresas estatais inflação ficando entre 4% e 6% ao ano." Brandão defende
sejam desvinculadas do sistema de poder; que o Governo a redução do compulsório a um nível de 17,507o e insis_te em
desoficialize o uso da correção monetária em contrato in- que se pare com a dívida interna, "que_já é de 5~ tnlhões
ferior a um ano, que facilite o uso de papéis prefixados, de cruzeiros e se não se colocar ordem msso em dms anos se-
pois, "quando o sistema funciona com taxas pós-fixadas, rá igual à externa; o setor público vai desorganizar toda a
ele fica preguiçoso em descobrir qual a inflação do futuro, economia brasileira, expulsando o setor privado".
porque tudo está coberto, qualquer que seja a inflação,
Edmar Bacha - O professor entende que "o grande pro-
por causa da correção monetá~ia ... "; prega uma ~ref?rma
tributária, descentralizando o Sistema e as competencias, o blema de pôr em prática um tratamento de choque para
imposto progressivo sobre a terra ociosa ("que seria uma acabar com a inflação é que a proposta exige um consenso
verdadeira reforma agrária"). Quanto ao controle de pre- político que, aparentemente, ainda nã~ existe no país".
ços, afirma: "Não podemos controlar o rio no estl!ário: re- Bacha afirma que "não podemos abstrau do contexto po-
presa se faz na fonte. Na formação de preços, os msumos, lítico e social a nossa aprovação ou não de uma proposta
energia, etc. estão nas mãos do Governo e seu ~usto é aso: do tipo 'choque heterodoxo' da inflação, que, para sua im-
ma da ineficiência". E, quanto ao déficit púbhco, conclm plementação e sucesso, exige um grau de aceitação, uma
Rabello de Castro: "No dia em que o Governo perguntar concertação (com c) política que está difícil de ser executa-
qual o valor econômico e social de cada burocrata e de ca- da neste período prenhe de eleições e de indefinições políti-
da prego usado ... acabou o déficit ... ". co-partidárias que vão até a Constituinte". A. seu ver, o
grosso do déficit público é nominal "e um Importante
componente dele é juro real a taxas absurdas de 20% a
Carlos Brandão - Um dos responsáveis pela criação do 25% da dívida interna, contra 7% da dívi~a extern<l;. Se a
open market no Brasil e ex-presidente do Banco Central, o gente tivesse condições, através de mecamsmos vanados,
professor Carlos Brandão é enfático: "A inflação brasilei- de fazer essa substituição, o Governo diminuiria de 25%
ra tem origem no descontrole do setor público, que gasta para 8% o que paga de juro pela dívida interna. _É deixar
mais do que pode porque é ineficiente e irresponsável. O de pagar dois terços de juros na dívida de 330 tnlhões _de
déficit do setor público é pago dramaticamente pela socie- cruzeiros". Por isso entende que é possível combater a m-
dade com emissões de moeda e títulos". Brandão diz que
'
a emissão normal não inflaciona. "O mal vem da emissão. flação por caminhos que passam pela contenção do déficit,
da dívida interna e dos juros reais e da renegociação exter-
de moeda para cobrir o déficit do setor público, porque es- na. "As projeções do 1? PND indicam que, se a emissão
ta permanece na economia, aumentando os haveres finan- monetária acompanhar a inflação, se a dívida pública ex-
ceiros do país, fazendo crescer os depósitos à vista~ a pra- pandir-se a taxa não maior que o crescimento de 6% do
zo e a capacidade de comprar. Isso tudo, sendo maiOr que PIB e o Governo conter em 3% a taxa de crescimento do
o crescimento do produto, inflaciona." Brandão entende seu gasto, podemos colocar a casa em ordem. E isso é pos-
que o Governo tem de controlar seu déficit desinchando a sível de ser feito em 1986 e em 1987."
máquina estatal. "Se for cortada drasticamente a emissão
inflacionária, é óbvio que as empresas que provocaram a Carlos Geraldo Langoni - O professor, ex-presidente do
pressão, gerando o déficit, ou se ajustariam r~pidament~ Banco Central, diz que "temos déficit público crônico e
ou fechariam as portas, tudo de forma automática. Havera com tendência crescente, cada vez mais financiado pela ex-
desemprego e uma série de conseqüências recessivas, mas pansão monetária ... A aceleração monetária sanciona as
tudo num período curto. Depois a economia fica saudável,
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Mário Henrique Simonsen - O professor e ex-ministro é
expectativas de mais inflação no futuro ... Um caminho ex- categórico: "Para zerar a inflação num curto espaço de
tremamente eficiente para eliminar ou reduzir substancial- tempo, até o fim de 1986, por exemplo, é preciso: a) sin-
mente o déficit é o Congresso Nacional proibir a emissão cronizar o combate ao déficit público, de forma a não te1
indiscriminada de moeda para cobrir o excesso de dispên-
dio do setor público, outorgando autonomia ao Banco de fazer emissão de moeda ou títulos nesse volume atual,
Central para impor a disciplina monetária". Segundo Lan- b) estabelecer a 'ORTnização' pelas médias (referenciar em
goni, assim acabaria o "automatismo da expansão mone- ORTN os preços e salários pela média de um período); c)
tária para cobrir os subsídios explícitos da conta petróleo e então, sim, fazer uma reforma monetária". Segundo Si-
do trigo, o déficit da Previdência e o serviço da dívida das monsen, isso permitiria ter inflação anual de um dígito.
empresas estatais. A partir desse momento (a proibição de Outra decisão que contribuiria para chegar a esse resultado
emissão), esses déficits terão de ser forçosamente elimina- é uma menor transferência de recursos para o exterior, o
dos ou então cobertos por fontes conhecidas de recursos que, de acordo com o ex-ministro da Fazenda, exigiria ne-
fiscais". O ex-presidente do Banco Central lembra a estra- gociar em fóruns internacionais de modo a fixar um limite
tégia argentina de "eliminar os focos primários de inflação de 2507o da receita de exportações, contra os atuais 40%.
e, em seguida, acabar com os mecanismos de realimenta- "Esse nível de transferências é insustentável a longo prazo;
ção através de reajustes automáticos de salários e preços. reduzir esse percentual até 25% significará estímulo ao de-
Na realidade, o público argentino somente acreditou no senvolvimento econômico interno, o que, por sua vez, vai
congelamento de preços e salários porque ele foi acompa- expandir a exportação e, então, possibilitar o pagamento
nhado pela proibição, por lei, de o Banco Central emitir da dívida sem estrangulamentos."
moeda para financiar o déficit público ... ".
Antônio Dias Leite - O professor está convicto de que
Alberto Benegas Lynch- O professor da Universidade de ''temos de abandonar o processo gradualista de controle
Buenos Aires vê com reservas a política monetária posta da inflação e partir para um tratamento de choque. A mi-
em prática na Argentina. Acha positivo o Governo ter re- nha proposta envolve, obviamente, o controle do déficit
conhecido sua responsabilidade pela inflação, bem como é do setor público e das emissões para cobri-lo atacando as
positiva a proibição de o Banco Central emitir para cobrir causas: encargos da dívida interna e externa; redução da
o déficit, só sendo permitidas emissões contra a entrada de dívida interna resgatando as ORTNs em circulação via re-
dólares, esterilizando-se contra a saída de dólares. Mas cri- cursos tributários e pela troca de ações de estatais privati-
tica o congelamento de preços, os novos gravames tributá- záveis; corte seletivo nas estatais; fim da indexação de títu-
rios impostos e o aumento do endividamento, "o que pos- los de curto prazo, etc.". Dias Leite propõe uma tributa-
terga as emissões adicionais que serão suscitadas no mo- ção única, e de uma só vez, sobre o património acima de
mento do vencimento dos juros, do resgate dos títulos ou, um certo nível de riqueza, principalmente os ativos finan-
em geral, quando se tiver de fazer frente aos compromis- ceiros, e, com os recursos, resgatar uma quarta parte da dí-
sos". Benegas Lynch acha de grande importância assinalar vida e acabar com sua "rolagem", "que tanto inflado-
que "o objetivo final não deveria consistir em trocar o im- na''. A outra parte seria resgatada pela transferência de
posto inflacionário pelo imposto propriamente dito, uma ações aos tomadores de ORTN. "Em resumo: retiro de cir-
vez que, nessa situação, o cidadão continuaria sendo um culação parte das ORTNs que estão imobilizadas, como as
escravo do sistema que deve atender aos anseios ilimitados
do Estado megalómano". A seu ver, a chave da questão, dos bancos no Banco Central, as das seguradoras e fundos
neste aspecto, consiste "em reduzir o gasto público, elimi- de pensão, etc. e, em troca, entrego o equivalente em ações
nando todas aquelas funções que são incompatíveis com das empresas e transfiro, simultaneamente, o comando das
um governo republicano". empresas para o setor privado."
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João Pedro Gouvêa Vieira- O empresário e membro da
Comissão da Constituinte é de opinião que, para fazer bai-
xar a inflação, "fundamentalmente temos é que aumentar
a produção em todos os setores, particularmente na
agroindústria; desestimular as aplicações especulativas,
acabando já com o overnight indexado, por exemplo; re-
duzir as práticas que sugam dinheiro do setor privado e im-
pedem o desenvolvimento (caso das emissões de moeda e
de títulos, o compulsório que tem efeito inflacionário); eli-
minar as práticas distorcivas como o controle de preços
(sem lucro ninguém produz); e, no caso dos salários, man-
ter o seu poder de compra". Gouvêa Vieira afirma que, se
não se aumentar a quantidade de mercadoria à disposição
das pessoas, a euforia do trabalhador que recebe aumento
de salário desaparece logo, por uma razão muito simples:
"Aumentou-se a demanda e não a produção, a oferta; lo-
go, as coisas custarão mais".
ABERTURA

As entrevistas são precedidas por um artigo de abertura, "Os


mistérios da inflação,, de Henry Maksoud, que dá nome à obra
e no qual o editor do livro denuncia a causa última da inflação: a
'fabricação de dinheiro, pelo Governo, que detém o monopólio
de produção dessa mercadoria. Esta causa fundamental da infla-
ção, bem como problemas colaterais, são também analisados em
outros cinco textos de Maksoud, que se constituem em fecho à
obra. Do total de seis escritos do editor que o livro contém, os
quatro m«is recentes, entre os quais se inclui o artigo de abertura,
estão sendo publicados em livro pela primeira vez, depois de te-
rem aparecido originalmente em números do segundo semestre
de 1985 do semanário VISÃO. Os dois mais antigos, respectiva-
mente de 1983 e 1984, já fizeram parte do livro "Os poderes do
Governo,, de 1984, depois de terem sido divulgados inicialmente
na revista VISÃO.

18
Os mistérios da inflação

estes anos todos tenho escrito bastante sobre quem


N causa a inflação. Sempre deixo bem claro que a infla-
ção é produzida pelo governo federal e que somente o go-
verno federal pode acabar com ela. E que para acabar com
ela bastaria haver contenção na 'fabricação de dinheiro'
pelo governo o qual detém o monopólio de produção dessa
mercadoria. Parece simples mas não é. A coisa é difícil
porque a inflação complica tanto a economia que os técni-
cos perplexos só conseguem propor medidas para comba-
ter os efeitos e não a causa do fenômeno. Tudo fica tão
confuso para o povo que aos governantes eventuais é mais
fácil dissimular do que enfrentar o explosivo problema. E
para os políticos abre-se ampla margem de manobra dema-
gógica que favorece a devassidão monetária estimulada pe-
los que crêem no crescente ativismo governamental. Já que
o fenômeno é assim tão fantástico, vale a pena explorar
mais um pouco seus misteriosos meandros.
Num mercado livre (sem inflação, portanto), os preços
relativos dos bens e serviços sempre mudam em resposta a
variações da oferta e da demanda. Se os consumidores gas-
tam mais cruzeiros num dado produto, eles têm de gastar
menos noutros. A redução de demanda a esses outros pro-
dutos faz com que seus preços caiam. Assim, à medida que
alguns preços sobem, outros devem cair. Os 'preços', con-
vém ressaltar, são relações de câmbio entre o cruzeiro e a
unidade de cada um dos produtos disponíveis.
Como se dá então a alta generalizada dos preços? Co-
mo é possível chegar-se a uma situação na qual os preços
de todos os bens e serviços sobem continuamente como
agora? A resposta é uma só: há contínuo acréscimo de

21
I
I

I por métodos não inflacionários se o déficit pudesse ser co-


oferta de dinheiro na economia. Quando há mais dinheiro
procurando a mesma quantidade de bens, cada cruzeiro berto por receitas tributárias adicionais, ou através de em-
vale menos. Logo, são necessários mais cruzeiros para r
I préstimos pagáveis inteiramente por poupanças reais. Mas
comprar um mesmo par de sapatos ou um quilo de feijão.
r
as dificuldades para aplicação de qualquer destes métodos
Portanto, num regime em que a massa monetária foi infla- são tão grandes, devido aos contínuos e pesados déficits,
da, inflacionada, os preços todos sobem, não porque a que é quase inevitável recorrer à fabricação inflacionária
produção é mais escassa do que antes, mas porque há supe- de dinheiro.
rabundância de cruzeiros. Não porque a demanda física É quando se dá o procedimento que os economistas
aumentou nem porque os custos reais subiram, mas por- chamam curiosamente de 'monetização do débito'. É um
que há excesso de meios de pagamento na economia. método sinuoso de produzir inflação. Para 'dar um jeito'
A 'oferta de dinheiro' num dado momento pode ser no continuamente crescente déficit orçamentário o gover-
avaliada pelo cômputo dos meios de pagamento que comu- no arranja dinheiro 'emprestado' através da e~issão de
mente inclui a soma do papel-moeda em poder do público Obrigações e Letras do Tesouro. Parte destes títulos é ven-
mais depósitos à vista nos bancos comerciais, no Banco do dida aos bancos e outros tomadores que em pagamento
Brasil, nas cayras econômicas, no BNCC e mais os depósi- transferem recursos próprios para o Tesouro. A outra par-
tos a prazo. E o que chamam de M2. Uma outra medida te fica na carteira de títulos públicos do Banco Central que
dos meios de pagamento, talvez mais representativa da 'paga' o Tesouro emitindo moeda e/ou usando recursos
'quantidade de dinheiro' no Brasil, é a denominada M4 \
dos depósitos compulsórios que os bancos são obrigados a
que inclui, além dos montantes acima, os depósitos d~ manter no BC. (Atualmente o total de títulos públicos fe-
I derais é de 288 trilhões de cruzeiros, dos quais 60% estão
poupança e os títulos públicos federais (ORTN e LTN) em
no mercado e 40% na carteira do BC.) De outro lado, o
poder do público. Para que se tenha uma idéia do aumento
espantoso dos meios de pagamento nos últimos tempos I Banco Central também entra em cena para resgatar e/ ou
recomprar no mercado (bancos e público) os títulos do Te-
basta citar que o total do M4 no final de 1979 era de 2.164 souro. Quando não joga no mercado novos títulos para
bilhões de cruzeiros e de 372.522 bilhões em junho de 1985. I 'girar a dívida', o Banco Central ou cria 'reservas' em no-
Esse aumento de cerca de 17.000% na 'oferta de dinheiro' me dos bancos ou faz outra vez a Casa da Moeda imprimir
(enquanto o PIB real para 1979/84 aumentou menos de novas notas para entregar aos portadores dos títulos. Além
80Jo) foi sem dúvida a razão fundamental do aumento de dessas emissões, o BC também ordena as emissões para co-
mais de 14.000% no índice geral de preços (I GP /DI) ob- brir as contas trigo, o crédito agrícola e o débito externo
servado nestes mesmos cinco anos e meio. vencido das estatais. É óbvio que ninguém antes possuía o
E como é que esses cruzeiros a mais entram em nossa dinheiro que o BC emitiu em todas essas operações. Esse
economia? O novo dinheiro é simplesmente injetado no dinheiro foi criado de simples penadas como um artifício
sistema financeiro pelo governo federal, já que o cruzeiro monetário para cobrir o excesso de gastos do governo.
não possui nenhum suporte real como o ouro, a prata ou I
Num curto período de tempo, portanto, maciças quantida-
qualquer outra coisa que tenha valor real, nada impedindo des de dinheiro são introduzidas no mercado sem um cor-
portanto que ele seja 'criado' ilimitadamente. I respondente aumento da oferta de bens e serviços. É esse
·' novo dinheiro 'tirado do ar' que produz a inflação. É sim-
ode-se dizer que o inflamento dos meios de pagamento plesmente essa a causa da inflação.
P começa quando o executivo governamental procura
'consertar' seu orçamento desequilibrado. Como o gover-
I

I mbora bastasse parar com o aumento da quantidade


no nos tempos atuais se acostumou a operar sempre com
déficit orçamentário - gasta mais do que o que recebe -
E de moeda e crédito para acabar com a inflação, essa
solução envolve pormenores complexos e aparentemente
ele tem de cobrir a diferença. Ele resolveria essa questão
23
22
I
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I
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enigmáticos que causam temor aos governantes. Se os go- I

vernantes e os políticos se convencessem que a inflação é


extremamente danosa não só ao público mas a eles tam- ,I
I

bém, talvez enfrentassem decididamente este problema. É


preciso, no entanto, afirmar que o mais difícil não é acabar
com a inflação. O mais difícil, perto do impossível numa
economia altamente estatizada, é evitar a inflação com um
contínuo e pesado déficit. Porque qualquer tentativa de I
I

manter esse déficit por meios não inflacionários, através de


pagamentos em atraso (calotes), de empréstimos públicos e I
por meio de impostos pesados, certamente resultará em de- l
sestímulo à iniciativa empreendedorial, na redução e que-
bra da produção e finalmente na completa destruição de
I
toda a capacidade empresarial. O remédio para os gigan-
tescos gastos governamentais não é esse de fazer também
gigantescos empréstimos públicos e continuar aumentando
ENTREVISTAS
os impostos. É acabar com os enormes gastos improduti-
. I
vos, o que só será possível limitando o campo de ação do
governo e estimulando a empresa privada. I

VISÃO, 13-11-85 I
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24
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!

I
I -Entrevista com Francisco Lafaiete Lopes
I
''

"Toda inflação crônica é predominantemente inerciai.


Ao nível de 200o/o ela já não responde ao tratamen-
to ortodoxo (cortes no déficit público e não-emissão de
moeda); se ele for gradual, ficamos no mesmo patamar até
que o próximo choque (como o de salários) o empurre para
cima; se for abrupto, caímos numa profunda recessão e
matamos a economia. Se não fizermos nada, caminhamos
para a hiperinflação como a que se verificou na Argentina
recentemente, de mais de 1.000%, ou na Alemanha de
1923 (30.000% só no mês de outubro) ou na Áustria de
1922 (80% só em setembro). Todas elas caíram depois para
zero, em função dos planos de estabilização adotados. A
moeda má foi expulsa do mercado e a nova moeda nasceu
forte e confiável."
I As palavras são do professor Francisco Lafaiete Lopes,
organizador e coordenador do Curso de Mestrado em Eco-
,I nomia da PUC-RJ, formado pela UFRJ, com mestrado na
FGV e doutorado Ph.D. pela Universidade de Harvard
(EUA). Filho do ex-ministro Lucas Lopes, 39 anos, seu no-
I me ganhou destaque por terem suas teorias inspirado os
economistas argentinos na recente reforma econômica efe-
I
1 tuada naquele país e que redundou no fim da inflação,
criação de uma nova moeda e congelamento de preços e
salários.
Como quase todo economista moderno, Francisco La-
faiete Lopes acredita que, num ambiente de inflação crôni-
ca, mais vale um bom plano do que mil forças espontâneas
de um mercado livre. "Preferimos encarar imediatamente
o grande desafio que os espisódios da hiperinflação colo-
cam ao modelo da inflação inerciai: o seu fim surpreenden-
temente abrupto (como na Alemanha e na Áustria na déca-
da de 20)." Por isso, o seu trabalho não analisa o desgo-
verno que causa a inflação (inflamento da base monetária)
para cobrir o déficit, nem discute também origens e causas
do processo de aceleração vertiginosa da alta de preços
("embora não pretenda minimizá-los").
Nesta entrevista a Antônio Tofaneto, editor de Econo-
mia de VISÃO, Francisco Lafaiete Lopes explica como se

27
I
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I
pode, no Brasil, zerar a inflação e retomar o crescimento e) Os contratos de aluguel em ORTNs serão convertidos
econômico sem maiores traumas. Uma proposta que ele em contratos em cruzados em 1? -1-86 com base no valor
apresentou a Tancredo Neves em novembro de 1984 suge- real médio da ORTN nos doze meses anteriores a esta data.
rindo sua implementação logo após a posse do no;o Go- 3.a) Política nacional de preços- O Governo anunciará
verno, e que foi discutida em reunião do IPEA da qual sua intenção de definir no prazo máximo de noventa dias
participaram, dentre outros, Francisco Dornelles, Antônio sua política de preços com os seguintes objetivos:
Carlos Lemgruber, Luís Paulo Rosemberg, Mário Henri- a) Reestruturação funcional e administrativa dos órgãos
que Simonsen. existentes de controle de preços, particularmente CIP,
A proposta de Francisco L~faiete Lopes, levada a Tan- SEAP e Sunab, com novas definições de seus critérios ope-
credo, consiste em três medidas básicas: uma reforma mo- racionais. O objetivo imediato deve ser a estabilidade da
netária, um pacto nacional de estabilização e uma política taxa de inflação, impedindo uma aceleração inflacionária
nacional de preços,· a saber: especulativa na fase anterior à reforma monetária.
"l.a) Reforma monetária - O Governo enviará ao b) Definição dos critérios de conversão em cruzados dos
Congresso projeto de reforma constitucional, estabelecen- preços administrados pelo Governo, a serem aplicados em
do que a partir de 1? de janeiro de 1986 a moeda de curso 1?-1-86. Em princípio, esses preços deverão ser converti-
legal em todo o território nacional passará a ser o cruzado dos com base no valor real médio verificado nos seis meses
(na falta de nome melhor). A conversão de cruzeiros em compreendidos entre outubro de 1984 e março de 1985.
cruzados dar-se-á à razão de 1.000 cruzeiros por cruzado. c) Definição de critérios para acompanhamento de pre-
2.a) Pacto nacional de estabilização - O Governo en- I ços públicos e privados após a conversão para cruzados em
viará ao Congresso projeto de lei propondo as seguintes 1? -1-86. Em princípio, este acompanhamento deverá ba-
bases para o pacto: sear-se na regra tradicional de aplicação de uma margem
a) A partir de 1? de janeiro de 1986 serão proibidos con- I de lucro sobre os custos. O objetivo é a estabilidade dos
tratos de qualquer tipo com cláusulas de indexação que preços expressos na nova moeda nacional''.
contemplem correção monetária de prazo inferior a um I
ano. VISÃO - Nessa sua proposta o senhor acha que os resulta-
b) As Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional se- dos podem ser colhidos a curto prazo? Pode-se tomar co-
rão substituídas nesta mesma data (1 ?-1-86) por Obriga- mo exemplo a Argentina mas as peculiaridades brasileiras
ções do Tesouro Nacional sem correção monetária, deno- exigiriam uma moldagem diferente ...
minadas OTNs, com base no valor equivalente em cruza- Francisco Lafaiete Lopes- Sim, cada caso é um caso. O
dos da ORTN do mês. Os contratos privados de crédito da Argentina era muito mais sério com inflação de 3007o ao
com cláusula de correção monetária poderão ser similar- mês e estagnação da economia há muitos anos, o que tor-
mente convertidos em contratos sem correção monetária. nou mais fácil fazer o que se pode chamar de "choque he-
c) A conversão dos salários de cruzeiros para cruzados terodoxo". Aqui já não se pode fazer como Raúl Alfonsín,
dar -se-á para todos os trabalhadores em 1?-1-86 com base: via decreto-lei; tem de ser por lei votada no Congresso,
1) no poder aquisitivo médio do salário nos seis meses com discussão prévia, etc.
compreendidos entre outubro de 1984 e março de 1985,
atualizado pelo INPC para cruzeiros equivalentes de janei- VISÃO - No seu trabalho que propõe o combate a uma
ro de 1986; 2) multiplicado por um fator de reposição sala- inflação inercia/, o senhor parece não considerar o déficit
rial a ser livremente negociado entre as partes interessadas. público e a conseqüente cobertura via emissão de moeda e
d) A partir de 1? -1-86 os salários serão livremente nego- títulos como causas primárias de inflação. Por quê?
ciados em bases anuais, mantendo-se as atuais datas-base Lopes - Veja bem, os livros-textos de economia não fo-
de negociação das diversas categorias. ram feitos para discutir inflação de 200%. Foram feitos em

28 29
países sem inflação, ou inflação de 5%. Se tivéssemos uma 12% em 1981, de 9% em 1982 e de 5% em 1983 (dados do
inflação de 5o/o ou 10% ao ano, aí nós iríamos discutir po- FMI); sua inflação caiu de 12% para 5%. Por que o Cana-
lítica monetária, fiscal, cambial, etc. O que nós temos feito dá com um déficit de 7% do PIB tem uma inflação só de
aqui na PUC são estudos e experiências que se contrapõem 10%? E temos a Itália com déficit de 16% e uma inflação
à estratégia ortodoxa, a esse pensamento convencional, de 15%. O Brasil tem um déficit de caixa de 100 trilhões
porque a nossa idéia é que uma inflação de 200% é um ani- para um PIB de 1.500 trilhões, o que dá cerca de 7%. O
mal diferente, um processo com lógica diferente e, por is- programa argentino prevê uma redução do déficit para
so, tem de ser tratado de forma diferente. 2,5% do PIB já no segundo semestre deste ano; em parte
Quando Ronald Reagan fez um programa ortodoxo e como resultado da própria queda da inflação.
conseguiu reduzir uma inflação de cerca de 15% para 4%,
fez um programa convencional. A Inglaterra também. É o VISÃO - O professor Bulhões propõe acabar com a corre-
que prega o FMI: eliminar o déficit público e a expansão ção monetária e com os subsidias...
monetária. Só que no Brasil esses programas não têm dado Lopes - De certo modo o que nós estamos propondo é o
certo; conseguem-se pequenos ganhos como agora, que es- inverso do que o professor Bulhões propõe. Ele quer aca-
tabilizam a inflação no atual patamar, e só. Se formos apli- bar com a correção monetária e subsídios para acabar com
car o programa ao extremo, geraríamos uma tremenda re- a inflação. Nós queremos acabar com a inflação e, com ela
cessão, levaríamos as empresas à falência, causaríamos o sendo zero, a correção monetária é zero e os subsídios tam-
maior desemprego. Ou seja, para acabar com a inflação bém. Além do que vejo com muito receio as propostas de
destruiríamos a economia. Isso não é um programa real. moratória interna de acabar com a correção, o que geraria
uma grande instabilidade.
VISÃO - Mas o senhor concorda ou não que a emissão de
moeda e o déficit público são causadores da inflação? VISÃO - Vamos supor que a inflação caia para zero
Lopes - Se você me perguntar qual a causa da inflação na com seu plano. E o déficit residual? Exigirá aumento de
Itália ou no Canadá, no patamar de uns 15% ao ano, é cla- tributação?
ro que é possível atribuí-la a questões fiscais e monetárias. Lopes - Numa economia em crescimento, um pequeno
Mas estamos falando da inflação brasileira, de 200%, ou déficit é tolerável. Para eliminá-lo só é possível ou cortan-
da Argentina, de 1.000%. Quando o processo inflacioná- do os gastos ou aumentando os impostos. Mas, se é verda-
rio adquire este nível, de certo modo a emissão de moeda de que a receita tributária caiu nos últimos anos, isso se de-
ou não e o déficit público deixam de ser fatores importan- ve à recessão e à inflação. Mesmo assim, hoje acredito que
tes. Se você parar totalmente de emitir conseguirá gerar a receita tributária esteja subestimada e, com o crescimen-
uma enorme recessão com ganhos pequenos sobre a infla- to econômico, haverá um conseqüente aumento da receita.
ção. As estatísticas revelam que a emissão de moeda no De qualquer forma, terá de haver uma decisão política. Na
Brasil tem sido contida em relação ao PIB nos últimos qua- Argentina, houve um corte do déficit de uns 10%; exigiu-
tro anos e a inflação não caiu. se um investimento compulsório e se fará uma reforma
tributária.
VISÃO - Mas, então, controlar o déficit e a moeda não é
ivzportante? Ou só o é quando se tem níveis normais de VISÃO - Por que não adotar uma politica de redução de
inflação? impostos como fez Ronald Reagan nos EUA, estimulando
Lopes- Perfeitamente. Depois que o Brasil virar uma In- a economia e ganhando no atacado?
glaterra, não poderá ter uma economia com moeda estável Lopes- É possível. Na minha opinião, o que Reagan está
se apresentar um déficit enorme. Um déficit pequeno é to- fazendo é reduzir as taxas marginais de imposto e simplifi-
lerável. A Inglaterra não tem um déficit nulo; ele foi de car a tributação para tentar aumentar a receita tributária.

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Ele também tem o problema do déficit, que é de 60Jo do I Lopes- Exato. Mas é preciso olhar bem o preço margi-
PIB, o que a longo prazo pode pôr em perigo a estabilida- nal. Por exemplo, no caso do petróleo, se você o extrai de
três lugares, duas fontes baratas e uma cara, mas tem de-
de do dólar. Acho que em matéria fiscal tem de ser estuda- ,I manda para esse petróleo, o preço marginal é o da fonte
do com muito cuidado o conflito entre o objetivo de efi- I

ciência (dar o máximo de estímulo à atividade empresarial, cara. Se os EUA, di'gamos, extraem petróleo, no Texas, na
ao esforço do trabalho) e o objetivo de dar o máximo de Califórnia e no Golfo do México e o custo de exploração
no Texas é duas vezes o do Golfo do México, o preço mar-
eqüidade. Trata-se de uma decisão da sociedade.
ginal será o do Texas; o que vai ocorrer é que a empresa
privada que opera no Golfo do México vai ganhar muito
VISÃO - Mas, resumindo sua proposta, basta jazer uma
mais dinheiro e a que opera no Texas vai ganhar menos.
reforma monetária, criar nova moeda, fixar o câmbio,
congelar preços e salários, tudo ao mesmo tempo?
Lopes - Não é só mudar o nome da moeda. Tem de haver VISÃO- E o congelamento?
um compromisso do Governo com a estabilidade, pois o Lopes - É mais simples administrar o congelamento do
congelamento tem de ser temporário; e os preços que fo- que fazer o controle de preços. Depois que você congela os •
rem congelados têm de ser os preços de mercado, não re- preços a níveis reais, eles adquirem valor econômico e vol-
primidos pelo controle de preços. Se não houver o alinha- tam a ter a função de sinalizar o mercado. O povo saberá
mento dos preços o congelamento será artificial. Uma con- que o preço de um maço de cigarros, de uma refeição ou de
seqüência importante do alinhamento é que você resolve um TV será "x" cruzados e ponto; ele mesmo se mobiliza
grande parte dos problemas do déficit público. Os argenti- para ver se os preços estão sendo praticados corretamente.
nos eliminaram o subsídio da carne, tornaram as tarifas de I Haverá variações em função de estoques, margens meno-
preços públicos realistas, o do petróleo, etc. No Brasil se res do comércio, etc., mas um preço real.
eliminariam todos os subsídios - ao trigo, açúcar, álcool. I j
VISÃO - Pode haver então fugas de capitais ...
VISÃO - No realinhamento dos preços para níveis reais, Lopes- Teria de haver um período de transição em que se
tendo em conta o atual controle de preços, não poderia ha-
ver especulação?
Lopes- Esse é um problema a ser enfrentado. Os preços
j tomem medidas de salvaguarda, como limitar movimento
de capital (fuga para o dólar), restrições de crédito, etc.
Mas isso é temporário. Acho que a experiência argentina
estratégicos da economia (petróleo, taxa de câmbio, aço, nos pode ser muito útil. Veja, lá, no caso do dólar, houve
energia elétrica, trigo, etc.) teriam de ser acertados. Não um aumento muito grande no paralelo que se refletiu até
haveria uma liberação pura e simples, mas vamos ter de sa- r
I no Brasil, mas já no dia 27 de junho o dólar estava cotado
ber qual o preço de um automóvel em cruzados ... I abaixo da taxa oficial, sendo comprado por 77 centavos de
austral (80 centavos no oficial).
VISÃO - E, no caso, a indústria queixa-se do controle de
preços e quer... VISÃO - Qual a quantidade que se deve emitir da nova
Lopes - Não há nenhum problema em dar à indústria moeda em relação ao PIB?
o preço que estão pedindo, se justificável em termos de Lopes - Na Argentina, Alfonsín se comprometeu a não
custo, taxa de comercialização, etc. A dificuldade atual é emitir moeda para cobrir o déficit, mas pode haver emissão
que o Governo faz o controle de preços para reduzir a in- se houver aumento de reservas, por exemplo. O limite, a
flação, para abrandar a taxa mensal. Se vamos congelar, gente pode aprender com os países desenvolvidos, e tam-
temos de fazê-lo fixando o preço marginal. bém muito com a história das hiperinflações como a da
Alemanha de 1922 e 1923. Quando ocorreu a estabilização
VISÃO - O senhor está propondo uma economia sem no final de 1923, em 1924 a inflação foi zero e a quantidade
arti ficia/ismos?
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32
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de moeda cresceu 1900Jo. Veja que coisa curiosa, acabou a vidos com economia estabilizada como a que teremos. No
inflação e a demanda pela moeda boa aumentou (o que caso do BNH também terá de ser encontrada uma fórmula
ninguém queria era a moeda ruim). Nesse caso, se não I
I estabilizadora, e assim por diante.
houvesse emissão haveria uma grande pressão sobre a taxa
de juro. Aliás, a quantidade correta de moeda, alcançada a I VISÃO- E quanto à taxa de juros?
r
estabilização, é determinada pela taxa de juros. Ela sinali- I
Lopes- A taxa de juros no Brasil está muito alta. Ela é ir-
za; é só olhar: se ela subir, falta moeda. real, assim como outras distorções da economia. Mas com
I
I
I a estabilidade, e numa economia com preços reais, ela cai-
VISÃO - Mas qual seria a base, admitindo que se preten- ria naturalmente a um nível razoável, sem congelamento.
de uma base real, não viciada? Até porque aí ela seria um importante indicador econômi-
Lopes- Veja alguns dados de alguns países e a relação en- co de mercado.
tre moeda e PIB: EUA (17%), Alemanha (16%), Inglater-
ra (15%), França (24%). No caso do Brasil, a expansão foi VISÃO - O senhor acha que o Governo da Nova Repúbli-
• contida nos últimos quatro anos e em 1984 a emissão de ca adotaria sua proposta?
moeda representava 6% do PIB, uma relação bastante bai- Lopes - Deveria. Não podemos continuar atacando a in-
xa. Até porque com inflação em alta as pessoas não que- flação no varejo, sacrificando a todos para mantê-la no
rem reter moeda ruim; logo, seu uso é extremamente pe- mesmo patamar e correr riscos de choques que levem à hi-
queno comparado com o que ocorre nos demais países de j
perinflação. É como descer uma escada de costas. Nesse
moeda estável. Se nós criarmos uma moeda boa, estável, ,J caso é melhor pular!
possivelmente vamos ter de aumentar a atual relação
moeda-PIB, pois a confiança na moeda aumenta e as pes-
soas a querem ...
j
VISÃO, 17-7-85
VISÃO - Mas, no Brasil, os haveres não-monetários, os
títulos da dívida são quase-moeda. Aliás, constituem um .J
artifício à não-emissão de moeda, pois aumentam a veloci- I
I
dade de circulação do dinheiro, o que é até pior.
Lopes - Concordo. Incluindo-se os ativos financeiros, a
relação moeda-PIB aumentaria talvez ao nível de outros I
países ...
I i1

VISÃO - Quais as repercussões de sua proposta no siste-


ma financeiro? I
Lopes - É lógico que se eliminando a inflação e a indexa-
ção também acaba aquilo que chamamos tecnicamente de
"senhoragem" dos bancos - o lucro inflacionário, ou o I
ganho sobre os depósitos não-remunerados ou com remu-
neração inferior, caso das cadernetas de poupança. Isso
exigirá alguma compensação, como a redução do compul-
I
sório e mais recursos livres no mercado. Não sei se o com- I
pulsório deve baixar para 20% ou a que nível; podemos to- ·~
mar como exemplo os níveis adotados nos países desenvol-

34
.r 35
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I I •
I
I

I Bulhões - Acho que medidas eficazes de combate à infla-


ll- Entrevista com Octavio Gouvêa de Bulhões ção se impõem, até para viabilizar a taxa de crescimento de
I
50Jo .a 6% defendida pelo presidente José Sarney. Em tese
apó1o a solução, que é semelhante à dada pela Argentina.
Até porque defendo a extinção da correção monetária e
"A matéria
meta é zero de inflação em 1986" foi o título da
com a qual VISÃO abriu o debate sobre as
dos subsídios.
Mas voltemos à substituição da moeda, cujo êxito de-
diversas propostas para acabar com a inflação (edição de pende do valor estável da nova moeda, estabilidade ligada
17-7-85, página 52), apresentando o plano do professor a um horizonte límpido, isento de nuvens carregadas de dé-
Francisco Lafaiete Lopes e uma entrevista exclusiva com o ficit público. É indispensável vigorar uma política que aS··
autor. segur~ a .supressão de, ~esequilíbrios orçamentários, garan·
Agora é o professor Octavio Gouvêa de Bulhões que ta a d1sc1plma monetar1a, favoreça um clima de progresso .
contribui para o debate falando daquela proposta e apon-
tando uma opção. VISÃO - Como evitar essas "nuvens, de déficit?
VISÃO - Como o senhor vê a proposta do professor La-
Bulhões - Na expectativa de contribuir para o preparo e
~xecução dessa política construtiva é que insisto na capita-
faiete Lopes? lização das empresas. Dentre as várias sugestões de estímu-
Octavio Gouvêa de Bulhões - Devemos receber como ino-
vadora a preocupação daqueles que se manifestam contra lo à subscrição de ações novas, repito, agora, a que se refe-
a prolongada e intensificada prevalência inflacionária em re à aplicação da receita do Programa de Integração Social
nosso país. Afinal, o número de pessoas alheias aos males (PIS) na compra de ações, em vez de empregá-la em em-
da inflação é significativo em nosso país, inclusive na área préstimos ou utilizá-la em restituições. A finalidade é con-
seguir um patrimônio crescente para os empregados.
governamental.
Segundo o depoimento de Francisco Lafaiete Lopes, ele Sendo a finalidade do PIS suplementar os salários com
e um grupo de professores sustentam a impossibilidade de dividendos, nada mais apropriado que utilizar as contribui-
pretender-se eliminar o déficit público com uma taxa de in- ções na atividade empresarial - reduzindo os débitos ou
real~zando investimentos - e conceder, em importâncias
flação de 200% ao ano. A seu ver, o caminho indicado é o
da substituição da presente moeda desvalorizada por ou- eqmvalentes, ações escriturais aos empregados. As ações es-
tra, nova, de valor estável. A substituição deve st:r feita du- criturais, retidas nas empresas, seriam fonte de renda e não
rante um período de congelamento global da renda, perío- veículo de disponibilidade de capital. Haveria a preocupa-
do de alinhamento dos preços, grande solução para os dé- ção de diversificar as ações mantidas em patrimônio. A par-
ficits públicos. São suprimidos todos os artifícios, destaca- ticipação sendo diluída, ainda que no curso do tempo atin-
damente os subsídios. Conseguindo o alinhamento dos gisse soma elevada, dificilmente representaria um nível que
preços, ou seja, a eficácia da relatividade dos preços, como pudesse interferir na direção das empresas.
diria mais apropriadamente o professor Dias Leite, seria
obtida a estabilidade do nível dos preços e, portanto, se VISÃO - Poderia dar um exemplo e sua relação com o dé-
tornaria desnecessária a correção monetária. Nessas condi- ficit público?
ções, o déficit público deixaria de crescer, pois seu aumen- Bulhões - É esse tema que desejamos ressaltar no caso,
to, de exercício para exercício, advém da incorporação da por exemplo, da Companhia Vale do Rio Doce. O realce é
inflação passada na estimativa dos dispêndios futuros. Daí necessário pelo fato de ser de suma importância diminuir o
a afirmativa de ser impossível eliminar-se o déficit público débito das empresas estatais como meio de reduzir o déficit
quando a inflação atinge o nível de 200%. público.
No Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Ge-
VISÃO- O senhor concorda com a proposta?
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36
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I
túlio Vargas, Eden Gonçalves de Oliveira estima que teria pelo bom resultado obtido, exemplo a ser seguido pelas de-
sido possível reduzir de 27o/o o endividamento das empre- mais empresas que continuam pesando sobre o déficit pú-
sas estatais, caso a arrecadação de 1983 e 1984 do PISe do I blico, ele se sente amedrontado. Julga o Governo arriscada
Pasep (respectivamente 3.156 bilhões e 1.137 bilhões de a sua posição de manter 68% das ações ordinárias e 46o/o
cruzeiros) tivesse sido aplicada em aumento de capital, em ,I das ações preferenciais.
substituição ao aumento de empréstimos. A estimativa é Se as ações vendidas ao público estiverem diluídas el\tre
feita com a correção monetária das arrecadações de 1983 e milhares de acionistas, ainda que as percentagens citadas
1984, com base em dezembro de 1984, em confronto com o i viessem a cair à metade, o Governo estaria tranqüilo em seu
saldo dos empréstimos de dezembro de 1984 no valor de poder de controle e tranqüilo estaria o país, pois a participa-
39.836 bilhões de cruzeiros. I ção de grande número de acionistas seria prova de descen-
Voltando à Vale do Rio Doce, a empresa, necessitando I tralização da riqueza e presença moral para que a empresa
de recursos financeiros para executar os seus projetos de atuasse em alto nível de eficiência e de lucratividade.
desenvolvimento (e, conseqüentemente, contribuindo para
o progresso econômico do país), muito judiciosamente ve- VISÃO - Faltaria fé no mercado?
rificou ser imprudente agravar seu débito. Impunha-se o Bulhões - No mundo em que vivemos, onde há limitações
aumento do capital. O Governo em estado deficitário não a serem enfrentadas, lembra Paul Samuelson fazer parte
estaria em condições de subscrever o acréscimo requerido. da educação das crianças compreenderem, desde cedo, que
Então a Vale fez oferta das ações ao público. Com esse "ambos" é resposta inadmissível ao imperativo de uma es-
procedimento, a CVRD deixou de representar uma fonte colha. A situação em que nos encontramos no Brasil revela
de endividamento, agravante do déficit público, para terem nossas autoridades olvidado por completo a lição da
transformar -se em empresa de indiscutível solidez econô- necessidade de optar no arrolamento de nossos dispêndios.
mica e financeira, em contraste com as demais empresas do Gastam a esmo e, em meio às dificuldades de obtenção de
Estado, conforme demonstra o quadro abaixo. recursos, duvidam daqueles que contribuem para remover
o obstáculo criado pela falta de capacidade de optar.
Empresas Com tanta falta de lógica no gastar e tão arraigados
estatais, excluída preconceitos no auferir receitas, é duvidosa a expectativa
a Vale do Rio Vale do de um horizonte límpido, necessário para se ter uma moe-
Rio Doce
Doce da de valor estável.
(Bilhões de cruzeiros)

1982 1983 1982 1983 1984


a) Patrimônio VISÃO, 31-7-85
líquido (Capital 14.665 43.110 410 1.an 7.495
e reservas) I
bl Exigível
(Dívidas e 17.147 57.337 532 2.005 7.348
despesas a
pagar) I
c) 8-A -2.472 -14.227 -122 -128 + 153
8/A 1,16 1,33 1,29 1,06 0,98
I

Fonte: Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas.

VISÃO - Mas o Governo ... I


\
Bulhões - Em vez de o Governo demonstrar satisfação
I
38 39
I
I

I Lara Resende - A reforma fiscal que defendo deverá ape-


III- Entrevista com André Lara Resende nas equilibrar a distribuição da carga tributária. Nada de
aumentar ou criar impostos para setor algum. Falo em
.I equilibrar e simplificar. A redução dos gastos públicos de-
verá eliminar a necessidade de aumento dos impostos. A
"A dainflação brasileira pode ser absolutamente elimina-
em menos de três meses, com medidas coerentes
.I carga tributária no Brasil já é alta demais. Apesar disso, es-
tou convencido de que a sociedade brasileira estaria dis-
e sérias de redução do déficit público e, conseqüentemente, posta a aceitar até um eventual aumento de tributação, in-
com menos emissão sem lastro. Isso se consegue com medi- I
I clusive o assalariado, que já é muito taxado, desde que eles
das efetivas e não apenas com declarações de intenção. Pri- fossem persuadidos de que "estamos fazendo uma refor-
meiro, isso passaria por redução de gastos públicos e refor- ma profunda, que vai exigir sacrifício, mas, em compensa-
ma fiscal. Depois, viria a reforma monetária, com a intro- ção, arrumaremos definitivamente a casa e partiremos pa-
dução da moeda indexada, para desindexar a economia e ra uma economia saudável".
eliminar o problema da inércia da inflação." Agora, o que não se pode fazer são medidas casuísticas
As palavras são do professor André Lara Resende, co- de aumento de impostos, como a tentativa de congelar a
lega do professor Francisco Lafaiete Lopes, co-autor das tabela de cálculo de IR e outras coisas, enquanto o Gover-
idéias de reforma monetária e de introdução de uma nova no nada faz para reduzir suas despesas. E ... pior: o que se
moeda, mas que discorda parcialmente da proposta de La- vê são os "trens da alegria", a estatização do Sulbrasileiro
faiete Lopes publicada por VISÃO (edição de 17-7-85, pá- e os escândalos de corrupção ...
gina 52).
Lara Resende expõe a seguir suas idéias, dando seqüên- VISÃO - Como controlar o déficit?
cia ao debate aberto por VISÃO. Lara Resende - Não tem mistério algum. Redução de des-
pesa é redução de despesa e pronto. Agora, simplesmente,
VISÃO - No que o senhor discorda da proposta de La- isso tem certos custos políticos. Quer dizer, você precisare-
faiete Lopes? duzir gastos de custeio, reduzir pessoal, com efeitos sobre
André Lara Resende - A proposta do professor Francisco o emprego e a produção.
Lafaiete Lopes de estabelecer, em cima da reforma mone-
tária e da nova moeda, um congelamento de salários e pre- VISÃO- Alega-se que isso seria recessivo ...
ços é que não me parece uma necessidade. Controlar os Lara Resende - É um princípio relativamente recessivo,
preços é dispensável, embora possa também constituir-se mas não geraria desemprego estrutural. A questão é por
em medida de segurança, para evitar os movimentos espe- quanto tempo a medida será recessiva. Se você reduz a car-
culativos e, assim, aumentar a credibilidade, que será fun- ga do Estado na economia, você fortalece a livre iniciativa.
damental no primeiro momento da nova moeda.
Minha preocupação com esse controle de salários e pre- VISÃO- Há resposta do mercado.
ços é mais um problema de administração. O importante é Lara Resende - Exato. As pessoas que forem, por exem-
. o bom funcionamento do mercado, e, para isto, é preciso
evitar a intervenção do Estado, que afeta negativamente a
plo, demitidas do setor público terão emprego no setor pri-
vado, porque com o' controle do déficit do Governo vem a
livre iniciativa. Se esse controle tiver mesmo de ocorrer, redução das taxas de juro e a recuperação do investimento
dentro de um programa de estabilização econômica coe- privado na economia, o que compensa a queda do gasto
rente, deverá ser por tempo claramente limitado. público. É bom lembrar o inegável dinamismo do setor pri-
vado brasileiro. A demonstração da capacidade de pou-
VISÃO - O senhor defende uma reforma fiscal. De que I pança e de exportação da livre iniciativa nos últimos anos é
I
tipo? impressionante.
I
40 41
I •
I
I
VISÃO- Isso significa menos governo e mais livre iniciativa?
VISÃO - A emissilo sem lastro de moeda e títulos para co- I Lara Resende- Exato. Com o nível do déficit constante
brir o déficit público nilo é inflacionária, mesmo numa in- em relação ao PIB, o setor público se concentraria nas ati-
flaçilo alta ou "inerciai"? I vidades que lhe são próprias, as atividades sociais. Menos
Lara Resende- Nessa economia de inflação inerciai, emi- governo na economia permite mais governo no social, con-
tir moeda e títulos, acompanhando a inflação, não é uma forme lembrou o presidente José Sarney.
decisão inflacionária, porque você está apenas mantendo o
volume real do estoque de moeda constante. Se estivésse-
mos em economia estável, a emissão não poderia ficar aci- VISÃO, 7-8-85
ma da taxa de crescimento real da economia. Quando você
estabiliza os preços de uma economia com inflação iner-
cial, você pode emitir de acordo com a demanda de moeda,
mas apenas num primeiro momento. Isso porque, com a
estabilidade dos preços, a tendência é de a população reter
dinheiro e isto aumenta a demanda por moeda. Passado o
impacto da medida que causa o aumento da demanda por
moeda, então se deve manter a emissão de títulos e dinhei-
ro próxima da taxa de crescimento real da economia. I
VISÃO - O senhor propOe inclusive uma moeda estável,
indexada. I

Lara Resende - Trata-se de desindexar a economia pela


introdução de uma moeda indexada em relação ao cruzei- I
ro, que batizei como "cruzeiro-ouro", que valeria, diga-
mos, um décimo de ORTN. O uso da nova moeda, quer
como instrumento de troca, quer como unidade de conta, .I
seria inteiramente facultativo. É óbvio, porém, que a nova
moeda rapidamente expulsaria o cruzeiro de circulação e, I
I
assim, o sistema brasileiro de indexação morreria de morte
natural, por falta de referencial.

VISÃO- O déficit público deve ser zero?


Lara Resende - Concordo com o professor Lafaiete Lo-
pes que você não precisa ter uma economia com déficit pú-
blico zero. Pode-se ter algum déficit, porque todas as eco- .I
nomias o têm de alguma forma. Agora, é preciso sanear a
economia brasileira. Pelo menos por um determinado tem- I
po, o setor público do nosso país deverá ser superavitário.
A partir daí, poderá voltar a apresentar ligeiro déficit: 1oro
ou 201o do PIB é perfeitamente normal e tolerável. O pró- I

prio crescimento do setor privado permitirá esse nível de


déficit, enquanto a dívida pública aumentaria, mas em ,I
proporção do Produto Interno Bruto (PIB), ficando, por- I
tanto, constante.
.I 43
42
I
r
I
IV- Entrevista com Sérgio Quintela
,I I
do e mais aberta à competição internacional. Nesse caso,
J já existiria o realinhamento dos preços. Mas aí entra a
I
I omissão da proposta: não se examinaram os efeitos da dí-
I

vida externa sobre nossa economia, especificamente sobre


"A prazo,
credito que a inflação pode ser debelada, em curto
rapidamente. Mas para isso é preciso nego-
J as taxas de juro, pressionando a poupança interna. Somos
hoje exportadores de capital, porque transferimos para o
ciar a dívida externa de forma a viabilizar o desejo do país exterior anualmente entre 40Jo e 5% do PIB. O que torna
de honrar os compromissos sem exportar capital, conter de J
l
difícil estabilizar a economia sem renegociar a dívida em
fato o déficit público, acabar com os subsídios e ter uma base diferente da que estamos praticando.
economia de mercado eficiente." As palavras são do em-
presário Sérgio Quintela, cinqüenta anos, membro do VISÃO - Que. base de renegociação seria essa?
Conselho Monetário Nacional, participante da extinta Co- Quintela - É uma tradição brasileira honrar os compro-
pag - Comissão para o Plano de Ação do Governo Tan- missos e não há por que duvidar da capacidade do país de
credo Neves, presidente da Internacional de Engenharia e pagar a dívida. Precisamos é de uma folga cambial, no pe-
vice-presidente do Grupo Montreal. ríodo de reajustamento da nossa economia. Isso traria dois
Nesta entrevista exclusiva, Quintela expõe suas idéias, efeitos principais: 1?) reduziria as taxas internas de juro e,
dando seqüência ao debate aberto por VISÃO. conseqüentemente, aliviaria até o déficit público; 2?) libe-
raria mais as importações, o que provocaria queda da in-
VISÃO - O que o senhor acha da proposta do professor I flação por meio do maior grau de concorrência da indús-
Lafaiete Lopes para zerar a inflação em 1986? tria, serviços e produtos agrícolas.
Sérgio Quintela - A proposta tem aspectos de inovação e
de omissão. O professor Lopes avança, por exemplo, na ,I VISÃO - Quais os efeitos da dívida sobre o déficit e na
tese do realinhamento dos preços. Ele quer liberar os pre- economia?
ços para, em seguida, fazer o congelamento. Duvido que
isso possa ser aplicado no Brasil por algumas razões:
I Quintela - São· grandes. Só o juro da dívida representa
hoje cerca de dois terços do total da despesa financeira do
1) Porque na economia brasileira existe uma presença I Governo Federal. O Fundo Monetário Internacional quer
estatal excessiva, com preços monopolizados ou então que, em vez de um déficit modesto, o Brasil tenha superá-
oligopolizados. vit de 4% a 5% do PIB, o que é coerente com sua política
2) Porque temos muitos preços que são difíceis de defi- I mas com a qual não precisamos estar de acordo. Se faze-
nir ou de identificar se expressam ou não a realidade do li- I
mos exportação líquida de recursos de 40Jo a 5% do PIB, é
vre mercado. preciso financiar essa exportação de alguma forma sem
3) Porque temos barreiras de importação; portanto, pressionar de modo exagerado a poupança nacional. Uma
sem a possibilidade de poder colocar tanto os produtores maneira é gerar poupança interna de 4% a 5%. Os núme-
como os comerciantes em regime de concorrência. ros não são casualmente iguais. E a negociação da dívida
Quanto à idéia de se estabelecer o congelamento tempo- passa por aí.
rário em cima das médias dos preços de outubro de 1984 a
março de 1985, não se pode ignorar que nesse período ha- VISÃO -Além da dívida externa, o que mais causa o défi-
via preços e tarifas irreais, porque já estavam comprimidos cit público?
como os salários. Quintela - O déficit nosso é quantitativo e qualitativo.
Não é apenas o fato de o Governo gastar mais do que arre-
VISÃO- Como liberalizar e realinhar os preços? cada. É que dispomos de máquina estatal ineficiente, sem-
I
Quintela- Numa economia mais próxima do livre merca- pre no vermelho, principalmente nas áreas produtivas. São
I
44
45
• I


I
I
de emissão de dinheiro para financiar o aumento dos ati-
déficits crônicos, diferentes dos que ocorrem, por exem- vos decorrente da inflação passada.
plo, nos Estados Unidos ou na Inglaterra, em que o Estado
possa estar momentaneamente gastando mais do que lhe é I
I VISÃO- E quanto à taxa de juro elevada? O que jazer pa-
possível em saúde pública ou em armamentos. Nesse caso, I ra baixá-la?
uma redução dos dispêndios equilibraria o orçamento. Quintela - As formas de baixar os juros são as que estão
em debate. De início, reduzir a pressão governamental de-
VISÃO- Como atacar fundo o déficit público? mandando recursos, aqui entra a política fiscal. Em segui-
Quintela - Isso envolve a gerência das empresas estatais, a da, acabar com a pressão da dívida externa sobre a pou-
eliminação da ineficiência de algumas empresas e autar- pança nacional.
quias tipo IBC, IAA, Embratur, etc. Não se trata apenas A taxa de juro é formada pelo custo administrativo do
de correção meramente de natureza econômica, mas de banco, que remunera o capital próprio, pelos impostos que
modificações de natureza gerencial. Algumas empresas de- incidem sobre a captação bancária e pelo compulsório. Na
veriam ser simplesmente fechadas, porque não estão de- época da Copag, fizemos uma proposição que abrangia a
sempenhando nenhuma função. tributação sobre a captação bancária. Era uma forte redu-
ção, que iria diminuir a arrecadação, mas representaria
VISÃO- Quais, por exemplo? uma queda real de juros e o Governo, conseqüentemente,
Quintela - Numerosas. A área de bens de capital é um pagaria menos para financiar o seu déficit. Quanto à redu-
exemplo. Não quero dar nomes porque os nomes são sem- ção do compulsório, seria positiva porque daria maior li-
pre combatidos de forma a desviar o assunto para confun- I berdade ao fluxo financeiro entre as várias instituições de
dir a opinião pública. Temos de aceitar a tese de que o Es- crédito. Essa tem sido uma prática do Conselho Monetário
tado não pode ter envolvimento empresarial porque ele
não é bom gerente e porque o setor privado em muitos ca- I
l Nacional, que, por orientação do ministro da Fazenda,
vem avançando na liberalização do fluxo financeiro, e isso
sos está presente competindo em igualdade de condições é uma das explicações pelas quais a taxa de juro tem caído
com empresas internacionais. O déficit público é de natu- I nos últimos meses.
reza estrutural e mistura empresas com falta de caixa mas
com retorno garantido, como as usinas hidroelétricas, com
I
I VISÃO- E quanto à carga tributária e seus efeitos?
outras operacionalmente deficitárias, e ainda com ativida- Quintela - Surpreendo-me quando vejo economistas res-
des deficitárias e mal geridas, como o sistema de previdên- peitáveis afirmarem que a carga tributária vem caindo. Só :
cia social. I
se_isso ocorreu por causa da recessão. Como empresário e
como cidadão garanto que pago mais imposto e taxas hoje
VISÃO - O que representam os subsídios no déficit público? do que pagava há dois ou três anos, seja de ICM, IR, ISS,
Quintela - Têm efeito importante e partilho integralmen- IPTU, Previdência, etc. NãG> conheço um único imposto
te da opinião do professor Octavio Gouvêa de Bulhões de que tenha sido reduzido.
que a fase atual de controle de preços é o momento ade-
quado para se acabar com os subsídios. VISÃO - Que sugestão o senhor teria para a reforma tri-
butária em estudo?
VISÃO - E o peso das emissões de dinheiro e títulos na Quintela- É fundamental recriar a Federação. Transferir
inflação? para os Estados e municípios a maior parte possível da ar-
Quintela - É direto, instantâneo e imediato sobre a eleva- recadação tributária, acompanhada das necessárias trans-
ção dos preços. Aí é que está o círculo vicioso, que os eco- ferências de obrigações. Politicamente, é preciso instru-
nomistas pretendem romper, de realimentação inflacioná- I
I mentalizar os Estados e municípios para que reduzam as
ria que se denomina ''inflação inerciai''. Há a necessidade
47
46
li
I

disparidades regionais e pessoais de renda. Numa econo-


I V- Entrevista com Marcílio Marques Moreira
mia moderna, como a nossa pretende ser, não se pode ter
diferenças extremas. Uma reforma tributária deve fazer I
I
com que os governos Federal e dos Estados se concentrem I

nas funções prioritárias: segurança do país e do cidadão, "As experiências históricas e recentes dos países indus-
garantia dos direitos essenciais da vida, como educação, trializados mostram que, quando se combate a in-
saúde, etc. flação de forma decidida e com credibilidade, ela cai mais
depressa do que se imagina. Podemos sair de uma inflação
VISÃO- E a nova moeda, o senhor aprova a idéia? de 2000Jo este ano, com avanço substancial daí para a fren-
Quintela - Dentro de um programa global de estabiliza- te (120% em 1986, 60% em 1987), até zerarmos a inflação
ção da economia, a nova moeda é importante, como o foi em três ou quatro anos. Isso sem sacrifício de outros obje-
o cruzeiro novo em 1967. A nova moeda virá mais cedo ou tivos da política econômica que compreendem o cresci-
mais tarde. Não temos condições de continuar com a moe- mento auto-sustentável e acabar com as desigualdades so-
da no nível da atual. Daqui a pouco não se pode mais nem ciais que ensombrecem a consciência nacional."
fazer a contabilidade das empresas. As palavras são de Marcílio Marques Moreira, banquei-
ro (conselheiro de Administração do Unibanco) e prcfes-
sor de Economia e Ciência Política. Esta entrevista dá se-
VISÃO, 14-8-85 qüência ao debate aberto por VISÃO.

VISÃO - O senhor concorda com a proposta do professor


Lafaiete Lopes para zerar a inflação já em 1986?
I
I Marcílio Marques Moreira- A proposta do professor La-
faiete Lopes tem muitas virtudes. A principal delas é a
prioridade dada ao combate à inflação. Também é impor-
I tante a abordagem da inflação inerciai. Há na inflação
atual um elemento reprodutor e realimentador da própria
I
I inflação. Apesar disso, não me afino com a proposta por-
que a considero um tratamento de choque heterodoxo.
Também não me afino com o tratamento de choque, que
considero ortodoxo, do professor Octavio Gouvêa de
Bulhões.
Muitas causas estão presentes na inflação. Esse momen-
to inerciai, o déficit público, a política monetária, o fato
psicológico e o fato de não termos tido uma política antiin-
flacionária, nos últimos seis anos. Não houve o propalado
fracasso do monetarismo no Brasil, simplesmente porque
não existiu monetarismo algum. A Nova República tem
credibilidade para atacar o problema e acho que isso deve
ser feito dentro de uma estratégia econômica e social
abrangente.
I
I VISÃO- Essa estratégia compreenderia o quê?

48 49
I

I
I
Marcílio- Acredito que sim, uma vez que não seja de ma-
Marcílio - Não se desmembraria de maneira alguma da I neira artificial. Deve estar no conjunto de medidas coeren-
redução do déficit público. Compreenderia: 1?) uma polí- tes e de credibilidade.
tica monetária coerente - neutra ou ligeiramente restriti- I
va; 2?) a retirada do elemento realimentador da indexação, I
I VISÃO - E a redução do recolhimento compulsório sobre
procurando-se preservar os preços mais em relação ao fu- os depósitos jeitos pelos bancos junto ao Banco Central,
turo que ao passado; 3?) conseqüentemente, a redefinição digamos a uns 20%, baixa os juros?
da co.rreção monetária, para que deixe de ser unicamente Marcílio - Seria importante, porque a transação financei-
um "espelho retrovisor". Como no Pacto de Moncloa, is- ra no Brasil está-se tornando extremamente onerosa, tanto
so levaria a uma política mais global de remuneração e va- sobre a operação como sobre o aplicador; pela exigência
lorização dos fatores de produção e a uma arrumação dos do compulsório; pela exigência de destinação dos recursos
preços relativos. captados, etc. Tudo isso pesa muito mais sobre o custo do
dinheiro do que a taxa de intermediação cobrada pelo sis-
VISÃO - Como ficaria a indexação e a correção monetária? tema financeiro.
Marcílio - Em vez de continuar concentrada nos três meses
passados, a indexação incluiria de 45 a sessenta dias para a VISÃO - No "open market", a Carta de Recompra não o
frente e o mesmo para trás. Seria uma projeção realista. transformou num centro de especulação financeira às custas
do Banco Central?
VISÃO - Qual o peso que atribui ao déficit público na in- Marcílio - A Carta de Recompra, em si, formaliza uma
flação e quais as formas de cobri-lo? Via emissão de moeda prática de mercado. O que no Brasil realmente preocupa
e de títulos? não é a indexação dos instrumentos financeiros a médio
Marcílio - Não o considero o único fator inflacionário, prazo (acima de um ano); aliás, a proposta do professor La-
nem acho que eliminá-lo zeraria a inflação. O problema do faiete Lopes dá a entender isso claramente. O problema é a
déficit é que é muito elevado (200Jo do PIB) e financiado de monetarização dos instrumentos financeiros de curto e cur-
maneira inflacionária, por causa disso. E é elevado devido tíssimo prazo, até do overnight. Ou seja, papéis de médio
ao enorme desperdício com o dinheiro público, pela baixa prazo ou longo prazo não deveriam ser utilizados para ope-
produtividade tanto dos investimentos como do gasto cor- rações de curto prazo. E os de curto prazo não deveriam ser
rente do setor público. indexados. Isso tudo causa grande distorção que não é pos-
sível resolver apenas com a proibição ou o fim da Carta de
VISÃO- E a influência disso sobre a taxa de juro? Recompra. Exige uma reforma bancária e financeira.
Marcílio - Diante dessa incapacidade de criar fluxos de
recursos, quer de impostos e tarifas, quer da venda dos VISÃO- Mas a base monetária...
produtos e serviços para pagar a dívida e de uma estratégia Marcílio- É impressionante como a base monetária brasi-
coerente de combate à inflação, os juros sobem. Sobem so- leira é pequena. Chega a ser 2% do PIB, uma das menores
bretudo pela percepção da sociedade de que o Governo do mundo, exatamente porque ninguém quer um cruzeiro
não tem capacidade de arcar com sua dívida. Na medida cujo valor se esvai a cada dia, a cada hora, quase a cada
~m que essa percepção do mercado muda, os juros baixam. minuto.
I
E o caso dos EUA, que têm uma dívida interna enorme e I

um déficit também. Mas lá se tem a percepção de que o VISÃO - Como seriam essas reformas que o senhor
Governo é capaz de gerar fluxos de retorno e que no futuro defende?
pagará a sua dívida. Marcílio -É preciso unificar os orçamentos da União, o
monetário e o das estatais, rearrumar o mercado financeiro
VISÃO - Reduzir a rentabilidade dos títulos públicos di- e retirar do Banco do Brasil suas faculdades de Banco Cen-
minui os juros?
51
50
I

I
I

I um órgão burocrata, formalista, que, em geral, só com-


tral, inclusive de órgão praticamente emissor de moeda,
por meio da chamada conta conjunta. prova se houve desvios fraudulentos. Nos EUA, o General
A reforma adaptaria institucionalmente a configuração '
I
I Accounting, ligado ao Congresso, mede a eficiência, a ren-
de fato das entidades financeiras à realidade, sem a compar- tabilidade e a razoabilidade do gasto público.
timentação superada que só encarece ainda mais o custo das I
transações. Hoje os conglomerados financeiros são obriga- r VISÃO- E quanto à tributação do capital de risco (ações)
dos a artifícios contábeis ou jurídicos para aplicação do di- e de empréstimos? Para efeito de IR, não seria o caso de se
nheiro de maneira mais racional e rentável. I dar tratamento igual?
'
I
Marcílio - O tratamento que privilegia o juro sobre o di-
VISÃO - Desde a semana passada o senhor é membro da I videndo não só leva a insuficiente captação da empresa pú-
comissão que vai reestruturar o Sistema Financeiro da Ha- I blica e privada nacionais como leva também empresas es-
bitação (SFH). Como ficará a poupança? trangeiras a privilegiarem o aporte de recursos sob a forma
Marcílio - O SFH é objetivo prioritário da reforma ban- de empréstimos, pela razão tributária e cambial, com refle-
cário-financeira que prego. Ele deve manter suas caracte- xos na estrutura da dívida externa.
rísticas de instrumento adaptado à captação de pequenas Pode-se diminuir a tributação sobre dividendos, ou eli-
poupanças e ao papel de financiador da construção civil e minar a bitributação sobre a empresa, no dividendo e na
da habitação, mas no livre mercado. De outro lado, deve pessoa física, ou criar algum tipo de dedutibilidade na pes-
haver um sistema específico para atender aos programas de soa física ou jurídica. Afinal, grande parte do desequilíbrio
moradia de interesse social. na estrutura do capital da empresa privada e da pública se
deve à necessidade de capitalização.
VISÃO - E a reforma tributária?
Marcílio - Ela deverá comportar quatro dimensões prin- VISÃO - E quanto à política cambial? O atrelamento ao
I dólar não atrapalha?
cipais: 1~)Federativa, descentralizando-se as decisões para
os Estados e municípios. A centralização do poder de tri- Marcílio - A política cambial, exceto em 1980, tem sido
I realista. Mas a vinculação ao dólar deve ser reexaminada,
butar e gastar é que tornou a máquina estatal muito mais
ineficiente. 2~) O sistema tributário (inclusive a "tributa- pois sofremos perda de competitividade nas exportações
I
ção'' da Previdência Social) deve ter eficiência econômica, (sobretudo na Europa, no Japão e em outras áreas não vin-
privilegiando a poupança e o emprego, não necessariamen- culadas ao dólar) e na dívida externa. É tempo de diversifi-
te por meio de incentivos fiscais, mas pela própria maneira car para minimizar nossos riscos cambiais e de flutuação
de ser concebida. 3~) Modificar o sistema de distribuição de taxas de juro no exterior. Deveríamos trabalhar com o
de renda e riqueza para evitar que 30 a 40 milhões de brasi- I marco, o franco francês e suíço e o iene. Afinal, no caso do
leiros nem cheguem, como hoje, a compartilhar dos frutos I
iene, o Japão é a segunda maior economia ocidental, com
do próprio produto. 4~) Incluir na reforma tributária are- um produto de 1 trilhão de dólares. No caso da dívida, o
forma fiscal, que prevê tributos e gastos, para aumentar a Brasil passaria a dever aos bancos alemães marco e não dó-
eficácia da tributação na sua conseqüência econômica, por lar, por exemplo; até porque nossos fluxos comerciais jus-
intermédio da eficácia do gasto público. tificam isso e podem ser compatibilizados com uma políti-
Talvez o imposto deva ser sobre despesa, em vez de so- ca cambial.
bre renda.
VISÃO- O senhor aprova a idéia da nova moeda?
VISÃO - Como seria a reforma fiscal? Marcílio - Ela se impõe, mas num ambiente de estratégia
Marcílio - É necessário criar mecanismos até parlamenta- de combate abrangente à inflação, para não termos de fa-
res de controle dos gastos públicos. O Tribunal de Contas é zer mais tarde outra reforma igual. Hoje, diminuir três ou

52 53
I

I
!

I VI- Entrevista com Paulo Rabello de Castro


quatro zeros é uma necessidade também material, pois os
próprios computadores e máquinas de calcular estão-se
tornando quase obsoletos ...
"Ainflação deriva do desperdício no uso dos recursos
reais postos à disposição da sociedade. O Governo,
VISÃO, 21-8-85 em vez de ser o organizador, coordenador e fiscalizador
das açOes sociais, passou a operar como empresário numa
subversão constitucional dos poderes. Através da inflação,
ele subverte o sistema de preços; através de um monstruoso
déficit público, gera uma expansão monetária explosiva e
desequilibra totalmente a economia. E acaba por destruir a
moeda ao não fixar receitas e tarifas em cruzeiros reais ... "
As palavras são de Paulo Rabello de Castro, economis-
ta, professor e redator-chefe da revista Conjuntura Econó-
mica, da Fundação Getúlio Vargas. Nesta entrevista exclu-
siva, Rabello dá seqüência ao debate aberto por VISÃO.

VISÃO - O que o senhor acha da proposta do professor


Francisco Lafaiete Lopes para zerar a inflação já em 1986?
Paulo Rabello de Castro - Respeitável, mas dela divirjo
I filosoficamente. A proposta tem como raiz a teoria esdrú-
I xula de que a inflação brasileira ocorre hoje porque existiu
ontem, anteontem, etc.: a chamada inflação inerciai. Não
I resta dúvida de que existe esse elemento de acomodação.
Mas daí extrapolar que a inflação deriva fundamentalmen-
I
te dessa inercialidade é querer jogar debaixo do tapete todo
o principal problema da economia brasileira, que é o des-
perdício no uso dos recursos reais postos à disposição da
sociedade.
r
I
VISÃO- Desperdício de recursos por parte de quem?
Rabello - Dos diversos grupos sociais do setor público,
que não estão controlados por um sistema de preços nem
pela ameaça de concordata ou falência, na medida em que
sejam ineficientes. O poder público, fruto de um período
de autoritarismo político, ficou inclusive com o seu sistema
de cobrança social totalmente subvertido.

VISÃO - Quer dizer, houve subversão constitucional dos


poderes e o Estado virou empresário?
Rabello- Exato. O Governo, em vez de ser o organizador,

55
54
I
I

I VISÃO - O que é o fator imanente que pode elevar a infla-


coordenador e fiscalizador das ações e dos diversos grupos
sociais, passou a operar como empresário. Isso não somente ção deste ano para 300%?
por meio das empresas estatais, como também pela respon- I
I Rabello - Deriva do fato de que, para qualquer dada taxa
sabilidade diretamente executiva de agências como o IBC, o de inflação instável, o sistema funciona como se não hou-
IAA, a Embratur, etc. Assim, extensos segmentos da econo- vesse a inflação, devido à indexação generalizada. Então,
I assim que os agentes econômicos passam a se sincronizar a
mia passaram a ser coordenados muito mais por interesses I
políticos menores, com repercussões profundas que resulta- uma determinada taxa de inflação, o Governo deixa de ti-
ram em ineficiência, mau uso do dinheiro público, corrup- I rar partido do processo inflacionário, vantagem esta que
ção, empreguismo e vai por aí afora. '' ele só consegue quando a inflação se está deslocando de
Outro aspecto esdrúxulo da proposta do professor La- um patamar para outro. É nesse momento que aparece o
faiete Lopes é querer resolver os problemas econômicos e chamado imposto inflacionário. Quando as pessoas proje-
sociais com uma reforma monetária, dando a impressão de tam inflação de 2000Jo, o Governo, tendo a capacidade de
que se trata de uma decisão indolor. O que o nosso país de- criar inflação de 300%, tira partido do processo, uma vez
ve fazer é honesta e corajosamente transformar as institui- que ele gasta dinheiro na frente dos outros consumidores.
ções, as funções de produção e mentalidade e a maneira de E gasta a preços que estão sendo reajustados ao ritmo de
agir, principalmente na superfície econômica e social. 200%, quando a projeção destes gastos implica uma taxa
maior. Quem sabe não estamos, exatamente neste momen-
VISÃO- C,omo o senhor define a inflação? to, sofrendo imposto inflacionário, na medida em que
Rabello - E correta a intervenção do professor Lafaiete existe um déficit público monstruoso, que vai gerar uma
Lopes de que, adicionando-se ao desperdício do setor pú- expansão monetária completamente explosiva e com ten-
blico o regime de indexações, se promove uma acomoda- dência a chegar à variação de 300%? Nesse deslocamento,
ção que faz com que seja possível ou tolerável a convivên- o Governo já ganhou, porque ele realizou um momento de
cia com taxas nominalmente muito altas. Nesse sistema de recuperação econômica não sustentável neste ano, abrindo
indexação, a parte inerciai, de fato, promove taxas excessi- espaço para a assimilação dos desequilíbrios reais da
vamente elevadas e cria distorções muito maiores. O que o economia.
professor Lopes não admite é que existe uma inflação ima-
nente, dentro dos próprios altos patamares que estão aí. VISÃO- Qual o papel do Estado na economia?
Na realidade, a inflação não está parada em 200%. Ela deu Rabello - O Estado deve voltar à sua tarefa indelegável de
uma paradinha de arrumação, para assumir proporções de ser o ordenador e coordenador das políticas econômicas e
300% ou 400% num futuro próximo, se os problemas reais sociais e o fiscalizador dos destinos da sociedade, que esta-
não forem atacados. r beleceu os seus fins e objetivos democraticamente. A defi-
A inflação subverte o sistema de preços. Todos ficam
I nição do papel do Estado implicará a autonomização das
numa sincronia indesejável, quando é próprio da socieda- empresas estatais, não exatamente a privatização de todas
de que alguns preços cresçam mais que outros, tendo em elas, o que seria financeiramente infactível e a melhor ma-
vista que as ofertas e demandas se deslocam, mostrando as neira de não ver coisa alguma acontecer. As empresas que
movimentações das preferências da sociedade. Na infla- permanecerem estatais precisam ter um estatuto que as
ção, as preferências se subvertem. Acabar com a inflação desvincule do sistema de poder.
significa devolver ao sistema de preços a flexibilidade ne-
cessária para mostrar, por exemplo, que certos segmentos VISÃO- Quer dizer, liberar mesmo a livre iniciativa?
da mão-de-obra estão mais demandados e têm portanto sa- Rabello - Exatamente, estabelecendo os controles onde a
lários mais altos. O mercado de bens também. Os preços livre iniciativa está mal representada, que são os monopó-
caem onde houver pletora de oferta. lios. Por exemplo, na área de comunicação, certas redes es-

56 57
tão atingindo níveis de velocidade extremamente próximos de gerar uma inflação mais alta que a prevista e embutida
aos monopólios e isto deve ser regulamentado. O Estado na receita do setor público ou quebra a sociedade ou o pró-
freqüentemente é monopolista abusivo de diversas áreas e prio setor público. Aí é que vem a dor do processo de com-
isto deve ser evitado e regulamentado. Necessitamos é de bate à inflação e todos vão ter de se convencer que é prefe-
uma organização social e política com efeitos reais sobre o rível jogar esta inflação para baixo.
setor público.
Todo o resto é coadjuvante. A reforma financeira e a de- VISÃO- Como combater eficientemente o déficit público?
sindexação geral, por exemplo. A desindexação das tarifas Rabello - Em matéria de déficit público, o Governo deve
de modo que as receitas do setor público sejam fixadas em fazer análise pormenorizada da produtividade e da eficiên-
cruzeiros durante um ano, e não em ORTN, ou as receitas cia de cada ação que desenvolve, para conseguir efeitos
sempre reajustadas da Sest. Tudo isso é coadjuvante. reais sobre a taxa de inflação. No dia em que o Governo
perguntar qual o valor econômico e social de cada burocra-
VISÃO- Como é que a correção monetária seria eliminada? ta e de cada prego utilizado ou turbina acionada, ele terá
Rabello - Mediante uma reforma financeira que facilite o feito a revolução necessária do déficit público. O cálculo
uso de papéis prefixados. Isso significa que o Governo pas- final será milagrosamente que o Governo acabou com o
saria a estimular o uso de papéis cuja pactuação de juros é déficit.
predeterminada e não pós-determinada. O Governo deso-
ficializaria o uso da correção monetária em contrato infe- VISÃO- E quanto à dívida externa? Como negociá-la?
rior a um ano. Isso aproxima a proposta do professor Lo- Rabello - Minha proposta foge em particular a tudo o que
pes e a minha. A correção remanescente fica sendo utiliza- vem sendo dito, principalmente na área do planejamento
da para contratos já existentes, como da habitação, e pa- governamental. O Brasil, devido à sua espantosa capacidade
péis governamentais de longo prazo. Como uma boa parte de reorganização econômica no setor privado e em alguns
do pós-fixado·é de empréstimos habitacionais, o Governo, segmentos do setor público, já estabeleceu um equilíbrio ra-
com a equivalência salarial no setor, abriu um espaço enor- zoável entre a conta de juros e a conta de superávit comer-
me para realizar a desindexação. cial. Aliás, esse superávit não pressiona a base monetária
porque não é necessariamente de conta corrente.
VISÃO - Em que os papéis prefixados facilitariam a que- O equilíbrio significa que o Brasil está sendo correto no
da da inflação? pagamento do juro. E é isso que vale dinheiro no mercado
Rabello- Quando o sistema funciona com taxas pós-fixa- internacional, a correção e a idoneidade. Mas, apesar dis-
das, ele fica preguiçoso em descobrir qual a inflação do fu- ~ ' so, estamos sendo apenados com os spreads, as comissões
turo, porque tudo está coberto, qualquer que seja a infla- por fora, as taxas de refinanciamento e os péssimos prazos.
ção, por causa da correção monetária. Com a prefixação,
os agentes econômicos ficam muito mais expostos. Quere-
mos exatamente que os diversos segmentos sociais se expo-
f Tudo isso gera um ônus completamente incompatível com
a nossa condição de ótimo pagador.
A base da negociação deve ser nada de dinheiro novo
nham à penalidade de inflação mais alta para que todos se para fazer importação que eventualmente inclusive preju-
disponham a lutar contra a inflação. dicaria o ritmo da indústria doméstica. O Brasil pode im-
A desindexação tem de ser aplicada necessariamente portar mais na medida em que exporte mais. Nada deva-
também às empresas do Governo. Por exemplo, em vez de riação na taxa de juro. Spread zero e prazo mais dilatado
continuar com as tarifas públicas cobertas por um critério para a amortização. Isso aí reduziria até 3 bilhões de dóla-
de inflação, mais uma taxa real, a nossa proposta é fazer res na nossa conta de juros.
com que no início do ano o Governo passe a fixar uma re-
ceita em cruzeiros, que terá de ser respeitada. Se a socieda- I VISÃO - E os juros internos?
.,J
58 59
I
I
ção, menos concessivo de privilégios e imunidades. A taxa-
Rabello- O custo do dinheiro no Brasil é uma miragem. ção pode também ser progressiva, de acordo com .a. renda
O Governo, grande devedor e rolador de dívidas, força global dos indivíduos e empresas. Deve haver modificação
continuadamente as taxas de juro para cima. O Brasil tem no sistema de tributação de dividendos, tendo em vista que
o problema da segmentação financeira, com boa parte do o país precisa de empresas capitalizadas e, por isto, não
mercado regulada por taxas privilegiadas de juro. Em pode bitributar dividendos.
qualquer sistema, se um paga 10 quando o custo é 20, o ou- É necessário estabelecer um imposto progressivo sobre
tro vai pagar 30 para compensar o subsídio à agricultura, a terra ociosa, que seria uma verdadeira reforma agrária.
exportações, habitação. Não se trata de eliminar completa- O imposto rural progressivo nunca foi aplicado no Brasil
mente essa segmentação, mas aplicá-la de forma mais sele- porque até hoje ninguém teve a real int~n~~o _de fazer .um.a
tiva. Outro fato que eleva o custo do dinheiro é a cunha revolução tributária no campo. Outra Ideia e a contn~m­
fiscal que tem de ser eliminada do mercado financeiro. O ção de melhoria. O Governo não pode conc~der J?.~l~onas,
que acontece hoje é que o poupador recebe 120Jo ou 14% como água, luz, pavimentação ao mercado Imobihano sem
de juro por cima da correção monetária, mas o tomador buscar uma contrapartida.
paga 30%. O spread bancário não é 15%; embora seja
muito alto no Brasil, ele está na faixa de 5% a 6%. O resto ' VISÃO - E, quanto ao capital estrangeiro, não seria o ca-
é taxação, que o Governo realiza de modo espúrio. so de tornar flexível a lei de remessa de lucros, além de mo-
·I
'JI I dificar o tratamento fiscal que desestimula investimento?
VISÃO - Muitos investidores estão fugindo dessa taxação. •;"'"" Rabello - Acabou a era da xenofobia. O Brasil hoje não é
I
Rabello - Existem maneiras para isso. O mútuo é um (

exemplo. É uma atividade absolutamente legal de grandes 'I r soberano, porque é financeiramente dependente, o que
torna curioso o nosso destino histórico. Fizemos um capi-
empresas que têm recursos a aplicar e grandes empresas talismo de Estado para não entregarmos nossas riquezas
que precisam deste dinheiro, por meio de um sistema que .J para empresas estrangeiras explorarem e espoliarem. Aca-
não passa por títulos de crédito nem pelo sistema bancário. ' bamos numa forma de dependência muito mais grave que é
É um mercado de commercial paper à margem da comer-
cialização visível. As corretoras e distribuidoras estão ga-
nhando muito dinheiro com a intermediação, fazendo ou
se tornando ponto de encontro das operações. Esse merca-
do, de taxas entre 14% e 15%, é boa indicação de que a ta-
j uma dívida cujo serviço é fixado de forma leonina pelo
credor.
Temos de acabar com a burocracia excessiva na remessa
de lucros, e mais: atualizar o regime de pagamento de ro-
yalties, que é muito fechado e também com burocracia
xa mais baixa é possível sem prejuízo do aplicador. mais diversa. Temos de facilitar onde há dificuldades. Não
I
se pode esquecer o Japão que era até 1977 pagador líquido
VISÃO - Como o senhor vê a reforma tributária? ·:j
., de tecnologia. Não existe possibilidade de o país se desen-
Rabello - É preciso descentralizar o sistema e as compe- volver por meio desse mito de tecnologia autónoma.
tências. Por isso, a assistência médica, por exemplo, pode- ,..
rá ser pior em alguns Estados, dependendo da qualidade VISÃO- E a política cambial? Que mudanças propõe?
da coisa pública local. O sistema deverá convergir para o Rabello - Deve-se desatrelar as regras de desvalorização
aumento da tributação direta em relação à indireta. A agri- ....
cambial da correção monetária. A regra do câmbio seria
cultura, por exemplo, é fortemente apenada pelo ICM e aquela que estivesse atada a uma relação (estudada pelo
pela taxação leonina nas exportações. No entanto, a cédula '\1
I
Governo) entre o custo dos produtos comerciáveis no exte~
G do Imposto de Renda é ridícula. O que faz com que o rior e as respectivas taxas de inflação dos países nossos par-
agricultor, o militar ou o parlamentar sejam privilegiados ceiros. Em última análise, a regra se vincularia a um índice
em relação ao IR que têm de pagar. ,.,
I• de preços de bens comerciáveis no exterior. Deve-se tam-
O sistema precisa tornar-se mais genérico na sua aplica- ~
.~.

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\

I
I
bém estabelecer como referência da desvalorização não I
I VII- Entrevista com Carlos Brandão
apenas o dólar, mas uma cesta de moedas. O Governo ob-
viamente teria um espaço para arbitrar acelerações e desa- J
celerações da taxa para estabelecer uma variação que facili- "Ainflação brasileira tem origem no descontrole do se-
te ou iniba a acumulação de reservas. O Brasil já faz uma tor público, que gasta mais do que pode porque é
política cambial, desde a maxidesvalorização, bem mais J ineficiente e irresponsável. O déficit do setor público é pa-
responsável. O que precisa é aperfeiçoar o sistema para en- go dramaticamente pela sociedade, com emissões de moe-
trarmos num período de grande tranqüilidade cambial. ) da e títulos."
As palavras são do ex-presidente do Banco Central,
VISÃO - E a nova moeda? Carlos Brandão, presidente da Associação Nacional das
Rabello- A minha é o cruzeiro. Instituições do Mercado Aberto (ANDIMA), diretor do
Banco Econômico e um dos responsáveis pela criação do
VISÃO- Com ou sem os três zeros? mercado aberto do país.
Rabello- Por motivo de economia de cálculo, o corte dos Nesta entrevista exclusiva, Carlos Brandão dá seqüên-
zeros seria interessante. Mas cortar três e não quatro, ten- cia ao debate aberto por VISÃO.
do em vista que a referência do público ficará desnorteada.
É muito confuso deixar de comprar uma coisa por 1.000 VISÃO - O que é necessário para o país pôr em práti-
cruzeiros para pagar 10 centavos. A conta fica difícil. Isso ca a proposta do professor Lafaiete Lopes e acabar
é preciosismo do Governo. Os técnicos acham que no mo- com a inflação?
mento do corte o dólar vai estar na faixa dos 10 mil cruzei- Carlos Brandão - Para a execução de um plano dessa natu-
ros. Então, cortando quatro zeros, daí para frente tería- reza, o Governo precisa ter total apoio da sociedade, princi-
mos 1 dólar valendo 1 cruzeiro. É preferível cortar só três e palmente dos assalariados. E isso não existe por uma razão
não confundir o público, inclusive para lembrarmos da muito simples. De 1980 a 1984 houve várias tentativas frus-
vergonha de termos tanta inflação. tradas de ajustamento da economia. Apareceram aqueles
famosos pacotes económicos que sacrificavam tudo e, em
particular, os trabalhadores. Tabelaram a correção monetá-
ria, achataram os salários, fizeram a maxidesvalorização, o
VISÃO, 4-9-85 diabo. O Brasil virou um laboratório de experiências econó-
micas. E estamos aí com 2000Jo de inflação.

VISÃO- Por que nada, até hoje, deu certo? Faltou con-
trolar as emissões de moeda?
Brandão- Exato. Quem usou esse laboratório para tentar
controlar a inflação em nenhum momento atacou as cau-
sas do problema, que são o descontrole monetário e os dé-
ficits públicos, que permanecem aí, vergonhosamente.
Agora mesmo, no início da Nova República, fizeram mais
uma tentativa frustrada. Congelaram os preços e, como
sempre, não se preocuparam com o déficit. Foi uma ale-
gria em maio, junho, julho, com taxa baixa de inflação
porque os preços estavam congelados. No entanto, isso

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I

piorava a situação do setor público, porque aumentava o I VISÃO - E em relação à pressão monetária gerada pelos
déficit das empresas estatais, que com os preços congela- superávits comerciais?
Brandão- É saudável. Emite-se no meio, mas, ao final de
dos perderam receita. Veio então a liberação dos preços.
Tivemos no mês de agosto a taxa recorde de 140Jo de infla-
i u~a- operação ou de um período de tempo, há os compro-
ção. Nesse período, a expansão da moeda também foi recor- missos para pagar. Portanto, existem as emissões e as con-
de e atingiu 240% nos doze meses, até julho. Média também .I trações. O que se tem é uma variação sazonal na base mo-
recorde. É fundamental em qualquer política de ajustamen-
I
netári;;t. devido aos superávits mensais. Mas, em função de
to econômico controlar a emissão de moeda, porque, se ela amortizações de empréstimos, juros lá fora, importações,
I
cresce, vai pressionar os preços mais adiante. 'I etc., o Banco Central revende internamente os dólares dos
superávits. Uma coisa acaba compensando a outra. Seria
VISÃO - O que o Governo precisa fazer para controlar a I inflacionário se tivéssemos este ano, por exemplo, 12 bi-
I lhões de dólares de superávit e, em conseqüência disso, as
emissão de moeda?
Brandão - A emissão normal não inflaciona. Temos vá- nossas reservas em moeda estrangeira subissem dos 8 bi-
rias moedas. O dinheiro em si, que é o papel-moeda, a lhões de dólares atuais para 10 bilhões, financiando-se esse
crescim~nto com emissão de moeda. De modo geral, o que
moeda escriturai, os cartões de crédito, o cheque, etc. Mas
nas épocas de festa, por exemplo, há demanda pelo papel- a autondade tem de fazer é vender títulos para poder neu-
moeda para facilitar as compras. Quem tem depósito em tralizar o crescimento das reservas.
caderneta de poupança retira dinheiro, transformando a
moeda escriturai em moeda manual. Depois tudo se ree- VISÃO - E as emissões de títulos?
I
quilibra, porque, passada a festa, os depósitos voltam a I Brandão - Há outras formas de financiar o déficit. A ob-
crescer e diminui a moeda em circulação. É uma emissão tenção de recursos externos, por exemplo, foi exaustiva-
sazonal, existe em toda parte do mundo e é positiva. mente usada. Também o aumento de impostos já chegou a
O mal vem da emissão de moeda para cobrir o déficit um ponto que ninguém agüenta mais. A venda de títulos
do setor público, porque esta permanece na economia, au- públicos é outro caminho, que está sendo utilizado exage-
mentando os haveres financeiros do país, fazendo crescer radamente, mais do que a economia pode suportar. O que
os depósitos à vista e a prazo, as cadernetas de poupança e o Governo gasta provoca a expansão da moeda, aí ele mes-
a capacidade de comprar. Isso tudo, sendo maior que o mo entra vendendo títulos para tirar os efeitos nocivos do
crescimento do produto, inflaciona. É a teoria quantitati- crescimento da moeda. Se não emitir título, a expansão
va, segundo a qual, se você tem mais moeda que bens de monetária vai ser de tal ordem que teremos hiperinflação.
serviço, acaba inflacionando.
I VISÃO - Qual a conseqüência mais direta da emissão de
VISÃO - Então, se essa emissão for eliminada, o déficit I títulos sobre a inflação?
I
acaba. Brandão- A elevação excessiva da taxa de juro. O Gover-
Brandão - Se for cortada drasticamente, é óbvio que as I no paga caro para obter os recursos com a venda de títulos.
empresas que provocaram a pressão, gerando o déficit, ou Isso acontece porque o volume que ele está colocando é ex-
se ajustariam rapidamente ou fechariam as portas, tudo de I
cessivo. As taxas se elevam porque os riscos do tomador
forma automática. Haverá desemprego e uma série de con- J aumentam. As taxas do título público, por isso são as
seqüências recessivas, mas tudo num período curto. De-
I
mais altas da economia. O resultado são as taxa~ de até
pois a economia fica saudável, porque a doença acabou. I 30% que impedem' o investimento e até mesmo o capital de
As taxas de juro descem, acaba a confusão da especulação giro para as empresas. A taxa do último leilão de ORTN
antes de o ministro Dilson Funaro assumir a Fazenda foi
financeira. A economia entrará na normalidade, como em
qualquer país desenvolvido, com a inflação entre 4% e 6%
.I de 21, 700Jo. Ela é tão elevada que em três anos vai dob;ar a
ao ano.
( dívida pública com títulos do Tesouro Nacional. De 300
I
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I

I
trilhões de cruzeiros, a dívida vai para 600 trilhões, em ter- Qualquer grande centro financeiro, como Nova Iorque,
mos reais. E, se a correção monetária continuar no nível Londres, Oriente, etc., funciona dando liquidez a papel de
atual, a dívida nominal poderá talvez chegar a 2 quatri- I
I vinte anos no overnight. Se aqui no Brasil mudarmos isso,
lhões de cruzeiros. Então, um país que está pretendendo a_ poupança financeira despenca. E a poupança interna
crescer 50Jo ao ano, tendo uma taxa de juro acima de 20%, ,I bruta já está baixíssima, em torno de 14%, quando foi de
ou que seja de 15%, não vai ter como pagar a dívida. É im- I
32%.
praticável a continuidade dessa taxa de juro se quisermos Quando comecei a implantar o open market, em 1969,
ter crescimento interno. ,I
I
não existia poupança financeira no país. O que havia de
depósito a prazo, títulos do Tesouro, etc. era ínfimo, por-
VISÃO - Sem emissão de moeda e títulos, quanto tempo I que nada tinha liquidez. Ninguém confiava num título por
seria necessário para acabar com a inflação? um ou dois anos. Era preferível deixar o dinheiro em depó-
Brandão - Isso se chama tratamento de choque e com- sito à vista. A economia não crescia, porque não havia re-
preende também o congelamento dos preços e salários, o cursos. Depois da organização do mercado financeiro, o
fim da correção monetária, etc. Bastam seis meses parare- Brasil cresceu e está numa fase relativamente boa, compa-
solver o problema da inflação. Mas é preciso que o Banco rada com a de outros países de inflação tão alta, porque
Central seja ortodoxo e passe a cuidar só da moeda e do tem mecanismos financeiros de proteção à poupança cria-
crédito, deixando definitivamente de emprestar ao Gover- dos pelo próprio mercado.
no. Hoje temos duas autoridades monetárias, o BC e o
Banco do Brasil. Ambos emitem moeda para cobrir o défi- VISÃO - Reduzir a rentabilidade dos títulos públicos re-
cit público. O Banco do Brasil não pode ser mais do que duz o custo do dinheiro?
um banco comercial do Governo. Também se faz necessá- Brandão - Na hora em que o Governo determinar que
ria a unificação dos orçamentos públicos. não emite mais títulos porque não vai mais financiar o dé-
ficit, as taxas cairão automaticamente. Já tabelar a taxa do
VISÃO - Tem o atual Governo apoio da sociedade para open market abaixo da praticada implica o risco de tornar
acabar com a inflação? I pior o controle da base monetária.
Brandão- O presidente José Sarney trabalha com vonta-
de de acertar. Mas ainda não há uma diretriz detalhada J VISÃO - E reduzir o compulsório dos bancos junto ao
nem uma política de combate à inflação, ajustando os di- Banco Central, digamos a uns 20%, ajuda a baixar o custo
versos segmentos da sociedade. Isso gera incerteza e as coi- '1 do dinheiro?
sas pioram porque se divulgam as preocupações de comba- Brandão - Quando fui presidente do Banco Central, quis
ter a inflação, reduzir a taxa de juro, acabar com o déficit descer o compulsório para 17,5%. Por que esse valor?
público, fazer crescimento econômico, reforma agrária, ,' Porque, pela experiência internacional, esse é o nível ade-
etc., tudo junto. Se conseguirem isso, e desejo que consi- ,I quado para se manter a atividade econômica sem pressão
gam, os autores da façanha merecem o Prêmio Nobel de inflacionária, com o setor privado crescendo por sua pró-
Economia. Será uma grande conquista para o país. pria força e mantendo o nível de emprego. A redução do
I compulsório para 20% é desejável, porque aí iria liberar
I
VISÃO - A carta de recompra não transformou o "open I recursos para o setor privado.
market, num centro de especulação financeira bancado ,I
pelo Banco Central? VISÃO - E quanto à dívida externa e os juros da dívida?
Brandão- Não. As instituições do mercado que dão liqui- Brandão- Se devêssemos 100 bilhões de dólares para pa-
dez a qualquer momento, mesmo para títulos de cinco ! gar em um ano, estaríamos falidos. Mas essa dívida, que a
anos, públicos ou privados, é que salvam a economia. ( gente pode pagar em dezesseis anos, com cinco de carên-
I
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I
cia, não é problema. Os banqueiros já ofereceram essas VIII- Entrevista com Edmar Bacha
condições, é só assinar o acordo e parar de fazer demago-
gia aqui no mercado interno. Quanto às taxas de juro elas
estão baixas e caindo; espero que cheguem a uns 5oJo ao
ano; não podem ser fixas porque quem nos empresta são
banqueiros privados que captam recursos de pessoas físicas "Qgrande problema de pôr em prática um tratamento
e jurídicas a taxas que variam a cada seis meses. Além do de choque para acabar com a inflação é que a pro-
que temos o superávit da balança comercial, um dos ele- posta exige um consenso político que, aparentemente, ain-
mentos mais saudáveis da nossa economia. da não existe no país. O grosso do déficit público é nomi-
nal e um importante componente dele é juro real a taxas
VISÃO- E quanto à dívida interna? absurdas de 2007o a 2507o da dívida interna contra 707o da dí-
Brandão - É o grande problema que temos, pois gira em vida externa ... ''
torno dos 500 trilhões de cruzeiros, considerando desde os As palavras são de Edmar Bacha, 43 anos, presidente
títulos até a dívida com os empreiteiros, empresas de enge- da Fundação IBGE, professor do Departamento de Eco-
nharia e consultoria e fornecedores privados. O pior é que nomia da PUC, um dos autores do Plano Nacional de De-
o prazo dela é bastante curto. E, uma vez que a taxa inter- senvolvimento (PND), autor do livro Os mitos de uma dé-
na de juro está em 18,507o, a dívida em três anos dobra em cada. Bacha entende que não há como acabar com a infla-
termos reais. Vai passar de 1 quatrilhão de cruzeiros. Em ção de um mês para outro, mas que é preciso combatê-la, e
dois anos, ela estará igual à dívida externa! buscar saídas para o impasse, conforme explica nesta en-
As conseqüências são totalmente imprevisíveis. Hoje, trevista que dá seqüência ao debate aberto por VISÃO.
ou se coloca ordem nisso, ou o setor público vai desorgani-
zar toda a economia brasileira. É preciso lembrar que num I
VISÃO - O que o senhor acha da proposta do professor
mesmo espaço não cabem dois corpos e cada vez mais o es- Francisco Lafaiete Lopes para zerar a inflação em 1986?
paço privado é ocupado pelo setor público. Daqui a pou- Edmar Bacha - Audaciosa e reflete o estado de desespero
co, a livre iniciativa será totalmente expulsa da economia em que nos encontramos. É diferente da metodologia gra-
com a estatização geral. ' dualista de combate à inflação, que se caracterizou no Bra-
sil. Aplicá-la seria um rompimento com o passado em que
VISÃO- O senhor aprova uma nova moeda? a estratégia de política econômica foi "conviver com a in-
Brandão - Qualquer medida de reforma monetária terá flação''. O país, comprovadamente, ainda demonstra que
d.e ser P.recedida de uma política que dê segurança total do consegue conviver com uma inflação de 20007o e crescer es-
fim da mflação. Mesmo que seja com tratamento de cho- te ano em torno de 5 OJo.
que, como fez a Argentina. Aí, sim, se justifica a nova 1
I O grande problema é como mudar radicalmente uma
moeda. Cortar zeros com a possibilidade de hiperinflação política que ainda não se esgotou, num contexto em que
é bobagem; é tirar zeros e daqui há algum tempo estará de parece muito difícil a obtenção de consenso necessário pa-
volta a zeraiada toda de novo. Uma vergonha! ra essa proposta radical de combate à inflação. Uma difi-
culdade retratada no fato de que medidas muito mais co-
1
I mezinhas de administração pública têm encontrado barrei-
VISÃO, 11-9-85 ras políticas bastante difíceis de serem ultrapassadas. A
proposta do professor Lafaiete Lopes exige um consenso
político que aparentemente ainda não existe no país.

; VISÃO - O senhor concorda com a proposta?


Bacha - A economia é uma ciência social, de modo que o
I
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I
nível de abstração que um economista se pode dar vai até serva de liquidez. Além disso esse sistema de reajuste não é
um certo limite. Não podemos abstrair do contexto políti- mais sensível a choques de oferta do que o atual.
co e social a nossa aprovação ou desaprovação de uma
proposta desse tipo. VISÃO- Qual o segundo problema básico da inflação?
Uma política gradualista pode trazer a inflação gradual- Bacha - Quando a inflação é elevada, há uma punição
mente para baixo e concordo que isso é cada vez mais insa- muito forte para os pequenos erros. Um empresário, num
tisfatório. Também entendo que um "choque ortodoxo" regime de inflação alta, perde ou ganha muito, se erra o
no combate à inflação seria um desastre para o país agora, preço. Por exemplo, se a inflação é de 2000/o, pode vir a ser
porque levaria a uma queda abrupta do ritmo de atividade de 180% ou de 220%; quem se situou em 180%, e der
econômica, sem que por algum tempo se ganhassem os be- 2200/o, quebra. Se a inflação fosse de 10%, e desse entre
nefícios da redução da inflação. Sacrificaríamos o cresci- 8% e 12%, não haveria grandes problemas. Por isso, as
mento e talvez a democracia em nome de uma teoria que pessoas tendem a progressivamente antecipar inflações
associa exclusivamente a excesso de demanda a inflação sempre mais elevadas. Uma atitude de defesa que acaba
atual, quando ela é inerciai. E o choque heterodoxo? Esse tornando o patamar da inflação inerciai; é alta hoje por-
propõe resolver o problema de uma só vez, o que é bom que foi alta ontem ...
porque corta o mal, porém exige para sua implementação e Aqui a solução seria não permitir às empresas repassa-
sucesso um grau de aceitação, uma concertação (com "c") rem mais do que a inflação que está vindo do passado. Mas
política que está difícil de ser executada neste período pre- o controle de preços é ruim porque desarticula o sistema de
nhe de eleições e de indefinições político-partidárias que mercado.
vão até a Constituinte.
VISÃO - E a desarticulação dá livre mercado é uma outra
VISÃO- Neste contexto, como. tratar a inflação? maneira de alimentar a inflação ...
Bacha- Uma inflação de 200% tem dois problemas. O Bacha -É, na medida em que reduz a produtividade geral
primeiro é a grande variabilidade dos salários, nos seis me- do sistema econômico.
ses entre os reajustamentos. Se você ganha, logo após o
reajuste, 1 milhão de cruzeiros, estará ganhando o equiva- VISÃO - Qual o peso que o senhor atribui ao déficit pú-
lente a 570 mil cruzeiros no mês anterior ao reajuste se- blico na inflação?
guinte. Uma queda de 43% do poder aquisitivo no semes- Bacha - O grosso do déficit é nominal. Quando se diz que
tre. Nenhum cristão é capaz de suportar isso. o déficit é de 25% do PIB, boa parte dele é devida à corre-
ção monetária da dívida pública interna e da correção cam-
VISÃO- Como acabar com isso? bial da dívida pública externa. De modo que, uma vez que
I
Bacha- É simples. Temos a fórmula do professor Eduar- \
se elimine a inflação, a correção será zero e boa parte do
do Modiano, que permite reajustes mensais da seguinte déficit deixa de existir. Por isso é que o Governo insistiu e,
maneira: três meses depois do último reajuste, se calcularia finalmente, conseguiu do FMI que se avaliassem as pro-
a inflação do período, que seria repassada para os três me- postas de contenção do déficit a partir do conceito de défi-
ses seguintes. Por exemplo: a inflação dos três últimos me- cit operacional, ou seja, um déficit que exclui as correções
ses foi de 30%; nos três meses que vêm, os salários seriam monetária e cambial.
reajustados à média geométrica de 8%. Seria mantido o sa-
lário real pela média. A vantagem disso é o poder aquisiti- VISÃO - Como acabar com o déficit operacional?
vo constante. As empresas não teriam mais as grandes dis- Bacha - Um componente importante do déficit é o juro
paridades nem aumentos súbitos de seu custo de produção real a taxas absurdas de 20% a 25% no mercado interno,
num determinado mês, o que as força a ter uma grande re- iI contra 7% que pagamos para os credores externos. É difí-

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cil pedir à sociedade sacrifício na forma de aumentos da ar- I cioso acabando com a emissão que cobre o déficit público.
recadação ou cortes de gastos produtivos do Governo, Isso não seria solução?
quando boa parte do ônus sobre o déficit se deriva exata- ,I Bacha- Seria. Agora, pára tudo. Se você não emite, tem
mente do peso do pagamento dos juros internos. I que cortar alguma coisa. O déficit nominal hoje é de uma
ordem absurda, mais de 200Jo do PIB. Qualquer pessoa que
VISÃO - Baixar a rentabilidade dos títulos públicos reduz pensa que pode simplesmente parar a inflação zerando o
esse juro? déficit nominal do Governo ou é idiota ou está querendo
Bacha- Não há razão para termos hoje taxas de juro tão provocar uma revolução neste país, ou então está a serviço
elevadas, quando até março deste ano, sob a administra- de algum interesse estranho.
ção do Affonso Celso Pastore, no Banco Central, tínha-
mos taxas de 150Jo a 16%. E como o grosso do mercado é VISÃO - Isso é impossível?
tomado por títulos públicos, não tem como reduzir aí a Bacha - Possível é, mas vamos ter uma recessão brutal,
rentabilidade sem que o juro caia. Para isso, precisamos como na Costa Rica, Chile e República Dominicana. O po-
ter uma política monetária consistente com a manutenção vo vai para as ruas, porque a queda do poder aquisitivo vai
de taxas de juro que são sustentáveis. ser substantiva, extremamente danosa. Quem propOe isso é
irresponsável.
VISÃO - Qual o peso da expansão da base monetária na
inflação? VISÃO - Mas o que o Governo vai fazer para acabar com
Bacha - Não faz sentido impor uma política monetária o círculo vicioso?
que tente reduzir ainda mais a base monetárja que foi, em Bacha - As projeçOes do 1? PND indicam que se a emis-
1980, 10% do PIB. Agora é menos de 3%. E uma política são monetária acompanhar a inflação, se a dívida pública
que não faz sentido tentar correr na frente com a moeda. A expandir-se a uma taxa não maior do que o crescimento de
moeda tem que acompanhar, no seu movimento contrati- 6% do PIB e o Governo conter em 3% a taxa de crescimen-
vo, as possibilidades que existem de o Governo reduzir a to do seu gasto podemos colocar a casa em ordem. Isso é
inflação pelo lado do controle de preços e salários e acordo possível de ser feito no próximo ano e em 1987.
sobre os juros. Ao lado disso, precisamos também de um
esforço fiscal. VISÃO - Como fica aí a política tributária? O que
vem a ser um esforço fiscal?
VISÃO - Deixar definitivamente de emitir moeda e títulos Bacha - É preciso aumentar e melhor distribuir a carga
para cobrir o déficit público não é uma forma de acabar fiscal. Esta é uma questão para o Congresso Nacional deci-
com a inflação? dir, tanto do lado da taxação como da redução dos gastos.
Bacha - Seguramente, há uma margem importante de re- Há uma proposta de reforma fiscal de emergência que já
dução do gasto público a médio prazo. Mas o déficit está está chegando ao Congresso.
lá. Se você não o cobrir vão ocorrer atrasos comerciais (ca-
lote) e de pagamento dos salários dos servidores. O grosso VISÃO - O senhor defende a substituição do endivida-
do déficit, reafirmo, é nominal, por causa da inflação mento interno pelo externo, por causa da diferença das ta-
elevada. I xas de juro. Como fazer isso?
I
Bacha - Através de um acordo com os países industriais
VISÃO - Mas a inflação é elevada também por causa do europeus e com os EUA. Boa parte dos nossos problemas
déficit. internos resulta da rapidez com que o Brasil teve de se ajus-
Bacha - Estamos num círculo vicioso. tar a choques externos muito fortes. O desajuste interno
hoje é o retrato do reajuste externo. A partir dessa concep-
VISÃO - O que se coloca é quebrar um elo do círculo vi- ção caberia, paralelamente à renegociação econômica da
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dívida, o entendimento a nível político mais amplo. Obte- IX- Entrevista com Carlos Geraldo Langoni
remos assim a colaboração dos países industrializados e
das instituições multilaterais de crédito para arrumarmos a .I
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casa. Se a gente tivesse condições, através de mecanismos
variados, de fazer essa substituição, o Governo diminuiria ,I "T emos déficit público crônico e com tendência cres-
cente, cada vez mais financiado pela expansão mo-
de 250Jo para 8% o que paga de juro pela dívida interna. É
deixar de pagar dois terços de juros na dívida de 330 tri- netária ... A aceleração monetária sanciona as expectativas
lhões de cruzeiros. ,I de mais inflação no futuro ... Um caminho extremamente
!
eficiente para eliminar ou reduzir substancialmente o défi-
VISÃO -A preocupação básica é equilibrar a conta interna? cit é o Congresso Nacional proibir a emissão indiscrimina-
I
Bacha- Não é só isso. O problema da inflação também I da de moeda para cobrir o excesso de dispêndio do setor
tem de ser atacado. A dificuldade é a falta de consenso po- público, outorgando autonomia ao Banco Central para
I
lítico para uma solução do tipo que o professor Francisco I
impor a disciplina monetária ... "
Lafaiete Lopes defende. As palavras são de Carlos Geraldo Langoni, ex-presi-
dente do Banco Central do Brasil, professor de Economia
VISÃO - E quanto tempo o senhor acha necessário para o da Fundação Getúlio Vargas, que, nesta entrevista, dá se-
Governo ter condições para jazer um tratamento de cho- qüência ao debate aberto por VISÃO.
que na inflação, como na Argentina, por exemplo, onde a
inflação caiu de 30% em junho para 6% em julho e 4% em VISÃO - O que o senhor acha da proposta do professor
agosto? Francisco Lajaiete Lopes para zerar a inflação já em 1986?
Bacha - Lá está dando certo porque a inflação era de Carlos Geraldo Langoni - Não existem fórmulas mágicas
1.000%. Há duas condições sobre as quais se conseguem ou indolores de combate à inflação. A experiência de vá-
criar os requisitos necessários a esse tratamento: 1~)Que se rios países que tiveram sucesso no combate a inflações ele-
passe para a hiperinflação e, no desespero, toda a socieda- vadas ou mesmo à hiperinflação sugere que é essencial ata-
I car as fontes primárias do processo e não apenas os seus
de concorde com o tratamento de choque heterodoxo, ain-
da que não haja uma armadura política suficientemente efeitos. No caso brasileiro, a fonte básica de inflação é o
forte em torno do Governo. 2~) Que se consiga estabilizar I brutal déficit público, estimado em torno de 25% do PIB.
a inflação em 200%; então, com armadura política, criada Qualquer tentativa de modificar o sistema de indexação
pela Constituinte, viria a implementação do tratamento de antes de equacionar o problema do déficit não teria efeito
choque. I relevante sobre o processo inflacionário e poderia levar a
uma total desarticulação da nossa já minguada poupança
VISÃO- E quanto à criação de uma nova moeda? 1
I interna.
Bacha - É apenas uma questão contábil; não teria grande I VISÃO- Como combater a inflação brasileira?
relevância. Funcionaria para as máquinas calculadoras tra-
balharem de maneira mais eficaz ... Langoni - É necessário uma ação articulada e, principal-
I mente, uma seqüência temporal lógica do conjunto de me-
I
I didas. Após o controle efetivo do déficit público faz senti-
do modificar o sistema de indexação compulsória que, de
VISÃO, 18-9-85 fato, realimenta o processo inflacionário ao introduzir rigi-
dez de caráter contratual aos s·alários nominais e também
às tarifas e preços de serviços públicos. Em princípio, de-
ve-se passar a utilizar como referência para reajustes de va-

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• 74
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lores a inflação esperada, projetada para o futuro, e não a dos principais agregados monetários, pode ser elemento
inflação passada. No tratamento de choque, a inflação es- adicional de muita utilidade para a consolidação de nova e
perada após as medidas de contenção fiscal e monetária é I mais favorável expectativa inflacionária.
1
zero. Isso é equivalente a uma situação extrema em que se-
ria eliminado todo e qualquer sistema compulsório de in- VISÃO - A Argentina adotou o "choque heterodoxo" re-
I
dexação. Em casos menos extremos é possível prefixar em ! centemente e parece estar debelando a inflação ...
níveis significativamente inferiores em relação ao passado Langoni - A Argentina seguiu uma estratégia de primeiro
as novas taxas de correção monetária. I eliminar os focos primários de inflação e, em seguida, aca-
bar com os mecanismos de realimentação via reajustes auto-
VISÃO- Mas como eliminar o déficit público? máticos de salários e preços. Na realidade, o público argen-
Langoni - Existem duas formas para eliminar ou reduzir tino só acreditou no congelamento de preços e salários por-
substancialmente o déficit público. A primeira é pela via que ele foi acompanhado pela proibição, por lei, de o Banco
consensual, pelo amplo debate público e especialmente no Central emitir moeda para financiar o déficit público.
Congresso Nacional, onde se buscaria a combinação factí- Ora, isso é equivalente a uma drástica e quase instantâ-
vel entre corte de despesas e eventual elevação da carga tri- nea redução do desequilíbrio do setor público, que é força-
butária. A segunda é o caminho indireto mas extremamen- do a cortar os excessos de despesa. A partir desse momen-
te eficiente em que se proíbe a emissão indiscriminada de ,I to, o congelamento (transitório) de preços e salários cor-
moeda para cobrir o excesso de dispêndio do setor público. responde ao caso extremo anteriormente mencionado de
Esta última alternativa não precisa resultar de uma deci- I prefixação a uma taxa esperada de inflação igual a zero.
são unilateral do Executivo. O Congresso Nacional poderá Ou seja, ao eliminar as fontes primárias de alimentação da
também tomar essa iniciativa ao, por exemplo, consagrar a inflação, introduziu-se um corte entre o passado e o futu-
independência do Banco Central. Isso significaria outorgar ro, em termos simples: reconheceu-se que a partir daquele
ao Banco Central a autonomia para impor a disciplina mo- momento a "nova" inflação esperada para os próximos
netária, a exemplo do que já se fez em países como Alema- meses não tinha nada a ver com o comportamento passado
nha e EUA. Acabaria dessa forma o automatismo da ex- dos preços.
pansão monetária para cobrir os subsídios explícitos da
conta petróleo e do trigo, o déficit da Previdência e o servi- VISÃO - Também no Brasil temos a expansão da base
ço da dívida das empresas estatais. A partir desse momen- monetária para cobrir o déficit e ...
to, esses déficits terão de ser forçosamente eliminados ou Langoni - No caso brasileiro temos déficit público crôni-
~ntão cobertos por fontes conhecidas de recursos fiscais. É co e com tendência crescente e que vem sendo financiado
fácil perceber que uma medida dessa magnitude e profun- cada vez mais por expansão monetária, apesar das coloca-
didade teria impacto extremamente favorável sobre as ex- I
I ções maciças de títulos públicos. A aceleração monetária
pectativas, facilitando a desaceleração do ritmo inflacioná- I sanciona as expectativas de mais inflação no futuro, ali-
rio. Ela é muito mais poderosa e relevante do que a simples mentada pela percepção da sociedade de que as contas do
modificação do sistema de correção monetária. Governo não estão sob controle.
I Por outro lado, o sistema de indexação compulsória,
VISÃO - E quanto à reforina monetária e criação de nova em especial quando reproduz integralmente a inflação pas-
moeda? sada, como no caso dos reajustes salariais, constitui ele-
Langoni - Feita isoladamente, tem pouco significado: é mento de rigidez adicional para a reversão do processo
simples mudança de escala para medir valores expressos inflacionário.
em moeda. Inscrita num contexto mais amplo, em que o I
A combinação de déficits de caixa elevados, pressão sa-
déficit público já está sob controle, assim como a evolução I larial e descontrole monetário explica as tensões inflacio-
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nárias crescentes que o Brasil vem atravessando. A política X- Entrevista com Alberto Denegas Lynch
monetária é restritiva sob o ângulo das taxas de juro (que
permanecem extremamente altas em termos reais), m~s iso- J
I
J
ladamente não é suficiente para reverter o processo mfla-
cionário; no máximo, tem impedido a aceleração ainda o dia 14 de junho, o presidente Raúl Alfonsín, da Ar-
mais rápida dos preços. N gentina anunciou um plano de reforma econômica, o
'
chamado Plano Austral, que consiste no chamado " ch o-
VISÃO - Como poderia ser alterado esse quadro de infla- J
I que heterodoxo" da inflação, que é considerada inerciai
ção inercia/? num ambiente de hiperinflação. A tese é defendida entre
Langoni- O combate à inflaçã? ~~ige ,aç~o ~rquestrad.a I outros pelo professor Francisco Lafaiete Lop~s e em sí~te­
em diferentes frentes: corte do deficit pubhco e precondt- I
se consiste num realinhamento de preços e tanfas, segmdo
ção para poder viabilizar outras medidas. Incl~sive aquel~s do congelamento de preços e salários, reforma monetária,
referentes à própria política de correção salanal automáti- fim da indexação da economia e câmbio fixo.
ca com base na inflação passada, assim como a redução Foi o que se fez na Argentina, inclusive criando-se uma
efetiva das taxas de juro em termos reais. nova moeda, o austral (1 austral = 0,80 dólar), e contendo-
Quando a inflação passa de 40% em 1978 para 230% se as emissões com o que se saiu de uma inflação de 30,50Jo
em 1985 é mais apropriado falar em aceleração do que em em junho (2.340% em termos anuais), para 6,20Jo em julho,
inércia inflacionária. A prioridade maior é, sem dúvida, 3,1% em agosto e igual expectativa em setembro. .
eliminar os conhecidos focos de alimentação. Trata-se, em Isso significa que o plano funciona? E quando for eh-
última instância de corrigir as distorções institucionais que minado o controle de preços e salários? Estará mesmo sen-
têm transformado o déficit público brasileiro em desequilí-
do eliminada a verdadeira causa da inflação?
brio crônico e não apenas conjuntural.
Em última instância, é necessário rever corajosamente a Para dar respostas a estas e outras questões, num mo-
mento em que a experiência argentina é acompanhada com
excessiva presença do Estado na economia brasileira. A grande expectativa por todos, VISÃO convidou para partici-
partir dessa redefinição, o controle da inflaç~o poderá ser
obtido inclusive com a recuperação da capacidade de cres- par da série "Debate" o professor Alberto,~enegas Lyn~h.
Benegas Lynch é professor titular de Pohtlca Economtca
cimento de nossa economia estimulada pelos investimentos Argentina na Universidade de Buenos Aires; assessor eco-
do setor privado. nômico da Câmara de Comércio e da Bolsa de Comércio de
Buenos Aires; vice-presidente e diretor-geral da Escola Su-
perior de Economia e Administração de Empresas; e mem-
VISÃO, 25-9-85
I bro do Conselho Diretor da Mont Pelerin Society.
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I
Este artigo dá seqüência ao debate aberto por VISÃO.

VISÃO - O senhor poderia comentar o Plano Austral, o


que mudou na Argentina e quais as expectativas quanto à
política económica?
Alberto Denegas Lynch -Na mensagem de 14 de junho
houve uma mudança na linguagem do presidente da Repú-
blica Argentina. Ele reconheceu que há quatro déca~as a
situação econômica se vem deteriorando e que, antes dtsso,
a Argentina era um dos países que mais se desenvolvia. Eu
acrescentaria que esse progresso se deveu à adoção dos

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I

princípios liberais da Constituição de 1853, em que a fun- I so argentino, denominando-se "austral" a nova moeda,
ção do Governo consistia em proteger os direitos dos go-
l medida irrelevante em relação ao problema em si, mas de ín~
vernados e não em manejar os cidadãos e o fruto de seu dole prática, pois alivia os dígitos das máquinas de calcular,
I os livros de contabilidade e as avultadas bilheterias.
trabalho. 'i
Às medidas monetárias acoplou-se o tristemente célebre
Também na mensagem presidencial já não se insistiu controle de preços, o qual transmite indicadores falsos ao
em que a causa da inflação reside nas multinacionais, em .I
I mercado, com o que se desarticula a economia e aparece a
complôs estrangeiros ou em outro bode expiatório: apon- escassez de mercadorias. Esses controles de preços ba-
tou-se com clareza que a causa provém da emissão gover- I seiam-se na idéia de que o comerciante poderia subir os
namental. Essa é uma mudança de linguagem que significa preços além do estoque monetário existente e voltam à
um passo na direção certa, independentemente das caracte- idéia errada de que é o termômetro (os preços) e não a in-
I
rísticas e dos resultados finais do novo plano econômico. I fecção (expansão governamental de moeda) a causa da en-
A intenção desse novo plano era adotar o modelo mo- fermidade (a inflação).
netário do tipo de câmbio fixo com política monetária pas- Essa mesma idéia errada está presente quando se com-
siva. Assim, ata-se a divisa local à estrangeira (no caso, o bate a indexação ou o ajuste de valores entre as partes de
dólar americano), emite-se contra a entrada de dólares e um contrato, sem perceber que isso é conseqüência e não a
esteriliza-se contra a saída de dólares. causa da inflação. De toda maneira, anunciou-se que aca-
É importante destacar que, para que esse modelo se tra- bará o controle de preços mas, simultaneamente, alguns
duza num "padrão dólar", não se deve introduzir artifí- funcionários parecem confiar na manutenção do controle
cios nos movimentos de capital, nem nas exportações e im- para o êxito do plano.
portações de bens e serviços, nem nos preços relativos in- Além disso, o plano em vigor estabeleceu congelamento
ternos, especialmente quanto à taxa de juro. de salários sem atinar que o nível deles depende exclusiva-
No caso argentino, esses artifícios, por enquanto, não mente do nível de capital e não guarda relação causal algu-
só não foram removidos como se introduziram alguns adi- ma com a inflação monetária.
cionais; logo, a expansão monetária é conseqüência da ma- De outro lado, a Secretaria da Receita Federal estabele-
nipulação governamental. Não estou defendendo que, ceu novos gravames e está controlando mais estreitamente
cumprindo-se fielmente tal modelo, se eliminaria pela raiz a evasão fiscal, com o que incrementou a proporção em
o problema inflacionário; ao contrário, creio que implica- I I que se financia o gasto público com recursos genuínos.
ria a manipulação monetária, só que a partir da Reserva Pensa-se em financiar o restante com dívida pública, o que
Federal em vez do banco central local, com o que se pode- posterga as emissões adicionais que serão suscitadas no
ria evitar oscilações erráticas e espasmódicas na oferta de momento do vencimento dos juros, do resgate dos títulos
dinheiro mas não se resolveria o fundo da questão: a mani- ou, em geral, quando se tiver de fazer frente aos compro-
I missos da dívida.
pulação governamental da moeda, o que inexoravelmente I

distorce os preços relativos. É de grande importância assinalar que, embora com to-
Essa distorção de preços relativos, conseqüência neces- das as reservas apontadas em relação à política monetária
sária das decisões da chamada autoridade monetária, em curso, o objetivo final não deveria consistir em trocar o
orienta mal a estrutura produtiva, o que, por sua vez, con- imposto inflacionário pelo imposto propriamente dito,
duz à má destinação de recursos e ao consumo de capital, uma vez que, nessa situação, o cidadão argentino conti-
causando a diminuição de salários em termos reais. nuaria sendo um escravo do sistema que deve atender aos
De todo modo, as emissões são menores do que se fa- anseios ilimitados do Estado megalômano. A chave do
ziam até 14 de junho, quando se emitia também para finan- problema, nesse aspecto, consiste em reduzir o gasto públi-
ciar as necessidades do Tesouro. Essa modificação ocorreu co eliminando todas aquelas funções que são incompatí-
juntamente com a eliminação de três zeros adicionais no pe- veis com um governo republicano.
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1
I ção de outros cidadãos consiste em o Governo devolver à
Uma vez definidas as funções governamentais em uma comunidade o que previamente lhe retirou para alimentar
sociedade livre, não se deveria falar em melhorar a eficiên- a hipertrofia estatal.
cia das tarefas restantes, uma vez que aumentos na eficiên- I
I
cia de atividades inconvenientes fazem crescer tais inconve-
nientes. Em conexão com esse ponto, quanto às chamadas VISÃO, 2-10-85
"empresas estatais", tem-se dito que devem ser competiti-
vas, mas a única maneira de lograr esse objetivo é colocá-
las frente aos rigores do mercado, retirando-as da órbita
política.
Tampouco deve haver referência à redução ou limita-
ção dos gastos em áreas ou funções incompatíveis com
uma sociedade livre, senão eliminá-los; caso contrário, se-
rão observadas instruções ridículas como a de que os fun-
cionários não devem usar senão táxi; que não devem hos-
pedar-se em hotéis de cinco estrelas, mas nos de quatro;
que devem tomar menos café; ou que se congelem contra-
tações. Tudo isso não só continua consumindo recursos e
prestando maus serviços como produz um notável desgaste
político para resistir aos interesses criados pela burocracia
de voltar aos níveis anteriores. Isso porque a redução dos
gastos se concentra em áreas especialmente sensíveis ante a
opinião pública. Assim, são anunciados fechamento de
asilos de anciãos, escassez de equipamentos em hospitais e
colegiais abandonados à própria sorte em zonas marginais.
Ao invés disso, se se repassam tais funções à iniciativa pri-
vada, isso se realiza de uma só vez sem o desgaste anterior-
mente mencionado; estabelecem-se interesses criados pelos
novos donos e as novas relações contratuais que servem
para neutralizar os interesses criados pelos burocratas.
Finalmente, não se deve criar novos cargos para reduzir
o gasto público, pois isso revela escasso poder político para
recorrer à imensa gama de car~os que existem num regime
estatizado como o argentino. E previsível que esse escasso
poder político faça com que as novas comissões e cargos
criados para reduzir o gasto público terminem por se cons-
tituir em peso adicional.
Em resumo, se o objetivo de um bom governo consiste
no respeito à dignidade do ser humano e em seu bem-estar 'I
espiritual e material, o êxito deste ou de qualquer outro
plano econômico está em aumentar de maneira significati-
va a liberdade do cidadão. No plano puramente material, a
única reativação que não se baseia em subsídios e tributa-
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XI- Entrevista com Mário Henrique Simonsen I


l VISÃO- Como o senhor define a inflaçiio brasileira?
Simonsen - Uma inflação acima de 2000Jo ao ano tem
I componentes de todos os lados. Componentes inerciais
decorre~t~s do sistema.. de indexação de rendimentos, pre~
1
"para. zerar a inflação num curto espaço de tempo, até ços admimstrados pela mflação passada, que é jogada para
o fim de 1986, por exemplo, você teria que: a) sin-
cronizar o combate ao déficit público, de forma a não ter o futuro, etc. Tem componentes de demanda e, às vezes,
de fazer emissão de moeda ou títulos nesse volume atual; de choque de oferta, como o que ocorreu em agosto, com
b) estabelecer a 'ORTnização' pelas médias (referenciar em o aumento do IGP.
ORTN os preços e salários pela média de um período);
c) então, sim, fazer uma reforma monetária. Não vamos VISÃO - Qual o peso da expansiio da base monetária na
ser exagerados a ponto de chegar ao zero absoluto. Ne- inflação?
nhum país tem isso, nem a Alemanha. Podemos ter infla- Simonsen - Isso depende fundamentalmente da taxa no-
ção de um dígito." minal de juro e da expectativa da inflação. Quando você
As palavras são do ex-ministro do Planejamento Mário baixa a inflação substantivamente, abre-se espaço para
Henrique Simonsen, vice-presidente do Citibank e profes- uma expansão monetária sem efeito inflacionário algum.
sor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Funda- Vamos supor que amanhã a inflação caia para lOOJo ao
ção Getúlio Vargas. Nesta entrevista, Simonsen dá seqüên- ano. Então, você não teria as aplicações que tem hoje no
cia ao debate aberto por VISÃO. open market. Todo mundo ia manter em depósito à vista.
Teríamos novamente a procura de meios de pagamento
VISÃO - O que o senhor acha da proposta do professor que não se tem hoje.
Francisco Lafaiete Lopes para acabar com a inflaçiio em
VISÃO - A base monetária atual, de menos de 3% em rela-
1986?
Mário Henrique Simonsen- É uma mistura de choque or- ção ao PIB, é l}'lUito ou pouco? Como influencia a inflação?
todoxo com choque heterodoxo. Trata-se de um congela- Simonsen- E pouco, mas o problema é que essa relação
mento de preços, salários e taxa de câmbio, mas tem simul- nunca é o que o economista quer, mas o que a sociedade
taneamente a proibição de emissões de moeda e títulos pa- procura. Não existe relação ideal. É claro que se você tives-
ra financiar o déficit do setor público. Além disso, há o se Uf!l~ base bem mais alta. seria muito mais cómodo para a
'' admimstração da economia. O problema é que não se tem
corte substantivo do déficit fiscal. Agora, um problema
que você tem no Brasil e que deveria resolver antes de de- controle sobre essa porcentagem. Isso porque a base mone-
cretar o congelamento é a necessidade de sincronização dos tária é em cruzeiros e o PIB também.
reajustes dos preços e salários, que são corrigidos em dife- . A expansão da base afeta a inflação e, portanto, os cru-
rentes meses. No sistema atual, o congelamento dos salá- zeiros do PIB. Então, se você tentar, como às vezes se faz
rios, por exemplo, beneficiaria quem teve reajuste por últi- pura e simplesmente aumentar a base não-monetária e~ •
mo. Para muitos assalariados isso traria grandes prejuízos. termos r~ais, pode sair inteiramente frustrado, no sentido
de que a mflação e)Çplode, em termos nominais. Ou seja, a
VISÃO - Como a sincronização dos salários poderia ser política económica só pode alterar a base monetária em
feita? termos nominais e não reais.
Simonsen - Existe aí, por exemplo, a proposta do profes-
sor Eduardo Modiano, que faz muito sentido, porque pas- VISÃO - O senhor acha que é possível acabar de vez e de-
saríamos ao reajuste mensal pela média dos três meses an- finitivamente com as emissões que se destinam a cobrir o
teriores. O reajustamento se daria pela média e não mais déficit do setor público?
pelo "pico", como ocorre atualmente. Simonsen - Primeiro você tem é de acabar com o déficit,

85
84
.,
I

I
I

depois com as emissões que o financiam. O problema todo \


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é que, se você não eliminar o déficit, terá de cobri-lo. Va- VISÃO - Há também o peso da dívida externa. O que po-
mos supor que o Governo dissesse: "Bom, não emito mais, I deria ser feito, num mOmento em que estamos diante de
nem moeda nem títulos. Só pago as despesas que efetuo na l mais uma reunião FMI-Banco Mundial?
medida em que há receita''. O que iria acontecer com a ~imonsen - Tratar de Governo para Governo a questão
despesa contratada a mais? O Governo iria passar calote .I
I
das barreiras contra nossas exportações. As barreiras são
em tudo? absurdas porque sem exportação nenhum país em desen-
I volvimento liquidará a sua dívida externa.
VISÃO - Mas o que se diz é que o déficit existe também i
porque está sempre sendo irresponsavelmente coberto. VISÃO - O senhor defende maior expansão dos emprésti-
Simonsen - A proposta então é proibir, por lei, a emissão mos oficiais, por meio do Banco Mundial, BID, etc.
de moeda e títulos e assim cortar o déficit. Simonsen- Exato. Para isso o Congresso americano de-
veria rever a posição de não aceitar a solicitação dos países
VISÃO - Exatamente. O que o senhor pensa disso? É do Terceiro Mundo de verbas adicionais para o Banco
possível? Mundial. Na década de 70 houve grande crescimento dos
Simonsen - Possível, é; se vai ser feito ou não, isso não empréstimos dos bancos comerciais e uma atrofia no fi-
sei. nanciamento de instituições oficiais. Agora é necessário re-
verter essa posição, com os organismos internacionais ten-
VISÃO- Mas como isso poderia ser feito? do crescimento bem maior do que o sistema privado. Isso
Simonsen - Acabar com o déficit só se faz com aumento se constituiria em novo e importante instrumento nas ne-
dos impostos, ou cortando despesa, ou então juntando os gociações, possibilitando o pagamento da dívida sem criar
dois. Fundamentalmente, isso é um problema de vontade crises profundas nas economias dos países devedores.
política. Você quer é reduzir o déficit a zero: é urna coisa
perfeitamente correta e extremamente positiva. No entan- VISÃO - O senhor tem uma proposta sobre usar um per-
to, para isso é preciso que haja consenso político sobre o centual menor da receita de exportações para pagar a dívi-
assunto. Já nem peço tanto. da. E quem entraria com a diferença?
Simonsen - Se admitirmos que o país passe a transferir
250Jo da receita de exportação para o exterior e que a taxa
VISÃO - O que o senhor pede? de juro internacional se mantenha igual à taxa de cresci-
Simonsen - Que cortem o déficit de modo que se torne fi- mento das nossas exportações, todo o problema da dívida
nanciável com a expansão da base monetária um pouco estaria liquidado por completo em catorze anos.
abaixo da taxa de inflação. Este ano, por exemplo, pode- Por outro lado, fixar urna parcela das exportações para
ríamos ter urna expansão de pouco mais de 1500Jo, sem a esse pagamento exigiria que urna instituição internacional,
necessidade de colocação de novos títulos; só rolando os corno, por exemplo, o FMI, cobrisse a diferença, porque
antigos. os bancos, logicamente, iriam querer o pagamento integral
do serviço da dívida. Seria preciso, portanto, negociar a
VISÃO - Se houvesse o corte definitivo das emissões para medida em· fóruns internacionais, para que fosse aceita e
cobrir o déficit, o que aconteceria com os juros e com a absorvida pelo sistema financeiro internacional.
inflação?
Simonsen- O déficit, por definição, desapareceria. Você VISÃO- Atualmente, o Brasil está transferindo mais de
teria logo uma grande baixa na taxa de juro, com efeito di- 40% da receita de exportação ...
reto na queda da inflação. Simonsen- Isso é insustentável a longo prazo. Reduzires-
se percentual até 250Jo significará estímulo ao desenvolvi-
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I XII-Entrevista com Antônio Dias Leite


mento econômico interno, o que, por sua vez, vai expandir
a exportação e, então, possibilitar o pagamento da dívida.
E bom lembrar que a relação entre endividamento ex- I
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terno e exportação brasileira tem melhorado substancial-
mente. Nossa dívida praticamente estacionou nos últimos "Estou convicto de que temos de abandonar o processo
I gradualista de controle da inflação e partir para um
anos. As exportações aumentaram bastante. A relação en- I
tre a dívida líquida (dívida menos reserva) e a exportação tratamento de choque. O professor Bulhões lançou a idéia
está hoje em torno de três vezes e meia. Já esteve acima de I
I e várias pessoas desenvolveram as formas de realizá-lo. Eu
quatro. Quer dizer, a dívida líquida equivale a três vezes e mesmo comecei a trabalhar no assunto em janeiro de 1984
meia a exportação de um ano. e minha proposta envolve, obviamente, o controle do défi-
cit do setor público e das emissões para cobri-lo atacando
VISÃO - E a proposta de se converter parte da divida em as causas: encargos da dívida externa e interna, redução da
capital de risco, sob a forma de ações? dívida interna resgatando as ORTNs em circulação via re-
Simonsen - É boa e merece ser explorada. Mas vamos ser cursos tributários e pela troca por ações de estatais privati-
realistas e não ficar aí esperando milagres dessa idéia. Há záveis, corte seletivo nas estatais, fim da indexação de títu-
sempre o problema de preço. Quanto é que vai custar esse los de curto prazo, etc."
capital que será convertido em investimento? As ações não As palavras são de Antônio Dias Leite, 65 anos, profes-
podem ser vendidas na bacia das almas, por preços baixos. sor de Economia da Universidade Federal do Rio de Janei-
Há um problema de outra natureza. Não se pode espe- ro e ex-ministro das Minas e Energia (de 1969 a 1973).
rar que um banco vá investir em siderurgia, por exemplo. Nesta entrevista exclusiva, Dias Leite dá seqüência ao
O que pode ser feito é buscar alguém lá fora, interessado debate aberto por VISÃO.
no setor. Com a operação seriam gerados os dólares neces-
sários para pagar o banco. Mas atrair capitais depende das VISÃO - O que o senhor acha da proposta do professor
perspectivas de crescimento econômico, estabilidade políti- Francisco Lajaiete Lopes para zerar a inflação em 1986?
ca e menor inflação ... Antônio Dias Leite - Concordo com o tratamento rápido
para o problema, mas acho-a simples demais porque se
concentra na correção apenas do processo inerciai. Esse é
VISÃO, 9-10-85 da maior relevância, mas faltam algumas medidas para im-
eedir o crescimento da dívida interna atual, que é terrível.
E preciso dar uma pancada para acabar com a metade da
dívida interna, que pressiona o déficit público.

VISÃO - É possível parar definitivamente com as emissões


de moeda e tittjlos destinadas a cobrir o déficit público?
Dias Leite- E, mas num conjunto de medidas coerentes,
formando um ataque a todas as frentes simultaneamente.
Zerar tudo para começar de novo. Aí a inflação cairia para
200Jo ou 30% ao ano, patamar a que estávamos acostuma-
• dos, e num nível bastante administrável.

VISÃO - Em quanto tempo pode-se jazer a inflação bai-


xar a esse nível?
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Dias Leite - A solução é global e impõe sacrifícios. Como
Dias Leite- Ousadamente, na ocasião em que fiz minha
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I já se sacrificou grandemente a classe média, pela redução
proposta, falei em cem dias; hoje, talvez sejam necessários do salário real (um sacrifício desperdiçado, porque foi me-
180 dias. dida isolada), penso que precisamos tributar, e de uma só
!
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vez, o património acima de um certo nível de riqueza, prin-
VISÃO- Por que o Governo não toma essa decisão? cipalmente os ativos financeiros. Nada de tributar as em-
Dias Leite - É difícil interpretar o que passa na cabeça da~ I presas, para não dificultar a retomada do desenvolvimen-
pessoas que estão no Governo, mesmo conhecendo-as. E !
to. Com a contribuição das pessoas resgataríamos parte da
que no Governo não podem falar com franqueza o que dívida interna (um quarto dela), para acabar com a rola-
pensam, porque cada frase de uma autoridade tem uma !I gem da dívida que tanto inflaciona.
conseqüência ...
A minha impressão é que existe um temor enorme de co- VISÃO - O senhor defende que o Governo tome uma par-
lapso no sistema financeiro. Dá a impressão de que temem ! te do património das pessoas? E para suprir a ineficiência
mais acabar com o sistema financeiro do que com o Brasil! do setor público?
Há pavor de que cinco ou seis bancos quebrem por causa de Dias Leite - Isso mesmo. Mas não é para suprir o déficit
uma ou outra medida mais radical e esse temor está prejudi- público. É para resgatar a dívida e ter menor pressão sobre o
cando a solução dos problemas, só se tomando medidas pa- mercado financeiro, reduzindo por essa via os juros. Com o
liativas, cautelosas, medrosas e que nada resolvem. imposto único se poderia arrecadar entre 70 e 80 trilhões de
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cruzeiros. Outro tanto viria de uma segunda medida.
VISÃO - E o que resolve?
Dias Leite - Temos de atacar em todas as frentes as cau- 'j VISÃO - E qual seria essa segunda medida? Vender as
sas do déficit e, conseqüentemente, das emissões, que é o ' estatais?
que gera inflação. Um fator são os encargos da dívida ex-
terna. A dívida exige saldos comerciais; estes geram divisas
que o Governo não consegue colocar no mercado e receber
.I I
Dias Leite - A medida seria transferir ações das estatais
privatizáveis para os tomadores de ORTN. Mas ações de
de volta porque uma porção de devedores internos não está ' empresas rentáveis ou potencialmente rentáveis e vendáveis,
não ações tipo RFFSA, porque ninguém vai querer. Mas há
em condições de realizar os pagamentos daquilo que deve. muitas empresas, que avalio em aproximadamente 8 bilhões
Portanto, eles não podem comprar os dólares gerados e o de dólares, que poderiam entrar na operação. Em resumo:
Governo tem de emitir moeda ou títulos para comprar es- retiro de circulação parte das ORTNs que estão imobiliza-
sas divisas, ou pelo menos parte delas que não consegue re- das, como as dos bancos no Banco Central, as das segura-
ciclar para o setor privado. doras e fundos de pensão, etc., e, em troca, entrego o equi-
Do lado interno, também ligado ao déficit público, te- valente em ações das empresas e transfiro, simultaneamen-
mos que muitas estatais tiveram e têm tarifas e preços con- I
te, o comando das empresas para o setor privado.
tidos abaixo da inflação. Isso produz déficit que o Gover- I

no tem de cobrir também com emissões. ' VISÃO - E quais empresas poderiam entrar nessa troca de
Há ainda o problema de que o combate gradualista à in- ações por ORTN?
flação acabou gerando uma queda da receita do Governo Dias Leite - Empresas de porte compatíveis com a inicia-
em função da recessão. E as despesas dos governos Fede- tiva privada brasileira. Não as grandes, mas empresas co-
ral, Estadual e dos municípios mantêm-se crescentes por- mo a Cofavi, a celulose da Vale do Rio Doce, algumas pe-
que os serviços públicos, como justiça, polícia, saúde, edu- 1 troquímicas da Petrobrás, a Acesita, etc.
cação, Exército, saneamento, etc., o exigem, enquanto a Estão falando aí em vender ações da Petrobrás na bol-
receita está caindo. E aí vêm as emissões e inflação. sa; é um contra-senso total, pois ocorreria uma privatiza-
ção ao avesso. Têm de ser empresas das quais se possa
VISÃO- Como equacionar tudo isso?
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salários. Depois de uns seis meses, saneada a economia,
transferir as ações e o comando de forma total e definitiva. ri volta-se a negociações normais.
Todo o processo levaria uns quatro anos.
) VISÃO -E quanto à questão tributária? Como vê a reforma?
VISÃO - E as demais empresas estatais, autarquias... Dias Leite - É preciso distinguir a reforma de emergência
Dias Leite - É preciso acabar com toda e qualquer ativi- da reforma tributária de longo prazo. Essa última não po-
dade ineficiente e incompetente do Governo. A empresa J de ser feita agora, em época de crise; só daqui a uns dois
que desperdiça dinheiro tem de ser fechada. Não importa o anos. Já a de emergência deve atender ao equilíbrio fiscal
desemprego imediato, mas sim acabar com a inoperância. ) de 1985 para 1986. Mas tem de ser temporário o aumento
Mas os cortes têm de ser seletivos. Não podem ser ra- de impostos de que vem falando o ministro do Planeja-
sos, punindo a ineficiente e a eficiente juntas. Há empresas mento; por dois exercícios. Já a redistribuição de receitas c
que devem receber investimento normal e ser recuperadas. encargos aos Estados e municípios não deveria entrar na
A Eletrobrás, por exemplo, foi um dia eficiente. Levaram reforma de emergência, embora eu entenda que é preciso
a empresa à situação atual; cabe recuperá-la para evitar no- diminuir a dimensão do poder federal e transferir até as
vos e mais freqüentes e prolongados blackouts. universidades para os Estados.
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VISÃO - E quanto ao compulsório dos bancos, a especula- VISÃO - E a nova moeda?
ção no "open " ... ) Dias Leite - É importante porque tem também efeito psi-
cológico. Na Argentina está funcionando. Lá, agora, cir-
Dias Leite - O compulsório tem de voltar à sua finalidade
original, que é dar segurança ao sistema bancário. Está I j culam o peso, o peso argentino e o austral. .. Agora não se
sendo exageradamente usado para retirar dinheiro de cir- ' justifica cortar quatro zeros; é melhor cortar três, sem
culação. No caso do open market, não mexeria nele a não
ser depois de ter conseguido uma relativa estabilidade na
economia; e para tornar o mercado menos especulativo
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complicar para o público.

VISÃO - O senhor esteve na Argentina. A experiência vai


acabaria com a carta de recompra. dar certo?
,I Dias Leite - Quando visitei a Argentina, escrevi sobre a

j
VISÃO- E a correção monetária? Acabaria com ela? habilidade e imaginação, conjugadas com a habilidade po-
Dias Leite- Não. Temos de baixar a inflação, mas acho lítica indiscutível do presidente Alfonsín, que lançou o
que a correção monetária precisa permanecer e cair junto. combate à inflação na hora certa e de maneira certa. Ele
O que cumpre eliminar hoje totalmente, e de forma radi- fez isso num momento em que os caminhos (e não havia
cal, é a correção de qualquer coisa com prazo menor de um muitos) não levavam a lugar nenhum; o desânimo era geral
ano. A caderneta de poupança, por exemplo, teria de pas- ) na população, cansada de tudo, com uma hiperinflação de
sar a ter rendimento anual. A única coisa de indexação a _\ mais de mil por cento. A população aceitou todas as deci-
sões. Está dando certo, mas ainda existe muito risco. Do
curto prazo que aceito é o câmbio. O risco do câmbio fixo ,- 1 lado externo, por exemplo, há o problema do retorno de
é terrível.
capital, que pode exigir emissões, até agora sob controle.
VISÃO - O que o senhor faria com os preços, tarifas e 'I Do lado interno, há o problema da indústria, que com os
salários? I anos de estagnação ficou obsoleta e os empresários apáti-
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Dias Leite - Pode-se corrigir rapidamente a distorção dos cos. É difícil reativar isso tudo.
preços e ficar com menos resíduo inflacionário no futuro,
ou ficar com algum resíduo. Na Argentina fizeram corre-
ção parcial. Acho que os preços têm de ser atualizados pa- VISÃO, 16-10-85
ra um índice geral do dia e congelados. O mesmo com os
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com ela. O que há é uma tola euforia, uma sensação de que
XID- Entrevista com João Pedro Gouvêa Vieira ri se ganha dinheiro. A coisa mais absurda que existe é, por
exemplo, o depositante da caderneta de poupança torcer
) para a inflação aumentar porque o percentual nominal do
seu "lucro" vai aumentar, sem perceber que isso nada
"Fundamentalmente, para fazer baixar a inflação te- quer dizer, uma vez que todos os bens de consumo que ele
mos é que aumentar a produção em todos os setores, J vai comprar com aquele dinheiro subiram também ...
particularmente na agroindústria; desestimular as aplica-
ções especulativas, acabando já com o overnight indexado,
por exemplo; reduzir as práticas que sugam dinheiro do se- J VISÃO- O que se deve fazer para acabar com a inflação?
Gouvêa Vieira - Acaba-se com a inflação contendo a des-
tor privado e impedem o desenvolvimento (caso das emis- pesa pública. Mas isso é difícil porque significa corte de
sões de moeda e de títulos, o compulsório que tem efeito pessoal, com desemprego muito grande. Significa também
inflacionário); eliminar as práticas distorcivas como o con- corte de investimento, e as atividades do Estado no Brasil
trole de preços (sem lucro ninguém produz); e no caso dos são tão grandes que é impossível fazer isso sem que haja
salários manter seu poder de compra. Se não se aumentar a um reflexo enorme e imediato nas empresas privadas. O
quantidade de mercadoria à disposição das pessoas, a eu- peso do Estado na economia afeta toda a sociedade, e sem-
foria do trabalhador que recebe aumento de salário desa- pre haverá um déficit a ser coberto. O ex-ministro Francis-
parece logo por uma razão muito simples: aumentou-se a co Dornelles foi de uma clareza enorme quanto às três hi-
demanda e não a produção, a oferta; logo as coisas custa- póteses para cobrir isso: emissão de moeda, colocação de
rão mais." títulos do Governo no mercado e aumento de impostos.
As palavras são de João Pedro Gouvêa Vieira, 73 anos, Ele fez a colocação de títulos. Agora o ministro Dilson Fu-
presidente do Conselho de Administração do Grupo Ipi- naro faz emissão de moeda, e em setembro a base monetá-
ranga e do Banco Francês e Brasileiro, da Wilkinson Fiat ria cresceu 17,70Jo. É muita coisa e vai refletir-se na infla-
Lux Administração e Participações, da Concórdia Vidros e ção de dezembro.
da Companhia Brasileira de Cristais. Também faz parte do
conselho e/ ou da diretoria das empresas Sul América de VISÃO -Mas não se podem cortar empresas ineficientes?
Seguros, Sul América Terrestres, Marítimos e Acidentes, Gouvêa Vieira - Empresas públicas ou privadas deficitá-
Refinaria de Petróleo Ipiranga, Wilson Sons, Fertisul, rias e gerenciadas de forma errada devem desaparecer. Ao
Moinho Fluminense, Companhia Agrícola Carmary, Cre- protelar uma solução, o Governo está apenas adiando o
dibanco, Boa Esperança e Helibrás. É também membro da enterro do que já morreu e que não deve ser subvenciona-
Comissão da Constituinte, criada pelo presidente José do com dinheiro do povo. Mas a previsão do déficit públi-
Sarney. co para 1986 é de 220 trilhões de cruzeiros, com inflação de
Gouvêa Vieira, nesta entrevista exclusiva, dá seqüência 180%, sem computar resultados positivos ou negativos de
ao debate aberto por VISÃO. empresas estatais. E a dívida interna aumentou, em termos
reais, 90% este ano, por causa dos juros e das dívidas
VISÃO - O senhor é banqueiro, industrial, empresário novas.
das áreas do comércio, seguros, agropecuária, etc. Como a
inflação afeta o seu dia-a-dia? VISÃO - Quais os principais danos à economia causados
João Pedro Gouvêa Vieira- Meu Deus do céu, a inflação pelo déficit?
me afeta em tudo. A dificuldade é enorme para fazer orça- Gouvêa Vieira- O déficit come tudo, faz desaparecer até
mento, avaliar a receita no final do mês, ter estoque, dar a poupança popular, distorce a economia e a torna cada
crédito para os compradores ... uma tristeza. A inflação é vez mais estatizada. Faz com que o setor privado transfira
horrível para todo mundo. Ninguém a longo prazo ganha toda a poupança para o Governo, porque recebe o atrativo

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dos juros altos e da indexação. E o Governo nem mesmo I
I pouco a aumentar. Na composição global da receita, o per-
investe; limita-se exclusivamente a cobrir o rombo do orça- centual de IR pago pelas classes favorecidas é tão pequeno
mento, que é desproporcional.
Um ponto muito importante que não vejo mencionado li que você pode aumentar tudo, até botar IR igual a 100%
do rendimento obtido pelo contribuinte que o resultado se-
nos veículos de comunicação social, por exemplo, é o re- rá pequeno. Quanto às pessoas jurídicas, elas estão pagan-
sultado prático da colocação de títulos públicos dentro da I
I
do 40% de IR, taxa bastante alta, principalmente porque
sociedade: é a retirada pura e simples das economias do se- se paga antes e depois da distribuição dos dividendos. Não
tor privado da nação para colocá-las no setor público. As I traz benefício algum elevar o imposto sobre a aplicação
empresas e pessoas físicas quando vão ao mercado finan- l financeira.
ceiro obter lucro, talvez até excessivo, colocam o dinheiro
nas mãos do Governo; retiram de suas necessidades empre- ! VISÃO - O que mais ajuda no combate à inflação?
sariais e pessoais e transformam o dinheiro no suprimento Gouvêa Vieira - Temos de aumentar a produção. Temos
do déficit público. Trata-se de uma transferência diária e de dar grande ênfase para a produção agrícola, pois a
que deve ser ressaltada como o fato mais grave para a nos- maior oferta de alimentos ajudaria a diminuir os preços. É
sa economia. É importante mostrar que o Governo é o a velha lei da oferta e procura. Infelizmente, aumentar a
maior sócio, o maior interessado na manutenção do mer- produção agropecuária brasileira é solução a longo prazo.
cado financeiro do jeito que está. A atividade tem muitos riscos; depende das intempéries,
sol, chuva, solo, e é preciso melhorar os preços para esti-
VISÃO - Como vê nessa ciranda a menor rentabilidade mular o produtor de alimentos básicos, geralmente peque-
dos títulos, a redução do compulsório ... Isso ajudaria? nas e médias propriedades rurais. No entanto, a dívida ex-
Gouvêa Vieira - É evidente que reduzir a rentabilidade terna obriga a incentivar produtos exportáveis como a so-
dos títulos públicos ajuda a baixar a taxa de juro. Agora, o ja. Temos o problema dos transportes, em que os interme-
dinheiro é uma mercadoria como outra qualquer e também diários comem o lucro. Aqui a solução é o sistema coope-
está sujeito à lei da oferta e da procura. Quando o Gover- rativo; está aí a Cooperativa de Cotia dando o exemplo de
no emitiu 17,70/o em setembro, os juros baixaram porque como é que se deve fazer, e acho que é preciso a participa-
havia mais dinheiro no mercado do que títulos. A taxa so- ção dos municípios, que poderiam ajudar mais na infra-es-
be na medida da captação do Governo com juro elevado. trutura de transportes, estradas, armazenagem, desde que
Quanto à redução do compulsório recolhido pelos tenham receitas próprias e encargos.
bancos no Banco Central, é claro que isso ajudaria a Há ainda a questão dos superávits mensais de exporta-
baixar os juros. Se os bancos captam 100 e são obriga- ção, que também inflacionam num regime como o nosso
dos a bloquear digamos 30 no Banco Central, o preço da .i em que não existe saldo de caixa em cruzeiros. E inflacio-
captação tem de ser dividido por 70. Gastão Vidigal, nam simplesmente porque não se importa e o saldo é sem-
presidente do Banco Mercantil de São Paulo, é um gran- I
I pre financiado com a inflação interna.
de conhecedor deste assunto. E há também as aplicações
subvencionadas obrigatórias ... VISÃO- E a correção monetária, deve ser extinta? E no
O efeito do compulsório na inflação é o mesmo da curto prazo?
emissão de moeda, porque o que se está expandindo é aba- Gouvêa Vieira - Não, porque toda a economia está ligada
se monetária e não os meios de pagamento; daí a impor- à indexação; inclusive somos obrigados pela Lei das S.A. a
tância de o Governo baixar o compulsório. corrigir nossos balanços e escriturar certos livros em
ORTN. Respeito muito o Dr. Octavio Gouvêà de Bulhões,
VISÃO - Das três hipóteses para cobrir o déficit, e a ques- que disse não ver outro caminho senão acabar com a corre-
tão dos impostos? ção monetária, mas ... entendo que para acabar com a in-
Gouvêa Vieira- No imposto direto, o de renda, há muito
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dexação é essencial estabilizar a economia, para o que o I


I pamos parte daquilo que será a correção semestral.
déficit público tem de desaparecer.
Já a eliminação da correção monetária nos pap~is e I
I VISÃO- Mas o Governo se opOe à trimestralidade ...
Gouvêa Vieira- Eu falei em antecipação, o que significa
contratos de curto prazo acho uma idéia muito sadia. E um que tiramos dos nossos lucros, porque não podemos com-
escândalo haver indexação no overnight. O over deveria I pensar nem repassar. E o Governo é contra o reajuste tri-
ter indexação só depois de trinta dias; não sei por que o I
mestral porque nele você compõe geometricamente .os
Governo não faz isso já. Evidentemente prejudicaria os custos e a tendência é repassar para o consumo, o que sig-
aplicadores (eu mesmo aplico), mas o interesse do Brasil I nifica que após dois meses acaba o benefício. E depois os
exige que se faça isso. Não posso ter um capital disponível funcionários públicos também vão querer; aí o déficit pú-
e, ao mesmo tempo, indexado nas bases de hoje.
blico vai para o infinito.
É por isso que digo que o que resolve de fato o proble-
VISÃO- E o congelamento de preços e tarifas?
ma é aumentar a produção, pois precisamos ter o que dis-
Gouvêa Vieira - O congelamento de qualquer preço, seja
tribuir para a população; salário não dá bens disponíveis, é
privado ou público, não se justifica. Nenhuma empresa,
um meio de distribuição destes bens. Temos o exemplo da
mesmo na União Soviética, pode operar sem lucro. No caso
Alemanha, em 1922: os salários eram pagos de manhã e à
das empresas públicas, por exemplo, essa margem necessá- tarde, para o pessoal ter dinheiro para comer, e o proble-
ria acaba sendo substituída por mais impostos, medidas
ma não foi resolvido. A solução veio quando os fatores de
coercitivas inflação. Aliás, se o controle de preços fosse
'
realmente solução, .
todos controlariam os preços e não exis-
produção foram realmente operados e a mão-de-obra, as
máquinas, o carvão voltaram a produzir, a oferta de mer-
tiria nenhum país no mundo com inflação. A compressão de
cadorias aumentou e a economia estabilizou-se.
preços só se faz quando há uma dificuldade momen~ânea.
Veja o caso do congelamento dos preços dos denvados
VISÃO- E quanto à renegociação da dívida?
de petróleo. Todas as companhias ficaram no vermelho, I Gouvêa Vieira - O Governo está dizendo que não pode
inclusive a Petrobrás, com a compressão drástica aplicada.
I prejudicar o desenvolvimento int.er~o nem aumentar a .mi-
Agora nos estamos recuperando um pouco do prejuízo,
séria para pagar os juros e o pnncipal. Se os banqueiros
mas ainda não há rentabilidade; este ano o setor não deve
não aceitarem, não obteremos novos créditos, principal-
sair do vermelho. ,I mente os comerciais. Com a reserva de 8 bilhões de dólares
que o Brasil tem, esse é um risco possível. A situaçã~ ener-
VISÃO- E os salários, o que fazer para recuperá- los?
gética também hoje é diferente e, produzindo 600 mil bar-
Gouvêa Vieira - O problema é sério principalmente porque
ris/dia de petróleo, podemos sobreviver com restrições.
se confunde muito salário nominal com salário real. Au-
No entanto não estou recomendando que o país não cum-
mento nominal não corrige o poder aquisitivo; mas, a longo I pra suas ob~igações. E também não creio que os banquei-
prazo, se o aumento for real e elevado, será consumido por- I
ros e os Estados Unidos queiram uma desestabilização to-
que será sempre pago por alguém. A nível de empresa, o sa-
tal das sociedades nos países devedores. Teriam de levar
lário faz parte do custo de produção, e se a empresa não pu-
• der tirar de seu lucro, vai trabalhar no vermelho.
todas as dívidas para lucros e perdas, o que seria um desas- •
tre para o mundo das finanças internacionais .
Acho que o problema é saber quanto de mercadorias o
salário pode comprar. No Grupo Ipiranga, nós fazemos
questão de ver isso de perto. Entendemos que com uma in-
VISÃO, 23-10-85
flação de 10% ao mês é impossível só fazer a correção de
seis em seis meses. Procuramos dar uma antecipação, por- I
que senão o pessoal não pode sobreviver ... Agora anteci-
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- --- - -- - - -- -
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I O que é a inflação?
li
\
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.I odos sabemos que, desde há muito tempo, vêm os eco-


I
T nomistas estudando e debatendo as causas e os efeitos
da inflação. Quase todos, ou pelo menos a grande maioria
! deles, concordam em que os efeitos da inflação são geral-
mente perniciosos. É verdade que existem aqueles que consi-
deram que um pouco de inflação não faz tanto mal ... "que
é preferível 5% de inflação que 50Jo de desemprego". E há
também os que vêem a inflação como instrumento útil para
seus objetivos políticos: esse é um bom caldo de cultura pa-
ra fermentar as paixões e o tumulto na sociedade.
Os homens estudiosos e sensatos concordam todos em
que os efeitos da inflação acarretam o empobrecimento da-
queles que possuem receitas fixas. Concordam todos em
que esses efeitos são devastadores no planejamento e na
contabilidade das empresas e das famílias. Estão todos de
acordo em que a inflação prejudica as relações industriais
ao propiciar um campo de luta selvagem em torno da folha
de pagamentos, não só para manter o valor aquisitivo dos
salários como também para antecipar as mudanças em seu
poder aquisitivo. E todos concordam também em que a
moral e o ânimo do povo sofrem os efeitos inquietantes e
crescentemente perturbadores da inflação.

om referência às causas da inflação, não tem havido o


C mesmo grau de concordância, embora alguns homens
mais clarividentes venham denunciando graves erros nas
políticas monetárias e financeiras dos governos, principal-
mente daqueles governos que se dizem partidários do mer-
cado mas que não permitem sua operação com grau sufi-
ciente de liberdade. Muitos preferem atribuir os males da
inflação a causas internacionais, tais como o aumento do
I'
preço do petróleo e a ação das multinacionais, ou a dese-
quilíbrios estruturais e outras interpretações mais ou me-
I nos elásticas que permitem ampla faixa de discussão para
os técnicos perplexos e dão boa margem de manobra de-
.,.I
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I
I
I

I lante a que se opõem. Eles precisam entrar em análises por-


magógica para os políticos e para as autoridades governa- I menorizadas, rebuscar na descrição e repetir a descrição do
mentais fustigadas pelo fenômeno. E há também muitos fenômeno a cada sentença que tiverem de usar para tratar
que demonstram o papel das pressões sindicais desregradas do assunto.
no estímulo à inflação. Todos, porém, são unânimes em O dano maior, entretanto, está em que aqueles que se
declarar que o aumento da base monetária numa intensida- envolvem em tentativas fúteis e sem esperança de combater
de maior que o ritmo de crescimento do produto bruto as inevitáveis conseqüências da inflação, as altas nos pre-
constitui uma condição para a manutenção da inflação. ços, estão usando no seu empenho a máscara da luta contra
Essa unanimidade se deve a que sempre se soube que a a inflação. Enquanto brigam com os sintomas, pretextam
inflação é um processo no qual se dá um grande aumento combater as causas fundamentais do mal. E como não
na quantidade de 'dinheiro' em circulação. Ela é produzi- compreendem (ou fazem que não compreendem) a relação
da e mantida quando todos tentam comprar mais do que o causal entre, de um lado, o aumento do dinheiro em circu-
que há no mercado e, simultaneamente, insistem em que lação e a expansão do crédito e, de outro, a subida dos pre-
lhes seja dado dinheiro suficiente para possibilitar a com- ços, o resultado prático é que as coisas tendem a piorar.
pra, a preços correntes, daquilo que necessitam. Quando não usa a justificativa da 'luta contra a infla-
A inflação resulta sempre numa tendência geral e dura- ção', o governo muitas vezes lança mão da miragem distri-
doura de aumento de preços. Os que recebem as quantida- butivista chamada 'justiça social' para impor o controle de
des adicionais de moeda e crédito geralmente aumentam preços. Acontece que o controle de preços não pode fun-
suas demandas por bens e serviços vendáveis. E uma de- cionar numa economia baseada no mercado. Os esforços
manda adicional (se as demais condições dos bens disponí- para fazer esse controle funcionar exigem o contínuo alar-
veis para venda permanecerem inalteradas) forçará a subi- gamento da gama de mercadorias sujeitas ao controle, até
da geral dos preços. Esta é uma inevitável conseqüência da que os preços de todas as mercadorias e serviços sejam re-
inflação que nenhum sofisma e nenhum silogismo poderá gulados por decretos discricionários e o mercado deixe de
conjurar. existir.
Não há dúvida de que determinadas circunstâncias eco-
confusão semântica, tão comum no pensamento polí- nômicas podem elevar os preços de certas mercadorias e
A tico em nossos dias, entretanto, conseguiu obscurecer serviços e de que uma crise importante (uma guerra, por
e dar caráter ambíguo ao fato de que a subida de preços é exemplo) pode aumentar temporariamente o preço de to-
conseqüência e não causa da inflação. O termo inflação dos os bens e serviços. Mas o aumento geral, contínuo e
passou, assim, a ser usado com uma nova conotação. O I acelerado dos preços é, essencialmente, um fenômeno polí-
que hoje se chama inflação não é inflação, ou seja, não é o I
tico-governamental, e somente se dá quando o governo
excesso de suprimento monetário; é a subida geral dos pre- I passa a gastar e/ ou faz com que os cidadãos gastem mais
ços das mercadorias e dos salários que, em verdade, nada quantidade de 'dinheiro' que a quantidade de produtos
I
mais é que uma conseqüência da inflação. I disponíveis para aquisição a preços estáveis.
Esse equívoco semântico é mais danoso do que aparen- O trocadilho semântico que leva à doutrina espúria da
ta ser à primeira vista, pois é impossível lutar contra um luta contra a inflação pelo controle do mercado é um peri-
mal que não tenha um nome reconhecido. A confusão de go real. Enquanto os políticos e os intelectuais exigem
linguagem não deixou nenhum termo disponível para de- maior dirigismo estatal nas atividades econômicas e, simul-
nominar o que a inflação sempre foi e realmente é. Por is- taneamente, demandam novas realizações 'sociais' ou 'dis-
so, os homens públicos e os estudiosos não podem mais tributivistas' dos órgãos da administração pública que se
dispor de uma terminologia simples, aceita e entendida de destacam gloriosamente nas manchetes, as atividades dos
imediato por todos, quando pretendem, por exemplo, ex- homens de negócios e dos empreendedores são cada vez
por suas idéias contra uma política referente ao meio circu-
105
104
I

mais menoscabadas e perseguidas com apupos pelos meios I


I Os mitos e a
de "comunicação social", o mercado é cada vez mais dis-
torcido pelo controle estatal e os dados estatísticos relati-
vos ao aumento dos meios de pagamento são relegados, I
I indigestão inflacionária
quando muito, a lugar inconspícuo nas páginas financeiras
dos jornaiS(IJ.

VISÃO, 4-7-83

G rande parte da confusão que grassa no meio dos eco-


nomistas e dos políticos a respeito do fenômeno da
inflação se deve a muitos mitos que mascaram sua ori-
gem, enfatizam seus efeitos e embaçam a visão dos que
desejam combater esse terrível mal.
Dentre os inúmeros mitos que correm mundo, destaca-
se o da 'especulação', comumente considerada como uma
das causas da inflação. Esse mito, porém, oculta o fato de
que a especulação somente sustentará os preços em eleva-
ção se houver um correspondente contínuo crescimento
na base monetária. Não é possível sustentar qualquer rit-
mo de compra de bens ou materiais para fins de lucro fu-
turo especulativo, ou para guardar estoque por receio de
aumento posterior de preços, sem que haja simultanea-
mente, ou logo após, injeção de mais moeda e crédito no
sistema financeiro.
Quando a qualidade do dinheiro se encontra deteriora-
da pela inflação, o valor da unidade monetária sofre queda
por razões psicossociais as mais diversas e complicadas,
sempre, entretanto, também seguindo, ou seguida de, ex-
,I pansão do estoque monetário. A chamada 'velocidade de
circulação' do dinheiro é outro mito muitas vezes também
tido como causa da inflação. É, em realidade, porém, uma
I
I conseqüência do medo da perda de qualidade (valor) da
moeda. Noutras palavras: a crença de que os preços irão
subir faz com que as pessoas tratem de se livrar do dinheiro
trocando-o rapidamente por bens e mercadorias, inclusive
até contraindo empréstimos. Durante a fantástica inflação
ocorrida na Alemanha após a I Guerra Mundial, por exem-
plo, houve períodos em que os preços chegavam a duplicar
diariamente, fazendo até com que as firmas pagassem os
(JJExtraído de "O que é a Inflação? Pode-se Contê-la?", in "A Revolu- salários mais de uma vez ao dia a fim de que eles pudessem
ção que precisa ser feita", H. Maksoud, Editora Visão, São Paulo, ser gastos antes que se desvalorizassem.
1980. Esse artigo foi publicado originalmente na VISÃO de 5-3-79.
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106

1
I
I
I

utro mito muito difundido é 0 de que a inflação é cau- I económica privada por uma ação estatal centralizada, com
O sada não por um aumento na quantidade de dinheiro
I
o conseqüente esvaecimento da liberdade do indivíduo.
A fonte de todos esses mitos, e da conseqüente ação
mas pela 'falta de mercadorias'. Era o que se dizia na Ale-
manha, durante a gigantesca inflação dos anos 20: no fim equivocada no combate à inflação, foi, nos últimos decê-
de 1923 o poder aquisitivo do marco chegou a reduzir-se a nios, a chamada teoria keynesiana, que admitia que os es-
um bilionésimo de seu valor de antes da guerra. Durante toques monetários dos países pudessem 'inflar-se' o bas-
esse tempo a política inflacionista do governo alemão fez tante para produzir o máximo de emprego que pudesse ser
com que a fabricação de papel-moeda jamais parasse. Não garantido a curto prazo pela pressão monetária. Seriam,
houve, entretanto, uma "falta generalizada de mercado- assim, corrigidos os desajustes nos preços relativos e na
rias", já que a produção total permaneceu praticamente alocação de recursos e, pois, pela manipulação da base
inalterada. No entanto, os tecnocratas, os políticos e boa monetária, se estimularia o desenvolvimento.
parte do povo, estimulada por aqueles, culpavam a 'falta Era a idéia de que todo nível elevado de desemprego (ou
de mercadorias,, a 'especulação' e os 'lucros excessivos' de tendência à pobreza) seria devido a uma insuficiência da
por todo o caos. A melhor prova de que não faltavam pro- 'demanda agregada' e poderia ser reduzido por um aumen-
dutos é a de que, nesse período, estrangeiros de toda parte to dessa demanda. Para conseguir isso, bastaria, por exem-
compravam, com ouro ou com suas próprias moedas, mer- plo, aumentar-se os gastos governamentais, 'inflando' su-
cadorias alemãs por preços mais baixos que os de produtos ficientemente o estoque monetário. Nos dias de hoje, en-
equivalentes nos seus respectivos países de origem. tretanto, torna-se cada vez mais evidente que os níveis de
É óbvio que a subida nos preços pode ser causada tanto emprego (e, pois, as possibilidades de progresso) não são
por falta de mercadorias como por aumento na quantidade simplesmente uma função da demanda total, e que um au-
de moeda e crédito, ou por uma combinação desses dois fa- mento no dispêndio monetário total faz com que cresça a
tores. Mas, como enfatiza o insigne professor F. A. Hayek, dependência dos empregos na inflação, forçando sua in-
uma subida nos preços, "mesmo uma subida geral causa- tensificação, como num círculo vicioso. Hayek nos ensina
da, por exemplo, por uma falta de alimentos, devido a más que ''não é de forma alguma verdade que, desde que exista
safras, não é necessariamente inflação. Nem poderia ser o desemprego, um aumento da demanda agregada só faz
chamado, com propriedade, de inflação um aumento geral bem e nenhum mal. Isso pode ser verdadeiro num curto
de preços causado pela falta de petróleo e de outras fontes prazo mas não ao longo do tempo. Não existe realmente a
de energia que tenha conduzido a uma redução absoluta no 1
escolha entre inflação e desemprego. É como comer de-
consumo de energia - a não ser que essa falta de energia mais e a indigestão: embora comer demais possa ser agra-
venha a ser usada como desculpa para fazer crescer o volu- I dável enquanto se come, a indigestão se seguirá invariavel-
me de crédito e de dinheiro em circulação''. I mente". Isso tudo quer dizer que o desemprego é uma indi-
gestão provocada pela inflação, que por sua vez é causada
as, da mesma forma que o aumento geral de preços I pelo apetite dos governos desejosos de resolver, pelo diri-
M não significa necessariamente inflação, pode haver
I
gismo estatal, todos os problemas económicos da nação.
uma grande inflação sem qualquer aumento de preços, se Para quem vive no mundo real, a indigestão inflacionária
este efeito for ocultado por sistemas de controle de preços I produzida pelo estatismo certamente não é um mito.
impingidos pelos governos. É a chamada 'inflação reprimi-
da', que, está provado, causa mais danos que a própria in- I
flação aberta porque torna completamente inoperante o VISÃO, 9-1-84
mecanismo de preços do mercado, conduzindo à falta de
produtos, novas pressões inflacionárias, desemprego, ra-
cionamentos e substituição progressiva de toda a atividade

108 109
I
I

I O monetarismo
I keynesiano- estruturalista
I

!
I

,I monetarismo deve ter nascido quando os homens de-


O cidiram dar aos governos o monopólio de criação e
gestão do dinheiro em circulação na economia. No início,
a tarefa que se atribuía aos governos era não tanto a de
produzir o dinheiro em si mas principalmente a de certifi-
car o peso e o grau de pureza dos materiais usados univer-
salmente como dinheiro. Apesar de que seu papel era o de
assegurar que as moedas tivessem o peso e a pureza compa-
tíveis com seus valores, todos os governos sempre trataram
de persuadir o público de que o direito de produzir dinheiro
cabia a eles exclusivamente. Com o tempo, criou-se a su-
perstição de que era o ato de cunhagem ou emissão que con-
feria o valor ao dinheiro. Essa superstição foi logo substituí-
da por doutrinas legais sobre o poder do Estado na imposi-
ção de valor ao dinheiro, as quais, já neste século, foram re-
forçadas por certas teorias econômicas fascinantes porém
perigosas, tais como a de 1905 do alemão Prof. G. F. Knapp
("The State Theory of Money") e a de 1936 de J. M. Key-
nes ("General Theory of Employment, Interest and Mo-
ney"). Quanto à teoria de Knapp, basta citar que ela foi a
I fonte inspiradora da 'política monetária' do governo ale-
mão que produziu a fantástica inflação que em 1923 derru-
I
bou o marco a um trilionésimo de seu valor anterior. A
I
'Teoria Geral' de Keynes gerou a onda multiface chamada
keynesianismo e seus desdobramentos, onde se pode desta-
I
I car as teorias de tipo estruturalista-macroeconômico que
tantos percalços têm trazido para as pretensões de progresso
do Brasil e de outros 'países em desenvolvimento'.

evido ao fato de que alguns dos mais conhecidos 'mo-


D netaristas' são também defensores do mercado livre, a
expressão 'monetarismo' é tida erroneamente como igual a
'capitalismo' ou a 'conservadorismo'. O monetarismo, no
entanto, é uma teoria sem qualquer cor ideológica. O pró-

111
I
!
um nível inadequado de demanda efetiva e por isso recei-
prio 'guru' moderno do monetarismo, Milton Friedman
I tou um aumento nos gastos do governo como meio direto
escreveu num artigo . em 1980 que "a teoria monetária não' de estimular a demanda e, em conseqüência, a produção e
tem conteúdo ideológico". Nesse mesmo artigo, Friedman I
o emprego, assegurando, desse modo, o pleno emprego
reproduz trechos do relatório anual do presidente Li Bao-
I dos fatores de produção subutilizados na conjuntura de
hua, do Banco do Povo da China, onde aparecem coisas crise. Argumentava que os trabalhadores previamente de-
I sempregados, contratados para produzir o que o governo
sobre monetarismo que o professor da Universidade de I
Chicago afirma que ele Ínesmo não saberia escrever me- comprava, gastariam a maior parte de seus ganhos em mer-
lhor. Sobre a quantidade de dinheiro no mercado, por I
cadorias, o que estimularia outro turno de aumento da de-
exemplo: "Emissões de natureza fiscal devem ser evitadas manda. Este processo se repetiria automaticamente e, des-
pois não devemos entrar no caminho inflacionário dos paí~ te modo, o aumento total da demanda global seria um
ses capitalistas ... Um excesso de papel-moeda no merca- múltiplo substancialmente grande do incremento no gasto
do ... trará flutuações nos preços das mercadorias ... Se do governo. Essa teoria gerou o 'keynesianismo', que dei-
ocorrer uma falta de papel-moeda no mercado, a circula- xou os governos completamente soltos para gastar mais e
ção das mercadorias será afetada ... ". E sobre política fis- mais: financiados pelo aumento da oferta de dinheiro ou
cal: "Devido ao fato de que os déficits orçamentários cau- por empréstimos, os déficits dão-lhes condição de gastar
sados por um aumento direto dos gastos fiscais são de tal sem ter de aumentar os tributos; os superávits, de outro la-
natureza que atraem a atenção, medidas são geralmente to- do, somente podem ser acumulados ou aumentando os im-
madas ~om rapidez para corrigir tais situações logo que postos ou cortando os gastos, que são medidas de caráter
elas sunam; mas o aumento dos gastos fiscais mascarados impopular. O resultado dessa situação tem sido a assime-
por meio de empréstimos bancários, e a brecha crescente tria na aplicação da teoria de Keynes, ou seja: uma persis-
entre créditos e empréstimos, e o aumento de emissão de tente preferência pelo déficit orçamentário e seu financia-
notas decorrente desse desequilíbrio, são situações às quais mento pelo inchaço da dívida pública e aumento crescente
normalmente não se presta a devida atenção ... A experiên- dos meios de pagamento; um contínuo aumento dos gastos
cia mostrou que, para regular a circulação da moeda de governamentais com crescente intervenção do Estado na
forma planejada, é importante que se tenha um orçamento economia; uma inflação instável e incessante; e um perma-
equilibrado e. um equilíbrio geral das finanças públicas e nente e elevado grau de desemprego.
créditos bancários".
pesar desse ~escalabro, os keynes.ianistas não se de-
. Mas. se o monetarismo é assim neutro sob o aspecto
Ideológico, como, então, ocorrem os desvios que pro-
I

I
I
A ram por vencidos. Para eles havena também comple-
xos aspectos 'estruturais' nos países 'periféricos' que deve-
duzem não só a barafunda ideológica mas também a
persistente e variável febre inflacionária que se observa .I riam ser considerados na aplicação e/ ou correção das teo-
comumente nos países como o nosso? Esses desvios se rias vigentes. Lançando mão da macroeconomia (análise
dão onde entra a aplicação da teoria monetária mescla- I de agregados econômicos) surgida com a 'Teoria Geral' em
da com o keynesianismo e com as tais teorias estrutura- 1936, passaram a desenvolver 'modelos dinâmicos' de aná-
listas macroeconômicas. lise aplicáveis a países em desenvolvimento. Eles enfatizam
I a necessidade de técnicas específicas de planejamento para
a sua 'Teoria Geral', Keynes substituiu a visão clássica corrigir. aqueles efeitos desastrosos da aplicação de Keynes
N do orçamento governamental equilibrado pela idéia I e para Isso desenvolveram algo que poderia ser chamado
de 'monetarismo keynesiano-estruturalista'. Para conti-
de que as flutuações inerentes à economia poderiam ser
atenuadas pela criação de um desequilíbrio orçamentário, nuar sendo monetaristas e simultaneamente keynesianistas
de modo a criar déficits na recessão e superávits na infla- a despeito da inflação, da estatização e do desemprego de-
ção. Ele diagnosticou como causa da Grande Depressão
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I
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I
correntes dessa atitude, a resposta teórica é a de que existe
''uma descontinuidade estrutural no sistema capitalista, De quanto
geradora de dinâmicas distintas nos países centrais e perifé-
ricos"; e a resposta prática é a convocação dos órgãos go- I
I dinheiro. precisamos?
vernamentais de repressão para que "o mercado se com-
porte de modo a manter os produtos a preços compatíveis J
com as necessidades da população". No final das contas,
os econometristas poderão vir a querer medir os preços por I
eles totalmente congelados e chegar à conclusão de que 'os ',
orno se não bastasse a enorme complexidade inerente à
preços não mais sobem' e, portanto, 'a inflação é nula', foi
vencida pelo controle de preços ...
C própria vida em sociedade, o homem é ainda atormen-
tado por muitas superstições no campo da economia. Uma
dessas superstições é a de que o dinheiro não só precisa ser
um monopólio do Estado mas também deve ter sua quanti-
dade controlada e estabelecida pelo governo. Em função
VISÃO, 20-11-85 dessa superstição existem as chamadas políticas monetá-
, I
rias, todas elas circundando o mesmo tema: qual a quanti-
dade 'correta' de dinheiro que o governo deve manter na
economia para que ela 'funcione bem'? É como se fosse
questão fechada a de que os planejadores monetaristas de-
vessem estar continuamente tirando e pondo meios de pa-
gamento no mercado. Há, no entanto, uma outra visão,
completamente distinta e espantosa: a quantidade de di-
nheiro na economia não tem a menor importância. O im-
portante é ter dinheiro com poder aquisitivo estável.
Não é difícil observar que existe uma crença arraigada
de que o dinheiro é um instrumento de planejamento que
pode ser manipulado para produzir resultados econômicos
desejados. De acordo com essa mística, o emprego, os ju-
ros e outros resultados econômicos poderão ser predeter-
minados pelo controle da quantidade de dinheiro. Isso faz
com que a atenção dos especialistas fique concentrada na
determinação do montante 'adequado' de dinheiro que os
técnicos devem manter em circulação. E são muitas as teo-
rias sobre o estabelecimento dessa oferta: que fosse basea-
da no tamanho do déficit orçamentário e no suposto bene-
.I fício que esse déficit (coberto por emissão e/ou financia-
mento) trará para a economia; que fosse relacionada com a
I produção de bens e serviços; ou que tivesse relação com o
volume do comércio ou as variações dos preços, etc. Há
pouca gente hoje disposta a rejeitar essas teorias interven-
cionistas para deixar que o mercado equilibre a oferta e a
procura de dinheiro. Somente um ou outro economista

I 115
114

I
I
I
I
I

I consumo e os serviços são usados e eventualmente destruí-


deixa entrever séria preocupação com relação ao desen- dos pelos consumidores. Mas o dinheiro não é consumido,
freado aumento dos meios de pagamento como causa fun- porque é um instrumento de troca que permanece circulan-
damental da inflação. do no mercado.
Quase todos elaboram em torno de complexas políti~~s De outro lado, o dinheiro deixa de ser diferente e fun-
monetárias de controles de preços e outras formas de dm- ciona como as outras mercadorias, quando opera a eterna
gismo econÔmico. Esse é um enfoque também infelizmente 'lei' da oferta e da procura. Essa lei determina o 'preço' do
apoiado por gente importante, como o Prêmio Nobel de dinheiro e das demais mercadorias. Todo mundo sabe que
Economia deste ano, o italiano Franco Modigliani. Defen- se houver, por exemplo, falta de tomate (isto é, se a oferta
sor de técnicas de controles de preços, o ilustre premiado cair) e continuar havendo a mesma procura, o preço do to-
confessa-se um 'neokeynesiano', dizendo que "o essencial mate tende a subir; se a oferta de tomate aumentar, o pre-
da teoria de Keynes continua válido ... ". E afirma que ço tende a baixar. O mesmo se dá com o dinheiro: um au-
"continua atualmente tendo valor e vigência a tese de que mento da oferta de dinheiro tenderá a diminuir seu preço
o sistema de mercado deve ser estabilizado (grifo meu) - ou seja, o dinheiro valerá menos.
através do sistema político". O que ele quer dizer em últi-

E,. dafácilprodução
ma análise é que o mercado não basta para se ter uma eco-
nomia estável. Ele considera válida a idéia de Keynes de perceber, então, que, ao passo que um aumento
que as flutuações inerentes à economia podem ser atenua- de qualquer mercadoria traz benefício
das provocando desequilíbrios orçamentários. E como para as pessoas, pois tende a reduzir o preço de cada uni-
bom 'neokeynesiano' (ou estruturalista se quiserem) recei- dade produzida, um aumento da quantidade de dinheiro
ta a intervenção no mercado até pelo congelamento dos não redunda em nenhum benefício. A razão é simples: o
preços. Isto significa que o dinheiro não deve ser regulado dinheiro tem só uma utilidade: é um instrumento de troca.
livremente pelo mecanismo de preços do mercado. Como Os outros bens têm várias utilidades: uma fruta, p. ex.,
outras mercadorias da economia, o dinheiro também pre- serve para produzir suco, geléia, compota ou extrato, de
cisa estar sujeito à planificação governamental. modo que um aumento de sua quantidade tende a satisfa-
zer um maior número de consumidores. Como o dinheiro
não tem outra utilidade a não ser como meio de troca, um
uando o plan.ejamento econômico faz ~rescer a quan-
Q tidade de mews de pagamento presummdo uma meta
de crescimento econômico, confunde-se dinheiro com ri- \
I
aumento de sua quantidade não traz nenhum benefício em-
bora produza todos os males conhecidos da inflação.
O aumento da quantidade de dinheiro, portanto, ape-.
queza. O que não se percebe, porém, é que, neste aspecto, I nas diminui parte do poder aquisitivo de cada unidade mo-
o dinheiro é uma mercadoria diferente das demais: quando r
netária; de outro lado, a contração da oferta de dinheiro
I
a 'oferta' de dinheiro aumenta, a sociedade não fica mais apenas aumenta o poder aquisitivo de cada unidade. Ou
rica; mas quando aumenta a oferta de outras mercadorias I seja, o mercado ajusta automaticamente o valor das unida-
a sociedade se beneficia, fica mais rica. Um aumento de des monetárias às necessidades dos agentes econômicos. Is-
bens e serviços traz melhor padrão de vida para a socieda- to só nos conduz a uma conclusão: funcionando o merca-
de· a descoberta e exploração de uma jazida ou de uma re- do, a quantidade de dinheiro na economia não tem a me-
I
gHto fértil, também. Mas um aumento da quantidade de di- nor importância. Moral da história: em lugar de abraçar
nheiro não melhora o padrão de vida; apenas dilui o valor políticas monetárias que jamais trarão resultados benéfi-
I
de cada cruzeiro, isto é, provoca aumento dos preços e per- cos, os cientistas, os políticos e os estadistas deveriam
da geral de poder aquisitivo da moeda. . livrar-se das superstições e teorias sobre o governo e a
O dinheiro é também diferente das outras mercadonas quantidade 'correta' de dinheiro, e tratar de compreender
por outro motivo. Os bens de capital e os recursos naturais I
que somente um verdadeiro mercado monetário (inclusive
são consumidos no processo de produção; e os bens de
I 117
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I
I
I
I
I

I
sem o monopólio estatal) pode ser imparcial, racional e efi-
caz nessa questão da oferta de dinheiro em relação às ne-
I

O remédio
cessidades dos consumidores. ,,I
constitucional para as
I
I endemias econômicas
VISÃO, 27-11-85
I

s mais doídos problemas econômicos que nos afligem


O hoje são em verdade doenças endêmicas de natureza
constitucional. Decorrem, pois, das normas de organiza-
ção do sistema de governo vigente. Essas endemias não são
erradicadas, numa sociedade como a nossa, porque as pes-
soas de responsabilidade simplesmente não querem uma
constituição em que as atividades econômicas sejam essen-
cialmente baseadas na interação espontânea e auto-regula-
dora do mercado. Uma constituição assim é tida como 'po-
liticamente impossível' no atual cenário socialista montado
pelos intelectuais em geral. Se esse mito pudesse ser des-
truído, um arranjo constitucional baseado no livre-arbítrio
individual seria um tratamento definitivo para todos os
males crônicos de nossa economia. Como se daria essa
cura? Tomemos como exemplo o caso da persistente infla-
ção e o inexorável crescimento do ativismo governamental
na economia.
\
I Como não há limitação constitucional aos seus poderes
de fabricar dinheiro, tributar os cidadãos e empresas e au-
mentar o endividamento público, os governos preferem
sempre operar com cada vez maior déficit orçamentário
(despesa maior que a receita) e para cobrir a diferença emi-
\
I tem mais moeda, tomam mais dinheiro emprestado e au-
mentam ainda mais os impostos. Como conseqüência, pe-
netram cada vez mais na vida econômica nacional. Produ-
I zem quatro males terríveis (a inflação, a dívida pública, os
impostos excessivos e a estatização) que atingem duramen-
I te a vida de todos os indivíduos, embora a maioria das pes-
soas não saiba exatamente o que está acontecendo. Essa si-
tuação calamitosa, no entanto, poderia ser evitada por um
.I sistema de governo inspirado na liberdade individual e
constituído com fundamento no ideal político do verdadei-
I
118 119
I
I

I mercado monetário. O governo não poderia, pois, compe-


ro estado de direito e na doutrina da separação de poderes. lir o público a aceitar o dinheiro 'oficial'; a moeda, nesse
Seria o que poderíamos chamar de Demarquia, um gover- sistema político, seria parte do livre mercado, o qual ofere-
no constitucional democrático subordinado ao Direito. :I ceria diferentes unidades monetárias competitivas, inclusi-
ve moedas estrangeiras. A tendência seria a de se ter di-
um regime governamental baseado no conceito de que nheiros brasileiros de circulação e aceitação internacional.
N a lei é geral, prospectiva e igual para todos os cidadãos
e instituições, não pode haver nenhuma autoridade com
!
I
Problemas de 'pacotes econômicos' e de 'balanço de paga-
mento' e 'políticas monetárias' deixariam de existir como
poder coercitivo sobre os contratos voluntários e as ações I
I tal.
pacíficas das pessoas. Nesse regime, a intervenção do Esta-
do só seria aceita (e apenas em cumprimento das normas
do Direito) quando houvesse coação e intromissão de uma
pessoa, ou do governo, na esfera de liberdade legalmente
I
A onetário,
possibilitar a criação de um verdadeiro mercado mo-
a Demarquia acabaria com a questão do au-
mento arbitrário da quantidade de dinheiro na economia e
protegida de outra pessoa. E, como a lei é igual para todos, o cidadão, como faz com outras mercadorias, escolheria li-
nessa sociedade o governo não poderia fazer o que fosse vremente as moedas que lhe garantissem melhores condi-
proibido aos indivíduos. Por imposição constitucional, seu ções como instrumentos de troca e mais estabilidade de po-
orçamento teria que ser sempre equilibrado (sem déficit), der aquisitivo. Os bancos, subordinados às normas do Di-
os tributos seriam essencialmente proporcionais e não pro- reito mas sem dirigismo estatal, oferecendo juros competi-
gressivos e seus gastos não poderiam exceder uma certa tivos incentivariam a poupança que a cibernética do mer-
porcentagem do Produto Bruto. Assim, o governo não te- cado equilibraria com as necessidades de novos investi-
ria poderes nem para gastar sem possuir meios reais de pa- mentos. O livre funcionamento do mercado, inclusive do
gamento, nem para impedir ou obstruir as atividades eco- dinheiro, eliminaria certas moléstias crônicas falsamente
nômicas legítimas dos cidadãos e nem para criar taxas e im- atribuídas ao 'capitalismo', características das economias
postos arbitrários e discricionários. Não poderia, pois, fi- inflacionadas, resultantes do intervencionismo monetário,
nanciar seus gastos por emissão de moeda sem lastro, pro- geralmente representadas pela instabilidade das atividades
movendo a inflação, nem poderia aumentar sem limites os econômicas, pelo alto grau de desemprego, pela grande
tributos e nem endividar-se crescentemente sem qualquer discrepância dos níveis de renda das pessoas e por distor-
vislumbre de equilíbrio orçamentário, como se faz nos dias ções nos níveis de investimento nos diferentes setores in-
de hoje. Não poderia também distorcer a informação eco- dustriais. A abolição do monopólio estatal do dinheiro tor-
nômica pelo controle de preços e salários e/ ou por quais- naria também cada vez mais difícil aos governos impedir o
quer políticas monetaristas, keynesianas, estruturalistas, movimento internacional das pessoas, do dinheiro e doca-
de 'justiça social', etc., que além de mascararem a inflação pital, movimento esse que constitui uma salvaguarda dos
levam os investidores a fazer maus investimentos que even- dissidentes políticos de escaparem à opressão.
tualmente produzem falências, desemprego e outras des- É possível erradicar as endemias econômicas que nos cas-
graças. Sob o regime demárquico, o Estado estaria separa- tigam incessantemente desde sempre. Para conseguir essa
do não só da Igreja mas também da Economia, pois um re- cura definitiva é necessário tratar o 'corpo político' com
quisito imprescindível para a salvaguarda da liberdade in- adequados remédios constitucionais baseados em determi-
dividual é ter fontes econômicas bem distintas do governo. nados princípios e doutrinas aqui expostos. Com todas as
Nessa forma ideal de sistema político a produção de di- vantagens decorrentes, não valeria a pena verificar se é de
nheiro não seria um monopólio estatal. Se o governo pre- fato politicamente impossível essa revolução constitucional?
tendesse produzir dinheiro estatal, teria de concorrer com
os outros produtores; não poderia eliminar a concorrência
por algum tipo de pseudolei ou impedir seu surgimento no VISÃO, 4-12-85

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