O Plano Brady, apresentado pelo novo Secretário do Tesouro norte-americano,
representa um passo importante, ainda que tardio e incompleto, no sentido de resolver a crise da dívida externa dos países altamente endividados. Com o início do governo Bush, a posição oficial dos países credores em relação à divida, sempre sob o comando do governo dos Estados Unidos, entra agora definitivamente em sua terceira fase.
A primeira fase, definida a partir do diagnóstico equivocado de que se tratava
simplesmente de um problema de liquidez, foi a da proposta de austeridade, ou, mais precisamente, da solução convencional de combinar financiamento com ajustamento austero. A segunda fase, a partir de 1985, foi a do Plano Baker, que pretendia aumentar o financiamento (não o logrou) e propor, além das políticas de ajustamento de curto prazo, reformas estruturais de sentido liberalizante, que, implementadas no México, pouco resultado trouxeram por enquanto.
O retumbante fracasso do Plano Baker levou o governo dos Estados Unidos, a
partir do final de 1987, depois de recusar uma proposta do Brasil exatamente nesse sentido, a começar a admitir, mas de forma muito limitada, a securitização da dívida, ou seja a conversão da dívida em novos títulos capturando parte do desconto existente no mercado financeiro secundário. Permitiu-se, exclusivamente, como aconteceu no caso do projeto México-Morgan, a securitização "voluntária", decidida exclusivamente no mercado, proibindo-se que a securitização fosse "negociada", fosse o resultado de uma negociação que em seguida obrigaria os bancos. Proibiu-se também que o Banco Mundial - que estava interessado em agir nessa área - desse qualquer tipo de garantia aos novos títulos, nos termos que o Brasil e o México solicitaram.
A novidade do Plano Brady, apesar de toda a indefinição em que está envolto, é
a de permitir e estimular o Banco Mundial e o FMI a oferecerem garantias aos novos títulos com desconto que seriam emitidos pelos países altamente endividados. Em seu discurso na Brookings Institution, o secretário Nicholas Brady insistiu que a securitização deveria ser feita no mercado, de forma voluntária, mas lembrou que as negociações deverão ser realizadas segundo parâmetros estabelecidos pelo Banco e pelo Fundo. Disse também que as duas instituições deveriam usar recursos próprios, mas deixou entrever que os demais países credores, especialmente o Japão, deverão participar da constituição de um fundo para permitir o suprimento de garantias. Acentuou que a redução da dívida só seria assegurada a quem se conformasse às condicionalidades estabelecidas pelas duas instituições, entre as quais salientou as "reformas estruturais". Estas condicionalidades terão que ser discutidas pelos países devedores, há nelas um vezo neoliberal incompatível com a realidade desses países, mas não há dúvida de que há nelas muito de muito razoável, que, com uma efetiva redução da dívida, deixará de se constituir em política de ajustamento self-defeating e poderá ser implementada.
O problema é saber agora se o Plano Brady permitirá efetivamente que os
países altamente endividados consigam a redução de aproximadamente 50 por cento em sua dívida externa de que necessitam. Apenas através do plano isto não será possível, devido à insistência em securitização "voluntária" para cada banco, via mercado. Uma securitização só será plenamente bem sucedida ser for negociada e, uma vez negociada, obrigatória para todos. Deverá ficar claro que os bancos que não aderirem nada receberão. Deixar a adesão ao esquema de forma totalmente voluntária é levar os bancos mais fortes a ficar "por último" de forma a afinal não concederem o desconto.
De qualquer forma temos um avanço importante com o Plano Brady. Os
credores reconhecem o fracasso das estratégias anteriores e autorizam o Banco e o Fundo a concederem garantias para a redução da dívida. Essa idéia deixou agora, oficialmente, de ser "inaceitável", um "non starter" para os países credores. Mas a crise da dívida está longe de estar solucionada. Enquanto se quiser limitar a garantia a esquemas "voluntários", nos quais ao mercado cabe a última palavra, não haverá solução para a crise. Mas com este plano abre-se uma nova oportunidade aos países devedores para agir com firmeza e habilidade. Agora é possível para esses países estabelecer planos de securitização global da dívida em comum acordo com o Banco e o Fundo, e depois exigir que todos os bancos que queiram receber seus créditos participem do plano. Desta forma está aberto um caminho claro para a solução efetiva da crise da dívida externa. Entretanto, para que e esta solução, tímida mas claramente legitimada pelo Plano Brady, se torne realidade a possibilidade de os países altamente endividados tomarem medidas unilaterais continuará a ser essencial.