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CADERNO DE FORMAÇÃO

MINICURSO
DO SISTEMA
FINANCEIRO
Construído com base em 5
encontros realizados entre
13/05/2021 e 10/06/2021

Elaboração:
SUMÁRIO:
É´ FUNDAMENTAL ENTENDER
E DISPUTAR O SISTEMA Introdução
FINANCEIRO À ESQUERDA p. 3

Aula 1: A FINANÇA MUNDIALIZADA: UMA


CONVERSA SOBRE A CONJUNTURA
p. 5
FINANCEIRA DO SÉC. XXI

BANCO CENTRAL DO BRASIL: O


Aula 2:
DEBATE DE SUA INDEPENDÊNCIA E
p. 8
DA EMISSÃO DE MOEDA

Aula 3: BNDES: FINANCIANDO


p. 17 O DESENVOLVIMENTO

CAIXA E BANCO DO BRASIL: O


Aula 4:
PAPEL DOS BANCOS ESTATAIS
p. 21
PARA UMA ECONOMIA POPULAR

Aula 5: UMA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO


PARA AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
p. 25
PRIVADAS

1
Agradecimentos
& Equipe de Redação
Agradecemos muito a todos os professores
e palestrantes que contribuíram para a
realização desse projeto.

LEDA PAULANI ALESSANDRO OCTAVIANI


GUILHERME MELO ELIAS SAMPAIO
JULIANE FURNO MARIA RITA SERRANO
ROGÉRIO FAVARO GABRIELA CHAVES
DIOGO R. COUTINHO SIMONE DEOS
MARCELO MITERHOF JULIA NORMANDE

A materialziação deste caderno também


não seria possível sem o time de redação e
revisão

MATHEUS FRAGA JOSÉ´ BERGAMIN


PIETRA FOGANNOLI MARCELO FIORELLI
PEDRO KIFFER THIAGO BARTOLOMEU

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INTRODUÇÃO: É FUNDAMENTAL
ENTENDER E DISPUTAR O SISTEMA
FINANCEIRO À ESQUERDA
O mundo capitalista no século XXI mais do que nunca é marcado pelo crescimento dos
Sistemas Financeiros globais. Esse processo se caracteriza não só pelo aumento das
movimentações financeiras diárias pelo mundo, mas pela influência que o sistema
financeiro passa a ter nas outras atividades produtivas. Grandes empresas, mesmo de
setores produtivos (que geram emprego) cada vez mais se utilizam de artifícios financeiros
para aumentarem seus lucros em detrimento de fazer mais investimentos que gerem
emprego e renda para a sociedade.

Contudo, não só as grandes empresas têm se orientado em direção ao sistema financeiro, no


primeiro semestre de 2021 o número de investidores na bolsa como Pessoas Físicas cresceu
43% no Brasil. As redes sociais estão inundadas com anúncios de cursos de gestão de carteira
que supostamente ensinam o caminho para “ficar rico trabalhando de casa” ou de fazer a
sua própria “jornada milionária”. Assim, é visível que ao influenciar e ditar os ritmos e as
relações presentes no processo produtivo, orientando empresas (pessoas jurídicas) e
trabalhadores (pessoas físicas) em direção ao sistema financeiros, o processo de
financeirização global também influencia o modo de pensar da sociedade, e constrói uma
narrativa predominante.

Assim, o intuito do Minicurso de Sistema Financeiro realizado na forma de 5 encontros


semanais entre os dias 13 de maio e 10 de junho pela plataforma do Zoom, foi justamente
ouvir especialistas e estudiosos dos diferentes aspectos do Sistema Financeiro e construir
uma visão contra hegemônica. O resultado dessa empreitada pode ser acompanhado ao
longo das seções do Caderno de Formação.

Nesse sentido, a Seção I consolida os resultados do debate feito com a professora Leda
Paulani e o professor Guilherme Mello sobre a conjuntura financeira do século XXI à luz dos
conceitos trazidos à tona por Marx e Keynes. Em seguida, a Seção II sistematiza os
entendimentos absorvidos pela exposição de Juliane Furno e Rogério Fávaro sobre o papel
do Banco Central na regulação do sistema financeiro e as consequências de suas ações de
controle da moeda para a economia como um todo.

A Seção III resulta dos acúmulos do terceiro encontro do minicurso. Uma vez tendo
compreendido o contexto global da financeirização e o principal ator estatal de atuação (o
Banco Central), foi possível ampliar os horizontes com Diogo R. Coutinho e Marcelo Miterhof
a respeito do papel dos Bancos de Desenvolvimento, em especial do BNDES na construção de
um projeto de desenvolvimento nacional.

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INTRODUÇÃO: É FUNDAMENTAL
ENTENDER E DISPUTAR O SISTEMA
FINANCEIRO À ESQUERDA

A Seção IV expõe o resultado das contribuições de Alessandro Octaviani, Elias Sampaio e


Maria Rita Serrano ao discutirem o papel histórico dos bancos públicos, Caixa Econômica
Federal e Banco do Brasil, na construção de um projeto econômico popular. Por fim, a Seção
V identifica os caminhos que Gabriela Chaves, Simone Deos e Júlia Normande apontaram
para transformar as instituições financeiras privadas, a fim de construir um projeto de
desenvolvimento nacional inclusivo e popular.

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AULA 1 - A FINANÇA MUNDIALIZADA:
UMA CONVERSA SOBRE A CONJUNTURA
FINANCEIRA DO SÉCULO XXI
Falar em finanças implica, antes de tudo, falar em dinheiro, entretanto, é preciso tomar um
referencial. A principal referência adotada nesse caso é Karl Marx, que iniciou a discussão
sobre as finanças. Posteriormente, a temática foi enriquecida pelas reflexões de Keynes e,
no recorte abordado pelo curso, não há prejuízo ao somar os apontamentos de Marx e
aqueles trazidos pelos keynesianos e pós-keynesianos.

Em Marx, o dinheiro é tratado como uma necessidade imposta pela forma mercadoria. No
Capítulo III do Livro I do Capital, o autor listou alguns atributos do dinheiro. Primeiro, ser
unidade de conta ou medida de valor, permitindo a comparação de produtos do trabalho
humano, qualitativamente distintos, através dos preços. Em segundo lugar, ser um meio de
troca, o equivalente geral pelo qual as diferentes mercadorias todas podem expressar seu
valor. Por fim, o dinheiro teria a capacidade de se autonomizar em relação às trocas, de
modo a se constituir como meio de pagamento, se consolidando como a mercadoria
absoluta.

Por essa razão, o dinheiro vai além da moeda. A moeda pode ser percebida como a
conjunção dos atributos de unidade de conta e meio de troca, mas está excluída do atributo
de ser meio de pagamento, algo que é característico e próprio do dinheiro. Na medida em
que só o dinheiro é meio de pagamento, é apenas ele quem pode remunerar aluguéis,
remunerar arrendamentos de terras, pagar dívidas e comprar coisas que não são valor de
uso (por exemplo, virtudes).

Um quarto atributo do dinheiro, menos relevante para o objeto dessa discussão em


específico, é a possibilidade de entesouramento. O dinheiro tem sua predominância nas
trocas por conta de um processo histórico e nasce junto com os Estados nacionais
modernos. Nesse desenrolar histórico do dinheiro é importante perceber que surgem, ao
lado do comprador e do vendedor, também as figuras dos credores e devedores.

No Livro III do Capital, Marx discorreu sobre o “Capital portador de juros” (atualmente
referido como “capital financeiro”). No livro, o autor aponta que quando o capitalismo se
consolida, o dinheiro adquire um valor de uso adicional: o de funcionar como capital.
Qualquer dinheiro se torna capital em potencial, de modo que os donos do dinheiro podem
vender essa potência havendo uma transmutação do dinheiro em mercadoria. Um exemplo
intuitivo é o do capitalista que empresta dinheiro para o industrial, que por sua vez o
investe na produção, extraindo mais-valia e cedendo parte dela ao emprestador como
remuneração do dinheiro.

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AULA 1
Assim se apresenta o capital portador de juros, que depende de duas personagens
principais, o credor (quem empresta) e o devedor (quem pega emprestado). O credor é
responsável pela criação jurídica da riqueza já que os juros que serão pagos pelo seu
empréstimo são garantidos legalmente. O devedor, por outro lado, faz a aquisição da dívida
para investir na produção, se apropria da mais valia gerada no processo produtivo e assim
paga o empréstimo e seus juros. Nesse caso há uma aparência de que é a geração do
empréstimo que cria mais valor e mais dinheiro, mas na verdade esse aumento da riqueza
do credor só é possível pois o dinheiro é investido na produção de mercadorias se utilizando
da força de trabalho, a qual realiza materialmente a valorização do capital.

A partir da análise desses processos, François Chesnais, um eminente comentador da obra


marxiana, sobretudo da temática financeira, explica que a Financeirização é “o movimento
de disseminação das características do capital portador de juros no sistema como um todo”.
Entre essas características, é possível citar a instabilidade. A partir do contato com o
conjunto de conceitos apresentados, é possível abordar brevemente a relação entre
finanças e produção (o capital funcionante, que gera valor novo e excedente) através de
alguns paradigmas.

Para J. Schumpeter, a relação entre finanças e produção é positiva, pois não há capital sem
crédito. As finanças podem alavancar a produção, sendo um agente acelerador da criação
de valor (cabe situá-lo num contexto em que as finanças eram constrangidas pelo Estado,
no período do pós-II Guerra). Um outro paradigma é aquele em que, ao contrário, são as
finanças quem estão no domínio da produção: elas impõem a todo o processo de
acumulação de capital as suas características específicas (assim como disse F. Chesnais),
quais sejam: o curto-prazismo, a aversão ao planejamento, os rendimentos por contrato de
crédito, entre outras (este foi o paradigma que vigorou no período pré-crise de 1929 e no
pós-1970, até os dias de hoje).

Nesse segundo paradigma, tem-se que a riqueza financeira cresce de forma muito mais
rápida que a riqueza gerada na economia real (a produção fabril e de serviços, por exemplo),
de modo que a primeira passa a ser muito mais atrativa do que essa última. A fonte dessa
riqueza financeira nada mais é do que direitos estabelecidos em um contrato sobre um
valor futuro, que ainda será gerado pela produção real. Com isto, é fácil perceber a
contradição interna existente no sistema. Ela é sem dúvidas uma das maiores fontes de
instabilidade e de crises reiteradas que são vivenciadas, com um intervalo de tempo cada
vez menor entre um colapso e outro.

Com a desregulamentação financeira dos anos 1970, o capital financeiro movimenta-se


mundo afora sem quaisquer limites, fronteiras ou constrangimentos governamentais:

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AULA 1
o poder econômico sequestrou os próprios Estados; sobrepôs-se ao poder político e à
soberania; passou a dominar e dirigir os únicos agentes capazes de regulamentá-lo. Uma
grande prova disso é que, mesmo na ocasião da grande crise financeira de 2008, as suas
causas não foram corrigidas pela política de Estado, cujo objetivo foi apenas o de mitigar os
seus efeitos. Toda aquela riqueza fictícia, que seria queimada pela crise, foi mantida
artificialmente, de modo que as elites globais giraram mais uma rodada nos sistema de
apostas capitalistas, enquanto “não se vê alternativas”.

O novo regime de acumulação e liberalização financeira tem como marco histórico, o fim do
acordo de Bretton Woods. No pano de fundo deste acordo, existia o consenso de que se a
esfera financeira fosse muito livre ela tanto tenderia a não gerar valor quanto a criar muita
instabilidade. Não se pode ignorar o papel funcional que as finanças possam exercer para o
desenvolvimento, pelo menos no plano ideal e teórico, o próprio Keynes e mesmo o
economista austríaco Hilferding trazem em seus trabalhos a perspectiva da influência que
o mundo do capital financeiro pode ter na produção e no crescimento econômico.

Contudo, a financeirização negativa só pode ser compreendida dentro da dinâmica própria


do capitalismo, na qual, de fato, todas as suas formas nascem juntas, o capital dinheiro
nasce junto com o capital produtivo, por exemplo. O capitalismo, enquanto processo
dinâmico, faz com que algumas de suas formas se complexifiquem, ficando mais
fetichizadas e dominantes em relação às outras. É assim que o capital portador de juros
passa a dominar outros componentes do circuito do capital industrial.

Nos círculos econômicos, é comum ouvir falar, por exemplo, do circuito M-D-M (mercadoria
que é trocada por outra e intermediada pelo dinheiro) e do circuito D – M – D’ (dinheiro que
é investido, acrescido de valor e novamente realizado na forma de dinheiro expresso em
quantia maior). Isto é um exemplo de como o capitalismo se complexifica através de
múltiplas camadas de determinações: o capital portador de juros opera em um desses
circuitos mais complexos e, se não é regulado premeditadamente pelo Estado, tende a
dominar as outras formas e a imprimir nelas a sua dinâmica.

Desse modo, o circuito que regula as interações produtivas é o D-M-D’´(dinheiro que é


investido passa pela produção de mercadorias e se valoriza em uma quantia maior de
dinheiro), mas que no universo da financeirização toma uma outra aparência D-D’’ na qual
se omite o papel da produção na geração de mais valor e tem-se a ilusão de que o dinheiro
por si só tem a qualidade (e o direito) de gerar mais dinheiro. É, então, nesse sentido que K.
Marx e J. M. Keynes concordam sobre um aspecto fundamental: o capitalismo não é um
sistema de troca de mercadorias, é um sistema de acumulação de riquezas.

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AULA 2 - BANCO CENTRAL DO BRASIL:
O DEBATE DE SUA INDEPENDÊNCIA E DA
EMISSÃO DE MOEDA
A partir da compreensão da dinâmica do capital portador de juros e o processo de
financeirização que se alastra pelo globo é importante se aprofundar em direção a forma
como a política de controle do dinheiro é feita na economia brasileira. Assim, é possível
observar de maneira mais detalhada os possíveis efeitos do dinheiro no processo de
desenvolvimento nacional e também o papel das autoridades monetárias no desenrolar da
política econômica e principalmente monetária nacional.

A. A POLÍTICA MONETÁRIA E A ATUAÇÃO


DO BANCO CENTRAL DO BRASIL

Primeiramente é importante contextualizar que a política monetária, na verdade,


corresponde a um conjunto de políticas, constituindo aquilo que se denomina de política
macroeconômica. A grosso modo esse conjunto de políticas trata do preço da moeda, ou
seja, da estabilidade do nível geral de preços em uma economia, lidando com uma das
variáveis mais importantes da política econômica - a taxa básica de juros, ou SELIC (taxa
que determina o menor juro pago na economia e é básica no sentido de que atua como um
piso e serve de referência para os demais preços em uma economia, tanto preços da
economia real quanto dos ativos financeiros).

No Brasil, quem operacionaliza a política monetária é justamente o Banco Central, fazendo


uso desse instrumento, através do chamado mercado monetário (ou mercado SELIC). O
Banco Central atua neste mercado através de alguns mecanismos. O primeiro deles é o
recolhimento compulsório a que alguns bancos comerciais estão submetidos, devendo
realizar depósitos compulsórios no banco central que correspondem a uma proporção dos
depósitos de clientes, atualmente de 21%.

Os bancos criam moeda no Brasil, a moeda bancária, qualquer banco comercial cria moeda
a partir dos depósitos a vista que recebem e que geram o saldo multiplicador bancário. O
mecanismo de recolhimento compulsório, então, serve para evitar uma quebra
generalizada do sistema financeiro em casos de crise em que, por exemplo, exista uma
corrida de clientes aos bancos comerciais pretendendo sacarem todos os seus depósitos (os
quais já não estariam mais ali, pois os bancos transacionam os valores depositados).

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AULA 2
Outros instrumento do BC são o sistema de redesconto (empréstimo do Banco Central aos
bancos comerciais), em que o Banco Central define uma taxa de juros do redesconto a fim
de estimular ou desestimular a atividade financeira dos bancos comerciais.1 O BC também
pode fazer operações de mercado aberto, onde o Banco Central compra ou vende títulos da
dívida pública para incentivar ou refrear a criação de moeda bancária pelos bancos
comerciais. Há também outros meios menos convencionais para intervenção do Bacen,
envolvendo operações mais diretas sobre o sistema financeiro.

Qual seria a razão que motiva a atuação do Banco Central a intervir nesse processo de
geração de moeda? A taxa básica de juros é, na verdade, uma meta (meta SELIC) e o BC
fazendo uso da sua autoridade na condução da política monetária, deve garantir que haja
certo equilíbrio, estabilidade, entre a quantidade ofertada e a quantidade demandada por
moeda. Contudo, esse equilíbrio é muito tênue e passível de oscilação. Além disso, o Banco
Central não tem controle completo da oferta de moeda na sociedade, pois a oferta de moeda
é endógena, sua criação se dá a partir do próprio movimento e dinâmica de funcionamento
dos bancos comerciais - logo, o BC não controla a moeda, mas atua plenamente sobre um
dos elementos da base monetária, as reservas bancárias.2

Hoje, a principal forma, instrumento, em relação à política monetária conduzida pelo Banco
Central são as chamadas ações de mercado aberto, com as quais consegue fazer uma
sintonia mais fina da taxa de juros, isto é, um controle diário da circulação de moeda,
portanto, da taxa de juros (definida por esse equilíbrio entre oferta e demanda por moeda).
Isso se dá porque os bancos comerciais, no final do dia, ficam com sobra de caixa e
necessitam equilibrar seus balanços no final do dia fazendo empréstimos uns aos outros.

O empréstimo entre um banco comercial A e um banco comercial B envolve a chamada taxa


de juros do interbancário. Quando há muita liquidez (moeda em circulação que sobra no
caixa dos bancos) a taxa de juros interbancário sofre uma pressão para se desvalorizar, o
que diminui o custo para os bancos de fazerem grandes movimentações financeiras,
concederem muito crédito, e, por sua vez, leva a uma situação de maior instabilidade no
sistema financeiro.

Com o objetivo de aumentar a estabilidade, o Banco Central deve enxugar a liquidez, ou seja,
retirar moeda de circulação a partir da venda de títulos da dívida pública em troca do
dinheiro em caixa dos bancos. Assim, o BC evita que a taxa de juros interbancário tenha
tendências grandes de queda, se o BC deixa de fazê-lo, perde o controle sobre a política
monetária, que passa a ser totalmente do mercado.

1. As transações entre agentes não bancários (pessoas e empresas) geram “dívidas” entre os bancos,
os quais devem zerar seu saldo contábil diário zerado e para isso podem precisar pegar empréstimo
do banco central, pagando assim uma taxa de juros por esse empréstimo (a taxa de redesconto).
2. O mercado monetário chama o dinheiro em circulação no sistema bancário de reserva bancária, é
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a moeda bancária, que o BC controla com a política monetária.
AULA 2
B. A TEORIA POR TRÁS DA PRÁTICA, AS
DIFERENTES INTERPRETAÇÕES SOBRE A MOEDA

Tudo o descrito até aqui, não se trata apenas de uma função técnica, de como se
operacionaliza esse mercado. A política monetária está ancorada numa concepção de
moeda e da função que a moeda exerce na economia. Os principais autores da economia
política clássica (Hume, Smith, Ricardo, Sieyes, etc) partiam da teoria quantitativa da
moeda - crítica à política econômica mercantilista, pois a balança nacional superavitária
(visada pelos mercantilistas) levaria a um aumento da renda nacional, o que traria males ao
impactar diretamente no nível de preços, mais especificamente gerando inflação.

Então, a teoria quantitativa da moeda (TQM), até hoje predominante a despeito de ter
passado por mudanças pontuais, carrega então a ideia de que a velocidade de circulação da
moeda impacta direta e proporcionalmente o nível de preços. Logo, quando há o aumento
da base monetária (montante de moedas em circulação), aumenta-se na mesma velocidade
o nível de preços. Então, em termos nominais haverá mais dinheiro na economia, com
salários crescendo por exemplo, mas em termos reais os preços se elevarão na mesma
proporção, ou inclusive mais, fazendo cair o poder de compra dos trabalhadores.Em termos
gerais, esta é a teoria que sustenta a necessidade de ainda haver rígido controle sobre a
emissão de moeda.

Para que as coisas transcorram dessa forma, os liberais, defensores da TQM, partem do
pressuposto de que a moeda é neutra, ou seja, de que a moeda não tem efeito sobre o
produto, sobre o PIB, como se não fosse capaz de dinamizar uma economia. Nesse sentido, o
aumento do nível da moeda só teria efeito no nível de preços, porque todo montante de
moeda iria para consumo imediato, tanto via consumo das próprias pessoas que elevam sua
renda (diretamente), quanto por meio da poupança que permite que outras pessoas peguem
dinheiro emprestado e consumam (indiretamente).

Esse diagnóstico gera a consequência política da identificação do governo como


responsável pela inflação.Na perspectiva dos liberais, cabe ao Estado determinar o nível de
moedas, como se ele determinasse todo o estoque de moedas na economia, o que não
ocorre. Como exposto e defendido pela perspectiva heterodoxa, o Banco Central não
controla toda a emissão e estoque de moedas, apenas as reservas bancárias, podendo
apenas tentar influenciar indiretamente os bancos comerciais, que são na realidade os
responsáveis pelo controle da quantidade de moeda.

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AULA 2
Marx e Keynes têm uma interpretação muito diferente sobre a moeda, apontando inclusive
que existe uma diferença entre a moeda e o dinheiro. A moeda seria apenas um equivalente
geral, algo que expressa o valor das mercadorias no processo de troca, e podendo servir
também como meio de troca, podendo então, ser qualquer coisa que a sociedade eleja para
ser um equivalente geral, (ouro por exemplo). Enquanto o dinheiro, é uma forma que se
autonomiza das trocas e com isso passa a apresentar outras 3 atributos: servir como meio
de pagamento e consequentemente instrumento de empréstimo e endividamento; ser
moeda universal aceita em diferentes locais do globo e não só por uma sociedade específica;
e por fim ser dinheiro como dinheiro podendo reservar valor e ser entesourado.

O dinheiro como dinheiro ao poder ser entesourado implica numa oposição ao pensamento
liberal apoiado na TQM. Sendo o dinheiro reserva de valor se segue que nem todo aumento
da base monetária gera aumento do consumo, porque parte desse dinheiro excedente pode
não ir para a economia real, mas ser entesourado (ficando na esfera financeira). Keynes
também trata da questão ao dizer que a economia capitalista é uma economia monetária de
produção, pois seus agentes econômicos podem escolher reter moeda, ou seja, podem
escolher não gastar, por vários motivos, já que na economia capitalista prevalece a
incerteza e pode ser necessário ter precaução e assim não gastar. De maneira geral deve-se
entender que a moeda não necessariamente gera inflação, porque ela não necessariamente
vai para o consumo!

C. A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA POLÍTICA


MONETÁRIA NO BRASIL E NO MUNDO.

A era de Ouro do Capitalismo, pós Segunda Guerra Mundial, foi marcada pelo fato da política
fiscal (de manejo de gastos do Estado para dinamizar o ciclo econômico) ter suplantado a
política monetária, que ficou na retaguarda. Sobre a política monetária, o próprio Keynes
dizia que ela é muito importante em períodos de normalidade, pois dá uma diretriz de
previsibilidade para os agentes econômicos, que precisam dessa previsibilidade para fazer a
decisão fundamental da economia capitalista, a decisão do gasto privado.

Assim, segundo Keynes, a taxa de juros em uma economia deveria ser baixa o suficiente
para que a eficiência marginal do capital (a taxa de retorno do investimento) fosse mais
elevada do que a própria taxa de juros. Caso a taxa de juros seja maior que a taxa de retorno
do investimento produtivo, os recursos reais são drenados para a esfera financeira e o
capital deixa de ser investido na produção. Em períodos de crise, no entanto, a taxa de juros
é inócua, e não estimula o investimento investimento mesmo que esteja num patamar
próximo de 0%.3 Na crise, o empresário não tem a expectativa de que a mercadoria
produzida por ele seja vendida na esfera da circulação (mercado).

3. O que seria um patamar muito baixo e reduziria muito o custo de empréstimos o que numa
situação de estabilidade conduziria os capitalistas a partir do dinheiro emprestado investir na
produção e estimular a economia, contratando mais trabalhadores, etc. 11
AULA 2
A partir das crises do Estado de Bem Estar Social na década de 70 é que a política monetária
vai deixar de estar na retaguarda e voltar ao centro do debate econômico. Ironicamente, os
grandes nomes do neoliberalismo, florescente no período, serão chamados de
monetaristas, embora, paradoxalmente, seja perceptível que eles entenderam muito pouco
de política monetária, ou, pelo menos têm uma visão muito simplista, concepção pré teoria
quantitativa da moeda inclusive. Em suma, a política monetária volta ao debate principal, e
se apregoa então a necessidade de estabelecer regras para determinar o nível de preço nas
economias. É nesse processo então que ocorre a chamada revolução monetarista, ou seja, a
ideia de que a política monetária é importante, de que a estabilidade do nível de preços é a
variável da política econômica central.

Essa concepção, de certa forma, está desde a década de 90 no Brasil e foi expressa na
adoção do tripé macroeconômico, que é a estrutura que até hoje se adota para entender e
organizar a política macroeconômica brasileira. O tripé é baseado no controle da inflação a
partir das metas de inflação, que são estabelecidas anualmente pelo Banco Central, da
busca incessante pelo superávit primário, ou seja pelo resultado fiscal positivo do governo
(mais receitas do que despesas) e também do câmbio flutuante, no caso, a não interferência
do Estado no nível da taxa de câmbio (taxa de conversão da moeda brasileira em relação a
outras moedas).

Então, o objetivo da política econômica, por consequência da política monetária e do Banco


Central, passou a ser muito pobre, voltado basicamente a garantir a estabilidade de preços.
Assim, basicamente, o objetivo da nossa política econômica, monetária e do Banco Central,
não é gerar emprego, desenvolvimento, crescimento, não é nem sequer estabilidade
macroeconômica. O objetivo é apenas a estabilidade do nível de preços na economia real,
porque no sistema financeiro por exemplo, há tranquilidade quanto à formação de bolhas
que inflacionam o preço de ativos financeiros, deslocando a valorização da economia real
para o universo das finanças. Não só se reduziu a política econômica brasileira à busca da
estabilidade do preço, como se fez isso através de dois mecanismo: as metas de inflação, um
dos pés do tripé macroeconômico e que o Brasil é um dos únicos países a adotar no mundo;
e um outro instrumento que é a taxa de juros.

Sobre a meta da inflação, o BC determina de quanto será, revelando uma rejeição a


processos inflacionários. Contudo, mesmo esse cálculo deve demandar uma consideração,
uma análise mais minuciosa, porque às vezes a inflação se dá por razões boas e positivas,
por exemplo, pode ser um pouco maior no curto prazo em razão de a economia estar
crescendo e gerando empregos, sendo que no médio/longo prazo essa demanda crescente
da população vai abrir caminho para um aumento do espaço de mercado e consequente
expansão da oferta, levando a um reequilíbrio de preços. Em outros casos, a inflação pode

12
AULA 2
ser causada por um choque temporário, ou mesmo pode estar atrelada aos serviços e não
aos bens, cenário que, em certa medida, garante melhor distribuição da renda.

Entretanto, o BC pouco leva em consideração essas circunstâncias, apenas usa seu único
instrumento, a taxa de juros, para conter a inflação a todo custo. E quando se emprega a
taxa de juros para conter a inflação, na prática se está jogando um balde de água fria na
economia, pois isso reduz as possibilidades de crescimento, de geração de emprego. Dessa
forma, vigora no Brasil uma política econômica equivocada, que considera muito mais uma
meta declinante, que não leva em consideração nem a composição do índice da inflação, e
que emprega um instrumento extremamente perverso do ponto de vista da própria
dinâmica econômica.

D. A AUTONOMIA DO BANCO
CENTRAL DO BRASIL

A ideia da autonomia do Banco Central se ampara justamente na concepção de que a moeda


é neutra, não tem papel de estímulo no crescimento econômico e no entendimento de que o
aumento do nível da base monetária necessariamente acarreta infração, de que o BC
controla os estoques de moeda. A proposta de autonomia do BC também se ampara no
princípio antidemocrático que sustenta a própria concepção do neoliberalismo. Para se
desenvolver e disputar a narrativa teórica contra o Welfare State, na crise dos anos 70, o
pensamento neoliberal culpou os mais pobres pela emergência da crise. Construiu-se a
narrativa de que os pobres queriam ficar mais ricos e por isso pressionavam o Estado; este,
por sua vez, cedia às pressões por ter de ser muito mais permissivo no sistema
democrático.4

Tendo como alicerce essa fábula da culpa do “Estado permissivo” e “irresponsável” abriu-se
um ataque franco do neoliberalismo, tendo como resultado desse diagnóstico a exigência
que se retirasse a política monetária, a política fiscal, o controle do câmbio das mãos do
Estado. Assim a política econômica deveria ser conduzida pelas mãos de quem não cede às
paixões sociais, ou seja, a lei, os técnicos, os neutros. Nessa leitura que vem embasando a
política econômica brasileira recente desde o governo Temer, não é a sociedade que pode
decidir quais serão os gastos com os recursos frutos do trabalho do povo. Na perspectiva do
pensamento neoliberal o controle do universo da política monetária deveria estar nas mãos
dos técnicos, das leis, ou seja, atores e instâncias nos quais a população não vota.

Para compreender o debate recente a respeito da independência do BC é importante


ressaltar que existem algumas diferenças entre autonomia e independência do Banco
Central. A independência significa que o Banco Central se torna totalmente independente,

4. Os economistas da escola de Chicago e patronos da economia neoliberal, ajudaram a consolidar o


programa econômico de Pinochet nos anos da ditadura chilena, pois era mais “fácil” conduzir a
política econômica em lugares com menos democracia. 13
AULA 2
em sentido estrito mesmo, não é mais controlado pelo Estado, por nenhum meio que seja,
nem deve prestar contas a não ser em função de seus próprios interesses. No bojo dessa
polêmica, dado interessante é que inclusive Milton Friedman, uma personalidade histórica
no desenvolvimento do pensamento econômico neoliberal declarou que a ideia de
independência, ou mesmo autonomia do Banco Central, é problemática porque assim há
risco substancial de que o Banco Central se converta em instituição capturada pelos
interesses financeiros dos grandes bancos.

Por sua vez, a autonomia se refere a uma relação um pouco mais branda quando comparada
à independência. Quando se fala em autonomia, é importante sublinhar que o BC brasileiro
sempre teve um determinado grau de autonomia, não necessariamente formal e
institucionalizada, mas no sentido operacional, para, por exemplo, reger a SELIC. Sendo
assim, o Banco Central pode estabelecer o valor da taxa básica de juros seguindo a
orientação da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional, órgão que produz normas
a serem executadas pelo BC.

Então, o que muda com a nova regra implementada pelo governo? Agora, além de
autonomia operacional, o Banco Central possuirá também autonomia política. O que
significa que, até ano passado, o presidente brasileiro (eleito pelo povo) era quem poderia
definir, de acordo com o que fosse conveniente e mais conforme ao seu plano de governo, o
presidente, a diretoria do Banco Central.

Agora, o governo não tem mais essa prerrogativa; até pode indicar nomes para a diretoria
do Banco Central, mas não pode mais alocar pessoas ali ou removê-las segundo seu projeto
político. Hoje é necessário apresentar a demanda da ordem de dispensa de algum dos
diretores do BC para o Senado Federal, enumerando uma série de justificativas e
comprovações de ineficiência, por exemplo, e precisando ter aprovação por maioria simples
da Câmara de Senadores. Além disso, supondo por exemplo que Lula vencesse as eleições
presidenciais no ano de 2022, ele apenas poderia mudar a diretoria vigente do BC no
terceiro ano de seu mandato, de modo que não há mais consonância entre a presidência
nacional e a presidência do Banco Central.

Dentre os principais argumentos favoráveis à essa autonomia política do Banco Central


estão: a defesa de que haveria maior controle da inflação, sugerindo que, sem “interferência
política” o Banco Central deixa de estar sujeito ao viés inflacionário. O viés seria causado, na
medida em que, por exemplo, o presidente do Brasil pretendendo se reeleger ao cargo
influenciasse o Banco Central a implementar uma política monetária expansionista com
emissão de moeda no mercado. Essa expansão geraria inflação no longo prazo, e poderia
desestabilizar toda a dinâmica pré-estabelecida da economia.

14
AULA 2
O argumento se sustenta a partir de uma visão de mundo que entende os indivíduos como
agentes racionais. Trata-se da perspectiva microeconômica, em que essa mudança
“interesseira” e repentina da política monetária, visando à reeleição para a presidência
nacional, significaria uma quebra da expectativa dos agentes econômicos. Assim, haveria
um distúrbio na ordem econômica, com a perda de uma situação até então equilibrada.
Desse modo, haveria maior estabilidade com a nova autonomia política do BC.

Um segundo argumento é o da credibilidade. A autonomia política do BC lhe garantiria


neutralidade, ou seja, um não alinhamento político com a direita ou com a esquerda.
Portanto, a instituição poderia se concentrar apenas na condução da política de juros. Desse
modo, preocupações com taxa de desemprego e outras variáveis econômicas que não a
política de juros e a taxa cambial saem da seara do Banco Central, que pode se colocar como
instituição “neutra” e capaz de cuidar da política monetária e apenas conter processos de
inflação e deflação, havendo em consequência uma economia mais estável.

Contudo, o ganho de credibilidade e maior controle inflacionário por garantir uma


autonomia política e um posicionamento isento se baseia numa ideologia fetichizada de que
existe algum tipo de neutralidade. Primeiramente, o Banco Central não consegue, em
qualquer hipótese, ser uma instituição neutra, principalmente considerando quem são as
pessoas que ocupam as cadeiras de direção. A da diretoria eleita ou indicada do banco
central são basicamente sujeitos relacionados aos bancos comerciais e defenderão os
interesses desses agentes nas decisões de política monetária.

Ao mesmo tempo, tendo os países subdesenvolvidos como referência, a ideia de


desarticular a política monetária do governo é bastante questionável. Os países do sul
global já estão muito suscetíveis à especulação cambial por exemplo, quando um conjunto
de investidores faz grandes movimentações de entrada ou saída de capital modificando
drasticamente a taxa de câmbio nacional. Com um Banco Central autônomo essa
vulnerabilidade aumenta, porque o BC, nesse contexto, atua seguindo regras rígidas e
“técnicas”, não havendo espaço para produzir modificações inclusive comuns nos países
desenvolvidos.

Ademais, há também o problema de desarticular a política monetária da política fiscal. O


Estado, então, pode se propor a ampliar o auxílio emergencial (política fiscal) a fim de
estimular o consumo na pandemia, e o Banco Central, sendo autônomo, simplesmente se
negar a financiar isso, pois se preocupa exclusivamente com a política monetária e não
observa os benefícios de longo prazo para o crescimento econômico. Logo, o BC se fecha ao
desenvolvimento de políticas sociais, voltadas a garantir por exemplo o emprego ou a

15
AULA 2
renda, pois sua preocupação residirá na estabilidade da taxa de juros, o que atende aos
interesses do mercado financeiro em última instância.

Por fim, a autonomia política formalizada do Banco Central o submete a ser capturado pelo
mercado financeiro. Ao aprovar a autonomia do BC, foi vetado pelo governo Bolsonaro a
condição de o presidente do Banco Central possuir apenas um emprego. Assim, passa a
existir a possibilidade de um dos donos dos bancos comerciais e de investimento, como o
Bradesco, ser também diretor do Banco Central do Brasil, por exemplo.

Há, então, bastante clareza quanto aos interesses que estão sendo atendidos com a
autonomia política do Banco Central, caindo por terra o discurso falacioso da neutralidade.
O Banco Central na via oposta ao que foi implementado pelo governo Bolsonaro, deveria
estar à disposição da sociedade e fazer política econômica integrada, visando e
contribuindo para desenvolvimento de um projeto econômico nacional e respaldado pelo
povo.

16
AULA 3 - BNDES: FINANCIANDO O
DESENVOLVIMENTO
O financiamento do desenvolvimento vai muito além do trabalho que o BNDES faz. O
financiamento da educação e saúde, por exemplo, está longe do que é a atuação direta do
BNDES, mas está associado a uma política de desenvolvimento nacional. Assim, cabe
começar perguntando porquê coube ao BNDES e outros bancos de desenvolvimento
carregar o termo desenvolvimento no nome?A palavra desenvolvimento vem do papel
chave desses bancos no investimento.

O investimento público ou privado tem o papel de adiantar recursos para fazer compras, e
assim gerar mais demandas por bens e serviços no presente e também no futuro. Assim,
mesmo enquanto a razão que motiva o investimento não se realiza no tempo, há
crescimento econômico. Principalmente devido pelo efeito de multiplicação da renda do
investimento, ou seja, da capacidade que um investimento tem de aumentar a demanda
estimulando um aumento de renda que por sua vez se converte em mais demanda e
consequentemente mais renda e mais crescimento.

Já quando o investimento se conclui, outras duas coisas são geradas: a ampliação de


capacidade produtiva, por exemplo mais máquinas, melhor infraestrutura, etc; mas
também há um aumento de eficiência pela inovação tecnológica. Desse modo, além de
apresentar um estímulo a atividade econômica na sua dinâmica o resultado e estoque
resultante do investimento amplia capacidade de crescer sustentadamente. Desse modo,
pode-se dizer que o investimento gera demanda a curto prazo e oferta a longo prazo.

A definição de crescimento sustentado pode ser uma boa aproximação ao conceito de


desenvolvimento econômico. A história brasileira amaldiçoou o crescimento como não
sendo a mesma coisa que desenvolvimento, mas o crescimento sustentado do começo dos
anos 2000 pode ser uma materialização do que é considerado como o “desenvolvimento” e
está no mundo das ideias dos debates políticos e econômicos. O crescimento econômico
presenciado entre 2004 e 2011 permitiu gerar recursos para investir em educação e
infraestrutura, num sentido em que crescer era se desenvolver.

A partir da aproximação do debate sobre crescimento e investimento outra pergunta deve


ser colocada: qual o papel dos bancos de desenvolvimento fundamental no investimento ? O
BNDES enquanto um desses bancos tem o papel de possuir um capital paciente e não tenha
o interesse especulativo e imediatista na sua atuação financeira. Nesse sentido, o BNDES
tem grande parte de seus recursos vindos da União, em especial do Fundo de Amparo ao
Trabalhador na forma de um empréstimo do Governo Federal ao banco, mas com condições
de pagamento que permitem que o BNDES não esteja sujeito a pressões que o mercado
financeiro privado faz sobre os demais bancos comerciais.

17
AULA 3
No Mercado Financeiro Privado, as cotas dos fundos têm liquidez diária, de modo que se
ocorre algum problema ou instabilidade, há uma corrida de saque e o banco precisa fazer o
recurso se tornar líquido, impedindo decisões de longo prazo. Como o investimento é uma
variável fundamental para o crescimento sustentado, é necessário haver essa proteção dos
bancos de desenvolvimento em relação à dinâmica imediatista das finanças privadas.

Bancos de Desenvolvimento, promovem o investimento de longo prazo a partir de maior


tempo de empréstimo, taxas menores que a do mercado explícitas ou implicitamente
subsidiadas. A partir disso, faz sentido entender em que circunstâncias é legítimo que se
use esses recursos, que de alguma maneira são subsídios, para financiar investimentos que
teoricamente podem ser financiados pelo mercado de capitais.

Primeiramente, ao observar um país com um mercado de capitais mais profundo, como os


EUA, sem um banco de desenvolvimento é possível visualizar que a competitividade é alta,
mas não necessariamente corresponde à melhor infraestrutura. Isso ocorre, pois o
mercado privado de capitais tem restrições que impossibilitam alongar um investimento
tanto quanto um banco de desenvolvimento (BD). Nesse sentido, os BDs potencializam a
geração de infraestrutura mesmo em países com um mercado de capitais extenso.

Outro ponto para entender a legitimidade da atuação dos Bancos de Desenvolvimento parte
de um consenso na teoria econômica, de que o Estado deve atuar onde existem falhas de
mercado. Da mesma forma, havendo falhas de mercado dentro do universo das finanças
privadas e no mercado de crédito para o financiamento de investimentos privados a
atuação de um Banco de Desenvolvimento é desejável.

“Falhas de mercado” talvez não seja a melhor expressão, para descrever essas situações
onde o Estado atua, pois passa a ideia de que o mercado é sempre bom e apresenta apenas
alguns pequenos defeitos. Contudo, na realidade o mercado não é capaz de dar conta de
toda a complexidade do capitalismo e assim é necessário estabelecer um papel mínimo para
os bancos de desenvolvimento. Desse modo cabe ao BNDES, por exemplo, atuar em setores e
atividades em que há externalidades, isto é, quando há um benefício econômico social que
não é capturado como custo ou receita de um projeto feito por uma empresa ou indivíduo.

O projeto de transporte público, pode ser um exemplo de externalidade que não é percebido
por empresas privadas, pois a conta simples da receita menos os custos pode não observar
o benefício social (que muitas vezes pode ser expresso economicamente) de haver menos
trânsito, inclusive para aqueles que não usam o transporte público. Assim, nessa situação é
conveniente e desejável haver subsídios na tarifa e nas obras que envolvem a dinâmica do
transporte coletivo.

18
AULA 3
O limite do termo “falha de mercado” na verdade é mais evidente, quando observa-se que o
próprio mercado financeiro tem uma falha como característica estrutural. O mercado
privado tem uma atuação pró-cíclica, atuando a favor do ciclo econômico, desse modo
quando se vive um período de crescimento econômico há um incentivo para geração de
bolhas e aceleração excessiva da atividade financeira que pode conduzir a quebras
generalizadas ou mesmo ao aumento da inflação. Por outro lado, em momentos de crise
ocorre fuga de capitais e um aprofundamento da desaceleração ou queda da atividade
econômica, com o crédito ficando mais caro e dificultando a produção e a geração de renda.

Portanto o banco de desenvolvimento é fundamental para mitigar a falha estrutural do


mercado financeiro privado e tem de fazer o papel contracíclico. O que no caso do BNDES
por exemplo consiste em ser prudente nos investimentos no momento de aceleração e
ativo nos momentos de crise, estimulando a atividade e sendo um amortecedor para o
processo recessivo. Essa perspectiva do papel dos bancos de desenvolvimento de
compensar e mitigar a pró-ciclicidade do mercado privado, desde a crise de 2008, começa a
ser cada vez mais abordada pela econômica “ortodoxa” (a visão econômica mais difundida
pelos grandes meios de comunicação).

Os mercados não são obras da natureza, são criações humanas, manifestadas por outras
instituições sociais, as empresas e Estados. Portanto o papel dos BDs mais do que apenas
corrigir os mercados existentes e suas falhas intrínsecas, mas passa também pela atuação
ativa na criação de mercados.

Assim sendo, é necessário saber se posicionar em relação aos diferentes ataques e


acusações que sofrem os bancos de desenvolvimento brasileiros. O BNDES, em especial,
sempre executou políticas definidas pelo governo, como um instrumento do governo e para
cumprir esse objetivo, há uma estrutura que organiza o sistema. O banco é apenas o braço
mais ligado ao investimento público, que se organiza a partir de critérios de análise e
seleção rígidos e não simplesmente aplicando uma prática de “dar dinheiro por aí", os
projetos investidos são estratégicos e inteligentes.

O BNDES é uma das instituições financeiras públicas de maior destaque no planeta invejada
por vários países ricos industrializados. É um dos poucos bancos de desenvolvimento que
financia projetos de infraestrutura e outras áreas da economia, como na indústria de base,
tecnológica e agronegócio, nesse sentido consegue realizar o que o mercado não faz
sozinho. Com os processos de investigação ligados à lava jato e o questionamento das
políticas de "campeões nacionais” o BNDES passou por uma turbulência muito grande, que
chegou a pôr em cheque a sua competência.

19
AULA 3
O maior banco de desenvolvimento do Brasil foi envolvido em supostos escândalos de
corrupção tendo sido investigado do avesso, auditado e objeto de diversas CPIs, sendo
inclusive investigado por agentes externos. Contudo nenhuma das investigações revelou
qualquer falha ou deslize nos processos ligados ao banco. O BNDES foi apedrejado em praça
pública, tendo como consequência, encolhido e reduzido sua atuação, como se fosse algo
inadequado ter as suas práticas antigas de investimento.

Atualmente, em meio a tantas crises, se transformou num banco que não participa mais dos
debates públicos, por ter se apequenado e se retraído. O BNDES é um instrumento muito
importante para o desenvolvimento e da democracia, processos totalmente interligados, já
que só se inclui e se combate a fome e a pobreza se há crescimento econômico.

Portanto, não há outra saída para tirar o país das crises que não através de um programa
muito intensivo de investimento em infraestrutura, o qual promove um efeito
multiplicador (aumento de investimento que estimula a economia e gera um ciclo positivo
de aumento da renda nacional) e um efeito de externalidade (beneficia muito outros
agentes para além do setor público) grandes. O BNDES deve e pode ser muito mais ativo do
que está sendo e a agenda progressista precisa lutar para recuperar a importância desse
banco no programa de desenvolvimento nacional.

20
AULA 04 – CAIXA E BANCO DO BRASIL:
O PAPEL DOS BANCOS ESTATAIS PARA
UMA ECONOMIA POPULAR
A. A ATUAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
PÚBLICAS NO DESENVOLVIMENTO DOS ESTADOS
CAPITALISTAS CONTEMPORÂNEOS

Por fim, pode-se aprofundar o debate, ao compreender como as instituições bancárias públicas
interagem com a estrutura do capitalismo contemporâneo. Para isso, observa-se que estes
Estados contemporâneos têm, do ponto de vista econômico, como estruturas institucionais,
ferramentas que cumprem funções keynesiana e schumpeteriana. Por um lado, o Estado
garante a estabilidade do ambiente macroeconômico de uma perspectiva mais próxima do que
Keynes descreveu, por outro, garante os investimentos para o futuro ciclo de acumulação do
capital, como argumentou Schumpeter.

Então essas duas funções se transformam em disciplinas jurídicas de todos os Estados


contemporâneos desenvolvidos do capitalismo. Entretanto, nos países periféricos essas
instituições, em especial o sistema bancário, têm que resolver os dilemas do
subdesenvolvimento e combater os problemas econômicos e sociais que advém do período de
colonização. Só assim é possível criar um poder econômico autônomo e mais soberano em
relação às pressões globais. Nesse sentido é necessário levar em consideração as
particularidades internas de cada país, as desigualdades de classe, de região.

Portanto, as funções que o Estado capitalista subdesenvolvido tem de ter são superiores, em
termos de demanda, que a do Estado capitalista de um país desenvolvido. Pois em nações do sul
global é fundamental debater e superar condições históricas enraizadas. Assim, há uma
terceira função para o Estado capitalista no Brasil, para além da keynesiana e schumpeteriana,
uma função furtadiana. A realidade brasileira exige, para alcançar uma trajetória econômica de
crescimento, resolver os problemas particulares do subdesenvolvimento nacional e assim
garantir novos ciclos de inovação econômica, como argumentou Celso Furtado.

Para tal desafio, as instituições bancárias públicas são fundamentais neste processo. Essas
instituições já possuem uma extrema relevância na fase atual do capitalismo em países
desenvolvidos, como Estados Unidos, Alemanha e China, e participaram ativamente nos
processo que levaram à construção destas grandes economias. Então, as instituições bancárias
públicas deram suportes à agricultura, à habitação, à saúde, à infraestrutura, à indústria e à
educação nestes países desenvolvidos e assim foram extremamente relevantes para o processo
de crescimento e, ainda são, para a consolidação destas grandes potências a nível
internacional.

21
AULA 4
Portanto, o Brasil não pode seguir outro caminho, deve-se fortalecer essas instituições de
fomento ao desenvolvimento econômico e social. A disciplina jurídica das empresas
estatais brasileiras, não só os bancos, deve ser cumprida de acordo com a Carta Magna
vigente. Três artigos da Constituição Federal de 1988 corroboram com este processo: o
primeiro é o Artigo 3º, o qual aponta que um dos objetivos da República é justamente
garantir o desenvolvimento nacional e criar uma sociedade na qual as desigualdades
desapareçam.

Já do ponto de vista econômico, o Artigo 219º aponta que o mercado interno brasileiro
integra o patrimônio nacional e deve ser incentivado a viabilizar o desenvolvimento social,
econômico e cultural, além de corroborar a autonomia tecnológica do país. Por fim, o Artigo
174º demonstra que a nossa economia tem que ser objeto de planejamento, ou seja, há de se
organizar algo voltado justamente para corroborar e fazer jus ao instrumento citado no
Artigo 3º. Então, o sistema bancário público do Brasil é fundamental para colocar em
prática estes fatores.

B. A HISTÓRIA E OS DESAFIOS DOS BANCOS PÚBLICOS


ENQUANTO AGENTES DO DESENVOLVIMENTO NO BRASIL

Para além de fazer um debate apenas coorporativo sobre as instituições bancárias públicas
é importante entender o seu papel a um nível macroeconômico. Assim, é importante situar
as grandes instituições enquanto instrumentos de política macroeconômica e enquanto
possíveis promotoras do desenvolvimento econômico e social.

Para isso, é interessante retomar uma breve linha do tempo, para identificar que tanto o
Banco do Brasil (BB), quanto a Caixa Econômica Federal (CEF) não são instituições
republicanas, mas sim imperiais, o que tem muito a ver com o processo de desenvolvimento
do Estado brasileiro. O Banco do Brasil foi criado pelo rei D. João VI para financiar a
abertura de empresas manufatureiras. Depois da falência ressurge em 1851 sob direção do
Visconde de Mauá e passa a ser responsável por emitir a moeda do país. Já a Caixa
Econômica foi criada em 1861 por Dom Pedro II para servir aos interesses da Corte.

Historicamente observa-se a importância destes em corroborar para o desenvolvimento


econômico, social e cultural brasileiro e esta constatação não se restringe apenas à análise
da CEF e do BB. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o
antigo Banco Nacional do Desenvolvimento (BND) são também importantes estruturas, que
ajudam a entender o processo histórico da tentativa de construção de um desenvolvimento
econômico. Juntos, esses bancos fornecem um “ecossistema financeiro” de suporte ao
desenvolvimento ao Brasil ao longo do tempo.

22
AULA 4
Entretanto, a estrutura estabelecida no Brasil, a qual pode fomentar o crédito às atividades
que visam o desenvolvimento é subaproveitada. Cerca de 20% da população (38,1 milhões de
brasileiros) durante a pandemia em 2020, foram classificados como invisíveis, são pessoas
que não possuem documentos, registros próprios, nem auxílios governamentais. A partir
disso é necessário fazer indagações: como o Estado brasileiro tendo um aparato de
financiamento público supostamente robusto permite a existência de invisíveis? Quem são
estes invisíveis? É possível um país com essa estrutura de financiamento econômico
alcançar um nível adequado de desenvolvimento com esta parcela considerável da
população permanecendo invisível?

Muitas pessoas que tratam destas questões esquecem que em 1832 foi criada a Sociedade
Protetora dos Desvalidos (SPD), de acordo com seu estatuto de 1874, a SPD admitia como
sócios efetivos “todos os cidadãos brasileiros de cor preta, com o objetivo de auxiliá-los na
doença, invalidez, prisão, velhice e, até mesmo, após a morte, através de um funeral digno.
A instituição proporcionava também pensões aos familiares dos sócios e supervisionava a
educação dos órfãos”. No entanto, a elite brasileira, responsável por fazer a gestão e criar as
estruturas de financiamento, desde a criação da SPD, da virada do século XIX com o fim do
escravismo, até os dias atuais, não introduziram de forma concreta a necessidade de
reverter e corrigir o processo histórico de desigualdade causada pelo racismo, escravismo e
colonialismo.

Então, a ausência do conhecimento dessas experiências pode apontar explicações para a


atual realidade brasileira, onde 38 milhões de pessoas são invisíveis perante o Estado.
Discutir, portanto, o desenvolvimento econômico no Brasil é colocar em cheque os desafios
da inclusão racial e de gênero na mesma proporção.

C. A DUPLA ATUAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS


BRASILEIRAS NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS E NA GERAÇÃO DE RECEITA PARA O ESTADO.
A partir das reflexões a respeito da importância histórica do sistema bancário público
brasileiro, como promotor do desenvolvimento econômico e social, pode-se abordar o fato
de que as instituições parte desse sistema geram lucro e retorno ao próprio Estado.
Contudo, é importante fazer o alerta de que estas instituições estão cada vez mais
ameaçadas pelo atual projeto do governo federal, seja a atuação de promover o
desenvolvimento, ou até a própria existência dessas instituições. Nessa abordagem
levantam-se como instituições centrais a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, mas
também o BNDES, o Banco do Nordeste (BNB) e o Banco da Amazônia (BASA), sendo esses
bancos centrais para a atuação do Estado brasileiro enquanto fomentador do
desenvolvimento econômico mais inclusivo do ponto de vista regional.

23
AULA 4
Na década de 1990, no governo FHC aconteceram várias privatizações dos bancos públicos
regionais do Brasil. Os poucos bancos que resistiram a esta primeira onda de privatizações
contemporâneas se mostraram fundamentais ao longo dos anos posteriores, principalmente a
partir de 2003, no governo do Partido dos Trabalhadores (PT). A gestão feita pelos governos
petistas reforçou a importância destas instituições como fomentadoras do desenvolvimento
econômico nacional, regional, a partir do investimento em projetos industriais, rurais
(agricultura familiar, sobretudo), de infraestrutura, de investimento em mobilidade, de
saneamento e até na área da cultura. Também pode-se perceber, principalmente após a crise
financeira internacional de 2008, o papel anticíclico dos bancos públicos, reduzindo as taxas de
juros para alavancar o crédito às famílias e empresas.

Nesse período os bancos públicos, principalmente a Caixa Econômica Federal, operam políticas
públicas fundamentais para o Brasil, a Caixa é responsável por gerenciar o Fundo de Garantia, o
Fundo Constitucional e diversos programas sociais. Um desses programas, o Minha Casa Minha
Vida, gerou cerca de 7 milhões de empregos diretos e indiretos desde sua criação, além de
entregar mais de 5 milhões de casas para os brasileiros.

Outro programa, o Crédito Rural para pequenos e grandes produtores, que financiou quase 53%
do crédito Rural no Centro-Oeste, principal região produtora do Brasil, tem seus recursos
provenientes do Banco do Brasil. Por fim, é importante destacar que o crédito para
Infraestrutura é predominantemente financiado pelo BNDES. Ao mesmo tempo, o programa
“credamigo”, que oferece crédito para trabalhadores informais e micro/pequenos empresários
do Nordeste é promovido pelo Banco do Nordeste.

Durante a pandemia, a CEF através de sua estrutura organizacional responsável por organizar e
operar grandes redes de políticas públicas, permitiu que 70 milhões de pessoas pudessem ser
beneficiadas pelo Auxílio Emergencial. Mesmo que 40 milhões destas pessoas não tinham conta
bancária, sendo consideradas “desbancarizadas”, elas não deixaram de receber o benefício e na
verdade foram incluídas no setor bancário a partir do Auxílio Emergencial, fato que é muito
importante para formular futuras políticas públicas.

Apesar desta e de outras características, o modelo de negócio dos bancos públicos do Brasil
consegue dar lucro. Nos últimos 20 anos, 71% dos dividendos pagos das estatais para o governo
vieram do setor bancário público. Mesmo assim, todo este processo centenário de organização
do Estado e das suas ferramentas bancárias de atuação está ameaçado pelo atual governo
federal. Há um processo de desmantelo das instituições públicas, de esvaziamento das
ferramentas bancárias públicas. O principal intuito do projeto de governo representado por
Bolsonaro é privatizar completamente as instituições bancárias, ameaçando com isso a
capacidade futura de alavancar investimento e promover o desenvolvimento brasileiro.

24
AULA 5 - UMA POLÍTICA DE
DESENVOLVIMENTO PARA AS
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS PRIVADAS
A. A ESTRUTURA DO SISTEMA FINANCEIRO GLOBAL
À LUZ DAS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS DE KEYNES,
KALECKI E FURTADO.
Para poder entender melhor o sistema financeiro nacional, é importante conhecer algumas
das elaborações feitas usando o aparato teórico do Princípio da Demanda Efetiva, de Michal
Kalecki e de John Maynard Keynes. A partir desse aparato, chega-se a conclusões que
contrariam a perspectiva liberal sobre o funcionamento da economia. A primeira delas é de
que o funcionamento normal da economia capitalista não a leva para o pleno emprego e
para a diminuição das desigualdades.

Em segundo lugar, os agentes privados agindo de maneira independente não fazem uso
pleno dos recursos produtivos de uma economia. Em terceiro, a ampliação da poupança por
parte dos agentes individuais na verdade diminui os gastos agregados e contrai os
investimentos, reduzindo, consequentemente, o nível de produção da economia. Por fim,
depreende-se que, apesar de não ser preciso haver poupança para financiar gastos, é
necessário crédito para financiar uma parte dos investimentos e consumo e é nesse
momento que entra o sistema financeiro.

Além dessas conclusões, é necessário compreender o funcionamento do sistema monetário


e seu processo de criação de moeda. O Estado pode mexer com o volume da base monetária,
seja comprando títulos da dívida pública e assim “emitindo” moeda seja vendendo títulos e
retirando moeda da economia. Contudo, os bancos comerciais, com a permissão do Estado,
podem criar poder de compra para os agentes não financeiros da economia, ou seja, podem
emprestar dinheiro a indivíduos e empresas .

Assim, cada vez que um banco comercial empresta cria moeda nova, o faz com uma
expectativa de ganhos, ou seja, tem de haver uma projeção de demanda no futuro que
permita que o devedor pague o empréstimo. Quando os bancos criam moeda, ou poder de
compra, através de empréstimos eles vão ao mercado interbancário (mercado de
empréstimo entre bancos privados), ou, em última instância, ao Banco Central, para
garantir um equilíbrio nas suas contas. Mas isso só acontece se houver oportunidades de
negócios lucrativos da perspectiva dos bancos privados.

Assim, chega-se à conclusão de que os bancos têm papel fundamental em permitir um nível
mais elevado de demanda agregada, já que os bancos são criadores de poder de compra

25
AULA 5
novo, o qual permite que os outros agentes consumam ou invistam mais. Vale a pena notar
também que as finanças privadas apresentam um caráter pró-cíclico, já que os bancos
tendem a fornecer mais crédito quanto mais o ciclo de negócios estiver aquecido. Mas é
exatamente quando o ciclo de negócios está desaquecido que a economia precisa de crédito,
no caso, o sistema financeiro privado faz o contrário: contrair crédito na crise, agravando-a.

Para o caso brasileiro, observa-se que, mesmo nos governos petistas mais de esquerda, a
política macroeconômica teve dificuldade de orientar o setor privado a ajudar no combate
aos problemas mais importantes da economia, as tendências de geração de desemprego e
desigualdade. Nosso sistema financeiro é bastante oligopolizado, onde 5 bancos detinham
até 2020, cerca de 80% do mercado de crédito nacional e dos depósitos a vista, operando
com spreads muito altos.

Porém, o Brasil possui uma estrutura institucional de muita qualidade no que diz respeito
aos bancos públicos, frequentemente ameaçada pelo discurso neoliberal. Curiosamente,
quando os bancos públicos começam a competir com os bancos privados, forçando-os a
reduzir seus spreads, as forças políticas se articulam e argumentam que “os bancos
públicos não estão sendo tão lucrativos quanto os bancos privados, portanto são um ônus
para a sociedade”. O bom funcionamento do sistema financeiro, entretanto, não significa
uma extraordinária geração de lucros, sejam os bancos públicos ou privados. Os bancos
públicos interpõem novos parâmetros para os bancos privados. Seria um desperdício não
utilizarmos essa institucionalidade nesse sentido.

O Brasil saiu relativamente bem da crise de 2008 porque o sistema de bancos públicos,
comerciais e de desenvolvimento, expandiu a oferta de crédito na crise. Um sistema
financeiro eficiente, tem de se organizar numa combinação entre a função pública e função
privada em sua configuração institucional. Os bancos têm, como função social fundamental,
a tarefa de identificar quais são os agentes que devem receber crédito de maneira diligente
(o que exige regulação por parte do BC) e com eficiência pública. Não é possível se apoiar na
crença de que os mercados agindo livremente levam a economia para o máximo benefício
público naturalmente.

B. AS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS PRIVADAS NO BRASIL E


O PAPEL DO ESTADO NA COORDENAÇÃO DE UM PROJETO
DE DESENVOLVIMENTO.

No Brasil, os bancos às vezes são vistos como parasitas, estão no “topo da pirâmide” do
capitalismo brasileiro e lucram cada vez mais, mesmo durante a pandemia. Por isso, a
população no geral pode acabar vendo o sistema financeiro como necessariamente

26
AULA 5
disfuncional para o país, sugando o Estado quando acumula títulos da dívida pública,
sugando os trabalhadores quando aplica juros astronômicos no cheque especial, e não
dando nada em troca.

Muito dessa visão é realmente verdade. É fato que o sistema financeiro privado não dá
vazão às necessidades econômicas e sociais do país, é verdade que há um sistema
financeiro que, a despeito de lucrar, não dá retorno para a sociedade. E também é visível
que esse sistema financeiro tem poder político o suficiente para deixar as coisas como
estão ou até piorá-las, por exemplo, pressionando um aumento da taxa de juros para elevar
seus rendimentos. Porém, apesar de tudo isso, ele ainda se faz necessário.

O sistema financeiro é explicado a partir de várias correntes teóricas, mas serão


apresentadas duas. Na concepção da primeira corrente, o sistema financeiro não só é, como
deve ser neutro, colocando-se como um mero intermediador, que capta recursos de quem
tem sobrando, e empresta para quem tem faltando, de modo que só emprestaria na forma
de crédito (que posteriormente se torna investimento) o que tivesse posse como poupança.

Porém, o setor financeiro não seria capaz de alterar as condições de financiamento da


economia. Dessa forma, os problemas da economia são justificados pela falta de recursos
para que o sistema financeiro possa distribuir (falta de poupança). Portanto, essa visão
entende que a poupança é anterior ao investimento, e, assim, seria o papel do
intermediador captar esses recursos poupados e distribuí-los. Por isso, algumas correntes
teóricas defendem altas taxas de juros, para que as pessoas possam escolher investir em
ativos altamente rentáveis e abastecer o sistema financeiro.

Em contrapartida, a segunda corrente teórica (que será a referência neste caderno) defende
que, além de intermediador, o sistema financeiro é a peça-chave para o investimento
produtivo. Nessa visão, as decisões dos agentes financeiros afetam sim as condições de
financiamento da economia. Além disso, nela o investimento que determina a poupança, e
não o contrário, como estabelecido pela corrente anterior. Desse modo, é possível ao
sistema financeiro fornecer crédito sem necessariamente haver algum valor prévio
poupado e a dinâmica do investimento e da produção cria a posteriori um valor
correspondente que quita o pagamento do empréstimo.

Nesse sentido, o investimento produtivo pode ser restringido por falta de financiamento,
mas jamais por falta de poupança. A partir dessa concepção, defende-se que não adianta
haver um sistema financeiro bem capitalizado e espíritos ativos do empresariado, se não há
o que lhes dê cobertura financeira. Para que haja um bom funcionamento do sistema
capitalista moderno, e para que se alcance o pleno emprego, é necessário que o sistema
financeiro seja capaz de responder às demandas do sistema produtivo por financiamento.

27
AULA 5
Todavia, na tentativa de estabelecer um sistema financeiro nacional direcionado ao
desenvolvimento, pode-se deparar com um problema. Os investimentos produtivos que
promovem o desenvolvimento nacional são aqueles mais robustos, duradouros e
arriscados. A pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, maquinaria pesada,
parques e plantas produtivas, entre outros, são as áreas que mais ampliam a capacidade de
um crescimento sustentado.

Esses investimentos de longo prazo também precisam de financiamento, mas, da mesma


forma que é arriscado para as empresas que investem, também é arriscado para quem as
financia. Dessa forma, se faz necessária uma institucionalidade responsável por esse tipo
de investimento, que, no Brasil existe apenas no campo público, sendo muito incipiente no
campo privado.

No capitalismo moderno, os bancos comerciais (Itaú, Santander, Bradesco, etc) e bancos


múltiplos que cumprem ao mesmo tempo funções de banco de investimento (mais voltadas
para empresas em uma periodicidade), e funções de banco comercial (depósitos, saques,
poupança para pessoas físicas e pequenas empresas) são agentes mais importantes do
sistema financeiro. São os conhecidos como “parasitas”, são os “rentistas”, os mais odiados.

Contudo, é difícil exigir dos bancos comerciais que financiem o setor produtivo a longo
prazo, justamente porque eles captam recursos a curto prazo. Pode ser cobrar muito de um
banco que obtêm seus recursos de depósitos a vista, que ele financie investimentos
duradouros e arriscados sendo uma exigência alta para a própria estabilidade do sistema
financeiro. Pode-se acabar gerando quebradeiras bancárias, proporcionando uma crise
sistêmica na economia. Porém, isso não quer dizer que esses bancos não podem ter outras
funcionalidades no desenvolvimento, ou que não se pode criar outros mecanismos que
direcionam a atividade privada ao desenvolvimento.

O Estado tem poder de estimular os agentes do sistema financeiro a tomarem certos rumos,
estimulando, por exemplo, os bancos a saírem da circulação financeira (menos produtiva) e
direcioná-lo para a circulação industrial (mais produtiva). É possível estipular algumas
políticas de estímulo ao setor bancário comercial privado, como a redução da taxa básica de
juros (taxa SELIC) e o aumento do grau de competição por preços de empréstimos e
consequente redução dos juros. Ainda pode-se promover incentivos à criação de canais de
financiamento alternativos, o fazer uso de estímulos fiscais para favorecer os investidores
a aplicar em prazos mais longos, ou mesmo facilitar a aliança entre o setor financeiro
privado e os bancos de desenvolvimento, etc. Entretanto, nenhuma dessas medidas por si
só vai resolver o problema, mas sim um planejamento econômico do Estado, em busca de
um crescimento ordenado.

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AULA 5
C. AS IDEOLOGIAS E AS ESTRUTURAS DO MERCADO
FINANCEIRO PRIVADO BRASILEIRO.

Na perspectiva do mercado de capitais, principal segmento do que está no imaginário


popular como mercado financeiro, não importa se está caindo ou se está subindo, o que
importa é que haja compra e venda. O mercado de capitais tem uma lógica ainda mais
sofisticada que o mercado de crédito. Em 10 de junho de 2021 o Ibovespa chegou a 130 mil
pontos, patamar superior ao anterior à crise, mostrando mais volatilidade e rapidez na
recuperação. Assim, parece existir um mundo paralelo do mercado financeiro.

O mundo paralelo chega ao ponto de haver estouro de champanhe em muitas equipes de


bancos de investimento, quando o Impeachment da Dilma foi definido. O ambiente em que a
supervalorização do livre mercado também convive, não surpreendentemente, com
adiscriminação salarial. Um homem branco, no mesmo cargo que uma mulher negra, e
inclusive ambos cursando a mesma faculdade, recebe um salário maior. No lugar que,
supostamente, é o coração do livre-mercado, o que justifica situações como estas são
decisões sem critério, com um viés de classe, de gênero e de raça bem definidos.

As famílias de baixa renda hoje, no Brasil, se endividam com as faturas do cartão de crédito
e do cheque especial, as quais são as piores formas de crédito. Os juros ao ano do cheque
especial do cartão de crédito chegam a 300%. Assim, falar de finanças pessoais é um grande
pretexto para popularizar o debate sobre economia política. A partir do conceito de Paulo
Freire de empoderamento, pode-se dizer que, a partir do empoderamento financeiro, as
pessoas excluídas desse universo passam a ter o conhecimento mínimo para entrar no
debate. Afinal, esse debate é restrito a uma camada muito pequena da população brasileira.

Nesse sentido, de empoderamento é necessário debater 2 tópicos fundamentais: a origem


escravocrata do mercado financeiro no Brasil; e a financeirização do desenvolvimento
sustentável e igualitário. O aprofundamento sobre o primeiro tema, embasa-se na
perspectiva de dois autores: historiador John Henry Schulz (em seu livro “Crise Financeira
da Abolição”), o qual trás uma perspetiva vastamente ignorada na historiografia clássica
brasileira que é a crise financeira brasileira decorrente da abolição da escravatura; e o
economista Jorge Alano Silveira Garagorry (em seu artigo “O Brasil na primeira
mundialização financeira”), que argumenta que o sistema financeiro brasileiro começa com
a escravidão.

Em relação ao avanço da financeirização sobre os debates de caminhos para


desenvolvimento, as obras da economista Jayati Ghosh e da cientista política Wendy Brown

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AULA 5
podem ser um bom ponto de partida. Jayati apresenta o conceito de “new deal
multicolorido”, recuperando a ideia do new deal original mas em diálogo com a atual visão
do green deal, e a partir disso propõe um acordo multicolorido. Já Wendy, em seu livro “Nas
ruínas do neoliberalismo” critica o processo de financeirização e a penetração do
neoliberalismo nas políticas sociais.

A partir das obras dessas duas autoras, é possível tecer uma crítica ao atual “green deal”
discutido pelas potências mundiais, devido a seu caráter “financeirizado”. O mercado
financeiro está muito interessado em avançar sobre esses debates ambientais, a partir de
conceitos como ESG (Environment, Social and Governance), que é uma agenda de regulação
dos mercados para a sustentabilidade. Essa abordagem não atinge as questões estruturais
ligadas à preservação ambiental, mas apenas o que tange ao mundo das finanças.

Assim, deve-se pautar não necessariamente como desenvolver o sistema financeiro, mas
sim em refunda-lo, o que passa pelos pontos relacionados ao “multicolored deal”, mas com
uma atenção grande a influência do neoliberalismo à individualização e à financeirização de
problemas que são estruturais e coletivos. O sistema financeiro brasileiro vê o projeto
neoliberal vem ganhando força desde o impeachment da Dilma e a consequência da briga
que a ex-presidenta comprou para reduzir os juros na economia nacional foi o golpe.

Em agosto, o Brasil, chegou a 570 mil mortos pela COVID, mas ao mesmo tempo teve 11
bilionários que entraram na lista da Forbes. O desemprego bate taxas recordes, mais de 50%
da população se encontra com algum grau de insegurança alimentar e enquanto isso, a
bolsa se recupera como se o Brasil estivesse indo muito bem. É extremamente necessário
disputar as narrativas da economia para que não se consolide essa visão de que o mundo
das finanças comanda e é o termômetro que conduz a política econômica. Afinal, como
disse a grande economista Maria da Conceição Tavares, "ninguém come PIB, come
alimentos”.

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