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Neste artigo são distinguidas duas modalidades In the article “Morro” versus “pista”: A compara-
da prática do comércio ilegal de drogas na cidade tive study on different dynamics of illegal drug
do Rio de Janeiro a partir dos modos de sociabili- trade, two modalities of the illegal drug trade
dade predominantes que particularizam as redes practice in Rio de Janeiro are distinguished with
do tráfico do morro e da pista. São observados os basis on the prevailing sociability modes which
particularize the slum(“mono”)’s and the middle
aspectos circunstanciais sob os quais elas operam, cluss (“pista”)’s traffic networks. The circumstantial
ressaltando o papel das diferentes relações com o aspects under which they operate are observed.
território e as dinâmicas organizacionais e hierár- Emphasis is given to the role of the different re-
quicas distintas na produção dos modos violentos lations with territory and the distinct hierarchical
ou normalizados de sociabilidade encontrados no and organizational dynamics in the production
mercado ilegal de drogas. Em se tratando de redes of violent or normalized sociability modes found
interconectadas, são apontadas algumas notas in the illegal drug market. As they are intercon-
sobre seus pontos de contato. nected networks, some notes on the intersection
between the two are pointed out.
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e as “experimentavam”, simulando os olhares e a postura cor-
poral de quem está prestes a atirar e com “disposição pra ma-
tar”3. Não se preocupavam em avaliar a qualidade da arma,
mas em ver qual “peça” compunha melhor o seu visual. Sobre
esse episódio narrado por João e Bernardo, eles comentaram
que “o clima tava pesado”.
Os dois comercializam drogas ilícitas, mas não portam
armas e nem sabem atirar. Bernardo não vê graça alguma
nesses artigos bélicos, ao passo que João saboreia imaginar-
se manejando uma, mas lhe falta a “disposição”. Já chegou
a comprar um revólver calibre 38 aos 20 anos de idade, po-
rém confessou que se sentia extremamente inseguro quando
o portava, temendo que alguém “entrasse numa” com ele.
Afinal, “eu não posso levar porrada armado, mas também
não quero ter que atirar em ninguém”. Após ter a sua arma
“travada”(confiscada) pelo pai de um amigo que a encon-
trara em sua casa, onde João a tinha deixado guardada, ele
desistiu de seu fetiche sem jamais ter atirado em ninguém.
3 “Entre os envolvidos no Assim como eles, diversos outros jovens de classe média
mundo do crime, ‘bandido’
corresponde a uma identi-
compõem o chamado tráfico “da pista” e uma parte subs-
dade social construída em tancial dos fluxos do mercado de entorpecentes no Rio de
torno de característica pes-
soal e interna: a disposição
Janeiro passa pelas redes de comerciantes do “asfalto”, que
pra matar”. (Zaluar, 1994, estabelecem relações com os do “morro” ou mesmo realizam
p.139).
transações que os excluem. Apesar de se encontrarem inseri-
4 Os recortes etário e de
classe não são eficientes
das no contexto mais amplo desse mercado ilegal, essas redes
para distinguir essa mo- funcionam de maneira independente e se distinguem das de-
dalidade de tráfico, pois as
redes de relações incluem
mais por uma sociabilidade específica que particulariza essa
pessoas com mais de 30 modalidade do comércio ilegal de drogas.
anos e menos de 18, além
de comportar indivíduos Em minha pesquisa de dissertação (GRILLO, 2008),
oriundos de famílias que tive acesso a uma rede social de “traficantes jovens de classe
compõem os extratos mais
baixos e os mais altos das média”4 em liberdade, acionada a partir de um informante
camadas médias urbanas principal, que denominei João, e composta por traficantes
do Rio de Janeiro. Ainda
assim, pode-se afirmar que que, em sua maioria, já eram meus conhecidos desde antes
estas redes são constituí- do engajamento neste estudo. Procurei me inserir nos con-
das principalmente por jo-
vens de entre 20 e 35 anos textos de socialização desses traficantes e, apesar de revelar
de idade cuja origem social as minhas intenções de pesquisadora, a coleta dos dados
preponderante é de classe
média, compreendendo transcorreu de maneira discreta, sendo a minha presen-
“classe média” enquanto
categoria nativa, isto é,
ça interpretada com naturalidade. Através de entrevistas
levando em conta a auto- informais – nas quais era perguntado apenas o que fosse
definição dos indivíduos
pesquisados.
coerente com o andamento da conversa – e da observação
Territorialidade
Organização e hierarquia
A competição