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50112-Texto Do Artigo-61945-1-10-20130118 PDF
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deres religiosos dos calundus ou dos candomblés, relações ampla entre congregações religiosas de
desde o período colonial, conseguiam sedimentar fortes traços jeje, consolidando formas de soli-
alianças com membros de outras classes sociais, dariedade em momentos mais críticos da repres-
ampliando o poder político através da crença nos são promovida por membros da boa sociedade
“voduns” para manter as casas de culto em plena imperial. Apoiando-se na historiogra�a recente
atividade. Neste sentido, Parés argumenta que as sobre as irmandades religiosas do período colo-
�guras conhecidas como ogãs eram recrutadas nial, Parés argumenta que as intensas ligações
entre pessoas in�uentes para interceder a favor entre os grupos religiosos no século XIX tinham
dos candomblés, impedindo a prisão de seus lí- relação com um comportamento de longa du-
deres e a interrupção de suas atividades rituais. A ração temporal, remontando ao incentivo se-
argumentação de Parés, então, entrelaça relações nhorial para a formação daquelas irmandades,
políticas, formas de uso do dinheiro na sociedade as quais contavam com a participação ativa de
escravista da Bahia e a visão de mundo dos agentes escravos, africanos livres e libertos.
sociais, baseada na crença em poderes mágicos. Mas e após os anos 1860, como �cou a
A conduta metódica de administração do di- in�uência jeje na institucionalização do Can-
nheiro ganha por libertos e escravas, em Salvador domblé na Bahia, o leitor, como eu mesmo ao
em larga medida pode ter ajudado na consolida- ler o livro, pode ter se perguntado?
ção dos procedimentos mágicos dos jeje, como Nos anos 1871-1891, houve o que �cou
uma ação que tinha resultado no mundo social. conhecido entre os intelectuais que estudaram
Este clima social foi favorável à predomi- as “religiões afro” na Bahia e o “povo-de-santo”
nância da tradição jeje no Candomblé dos anos como “processo de nagoização” do Candom-
1860, o que pode ser con�rmado na análise blé da Bahia, quando a identidade nagô-iorubá
minuciosa de Parés das notícias do periódico sobrepujou as referências às características jeje.
O Alabama, que alude a um nível complexo e Neste período, a “africanidade” foi construída
bem estruturado de institucionalização religio- como uma forma de resistência das antigas casas
sa em Salvador. Na cidade, predominavam os de culto, mesmo já crioulas no século XIX, para
“indivíduos”, praticantes de Candomblé, mas se manterem à frente das casas fundadas mais re-
que não lideravam hierarquia complexa algu- centemente. Parés ressalta que, neste período, a
ma, desenvolvendo práticas de “exorcismo” e idéia de que as “coisas da África” eram mais fortes
de “cura”, cultuando uma única entidade. Já do que as “crioulas”, nos efeitos dos feitiços, per-
nas roças ao redor da cidade, para onde escra- passava fortemente vários grupos sociais. Assim,
vos fugidos seguiam com maior freqüência e aquilo que as pessoas não diziam ser “africano”,
onde se localizavam quilombos diversos, esta- passou a ser dito africano. Também neste perí-
vam os candomblés com uma hierarquia mais odo muitos terreiros baianos se comunicavam
complexa e o culto de mais de uma divindade com a Costa da Mina, legitimando a sua hierar-
espiritual. Trata-se, mais uma vez, de um traço quia frente aos outros terreiros que não tinham
da matriz de culto religioso jeje, e não nagô. estes vínculos diretamente estabelecidos.3
Conforme Parés, há outros indícios desta O século XX foi palco de uma proliferação de
marcante e fundamental presença. Ele encon- Candomblés baseados, direta ou indiretamente,
trou, em O Alabama, um maior número de em certas características da religião “vodum”, ou
termos jeje do que nagô, na década de 1860 e
que, por mais imprecisões jornalísticas que pos- 3. Para uma discussão detalhada das ditas “nações afri-
sam ter sofrido, indicam que havia uma rede de canas” em Salvador e no seu entorno, ver OLIVEIRA
(1995/1996 e 1997).
seja, o culto a uma constelação ou a grupos de di- Parés mostra a importante diferença entre os
vindades, com rituais que utilizam a performan- métodos e investigação da História, as formas
ce seriada. As etnogra�as produzidas por Parés de construção da memória e os métodos de aná-
demonstram como tais características, constru- lise baseados na etnogra�a, uma das marcas da
ídas historicamente através da in�uência da re- Antropologia, para a construção do livro.
ligiosidade dos jeje na Bahia, se transformaram O livro de Parés trata, em suma, das condi-
em pontos centrais da vida social dos candom- ções de possibilidade para a força do Candomblé
blés e do exercício ritual da crença nas divinda- na Bahia como religiosidade institucionalizada,
des, essencialmente dinâmicas. Na formação do condições estas historicamente construídas e
Candomblé, além destes elementos demonstra- com uma compreensão memorial do “povo-de-
dos no livro, encontra-se também a capacidade, santo” nos dias atuais. Candomblé, assim, não é
oriunda do “vodum”, de, ao longo dos séculos, um termo engessado, mas em movimento cons-
incluir outras divindades aos panteões existentes. tante de mudança social, como a própria vida
A formação é, assim, compreendida como termo social. Ainda, e sempre, em formação.
que dá dinamismo à leitura das fontes diversas
pesquisadas e produzidas pelo autor. Referências bibliográ�cas
O sentido do termo formação usado por Parés
não remonta, assim, o entendimento do modo GOMES, Flávio dos Santos. 1995. História de quilombolas:
pelo qual as características dos Candomblés na mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janei-
ro – século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. (2ª.
Bahia, no presente, foram gestadas no passado
edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2006).
para que se possa compreender como chegamos ______. 2005. A hidra e os pântanos: mocambos, qui-
ao presente. Ao compreendermos isso, ter-se-ia lombos e comunidades de fugitivos no Brasil – séculos
as bases para a de�nição dos rumos da nossa XVII-XIX. São Paulo: Editora Unesp / Polis.
sociedade, vista muitas vezes como monolítica OLIVEIRA, Maria Inês Côrtes de. 1995/1996. Viver e
e homogênea. Parés usa o conceito de formação morrer no meio dos seus: nações e comunidades afri-
canas na Bahia do século XIX. Revista USP, São Paulo,
no sentido de pensar o passado à luz do cruza-
n. 28: 175-193, dez./fev.
mento dos dados coletados das fontes impres- ______. 1997. Quem eram os “negros da Guiné?” A ori-
sas, das conclusões da historiogra�a pertinente gem dos africanos na Bahia. Afro-Ásia, n. 19-20: 37-73.
ao assunto, da memória oral e da prática ritual REIS, João José. 1993. A greve negra de 1857 na Bahia.
– etnografada pelo autor – de certas casas de Revista USP, n. 18: 7-29, jun./jul./ago.
Candomblé de Salvador e do Recôncavo Baia- ______. 2003. Rebelião escrava no Brasil: a história do
levante dos malês em 1835. Ed. revista e ampliada.
no. Ele não coloca o presente em estado pronto
São Paulo: Companhia das Letras.
e inquestionável, mas como fruto de uma cons- SOARES, Carlos E. Líbano. 1998. Zungu: rumor de
trução de uma narrativa e das percepções que os muitas vozes. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Es-
agentes sociais têm do passado. Neste sentido, tado do Rio de Janeiro.
Recebida em 25/10/2006
Aceito para publicação em 13/12/2006